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    DEMOCRACIA DELIBERATIVA: HABERMAS, COHEN E BOHMAN

    CLUDIA FERES FARIA

    As questes que norteiam esse artigo esto diretamente vinculadas ao problema da organizao do poderpoltico e da legitimidade desse poder nas sociedades complexas.

    A teoria democrtica hegemnica que tal poder deve ser organizado democraticamente atravs deinstituies que intermediam a relao entre os interesses privados dos indivduos e o prprio poder. A legitimidadedo governo residiria na vontade desses indivduos organizada pelo princpio da maioria, dado que a possibilidade daunanimidade lhe parece ser um ideal contrafactual nas sociedades modernas. Decises legtimas, portanto, soconstrudas quando baseadas na vontade da maioria c no de todos. Com isso pretende-se no s legitimidade mastambm elicincia no processo de tomada de deciso desses governos (Elster, 1986; Manin, l987; Held, 1995).

    Procurar-se- aqui, em contraposio a essa teoria democrtica, traar de forma descritiva umapossibilidade de justificar e operacionalizar o ideal remoto da soberania popular _ enquanto expresso dadeliberao de todos _ mediante o conceito de democracia deliberativa. Pressupe-se com isso que a idia dedecises coletivas sobre o exerccio do poder e possvel nas sociedades complexas e mais, necessria para alegitimidade dos governos democrticos.

    Sem abrir mo dos procedimentos prprios da organizao do poder dessas sociedades - regra da

    maioria, eleies peridicas e diviso de poderes - a teoria democrtica deliberativa afimia que o processo dedeciso do governo tem de ser sustentado por meio da deliberao dos indivduos racionais em fruns amplos dedebate e negociao. Essa deliberao no resulta de um processo agregativo das preferncias fixas e indi

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    viduais mas de um processo de comunicao, em espaos pblicos, que antecede e auxilia a prpria formao davontade dos cidados.

    Como essa deliberao possvel? Quais as melhores condies institucionais para operacionaliz-la?Quais os constrangimentos impostos a essa deliberao? So questes que buscaremos responder atravs dedilogo entre trs autores: Jrgen Habermas, Joshua Cohen e James Bohman.

    Na primeira seo, retrataremos a verso habermasiana da teoria deliberativa. Pode-se afirmar queHabermas vem oferecendo, atravs de sua obra, uma oportunidade mpar de compatibilizar o ideal da participaocom os problemas colocados a sociedade moderna pela complexidade e pelo pluralismo.

    Partindo exatamente da teoria oferecida por Habermas, os outros dois autores buscaro precisar aspossibilidades de operacionalizao do pressuposto deliberativo em sociedades caracterizadas por tais l`atossociais: Cohen atravs da Poliarquia Diretamente Deliberativa e Bohman atravs da Deliberao Dialgica.

    Reside a o conflito entre os autores analisados: qual o melhor desenho institucional para operacionalizara deliberao. Descrever tal debate o objetivo da segunda seo.

    Por fim, na terceira parte, buscaremos retomar tal dilogo e analisar as contribuies de cada um dessesautores.

    A VERSO HABERMASIANA

    Habermas, ao elaborar o conceito de democracia discursiva/ deliberatival, est preocupado com o modoque os cidados fundamentam racionalmente as regras do jogo democrtico. Para a teoria democrticaconvencional a fundamentao do governo democrtico se d por meio do voto. Dado que esse instrumento no

    suficiente para legitimar' a democracia, a teoria do discurso prope um procedimento ideal para a deliberao e

    tomada de deciso2 que avanaria, segundo esse autor, em

    termos da fundamentao e legitimao das regras democrticas.

    l O autor Lltilzn os dois termos de forma intercmnbiveL 2 Esse conceito foi elaborado por Cohen, J. Delibermion

    and Democratic Legitimacy" (Hamlin & Petlt, 1989).

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    Tal procedimento democrtico, ao conjugar consideraes pragmticas, compromissos, discursos de

    autocompreenso e de justia, fundamenta o pressuposto de que resultados racionais e justos sero obtidos pormeio de um de informao relevante cujo o emprego no deve ser obstrudo. Na teoria do discurso, a razo prtica(base desse procedimento democrtico) passa dos direitos humanos universais ou da substncia tica concreta deuma determinada comunidade para as regras do discurso e para as formas de argumentao. [Tais regras] extraem

    seu contedo normativo das bases de validade da ao orientada pelo entendimento e, em ltima instncia, daestrutura de comunicao lingstica e da ordem insubstituvel da socializao comunicativa (Habermas, l997, v. II,p. l9).

    A operacionalizao desse procedimento ideal de deliberao e tomada de deciso, ou seja, das polticasdeliberativas, depende, segundo a teoria do discurso, da institucionalizao dos procedimentos e das condies dccomunicao, bem como da inter-relao de processos bcrativos institucionalizados com as opinies pblicasinformalmentc constitudas (idem, p. 21).

    Nessa teoria, a legitimao do processo democrtico deriva, portando, dos procedimentos e dospressupostos comunicalivos da formao democrtica da vontade e da opinio que, por sua vez, funcionam comocanais para a racionalizao discursiva das decises do governo e da administrao. Essa formao da vontade eda opinio democrtica, vin culada ao poder administrativo, monitora o exerccio do poder poltico como tambm arealizao de programas. Em que pese o fato de s o sistema poltico ter poder para agir enquanto subsistema

    especializado em tomar decises vinculantes, as estruturas comunicativas da esfera pblica reagem como sensoress presses dos problemas que perpassam toda a sociedade e estimulam opinies influentes. A opinio pblica,transformada cm poder comunicativo, segundo os procedimentos democrticos, no pode reger o sistemaadministrativo mas pode direciona-lo (idem, p. 23).

    A imagem que Habermas nos oferece para explicitar os processos de comunicao e de deciso dosistema poltico e aquela que retrata uma relao do tipo centro-periferia. No centro localiza-se a administrao, o

    judicirio e a formao democrtica da opinio e da vontade (parlamento, eleies polticas, partidos) que formam 0ncleo do sistema poltico; na periferia, encontra-se a esfera pblica composta por associaes formadoras deopinio, especializadas em temas e em exercer influncia pblica (grupos de interesse, sindicatos, associaesculturais, igrejas etc).

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    50 LUA NOVA N 49 _ 2000

    Tendo em mente tal imagem, Habermas define a poltica deliberativa por meio de duas vias: a formaoda vontade democraticamente constituda em espaos institucionais e a construo da opinio informal em espaosextra-institucionais. a partir da inter-relao entre esses dois espaos que se encontra a possibilidade de umgoverno legtimo.

    O que caracteriza, na verso habermasiana, a poltica delibcrativa?

    J. Cohen3, por intermdio do procedimento ideal de deliberao e de tomada de deciso, elabora sua

    concepo de democracia deliberativa e oferece os postulados bsicos que a caracteriza. Segundo Cohen, a

    democracia deliberativa est ligada ao ideal intuitivo de uma associao democrtica, na qual a justificao dostermos c condies da associao procedem atravs dos argumentos pblicos e do raciocnio entre cidados iguais.Cidados que compartilham um compromisso para a soluo dos problemas da escolha coletiva atravs doraciocnio pblico e consideram suas instituies fundamentais como legtimas, na medida em que eles cstabelecema moldura para a deliberao pblica livre (Cohen, 1989, p. 21).

    Os postulados que caracterizam esse procedimento democrtico so: (a) os processos de deliberaorealizam-se de forma argumentativa, ou seja, atravs do intercmbio regulado de informaes e de razes entrepartes que introduzem e, criticamente, examinam propostas; (b) as deliberaes so inclusivas e pblicas. Ningumpode a princpio ser excludo; todos aqueles que so possivelmente afetados pelas decises tm chances iguaispara entrar e delas tomarem parte; (c) as deliberaes esto livres de qualquer' coero externa. Os participantesso soberanos na medida em que s se encontram vinculados aos pressupostos da comunicao e s regrasprocedimentais de argumentao; (d) as deliberaes esto livres de qualquer coero interna capaz de afetar aigualdade dos participantes. Cada um deles tem oportunidade igual de ser ouvido, de introduzir tpicos, de fazercontribuies, de sugerir e criticar propostas. A tomada de posio sim/no motivada somente pela fora no-coercitiva do melhor argumento; (e) as deliberaes objetivam, em geral, um acordo racionalmente motivado epodem ser, em princpio, desenvolvidas sem restries ou retomadas a qualquer momento. As deliberaespolticas, entretanto,

    3 Habermas, enibora parta desse conceito elaborado por Cohen, diverge da amplitude dele. Para Haberm, talprocedimento deve ser compreendido como a estrutura central em um sistema poltico constitucional separado.Cohen, por sua vez, o considera um modelo para todas` as instituies polticas e sociais.

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    DEMOCRACIA DEUBERATIVA 5]

    devem ser concludas levando em conta a deciso da maioria. Devido ao

    seu nexo interno com a prtica deliberativa, a regra da maioria justifica o pressuposto de que a opinio falvel damaioria pode ser considerada uma base razovel para uma prtica comum ate' que a minoria convena a maio

    ria do contrrio; () as deliberaes polticas abrangem todos os assuntos

    passveis de regulao tendo em vista o interesse igual dc todos. Isto no implica, entretanto, que certos temas eobjetos, tradicionalmente considerados privados, no possam ser submetidos discusso. Em particular, aquelas

    questes que so publicamente relevantes, pois dizem respeito a distribuio desigual de recursos dos quaisdepende, de fato, 0 exerccio dos direitos de comunicao e participao; (g) as deliberaes polticas se estendem,tambm, interpretao de necessidades e transformao de preferncias e posies pr-polticas. Aqui, a foraconsensual dos argumentos no se apia apenas em um acordo sobre valores previamente desenvolvido nastradies c formas de vida comuns (Habermas, l9'97, v. II, pp. 29-30).

    O procedimento ideal de deliberao e de tomada de deciso pressupe uma associao que concordeem regulamentar imparcialmenle as condies de vida comum dos cidados. O que agrupa os partcipes dessasassociaes , em ltimo termo, o lao lingstico que mantm a coeso de qualquer comunidade de comunicao.

    Porm, para Habermas, esta imagem da poltica dcliberativa omite diferenciaes internas importantes.Ela no diz nada acerca das relaes entre deliberaes orientadas para deciso, que so reguladas por

    procedimentos democrticos, e os processos informais de construo da opinio na esfera pblica. Segundo o autor,sero estes procedimentos que iro regular a composio e a operao das comisses que iro estabelecer umaagenda negociada e elaborar resolues quando necessrias. Os poderes de decidir e de atribuir responsabilidadespolticas, ao organizareni os procedimentos parlamentares, iro fornecer os pontos de referncia a partir dos quaisas esferas pblicas sero constitudas. Estas, por sua vez, iro determinar como os processos de negociao seroestruturados atravs de argumentos e especificados com relao ao conflito.

    Os procedimentos democrticos nestas esferas pblicas iro, portanto, estruturar os processos deformao da vontade e da opinio com o objetivo de solucionar cooperativamente as questes praticas, incluindo anegociao de compromissos justos.

    Segundo Habermas, as esferas pblicas e os corpos parlamentares so predominantemente estruturadoscomo um contexto dejus

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    tificao. Eles dependem tanto do sistema administrativo, quanto do contexto de descoberta fornecido por uma

    esfera pblica que se apia em um pblico geral de cidados (idem, p. 32). Este pblico e' o sujeito da opinio

    pblica. A formao da opinio desvinculada das decises ocorre em uma rede aberta e inclusiva de esferaspblicas subculturais sobrepostas com limites materiais, sociais e temporais No interior de uma moldura garantidapelos direitos fundamentais, as estruturas dessa esfera pblica pluralista desenvolvem-se de fomia mais ou menosespontnea. As correntes de comunicao fluem atravs de esferas pblicas que, organizadas no interior de

    associaes, compreendem os componentes informais da esfera pblica em geral. Tomado conjuntamente elesformam um complexo selvagem, que resiste a organizao como um todo.

    A esfera pblica geral , por um lado, mais vulnervel aos efeitos repressivos e exclusivistas do podersocial clesigualmentc distribudo, da violncia estrutural e da comunicao sistematicamente distorcida do que aesfera pblica organizada dos complexos parlamentares. Por outro lado, ela tem a vantagem de ser um meio decomunicao irrestrito, onde os novos conflitos podem ser percebidas de forma mais sensvel, os discursos voltadospara se alcanar a auto-compreenso podem ser vocalizados de forma mais ampla e expressiva, as identidadescoletivas e as necessidades de interpretaes podem ser articuladas de forma mais livre do que no caso da esferapblica procedimentalinente regulada. Dessa forma, a formao da vontade e da opinio democraticamenteconstituida ir depender do suprimento de opinies pblicas informais que, idcalmente, desenvolvem-se emestruturas de uma esfera pblica poltica desobstruda. A esfera pblica deve, entretanto, gozar do apoio de umabase social na qual os direitos iguais de cidadania tenham alcanado efetividade social (idem, pp. 33).

    O que Habemias oferece, portanto, um modelo discursivo de democracia que no est centrado apenasno sistema poltico-adniinistrati~ vo encarregado de tomar as decises Vinculantes nem exclusivamente nasociedade. A democracia deve ser analisada a partir da relao entre esses dois plos: as decises tomadas nonvel do sistema poltico devem ser fundamentadas e justificadas no mbito da sociedade, atravs de uma esferapblica vitalizada. O sistema poltico deve estar ligado s redes perifricas da esfera pblica poltica por meio de umfluxo de comunicao que parte de redes informais dessa esfera pblica, se institucionaliza por meio dos corposparlamentares e atinge 0 sistema poltico influenciando nas decises tomadas. O fluxo de comunicao entre aformao da opinio pblica, as

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    eleies institucionalizadas e as decises legislativas e' pensado para garantir que influencias, geradas pelapublicidade e pelo poder produzido comu nicativamente, sejam transformadas, atravs da legislao, em poderadministrativamente utilizvel (idem, p. 87).

    As decises referentes as polticas pblicas` para gozar de legitimidade, devem, portanto, refletir avontade coletiva organizada atravs da participao poltica em fruns pblicos de debate. Deste modo, a esferapblica o local no qual os problemas que afetam o conjunto da sociedade so absorvidos, discutidos etematizados. A esfera pblica um sistema de alarmes dotado de sensores que, embora no especializados, sosensveis a toda sociedade. [Nesse sentidol, ela deve reforar a presso exercida pelos problemas, ou seja, ela nopode limitar-se a detecta-los e a identific-los, devendo, alm disso, problematiza-los de l"orma convincente c eficaz,a ponto de serem assumidos e tratados pelos complexos parlamentares (idem, p. 91). Neste local, continua

    Habermas, a capacidade para resolver os problemas limitada. Mas esta capacidade deve ser empregada parasupervisionar o tratamento posterior desses problemas que tm lugar no interior do sistema poltico. A esfera pblicafunciona, portanto` como uma caixa de ressonncia dos problemas que devem ser trabalhados pelo sistema

    poltico.

    Os procedimentos democrticos legais, situados nos complexos parlamentar e jurdico, funcionam comofiltros que regulam o acesso dos lluxos comunicativos oriundos da periferia aos centros decisrios. Para quedeterminado ponto de vista ganhe forma de poder poltico necessrio quc ele percorra este sistema de filtros

    institucionais at assumir o carter dc persuaso sobre os membros autorizados do sistema poltico, determinandomudanas no seus comportamentos.

    A democracia deliberativa proposta por Habermas utiliza uma estratgia dual, onde se apresentam frunsinstitucionais e extra-institucionais que se apiam nos sujeitos da sociedade civil, bem como em outros atorespolticos tais como os sindicatos, os partidos e os grupos de interesses.

    A sociedade civil, base social da eslcra pblica autnoma, constituda por associaes, organizaes emovimentos sintonizados com a ressonncia dos problemas societarios nas esferas da vida privada, absorve etransmite as questes ali tematizadas de forma amplificada para a esfera pblica. Estas associaes da sociedadecivil acabam influenciando a definio de questes que sero problematizadas via esfera pblica. Depois depublicizadas, essas questes devem ser tratadas pelo sistema poltico~ administrativo. Como instnciaintennediadora, a esfera pblica capta os

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    impulsos gerados na vida cotidiana e os transmite para os Colegiados com

    petentes que articulam institucionalmente o processo de formao da vontade poltica, construindo, assim, deciseslegtimas.

    OPERACIONALIZANDO A DEMOCRACIA DELIBERATIVA

    Cohen e a Poliarqua Direra/nerzte Deliberativa

    J. Cohen em Reflections on Habermas on Democracy estabelece um dilogo com Habermas sobre sua

    proposta de democracia discursiva.

    No presente texto nos ateremos a um ponto especfico desse dilogo: o problema da operacionalizaoda democracia deliberativa4.

    Segundo Cohen, a proposta de Habermas para operacionalizar a democracia discursiva baseada no deconiunicao que [em origeni em uma rede dispersa de cidados e se que se dirige para o legislativo e para aadministrao com o intuito de influencia-los no processo de tomada de deciso lhe parece uma dissoluodesencorajadora da soberania popular (Cohen, 1998, p.35). Vejamos por que.

    Para esse autor, a proposta discursiva de Habermas torna a democracia estranha s rotinas institucionaisestabelecidas pela poltica moderna na medida que ela valoriza condies excepcionais de influncia das

    associaes que se localizam fora do circuito institucionalizado do poder, ou seja, das regras do sistema. O

    argumento habermasiano, baseado na capacidade dos movimentos sociais, como sensores dispersos na esferapblica, de detectar preocupaes populares que esto tora da agenda pblica, propor novas solues e, com isso,influenciar 0 poder legislativo e a administrao, sugere, to somente, quebras ocasionais na rotina do circuitooficial do poder. Esses movimentos, se assim analisados, assumem to somente uma posio defensiva frente aos

    subsistemas com os quais eles interagem e, por isso, se mostram incapazes de redefini-los. Para que esses atoresdesempenhem um papel ofensivo no basta apenas enfatizar, como Habermas faz, a influncia autnoma oriundada periferia

    4 No debate com Habermas, Cohen problematiza no s a possibilidade da democracia discursva/deliberaliva talqual elaborada por Habermas, mas Ialnbiii a prpria concepo de democracia radical desse autor. Cohen levantaduas questes de contedo e uma terceira sobre a operacionalizao (Cohen, I998, pp. 3-4).

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    da esfera pblica sob condies de crise social. necessrio apontar outras formas de participao que realizem,de falo, a promessa da democracia radical e, com isso, do governo legtimo.

    Cohen aponta trs condies necessrias para a realizao dessa promessa: l) elas tm de permitir eencorajar' que experincias e preocupaes que podem no ocupar a agenda normal (sensores fundamentados naexperincia local e na informao); 2) elas devem olferecci' avaliaes disciplinadas de propostas atravs dadeliberao que envolvem valores polticos fundamentais e 3) elas precisam oferecer tambm ocasies maisinstitucionalizadas, regularizadas para a participao dos cidados na tomada de deciso coletiva _ e, talvez, aofazer isso, aumentar a qualidade do discurso na esfera pblica informal (idem, p. 37).

    Essas trs idias, com as quais se operacionaliza o ideal normativo da democracia deliberativa, podemser agrupadas na idia de Poliarquia Diretamente Deliberativa5.

    A idia fundamental da Poliarquia Diretamente Deliberativa (PDD) institucionalizar solues de

    problemas diretamente pelos cidados e no simplesmente promover a discusso informal com promessas deinfluncias possveis na arena poltica liormal. Na PDD, as decises coletivas so tomadas atravs de deliberaopblica em arenas abertas aos cidados que utilizam servios pblicos ou que so regulados pelas decisespblicas. Mas ao decidir, aqueles cidados tm de examinar suas prprias escolhas a luz das deliberaes eexperincias relevantes de outros que lidam com problemas similares em jurisdies comparveis ou subdivises dogoverno. Idealmente, portanto, a PDD combina as vantagens do aprendizado local e do auto-governo com asvantagens (e disciplina) do aprendizado social mais amplo e da accountabilry poltica maior quo resulta quando osresultados de alguns experimentos concorrentes so ajuntados para peiTnitir controle pblico da efetividade dasestratgias e dos lideres (idem, p. 38).

    Tal idia compreende trs elementos:

    l)Solues de problemas locais atravs da participao diretamente deliberativa. Tal participao direta importantena medida que veicula conhecimento e valores locais relevantes na tomada de deciso; supe que os

    5 Essa idia est desenvolvida em Cohen , J. Sabel, C. DirectIy-Deliberntive Polynrchy". European Law Journal.Vol. n. 4, 1997, pp. 313-342.

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    participantes possuem informaes relevantes sobre os contornos dos problemas e podem detectar [de forma]relativamente facil tanto o engano dos outros quanto as conseqncias no intencionais das decises passadas;encoraja a expresso das diferenas e a proviso de informaes. O respeito expresso atravs da argumentaorntua (reason-giving) que define a deliberao refora um compromisso com as normas do dilogo como asinceridade, a confiana e com a soluo dos problemas.

    2) Em funo da estreiteza comumente associada com o localismo, Cohen prope a institucionalizao de links

    entre as unidades locais - em particular, a institucionalizao de vnculos que requerem unidades deliberativasseparadas que consideram suas prprias propostas a luz dos critrios oferecidos por outras unidades. Se a razoprtica requer, de fato, a busca de melhores solues, os tomadores de deciso necessitam explorar alternativas spraticas correntes. Pode-se procurar tais 'alternativas - incluindo aquelas previamente nao imaginadas na cena local- nas experincias das unidades que lidam com problemas analogos. Assim, a tomada de deciso diretamentedeliberativa necessita da coordenao deliberativa: deliberao entre as unidades de tomada de deciso dirigidaspelo aprendizado conjunto das suas vrias experincias e o aumento das possibilidades institucionais para taisaprendizados. Estender a deliberao as unidades permite que cada grupo contemple seu ponto de vista e suaspropostas a luz das alternativas articuladas pelos outros. Com isso pode-sc assegurar o exerccio da razo prticade forma disciplinada e criativa.

    3) A mudana no locus das solues de problemas muda tambm a operao e a expectativa das instituiesbsicas. No que diz respeito ao papel do Legislativo, a PDD reconhece, segundo Cohen, os limites dessa instituio

    de resolvcr problemas - ou por si mesma ou ao delegar tarefas para as agncias administrativas. Sendo assim, opapel do Legislativo na PDD dar poder e facilitar a soluo de problemas atravs das arenas diretamentedeliberativas, pois essas operam de forma mais prxima dos problemas do que o prprio Legislativo. A idia que oLegislativo publicite reas de politicas (educao, segurana, sade ambiental) abertas a ao polirquicadiretamente deliberativa; estabelea objetivos gerais para a poltica na area, assista a organizao das arenasdeliberativas potenciais para realizar aqueles objetivos; torne os recursos dispon veis para os corpos solucionadoresde problemas deliberativos e reveja, em intervalos regulares, as atribuies de recursos e responsabilidades.

    Segundo o autor, essa disponibilidade de mtodos alternativos de soluo de problemas impe aoLegislativo um peso maior para justi