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Universidade de São Paulo
Escola de Comunicações e Artes
MARIANA MUCHATTE TRENTO
716462-8
DENSIDADE E INTERPRETAÇÃO
São Paulo
2013
Introdução
A disposição em estudar o conceito de densidade, com foco nas
questões harmônicas e rítmicas, está, nesse projeto, amparada no desejo de
aprofundar e identificar mecanismos pertinentes ao universo teórico
fundamentando as análises voltadas para performance.
Uma grande parte da produção teórico musical é léxica1, e as
palavras/termos são essenciais para a formação do discurso de um trabalho
musicológico (Berry, 1976, p.191). Os autores de tais análises, muitas vezes,
empregam termos diferentes que descrevem questões relacionadas com uma
mesma ideia de densidade. Ainda que, proporcionando uma riqueza
terminológica, é preciso aproximá-las e verificar as reais semelhanças e as
suas qualidades.
É possível observar essas diversas denominações em Schoenberg,
quando registra as mudanças e contrastes de texturas para descrever eventos
musicais caracterizados por variações de densidade. Ele adota termos
analíticos que estão relacionados com o conceito de densidade musical, como,
por exemplo: Acréscimos e Decréscimos Rítmicos (Schoenberg, 2012, p.56) e
Condensação e Intensificação da Harmonia mediante a Concentração
(Schoenberg, 2012, p.53).
O teórico Wallace Berry (1976, p.191), posterior a Schoenberg,
contribuiu com a seguinte pergunta: o que é a textura musical? Seus
argumentos se referem a que certas qualidades e classificações desse
parâmetro que foram amplamente discutidas em pesquisas musicológicas,
porém sem referendar adequadamente os processos que envolvem eventos e
mudanças de textura ou seu significado para a estrutura musical. Berry acredita
que o aspecto quantitativo da textura é a densidade, afirmando que esta se
relaciona com eventos musicais harmônicos e rítmicos (Berry, 1976, p. 184).
“Density as the number of sounding components is the
density-number; density as the ratio of the number of sounding
components to a given total space is the density-compression.
1 Léxica: o mesmo que dicionário e vocabulário. (Dicionário Michaelis) Léxica nessa frase carrega o sentido de Vocabulário: Conjunto de termos ou vocábulos pertencentes a uma arte ou ciência. (Dicionário Michaelis).
Despite these direct and apparently simple propositions, the
question of density is, like those of others aspects of texture,
very complex indeed.” (BERRY,1976,p.209)
Os teóricos acima citados serviram de base para a criação do roteiro de
análise “Referencial Silva Ramos de Análise Orientada para a Performance
Musical” (RAMOS, 2003).
“Meu já citado Referencial de Análise atua nesse campo: o do
desmonte da obra. Minha referência teórica principal, é fácil
observar, é Schoenberg” (RAMOS, 2003, p.64)
O Referencial Silva Ramos de Análise Orientada para a Performance
Musical busca conduzir e despertar o olhar do intérprete para investigação
acerca de determinada obra. Esse conjunto de questões permite fundamentar
esta concepção interpretativa de maneira consciente, crítica e consistente. No
que tange aos aspectos rítmicos, harmônicos, psicológicos (no campo da
poética e da relação texto-música) e do uso musical do silêncio, observa-se
que Marco Antonio da Silva Ramos emprega o termo densidade na formulação
de perguntas propostas ao intérprete:
“1.6. A obra apresenta grande densidade rítmica? No sentindo
horizontal ou vertical? No todo ou em partes? [...]1.6.2 Caso
existam, essas alterações de densidade ocorrem por transição
ou por corte?” (RAMOS,2003,p.86)
“2.2.3.2.6.Existem momentos em que a densidade harmônica
varia? Onde?” (RAMOS,2003,p.89)
“5.1.2. Do ponto de vista de supressão da matéria sonora, os
silêncios se instalam por procedimentos de corte, filtragens ou
tendência dinâmica?
5.1.3. Do ponto de vista da supressão do silêncio, os sons se
instalam por procedimento de corte, adição ou tendência
dinâmica?” (RAMOS, 2003, p.85)
“7.12 Há uma relação direta entra as variações de densidade
dramática do texto e da música? Elas se conectam com
procedimentos estruturais de aumento e redução da
densidade?” (TRENTO, 2013 in RAMOS, 2013)
Portanto, o cerne do trabalho é a revisão literária do conceito de
densidade, principalmente o utilizado nas obras de Wallace Berry, bem como
nas de Schoenberg, com foco nas questões harmônicas e rítmicas. Ramos
traça um referencial mais voltado para a interpretação. Além das questões
musicais, aborda também a densidade dramática do texto e sua relação com a
música.
Tratando-se de um conceito complexo, a identificação e significação da
densidade exige desta estudante o conhecimento específico e detalhado dos
diferentes termos e formas de análise que têm sido praticadas recentemente.
Justifica-se, portanto, a abordagem comparativa e exploração de autores
diversos que se dedicaram à atividade analítica musical.
Objetivos
Objetivo geral
O cerne do trabalho é a revisão literária do conceito de densidade,
principalmente o utilizado nas obras de Wallace Berry, bem como nas de
Schoenberg, com foco nas questões harmônicas e rítmicas, e de Ramos,
propondo um referencial para a performance.
Objetivos específicos
Estabelecer, entre as múltiplas formas de abordagem do tema da
densidade musical, diferenças e similaridades terminológicas e teóricas.
Manter a coerência teórica eleita pelo “Referencial Silva Ramos de
Análise Orientada para a Performance Musical” (RAMOS, 2003), primando pela
restrição do arcabouço bibliográfico.
Construir, agrupar e detalhar um corpo teórico com a finalidade de
fundamentar uma análise crítica de como a densidade rítmica e harmônica
relaciona-se e influencia nas escolhas interpretativas descritas e apontadas no
“Referencial Silva Ramos”.
Metodologia
A pesquisa, de cunho teórico, desenvolve-se como revisão bibliográfica
e análise comparativa conceitual. A base analítica é a obra de Wallace Berry
(1976) que serve como ponto de partida para a problematização do conceito de
densidade nos estudos teórico-analíticos musicais contemporâneos.
Tal revisão foi elaborada por meio de leitura apurada onde o destaque
foi o segundo capitulo do livro Structural Functions in Music intitulado Texture
em que se constata a existência de uma temática secundária que contribui para
esta pesquisa.
A revisão do verbete “textura” expresso no Dicionário Grove implica
numa definição qualitativa sobre densidade musical. Ao estudar esses dois
conceitos iniciais de densidade, direciona-se a análise das questões de
densidade para a relação com outros parâmetros musicais e seus significados
na estrutura musical. Nas discussões sobre os aspectos timbrísticos e
texturais, a adoção da referência teórica de Moreira (2008) e Kostka (2006)
demonstra o quão imprescindível e valiosa é a sua contribuição.
Após a revisão bibliográfica dos autores supracitados, principalmente de
Berry, realiza-se uma análise crítica da diversidade terminológica na primeira
obra traduzida de Schoenberg (1991), investigando a semelhança entre os
termos que descrevem os processos composicionais e sua relação com os
aspectos rítmicos e harmônicos da densidade.
Os teóricos acima analisados serviram de principal referência teórica
para a criação do roteiro de análise “Referencial Silva Ramos de Análise
Orientada para a Performance Musical” (RAMOS, 2003). Ramos constitui o
alicerce teórico que fundamenta a concepção de densidade voltada para
performance através de questionamentos, tanto sobre aspectos estruturais
quanto psicológicos.
Além do processo de revisão bibliográfica e análise comparativa citada
acima, o trabalho também se desenvolve a partir da escuta, comparação de
gravações e análise das obras musicais citadas nessa pesquisa.
Conhecer, reconhecer, analisar e agrupar tais significados em uma
síntese possível, ou seja, propor o conceito e a concepção de densidade, a
partir da revisão bibliográfica da obra de Berry, Schoenberg e Ramos são os
desafios que ora se apresentam.
Resultados Finais
Berry classifica densidade como uma propriedade do parâmetro textura,
quantitativa e mensurável, condicionada pelo número de componentes
simultâneos ou concomitantes e pela extensão do espaço vertical que esses
componentes abrangem e ocupam. Esta pesquisa legítima o conceito de
densidade apresentado pelo autor, mas, ao observar a utilização de outros
termos para a mesma ideia de densidade, encontramos características
qualitativas. A disparidade é justificada pois o termo qualitativo se estabelece
dentro do âmbito da densidade e não de textura.
Berry também identifica densidade sobre um sentido vertical, mas
aplicando seus conceitos em outros aspectos, podemos encontrar uma
densidade caracterizada pela horizontalidade. Esse posicionamento é visível
nas explicações de Schoenberg sobre os processos composicionais. Um dos
exemplos explorados nesse trabalho é o grau de aumentação ou diminuição
motívica: uma técnica composicional que relaciona o aspecto quantitativo de
textura (o número de componentes em relação a um espaço melódico pré-
estabelecido), portanto, a densidade no sentido horizontal.
Ramos sintetiza os dois modos de ver a questão da densidade em
algumas perguntas:
“1.6. A obra apresenta grande densidade rítmica? No sentindo
horizontal ou vertical? No todo ou em partes? [...]1.6.2 Caso
existam, essas alterações de densidade ocorrem por transição
ou por corte?” (RAMOS,2003,p.86)”
“2.2.3.2.6.Existem momentos em que a densidade harmônica
varia? Onde?” (RAMOS,2003,p.89)”
Em seu referencial, Ramos ainda propõe como acima evidenciado, nas
análises, outros aspectos qualitativos da densidade, como a sua relação com o
texto e com o uso musical do silêncio, resultando na densidade dramática ou
psicológica.
Encontram-se, nesses três teóricos, três conceitos de densidade que se
complementam:
- A densidade vertical . Apresentada por Berry que a classificou em
duas categorias: density-number (número de componentes) density-
compression (grau de compressão). Berry analisa as influências diretas da
densidade nas questões de timbre, dissonâncias, independência ou
interdependência das vozes.
- A densidade horizontal. Encontrada ao analisar os outros termos para
as ideias de densidade, principalmente nas obras teóricas de Schoenberg e
pode ser considerada uma densidade de mudança, envolvendo principalmente
aspectos rítmicos e harmônicos.
- A densidade dramática ou psicológica . Ao pesquisar sobre o Gesto
Musical, apresentado por Marco Antonio da Silva Ramos, que o define como o
discurso musical que se constrói a partir de ou sobre uma referencia exterior a
ele mesmo, possibilita-se a pesquisa de um conceito de densidade em outras
expressões artísticas, como a literatura ou teatro em sua dimensão psicológica,
utilizadas neste trabalho.
Análises
1. BERRY: DENSIDADE E TEXTURA
“Se uma única altura soar, uma textura é (na máxima
simplicidade) estabelecida. Se uma segunda altura soar
simultaneamente, a textura é alterada e assim, amplia-se a
densidade” (BERRY, 1976, p.185).
Após uma primeira análise da bibliografia, chegou-se à possibilidade de
estudar densidade e textura como descritores analíticos de procedimentos
composicionais muitos próximos. A partir dessa possibilidade, decidimos focar
inicialmente o conceito de textura.
O ponto de partida escolhido para pesquisa foi o segundo capítulo
(texture) do livro Structural Functions in Music (1976: p.184-300), onde Wallace
Berry aborda a temática das qualidades e classificações da textura,
problematizando os conceitos pré-existentes. Faz uma análise sobre as
características intrínsecas à textura, as relações deste parâmetro com outros
eventos e elementos musicais, os reflexos desta interação na estrutura
composicional e na performance (BERRY, p. 184).
Para Berry, textura é concebida como um elemento da estrutura musical,
formada e condicionada pelo número de vozes ou por outros componentes que
projetem materiais musicais no meio sonoro, e, quando há dois ou mais
componentes, pelas interrelações e interações entre os mesmos(Berry, 1976,
p.191). Consiste em seus componentes sonoros, sendo condicionada em parte
pela quantidade desses componentes, que podem soar simultaneamente ou
em concorrência, projeções e substâncias de suas linhas componentes, ou de
outros fatores sonoros constituintes, como a ressonância2.
O parâmetro divide-se em características quantitativas (pode ser
avaliado e expresso em quantidade/números) e qualitativas (determina a
propriedade pela qual irá se individualizar)3. As interações dos elementos da
textura musical caracterizam o aspecto qualitativo. A independência e
interdependência entre elementos sonoros coexistentes constituem a
característica qualitativa decisiva para a moldagem expressiva de uma
estrutura musical(Berry, 1976, p.185).
A importância de compreender todo o pensamento conceitual e analítico
de Berry sobre a textura musical justifica-se quando o autor pontua que a
densidade, além de ser uma propriedade desse parâmetro, é o aspecto
quantitativo da textura (Berry, 1976, p.184). Portanto, o uso do termo
quantitativo como uma particularidade da textura refere-se ao número de
componentes, sendo esse um dos aspectos da densidade. O grau de
2“Berry empregou o termo componente em referência a qualquer elemento formador da textura”. MOREIRA, Adriana Lopes da Cunha. Olivier Messiaen: inter-relação entre conjuntos, textura, rítmica e movimento em peças para piano / Adriana Lopes da Cunha Moreira. – Campinas, SP: [s.n.], 2008. P.348 3 Qualitativo – Determinativo de qualidade (Atributo, condição natural, propriedade pela qual
algo ou alguém se individualiza, distinguindo-se dos demais; maneira de ser, essência, natureza) (Dicionário Michaelis). Quantitativo - Relativo ou pertencente à quantidade ou à sua medição. 2 Que é ou pode ser avaliado ou expresso em quantidades. (Dicionário Michaelis).
compressão e volume do espaço intervalar é também outro parâmetro
mensurável (BERRY, 1976, p.204).
O exemplo citado abaixo é utilizado por Berry para demostrar como as
progressões, variações e recessões da textura juntamente com os fatores
qualitativos e quantitativos influenciam na estrutura musical. Na terceira peça
dos Seis Sonetos para coro misto de Milhaud, essas mudanças são
condicionadas por fatores qualitativos: independência ou interdependências
das vozes; e quantitativos: números de componentes. (BERRY, 1976, p.187)
Figura 1 - Milhaud, Six Sonnets for mixed chorus; No. 3. (c. 1-7)
Abaixo se encontra a representação escolhida por Berry para demostrar
a quantidade de vozes e se estas são classificadas como independentes ou
interdependentes. Com isso, no primeiro compasso, Milhaud expõe uma única
voz representada por Berry como o número 1. No segundo compasso, o
mesmo tema é reexposto na sua inversão (independência), gerando na
representação dois números “1” separados por uma pequena barra (como uma
fração). Quando ocorre a interdependência, os números de vozes são
somados, por exemplo, quando há a apresentação do número “2” no quinto
compasso.
Figura 2 - Representação da análise
O aspecto quantitativo é caracterizado pelo density-number, número de
componentes que se apresenta como o número de vozes. O momento mais
denso é no quarto compasso quando Milhaud apresenta as quatro vozes
independentes.
Assim, justifica-se a contribuição de Berry para o presente estudo, que
se revela mais em sua ideia de densidade, presente nesse segundo capítulo,
do que na temática propriamente.
DENSIDADE E TIMBRE
Conclui-se, portanto, que Berry definiu textura relacionando-a a
densidade. Em suas análises o autor também relaciona esta última propriedade
com timbre. Ampliando esta discussão, Stefan Kostka, em seu livro Materials
and Techniques of Twentieth-Century Music, expande e aprofunda essa
relação entre timbre e textura no Capítulo 11 intitulado Timbre and Texture:
Acoustic (KOSTKA, 2006, p. 222-44). Neste capítulo, Kostka apresenta uma
breve conceituação de textura que se aproxima das ideias de Berry.
“Texture is a little harder to define, although most of us have a
pretty good idea of its meaning. We could say that texture
refers to the relationships between the parts (or voices) at any
moment in a composition; it especially concerns the
relationships between rhythms and contours, but it is also
concerned with aspects such as spacing and dynamics”.
(KOSTKA, 2006, p.222)
Kostka também descreve uma técnica composicional desenvolvida por
Schoenberg que considera a relação entre timbre e densidade:
Klangfarbenmelodie. A melodia de timbres, como é traduzida em português,
pode ser percebida quando a melodia é melhor definida pela mudança de
timbres do que pela sucessão de alturas. Essa ideia possibilita uma constante
re-orquestração de uma linha melódica ou sonoridade uma vez que esta
procede ao longo do tempo. (KOSTKA, 2006, p.233-234)
“Acho que o som faz-se perceptível através do timbre, do qual
a altura é uma dimensão.[...] A altura não é senão o timbre
medido em uma direção. Se é possível, com timbres
diferenciados pela altura, fazer que se originem formas que
chamamos de melodias, sucessões cujo o conjunto suscita um
efeito semelhante a um pensamento, então há de também ser
possível, a partir dos timbres [...] produzir semelhantes
sucessões.[...] Isto parece uma fantasia futurística, e
provavelmente o seja.” (SCHOENBERG,1999, p.578-579)
O tratado Harmonia de Schoenberg foi dedicado ao compositor austríaco
Gustav Mahler que em suas Sinfonias já compunha melodias que transitavam
intensamente por muitos timbres diferentes. Um dos usos composicionais da
melodia de timbre é apresentado pelo compositor também austríaco Anton
Webern. Em suas obras, entre elas, as Seis Bagatelas para quarteto de cordas
(Op.9), Webern adota essa forma de compor e a radicaliza.
Berry relaciona timbre com densidade quando propõe que se
colocarmos dois instrumentos tocando juntos com uma diferença intervalar
comprimida (compressão - segunda maior), o resultado produzirá diferentes
intensidades, dependendo da homogeneidade ou disparidade dos timbres
desses instrumentos. (BERRY, 1976, p.184)
DENSIDADE: OUTROS TERMOS
Após a revisão das obras de Walace Berry e Kostka, que estruturou o
conceito e as formas de aplicação da densidade e textura, encontrou-se uma
conceituação sucinta de textura em um dicionário inglês enciclopédico
chamado “The Grove Dictionary of Music and Musicians” (SADIE, 2001) no
verbete texture. É um verbete curto que destina o emprego do termo textura
quando há referências aos aspectos sonoros da estrutura musical. No
dicionário há uma exposição dos possíveis locais de aplicação do termo, como
por exemplo: aspectos verticais de uma peça ou trecho musical (a maneira em
que partes individuais ou vozes são colocadas juntas) ou atributos como timbre
ou ritmo, ou características próprias da performance, como articulação ou
variação de dinâmicas. (SADIE, 2001)
Por ser, ou em se tratando de um dicionário enciclopédico, é possível
perceber que o verbete é retratado com informações ligadas à aplicação do
termo e classificações gerais; aponta quais são os compositores que se
utilizaram deste parâmetro e uma pequena relação bibliográfica.
No verbete encontra-se o conteúdo expresso de que não há uma
equivalência etimológica do termo textura em nenhuma outra língua, mas
acredita-se que na língua portuguesa essa equivalência exista. Na língua
italiana, a palavra “testura” e “tessitura” referem-se ao registro de somente uma
linha, normalmente vocal. No idioma alemão a palavra “satz” é a que mais se
aproxima do significado de “texture,” quando remete a uma organização
contrapontística (dezimensatz) ou melodia acompanhada (kantilenensatz –
onde a melodia está na voz mais aguda e o acompanhamento nas vozes mais
graves) (SADIE, 2001).
Não se obteve êxito na pesquisa pelo verbete densidade (density) no
dicionário Grove. Encontram-se referências sobre essa propriedade no verbete
texture, onde o conceito é utilizado, mas com outras denominações
qualitativas. Quando é citado o espaçamento de acordes (open or close
harmony) como um aspecto da textura, utiliza-se do termo thickness, que
engloba sinônimo como a espessura/densidade. Quando enumera exemplos
do aspecto acima ele lista características como: “Lightness”/“Heaviness”
“So may the “thickness” of a sonority as determined by the
number of parts, the amount of doubling at the unison or
octave, the “lightness” or “heaviness” of the performing forces
involved and the arrangement of instrumental lines an
orchestral work”.(SADIE, 2001)
O CONCEITO DE DENSIDADE
Umas das conceituações listadas nessa pesquisa, que se apresenta
com o termo densidade e discorre sobre o mesmo no âmbito musical, é a de
Wallace Berry. Ele define densidade como uma propriedade do parâmetro
textura, quantitativa e mensurável, condicionada pelo número de componentes
simultâneos ou concomitantes e pela extensão do espaço vertical que esses
componentes abrangem e ocupam (BERRY, 1976, p.191).
Berry classifica a densidade em dois princípios: como o número de
componentes denomina-se density-number (número-densidade4); densidade
como a proporção entre o número de componentes sonoros e um espaço pré-
estabelecido seria density-compression (compressão-densidade5). Se duas
notas estão dispostas em um intervalo de segunda e elas são sucedidas por
um intervalo de sexta (a mais aguda uma quarta acima e a mais grave uma
segunda abaixo), ocorre um evento sonoro característico da textura, que não
envolve somente density-number, mas também density-compression (e
também outros fatores qualitativos) (BERRY, 1976, p.185).
4 Tradução proposta em: MOREIRA, Adriana Lopes da Cunha. Olivier Messiaen: inter-relação
entre conjuntos, textura, rítmica e movimento em peças para piano / Adriana Lopes da Cunha
Moreira. – Campinas, SP: [s.n.], 2008. P.349 5 Tradução proposta em: MOREIRA, Adriana Lopes da Cunha. Olivier Messiaen: inter-relação
entre conjuntos, textura, rítmica e movimento em peças para piano / Adriana Lopes da Cunha
Moreira. – Campinas, SP: [s.n.], 2008. P.349
Apesar de essas proposições serem aparentemente simples e diretas,
segundo Berry (1976, p.209), a questão de densidade, como os outros
aspectos de textura, é extremamente complexa, principalmente quando a
relacionamos com outros parâmetros musicais e seu significado na estrutura
musical.
DENSIDADE E DISSONÂNCIA
Berry relaciona densidade com dissonância. Um exemplo é o madrigal
italiano de Carlo Gesualdo, intitulado Moro, lasso, al mio duolo, composto para
5 vozes a capella e publicado no Sesto Libro di Madrigali em 1613.
Na parte final da obra, os intervalos de segundas, quartas justas e
trítonos, apresentados no momento do texto “Ahi, me dà morte” (Ai de mim, dá-
me a morte), constituem um aumento da utilização de dissonância causando o
aumento de densidade.
O grau de proximidade no qual cada componente sonoro é separado,
alinhado verticalmente (grau de compressão), consiste em um aspecto da
densidade. Portanto, um intervalo de segunda sobreposta apresenta uma
textura mais densa do que um intervalo de quinta sobreposta. É curioso
questionar o porquê de um trítono harmônico aparentar ser mais denso que um
intervalo de terça sobreposta? (BERRY, 1976, p.209).
Figura 3 - Intervalos de trítonos e de segundas sobrepostas
“RITMO-TEXTURAL”
O autor também relaciona densidade com o “ritmo-textural”. Da mesma
maneira que eventos tonais, melódicos e harmônicos expressam qualidades e
um determinado movimento/ encadeamento (pacing) que podemos descrever,
respectivamente, como ritmo tonal, ritmo melódico, ritmo harmônico, as
mudanças significativas na textura são denominadas textural rhythm. A ideia de
variação rítmica da textura pode ser estendida para todos os aspectos
qualitativos e quantitativos que se relacionam com esse parâmetro, com isso,
podemos citar a density rhythm. A quantidade de mudanças na textura, tanto
em uma progressão quanto recessão, é um aspecto vital para os efeitos
expressivos. O textural rhythm é o mais óbvio e imediato efeito onde as
mudanças de densidade estão envolvidas. (BERRY, 1976, p.201)
A variação da frequência de acréscimos de vozes em uma exposição
imitativa de um motivo fugato é um fenômeno rítmico e pode causar uma rápida
ou lenta, mais ou menos densa a sucessão no “textural-rhythm”.
2. SCHOENBERG: OUTROS TERMOS SOBRE A MESMA IDEIA,
OUTRAS IDEIAS SOBRE AS MESMAS PRÁTICAS
Nesse segundo momento da pesquisa, já é possível estabelecer, entre
as múltiplas formas de abordagem do tema da textura e densidade musical, as
primeiras análises das diferenças e similaridades terminológicas e teóricas,
como as realizadas no capítulo anterior.
Após obter todo o repertório de ideias e conceitos a partir da leitura já
realizada da obra de Berry, torna-se possível reconhecer, analisar e agrupar
tais significados em uma síntese desse conceito. Portanto, a questão proposta
para esse capítulo é buscar a ideia de densidade na obra de Schoenberg, na
qual o autor não utiliza o termo explicitamente não o categorizando como um
parâmetro. A pesquisa será portanto, por outros termos que se aproximem da
ideia de densidade para reconhecer o seu uso nas estruturas musicais.
SOBRE SCHOENBERG E SUA TERMINOLOGIA
O livro utilizado nessa pesquisa, Fundamentos da Composição
Musical, nasceu do trabalho de Schoenberg com os estudantes de análise e
composição da University of Southern Califonia e da University of California
(Los Angeles). A elaboração do livro foi de maneira intermitente, de 1937 até
1948 (SCHOENBERG, 2012, p.17), constituindo-se no último dos três grandes
tratados de teoria e prática planejados por Arnold Schoenberg, como resultado
de seus ensinamentos nos Estados Unidos, sendo os dois primeiros: Structural
Functions of Harmony (Williams &Norgate, 1954) e Preliminary Exercises in
Counterpoint (Faber & Faber, 1963) (SCHOENBERG, 2012, p.21).
É importante observar que esse é o primeiro livro de Schoenberg
traduzido para o português.
O livro foi desde sempre concebido em inglês, e não em alemão, língua
nativa do compositor austríaco. Esse procedimento criou muitos problemas de
terminologia e de estrutura de linguagem. Segundo Gerald Strang, autor do
prefácio à edição inglesa, Schoenberg rejeitou muito da tradicional terminologia
de ambas as línguas, preferindo, ao invés, adaptar ou inventar novos termos
(SCHOENBERG, 2012, p.18).
O tradutor, Prof. Dr. Eduardo Seincman, comenta em seu prefácio à
edição brasileira que muitos dos termos utilizados por Schoenberg não são
habituais, o que, de forma alguma, impede a sua utilização e entendimento. O
que mais pode trazer dúvidas ou mal-entendidos é o uso que ele faz de termos
corriqueiros empregando sentidos diferentes para tais (frase, sentença e
período). Seincman afirma que as ressalvas feitas são com intuito de auxiliar a
compreensão técnica dos conceitos de Schoenberg, e não no sentido de
refutar suas proposições (SCHOENBERG, 2012, p.13-14).
A pesquisa não tem essa preocupação. O que se busca são indícios e
possibilidades de que as ideias de textura e densidade tenham sido por ele
explicitadas e/ou formuladas utilizando outros termos, diferentes daqueles
presentes nas obras de Berry e outros posteriormente.
ORGANIZAÇÂO DIDÁTICA
Schoenberg constrói didaticamente aquilo que identifica como os
fundamentos da composição musical, propondo sua organização a partir de
partículas mínimas dos componentes da estrutura musical, até o macrocosmo,
onde discute as pequenas e grandes formas. Esta escolha de organização
reafirma o caráter pedagógico do livro.
Inicia-se a leitura com considerações sobre a construção de temas,
explicando o processo técnico e criativo da composição de frases e motivos, de
temas simples e seu acompanhamento, exemplos de caráter e expressão e por
último a diferença e o conflito entre melodia e tema.
Ao discorrer sobre o tratamento e utilização do motivo, que se vale da
repetição, que pode ser literal, modificada ou desenvolvida (SCHOENBERG,
2012, p.37), Schoenberg exemplifica modos de “repetições literais” que
diretamente associam-se ao parâmetro densidade. Os exemplos são baseados
apenas em um acorde arpejado sendo que os expostos abaixo apresentam
variações de densidade.
Figura 4 - b) Diminuição c) Aumentação
Os intervalos podem ser mudados quando se abrevia o motivo,
mediante a eliminação ou condensação de notas (SCHOENBERG, 2012, p.38).
Figura 5 - Redução, omissão e condensação
Esses recursos da variação listados acima quando explorados estão
vinculados com a compressão ou descompressão dos ritmos, intervalos,
harmonias e melodias e, portanto, dialogam com a presença ou possível
variação de densidade em uma obra.
Ao constituir o perfil cadencial de uma melodia, Schoenberg diz que esta
deve assumir certas características que são contrastantes, obedecendo à
“tendência às notas curtas” (acréscimo de notas de menor duração), ou ao
contrário, utilizando notas longas (decréscimo de notas). Essa variação é
resultado involuntário da mudança na construção harmônica cadencial
(SCHOENBERG, 2012, p.56). Schoenberg demostra o decréscimo ou
acréscimo de movimentos rítmicos e a diminuição/extensão rítmica, sendo
todos termos utilizados por ele para mudança de densidades.
Figura 6- Mendelssohn, Suleika, Op.57/3 - Extensão do movimento rítmico
Ao falar sobre a construção do consequente sobre a dominante,
Schoenberg escolhe como um dos exemplos o Trio de Cordas, Op.3-II de
Beethoven. Nota-se nos compassos 6 e 7 o uso de duas harmonias, esse
recurso é chamado por Schoenberg de intensificação da cadência mediante
concentração (SCHOENBERG, 2012, p.53).
Figura 7 - Intensificação da cadência
Pode-se perceber que o termo intensificação não está necessariamente
ligado à densidade, pois o que ocorre nesse exemplo é uma reafirmação da
tonalidade, uma intensificação da cadência e não um aumento de densidade. O
termo voltado para a ideia de densidade é concentração. A concentração que
ocorre é caracterizada pelo aumento de densidade harmônica. Ao iniciar a
música, há a disposição de um acorde, uma harmonia por compasso. No
compasso 6 e 7, há um maior grau de mudanças harmônicas. Seguem-se dois
acordes por compasso: (tonalidade de Sib maior) compasso 6 – I – IV;
compasso 7 – ii – V7, caracterizando o perfil cadencial.
É possível encontrar alguns termos causadores de variações de
densidade quando Schoenberg trabalha a técnica de “liquidação” de uma
sentença.
“A liquidação é um processo que consiste em eliminar
gradualmente os elementos característicos, até que
permaneçam, apenas, aqueles não-característicos que, por sua
vez, não exigem mais uma continuação”. (SCHOENBERG,
2012, p.59)
O propósito da liquidação é o de neutralizar a extensão ilimitada da
sentença, mas pode-se dizer que possui uma ideia de densidade a partir do
momento que essa técnica implica não apenas o crescimento, aumentação,
extensão e expansão, mas igualmente a redução, condensação e
intensificação.
Liquidação
Nota-se que os exemplos ligados à densidade em Schoenberg, na
estruturação musical, estão conectados a momentos de maior condensação ou
aumentação da estrutura, recursos para o perfil cadencial, e podem exercer
simplesmente uma função de variação motívica.
Os termos encontrados estão diretamente ligados aos significados de
densidade. Ao tomar consciência das possibilidades desse material para a
criação de contrastes de densidade, pode-se utiliza-los como ferramentas
composicionais aplicando não somente nas construções de frases, mas
transferindo para uma visão integral da estrutura da obra.
3. RAMOS: A DENSIDADE SOB OBSERVAÇÃO DO INTERPRETE
Como dito na introdução, os teóricos acima analisados serviram de base
para a criação do roteiro de análise “Referencial Silva Ramos de Análise
Orientada para a Performance Musical” (RAMOS, 2003).
“Meu [...] Referencial de Análise atua nesse campo: o do
desmonte da obra. Minha referência teórica principal, é fácil
observar, é Schoenberg” (RAMOS,2003,p.64)
O Referencial Silva Ramos de Análise Orientada para a Performance
Musical busca conduzir e despertar o olhar do intérprete para investigação
acerca de determinada obra. Esse conjunto de questões permite fundamentar
esta concepção interpretativa de maneira consciente, crítica e consistente.
No que tange aos aspectos rítmicos e harmônicos, encontra-se o uso do
termo densidade nas seguintes perguntas de caráter estrutural:
“1.6. A obra apresenta grande densidade rítmica? No sentindo
horizontal ou vertical? No todo ou em partes? [...]1.6.2 Caso
existam, essas alterações de densidade ocorrem por transição
ou por corte?” (RAMOS,2003,p.86)
“2.2.3.2.6.Existem momentos em que a densidade harmônica
varia? Onde?” (RAMOS,2003,p.89)
A análise estabelecida nos capítulos anteriores forma um corpo
conceitual e teórico que fundamenta e direciona as possíveis respostas para as
questões sobre densidade. As premissas desenvolvidas anteriormente
permitem analises de caráter estrutural sobre densidade que estão contidas no
âmbito dos quatros parâmetros musicais e o reflexo dessas relações na
composição musical.
Observa-se também que Ramos emprega o termo densidade na
formulação de perguntas, propostas ao intérprete, de caráter psicológico (no
campo da poética e da relação texto-música) e do uso musical do silêncio:
“5.1.2. Do ponto de vista de supressão da matéria sonora, os
silêncios se instalam por procedimentos de corte, filtragens ou
tendência dinâmica?
5.1.3. Do ponto de vista da supressão do silêncio, os sons se
instalam por procedimento de corte, adição ou tendência
dinâmica?” (RAMOS, 2003, p.85)
“7.12 Há uma relação direta entra as variações de densidade
dramática do texto e da música? Elas se conectam com
procedimentos estruturais de aumento e redução da
densidade?” (TRENTO, 2013 in RAMOS, 2013)
Ramos6 discute a questão psicológica em sua natureza extrínseca ao
discurso estrutural da música e da sua obra. Desenvolve, como veremos
abaixo, o conceito de Gesto Musical e o leva a níveis claros de explicação e
análise.
3.1 O GESTO MUSICAL
”Como escolher a pergunta certa, como encontrá-la? [...]
Digo que é no campo das intenções e do gesto musical
propriamente dito.” (Ramos, 2003, p.59)
O conjunto de intenções do compositor é o que, tanto os analistas de
perfil teórico quanto o de perfil interpretativo, estão sempre a procurar. O
intérprete deve permitir-se encontrar nos fatos musicais as intenções principais
e secundárias, estruturais, afetivas ou mesmo metafísicas (RAMOS, 2003,
p.54-55). No processo de preparação de uma concepção da obra, o interprete
precisa perceber também, que existem momentos em que o discurso musical
se constrói a partir de ou sobre uma referência exterior a ele mesmo. É neste
momento que se configura o que é chamado por Ramos de GESTO MUSICAL.
Os níveis do Gesto Musical são classificados em duas categorias principais: o
gesto musical sobre referência musical e o gesto musical sobre referências não
musicais (RAMOS, 2003, p.61).
6 RAMOS, Marco Antonio da Silva. O uso musical do silêncio. Revista Música, São Paulo, v. 8, n.1/2: 129-168 maio/nov. 1997
No gesto musical sobre referência musical, o fato musical novo se dá em
referencia a algo externo a ele, fazendo um discurso sobre um discurso já feito
e conhecido (metalinguagem) (RAMOS, 2003, p.62). (Exemplo: Contrapunto
Bestiale Alla Mente – Festino de Banchieri).
O gesto musical sobre referências não-musicais, o fato musical novo se
dá sobre influência dos domínios da literatura, do teatro, da imagem visual, da
natureza, da psicologia. Para compreender melhor o uso desse gesto, ele foi
dividido em subcategorias: Gestos musicais descritivos (situações psicológicas,
visuais e miméticos) e Gestos musicais dramáticos e/ou narrativos (RAMOS,
2003, p.63).
Esta última maneira de gesto musical é pensada como encadeamentos
de ações ou enredos, narrados ou representados, cantados ou musicados,
explícitos ou frequentemente sugeridos e agrupados como apresentados nos
subitens abaixo (Ramos, 2003, p.63-64):
a) O gesto musical inflexional – Que se define pelo sentido de
pontuação, de entonação, de expressividade ao discurso musical.
b) O gesto musical integrado à representação teatral o u à narração
de fatos ou enredos – o discurso a serviço do enredo, seja quando
toma para si o papel de participante do cenário ou quando
representa, narra ou sublinha fatos importantes.
c) O gesto musical integrado à representação de um pap el teatral –
Caracterização de um personagem.
Este último gesto e, principalmente, o gesto musical com referências
não-musicais que busca sua fonte na literatura e teatro, torna-se de extrema
importância para a percepção de uma das maneiras de densidade: a densidade
dramática ou psicológica, pois é um discurso musical denso que se cria a partir
de abordagens que sublinham ou integram discursos dramático. (Ramos, 2003,
p.61).
“Sobre esta questão – a da exterioridade – tenho hoje um novo
patamar de posicionamento e compreensão: hoje vejo o Gesto
Musical como um parâmetro da composição musical
emprestado de fontes exteriores. [...] Neste nível de análise, o
Gesto será sempre um parâmetro arbitrário, trazido de outro
universo. Mas reafirmo: um parâmetro [...] intrínseco.” (RAMOS, 2003, P.64)
3.2. DENSIDADE PSICOLÓGICA OU DRÁMATICA
Seguindo a mesma linha de raciocínio sobre o Gesto como uma
referência externa formadora do discurso musical, iniciou-se uma busca pelo
conceito de densidade com referências não musicais, que principalmente na
música vocal e sua relação com o texto, exerce grande influência na
estruturação de uma obra: a densidade literária.
Chamada também de densidade psicológica ou dramática, ela surge da
análise literária e segundo Moisés (1977, p.89), para estabelecermos uma
análise completa é necessário ponderar tanto sobre os aspectos da
microestrutura quanto da macroestrutura, culminando em visão macrocósmica
da obra. A primeira característica analisada poderia ser a Ação, ou seja, “a
soma de Gestos e atos que compõe o enredo, o entrecho ou a história”.
A ação pode ser externa ou interna; se ela refere-se a “verdade”
(verossimilhança) ou a necessidade; qual o grau de intensidade ou
densidade.7 Por densidade, entende-se a altura ou/e a condensação do
volume, da quantidade, da “frequência” da ação, ou seja, dos ingredientes que
compõem a ação (MOISÉS,1977, p.94). Moisés relaciona a intensidade com a
velocidade e ao número de componentes de uma ação. Por outro lado, associa
densidade com o que é compacto e com a lentidão que os componentes da
ação ocorrem nas cenas.
Comparando as descrições acima, percebe-se que a ação intensa é
contraria a densidade, mas elas funcionam muito bem juntas. Há casos em que
a densidade é gerada pela “intensidade com que se acumulam e se
interseccionam vários planos de ação”. (MOISÉS,1977, p.95). Mas como se
acumulam em diferentes “tomadas”, transitando entre diversos planos, o que
7 MOISÉS, Massaud. A Análise Literária. 5 ed. Universidade do Texas: Editora Cultrix, 1977, p. 89-95. Os exemplos relacionados aos aspectos da ação estão presentes nesse trecho do livro.
parece veloz trata-se na verdade de uma intensidade aparente, pois o tempo
ainda é lento nas células narrativas.8
Mas essas são exceções, e após a apresentação dos conceitos de
densidade e intensidade, Moisés busca esquematizar a generalidade da prosa
de ficção. Sendo assim, a intensidade, concebida como sinônimo de
velocidade, volume e frequência da ação, é característica da ficção linear ou
extrospectiva (novela; exceção: Dom Quixote). Já o conto explora tanto o uso
da densidade (condensação de pormenores resultante do alargamento de um
instante de realidade; como “minúsculo espelho em que se refletisse uma
legião de minúcias dramáticas e psicológicas”) (MOISÉS,1977, p.98) como da
intensidade (velocidade das cenas).
A densidade condiz totalmente com as matrizes do romance
introspectivo, prevalecendo sobre a intensidade (MOISÉS,1977, p.96-97). O
romance introspectivo, diferente do romance psicológico que localiza os
dramas dos personagens no nível da consciência, “invade a subconsciência e a
inconsciência, o que equivale a perquirir o mundo da memória, dos sonhos, dos
devaneios, dos monólogos interiores, dos lapsos de linguagem, das
associações involuntárias” (MOISÉS,1977, p.99).
É interessante notar que a intensidade e a densidade são inversamente
proporcionais, pois à medida que aumentamos a densidade decresce a
intensidade, e vice-e-versa (MOISÉS,1977, p.100):
Figura 8 – Intensidade - Densidade
8 O exemplo dado por Moisés que caracteriza esse processo é a obra Ulysses de James Joyce.
3.3. DENSIDADE PSICOLÓGICA NA RELAÇÃO TEXTO/ MÚSICA
O interprete, após a reflexão sobre o gesto com referências não-
musicais e sua relação com uma das formas de densidade, estrutura a possível
resposta para algumas questões que se encontram no Referencial Silva Ramos
de Análise Orientada para a Performance Musical.
Um exemplo da relação entre texto e densidade psicológica musical está
presente na obra Threnody: To the Victims of Hiroshima de Penderecki
composta em 1961. Nessa peça, o polonês utilizou novas técnicas
composicionais ampliando as relações entre timbre e textura. Compôs a obra
com a linguagem expandida dos instrumentos de cordas conduzindo seu
discurso musical através de eventos texturais caracterizados pela massa
sonora (KOSTKA, 2006, p.227-228).
Para validar as influências da relação texto e música na densidade
psicológica, propôs-se a audição dessa peça no Seminário de Pesquisa:
“Revisão bibliográfica sobre o conceito de densidade em música, a partir do
Referencial Silva Ramos de Análise Musical”, organizado pelo Grupo de Estudo
e Pesquisa Multidiciplinares na Arte do Canto (GEPEMAC), no dia 24 de maio
de 2013, no Departamento de Música da ECA/USP.
A obra foi ouvida primeiramente sem o conhecimento do título por parte
dos participantes do seminário. Ao ouvir pela segunda vez a peça, o título foi
revelado. Ao expor o título, agrega-se valor e significado psicológico para a
obra. Com isso, há um aumento da densidade psicológica, pois são somados
camadas e níveis de consciência, como por exemplo: a sonoridade tensa
gerada pelas escolhas do compositor, o gesto musical integrado à
representação teatral ou à narração de fatos ou enredos e, por fim, a memória
do ouvinte da dor e sofrimento das vitimas da guerra.
Figura 9 - Threnody: To the Victims of Hiroshima de Penderecki
3.4. DENSIDADE E O USO MUSICAL DO SILÊNCIO
“Se ao nascer do silêncio a música o interrompe ou se
desenvolve a partir dele.” (BAREMBOIM, 2009, p.13)
Baremboim aponta a diferença entre as duas situações citadas acima: a
primeira representa a alteração súbita, enquanto a segunda, uma alteração
gradual. Em linguagem filosófica, poderia-se dizer que essa é a diferença entre
ser e “vir-a-ser”.
A abertura da Sonata Op.13 de Beethoven, conhecida como Sonata
Patética, é exemplo de interrupção do silêncio. Um acorde bem definido
interrompe o silêncio, e a música começa (BAREMBOIM, 2009, p.14).
Utilizando as questões sobre densidade do Referencial Silva Ramos no
que refere-se ao uso musical do silêncio, é nesse momento, do ponto de vista
da supressão do silêncio, que os sons se instalam por procedimento de corte.
Essa corte, a alteração súbita torna mais densa essa supressão.
Figura 10 – Sonata Op.13 de Beethoven
Baremboim cita o prelúdio de Tristão e Isolda como um exemplo
evidente de som que evolui do silêncio. A música não começa com o
movimento da lá inicial para o fá, mas do silêncio para o lá. Aqui não há um
corte, é gradual. A supressão do silêncio é feita por adição, com isso menos
densa.
Figura 11 - Tristão e Isolda, Prelúdio, Wagner
O mesmo acontece na Sonata para Piano Op.109, de Beethoven. Tem-
se a sensação de que a musica já começou. A música já deve existir na mente
do pianista, para que quando ele a toque, ela posso criar a impressão de que
reúne algo já existente, embora não no mundo físico (BAREMBOIM, 2009,
p.16).
“Na Sonata Patética, o acento na primeira nota faz um intervalo
bem definido com o silêncio. No caso da Op.109, no entanto, é
imperativo não começar com um acento na primeira nota,
porque essa ênfase, por definição, quebraria o silêncio.”
(BAREMBOIM, 2009, p.16)
Conclusões finais
Pontuando os resultados finais descritos anteriormente, a densidade é
conceituada por Berry como a propriedade quantitativa do parâmetro textura
referindo-se ao número de componentes ou o grau de compressão dos
mesmos. Mas é possível notar que a densidade como um parâmetro teórico-
analítico, possui qualidades como as descritas nas análises acima.
Berry também constata densidade sobre um sentido vertical, mas ao
buscar em outros teóricos, principalmente em Schoenberg, os termos que se
referem a uma mesma ideia de densidade, podemos encontra-la também
caracterizada pela horizontalidade.
Além dos aspectos rítmicos e harmônicos, Ramos propõe para o
conceito de densidade, aspectos psicológicos (no campo da poética e da
relação texto-música) bem como, o uso musical do silêncio.
Portanto, encontram-se três concepções de densidade:
- A densidade vertical: density-number e density-co mpression.
- A densidade horizontal ou densidade de mudança.
- A densidade de caráter psicológico ou dramático.
Sob o ponto de vista do conteúdo elucidado sobre o Gesto Musical no
terceiro capítulo, restam algumas perguntas como: qual seria a possível
influência na música do conceito de densidade desenvolvido no campo da
física, no campo da poética e da teoria da informação?
Considerando que para Berry a densidade é um fenômeno da textura,
podemos encontrar alguns teóricos contemporâneos que trabalham e discutem
procedimentos composicionais texturais. Temos dois principais exemplos
como: Joel Lester (Analytic Approaches to Twentieth-Century Music)
analisando o uso da textura em camadas; e David Cope (Techniques of the
Contemporary Composers) que explorou o uso de modulações por textura. É
interessante perceber que o campo de pesquisa para densidade é muito vasto,
complexo e com desdobramentos, pois ainda se é permitido investigar as
possíveis relações dessas técnicas composicionais citadas com variações de
densidade.
Como perspectiva futura de continuidade dessa pesquisa pensa-se em
aplicar de forma direta esse o conjunto desses conceitos e a atividade analítica
provavelmente sobre uma obra ou um conjunto coerente de obras que utilizem
claramente tais procedimentos composicionais.
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Norton,1989.
MENEZES, Flo. Apoteose de Schoenberg: tratado sobre as entidades
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conjuntos, textura, rítmica e movimento em peças para piano / Adriana Lopes
da Cunha Moreira. – Campinas, SP: [s.n.], 2008.
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Docência em Regência Coral, Análise musical para performance) – Escola de
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São Paulo, v. 8, n.1/2: 129-168 maio/nov. 1997
SADIE, Stanley, Ed & TYRREL, John. The New Grove dictionary of music and
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SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da Composição Musical. Trad. Eduardo
Seincman. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012.
____________________ Harmonia. São Paulo: Editora UNESP, 2001.
____________________ Style and Idea. New York: St. Martins Press, 1975.
9 Em 2010, o título Referencial de Análise de Obras Corais foi substituído por Referencial Silva Ramos de Análise Orientada para a Performance Musical