38
Denis Guénoun A exibição das palavras Uma idéia (política) do teatro. Tradução ti Saadi Teatro do eno Gesto/ 2003

Denis Guénoun - A Exibição Das Palavras

Embed Size (px)

DESCRIPTION

nice

Citation preview

Denis Gunoun Aexibio daspalavras Uma idia (poltica) do teatro. Traduo Ftim Saadi Teatro do Pqeno Gesto/ 2003 Apresentao Comatraduode Aexibioda palavras. Uma idia (oltica) de teatro,de DenisGunoun, oTeatrodoPequenoGestoinauguraasrie Folhetim/Ensaios,cujoobjetivopublicartextos que abordem a atividade teatral de modo instigante, estabelecendopontesentreosdiversosdomnios dacriaoartsticaeentre eles eopensamentoa respeito de seusfndamentos. Ocartermultifacetadodoteatroredobrao prazerdepens-loemsuasarticul aese possibilidades, e a liberdade que a forma ensastca permitee sugeretornaoexerccioda imaginao criadoraparteindispensvelda leitura. comgrandeprazerqueapresentamoso trabalhode DenisGunoun ao pblico brasileio, certosdequeasdiscussesqueelepropevm se inserir num dilogo quese torna cada vezmais efetvo no teatro brasileiro e que articula a esttica, ahistria ea poltica. 9 Paa Rober Abid 1. O teatro requer uma reunio de espectadores. Outrasartestambm:amsica,adana.Outras no:literatura,pintura,escultura. 1Claro que no imaginamos que elas possam dispensar o pblico. Mas seu pblico no precisa necessariamente estar reunidonumlugarenummomentocomunspara que a obra chegue at ele:mrmore, quadro, livro podem esperar um visitante ou um leitor que vir, sozinho, quando quiser.Objeo:o teatro pode ser lido.Masestaleituranooqueoconstitui.Ele no- apenas- literaturadialogada.Oteatro requer um pblico, coletivo, efetivamente reunido. o modo,determinado,de sua apresentao. Estareunioconvocadapublicamente. Podemoscitarexemplosemcontrrio:teatroem famlia,privado.Mas,aindaassim,trata-sede l.Consideramos.aqui,cadaumadestas artes antes de sua reproduo mecanizada se ter tornado possvel. 13 Aexibiodaspalavra sexcees,at mesmo,antifrases - uso de um termo porumaespciedepassagemaolimiteoposto-como pode acontecer com qualquer definio:um automvel se desloca sozinho e, contudo,s vezes eletem queserempurado.Oteatropblico:a mesmapalavraserveparadesignaraassemblia dos espectadores. (Apalavra:pblico.Mastambmapalvra: teatro.Lembremosque,nolugarteatralgego,de ondenosvemotermo,"teato"- thatrn no designa a cena - que designada pelo termo skn -,mas sim as arquibancadas ondese senta o povo. Istomudar:maistarde,apalavrapassaa denominar,realmente,area de representao,o fancs clssico v os atores "sur le thtre". E este deslocamento de um espao a outro signo de uma histria. Para ns,"teato" designa por extenso o prdio em seu conjunto. Mas,no comeo, o teatro o lugar do pblico - dopblico reunido.) Formulemos aqui uma tese:a convocao,de forma pblica,e a realizao de uma reunio,seja qual for seu objeto, um ato poltco.Pela reunio, emsi(que,sendo umaassemblia,contmtodos osgermesdesenvolvidos,ouno,dopoltico),e porsuapublicidade("pblico"designa,antesde maisnada,segundoodicionrioRobert,oque 14*Ttre, aqui. significa paco. (N. da T.) D e ni s G u n o u nconcerneaopovotomadoemseuconjunto, coletividadesocialepoltica,aoEstado). uma tese:discutvel,configurada,que aquiexpomos. Oteatro,portanto,umaatividade intrinsecamentepoltica.Noemrazodoquea mostrado ou debatido - embora tudo esteja ligado - mas,demaneiramaisoriginria,antesde qualquercontedo,pelofato,pelanaturezada reunioqueoestabelece.Oquepoltico,no princpiodoteatro,noorepresentado,masa representao:suaexistncia,suaconstituio, "fsica", por assim dizer, como assemblia, reunio pblica,ajuntamento.Oobjeto da assemblia no indiferente:mas o polticoestemobraantesda colocaodequalquerobjeto,pelofatodeos indivduos se terem reunido,se terem aproximado publcamente,abertamente, e porque sua confluncia uma questo poltica - questo de circulao, fiscalizao,propagandaoumanu-tenoda ordem. * Emborafundamental,estadeterminao facilmenteesquecida\ espantosocomoo pensamento doteatro se preocupa pouco com ela: pensamento cuja histria poderia ser contada como l S Aexihi oda spala vra s odesenvolvimentodeumesquecimentoda representao- dofto,doacontecimentoda representao - em proveito da ateno dispensada ao representado,ao contedo. Veremosqueestaevoluoamnesia, cegueira,censura, como preferirem- duplica uma linhadaprpria histria do teatro:deslocamento docentro,docorao,dolugardestaarte- a platiavaisendomergulhadanapenumbra,o palcovai sendo iluminado. * Oato,poltico,deconvocarumarepresentaopodechamaropblicoparaumarua,um edifcio - raramente para um descampado. Na rua, uma aglomerao:polticaaescolhadolugar (afstado oucentral,cidadeouvilarejo),dahora (dia,noite,horrio de lazer oude trabalho),bem comodacomposioedaformadaassemblia. Cadaumadestascaractersticastraduzuma relao muito precisa com a organizao da cidade eformulaumaespciedediscursoemrelaoa ela- consciente,deliberado,explcitoouno,o que, nest emomento, not emqual quer importncia.Todasestasposiessoassumidas puHicamente- eseinstalamfisicamente- no espao do poltico. 16 De nisGu n o u nNumedifciosobreviveaindaagumacoisa destasdeterminaes.Alocalizaodoprdio (subrbiooucentrodacidade?),suaformaeo sistema de suas funes internas, com tudo o que ele pressupe no tocante a escolha dohoro,durao edesenrolardasrepresentaes:soestasas prmeiras marcas da poltica. A instncia poltca que ordenao teatro,emprimeirolugar,a arquitetura. Isto no significa que o que representado no teatro seja desprovido de sitYiificao poltca, sem projeo. Simplesmenteoqueserepresentapreviamente ordenado2pela arquitetura - leramente,colocado em cena por ela. A arquitetura, como se sabe, arqupolitca:arte instituda pela poltca e que talvez,em contapada,ainsttua.Pensar o teatoa par de descriesdoqueaconteceemcena,ignorandoo queaexistncia,aforma,oluga,ovolumedesta cena devem a uma constuo - que no universal e no bvia - pensa o teato esquecendo a poltca queo ordena - aprescro,a convocao poltica que o pe em cena. * Ora, uma viagem ao reino da arquitetura teatral (viagemno tempoe tambm no espao) impe-nos uma constatao:aimensamaioriadosteatrosfoi construdasegundoum desenho circular. 2.Prescrito,dirigido,solicitado-formuladocomoumacomanda.1 7Ae x i bi o daspalavras No vamos nos deter neste ponto: no nosso temaaqui.Bastalembrarque,mesmoses levarmosemcontaosteatrosocidentais,astrs arquiteturasquemarcamsuahistria:agrecoromana,aelisabetanaeaassimchamada" italiana", produziram volumes redondos. Por qu?3 Antes de tudo porque, ao que parece, o crculo uma boa disposiopara ver eouvir.Os teatros refazem a organizao espontnea da agomerao, fixando-a:qualquerpessoaque j tenhaarmado um tablado num lugar de circulao pblica sabe 18 3. Precisemosumpouco mais,tendocm menteoleitorquepensariaapenasnos "teatros de arena", reascirculares que se prestaramsmaisdiven;asexperincias. Este leitor podera se espantarcom anossa Lese,na medida em quo os teatros de arena so muito raros.A rotundidade qualnos referimosaquidesigna,porexemplo,o anfiteatro antigo,construdo sobre um arco decrculo;ocilindropedeitodoteatro elisabetano - a clebre maquetedo Globe - no qualasgaleriasse encontram como espao cnico e chegam at a instaar alguns espectadoresatrsdacena;ouainda maioria denossosteatros ditos" italiana" (emboraelessejam,comfreqncia, batardos),cuja circularidade assumida, sobretudo,pelos balces,que chegam at a beira do arco de proscnio (e,na platia, os assentos so dipostos, feqentemente, cmlinhascurvasmuito abertas). O que estamos chamando de tcauo circular odeserdefinidotambmdemodo . DenisGunoun que os curiosos se dispem espontaneamente num circuloperfeito- seoespaonoapresentar nenhum obstculo, claro. Estaexplicaonobasta:dadaaevoluo dos espetculos,os teatros de planta circular no oferecem mais, hoje em dia, a melhor visibilidade. Todasastentativasdeconstruirsalasdefrontalidademaisrgida(salasemformaderetngulo, nasquaiscadaespectadorestdefenteparao palco), por um lado, resultam em lugares onde todo mundotem aoportunidadede ver bem mas,por outro, criam teatros detestveis: figdos, para dizer omni mo.Qualarazo,ento,paraesta superioridadedo circular? Ser que o caso de pensar que nossos dois sentidos esto em contradio? - que, nas salas totamente frontais, os espectadores do fundo vem melhordoquenasextremidadeslateraisdos balces(nosnossosteatrosantigos,lugares negativo:f umteatro cujosmuroslaterais nosovistos,porqueestoescondidos porespectadores.Numasalaretangular, as fileirasde poltronas vo dar, esquerda e direita, em paredes la ou decoradas. Ao contrrio,nassalasque chamamos de arredondadas,abst radastodasas difrenas,dosladossvemos opblico (nosbalcesounasarquibancadasdo anfieatro),cujosassentosmaislaterais quase encostamno palco.19 Aexihi o daspa l a v ra s consideradosquasecegos),emcompensao, escutamdefrmamuitopior.4 verdade. No entanto,existemsalasretangularescomuma acstcaexcelentequesofem,contudo,doque chamaremos provisoramente de frieza - ausncia destamisteriosa"boarelao"entreopalcoea platia,qualtodososatoresserefrem,sem conseguiremdefini-laanoserporumaespcie desensao,enigmticamasincontestvel. * Mas o que i mpora no est a.Ns o procuraremos - comoo leitorpodeimaginar- na origem polticada representaoteatral.E se fundamenta numa observao ingnua:o crculo a disposio quepermitequeopblico seveja. Numgrupo,paraquecadaumvejatodos os demais, preciso estar emcrculo.Oc.rculo noa organizaoque permite queaspessoas :.w 4. Simplesmenteporque estolonge.Em duas salas de iguallotao, os espectadores menosbemlocalizadosestonaslaterais extremas dosbalces(e,portanto.numa relao de viso execrvel, mas muitssimo prximosdopalco):ocasodoteatro circular.Ou,ento,estorelegadoss fileirasdofundo(nahiptesefrontal)e, portanto,defrente,maslongedemais. Opreodasentradasdenota,com freqncia esta hierarquia. DenisGu n o u nseouam(possvelescutaralgumqueest atrsdens),masprecisamenteaestrutura que permite que aspessoas se vejam e distingam asdemaisnocomomassa,mascororeunio dei ndi vduos:permi t everos rost os-reconhecer-se. Ora, o pblico dos teatros no uma multdo. '' Nem uma aglomerao de indivduos isolados.Este pblicoquerterosentimento,concreto,desua existnciacoletiva.Opblicoquersever,se reconhecercomogrupo.Querpercebersuas prprias reaes,asemoes que opercorrem,o contgiodo riso,da aflio,da expectativa. ula/ reunio voluntria,fundada sobre uma diviso.E,( aomenoscomoesperana,comosonho,uma, comunidade.. Logo aps a Segunda Guera, fez-se a tentativa de construir na Frana teatros onde o pblico todo veriabem.Havianistoumapreocupaoque chamavamdedemocrticae quesedefinecom mais exatido como iguatra.As vezes, cesejavasetambm,porrazesdemodernismotanto quanto ee economia,apresentar num nico lugar teatro e cinema.O fracasso fi completo.Teatro e cinemanorenemopblicodemodoanlogo. Ocinemaautorizaumarelaoindividualdo espectador com a tela.Em determinados perodos 21 Ae xi b i oda s p a l avr a sdesuahistria,elefvoreceestarelao:assim, fz uns vinte anos,proliferaram as pequenas salas, cujoconceitodeconfortoconsisteemquecada espectador possa afundar na poltrona e se esquecer do que est em volta. 5 A forma retangular se presta bastante bemaisto:elaprivilegiaamelhorviso possveldecadapoltronadiantedaimagem.Ela noimpede,mastambmnoencoraj aa comunicaoentreopblico.possvelverum filme sozinhonuma sala e tirar disto grande prazer. No teatro,jamais possveloprazer solitrio. Seaplatiaestdeserta,arepresentaofica prejudicada.Opblicoquerapercepodeseu estar-ali coletivamente.Ele quer se sentir, se ouvir, experimentar seu pertencimento,sua reunio.Os espectadores queremseverunsaosoutros. 6 22 5.Estarelaopossvelnocinema,e . hoje cm dia,dominante. Mas ela no entra nadefiniodocinema.Noinciodo sculo,oscine-teatrosseaproximavam maisdaaglomeraopopular,dafeirae dafesta.Ehquemqueiraatualmente devolveraoespetculodofilmeesta dimenso perdida(mais coletiva,divertida) paracombateradesativaodassalasde cinema. 6.Estaexignciaaparecetambmem outrosdomniosforadoteatro.Num estdio,por exemplo. Este um ponto que oteatroeoesportetmemcomum. Exerccio: procurar - em outro mbito - a diferena. De n i s Gun o un Daanecessidadedeteatroscirculares. 7 * Em que medida esta necessidadepoltica? Vamosesquecerporummomentooteatro. Ocrcul opermiteaumgrupoqueelese reconhea.Portanto,que ele se fale:ocrculo a formadasassemblias pelomenosdas assembl i asl ivres.Quepressupemuma comunidadeconscientedesimesmaecapazde decidir seu destino.Oanfteatro exprme esta idia deCidade:reneopovotodo,ouseusrepresentantes.Mas num ou noutrocaso,sua rotundidade designaacomunidade,suaunidade,sua autonomia.Ela a condio da deliberao,bem comosuafigura:oesquemaprprodocoletivo na democracia. 7.No estamos pretendendo que no teatro cada espectador veja e reconhea todos os demais.Aarquitetura teatral complexa e resultadenecessidadesconlantes. Ocrculosuabase,masdeforma diversificada.Oqueestamosquerendo dizer que,sea forma emarcos se imps namaioriadoscasos,precisobuscar a raz primeira para este fto na adequao do crculo aoreconhecimentocomunitro. Apartirda,o crculosemanifestaou se desvanece,triunfa ou recua,se realiza ou se fagmenta. 23 Ae xibi oda spala vra s Aocontrrio,umaassembliareunidaem feiras retas fvorece para cada participante a vso doquesepassana tribuna:comonumasalade aulasdeantigamente,poucopreocupadaem despertar no auditrio a conscincia comunitria: osentimentoeradetemoremrelaotribuna. Aprecednciaatribudarelaodireta,de autoridade entre profssor ealunos. Adisposiofrontal,emfleirasretase paralelas,quercombater,desestruturaraconscinciadepertenceraumgrupoquedelibera sobre sua histria.Ela desarticula a comunidade, submete-a:elaseparece frmaode soldados noptio doquartelparaarevista.Vemosum Parlamentodispostoemfileirasretilneas, alinhadasdiantede umatribuna?- aimagem, infvel, de um regime autortro.O mesmo ocore no nvel do simbl.ico com Congressos e colquios de todos os tipos:seu autoritarsmo cresce na razo inversadesuacircularidade8 24 8.Seria preciso acrescentaralgo sobre as formasmistas:comoadasassemblias monrquicas,nasquais,deincioao menos,as ordens esto frente a frente, em grupos compactos O que a cidade v de si mesmag nestecaso.suadiviso,sua estrutura.Ela se representa. a seus prprios olhos,nocomoreuniodeindivduos, mascomocomposiodeCorpos. De n i s Gu n o u nVoltemosaosteatros.Aarquiteturacircular queospredispedeia,portanto,entreveruma relaofndamentalparaaafirmaoqueaqui fizemos(relaocomplexa,queserpreciso abordar sem reducionismos- mas relao,ainda assim):umaafnidadedeorigementreteatroe democracia. * Nose trata de afirmar aqui que oteatro sja a democracia,nem ocontrrio.Esta aproximao concernesfrmas:elaapontaumasemelhana entrea frma originria de um teatro e a forma da assembliademocrtica.Pelomenosnosentido emqueestapalavraestsendoentendidaaqui: assemblia que delibera - e,portanto,que decide - arespeitodesuahistria.Oquedizesta semelhana? Di que a democracia quer exprimi a Cidade comocomunidade,equeaquestoda comunidade( o desejo,anostalgia,avontadede comunidade,comoveremos)quesemobilizana convocao de um grupocomo pblico de teato. Tentaremosaseguircompreenderporqueesta questo a desenvolvida.Como,ns j sabemos: na forma da assembliado pblico,na disposio circularquelhepermitereconhecer-se. 25 1Ae xibioda spala vras Eistonos leva,sem dvida,adar umpouco maisdeconsistncianossadeterminaodo alcancepolticodoteatro(dofato,doacontecimento,da representao teatral, antes de qualquer exame de seucontedooudeseudesenrolar-se). Comodissemos,aconvocaodosespectadores , efetvamente,um ato pblico - que se processa noespaodaorganizaodacidade.Enunca indifrente,seja qual for a forma do Estado eseu regime,quesejaconvocada,publicamente,uma reuniona qual semobilizao desejo dacomunidade.Estedesejoseramobilizadotalvez timidamente,demodoveladooumedroso.Ele ser,talvez,objetodecoeresoudesvios.Mas eleseralimobiizado- ouentonoseestar no teato.E a provocao, pblica, de uma reunio destetiponopodeserindifrenteaoEstado. Pouco importa se ela lhesorriouseele se pe em alertaporcausadela. \..... ..* Acircularidadedoteatroumaprdisposiopoltica.Esteenunciadopededois complementos. ObservemosamaquetedoGlobe:um cilindro quase perfeito.Olhemos tambm a planta de um autntico teatro italiana:a platia quase 26 De nisGunoun circular,apontode se encontrar com opalco.O queocorriatambm,aoqueparece,comos primeios teatros g7egos - em madeira - at onde sabemos.Emtodosestescasos,oespaodo pblicose fecha peloslados nadireodolugar dos atores.E possvel formur isto de outo modo, porumligeirodeslocamentodoolhar:osatores fazem parte do crculo,eles so seu complemento, seufchamento,elesagemnopontoemquese completasua rotundidade. Apurezadodesenhonooquemais interessanestaobservao,masseucorolrio imediato:osatoressomembrosdacomunidade reunida,o palcoest na platia.O quesepeem jogo no palco no heterogneo ao que se mobilza no pblico.O palco ocupado por uma fraoda comunidade,que a se enconta - originariamente - em conseqncia deuma espcie dedelegao, ou,sepreferirem(segundoaduplaressonncia da palavra que nos remete a afinidade e a poltica): por eleio. (Dizendoisto,nopretendemosafrmarque o ator membro da comunidade por provenincia, por origem.No:ele entrana assemblia peloato - poltico- darepresentao.Acontececom freqncia,desdeoinciodoteatro,queoator sejaumestrangeiro,queviaja.Istonooexclui 27 Aexibiodas palavra sdacomuni dadereuni da.Pel ocontrri o.O momento do teatro na cidadeo convitea esta narrativa eaestenarrador,escrangeiros.) * Outraconseqncia:aHistriadoteatro parece fita de uma sucesso,de uma alternncia deepisdiosinversos.Emcertaspocas,v-seo crculosurg,fechar-seemsuaformacompleta. Depoisvmtempos maislongos- emqueele pareceatacado, fracionado, achatado. Primeir,fracionado.O palco se ope ao resto docrculo.Eleseeleva,sesepara:seinstitui. O limite entreeleeaplatia,corredor provisrio ecmodo,nofncionamaiscomoaproximao mascomobarra,barreira. Em seguida,achatado.O palco separado quer seestender:emlargura,emprofundidade.Os lados vem menos bem.O arcode crculo em que aplatiasetransfrmou(desdequeel afoi amputadadeumfagmento)seabreirresistivelmente.Acurvaseatenua.Oteatrosetorna pouco apoucofrontal.Faceaface,confr ontode espaos que seafontam. 28 D e ni s G u n o u nEste relato,soba forma que lhe demos aqui, ,evidentemente,umromancedasorigens. Asucessonofactualnemtampoucolinear. Noobstante,ahistriadoteatroconhece,na verdade,momentos de irrupo bruta, de inveno intensa,quandoaartepareceseregenerar:o momentogrego,claro,omomentoelisabetano,o momentoitaliano.Poderamosapontartambm umaespciedemomentorevolucionriona Europadosanosvinte.Sotemposnosquaiso polticoda representao(nosentidoem quenos aproximamosdeleaqui- comomobilizaode umdesejocomunitrioe proclamaopblica da vivacidade deste desejo) se afirma sem prudncia, freqentementecomalegria.E so momentos em queocrculosereforma. Depoisentovmosretornosordem:o crculoseabre,ocorteemrelaoaopalcose em1Jece. Mas,a partir destaanlise,preciso deduzir oseguinte:mesmonaspiorespocasdeachatamento doteatro,esteprocessonoavanaat seu limitemximo.Elenopodereduzirarepresentaoaofrenteafrentetotalentreumpalco autoritrioeumacomunidadedesfita.Seisto ocorresse,oteatro,nesteponto,sedesvaneceria.Eenquantooteatrosubsistir,pormais 29 Aexibiodaspalavras enfraquecidoqueeleesteja,restaalgoda comunidadedesejada,doreconhecimento,do compartilhar.E,portanto,docrculo. * Aaberturadosarcosdocrculo- oachatamento do teatro- no a nicatestemunhadesta espcie de represso da representao emproveito dorepresentado,desteesquecimento,desta censuradopoltico01iginrio.Outroexemplo:o empregodaluzedasombraNaspocasfortesdoteatro(segundoa acepo,poltica,queacabamosdeesboar)a assembliadosespectadoresvisvel.Poranto: iluminada.svezesarepresentaoaconteceao arlivre,emplenodia- comoentreosgregosoMesmonoiteoteatrode rua recebeasluzesda cidade. As platias so iluminadas:fgo,lmpadas - eo Globe Theater notem teto.Semdeterminadosperodoseemcontextosdefinidosos espectadores so mergulhados na obscuridade.O efeito- poltico- estdeterminado:aplatiase esqueceemproveitodopalco,comosepode esqueceroprpriocorpoduranteumsonho.Ela se ausenta, o palco parece que est s o que no verdade, ao menos porque opblico pode ouvir seusprpriosrudosesilncios.Maselenose 30 DenisG u n o u nv. Eleestimaginariamenteexcludoda representao,apesardeserseufundamento primeiro. Este obscurecimento no pode aniquilar o ff polticodarepresentao.Eleobscurecea experi nci aqueel atemdesimesma.Arepresentaopermanece um atopoltico,mas ela sabe - v - isto com menosnitidez.Assim como o recalque de um desejo no o destri nem suprime seupapel(sencobreseuobjeto),ofatode mergulharasalanapenumbranodissolveo pblico:istoseriaausentaroteatro.Orecalque do poltico poltico tambm. Aqui, ele tem o efito decobrircomumvuacomunidademobilizada dosindivduosreunidosedesdeixaraparecer dela a pequena parte, intensamente iluminada, que emergesobreopalco:feqtientemente,alis, foresceaidiadoteatrocomosubespcieda magta. * E,para fnalizar estes comentrios a respeito darotundidade,mencionoumltimotraodesta histria,edosmaissingulares:odestinoda orchestra.Adisposiodopblicoemarquibancadascircularestemcomoconseqncia liberarumespaonocho,tambmcircular,en-31 Aexihi od a s pala vrastreasprimeirasfileiraseopalco.Istono arbitrrionem forado:basta observar um clown ouumcantornarua,everemosaplatia, espontaneamente organizada num crculo, deixar queseformeumgrandeespaovaziodiantedo cantor,dommico.Tambmaosespectadores maisprximosestonaslaterais.Nsnos habituamos com o fto de que nos teatros tambm este espaosejaocupadoporpoltronas.Mas isto uma evoluo recente. Osgregosusamestelugarnumsoberano equilbrioentrecoernciaeinveno.Eles inscrevemaasevoluesdocoro.Atondese sabe,ocoroumgrupopouconumeroso(em vistadestegrandeespao)cujaatividadedifre claramentedadosatores:ocorocantaedana. Da que eles constituem,segundo reza a tradio, oelementomaisatraente,maispopular ,da representao.Sobretudo- a est a inveno-noso"profissionais"daprticateatral.Ao contrriodosatores,querepresentamsobreo pal co,oscoreutassopessoasdopovo: contratadosporumperodomuitolimitado, apenas para participardafsta,eles s agem, na representao,segundoestecarterprovisrio. Elesprovm,diretamente,daassembliado pblico. 32 Deni sGunoun Oatortambm,comoafirmamos.Masno segundoomesmoregime.Oatorentrana assembliahabilitadopelarepresentao.Sua existncia- comomembrodeumaprofisso, confraria- testemunhaumaevoluoorgnria quedistingueonarradordeseupblico.Nas tragdias gregas,com feqncia,o ator principal tambmopoeta.Suafnoemcenadeveria serobjetodeumaanlise- poltica- profunda: porqueelefigura,freqentemente,oreiouo detentor do poder,ouseumensageiro,seuportavoz,seuintrprete.Apalavrapoticaenunciada no palco interpretao dos signos do poltco, isso quando a prpria interpretao no ,ela prpria, poltica,isto ,interioraodiscursopoltico.Mas no nos antecipemos a respeito deste ponto. A cena figura a autoridade, o poder.Ela fala,fctciamente, emseunome.Eoatorqueestnopalcojse distingue da platia, como o poder se distingue na cidade.Simplesmente,o ato da representao,e a disposiocircularqueoorganiza,integraesta autoridadeeseudiscursocomoumaparteda comunidadereunida,colocando-acomoum fragmento - destacado- de seu crculo e no como uma i upo extera,incidente celeste ou enxerto divino.Opalcoestno teatocomooOlmpona Grcia,elevado,mascircunscrito. assimquea Grciarepresentaparasi,aqui,pelomenos,o exterior:nocomoalteridadedeessncia,mas 33 Ae x i bi o d a s p alavras comofragmento alteradodesi.O palcoa figura - arquiteturalepotica- deumaexterioridade assim colocada nointeriorda assemblia.Eleo signocomunitriodoestranho. Jocoroemanadopovo,diretamente.Seus membrossoumapartedacomunidadecidad, provisoramente enca egada de cantar edanar.O pblicooveassimvasi mesmopordelegao, figurao,metonmia.Ocoroexatamenteuma representaodopblico- nosentidopoltcoe mimtico do termo.No resistremos a uma pequena antecipaodoqueviremseguida- quantoao contedo, ao rpresentado do teatro. Porque preciso observar, sem delonga, que esta delegao do coro pela comunidade tem sua inscro legvel no texto. Ocororepresenta- nanarrativa- opovo.Elea figuradoscidadosreunidosdiantedoRei- que estnopalco- equeointerrogam,exigem esclarecimentos,pedem-lhecontas,solicitam respostas.AtagdiacontaasrespostasdoHeiao povo - sua responsabilidade. Esta a inveno gega doTeatro:aprojeonarea central,liberada,no cho,pela consttuio circulardasarquibancadas, de um gupo de cantors e danarinos sados do povo pordelegaodiretaequeopovovcomovasi prprio,aospsdaautoridade,queodomina, interpelando-a de bao, pergntdo-le pela palavra e pelosentdo. 34 DenisGu n o u nEstelugarnocho,circular,colocadoentre ,. ' oteatroeopalco,sechamaorchetr.Apalavra vem deumverbogregoquesignifca danar:o lugaondesevocoroquedana.Porquea dana? Por que elaquedefine esteespao?Por quequeeladeixaseurastro(imperceptvel, esquecido)na etimologia da orquestra'? Se respondssemos a isto agora, anteciparamosmaisqueonecessro. * Por ora,hastamencionarodestinoqueter estasuperfciesurpreendente.Seuvazioser poucoapoucopreenchido- pordoistiposde afluncia. Prmeiro,pelo pblico:as poltonas de platia. Aocupao deste espaopor assentos tardia.Nos teatoselisabetanose,comfreqncia,aindano sculo XIX,o pblico fica em p neste espao:rea de circulao,em geral muito animada e barulhenta. Osatoresreclamamdaindisciplinado"paere". *Otcrmosignifieatamum "andartrrco". Em portugus no Lemos,novocabulrio teatral,uma palavra para traduzir parten-e, espaodestinadoaespectadoresque assistiamde p, representao,e que se distnguiados bales,camarotes e gae1ia. (N. daT.) P,.::. 35 Aexibi oda spala v r a sTerritriodopblicomenosbemaquinhoado financeiramente - ao contrro do que acontecer nofturo,quandoaserofxadasaspoltronas frontais. O outo ocupante que vi se instalar a depois da desaparo do coro o grupo dos msicos (que por isto recebe a denominao de orquesta). Por muitotempoa orquestra conservar osvestgios de sua origem: conjunto proveniente do povo. Nas cidades pequenas, por exemplo, a orquestra rene msicos do lugar- enquanto os cantores, no palco, so,comfreqncia,viaantesvindosda capital ou do estrangeiro.A cooperao entre eles evoca os ofcios religiosos nos quais o coral - o coro - compostoporparoquianos,enquantoqueo oficianteemprestasuavozaodiscurso,todopoderoso, do Outro. * Por que pretender, ento, que o ator est em cena por delegao, por eleio? Quanto ao coro, podeser,porqueeleseoriginadiretamentedo povo.Masoator?Queumestrangeiro,de passagem ... Vamosrecorrer,novamente,aumafco sobre as origens. O pblico se junta - no salo de 36 D enisGunoun fstas de uma cidadezinha. O espao est vazio, o cho nu.Navspera,aconteceuaum baie,a cadeiras esto empilhadas, encostadas na parede. Algum armaumtablado - doispraticveisque estavam desmontados num canto. As cadeias so arrumadasemcrculo. Todossesentam.O presidente da associao agradece ao prefito, aos bombeiros. Depois convida um ator a subir ao palco improvisado.Oator sobe. Talvez sejaum moradordacidade,conhecidodamaioriados presentes - mas o menos provvel. Talvez seja um viajante que chegou naquela manhmesmo. Pedem-lheque suba: ogrupo,pelavoz de seu representante, que o chama, atribuindo-lhe o lugar do recitante, do criador de histrias. A constituio originria do teatrocorrespondea esteromance. O ator s est no palco porque fi convidado, por eleioda assemblia - mesmo queeleseja um visitante de passagem por um nico dia. * Seriaprecisoaindapensarqualoestranho elo que liga a autoridade com o exterior, o outro, paraqueacomunidadechamecomtanta freqncia um estrangeiroparaassumiropapel (usar a mscara, pronunciar as palavras) daquele que detm o poder. * 37 Ae xibi oda spa l a vra s O que concluir de tudo isto? O teatro acontece num esp