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Superior Tribunal de Justiça MANDADO DE SEGURANÇA Nº 13.348 - DF (2008/0029387-4) RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ IMPETRANTE : ROMUALDO VASCONCELOS ADVOGADO : JOSÉ MARCO TAYAH E OUTRO(S) IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA EMENTA ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO COM BASE EM INVESTIGAÇÃO PROVOCADA POR DENÚNCIA ANÔNIMA. ADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. 1. Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o processo administrativo disciplinar, conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. Precedentes desta Corte. 2. As acusações que resultaram da apreensão de documentos feita pela Comissão de Sindicância, sem a presença do indiciado, não foram consideradas para a convicção acerca da responsabilização do servidor, pois restaram afastados os enquadramentos das condutas resultantes das provas produzidas na mencionada diligência. 3. Eventual nulidade no Processo Administrativo exige a respectiva comprovação do prejuízo sofrido, o que não restou configurado na espécie, sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief . Precedentes. 4. Em sede de ação mandamental, a prova do direito líquido e certo deve ser pré-constituída, não se admitindo a dilação probatória. Precedentes. 5. Segurança denegada. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, Retomado o julgamento, após o voto de desempate do Sr. Ministro Felix Fischer, acompanhando o voto da Sra Ministra Relatora, por maioria, denegar a segurança, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora, que foi acompanhada pelos votos da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e dos Srs. Ministros Og Fernandes e Felix Fischer. Vencidos os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Nilson Naves, que a concediam. Votaram com a Relatora a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Og Fernandes e Felix Fischer. Vencidos os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Nilson Naves. Não participaram do julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti (art. 162, 2º, do Documento: 816830 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 16/09/2009 Página 1 de 61

Denúncia Anônima PAD

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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 13.348 - DF (2008/0029387-4)

RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZIMPETRANTE : ROMUALDO VASCONCELOS ADVOGADO : JOSÉ MARCO TAYAH E OUTRO(S)IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

EMENTA

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO COM BASE EM INVESTIGAÇÃO PROVOCADA POR DENÚNCIA ANÔNIMA. ADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.

1. Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o processo administrativo disciplinar, conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. Precedentes desta Corte.

2. As acusações que resultaram da apreensão de documentos feita pela Comissão de Sindicância, sem a presença do indiciado, não foram consideradas para a convicção acerca da responsabilização do servidor, pois restaram afastados os enquadramentos das condutas resultantes das provas produzidas na mencionada diligência.

3. Eventual nulidade no Processo Administrativo exige a respectiva comprovação do prejuízo sofrido, o que não restou configurado na espécie, sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief . Precedentes.

4. Em sede de ação mandamental, a prova do direito líquido e certo deve ser pré-constituída, não se admitindo a dilação probatória. Precedentes.

5. Segurança denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, Retomado o julgamento, após o voto de desempate do Sr. Ministro Felix Fischer, acompanhando o voto da Sra Ministra Relatora, por maioria, denegar a segurança, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora, que foi acompanhada pelos votos da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e dos Srs. Ministros Og Fernandes e Felix Fischer. Vencidos os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Nilson Naves, que a concediam. Votaram com a Relatora a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Og Fernandes e Felix Fischer.

Vencidos os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Nilson Naves.

Não participaram do julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti (art. 162, 2º, do

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RISTJ) e o Sr. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), porque não integrava a Seção à época que iniciou o julgamento deste processo.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima.

Brasília (DF), 27 de maio de 2009 (Data do Julgamento)

MINISTRA LAURITA VAZ Relatora

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ERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2008/0029387-4 MS 13348 / DF

Número Origem: 865700029104

PAUTA: 10/09/2008 JULGADO: 10/09/2008

RelatoraExma. Sra. Ministra LAURITA VAZ

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro PAULO GALLOTTI

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS

SecretáriaBela. VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE : ROMUALDO VASCONCELOSADVOGADO : JOSÉ MARCO TAYAH E OUTRO(S)IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

ASSUNTO: Administrativo - Servidor Público Civil - Processo Administrativo Disciplinar - Anulação

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após inscrição para sustentação oral por parte do Dr. José Marco Tayah pelo impetrante, foi indicado o adiamento pela Srª Ministra Relatora.

Brasília, 10 de setembro de 2008

VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIROSecretária

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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 13.348 - DF (2008/0029387-4)

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:

Trata-se de mandado de segurança, com pedido liminar, impetrado por

ROMUALDO VASCONCELOS em face de ato do Exm.o Senhor MINISTRO DE ESTADO

DA JUSTIÇA, consubstanciado na edição da Portaria n.º 1.695, de 09 de outubro de 2007,

publicada no D.O.U. de 11/10/2007 (fl. 85), que cassou a aposentadoria do Impetrante,

ex-Policial Rodoviário Federal, por infração ao disposto nos arts. 117, incisos IX e XVI, e

132, incisos IV e XIII, da Lei n.º 8.112/90.

O Impetrante sustenta a nulidade do Processo Disciplinar decorrente:

a) da "[...] ausência de autorização judicial e, conseqüentemente, a

inexistência do respectivo mandado para realização da busca e apreensão no domicílio

profissional do impetrante, além disso a falta de intimação pessoal do impetrante nos autos

do Processo Administrativo Disciplinar n.º 08.657.000.291/2004, para acompanhamento da

diligência de busca e apreensão em seu domicílio profissional " (fl. 23; sem grifo no

original);

b) da "[...] ausência de intimação do ato em si, bem como a ausência de

intimação do impetrante para estar presente no momento da abertura das caixas contendo

os documentos apreendidos ." (fl. 23; sem grifo no original)

Alega que restaram violados os arts. 5.º, incisos VI, XI e XII, da Constituição

Federal, e 144 da Lei n.º 8.112/90, bem como os princípios da inviolabilidade do domicílio

profissional e do sigilo de correspondência e de comunicação.

Afirma, também, ser nulo o Processo Disciplinar iniciado por intermédio de

denúncia anônima, por inobservância dos "[...] princípios constitucionais da presunção de

inocência, da legalidade, da moralidade, da transparência, do devido processo legal, do

contraditório e da plenitude de defesa (artigos 5.º, XXXIV, a, LIV, LV, LXIX, e 37, caput, da

Constituição da República. " (fls. 13/14).

Requer, desse modo, a declaração da nulidade de todos os atos praticados a

partir do recebimento da denúncia anônima, ou, sucessivamente, a declaração da nulidade de

todos os atos praticados a partir da realização da busca e apreensão dos documentos e bens

em seu domicílio profissional, reiniciando o processo disciplinar a partir dessa fase, "[...]

devendo ser restabelecido o pagamento dos proventos do impetrante enquanto o processo

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administrativo não for concluído de forma regular e legal." (fl. 16)

A Autoridade Impetrada prestou informações às fls. 263/276, aduzindo, em

suma:

a) que não foram utilizadas as provas produzidas na diligência de busca e

apreensão contestada no presente writ para a formação do juízo de convicção quanto à

culpabilidade do Impetrante;

b) "[...] o espaço físico destinado à chefia da 3.ª Delegacia da

5.ªSR-PRF/DPRF/MJ-RJ, não pode ser considerado, em contrariedade ao pretendido pelo

impetrante, domicílio profissional para os fins de se lhe atribuir as garantias constitucionais

de inviolabilidade " (fl. 270);

c) "[...] na espécie, a denúncia anônima não deu origem a processo

administrativo disciplinar, mas à instauração de sindicância com o objetivo de apurar

preliminarmente a ocorrência de irregularidades no âmbito do Poder Público, cujas

conclusões, estas sim, serviram de subsídios para a instauração do processo administrativo

disciplinar que resultou na cassação da aposentadoria do acusado. " (fl. 275)

O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 282/285, opinando pela

concessão da segurança.

É o relatório.

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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 13.348 - DF (2008/0029387-4)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO COM BASE EM INVESTIGAÇÃO PROVOCADA POR DENÚNCIA ANÔNIMA. ADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.

1. Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o processo administrativo disciplinar, conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. Precedentes desta Corte.

2. As acusações que resultaram da apreensão de documentos feita pela Comissão de Sindicância, sem a presença do indiciado, não foram consideradas para a convicção acerca da responsabilização do servidor, pois restaram afastados os enquadramentos das condutas resultantes das provas produzidas na mencionada diligência.

3. Eventual nulidade no Processo Administrativo exige a respectiva comprovação do prejuízo sofrido, o que não restou configurado na espécie, sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief . Precedentes.

4. Em sede de ação mandamental, a prova do direito líquido e certo deve ser pré-constituída, não se admitindo a dilação probatória. Precedentes.

5. Segurança denegada.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ(RELATORA):

O Impetrante pugna pela concessão da segurança, a fim de que, declarada a

nulidade do Processo Disciplinar que culminou com a aplicação da pena de cassação de sua

aposentadoria, seja restabelecido o pagamento de seus proventos.

De início, examino a alegada imprestabilidade jurídica de denúncia anônima

para fundamentar a instauração de um Processo Administrativo.

Muito embora o instituto da delação anônima constitua postura repudiada na

Constituição Federal, em virtude da potencial ofensa à integridade dos direitos fundamentais,

mostra-se fundamental para assegurar ou viabilizar a fiscalização e apuração de

irregularidades, sobretudo diante da necessidade de resguardo do sigilo e da integridade física

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da fonte, funcionando como verdadeiro instrumento de prevenção e coerção de práticas

delituosas.

Desse modo, ao contrário do que alega o Impetrante, a denúncia anônima é

admitida em nosso ordenamento jurídico, ainda que com reservas, sendo considerada apta a

deflagrar procedimentos de averiguação, como o Processo Administrativo Disciplinar,

conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que

observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado.

Nesse sentido:

"CRIMINAL. HC. LAVAGEM DE DINHEIRO, SONEGAÇÃO FISCAL, CORRUPÇÃO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. OPERAÇÃO ALBATROZ. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO. PROCEDIMENTO INSTAURADO COM BASE EM INVESTIGAÇÃO DEFLAGRADA POR DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA. FATOS CONTROVERTIDOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA.

Hipótese em que o paciente – Presidente da Comissão Geral de Licitação do Estado do Amazonas - está sendo investigado sob a suspeita de ter participado de operações de lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, corrupção e formação de quadrilha na Administração Pública do Estado do Amazonas, condutas apuradas pela Polícia Federal na chamada “Operação Albatroz”.

Não há ilegalidade na instauração de inquérito com base em investigações deflagradas por denúncia anônima, eis que a autoridade tem o dever de apurar a veracidade dos fatos alegados, desde que se proceda com a devida cautela, o que se revela no presente caso, pois tanto a investigação quanto o inquérito vêm sendo conduzidos sob sigilo.

Não há que se falar em ausência de justa causa para a investigação criminal, a qual só pode ser obstada na hipótese de flagrante e inequívoca atipicidade ou impossibilidade de ser o indiciado o autor dos fatos, o que, primo oculi, não se verifica.

O contexto dos autos não permite, de plano, a conclusão de que a conduta do paciente não é suspeita, como pretende a impetração, tornando-se prematuro o trancamento do inquérito policial instaurado.

Somente após o correto procedimento inquisitorial, com a devida apuração dos fatos e provas, é que se poderá averiguar, com certeza, a tipicidade, ou não, das condutas imputadas ao paciente.

Ordem denegada." (HC 38093/AM, 5.ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 17/12/2004; grifos acrescidos.)

No mesmo entendimento, transcrevo os seguintes julgados proferidos em sede

de Processo Administrativo Disciplinar:

"PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SERVIDOR FEDERAL. FALTA DE CITAÇÃO PESSOAL. PROVA EMPRESTADA.

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DENÚNCIA ANÔNIMA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA.

1. É válida a citação feita ao procurador constituído quando ausente o servidor acusado e não demonstrado o prejuízo à defesa (art. 156 da Lei n.º 8.112/1990 e art. 9º da Lei n.º 9.784/1999).

2. A jurisprudência do STJ admite o uso de provas emprestadas.3. Não há ilegalidade na instauração de processo administrativo

com fundamento em denúncia anônima, por conta do poder-dever de autotutela imposto à Administração e, por via de conseqüência, ao administrador público.

4. As instâncias administrativa e penal são independentes (Lei n.º 8.112/1990, art. 125).

5. Denegação da segurança." (MS 12.385/DF, 3.ª Seção, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, DJ de 05/09/2008; sem grifo no original.)

"RECURSO ORDINÁRIO. DISCIPLINAR. MÉRITO ADMINISTRATIVO. INOCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO PROCESSO DISCIPLINAR. OCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO.

I - "Tendo em vista o regime jurídico disciplinar, especialmente os princípios da dignidade da pessoa humana, culpabilidade e proporcionalidade, inexiste aspecto discricionário (juízo de conveniência e oportunidade) no ato administrativo que impõe sanção disciplinar."

II - "Inexistindo discricionariedade no ato disciplinar, o controle jurisdicional é amplo e não se limita a aspectos formais. [...]" (MS 12983/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12.12.2007, DJ 15.02.2008)

III - Denúncia anônima como causa de deflagração de processo administrativo disciplinar não constitui ilegalidade insanável (Precedentes).

IV - Inexiste vício a macular o processo administrativo disciplinar no fato de as intimações terem sido feitas apenas ao advogado nomeado pelo servidor indiciado.

[...]Recurso ordinário provido." (RMS 19.741/MT, 5.ª Turma, Rel.

Ministro FELIX FISCHER, DJ de 31/03/2008; sem grifo no original.)

"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO DO CONSELHO DA MAGISTRATURA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA ASSEGURADOS NO PROCESSO, EIS QUE SE DEFENDE O ACUSADO DE FATOS E NÃO DE SUA CAPITULAÇÃO JURÍDICA. INEXISTÊNCIA DE PREJULGAMENTO DA CAUSA, COM A INSTAURAÇÃO DE PORTARIA. NÃO OFENSA AO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DIREITO ESTADUAL QUE SE DIZ ERRONEAMENTE APLICADO. INOBSERVÂNCIA DO ARTIGO 337, CPC.

I - Não há falar em processo administrativo instaurado com base em denúncia anônima, in casu. Em verdade, diante do recebimento de tal denúncia, determinou o juiz Corregedor ao Oficial de Justiça diligência com a finalidade de apurar os fatos e, somente após a constatação, in loco, de que suposta irregularidade estaria ocorrendo, aí sim, houve a abertura de

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processo, instaurado por meio de Portaria.[...]V - Recurso ordinário conhecido, porém improvido." (RMS

21.268/PR, 1.ª Turma, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJ de 28/04/2008.)

"MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. IRREGULARIDADES FORMAIS. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. OCORRÊNCIA. SEGURANÇA CONCEDIDA.

I - Não enseja nulidade do processo administrativo disciplinar o simples fato de sua instauração ser motivada por fita de vídeo encaminhada anonimamente à autoridade pública, vez que esta, ao ter ciência de irregularidade no serviço, é obrigada a promover sua apuração.

II - Não configura prova ilícita gravação feita em espaço público, no caso, rodovia federal, tendo em vista a inexistência de "situação de intimidade" (HC n. 87341-3, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 07.02.2006)

III - O contraditório na prova pericial se desenvolve por meio da apresentação de quesitos, não havendo disposição legal que assegure às partes o acompanhamento direto da elaboração do laudo pericial. Art. 156 da Lei nº 8.112/90.

IV - A infração funcional consistente em recebimento de vantagem econômica indevida, e de resto todas as infrações que possam levar à penalidade de demissão, deve ser respaldada em prova convincente, sob pena de comprometimento da razoabilidade e proporcionalidade.

Segurança concedida." (MS 12.429/DF, 3.ª Seção, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 29/06/2007; sem grifo no original.)

"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. MILITAR. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CARTA ANÔNIMA. LICITUDE. DILAÇÃO PROBATÓRIA. WRIT. VIA INADEQUADA.

I - A carta anônima é meio hábil para a instauração de processo administrativo disciplinar, cabendo a Administração a apuração dos fatos narrados na denúncia, ainda que apócrifa .

II - Questões cuja solução demandaria, necessariamente, revisão do material fático apurado no processo disciplinar, ou a incursão sobre o mérito do julgamento administrativo, não podem ser apreciadas em sede de mandamus.

Recurso desprovido." (RMS 19.224/MT, 5.ª Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 1.º/07/2005; sem grifo no original.)

"RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PENA DE DEMISSÃO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA DERRUBADAS.

A carta anônima, que culminou com a instauração do processo administrativo, trouxe documentação comprobatória e suficiente para tanto, tendo a autoridade respectiva cumprido o seu dever de apuração dos fatos (art. 170, Lei Complementar nº 4/90).

Do exame dos autos constata-se que o recorrente exerceu plenamente seu direito de defesa, tendo, inclusive, confessado o fato.

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Acórdão que merece ser integralmente mantido. Recurso desprovido." (RMS 4.434/MT, 5.ª Turma, Rel. Min. JOSÉ

ARNALDO DA FONSECA, DJ de 18/10/1999.)

"CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO INTERPOSTO POR "FAX". ORIGINAL QUE CHEGA DEPOIS DE ESGOTADO O PRAZO RECURSAL. VALIDADE. PREPARO DE CUSTAS NÃO DEMONSTRADO. IRRELEVÂNCIA, SE O CREDOR PODE, POR MEIOS SUASÓRIOS E EFICAZES, COBRAR SEU CREDITO, SE FOR O CASO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DESENCADEADO ATRAVÉS DE 'DENÚNCIA ANÔNIMA'. VALIDADE. INTELIGÊNCIA DA CLÁUSULA FINAL DO INCISO IV DO ART. 5. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (VEDAÇÃO DO ANONIMATO) . CONFISSÃO DO PROCESSADO (PECULATO). IMPOSSIBILIDADE DE APURAR-SE, EM TODA SUA EXTENSÃO, O ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA. O PROCESSO DE MANDADO DE SEGURANÇA, COMO 'PROCESSO DOCUMENTAL', NÃO SERVE DE PALCO PARA DIALÉTICA PROCESSUAL AMPLA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO." (RMS 4.435/MT, 6.ª Turma, Rel. Min. ADHEMAR MACIEL, DJ de 04/12/1995; sem grifo no original.)

De igual modo, não merece prosperar a alegada nulidade do Processo

Disciplinar, decorrente (a) da argüida existência de vícios insanáveis na diligência de busca e

apreensão realizada na sede da 3.ª Delegacia da 5.ªSR-PRF/DPRF/MJ-RJ, local onde o

Impetrante trabalhava, bem como (b) de sua ausência no momento da abertura das caixas que

continham os documentos apreendidos.

Isso porque, consoante informado pela Autoridade Impetrada e constatado no

Relatório Final da Comissão Processante, bem como no Parecer da Consultoria Jurídica do

Ministério da Justiça (fls. 45/69), o qual foi integralmente acolhido pela Autoridade que

determinou a aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria ao ora Impetrante, as

acusações resultantes da apreensão feita pela Comissão de Sindicância não foram

consideradas para a convicção acerca da responsabilização do servidor.

A propósito, confiram-se os seguintes trechos do Parecer da Consultoria

Jurídica do Ministério da Justiça, calcados em elementos contidos no Relatório Final da

Comissão Processante, que bem demonstram a não-utilização dos documentos colhidos no

local de trabalho do Impetrante, litteris ;

"Quanto às acusações feitas no indiciamento relativas às infrações: prevaricação no trato de denúncias contra servidores, exercício de atividade incompatível com a função e participar e participar de gerência em atividade privada acompanhamos o entendimento da Comissão Processante constantes das fls. 3258/3261, que as julgou improcedente, ante à ausência de provas suficientes para responsabilizar o servidor acusado, adotando os fundamentos ali expendidos como parte integrante deste documento." (fl. 61)

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"... Notadamente, porque no momento da abertura e busca dos documentos ele - o acusado - não estava presente e nem seu advogado. Por esta razão, a Comissão adotou a máxima in dubio pro reo, acatando o argumento da defesa de que as provas colhidas na fase probatória se resumem tão-somente ao encontro de documentos na sala do indiciado o que não foi por ele reconhecido.'" (fls. 61/62; sem grifo no original)

Diante desse quadro, percebe-se que a referida diligência nenhum prejuízo

ocasionou à defesa, porquanto não produziu qualquer efeito no bojo do Processo

Administrativo, sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief .

Nesse sentido:

"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. ATO DE DEMISSÃO IMINENTE E ATUAL. JUSTO RECEIO EVIDENCIADO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM RECONHECIDA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.

[...]5. Eventual nulidade no Processo Administrativo exige a respectiva

comprovação do prejuízo sofrido, o que não restou configurado na espécie, sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief.

6. Não é cabível, em sede de mandamus, apreciar se é justa ou não a pena sugerida na conclusão do Processo Disciplinar, porquanto cuida-se de matéria de mérito administrativo, ainda pendente de apreciação pela Autoridade Coatora.

7. Segurança denegada, com a conseqüente revogação da liminar anteriormente concedida." (MS 8.030/DF, 3.ª Seção, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJ de 06/08/2007.)

"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. PROVA EMPRESTADA. PROCESSO CRIMINAL. POSSIBILIDADE.

1 - O mandado de segurança qualifica-se como processo documental, em cujo âmbito não se admite dilação probatória, exigindo-se que a liquidez e certeza do direito vindicado esteja amparada em prova pré-constituída.

2 - Conforme precedentes, é legal a utilização de prova emprestada de processo criminal na instrução do processo administrativo disciplinar.

3 - "A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, assim como a do Supremo Tribunal Federal, tem firme entendimento no sentido de que a nulidade do processo administrativo disciplinar é declarável quando restar evidente a ocorrência de prejuízo à defesa do servidor acusado, observando-se o princípio pas de nullité sans grief." (MS nº 8.259/DF, Relator o Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 17/02/2003).

4 - Ordem denegada." (MS 10.874/DF, 3.ª Seção, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, DJ de 02/10/2006.)

Assim, embora afastados os enquadramentos das condutas resultantes das

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provas produzidas na diligência de busca e apreensão impugnada pelo ora Impetrante –

consistentes nas acusações de prevaricação no trato de denúncias contra servidores, exercício

de atividade incompatível com a função e participação de gerência em atividade privada –,

restaram acolhidas outras duas imputações, cujas provas, conforme afirmado pela

Comissão Processante, não foram amparadas na indigitada diligência, as quais, por si

sós, ensejam a aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria, nos termos do

arts. 132 e 134, da Lei n.º 8.112/90.

Com efeito, a Comissão Processante concluiu pela existência da prática de

infração caracterizada na liberação irregular de veículos retidos, após a análise de

depoimentos de inúmeros servidores e de vários DOCAPREV's, conforme pode ser

constatado às fls. 226/233 dos presentes autos.

Sobre a aludida imputação, a Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça

também entendeu ter sido demonstrada a sua prática, nos seguintes termos, litteris :

"Restou comprovada nos autos a prática da infração, pelo acusado, consistente na liberação irregular de veículos retidos . Esta prática se consolidou quando o acusado determinou a liberação dos veículos apreendidos e depositados no posto da Delegacia que chefiava (3.ª Delegacia/PRF), sem que fossem corrigidas as irregularidades causadoras da apreensão e sem as cautelas exigidas pelo Código de Trânsito Brasileiro. Estamos falando, neste caso, do art. 270 do referido Código, ou seja, da Lei n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997 [...]

Infere-se, portanto, que o permissivo legal somente admite a liberação de veículos fora do local da infração em caráter excepcional e mediante o recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual , contra recibo, concedendo-se ao condutor prazo para a regularização. Sanada a irregularidade, o documento será devolvido ao condutor no órgão aplicador das medidas administrativas. Não foi assim que fez o acusado. Não seguiu os ditames da lei e determinou a liberação dos veículos contendo irregularidades sem a retenção do Certificado de Licenciamento Anual, mesmo diante de argumentos de Policiais Rodoviários Federais, seus subordinados, no sentido de não fazer a liberação. Estes fatos estão fartamente provados nos autos pelos depoimentos testemunhais e pelos documentos, em especial os DOCAPREV's. Ainda cabe esclarecer que as liberações determinadas pelo acusado não tiveram por causa o interesse do serviço, mas sim de pessoas do seu círculo de amizade, uma vez que não eram liberados todos os veículos apreendidos e nem as liberações tinham por causa a segurança dos bens sob a guarda do Estado. Ocorria, isto sim, a liberação a pedido dos interessados, sem qualquer referência à motivação para que fosse liberado antes de ser regularizado. Também, não ocorria a retenção do documento referido no art. 270 do CTB, como forma de garantir a regularização, ainda que em momento posterior. Ressalte-se, ainda, que em nenhum momento foi mencionado pelo acusado, à época das liberações, que o pátio da 3ª Delegacia não possuía

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condições para guardar os veículos apreendidos. Também não há registros de que o acusado comunicou à autoridade superior alguma deficiência ou dificuldade para a guarda de veículo no âmbito da 3ª Delegacia.

Vejamos alguns depoimentos testemunhais acerca destes fatos:

Carlos Darlan Vieira Coelho - Policial Rodoviário Federal, que trabalhou junto com o acusado à época dos fatos da 3ª Delegacia/PRF - (fls. 2629/2630)

'Que reconhece as cotas de liberação de veículos lançados nos DOCAPREV's Nº 356, 3293, 3737, 4130, 3946, 3990, 4120, 3668, 3659, 3652, 3651, 3767, 3768, 3560, 3733, 3879, 32136, 32171, 32172, 32141, 32247, 32111, 32013, 32018, 32140, 3104, 3339, 3406, 3471, 3339, 32004, 32201 e 4038 como sendo de sua labra. (...) QUE as ordens de liberação eram feitas pessoalmente ou por telefone; QUE o quanto o PRF Romualdo ordenava a liberação de algum veículo, muitas vezes, este era liberado sem qualquer tipo de regularização; QUE em determinado momento existiu ordem de que os veículos somente poderiam ser liberados por ordem da chefia da delegacia; QUE não eram solicitações, mas, sim, ordem do chefe para a liberação de veículos; QUE algumas vezes questionou a liberação em virtude do estado do veículo (documento atrasado) e o PRF Romualdo determinou, mesmo assim, a liberação dos veículos; (...) QUE o usuário vinha ao posto com o DOCAPREV para a liberação do veículo, assinada a via adequada e o depente lançava na via a informação de que era liberado com a ordem do PRF Romualdo que já havia feito o contato, isso quando o próprio DOCAPREV já não vinha com a assinatura do PRF Romualdo determinando a liberação. QUE da totalidade dos veículos retidos, somente alguns o PRF Romualdo intervinha para a liberação; QUE todos os veículos em que haja cota no DOCAPREV indicando que foi feita a liberação por ordem do PRF Romualdo o foram contra sua vontade, atendendo determinação da chefia; QUE sempre acatou ordem do PRF Romualdo, tendo em vista que o mesmo era chefe da delegacia, não qeustionando a ordem sendo responsabilidade do chefe a liberação já que o PRF Romualdo tinha acesso a meios de comunicação que possibilitavam ver a condição dos veículos'. (grifamos)

Os Documentos de Apreensão e Retenção de Veículos – DOCAPREV's - referidos neste item estão acostados a estes autos na seguinte localização: de nº 3439 (fls. 2580), de nº 3441 (fls. 2614), de nº 3434 (fls. 2574), de nº 3977 (fls. 2621), de nº 3696 (fls. 2619), de nº 3676 (fls. 2598), de nº 3669 (fls. 2594), de nº 3666 (fls. 2585), de nº 3653 (fls. 2588), de nº 3681 (fls. 2618), de nº 3785 (fls. 2624), de nº 3775 (fls. 2623), de nº 3778 (fls. 2600), de nº 3690 (fls. 2625), de nº 3758 (fls. 2602), de nº 3829 (fls. 2605), de nº 3831 (fls. 2608), de nº 3835 (fls. 2627), de nº 3845 (fls. 2616), de nº 3207 (fls. 2591) e de nº 3419 (fls. 2611).

Sebastião Ailton Fernandes - Policial Rodoviário Federal, que trabalhou junto com o acusado à época dos fatos da 3ª Delegacia/PRF - (fls. 2740)

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'QUE reconhece a cota lançada no verso do DOCAPREV nº 4033 como sendo de sua lavra onde é dito que o veículo é liberado com apresentação do CRLV 2003. (...) QUE o proprietário do veículo apresentou o CRLV 2003 para liberação confirme está escrito no verso do DOCAPREV; QUE neste caso, antes de o veículo ser liberado o usuário passou na delegacia para a autorização do PRF Romualdo; QUE o PRF Romualdo fez contato pelo rádio falando que era para liberar o veículo (...) foi respondido que o local para a guarda de veículos era perfeitamente adequado e seguro'. (fls. 2740). (grifamos)

Alexandre Bantim Alencar Policial Rodoviário Federal, que trabalhou junto com o acusado à época dos fatos na 3ª Delegacia/PRF - (fls. 2836)

'QUE conhece o DOCAPREV nº 3622 (fls. 2837) como de sua lavra, inclusive a menção de liberação pelo PRF Romualdo; QUE o PRF Romualdo costumava ligar para o posto, haja vista que era em Angra dos Reis; QUE em algumas liberações o veículo era regularizado antes da liberação, em outras não; QUE liberava os veículos mesmo irregulares, tendo em vista a solicitação da chefia entendendo o depoente como uma ordem... QUE somente alguns veículos eram liberados a pedido pela chefia, outros permaneciam'. (grifamos).

José Sobral Pereira Policial Rodoviário Federal, que trabalhou junto com o acusado à época dos fatos na 3ª Delegacia/PRF - (fls. 2565/2567)

'QUE com relação aos DOCAPREV's 3439, 3441, 3434, 3977, 3696, 3676, 3669, 3666, 3653, 3681, 3775, 3778, 3690, 3758, 3829, 3831, 3835, 3845, 3207 e 3419 reconhece como de sua lavra as indicações escritas de que as liberações dos veículos se procederam por ordem do PRF Romualdo; (...) QUE estas solicitações se davam por vários modos, podiam ser pessoalmente, quando mesmo se encontrava no posto, ou por telefone, quando estivesse distante; QUE quando das solicitações não se exigia o cumprimento das pendências; QUE os DOCAPREV's eram encaminhados juntamente com o expediente do plantão para a sede da Delegacia; QUE atendia o pedido de liberaçoes mesmo irregulares posto que o PRF Romualdo era o chefe da delegacia, (...) QUE o PRF Romualdo somente expunha somente pedia para liberar determinados veículos, não sabendo informar os motivos de tais pedidos específicos; QUE ficava receoso de deixar de atender os pedidos da chefia tendo em vista que poderia vir a ser prejudicado com escalação em local distante, liberando o veículo para não arranjar atrito.'" (fls. 57/59; grifos no original.)

Ademais, a Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça entendeu,

fundamentadamente, que também restou devidamente comprovada a acusação relativa à

utilização de bem público em atividade particular. Vejamos:

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"Diferentemente é a situação da acusação relativa à utilização de material público em atividade particular , cuja conclusão da Comissão foi pela não configuração de infração por parte do indiciado. Assim entendeu porque a despeito de provas (depoimentos) no sentido de que o PRF Romualdo utilizava uma viatura oficial permanentemente, nos deslocamentos a serviço e em caráter particular e que a própria Comissão de Sindicância 'flagrou o indiciado dirigindo uma viatura oficial, quando estava no período de gozo de férias, trajando bermuda e chinelos. Flagrante este, apostado nos autos no termo de diligência a sede da 3ª Delegacia' (fls. 3260). Ainda, assim, a Comissão Processante descaracterizou esta infração acatando argumentos da defesa de que o veículo oficial estava em manutenção e, no momento da diligência feita pela Comissão Sindicante, o indiciado retirou o automóvel da oficina e trouxe para o pátio da repartição (fls. 3231)'.

12.3.1. A despeito do criterioso trabalho feito por esta Comissão na apuração destes fatos, com ela não podemos concordar, neste particular. As provas dos autos mostram que o indiciado utilizava rotineiramente o veículo oficial (viatura) em suas atividades particulares. Assim, quando estava de licença, de férias ou em qualquer outro afastamento do serviço ficava usando a viatura da PRF. O próprio argumento da Comissão Processante para isentá-lo desta responsabilidade mostra que era assim que os fatos ocorriam. No momento em que foi visto pela Comissão de Sindicância, estava de FÉRIAS, inclusive bem a vontade, usando roupas descontraídas (bermudas e chinelos) e não a farda (uniforme) da PRF que é usada em serviço. Se ele estava de férias, por que razão praticava atos de serviço (buscar a viatura na oficina)? Por que este ato não foi praticado pelo seu substituto? Vê-se, assim, comportamento incompatível com o desempenho normal de atos de serviço ativo.

12.3.2. Os depoimentos testemunhais dos Policiais Rodoviários Federais que trabalhavam junto com o indiciado não deixam dúvidas de que a infração em comento foi praticada pelo PRF Romualdo. Vejamos:

[...]

Como se vê a tese da defesa e mesmo o interrogatório do acusado não prosperam. Se a viatura ficava em seu poder (do acusado) porque o serviço assim o exigia, é de se esperar que o veículo ficasse à disposição de seu substituto em seus afastamentos, como é o caso das férias e licenças para tratamento de saúde, o que não ocorria, a despeito de solicitações neste sentido. Desta forma, configurada está a infração constante do inciso XVI do art. 117 da Lei n.º 8.112/90.

[...]

Entendemos que a conclusão constante do Relatório Final da Comissão, no que se refere ao enquadramento legal e às infrações praticadas pelo acusado, não está coerente com as provas dos autos, razão pela qual discordamos, em parte, da mesma. Para tanto, recorremos ao permissivo constante do art. 168 e seu parágrafo único da Lei n.º 8.112/90, ao entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, que assim expressam:

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[...]

Devemos considerar, também, que a Comissão descreveu minuciosamente os fatos objeto da acusação por ocasião do Indiciamento, o que viabilizou a plena defesa do acusado. É pacífico o entendimento jurisprudencial de que o acusado se defende dos fatos e não do enquadramento legal feito pela Comissão. Por esta razão, a autoridade julgadora não está adstrita ao enquadramento legal feito pela Comissão processante [...]." (fls. 63/68)

Como visto, tanto a Comissão Processante quanto a Consultoria Jurídica do

Ministério da Justiça concluíram no sentido da caracterização da prática da infração

consistente na liberação irregular de veículos retidos, tendo este último órgão entendido que,

diante das provas produzidas no bojo do Processo Administrativo, também restou

caracterizada a acusação relativa à utilização de bem público em atividade particular,

mencionando, fundamentadamente, as provas que formaram a sua convicção. Por essa razão,

com arrimo no art. 168 da Lei n.º 8.112/90, dissentiu parcialmente do Relatório Final

apresentado pela Comissão do Processo Disciplinar.

De igual modo, a Comissão Processante e a Consultoria Jurídica ressaltaram

que os referidos elementos probatórios não se originaram da diligência de busca e apreensão

impugnada pelo ora Impetrante. Por esse motivo, o acusado teve cassada a sua aposentadoria,

com fundamento nos arts. 127, inciso IV e 134, da Lei n.º 8.112/90, por infringência ao art.

117, incisos IX e XVI c.c. o art. 132, incisos IV e XIII, do mesmo diploma legal (fl. 73).

Nesse contexto, não é possível rever as referidas conclusões, por ser a dilação

probatória incompatível com a estreita via da ação mandamental.

Nesse sentido:

"MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORA PÚBLICA FEDERAL. AGENTE ADMINISTRATIVO DO INSS. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. REGULARIDADE FORMAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE FATO NOVO EM SEDE MANDAMENTAL. COMISSÃO PROCESSANTE QUE OPINA PELA PENA DE SUSPENSÃO. AGRAVAMENTO PARA A PENALIDADE DE DEMISSÃO PELA AUTORIDADE COATORA. AUSÊNCIA DE ADEQUADA FUNDAMENTAÇÃO (ART. 168, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI 8.112/90). SANÇÃO DISCIPLINAR QUE, NO CASO CONCRETO, REVELA-SE DESPROPORCIONAL À CONDUTA APURADA. SEGURANÇA CONCEDIDA.

1. Não consta do mandado de segurança qualquer evidência de que o processo administrativo que culminou por concluir pela responsabilidade da impetrante estivesse viciado, ou contivesse alguma ilegalidade a ponto de

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poder ser anulado pelo Poder Judiciário.2. Relativamente ao suposto fato novo a que se refere a impetrante

na exordial, não cabe, na via estreita do mandado de segurança, realizar seu confronto com as provas obtidas pela comissão processante, porquanto tal questão demandaria a dilação probatória, proibida em sede de mandamus.

[...]7. Segurança concedida." (MS 8.693/DF, 3.ª Seção, Rel. Min.

MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJ de 08/05/2008.)

"MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PENA DE SUSPENSÃO. 30 DIAS. TERMO DE INDICIAMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. ILEGALIDADE E DESPROPORCIONALIDADE DA PENA APLICADA. INSUFICIÊNCIA DA PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. PROCESSO EXTINTO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO.

1. O mandado de segurança exige prova pré-constituída como condição essencial à verificação do direito líquido e certo, de modo que a dilação probatória mostra-se incompatível com a natureza dessa ação constitucional. Precedentes.

2. Hipótese na qual o impetrante instruiu o feito com parte do processo administrativo disciplinar. Encontram-se os autos desprovidos de provas pré-constituídas suficientes e indispensáveis à análise das ilegalidades apontadas.

3. Processo extinto sem julgamento do mérito." (MS 12.713/DF, 3.ª Seção, Rel. Min. JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), DJ de 06/06/2008.)

Ante o exposto, DENEGO a segurança.

É como voto.

MINISTRA LAURITA VAZRelatora

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2008/0029387-4 MS 13348 / DF

Número Origem: 865700029104

PAUTA: 10/09/2008 JULGADO: 24/09/2008

RelatoraExma. Sra. Ministra LAURITA VAZ

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS

SecretáriaBela. VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE : ROMUALDO VASCONCELOSADVOGADO : JOSÉ MARCO TAYAH E OUTRO(S)IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

ASSUNTO: Administrativo - Servidor Público Civil - Processo Administrativo Disciplinar - Anulação

SUSTENTAÇÃO ORAL

O Dr. José Marco Tayah sustentou oralmente pelo impetrante.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto da Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora), denegando a segurança, pediu vista a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Aguardam os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Og Fernandes, Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), Nilson Naves e Felix Fischer.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Gallotti. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima.

Brasília, 24 de setembro de 2008

VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIROSecretária

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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 13.348 - DF (2008/0029387-4)

RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZIMPETRANTE : ROMUALDO VASCONCELOS ADVOGADO : JOSÉ MARCO TAYAH E OUTRO(S)IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

VOTO-VISTA

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA:

Trata-se de mandado de segurança, impetrado por Romualdo Vasconcelos,

contra ato do Sr. Ministro de Estado da Justiça, consubstanciado na cassação da

aposentadoria do impetrante, em razão de irregularidades cometidas quando no cargo de

Policial Rodoviário Federal.

Alega o requerente, em síntese, a existências de irregularidades no processo

administrativo, que concluiu pela cassação de sua aposentadoria, quais sejam:

a) ausência de autorização judicial para a realização de busca e apreensão

no seu domicílio profissional, especificamente a sala onde trabalhava como Chefe da 3ª

Delegacia da 5ª SR-PRF/DPRF/MJ-RJ;

b) falta de intimação pessoal para acompanhamento da diligência de busca e

apreensão realizada em sua sala profissional, bem como para o acompanhamento do ato de

abertura das caixas contendo os documentos apreendidos na diligência citada;

c) instauração do processo administrativo com base em denúncia anônima.

A eminente Ministra Laurita Vaz denegou a segurança entendendo que há

possibilidade de instauração de processo administrativo a partir de denúncia anônima, de

acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e que as provas colhidas com

as supostas irregularidades, durante a diligência realizada na sala de trabalho do

impetrante, não foram utilizadas para a conclusão final da autoridade coatora.

Pedi vista dos autos para um melhor exame da controvérsia.

Pois bem.

Tenho por necessário, em primeiro lugar, informar que recebi memoriais,

muito bem elaborados, pelo ilustre advogado do impetrante em que são deduzidas algumas

das nulidades postas na inicial da impetração, bem como outras não-apontadas nos autos,

razão pela qual, abstenho-me de analisar estas últimas, sobretudo por serem estranhas ao

processo.

Quanto à alegação de nulidade do processo administrativo em razão de sua

instauração ter ocorrido com fundamento em denúncia anônima, conquanto a regra do art.

144 da Lei 8.112/90 estabeleça a necessidade de a denúncia contra servidor público federal

ser por escrito e com a identificação e endereço do denunciante, assinalo que tal

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circunstância, per se, não conduz ao resultado pretendido pelo impetrante. De fato, esta

Terceira Seção possui entendimento no sentido de que o início da apuração por delação

anônima não acarreta, por si só, a nulidade do processo administrativo disciplinar, desde

que a Administração - que possui o poder-dever de investigar todas irregularidades que

chegam ao seu conhecimento, inclusive aquelas reveladas de forma anônima - proceda

"com a maior cautela, de modo a evitar os danos ao denunciado eventualmente inocente"

(MS 7.069/DF, rel. Min. Felix Fischer, DJ 12/03/2001).

Em recente julgamento, outrossim, votei com a ilustre maioria, seguindo

entendimento de que "não há ilegalidade na instauração de processo administrativo com

fundamento em denúncia anônima, por conta do poder-dever de autotutela imposto à

Administração e, por via de conseqüência, ao administrador público" (MS 12.385/DF, Rel.

Min. PAULO GALLOTTI, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 05/09/2008)

Por certo que a denúncia anônima não pode, por si só, servir de base para

todo o procedimento administrativo, pois, como salientado pelo ilustre Ministro Felix

Fischer, a denúncia deve ser investigada para que, concluindo ser plausível o que se alega

anonimamente, haja uma averiguação formal que dá ensejo ao processo administrativo.

No caso, tem-se que a partir da denúncia anônima foi instaurada uma

sindicância inquisitorial (fls. 51 e 271) que concluiu pela abertura do processo

administrativo, razão pela qual entendo que, nesse ponto, não houve nulidade.

No tocante à extensão do conceito de casa, para albergar o domicílio

profissional do impetrante no serviço público, entendo, de fato, instigante a tese.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 82788/RJ

em que foi relator o Ministro Celso de Mello, entendeu que "para os fins da proteção

jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de

"casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer compartimento privado não

aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, § 4º, III),

compreende, observada essa específica limitação espacial (área interna não acessível ao

público), os escritórios profissionais, inclusive os de contabilidade, "embora sem conexão

com a casa de moradia propriamente dita" (NELSON HUNGRIA)".

Destarte, tenho que bastante plausível a tese de que a extensão propugnada

pelo Excelso Pretório alcance também o recinto de trabalho da pessoa no serviço público,

de forma a proteger os seus objetos pessoais e profissionais que ali estão, porquanto a sala

de trabalho do servidor estatal, muito embora seja um bem público, não pode estar

acessível a todo e qualquer tipo de investigação e varredura, sem que esteja acobertada por

um mandado judicial. O fato de ser uma sala em recinto "público" não autoriza que os bens

e objetos pessoais do servidor, muitas vezes ali deixados por ser uma extensão de seu

domicílio, sejam violados sem autorização judicial.

José Afonso da Silva, sobre o art. 5º, XI, da Constituição Federal afirma que Documento: 816830 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 16/09/2009 Página 2 0 de 61

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"o objeto da tutela não é, porém, a propriedade, mas o respeito à personalidade, de que a

esfera privativa e íntima é aspecto saliente" (Comentário Contextual à Constituição,

Malheiros editores, 5ª edição, p. 103)

Essa também foi a abordagem definida por Rubens Geraldi Bertolo:

"A regra que trata da inviolabilidade de domicílio do Direito Constitucional requer uma inação dos agentes do Poder Público e também dos particulares, para garantia da liberdade individual. da privacidade e da intimidade dos moradores, evitando-se assim humilhações. Hoje, a proteção não se refere à propriedade, mas à vida da pessoa diante da sociedade." (Inviolabilidade do Domicílio, editora Método, p. 103)

Vê-se, assim, que a proteção constitucional do domicílio não tem como

espectro de abrangência tão somente a propriedade, mas alcança a intimidade e sobretudo a

privacidade do indivíduo.

Por tal razão é que o conceito de casa vem sendo alargado pela doutrina,

com a chancela do Supremo Tribunal Federal, para abranger não apenas o domicílio

propriamente dito, mas o local de trabalho do indivíduo, em razão da privacidade que tal

local expressa no âmbito do cidadão.

Nessa seara, Alexandre de Moraes, citando Gianpaolo Smanio, contribui

para o debate, com a preciosa lição de que "aquilo que for destinado especificamente para

o exercício da profissão estará dentro da disposição legal". (Direito Constitucional, editora

Atlas, 23ª edição, p. 55)

No mesmo sentido Umberto Luiz Borges D'Urso ao afirmar que "por

domicílio deve ser compreendido não só a residência, mas todo local delimitado e

separado que alguém ocupe exclusivamente, inclusive para exercício profissional"

(Inviolabilidade de Domicílio, Informativo Jurídico Consulex, ano XIII, nº 25, p. 5)

Elias Farah, em abrangente estudo sobre o tema, define com precisão o

conceito que se deve ter de casa, de acordo com o art. 5º, XI, da Constituição da

República:

"O texto constitucional de 1988 (art. 5º, XI) usa a expressão "casa", como o "asilo inviolável do indivíduo". Não usa "domicílio" para evitar confusão de conceituação jurídica. O Código Penal tutela não somente o domicílio, conceituado pela lei civil, mas qualquer dependência que tenha como habitação ou sede de sua atividade privada ou profissional. "Casa", do texto constitucional, siginifica o lugar privado, utilizado de modo exclusivo, definitivo ou habitual, pela família ou para atividade profissional, não aberto ao público em geral, onde o usufrutuário possa livremente se organizar e acomodar-se e ter a certeza de que tem a garantia da inviolabilidade, com a proteção de sua intimidade." (Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, ano 3, nº 5, p. 257)

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Também Cleonice Bastos Pitombo, trilha o mesmo caminho:

"Deve-se, assim, entender que a expressão casa, protegida constitucionalmente, designa qualquer lugar que, de um modo ou de outro, sirva de residência ou morada. Todo lugar que o indivíduo possa ter como refúgio e se agaslahar contra a ingerência de terceiros, ainda que local de trabalho. O preceito legal admite, portanto, interpretação ampla." (Da Busca e Apreensão no Processo Penal, editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, p. 68)

No direito comparado tem-se hipótese em que a Suprema Corte Americana

entendeu protegida pela inviolabilidade de domicílio também o quarto de hotel em que o

indivíduo estava hospedado. Já no direito argentino, a doutrina admite que "o conceito de

domicílio não é apenas no sentido estrito, como a residência e a habitação, mas todo o

local com noção de liberdade individual, onde possa atuar reservadamente sem a

interferência de estranhos" (Rubens Geraldi Bertolo, Inviolabilidade do Domicílio, editora

Método, p. 50).

Não convence, ainda, a tese de que a observação feita pelo Supremo

Tribunal Federal quanto à "compartimento privado não aberto ao público" excluiria a sala

de trabalho do impetrante, na medida em que esta, ainda que localizada em órgão público,

não é aberta indiscriminadamente a toda e qualquer pessoa, mas apenas aquelas que têm

em tal local seu recinto de trabalho.

Dessa forma, a violação do domicílio profissional do impetrante, no caso

caracterizado, notadamente, por seus objetos e pertences pessoais localizados na sua sala

de trabalho, sem autorização judicial (expressamente admitida pelas informações

prestadas), ante a proteção conferida pelo art. 5º, XI, da Carta Magna, configura produção

de prova ilícita que deve ser repelida pelo Poder Judiciário.

É de se salientar, nesse ponto, que, diversamente da ilustre relatora, entendo

que as provas produzidas na referida diligência foram fundamentais para a condenação do

impetrante, senão diretamente, de forma indireta (teoria dos frutos da árvore envenenada,

STF, HC 93050/RJ).

Com efeito, consta do termo de apreensão e de rompimento de lacre (fls.

93/113) diversos "Docaprev's" (documentos de apreensão de veículos) que estariam na

posse do impetrante. Já na oitiva das testemunhas e na fundamentação do Parecer CAD/CJ

nº 116/2007/JSO, acolhido pela autoridade coatora para cassar a aposentadoria do acusado,

diversos "Docaprev's" foram utilizados como fonte das irregularidades supostamente

ocorridas, razão pela qual entendo que não há como separar o que teria sido ou não

influente para a pena aplicada ao impetrante assim como o fez a ilustre relatora.

Ademais, também não me impressiona a alegação da autoridade coatora de

que as acusações resultantes da apreensão feita pela Comissão de Sindicância não foram

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consideradas para a convicção acerca da responsabilização do servidor, notadamente

porque esta afirmação foi lançada no parecer da comissão de forma unilateral, sem nenhum

embasamento a comprova-la. Com a devida vênia, tenho que a simples afirmação com tal

conteúdo não pode servir como fundamento para se afastar a premissa de que todas as

provas foram utilizadas para formar a convicção do julgador, nem mesmo para afastar o

liame presumido que se tem entre todos os "Docaprev's" apreendidos.

Vale ressaltar, no ponto, que o Supremo Tribunal Federal, em caso que

envolvia processo penal, entendeu que o órgão acusador é que deve demonstrar que as

provas foram produzidas de forma lícita e que foram estas que firmaram a convcção do

julgador. Confira-se o julgado:

"Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária" (HC 93050/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Destarte, não consigo, no caso concreto, fazer a separação do que foi ou não

utilizado para condenar o impetrante quanto à acusação de "liberação irregular de veículos

retidos", daí porque se ilícitas algumas provas produzidas, tenho que viciado todo o

procedimento.

Quanto ao argumento da falta de intimação pessoal do impetrante para

acompanhamento da diligência de busca e apreensão realizada em sua sala profissional,

bem como para o acompanhamento do ato de abertura das caixas contendo os documentos

apreendidos na diligência citada, tenho que a questão merece também uma análise mais

detalhada.

Assim é que, nesse caso, há precedente que, num exame cuidadoso, pode

ser aplicado à hipótese (MS 9.511/DF, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA

SEÇÃO, DJ 21/03/2005 ).

Nesse sentido, muito embora não haja previsão expressa na Lei nº 8.112/90

quanto à necessidade de intimação e de prazo para a realização de diligência, certo é que

deve ser conferido ao acusado tais prerrogativas em nome dos princípios constitucionais

do contraditório e da ampla defesa.

Este viés foi muito bem observado pelo Ministro Arnaldo Esteves Lima, no

precedente citado, em que foi afirmado que é imperiosa a intimação do acusado para a

oitiva de testemunhas, com um mínimo de 3 dias de antecedência, não convalidando a

nulidade o seu comparecimento espontâneo à audiência realizada.

Tomo a liberdade, de transcrever trecho do voto do ilustre Ministro, que

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dissertou sobre as normas legais aplicáveis à espécie:

"O Regime Jurídico do Servidor Público assegura a observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório. Todavia não prevê prazo específico para o exercício desse garantia constitucional. Dispõe a Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990:

Art. 153. O inquérito administrativo obedecerá ao princípio do contraditório, assegurada ao acusado a ampla defesa, com a utilização dos meios e recursos admitidos em direito.

Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.

A ausência de previsão de prazo não faculta à Administração fixá-lo conforme bem entender. A Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, estabelece regras de intimação a serem observadas nos processos administrativos, ao dispor:

Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.

Em se tratando de processo disciplinar, mostra-se aplicável referida regra em razão do disposto no art. 69 da referida Lei 9.784/99, que prevê:

Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.

A observância dessa regra já foi assegurada pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica no seguinte precedente:

MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PERÍCIA MÉDICA. REALIZAÇÃO. INTIMAÇÃO DE ADVOGADO CONSTITUÍDO. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO.

- A Lei 8.112/90 reconhece ao acusado em processo administrativo o direito de acompanhar pessoalmente ou por representante os atos do procedimento disciplinar.

- Inexistindo, no processo disciplinar, intimação na pessoa do acusado ou na de seu advogado, de perícia médica pertinente à instrução dos autos, o ato torna-se viciado.

- O impetrante do mandado de segurança não é obrigado a fazer prova negativa, quando alega como prova a inexistência de ato que deveria existir, sendo igualmente descabida a aplicação do art. 6°, parágrafo único, da Lei 1.533/51.

- Regras sobre a intimação em processo administrativo, constantes da Lei 9.784/99, que exigem antecedência mínima de 3 (três) dias da realização do ato.

- Segurança concedida. (MS 8.700/DF, Rel. Min. PAULO MEDINA, Terceira Seção, DJ de 29/11/2004, p. 221.)

Com efeito, a omissão existente no Regime Jurídico dos Servidores Públicos – Lei 8.112/90 – quanto ao prazo a ser observado para a notificação do acusado em processo administrativo disciplinar é sanada pela regra existente na Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

A efetiva observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório não se dá apenas com a comunicação da realização de ato ao acusado em

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processo disciplinar. Mostra-se indispensável que lhe seja conferido prazo razoável para o exercício dessa garantia constitucional, e a lei não é omissa a esse respeito.

No caso, consoante se verifica à fl. 25 dos autos, o impetrante foi comunicado em 23 de abril de 2003, por notificação expedida na mesma data, de que no dia anterior (22/4/2003) fora instaurada Comissão de Processo Disciplinar destinada a apurar possíveis irregularidades por ele cometidas e de que no dia seguinte, qual seja, 24/4/2003, a partir das 9 horas, mencionada Comissão estaria reunida para tomar depoimento das testemunhas.

Ora, como bem ressaltado pelo representante do Ministério Público Federal, Subprocurador-Geral da República Brasilino Pereira dos Santos (fl. 408):

Dessa forma, face à exigüidade do lapso temporal mencionado, fica evidente que não foi dado ao Impetrante o tempo necessário para que pudesse realizar os preparativos necessários para tal audiência, como, v.g., se inteirar previamente de todos os fatos, colher dados acerca das testemunhas, preparar eventuais questionamento ou mesmo contactar, de modo eficiente, um defensor para acompanhá-lo durante a audiência.

E que não se venha falar que o comparecimento do Impetrante à audiência teria convalidado a ilegalidade perpetrada pela Administração.

É que, no caso, foi infringido o princípio da ampla defesa. Assim, como no processo penal, o prejuízo é presumido e a nulidade, absoluta.

Dessa forma, não há a necessidade de comprovação do suposto prejuízo ao Impetrante, até porque isso não seria possível na situação posta sob exame. A única certeza é que a presença de um defensor técnico, dotado de conhecimentos jurídicos e com formação universitária e profissional direcionada para o enfrentamento de situações como a tal seria fundamental para a preservação da garantia constitucional da ampla defesa.

De fato, há ilegalidade na audiência de oitiva de testemunhas e, por conseguinte, do processo administrativo disciplinar que culminou na demissão, em razão do fato de que o impetrante foi notificado desse ato no dia que antecedeu a sua realização, contrariando a legislação de regência e os princípios da ampla defesa e do contraditório."

Note-se que o voto menciona, ainda, outro jugado em que se entendeu

viciada perícia realizada em processo administrativo, sem que se intimasse, com

antecedência, o acusado do referido ato.

Confira-se o julgado:

"MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PERÍCIA MÉDICA. REALIZAÇÃO. INTIMAÇÃO DE ADVOGADO CONSTITUÍDO. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO.

- A Lei 8.112/90 reconhece ao acusado em processo administrativo o direito de acompanhar pessoalmente ou por representante os atos do procedimento disciplinar.

- Inexistindo, no processo disciplinar, intimação na pessoa do acusado ou na de seu advogado, de perícia médica pertinente à instrução dos autos, o ato torna-se viciado.

- O impetrante do mandado de segurança não é obrigado a fazer prova

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negativa, quando alega como prova a inexistência de ato que deveria existir, sendo igualmente descabida a aplicação do art. 6°, parágrafo único, da Lei 1.533/51.

- Regras sobre a intimação em processo administrativo, constantes da Lei 9.784/99, que exigem antecedência mínima de 3 (três) dias da realização do ato.

- Segurança concedida." (MS 8700/DF, Rel. Min. PAULO MEDINA, TERCEIRA SEÇÃO, DJ 29/11/2004)

No presente processo situação semelhante pode ser encontrada, na medida

em que não houve intimação pessoal do impetrante para acompanhamento da diligência de

busca e apreensão realizada em sua sala profissional, bem como para o acompanhamento

do ato de abertura das caixas contendo os documentos apreendidos na diligência citada.

Entendo que o processo administrativo disciplinar, diferentemente da

sindicância, deve ser pautado pelos princípios do contraditório e da ampla defesa,

consubstanciados no direito do acusado de acompanhar pessoalmente ou por representante

os atos do procedimento disciplinar, notadamente aqueles que digam respeito diretamente

à sua privacidade como a busca e apreensão de material de seu uso privativo.

Mauro Roberto Gomes de Mattos observa com astúcia a necessidade de

intimação do acusado no processo administrativo disciplinar da prática de todos os atos:

"Assim, na instrução, na defesa e no julgamento, como será visto a posteriori, o investigado deverá ter ciência de todos os atos processuais praticados, pois se espera da Comissão a condução de um processo justo e seguro, em harmonia ao plasmado constitucional da mais ampla defesa possível, onde o acusado não é pego de surpresa ou no contrapé, pois não se espera do Poder Público conduta que não seja a mais ética e jurídica possível." (Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada, editora América Jurídica, 4ª edição, p. 1131)

Da mesma forma, Rogério Laria Tucci, citando julgado do Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo, ensina:

"Nada vale o argumento de que em tais processo e procedimentos, em razão de eventual carga inquisitiva, descabe a plenitude de defesa. Ninguém, hoje, nega a inquisitividade do Juiz civil, sendo-lhe a jurisdição contenciosa. Inquistividade e plenitude de defesa podem e devem conviver, no mesmo plano. Nem importa a assertiva de que a impugnação resta diferida, ou retardada, para o instante em que deduzido o pretenso direito, em ação. Inexiste meio de volta no tempo, sem dano. A refutação tardia; a produção de meios de prova, sem acompanhamento; e a impossibilidade de contraprovar, tempestivamente, trazem evidente prejuízo, nascente na unilateralidade viciada, que beneficia o demandante." (Direito e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro, editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, p. 183)

Destarte, a não-intimação do impetrante, sobretudo para a abertura das

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caixas contendo o material apreendido, afigura-me violação da ampla defesa, esta

consubstanciada na possibilidade de o acusado acompanhar e conferir aquilo que lhe

pertence e que foi apreendido pela administração.

Todavia, muito embora entenda viciado o procedimento quanto à acusação

de "liberação irregular de veículos retidos", tenho que, no caso concreto, tal vício não

conduzirá, por si só, ao restabelecimento da aposentadoria do impetrante. E tal fato se dá

porque as insurgências da inicial do mandamus têm como base a denúncia anônima, bem

como a diligência realizada (seja por ausência de autorização judicial, seja por falta de

intimação do impetrante de sua realização), sendo que esta última não deu ensejo à

punição do impetrante pelo segundo fato a ele imputado, qual seja, o de "utilização de

material público em atividade particular".

É de se notar que, no tocante ao referido fato, a condenação do impetrante

se deu exclusivamente com base em provas testemunhais (fls. 63/65), que não foram

maculadas por eventual vício nas diligências realizadas.

Confira-se trecho do parecer que concluiu pela conduta irregular do

impetrante no tocante ao fato não impugnado neste mandado de segurança:

"Os depoimentos testemunhais dos Policias Rodoviários Federais que trabalhavam junto com o indiciado não deixam dúvidas de que a infração em comento foi praticada pelo PRF Romualdo.

(...)Como se vê a tese da defesa e mesmo o interrogatório não prosperam.

Se a viatura ficava em seu poder (do acusado) porque o serviço assim o exigia, é de se esperar que o veículo ficasse à disposição de seu substituto em seus afastamentos, como é o caso das férias e licenças para tratamento de saúde, o que não ocorrida, a despeito de solicitações neste sentido. Desta forma, configurada está a infração constante do inciso XVI do art. 117 da Lei nº 8.112/90." (fls. 64/65)

Saliente-se que as diligências impugnadas deram ensejo a condenação do

impetrante pela prática de "liberação irregular de veículos retidos" e não foram utilizadas

para a condenação do impetrante por "utilização de material público em atividade

particular", razão pela qual entendo que, ainda que se fale em ilicitude das provas,

relativamente à primeira imputação, estas não viciaram o restante do procedimento nem as

demais provas produzidas.

Seria como se falar na fonte independente, do processo penal, que

caracteriza determinado tipo de prova, licitamente desenvolvida, que não é viciada pela

existência de outras ilicitamente produzidas. Tal característica da prova foi recentemente

introduzida no ordenamento legislativo brasileiro, no art. 157, § 2º, do Código de Processo

Penal, verbis :

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Superior Tribunal de Justiça

"§ 2º - Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova."

Marcos Zilli define a fonte independente:

"Com efeito, a fonte é reputada independente quando, por si só, pudesse conduzir ao objeto da prova. O legislador sugere, portanto, uma avaliação judicial sobre as fontes geradoras da prova derivada. E caso configurada alguma que pudesse levar obtenção daquele fato, independentemente da prova originariamente ilícita, a prova deixará de existir." (Boletim IBCCRIM, ano 16, nº 188, p. 3)

Dessa forma, mesmo acolhendo-se a tese de ilicitude nas diligências

realizadas pela autoridade na sala de trabalho do impetrante, o outro fato pelo qual foi ele

condenado é suficiente, por si só, no âmbito administrativo, para a cassação de sua

aposentadoria, nos termos dos arts. 117, XVI e 132, XIII, da Lei nº 8.112/90.

Ressalte-se, por necessário, que nenhuma insurgência referente à "utilização

de material público em atividade particular" foi deduzida na inicial, daí porque não há

como se acolher o pedido de anulação de todo o procedimento e de retorno do impetrante à

folha de pagamento de proventos, ressalvado o direito de ser impugnado tal fato nas vias

ordinárias.

Por todo o exposto, peço vênia à nobre relatora para conceder, em parte, a

segurança, declarando a nulidade parcial do processo administrativo, no tocante às provas

produzidas em relação à acusação de "liberação irregular de veículos retidos", cassando

sua condenação por tal fato, mas mantendo incólume as demais provas, bem como a

condenação relativas à "utilização de material público em atividade particular".

É como voto.

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Page 29: Denúncia Anônima PAD

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2008/0029387-4 MS 13348 / DF

Número Origem: 865700029104

PAUTA: 10/09/2008 JULGADO: 15/12/2008

RelatoraExma. Sra. Ministra LAURITA VAZ

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. JULIETA E. FAJARDO C. DE ALBUQUERQUE

SecretáriaBela. VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE : ROMUALDO VASCONCELOSADVOGADO : JOSÉ MARCO TAYAH E OUTRO(S)IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

ASSUNTO: Administrativo - Servidor Público Civil - Processo Administrativo Disciplinar - Anulação

SUSTENTAÇÃO ORAL

O Dr. José Marco Tayah sustentou oralmente pelo impetrante na Sessão de 24/09/2008.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Retomado o julgamento, após o voto-vista divergente da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, concedendo em parte a segurança, pediu vista o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

Aguardam os Srs. Ministros Jorge Mussi, Og Fernandes, Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), Nilson Naves e Felix Fischer.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Gallotti. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima.

Brasília, 15 de dezembro de 2008

VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIROSecretária

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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 13.348 - DF (2008/0029387-4)

RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZIMPETRANTE : ROMUALDO VASCONCELOS ADVOGADO : JOSÉ MARCO TAYAH E OUTRO(S)IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

VOTO-VISTA(MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO)

MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. AGENTE DA

POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA.

BUSCA E APREENSÃO DE DOCUMENTOS. DILIGÊNCIA REALIZADA SEM

MANDADO JUDICIAL, NO GABINETE DE TRABALHO DO IMPETRANTE.

PROVA ILÍCITA. TEORIA DOS FRUTOS ENVENENADOS. NULIDADE

PARCIAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONDUTA

REMANESCENTE. CONCLUSÃO DA COMISSÃO PROCESSANTE PELA

NÃO CONFIGURAÇÃO DA INFRAÇÃO. APLICAÇÃO DA SANÇÃO.

VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. PRESUNÇÃO DE

INOCÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.

1. A garantia constitucional à inviolabilidade domiciliar, tal como

instituída e assegurada pelo inciso XI do art. 5o. da Carta Política, que

representa expressiva limitação ao poder do Estado, ampara outros espaços

não abertos ao público, destinados ao exercício de profissão ou atividade, daí

resultando a consequente ilicitude material das provas colhidas em diligência

de busca e apreensão realizada no Gabinete da Delegacia Policial Rodoviária

Federal, na qual o indiciado exercia funções de Chefia, sem o competente

mandado judicial e contra a vontade do seu ocupante.

2. Muito embora se reconheça que a tão-só instauração de

procedimento investigativo não traduz manifestação opinativa ou dispositiva,

ela cristaliza um mandamento que deflagra, desde seu início, efeitos e

impulsos incoercíveis ao sindicado, razão pela qual mostra-se necessário

frear o ímpeto denunciatório anônimo, inclusive para permitir que, no caso de

abusividade da imputação, o denunciado possa se voltar juridicamente contra

quem intentou vilipendiá-lo, bem como evitar a instauração caprichosa de

investigação, a pretexto de delação anônima.

3. A materialização do dever-poder estatal de punir deve estar

compatibilizada com os preceitos fundamentais que tutelam a dignidade da

pessoa humana; penalizar o Servidor, quando pairam dúvidas a respeito de

alguns fatos e circunstâncias da conduta sancionável, consubstancia

utilização desmensurada e irrazoável do poder sancionatório conferido à

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Administração, em flagrante violação ao princípio constitucional da presunção

de inocência.

4. A legislação regente do PAD (Lei 8.112/90) permite à

autoridade agravar a sanção administrativa sugerida pela Comissão

Processante, mas não alterar a sua natureza ou, como na hipótese vertente,

aplicá-la mesmo a despeito da conclusão de não configuração da infração no

Relatório final apresentado pela Comissão Processante, para que não se

abra a porta ao arbítrio da autoridade da Chefia, ou de quem, ao final, impõe

a sanção.

5. Os danos materiais e morais derivados de uma punição

injusta ou desproporcional ao ato infracional cometido são insuscetíveis de

eliminação, por isso a imposição de sanção disciplinar está sujeita a garantias

muito severas, entre as quais avulta de importância a observância da regra

do in dubio pro reo, expressão jurídica do princípio da presunção de

inocência, intimamente ligado ao princípio da legalidade; dest'arte, se os

mesmos fatos deram ensejo a duas vertentes interpretativas antagônicas, há

de se levar em consideração e privilegiar aquela mais favorável ao indiciado.

6. A Lei 8.112/90, atenta para a inviabilidade de se vincular

todas as definições de condutas infracionais a determinada sanção, em face

da impossibilidade lógica de se antever todas as possíveis repercussões

casuísticas de cada fato, determinou, em seu art. 128, que fossem

ponderados certos critérios no momento da aplicação da penalidade, tudo a

conferir efetividade ao princípio constitucional da individualização da

reprimenda, de sorte que a culpabilidade e as peculiaridades do caso

concreto devem necessariamente ser sempre objeto de ponderação no

momento da fixação da sanção disciplinar adequada.

7. Na hipótese em exame, não houve dano ou repercussão

grave para a Administração Pública, bem como não há notícia de que o

impetrante possua maus antecedentes, de sorte que, ainda se reconhecendo

a prática de conduta infracional, a penalidade de cassação da aposentadoria

mostra-se extremamente exacerbada em face das particularidades do caso

concreto.

8. Anulação do ato de cassação da aposentadoria do

Impetrante, com o pagamento dos respectivos efeitos patrimoniais pretéritos.

1. Trata-se de Mandado de Segurança, impetrado por

ROMUALDO VASCONCELOS, contra ato do Ministro de Estado da Justiça,

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consubstanciado na cassação de sua aposentadoria, em razão da suposta prática

de infrações administrativas no exercício do cargo de Chefe da 3a. Delegacia da 5a.

Superintendência Regional da Policia Rodoviária Federal no Estado do Rio de

Janeiro.

2. Sustenta a nulidade do Processo Administrativo que culminou

com a sua punição, argumentando, para tanto, que foram praticadas inúmeras

arbitrariedades pela Comissão Processante, consubstanciadas (a) na busca e

apreensão de documentos no seu domicílio profissional sem o necessário mandado

judicial e sem que fosse antecipadamente intimado para acompanhamento da

diligência; (b) na falta de intimação pessoal do impetrante para estar presente no

momento da abertura das caixas contendo os documentos apreendidos; e (c) na

violação da garantia constitucional da inviolabilidade das correspondências e

comunicações em geral.

3. Ainda segundo a inicial, a instauração do procedimento com

base em denúncia anônima vai de encontro aos princípios constitucionais da

presunção de inocência, da legalidade, da transparência, do devido processo legal,

do contraditório e da plenitude de defesa.

4. A ilustre Ministra Relatora LAURITA VAZ denegou a ordem

sob o fundamento de que esta Corte já possui firme entendimento de que não há

nulidade na instauração de Processo Administrativo com base em denúncia

anônima, além de que a pena de demissão não foi aplicada apenas com suporte

nas provas supostamente colhidas de forma ilegal.

5. A eminente Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,

por sua vez, em voto-vista, entendeu por bem acolher a tese da ilicitude nas

diligências realizadas no ambiente de trabalho do impetrante, ponderando, ao meu

ver acertadamente, que a proteção constitucional do domicílio não tem como

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Superior Tribunal de Justiça

espectro de abrangência tão somente a propriedade, mas alcança a intimidade e

sobretudo a privacidade do indivíduo, estendendo-se a inviolabilidade, portanto, a

qualquer compartimento privado não aberto ao público, sobremodo, o local onde se

exerce a profissão ou atividade. Para melhor elucidação, vale transcrever o trecho

do seu brilhante voto que esmiuça a questão:

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC

82.788/RJ em que foi relator o Ministro Celso de Mello, entendeu que "para

fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5o., XI, da Constituição da

República, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e, por

estender-se a qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde

alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, § 4o., III), compreende,

observada essa específica limitação espacial (área interna não acessível ao

público), os escritórios profissionais, inclusive os de contabilidade, "embora

sem conexão com a casa de moradia propriamente dita" (NELSON

HUNGRIA)".

Destarte, tenho que bastante plausível a tese que a extensão

propugnada pelo Excelso Pretório alcance também o recinto de trabalho da

pessoa no serviço público, de forma a proteger os seus objetos pessoais e

profissionais que ali estão, porquanto a sala de trabalho do servidor estatal,

muito embora seja um bem público, não pode estar acessível a todo e

qualquer tipo de investigação e varredura, sem que esteja acobertada por um

mandado judicial. O fato de ser uma sala em recinto "público" não autoriza

que os bens e objetos pessoais, muitas vezes ali deixados por ser uma

extensão de seu domicílio, sejam violados sem autorização judicial.

José Afonso da Silva, sobre o art. 5o., XI, da Constituição Federal

afirma que "o objeto da tutela não é, porém, a propriedade, mas o respeito à

personalidade, de que a esfera privativa e íntima é aspecto saliente"

(Comentário Contextual à Constituição, Malheiros editores, 5a. edição, p.

103).

Essa também foi a abordagem definida por Rubens Geraldi Bertolo:

"A regra que trata de inviolabilidade de domicílio do Direito Constitucional requer uma inação dos agentes do Poder Público e também dos particulares, para garantia da liberdade individual, da privacidade e da intimidade dos moradores, evitando-se assim humilhações. Hoje, a proteção não se refere à propriedade, mas à vida da pessoa diante da sociedade (Inviolabilidade do Domicílio, editora Método, p. 103).

Vê-se, assim, que a proteção constitucional do domicílio não tem

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como espectro de abrangência tão somente a propriedade, mas alcança a

intimidade e sobretudo a privacidade do indivíduo.

Por tal razão é que o conceito de casa vem sendo alargado pela

doutrina, com a chancela do Supremo Tribunal Federal, para abranger não

apenas o domicílio propriamente dito, mas o local de trabalho do indivíduo,

em razão da privacidade que tal local expressa no âmbito do cidadão.

Nessa seara, Alexandre de Moraes, citando Gianpaolo Smanio,

contribui para o debate, com a preciosa lição de que "aquilo que for destinado

especificamente para o exercício da profissão estará dentro da disposição

legal". (Direito Constitucional, editora Atlas, 23a. edição, p. 55).

No mesmo sentido Umberto Luiz Borges D'Urso ao afirmar que "por

domicílio deve ser compreendido não só a residência, mas todo local

delimitado e separado que alguém ocupe exclusivamente, inclusive para

exercício profissional" (Inviolabilidade de Domicílio, Informativo Jurídico

Consulex, ano XIII, no. 25, p. 5).

Elias Farah, em abrangente estudo sobre o tema, define com

precisão o conceito que se deve ter de casa, de acordo com o art. 5o., XI, da

Constituição da República:

"O texto constitucional de 1988 (art. 5o., XI) usa a expressão "casa" como o "asilo inviolável do indivíduo". Não usa "domicílio" para evitar confusão de conceituação jurídica. O Código Penal tutela não somente o domicílio, conceituado pela lei civil, mas qualquer dependência que tenha como habitação ou sede de sua atividade privada ou profissional. "Casa", do texto constitucional, significa o lugar privado, utilizado de modo exclusivo, definitivo ou habitual, pela família ou atividade profissional, não aberto ao público em geral, onde o usufrutuário possa livremente se organizar e acomodar-se e ter certeza de que tem a garantia da inviolabilidade, com a proteção de sua intimidade." (Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, ano 3, no. 5, p. 257).

Também Cleonice Bastos Pitombo, trilha o mesmo caminho:

"Deve-se, assim, entender que a expressão casa, protegida constitucionalmente, designa qualquer lugar que, de um modo ou de outro, sirva de residência ou morada. Todo lugar que o indivíduo possa ter como refúgio e se agasalhar contra a ingerência de terceiros, ainda que local de trabalho. O preceito legal admite, portanto, interpretação ampla." (Da Busca e Apreensão no Processo Penal, editora Revista dos Tribunais, 2a. edição, p. 68).

No direito comparado tem-se hipótese em que a Suprema Corte

Americana entendeu protegida pela inviolabilidade de domicílio também o

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quarto de hotel em que o indivíduo estava hospedado. Já no direito argentino,

a doutrina admite que "o conceito de domicílio não é apenas no sentido

estrito, como a residência e a habitação, mas todo o local com noção de

liberdade individual, onde possa atuar reservadamente sem a interferência de

estranhos" (Rubens Geraldi Bertolo, Inviolabilidade de Domicílio, editora

Método, p. 50).

Não convence, ainda, a tese de que a observação feita pelo

Supremo Tribunal Federal quanto à "compartimento privado não aberto ao

público" excluiria a sala de trabalho do impetrante, na medida em que esta,

ainda que localizada em órgão público, não é aberta indiscriminadamente a

toda e qualquer pessoa, mas apenas aquelas que têm em tal local seu

recinto de trabalho.

Dessa forma, a violação do domicílio profissional do impetrante, no

caso caracterizado, notadamente, por seus objetos e pertences pessoais

localizados na sua sala de trabalho, sem autorização judicial (expressamente

admitida pela informações prestadas), ante a proteção conferida pelo art. 5o.,

XI, da Carta Magna, configura produção de prova ilícita que deve ser repelida

pelo Poder Judiciário.

É de salientar, nesse ponto, que, diversamente da ilustre relatora,

entendo que as provas produzidas na referida diligência foram fundamentais

para a condenação do impetrante, senão diretamente, de forma indireta

(teoria dos frutos envenenados).

6. Neste ponto, perfilho esta mesma orientação jurídica, haja

vista que a situação exposta nos autos não configura nenhuma das hipóteses

excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5o., XI da CF), não

se admitindo, portanto, o ingresso de Agente Público, contra a vontade de seu

ocupante, sem o competente mandado judicial de busca e apreensão, em espaço

não aberto ao público, no qual se exerce atividade profissional, motivo pelo qual

acolho, nos exatos termos explanados de forma elucidativa pela digníssima Ministra

MARIA THEREZA, a suscitada tese de ilicitude das provas colhidas na referida

diligência e de todas as outras daí advindas.

7. Ocorre que, a eminente Julgadora entendeu que o vício do

procedimento somente teria atingido o PAD no que diz respeito à infração de

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liberação irregular de veículos retidos, uma vez que as diligências ilegais não deram

causa à punição do impetrante pelo segundo fato a ele imputado e pelo qual foi

punido, qual seja, utilização de material público em atividade particular, de modo

que a parcial concessão da ordem não teria o condão de restabelecer a sua

aposentadoria. Essa assertiva foi justificada da seguinte forma:

Todavia, muito embora entenda viciado o procedimento quanto à

acusação de "liberação irregular de veículos retidos", tenho que, no caso

concreto, tal vício não conduzirá, por si só, ao restabelecimento da

aposentadoria do impetrante. E tal fato se dá porque as insurgências da

inicial do mandamus têm como base a denúncia anônima, bem como a

diligência realizada (seja por ausência de autorização judicial, seja por falta

de intimação do impetrante de sua realização), sendo que esta última não

deu ensejo à punição do impetrante pelo segundo fato a ele imputado, qual

seja, o de "utilização de material público em atividade particular".

É de se notar que, no tocante ao referido ato, a condenação do

impetrante se deu exclusivamente com base em provas testemunhais (fl.

63/65), que não foram maculadas por eventual vício nas diligências

realizadas.

Confira-se trecho do parecer que concluiu pela conduta irregular do

impetrante no tocante ao fato não impugnado neste mandado de segurança:

"Os depoimentos testemunhais dos Policiais Rodoviários Federais que trabalhavam junto com o indiciado não deixaram dúvidas de que a infração em comento foi praticada pelo PRF Romualdo.

(...).

Como se vê a tese da defesa e mesmo o interrogatório não prosperam. Se a viatura ficava em seu poder (do acusado) porque o serviço assim o exigia, é de se esperar que o veículo ficasse à disposição de seu substituto em seus afastamentos, como é o caso das férias e licenças para tratamento de saúde, o que não ocorrida, a despeito de solicitações neste sentido. Desta forma, configurada está a infração constante do inciso XVI do art. 117 da Lei 8.112/90." (fls. 64/65)

Saliente-se que as diligências impugnadas deram ensejo a

condenação do impetrante pela prática de "liberação irregular de veículos

retidos" e não foram utilizadas para a condenação do impetrante por

"utilização de material público em atividade particular", razão pela qual

entendo que, ainda que se fale em ilicitude das provas relativamente à

primeira imputação, estas não viciaram o restante do procedimento nem as

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Page 37: Denúncia Anônima PAD

Superior Tribunal de Justiça

demais provas produzidas.

8. Ouso discordar deste particular, e o faço respeitosamente, em

face de dois motivos que me parecem, data venia, igualmente relevantes, como

passo a reportar.

9. Além da ilicitude das diligências realizadas sem a anterior e

indispensável permissão judicial ou mesmo do próprio indiciado, que acabou por

contaminar as provas daí originadas, em face da aplicação da teoria dos frutos

envenenados, verifica-se que o Processo Administrativo Disciplinar teve início com

base apenas em denúncia anônima.

10. Sobre o tema, cumpre observar que não se pode desprezar o

clima de aflição e estresse causado pela premente proliferação ou expansão quase

indiscriminada de denúncias anônimas, dando azo à formação de procedimentos

sindicatórios no âmbito das Repartições, muitas das vezes, para não dizer em sua

maioria, destituídos de fundamentos ou indícios, gerando tremenda situação

vexatória ao Servidor indiciado.

11. Como cediço, a instauração de Processo Administrativo, ou até

mesmo de uma sindicância, traduz juízo de severa reprovação proveniente da

sociedade e do Estado, possuindo, na verdade, carga extremamente negativa, que

afeta sobremodo a subjetividade do indiciado. Muito embora se reconheça que a

tão-só instauração de procedimento investigativo não traduz manifestação opinativa

ou dispositiva, ela se cristaliza num mandamento que deflagra, desde o seu início,

efeitos e impulsos incoercíveis.

12. Por esta e outras razões, penso ser necessário frear esse ímpeto

denunciatório anônimo, inclusive para permitir que, no caso de abusividade da

imputação, o denunciado possa se voltar juridicamente contra quem intentou

vilipendiá-lo. Em outras palavras, sendo anônima, o Servidor sofre o vexame de ser

submetido à sindicância e, ao mesmo tempo, é impedido de agir em retorsão, por

não ter ciência de quem foi o autor da denúncia, o que se me afigura inadimissível.

13. A outra observação que tenho a fazer é com relação à imputação

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Superior Tribunal de Justiça

de utilização de material público em atividade particular, pela qual o impetrante

restou igualmente sancionado e, segundo o entendimento consignado no brilhante

voto proferido pela eminente Ministra MARIA THEREZA, seria idônea por si só a

ensejar a cassação da aposentadoria do impetrante.

14. Em que pese não ter sido fruto exclusivo das provas aqui já

consideradas ilícitas, de modo que o procedimento investigatório desses fatos, em

particular, não se encontra maculado de ilegalidade, dessume-se dos autos que o

Relatório Final apresentado pela Comissão Processante concluiu pela não

configuração do cometimento da infração enquadrada no art. 117, XVI da Lei

8.112/90, como se vê às fls. 252, mas que veio a ser considerado no ato punitivo

(fls. 73).

15. Note-se que foram imputadas ao impetrante 5 práticas ilícitas,

como se vê nos itens 7.1, 7.2, 7.3, 7.4 e 7.5 do Relatório Final do PAD, reproduzido

às fls. 247 a 253 destes autos; essas imputações estão assim configuradas:

7.1. - liberação irregular de veículos retidos (fls. 247);

7.2. - prevaricação no trato de denúncias contra Servidores (fls. 250);

7.3. - exercício de atividade incompatível com a função (fls. 251);

7.4. - utilização de material público em atividade particular (fls. 252); e

7.5. - participar de gerência em atividade privada (fls. 252).

16. A infração referida no item 7.1. supra, segundo o Relatório Final

do PAD, restou configurado (fls. 250), mas foi afastada a sua sancionabilidade no

voto da eminente Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, porque a

comprovação dessa infração está contaminada de ilicitude em face dos elementos

probatórios terem sido colhidos de forma ilegal.

17. A infração referida no item 7.2. supra, segundo o Relatório Final

do PAD, não ficou configurada (fls. 251).

18. A infração referida no item 7.3. supra, segundo o Relatório Final

do PAD, não ficou configurada (fls. 252).

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19. A infração referida no item 7.4. supra, segundo o Relatório Final

do PAD, não ficou configurada (fls. 252).

20. A infração referida no item 7.5. supra, segundo o Relatório Final

do PAD, não ficou configurada (fls. 253).

21. Por conseguinte, das imputações deduzidas contra o paciente,

somente a primeira delas, ou seja, a liberação irregular de veículos retidos (item 7.1,

fls. 247), restou configurada, ao ver da Comissão Processante, conforme consignou

no seu Relatório Final (fls. 250).

22. Contudo, como já consignado, essa infração foi acertadamente

afastada pela ilustre Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, por ter sido a

sua prova fruto de procedimento ilícito, de sorte que, de acordo com a avaliação da

Comissão Processante, não haveria mais nenhuma imputação remanescente, pois

as demais (itens 7.2 a 7.5 do Relatório Final) não restaram configuradas.

23. Porém, o ato do Ministro de Estado punitivo do impetrante

aplicou a sanção demissória com base no art. 117, IX e XVI da Lei 8.112/90, ou

seja, levou em conta precisamente a infração de utilização de material público em

atividade particular , que o próprio Relatório Final teve por não configurada (fls. 252),

nos seguintes termos:

A presente comissão apurou, através dos depoimentos colhidos que

o acusado utilizava uma viatura oficial permanentemente, nos deslocamentos

a serviço e caráter particular.

Vale ressaltar, ainda que a comissão sindicante, flagrou o indiciado

dirigindo uma viatura oficial, quando estava no período de gozo de férias,

trajando bermuda e chinelos. Flagrante este, apostado nos autos no termo de

diligência a sede da 3a. Delegacia.

Todavia, o indiciado, quando da defesa escrita, trouxe aos autos um

documento alegando que o referido veículo oficial estava em manutenção, e

exatamente no momento que a comissão sindicante cumpria a diligência na

sede da delegacia sob sua alçada, ele retirou o automóvel da oficina e trouxe

para o pátio da repartição (fl. 3.231).

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Page 40: Denúncia Anônima PAD

Superior Tribunal de Justiça

Portanto, não se configurou o cometimento da infração de utilizar

pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades

particulares, enquadrada no art. 117, XVI da Lei 8.112/90.

24. O ato punitivo baseou-se no Parecer CAD/CJ 116/2007/JSO, da

lavra da Advogada-Geral da União LUCIANA CAMILA DE SOUZA, que assim se

posicionou:

12.3. Diferentemente é a situação relativa à utilização de material

público em atividade particular, cuja conclusão da Comissão foi pela não

configuração de infração por parte do indiciado. Assim entendeu por que a

despeito de provas (depoimentos) no sentido de que o PRF Romualdo

utilizava uma viatura oficial permantentemente, nos deslocamentos a serviço

em caráter particular e que a própria Comissão de Sindicância "flagrou o

indiciado dirigindo uma viatura oficial, quando estava no período de gozo de

férias, trajando bermuda e chinelos. Flagrante este, apostado nos autos no

termo de diligência a sede da 3a. Delegacia" (fls. 3.260). Ainda, assim, a

Comissão Processante descaracterizou esta infração acatando argumentos

da defesa de que o veículo oficial estava em manutenção e, no momento da

diligência feita pela Comissão Sindicante, o indiciado retirou o automóvel da

oficina e trouxe para o pátio da repartição.

12.3.1. A despeito do criterioso trabalho feito por esta Comissão na

apuração destes fatos, com ela não podemos concordar, neste particular. As

provas dos autos mostram que o indiciado utilizava rotineiramente o veículo

oficial (viatura) em suas atividades particulares. Assim, quando estava de

licença, de férias ou em qualquer outro afastamento do serviço ficava usando

a viatura da PRF. O próprio argumento da Comissão Processante para

isentá-lo desta responsabilidade mostra que era assim que os fatos ocorriam.

No momento em que foi visto pela Comissão de Sindicância, estava de

FÉRIAS, inclusive bem a vontade, usando roupas descontraídas (bermudas e

chinelos) e não a farda (uniforme) da PRF que é usada em serviço. Se ele

estava de férias, por que razão praticava atos de serviço (buscar a viatura na

oficina)? Por que este ato não foi praticado pelo seu substituto? Vê-se, assim,

comportamento incompatível com o desempenho normal de atos de serviço

ativo.

(...).

12.3.3. Como se vê a tese da defesa e mesmo o interrogatório do

acusado não prosperam. Se a viatura ficava em seu poder (do acusado)

porque o serviço assim o exigia, é de se esperar que o veículo ficasse à

disposição de seu substituto em seus afastamentos, como é o caso das férias

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e licenças para tratamento de saúde, o que não ocorria, a despeito de

solicitações neste sentido. Desta forma, configurada esta a infração

constante do inciso XVI do art. 117 da Lei 8.112/90 (fls. 64/65).

25. É certo que a Autoridade Administrativa não se encontra

vinculada ao Relatório apresentado ao final dos trabalhos realizados pela Comissão

Processante, por se tratar de peça meramente opinativa e informativa; tanto é assim

que o art. 168 da Lei 8.112/90 permite que a Autoridade Administrativa de posto

mais elevado agrave a sanção sugerida pela Comissão.

26. No entanto, não se pode olvidar que a proposta de decisão

apontada no Relatório Final do PAD, nos termos do art. 47 da Lei 9.784/99, tem que

ser fundamentada e motivada nos elementos reunidos durante toda a instrução do

processo, de sorte que, ao meu ver, se houver fundamentação criteriosa que

justifique a Autoridade coatora divergir da conclusão do Relatório Final, que se

manifestou pela inocência do Servidor , significa que a Comissão Processante

incidiu em negligência, quiçá mesmo em prevaricação.

27. Se a Autoridade encontra, nos mesmos autos, elementos para

aplicar a severíssima pena de cassação da aposentadoria, como a Comissão

Processante não os encontrou e até disse que tal fato não se configurou? Ou a

Autoridade maior estará exorbitando, ou a Comissão Processante não foi até onde

deveria ter ido; daí porque esse elemento me parece de capital importância para a

compreensão desta controvérsia e a solução justa do pedido.

28. Penso que a Autoridade tem realmente o poder de agravar a

sanção administrativa, mas não tem o de alterar a sua natureza ou aplicá-la mesmo

que a instrução conclua pela absolvição das imputações , para que não se abra a

porta ao arbítrio da autoridade da Chefia, ou de quem, ao final, aplicar a sanção,

este raciocínio se funda, inclusive, na ausência de oportunidade de manifestação do

acusado, que se vê impedido de agir em defesa da conclusão favorável apontada

pela Comissão.

29. A materialização do dever-poder estatal de punir deve estar

compatibilizada com os preceitos fundamentais que tutelam a dignidade da pessoa

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humana. Cassar a aposentadoria de Servidor, quando pairam dúvidas a respeito de

alguns fatos e circunstâncias da conduta sancionável, consubstancia utilização

desmensurada e irrazoável do poder sancionatório conferido à Administração por

flagrante violação do princípio constitucional da presunção de inocência, que deve

nortear todo ato sancionador do Poder Público.

30. Os danos materiais e morais derivados de uma punição injusta

ou desproporcional ao ato infracional cometido são insuscetíveis de eliminação, por

isso a imposição de sanção disciplinar está sujeita a garantias muito severas, entre

as quais avulta de importância a observância da regra do in dubio pro reo,

expressão jurídica do princípio da presunção de inocência, intimamente ligado ao

princípio da legalidade. Dest'arte, se os mesmos fatos deram ensejo a duas

vertentes interpretativas antagônicas, há de se levar em consideração e privilegiar

aquela mais favorável ao indiciado.

31. As lições dos Professores SÉRGIO FERRAZ e ADILSON

ABREU DALLARI também ilustram esse entendimento:

A cuumeira das anteriores afirmações é a assertiva de que se aplica

ao processo administrativo o princípio "na dúvida, pró-administrado".

Trata-se, por certo, de uma guinada de 180 graus na teoria

administrativista, sempre marcada pela preponderância da Administração,

bem como pela suposição pacífica da supremacia do interesse público (que a

Administração representaria). Mas tal enfoque descabe no campo do

processo administrativo. A uma, porque o processo administrativo teve sua

consideração prestigiada no patamar constitucional, com a natureza de

garantia individual fundamental (CF, art. 5o., LIV e LV); estender ao processo

administrativo as mesmas configurações do processo jurisdicional importa

levar para ele as tutelas do in dubio pro reo, do in dubio pro operario (e

frise-se: pouco interessa empiricamente detectável, em um ou outro caso,

grande força pessoal do réu ou dos altos empregados - o princípio

permanece vivo, pois ele existe para a sociedade. A duas, porque o

enobrecimento constitucional do processo administrativo impõe se despoje o

Estado-parte do manto da supremacia do Estado-administrador; com a

consequência de que, no cotejo basilar para seu prol carreando, como em

qualquer outro tipo de processo, as vantagens do in dubio (Processo

Administrativo, Malheiros Editores, São Paulo; 2003, págs. 198/199).

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32. Outrossim, não basta a demonstração da ocorrência de conduta

tipificada como ilícita para que se imponha automaticamente a punição

administrativa abstrata ao seu autor. A culpa latu sensu do administrado infrator tem

de ser discutida e provada no curso do procedimento, de sorte que apenas quando

não for apresentada justificativa suficiente a motivar a inobservância do dever

administrativo pelo acusado é que a sanção se torna aplicável.

33. Ainda que assim não fosse, tenho que, a penalidade de

cassação da aponsentadoria do impetrante foi desmesurada, não somente pelo

parco acervo probante exposto nos autos, que, por si só, desautoriza a imposição

da pena capital administrativa, mas também pela suposta irregularidade

alegadamente cometida.

34. A Lei 8.112/90, atenta para a inviabilidade de se vincular todas

as definições de condutas infracionais a determinada sanção, em face da

impossibilidade lógica de se antever todas as possíveis repercussões casuísticas

para cada fato, determinou que fossem ponderados certos critérios no momento da

aplicação da penalidade. É o que se vê do teor do seu art. 128:

Art. 128 - Na aplicação das penalidades serão consideradas a

natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem

para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os

antecedentes funcionais.

35. Tem-se, pois, que o dispositivo acima transcrito impõe uma

adequação entre a infração e a sanção, conferindo efetividade ao princípio

constitucional da individualização da reprimenda, cuja legitimidade também se apóia

na dignidade da pessoa humana, de sorte que a culpabilidade e as peculiaridades

do caso concreto devem necessariamente serem sopesadas na fixação da sanção

disciplinar adequada.

36. Na hipótese em exame, não houve dano ou repercussão grave

para a Administração Pública, bem como não há notícia de que o impetrante possua

maus antecedentes, tudo a demonstrar que, ainda se reconhecendo a conduta

infracional, a penalidade de cassação da aposentadoria mostra-se extremamente

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exarcebada em face das particularidades do caso concreto.

37. Assim, entendo que a aplicação da penalidade depende,

primeiramente, da comprovação indubitável da prática do ato e, em segundo plano,

da compatibilidade com o ato infracional, sob o risco de se ferir o princípio da

proporcionalidade e razoabilidade, o que não se coaduna com a situação exposta

nos autos, vez que a própria Comissão reconheceu que os fatos apontados não

configuram a infração que serviu de base à aplicação da reprimenda (utilização de

material público em atividade particular).

38. Diante do exposto, pedindo mais uma vez as maiores e mais

sinceras vênias à eminente Magistrada e Professora LAURITA VAZ, penso que de

melhor justiça é conceder a segurança para anular o ato administrativo que cassou

a aposentadoria do Impetrante, com o pagamento dos respectivos efeitos

patrimoniais pretéritos.

39. Voto pela concessão da ordem de segurança, nos termos do

pedido, rogando antecipada vênia aos que pensam de modo contrário.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2008/0029387-4 MS 13348 / DF

Número Origem: 865700029104

PAUTA: 10/09/2008 JULGADO: 11/03/2009

RelatoraExma. Sra. Ministra LAURITA VAZ

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. JULIETA E. FAJARDO C. DE ALBUQUERQUE

SecretáriaBela. VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE : ROMUALDO VASCONCELOSADVOGADO : JOSÉ MARCO TAYAH E OUTRO(S)IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

ASSUNTO: Administrativo - Servidor Público Civil - Processo Administrativo Disciplinar - Anulação

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Retomado o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, concedendo a ordem em sua totalidade, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Jorge Mussi, pediu vista o Sr. Ministro Og Fernandes.

Aguardam os Srs. Ministros Nilson Naves e Felix Fischer. Ausente na leitura do relatório o Sr. Ministro Paulo Gallotti.Não compunha a Seção à época da leitura do relatório o Sr. Ministro Celso Limongi

(Desembargador convocado do TJ/SP).Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima.

Brasília, 11 de março de 2009

VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIROSecretária

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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 13.348 - DF (2008/0029387-4)

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO OG FERNANDES: Denego a ordem em

mandado de segurança, data venia dos que pensam de modo diverso.

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Page 47: Denúncia Anônima PAD

Superior Tribunal de Justiça

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 13.348 - DF (2008/0029387-4)

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Cuida-se de mandado de

segurança impetrado por ROMUALDO VASCONCELOS contra ato do Exmo. Sr.

Ministro de Estado da Justiça, que cassou a aposentadoria do Impetrante,

ex-Policial Rodoviário Federal, por infração ao disposto nos arts. 117, IX e XVI, e

132, IV e XIII, da Lei n.º 8.112/90.

Após relatório minucioso, a ilustre Relatora Ministra Laurita Vaz

denegou a segurança, sob os seguintes fundamentos:

I) a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico,

ainda que com reservas, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de

averiguação, como o Processo Administrativo Disciplinar e desde que observadas

as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado;

II) não merece prosperar a nulidade do Processo Disciplinar, tendo em

vista que, consoante informado pela Autoridade Impetrada e constatado no

Relatório Final da Comissão Processante, bem como no Parecer da Consultoria

Jurídica do Ministério da Justiça, as acusações resultantes da apreensão feita pela

Comissão de Sindicância não foram consideradas para a convicção acerca da

responsabilização do servidor;

III) ao dissentir parcialmente do Relatório Final apresentado pela

Comissão do Processo Disciplinar, a Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça

entendeu, fundamentadamente, que também restou devidamente comprovada a

acusação relativa à utilização de bem público em atividade particular;

IV) por fim, entendeu a eminente Relatora Ministra Laurita Vaz que,

tanto a Comissão Processante quanto a Consultoria Jurídica do Ministério da

Justiça concluíram no sentido da caracterização da prática da infração consistente

na liberação irregular de veículos retidos, tendo este último órgão entendido que,

diante as provas produzidas no bojo do Processo Administrativo, também ficou

caracterizada a acusação relativa à utilização de bem público em atividade

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particular. Nesse contexto, ressaltou não ser possível rever as referidas

conclusões, por ser a dilação probatória incompatível com a estreita via da ação

mandamental.

A Exma. Ministra Maria Thereza de Assis Moura pediu vista dos autos

acompanhando a ilustre Relatora no tocante à questão da denúncia anônima, uma

vez que, "no caso, tem-se que a partir da denúncia anônima foi instaurada uma

sindicância inquisitorial (fls. 51 e 271) que concluiu pela abertura do processo

administrativo" , razão pela qual entendeu que, nesse ponto, não houve nulidade.

Todavia, diversamente da em. Relatora, entendeu pela ilicitude na

diligência de busca e apreensão de documentos, sem mandado judicial, realizada

no domicílio profissional do impetrante, bem como que "as provas produzidas na

referida diligência foram fundamentais para a condenação do impetrante, senão

diretamente, de forma indireta (teoria dos frutos da árvore envenenada, STF, HC

93050/RJ)".

Ressaltou que a não-intimação do impetrante, sobretudo para a

abertura das caixas contendo o material apreendido, violou a direito à

ampla-defesa, "consubstanciada na possibilidade de o acusado acompanhar e

conferir aquilo que lhe pertence a que foi apreendido pela administração."

Por fim, entendeu que, embora haja vício no procedimento quanto à

acusação de "liberação irregular de veículos retidos", no caso, tal vício não

conduzirá, por si só, ao restabelecimento da aposentadoria do impetrante, tendo

em vista que a punição do impetrante pelo segundo fato a ele imputado, qual seja,

o de "utilização de material público em atividade particular", se deu exclusivamente

com base em provas testemunhais, que não foram maculadas por eventual vício

nas diligências realizadas, além de que, quanto a esta condenação, nenhuma

insurgência foi deduzida na inicial.

Desse modo, votou no sentido de: "conceder, em parte, a segurança,

declarando a nulidade parcial do processo administrativo, no tocante às provas

produzidas em relação à acusação de "liberação irregular de veículos retidos",

cassando sua condenação por tal fato, mas mantendo incólume as demais provas,

bem como a condenação relativa à "utilização de material público em atividade Documento: 816830 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 16/09/2009 Página 4 8 de 61

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particular".

O Ministro Napoleão Nunes Maia Filho também pediu vista dos autos e

votou nos seguintes termos:

I) que a suscitada tese de ilicitude das provas colhidas na referida

diligência e de todas as outras daí advindas, deve ser acolhida, nos exatos termos

explanados de forma elucidativa pela Exma. Ministra Maria Thereza de Assis

Moura;

II) que o Processo Administrativo Disciplinar teve início com base

apenas em denúncia anônima, o que no seu ver é inadmissível, tendo em vista

que, "sendo anônima, o Servidor sofre o vexame de ser submetido à sindicância e,

ao mesmo tempo, é impedido de agir em retorsão, por não ter ciência de quem foi

o autor da denúncia";

III) com relação à imputação de utilização de material público em

atividade particular, entendeu que, em que pese a autoridade administrativa não se

encontrar vinculada ao Relatório apresentado ao final dos trabalhos realizados pela

Comissão Processante, por se tratar de peça meramente opinativa e informativa,

no caso, "se os mesmos fatos deram ensejo a duas vertentes interpretativas

antagônicas, há de se levar em consideração e privilegiar aquela mais favorável ao

indiciado."

Sobre o referido ponto, ressaltou, ainda, que "a penalidade de

cassação da aposentadoria do impetrante foi desmesurada, não somente pelo

parco acervo probante exposto nos autos, que, por si só, desautoriza a imposição

da pena capital administrativa, mas também pela suposta irregularidade

alegadamente cometida."

Salientou que o art. 128 da Lei n.º 8.112/90 impõe uma adequação

entre a infração e a sanção, de modo que "a culpabilidade e as peculiaridades do

caso concreto devem necessariamente serem sopesadas na fixação da sanção

disciplinar adequada."

Por fim, entendeu que: "a aplicação da penalidade depende

primeiramente, da comprovação indubitável da prática do ato e, em segundo plano,

da compatibilidade com o ato infracional, sob o risco de se ferir o princípio da Documento: 816830 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 16/09/2009 Página 4 9 de 61

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proporcionalidade com o ato infracional, sob o risco de se ferir o princípio da

proporcionalidade e razoabilidade, o que não se coaduna com a situação exposta

nos autos, vez que a própria Comissão reconheceu que os fatos apontados não

configuram a infração que serviu de base à aplicação da reprimenda (utilização de

material público em atividade particular)."

Assim, votou no sentido de "conceder a segurança para anular o ato

administrativo que cassou a aposentadoria do Impetrante, com o pagamento dos

respectivos efeitos patrimoniais pretéritos."

Pedi vista dos autos para melhor analisá-los e, compulsando-os

detidamente, acompanho a Exma. Relatora no sentido de denegar a segurança.

De início, no tocante à questão da denúncia anônima, entendo não

haver ilegalidade na instauração de processo administrativo disciplinar, tendo em

vista o poder-dever de autotutela imposto à Administração, como já decidido em

outros julgados por esta Eg. Terceira Seção.

O art. 143 da Lei n.º 8.112/90 assim dispõe:

A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

No caso, em que pese a Administração Pública ter tido ciência de

irregularidades no âmbito da 3.ª Delegacia de Polícia Rodoviária Federal por meio

de denúncia anônima, foi instaurada Comissão de Sindicância Administrativa

Inquisitorial, que propôs à autoridade administrativa a instauração de Processo

Administrativo Disciplinar, no qual foram respeitados os princípios do contraditório

e da ampla defesa.

Aliás, como bem ressaltado pela Exma. Ministra Maria Thereza, "no

caso, tem-se que a partir da denúncia anônima foi instaurada uma sindicância

inquisitorial (fls. 51 e 271) que concluiu pela abertura do processo administrativo,

razão pela qual entendo que, nesse ponto, não houve nulidade.

No que tange à ilicitude nas diligências realizadas no ambiente de

trabalho do impetrante, conforme expendido no voto da ilustre Relatora, "as

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acusações resultantes da apreensão feita pela Comissão de Sindicância não foram

consideradas para a convicção acerca da responsabilização do servidor." Quanto

ao argumento de contaminação das demais provas, como acolhido pela

divergência, entendo que não restou devidamente demonstrada na estreita via do

mandamus, o que impossibilita a concessão da ordem, por inexistência da liquidez

e certeza do direito.

Ademais, no hipótese em apreço, como bem ressaltado no parecer da

Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, "o espaço físico destinado à chefia da

3.ª Delegacia da 5.ª SR-PRF/DPRF/MJ-RJ, não pode ser considerado, em

contrariedade ao pretendido pelo impetrante, domicílio profissional para os fins de

se lhe atribuir as garantias constitucionais de inviolabilidade." (fl. 270)

No caso, o impetrante encontrava-se em gozo de férias, tendo levado

consigo as chaves do gabinete da chefia, do almoxarifado e de outra sala onde

estariam depositadas algumas motos retidas, impedindo a entrada do seu

substituto nesses locais durante o seu período de férias.

Durante a fase instrutória, o chefe da referida Delegacia informou à

Comissão de Sindicância que nos locais trancados pelo impetrante, havia várias

caixas com documentos que poderiam auxiliar na busca da verdade. Diante das

informações, foi expedido ofício à autoridade instauradora da Sindicância

Administrativa Disciplinar para que utilizasse qualquer meio necessário à abertura

das salas e, consequentemente, procedesse à apreensão de documentos, o que

foi autorizado.

É de se ressaltar que o impetrante acompanhou as diligências, tendo

em vista que, após a entrada da Comissão na Delegacia, foi comunicado e chegou

à repartição dirigindo carro oficial.

Com a devida vênia, divirjo do voto da em. Ministra Maria Thereza

quando se refere à aplicação da proteção da intimidade e da privacidade (respeito

à personalidade), isso porque, ao entrar de férias, as atribuições do impetrante,

servidor público, deveriam ter sido repassadas à responsabilidade do seu

substituto, em decorrência da continuidade do serviço público, não havendo que se

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falar, portanto, da proteção à personalidade no caso concreto.

De fato, o espaço físico pertencente à Polícia Rodoviária Federal,

espaço da Administração Pública, não deve ser confundido com domicílio

profissional particular ou compartimento privado não aberto ao público.

No caso, em que pese o referido espaço não ser aberto a toda e

qualquer pessoa, no período de férias do impetrante, o gabinete da chefia

pertencente à Polícia Rodoviária Federal deve ser, à luz dos princípios acima,

acessível ao substituto, o que não ocorreu na hipótese.

Nessa esteira, cumpriria analisar se realmente a expedição de

mandado de busca e apreensão era medida necessária na espécie, uma vez que,

no meu entender, a aludida providência não se mostrava cabível diante da noção

de domínio público que incide sobre bens móveis e imóveis destinado ao uso direto

do poder público ou à utilização direta ou indireta da coletividade.

Sendo assim, a tese defendida pelo impetrante parece sugerir uma

privatização do espaço público, o que se revela incompatível com a teoria do

órgão, pela qual o agente não atua em nome próprio, mas em nome da

Administração.

No tocante aos demais aspectos, acompanho, na íntegra, o voto da

ilustre Relatora.

Com os acréscimos acima, voto no sentido de denegar a segurança.

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Superior Tribunal de Justiça

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 13.348 - DF (2008/0029387-4)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Sr. Presidente, peço

vênia para conceder a segurança de acordo com o voto do Sr. Ministro

Napoleão Maia. Quanto ao anonimato, reporto-me ao HC-95.838. Quanto

à busca e apreensão, reporto-me ao RHC-18.204. Concedo, pois, a

segurança.

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Superior Tribunal de Justiça

CERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2008/0029387-4 MS 13348 / DF

Número Origem: 865700029104

PAUTA: 10/09/2008 JULGADO: 22/04/2009

RelatoraExma. Sra. Ministra LAURITA VAZ

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. WAGNER NATAL BATISTA

SecretáriaBela. VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE : ROMUALDO VASCONCELOSADVOGADO : JOSÉ MARCO TAYAH E OUTRO(S)IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

ASSUNTO: Administrativo - Servidor Público Civil - Processo Administrativo Disciplinar - Anulação

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Og Fernandes, acompanhando o voto da Sra. Ministra Relatora, denegando a ordem e o voto do Sr. Ministro Nilson Naves, concedendo-a, verificou-se empate na votação. Votaram pela concessão da ordem os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Nilson Naves e, pela denegação da ordem a Sra. Ministra Laurita Vaz e os Srs. Ministros Og Fernandes e Maria Thereza de Assis Moura, que, embora a concedendo, em parte, a situação não se alteraria, porque, no fundo, a denega. Em virtude do empate, será aguardado o voto do Sr. Ministro Felix Fischer para o desempate. Não participaram do julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti (art. 162, § 2º, do RISTJ) e o Sr. Ministro Celso Limongi, porque não integrava a Seção à época que iniciou o julgamento deste processo. Ausente, justificadamente nesta assenta, o Sr. Ministro Felix Fischer.

Aguarda o Sr. Ministro Felix Fischer.Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima.

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Superior Tribunal de Justiça

Brasília, 22 de abril de 2009

VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIROSecretária

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Superior Tribunal de Justiça

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 13.348 - DF (2008/0029387-4)

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Cuida-se de mandado

de segurança impetrado por ROMUALDO VASCONCELOS contra ato do Exmo. Sr.

Ministro de Estado da Justiça, por meio do qual o impetrante teve cassada a

aposentadoria do cargo de Policial Rodoviário Federal, ante as condutas de liberação

irregular de veículos retidos e utilização de viatura oficial, enquanto em atividade,

permanentemente para fins particulares.

Sustentou, em suma, nulidade do procedimento administrativo

disciplinar, por violação ao postulado da ampla defesa, aos seguintes argumentos:

a) inviabilidade de denúncia anônima para deflagrar o processo

disciplinar;

b) que o ato punitivo está embasado em suporte probatório colhido em

diligência de busca e apreensão ilegal, realizada no domicílio profissional do autor,

sem autorização judicial e com violação ao sigilo de correspondência e comunicação

do impetrante;

c) que foi procedida à abertura do material coletado na busca e apreensão

sem a participação do autor, que não foi intimado pessoalmente para a realização desse

ato.

A em. Ministra Laurita Vaz, Relatora, votou pela denegação da ordem

ao entendimento, em síntese, de que a denúncia anônima é admitida, ainda que com

reservas, para dar ensejo ao procedimento de averiguação e que, demais disso, a prova

resultante da diligência de busca e apreensão não foi utilizada no ato de punição do

impetrante, no que foi acompanhada pelo em. Ministro Og Fernandes.

A em. Ministra Maria Thereza de Assis Moura também afastou a

alegação de nulidade do procedimento disciplinar em face da instauração por denúncia

anônima, porém votou pela concessão parcial da ordem, por entender ilegal a

diligência de busca e apreensão no domicílio profissional do impetrante, bem como

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pela falta de sua intimação pessoal para acompanhar a abertura do material ali

recolhido. Nada obstante, manteve incólume a punição diante da conduta de

"utilização de material público em atividade particular", suficiente por si só para a

cassação da aposentadoria do impetrante.

Em voto-vista, o em. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho votou pela

concessão da ordem em maior extensão, eis que, na conduta residual, a aplicação da

penalidade de cassação de aposentadoria mostrar-se-ia extremamente exacerbada em

face das peculiaridades do caso, no que foi acompanhado pelos eminentes Ministros

Jorge Mussi e Nilson Naves.

Empatada a votação, os autos vieram-me conclusos.

É o relatório.

Inicialmente, registro que o simples fato de o processo administrativo

disciplinar ter sido deflagrado após a conclusão de sindicância iniciada a partir do

recebimento de denúncia anônima não é causa de nulidade absoluta do procedimento

administrativo.

Isso porque a Autoridade Pública, ao ter ciência de irregularidade no

serviço, deve promover a sua devida apuração, nos termos do art. 143 da Lei nº

8.112/90, com as cautelas de estilo - diante do anonimato - de modo a evitar danos ao

denunciado eventualmente inocente, conforme anotei por ocasião do julgamento do

MS 7.069/DF, DJ de 12/3/2001.

Na espécie, em 27/1/2004, após o recebimento da carta anônima,

acompanhada de fita VHS, endereçada ao Núcleo de Correição e Disciplina da 5ª

Superintendência da Polícia Rodoviária Federal no Rio de Janeiro, o i.

Corregedor-Geral expediu portaria determinando a instauração de sindicância

administrativa para apurar e delimitar a provável materialidade dos fatos ali narrados e

registrados (fl. 75).

Concluídos os trabalhos da sindicância, foi elaborado relatório final (fls.

114/169), o qual, embasado em outras provas colhidas durante a instrução processual,

apontou a existência de indícios de irregularidades praticadas pelo impetrante (fl. 169).

Daí é que sobreveio a instauração do procedimento administrativo Documento: 816830 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 16/09/2009 Página 5 7 de 61

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disciplinar, cuja comissão foi designada pela Portaria nº 822, de 30 de setembro de

2005, que nada teve de irregular.

Nesse sentido, destaco os seguintes precedentes:

"PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SERVIDOR FEDERAL. FALTA DE CITAÇÃO PESSOAL. PROVA EMPRESTADA. DENÚNCIA ANÔNIMA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA.

1. É válida a citação feita ao procurador constituído quando ausente o servidor acusado e não demonstrado o prejuízo à defesa (art. 156 da Lei n.º 8.112/1990 e art. 9º da Lei n.º 9.784/1999).

2. A jurisprudência do STJ admite o uso de provas emprestadas.

3. Não há ilegalidade na instauração de processo administrativo com fundamento em denúncia anônima, por conta do poder-dever de autotutela imposto à Administração e, por via de conseqüência, ao administrador público.

4. As instâncias administrativa e penal são independentes (Lei n.º 8.112/1990, art. 125).

5. Denegação da segurança." (g.n.).(MS 12385/DF, 3ª Seção, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJe

de 5/9/2008).

"MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. IRREGULARIDADES FORMAIS. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. OCORRÊNCIA. SEGURANÇA CONCEDIDA.

I- Não enseja nulidade do processo administrativo disciplinar o simples fato de sua instauração ser motivada por fita de vídeo encaminhada anonimamente à autoridade pública, vez que esta, ao ter ciência de irregularidade no serviço, é obrigada a promover sua apuração.

II - Não configura prova ilícita gravação feita em espaço público, no caso, rodovia federal, tendo em vista a inexistência de "situação de intimidade" (HC n. 87341-3, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 07.02.2006) III - O contraditório na prova pericial se desenvolve por meio da apresentação de quesitos, não havendo disposição legal que assegure às partes o acompanhamento direto da elaboração do laudo pericial. Art. 156 da Lei nº 8.112/90.

IV - A infração funcional consistente em recebimento de vantagem econômica indevida, e de resto todas as infrações que possam

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levar à penalidade de demissão, deve ser respaldada em prova convincente, sob pena de comprometimento da razoabilidade e proporcionalidade.

Segurança concedida." (g.n.)(MS 12429/DF, 3ª Seção, da minha relatoria, DJ de

29/6/2007).

Nessa linha de entendimento, cito, ainda, da c. Suprema Corte, por todos,

o MS nº 22.888/PR, Pleno, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 20/2/2004.

Afastada essa preliminar - a única constante das razões de impetração

que teria o condão de invalidar todo o procedimento administrativo disciplinar –

restaria a análise dos argumentos relativos à ilegalidade da busca e apreensão e da

abertura do material apreendido sem a participação do impetrante.

Todavia, tais argumentos seriam capazes de invalidar apenas

parcialmente o processo administrativo, tão somente no tocante ao fundamento do ato

punitivo relacionado à liberação irregular de veículos retidos.

Nesse cenário, entendo que, de fato, nos termos do voto da em. Ministra

Laurita Vaz, Relatora, e do voto-vista da em. Ministra Maria Thereza de Assis

Moura, subsiste fundamento para o ato punitivo atacado, apto, por si só, a sustentar a

cassação de aposentadoria, qual seja, a utilização de bem público em proveito próprio

(fls. 63/68).

Com essas considerações, peço vênia para acompanhar o voto da em.

Ministra Relatora pela denegação da ordem.

É o voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2008/0029387-4 MS 13348 / DF

Número Origem: 865700029104

PAUTA: 10/09/2008 JULGADO: 27/05/2009

RelatoraExma. Sra. Ministra LAURITA VAZ

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. WAGNER NATAL BATISTA

SecretáriaBela. VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE : ROMUALDO VASCONCELOSADVOGADO : JOSÉ MARCO TAYAH E OUTRO(S)IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

ASSUNTO: Administrativo - Servidor Público Civil - Processo Administrativo Disciplinar - Anulação

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Retomado o julgamento, após o voto de desempate do Sr. Ministro Felix Fischer, acompanhando o voto da Sra Ministra Relatora, a Seção, por maioria, denegou a segurança, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora, que foi acompanhada pelos votos da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e dos Srs. Ministros Og Fernandes e Felix Fischer. Vencidos os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Nilson Naves, que a concediam.

Votaram com a Relatora a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Og Fernandes e Felix Fischer.

Vencidos os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Nilson Naves.Não participaram do julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti (art. 162, 2º, do RISTJ) e o

Sr. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), porque não integrava a Seção à época que iniciou o julgamento deste processo.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima.

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Brasília, 27 de maio de 2009

VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIROSecretária

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