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Freedom House ignora atrocidades de 2019 e avalia Moçambique como Estado “Parcialmente Livre” DEMOCRACIA REVIEW Maputo, 5 de Março, 2019 Número 10 Português P arcialmente livre! É assim como a Freedom House avalia Moçambique no seu relatório sobre Liberdade no Mundo referente ao ano de 2019. Esta avaliação é, no mínimo, gene- rosa para Moçambique, país que em 2019 teve as piores eleições da sua história de democracia mul- tipartidária. Todas as etapas do processo eleitoral foram marcadas por graves irregularidades, desde o re- gisto de mais de 300 mil eleitores “fantasmas” em Gaza para beneficiar a Frelimo e o seu candidato presidencial Filipe Nyusi; a exclusão de candida- turas de activistas sociais apoiadas por associa- ções cívicas; o uso abusivo de meios e recursos de Estado na campanha do partido no poder; a recusa injustificada dos órgãos eleitores de cre- LIBERDADE NO MUNDO EM 2019

DEMOCRACIA REVIEW€¦ · sinado na manhã de 7 de Outubro, a uma semana da realização das sextas eleições Presidenciais e Legislativas e das terceiras das Assembleias Pro- vinciais

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Freedom House ignora atrocidades de 2019 e avalia Moçambique como Estado “Parcialmente Livre”

DEMOCRACIA REVIEW

Maputo, 5 de Março, 2019 Número 10 Português

Parcialmente livre! É assim como a Freedom House avalia Moçambique no seu relatório sobre Liberdade no Mundo referente ao

ano de 2019. Esta avaliação é, no mínimo, gene-rosa para Moçambique, país que em 2019 teve as piores eleições da sua história de democracia mul-tipartidária.

Todas as etapas do processo eleitoral foram

marcadas por graves irregularidades, desde o re-gisto de mais de 300 mil eleitores “fantasmas” em Gaza para beneficiar a Frelimo e o seu candidato presidencial Filipe Nyusi; a exclusão de candida-turas de activistas sociais apoiadas por associa-ções cívicas; o uso abusivo de meios e recursos de Estado na campanha do partido no poder; a recusa injustificada dos órgãos eleitores de cre-

LIBERDADE NO MUNDO EM 2019

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denciar observadores da sociedade civil (só do CDD foram mais de 3.000 candidatos a observa-dores que não foram credenciados); a violência e as detenções ilegais de delegados de candidatura dos partidos da oposição (18 delegados da Nova Democracia ficaram detidos durante 45 dias em Gaza e só foram libertos depois de o CDD e seu parceiro SAHRDN pagarem 720 mil meticais de caução); o enchimento de urnas e viciação de ac-tas de apuramento parcial; a rejeição infundada de todos os recursos da oposição pelo Conselho Constitucional; e a instrumentalização da Polícia para intimidar eleitores nas zonas de influência da oposição.

Mas o mais grave incidente do processo eleito-ral foi o assassinato a tiro e em plena luz do dia do activista social Anastácio Matavele, um crime de Estado protagonizado por agentes de unidades especiais da Polícia da República de Moçambi-que. Matavele era observador eleitoral e foi assas-sinado na manhã de 7 de Outubro, a uma semana da realização das sextas eleições Presidenciais e Legislativas e das terceiras das Assembleias Pro-vinciais.

Apesar de todas as irregularidades e da exis-

tência de provas irrefutáveis de fraude, o Conse-lho Constitucional validou, a 23 de Dezembro de 2019, as eleições e proclamou a Frelimo e o seu candidato presidencial como os vencedores. De nada valeram as denúncias e os protestos de or-ganizações da sociedade civil que participaram, ainda que de forma muito limitada, na observação do processo eleitoral, das quais se destaca o CDD.

E quando faltavam poucas horas para o fim do ano 2019, Moçambique voltou a registar mais um ataque contra o Estado de Direito Democrático: o jornalista Matias Guente sofreu uma tentativa de rapto e foi agredido em plena luz do dia na cidade de Maputo. E não se tratou de um crime comum: Matias Guente é editor executivo do semanário Canal de Moçambique, o jornal mais crítico à go-vernação de Filipe Nyusi.

Ora, um país que não conseguiu fazer das elei-ções um momento de consolidação do Estado de Direito Democrático, mas optou por investir no fechamento de espaços de participação política e cívica, não deve ser considerado como “parcial-mente livre”. Esta avaliação da Freedom House é generosa para Moçambique na medida em que ignora as atrocidades que afectaram os direitos

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políticos e as liberdades civis dos cidadãos em 2019.

Na verdade, o relatório co-loca Moçambique, Benin e Tanzania como os países da África Subsaariana que tive-ram “eleições fracassadas” e uma “repressão estatal”. Mas o que se passou em Mo-çambique foi muito mais do que “eleições fracassadas” e “repressão estatal”: foram eleições indiscutivelmen-te fraudulentas organizadas num contexto marcado por crimes de Estado.

Por isso, o CDD defen-de que, tendo presente os eventos que afectaram a de-mocracia durante o ano de 2019, Moçambique devia estar na lista dos países em “spotlight”. Isto é: países que merecem especial aten-ção e controlo no presente

ano de 2020. Por exemplo, a Free-

dom House avalia a Nigéria como um Esta-do parcialmente livre e em “spotlight” com o fundamento de que as eleições naquele país “foram marcadas por graves irregularidades e intimidação generali-zada de eleitores e de jornalistas”. Em Moçam-bique aconteceram coi-sas bem piores, como a exclusão deliberada de candidaturas da oposi-ção e de observadores independentes, a prisão ilegal de delegados da oposição que possibi-litou o enchimento de urnas, até ao assassinato de um activista e obser-vador eleitoral a uma se-

Por exemplo, a Freedom House avalia a Nigéria como um Estado parcialmente livre e em “spotlight” com o fundamento de que as eleições naquele país “foram marcadas por graves irregularidades e intimidação generalizada de eleitores e de jornalistas”

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mana do dia da votação.A Freedom House coloca ainda a Tunísia na lista

dos 10 países e territórios autónomos em “spotli-ght”, justificando que esta Nação do Magreb está “em estado de emergên-cia devido à ameaça con-tínua do terrorismo”. Ora, o norte de Moçambique, concretamente a província de Cabo Delgado, é alvo de ataques terroristas des-de Outubro de 2017, um problema que já causou a morte de pelo menos 500 pessoas, entre civis e agentes das Forças de De-fesa e Segurança. A região só não está em estado de emergência declarada por-que o Governo continua a abordar o problema com secretismo para esconder a falta de estratégia para conter a violência que afecta perto de 200 mil pessoas.

O relatório da Freedom House sobre Liberdade no Mundo avalia os direitos e liberdades desfruta-dos pelos cidadãos em 195 países e 15 territórios

autónomos. O relatório considera que o usufruto dos direitos políticos e das liberdades civis pode ser afectado pelos actores estatais, principalmen-te o Governo, mas também por “insurgentes e

outros grupos armados”. E foi justamente o que aconteceu em Moçambi-que em 2019: os direitos e as liberdades dos cida-dãos foram deliberada-mente violados pelo Go-verno, pelos insurgentes que espalham terror em Cabo Delgado e pela au-toproclamada Junta Mili-tar da Renamo, que actua nas províncias de Manica e Sofala.

Na avaliação geral, a Freedom House diz que em 2019 foram registados

“declínios dramáticos nas liberdades em todas as regiões do mundo”. No relatório lançado esta quarta-feira, 83 países e um território são avalia-dos como Livres; 63 países e quatro territórios são Parcialmente Livres; e 49 países e 10 territórios são considerados Não Livres.

Propriedade: CDD – Centro para a Democracia e Desenvolvimento Director: Prof. Adriano NuvungaEditor: João Nhabanga Tinga Autor: João Nhabanga Tinga

Equipa Técnica: João Nhabanga Tinga, Agostinho Machava, Ilídio Nhantumbo, Denise Cruz, Isabel Macamo. Layout: CDD

Contacto:Rua Eça de Queiroz, nº 45, Bairro da Coop, Cidade de Maputo - MoçambiqueTelefone: 21 41 83 36

CDD_mozE-mail: [email protected]: http://www.cddmoz.org

INFORMAÇÃO EDITORIAL:

PARCEIROS DE FINANCIAMENTOPARCEIRO PROGRAMÁTICO

Comissão Episcopal de Justiça e Paz, Igreja Católica

Na avaliação geral, a Freedom House diz que em 2019 foram registados “declínios dramáticos nas liberdades em todas as regiões do mundo”.