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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Democracia decretada e participação praticada: desafios e possibilidades da gestão escolar democrática em uma escola municipal
de Poços de Caldas - MG
MARIO RUELA FILHO
Piracicaba, SP 2015
Democracia decretada e participação praticada: desafios e possibilidades da gestão escolar democrática em uma escola municipal
de Poços de Caldas - MG
MARIO RUELA FILHO
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Andreza Barbosa
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.
Piracicaba, SP 2015
Banca Examinadora Professora Doutora Andreza Barbosa (UNIMEP) Professora Doutora Selma Borghi Venco (UNICAMP) Professora Doutora Renata Cristina Oliveira Barrichelo Cunha (UNIMEP) Professor Doutor Thiago Borges de Aguiar (UNIMEP) Professora Doutora Tânia Barbosa Martins (UNIMEP)
Aos amigos Isaac Rodrigo Andrian, Clistyani Felizola dos Reis, Afonsina Maria Ferreira, Carlos Henrique Oliveira e Beatriz Monteiro.
Agradecimentos
A concretização deste trabalho se deu graças à dedicação, trabalho e apoio de
pessoas que se fizeram presentes, me estimularam e apoiaram.
A orientação precisa, incisiva e compromissada da Professora Doutora Andreza
Barbosa; o profissionalismo, a serenidade inspiradora da Professora Doutora Selma Borghi
Venco; os ensinamentos e contribuições da Professora Doutora Renata Cristina Oliveira
Barrichelo Cunha - a vocês meus sinceros agradecimentos e respeito: parafraseando meu
grande amigo Monsenhor Trajano Barroco, doravante, “a vida de vocês está escrita em
minha vida”.
Não posso deixar de agradecer às colegas, aos colegas, e às Professoras do Núcleo
de Trabalho docente, formação de professores e políticas educacionais do PPGE-UNIMEP,
companheiros de jornada, de aprendizado, de formação e de partilha de conhecimentos.
Esta pesquisa foi realizada graças ao apoio do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Resumo
Esta dissertação tem por objetivo analisar, na perspectiva de um estudo de caso, como tem ocorrido a gestão escolar democrática em uma escola pública no município de Poços de Caldas-MG, considerando a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola, a participação das comunidades escolar e local no conselho da escolar e, também, as possibilidades de decisões/ações autônomas que podem ser efetivadas por parte da escola, tendo em vista o contexto burocrático em que a escola está inserida. A metodologia orientou-se pela pesquisa qualitativa, e foram utilizados como procedimentos a análise documental, a observação e a entrevista semiestruturada, considerando como categorias de análise a autonomia da gestão escolar e a participação da comunidade escolar no conselho da escola e nas tomadas de decisões coletivas. Para elaborar a discussão, nos valemos da contribuição teórica de autores como Licínio Carlos Viana da Silva Lima (LIMA, 2013a; 2013b; 2012a; 2012b; 2011a; 2011b; 2007), Benno Sander (SANDER, 2009; 2005; 1985), Vitor Henrique Paro (PARO, 2013; 2007; 2003a; 2003b), Luiz Fernandes Dourado (DOURADO, 2013; 2007), Ângela Maria Martins (MARTINS, 2002), Max Weber (WEBER, 2002), dentre outros que se dedicam a analisar a gestão escolar e as políticas educacionais, além das dissertações (BASTOS, 2012; CARINA, 2003; FURTADO, 2005; KRÜGER, 2012; OLIVEIRA, 2011; PEREIRA, 2012; PEREIRA, 2013; PEREIRA, 2008; SERVILHA, 2008; SILVA, 2011; SOUZA, 2011; WREGE, 2012) e das teses (MORAIS, 2012; TATAGIBA, 2003; VILELA, 1997). Na construção teórica, discutimos a burocracia na formação do Estado Brasileiro, buscando um quadro histórico que permitisse entender, no desenvolvimento do Estado nacional brasileiro, a influência da burocracia nas relações administrativas, principalmente no que tange aos aspectos da centralização político-administrativa e do controle sobre a educação nos tempos atuais e encontramos a gestão democrática limitada por mecanismos burocráticos que centralizam, direcionam e controlam os processos escolares, mecanismos estes que, sob a égide do gerencialismo da nova gestão pública, se potencializam como hiperburocracia e se contrapõem à democratização das estruturas de poder. Discutimos, também, as origens da gestão democrática na atual legislação educacional brasileira e as formas de participação, o conceito de autonomia e a forma de escolha do dirigente escolar, destacando a importância destes três aspectos para o exercício democrático da gestão escolar. Por fim, apresentamos uma análise dos documentos inventariados, das observações das reuniões que ocorreram na escola no período da investigação e das entrevistas de cada um dos sujeitos que participaram da pesquisa. Os resultados indicam que a escola propõe a gestão democrática participativa, tem um conselho de escola atuante que é composto por segmentos da comunidade escolar e todos os segmentos participam da revisão do projeto político pedagógico. No entanto, ainda que predomine entre os segmentos uma participação ativa, com tomadas de decisões coletivas, há indícios de que os mecanismos burocráticos, como a imposição curricular, avaliações externas e a prescrição/controle de recursos financeiros, relativizam e limitam a autonomia escolar nos aspectos administrativos, pedagógicos e financeiros.
Palavras-chave: gestão democrática; burocracia; participação; autonomia.
ABSTRACT
This dissertation aims to analyze, from the perspective of a case study, as has happened to democratic school management in a public school in the municipality of Poços de Caldas (MG), considering the participation of education professionals in the drafting of the pedagogic project of the school, the school and local communities participation in the School Board and, also, the possibilities for autonomous actions/decisions that can be made by the school, given the bureaucratic context in which the school is located. The methodology guided by qualitative research, and shape used as procedures to document analysis, observation and semi-structured interview, considering how the analysis categories the autonomy of school management and the participation of the school community in the School Board and in collective decision-making. To prepare the discussion, we base ourselves on theoretical contributions of authors such as Licínio Carlos Viana da Silva Lima (LIMA, 2013a; 2013b; 2012a; 2012b; 2011a; 2011b; 2007), Benno Sander (SANDER, 2009; 2005; 1985), Vitor Henrique Paro (PARO, 2013; 2007; 2003a; 2003b), Luiz Fernandes Dourado (DOURADO, 2013; 2007), Ângela Maria Martins (MARTINS, 2002), Max Weber (WEBER, 2002), among others who are dedicated to analyze the school management, in addition to the dissertations (BASTOS, 2012; CARINA, 2003; FURTADO, 2005; KRÜGER, 2012; OLIVEIRA, 2011; PEREIRA, 2012; PEREIRA, 2013; PEREIRA, 2008; SERVILHA, 2008; SILVA, 2011; SOUZA, 2011; WREGE, 2012) and theses (MORAIS, 2012; TATAGIBA, 2003; VILELA, 1997). On theoretical construction, discussed the bureaucracy in the formation of the Brazilian State, seeking a historical framework that allows to understand, in the development of the Brazilian national State, the influence of bureaucracy in administrative relations, especially with regard to aspects of the political and administrative centralization and control over education in modern times, and we found the democratic management limited by bureaucratic mechanisms that centralize, direct and control the educational processes, These mechanisms which, under the aegis of managerialism of public administration new, mutually as hiperbureaucracy and oppose democratization of power structures. We discussed the origins of democratic management in the current Brazilian educational legislation and forms of participation, the concept of autonomy and forms of choice of the school leader, highlighting the importance of these three aspects to the exercise of democratic school management. Finally, we present an analysis of inventoried documents, observations of the meetings that took place in the school during the investigation and interviews of the subjects who participated in the research, taking as a basis the theoretical discussion developed. The results indicate that the school proposes the participatory democratic management, has an acting Board School which is composed of segments of the school community and all the threads participating in the review of pedagogical political project. However, even that predominates among the segments an active participation, with collective decision-making, there are indications that the bureaucratic mechanisms, as the imposition of a prescribed curriculum, external evaluations and enforcement prescription/guard financial resources, make relative and limit the autonomy of the school in aspects administrative, financial and pedagogic.
Keywords: democratic management; bureaucracy; participation; autonomy.
Lista de tabelas
Tabela 1 – Caracterização dos entrevistados 25
Tabela 2 – Docentes e Escolas da Educação Básica de Poços de Caldas 28
Tabela 3 – Matrícula Inicial no ano de 2014 – Rede Municipal de Poços Caldas 30
Tabela 4 – IDEB Séries Iniciais – Poços Caldas 30
Tabela 5 – IDEB Séries Finais – Poços Caldas 31
Tabela 6 – Alunos Turno Matutino no ano de 2014. 33
Tabela 7 – Alunos Turno Vespertino no ano de 2014 33
Tabela 8 – Alunos Turno Noturno no ano de 2014 33
Tabela 9 – Média de Alunos por Turma e Segmento no ano de 2014 34
Tabela 10 – IDEB Séries Iniciais – Escola Pesquisada 36
Tabela 11 – IDEB Séries Finais – Escola Pesquisada 36
Lista de Quadros
Quadro 1 – Documentos municipais inventariados 23
Quadro 2 – Documentos escolares inventariados 23
Quadro 3 – Atribuições dos cargos do quadro de magistério 35
Lista de Figuras
Figura 1 – Município de Poços de Caldas e municípios vizinhos 27
Figura 2 – Tipos de participação praticada 79
Figura 3 – Tipos de não participação praticada 80
Lista de Siglas
ANPAE Associação Nacional de Política e Administração da Educação
ANPED Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação
BM Banco Mundial
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEDHAP Centro de Desenvolvimento Humano Aplicado
CEP UNIMEP Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Metodista de
Piracicaba
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
DASP Departamento da Administração do Serviço Público
FMI Fundo Monetário Internacional
FNDE Fundo Nacional para Desenvolvimento da Educação
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
LC Lei Complementar
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei No. 9394, de 20
de dezembro de 1996
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola
PDME Plano Decenal Municipal de Educação
PDRAE Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
PIB Produto Interno Bruto
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
PPP Projeto Político Pedagógico
Sumário
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 15
CAPÍTULO 1 ....................................................................................................................................... 21
A PESQUISA REALIZADA ............................................................................................................... 21
1.1. O caminho metodológico ....................................................................................................... 21
1.2. O contexto da pesquisa ......................................................................................................... 26
1.2.1. O município .......................................................................................................................... 26
1.2.1. A educação no município ................................................................................................... 28
1.2.2. A escola pesquisada. .......................................................................................................... 31
CAPÍTULO 2 ....................................................................................................................................... 37
“MAIS GESTÃO PARA MENOS DEMOCRACIA”: BUROCRATIZAÇÃO vs
DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL .................................................................... 37
2.1. Administração pública brasileira e a educação: do patrimonialismo à hiperburocracia
gerencialista .................................................................................................................................... 38
CAPÍTULO 3 ....................................................................................................................................... 65
GESTÃO DEMOCRÁTICA DO ENSINO PÚBLICO BRASILEIRO: A PARTICIPAÇÃO E A
AUTONOMIA NA TRAMA DA DESCENTRALIZAÇÃO ............................................................... 65
3.1. As origens da gestão democrática da escola .................................................................... 65
3.2. A eleição como princípio da gestão democrática .............................................................. 70
3.3. A participação .......................................................................................................................... 76
3.4. A autonomia ............................................................................................................................. 83
CAPÍTULO 4 ....................................................................................................................................... 97
A GESTÃO DEMOCRÁTICA PRATICADA NUMA ESCOLA MUNICIPAL DE POÇOS DE
CALDAS - MG ..................................................................................................................................... 97
4.1. Os documentos municipais ................................................................................................... 97
4.2. Os documentos da escola ................................................................................................... 107
4.2.1. O Regimento Escolar ........................................................................................................ 107
4.2.2. O Projeto Político Pedagógico (PPP) ............................................................................. 109
4.2.3 O Estatuto do Conselho da Escola .................................................................................. 115
4.3. As observações das reuniões ............................................................................................. 116
4.4. As entrevistas ........................................................................................................................ 123
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................ 142
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 146
ANEXOS ............................................................................................................................................ 156
Anexo 1 - Certificação do CEP UNIMEP .................................................................................. 156
APÊNDICES ...................................................................................................................................... 157
Apêndice 1 - Roteiro de observação ......................................................................................... 157
Apêndice 2 - Roteiro das entrevistas ........................................................................................ 158
15
INTRODUÇÃO
A gestão democrática foi apresentada como princípio para a gestão do ensino
público no Brasil pela Constituição Federal de 1988 (Constituição de 1988), consagrando-se
como conquista dos movimentos sociais que se dedicaram a restaurar a democracia, desde
o autoritarismo imposto pelos governos militares nos anos de 1960 a 1980, apresentando-
se, portanto, como uma conquista histórica e não como benesse que se ergueu pela
vontade do Estado ou do governo. Assim, a forma de pensar democraticamente as políticas
educacionais e a administração escolar, consagra-se a partir de reinvindicações de
descentralização de poder e de participação popular nas tomadas de decisão que
implicaram nos rumos político-administrativos da educação.
Nesta perspectiva da descentralização de poder, a autonomia e a participação que
dela decorrem passaram a compor o discurso reformista dos anos de 1990: durante a
revisão de literatura, realizada ainda por ocasião da reelaboração do projeto de pesquisa,
buscando melhor entender a gestão democrática, leituras prévias do referencial teórico nos
levaram a considerar a autonomia da gestão escolar democrática como elemento a ser
pesquisado, tal como a participação da comunidade, que está implícita na gestão da escola
pública, não como caráter externo ao processo, mas como efeito das relações produzidas
internamente na escola. Desta forma, elencamos previamente a participação e a autonomia
como categorias para análise.
Contraditoriamente, algumas destas leituras também indicaram que a escola pública
continua envolvida, externamente, por um sistema burocrático e que, neste contexto, as
vivências plenas das práticas características da gestão escolar democrática podem estar
limitadas, apesar do discurso reformista que se opôs às práticas burocráticas da
administração pública.
Nesta perspectiva, intencionando estruturar o processo para rever os estudos já
realizados sobre a gestão democrática, uma revisão bibliográfica foi feita a partir da seleção
em bancos de dissertações e teses, tendo como critério de seleção a correlação entre
participação, autonomia e burocracia e a gestão democrática, dando-se atenção às
palavras-chave registradas nas pesquisas levantadas e aos resumos apresentados pelos
autores.
Inicialmente, foi feita uma consulta ao banco de teses e dissertações da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), buscando por
pesquisas que abordassem a temática da gestão democrática. Esta busca encontrou cento
e quarenta pesquisas que abordam temas que vão desde a gestão democrática na escola
16
até a possibilidade da prática pedagógica democrática no cotidiano acadêmico de cursos de
enfermagem.
Refinando a busca para gestão democrática na escola, observamos que as
pesquisas, também em uma variedade de temas que vão desde a participação da família na
gestão escolar, até a concretização de sistemas municipais de educação, indicam ou
discutem também sobre participação e/ou autonomia, o que reforçou ainda mais nossa
decisão no sentido de estabelecer esses dois elementos como categorias prévias de
análise.
Num segundo momento, dentre as pesquisas levantadas, foi dada maior atenção às
que abordavam a participação e/ou a autonomia, como princípios da gestão democrática, e
abordavam e/ou indicavam também a influência da burocracia sobre as práticas
democráticas propostas para a gestão escolar. Assim, após a seleção de doze dissertações
(BASTOS, 2012; CARINA, 2003; FURTADO, 2005; KRÜGER, 2012; OLIVEIRA, 2011;
PEREIRA, 2012; PEREIRA, 2013; PEREIRA, 2008; SERVILHA, 2008; SILVA, 2011;
SOUZA, 2011; WREGE, 2012) e três teses (MORAIS, 2012; TATAGIBA, 2003; VILELA,
1997), passamos a acessar as bibliotecas digitais em que tais pesquisas estavam
depositadas1.
Desta forma, nos orientamos na revisão bibliográfica no sentido de buscar um melhor
entendimento da gestão democrática, da participação na gestão democrática da escola, da
autonomia da escola nas tomadas de decisão e na influência da burocracia sobre os
processos decorrentes da gestão escolar.
Embasados nesta orientação, submetemos o projeto de pesquisa para avaliação do
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).
Após a aprovação deste Comitê, limitamos nosso campo de investigação a uma escola
pública municipal de poços de Caldas – MG e demos andamento à investigação qualitativa,
que buscou dados que possibilitassem uma análise da participação da comunidade escolar
nos processos de tomadas de decisão e da autonomia da escola para tomar decisões.
Nesta busca, observamos que alguns conceitos que permearam a investigação, tais
como conceito de administração, gestão, ensino, educação e o próprio conceito de gestão
democrática requeriam atenção. Considerado aqui como basilar, o conceito de democracia
que, do ponto de vista etimológico, é formado por dois termos do grego antigo: demos, que
1 Algumas dificuldades foram encontradas nesta etapa: bibliotecas digitais que continham somente trabalhos
defendidos a partir dos anos posteriores ao trabalho desejado, disponibilização de e-mail do autor, mas e-mail inválido, a falta de resposta, tanto da biblioteca depositária, como do autor, ou mesmo a impossibilidade de obter a pesquisa diretamente, em virtude de a biblioteca depositária estar em outra região do país.
17
designava os dez distritos que compuseram a cidade de Atenas e, com o tempo, passou a
significar povo ou comunidade de cidadãos, e kratia, que significa governo, poder ou
autoridade. (ARANHA; MARTINS, 2003)
O conceito de democracia está definido como uma forma de governo onde o poder
legítimo é exercido e nasce do consenso e da vontade de uma coletividade (povo ou
comunidade de cidadãos), ou seja, o poder de decidir pertence à coletividade e qualquer
outra forma em que não se verifique esta situação, não é uma forma de governo
democrática. (ARANHA; MARTINS, 2003; VASCONCELOS, 2011)
O poder de decidir as questões comunais pertence ao povo. [...] Decisões provenientes de apenas um indivíduo ou de um grupo podem ser qualquer coisa menos democracia. [...] O que devemos levar em conta é se os cidadãos, especialmente todos que são comuns (despidos de autoridade e chefes públicos), podem opinar, discutir e resolver os assuntos que dizem respeito ao seu destino e ao comportamento social. (VASCONCELOS, 2011, p. 113)
Desta forma, opinar, discutir e resolver os assuntos pertinentes à comunidade se
constituem como ações participativas da coletividade e caracterizam o exercício
democrático: de forma correlata, ao nos referir à gestão escolar democrática, vemos a
participação coletiva em ação, opinando, discutindo e resolvendo os problemas pertinentes
aos processos escolares.
Ao pesquisarmos o conceito de gestão escolar democrática, buscando pela
confirmação deste conceito, encontramos Carina (2003, p. 4) que recorre aos verbetes de
gestão e de democracia, tomando como referência o Dicionário Aurélio, para considerar a
gestão democrática como “uma administração que tem como finalidade a distribuição
equitativa do poder, em que pode ocorrer uma divisão de poderes, ou seja, gestão
democrática é uma gestão participativa”.
No entanto, vemos como pertinente conceituar alguns termos legitimados pela
Constituição de 1988, tais como as palavras gestão e administração, que aparentemente
tidas e usadas como palavras sinônimas, podem, como apontam Muranaka e Minto (2002),
no campo das práticas, designar ações e processos diferentes com relação à política
decisória e às técnicas procedimentais.
Desta forma, concordamos com Barroso (1995), que conceitua administração como
esfera política e gestão como esfera técnica, o que, sistematicamente, implica na
18
administração da educação, como esfera decisória, e na gestão do ensino, como esfera de
gerência dos procedimentos de ensino. Segundo o autor, tal discurso promove a separação
entre os aspectos técnicos e políticos da prática administrativa, o que pode, no prisma da
gestão democrática, ser um fator prejudicial, tendo em vista o papel politizador da
democratização da gestão escolar.
Tais considerações que discutem os termos administração, gestão, educação e
ensino, nos levam a retomar o conceito de gestão democrática oferecido por Carina (2003,
p.4) e admitir tal conceito como sendo a gerência participativa dos procedimentos de ensino,
“que tem como finalidade a distribuição equitativa do poder”, de forma a oferecer e promover
um espaço escolar propício às tomadas de decisões coletivas, onde a comunidade participa
opinando, discutindo e resolvendo os assuntos pertinentes à vida escolar.
Desta mesma forma, ao analisarmos a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB), sob o prisma
dos conceitos aqui discutidos, entenderemos a restrição da gestão democrática ao ensino, e
a não pertinência de falarmos em gestão democrática da educação: tanto a Carta Magna
como a LDB consagram, somente, a gestão democrática do ensino público e não fazem
nenhuma menção de democraticidade à administração da educação pública.
Outro aspecto que salientamos se refere à omissão da regulamentação da gestão
democrática da escola pública por parte da Constituição de 1988 e da LDB, e a delegação
desta questão aos sistemas de ensino, em normas complementares, o que possibilita
inúmeras identidades para a gestão democrática, com características diversas e específicas
para cada sistema de ensino, o que nos leva a justificar, metodologicamente, a realização
deste estudo como um estudo de caso.
Assim, a presente dissertação de mestrado pretende analisar, na perspectiva de um
estudo de caso, como tem ocorrido a gestão escolar democrática em uma escola pública no
município de Poços de Caldas-MG, considerando a participação dos profissionais da
educação na elaboração do projeto pedagógico da escola, a participação das comunidades
escolar e local no conselho da escola e, também, as possibilidades de decisões/ações
autônomas que podem ser efetivadas por parte da escola, tendo em vista o contexto
burocrático em que a escola pode estar inserida.
A investigação foi delimitada a uma escola no município de Poços de Caldas-MG,
tendo em vista que tal município, após passar pelo processo de municipalização do ensino
fundamental no final dos anos de 1990, implantou seu sistema por iniciativa de um Fórum
19
Municipal de Educação, em 2005 e, desde então, as escolas têm seus dirigentes eleitos
pela comunidade e têm constituído seus conselhos de escola.
Atentos aos conceitos que decorrem do tema em estudo e tendo em vista a pesquisa
bibliográfica e a pesquisa empírica realizada, esta dissertação foi organizada em quatro
capítulos: o primeiro destina-se a relatar o caminho metodológico percorrido pela pesquisa,
que, orientando-se pela pesquisa qualitativa, utilizou como procedimentos a análise
documental (considerando a necessidade de caracterizar o sistema e a escola, foram
inventariados os documentos do município, em específico, a Lei n. 7947, que trata da
implantação do Sistema Municipal de Poços de Caldas e do Conselho Municipal de
Educação e a Lei n. 8229 que aprova o Plano Decenal Municipal de Educação - PDME; e
também os documentos da escola pesquisada: o Regimento Escolar, o Projeto Político
Pedagógico - PPP e o Estatuto do Conselho da Escola), a observação de reuniões (foram
observadas reuniões do conselho de escola, dos professores e assembleias dos segmentos
com o objetivo de levantar dados sobre a elaboração do PPP, a composição do conselho da
escola, seu funcionamento, a regularidade das suas reuniões, as suas atribuições, a sua
composição, a participação dos vários segmentos das comunidades escolar e local, o
relacionamento da diretora com este conselho e a forma com que as decisões são tomadas)
e as entrevistas semiestruturadas (com a intenção de buscar dados relativos à autonomia
da gestão da escola, as forma de controle local de recursos, a participação da comunidade,
a elaboração do PPP e a forma em que ocorrem as eleições, foram entrevistados a diretora,
uma mãe de aluno, um professor, uma funcionária operacional um aluno e um membro da
comunidade local).
No primeiro capítulo também contextualizamos o locus em que a investigação foi
realizada: caracterizamos o município, o sistema municipal de educação e a escola onde a
pesquisa foi realizada, com vistas a situar os dados apresentados.
Considerando as leituras que sugerem a limitação da gestão democrática da escola
por parte de mecanismos burocráticos estatais que centralizam, direcionam e controlam as
atividades pedagógicas, administrativas e financeiras da escola, pretendemos, no segundo
capítulo, discutir a burocracia na formação do Estado Brasileiro, buscando um quadro
histórico que permita entender, no desenvolvimento do Estado nacional brasileiro, a
influência da burocracia nas relações administrativas, principalmente no que tange aos
aspectos da centralização político-administrativa e do controle sobre a educação nos
tempos atuais.
20
Atendo-nos à gestão democrática da escola pública como princípio consagrado na
Constituição de 1988 e sua posterior confirmação dada pela LDB 9.394 de 1996, a intenção
do terceiro capítulo é discutir as origens da gestão democrática na atual legislação
educacional brasileira e também as formas de participação, o conceito de autonomia e a
forma de escolha do dirigente escolar, destacando a importância destes três aspectos para
o exercício democrático da gestão no cotidiano escolar.
Para elaborar a discussão realizada no segundo e no terceiro capítulos, nos valemos
da contribuição teórica de autores como Licínio Carlos Viana da Silva Lima (LIMA, 2013a;
2013b; 2012a; 2012b; 2011a; 2011b; 2007), Benno Sander (SANDER, 2009; 2005; 1985),
Vitor Henrique Paro (PARO, 2013; 2007; 2003a; 2003b), Luiz Fernandes Dourado
(DOURADO, 2013; 2007), Ângela Maria Martins (MARTINS, 2002), Max Weber (WEBER,
2002), dentre outros cujas obras dedicam-se a analisar a gestão escolar, além da revisão de
dissertações de mestrado e teses de doutorado.
Por fim, no quarto capítulo, apresentamos uma análise dos documentos
inventariados, das observações das reuniões que ocorreram na escola no período da
investigação e das entrevistas com os sujeitos que participaram da pesquisa, tendo como
fundamento a discussão teórica desenvolvida nos capítulos anteriores.
As considerações finais destacam que os mecanismos de regulação, controle e
avaliação, típicos da administração burocrática se contrapõem aos princípios da participação
e da autonomia, limitando e relativizando a gestão democrática.
21
CAPÍTULO 1
A PESQUISA REALIZADA
Neste capítulo descrevemos o caminho metodológico percorrido pela pesquisa, bem
como delinearemos o contexto em que ela se realizou. Mostraremos que a pesquisa se
fundamentou em metodologia qualitativa e foi realizada em uma unidade escolar pública que
integra um sistema municipal de ensino formalizado, fato que nos levou a contextualizar o
município, a educação no município e a unidade escolar pesquisada.
1.1. O caminho metodológico
A pesquisa, embasada em metodologia qualitativa, teve como objetivo analisar, na
perspectiva de um estudo de caso, como tem ocorrido a gestão escolar democrática em
uma escola no município de Poços de Caldas - MG, considerando a participação dos
profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico, a participação das
comunidades escolar e local nos conselhos escolares e, também, as possibilidades de
decisões/ações autônomas que podem ser efetivadas por parte da escola.
Considerando a diversidade em que pode se estabelecer a gestão democrática da
escola pública, pretendeu-se que a investigação se limitasse a uma escola pública municipal
onde o dirigente é escolhido por eleição.
Tal direcionamento está calcado na afirmação de Paro (2003a) e Dourado (2013),
que consideram relevante a forma com que o dirigente é escolhido, tanto no aspecto
político, no que se refere às consequentes relações interpessoais escolares, quanto no
aspecto pedagógico, no que se refere aos processos objetivamente desenvolvidos pela
instituição escolar e que resultam daquelas relações.
Embora saibamos que a escolha do dirigente por meio de eleição, por si só, não
garante o estabelecimento de práticas democráticas de gestão, ao considerarmos a
participação como princípio democrático, justifica-se, no âmbito desta pesquisa, a exclusão
de ambiente escolar que tem seu dirigente nomeado por autoridade governamental ou por
concurso público, pois aqui entendemos que tais modalidades não favorecem as vivências
de relações democráticas, dadas as suas características autoritárias, clientelistas ou que
22
preterem as comunidades escolar e local. (DOURADO, 2013; GADOTTI; ROMÃO, 2004;
HORA, 2004; LIMA, 2013a; PARO, 2003b)
Assim, foi pesquisada uma unidade escolar em Minas Gerais, o Colégio Municipal
Dr. José Vargas de Souza na Cidade de Poços de Caldas – MG, em decorrência de que,
nesta cidade, após a municipalização do ensino fundamental, foi implantado um sistema de
ensino próprio onde se adotou a eleição direta como forma de escolha dos dirigentes
escolares. A seleção também considerou o fato da referida escola ser a maior unidade
escolar do sistema municipal e a única que atende toda a educação básica: pré-escola,
ensino fundamental, ensino médio e pós-médio2. (POÇOS DE CALDAS, 2002).
Consideramos esta pesquisa como estudo de caso, embasando tal consideração em
Lüdke e André (2003), que caracterizam o estudo de caso como sendo aquele em que o
locus da pesquisa está delimitado, o foco está direcionado a uma realidade complexa e
contextualizada (a escola), além de ter características como a ênfase na interpretação do
contexto, a busca por um relato da realidade, permitir o uso de variadas fontes e permitir,
também, a representação de situações conflitantes.
De acordo com projeto de pesquisa protocolado junto ao Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) e por ele certificado, os
procedimentos de pesquisa empregados neste estudo de caso foram a análise documental,
realizada com base em normas específicas do sistema de ensino, regimento escolar e
proposta político pedagógica da escola, observação de reuniões no interior da escola e,
também, entrevistas semiestruturadas.
A análise documental ocorreu durante a primeira etapa da pesquisa, no período entre
novembro de 2013 e abril de 2014 e visou o levantamento das características do sistema de
ensino e da escola, tanto no que se refere à documentação que configura normativamente o
sistema, quanto no que se refere à documentação identitária da unidade escolar. Para tanto,
foram considerados os documentos relativos à legislação escolar, decretos, normas
educacionais, Projeto Político Pedagógico, Regimento Escolar, tendo sido inventariados
documentos municipais, descritos no Quadro 1, e documentos da escola, descritos no
Quadro 2.
2 O termo pós-médio é usado popularmente para designar o que a LDB considera, em seu Artigo 36, como profissionalização técnica de nível médio.
23
Quadro 1 – Documentos municipais inventariados
Código Documento Descrição Disponibilidade
DM 1 Lei Complementar n. 22
Regulamenta a eleição de diretores e vice diretores das escolas públicas do município de Poços de Caldas, de 09 de novembro de 2001
Câmara Municipal de Poços de Caldas. (*)
DM2 Lei Complementar n. 26
Dispõe sobre o Estatuto do Magistério Público do Município de Poços de Caldas, de 21 de junho de 2002.
Câmara Municipal de Poços de Caldas. (*)
DM 3 Fórum Municipal de Educação de 2003, 37f.
Documento Base do Fórum Municipal de Educação, Prefeitura Municipal de Poços de Caldas, Secretaria Municipal de Educação e Cultura.
Disponibilizado ao autor pela Secretaria Municipal de Educação de Poços de Caldas.
DM 4 Lei Ordinária n. 7.947
Institui o Sistema Municipal de Ensino de Poços de Caldas, cria o Conselho Municipal de Educação e dá outras providências, de 10 de janeiro de 2004.
Câmara Municipal de Poços de Caldas. (*)
DM 5 Lei Ordinária n. 8.229
Aprovada o Plano Municipal de Educação de Poços de Caldas, de 29 de dezembro de 2005.
Câmara Municipal de Poços de Caldas. (*)
DM 6 Edital SEMEC n. 001/2010
Edital da Secretaria Municipal de Educação de Poços de Caldas, que regulamenta o processo eleitoral para os cargos de diretor e vice diretor para o mandato 2011-2014.
Jornal de Poços, de 15 de outubro de 2010.
(*) Disponível em http://pocosdecaldas.mg.leg.br/legislacao/municipal.php
Quadro 2 – Documentos escolares inventariados
Código Descrição Disponibilidade
DE 1 Plano de Ação 2011-2014 das candidatas eleitas em 2010 para a direção e vice direção, 7f.
Secretaria do Colégio Municipal Dr. José Vargas de Souza
DE 2 Regimento Escolar, 60f. Secretaria do Colégio Municipal Dr. José Vargas de Souza
DE 3 Projeto Político Pedagógico (PPP), 47f. Secretaria do Colégio Municipal Dr. José Vargas de Souza
DE 4 Estatuto do Conselho da Escola, 3f. Secretaria do Colégio Municipal Dr. José Vargas de Souza
Após contato com a Secretária Municipal de Educação e com a Diretora da Escola
pesquisa, que autorizaram previamente a pesquisa e as visitas do pesquisador, demos
24
andamento à segunda etapa da investigação que se destinou à observação das reuniões no
interior da escola, em especial as reuniões do conselho da escola e do conselho de classe.
As observações, que foram registradas em um caderno de pesquisa, ocorreram durante os
meses de março, abril, maio e junho de 2014.
O roteiro para as observações, pautado pelo objetivo da pesquisa, além de observar
como ocorre a elaboração do PPP, procurou dados sobre a composição do conselho da
escola, seu funcionamento, a regularidade das suas reuniões, as suas atribuições, a sua
composição e a participação dos vários segmentos3 da comunidade escolar no conselho da
escola, o relacionamento da diretora com este conselho e a forma com que as decisões são
tomadas, principalmente no que tange às decisões que implicam nos aspectos
administrativos do dia a dia da escola, e também aos aspectos pedagógicos e aos
financeiros, procurando, nestes três aspectos, indícios de limitações e autonomias da gestão
escolar.
A observação, que procurou presenciar principalmente as reuniões do conselho da
escola, também foi destinada à coleta de documentos, leitura de atas do conselho da escola
e de reuniões de professores e à observação da rotina dos membros deste conselho. As
visitas de observação ocorreram duas vezes por semana, em turnos alternados, e duraram,
em média, três horas cada visita.
Quanto à observação de reuniões, foram observadas três reuniões do conselho da
escola, duas reuniões de professores e três assembleias4 que reuniram segmentos
específicos da comunidade escolar. Cabe observar que todos na escola, desde a diretora
até os alunos, foram receptivos e acolheram o pesquisador e a proposta de investigação.
Na terceira etapa da pesquisa, entre os meses de maio e junho de 2014, foram
realizadas as entrevistas semiestruturadas que, tendo em vista as relações das vivências
escolares, seguiram um roteiro5 que buscou dados relativos aos pilares em que se assentam
as experiências democráticas no ambiente escolar, tais como a autonomia da gestão da 3 Neste trabalho entenderemos por segmentos da comunidade escolar como sendo o conjunto de pessoas que
atuam no interior da escola, compondo especificamente o grupo de professores, alunos, pais de alunos e/ou responsáveis e funcionários, e como segmento da comunidade local, as pessoas externas à escola e com as quais ela mantém algum tipo de relacionamento.
4 A diretora define assembleia como sendo as reuniões de cada segmento e justificou que, dado o número de alunos atendidos, a escola promove reuniões específicas para cada segmento (“as assembleias”), dividindo: pais de alunos de educação infantil, pais de alunos das séries iniciais do ensino fundamental, pais de alunos das séries finais do ensino fundamental, pais e alunos do ensino médio, professores de educação infantil, professores das séries iniciais do ensino fundamental, professores das séries finais do ensino fundamental, professores do ensino médio, e funcionários.
5 Os roteiros utilizados na observação e nas entrevistas estão disponíveis nos Apêndices desta dissertação.
25
escola, a existência e a forma de controle local de recursos, a participação da comunidade,
a elaboração do PPP e a forma como ocorrem as eleições, tanto para o conselho como para
a direção da escola.
Foram entrevistados cinco membros do conselho da escola: a diretora da unidade,
um professor, um aluno, uma mãe de aluno, um funcionário, e uma pessoa tida como
pertencente à comunidade local. Todos os entrevistados, cujas características estão
descritas na Tabela 1, foram solícitos, receptivos, tomaram ciência do termo de
consentimento livre e esclarecido, assinaram-no e participaram do processo de forma
voluntária.
Tabela 1 – Caracterização dos entrevistados
Entrevistado Sexo Idade Instrução
Diretora F 52 Licenciatura em Letras e especialista em Gestão Escolar
Professor M 54 Licenciatura em Geografia e História
Mãe de aluno F 38 Ensino Médio
Funcionária operacional F 57 Ensino Fundamental
Aluno M 17 Cursando o Ensino Médio
Membro da Comunidade M 57 Ensino Fundamental
Fonte: Tabela elaborada pelo autor a partir das entrevistas realizadas
O professor, o aluno e a mãe de aluno foram sorteados. O critério de sorteio foi
adotado em virtude do conselho da escola possuir mais de um representante destes
segmentos da comunidade escolar. Quanto ao representante da comunidade local, foi
entrevistado um senhor que, apesar de não atuar como representante eleito pela
comunidade local, se faz presente nas atividades da escola e do conselho. Como veremos
na análise, a escola não possui membros eleitos pela comunidade local e considera como
comunidade somente os professores, alunos e os familiares dos alunos, e alega que esta é
a comunidade local que está presente nas atividades e comunga objetivos com a escola.
Não houve necessidade de sorteio para a entrevista do funcionário operacional, pois a
conselheira entrevistada é a única representante do segmento no conselho da escola.
26
Todas as entrevistas ocorreram na sala de projeção de filmes, nas dependências da
própria escola, sendo necessária uma visita do pesquisador para realizar cada uma das
entrevistas, em virtude da disponibilidade de tempo dos entrevistados e o esforço, por parte
do pesquisador, em não provocar incômodos às rotinas dos entrevistados. A diretora, o
professor, o aluno, a funcionária operacional e o membro da comunidade foram
entrevistados no turno matutino e a mãe de aluno foi entrevistada no turno vespertino. Em
média, as entrevistas duraram uma hora e meia e foram transcritas integralmente por nós.
1.2. O contexto da pesquisa
1.2.1. O município
Tendo sido habitada por índios Cataguases, a região em que se situa a cidade
somente foi alvo dos “desbravadores” que buscavam por ouro a partir do século XVIII, no
entanto, a região se valoriza como campo pastoril no final desse século, com a decadência
da era da mineração. Com as contínuas penetrações de aventureiros da época, foram
descobertos os poços de águas quentes e constatado que se tratava de águas medicinais. A
partir desta descoberta, observa-se o crescimento populacional na localidade. A partir de
1886, verifica-se na localidade o funcionamento de uma casa de banhos, a princípio
utilizada para o tratamento de doenças cutâneas, dada as características sulforosas e
termais das fontes. A localidade recebeu seu primeiro visitante ilustre em outubro de 1886:
Dom Pedro II, acompanhado da Imperatriz Dona Tereza Cristina, visitou a localidade para
inaugurar o ramal da Estrada de Ferro Mogiana. Com a estrada de ferro, observa-se o
aumento de veranistas que procuravam por repouso e tratamento, o que deu a localidade o
renome de estância hidroterápica e chamou a atenção do Presidente de Minas Gerais,
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada que, em 1888, inicia a construção de um balneário e de
outros melhoramentos, fazendo com que a povoação de Nossa Senhora da Saúde de Poços
de Caldas se tornasse uma reconhecida estância balneária. A estância balneária atraiu os
casinos, o que fez com que um período de prosperidade e luxo se instaurasse: a cidade era
visitada pela elite aristocrática brasileira e por políticos de expressão nacional, como Getúlio
Vargas. Com a proibição dos casinos em 1946, a cidade passa por uma crise econômica e
se reorienta para o turismo de “lua-de-mel” para, finalmente, reorientar seu potencial
hoteleiro para o turismo voltado à classe média e popular, que prevalece até os dias atuais.
(POÇOS DE CALDAS, 2014; IBGE, 2014)
A formação administrativa do município remonta a 6 de dezembro de 1879, quando a
Lei Provincial n. 2.542 elevou o então distrito à categoria de freguesia, integrando-a ao
distrito-sede de Caldas. Em 1888, a Lei n. 3.659 criou a povoação de Nossa Senhora da
27
Saúde de Poços de Caldas. Passada a Proclamação da República, em 1891, a Lei Estadual
n.2, de 14 de setembro, confirmou a criação do distrito-sede do Município de Poços de
Caldas. (POÇOS DE CALDAS, 2014)
Figura 1 – Município de Poços de Caldas e municípios vizinhos
Fonte: IBGE (2014)
Ocupando uma área de 547.260 km², o Município de Poços de Caldas está situado
no sudoeste do Estado de Minas Gerais, na região denominada de Planalto de Poços de
Caldas e tem como vizinhos oito municípios, conforme podemos observar na Figura 1:
Botelhos (MG), Bandeira do Sul (MG), Caldas (MG), Andradas (MG), Águas da Prata (SP),
São Sebastião da Grama (SP), Caconde (SP) e Divinolândia (SP). (POÇOS DE CALDAS,
2014; IBGE, 2014)
A cidade está, por vias rodoviárias, a 450 km distante de Belo Horizonte, a 270 km
de São Paulo, 450 km do Rio de Janeiro e a 1.183 km de Brasília. (POÇOS DE CALDAS,
2014)
Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
ferramenta Cidades@6, Poços de Caldas apresentou um crescimento populacional de 38%
(trinta e oito por cento), entre 1991 e 2010, e tem uma população estimada para 2014 de
162.379 (cento e sessenta e dois mil, trezentos e setenta e nove) habitantes, sendo que
95% (noventa e cinco por cento) desta população vivem na zona urbana. (IBGE, 2014)
6 “Cidades@” é uma ferramenta do sítio do IBGE para se obter informações atualizadas sobre os municípios brasileiros.
28
A vocação econômica do município se divide em atividades turísticas, mineração e
indústrias associadas à mineração, indústria de vidros e cristais, cerâmica, refratários, a
agropecuária, com predomínio da cultura do café e a produção de laticínios. Com um
Produto Interno Bruto (PIB) per capita de R$ 26.948,13, o município tem uma economia
predominantemente baseada no setor de serviços: a cidade tem 1.34% de seu PIB
relacionado à agropecuária, 29.7% à indústria e 68.96% aos serviços. (IBGE, 2014)
A cidade apresentou um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) em
1991 de 0.581, em 2000, de 0.716 e, em 2010, de 0.779, o que a coloca na 141ª. posição no
ranking nacional e na 6ª posição no ranking estadual. (IBGE, 2014)
1.2.1. A educação no município
Avaliado, em 2010, com um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal para a
Educação (IDHME) de 0.706, e de acordo com os dados de 2012 do IBGE e do Censo
Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), o município
contava com 3.234 (três mil, duzentos e trinta e quatro) docentes, em 250 (duzentos e
cinquenta) escolas de educação básica, distribuídos conforme descrito na Tabela 2. (IBGE,
2014; INEP, 2014)
Tabela 2 – Docentes e Escolas da Educação Básica de Poços de Caldas - 2012
Nível–Setor Docentes Escolas
Ensino fundamental – total 972 45
Ensino fundamental - escola privada 253 12
Ensino fundamental - escola pública estadual 169 8
Ensino fundamental - escola pública federal Não existente 0
Ensino fundamental - escola pública municipal 550 25
Ensino médio – total 396 17
Ensino médio - escola privada 169 9
Ensino médio - escola pública estadual 194 7
Ensino médio - escola pública federal Não existente 0
Ensino médio - escola pública municipal 33 1
Ensino pré-escolar – total 249 63
Ensino pré-escolar - escola privada 69 18
Ensino pré-escolar - escola pública estadual Não existente 0
Ensino pré-escolar - escola pública federal Não existente 0
Ensino pré-escolar - escola pública municipal 180 45
Fonte: IBGE (2014); INEP (2014)
29
De acordo com os dados apresentados na Tabela 2, o município tem, em sua rede,
23% do total de docentes e 28% do total de escolas de educação básica no município.
Com a aprovação do Plano Nacional de Educação de 2001 e a consequente
obrigatoriedade dos municípios elaborarem seus planos para a educação, a Secretaria
Municipal de Educação criou uma comissão para traçar o perfil da rede municipal de ensino,
atendendo aos anseios dos educadores para repensar a escola de Poços de Caldas, tendo
como objetivos a democratização das relações escolares, a instalação de um sistema de
ensino próprio e a elaboração de um Plano Municipal para a Educação. (POÇOS DE
CALDAS, 2003)
Depois de um intenso período de reuniões em 2001, essa comissão recomendou a
instauração de um Fórum Municipal de Educação para discutir a construção do Plano
Municipal de Educação. Além disso, a comissão recomendou ao Poder Executivo Municipal
a regulamentação da eleição de diretor e vice diretor das unidades escolares do município, o
que ocorreu em 09 de novembro de 2001, com a publicação da Lei Complementar n. 22. No
entanto, a Lei diz respeito somente à eleição de diretores e vice diretores que estão
presentes no quadro do funcionalismo público municipal em escolas que atendem o ensino
fundamental e ensino médio, excluindo, contraditoriamente, os coordenadores pedagógicos
dos centros de educação infantil, que são responsáveis por todo o trabalho desenvolvido
nestas unidades, que continuam sendo concursados e/ou nomeados pela autoridade do
governo municipal.
Reorganizada em 2002, esta comissão prossegue com discussões que resultaram
em programas de capacitação dos professores e indicações para alterações no estatuto do
magistério público municipal. (POÇOS DE CALDAS, 2003)
Em 2003, depois da sintetização das discussões e orientações dessa comissão, foi
instituído o Fórum Municipal de Educação com dois objetivos: discutir e deliberar sobre a
institucionalização do sistema municipal de educação e elaborar o Plano Decenal Municipal
de Educação (PDME). Instituído, portanto, como instância deliberativa, o Fórum teve sua
assembleia composta por três representantes docentes de cada unidade de ensino (sendo
um professor, um especialista e um funcionário operacional), além de um aluno maior de
quatorze anos e um pai de aluno. Presidido pelo titular da Secretaria Municipal de
Educação, também compuseram a assembleia do Fórum membros responsáveis pela
coordenação do evento e que representaram a Câmara de Vereadores, Conselho Municipal
de Educação, Superintendência Regional de Ensino, Ministério Público, Conselho Tutelar,
30
Conselho da Criança e do Adolescente, movimentos populares, sindicato dos servidores
públicos, das universidades instaladas no município, além de um consultor indicado pela
Secretaria Municipal de Educação e representantes dos conselhos de escola das diversas
unidades. (POÇOS DE CALDAS, 2003)
Após um extenso período, que compreendeu atividades desenvolvidas de abril a
outubro de 2003, em novembro deste ano o Fórum encaminhou à Câmara Municipal de
Educação as propostas de projetos de leis para organizar o sistema municipal de educação
e implantar o Plano Municipal de Educação, respectivamente, a Lei n. 7.947, de 10 de
janeiro de 2005 (Lei n. 7947) e a Lei n. 8.229 (Lei n. 8229), de 29 de dezembro de 2005, que
serão analisados no Capítulo 4. (POÇOS DE CALDAS, 2003).
Em 2014, a rede municipal registrou 19.093 (dezenove mil e noventa e três)
matrículas iniciais na educação básica e 5.934 (cinco mil, novecentos e trinta e quatro)
matrículas em outras modalidades, como registrado na Tabela 3.
Tabela 3 – Matrícula Inicial no ano de 2014 – Rede Municipal de Poços Caldas
Educação
Infantil
Ensino
Fundamental
Ensino
Médio
Outras
Modalidades
Creche Pré-Escola Anos
Iniciais
Anos
Finais
Educação Especial e
Mais Educação7
3213 3350 6443 5473 614 5034
Fonte: Tabela elabora pelo autor a partir de dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação de Poços de Caldas
A Tabela 4, que segue, mostra que as séries iniciais da rede municipal de Poços de
Caldas têm se mantido ascendente nas duas últimas apurações do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e está acima da meta projetada pelo INEP.
Tabela 4 – IDEB Séries Iniciais - Poços Caldas
Meta Projetada Meta Apurada
2009 2011 2013 2009 2011 2013
5.0 5.4 5.6 5.4 5.7 5.9
Fonte: INEP (2014)
7 O Projeto Mais Educação tem o objetivo de oferecer atividades no contra turno para alunos da educação básica e é considerado pela Secretaria Municipal de Educação como fase inicial para implantação da escola em tempo integral.
31
Já para as séries finas, o IDEB apurado em 2013 mostra que a rede municipal de
Poços de Caldas está abaixo do índice apurado em 2011, apesar de ter atingido a meta
projetada, como vemos na Tabela 5.
Tabela 5 – IDEB Séries Finais - Poços Caldas
Meta Projetada Meta Apurada
2009 2011 2013 2009 2011 2013
4.1 4.4 4.8 4.9 4.9 4.8
Fonte: INEP (2014)
Sobre essa questão, no entanto, vale destacar que, nesta pesquisa, não
consideramos que o IDEB8 seja, de fato, representativo da qualidade (ou da falta dela) por
parte das escolas. Não nos estenderemos na discussão dessa questão, que não é foco
desse trabalho, mas pretendemos esclarecer que só utilizaremos tal índice na
caracterização do município e, também, da escola em virtude desse número ser,
frequentemente, utilizado para justificar mudanças na gestão da escola, como será discutido
oportunamente.
1.2.2. A escola pesquisada.
O Colégio Municipal Dr. José Vargas de Souza pertence à Rede Municipal de Poços
de Caldas e tem seu histórico apresentado pelo Regimento Escolar, que diz que a escola foi
fundada em 1927, com o nome Atheneu Brasiliense, mas no mesmo ano passou a ser
denominado de Lyceu Brasileiro. Em 1929, o atual prédio ocupado pela escola foi construído
por uma “Sociedade Anônima” e, em 1931, passou a denominar-se Colégio Municipal
Mackenzie, mas somente em 1932 a Prefeitura Municipal de Poços de Caldas assumiu sua
administração. Ao adquirir o prédio da escola, em 1934, a Prefeitura Municipal de Poços de
Caldas alterou sua denominação para Ginásio Municipal de Poços de Caldas para, logo em
seguida, em 1935, doar a propriedade e a escola para a Congregação dos Irmãos Maristas,
denominada juridicamente por União Brasileira de Educação e Ensino (UBEE). Em 1936,
8 Para maiores esclarecimentos, recomendamos as seguintes leituras: Cunha, Célio da; SOUSA, José Vieira; SILVA, Maria Abádia da (Orgs.). Avaliação de políticas públicas de
educação. Brasília: Líber Livro, 2012.
FERNANDES, Reynaldo. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Brasília: Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007.
GODOY, Daniel. Gestão da educação e controle das performatividades no Brasil: um estudo do caso do
Índice de Desenvolvimento da Educação – IDEB. 229f. Mestrado Acadêmico em Educação. Universidade Federal de Pelotas, 2011.
32
com o Decreto 688, o Governo do Estado de Minas Gerais reconhece oficialmente o
Colégio. (REGIMENTO ESCOLAR, 2008)
Em 1949, a UBEE altera sua denominação para Colégio Municipal de Poços de
Caldas e, em 1971, para Colégio Marista de Poços de Caldas. Cinco anos depois, em 1976,
a Portaria 130 de 1976, da Superintendência Educacional da Secretaria de Estado da
Educação, autoriza a transferência da entidade mantenedora para a Prefeitura Municipal de
Poços de Caldas e, pela mesma portaria, a escola passa a denominar-se Colégio Municipal
de Poços de Caldas. Finalmente, em 1977, a escola passa a denominar-se Colégio
Municipal Dr. José Vargas de Souza. (REGIMENTO ESCOLAR, 2008)
O histórico da escola também registra, de 1978 a 2013, as autorizações de
funcionamento do ensino médio e de habilitações profissionais técnicas de nível médio (pós-
médio) de Agrimensura e Edificações, Desenhista de Arquitetura, Topógrafo de
Agrimensura, Contabilidade, Mineração e Magistério. Encerradas as habilitações técnicas
em 2013, em virtude de transferência dos cursos oferecidos para o Instituto Federal, a
escola continuou a oferecer a educação infantil (pré-escola), o ensino fundamental de 1º ao
9º ano e o ensino médio. (REGIMENTO ESCOLAR, 2008)
Conforme a matrícula inicial de 2014, a escola atende 2.407 (dois mil quatrocentos e
sete) alunos distribuídos entre a educação infantil (pré-escola - quatro e cinco anos), o
ensino fundamental e o ensino médio, totalizando 84 (oitenta e quatro) turmas, sendo 39
(trinta e nove) turmas atendidas no período matutino, 41 (quarenta e uma) turmas no
período vespertino e 04 (quatro) turmas no período noturno. (PPP, 2014)
A Tabela 6 mostra que, para o turno matutino, a escola trabalha com 39 (trinta e
nove) turmas e 1.139 (um mil, centro e trinta e nove) alunos; na Tabela 7, vemos que a
escola trabalha com 41 (quarenta e uma) turmas e 1.180 (um mil cento e oitenta alunos) no
período vespertino; e na Tabela 8, vemos que a escola trabalha com 4 (quatro) turmas e 154
(cento e cinquenta e quatro alunos).
O turno matutino atende a toda educação básica; o vespertino trabalha com a
educação infantil e o ensino fundamental e o período noturno somente com o ensino médio.
33
Tabela 6 – Alunos Turno Matutino no ano de 2014
Série Turmas Alunos
4 anos Educação Infantil 03 56
5 anos Educação Infantil 03 69
1º. Ano Ensino Fundamental 01 25
7º. Ano Ensino Fundamental 06 198
8º. Ano Ensino Fundamental 06 169
9º. Ano Ensino Fundamental 06 174
1ª. Série Ensino Médio 05 177
2ª. Série Ensino Médio 05 150
3ª. Série Ensino Médio 04 121
Subtotal 39 1139
Fonte: PPP 2014 – Colégio Municipal Dr. José Vargas de Souza (PPP, 2014)
Tabela 7 – Alunos Turno Vespertino no ano de 2014
Série Turmas Alunos
4 anos Educação Infantil 03 72
5 anos Educação Infantil 03 72
1º Ano Ensino Fundamental 05 119
2º Ano Ensino Fundamental 06 139
3º Ano Ensino Fundamental 06 167
4º Ano Ensino Fundamental 06 171
5º Ano Ensino Fundamental 06 173
6º Ano Ensino Fundamental 06 195
Subtotal 41 1108
Fonte: PPP 2014 – Colégio Municipal Dr. José Vargas de Souza (PPP, 2014)
Tabela 8 – Alunos Turno Noturno no ano de 2014
Série Turmas Alunos
1ª. Série Ensino Médio 01 48
2ª. Série Ensino Médio 01 45
3ª. Série Ensino Médio 02 61
Subtotal 04 154
Fonte: PPP 2014 – Colégio Municipal Dr. José Vargas de Souza (PPP, 2014)
34
Com esta distribuição, como podemos ver na Tabela 9, a escola apresenta a média
de 28 alunos por turma.
Tabela 9 – Média de Alunos por Turma e Segmento no ano de 2014
Segmento Turmas Alunos Média: alunos por turma
Educação Infantil 12 269 22
Ensino Fundamental (1º. ao 5º ano) 30 794 26
Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) 24 736 30
Ensino Médio 18 602 33
Total 84 2401 28
Fonte: PPP 2014 – Colégio Municipal Dr. José Vargas de Souza (PPP, 2014)
O quadro de trabalhadores docentes da escola conta com a diretora, a vice diretora,
cinco supervisoras pedagógicas, um coordenador pedagógico de educação infantil, três
auxiliares de educação infantil, cento e sete professoras e professores efetivos e três
professoras eventuais, secretário, bibliotecária, vinte funcionários operacionais, dezessete
funcionários administrativos e dois guardas municipais.
De acordo com a legislação municipal que dispõe sobre o estatuto do magistério
municipal, Lei Complementar n. 26, de 21 de junho de 2002 (LC 26), em seu Artigo 7º o
quadro municipal do magistério é constituído por Professor I (professores do 1º ao 5º ano do
ensino fundamental), Professor II (professores do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e
ensino médio), Secretário de Unidade Escolar, Diretor de Unidade Escolar, Vice Diretor de
Unidade Escolar, Coordenador Pedagógico, Supervisor Pedagógico, Orientador Educacional
e Técnico de Administração Escolar, no entanto, a escola não dispõe, em seu quadro, de
orientador educacional e de técnico em administração escolar. Em seu Artigo 10, a Lei
descreve as atribuições funcionais de cada cargo, como mostra o Quadro 3.
35
Quadro 3 - Atribuições dos cargos do quadro de magistério
Cargo Atribuições
Professor A regência efetiva de turma, elaboração de programas e planos, controle e avaliação do rendimento escolar, recuperação de alunos, participação em reuniões, promoção de aperfeiçoamento, pesquisa educacional, aprimoramento do processo ensino-aprendizagem e da ação educacional, participação ativa na vida comunitária da unidade escolar.
Supervisor pedagógico Supervisão do processo didático no ensino fundamental e ensino médio, em seu tríplice aspecto: de planejamento, de controle e de avaliação.
Orientador educacional Orientação, aconselhamento e encaminhamento de alunos em sua formação geral, sondagem de suas aptidões e tendências vocacionais e cooperação com atividades docentes.
Diretor Planejamento, coordenação, controle e avaliação do trabalho escolar, representação da escola perante os órgãos da Administração Pública.
Vice diretor Auxiliar e cooperar com o diretor nos desenvolvimento de suas ações.
Secretário Organização e execução de todo o serviço de escrituração escolar.
Técnico de administração escolar
Escrituração, arquivamento e fiscalização de documentos da secretaria da escola.
Coordenador pedagógico Planejamento, coordenação e acompanhamento de todo trabalho desenvolvido na educação infantil.
Fonte: Quadro elaborado pelo autor conforme a LC 26 de 21/06/2002
Como podemos observar, não consta nas atribuições do diretor e do professor
nenhuma referência da LC 26 aos processos necessários ao desenvolvimento e à prática da
gestão democrática.
Reiterando que não pretendemos ressaltar a validade qualitativa, ou não, do IDEB,
mas dada a sua influência no processo operacional da gestão da escola pesquisada, a
investigação procurou averiguar o “desempenho” da escola segundo os indicadores
apurados pelo INEP, em particular o IDEB. Oficialmente, desde a última atualização
publicada pelo INEP, o IDEB da escola pesquisada tem apresentado uma ascendência no
que se refere às séries iniciais (Tabela 10), mas quanto às séries finais o índice não tem
atingido a meta projetada e está em descendência (Tabela 11), apesar de estar maior do
que o apurado para a rede municipal (Tabela 5).
36
Tabela 10 – IDEB Séries Iniciais – Escola Pesquisada
Meta Projetada Meta Apurada
2009 2011 2013 2009 2011 2013
6.2 6.6 6.8 6.4 6.8 7.0
Fonte: INEP (2014)
Tabela 11 – IDEB Séries Finais – Escola Pesquisada
Meta Projetada Meta Apurada
2009 2011 2013 2009 2011 2013
5.7 5.9 6.3 6.1 5.7 5.3
Fonte: INEP (2014)
De acordo com os dados contextualizados neste capítulo, em 2002, o município
realizou um Fórum Municipal com os objetivos de democratizar as relações escolares,
instalar o sistema de ensino próprio e elaborar o plano municipal para a educação, objetivos
estes institucionalizados a partir da promulgação, em 2005, das Leis n. 7947 e n. 8.229, que
serão discutidas no capítulo 4.
Desde 2005, o sistema municipal está instituído e formalizado, possui um Plano
Municipal de Educação, um Conselho Municipal de Educação e também adota a eleição
como forma de provimento aos cargos de diretor e vice diretor das escolas de ensino
fundamental e ensino médio.
A escola pesquisada faz parte da rede municipal desde 1976, é a maior unidade e a
única escola municipal que oferece toda a educação básica (pré-escola – 4 e 5 anos, ensino
fundamental e ensino médio), contando com 2.407 alunos matriculados em 2014, ou 12.6%
dos alunos atendidos pela rede municipal, e 107 professores.
A escola teve sua direção atual eleita pela comunidade em 2010, para um mandato
de 2011 a 2014. O conselho da escola é composto por 12 conselheiros titulares. A escola
dispõe de Regimento Escolar, PPP e Estatuto do Conselho da Escola. Estes documentos
serão discutidos no capítulo 4, que trata da configuração da gestão democrática praticada
na escola pesquisada.
37
CAPÍTULO 2
“MAIS GESTÃO PARA MENOS DEMOCRACIA”: BUROCRATIZAÇÃO vs
DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
A intenção deste capítulo é rever as referências atuais que tratam da burocracia na
formação do Estado Brasileiro, buscando um quadro histórico que permita entender, no
desenvolvimento do Estado nacional brasileiro, a influência da burocracia nas relações
administrativas, principalmente no que tange aos aspectos da centralização político-
administrativa e do controle sobre a educação nos tempos atuais.
Ainda que a legislação educação nacional brasileira faça referência à gestão
democrática como princípio a orientar o oferecimento do ensino público, essa mesma
legislação deixa lacunas e cria mecanismos que cerceiam a participação e a autonomia da
gestão escolar democrática, favorecendo o fortalecimento de mecanismos burocráticos de
gestão. Nesse sentido, esse capítulo pretende explorar as contradições expressas pelos
processos de burocratização e democratização do sistema de ensino no Brasil, resgatando
a origem histórica de tais processos.
Lima (2012a) destaca que, ao contrário do que parece, os elementos burocráticos
estão muito presentes na gestão das escolas atualmente. O autor afirma que a queda da
burocracia foi anunciada prematuramente, assim como também é prematuro o discurso de
que estaríamos vivendo uma forma de organização pós-burocrática. Para este autor, as
escolas vêm, enquanto organizações educativas, convivendo com uma burocracia
potencializada, uma hiperburocracia, proporcionada, sobretudo, pelo aprimoramento das
novas tecnologias que possibilitam uma maior intensidade e alcance dos mecanismos de
controle racional do trabalho desenvolvido nas escolas.
Ao estudar a reforma educativa operada em Portugal no final do século XX, Lima
(2013a) traz elementos importantes para que possamos compreender também a realidade
brasileira. Ele afirma que os discursos de descentralização pautados principalmente no
aumento da necessidade de participação dos sujeitos da escola, bem como da autonomia
dessa instituição, têm servido, na verdade, para encobrir o fato de que as decisões de fundo
permanecem centralizadas e somente as decisões menores, de caráter operacional, são
realizadas pela escola:
38
A gestão democrática das escolas, constitucionalmente consagrada, embora garantindo importantes princípios de democraticidade e de participação, a eleição de certos órgãos e uma gestão escolar de tipo colegial, sobretudo no caso dos professores, não foi, contudo, institucionalizada de forma a permitir uma ruptura com o paradigma de centralização política e administrativa na educação, nem a conferir maior autonomia às escolas. (LIMA, 2013a, p. 177) (grifos do autor)
Contraditoriamente, as reformas da educação empenhadas no final do século XX
que anunciaram o afastamento dos paradigmas burocráticos, que só é possível com uma
reforma do Estado, apontam para a centralidade nas tomadas de decisão, para as
regulamentações que se embasam em orientações técnico-científicas e avaliações de
concepção positivista9 usadas como instrumentos estatais de regulação e metarregulação.
(LIMA, 2012b).
Assim, embora o que observemos na atual legislação educacional brasileira seja o
princípio da gestão escolar democrática, há de se questionar os limites e possibilidades de
efetivação da democratização da gestão das escolas nesse quadro de aparente
hiperburocratização dos sistemas de ensino.
2.1. Administração pública brasileira e a educação: do patrimonialismo à
hiperburocracia gerencialista
Ao estudar a política e a administração da educação no Brasil, notamos tanto a
influência dos interesses econômicos quanto a influência política sobre o desenvolvimento
das nossas práticas ao administrar a “coisa pública”. A correlação desses interesses, a
nosso ver, constroem práticas que podem, de forma mais enraizada, ou não, se consolidar
nas concepções vivenciadas, o que nos leva a considerar a construção de um quadro
histórico no qual possamos observar como se desenvolveu a administração pública da
educação brasileira.
Assim, nos remetemos a Sander (2005), que faz um levantamento histórico de fatos
econômicos e políticos que contribuíram para a formulação dos modelos administrativos que
permearam a organização do campo educacional no Brasil.
9 O autor refere-se às teorias de Taylor, Fayol e Elton Mayo, desenvolvidas a partir do pensamento positivista e
que têm como objetivo a administração “científica” das empresas .
39
O autor faz a seleção de atos e fatos políticos dividindo a trajetória da organização e
da administração educacional brasileira em cinco momentos que analisam desde a
exploração colonial portuguesa e o período imperial brasileiro, até a reconstrução
democrática ocorrida após o autoritarismo da ditadura militar instaurada de 1964 a 1985.
Sander (2005) denomina estes cinco momentos de: o momento da colonização,
incluindo neste momento o período imperial; momento da ordem e progresso, em referência
ao período inicial da república brasileira, ou república velha; o momento dos Pioneiros da
Educação, abrangendo o período de 1930 até o início dos anos de 1960; o momento da
economia da educação, referindo-se ao período da ditadura militar; e o momento da
construção democrática ocorrida após o regime autoritário dos militares.
Para Sander (2005), o momento da colonização (que preferimos chamar de
momento colonial e imperial) é o movimento da transplantação dos valores e das práticas da
cultura da Europa latina nos países dominados, incluindo as práticas e valores educacionais.
Abrucio, Pedroti e Pó (2012) também consideram que é impossível analisar as origens da
administração pública brasileira sem levar em conta as influências deixadas pelo período
colonial.
Para estes autores, o modelo excessivamente regulamentador caracterizou as
atividades da administração da metrópole no Brasil, no entanto, tal modelo centralizador e
regulamentador sofreu influência local do “poderio patrimonialista10 presente nas câmaras
municipais e nas capitanias hereditárias”. (ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2012, p. 29)
A aliança entre o poder do Estado e as elites econômicas locais caracteriza tanto o
período colonial brasileiro como o período imperial e revela uma administração
patrimonialista onde as funções públicas eram “distribuídas com base na tradição e no
arbítrio” (NOHARA, 2012, p.16) daqueles que detinham o poder. (ABRUCIO; PEDROTI; PÓ,
2012; NOHARA, 2012)
Dada a influência da Igreja Católica e suas relações com os colonizadores
portugueses e espanhóis, o transplante dos valores e das práticas educacionais para o
Brasil resultou em uma educação pública confessional delegada, inicialmente, aos jesuítas.
10 Com base nos estudos de Max Weber, Nohara (2012) refere-se ao patrimonialismo como sistema em que as
funções administrativas são distribuídas com fins políticos segundo a tradição ou o arbítrio de um soberano, sendo os funcionários dependentes de quem detém o poder. Já Abrucio, Pedroti e Pó (2012) referem-se ao patrimonialismo como a não distinção entre o público e o privado, como posse do público pelos detentores dos poderes político e econômico.
40
É importante ressaltar que nos tempos coloniais houve poucos desenvolvimentos teóricos autóctones no campo específico da educação. Somente uma minoria da elite política e do clero tinha acesso à escola e não havia vontade política por parte da Família Real de Portugal no sentido de ampliar as oportunidades educacionais para o povo. [...] na realidade, replicava-se no Brasil colonial, como nas demais colônias ibéricas da América Latina, a política educacional adotada pelas monarquias europeias. (SANDER, 2005, p. 95)
Este autor nos dá a perspectiva da política educacional, no período colonial, estar
atrelada ao atendimento exclusivo e primordial da classe dominante: uma política
educacional, que, na origem da administração pública brasileira, se orienta ao atendimento
das elites. Outro aspecto relevante nesta afirmação de Sander (2005) é o aspecto
centralizador das políticas, que dependiam da vontade da monarquia.
Estes aspectos da educação no momento colonial e imperial nos dão a ideia de que
a educação atendia exclusivamente às necessidades das elites política e econômica e não
era considerada como uma política pública, mas detinha-se como direito patrimonialista.
No entanto, Francisco Filho (2006) observa que a educação jesuíta dada à elite no
período colonial era preparatória e deveria ser completada em estudos na Europa. Para o
autor, além da educação preparatória para os filhos da elite, também eram objetos dos
jesuítas a catequese dos índios e a formação dos mais padres.
Sander (2005) também faz alusão às reformas ensaiadas pelo Marquês de Pombal,
em meados do século XVII, à introdução do ensino superior por ocasião da permanência da
Família Real no Rio de Janeiro e à influência das tradições pedagógicas trazidas pelos
alemães, italianos, suíços e poloneses que imigraram e se fixaram no sul do Brasil, no
século XIX, após a abolição da escravatura.
Este quadro começa a sofrer modificações no Brasil a partir do século XVIII, com a
vinda da família real e, com ela, as instituições que, mais tarde, se tornarão a base do
Estado nacional brasileiro, além das reformas pombalinas:
Na verdade, a inflexão do papel do Estado e da burocracia no Brasil se deveu principalmente às ações do marquês de Pombal, que procurou formar lideranças político-administrativas, particularmente em Coimbra, que pudessem atuar como altos burocratas em todas as colônias. Esse
41
processo gerou uma nova elite de brasileiros, bastante homogênea em seus propósitos. (ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2012, p. 30)
Para estes autores, desde o final do período colonial até o início do Império
brasileiro, esse grupo ocupou postos de relevância governamental e fez parte de vários
momentos históricos e estratégicos do país, tendo participação no processo de
independência e sendo fundamental para a consolidação do modelo político no Segundo
Reinado.
A época em que a Família Real Portuguesa desembarcou no Brasil coincide com a
decadência do mercantilismo e à difusão do Liberalismo, que estava em evidência e em
franca expansão industrial. Segundo Francisco Filho (2006), a filosofia era alimentada pelo
Iluminismo, admitido e defendido pelos filhos da elite, distantes da realidade popular, uma
vez que ao povo era destinado, no máximo, a aprendizagem profissional no ambiente
familiar.
Já não interessava o trabalho escravo, o monopólio e nem a antiga política de proibições aplicadas desde o início da colonização. Os tempos eram outros as obras citadas pela elite eram de Adam Smith, de Ricardo, de Malthus e de John Stuart Mill. A chamada “Escola Clássica” estava em ascensão e as ideias passavam pelos produtos ingleses desenvolvidos na Revolução Industrial. (FRANCISCO FILHO, 2006, p. 97)
No período do Segundo Reinado, a burocracia passa a se caracterizar de duas
maneiras, uma vinculada ao mérito, mais nobre, ou alta burocracia11, composta por
funcionários que assessoravam o imperador, dada a experiência política que tinham e a
atuação burocrática que tais funcionários vivenciavam, a outra vinculada à patronagem12,
usada para garantir o apoio político através de distribuição de empregos públicos.
(ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2012)
11 A burocracia é um modelo de administração que se fundamenta na organização racional que, para atingir seus
fins, faz prescrições de normas padronizadas e impõe medidas de controle sobre as atividades de seus colaboradores que devem ser meritocraticamente competentes para o exercício de suas funções. Ao mencionar o termo hiperburocratização, Lima (2012a) se refere à intensificação dos processos de normatização, de padronização e de controle, típicos do modelo da administração burocrático. (LIMA, 2012a, DIGGINS, 1999; WEBER, 2002)
12 A patronagem (ou apadrinhamento) é a seleção e promoção de funcionários públicos tendo como critério os
relacionamentos pessoais ou os interesses do governante por apoio político. (ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2012; NOHARA, 2012)
42
Sander (2005) ainda destaca a sensibilidade de Dom Pedro II com relação à
educação, durante o Segundo Império, e os esforços de Rui Barbosa que liderou um
movimento que reagiu à ausência de uma tradição pedagógica brasileira e à ausência de
uma política educacional popular.
O momento colonial e imperial não foi expressivo com relação ao desenvolvimento
de uma política educacional efetiva. Nardi (2011), em seus estudos sobre a
descentralização e a municipalização na história da educação brasileira, destaca o Ato
Adicional de 1834 que delegou para as províncias a legislação sobre a instrução pública: na
interpretação do autor, até então, nenhuma outra medida se assemelhou ao Ato Adicional
de 1834, em termos de descentralização do ensino público, mas observa que tal medida não
se materializou tranquilamente, tendo em vista as diversas interpretações que surgiram
sobre as competências das províncias e o caráter concorrencial de tais competências com o
poder central.
Tanto para Francisco Filho (2006) como para Nardi (2011) o Ato Adicional de 1834
trouxe a dualidade: distribuiu os encargos educacionais, imputando o ensino popular sob os
cuidados das províncias e um ensino superior sob a responsabilidade do Governo Central.
Antes disso, afirma Nardi (2011), a relevância histórica está na Lei de 15 de outubro de
1827, que criou as escolas de primeiras letras.
Longe de ser uma política integradora, e em se tratando da primeira medida legal
que descentralizou os encargos educacionais no Brasil, cabe observar que o Ato Adicional
de 1834 não considerou as diferenças e as capacidades das províncias para estruturarem e
organizarem o ensino popular, ficando tal ensino ao sabor dessas diferenças, dos interesses
políticos patrimonialistas e da disponibilidade financeira das províncias.
As novas idéias do século XIX, como o Positivismo, o Marxismo, o Darwinismo etc. não tiveram força suficiente para alterar a relação de desequilíbrio existente entre o ensino superior preparado para a elite aristocrática e o falido ensino elementar para o povo. Todos os recursos eram direcionados à melhoria do ensino superior, que ainda no século XXI é uma preocupação do poder central, no que tange à educação. (FRANCISCO FILHO, 2006, p. 98-99)
No entanto, essencialmente patrimonialista, para Nohara (2012), nesse sistema, a
elite agrária ocupava cargos públicos e influenciava a gestão estatal, configurando um
cenário político que ultrapassa o Segundo Reinado e chega à Primeira República.
43
Quanto ao segundo momento, nomeado por Sander (2005, p. 96) de “momento da
ordem e do progresso”, fazendo referência ao período republicano dos anos de 1889 a 1930
(Primeira República), o autor faz alusão à omissão, por parte da primeira constituição
republicana, no que diz respeito à educação e também menciona a reforma educacional
liderada por Benjamin Constant.
Francisco Filho (2006), também se dirige a Benjamin Constant e se refere às
reformas educacionais dessa época como o rompimento da tradição humanista que
caracterizou a educação brasileira desde o início da colonização, e a implantação de um
modelo de educação enciclopédico, seriado e positivista13, assimilado dos liceus franceses.
No Entanto, Nohara (2012) e Abrucio, Pedroti e Pó (2012) observam que, enquanto o
mundo caminhava para reformas administrativas no sentido burocrático-weberiano, a
Primeira República brasileira, ao adotar um modelo estadualista e oligárquico com maior
autonomia político-administrativa aos estados, fortaleceu os traços de patronagem e
patrimonialismo, enfraquecendo, ao mesmo tempo, o governo central.
Nestes moldes, a Primeira República concebeu e organizou um sistema educacional
que adotou instrumentos de controle centralizados e medidas de uniformização do ensino,
apesar da institucionalização de um federalismo descentralizado. (NARDI, 2011; SANDER,
2005), como podemos observar na citação abaixo:
É assim que as perspectivas iniciais de administração escolar da Primeira República deram origem a modelos dedutivos e a práticas normativas, modelos e práticas que revelaram uma preocupação prioritária com a manutenção da ordem, do respeito e da harmonia na sala de aula, no funcionamento das escolas e na gestão político-institucional dos sistemas de ensino. Ordem, disciplina, controle centralizado e uniformização de comportamentos e práticas eram os requisitos fundamentais das escolas e dos sistemas de ensino e da própria administração pública daquela época. (SANDER, 2005, p. 97)
No contexto do mundo ocidental, as teorias chamadas de gerencialistas se
difundiram e influenciaram as diversas áreas administrativas, inclusive sendo transplantadas
13 O positivismo é uma corrente filosófica iniciada pelo francês Augusto Comte (1798-1857) e propõe a
experimentação científica de dados concretos (positivos). O Positivismo defende que o conhecimento científico é o único conhecimento verdadeiro. As palavras “ordem e progresso”, que aparecem na bandeira da república brasileira, surgiram da máxima “O amor por princípio e a ordem por base; e progresso por fim”, atribuída a Comte. (SILVA, 2004a)
44
da administração empresarial para a administração pública e afetando, portanto, a
educação, entre elas o modelo burocrático de Max Weber e as teorias fundamentadas no
positivismo, como as teorias de Fayol, Taylor e Elton Mayo.
A racionalização14, que desde o princípio está impregnada no desenvolvimento do
capitalismo, se configura como fundamento no ideal dessas teorias, que persistem na busca
da excelência do custo benefício e são transpostas para todos os campos das organizações
sociais. (IANNI, 2007;THRY-CHERQUES, 2009). Neste sentido, Ianni (2007) nos fala da
crescente influência do capitalismo e da burocracia sobre a vida social, como ressaltamos
na citação a seguir.
Com o vaivém, de permeio às mais surpreendentes situações, juntamente com as relações, os processos e as estruturas próprias do capitalismo, ocorre o desenvolvimento de formas racionais de organização das atividades sociais em geral, compreendendo as políticas, as econômicas, as jurídicas, as religiões, as educacionais e outras. Aos poucos, as mais diversas esferas da vida social são burocratizadas, organizadas em termos de calculabilidade, contabilidade eficácia, produtividade, lucratividade. (IANNI, 2007, p. 145)
A burocracia de Max Weber, calcada na racionalidade, impõe mecanismos e
aparelhos de hierarquização, regras, especialização, treinamento e controle do trabalho, e
dissemina “tecnoestruturas destinadas a diagnosticar, planejar e implementar diretrizes
gerais e decisões especiais” (IANNI, 2007, p. 153) que visam os fins, numa lógica
formalizada para os objetivos e para a padronização dos processos operacionais. (THRY-
CHERQUES, 2009; CARDOSO, 2008; IANNI, 2007)
Também em Taylor, além da racionalização do trabalho, encontramos a sugestão de
seleção, treinamento e controle dos trabalhadores, bem como um sistema de incentivos
monetários. Em Fayol, temos a proposta de racionalização da estrutura, classificando as
funções administrativas em planejar, organizar, coordenar, comandar e controlar,
enfatizando o princípio da unidade de comando, da divisão do trabalho, da especialização e
da amplitude de comando. Em Elton Mayo, as ideias que inspiraram a passagem da
administração “científica” para a administração dos recursos humanos, preconizando a ideia
14 A racionalização pode ser vista em sua concepção etimológica, no que se refere à razão, ao racional à racionalidade, no entanto, aqui nos referimos à racionalização enquanto “ração-ação”, à lógica capitalista da eficiência e da eficácia, que visa a otimização do trabalho com fins de produtividade e lucratividade, lógica esta que impregnou as organizações sociais do ocidente a partir da modernidade. Veja mais sobre este tema, em especial, no capítulo 7, A racionalização do mundo, na obra Teorias da globalização, de Octávio Ianni.
45
inicial que considera importante a participação do trabalhador nas decisões que envolvem o
trabalho. (SANDER, 1985; PAGÈS et. al., 1990; MOTTA, 2010)
No caso das teorias de Taylor, Fayol e Weber verificamos em comum a ênfase dada
à centralização do comando, ao controle efetivo e à preponderância de uma dimensão
normativa, o que, segundo Sander (2005), configura um sistema de modelo mecânico,
fechado institucionalmente em seus interesses, seus objetivos, ideias e organização oficiais.
Já em Elton Mayo, passa-se do modelo predominantemente mecânico para um modelo
orgânico, parcialmente aberto com relação às experiências, às manifestações e às
interações funcionais vivenciadas pelos sujeitos no âmbito do sistema. De cunho
sociológico, explica Sander (1985), após a II Guerra Mundial, surge o modelo de sistema
adaptativo que, como proposta de entendimento dos sistemas socioculturais, procura a
reconciliação entre os aspectos institucionais da organização, os pessoais daqueles
envolvidos pelas atividades do sistema e a sociedade, aberto, portanto, às contingências do
ambiente externo. (SANDER, 1985; PAGÈS et. al., 1990; MOTTA, 2010)
A Primeira República não foi exceção diante de tais movimentos da administração
clássica, como Fayol, Taylor e Max Weber: sob a égide do positivismo liberal, tais
movimentos influenciam os sistemas de organização e de administração da educação
brasileira, lançando uma base de administração pública impregnada pelos modelos de
gestão empresarial capitalista, modelos estes que pregaram a eficiência, a produtividade e a
tecnoburocracia como sistema organizacional racional. (SANDER, 2009; 2005)
Apesar da Constituição Republicana de 1891 propor a descentralização política e
administrativa, a República cede poder às oligarquias estaduais, de base ruralista e, na
contramão da Constituição, predomina a centralização e o caráter dualista advindo do
período imperial: a União reservou o direito de criar instituições de ensino superior e
secundário e aos estados ficou reservado ensino primário e o ensino profissional. (NARDI,
2011; SANDER, 2005)
Caracterizado, portanto, como um período onde a força política regional predomina
sobre a força de coordenação do governo federal, a Primeira República, principalmente na
década de 1920, também foi um período rico de agitações políticas e educacionais
protagonizadas por personagens como Fernando de Azevedo e Lourenço Filho, que fizeram
multiplicar os anseios de reformas educacionais e que, mais tarde, nos anos de 1930, ao
lado de Anísio Teixeira e outros, participaram do manifesto intitulado A reconstrução
46
educacional do Brasil – ao povo e ao governo15, que se perpetuou na memória educacional
do Brasil como manifesto dos pioneiros da educação nova. (FREITAS; BICCAS, 2009)
O momento dos Pioneiros da Educação é a terceira etapa a que Sander (2005) faz
alusão. O autor refere-se a esse período da história destacando a década de 1930 como
momento em que se instala no Brasil um movimento nacionalista de reação às teorias
sociais que dominavam o pensamento na Europa e nos Estados Unidos. Segundo Sander
(2005, p.98), tal momento de “progresso social e amadurecimento político” foi a conjunção
de movimentos como o da “Escola Nova”, a Semana de Arte Moderna de 1922, a criação do
Ministério da Educação pelo Presidente Getúlio Vargas, a Lei Francisco de Campos16 que
consagrou a liberdade de ensino e o Manifesto dos Pioneiros da Educação da Educação
que, até hoje, “é referência obrigatória para uma visão de educação pública comprometida
com a promoção e a defesa dos interesses nacionais” (SANDER, 2005, p.98) e de ideais
que apresentaram a democratização do ensino como antídoto ao elitismo que predominou
na educação brasileira desde o período colonial. (FREITAS; BICCAS, 2009; SANDER,
2005)
Neste sentido, notamos que descentralização e democratização não são palavras
recentes nos discursos reformistas, como observa Nardi (2011) na citação que segue.
Em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, em um contexto de diversidade teórica e ideológica que caracterizava o grupo que esteve a sua frente, trouxe o discurso da descentralização e a defesa da unidade da educação brasileira, que, por sua vez, não deveria ser confundida com centralização, tampouco com uniformidade. (NARDI, 2011, p. 34)
Considerado por Francisco Filho (2005) como período da estruturação da educação
nacional, aprofundam-se, nesta época, os debates entre os defensores da escola pública e
os que defendiam os interesses da escola privada, bem como os debates entre os Pioneiros
da Educação e os conservadores que defendiam as práticas gerenciais do mundo dos
15 Documento disponível em http://www.pead.faced.ufrgs.br/sites/publico/eixo5/organizacao_gestao/ modulo3/
quero_ saber_mais.pdf 16 Francisco Campos foi nomeado Ministro da Educação e Saúde Pública por Getúlio Vargas, em 1930, e empreendeu a reforma universitária, criando o Estatuto da Universidade Brasileira, além disso, criou o Conselho Nacional de Educação, organizou o ensino secundário e comercial em dois ciclos (um de cinco anos e outro, pré-universitário, de dois anos) e passou a denominar o curso elementar de grupo escolar, com duração de quatro ou cinco anos, dependendo das necessidades locais, e fundou a Universidade do Rio de Janeiro. (FRANCISCO FILHO, 2006; FREITAS; BICCAS, 2009)
47
negócios aplicadas à organização e administração do ensino. (NARDI, 2011; SANDER,
2005; 2009; FRANCISCO FILHO, 2006)
Abrucio, Pedroti e Pó (2012) observam que duas exceções surgiram neste período e
serviram como modelo de administração pública a partir de 1930:
[...] foram as duas burocracias profissionais cujas características mais se aproximaram do projeto de modernização administrativa preconizado pelo Estado vanguardista. Em particular, os diplomatas, com seu modelo de meritocracia para o serviço civil, paradigma que serviu de inspiração para a criação do DASP [...] Mas não se pode esquecer que as Forças Armadas tiveram um papel essencial na pressão política por um Estado nacional mais forte e centralizador [...]. (ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2012, p. 34-35)
Em um contexto de emergência industrial, o Departamento da Administração do
Serviço Público (DASP), criado pelo Decreto-lei n. 570, de 30 de julho de 1938, e inspirado
no modelo de gestão burocrático, objetivou racionalizar e dar eficiência à máquina
administrativa, a partir de três vertentes: o taylorismo-fordismo e suas técnicas que
enfatizam a organização e o controle, visando a produtividade; a concepção de Woodrow
Wilson de separação entre política e administração; e as teorias de Max Weber sobre a
administração burocrática. (NOHARA, 2012)
Abrucio, Pedroti e Pó (2012) salientam que o modelo burocrático do DASP, com
ênfase à centralização, à hierarquização, às normas e aos procedimentos, espalhou-se mais
do que a prática da meritocracia, fato que Nohara (2012, p.39) classifica de “viés
patrimonialista”, em virtude das frequentes nomeações de “cargos administrativos como
instrumento de barganha política”, o que revela a influência de política partidarista.
Nardi (2011) discute três pontos históricos ocorridos no momento dos Pioneiros da
Educação que implicam na organização e na administração do ensino: o primeiro refere-se à
Carta Constitucional de 1934, que definiu uma política nacional de educação para o Brasil
ao repartir as competências educacionais entre a União e os entes federados, criar o Plano
Nacional de Educação, fixar percentuais para aplicar impostos em educação (nunca menos
de dez por cento para a União e nunca menos de vinte por cento para os estados).
Neste sentido, podemos confirmar a concretização do ideal dos Pioneiros no que se
refere ao país ter uma política nacional para educação, além de observarmos a divisão de
encargos educacionais entre os entres federados, caracterizando uma política de
descentralização, e a preocupação de articular a educação em torno de um plano nacional.
48
O segundo ponto a que se refere Nardi (2011) é a intervenção federal e a
Constituição de 1937 que, caracteristicamente controladora, esfacelou a autonomia de
estados e municípios, e estabeleceu uma administração centralizadora que se estendeu até
1945.
O autor faz menção à minuciosa regulamentação do ensino empreendida pelo
ministro Gustavo Capanema17, em 1942: “Essa regulamentação da organização e do
funcionamento do ensino no país era a expressão clara do caráter centralizador que
assumia a política educacional brasileira”. NARDI (2011, p. 35)
Nos estudos de Nardi (2011), o terceiro ponto que destacamos para o momento dos
Pioneiros da Educação, está na promulgação da Constituição de 1946, que definiu a
educação como direito a ser garantido pelo poder público e devolveu aos estados a
atribuição de constituir seus próprios sistemas de ensino, e na promulgação da primeira Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, Lei n. 4.024. Para o autor, a Lei n.
4.024 avançou ao eliminar o dualismo administrativo herdado do Império, mas, objetivando a
unidade entre os sistemas de ensino, tratou-se de uma descentralização relativa, “com
considerável margem de autonomia aos estados” (NARDI, 2011, p. 38) e nenhuma
autonomia para os municípios ou escolas.
Neste contexto, mesmo enfraquecido, após a queda do Estado Novo, o modelo
centralizador e controlador daspiano, apesar do autoritarismo imposto por Getúlio Vargas,
tornou-se paradigma burocrático no Brasil, se enraizou e estabeleceu-se por décadas na
administração pública.
A gestão burocrática é o modelo que traz as marcas da concepção de administração escolar predominante nas décadas de 50 e 60, no Brasil, apoiadas no modelo taylorista de administração. Essa concepção embasa-se, eminentemente, no modelo de administração, priorizando e fortalecendo a divisão de tarefas, separando o pensar e o fazer, gerando, assim, a fragmentação do saber e a separação entre o administrativo e o pedagógico no interior da escola. Essa concepção permaneceu enraizada na base da organização do nosso sistema educacional, e, adentrando na sala de aula, sendo ainda evidenciada nos espaços em que esta concepção administrativa for o modelo implementado. Ela caracteriza-se através do autoritarismo e dos mecanismos rígidos de controle do trabalho e das relações de ensino-aprendizagem, pela centralização e verticalização do poder decisório.(KRÜGER, 2013, p.13)
17 O primeiro ciclo do ensino secundário passou a se denominar curso ginasial, com duração de quatro anos, e o
segundo ciclo foi chamado de colegial, com duração de três ou quatro anos, e reformulou o ensino técnico. (FRANCISCO FILHO, 2006)
49
Como “momento da economia da educação”, Sander (2005) se refere ao período da
ditadura militar que ocorreu no cenário brasileiro a partir de 1964. Para o autor é o momento
da lógica econômica, o momento dos economistas na administração e na educação. Na
denominação deste momento da educação, o autor faz alusão aos objetivos
desenvolvimentistas dos militares, que pretendiam acelerar o processo de modernização do
capitalismo brasileiro, no viés do desenvolvimento industrial.
Os governos militares adotaram um movimento político de duplo sentido: ao mesmo tempo em que suprimiam as liberdades democráticas e instituíam instrumentos jurídicos de caráter autoritário e repressivo, levavam à prática os mecanismos de modernização do Estado nacional, no sentido de acelerar o processo de modernização do capitalismo brasileiro. (FERREIRA JUNIOR; BITTAR, 2008, p. 335)
A deposição do governo populista pelo modelo autoritário de governo dos militares,
em 1964, impôs uma nova centralização de poder de decisão por parte da União,
descaracterizando o federalismo. Em 25 de fevereiro de 1967, através do Decreto-Lei n.
200, o governo militar empreendeu a reforma da administração federal através de três
planos básicos de descentralização: descentralização da administração federal,
estabelecendo níveis de hierarquia entre direção e execução; da administração federal para
as unidades federadas, através de convênios; e da administração federal para a iniciativa
privada, através de contratos de concessão. (NARDI, 2011)
Para Nardi (2011) e para Ferreira e Bittar (2008), com o Decreto-Lei n. 200 instaurou-
se um modelo de descentralização, pautado na racionalidade, na eficiência e na eficácia,
que cumpriu função meramente instrumental no regime autoritário e centralizador dos
militares. Para Sander (2009, p. 71), de essência centralizadora, o modelo burocrático
encontra terreno propício nos governos militares: “A orientação centralizadora e
homogeneizadora de gestão técnico-racional do estado planejador assumiu características
de um modelo-máquina, prioritariamente preocupado com a economia, a produtividade e a
eficiência”.
A Constituição Federal de 1967 incorporou as medidas ditadas pelo Decreto-Lei n.
200, mas, num contexto de manifestações contrárias ao regime militar, a Emenda
Constitucional de 1969 assevera a centralização do poder e compromete a autonomia de
estados e municípios. (NARDI, 2011)
50
Ferreira Junior e Bittar (2008) assim descrevem este ato autoritário do regime militar:
No lugar dos políticos, os tecnocratas; no proscênio da política nacional, as eleições controladas e fraudadas; no âmbito do mundo do trabalho, a prevalência do arrojo salarial; na lógica do crescimento econômico, a ausência de distribuição da renda nacional; na demanda oposicionista pela volta do Estado de direito democrático, a atuação sistemática de órgãos de repressão mantidos pelas Forças Armadas; eis como a ditadura militar executou o seu modelo econômico de aceleração modernizadora e autoritária do capitalismo. Foi assim que o Estado, com grande poder de ordenação da sociedade civil, assumiu uma face ideológica fundada no princípio da racionalidade técnica como o único mecanismo político válido [...]. (FERREIRA JUNIOR; BITTAR, 2008, p. 335)
Nessa esteira, em 1968, o regime militar faz a reforma universitária, com a Lei 5.540,
de 1968, e, no mesmo sentido, se empreende a reforma do ensino primário e secundário: a
Lei 5.692, em 1971, creditando atribuições curriculares aos Conselhos Federal e Estadual
de Educação e delegando responsabilidades administrativas aos estados. Deste modo, os
estados protagonizaram o processo, através de legislação supletiva, definindo as
responsabilidades estaduais e municipais quanto ao ensino. (FERREIRA JUNIOR; BITTAR,
2008; NARDI, 2011)
Cabe ressaltar que, no âmbito educacional, as políticas defendidas pelos militares e
seu corpo tecnocrático se embasaram nos pressupostos da teoria do capital humano de
Theodore W. Schultz, que condiciona a educação à lógica do crescimento econômico. Nesta
teoria, a educação é tida como bem de consumo e que os trabalhadores não se tornam
capitalistas pela difusão da propriedade, mas sim pela aquisição de conhecimentos e
competências que podem valorizar o seu trabalho: a educação, assim, “não só alancava a
produtividade econômica como também transfigurava o trabalhador em capitalista, com
base na quantidade e na qualidade de novos conhecimentos que ele agregava à sua própria
formação [...].” (FERREIRA JUNIOR; BITTAR, 2008; p. 344)
Impunha-se, portanto, políticas voltadas à universalização da educação básica
(primária e média), além de planejar e organizar um sistema educacional que atendesse aos
interesses socioeconômicos e que estimulasse a formação técnica e tecnológica do “capital
51
humano”: a influência da Escola Nova é substituída pelo tecnicismo behaviorista18, aliás,
tanto a Lei 5.540 de 1968, com a Lei 5.692 de 1971, defenderam os princípios behavioristas.
Guardadas estas observações para os momentos de opulência capitalista, os anos
de 1970 foram marcados, economicamente, por uma forte crise do capitalismo, motivada
pelo petróleo, que se assenta internacionalmente e conduz a um processo de esgotamento
do modelo taylorista-fordista. (NARDI, 2011)
Este momento da história brasileira, com governos conduzidos por militares, guarda
uma forte ligação com movimentos internacionais de ajuda financeira, agências de
assistência técnica dos países desenvolvidos, organismos intergovenamentais de
cooperação e por organizações multilaterais de crédito, como o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM). (SHIROMA, 2009; SANDER, 2005)
Nardi (2011) também se refere à política de envolvimento do governo militar
brasileiro com o financiamento de capital internacional, o que gerou o aumento do
endividamento brasileiro e a dependência do Estado em relação aos acordos que
decorreram deste envolvimento:
O período militar, que consolidaria os caminhos para o capital multinacional, respondeu pela assimilação de recomendações vindas de agências internacionais e de relatórios vinculados ao governo americano e ao Ministério da Educação, como o relatório Atcon e o Relatório Meira Mattos, respectivamente. Era a incorporação de compromissos assumidos pelo Brasil na Carta de Punta del Este (1961) e no Plano Decenal de Educação da Aliança para o Progresso - principalmente os derivados de acordos entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agência Internacional de Desenvolvimento (AID), conhecidos como Acordos MEC-USAID. (NARDI, 2011, p. 43)
O crescimento sustentado pelo endividamento externo entra em colapso nos anos
1980. No clima de decadência econômica, os liberais conservadores tecem críticas ao
modelo de Estado centralizador, responsabilizando-o pela crise. Paralelamente, os
movimentos de resistência à ditadura militar pressionam e lentamente caminham para a
18 O behaviorismo, ou comportamentalismo, surgiu no começo do século XX como uma proposta para a
Psicologia tomar como seu objetivo de estudo o comportamento em oposição às correntes dominantes de que a Psicologia deveria estudar a mente ou a consciência dos homens. A palavra behaviorismo tem origem no termo Beauvoir, que em inglês significa comportamento ou conduta. São expressões clássicas do behaviorismo nomes como John B. Watson e seus precedentes, Vladimir M. Bechterev e Ivan P. Pavlov. (MATOS, 1995)
52
reabertura democrática: eclode uma efervescência política no Brasil. (SANDER, 2009;
NARDI, 2011)
Extinto em 1986, o DASP deixou como herança uma burocracia insulada pela
doutrina tecnocrática da Ditadura Militar, que se resumia na superioridade da racionalidade
técnica sobre a política, o que isolou a burocracia de qualquer controle público. (ABRUCIO;
PEDROTI; PÓ, 2012; NOHARA, 2012)
Quanto ao insulamento da burocracia, Abrucio, Pedroti e Pó (2012) fazem a seguinte
observação:
[...] a proteção autoritária da tecnocracia não necessariamente afasta o Estado do patrimonialismo, uma vez que os interesses privados relacionam-se nessa arena com a burocracia sem o menor controle público. Isto possibilita o favorecimento de determinados setores econômicos, o tráfico de interesses e, no limite, a corrupção. (ABRUCIO; PEDROTI; PÓ, 2012, p. 51)
Apesar das iniciativas da Ditadura Militar em descentralizar a administração dos
serviços públicos, o que realmente ocorre em 1967 é a centralização política por via
constitucional, conferindo-se amplas competências à União, em relação aos Estados:
apesar do apoio do último presidente militar, João Batista de Oliveira Figueiredo, às
propostas de um plano de desburocratização, a cultura centralizadora da Administração
Pública permaneceu atrelada ao modelo hierarquizado imposto pelos militares. (ABRUCIO;
PEDROTI; PÓ, 2012)
Neste contexto, se inserem as reinvindicações de uma reforma educacional, como
explicita Sander (2009):
[...] A história da gestão da educação se insere nessa efervescência política. Na verdade, ela é parte dessa efervescência, evidenciada pela intervenção crescente da comunidade científica e da sociedade civil organizada nos movimentos de reforma educacional, de defesa da escola pública, de valorização do magistério e de gestão democrática do ensino [...]. (SANDER, 2009, p. 73)
53
No entanto, Nardi (2011, p. 44) observa que, no afã político do fim da ditadura, a
transição democrática dos anos 1980 “revelou a preservação da conciliação conservadora,
notadamente pela estratégia de alianças” entre os progressistas e os liberais.
Quanto ao período pós-ditadura militar, Sander (2005, p. 101) denomina de “o
momento da construção democrática” e o associa à atuação dos movimentos de resistência
da sociedade civil e às renovações políticas por eles protagonizadas.
Vemos, no entanto, que as motivações políticas engendram-se também, nesta
época, às motivações de cunho econômico. Os estudos de Pereira (2013), por exemplo,
apontam as críticas ao modelo centralizador e autoritário vivido pelo Estado brasileiro
durante a ditadura militar e a crise capitalista das décadas de 1970 e 1980 (recessão
econômica, baixas taxas de crescimento e altas taxas de inflação) como pontos que
reforçaram e motivaram a ideia de que o Estado precisava de uma reforma estrutural: no
discurso dos conservadores liberais, ou neoliberais, o Estado era intervencionista e
improdutivo e precisava ser reorganizado para levar a economia a um patamar de
crescimento, reduzindo sua influência e permitindo o livre funcionamento do mercado.
Segundo Orso (2007), a partir dos anos de 1970, toma corpo uma nova versão do
liberalismo, influenciada pelas ideias de Friedrich Hayek e Milton Friedman. Para o autor,
ambos se opuseram às propostas de Estado intervencionista que permearam as crenças
keynisianas e defenderam a mão invisível do livre mercado. No entanto, Hayek e Friedman
reconhecem a necessidade de mudança e reconfiguração do papel do Estado, discutindo os
poderes seus poderes, seus limites e alcance de suas intervenções de forma a garantir o
livre mercado. Tais ideias passam, assim, a partir dos anos de 1970, a compor o ideário do
liberalismo, agora sob a alcunha de neoliberalismo.
Propondo, portanto, o livre mercado, o neoliberalismo retoma a ideia do liberalismo
clássico de Estado mínimo (ou Estado do Laissez-faire, do francês, deixa fazer), e propõe, a
partir da crise econômica dos anos de 1970 e 1980, “um Estado forte, fundamental para a
defesa da propriedade e do capital” (ORSO 2007, p. 177), mas capaz de romper com as
regulamentações econômicas e trabalhistas que o caracterizava como interventor. (ORSO,
2007; GENTILI, 1999; ANDERSON, 1995)
Desta forma, fundamentado nas ideias de Keynes, Hayek e Friedman, enquanto
liberalismo revisitado, o neoliberalismo propôs um modelo de Estado que reduzisse as
tarifas alfandegárias, provendo o comércio internacional; que privatizasse as empresas
estatais, reduzindo sua influência na economia; que equalizasse suas receitas e despesas,
54
racionalizando os gastos com serviços públicos, e adotando, assim, uma disciplina fiscal
para evitar a inflação Neste sentido, o neoliberalismo é a revisão do liberalismo clássico,
como ideologia do capitalismo, que reconhece a importância de um Estado intervencionista,
mas um Estado que deve se orientar pelas necessidades econômicas, em detrimento às
demandas de políticas sociais. (ORSO, 2007; GENTILI, 1999; ANDERSON, 1995)
O neoliberalismo se mostra como revisão dos conceitos clássicos do liberalismo, não
superando tais conceitos, na verdade os sintetiza no bojo de seu ideário. Neste sentido,
Orso (2007, p. 177) destaca:
[...] se não quisermos incorrer em equívocos, não se pode chamar as atuais políticas de neoliberais, mas sim de ultraliberais, pois se trata da superação tanto do liberalismo clássico quanto do intervencionismo; trata-se da incorporação das velhas políticas da ortodoxia liberal conjugadas com a preservação do Estado. Assim, o ultraliberalismo constitui-se na síntese do liberalismo que representa as novas relações.
Concordando com Pereira (2013), Tatagiba (2013, p. 48), em sua tese, aborda tanto
o aspecto econômico quanto o político e assim se refere ao período de crise das décadas de
1970 e 1980 no Brasil:
O amplo aspecto da chamada crise do Estado brasileiro teve duas expressões: a flagrante incapacidade do Estado de continuar apresentando-se como força motriz do desenvolvimento capitalista nacional, por um lado, e as alterações no padrão de relacionamento Estado/sociedade que, naquele momento, explicitavam os limites do modelo cooptação / representação, resultado do recente adensamento da sociedade civil, por outro. A dupla face dessa crise, gestada ainda nos anos 70, se apresentaria com tal vigor durante a segunda metade dos anos 80, que as posições e contraposições assumidas pelos diferentes atores no que respeita às representações da crise e das condições da sua superação demarcariam os distintos campos ético-políticos que passariam, nas décadas seguintes, a pausar o debate não apenas no que diz respeito à reestruturação da administração pública no Brasil, mas ao ritmo e intensidade da redemocratização em curso.
Neste sentido, a autora observa a ênfase dada pelo discurso reformista neoliberal à
participação da sociedade civil nos processos de gestão dos serviços públicos. Tal
estratégia, proposta pelos organismos financeiros internacionais, como o FMI e o BM, altera
o perfil da administração pública e orienta, em consenso com os setores progressistas e
55
democráticos, as reformas estatais ocorridas no final desta década no Brasil. (TATAGIBA,
2003)
No plano educacional, o discurso reivindica a descentralização administrativa e
pedagógica, em oposição à centralização autoritária exercida durante os governos militares,
bem como a democratização dos órgãos públicos do sistema de educação. (NARDI, 2011;
SANDER, 2005; 2009)
Aprovada a Constituição de 1988, congruente ao momento, ficou evidente a
inclinação pela legitimação da democracia e da descentralização, com a participação do
povo e a ampliação da autonomia de estados e municípios. Com tal ampliação, ao invés de
criar um sistema nacional de educação, a opção foi pluralizar os sistemas, com a pretensa
articulação entre eles. (NARDI, 2011)
No entanto, Nardi (2011) e Sander (2005; 2009) observam que, após a aprovação da
Constituição de 1988, se acentuavam pressões dos grupos neoliberais por reformas
administrativas, a favor de um Estado mínimo, desregulamentado e orientado pelo modelo
gerencial.
Em sua dissertação, Silva (2011) descreve essas reformas da administração pública
brasileira, ocorridas no final da dos anos de 1990 e a implementação do modelo gerencial
no setor público. Segundo a autora, o modelo gerencial (ou gerencialismo) teve suas
primeiras experiências no serviço público em 1979, na Grã-Bretanha, durante o governo de
Margareth Thatcher, e nos Estados Unidos da América, em 1980, no governo de Ronald
Reagan.
O gerencialismo se apresenta como sistema aberto e prega a flexibilização da
gestão, mas, além da flexibilização, estão no discurso do modelo gerencialista a
horizontalização das estruturas, a descentralização/delegação de funções e autoridade, a
avaliação e o controle de resultados, a autonomia e a participação. (SILVA, 2011)
No Brasil, a partir de 1995, sob a égide de “nova gestão pública”, o Ministério da
Administração e da Reforma do Estado, capitaneado por Luiz Carlos Bresser-Pereira, passa
a promover tal discurso que, nas palavras do próprio Bresser-Pereira (2002), constitui-se
numa reforma gerencial, pois se inspira nos modelos de gestão das empresas privadas e
56
utiliza a autonomia e a accountability19 como estratégias para dar mais eficiência e qualidade
ao serviço público.
Nestes moldes, desencadeadas a reformas do Estado, novos marcos passam a
consolidar a organização e o modelo de gestão do sistema educativo, constituindo um
modelo de descentralização orientado pela racionalidade econômica, pela eficiência e pela
eficácia: um processo de descentralização que, na verdade, desconcentrou encargos
estatais. (NARDI, 2011; SHIROMA, 2009)
É neste cenário de reformas que a participação nos espaços públicos emergiu como
estratégia dos ideais democráticos de soberania popular, no discurso que prega a
autonomia como princípio e o autogoverno como meio para alcançar políticas públicas mais
eficazes, justas e eficientes em seus resultados. Contudo, Tatagiba (2003) chama a atenção
para o fato de que nem toda participação pode ser capaz de produzir e alcançar tais
resultados, mas apenas aquela participação que promova o efetivo envolvimento dos atores
afetados por tais resultados. (SILVA, 2011; TATABIBA, 2003)
Salientamos, no âmbito deste estudo, o alerta de Tatagiba (2003) para as
possibilidades daquelas reformas promovidas na década 1990 assumirem aspectos que
podem configurar tanto a emancipação, e evidenciar uma participação efetiva, quanto
manter ou reforçar características tradicionais de administração pública: se por um lado as
reformas valorizam a participação e propiciam a democratização da gestão, inserindo novos
atores no processo, por outro lado, as reformas podem significar a desresponsabilização do
Estado, que transfere responsabilidades e encargos operacionais aos atores da sociedade
civil, o que não necessariamente implica em descentralização dos aspectos financeiros e de
controle de resultados, mas sim em intensificação destes.
Entre as medidas tomadas para viabilizar tal reforma, no âmbito educacional,
segundo Pereira (2013), estão alterações no financiamento da educação e os processos de
descentralização, destacando-se a municipalização do ensino fundamental, e configurando-
se, assim, a transferência e a oferta de serviços públicos para as esferas administrativas
locais.
Em síntese, com as reformas de Estado realizadas a partir da Emenda Constitucional
n. 14 de 1996, a reforma educacional reivindicada desde o momento desenvolvimentista
19 A palavra accountability não possui uma tradução para a língua portuguesa, e seu conceito, no que concerne à administração pública, envolve duas partes: a responsabilização do governante para uso dos recursos públicos e transparência, que obriga o governante a prestar contas de sua gestão e do bom uso destes recursos. (AKUTSU; PINHO, 2002)
57
adquiriu contornos de orientações gerencialista: “Tratou-se da emergência do gerencialismo
na educação, em cujo modelo figura a descentralização pautada na racionalidade
econômica e instrumental, operada em favor da propalada modernização do Estado”.
(NARDI, 2011, p. 48). Sander (2009) também se refere a essas reformas de Estado e
também lhe atribui influência do gerencialismo empresarial:
O exame dessas reformas revela uma renovada transposição de conceitos e práticas neofayolistas e neotayloristas do gerencialismo empresarial e comercial para o setor público e para a educação, enfatizando os princípios de eficiência e produtividade, racionalização administrativa e avaliação estandardizada de desempenho, descentralização, privatização e adoção maciça da tecnologia da informação. (SANDER, 2009, p. 75)
Adaptando-se ao receituário dos organismos financeiros internacionais, o Brasil
imprime, a partir dos anos de 1990, a reforma do Estado com o discurso das políticas de
descentralização e da gestão democrática, defendendo o fim da administração pública
burocrática e o advento de uma administração pública gerencial, inspirada na governança e
na responsabilização, referindo-se, respectivamente, à gestão flexível e eficiente voltada ao
cidadão (governance) e à responsabilidade dos governantes de prestar contas dos
resultados obtidos pela administração pública (accountability). (NOHARA, 2012; PDRAE,
1995)
Segundo o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), de 1995, ou
Plano Bresser Pereira, com a reforma o Estado “deixa de ser o responsável direto pelo
desenvolvimento econômico e social pela via de produção de bens e serviços, para
fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento”. (PDRAE, 1995,
p.12)
Tal reforma administrativa proposta pelo PDRAE foi possível a partir de 1998, com a
aprovação da Emenda Constitucional n. 19 que foi, segundo Bresser-Pereira (2008, p. 98),
“apoiada pela opinião pública, pelas elites formadoras de opinião, e em particular pela alta
burocracia que esta reforma beneficiava”. Observemos que Bresser-Pereira (2008, p. 98),
ao referir-se à alta burocracia como sendo os “altos administradores públicos existentes no
país dotados de competência técnica e espírito público”, destaca, particularmente, o apoio
da burocracia às propostas de reformas do Estado.
58
Observada essa sugestiva possibilidade de enlace entre as propostas de uma
reforma gerencial do Estado e a burocracia existente, em contradição ao discurso que
pregou o fim da administração burocrática, cabe evocarmos a tradição do modelo
burocrático que cerceia a história da administração pública brasileira e questionarmos, com
base na teoria weberiana, se os pressupostos burocráticos permanecem/permaneceram
latentes na proposta de Estado gerencial do PDRAE.
No modelo burocrático weberiano tais pressupostos caracterizam-se pelo a) caráter
legal das normas e regulamentos, b) racionalidade e divisão do trabalho, c) hierarquia das
autoridades, d) competência técnica e meritocrática, e) especialização profissional, e)
objetividade e controle dos resultados, f) padronização de rotinas e g) impessoalidade das
relações. (WEBER, 2002; NOHARA, 2012)
Neste sentido, considerando especificamente o sistema de educação brasileiro, a
Constituição de 1988, a LDB, a Emenda Constitucional n.19, as normas do Conselho
Nacional de Educação e as normas complementares dos sistemas de ensino, compõem um
corpo legal e normativo que regulamenta o sistema, caracterizando o que Weber (2002, p.
138) denomina de “princípio das áreas de jurisdição fixas e oficiais, ordenadas de acordo
com regulamentos”, considerando ainda, em tal princípio, a “distribuição” das
responsabilidades no Artigo 211 da Constituição e nos Artigos 9º 10, 11, 16, 17 e 18 da
LDB, delimitando legalmente os “deveres oficiais” de cada um dos três entes federados
(União, Estados e Municípios), tal como caracteriza Weber.
De acordo com Weber (2002, p.138), num contexto burocrático, também “Tomam-se
medidas metódicas para a realização regular e contínua desses deveres e para a execução
dos direitos correspondentes [...]”. De forma correlata, a avaliação sistêmica do rendimento
escolar, prevista no Artigo 9º – tendo em vista a educação como dever do Estado, a
avaliação de desempenho prevista no Artigo 67 – considerando a promoção como direito
profissional, teremos essas avaliações como medidas frequentes do sistema para manter
sob controle e em funcionamento as suas funções objetivas.
Para Weber (2002), os regulamentos devem prever as qualificações profissionais e
somente pessoas qualificadas podem ser empregadas. Assim, ao analisar Weber (2002) e o
que diz a LDB, que estabelece as incumbências dos docentes (Artigo 13), a exigência prévia
de qualificação profissional (Artigos 61 a 67), além de estabelecer um plano de carreira,
identificamos os traços característicos do princípio burocrático da formação profissional,
como requisito prévio para admissão do profissional e o desempenho no cargo como
59
indicador para promoção: um avanço diante da tradição patrimonialista, mas um mecanismo
de admissão meritocrático e, portanto, de essência burocrática.
A concentração político-administrativa na União, tendo uma estrutura organizada em
três níveis de poder, conforme observamos nos Artigos 29, 43, 84 87, 211 da Constituição
de 1988 e no Artigo 8º da LDB, define um sistema educacional hierárquico de níveis de
autoridade, caracterizado por Weber (2002, p.138) como “um sistema firmemente ordenado
de mando e subordinação”.
Se considerarmos a estratégia do PDRAE para a administração gerencial do Estado,
ao propor “deslocar a ênfase dos procedimentos (meios) para os resultados (fins)”, além de
“voltar-se (1) para a definição precisa dos objetivos que a administração pública deverá
atingir em sua unidade, (2) para a garantia de autonomia de administrador na gestão dos
recursos humanos, materiais e financeiros que lhe forem colocados à disposição para que
possa atingir os objetivos contratados, e (3) para o controle ou cobrança a posteriori dos
resultados.” (PDRAE, 1995, p.16), notaremos que o discurso da descentralização e redução
da hierarquia não se confirma, ao contrário, lembrando a contribuição de Weber (2002) que,
ao se referir aos meios materiais de administração, nos diz que a burocracia concentra tais
meios nas mãos da autoridade, notaremos a contradição entre o discurso de
descentralização e a proposta estratégica do PDRAE de manter a gestão financeira,
material e de recursos humanos sob a tutela da administração.
Recorrendo a Barroso (1995), que diferencia administração como esfera política e
gestão como esfera técnica, além de nos referenciarmos à escola pública e aos
pressupostos estratégicos do Estado gerencial, notaremos que tal contradição no discurso
do PDRAE se concretiza, face os interesses político-administrativos da educação e os
interesses da gestão do ensino.
A observação de Barroso (1995), que auxilia a compreendermos a subordinação da
gestão escolar à administração pública, tem amparo em Lima (2011a, p. 8) que, ao
considerar o modelo gerencialista como “a emergência de um Estado-avaliador”, caracteriza
tal modelo como “marcado pelo hibridismo e pela contradição” e cita a consagração da
autonomia da escola, atribuindo-lhe, ao mesmo tempo, ”significado instrumental e
operacional, apenas devolvendo certos encargos e responsabilidades de execução das
políticas educativas centralmente definidas em nível federal, estadual ou municipal“: dentre
vários destaques dessas políticas gerencialista, Lima (2011a) cita a centralização das
decisões sobre o currículo e a avaliação.
60
Tais considerações nos levam ao caso brasileiro e à proposta estratégica do PDRAE.
Consagrada pela Constituição de 1988 e pela LDB, a gestão democrática da escola pública,
enquanto modelo de gestão técnica dos problemas do ensino, mostra-se delimitada e
controlada pela administração estatal que concentra a concepção de objetivos e o controle
dos resultados, além de controlar os recursos materiais, financeiros e humanos, o que nos
leva a considerar como coerente à proposta estratégica do PDRAE o termo “graus de
autonomia”, expresso no Artigo 15 da LDB, e não como “autonomia”, na completude do
significado da palavra.
As reformas construídas durante os anos de 1990 pelo governo de Fernando
Henrique Cardoso, e expressas no Plano Diretor das Reformas do Aparelho do Estado
(PDRAE), estão fundadas no modelo inglês de gerencialismo, que se apoia numa
administração pública voltada ao controle e aos resultados, incorporando conceitos como a
busca contínua pela qualidade, a descentralização e a avaliação do serviço público,
procurando se mostrar como modelo flexível, em detrimento às críticas ao modelo rígido e
fechado que caracterizou a administração até então. No entanto, historicamente, o Brasil
vivenciou, na esfera pública, três modelos de administração: o patrimonialismo, a burocracia
e o gerencialismo; e que no caso brasileiro, o gerencialismo tem se configurado como um
hibridismo dos modelos anteriores. (ABRUCIO, 1997; SILVA, 2011)
Neste quadro de autonomia relativa, onde se fundem a política gerencialista e a
estrutura burocrática do Estado, a participação dos profissionais da educação na elaboração
do PPP, tal como a participação da comunidade escolar e local nos conselhos escolares,
também se consagram na LDB (Artigo 14), confirmando a participação como “palavra-
chave” no vocabulário da democratização.
No entanto, Lima (2011a, p. 11), ao analisar as reformas gerencialistas do Estado
sob o prisma da burocracia estudada por Max Weber, observa que tais reformas revelam um
quadro de mais gestão para menos democracia: chamando tal quadro de
“hiperburocratização”, o autor faz alusão à ampliação dos traços burocráticos, reforçados
pelas novas tecnologias da informação e comunicação que “emergem como uma espécie de
nova fonte de controlo centralizado”.
Os estudos de Nohara (2012) também apontam nesse sentido ao afirmar que o
PDRAE admitiu o misto burocrático-gerencial para a administração pública, baseado no
discurso da eficiência, definida pelo próprio PDRAE (1995, p. 43) como sendo “a busca de
uma relação ótima entre qualidade e custo de serviços colocados à disposição do público”.
61
O discurso do gerencialismo fundamenta um modelo de administração que tem como
princípios a descentralização de decisões e funções, as formas flexíveis de gestão, as
estruturas horizontalizadas e os incentivos à criatividade, no entanto, contraditoriamente, tal
discurso não se afasta da receita burocrática que envolve a centralização e a hierarquia:
para Nohara (2012, p. 82), os princípios gerencialistas são perseguidos pelo PDRAE via
estratégias que se concretizam pela “avaliação sistemática, recompensa pelo desempenho
e capacitação permanente, como continuísmo do modelo burocrático [...]”.
Nesse misto burocrático-gerencial, num cenário histórico de centralização, hierarquia
e subordinação, e a pretexto do paradigma da eficiência, a centralização do processo de
elaboração curricular, aliada à centralização dos processos de avaliação sistêmica dos
alunos, aos processos de avaliação de desempenho dos professores e o controle dos
recursos têm se mostrado como estratégias gerenciais e, em contradição ao discurso de
descentralização, autonomia e participação, constituem-se em mecanismos
hiperburocratizados de controle.
Para Lima (2013b), tais processos, que vêm ocorrendo a partir dos anos 1990 e que
defendem mecanismos empresariais aplicados à administração pública, se instauram a
partir da ideia de construção de uma escola eficaz, decentralizando responsabilidades e
encargos, mas dando-lhe uma autonomia meramente instrumental, tendo em vista a
utilização de estratégias de controle, como as avaliações e as prestações de contas,
prescritas nos moldes da gestão empresarial, “ora (re)centralizando certos poderes de
decisão, ora descentralizando outros compatíveis com estratégias de desregulação e de
privatização do setor público na educação [...]”. (LIMA, 2013b, p. 13) (grifos do autor)
Lima (2011a, p. 17) apresenta, ao se referir à intensificação desses processos
centralizados, consequências como “crises de identidade e a perda de referenciais
educativos e pedagógicos, por sua vez contribuindo para a desprofissionalização dos
docentes e, eventualmente, para a alienação do seu trabalho”, no entanto, invocando a
participação docente, o autor alerta que, mesmo consagrada nos textos legais, a
participação, como critério democrático, não se perpetua nos textos, mas na prática. (LIMA,
2013a; LIMA, 2011)
Neste ponto lembramos a LDB que, ao tratar das incumbências dos docentes no
Artigo 13, consagra a participação dos docentes na elaboração do PPP da escola, e nos
dirigimos a Lima (2013b, p. 102), que lembra a necessidade da participação ativa e afirma
que dificilmente os docentes terão voz e atuação efetiva se mantendo isolados e
reproduzindo as orientações burocráticas.
62
Participando, na escola e em seu contexto comunitário, na construção de uma obra própria, e não apenas na pressuposta reprodução de uma obra alheia, ou seja, coconstruindo a escola democrática, produzindo regras e estruturas de autonomia em regime de coautoria diante de políticas, interesses e objetivos de âmbito nacional ou regional. (LIMA, 2013b, p. 102) (grifos do autor)
Nesta direção, fundamentado no pressuposto da gestão democrática, o Artigo 13 da
LDB dá à escola a incumbência de elaborar o PPP com a participação dos professores, o
que nos permite afirmar, conforme Gandin e Gandin (2002) e Nogueira (2009), que a
regulamentação dada pela lei caracteriza o PPP segundo dois conceitos: enquanto
planejamento estratégico que orienta as atividades da escola, entendendo essas atividades
como sendo os instrumentos e procedimentos necessários ao desenvolvimento do ensino,
segundo o ideal de escola desejada e os objetivos por ela almejados; e enquanto
planejamento participativo que pressupõe as tomadas de decisão relativas à elaboração, à
execução e à avaliação do PPP envolvendo os vários segmentos que compõe a
comunidade escolar, tornando a proposta pedagógica da escola uma ferramenta coletiva.
Esta fundamentação dada pela LDB, segundo Gandin e Gandin (2002), ressalta algo
inédito e positivo para a educação:
[...] pela primeira vez o pensamento educacional brasileiro (ele se reflete na lei, não é criado por ela) toma o planejamento como ferramenta mais importante do que o regimento para a implementação de processos pedagógicos. De fato, a obrigação de uma “proposta pedagógica” sobrepõe-se, no texto da lei, à do regimento. (GANDIN; GANDIN, 2002)
Desta forma, o Regimento Escolar, enquanto documento que disciplina as relações
interpessoais no interior da instituição, normatizando-a e organizando-a em seus aspectos
administrativos e pedagógicos, deve ter origem nas propostas coletivas com as quais o PPP
foi elaborado e, portanto, refletir a autonomia e a participação. (GANDIN; GANDIN, 2002;
CALDIERARO, 2006)
No entanto, para Lima (2013b), os problemas da gestão democrática tornam-se mais
complexos para a escola pública, não só pela irrelevância da democratização e da
participação nas políticas, mas por estes processos representarem uma contradição às
estratégias burocrático-gerencialistas: entre o planejamento e a avaliação, que permanecem
63
sob o controle centralizado, a gestão democrática da escola tem a autonomia e a
participação relativizadas aos seus processos pedagógico-operacionais, processos estes
limitados, de um lado, a priori, pela impossibilidade de intervir nos rumos curriculares e, de
outro, a posteriori, pela imposição de avaliações massificadas.
Como afirma Pagès et. al. (1990), a concentração do poder de controle e a
distribuição de atribuições de ensino, descentralizando ou delegando, pode caracterizar a
intenção de imprimir um sistema de administração por meio de normas, onde a autonomia e
o controle contraditoriamente se reforçam.
Nessa contradição que a burocracia pode gerar, temos um sistema de normas que a
protege contra desvios arbitrários, assegurando a manutenção da coerência sistêmica e
imprimindo relações verticais de poder administrativo centralizado, por meio de mecanismos
de controle, em detrimento das relações horizontais características da gestão democrático-
participativa.
Neste sentido, analisando o caso de Marília, no Estado de São Paulo, a pesquisa de
Servilha (2008) aponta problemas que afetam a autonomia da escola, tais como as
condições inadequadas de trabalho, a formação dos professores, a organização dos
segmentos dos atores escolares, a falta de consciência política dos envolvidos, o excesso
de poderes do dirigente escolar, a burocracia e, em suas considerações finais, diz:
O discurso em defesa da democratização do acesso e do ensino de boa qualidade, da participação da comunidade local e escolar quanto à tomada de decisão permeia a legislação oficial desde o período pós-ditadura militar até nossos dias. Porém, o modelo continua centralizador, mesmo quando seus decretos, pareceres, leis dizem o contrário. A gestão continua regulamentada e ordenada de cima para baixo, atendendo ao ideário neoliberal. SERVILHA (2008. P. 129) (grifo nosso)
Quanto à burocracia, além de Servilha (2008), também as pesquisas de Furtado
(2005), Krüger (2012), Morais (2012), Silva (2011) e Oliveira (2011) fazem apontamentos
sobre a influência dos mecanismos aplicados por este modelo de administração pública que,
assimilados do meio empresarial20, cerceiam e limitam as possibilidades da gestão
democrática da escola.
20 Os modelos de administração como o taylorista e o fordista surgiram no meio empresarial para atender às
exigências da burocracia e não são excludentes, ou seja, todos os modelos privilegiam a racionalização para
64
Por sua vez, Krüger (2013), Morais (2012) e Oliveira (2011) discutem as
possibilidades dos mecanismos de regulação, controle e avaliação, característicos da
administração burocrática, conduzirem à efetivação de concepções técnicas e reguladoras
que se contrapõem à democratização das estruturas de poder.
As autoras fazem apontamentos sobre as consequências das relações
hierarquizadas que existem entre os sistemas públicos de administração e as unidades
escolares, bem como a centralização das políticas, elaboradas e impostas verticalmente
pela tradição burocrática e tecnocrática da administração pública brasileira.
O desafio que se coloca, portanto, é como construir formas mais democráticas de
gestão das escolas que, por sua vez, encontram-se situadas em sistemas de ensino que,
por meio do racionalismo gerencial, impõem às escolas modelos de funcionamento
hiperburocratizados?
Dessa forma, parecem ser necessários mais estudos que considerem essa hipótese,
da hiperburocratização das escolas brasileiras, com vistas a compreendermos melhor como
esses fenômenos têm se apresentado no interior dessas instituições:
A hiperburocratização nas organizações educativas merece ser indagada, teórica e empiricamente, perante fenômenos de alta racionalização e informatização, extensão e grande escala, controle e estandartização, compartimentação do trabalho, mensuração, gestão e tratamento de dados, precisão, normatização, conhecimento pericial e regras técnicas detalhadas. (LIMA, 2012a, p. 154).
Diante das possibilidades da burocracia da administração pública contradizerem as
práticas democráticas consagradas na legislação brasileira como gestão democrática da
escola pública, nosso trabalho procura responder tal indagação e propõe analisar a prática
da autogestão da escola. Para tanto, no próximo capítulo, fazemos uma abordagem sobre
as origens da gestão democrática na legislação educacional brasileira e consideramos a
eleição, a autonomia e a participação como princípios democráticos para o exercício da
gestão escolar.
acompanhar os sujeitos no processo de trabalho, tendo em vista a maximização do desempenho e da produtividade, sob o discurso da eficiência e da eficácia. (SILVA, 2011; KRÜGER, 2012; MORAIS, 2012)
65
CAPÍTULO 3
GESTÃO DEMOCRÁTICA DO ENSINO PÚBLICO BRASILEIRO: A
PARTICIPAÇÃO E A AUTONOMIA NA TRAMA DA DESCENTRALIZAÇÃO
Qual a origem da gestão democrática do ensino público? Quais fatos, ideais e
princípios levaram a legislação brasileira a consagrar tal modelo de gestão para a escola
pública?
Apresentada pela Constituição de 1988 como modelo para a gestão do ensino
público, a gestão democrática da escola na verdade é a consagração de uma conquista
histórica e conjuntural oriunda dos “processos de abertura democrática, das lutas sindicais,
dos movimentos sociais e dos influxos neoliberais da nova mundialização da economia”
(SANDER, 2009, p.72), que marcaram a história brasileira desde os anos de 1970 até os
anos de 1990, e que refletiram os anseios da população por formas mais democráticas de
vivência em sociedade. (SANDER, 2009; ARROYO, 1986)
Os questionamentos sobre as origens da gestão democrática nos conduzem à
necessidade de discutir quais princípios permeiam e caracterizam este modelo de gestão:
como já apontamos no decorrer desta dissertação, a autonomia e a participação
compuseram o discurso reformista dos anos de 1990. Também as leituras do referencial
teórico nos levaram a considerar a autonomia e a participação da comunidade (escolar e
local) como princípios para o exercício democrático da gestão escolar, assim como a eleição
do dirigente escolar.
Assim, este capítulo destina-se a discutir conceitos relacionados à gestão
democrática e que estão presentes na legislação educacional, apresentar as origens da
democrática do ensino público na atual legislação educacional brasileira e apresentar como
princípios da gestão democrática da escola pública a eleição do dirigente escolar, a
participação da comunidade nas tomadas de decisão e a autonomia da escola para gerir
seus processos.
3.1. As origens da gestão democrática da escola
A tendência de pensar as políticas educacionais e de exercer a administração
educacional sob o viés democrático não é uma herança que surgiu da divisão de poderes
66
pelo Estado ou governo, ao contrário, é uma construção histórica ocorrida a partir da
atuação dos movimentos sociais que se dedicaram à reconstrução institucional da
democracia, desde a ruptura institucional promovida pela ditadura militar, em 1964.
(SANDER, 2005)
Movimentos políticos, protagonizados por vários segmentos da sociedade brasileira,
se opuseram ao autoritarismo da ditadura militar e levantaram as bandeiras que
reivindicaram a descentralização e a participação popular nos processos de tomada de
decisão político-administrativos. (ARROYO, 1986)
Concordando com Arroyo (1986), Shiroma (2009) destaca a incorporação destas
defesas por parte dos governos que se seguiram à ditadura militar:
Após anos de repressão, autoritarismo, censura, impossibilidade de manifestar discordância e de participar na vida política, o final do governo militar foi marcado pela intensificação dos clamores por anistia política, liberdade de expressão, democracia, descentralização e participação. [...] Muitas das proposições daquela década – bandeiras construídas e defendidas nas lutas travadas pelos movimentos sociais, associações de professores, sindicatos e educadores do campo crítico – formam incorporadas pelos governantes dos anos subsequentes. (SHIROMA, 2009, p. 179)
Bruno (2010) considera, como centro motivador dessas lutas, o fundamento
capitalista que separa, de um lado, os que produzem, mas não controlam e não se
apropriam do que produzem e, de outro lado, estão os que controlam a produção e o tempo
de trabalho alheio, além de se apropriarem da produção:
Aos primeiros é vedada a participação nas decisões relativas ao desenvolvimento das atividades produtivas nos locais de trabalho e, por conseguinte, lhes é também vedada a participação nas decisões que incidem sobre as demais esferas da realidade. Aos segundos, o direito de governar, no sentido amplo, nos locais de trabalho; gerir, comandar, organizar, legislar, interditar e punir seus subordinados [...] (BRUNO, 2010, p.20)
Neste contexto de reinvindicações por democracia, Martins (2002) destaca a pauta
defendida pelos setores progressistas e de esquerda, que consistia na distribuição do poder,
67
descentralização e autonomia de decisão local e Bruno (2010) destaca as lutas dos
trabalhadores da educação, da década de 1970 até meados dos anos de 1980, pela
eliminação da divisão entre gestão do trabalho e realização do trabalho, e a consequente
assimilação da gestão democrática por parte da Constituição de 1988, em seu Artigo 206,
Inciso VI.
Deste ponto de vista, a gestão democrática da escola pública mostra-se, portanto,
como a consagração de um direito reclamado e conquistado pelos que se puseram a favor
da democratização e que protagonizaram a resistência ao modelo burocrático, centralizador
e de gestão tecnocrática dos governos militares. (SANDER, 2009; LIMA, 2013a)
Shiroma (2009) analisa documentos internacionais derivados da Conferência Mundial
de Educação para Todos, bem como documentos dos anos de 1990 do Banco Mundial, do
Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Programa de Reforma Educacional da
América Latina, que recomendaram as reformas educacionais na América Latina, e afirma
que tais documentos compuseram um discurso globalizado sobre educação que,
aparentemente, levava os representantes do capital e do trabalho para os mesmos fins,
apesar dos projetos de sociedade serem antagônicos entre eles.
É neste contexto que o discurso neoliberal, como abordado no capítulo anterior, se
apropriou de temas políticos erguidos contra a ditadura militar, como a descentralização, a
autonomia e a participação, e as transformou em slogans nas reformas dos anos de 1990.
Incorporados pelos discursos neoliberais, estes temas enfatizaram-se como vetores
capazes de otimizar os gastos, aumentando a eficiência21 dos serviços públicos. (SHIROMA,
2009, PEREIRA, 2013; TATAGIBA, 2003)
Resultante do confronto entre o paradigma de administração burocrática e o
paradigma de administração como processo democrático, a consagração da gestão
democrática do ensino público pela Constituição de 1988 traduz-se como superação do
modelo de administração tecnocrática pelo paradigma de administração democrática da
educação, ou a superação da tecnocracia pelo processo político. (SANDER, 2009;
ARROYO, 1983; BRUNO, 2002; CURY, 1985)
Nesta perspectiva, a Constituição de 1988, em seu Artigo 206, Inciso VI, estabeleceu
a gestão democrática como um dos princípios para o oferecimento do ensino público no
Brasil, apesar dessa consagração caracterizar um avanço, uma vez se tratar de algo inédito
21 Entendemos aqui a palavra eficiência como composto da lógica capitalista de racionalização.
68
nos textos constitucionais, a Carta Magna delega a regulamentação desse princípio à LDB,
com a redação “na forma da Lei”.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; [...] (BRASIL, 1988)
Para Bruno (2010), no entanto, tal consagração da gestão democrática na
Constituição de 1988 não representou a concretização das lutas pela democratização da
organização da educação no Brasil, mas teve contornos mais substanciais, uma vez que ela
não se aprofundou e adiou a regulamentação do tema até a promulgação da LDB.
No anseio desta regulamentação, a LDB, em seus Artigos 3º e 14, confirmou a
gestão democrática como princípio para o ensino público, no entanto, eximindo-se também,
tal como a Constituição de 1988, da efetivação de uma regulamentação nacional, e delegou
aos sistemas de ensino a normatização complementar de tal questão. (MURANAKA;
MINTO, 2002)
Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:[...] VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; [...] Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. (BRASIL, 1996)
Apesar dos apontamentos dos Incisos I e II do Artigo 14 da LDB, que orientam para a
participação dos profissionais da educação na elaboração do PPP da escola e para a
participação das comunidades escolar e local nos conselhos escolares ou equivalentes, ao
verificarmos o Inciso VIII do Artigo 3º e o regime federado brasileiro, não perdendo de vista a
quantidade de Estados e Municípios22 existentes no Brasil, devemos considerar um cenário
com mais de cinco mil e quinhentos sistemas de ensino e a mesma proporção de
22 Segundo dados de 2013 do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), o Brasil tem, em seu regime
federado, 5.570 municípios, distribuídos em 26 Estados, além do Distrito Federal.
69
possibilidades de legislação complementar e de identidades que a gestão democrática pode
vir a ter.
Neste quadro de possibilidades para se tratar a gestão democrática, Bruno (2010)
destaca que a concepção sobre a gestão democrática pode revelar uma multiplicidade de
práticas que se reconheçam nessa concepção, podendo até mesmo serem antagônicas e,
referindo-se aos termos “público”, “privado” e “res publica” 23, a autora ainda ressalta o uso
de termos específicos que não são devidamente explicados, o que induz às várias
possibilidades, interpretação e regulamentação:
Para agravar a confusão, observou-se um procedimento bastante recorrente na literatura sobre o tema, especialmente após a aprovação da LDB e que consiste em utilizar temos oriundos de sociedades completamente distintas desta em que vivemos, sem nenhuma preocupação de especificar para o leitor os diferentes significados desses termos nos vários contextos históricos em que aparecem. (BRUNO, 2010, p. 21)
Assim como os termos público, privado e república (res publica), termos como
gestão, administração, autonomia, participação, colegiado, comunidade escolar e
comunidade local aparecem na legislação, no entanto, não são termos significativamente
esclarecidos de forma a articular as práticas cotidianas da escola com as possíveis
concepções presentes nas regulamentações.
Ao analisar a gestão, a autonomia escolar e os órgãos colegiados nos Anais das
Reuniões Anuais da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação (ANPED) de 2000
a 2008, e nos anais do Simpósio Brasileiro de Política e Administração da Educação da
Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) de 2001, 2005 e
2007, Souza (2010) observa a escassez de investigações relacionadas à gestão
democrática, especificamente dirigindo-se à temática da autonomia e da participação:
[...] ausência de trabalhos que abordem, por exemplo, concepções presentes nas políticas públicas de educação, sobretudo nas esferas estadual e municipal, ou que problematizem o conceito de formação do gestor/administrador nos paradigmas educacionais que orientem as ações governamentais neste campo, bem como que tratem conceitualmente a
23 O termo “res publica”, de origem latina, traduz-se literalmente como “coisa pública” e refere-se a tudo que não
pode ser propriedade particular, sendo assim qualquer coisa mantida e compartilhada por uma coletividade de sujeitos.
70
gestão/administração educacional, temas ainda caros para essa área, entre outros. (SOUZA, 2010, p. 456)
Entre as possibilidades nessa diversidade, apontamos a normatização para
provimento do cargo ou função de dirigente escolar.
3.2. A eleição como princípio da gestão democrática
Segundo Paro (2003b), mesmo plausíveis de variações, podem ser caracterizadas
três modalidades básicas para a escolha do dirigente escolar: a nomeação por autoridade
governamental, o concurso de títulos e provas e a eleição.
Paro (2003b) salienta que a nomeação do diretor, por agente político ou burocrático,
não se manifesta de forma homogênea e, segundo Dourado (2013), ao dispensar a
participação da comunidade escolar, a livre nomeação do dirigente escolar por parte da
autoridade governamental caracteriza-se como prática autoritária e clientelista, o que nos
leva a considerar tal instrumento como ação contrária e incoerente ao princípio de
participação, no que se refere à gestão democrática da escola pública. (DOURADO, 2013;
LIMA, 2013a; PARO, 2003b)
Neste sentido, a livre nomeação do dirigente escolar por parte da autoridade
governamental, configura o que Lima (2013a) considera como ruptura preocupante, dada a
não participação direta da comunidade escolar na escolha de seu dirigente e a possível
apatia de seus atores, observado o comprometimento original desse dirigente com a
autoridade que o nomeou, o que compromete a legitimação da participação, pois prescinde
do respaldo da comunidade. (LIMA, 2013a; PARO, 2003b)
Quanto à escolha do dirigente escolar por concurso público, Dourado (2013) faz
alusão à defesa do concurso público calcada na argumentação de que tal modalidade de
escolha imputa “objetividade na escolha de méritos intelectuais” (DOURADO, 2013, p. 103),
mas tanto Dourado (2013), como Lima (2013a) e Paro (2003a) entendem que a gestão
escolar não se resume aos aspectos técnicos, configurando-se também como ato político, o
que nos leva a considerar a possibilidade de que, numa gestão que prioriza os méritos
intelectuais para escolha do dirigente, a dimensão técnica fique reduzida às atividades
burocráticas, relegando-se ao segundo plano o processo político-pedagógico, como
podemos observar na seguinte citação de Dourado (2013, p. 103-104): “Assim, acreditamos
que embora o concurso de provas, ou de provas e títulos, deva ser o ponto de partida para o
71
ingresso do educador no sistema de ensino, não se apresenta, no entanto, como forma mais
apropriada para a escolha de dirigentes escolares.”
Apesar desta consideração do autor, cabe observar que a escolha do dirigente
escolar por meio de concurso recebe amparo legal, como se constata no Inciso I do Artigo
67 da LDB:
Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; (BRASIL, 1996)
Por outro lado, ao considerar a eleição como instrumento da democracia, Dourado
(2013) e Paro (2003b) defendem esta forma de escolha do dirigente escolar, tendo em vista
a relevância política da eleição direta no processo de democratização das instituições
escolares públicas, principalmente no que se refere às tomadas de decisão no contexto das
relações escolares. (DOURADO, 2013; PARO, 2003a)
Em suas pesquisas, Dourado (2013, p. 104) constatou a eleição direta como forma
usual para provimento ao cargo de dirigente escolar, mas observou que o processo de
escolha por meio de eleições apresenta-se de formas variadas, “indo desde a delimitação do
colégio eleitoral [...] até a definição operacional para o andamento e transparência do
processo [...]” ou indicação por meio de listas, caso este em que a comunidade participa no
início do processo, mas acaba por perder ou limitar a participação, uma vez que a
nomeação do diretor cabe ao dirigente governamental, ou ao seu representante.
A pesquisa desenvolvida em 2010 pelo Centro de Desenvolvimento Humano
Aplicado (Cedhap), que teve por objetivo mapear as práticas de seleção e capacitação de
diretores escolares adotadas pelos sistemas estaduais e das capitais, apontou que 67%
(sessenta e seis por cento) dos sistemas estaduais de ensino e 82% (oitenta e dois por
cento) dos sistemas das capitais adotavam a eleição como modalidade de seleção para
provimento ao cargo de dirigente escolar. No entanto, como mostra o Gráfico 1, a pesquisa
mostra que a indicação por instâncias locais, o concurso, a certificação, provas e entrevistas
ainda são modalidades utilizadas, podendo, inclusive, estarem combinadas como prática
dentro de um único sistema de ensino. (LÜCK, 2011)
72
Gráfico 1 – Modalidades para provimento ao cargo de dirigente escolar
Fonte: Lück (2011, p. 187)
No entanto, observamos que a eleição não é fator que garante o exercício de uma
gestão realmente democrática. Apesar dos dados de Lück (2011) mostrarem que há uma
tendência de adotar a eleição como modalidade de provimento do dirigente escolar, por si
só a eleição não assegura o exercício da gestão democrática. Neste sentido, outra
observação de Dourado (2013) diz respeito ao erro de incorrer à eleição do dirigente como
“ação terminal”, pois tanto a forma de escolha quanto o exercício da função devem ser
observados, e afirma que a eleição é somente um dos elementos a ser associado à “luta
pela democratização possível das relações escolares” (DOURADO, 2013, p. 105). Assim, o
autor considera relevante para a democratização da escola a modalidade de escolha, mas
também o exercício da função:
A nosso ver, é fundamental ampliarmos os horizontes da democratização da gestão, enfatizando, conjuntamente, a forma de escolha e o exercício da função, de modo a não incorrermos nos riscos de uma pretensa neutralidade frente à modalidade de escolhas – normalmente autocráticas. (DOURADO, 2013, p. 105)
Assim, verificamos que tanto Paro (2003a) como Dourado (2013) consideram
importante a forma com que o dirigente é escolhido, tanto no aspecto político como no
aspecto técnico, pois “a forma de provimento no cargo pode não definir o tipo de gestão,
mas, certamente, interfere no curso desta”. (DOURADO, 2013, p. 105)
73
Tal consideração vai de encontro à análise de Romão e Padilha (2013), no que se
refere às virtudes técnicas necessárias ao desempenho do cargo de dirigente escolar e ao
seu papel de liderança frente à comunidade, considerando que, no caso de dirigente
concursado, o processo é antidemocrático, uma vez que a comunidade não participa da
escolha; já na via por escolha eleitoral, há o desenvolvimento do diálogo, o favorecimento da
distribuição do poder e o exercício da autonomia, que podem acentuar não só a
competência técnico-pedagógica necessária ao dirigente escolar, mas também o papel
político de sua liderança. (ROMÃO; PADILHA, 2013; HORA, 2004).
Neste mesmo sentido, Sander (2005) alinhava a questão da elegibilidade e a
participação como critérios para o exercício da gestão democrática:
O significado das habilidades pedagógicas no cotidiano da escola está na relevância política e cultural da gestão, que abarca a totalidade das relações que ocorrem no interior das instituições de ensino e entre estas e a sociedade [...] Como a gestão da educação constitui uma função pública, a formação e a eleição de seus atores sugerem participação pública, vale dizer, sugerem participação democrática, mediante um efetivo funcionamento, com poderes de decisão, de colegiados, conselhos escolares e comunitários. (SANDER, 2005, p. 127)
Neste viés, o conselho da escola representa e viabiliza a participação da comunidade
na gestão da escola. Concebido como órgão colegiado, o conselho da escola, enquanto
espaço de discussão e negociação, torna-se a instância decisória da escola. Os
conselheiros, representantes eleitos entre os vários segmentos da comunidade escolar e
local, devem agir coletivamente no sentido de discutir, acompanhar e deliberar sobre as
demandas que se fazem necessárias na escola, inclusive sobre as questões administrativas,
pedagógicas e financeiras. (BASTOS, 2012)
Ao analisar a eleição de diretores escolares em Minas Gerais, Souza (2011) observa
que a não participação de todos os segmentos compromete a gestão democrática da escola
e o processo de democratização do espaço público. A autora aponta, em sua pesquisa, que
a escola tem se mostrado com dificuldades para promover a participação e a construção
coletiva da gestão, dada a situação dos pais que trabalham e não podem comparecer às
reuniões nos horários estipulados, dada a estrutura de funcionamento da própria escola, que
não favorece a flexibilidade de horários, e dado o regime de trabalho dos professores que,
por vezes precarizados e com jornada de trabalho ampliada, muitas vezes trabalhando em
74
mais de uma escola, não dispõem de tempo e não podem se dedicar integralmente à
participação na gestão escolar. (SOUZA, 2011; PARO 2001)
Neste sentido, Barbosa (2011), partindo da expansão e da universalização da escola
pública e das reformas educacionais que ocorreram a partir dos anos de 1990, considera
que o trabalho docente tem assumido tarefas que extrapolam as atividades institucionais,
caracterizando-se por um tempo de trabalho em sala de aula e outro tempo de trabalho
extraclasse.
Carina (2003) também aponta problemas que dificultam a gestão escolar
democrática: a autora aborda sobre a necessidade de formação continuada dos
professores, além da falta de participação dos pais, já apontada por Souza (2011), e Furtado
(2005), ao dissertar sobre as políticas educacionais e a gestão democrática na escola,
indica que o conceito de compartilhamento de decisões, ou a divisão de poderes, ainda não
é uma prática, dada a compreensão da comunidade, que entende que a autoridade escolar
é exercida e está centralizada na figura do diretor, consideração compreensível se
considerarmos que o papel do diretor é conferido, tradicionalmente, pela política pública e
que a autoridade do diretor está subordinada à formalidade do sistema educacional.
Paro (2001) observa que não existe nenhum mecanismo legal que permita e viabilize
a participação dos pais na escola pública, de forma a isentá-los de horas de trabalho em
benefício da educação dos filhos. O autor aborda sobre as dificuldades que a comunidade e
as famílias enfrentam para participar da vida escolar das crianças e nos diz que a presença
dos pais no cotidiano da escola e a participação deles na gestão democrática estão
limitadas por fatores condicionantes externos à escola, como:
1) condicionantes econômico-sociais, ou as reais condições de vida da população e a medida em que tais condições proporcionam tempo, condições materiais e disposição pessoal para participar; 2) condicionantes culturais, ou a visão das pessoas sobre a viabilidade e a possibilidade da participação, movidas por uma visão de mundo e de educação escolar que lhes favoreça a vontade de participar; 3) condicionantes institucionais, ou mecanismos coletivos, institucionalizados ou não, presentes em seu ambiente social mais próximo, dos quais a população pode dispor para encaminhar sua ação participativa. (PARO, 2001, p. 54)
Além dos problemas que envolvem a participação de professores e pais, Furtado
(2005) considera que a comunidade não utiliza o espaço democrático da escola para
participar efetivamente devido à estrutura rígida e hierárquica em que se funda a escola, ao
75
receio do diretor em perder o seu poder e a falta de interesse da própria comunidade em
participar.
Apesar das dificuldades que as escolas enfrentam com relação à participação efetiva
de professores e pais, tanto Souza (2012), como Pereira (2012), tendo este desenvolvido
sua pesquisa no Estado do Pará, dizem que a eleição, tanto para os representantes do
conselho da escola quanto para o dirigente escolar, é o fio condutor da participação, uma
vez que fortalece a gestão democrática e possibilita e conduz os indivíduos envolvidos a
incorporar as práticas de decisão em grupo, além de desenvolver a consciência crítica.
Da mesma forma, Bastos (2012) entende que o conselho da escola proporciona o
exercício democrático e sua efetivação pode evitar a dominação por parte de uma pessoa,
superando a monocracia24 como forma de dirigir a unidade escolar e enfatizando a
participação dos atores dos diversos segmentos que se fazem presentes na escola, o que,
para Villela (1997) também pode ser instrumento de acompanhamento das atividades
pedagógicas e propiciar maior poder decisório aos trabalhadores da escola.
Esta observação nos leva a considerar o conselho da escola como garantia
institucional-legal das deliberações colegiadas, o que implica na participação e na
responsabilização coletiva de professores, funcionários, direção, pais, alunos e
representantes da comunidade local.
O colegiado pode ser entendido, ao mesmo tempo, como canal e instrumento de participação dos vários segmentos da escola. Ele se caracteriza pela igual distribuição de entre seus vários membros, independente de posições hierárquicas que eles tenham na comunidade escolar. Nos colegiados, todos os integrantes possuem os mesmos direitos e deveres nos processos decisórios, pois cada um deles tem igualdade de direito de participação. (BASTOS, 2012, p. 75-76)
Partindo do princípio de que a participação colegiada e a democracia são conceitos
indissociáveis, Servilha (2008), ao dissertar sobre a autonomia e a gestão democrática das
unidades de educação básica de Marília, no Estado de São Paulo, salienta que a
participação é uma diretriz no discurso oficial e acarreta a responsabilização de professores,
funcionários, direção, pais e alunos nas decisões tomadas na escola, e para Pereira (2008,
47), trata-se da “conquista de canais de participação da população nos assuntos que dizem
24 Termo para designar um sistema de governo onde uma só pessoa detém todos os poderes. (BASTOS, 2004)
76
respeito à coisa pública” e que colocou os sujeitos em novas arenas e no interior dos órgãos
públicos, o que oferece maiores possibilidades de negociação com os governos
constituídos.
Assim, considerando que, por si só, a eleição do dirigente escolar e a existência de um
conselho da escola não garantem o exercício de uma gestão democrática, passamos a
discutir sobre a participação, que Lima (2013a, p. 76) considera como “palavra-chave
onipresente nos discursos político, normativo e pedagógico”.
3.3. A participação
Transitando da reinvindicação pelos processos sociais de abertura política, à
consagração pela Constituição de 1988, reafirmada como direito pela LDB, a participação
organizada na escola exige formalmente a existência de uma estrutura e de órgãos abertos
como locus para a atuação dos professores, dos alunos e da comunidade, embasando,
assim, a participação como valor consubstanciado à ideia de gestão democrática: “Participar
é um direito reclamado e conquistado por meio da afirmação de certos valores
(democráticos) e da negação de outros que estiveram na base de uma situação de não
participação forçada, ou imposta”. (LIMA, 2013a, p. 77)
As pesquisas de Tatagiba (2003), Ribeiro (2006), Souza (2011), Pereira (2012) e
Wrege (2012) salientam a importância do exercício de cidadania propiciado pela
participação da família no conselho da escola, bem como pela participação dos demais
segmentos de atores envolvidos pelas atividades da escola.
As autoras observam que a gestão escolar democrática deve valorizar processos
coletivos de participação, principalmente nas tomadas de decisões que envolvam o PPP, o
planejamento dos cursos e disciplinas, o elenco disciplinar e os conteúdos, além das
deliberações que tangem as atividades de professores e alunos, os recursos humanos,
materiais e financeiros e os procedimentos de avaliação.
Focando-se no princípio participativo, para Tatagiba (2003), o modelo democrático
de gestão fundamenta-se no diálogo e requer condições normativas que promovam a
participação, que considerem a igualdade entre os sujeitos como pré-requisito para as
deliberações coletivas, que respeitem as diversidades e as diferenças e que estimulem a
cooperação. Para tanto, a autora aponta a transparência e a publicidade de decisões e
informações como princípios que devem nortear as normas institucionais que se regem pelo
modelo participativo e democrático.
77
No caso brasileiro, dada a omissão dos dispositivos legais e a delegação de
regulamentação da questão da participação aos sistemas municipais e estaduais, devemos
considerar as possibilidades de diversas regulamentações, específicas e consequentes de
cada sistema, como já apontado aqui.
Lima (2013a) aborda as possibilidades de participação praticada e as classifica
segundo quatro aspectos: a democraticidade, a regulamentação, o envolvimento e a não
participação.
Quanto à democraticidade, Lima (2013a) refere-se à possibilidade dos atores
intervirem nos processos de tomadas de decisão diretamente (participação direta) ou
através de participação mediatizada por representantes (participação indireta).
O autor esclarece que tradicionalmente a participação direta nas tomadas de decisão
é realizada sem a intermediação de representantes, através do voto direto em assembleias
gerais e deliberativas. O autor observa que “existe uma tendência para consagrar a
participação direta em níveis intermédios e operacionais e, por vezes, em áreas de
intervenção pretensamente técnicas ou do domínio da execução, dotadas de certa
autonomia.” (LIMA, 2013a, p. 81)
Desta observação podemos considerar a participação direta somente em tomadas de
decisão no âmbito da escola, enquanto locus de execução dos procedimentos pedagógicos,
uma vez que a participação na definição das políticas que organizam a escola assume
caráter representativo.
Já com relação à participação indireta, Lima (2013a) considera as tomadas de
decisão feitas a partir da intermediação de membros representantes que são designados por
meio de eleições. Segundo o autor, as eleições dos representantes podem ocorrer segundo
diferentes critérios: eleição direta por todos da organização, eleição segmentada por
categorias e departamentos, eleição individual ou por listas, etc.
Quanto à regulamentação, Lima (2013a) especifica três maneiras: a) como
participação formal, quando se reproduz a participação decretada pelas regulamentações,
caracterizando-se um caráter normativo, o que implica em um corpo de regras formais e
legais que impõe, orienta e limita a participação; b) a participação não formal, caracterizada
por um bojo de regras com menor grau de estruturação e, geralmente, produzido pelos
atores no âmbito da própria organização e em articulação com os dispositivos legais: neste
caso, o autor considera que a regulamentação não formal representa um grau de
desenvolvimento operacional, uma vez que implica na participação formalmente
78
considerada; e c) a participação informal como sendo aquela realizada por meio de regras
informais e não estruturadas formalmente, mas produzida na própria organização e
partilhadas em pequenos grupos: neste caso, o autor considera que, mesmo fazendo
apontamentos à formalidade ou a não formalidade, na participação informal os atores
“elegem objetivos e interesses específicos, não definidos formalmente, orientam-se, em
certos casos, por oposição a certas regras estabelecidas, ou em complementaridade a
essas regras [...]”. (LIMA, 2013a, p.84)
Para Lima (2013a), uma vez conquistada como princípio, consagrada como direito,
regulamentada por regras formais, não formais ou informais, a participação deve ser
entendida como prática almejada, institucionalmente fundamentada e como instrumento de
realização da democracia (“democraticidade”), neste sentido, deve garantir “a expressão de
diferentes interesses e projetos com circulação na organização e sua concorrência
democrática em termos de influência no processo de tomada de decisões”. (LIMA, 2013a, p.
80).
Quanto ao envolvimento que pode decorrer da participação, Lima (2013a) discrimina
os seguintes tipos de participação: a) participação ativa, com elevado grau de envolvimento,
conhecimento de direitos e deveres, atenção e vigilância aos aspectos de autonomia e
capacidade de influenciar nas tomadas de decisão; b) participação reservada, como sendo a
participação no intermédio entre a atividade e a passividade, a participação reservada se
assemelha à participação de expectador, que não se envolve, mas está aguardando, pronta
a tomar uma posição para proteger ou garantir um interesse; e c) participação passiva,
caracterizada pela falta de interesse, alheia e alienada de certas responsabilidades, se
mostra apática até mesmo diante de possibilidades formais: a participação passiva pode
mostrar-se como estratégia de não envolvimento ou de um envolvimento insignificante.
Referindo-se à participação passiva, Lima (2013a, p. 86) completa:
Não sendo indiferentes aos cursos da ação e ao tipo de políticas e de decisões tomadas, os atores parecem descrer das possibilidades de influenciar as decisões ou recusam o preço que para tal poderiam ser forçados a pagar, preferindo remeter o papel de luta para certas minorias ativistas, para uma vanguarda que ora valorizam e admiram, ora desvalorizam e criticam.
79
Quanto à orientação da participação, Lima (2013a) considera os objetivos
estruturados e desenvolvidos pela organização, e associa a participação de acordo tais
objetivos, classificando a participação convergente e a participação divergente: convergente,
quando os atores pautam suas ações para realizar os objetivos formais aceitos
consensualmente, mesmo que sejam objetivos oficiais; ou divergente, quando contestam, se
opõem e procuram substituir tais objetivos por outros.
A Figura 2, a seguir, ilustra os tipos de participação praticada abordados por Lima
(2013b).
Figura 2 – Tipos de participação praticada
Direta Democraticidade Indireta
Formal Regulamentação Não formal Informal
Participação praticada Ativa Envolvimento Reservada Passiva
Orientação Convergente Divergente
Fonte: Lima (2013b, p.89)
O autor considera que a participação convergente pode assumir formas de grande
empenho e militância e, consequentemente, “ceder lugar à ritualização e ao formalismo,
operando como obstáculo à inovação e à mudança.” (LIMA, 2013a, p. 87), já a participação
divergente pode ser interpretada como boicote ou forma de contestação, embora vise uma
intervenção a favor da renovação, do desenvolvimento e da mudança.
Da mesma forma que aborda a participação, Lima (2013a) refere-se também a não
participação, como vemos na Figura 3, classificando-a de duas maneiras: (a) quanto a não
participação no plano das orientações – ou não participação consagrada nos textos
jurídicos, admitida como omissão, ou a não referência à participação de certos atores, ou
mesmo consagrar e não regulamentar a participação podem ser fatores que afastam os
atores dos processos de democraticidade e, por consequência, dos processos de
80
envolvimento e compromisso com os objetivos institucionais; a não participação decretada,
ou seja, mesmo que consagrada, se a participação não for regulamentada, pode-se
caracterizar a participação limitada a alguns atores, assinalando exceções, ou mesmo não
ser permitida em âmbito genérico; (b) quanto a não participação no plano organizacional,
Lima (2013a) considera a não participação imposta ou forçada, a não participação induzida
e a não participação voluntária.
“[...] a não participação praticada pode teoricamente ser imposta ou forçada, tomando como referência predominante orientações externas e/ou internas; pode ser uma não participação induzida, numa situação organizacional em que, mesmo que a participação esteja decretada, os arranjos organizacionais concretos, as práticas participativas previstas, as condições, os recursos e as possibilidades reais de participação podem conduzir a situações objetivas e subjetivas convidativas e facilitadoras da não participação; ou pode, ainda, ser atualizada predominantemente na base de orientações meramente individuais ou de opções estratégicas de grupos e subgrupos, sem que se descortinem elementos concretos de imposição ou de indução da não participação, a que chamarei não participação voluntária. (LIMA, 2013a, p. 98)
Figura 3 – Tipos de participação praticada
Imposta ou forçada
Não participação praticada Induzida
Voluntária
Fonte: Lima (2013b, p.89)
Considerando a consagração da participação dos professores e das comunidades
escolar e local como princípios da gestão escolar democrática na Constituição de 1988 e na
LDB, tendo em vista a diversidade de características que a participação pode assumir no
contexto normatizado por cada sistema, estadual ou municipal, e o quadro teórico sugerido
por Lima (2013a), teremos a seguinte tipologia possível para a participação praticada e para
a não participação na organização escolar: quanto à democraticidade, a participação nos
processos de tomada de decisão pode ser direta ou indireta; quanto à regulamentação, a
participação pode ser formal, não formal ou informal; quanto ao envolvimento, a participação
pode ser ativa, reservada ou passiva; e quanto à orientação aos objetivos, a participação
pode ser convergente ou divergente.
81
Certamente, podemos considerar que a participação dos professores e dos demais
profissionais da escola está consolidada formalmente pela LDB, em seu Artigo 14, Inciso I,
que regulamenta a elaboração do PPP, no entanto, observamos que a gestão democrática
não se limita na elaboração de tal projeto, e implica em todos os procedimentos
operacionais da escola para pôr em prática, inclusive, os procedimentos que visam atender
os objetivos que ele instituiu.
Da mesma forma, no Inciso II, que regulamenta a participação das comunidades
escolar e local nos conselhos escolares ou equivalentes, a Lei não concebe e não distingue
os termos comunidade, comunidade escolar e comunidade local, nem designa quais atores
pertencem às comunidades escolar e local, o que sugere que os sistemas estaduais e
municipais normatizem tal questão e estabeleçam os critérios de participação.
A importância do tema, como se vê, sugere diversas direções de investigação. A legislação, em nenhum momento define o que considera como comunidade, deixando um vácuo do ponto de vista da concretização, na periferia do sistema de ensino, daquilo que é planejado no seu centro, mas que acaba permitindo a opção por um conceito que melhor representa as concepções educativas de cada grupo. (HORA, 2004, p. 69)
Paro (2013) refere-se à comunidade escolar como sendo os professores e demais
profissionais da escola, alunos e pais dos alunos, e à comunidade local como sendo a
população circunvizinha à escola; já Ciseski e Romão (2012) referem-se à comunidade
interna, especificando como atores internos os pais de alunos, os alunos, o diretor, os
professores, o pessoal administrativo e o pessoal operacional, e à comunidade externa,
nesse caso, não especificando ou segmentando tais atores externos.
Por sua vez, Hora (2004) defende que a concepção de comunidade local (ou
externa) pode ultrapassar o critério de área territorial fixa, de onde vêm os alunos e onde a
escola está inserida para prestar seus serviços, combinando o critério da territorialidade às
implicações de afinidade que derivam dos resultados de contatos sociais mantidos na e pela
escola.
Neste sentido, é relevante, para a participação da comunidade local, considerar não
somente os contatos sociais mantidos subjetivamente, mas também os contatos externos à
escola que derivam de atividades técnicas, pedagógicas e administrativas que podem
extrapolar o critério raso de territorialidade, como exemplos: os relacionamentos imediatos
82
da escola com os prestadores de serviço, com os provedores de suprimentos, com os
órgãos oficiais do sistema educacional, com as entidades de assistência educacional, com
as instituições que garantem os direitos das crianças e adolescentes, com organizações não
governamentais, fundações, etc.
Hora (2004), considera que o Artigo 14 da LDB co-responsabiliza a comunidade,
invoca a sua participação na gestão escolar e congrega tal participação no conselho da
escola (ou equivalente), no entanto, a ausência de formalidade quanto à concepção de
comunidade pode trazer como consequência a não definição de papéis e critérios de
participação relevantes à gestão democrática, o que implica na possibilidade de
regulamentação não formal ou informal que estabeleça a composição do conselho da
escola, os critérios de participação nos processos de tomada de decisão e na formação de
um colégio eleitoral. (HORA, 2004; LIMA, 2013a)
Para Araujo (2007), os Conselhos de Educação25, instituídos como organismos
normativos e supervisores das políticas educacionais, tanto na esfera nacional como nas
esferas estadual e municipal, passam a compor a estrutura da gestão educacional numa
perspectiva democrática, tal como o conselho escola e o processo de eleição para diretor da
escola.
Nesta perspectiva, a participação que deve caracterizar a gestão democrática implica
na existência do conselho da escola, coletivo e deliberativo, composto paritariamente por
todos os segmentos presentes na unidade escolar: professores, alunos, pais e funcionários,
além da comunidade externa à escola, configurando o conselho da escola como instância
coletiva destinada às tomadas de decisão.
Desta forma, a estrutura do conselho da escola, o seu funcionamento, a sua
composição, as suas atribuições e as suas competências devem ser assegurados por
regulamentação. (PARO, 2013; HORA, 2004; ARAÚJO, 2007)
No entanto, Lima (2013a) advoga que o estudo da participação nas organizações
não pode se limitar aos princípios normativos consagrados em textos legais e considera
indispensável o estudo da participação praticada e, da mesma forma, recusar a participação
como fenômeno caracterizável de forma genérica e superficial, e justifica:
25 O conselho de educação é um organismo coletivo de tomada de decisão do sistema de ensino e atua junto à
administração pública com fins consultivos e normativos. O conselho de educação constitui um locus de
discussões e deliberações substancias, tanto para o a organização, como para a manutenção e desenvolvimento da politica educacional, observada as disposições da Constituição de 1988 e da LDB, que atribuem aos estados e aos municípios a incumbência de estabelecer normas complementares para os seus sistemas de ensino, observadas as normas gerais da educação nacional. (PEREIRA, 2008; BRASIL, 1988; BRASIL, 1996)
83
Seja a que nível for, a participação nunca é uma conquista definitiva, apenas dependente da consagração perpetuada pelas palavras e pelos textos, ainda que quase-sagrados, dos regimes democráticos. A participação só existe verdadeiramente como prática, de resto como a democracia, e pelo fato de ter sido formalmente consagrada uma vez, mesmo que ab initio, ela não se transforma num princípio irreversível, eventualmente constitutivo daquilo que alguns autores entendem, estranhamente, por ‘constituição genética’ ou ‘genótipo’ da organização. (LIMA, 2013a, p. 95)
A noção de democracia pressupõe o exercício da soberania popular, ou seja, a
adoção de um regime democrático legitima a participação popular nos processos de tomada
de decisão, o que nos leva a considerar que, na gestão democrática da escola, os atores
envolvidos detêm legitimamente a capacidade de produzir efeitos sobre as atividades
desenvolvidas pela escola, partilhando, coletivamente, o poder de decisão. (LIMA, 2013a;
ARANHA; MARTINS, 2003; VASCONCELOS, 2011)
Servilha (2008) e Pereira (2012) consideram que a gestão democrática da escola
implica em atribuição de poderes ao coletivo de indivíduos que protagonizam a vida escolar,
permitindo-lhes deliberar e agir de forma autônoma: “A gestão democrática da escola
implica atribuir poder aos agentes escolares na tomada de decisões referentes à unidade
escolar, superando mecanismos burocráticos em prol da participação autônoma de pais,
alunos, funcionários, professores”. (SERVILHA, 2008, p. 54)
Vemos, então, uma correlação entre gestão democrática, participação e autonomia,
e consideramos a autonomia como princípio que potencializa a participação dos
protagonistas locais, fazendo deles os atores no percurso da gestão da unidade escolar.
Assim, o terceiro aspecto, considerando a diversidade possível nas regulamentações
da gestão escolar democrática, diz respeito à autonomia da escola quanto às possibilidades
de tomadas de decisão.
3.4. A autonomia
Corroborando com Servilha (2008), para entender o conceito de autonomia,
apontamos a consideração de Silva (2004b, p.14), que considera como autônoma a escola
que tem a capacidade de produzir suas próprias regras:
84
Considerarei como autônoma aquela pessoa ou instituição que é capaz de fixar as normas de sua conduta no âmbito de sua natureza específica. Portanto, escola pública estatal autônoma será capaz de fixar as regras de seu próprio existir e agir, levando em conta seus limites e suas potencialidades. (SILVA, (2004b, p.14)
O autor também faz alusão à liberdade e ao poder como ideias implícitas à noção
de autonomia, tendo em vista a capacidade de escolher alternativas ou criar situações que
ainda não existam e, se referindo à unidade escolar, a autonomia, à liberdade e ao poder, o
autor tece a seguinte observação: “[...] a unidade escolar será autônoma quando tiver poder
para criar e/ou escolher livremente suas normas de conduta. Esse poder de criação e
escolha exerce-se, evidentemente, também pela capacidade de recusa de normas
heterônomas julgadas não-convenientes”. (SILVA, 2004b, p. 59)
Destas considerações de Servilha (2008) e Silva (2004b) podemos dizer que o
conceito de autonomia implica, na unidade escolar, no poder de governar-se a si própria, no
exercício de poder sobre os aspectos administrativos, financeiros e pedagógicos, e está
atrelado à participação no sentido de (re)-organizar o exercício da autoridade no interior da
escola, confirmando poderes político e decisório aos atores presentes na comunidade
escolar.
Mas Servilha (2008), recorrendo a Barroso e Pinhal (1996), observa a autonomia
construída no interior da escola e as relações que resultam desse exercício com as forças
externas, originárias das políticas governamentais, sendo necessário, assim, pensar a
autonomia sob dois aspectos: a autonomia decretada, como sendo aquela legitimada e
imposta pela formalidade do sistema educacional, e a autonomia construída, como sendo
aquela presente nas relações no interior da escola.
Esta observação nos leva a considerar a autonomia escolar segundo os dispositivos
legais e a autonomia exercida na escola para que possamos estabelecer uma análise da
realidade escolar: a LDB é suporte para que os sistemas estaduais e municipais
estabeleçam suas normas para a autonomia das unidades escolares, mas devemos
observar, também, a possibilidade das normas de tais sistemas estabelecerem maior
protagonismo dos órgãos administrativos, em detrimento do protagonismo da comunidade
escolar, o que, para Lima (2013a, p. 178), poderá representar, simplesmente, uma
autonomia regulada, “uma imagem puramente idealizada e apenas retoricamente
reproduzida, uma metáfora enclausurada no universo dos textos e dos discursos sobre
realizações adiadas”.
85
Atualmente, as formas mais livres de organização dos sistemas de educação se
consolidaram nos programas de reforma da educação, segundo a ideia de descentralização
e defesa da autonomia. No entanto, para Martins (2002), a noção de autonomia que vem
sendo construída pelos discursos políticos está esvaziada de significado e “passou a ser
utilizada, de um lado, como sinônimo de descentralização e desconcentração e, de outro,
como a etapa subsequente de processos descentralizadores, a partir dos quais a unidade
escolar estaria finalmente livre para elaborar seu próprio plano de voo.” (MARTINS, 2002, p.
48)
Martins (2002) esclarece que o conceito de autogestão escolar surge na segunda
metade do século XX, em movimentos que, com base na sociologia marxista, refutaram a
hierarquização nas organizações e buscaram formas de romper com a tradição
centralizadora, controladora e antidemocrática da administração burocrática da educação.
Referindo-se aos estudos de Georges Lapassade e de Michel Lobrot e à concepção
de grupo coletivo de gestão escolar, a autora menciona a autonomia da autogestão da
escola onde “o próprio grupo determinaria suas regras, programas, metas, técnicas e
métodos de trabalho, sob a orientação de um especialista e sob permanente auto
avaliação.“ (MARTINS, 2002, p.44)
A autora assim se refere à ideia originária que defende a autonomia na autogestão
escolar:
Há uma nítida influência das lutas autônomas encetadas por trabalhadores e da literatura sociológica marxista sobre construção dessas tendências pedagógicas autogestionárias, sobretudo na França dos anos 1960. Assim, esse contexto histórico promoveu a defesa da autonomia no âmbito da educação, utilizando-a como sinônimo de autogestão, liberdade, autogoverno, autoformação. (MARTINS, 2002, p. 44)
Para Martins (2002), no atual horizonte político, o termo autogestão desapareceu, tal
como desapareceram os eixos centrais conferidos à autonomia (os conselhos gestores e a
auto avaliação institucional) e, no discurso político das reformas dos anos de 1980 a 1990, a
autonomia passa a ser associada aos procedimentos administrativos e financeiros que
ampliam os encargos e responsabilidades das escolas públicas.
Corroborando com Martins (2002), Lima e Afonso (2002) acrescenta que a questão
não pode ser entendida somente em critérios nominalistas e na boa fé em relação ao
86
discurso sobre autonomia na escola, considerando a possível ambiguidade entre o discurso
político e as normas e regulamentações que podem vir a ser produzidas.
Objecto de um processo de ressemantização, a palavra <<autonomia>>pode vir a adquirir como significado essencial o de <<autonomia>> processual e implementativa (despojada de sentido democrático e participativo) ou até de mera delegação política, remetendo para as escolas a gestão de conflitos, em períodos de crise ou de contestação, responsabilizando os seus órgãos pela execução das orientações políticas centralmente produzidas, em total conformidade, sem lhes permitir uma intervenção legítima na formulação dessas políticas e sem admitir que parte delas poderão, e deverão ser assumidas a nível escolar. (LIMA; AFONSO, 2002, p. 72) (grifos dos autores)
Tal como o discurso da participação, que prega o envolvimento dos sujeitos nos
processos no interior da escola, o discurso da autonomia vem em decorrência da
necessidade de descentralizar a administração, transmitindo autoridade e permitindo uma
maior capacidade de adaptação às unidades escolares, no entanto, a ideia de autonomia
deve ser vista nos limites dados pelas normas externas à própria escola e que são
impregnadas por relações de poder que relativizam as possibilidades de decisões em
âmbito local. (BRUNO, 2002; LIMA; AFONSO, 2002; MARTINS, 2002; NARDI, 2011)
Assim, descentralização pode implicar tanto transferência de encargos, ou
responsabilidades, como transferência de poder; mas descentralização como transferência
de encargos não implica, necessariamente, em democratização, uma vez que as tomadas
de decisão requerem autonomia de poderes para que tais decisões procedam. (OLIVEIRA,
2002)
Na análise de Nardi (2011), centralização e descentralização não são conceitos
imediatamente operativos, pois, enquanto conceitos ideais podem, no campo prático,
guardar outras relações resultantes do contexto e das possibilidades das ações político-
administrativas estatais.
Assim, visando entendermos em qual contexto a gestão escolar democrática e a
autonomia da escola estão inseridas, torna-se importante melhor compreender a estrutura
política-administrativa do Estado brasileiro, bem como a organização dos sistemas de
ensino.
87
Essencialmente, para Azambuja (2003), um Estado Federal, Federação ou União é o
Estado composto de Estados-membros. Ao buscarmos a organização política-administrativa
do Estado brasileiro na Constituição de 1988, encontraremos no Artigo 18 a seguinte
definição: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil
compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos
termos desta Constituição”. (BRASIL, 1988)
No Artigo 18 da Constituição de 1988 encontram-se duas características da
organização política-administrativa do Estado brasileiro: o verbo “compreender” que nos leva
a entender a limitação dos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios),
como abrangidos pelo poder da República; o adjetivo “autônomo”, como faculdade de se
governar por leis próprias, referindo-se aos entes federados, mas, com outras limitações
dadas pela expressão “nos termos desta Constituição”: neste aparente paradoxo entre
autonomia e limitação, o Estado Federal (ou União) detém o poder soberano.
Karling (1997, p. 15) considera a autonomia como “um dos principais princípios de
gestão”, sendo o espaço para o exercício dessa autonomia objeto de concessão que pode
ocorrer “através da delegação e da descentralização”. Assim, Karling (1997) define
autonomia como sendo a capacidade e/ou poder de decidir livremente dentro desse espaço
concedido pela administração e por ela limitado.
A delegação e a descentralização constituem-se, neste contexto, como fatores que
determinam os limites da autonomia dos entes federados, uma vez que acabam por
caracterizar os atos de cada um deles. Ao abordar a delegação, Karling (1997, p.17)
conceitua tal termo como “atribuição de poderes e responsabilidades, no entanto, sem
alteração dos atos constitutivos da organização” e o termo descentralização como
“distribuição vertical da ação administrativa ao longo de sua hierarquia”, criando-se, assim,
“níveis operacionais inferiores, ou níveis de competências, de forma permanente e
institucional”. (KARLING, 1997, p. 17)
Ainda sobre esse termo, Tobar (1991, p. 4) esclarece:
Descentralização implica redistribuição do poder, uma transferência na alocação das decisões. É, portanto, mexer nos interesses dos grupos de poder, enquanto a desconcentração é a delegação de competência sem deslocamento do poder decisório. No contraste de ambos os termos é preciso ter claro que, embora ambos se constituam na práxis como ferramentas legítimas para transformar a ação governamental, há uma notória diferença nas consequências da implementação de uma ou da outra.
88
Considerando que as políticas educacionais que decorreram do discurso da
descentralização constituíram processos que afetaram significativamente a organização
educacional, Shiroma (2009) indaga quais concepções de descentralização estão presentes
nos documentos internacionais que orientaram as reformas educacionais na América Latina
nos anos de 1990 e, considerando a descentralização segundo o grau de transferência de
poder, classifica: a) descentralização como desconcentração, ao referir-se à transferência
de responsabilidades a níveis inferiores da organização, mas mantendo o poder de decisão
limitado; b) descentralização como delegação, ao referir-se à transferência de gestão e
funções a organizações que não pertencem à estrutura burocrática, mas têm autoridade
semi-independente; e c) descentralização como devolução, ao referir-se à “transferência de
responsabilidade de gestão a unidades subnacionais como níveis separados sobre os quais
as autoridades centrais exercem pouco ou nenhum controle direto, com independência para
executar suas tarefas”. (SHIROMA, 2009, p. 181)
No caso brasileiro, para Shiroma (2009), os processos de descentralização se
caracterizaram pela desconcentração de responsabilidade e poder limitado no que se refere
às tomadas de decisão ordinárias, relativas às questões próprias da gestão do cotidiano
escolar: “Em grande medida, trata-se da desconcentração dos aspectos operacionais,
desacompanhada da transferência de real poder para propor e implementar mudanças
significativas.” (SHIROMA, 2009, p. 182)
Ao analisarmos os Artigos 9º, 10 e 11 da LDB, notaremos a regulamentação da
distribuição das responsabilidades entre os entes federados, respectivamente, à União,
Estados e Municípios, e confirmaremos a análise de Shiroma (2009): apesar do termo “em
colaboração”, observamos no Artigo 9º a manutenção de aspectos administrativos
centralizados na União, tais como as responsabilidades pela elaboração do Plano Nacional
de Educação, estabelecer diretrizes curriculares e assegurar o processo nacional de
avaliação do ensino fundamental, médio e superior.
Art. 9º A União incumbir-se-á de: I - elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II - organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais do sistema federal de ensino e o dos Territórios; III - prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o
89
atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função redistributiva e supletiva; IV - estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum; V - coletar, analisar e disseminar informações sobre a educação; VI - assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino; VII - baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós-graduação; VIII - assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, com a cooperação dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nível de ensino; IX - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino. § 1º. Na estrutura educacional, haverá um Conselho Nacional de Educação, com funções normativas e de supervisão e atividade permanente, criado por lei. § 2º. Para o cumprimento do disposto nos incisos V a IX, a União terá acesso a todos os dados e informações necessários de todos os estabelecimentos e órgãos educacionais. § 3º. As atribuições constantes do inciso IX poderão ser delegadas aos Estados e ao Distrito Federal, desde que mantenham instituições de educação superior. (BRASIL, 1996)
Já com relação às responsabilidades das escolas, a LDB, regulamenta, para os
estabelecimentos de ensino, a atribuição de aspectos relativos aos procedimentos
operacionais do cotidiano pedagógico, como podemos observar no Artigo 12 e seus Incisos.
Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I - elaborar e executar sua proposta pedagógica; II - administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros; III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas; IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente; V - prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento; VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola; VII - informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a frequência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola; VIII – notificar ao Conselho Tutelar do Município, ao juiz competente da Comarca e ao respectivo representante do Ministério Público a relação dos alunos que apresentem quantidade de faltas acima de cinquenta por cento do percentual permitido em lei. (BRASIL, 1996)
90
Considerando novamente o Inciso VI do Artigo 206 da Constituição de 1988, que diz
"Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] VI – gestão
democrática do ensino público, na forma da lei;” e limitando-nos às palavras educação e
ensino, constataremos a palavra “gestão” relacionada ao “ensino” neste Artigo, e somente
neste Artigo, e exclusivamente à palavra “ensino”, não estando tal palavra relacionada ao
sistema de educação ou ao sistema de ensino, o que nos remete entender que, de acordo
com a Constituição, a gestão democrática é entendida somente no ambiente escolar.
Por sua vez, diferenciando sistema de educação e sistema de ensino, Sander (1985)
define sistema de educação como termo abrangente e amplo, englobando todas as
instituições sociais formais, e não formais, que têm por objetivo a consecução de objetivos
educacionais, enquanto o sistema de ensino abrange somente as instituições que se
dedicam exclusivamente ao ensino.
Ao tratar da organização da educação nacional, no Artigo 8º, Parágrafo 1º, a LDB
atribui à União o encargo de “coordenação da política nacional de educação, articulando os
diferentes níveis e sistemas e exercendo função normativa”. Logo após, no Artigo 9º,
Parágrafo 1º, esta Lei cria o Conselho Nacional de Educação, dando-lhe funções normativas
e supervisoras.
Ao fazermos esta observação e, ao partimos do princípio que Estados-membros e
Municípios são instâncias fixas abrangidas pelo poder da União, teremos configurado um
regime administrativo de autoridade institucional onde os sistemas de ensino dos entes
federados (estados e municípios) estão colocados de forma hierarquicamente subordinada à
política administrativa e às normas elaboradas pela União, o que nos leva a considerar o
caráter formal da organização da educação brasileira, que está definido legitimamente e
institui racionalmente um sistema que foi concebido sob a definição clássica da palavra:
organização social constituída de elementos interdependentes que têm por objetivo comum
proporcionar a educação. (SANDER, 1985; LIBÂNEO, 2012; SAVIANI, 2005).
Tanto no que se refere à política nos dispositivos legais, educação e ensino, bem
como administração e gestão, são termos distintos, associáveis e relacionáveis, mas com
sentidos próprios e específicos, o que nos leva a entender a gestão democrática da escola
com autonomia para tomar somente decisões relativas aos procedimentos ordinários, e
operacionais do cotidiano escolar, estando tal autonomia concedida, mas restrita aos
aspectos relacionados nos Incisos do Artigo 12 da LDB e limitada aos aspectos emanados
do Artigo 9º, no que diz respeito às normas, diretrizes curriculares e avaliações advindas da
União.
91
Assim, as políticas educacionais guardam uma tendência contraditória ao discurso
proclamado de autonomia institucional e local da escola, à medida que se apresentam
associadas à nossa tendência histórica de centralizar e controlar, uma tendência tradicional
de governar a educação. (LIMA, 2007; SANDER, 2005)
Tais políticas, segundo Lima (2007, p. 46), “surgem para concentrar e controlar
centralizadamente os poderes de decisão e de escolha política e de, simultaneamente,
descentralizar em termos meramente funcionais, decisões de tipo dominantemente
instrumental e operacional nos níveis periféricos”.
Neste sentido, Lima (2013a), observa que a autonomia das escolas pode ser
considerada como autonomia relativa, ou tão somente uma forma de articular o centro das
decisões políticas e a periferia da administração escolar, e acrescenta:
Nesse caso, uma orientação política, consubstanciada numa espécie de gerencialismo escolar, admitiria e valorizaria a “autonomia relativa” da escola, descobrindo embora, e maximizando o seu papel regulador através de formas de delegação política e de autonomia funcional que, em última análise, contribuíram para despolitizar e instrumentalizar aquelas margens de autonomia conceptual e, finalmente, para controlá-las e reduzir. (LIMA, 2013a, p. 167)
Esta consideração de Lima (2007) nos leva a entender a submissão da autonomia da
gestão democrática da escola ao planejamento e ao controle que permanecem
centralizados na esfera política, o que, segundo autor, dá a autonomia um caráter
meramente instrumental:
Neste caso, a “autonomia”, de que se fala insistentemente, é percepcionada como um instrumento, como uma técnica de gestão capaz de garantir a articulação entre o centro e as periferias e, deste modo, assegurar níveis mais elevados de performance e de qualidade educativas. Um processo que pode ser designado por recentralização por controlo remoto e por autonomia como delegação política. (LIMA, 2007, p. 46)
Neste sentido, Sander (2005), Lima (2007) e Martins (2002) apontam a consolidação
das avalições externas, padronizadas em larga escala, como fator que dificulta a efetivação
da autonomia da escola. Para essa última autora, tais avaliações assumiram lugar central na
92
implantação de políticas sociais, tendo em vista a efetivação do conceito gerencialista de
accountability a partir dos anos 1990 na administração pública brasileira.
As consequências da accountability para o funcionamento da administração pública
(enquanto conceito que implica na responsabilização do governante para proceder com os
gastos públicos e a transparência com que ele deve agir para prestar contas de sua gestão
e dos gastos dos recursos públicos) atingem a redefinição dos mecanismos de controle e de
avaliação, que passam a incluir dimensões de desempenho como medidas para
averiguação da eficácia das políticas e provocam a expansão do número de controladores.
(AKUTSO; PINHO, 2002; CAMPOS, 1990)
Lembramos nossa abordagem no Capítulo 2 desta dissertação que, ao considerar as
reformas dos anos de 1990, aponta para as possibilidades de aquelas reformas manterem
ou reforçarem as características burocráticas, tradicionais na administração pública. No
discurso da descentralização valoriza-se a participação e a democratização da gestão, no
entanto, no mesmo passo em que a descentralização mostra-se como desresponsabilização
do Estado, que transfere responsabilidades e encargos operacionais aos atores da
sociedade civil, a accountability garante, ao administrador das políticas públicas, a
centralização dos aspectos financeiros e de controle de resultados.
Tais controles, externos à escola, além de objetivarem a construção de apontadores
numéricos de performatividade e qualidade da educação, reforçam-se como mecanismos
centralizados que impõem prescrições de diretrizes curriculares e determinam
procedimentos didáticos, o que pode indicar contradição aos pressupostos de autogestão
institucional e de auto avaliação institucional que permeiam a autenticidade da autonomia
escolar, uma vez que a escola e a sala de aula são remodeladas e procedimentalmente
instrumentalizadas para atender tais políticas externas. (BALL, 2004; LIMA, 2007;
MARTINS, 2002; SANDER, 2005; SANTOS, 2004)
Sander (2005) observa que, à luz das próprias políticas educacionais, novas
propostas de avaliação podem surgir e superar as práticas tradicionais de avaliação, no
entanto, a cooptação pela aceitação de mecanismos centralizados, como as avaliações
externas e as prescrições curriculares, pode colonizar a gestão democrática, orientando as
ações da escola no sentido de desenvolver suas atividades para satisfazer os indicadores
resultantes de tais avaliações. (BALL, 2004; SANDER, 2005; SANTOS, 2004)
Martins (2002) também discute a influência das avaliações externas sobre as sobre
os atores e as práticas escolares, e nos diz:
93
Os impactos da avaliação externa sobre os procedimentos normativos da gestão escolar têm sido (re) significados, no entanto, pela própria rede de escolas, configurando um vetor diferente dos desejos e intenções expressas pelos gestores de plantão. Essas interferências externas são redimensionadas, adquirindo outras conotações, pois a despeito da produção de justificativas oficiais e da implementação de medidas legais sobre o tema, constata-se que os apelos à mudança das práticas escolares e do tratamento tradicional da avaliação sofrem uma (re) significação por parte dos atores envolvidos no processo. (MARTINS, 2002, p. 131-132)
Quanto à autonomia financeira da escola, para Martins (2002), a descentralização é
mais complexa, dada a hierarquia e a concentração de poder que ocorre, historicamente,
nas redes de ensino público. Para a autora, nenhuma escola goza de autonomia financeira,
administrativa ou pedagógica que, tal como os recursos didáticos, os recursos financeiros e
o poder de decisão, sempre estiveram centralizados.
No entanto, Dourado (2007) relativiza a afirmação de Martins (2002) ao analisar o
Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE): concebido para desburocratizar o repasse de
recursos à escola, o PDDE mostrou-se como programa capaz de vencer a rigidez da
administração federal e estabeleceu-se numa relação direta entre a esfera federal e a
unidade escolar. (DOURADO, 2007)
Dourado (2007) observa que o PDDE tem ocupado papel estratégico nas escolas,
tendo em vista que tal programa “acaba por redirecionar espaços de participação e
deliberação, como os conselhos escolares” (DOURADO, 2007, p. 933), apesar das normas
rígidas estabelecidas pelo Fundo Nacional para Desenvolvimento da Educação (FNDE), que
delimitam e restringem a destinação de tal recurso, indicando, assim, uma relativa
autonomia da escola para gerir o dinheiro recebido do PDDE. (ADRIÃO; PERONI, 2007;
FNDE, 2013; DOURADO, 2007)
A Resolução n. 10 do Conselho Deliberativo do FNDE, de 18 de abril de 2013, que
dispõe sobre os critérios de repasse e execução do PDDE, em cumprimento ao disposto na
Lei n. 11.947, de 16 de junho de 2009, esclarece, em seu Artigo 2º, que o programa consiste
na destinação anual de recursos financeiros, de forma suplementar, a escola pública,
visando melhorias em sua infraestrutura física e pedagógica, bem como incentivar a
autogestão escolar e o exercício da cidadania com a participação da comunidade. (FNDE,
2013)
94
Já em seu Artigo 4º, essa Resolução delimita a atuação da autonomia escolar
enquanto especifica a destinação dos recursos do programa para a aquisição de material
permanente e de consumo, realização de pequenos reparos de manutenção e conservação,
na avaliação da aprendizagem, em projetos pedagógicos e no desenvolvimento de
atividades educacionais e veda a aplicação dos recursos do programa em casos
contemplados por outros recursos do FNDE, em gastos com pessoal, com tarifas bancárias
e com tributos de qualquer natureza.
Art. 4º Os recursos do programa destinam-se à cobertura de despesas de custeio, manutenção e pequenos investimentos que concorram para a garantia do funcionamento e melhoria da infraestrutura física e pedagógica dos estabelecimentos de ensino beneficiários, devendo ser empregados: I. na aquisição de material permanente; II. na realização de pequenos reparos, adequações e serviços necessários à manutenção, conservação e melhoria da estrutura física da unidade escolar; III. na aquisição de material de consumo; IV. na avaliação de aprendizagem V. na implementação de projeto pedagógico; e VI. no desenvolvimento de atividades educacionais; § 1º É vedada a aplicação dos recursos do PDDE em: I. implementação de outras ações que estejam sendo objeto de financiamento por outros programas executados pelo FNDE, exceto aquelas executadas sob a égide das normas do PDDE; II. gastos com pessoal; III. pagamento, a qualquer título, a: a) agente público da ativa por serviços prestados, inclusive consultoria, assistência técnica ou assemelhados; e b) empresas privadas que tenham em seu quadro societário servidor público da ativa, ou empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, por serviços prestados, inclusive consultoria, assistência técnica ou assemelhados; IV. cobertura de despesas com tarifas bancárias; e V. dispêndios com tributos federais, distritais, estaduais e municipais quando não incidentes sobre os bens adquiridos ou produzidos ou sobre os serviços contratados para a consecução dos objetivos do programa. § 2º Os recursos do PDDE, liberados na categoria de custeio, poderão ser utilizados, também, para cobrir despesas cartorárias decorrentes de alterações nos estatutos das Unidades Executoras Próprias (UEx) definidas na forma do inciso II, do art. 5º, bem como as relativas a recomposições de seus membros, devendo tais desembolsos ser registrados nas correspondentes prestações de contas. (FNDE, 2013)
Desta forma, as possibilidades do exercício da autonomia escolar são relativas e
podem ser observadas nos seguintes aspectos: a) autonomia técnico-pedagógica cerceada
pelas diretrizes curriculares nacionais, pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e
pelas avalições externas que, de forma centralizada na esfera do governo federal, são
elaborados sem a participação dos profissionais-atores do ensino; b) autonomia
95
administrativa, grafada pela lei como democrática (na esfera pública)26, requer normas que
efetivem mecanismos de participação de todos, especialmente do conselho da escola, no
entanto, a lei delegou às esferas subordinadas à normatização complementar da questão,
eximindo-se da efetivação dessa premissa; e c) autonomia financeira, condicionada aos
valores definidos pelo governo central e que devem ser gastos com despesas predefinidas.
(MURANAKA; MINTO, 2002; LIMA; AFONSO, 2002)
Não nos esquecendo desta autonomia limitada e relativizada, para encerrar esta
discussão, chamamos a atenção para os aspectos da autonomia escolar, observados
acima, e as incumbências atribuídas legalmente à escola nos Incisos do Artigo 12 da LDB,
especialmente os Incisos I, que diz “elaborar e executar sua proposta pedagógica;”, e VI,
que diz “articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da
sociedade com a escola;”.
É neste contexto de contrassensos que Lima (2013b) remete-se ao projeto
pedagógico da escola considerando-o como sendo necessariamente um documento
construído coletivamente, resultante da discussão coletiva e, enquanto PPP, expressão de
reflexão e questionamento dos “valores e orientações políticas de mais vasto alcance na
sociedade” e, se assim admitido, pode mostrar-se como instrumento “contra visões
atomizadas e despolitizadas de educação e de pedagogia”, constituindo-se como “um
primeiro passo indispensável à compreensão do caráter político da educação e à
repolitização da organização escolar, frequentemente representada como aparelho técnico-
racional, instrumental, desideologizado e politicamente neutro (isto é, domesticado)” (LIMA,
2013b, p. 37) (grifo do autor)
Fruto da participação ativa dos docentes, o PPP é instrumento legítimo da
consciência política dos docentes com relação às suas “práticas pedagógicas, a interação
em sala de aula, a gestão curricular e a programação didática, os modelos de avaliação, a
organização do trabalho pedagógico, os modos de gestão escolar” (LIMA, 2013b, p. 37), e
por essa via, buscando a interação com a comunidade, os docentes podem se firmar como
atores, sem se entregarem “a lógicas meramente adaptativas ou de capitulação em face de
projetos político-educativos inaceitáveis em termos democráticos”. (LIMA, 2013b, p. 37)
Insulados e entrincheirados no universo misto da burocracia gerencial, os docentes e
a escola reproduzem a política centralizadora e cerceiam a participação da comunidade: se
não correr riscos e não se abrirem à comunidade, “a escola dificilmente encontrará aliados
26 O Inciso VI do Artigo 206 da Constituição de 1988 refere-se somente à esfera pública, omitindo a aplicação de
tal premissa à esfera privada.
96
[...] capazes de se envolverem na sua defesa” (LIMA, 2013b, p. 38) e na construção de uma
escola democrática.
Neste sentido, este estudo nos leva a considerar dois pontos relevantes: a admissão
da participação e da autonomia, num cenário escolar, enquanto princípios a serem
observados no exercício democrático, se constituem como categorias de análise da gestão
democrática; e o cenário construído pela burocracia da administração pública, que, ao
manter as relações hierarquizadas e impor políticas elaboradas de forma centralizada, se
contradiz em seu discurso reformador e se afasta da prática de uma gestão realmente
participativa e autônoma.
97
CAPÍTULO 4
A GESTÃO DEMOCRÁTICA PRATICADA NUMA ESCOLA MUNICIPAL DE
POÇOS DE CALDAS - MG
Considerando a participação dos profissionais da educação na elaboração do PPP, a
participação das comunidades escolar e local nos conselhos escolares, as possibilidades de
decisões/ações autônomas que podem ser efetivadas por parte da escola e à luz das
discussões feitas nesta dissertação, este capítulo destina-se a analisar como tem ocorrido a
gestão escolar democrática em uma escola no município de Poços de Caldas - MG.
Para tanto, faremos a análise dos documentos do município, em específico, a Lei n.
7947, que trata da implantação do Sistema Municipal de Poços de Caldas e do Conselho
Municipal de Educação e a Lei n. 8229 que aprova o PDME; e também dos documentos da
escola pesquisada: o Regimento Escolar, o PPP e o Estatuto do Conselho da Escola. O
capítulo também analisa as reuniões observadas na escola pesquisada e as entrevistas
realizadas com membros do conselho da escola (a diretora, o professor, a mãe de aluno,
uma funcionária operacional e um aluno) e um colaborador da comunidade local, que não é
membro formalizado do conselho da escola.
4.1. Os documentos municipais
Quanto à Lei n. 7947, destacamos os princípios que tal dispositivo legal imputa, em
seu Artigo 1º, e que deverão orientar o Sistema Municipal:
Art. 1º- Fica instituído o Sistema Municipal de Ensino de Poços de Caldas, que se orientará pelos seguintes princípios, além dos definidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educacão Nacional e Lei Orgânica Municipal: I- ampla participação dos vários segmentos da sociedade - escolas, comunidade, poder público e organizações sociais - para garantir a democratização das decisões; II- busca permanente da qualidade da educação, traduzida na preocupação com a identidade local e o acesso ao universal para garantir a plena formação do cidadão; III- reconhecimento do direito de todos à educação como elemento fundamental da formação humana; IV- assegurar aos grupos representativos da comunidade o direito de participar da definição das diretrizes da educação no âmbito do Município, concorrendo para elevar a qualidade dos serviços educacionais;
98
V- garantir o acesso e a permanência à educação contínua e de qualidade, sem qualquer discriminação, pela gestão democrática nas escolas de seu sistema de ensino; VI- colocar a escola como espaço da comunidade, democratizando relações, ampliando possibilidades de aprendizagem, estimulando a criatividade e a reflexão; VII- observar a organização da educação escolar adequando-a a realidade de cada comunidade, respeitando suas experiências, sua cultura e garantindo plena participação de todos os cidadãos. (POÇOS DE CALDAS, 2005)
Se considerarmos os processos de democratização e o princípio da gestão
democrática da escola pública, observamos que a lei municipal, através dos Incisos I, IV e
VI, assegura a participação e garante a representação dos segmentos da comunidade nas
tomadas de decisão. Mas, a Lei 7947 não faz menção ao conceito de “comunidade”, o
que nos leva a considerar que tal termo refere-se tanto à comunidade escolar, quanto à
comunidade local.
No entanto, cabe observar que a regulamentação expressa pela Lei 7947 não se
aplica às unidades escolares, atingindo somente o âmbito decisório do sistema de ensino
municipal. Neste sentido, a regulamentação municipal institui a participação decretada,
enquanto corpo de regras formais e legais que impõe, orienta e limita a participação (LIMA,
2013a) no âmbito das decisões políticas da administração educacional.
Atenta à LDB, a Lei 7947 compôs o Sistema Municipal de Ensino com as instituições
de ensino infantil, fundamental e médio mantidas pelo município, as instituições de
educação infantil mantidas pela iniciativa privada e os órgãos municipais de educação, mas
quanto aos “órgãos municipais de educação” a lei não faz nenhuma especificação de quais
são esses órgãos e só se dirige, no decorrer de seu texto, à Secretaria Municipal de
Educação e ao Conselho Municipal de Educação.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei o Sistema Municipal de Ensino é composto
por: I- instituições de ensino infantil, fundamental e médio mantidas pelo Poder Público Municipal; II- instituições de educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada; III- órgãos municipais de educação. (POÇOS DE CALDAS, 2005)
Neste Artigo, considerando a severidade legal, se destaca a diferenciação que este
dispositivo legal faz ao se referir às “instituições de ensino infantil” públicas e às “instituições
99
de educação infantil” privadas: podemos crer que se trata de um engano de redação e não
de uma declaração de intenção, já que para a legislação federal a denominação correta é
educação infantil, tanto para o âmbito público, como para escolas privadas.
Quanto à estruturação do Conselho Municipal de Educação, a Lei 7947, nos seus
Artigos 4º e 5º, dá a este colegiado um caráter deliberativo, normativo e consultivo e
assegura à comunidade o direito de participar da definição das diretrizes da educação no
Município. Na perspectiva de Araujo (2007), estes artigos institucionalizam o Conselho
Municipal de Educação como organismo normativo e supervisor das políticas educacionais e
passa a integrar a estrutura do sistema de ensino municipal.
Para garantir esta participação, no Artigo 6º, a Lei 7947 especifica a composição do
Conselho Municipal de Educação com trinta e oito membros que devem ser eleitos entre
seus pares, e que terão seus nomes homologados por ato do executivo municipal. Tais
membros são discriminados da seguinte forma: três representantes eleitos do Poder Público
Municipal, sendo um do setor Pedagógico, um representante do Setor Administrativo e um
representante do Setor de Cultura da Secretaria Municipal de Educação e Cultura; três
representantes eleitos da 31ª. Superintendência Regional de Ensino do Estado de Minas
Gerais; dois representantes eleitos do Ensino Superior do Município, sendo um de
universidade ou escola pública e outro de universidade ou escola particular; um
representante eleito entre os proprietários da rede particular de educação infantil; um
representante eleito dos professores da rede particular de educação infantil; quatorze
representantes eleitos entre trabalhadores da educação do município, sendo dois diretores,
dois especialistas em educação, dois professores da educação infantil, três professores do
ensino fundamental, sendo um das escolas da zona rural, um do ensino médio, dois
funcionários administrativos e dois funcionários operacionais; um representante eleito do
Sindicato dos Servidores Públicos Municipais; um representante eleito das Instituições
Filantrópicas Comunitárias ou Confessionais; um representante eleito do Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; dois representantes eleitos dos
estudantes maiores de quatorze anos das escolas municipais, sendo um da zona rural; um
representante da Câmara Municipal; dois representantes eleitos dos pais dos alunos; um
representante eleito do Conselho Tutelar; três representantes das escolas de educação
especial do Município, sendo um representante de cada escola; um representante eleito dos
movimentos populares atuantes no Município; um representante eleito das Escolas
Conveniadas.
100
Nesta composição descrita no Artigo 6º da Lei 7947, observamos que a legislação
intencionou e garantiu um amplo quadro participativo para o Conselho Municipal de
Educação com representantes dos segmentos da comunidade escolar, como professores,
alunos, pais, diretores, especialistas, funcionários administrativos e operacionais, e também
segmentos que extrapolam os muros da escola e pertencem, portanto, à comunidade local,
como os representantes do Conselho Tutelar, da Câmara de Vereadores, das Universidades
e dos movimentos populares, consagrando, assim, a participação, no âmbito do Conselho
Municipal de Educação, de atores dos vários segmentos das comunidades escolar e
local.(LIMA, 2013a; PARO, 2013; HORA, 2004; ARAÚJO, 2007)
No que se refere aos aspectos participativos e de autonomia da gestão democrática,
observamos que a Lei 7947, em seu Artigo 10, Inciso V, Alínea d, Inciso XXII, ao atribuir as
incumbências do Conselho Municipal de Educação, lhe privilegiou com a função normativa
da “autonomia e gestão democrática das escolas públicas” (POÇOS DE CALDAS, 2004, p.
5).
Neste ponto, fazemos duas observações: a) consagrada na Constituição de 1988, a
gestão democrática do ensino público tem sua regulamentação delegada aos sistemas de
ensino pela LDB e, no caso do município de Poços de Caldas, tal regulamentação passa a
ser uma incumbência do Conselho Municipal de Educação, o que implica em normatização
via pareceres e resoluções deste conselho; b) neste caso, segundo Lima (2013a), podemos
prever que a participação na gestão democrática, no âmbito da escola, venha a ser a
participação não formal, produzida pelos atores no âmbito da própria organização e em
articulação com os dispositivos legais, o que pode implicar num grau de desenvolvimento
operacional, ou como participação informal, realizada por meio de regras informais e não
estruturadas formalmente, mas produzida na própria organização e partilhadas em
pequenos grupos.
Este pressuposto da legislação municipal garante, na esfera da participação indireta
que fundamenta o Conselho Municipal de Educação, o locus deste colegiado como espaço
para debates e deliberações que são pertinentes à autonomia da escola e à participação
das comunidades escolar e local em questões de políticas educacionais, incluídas aí as
questões relativas à gestão escolar e as peculiaridades das unidades. No entanto,
observamos que, no âmbito desta pesquisa, não foi encontrada nenhuma norma ou
orientação advinda do Conselho Municipal de Educação de Poços de Caldas que se refira à
“autonomia e gestão democrática das escolas públicas” do município.
101
Esta constatação nos remete a Bruno (2002) que, em seus estudos, nos lembra da
gestão democrática consagrada na Constituição de 1988, a não regulamentação na LDB e a
delegação desta aos sistemas de ensino (observando que, no caso em estudo, a questão
também não foi regulamentada pelo Conselho de Educação Municipal). Neste quadro, a
autora considera as possibilidades da concepção de gestão democrática adquirir uma
multiplicidade de práticas, interpretações, regulamentações e não regulamentações que
podem, inclusive, serem antagônicas entre si e manter a escola submissa às políticas
externas.
Neste sentido, a delegação dada pela Lei 7947 ao Conselho Municipal e a não
normatização por parte deste, nos leva a considerar, em virtude da ausência de normas
externas que podem dar limites à autonomia e à participação, que as regras de menor grau
de estruturação podem ser articuladas com dispositivos legais e serem desenvolvidas no
âmbito interno da escola, caracterizando-se, assim, como regras não formais, ou se
constituírem, também no âmbito da escola, por regras informais e não estruturadas. (LIMA,
2013a)
Um ponto controverso da Lei 7947 está no Artigo 12, que condiciona as decisões do
Conselho Municipal de Educação à homologação por parte do Secretário Municipal de
Educação. Tal mecanismo legal restringe a autonomia do Conselho, uma vez que suas
decisões estão subordinadas ao poder político constituído, caracterizando-se, assim, a
autonomia relativa desse organismo colegiado e a estrutura hierarquizada do sistema de
ensino.
Art. 12. Compete ao Secretário Municipal de Educação e Cultura homologar as decisões do Conselho referentes aos incisos V, VIII, IX, XV, XXIV,XXVII, XXVIII e XXIX do artigo anterior desta Lei, no prazo de 30 (trinta) dias.
§ 1º. O Secretário solicitará ao Conselho, no prazo previsto no caput deste
artigo, reexame do ato levado à homologação, sendo arquivada a matéria sobre a qual houver mais de dois pedidos de reexame.
§ 2º. O Secretário, quando se negar a homologar a decisão do Conselho,
devolverá a matéria ao Conselho Municipal de Educação, com as razões de sua recusa.
§ 3º. Na hipótese de o Secretário não se manifestar no prazo previsto no
caput deste artigo, será considerado homologado, tacitamente, o ato decisório. (POÇOS DE CALDAS, 2004) (grifos nossos)
Tal dependência, que condiciona as decisões do Conselho Municipal de Educação à
homologação do Secretário de Educação, nos remete às discussões de Lima (2013a) e ao
conceito de autonomia relativa, estabelecida entre margens funcionais, controlada e
102
reduzida, ou seja, mesmo no âmbito das decisões políticas, o Conselho Municipal de
Educação configurado legalmente, com funções normativas, consultivas, deliberativas e
fiscalizadoras, composto por uma ampla representação indireta dos segmentos
educacionais do município, não é detentor de autonomia plena e submete suas decisões ao
poder centralizado.
A segunda lei que passamos a analisar é a Lei 8229, que aprova o PDME de Poços
de Caldas. Esta lei tem cinco artigos e, como anexo, o PDME.
A lei estabelece uma comissão para avaliar o plano a cada dois anos, além de
especificar que esta deve ser regulamentada pela Secretaria Municipal de Educação e pelo
Conselho Municipal de Educação, tendo este, acento obrigatório na comissão. Neste ponto,
cabe observar que a pesquisa não encontrou, no rol de atos do Conselho Municipal de
Educação, nenhuma regulamentação que trata do tema, o que nos leva a considerar a
possibilidade da não participação direta da comunidade na avalição do PDME como
consequência desta não regulamentação: Lima (2013a) considera que, num quadro de
participação não decretada, mesmo que consagrada, se a participação não for
regulamentada, pode se caracterizar a participação limitada a alguns atores ou mesmo não
ser permitida.
Assim como a Lei 7947, observamos que ela garante a participação da comunidade
no processo de avaliação do PDME através do Conselho Municipal de Educação, no
entanto, por vias da participação duplamente indireta, ou seja, a representação de uma
representação dos segmentos comunitários se fará presente no processo de avaliação, o
que pode indicar uma participação esvaziada de sentido coletivo e distante de um processo
de democraticidade direta (LIMA, 2013a) que pode potencializar a participação cidadã e a
gestão democrática: considerando que cabe a Secretaria Municipal de Educação e ao
Conselho Municipal de Educação regulamentar a comissão de avaliação do PDME,
devemos considerar que, num processo assim configurado, a avalição permanecerá
centralizada na esfera da administração pública, o que manterá a escola e a comunidade
num terceiro, ou quarto, nível de discussão, a posteriori, e num quadro verticalizado de
participação.
O PDME apresenta a seguinte estrutura: 1. Histórico 2003-2004, relatando a
trajetória de constituição do Fórum Municipal, até a apresentação dos projetos de lei para
implantação do sistema municipal e a reorganização do Conselho Municipal de Educação,
como já observado nesta análise; 2. Histórico 2005, relatando o processo de adaptação do
PDME proposto pelo Fórum às disposições e critérios do Plano Decenal Estadual de
103
Educação; 3. Caracterização do Município segundo os aspectos geográficos, demográficos,
educacionais e financeiros; 4. A política de organização e funcionamento do sistema
municipal de ensino; 5. Política de atendimento escolar, especificando o atendimento da
educação infantil, do ensino fundamental; do ensino médio, da educação tecnológica, da
educação de jovens e adultos, da educação superior, da educação especial e do
atendimento da população rural; 6. Política para desenvolvimento da escolarização; 7.
Política de organização da gestão das unidades escolares; 8. Política para desenvolvimento
dos trabalhadores da educação; 9. Política de financiamento da educação municipal; e 10.
Política para o desenvolvimento de projetos e programas especiais.
No âmbito desta análise, e atendendo aos objetivos da pesquisa que a gerou, nos
dirigimos especificamente aos itens 5, 7, 8 e 9, considerando a implicação das políticas
propostas nestes itens para a gestão democrática, a participação e autonomia das unidades
escolares do sistema municipal, salientando que a caracterização socioeconômica do
Município e as políticas de organização e funcionamento do sistema já foram abordadas no
Capítulo 1 desta dissertação.
Quanto ao item 5, que trata da política de atendimento, cabe observar que a escola
pesquisada oferece o ensino médio, mas de acordo com a proposta do PDME, o ensino
médio ficou sob a responsabilização do Estado, devendo o Município desenvolver esforços,
junto à Secretaria de Estado da Educação, para universalizar o atendimento do ensino
médio até 2014. A este respeito, durante as observações, a diretora da escola pesquisada
relatou que, em virtude das escolas estaduais não oferecerem vagas suficientes para o
atendimento da demanda, a comunidade se impôs e não aceitou que o município tomasse
medidas para extinguir o ensino médio na escola pesquisada, o que reforça a afirmação de
Lima (2013b), que nos diz que dificilmente os docentes terão voz e atuação se mantendo
isolados da comunidade e reproduzindo orientações e regras burocráticas.
No que diz respeito à política de organização e gestão das unidades escolares, o
PDME estabelece a democratização como princípio de funcionamento de todas as unidades
escolares do município e aprovou diretrizes que dizem respeito ao conselho da escola, à
eleição da direção de unidades escolares e ao PPP.
Quanto à composição do conselho da escola, as diretrizes do PDME orientam que a
unidade escolar deve estabelecer, em estatuto próprio, “a proporcionalidade de
representação, buscando a participação dos vários segmentos que compõem a comunidade
escolar”. (PDME, 2005, p. 20)
104
As diretrizes eleitorais do PDME se referem ao colégio eleitoral e à comissão eleitoral
que deve conduzir o processo de eleição, definindo-os na lógica da comunidade escolar,
como sendo “todos os integrantes do quadro de magistério, demais servidores, estudantes
com idade mínima de 14 anos e pais ou responsáveis legais de alunos menores de 14 anos,
da respectiva unidade escolar” (PDME, 2005, p. 21). No entanto, as diretrizes não
especificam e não fazem alusão à participação da comunidade local: tendo em vista que a
participação da comunidade local está consagrada na legislação federal, a exclusão desta
comunidade nas diretrizes municipais faz com que consideremos, segundo Lima (2013a), a
não participação decretada, forçada e imposta à comunidade local pela legislação municipal.
Quanto à composição do conselho da escola, observamos que o PDME omite-se
formalmente e delega à escola para que, em estatuto próprio, especifique quais os
segmentos da comunidade comporão o conselho da escola, o que nos leva a considerar,
segundo Lima (2013), na efetivação de uma participação caracteristicamente informal ou
não formal, uma vez que o estatuto será orientado pelos interesses específicos da unidade
escolar.
Tal caracterização, como aponta Lima (2013a), ao contrário do que o senso comum
pode admitir quanto à participação informal ou não formal, tais tipos de participação podem
provocar autonomia para a escola deliberar sobre sua estrutura de gestão, apesar da
possibilidade de, em suas deliberações, a escola excluir segmentos que têm o direito de
participação legitimado. Neste sentido, como já abordado, a exclusão da comunidade local,
por parte das orientações municipais, poderá se refletir no estatuto do conselho da escola,
dado o grau de autonomia que a escola tem para elaborá-lo.
Cabe observar que as diretrizes do PDME consideram o conselho da escola como
órgão consultivo e deliberativo, atribuindo a ele autonomia para resolver os problemas do
ensino na escola e a função de conscientizar a comunidade escolar sobre a importância do
conselho, configurando-se, assim, o caráter formal deste conselho e sua importância para a
gestão democrática da escola, como observam Hora (2004) e Lima (2013a).
Embora a legislação decrete a autonomia do conselho da escola, ela não é clara e,
aparentemente, não especifica que autonomia é essa e nem quais são os problemas de
ensino da escola. Esta não especificação nos remete a Barroso e Pinhal (1996), que
observa que a autonomia é construída pela escola e resulta de suas relações com as forças
externas e internas: a autonomia decretada, como sendo aquela legitimada pelo sistema
educacional, e a autonomia construída, como sendo aquela que resulta das relações no
interior da escola.
105
Ao considerarmos Barroso (1995), que nos diz que administração é a esfera político-
decisória e o ensino é a esfera técnico-operacional, e ao observamos que a legislação
brasileira não faz alusão à gestão democrática da educação, restringindo tal princípio ao
ensino, consideramos que, apesar da não especificação de limites de autonomia por parte
do sistema de ensino municipal, a gestão democrática da escola pública não está isenta das
restrições e limites impostos pelo sistema educacional.
Neste sentido, observamos que, quando a legislação expressa autonomia do
conselho para resolver os problemas da escola, está se referindo aos problemas da escola
enquanto esfera técnica e operacional, sendo, portanto, uma autonomia relativa, limitada,
instrumental e submissa ao planejamento e ao controle que permanecem centralizados na
esfera política do sistema educacional. (LIMA, 2007)
A eleição do dirigente escolar, e de seu vice, constituiu-se como prática nas unidades
escolares do município de Poços de Caldas desde 2002, tendo sido regulamentada pela Lei
Complementar n. 22 (LC 22), publicada em 9 de novembro de 2001. Em 2003, seguindo as
deliberações do Fórum Municipal de Educação de 2003, o PDME consagrou a gestão
democrática ao conceber a continuidade da eleição do diretor e vice diretor como princípio
das relações participativas nas unidades escolares. Lembrando Dourado (2013), no entanto,
não incorramos ao erro de considerar a eleição do dirigente escolar como ação terminal do
processo de democratização da gestão escolar, pois a amplitude da participação da
coletividade na gestão democrática da escola e a autonomia desta gestão também são
aspectos a serem observados.
Uma observação significativa constatada no PDME se refere à coordenação
pedagógica dos centros de educação infantil do município, que exerce o papel de gestor
desses centros, planejando, coordenando e acompanhando todo trabalho desenvolvido na
educação infantil: apesar do plano orientar para a eleição de diretores de escolas e
coordenadores pedagógicos, os cargos de coordenadores permanecem concursados e/ou
nomeados pela autoridade do governo municipal, pois nenhum mecanismo legal
regulamentou tal questão para a função de coordenador pedagógico, prevalecendo a LC 22,
que regulamenta somente a eleição para os cargos de direção e vice direção.
Em consequência, as comunidades escolares dos 45 centros municipais de
educação infantil não fazem a escolha de seus gestores, sendo, portanto, um direito
decretado que atinge somente as 25 escolas de ensino fundamental/médio da rede
municipal.
106
Quanto à elegibilidade de candidatos aos cargos de diretor e vice diretor, o PDME,
proposto e aprovado pelo Fórum Municipal de Educação de Poços de Caldas, restringe a
participação de candidatos a diretor e a vice diretor, exigindo que os candidatos sejam
profissionais graduados em pedagogia, com especialização em administração escolar,
pertençam ao quadro do funcionalismo público municipal pelo menos há cinco anos e com
experiência mínima de dois anos em sala de aula.
Tais restrições, que limitam, caracterizam e qualificam profissionalmente os
candidatos a diretor e a vice diretor, demonstram uma prática burocrática que enfatiza a
competência técnica e meritocrática, além da experiência profissional, mas, em seu
fundamento burocrático, é uma medida que evita ações patrimonialistas e apadrinhamentos
políticos que podem assolar a gestão das escolas públicas.
Quanto ao PPP, o PDME também foi expressão da democratização e considerou
que o PPP deve ser elaborado por toda a comunidade escolar, e orientou para a
necessidade da sua contínua avaliação e reformulação, tendo em vista o cumprimento dos
objetivos propostos.
O PDME também indicou a criação, em cada unidade escolar, de um colegiado
pedagógico, formado por um professor de cada nível ou modalidade de ensino ofertado pela
escola, com a finalidade de acompanhar a elaboração, a implantação e a avaliação do PPP.
Como veremos na análise do estatuto do conselho da escola pesquisa, este “colegiado
pedagógico” constitui-se como uma comissão, dentro do conselho da escola.
No ponto em que o PDME trata das políticas para desenvolvimento dos
trabalhadores da educação, encontramos trinta e uma diretrizes, que vão desde o
estabelecimento de convênios para formação continuada, com programas de bolsa ou
desconto para os docentes do quadro de magistério do município, até o incentivo à parceria
do tipo público-privado, de forma que seja garantida a capacitação e a atualização dos
servidores públicos municipais, mas nenhuma das trinta e uma diretrizes diz respeito ao
incentivo à formação para a gestão democrática da escola pública.
Da mesma forma, ao tratar do aspecto financeiro da educação, o PDME deteve-se
aos aspectos formais e legais do financiamento público da educação e não fez nenhuma
alusão à autonomia financeira, o que nos leva, mais uma vez, a considerar o controle
externo dos aspectos financeiros e a consequente autonomia relativa das unidades
escolares.
107
Assim, os documentos que tratam da configuração do sistema municipal de ensino,
nos mostram que o município pratica a eleição como modalidade de escolha do dirigente
escolar, institui o PPP como projeto coletivo da comunidade escolar e o conselho da escola
como espaço autônomo, consultivo e deliberativo, no entanto, para não incorrermos ao erro
e considerar tais aspectos suficientes para o exercício da gestão democrática (DOURADO,
2013), devemos considerar os conceitos de autonomia e participação presentes nesta
configuração.
Desta forma, devemos observar que: a) quanto ao sistema de ensino, a legislação
municipal garante a democratização das relações, instituindo um amplo quadro de
participação no Conselho Municipal de Educação, mas faz apontamentos restritivos que
fazem com que este conselho atue de forma indireta com relação às políticas públicas,
como na avaliação do PDME, por exemplo, e também tenha uma autonomia relativa, devido
ao fato de suas decisões estarem subordinadas ao crivo da homologação por parte da
Secretaria Municipal de Educação; b) quanto à escola, a legislação municipal delega à cada
unidade a elaboração do estatuto e a composição do conselho da escola, dadas à
participação, portanto, características informais e não formais (LIMA, 2013a). Quanto à
autonomia da gestão democrática da escola pública, observamos que a legislação atribui
autonomia para que o conselho da escola atue de forma consultiva e deliberativa, mas
salientamos que tal autonomia se relativiza, na medida em que se relaciona somente aos
aspectos técnicos e operacionais que instrumentalizam os processos de ensino. (LIMA,
2013a, 2007; BARROSO; PINHAL, 1996, 1995)
4.2. Os documentos da escola
Conforme mencionado no primeiro capítulo deste trabalho, foram inventariados e
analisados o Regimento Escolar, o PPP e o Estatuto do Conselho da Escola.
4.2.1. O Regimento Escolar
O Regimento Escolar admite como princípio e garante, em seus objetivos
específicos, a gestão democrática e participativa na escola, no entanto, tendo em vista que
o PDME estabelece a eleição, em nenhum momento o documento se dirige ao plano
municipal e não aponta a regulamentação das eleições para diretor e vice diretor e nenhuma
outra forma para provimento do cargo ou função de dirigente escolar.
Da mesma forma, não regulamenta o colégio eleitoral previsto pelo PDME e não
apresenta como devem ser as relações estruturais, organizacionais e de trabalho entre o
dirigente escolar e o conselho da escola. Também não regulamenta as eleições para
108
conselheiros de escolha e, ao se referir ao conselho da escola, atribui-lhe estatuto próprio,
anexo ao Regimento Escolar.
Novamente recorremos a Lima (2013a) e observamos que a não participação,
admitida como omissão, ou não referência à participação de determinados atores, ou
mesmo consagrar e não regulamentar a participação, podem ser fatores que afastam os
atores dos processos de democraticidade e, por consequência, dos processos de
envolvimento com os objetivos institucionais, podendo caracterizar a participação limitada a
alguns atores, assinalando exceções, ou mesmo não ser permitida em âmbito genérico.
Por se tratar de documento que rege as relações no interior da escola, inclusive as
relações entre a direção e o conselho da escola, a omissão de mecanismos que regem as
eleições para dirigente e membros do conselho da escola por parte do Regimento Escolar
pode levar a escola a afastar os atores do processo democrático, incorrendo na não
participação e na participação limitada a alguns atores e, consequentemente, numa gestão
democrática esvaziada de sentido coletivo. (LIMA, 2013a)
No documento observamos uma discordância entre a estrutura no Regimento para o
PPP e a apresentada por este. No Regimento Escolar, a estrutura do PPP define: as
finalidades da escola, a estrutura organizacional, as relações de trabalho, a relação
professor-aluno, o processo de decisão, o tempo escolar, a organização dos alunos, os
conteúdos curriculares e os procedimentos didáticos; já no PPP observamos como estrutura
documental o marco referencial, o diagnóstico-histórico, os objetivos da escola, a proposta
de ação e o processo de avaliação dos alunos.
Quanto ao material didático, que observamos ser fornecido à escola pela Secretaria
Municipal de Educação, através do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)27, o
regimento escolar diz que tal material será fornecido aos professores e aos alunos pelo
Caixa Escolar e/ou pela Secretaria Municipal de Educação.
Em especial, nenhuma outra observação foi notada no regimento, além das citadas
acima. No mais, trata-se de um documento organizado e estruturado para estabelecer
regras disciplinares, atribuições e responsabilidades, tais como direitos e deveres, aos
sujeitos envolvidos pela escola, além de definir os objetivos educacionais para os diversos
níveis de ensino oferecidos pela instituição.
27 O PNLD é um programa do Ministério da Educação que tem como principal objetivo subsidiar o trabalho
pedagógico por meio da distribuição de livros didáticos aos alunos da educação básica.
109
No caso da educação infantil, tais objetivos são correlatos ao que reza o Art. 29 da
LDB28; no caso do ensino fundamental, os objetivos expressos no Regimento Escolar são,
literalmente, aqueles indicados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais29 (PCN); já com
relação ao ensino médio, o documento especifica como objetivo o que a LDB, em seu Art.
22, especifica como finalidade da Educação Básica: “assegurar-lhe a formação comum
indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho
e em estudos posteriores”.
Os objetivos educacionais admitidos pela escola pesquisada, traçados de acordo
com o que determina a LDB e com as orientações dos PCN, bem como a sua dependência
em relação ao material didático adquirido através do PNLD, nos revela e confirma um
quadro de autonomia pedagógica relativa, considerando a reprodução de objetivos e o
cerceamento das atividades escolares pelas políticas elaboradas e centralizadas nas
esferas superiores do sistema educacional. (BALL, 2004; LIMA, 2007, 2002; MARTINS,
2002; SANDER, 2005; SANTOS, 2004; MURANAKA; MINTO, 2002)
4.2.2. O Projeto Político Pedagógico (PPP)
A estrutura do documento analisado é composta pelo marco referencial, diagnóstico-
histórico, objetivos da escola, proposta de ação e avaliação, mas como já observamos
anteriormente, esta estrutura não condiz com a estrutura indicada no Regimento Escolar,
como já mencionamos na análise do Regimento Escolar.
Os quarenta objetivos expressos pelo PPP não se referem especificamente aos
objetivos educacionais dos níveis de ensino ofertados pela escola, que estão registrados no
Regimento Escolar, e sim aos objetivos políticos que se configuram como plano de ações
que permearão as ações da escola, as atribuições administrativo-pedagógicas da gestão
escolar e as relações escola-comunidade:
(1) Envolver a comunidade nos projetos escolares, promovendo o comprometimento da família com a formação dos alunos; (2) Melhorar as relações interpessoais; (3) Promover a formação continuada de todos os funcionários da escola, em especial a atualização docente; (4) Estabelecer uma linha pedagógica para a escola;
28Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. 29 Os Parâmetros Curriculares Nacionais estão disponibilizados pelo Ministério da Educação no sítio http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro081.pdf
110
(5) Integrar, através do planejamento conjunto, o trabalho realizado por todas as séries, visando aos mesmos objetivos; (6) Integrar todos os funcionários no processo educacional; (7) Melhorar a qualidade do ensino, procurando respeitar a diversidade e a ética nas relações; (8) Divulgar e colocar em prática a filosofia da escola; (9) Incentivar e apoiar as ações do Grêmio Estudantil que atendam aos interesses da comunidade escolar; (10) Explorar o potencial dos alunos e formar para o exercício da cidadania; (11) Adequar os horários de reuniões de pais para atingir o maior número de pessoas; (12) Promover palestras para pais e alunos; (13) Buscar alternativas que auxiliem os profissionais da educação no processo de inclusão; (14) Fazer cumprir a lei que trata do número de alunos em sala, principalmente quando a sala possuir aluno com necessidades especiais; (15) Diminuir os índices de repetência; (16) Criar um sistema de recuperação para alunos com dificuldades de aprendizagem; (17) Rever o processo e o sistema de avaliação; (18) Rever o currículo escolar; (19) Promover gincanas culturais incentivando os estudos diários; (20) Incentivar o trabalho de monitoria em sala de aula; (21) Promover e incentivar a leitura e a pesquisa; (22) Criar o laboratório de linguagens; (23) Equipar o laboratório de Ciências; (24) Buscar parcerias para ampliar projetos da escola; (25) Dar continuidade aos projetos extracurriculares; (26) Incentivar e apoiar os professores na organização de atividades fora do ambiente escolar sempre que houver objetivos previamente estabelecidos e pertinentes às respectivas áreas do conhecimento; (27) Firmar convênios com empresas da cidade visando a inserção de alunos no mercado de trabalho, privilegiando os que tiverem melhor desempenho na escola ou aptidão para a função; (28) Organizar o memorial do Colégio, buscando o apoio de empresas e universidades, seguindo critérios técnicos; (29) Aumentar a arrecadação do Caixa Escolar; (30) Comunicar todas as ações da escola aos pais, inclusive calendário de provas, reuniões, etc; (31) Manter e ampliar os cursos técnicos (Pós-Médio); (32) Respeitar o regimento escolar e as normas disciplinares, aplicando sanções educativas aos alunos que não cumpri-las; (33) Reestruturar o recreio do período da tarde através de brincadeiras dirigidas; (34) Aproveitar melhor os espaços físicos da escola e preservá-los; (35) Catalogar todo o material existente para o conhecimento dos professores; (36) Criar uma identificação para que a escola seja resguardada da entrada de pessoas estranhas em suas dependências; (37) Reestruturar a biblioteca através da organização e atualização do acervo; (38) Conscientizar alunos e professores para o uso adequado da biblioteca; (39) Planejar atividades e ações baseadas nos resultados das avaliações externas realizadas; (40) Garantir uma gestão democrática participativa. (PPP, 2014, p. 15-16)
111
Em seu PPP, assim como no Regimento Escolar, a escola pesquisada não faz
referência, em nenhum momento, à legislação municipal que rege seu sistema de ensino e
diz que, fundamentada na LDB, a direção da escola se estabelece segundo os princípios da
democracia e da participação e se auto define como escola cidadã, mas nenhum documento
da escola traz esse conceito. Essa não articulação entre os documentos da escola e a
legislação municipal nos remete à possibilidade da participação e da autonomia escolar se
restringirem aos princípios normativos consagrados nos textos legais, o que implica, para a
escola, em competências não asseguradas por regulamentação. (LIMA, 2013a; PARO,
2013; ARAÚJO, 2007; HORA, 2004)
No marco referencial de PPP, a escola se compromete, junto à comunidade, com um
processo de educação plena, inclusiva e transformadora, e também com a prática de uma
gestão democrática participativa. O documento também declara que a escola não possui
uma linha metodológica única, mas não especifica como desenvolve seus trabalhos.
O Colégio Municipal Dr. José Vargas de Souza, consciente de suas atribuições e responsabilidades junto à comunidade e comprometido com o processo de educação plena, inclusiva e transformadora, terá como filosofia: a prática de uma gestão democrática participativa; a prática docente embasada na competência, ética, sensibilidade, criticidade e solidariedade; a educação emancipadora visando à formação de cidadãos sujeitos de sua própria história; a formação integral do aluno alicerçada nos princípios do aprender a conhecer, fazer, ser e conviver; o respeito à diversidade, a ética nas relações; o diálogo e a reflexão; a busca pela paz; e envolvimento com as questões ambientais. (PPP, 2014, p.8)
A participação ativa dos alunos nas atividades desenvolvidas pela escola é
destacada e, ao mesmo tempo, o PPP diz que a escola tem problemas com a presença e a
participação dos pais: “O Colégio enfrenta problemas quanto à participação das famílias na
vida escolar do aluno. Uma grande parcela só comparece quando o aluno reprova, deixando
de acompanhar a cada bimestre o seu aproveitamento.” (PPP, 2014, p.13)
Esta expressão do PPP nos faz considerar que a família permeia a participação
passiva e a não participação induzida: Lima (2013a) caracteriza como a participação passiva
considerando que, não sendo indiferentes ao curso das decisões tomadas, os atores
parecem descrer na capacidade de influenciar e preferem desempenhar um papel individual
que ora confronta, ora valoriza e admira, ora desvaloriza e critica as decisões tomadas; e a
não participação induzida, que Lima (2013a) caracteriza como sendo aquela em que,
mesmo que a participação esteja decretada e regulamentada, como é que o caso da
112
participação da família, “os arranjos organizacionais concretos, as práticas participativas
previstas, as condições, os recursos e as possibilidades reais de participação podem
conduzir a situações objetivas e subjetivas convidativas e facilitadoras da não participação”.
LIMA (2013a, p.98)
Neste ponto, salientamos a articulação das práticas do cotidiano escolar com a
comunidade e a importância desta articulação para o desenvolvimento da gestão
democrática. No entanto, observamos também que o PPP da escola estabelece objetivos
que se fundamentam nesta articulação e visam garantir a gestão democrática, estimular a
participação da comunidade e da família e adequar os horários de reuniões para que a
escola possa atingir o maior número possível de pais: nas observações da rotina da escola,
notamos que os horários de reuniões são flexibilizados de forma a priorizar a participação da
maioria das famílias, no entanto, a dificuldade que a escola enfrenta para que os pais
participem da vida escolar dos filhos ultrapassa seus muros e é relativizada pelo cotidiano
familiar, que está permeado pelo mundo do trabalho capitalista e, como nos diz Paro (2001),
pela falta de dispositivos legais que estimulem e que possam dar às famílias trabalhadoras
condições de participar da vida escolar de seus filhos, sem que sejam penalizadas em seus
salários.
Além das reuniões com os pais, o documento assinala que a escola também tem
como proposta a realização de reuniões (a escola denomina as reuniões por segmento de
assembleias) por áreas (referindo-se às áreas curriculares: Línguas e Artes, Ciências
Sociais e Matemática), por níveis (referindo-se à educação infantil, aos anos iniciais do
ensino fundamental, anos finais do ensino fundamental e ensino médio), e por segmentos
(professores, funcionários administrativos, funcionários operacionais, especialistas) e
alunos. No caso dos alunos, as assembleias reuniam três grandes grupos, a saber, alunos
de educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, alunos do 5º, 6º e 7º anos do
ensino fundamental, e o grupo dos alunos do 8º e 9º anos do ensino fundamental e ensino
médio.
Apresentada como forma de facilitar as discussões, tendo em vista o expressivo
número de alunos e, consequentemente, de pais e professores, as observações mostram
que tal estratégia facilita, na verdade, a coordenação e a condução dos trabalhos por parte
da direção e do conselho da escola. Observamos que a estratégia é eficiente para gerar o
diálogo ente os atores, considerando, aqui, a transparência, a publicidade, o diálogo e as
deliberações coletivas como fundamentos que devem permear o princípio participativo da
gestão democrática, como nos diz Lima (2013a), Tatagiba (2003) e Carina (2003).
113
Observamos, também, que estas reuniões (ou assembleias, na visão da escola), que
sempre são presenciadas pelo representante do segmento, servem como campo de
decisões que são levadas para o conselho da escola, onde as deliberações ocorrem
oficialmente: nas palavras da Diretora (2014), “esta estratégia nos serve como meio para
educar os representantes como representantes realmente, e não como representantes que
se firmam em opiniões próprias e individuais”.
O PPP também estabelece a dinâmica para a sua elaboração e/ou revisão a partir de
reuniões que devem ocorrer em dois níveis: primeiro, as reuniões com os grupos específicos
de cada segmento (pais, alunos, professores, funcionários) e a cada reunião, os grupos
discutem e registram suas sugestões, sendo, pois, uma participação direta, considerando o
aspecto da democraticidade (LIMA, 2013a); segundo, as sugestões elaboradas pelos grupos
são levadas à assembleia geral, que terá representantes de todos os segmentos, o que
configura uma participação indireta como critério da democraticidade (LIMA, 2013a).
No entanto, notamos que os alunos de educação infantil e ensino fundamental não
têm sua representação contemplada nessa assembleia, o que configura uma não
participação imposta30 (LIMA, 2013a), o que podemos observar no PPP (2014, p.6):
Composição da assembleia geral: 01 professor da educação infantil; um professor das séries iniciais até 4ª. Série; 01 professor de 5ª. a 8ª. série; 01 professor de ensino médio (manhã); 01 professor de ensino médio (noturno); 01 supervisora; 01 pai de educação infantil; 01 pai das séries iniciais até 4ª. série; 01 pai de 5ª. a 8ª. série; 01 aluno do ensino médio (manhã); 01 aluno do ensino médio (noturno); 02 funcionários operacionais; 01 funcionário da secretaria da escola; 01 funcionário da biblioteca; 01 funcionário da tesouraria, 01 auxiliar de educação infantil (ADI); o Conselho de Escola e a comissão de redação.
Assim, entendemos que a Diretora (2014), ao se referir às assembleias de cada
segmento, diz respeito às reuniões dos grupos específicos que compõem a comunidade
escolar: pais, alunos (exceto alunos da educação infantil e ensino fundamental), professores
e funcionários da escola. Observamos, também, que essa estratégia proposta pelo PPP não
está regulamentada/articulada no Regimento da Escola, o que nos leva a considerar que a
30 A diretora da escola justificou que a exclusão de alunos menores de 14 anos no conselho de escola se dá em virtude de determinação legal, no entanto, não encontramos, no rol da legislação municipal, nenhuma orientação que restringe a participação desses alunos no conselho de escola, mas verificamos que as Leis Complementares n.11 e n. 12, que regulamentam a eleição de diretores e vice diretores das escolas públicas municipais, não permitem que alunos menores de 14 anos votem. O que nos levar a questionar: se o aluno não pode votar e escolher o dirigente da escola, não pode, também, representar ou fazer-se representar no conselho de escola?
114
estratégia das assembleias (enquanto reuniões dos grupos segmentados) produzem uma
participação informal, conduzida por regras sem estruturação e produzidas pelos próprios
grupos. (LIMA, 2013a)
Quanto à execução e avaliação do PPP, salientamos que o documento compromete-
se com a participação de toda comunidade escolar, mas faz menção ao acompanhamento
da Secretaria Municipal de Educação nesses processos, o que nos leva a considerar que a
escola submete-se ao sistema municipal e pode, assim, relativizar sua autonomia para
elaborar, rever e reestruturar seu PPP.
O projeto político-pedagógico terá sua execução acompanhada constantemente por todos os membros da comunidade escolar e pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura e uma vez por ano será avaliado formalmente em reuniões que envolvam todos os interessados, no moldes de sua construção, podendo sofrer alterações conforme a necessidade e a aprovação de todos. (PPP, 2014, p. 21)
O PPP de 2014 apresentou uma ênfase que não ocorria nos PPP anteriores: além de
manter a recuperação de alunos semestralmente, o PPP indicou a recuperação processual
e contínua, de forma a oportunizar ao aluno recuperar conteúdo e nota (aproveitamento);
além disso, indicou o acompanhamento das supervisoras pedagógicas nos processos de
recuperação processual e estabeleceu um simulado, preparatório para as avaliações
externas, com atribuição de nota, a ser integrada no final do ano, na última avaliação
bimestral.
Segundo as observações registradas pelo pesquisador junto à direção e às reuniões
de professores do ensino fundamental, estas alterações ocorreram em virtude do processo
de apuração do IDEB da unidade para as séries finais do ensino fundamental, que devido ao
aumento da taxa de reprovação, teve seu índice de 2013 reduzido, correndo o risco de ficar
abaixo da meta projetada para 2015. Como a apuração do IDEB leva em conta o produto
entre a aprendizagem aferida entre os alunos e o fator de aprovação observado na escola
para obter o resultado final, a escola espera, com a alteração do processo de recuperação
dos alunos, reduzir as reprovações e elevar o índice apurado pelo IDEB.
Esta observação confirma os apontamentos de Sander (2005), Lima (2007) e Martins
(2002) sobre a consolidação das avalições externas que, padronizadas em larga escala,
afetam a efetivação da autonomia da escola. Consideradas por Lima (2011b) como
115
resultantes de mecanismos burocráticos intensificados (ou hiperburacratizados) e
conduzidos como concepções técnicas e reguladoras, tais avaliações se contrapõem à
democratização das estruturas de poder, dado o seu caráter controlador e normativo,
induzem a escola a adotar mudanças instrumentais para atendê-las.
As mudanças no processo didático de recuperação dos alunos, propostas pelo PPP
de 2014 da escola pesquisada, na lógica dos apontadores de desempenho, que são
formalizados por meio de avalições massificadas, constituem, portanto, um processo que
demonstra a submissão da escola aos mecanismos gerencialistas de performatividade e
qualidade da educação, impostos pelo sistema de forma centralizada. (BALL, 2004; LIMA,
2013a; 2011b; 2007; MARTINS, 2002; SANDER, 2005; SANTOS, 2004)
4.2.3 O Estatuto do Conselho da Escola
O estatuto do conselho da escola justifica-se na LDB para fundamentar os princípios
da gestão democrática participativa, como proposta da direção de uma escola cidadã. O
estatuto prevê um conselho da escola composto por representantes da direção (1), dos
especialistas (1), dos funcionários operacionais (1), dos funcionários administrativos (1), dos
professores da educação infantil (1), do ensino fundamental (2) e do ensino médio (1), de
pais de alunos da educação infantil (1) e ensino fundamental (2), e dos alunos do ensino
médio (1), totalizando 12 conselheiros titulares.
Quanto à composição do conselho da escola, as diretrizes do PDME orientam que a
unidade escolar deve estabelecer, em estatuto próprio, “a proporcionalidade de
representação, buscando a participação dos vários segmentos que compõem a comunidade
escolar”. (PDME, 2005, p. 20)
Notamos que o estatuto não contempla a participação de representante da
comunidade local, o que nos leva a considerar, de acordo com Lima (2013a) a não
participação imposta, por omissão do regulamento, a este segmento.
Da mesma forma, observamos que não há acento entre os conselheiros da escola
para alunos do ensino fundamental que, nas palavras da Diretora (2014), são representados
pelos pais, em virtude dos dispositivos legais, que permitem que alunos com mais de 14
anos participem da votação para eleger o diretor e o vice diretor.
O documento dá ao conselho da escola as seguintes atribuições: elaborar seu
estatuto; garantir a gestão democrática; elaborar o regimento escolar; gerir, em parceria com
a direção, os processos pedagógicos, administrativos e financeiros; exercer as funções
116
consultivas, deliberativas e fiscalizadoras, conforme o PDME; fiscalizar o caixa escolar;
conscientizar a comunidade sobre a importância do conselho da escola; trabalhar com ética
e garantir a transparência das decisões do conselho e da direção; e coordenar o processo
eleitoral da direção.
Em particular, ao analisar o Estatuto do Conselho da Escola, observamos que, ao
especificar seus objetivos, o conselho recebe a atribuição de construir para a escola um
PPP capaz de garantir a formação para e pela cidadania. Tal constatação nos leva a
considerar que, de acordo com as normas regimentais da unidade, cabe ao conselho da
escola deliberar sobre a aprovação desse projeto.
O estatuto também divide os conselheiros em três comissões: comissão do caixa
escolar, para controlar a arrecadação e os gastos; comissão pedagógica, para avaliar o
PPP; e a comissão administrativa, para decidir, com a direção, as questões relativas
administrativas operacionais da escola, em seu dia a dia.
Assim, os documentos da escola, ao não regulamentarem as eleições para diretor e
para o conselho da escola, podem levar à participação limitada de alguns atores ou excluir
outros, o que observamos quanto à omissão/exclusão da participação da comunidade local,
que não se apresenta nas regulamentações e tem, portanto, uma não participação imposta.
Os documentos também apontam que as famílias apresentam uma participação que pode
ser caracterizada como não participação induzida e/ou participação passiva (LIMA, 2013a).
Apesar dos documentos enfatizarem a gestão democrática e participativa, através deles não
foi possível caracterizar a participação dos demais atores da comunidade escolar.
Quanto à autonomia, os documentos confirmam o envolvimento da escola pelas
normas e controles burocráticos centralizados: ao reproduzirem as diretrizes curriculares e
ao instrumentalizar mudanças didáticas para atender aos indicadores performáticos,
podemos considerar que a gestão democrática da escola pesquisada se encontra num
quadro de autonomia pedagógica relativa.
4.3. As observações das reuniões
A escola foi observada, em seu dia a dia, nos turnos matutino, vespertino e noturno,
nos meses de março, abril, maio e junho de 2014, em visitas que ocorreram na segunda, na
terça ou na sexta-feira e que duraram, em média, três horas. Neste período foi elaborado
um caderno de campo onde as observações foram anotadas. Tais anotações foram
selecionadas e as observações julgadas como pertinentes para o objetivo da pesquisa
foram registradas nesta análise.
117
Durante as visitas, constatamos manifestações de interação amistosa, tanto entre os
alunos, como entre professores e entre professores e alunos. Neste mesmo clima se davam
as relações entre os funcionários administrativos, operacionais e a direção da escola.
Particularmente, as relações entre os trabalhadores docentes mostraram-se em um grau de
conivência tal que, questionados a respeito, dois professores relataram que todos os
professores, com raras exceções, trabalham naquela unidade há muitos anos, o que os
levou a desenvolver laços de união e de cooperação: “aqui não tem uma pessoa com
autoridade, a autoridade é de todos, então não precisamos ter medo de ninguém”
(DIRETORA).
Correlacionamos tal observação ao princípio participativo que, para Tatagiba (2003),
torna o modelo democrático de gestão fundamentado no diálogo e no respeito à diversidade
entre dos atores como pré-requisitos para as deliberações coletivas e consideramos que a
escola observada atende esses fundamentos.
Neste período de observação, notamos que os pais que compareceram à escola
sempre eram recebidos pela direção ou pela vice direção, já os alunos sempre eram
recebidos e orientados pelas supervisoras pedagógicas.
As observações verificaram que o dia a dia da escola ocorreu sem contratempos e
sem notas dignas de relato: sinais de troca de aula, professores se encaminhando para as
salas de aula, alunos em corredores, recreio em horário comum para alunos e professores.
Já faz parte da rotina, também, reunirem-se todos no pátio central da escola, alunos
professores e funcionários, na quinta-feira, para juntos, cantarem o hino nacional.
Com a finalidade de obter dados expressivos para a pesquisa, o foco de nossas
observações se voltou para as reuniões que pudessem vir a acontecer no ambiente da
escola. Nesse sentido, o locus da pesquisa foi enriquecedor. Foi possível observar que as
assembleias se apresentam enquanto estratégia adotada pela escola para estimular a
participação. Nossas observações revelaram que a diretora considera que tais assembleias
foram instituídas como plano de ação em 2007 para elaborar e avaliar o PPP e se
estenderam, na prática, como arenas para discutir outros assuntos, além do PPP, como a
destinação dos recursos do PDDE, eleição dos membros do colegiado, prestação de contas
do caixa escolar, elaboração do calendário da escola e definição das atividades extraclasse.
Considerando Romão e Padilha (2013), Hora (2013) e Pereira (2008), que dizem que
a prática democrática da escola estimula o opinar, o discutir e o resolver os assuntos
pertinentes à comunidade de forma coletiva, constatamos a intenção da escola pesquisada
de instituir o exercício democrático e confirmamos, como apontam os autores, a
118
possibilidade da gestão democrática servir como canal para a participação da população em
assuntos pertinentes à coisa pública.
Segundo a diretora da escola, as reuniões de professores, alunos e pais são
frequentes e integram as atividades da escola: a primeira assembleia presenciada pelo
pesquisador foi dos alunos dos anos finais do ensino fundamental – a supervisora
pedagógica os reuniu no salão de festas para expor como a recuperação aconteceria a
partir de 2014. A supervisora explicou que a recuperação que sempre aconteceu nos finais
dos semestres ainda continuaria, mas que outra recuperação também passaria a acontecer,
de forma paralela, todos os dias e com todos os professores. Os alunos reagiram bem à
informação, mas questionaram se isso geraria mais trabalhos para casa.
A segunda assembleia observada foi a de pais de alunos dos anos iniciais (1º ao 3º
ano), onde foram eleitos os membros deste segmento para o conselho da escola. Esta
reunião foi coordenada pela presidente do conselho da escola, uma das supervisoras, e teve
a presença da diretora. 379 pais compareceram e 425 alunos estão matriculados nestes
anos. Nesta reunião, a diretora também teve a palavra para orientar os pais no sentido de
acompanhar os filhos no processo escolar, durante todo o ano. Salientou que a importância
deste acompanhamento e pediu para que os pais se esforçassem para comparecer sempre
à escola para se inteirarem sobre o trabalho desenvolvido pela escola e pelo filho. A diretora
também fez observações quanto aos horários e o calendário escolar, bem como sobre o
processo de recuperação doas alunos e a forma de comunicação com os pais, que é feito
através de bilhetes ou memorandos, entregues aos alunos.
A terceira assembleia presenciada ocorreu com o mesmo objetivo, com pais de
alunos dos 4º e 5º anos, e compareceram 304 pais, dos 344 esperados. Com a mesma
proporção de presença, a quarta assembleia foi com pais 6º e 7º anos, no entanto, nesta
ocorreu um fato:
Finalizada a reunião, um grupo de oito pais se dirigiu à diretora para cobrar a entrega do material didático aos alunos. As aulas já haviam iniciado há mais de dois meses e os livros não haviam sido entregues aos alunos. A diretora, constrangida, informou que estava na dependência do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e que a Secretaria Municipal de Educação ainda não tinha recebido o material do Ministério da Educação, e que isso deveria ser regularizado em poucos dias. (CADERNO DE CAMPO)
119
A observação da terceira assembleia nos remete a considerar a dependência da
escola em relação aos órgãos centrais da administração educacional, no que se refere aos
recursos necessários para que ela instrumentalize suas funções, confirmando, assim, um
quadro que Muranaka e Minto (2002) e Lima (2013a) descrevem como sendo de autonomia
relativa. Além disso, essa observação também confirma a dependência administrativa da
gestão democrática em relação a mecanismos burocráticos hierarquizados que controlam e
regulam os recursos destinados à escola pública. (LIMA, 2013a; 2002; MURANAKA;
MINTO, 2002; IANNI, 2007)
Também presenciamos duas reuniões de professores, uma com os professores das
séries iniciais do ensino fundamental e a outra com os professores as séries finais e do
ensino médio. Ambas as reuniões tiveram a mesma finalidade: discutir formas de aplicar a
“recuperação paralela” (recuperação processual e contínua) que foi implementada em
fevereiro de 2014 pelo PPP, visando reduzir a taxa de reprovação, que poderia
comprometer o “desempenho” da escola nas avaliações externas.
A reunião foi aberta pela diretora e as supervisoras conduziram os trabalhos. A
estratégia, discutida e aceita pelos professores, consistia na observação diária do professor,
aluno por aluno.
Ao final de cada semana o professor deveria procurar a supervisão, informar o nome dos alunos que estavam com dificuldade e esclarecer, especificamente, a dificuldade de cada um. Juntos, supervisora e professor indicariam o procedimento de recuperação para cada aluno, que poderia ser através de aulas de reforço, no contra turno, atendimento individualizado, na própria sala de aulas do aluno, segunda oportunidade para fazer provas ou trabalhos, ou até mesmo, se necessário, convidar a família para participar e estabelecer formas específicas. (CADERNO DE CAMPO)
Na reunião com os professores das séries finais do ensino fundamental e do ensino
médio, a discussão foi a mesma, mas também foi discutida a forma com que os professores
elaborariam o simulado preparatório para as avaliações externas. Os professores decidiram
que marcariam uma reunião entre eles após uma revisão que cada professor realizaria das
avalições já aplicadas. Após a reunião, indagada pelo pesquisador se as avaliações
externas comprometem o andamento do currículo, a diretora disse que não, pois o trabalho
era intensificado com os alunos, e isso garantia a qualidade da escola.
Como indicado na análise das propostas do PPP da escola, a observação das
reuniões dos professores confirmou que as avaliações externas, mesmo se contrapondo à
120
democratização, dadas as suas concepções controladoras e reguladoras, influenciam na
efetivação da autonomia da gestão democrática. O comprometimento dos docentes, ao
buscar novos instrumentos didáticos para atender os mecanismos burocráticos, impostos
pelo sistema de forma centralizada, e o envolvimento desses docentes com processos de
mudanças para adequar o trabalho pedagógico aos indicadores performáticos do modelo de
administração gerencialista, demonstram as influências das avaliações externas e a
apropriação desses mecanismos por parte da escola, indicando, neste caso, a
domesticação e a relativização dos aspectos pedagógicos da autonomia da gestão escolar.
(LIMA, 2013a; 2013b; 2011b; 2007; 2002; SANDER, 2005; MARTINS, 2002)
Da mesma forma, a observação da diretora, que considera a garantia da qualidade
da escola decorrente da intensificação do trabalho com os alunos, nos mostra, na realidade,
um cenário de trabalho docente intensificado, numa proposta de mudança que adiciona aos
procedimentos didáticos necessários para o desenvolvimento do currículo escolar,
instrumentos para atender às avaliações externas e melhorar os indicadores que resultam
destas avaliações. Neste sentido, confirmamos capacidade extensiva das avaliações
educacionais, indicadas por Lima (2011b) como hiperburocráticas:
A avaliação educacional hiperburocrática resulta, deste modo, não apenas da não superação dos mais importantes traços da racionalidade técnico-instrumental que caracterizam a constelação de dimensões a que Weber chamou “burocracia”, mas também da burocratização extensiva e em profundidade do processo educacional, na radicalização da sua obsessão pela escolha ótima, da imposição da performance competitiva baseada em resultados quantificáveis, de novas formas de controlo e de escrutínio da ação dos profissionais, frequentemente representados como corporações
conservadoras e resistentes à modernização. (LIMA, 2011b, p. 79)
A primeira reunião do conselho da escola observada foi convocada exclusivamente
para prestação de contas dos gastos referentes à verba do Programa Dinheiro Direto na
Escola (PDDE) de 2013 e contou com dez membros, dos doze titulares (se ausentaram os
representantes dos alunos e dos funcionários). O pesquisador foi apresentado aos
conselheiros presentes pela diretora da unidade, que fez questão de observar que o
conselho da escola não é por ela presidido e que, por praxe, a escola não elegia o diretor
como presidente: atualmente é presidido por uma supervisora. Observamos que esta
“praxe” não está regulamentada nos documentos da escola e que se trata, portanto, de uma
regra informal praticada pela escola.
121
Nesta reunião, a presidente do conselho de escola relacionou tudo o que foi
adquirido com a verba do PDDE: livros, computadores, gramáticas, dicionários,
calculadoras, tinta para as paredes e para as portas, livros de literatura, esquadros,
compassos, mapas, bandeiras, roçadeira, etc., os cinco mil e seiscentos reais foram gastos
em material de consumo e material permanente – meio a meio, tudo que já havia sido
aprovado pelo conselho. Foi apresentada toda a documentação das licitações das compras
realizadas, item a item adquirido.
Os documentos foram distribuídos aos conselheiros que passaram a analisar cada documento e assinar a aprovação. Neste interim, a diretora, mostrou o livro de atas de reuniões do conselho, com assembleias rigorosamente a cada trinta dias. Também explicou que, após cada reunião, é feito um resumo da ata, copiado e entregue a todos os alunos. (CADERNO DE CAMPO)
Esta explicação da diretora nos remeteu à Tatagiba (2003), que aponta a
transparência e a publicidade de decisões e informações como princípios que devem nortear
as normas institucionais que se regem pelo modelo participativo e democrático.
A diretora também mostrou como é a burocracia para prestação de contas do PDDE,
e como esse processo demanda tempo e dedicação da gestão escolar: “Além de ser muito
burocrático para gastar o dinheiro do PDDE, depois de aprovado aqui, ainda vai tudo para a
Secretaria de Educação, que confere de novo” (DIRETORA). Consideramos, aqui, os
aspectos burocráticos que permeiam os gastos com recursos do PDDE: o Artigo 16 da
Resolução n. 10 do Conselho Deliberativo do FNDE adota os procedimentos estabelecidos
pela Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, que estabelece normas sobre licitações e
contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, compras, alienações e locações no
âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
subordinando ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos
especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, incluindo, desta
forma, a escola pública e fazendo com que a gestão democrática esteja subordinada e
condicionada ao controle e às normas burocráticas centralizadas, mesmo se tratando de
recursos financeiros oriundos de um programa com proposta desburocratizante, como o
PDDE.
Coincidentemente, a segunda reunião tratou de assunto correlato, mas de outro lado:
a segunda reunião do conselho da escola, observada pelo pesquisador, teve como objetivo
estabelecer as regras para verificar o que seria comprado pelo PDDE de 2014: o conselho
122
estabeleceu que todos os segmentos deveriam fazer as suas assembleias para indicar o
que comprar com o dinheiro do PDDE e sinalizou que não aprovaria a compra de materiais
ou equipamentos que a escola já possuía.
Apesar de o PDDE ter sido concebido para desburocratizar o repasse de recursos à
escola e ter se mostrado como programa capaz de vencer a rigidez da administração
federal, estabelecendo uma relação direta entre a esfera federal e a unidade escolar, como
apontam Dourado (2007) e Adrião e Peroni (2007), a análise do caso em questão nos
mostra que as normas burocráticas cercam, delimitam e restringem a destinação de tais
recursos, confirmando, pois, uma relativa autonomia da escola para gerir o dinheiro recebido
do PDDE, como apontam as discussões de Martins (2002), que nos diz que a escola não
goza de autonomia e que os recursos financeiros e o poder de decisão sempre estiveram
centralizados, apesar da análise também confirma que o PDDE redireciona o conselho da
escola como espaço de participação e deliberação, como indicado por Dourado (2007).
Neste caso, nos parecem convenientes as considerações de Tatagiba (2003) que, ao
analisar as possibilidades daquelas reformas educacionais promovidas nos anos de 1990,
considera que elas evidenciam a transferência de responsabilidades e encargos
operacionais para a escola, o que não implica em descentralização dos aspectos financeiros
e de controle de resultados e resulta na autonomia relativa do conselho da escola para gerir
o dinheiro recebido do PDDE.
A terceira reunião do conselho da escola tratou da organização da festa junina da
escola: depois de um longo debate que envolveu o que vender e por quanto vender, os
conselheiros elaboraram uma tabela de preços, registraram na ata e encerraram a reunião.
Apesar de podermos considerar essa terceira reunião como exemplo de deliberação
do conselho da escola, inclusive em questões extra pedagógicas, o conjunto das reuniões
observadas nos remete às análises feitas por Lima (2011a; 2011b) sobre as reformas
gerencialistas do Estado. O autor observa que tais reformas resultam num quadro de mais
gestão para menos democracia.
Parece ser este o quadro que emana das observações das reuniões de professores
e do conselho da escola: um quadro de discussões sobre a efetivação de atividades para
atender às avaliações externas, articulando-as com o currículo escolar prescrito, e
discussões sobre o que comprar ou não comprar, seguindo normas impostas. Discussões
estas permeadas por traços hiperburocratizados, como as avaliações externas, as normas e
prescrições centralizadas, que limitam o exercício da gestão democrática à
123
operacionalização meramente instrumental. Tais constatações nos levam a concordar com
Lima (2011a; 2011b) e a considerar a autonomia da gestão democrática como ilusória e a
participação, que decide o que se pode ser decidido, caracteriza-se como uma participação
conduzida pelas políticas da administração central.
4.4. As entrevistas
Nesta seção, fazemos a análise das entrevistas e salientamos que todos os
entrevistados foram informados sobre a natureza da pesquisa e assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. No caso do aluno, que é menor de dezoito anos, o
Termo foi assinado pela mãe do aluno.
Na entrevista, a diretora relata que a implantação da gestão democrática na escola
se deu a partir de 2007, quando foi eleita como vice diretora. Este ano é marcado pelo início
da gestão escolar, com diretores eleitos, como previsto na LC 22, e com os princípios
democráticos consagrados no primeiro PDME do município, aprovado pela Lei 8.229 de 29
de dezembro de 2005. Em 2010, concorrendo à reeleição, a chapa apresentou como
proposta um plano de ação voltado à consolidação da gestão democrática, participativa,
transparente, fortalecendo o conselho da escola e descentralizando poder (PLANO DE
AÇÃO 2011-2014). Tendo sido reeleita vice diretora, atualmente exerce a direção, em
virtude de a diretora eleita ter se licenciado para ocupar, como titular, a Secretaria Municipal
de Educação.
Em sua entrevista, a atual diretora observa, como dificuldade para implantar a gestão
democrática, o desenvolvimento do hábito de participar das decisões e não assumir de
forma consensual uma decisão coletiva: “a gestão democrática é muito difícil, porque as
pessoas estão muito acostumas a cobrarem e muito pouco acostumadas a participar das
decisões e depois assumir essas decisões.” (DIRETORA)
Esta afirmação nos remete, num primeiro momento, a uma comunidade habituada à
escola fundamentada numa estrutura rígida e hierarquizada, onde as relações se dão com
base na submissão à autoridade do diretor da escola, como aponta Carina (2003). A autora
indica que o conceito de compartilhamento de decisões, ou a divisão de poderes, ainda não
é uma prática, pois a comunidade entende que a autoridade escolar está centralizada e é
exercida pelo diretor, fato compreensível se considerarmos que o papel do diretor é
conferido, pela política pública e que a autoridade do diretor está subordinada à formalidade
do sistema educacional. Ressaltamos, aqui, que a tradição burocrática está impregnada
historicamente na administração pública da educação e produz/produziu relações marcadas
124
pela hierarquização e a subordinação o que, aos olhos da sociedade, com o tempo, atribuiu,
para o dirigente escolar, uma figura de centralização de poder e autoridade.
A constatação de Carina (2003) vai de encontro às orientações da LC 26 (Quadro 3),
que atribui ao diretor da escola as funções relativas ao planejamento, coordenação, controle
e avaliação do trabalho escolar e a representação da escola perante os órgãos da
Administração, não fazendo nenhuma menção ao papel democrático do diretor e aos
conceitos de compartilhamento de decisões e divisão de poderes que permeiam a gestão
participativa e as decisões colegiadas. Numa contextualização destas, a reinvindicação à
autoridade é a forma da comunidade ter seus interesses e direitos atendidos.
Num segundo momento, consideramos a falta de experiência participativa da
comunidade, de interagir e atuar num contexto coletivo de tomadas de decisão: mais do que
um conceito, participar requer prática, e na prática democrática as decisões são coletivas.
Neste sentido, a escola apresenta uma alta taxa de presença dos pais, como confirmamos
nas observações das assembleias com os pais, e ressaltamos o empenho da escola em
manter as assembleias na rotina da escola, como proposta de estratégia de uma gestão
democrática.
A gestão democrática requer o despertar para a partilha de poder, a descentralização
da autoridade, e a valorização da participação que se concretize no envolvimento autônomo
e na consciência de que, participando, pode-se influenciar nas tomadas de decisão. (LIMA,
2013a; ARANHA; MARTINS, 2003; VASCONCELOS, 2011)
Neste sentido, constatamos, pela entrevista, que a direção da escola lidera um
processo que busca a mudança calcada na efetivação do hábito participativo e mantém para
si um papel de guardiã das decisões democráticas:
Então, o que nós fizemos, a partir da instalação efetiva do conselho e desta
gestão colegiada, a gente começou a não tomar decisões sozinhos, em
gabinete, resguardadas aquelas decisões que são da direção da escola,
mas tudo, primeiro, era perguntado para o grupo de professores, pais e de
estudantes, e aí então a gente decidia junto, sempre foi assim. A gente
caminhou bastante. Hoje, as decisões são mais partilhadas. Mas muitas
vezes, a gente ainda tem que fazer valer aquela coisa assim: mas vocês
votaram! E muitas vezes a gente ouve assim: perdi e não quero fazer desse
jeito! (DIRETORA)
125
Apesar da fala da diretora indicar a partilha de decisões, ela ainda resguarda, para si,
as decisões pertinentes ao cargo e as explicita como sendo aquelas assinaladas pela
legislação, como a responsabilidade de representar a escola perante os órgãos oficiais,
presidir o caixa escolar e controlar o trabalho, confirmando, assim, novamente, os
apontamentos de Carina (2003) sobre a prática de uma a autoridade tradicionalmente
burocrática, subordinada à hierarquia do sistema e oficialmente instituída pelas políticas
públicas.
Se considerarmos que a legislação também dá autonomia ao conselho da escola
para deliberar sobre todos os assuntos relativos ao ensino e que essa mesma legislação
omite a responsabilidade do dirigente em relação à gestão democrática, tal discurso da
diretora nos revela uma contradição instituída pela regulamentação que compromete as
relações institucionais da escola e a conduzem para o exercício da autoridade, ainda
latente, como tradição, na legislação educacional.
Por outro lado, quando a diretora fala sobre a não aceitação das decisões por parte
de alguns atores, verificamos a existência de um quadro de participação ao qual Lima
(2013a) se refere como convergente e divergente. Num contexto de decisões coletivas, não
assumir a decisão tomada coletivamente é ato de contestação, de divergência à decisão
tomada, de opor-se às propostas, mas também é uma forma de colocar-se na minoria que
participa de forma divergente e, gerando conflito, enriquece o processo de democratização.
A gestão democrática não pode calcar-se na imposição indiscutível da decisão da
maioria e na admissão consensual de todos: para Lima (2013a), no processo de mudança
de renovação, a participação divergente não é, necessariamente, uma oposição ao
desenvolvimento, ou um sinal de desinteresse à participação. Declarar a divergência é uma
forma de participar. Como diz o autor, uma vez consagrada e decretada a participação, para
a gestão democrática, a não participação é o problema, pois implica numa opção voluntária
de não participar, ou numa não participação induzida, o que não parece ser o caso, dado o
empenho e a proposta da direção de efetivar a participação e descentralizar as decisões da
gestão.
O mecanismo apontado pela diretora para descentralizar as decisões e fortalecer a
participação foi as assembleias de segmentos. A diretora relata que as assembleias foram
instituídas para elaborar o PPP, no entanto, esse mecanismo é usado frequentemente pela
escola sempre que uma decisão que implica o coletivo precisa ser tomada: as observações
revelaram que as assembleias são convocadas para eleger membros do conselho da
escola, para avaliar e mudar o PPP e para discutir a destinação de verbas.
126
Quanto à autonomia, a diretora declara que “Dentro do município a gente tem uma
autonomia até bastante grande: a gente brinca que tudo aquilo que não fere a lei a gente
pode fazer” (DIRETORA), no entanto, se considerarmos Lima (2013a, 2007), e o conceito de
autonomia relativa, que se define na limitação da autonomia da escola por mecanismos
legais, criando margens funcionais que mantêm a escola num quadro de submissão,
consideramos que a entrevistada revela que sua autonomia está limitada ao cotidiano
operacional da escola e às questões instrumentais, típicas das unidades periféricas do
sistema, confirmando, assim, a relativização da autonomia da escola que a análise dos
documentos e das observações já havia nos relevado:
[...] nós temos que cumprir duzentos dias letivos e oitocentas horas, isso
não é discutível, mas eu posso determinar o cumprimento de uma carga
horária num sábado, num determinado tipo de evento, eu tenho autonomia
pra isso! Eu tenho autonomia para gerência de projetos. Eu tenho
autonomia de participação, ou não, em eventos. Nisso tudo a gente tem
autonomia. A gente tem autonomia de gerência de turmas, por exemplo:
que professor vai estar em qual turma. Sempre resguardando a questão
legal, né! O professor é concursado para aquilo e tem tais direitos legais.
Autonomia de mudança de professor de turma, isso é uma gerência da
própria escola. Da necessidade de gerência na mudança, mesmo de um
funcionário operacional: eu preciso dele num determinado horário, ele vem
para trabalhar de manhã, cabe à escola determinar como será o horário de
manhã, de sete a uma e de oito às duas horas, a gente tem essa
autonomia, por exemplo. (DIRETORA)
Ao se referir às decisões colegiadas, a diretora se referiu a todas as decisões que
dizem respeito a gastos de verbas e também às decisões que interferem na vida do aluno e
citou, como exemplos, a organização da festa junina, os gastos das verbas oriundas do
FNDE e o controle do caixa escolar.
A fala da diretora nos remete a Lima (2013a), que considera que a participação
direta, em níveis intermediários e operacionais, tem se tornado uma tendência em áreas
com certa autonomia, mas ressaltamos que esta “certa autonomia” está restrita aos
aspectos pedagógicos, típicos do domínio operacional escolar, como a revisão/alteração do
PPP, no que se refere ao processo de recuperação dos alunos, a aspectos financeiros, no
que se refere à decisão da destinação da verba e à prestação de contas do PDDE, que foi
gasto segundo prescrições e controles externos.
127
Indagada sobre como era a participação, a diretora relatou que, quanto mais novo o
aluno, mais a família participa. Também relatou que os segmentos, assim como o conselho
da escolha, têm reuniões mensais:
Mas geralmente as pessoas são bem participativas. Normalmente, em todas
as reuniões por segmento, sempre tem alguém do colegiado. No bilhete que
a direção manda avisando da assembleia, a gente já avisa o assunto e, se
for o caso, a gente fala que nos assuntos a serem abordados está a eleição
daquele segmento para o colegiado, desta forma as pessoas vêm para a
reunião sabendo que será abordado esse assunto. (DIRETORA)
As reuniões do conselho da escola são à noite porque os pais não podem durante o
dia e a diretora confirma a participação de pais, funcionários administrativos, de funcionários
operacionais, de professores e de alunos, mas observamos, pela entrevista, que os
professores e funcionários não são remunerados por trabalho extra e os alunos que
participam do conselho têm mais de 16 anos e são do ensino médio. Os alunos menores de
16 anos são representados no conselho da escola pelos pais. Quando indagada sobre como
ocorria a participação da comunidade, a diretora se referiu à comunidade escolar e aos pais:
Nossa comunidade é difusa, porque a gente tem alunos da cidade inteira.
Então a gente não tem uma comunidade. Tenho muitos alunos aqui dos
bairros mais próximos, mas temos também alunos da cidade inteira. Então a
comunidade do colégio é uma comunidade de pais de alunos, não é uma
comunidade geográfica, da região da escola, e são esses pais que
participam. (DIRETORA)
Quanto à presidência do conselho da escola, a diretora relata a proposta inicial, com
o plano de trabalho com o qual foi eleita, de descentralizar o poder. No entanto, a prática em
que o diretor não preside o conselho, não se mostra nos regulamentos do sistema e nos
regimentos e estatutos da escola, o que caracteriza tal prática como informal.
Diretor e vice da escola só presidem o caixa escolar, e o caixa escolar é um segmento dentro do conselho. O caixa escolar é de responsabilidade da direção da escola, pois ele é vinculado a uma conta bancária, assim é o diretor que assina cheques, em conjunto com o tesoureiro, e esse não pode ser outra pessoa, a não ser o diretor da escola. Mas o conselho é dirigido por outros. Desde que a gente assumiu essa era uma proposta que agente
128
brincava com os meninos assim: não dá para ser prefeito e presidente da câmara. Então a gente tem que ter o prefeito, mas a câmara tem que ser dirigida por outra pessoa. Assim que a gente ensina para os meninos. A gente é o prefeito, mas o presidente da câmara tem que ser outro. (DIRETORA)
Observamos nesta fala, também, que a metáfora “Assim que a gente ensina para os
meninos. A gente é o prefeito, mas o presidente da câmara tem que ser outro.” (DIRETORA)
pode ter um duplo sentido: ao mesmo tempo em que a diretora enfatiza que o cargo
executor não pode presidir, também, o conselho da escola, enquanto arena deliberativa. A
metáfora mostra a possibilidade dos “meninos” entenderem que existe hierarquia entre eles,
a direção e o conselho da escola, o que pode indicar uma contradição, tendo em vista
Tatagiba (2003), que considera, como pré-requisito para o modelo democrático de gestão, a
igualdade entre os atores.
Ao falar sobre a participação dos professores na elaboração do PPP, a diretora usou
como exemplo as decisões sobre as atividades que seriam desenvolvidas e o calendário
dessas atividades para 2014, e também na revisão feita no PPP, que implicou na
implantação de uma avaliação processual (até então a escola fazia somente recuperação
nos finais de semestres): “[...] hoje eu fiquei muito feliz porque a gente jogou para o grupo a
questão de como resolver o nosso problema de recuperação processual.” (DIRETORA).
A fala também mostra o desencadear da responsabilização provocada pelas
reformas de 1990, confirmando o que diz Tatagiba (2003): as reformas podem significar a
desresponsabilização do Estado, que transfere responsabilidades e encargos operacionais
aos atores da sociedade civil, o que não necessariamente implica em descentralização dos
aspectos financeiros e de controle de resultados. Como diretora, detentora da atribuição de
representar a escola, a diretora transfere para a coletividade a responsabilidade de resolver
problemas operacionais relativos à recuperação dos alunos, visando atender às avaliações
externas. Neste sentido, a entrevista também mostra evidências dos efeitos das avaliações
externas sobre os processos pedagógicos da escola. A diretora relata que os professores
usaram de um tempo destinado a um projeto de estudos, denominado de “Eu estudo, tu
estudas”, para debater sobre a adoção da recuperação processual.
[...] não adianta eu recuperar o aluno de notas, se depois ele vai ser
avaliado de outras formas. O colégio tem um bom desempenho frente às
avaliações externas, mas o que eu tenho que fazer para isso não cair. Às
vezes, é mais difícil manter do que subir. Eu acho que as avaliações
externas são necessárias, são boas, elas não podem ser só o único objetivo
129
da escola, senão a gente vira robô, mas acho que elas são um parâmetro
indispensável para a escola, enquanto gestão, o quê que eu to fazendo
bem, o quê que eu to fazendo mal [...] (DIRETORA)
Nesta afirmação da diretora temos quatro considerações que nos levam a
determinar, segundo Ball (2004) e Sander (2005), um pressuposto de colonização dos
aspectos pedagógicos da escola por parte das avaliações externas: a escola tem um bom
desempenho nas avaliações externas e se preocupa em adotar medidas pedagógicas para
que o desempenho não caia; que estas avaliações não são o único objetivo da escola; que
tais avaliações constituem um parâmetro para avaliar a gestão; e que tais avaliações,
segundo Lima (2011b), adquiriram dimensões hiperburocráticas, de forma extensiva e em
profundidade, a ponto de, no caso em questão, colonizar a fala da diretora e submeter a
escola e os seus procedimentos didáticos, configurando, pois, um cenário que exemplifica a
responsabilização desencadeada pelas reformas de 1990.
A fala da diretora também revela fatores interessantes quanto à autonomia.
Especificamente, quanto à gestão dos recursos humanos, a diretora revela não ter nenhuma
autonomia, dada as características da administração pública. Quanto à autonomia financeira
e as decisões sobre o uso dos recursos da escola, a diretora mostra preocupação com o
destino do dinheiro e o seu uso com materiais desnecessários.
A diretora declarou ter autonomia para gerir os recursos do PDDE, mas fez
observações que se trata de verba com destino predefinido e sob o controle do sistema, o
que nos remete a considerar uma autonomia financeira relativa da escola, com base em
Muranaka e Minto (2002), que afirmam que autonomia financeira está condicionada aos
valores definidos pelo governo central e que devem ser gastos com despesas predefinidas,
mas também em Martins (2002), que nos diz que, na atualidade, a palavra autogestão
desapareceu, tal como desapareceram os eixos centrais conferidos à autonomia (os
conselhos gestores e a auto avaliação institucional) e, no discurso político das reformas dos
anos 1980 a 1990, a autonomia passa a ser associada aos procedimentos administrativos e
financeiros que ampliam os encargos e responsabilidades das escolas públicas; e em Lima
e Afonso (2002), que acrescenta que a questão não pode ser entendida somente em
critérios nominalistas e na boa fé em relação ao discurso sobre autonomia na escola,
considerando a ambiguidade entre o discurso político e as normas e regulamentações.
130
[...] vai vir muito dinheiro. Nós conseguimos desenvolver aqui no colégio o
sentimento de prezar e manter o que tem. A gente vai chegando num ponto
que você fala assim, que eu vou fazer com esse dinheiro, para que ele seja
bem empregado, para que eu não fique simplesmente trocando tecnologia
por trocar e que ele seja mesmo indispensável. Então, como fazer? Nós já
começamos a receber o dinheiro do FNDE, no caso, do Programa Dinheiro
Direto na Escola. Aí a gente começa a pensar. (DIRETORA)
A diretora enfatizou a horizontalização das relações de trabalho, que só foi possível
com o advento da gestão democrática: “Eu brinco dizendo que quando eu comecei a
trabalhar, eu chorei na diretoria e eu era professora concursada. Você vinha achando que
tava fazendo uma coisa boa, a direção não concordava e ela tinha capacidade de te fechar
na sala e te dar bronca, feito criança. Certo! Você não tinha argumento. Não podia
argumentar”.
Observamos que, a horizontalização das relações de trabalho, no interior da escola,
propiciada pela gestão democrática, não sinaliza, com efeito, a redução da hierarquia
existente entre a escola, enquanto unidade, e o sistema, enquanto agente centralizador das
políticas de planejamento, controle e avaliação; no entanto, a horizontalização percebida
pela diretora demonstra a potencialidade da democratização da gestão, no que se refere à
dinamização dos processos de participação coletiva e distribuição da autoridade que,
outrora, estava centralizada na figura do diretor.
Neste sentido, podemos afirmar que, no interior da escola, se confirma a proposta de
horizontalização e de descentralização nas tomadas de decisão, como nos indicam Silva
(2011) e Nohara (2012), mas não por força da política de administração gerencialista, e sim
por efeito da democratização da gestão escolar; já em suas relações externas, como nos diz
Krüger (2012), a escola mantém-se verticalmente submissa à administração pública, de
tradição burocrática e prática centralizadora.
Apesar desta submissão da escola à administração centralizada, o professor
entrevistado mostra uma visão otimista em relação à gestão participativa: o professor
entrevistado atua há 29 anos e ministra aulas de geografia e história. Há 22 anos é
professor na escola pesquisada, tem uma carga horária de 44 aulas semanais, trabalha com
17 turmas e cerca de 530 alunos e, com toda essa carga de trabalho docente, é membro do
conselho da escola e tem uma visão otimista da gestão participativa. Faz a seguinte
avaliação da gestão democrática:
131
Não poderia ser melhor. Quando acontece o envolvimento entre direção,
professores, funcionários e sociedade, tem tudo na escola para melhorar a
qualidade do ensino e o aluno será, também, mais assistido. A gestão
democrática traz a sociedade pra participar, a gente enxerga isso e isso
fortalece a escola. Mas tem uma coisa, se os professores não enxergarem
essa participação, essa chance da escola se fortalecer, tenho certeza que
não aconteceria. Hoje, a escola precisa dessa participação. (PROFESSOR)
Apesar deste otimismo, temos que salientar, de acordo com a análise dos
documentos e das observações, que a escola não regulamenta e não tem a participação da
comunidade local, fato que nos leva a considerar, na fala do professor, somente a
comunidade escolar.
O professor refere-se à gestão democrática como uma forma de participação aberta
e valoriza a liberdade que esta gestão proporciona e o respeito com que os professores são
considerados. Para o professor, o conselho da escola tem poder de interferir em todos os
assuntos da gestão escolar e sempre tem “a palavra final”, propondo e censurando
propostas da direção: “Ele tem e a palavra final é (enfaticamente) do colegiado, senão não
tem porque ele existir, né? Se ele não tiver participação e não tiver voz e, então não tem
porque existir”. (PROFESSOR)
Esta perspectiva do professor vai de encontro à discussão de Bastos (2012) sobre a
existência de um conselho da escola atuante, configurado como instância coletiva destinada
à participação nas tomadas de decisão. Para o autor, o conselho da escola representa e
viabiliza a participação da comunidade na gestão da escola e deve ser concebido como
espaço de discussão, negociação e instância decisória. Neste sentido, enquanto
representantes eleitos, os conselheiros devem agir segundo as determinações de cada
segmento, discutindo, acompanhando e deliberando coletivamente sobre as demandas que
se fazem necessárias na escola.
Quanta a relação entre o colegiado e a direção, o professor se refere a um clima
amigável e de companheirismo, onde há a possibilidade de divergência, mas também há a
preocupação em manter a harmonia: “É uma relação assim: para somar na direção, não é
para dividir”.
Confirma a participação dos segmentos da comunidade escolar (professores, alunos
pais, direção, especialistas, funcionários administrativos e operacionais), mas ao se referir à
132
comunidade local, o professor desconhece a participação de segmentos externos à escola,
confirmando, portanto, a não participação deste segmento.
Quanto à eleição de diretor e a composição do colégio eleitoral, o professor relata
que somente alunos maiores de 14 anos podem votar e nem todos comparecem à votação:
A eleição é livre. O voto não é obrigatório. Professores, todos os
funcionários, alunos, nem todos, é uma representação de alunos, porque só
vota aluno com mais de quatorze anos, e pais de alunos. Ah, quem for votar
tem que se cadastrar no colegiado antes da eleição. Aqui no colégio, foram
mais de mil votos na última eleição de diretor. (PROFESSOR)
Também confirma a eleição dos membros do colegiado pelos segmentos, mas
também aponta a aclamação como forma de escolha dos representantes, e indica que a
aclamação é uma forma “mais interessante”:
Aclamação também acontece. Uma coisa também, Mário, é um se
candidatar... se dois, três se candidatarem, aí sim tem eleição com voto,
senão, se for só um candidato, vai por aclamação. Um só vai por
aclamação. E pra te falar a verdade, a gente até procura combinar que seja
só um candidato, mas nem sempre acontece. Os professores, por exemplo,
são muito unidos, procuramos sempre formar um grupo. Aí combinar por
aclamação é mais interessante. (PROFESSOR)
As reuniões do conselho da escola são no período noturno devido à impossibilidade
dos pais participarem se a reunião for durante o dia. Assim, os professores que fazem parte
do conselho da escola atuam, enquanto conselheiros, de forma voluntária.
Segundo o professor, ele e os demais professores (divididos nas áreas de
comunicação, ciências exatas e ciências humanas) participam da elaboração e da revisão
do PPP e por ser um tema que envolve toda a escola, todos na escola são envolvidos, ao
final de cada ano letivo, nestes processos de elaboração e revisão do PPP.
Se observarmos a fala do professor e o que dizem Tatagiba (2003), Ribeiro (2006),
Souza (2011), Pereira (2012), Wrege (2012) e Lima (2013a), sobre a importância de a
gestão escolar democrática valorizar os processos coletivos de participação, principalmente
nas tomadas de decisões que envolvem o PPP, devemos considerar que a escola atende e
133
pratica este pressuposto, ao envolver tanto os professores quanto os demais segmentos da
comunidade escolar nos processos de elaboração e avaliação do PPP.
Para o professor, o planejamento e a prestação de contas dos gastos dos recursos
financeiros são coordenados pela direção, no entanto, o conselho da escola avalia este
planejamento e fiscaliza a prestação de contas.
Quanto ao valor dos recursos destinados à escola, o professor considera que tais
valores têm sido suficientes, mas observa que tais recursos têm finalidades determinadas, e
dá testemunho de que alguns itens de materiais já foram adquiridos e não são mais
necessários, o que está levando a escola a questionar em que gastar, para não incorrer em
excessos e, ao mesmo tempo, aponta necessidades que não dispõem de recursos:
Tem necessidade de recursos para a manutenção. Nós estamos num prédio
velho que precisa de muita atenção quanto à manutenção. O espaço da
escola é ótimo, mas é um prédio antigo, histórico. Não vem recursos para a
manutenção do patrimônio. Os recursos já são direcionados: ou é material
ou é imaterial, bens duráveis ou não, mas dentro das regras onde se pode
gastar. Eu acho que vai chegar um tempo onde a escola vai ter um excesso
de material, porque é dinheiro que vem para a compra de material que você
não precisaria ter. Mas como o dinheiro tem de ser gasto em determinadas
coisas, até mesmo a diretora tem dificuldade: - o que nós vamos fazer com
esse dinheiro? Já temos todos esses materiais que esse dinheiro é
destinado para comprar, e já temos esse material disponível. E não PODE
(enfático) ser gasto em outro setor. Nós temos coisas novas aqui, dentro de
caixas, sem uso: caixas de som, brinquedos, filmes, computadores, data
show, DVD, tudo novo, disponível, por exemplo. (PROFESSOR)
O depoimento do professor vai de encontro à fala da diretora, e reforça um exercício
relativo de autonomia financeira da escola: são necessários recursos para manutenção, mas
os recursos que chegam à escola são direcionados e não podem ser usados para este fim.
Além disso, o professor, tal qual a diretora, demonstra preocupação com gastos
desnecessários, o que nos mostra que as políticas financeiras controladas externamente,
como a do PDDE, carecem de revisão, de forma a propiciar à escola maior autonomia para
gerir suas reais necessidades.
Desta forma, somos levados a considerar a ideia de autonomia dada segundo os
limites das normas externas, que relativizam as possibilidades de decisões no âmbito da
escola, e a ver a descentralização como mera transferência de responsabilidades e
encargos (OLIVEIRA, 2002) que não implicou em democratização, pois: a) confirmamos o
134
que diz Shiroma (2009), que considera que os processos de descentralização, no caso
brasileiro, se caracterizaram pela desconcentração de responsabilidade e pelo poder
limitado no que se refere às tomadas de decisão ordinárias, relativas às questões próprias
da gestão do cotidiano escolar; b) confirmamos as considerações de Lima e Afonso (2002)
sobre o discurso da descentralização que, na prática, delegou às escolas a gestão dos
conflitos e às responsabilizou pela execução de orientações políticas centralizadas, sem
permitir a legitima participação popular na elaboração dessas políticas e sem admitir que
elas poderiam/deveriam ser assumidas pela escola; e c) confirmamos os aspectos
gerencialistas que centralizam decisões, prescrevem normas e controlam as atividades, tal
como descreve Lima (2013a), caracterizando uma administração burocrática, ou como
hiperburocrática, (LIMA, 2011b), dado o grau de intensificação e a amplitude dos
mecanismos de controle da administração pública.
Apesar desta consideração, a mãe de aluno também mostra uma visão otimista em
relação à gestão democrática: mãe de um aluno de oito anos, a entrevista está no conselho
da escola desde que o filho estava na educação infantil, estando, pois, no segundo mandato
de conselheira. Ao falar da gestão democrática, ressalta como ponto positivo a iniciativa da
gestão da escola quanto à abertura para que todos possam dar opinião: “A escola deixa de
ser segredo, né?”. Segunda a entrevistada todos na escola participam da revisão do PPP
(pais professores, alunos).
Eu acho que o colégio municipal é uma escola democrática. Por exemplo, todos aqui chegam pra... pra conversar, sempre. Pra começar, o projeto da escola, a gente participa, ouve, dá opinião. Eles ouvem todo mundo: professores, pais, alunos. Isso é bom porque a gente fica sabendo como é a escola que o filho da gente tá fazendo. Tem reunião no começo do ano, todo mundo conversa e vê o que tá dando certo, o que pode melhora. A gente dá a opinião da gente. Os funcionários também dá opinião, e isso é bom porque a gente fica conhecendo tudo que acontece na escola. Então é uma escola democrática, sim. Tem abertura pra todo mundo, né. (MÃE DE ALUNO)
Observamos que a fala da mãe mostra o princípio participativo do modelo
democrático que, segundo Tatagiba (2003), fundamenta-se no diálogo entre os sujeitos
como pré-requisito para as deliberações coletivas. Segundo o relato, e calcados em Lima
(2013a), podemos observar que o espaço da gestão democrática é propício ao ouvir e ao
dar opiniões, o que nos revela um grau de envolvimento em relação aos objetivos da escola
e a consciência da possiblidade/capacidade de influenciar nas tomadas de decisão, o que
nos leva a determinar a prática de uma participação ativa por parte da mãe.
135
Em sua entrevista a mãe de aluno confirma que os membros do conselho da escola
são escolhidos por seus pares e que a presidência do conselho não é exercida pela diretora:
“Teve uma época, aqui, no tempo pra trás, que era a diretora. Mas agora, hoje em dia, não é
mais. As últimas duas foi supervisora”. (MÃE DE ALUNO)
Tal como a diretora, a mãe de aluno mostrou uma fala impregnada pelo discurso das
avaliações externas (BALL, 2004; SANDER, 2005) e, ao opinar sobre as avaliações
externas e o desempenho da escola, relatou a preocupação da escola com a queda
observada no indicador do IDEB da unidade, o que implicou em alterações nos processos
de avaliação e de recuperação dos alunos:
Parece que é bão. O povo fala que vai bem. Diz que caiu um pouquin. A gente tava conversando esses dias, ai eles tão preocupado. Tão correndo atrás pra recuperar. Querem mudar o jeito de fazer recuperação, pra ver se melhora. [...] Então. Teve uma reunião com os professores. Parece que eles não querem deixar os alunos perder essa avaliação. Agora tão falando que é melhor pro aluno fazer mais de uma avaliação. Não deixar o aluno fazer só uma prova. Eles chama de processual. Mais ampla, avaliar o aluno sempre. Acho que é assim. Não é pra parar só numa prova escrita. Vai que naquele dia o aluno não tá bem. Então tem que avaliar sempre. (MÃE DE ALUNO)
Também confirmou a atuação do conselho da escola nas decisões sobre os gastos
dos recursos financeiros: “Ah, eles levam pro conselho, passa tudo. A diretora e o tesorero.
O conselho olha, vê tudo ali. Lá no conselho que a gente vê tudo e aprova.” (MÃE DE
ALUNO), no entanto, a entrevista demonstra a limitação da gestão da escola ao dizer que:
[...] eles falam que esse dinheiro não pode usar em reforma do prédio. Eles fala que o conselho decidir fazer uma reforma, não pode. Tem que ser a prefeitura pra fazer. Então já é mais complicado. Porque é eles que tem que fazer. Tem os pequenos lá em cima, ai a gente quer fazer alguma coisa pra eles ficar mais protegido, não pode, né. Tem que esperar a prefeitura. É mais complicado. Então não depende só da gente decidir. (MÂE DE ALUNO)
A entrevista com a mãe de aluno confirma que as funções deliberativas e consultivas
do conselho de escola, regulamentadas formalmente pelos documentos municipais, fazem
parte da prática gestora da escola, no entanto, está formalidade não garante a autonomia da
escola, que se mantém atrelada aos regulamentos que orientam os gastos financeiros.
136
Já a entrevista com a funcionária nos revelou a prática processos informais,
principalmente em relação à eleição de representantes para o conselho de escola. A
funcionária trabalha há quinze anos na escola e é membro do conselho da escola há dois
anos. A entrevistada revela que não foi eleita para o conselho e sim convidada, pois não
havia outra pessoa do segmento interessada em participar. Esta colocação nos leva a
questionar a supressão da eleição e prática de “nomeação-convite” e considerar tal
processo como irregular, tendo em vista a eleição como instrumento da democracia e sua
relevância na democratização das instituições escolares públicas, principalmente no que se
refere às tomadas de decisão no contexto das relações escolares, como defendem Dourado
(2013) e Paro (2003b). Como já apontamos na análise dos documentos, os quais não
regulamentam a participação, ressaltamos que a não regulamentação pode gerar uma
participação limitada a alguns atores, como aponta Lima (2013a).
Em sua entrevista, a funcionária diz que o conselho se reúne regularmente uma vez
ao mês e que todas as decisões são tomadas no conselho e que os conselheiros têm
liberdade para se manifestar. Quando questionada sobre a importância das decisões
tomadas pelo conselho, a entrevistada enfatizou as decisões que implicam nos gastos e
prestações de contas dos recursos financeiros de que a escola dispõe.
Olha, eu vou falar a verdade pra você. Eu sinto assim muito orgulhosa,
porque... eu acho, assim, que tudo, tudo, tudo que eles fazem, tudo, tudo da
gestão deles a gente participa mesmo, certo? Eu principalmente, sou uma
das que mais participa das coisas. Eu acho assim, que é ótimo, que é muito
boa essa gestão. Se continuar assim, do jeito que tá aí, tá bom.
(FUNCIONÁRIA)
Confirmou que o conselho atua na aprovação e fiscalização dos gastos dos recursos
financeiros, mas observou que “leva tamém aquela papelada depois, pra prestar conta. Aí é
mais complicado, porque não entendo daqueles papéis e dos números que eu não sou boa”.
(FUNCIONÁRIA)
A entrevistada também confirma que atua como representante de seus pares e
sempre conversa com eles e os ouve. Quando questionada sobre as eleições para a
direção, ela relata que já participou de duas eleições e que, neste ano, faz parte da
comissão eleitoral, pois é membro do conselho da escola. A funcionária relata que as
eleições são tranquilas, pois todos são muito unidos, e que geralmente não há necessidade
de se fazer campanhas eleitorais “[...] porque a gente já conhece todo mundo, entendeu? E
137
os pais já conhece todo mundo tamém, aí já vota todo mundo mais do mesmo jeito,
entendeu?”. (FUNCIONÁRIA)
Esta afirmação da funcionária vai ao encontro das nossas observações, que
revelaram um grau de participação e convergência dos interesses dos grupos segmentares
em torno das decisões tomadas, no entanto, a análise, até este ponto, mostra que as
decisões estão envolvidas pelos mecanismos hiperburocratizados, como as avaliações
externas, as normas e prescrições centralizadas, condicionando tais decisões ao que é
permitido pela administração central.
Quando foi indagada sobre o PPP, a entrevistada relata que sempre “Eles passam
pra gente. A gente tem reunião todo ano por isso. Principalmente quando tem coisa
importante, eles chama a gente pra passar pra gente... Aqui no colégio a gente não tem
nada pra reclamar, principalmente do diretor, e nem de professor.” (FUNCIONÁRIA), o que
nos remete a confirmar, segundo Tatagiba (2003), que a transparência, enquanto princípio
democrático, é uma prática da gestão da instituição, assim como o chamado à participação.
Esta visão, que salienta a importância de participar na revisão do PPP, não se
evidencia na entrevista do membro da comunidade, que desconhece o esse documento, no
entanto, ressaltamos que o entrevistado não participa do colegiado, como membro efetivo,
porque os horários de reunião são à noite, o que para ele, é horário de descanso, de estar
em casa. Ele se compromete, ajuda, mas de forma espontânea e durante o dia. Por isso,
limita-se a ajudar em pequenas obras e consertos. Às vezes ele é convidado a participar de
reuniões do conselho da escola, e comparece, para orientar sobre a necessidade de
reformas, indicar como fazer e o que comprar, o que nos leva a considerá-lo como
colaborador, mas enquadrado num contexto voluntário de não participação. (LIMA, 2013a)
Lembramos que o PDME delega à unidade escolar a competência de estabelecer a
composição do conselho da escola em seu estatuto, e que o estatuto do conselho da escola
pesquisada não prevê a representação da comunidade local, o que nos leva a considerar,
segundo Lima (2013a), a não participação imposta à comunidade local, além da não
participação voluntária.
Por estar em contato com os processos de manutenção, o membro da comunidade
conhece a rotina da escola no que tange aos recursos e aos gastos, e se refere às
discussões promovidas para orientar os gastos:
138
Eles falam muito isso. Eles fica um tempo discutindo no que vão gastar. Gasta tudo aqui mesmo. Com coisas pros alunos, maquinário eletrônico, livro, essas coisas. Que eu saiba é o que eu já ouvi aqui. Toda vez que eles quer comprar material, isso aquilo, se eles tem, eles não negam. Só que aí, na maior parte das vez, eles fala do dinheiro do caixa da escola. Se tem, vão junto comprar, compra, são preocupado com nota, traz as notas. Tudo muito direitin. A escola tendo o seu dinheirin, facilita, né. Até tenho que falar com a diretora, porque tá faltando lâmpada fluorescente, reator, aí ela vai ter que gastar do caixa da escola, porque se pedir na prefeitura, e se
chegar, vai demorar, aqui tem aula de noite né, não pode ficar no escuro. (MEMBRO DA COMUNIDADE)
Neste ponto, a entrevista demonstra que o “dinheirin” do Caixa Escolar, que é gerido
pela própria escola, propicia certa autonomia para que a gestão possa lidar com pequenos
reparos, no entanto, se considerarmos a escola enquanto patrimônio público, nós devemos
considerar a responsabilidade do erário público e salvaguardar o uso do Caixa Escolar.
O entrevistado mostra conhecer a escola, suas virtudes e necessidades. Ao avaliar a
gestão da escola, ele faz alusão aos elogios que a escola recebe por trabalhar a gestão de
forma participativa, e quanto à eleição de diretor e à atuação do conselho da escola,
comenta:
Ah, pelo menos a pessoa, teno uma visão de administração, é o básico, né. Escola tem que ter, né. E essa aqui é muito grande e dá muita dor de cabeça. Pra uma pessoa só, é muita coisa. Acho que pra uma pessoa só, assimilar tudo, deve dá o que fazer. Então essa história de eleição na escola eu acho bão, porque movimenta, né. E o povo da escola pode escolher o melhor, já que é eles que tá aqui todo dia, né. E é um jeito, tamém, de todo mundo ver o trabalhão que dá administrar uma escola grande dessas, né? [...]Eu acho que, pra ser diretor aqui, ele tem que conviver aqui dentro, né. Não pode vim de fora. Se for daqui fica mais fácil. Assim ele pega o fio das coisas mais fácil. E já conhece todo mundo, né, fica mais fácil de trabalhar. Se fosse alguém de fora, que não conhecesse aqui, seria muito mais difícil, e muito. Não conheceria o colégio, né. (MEMBRO DA COMUNIDADE)
Ao ser questionado especificamente sobre o processo da gestão democrática na
escola, o entrevistado associou este modelo de gestão com eleição, mas observou: “É esse
jeito de eleição, né? [...] Mas não é só eleição não, aqui eles fala que tem que ter eleição,
mas não adianta só a eleição. Já vi muito aqui eles fala que tem que participar. É ajudar, né,
não deixar um só faze as coisas. E é verdade, porque uma escola grande dessa uma
diretora só não dá conta, os outros têm que ajudar tamém, né.” (MEMBRO DA
COMUNIDADE)
139
Quando avalia o seu relacionamento com direção da escola, faz menção sobre
como, nos últimos anos, o relacionamento melhorou, período este que coincide com o início
da gestão com diretores eleitos: “Olha meu filho. Já vi muita coisa ruim nesse mundo. E eu
tenho minhas divergência. E nesses último oito ano, isso aqui tá uma maravilha. Nessas
parte de administração aqui, tem ido muito bem, tem dado certo”. (MEMBRO DA
COMUNIDADE)
Também mostrou conhecer como é o processo para obter recursos e ajuda do poder
público quando a escola, o que nos revela uma dependência da escola em relação ao
sistema. Quando o trabalho ou o serviço “é grande... Ah! Aí eles depende da prefeitura. Aí
você já sabe. Quando eles faz alguma coisa, quando faz (prolongando a fala), heim, demora
mais de um ano, dois anos.” (MEMBRO DA COMUNIDADE)
Caracterizado pela não participação (voluntária e imposta), o membro da
comunidade não é única exceção à participação ativa que predomina entre os demais
segmentos: a entrevista com o aluno nos revela, também, a não participação imposta à
maioria dos alunos, que tem menos de 14 anos.
Mas o aluno, que é representante do segmento no conselho d eescola, nos revela
que nem todos os alunos conseguem ter voz na gestão democrática e atribui esse fato à
quantidade de alunos:
Muitas pessoas que querem dar sua opinião, acho que não conseguem. Aqui tem muito aluno. Nem todo mundo consegue dar sua opinião. Não sei se é porque não querem, ou por medo, mas, não. [...] Muitos alunos, nem todos conseguem falar. Tipo assim, a gente, que já é maior consegue participar. Mas nem todo mundo. Falar com os supervisores, assim, é isso. (ALUNO)
No entanto, analisamos que a legislação municipal não permite a participação de
alunos menores de 14 anos, tanto na eleição de diretor e vice diretor, como no conselho da
escola, o que restringe a atuação destes alunos à representação por seus pais ou à
representação por parte de um aluno (entrevistado) que estes menores não elegeram.
O aluno confirma a atuação do conselho da escola:
Tipo assim: o colegiado organiza tudo, tipo a festa junina. Colegiado controla a divisão do dinheiro. Manda papel pra todo mundo explicando
140
como gasta o dinheiro. É tudo registrado direitinho e o colegiado é que controla tudo. O colegiado ajuda todo mundo ver, todo mundo saber como as coisas tão acontecendo, como tá a organização da escola. (ALUNO)
O aluno dá importância às avaliações externas e também se mostra colonizado pelos
indicadores dessas avaliações, considerando-as necessárias como mecanismo de teste
para a qualidade de ensino ofertada pela escola: “Acho muito boa. Acho ótimo. Acho muito
bom. É pra testar, né. Pra testar os alunos, pra testar o ensino e a escola, eu acho bom por
causa disso” (ALUNO) e, ao avaliar a gestão democrática, considera que a participação é
uma forma de aprendizado: “Eu acho que faz bem. Tipo, no que a escola está envolvida os
alunos também são. Os alunos já vai aprendendo, quem gosta participa, quem não gosta
acaba aprendendo, mesmo assim. Acho muito bom. É uma escola boa, os professores são
bons.” (ALUNO)
Vemos, assim, que a diretora, o professor, a mãe de aluno, a funcionária, o
colaborador da comunidade e o aluno têm consciência da participação e valorizam
positivamente a as tomadas de decisões coletivas.
Na pesquisa em questão, constatamos que, de acordo com Lima (2013a),
democraticidade se caracteriza por vias indiretas, quanto à representatividade que
caracteriza o conselho da escola, e também por vias diretas, que caracterizam a eleição do
diretor e do vice diretor da escola, e também em virtude da adoção da estratégia das
assembleias por segmentos.
Quanto ao critério da regulamentação, descrito pelo autor, observamos que a escola
tem uma participação formal, salvo prática da participação informal da comunidade local,
que não participa das decisões tomadas pelo conselho da escola, por força dos
regulamentos que omitem a participação deste segmento.
Dado o grau de envolvimento dos entrevistados com os objetivos da escola,
podemos dizer também que a participação apurada entre os diversos segmentos tem
orientação convergente. Neste sentido, a análise não apurou nenhum processo de
resistência, ao contrário, as ações foram realizadas em sintonia com os objetivos formais
aceitos consensualmente, mesmo se tratando de objetivos oficiais impostos pelo sistema.
Ainda segundo Lima (2013a), notamos que prevalece, entre os entrevistados, a
participação ativa, caracterizada por um envolvimento significativo, conhecimento de direitos
e deveres, atenção e consciência da capacidade de influenciar nas tomadas de decisão. No
entanto, com relação ao aluno, percebemos a participação reservada, caracterizada como
141
aquela que, apesar de posicionar-se como expectadora, está pronta, a qualquer momento,
para tomar posição e defender seus interesses; já a comunidade local navega entre a não
participação imposta e a não participação voluntária, dada a sua não regulamentação e a
sua própria vontade de não formalizar a participação.
Quanto à autonomia, vimos que os documentos que organizam o funcionamento do
sistema privilegiam a gestão democrática ao estabelecer a eleição do diretor e do vice
diretor das unidades escolares e ao institucionalizar o conselho da escola como instância
que viabiliza a participação da comunidade escolar, estabelecendo, assim as diretrizes da
participação colegiada e da democracia na gestão escolar. (SERVILHA, 2008; PEREIRA,
2008; LIMA, 2013a; 2013b)
No entanto, ao entendermos a autonomia administrativa como possibilidade das
decisões sobre o planejamento, execução e avaliação dos processos serem tomadas no
interior da escola, vemos que o sistema não regulamentou a questão e que, no aspecto
pedagógico, a escola se mantém subordinada ao planejamento e às avaliações
centralizadas, o que se aplica, também, ao aspecto financeiro, que é mantido sob as regras
e o controle externos, limitando-se, assim, a autonomia da gestão escolar democrática e do
conselho da escola, que atua como um mero prestador de contas.
Observamos que os processos de revisão do PPP da escola são exceções: fruto de
uma participação ativa e coletiva, as revisões são produzidas democraticamente. Mas, dada
a capitulação da gestão curricular pelo planejamento centralizado e o cerceamento dos
processos pedagógicos pelas avaliações externas, a lógica da autonomia pedagógica pode
ser entendida meramente como uma ideia de adaptação às normas externas, o que
relativiza as tomadas de decisões pedagógicas no interior “democratizado” e “domesticado”
da gestão escolar. (LIMA, 2013b)
Desta forma, podemos considerar a gestão democrática como instância meramente
operacional e técnica, dada a concentração do poder de controle por parte do sistema de
administração pública. Neste sentido, entendemos a descentralização como
responsabilização da gestão democrática, embasada na operacionalização do ensino
público cerceado por regras e normas centralizadas (LIMA, 2012a; PAGÈS et. al., 1990;
BARROSO; PINHAL, 1996; 1995; TATAGIBA, 2003), o que nos remete à proposta do
gerencialismo burocratizado da “nova gestão pública”, que concentrou, na administração
pública, os papéis de definidor dos objetivos, de cobrador de resultados e de controlador dos
recursos materiais, humanos e financeiros.
142
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa teve como objetivo analisar como tem ocorrido a gestão escolar
democrática em uma escola no município de Poços de Caldas MG, na perspectiva de um
estudo de caso, e buscou dados que possibilitassem uma análise da participação da
comunidade nos processos de tomadas de decisão e da autonomia da escola para tomar
decisões.
Consideramos que a adoção da metodologia qualitativa e a aplicação de diferentes
procedimentos de investigação (estudo documental, observação e entrevistas
semiestruturadas) consolidaram dados significativos para a análise e permitiram atender ao
objetivo proposto pela pesquisa.
O estudo dos documentos que configuram o sistema municipal de ensino mostra que
houve uma preocupação, por parte da legislação, em garantir a democratização das
relações. A legislação municipal regulamenta um amplo quadro de participação decretada
no âmbito do Conselho Municipal de Educação, porém a legislação dá legitimidade a
mecanismos restritivos, como submeter decisões do conselho à aprovação e homologação
por parte do gabinete da Secretaria Municipal de Educação, configurando-se, assim, para
este conselho, uma participação decretada, mas de relativa autonomia.
Apesar de a legislação municipal garantir a eleição como forma de provimento ao
cargo de dirigente escolar, um ponto significativo descortinado pelo estudo dos documentos
municipais foi a delegação, ao Conselho Municipal, da normatização de questões que se
refiram à autonomia e à gestão democrática das escolas públicas municipais. Apesar deste
pressuposto da legislação municipal garantir democraticamente à regulamentação de
questões relevantes à autonomia da escola e à participação das comunidades escolar e
local, observamos que o Conselho Municipal de Educação de Poços de Caldas não
produziu nenhuma norma a respeito.
Vimos que a gestão democrática, consagrada pela Constituição de 1988, teve sua
regulamentação delegada para a LDB que, por sua vez, delegou a regulamentação da
questão aos sistemas de ensino. No caso em estudo, o município delega ao Conselho
Municipal de Educação que, por sua vez, não normatiza as questões relativas à autonomia e
à gestão democrática das escolas. Esta observação nos permite atribuir as seguintes
possibilidades para a gestão democrática praticada na escola: participação consagrada,
mas não regulamentada, o que pode implicar na participação restrita a alguns atores,
decidindo informalmente ou de modo não formal; a não regulamentação da autonomia pode
143
indicar uma convergência da escola em relação às orientações e normas que emanam da
administração pública central, configurando-se, assim, como autonomia relativa.
Constatamos, também, que a legislação municipal delega às escolas a atribuição de
regulamentar a participação dos vários segmentos da comunidade escolar e que, no
estatuto do conselho da escola pesquisada, não existe a participação da comunidade local,
omissão esta que segue a legislação municipal. Além disso, o estatuto da escola e o
Regimento Escolar não regulamentam as eleições (para diretor e para membros do
conselho da escola) e como devem ser as relações entre a direção e o conselho da escola.
O Regimento da Escola reproduz os objetivos educacionais expressos nas normas e
orientações superiores e o PPP manifesta uma preocupação da comunidade escolar com os
indicadores quantitativos das avaliações externas, o que gerou alterações no processo
didático de recuperação como medida para atender a esses indicadores. Tais constatações
nos levam a considerar que a autonomia exercida pela escola é relativa e está envolvida por
normas e controles burocráticos centralizados, como as diretrizes curriculares e as
avaliações externas massificadas.
Este quadro, traçado pela análise dos documentos municipais e da escola, se
confirmou nas observações e nas entrevistas semiestruturadas: podemos considerar a
gestão democrática como instância meramente operacional e técnica, submetida à
concentração do poder de controle nas esferas superiores: a administração pública central
se configura como definidora dos objetivos, cobradora de resultados e controladora dos
recursos materiais, humanos e financeiros, limitando, assim, o exercício da gestão
democrática à operacionalização meramente instrumental.
Ressaltamos que a pesquisa indicou que (a) a escola propõe e procura praticar a
gestão democrática e participativa, (b) tem um conselho da escola atuante e composto por
segmentos da comunidade escolar, (c) todos os segmentos participam da revisão do PPP e
(d) predomina, entre os segmentos, uma participação ativa e, mesmo com apontamentos de
participação reservada ou divergente, (e) as tomadas de decisões são coletivas, mas
observamos que os mecanismos burocráticos (como a imposição curricular, avaliações
massificadas e a prescrição/controle de recursos financeiros) surgem como indícios que
relativizam e limitam a autonomia da escola, que se mostra restrita aos aspectos
pedagógicos, típicos do domínio de execução escolar, por exemplo, como a
revisão/alteração do PPP, no que se refere ao processo de recuperação dos alunos, a
aspectos financeiros, no que se refere à decisão da destinação da verba e à prestação de
contas do PDDE, que foi gasto segundo prescrições e controles externos.
144
Tais indicações e observações nos permitem ressaltar que a escola pesquisada
consegue, mesmo num contexto de hiperburocracia, desenvolver mecanismos de
participação e valorização das funções deliberativas e consultivas do conselho de escola, o
que nos mostra a possibilidade de efetivação de resistência política por parte da escola, no
entanto, as entrevistas nos mostram que as falas dos atores dos vários segmentos estão
colonizadas pelos mecanismos centralizados de regulação, controle e avaliação.
Diante deste quadro, concordamos com Lima (2013a) e consideramos que os
discursos de descentralização, participação e autonomia, na verdade encobriram as
intenções político-administrativas de manter centralizadas as decisões significativas e
somente as decisões de caráter operacional foram delegadas à escola.
A concentração das decisões políticas e administrativas submete/mantém a escola
subordinada a um sistema educacional caracteristicamente hierárquico, onde predominam
os pressupostos gerencialistas: uma administração pública que reproduz a burocracia, agora
sob a égide da “nova gestão pública”, e estabelece um Estado definidor de objetivos,
cobrador de resultados e controlador dos recursos.
Deste ponto de vista, a gestão democrática da escola pública, enquanto direito
reclamado, conquistado e decretado, encontra-se em processo de domesticação e
colonização por meio do racionalismo gerencial e é posta diante do desafio de construir sua
autonomia, de forma a solidificar a participação dos atores internos e tornar sua comunidade
a real agente nas tomadas de decisões, protagonizando a autogestão e superando a
burocracia que persiste, tradicionalmente, como fundamento administrativo nas instâncias
governamentais. Tais considerações nos levam a concordar com Lima (2013a; 2011a;
2011b) e a indicar que, no caso em questão, a gestão democrática se apresenta como
gestão hiperburocratizada, onde predomina a autonomia ilusória e a participação conduzida.
Neste cenário, devemos considerar as possibilidades de tornar a gestão democrática
da escola pública um modelo não só consagrado/decretado na legislação, mas também
possível de ser praticado como autogestão, sem as amarras burocráticas do gerencialismo
que conduz a administração pública: a gestão democrática acarreta a responsabilização e a
escola deve conquistar a prática de suas responsabilidades e gerir de forma autônoma seus
processos, além de garantir e expandir a participação, senão, tal modelo de gestão não
pode ser caracterizado como democrático.
A conquista desta autonomia pode ser concretizada a partir de regulamentações
claras e que não omitam garantias já consagradas pela Constituição e pela LDB. A ausência
145
de regulamentação também compromete e impõe a não participação: como vimos no caso
analisado, a participação da comunidade local não foi prevista pelos regulamentos do
município, omissão esta que a escola reproduziu.
A não participação também foi imposta por regulamentos informais aos alunos
menores de 14 anos, impedindo-os de votar e de atuarem como representantes. Certamente
esta é uma discussão que merece maiores estudos, no entanto, a nosso ver, essa restrição
não tem embasamento legal e carece de regulamentação ou mesmo de uma revisão que
considere o desenvolvimento da consciência democrática e permita a participação desses
alunos na eleição de seus representantes, mesmo que os representantes devam ter mais de
14 anos.
A gestão democrática requer que as decisões sejam tomadas coletivamente, o que
implica numa regulamentação que dê garantias institucionais e legais para que a escola
delibere coletivamente sobre seus processos, o que implica na participação e na
responsabilização coletiva de alunos, representantes da comunidade local, professores,
funcionários, direção e pais.
A participação é uma conquista e uma necessidade para a gestão democrática. Sua
difusão e expansão garantem a formação de uma consciência democrática, mas dificilmente
a escola conseguirá o desenvolvimento dessa consciência se mantendo isolada e
reproduzindo as orientações burocráticas. (LIMA, 2013; PEREIRA, 2008)
146
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APÊNDICES
Apêndice 1 - Roteiro de observação
Caracterização da escola: modalidades ofertadas, número de alunos, turmas e turnos de
trabalho.
Número de profissionais que atuam na instituição e caracterização desses profissionais.
Quais recursos estão disponíveis na instituição para as atividades pedagógicas? A escola
tem verbas anuais? Existem outras receitas? Como é a gestão dos recursos financeiros?
Existe controle externo dos recursos financeiros geridos pela escola?
Propostas de atividades de formação continuada para os professores e demais funcionários
da escola?
Existe controle externo dos processos pedagógicos? A escola tem verbas anuais? Existem
outras receitas? Como é a gestão dos recursos financeiros?
Forma de escolha do dirigente escolar e dos membros do conselho da escola.
Como é a participação da comunidade local e escolar (normas e práticas).
Caracterização do conselho da escola (identificação dos participantes, tipo de participação,
regularidade de reuniões e presenças, composição, atribuições, funcionamento, rotinas).
Relacionamento entre o gestor e o conselho da escola.
Como é a gestão dos recursos humanos e materiais?
Existe controle externo dos recursos humanos?
A escola utiliza os programas ofertados pelo FNDE, como o PDDE e o PNLD?
Estudar e compreender os documentos do sistema municipal pertinentes à participação das
comunidades local e escolar e à autonomia da escola (leis, normas, regulamentos,
pareceres).
Estudar e compreender os documentos escolares (regimento escolar, planos, PPP, atas de
reuniões).
158
Apêndice 2 - Roteiro das entrevistas
Comente sobre a gestão escolar democrática.
A escola pode tomar decisões de forma autônoma? Em que tipo de situação a escola tem
autonomia e em quais não tem?
De que forma o conselho da escola participa da gestão escolar?
Como é a participação dos professores, alunos, pais, funcionário e comunidade?
Como é o processo de escolha do diretor (a)?
Como são escolhidos os membros do conselho da escola?
Em que horários acontecem as reuniões do conselho da escola e como são definidos esses
horários?
Quem preside o conselho da escola? Como o presidente do conselho da escola é
escolhido?
Como é elaborado o PPP da escola? Quem participa da elaboração?
Como e quando o PPP e revisto? Quem participa da revisão?
Quem decide como usar os recursos financeiros da escola? Como é a prestação de contas?
Os recursos são suficientes?
A escola tem autonomia para gerir os recursos humanos? Como é o controle dos recursos
humanos?
Quais as condições de trabalho na escola? A quantidade de professores é suficiente? Como
é o número de alunos em sala de aula?
Os professores são remunerados pelas tarefas que não são instrucionais, em que
participam fora da sala de aula?
Faça suas considerações sobre a gestão participativa.