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Depois da chuva Danilo arnaldo briskievicz

Depois da chuva - rl.art.br · essa, ora bolas! cansada de estação feito cão sem dono sem valor . 6 Sociedade de valores tortos depois da festa anunciada em convites tantos

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Depois da chuva

Danilo arnaldo briskievicz

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Depois da chuva

Edição do Autor Belo Horizonte - 2014

Danilo arnaldo briskievicz

2

Tremenda surpresa ocorre em nossa mente no momento da morte. A despeito de nossas próprias opiniões anteriores, continuamos vivos. O corpo retorna ao reino inorgânico, sujeito que está à mutação universal, enquanto reconhecemos que a morte é um renascimento.

Family. Ernest O’Brien. Psicografia de Chico Xavier.

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para Manoel Bonfim, eterna[mente]

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Depois da chuva depois da chuva o vento em curva assinalou o fim mas, ai de mim: a estação mudou e eu, homem velho, soube outra vez: tudo retornou não há depois da chuva há sempre antes de outra curva no caminho da dú[vida]

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Desprezível desprezar a hora essa, de agora fria, angustiada feito madrugada sem amor descartar a hora essa, ora bolas! cansada de estação feito cão sem dono sem valor

6

Sociedade de valores tortos depois da festa anunciada em convites tantos em vídeos de romance eterno em preparativos sociais diversos depois: o que resta dos bem casados, agora separados dos tantos convivas, agora passados das tantas despesas, agora engrossadas? depois do casamento veio a realidade, enfim cobrar do sonho a verdade e da vida a sensatez

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Certo espera quanta espera para chegar aos olhos a era espera quanto espera para chegar aos olhos e erra

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Reviravolta enquanto lá fora chove e faz frio dentro, depois estou me virando a estação é plena de mudança intensa eu, não... paro: fico estou me revirando

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Memória sagrada depois do beijo veio a boca amarrotada pelo tempo cartas, escrevi depois deixei de lado o melhor lado da vida? memória sagrada

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Dúvida na dúvida, amei depois, deixei de lado a dúvida e encarnei: amar é virtude em tudo silêncio em tudo absoluto amar parece estranho: quietude

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Dia de pobreza o dia não me deu um verso um mísero verso de amor um minúsculo verso de clamor -como a alma foge de medo da noite! o dia passou feito nuvem branca sem conter em si qualquer gota para minorar a sede do mundo e o calor das folhas verdes o dia acabou estéril

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Depois da chuva enquanto o dia quente não traz refresco à alma nem o por do sol ameniza a cor quente da memória enquanto a chuva não se diz agora! continuo esperando a bonança depois da chuva memória contida no meu tempo depois da chuva será momento de paz

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É na tempestade: crescemos por dentro da tempestade a força por fora da tempestade o medo diante da tempestade meu ser nunca fica parado

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Morte a morte não é doce nem salgada nem boa nem malvada prenuncia mudança estação nova novandança doutromundo

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Doença o tempo de estar doente passa diferente: o som, a voz dos corredores do hospital, a mulher de branco na madrugada o tempo de estar doente é outro, insistente: demora, como demora uma semente para lançar raízes e sair da terra: prisão e possibilidade o tempo de estar doente é esperança pura, sem paciência

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Ainda ainda em curva o destino passa em mim estou no caminho do morro do paiol chegar na reta da várzea demora, ainda ainda fico esperando o tempo certo para o destino ser completo mas estou subindo e descendo serras chegar ao ponto final , não, ainda ainda sem lua aquela lua da infância doce da montanha ou o sol brilhando nos olhos da cachoeira estou paciente, aguardando o dia, ainda

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A garagem velha a garagem velha de parede mofada serve de abrigo para o objeto ausente na imaginação eu vejo a saudade da garagem velha em ser útil a garagem fica bem de frente para antiga rua do bairro: deve ter visto o bondinho em passado remoto hoje resta a goteira bem no teto antigo a garagem está tão molhada de tempo escorrendo em seu concreto há horas de história imperceptível para quem passa pena de mim: gosto do passado sempre

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Enquanto chove a chuva não causa impressão de longa duração deixa marcas breves um rio que sobe e inunda um granizo desfolhando o jardim uma ventania removendo objetos a brevidade faz parte da estação chuvosa

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Bondade a bondade da manhã é entregar luz aos olhos não poderia ser diferente: como é bom ver o dia nascer a bondade da noite é dar à consciência evidência não poderia ser diferente: como é bom ver da noite, surgir o ser

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Papéis velhos os papéis velhos folhas, textos, imagens ficaram de um ano para outro guardando o tempo certo de partir por trás de cada palavra velha talvez lembrança boa: fim de ano quando chega os papéis amontoados perdem a memória hora de despedir-se do que foi um dia ajuntamento de tempo bom

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Feriado o sol entre nuvens da manhã de natal adianta pouco: feriado a vida está lenta entre as horas adianta pouco: entediado

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Imagem quando escrevo descrevo quando inscrevo fundo medo quando medroso pedregoso quando ardiloso fundo gesso

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Gosto próprio para quem se sente bem em volta não há maldade basta sentir-se mal em torno se perde a naturalidade a vida tem lado oposto um do outro sempre não adianta preocupar-se: basta ficar do lado do gosto

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Lágrima em sol o sol quente de verão não seca a lágrima sozinha, caindo no chão é a mão de quem afaga o futuro em companhia juntinha, consolando a emoção

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Palavra pobre por detrás do belo dia a palavra define o estado de espírito mais do que lá fora

aparece a sombra do mundo sou eu pensando nele então não respiro mais do que lá fora empobreço

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Chuva, depois depois da chuva ou do sono ou da tarde ou da vida eu faço de novo ou invento ou tento ou me centro depois da chuva é apenas hora de fazer alguma coisa: existir

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Silêncio na janela é no silêncio da manhã silêncio do mundo em janela: os bichos da cidade, em asas vem se alimentar muitos parecem com medo e ser arisco é estar atento ao menino descendo a escada feito um foguete espacial

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Acorda estava ainda em sono quando a mão da manhã veio dizer em sol forte: acorda, vem olhar a natureza estava ainda em companhia do abstrato quando a bela manhã escorregou em hora nova veio me fazer um agrado: acorda, vem escutar a si mesmo São Gonçalo do Rio das Pedras tem vozes silenciadas por todos os lados e não é uma ilha, antes profundo compartilhar

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Frase de amor ...e rolar sobre seu corpo até virarmos areia no fundo dos rios e sermos confundidos com a natureza

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Quando vejo a vida quando vejo a vida em detalhe de ser o que se passa em mim: corpo e alma quando sinto a vida em miudeza de ter essência tanta em mim: tempo e pensamento a tarde não cai: despede-se do tanto que fui e hospeda-se em mim: prossiga em noite, mesmo

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Fundo de rio ponta de nariz de fora do espelho da água o reino invadido se ri de mim não vivo nas águas por elas passo, submerso quando resolvo ir embora a vida normal é o reverso

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Raiz

a raiz na pedra gigante um dia alcançou o rio e desistiu de crescer: afogar-se, por si mesma seria loucura – a natureza não comete delitos a si mesma

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Mundos

a união entre ouvido cachoeira e mata desperta silêncio absoluto dentro não ouvir-se de vez em quando é o melhor remédio para a dor

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Riminha

o rio desvio desvario o rio enche recente o rio curva se chuva

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Mar inteiro

pode até ser: depois de você venha o mar e a chuva o rio é mesmo início sempre mar: final pode até crer: achei em você sentido menor em tamanho o rio é mesmo guerreiro o mar, não: inteiro

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Poema para o sol

depois do sol, de ontem manhã de sol, hoje intensidade solar entre tempos tantos queria: como querem os vivos ser solar todos os dias da vida mas que: solar é adjetivo de matéria sou alma em mim todo: há dias tortos

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A ponte a ponte me liga antiga, nova concreto, madeira dois tempos: antes e depois a ponte me indica passagem, ida vivido, passado dois termos: antes e agora

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Ventre no mar, o vento pode ser tempo de parada: hora de assento no mar, o tempo pode ser raro de silêncio: gota tem cheiro no mar, eu sou como antes: em ventre

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Uma noite triste triste se existe sou eu: existo triste se sou eu existe: em mim a noite trouxe o triste a noite persiste

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O que passa enquanto a hora passa ruínas em mim, fixas inamovíveis, restam -que pena das horas!

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Alma do depois a alma acorda depois do corpo e se junta a ele depois do dia começado com suas dores próprias a alma não gosta do tempo gosta do depois: da chuva, do amor, da paixão, da vida do corpo tolo existido a alma é sempre do depois

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Três o dia no bico da ave pia a ave aportou no mar nave a tia sabe a regra titia a regra sabe da vida regida

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Em volta em volta vejo pouco o outro dentro pensa ver tudo em torno vejo louco o outro interior pensa saber isso

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De dentro a porta se abre de dentro para quem está de fora de fora para quem está dentro a flor se abre de dentro para o mundo de fora para ela de dentro o mar se abre de dentro bebe os rios de fora para eles de sempre

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Assim, vida sim, em mim estou preso como a tarde à noite depois, a noite sim, eu estou em silêncio calado como o bicho à noite com medo, haja lua sim, eu estou no meio receio como decisão depois demorada assim, seja a vida

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Passagem tomar a noite pelo braço e de lua no pescoço passar a escuridão totalmente tomar o barco no mar escuro e sem vagalumes a lua sabe que meus olhos procuram refúgio seguro

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Eterno cansaço o piano em canção da américa me fez ver seus olhos: escuridão os acordes não revelaram nada antes: você em mim é sombra enquanto a noite se faz recheada de sons tantos eu me recomponho, basta: sua lembrança já fez em mim eterno cansaço

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Obsceno: cena mostra o céu da boca nele quero escrever versos profundos verbalizados em sua voz despe do corpo, a roupa nele quero me ver, em pele cutucar suas sensações para escutar sua alma gemendo

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Depois: faces depois, da louca inverte: rouca faz que morreu inerte depois, de tudo subverte: mundo queira voltar me perde depois, da valsa reverte: rock’n roll traz agitação se despe de novo, de novo: personagem tanta de tantas faces

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Dentro em volta do pescoço pele, por dentro envolto: osso em torno do quadril gordura, por dentro submerso: fosso

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Tempo passado na nuvem, depois a chuva sai antes entrou? chove lá fora na nuvem, antes olhar carregado depois, secou tempo passado

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Invés ao invés de ser revés: poder fazer, crer atender à tarde: se por ao invés de ter revés: caber ater, perder reverter à noite: nascer

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Dia e noite depois do sol solaridade antes da noite sol em verdade depois da lua luaridade antes do dia lua em passagem

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Fim de dia dia de pensar apenas no agora nada de pensar o futuro distante um banho um repouso breve uma troca de olhares com o fim de tarde fim de dia

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Diminuto no espaço entre o minuto e outro minuto tento: ser diminuto caber, enxuto entre o tempo minúsculo

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Anulado a conversa estava boa até que encontrei seu beijo: era estranho o beijo sem a sensação do beijo do grande amor o grande amor nos força ao passado: depois de seu beijo me senti em reflexo no espelho de outros braços anulados despistei falsamente e sai correndo em receio: tarde ou muito tarde essas coisas acontecem na alma – volta ao passado

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Revi vida depois da prece renascido depois da vida revi(vida) há entre o agora e o depois pontes maiores: significado é o que vemos, dentro

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Passo na terra, seus passos em meus mas não nos confundamos, antes estamos separados pelo tempo, outros tantos tempos de ser diverso seus passos estão distantes, pudera: as almas estão dentro de corpos

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O tempo diz depois o tempo já disse a que veio depois, ele criou sempre o depois e não deixou senão rastro do que antes foi: o que se foi está em tempo outro do tempo do antes, talvez agora nada sei... o tempo diz palavra depois: sempre muito tempo depois do que se foi

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Seu nome: chiado de rádio o sempre de seu nome não é todo dia, nem toda hora é na noite onde o depois é tardio e vira saudade o sempre de sua presença não é toda hora, toda noite é na música antiga em rádio antiquado e vira chiado

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Sopro a alegria vem do chão do vento da voz vem como quem quer ser alegria e nada mais e se basta a si mesma sendo um sopro de carnaval

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Registro o registro válido do dia passado em lentidão foi a suave beleza do vento em fim de tarde levando toda angústia para o alto da paineira em painas e periquitos -incrível vento sem suor

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Pulsação do depois enquanto depois se torna pois enquanto a lua esclarece nós dois quanto de nós se foi pois quanto de nós se foi: dos dois sei de você o depois o durante em duração sendo se perdeu: em mim pulsa o pois, o pois, dos dois: depois

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Plural eu queria do dia apenas distração eu queria dos dias apenas distrações

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Dentro o que nos falta do lado de dentro? o que nos toca por fora no vento?

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Vivo em silêncio vivo em silêncio nesta fração agora de tempo o silêncio sem palavra mesmo em pensamento não é a minha voz rouca de sede e de beijo é o puro silêncio dado concreto de ensejo o silêncio de agora me viola em outras palavras se nega ser pronunciado em medo silêncio em mim, fardo e degredo

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Ato e potência o salto exato amanhã estarei em ato não posso dizê-lo potência sepultada o que fiz, fiz dentro primeiro mas então: por que tanto medo?

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Quando me volto quando me volto ao verso sei bem: revolto inverso o tempo me põe imerso sei bem: impõe outro verso

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A vida é muito curta então está tudo bem estou em casa agora pensando: eu fui e deverei ser o que viu tudo bem que pensou o bem depois do dia passado a vida é muito: curta!

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Fim do sonho o sonho acabou em despertador alarmando as células todas, inteiras como era bom estar em outro lugar distante do mundo em que vivo vivo em sonho outra vida melhor, talvez, mas fugidia o sonho cedeu espaço à rotina das pessoas intranquilas, eu também desorientado pela vida passando a esmo quisera: sonho sempre perdido vivo, mesmo morrendo, outra vida sonhei: era eu mesmo vivendo, pleno

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Drágea 1 é ainda sete horas da manhã o dia começa com copo pela metade (a outra metade ficou na noite insone) e você desce goela abaixo

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Drágea 2

nove horas da noite e depois depois de chegar em casa e me ver chegado tomo outra dose de sua existência (e você me sobe pela cabeça)

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Drágea 3

esqueci de tomar a última dose de sua presença dentro da minha alma e acordando assustado me lembre: você está ao meu lado (e durmo bocejando)

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Sou apenas meu passado das horas passando fica o tempo do verbo escoando entre lábios inação das horas fluindo resta o tempo do ermo o depois da ação: sou apenas meu passado

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Embora ao colher do fim de tarde o cheiro do banho no corpo miro no espelho da noite e me vejo puro: limpeza é o que encontro no fim o dia traz e leva problemas tantos problemas, melhor: converter-se nas águas em gotas caindo e levando o dia embora, hora boa

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Pelo eclipse A sombra da lua em mim, jamais vista por alguém tenho sombra própria. Sempre própria. Ninguém me sabe dela exceto eu mesmo. Tolo saber sobre o que sou eu para mim mesmo. Próprio. Alguém pode dizer de fora mas por fora nunca tive outra revelação. Fosse eu ao avesso: o outro me conheceria. Tenho medo de eclipse lunar. Havia sonho de ter em mim um dia, lunático sombra de lua em tatuagem pelo corpo. Oco corpo faz sombra e não recebe atenção da lua. Ela é distante de mim.

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Aperto A tristeza fez curva em volta: da cintura. Comprimiu pulmão e órgãos internos fazendo brotar de dentro espasmos desconhecidos e era ainda outono. Como não pensar -serão dias difíceis à frente, inverno, depois, primavera, depois, verão haja tempo para desapertar-me!

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A roseira A roseira da portaria se esvai em pétalas cor de lava de vulcão acendendo de manhã o visual atrativo para o beija-flor, caótico bichinho de asas tão rápidas seduzido por intenso vermelho fogo: a sobrevivência tem suas mais remotas conexões.

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Diversão Enquanto eu me divirto: solidão é alegre se depois vem seu corpo esquentar o lençol tingido de linhas tênues: em paralelo corpos quentes perfilados lado a lado em noite de palavras de tempo cheio: falar é motivação para depois colar os lábios madrugada afora.

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A palavra decerto sou eu mesmo: o mesmo repetido em tantos pensamentos palavra dita para quem vive dentro: dita por quem está lento a vida passa em palavra e voz interior

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Desapontamento você me disse: contentamento mas em nada ficou na minha vida antes, rapidamente, se foi: fui eu passando para o desapontamento?

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Não me dou bem com a manhã Não me dou bem com a manhã: noite é minha alma inteira, perdida, vagada sem orientação. Como é bom: ser mar mesmo em terra firme, em vaga, em onda. Não gosto da manhã certa, retilínea, renascida. Prefiro o desamparo da noite: inquietação do dia por ser resolvido. Na manhã sou certamente eu mesmo.

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Seu olho Seu olho me viu, sei. Parados ficamos, estáticos: o reencontro poderia ser mais doce, mas não! Nossa receita de bem querer é passado, já se foi nas horas indomáveis das estações: verão, seus olhos me verão um dia como um dia me viram?

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O prazer O prazer, sozinho, prático com outro corpo, elástico sobrevive em memória -faz história.

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Cedo, bem cedo, cedo Cedo, bem cedo, cedo o dia me traz, em medo ou coragem, mas certo: preciso ser de novo, credo matinal. Preciso confiar no passado em mim, fiar fio a fio as linhas juradas uma a uma a me porfiar. Cedo, bem cedo, cedo.

86

Velho e amado cão mais um dentinho, corroído saiu da gengiva, envelhecida e sei: a hora da partida chega a cada minuto, vem, forte mais um pelinho cai, enfraquecido saiu da pele já fina da memória e sei: a hora da consciência partir e se instalar em outro lugar, chega

87

Ora, por vezes, horas ora, por vezes, horas ora, quando calmo, oro se bravo, brado na hora e oro para a hora passar as horas em oras são questões ao orar a hora se deixa sem fixação: brota, leve na feição oro, por vezes, horas

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Mente sã no primeiro momento do dia os graves sons do bem-te-vi aproximam outros pássaros: é hora de acordar alinho meu dia ao som canoro o dia distrai muito, é preciso olho vidrado: ser em mente sem mentir ser mente sã

89

Vazio o vazio em parte toda entre o que trabalha e o vadio o vazio em toda parte entre o cedo e o tardio envolva-me para ser pleno -o contrário de vazio é cheio

90

Chuva, depois a chuva depois, veio do dia em sol, cheio não pude me conter o que se contém é nuvem prenhe de tempestade: fiz festa em mim, senti o hálito do céu na pele

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Segunda pele A nuvem brinca sobre a montanha segunda pele em branca manhã a montanha tem aura em volta e o sol: desfaz lentamente o que é etéreo e passageiro. A minha alma em mim não tem sol, tem tempo de ir embora talvez cedo, talvez tarde; e vai: depois da chuva.

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Enchente plenamente vazio sorrio totalmente sério rio

93

Limbo o dia me abandonou no limbo de mim mesmo se vou, agitado me deixo se fico, envergonhado existo decisão entre dois pontos seria melhor ficar distante entre entre entre somente: eternamente

94

Ente ignorar a hora passada me levando, me tecendo impossível ôntico imbecil hora atrasada se for certa, fugitivo sou previsível ontológico

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Saliva tomar sua saliva alivia o dia e dá à noite vida nova tocar em sua vida por dentro me faz sentir silêncio e o silêncio é quando amo e quando amo salivo

96

Tu nota por nota música alta assalto: tu tu tu tu tu sinal de ocupado

97

Ao amigo sorridente depois do sorriso em alto volume seu nome ficou:

eco de amizade depois de sua morte fiquei mais triste seu nome é:

sorriso na tarde

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Conversando com Nietzsche

a roseira sobe do chão em qual direção? Perdida: ou como eu enraizada no mundo? Raiz funda faz ir mais longe. Sou nada mais que: ao largo não subo, cruzo a vida em linha reta, em plano por isso sei da linearidade ascender nem sempre: basta rolar pelo chão já está bom quero apenas ser imanência

99

Foice fosse leve levaria

fosse solto outonaria

fosse chuva ouviria

fosse eu seria

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Ensaio de mim Posso ficar se é seu desejo mas minha alma gosta de partir como sempre faço. Inventar a vida é mesmo repetir seja o que for. Gosto de estar a caminho, no caminho, vago: quem tem certeza do que é seja. Eu sou ensaio de mim.

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Existo: sendo

dormi noite inteira e bem sei, agora: o mesmo em mim habita criei o sonho intenso e bem sei, demora: o mesmo em mim insiste nunca vou embora fico em mim, sendo eu existo, triste

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Crença

Mesmo caia o fio de cabelo e outro, frouxo, desista de surgir e que chamemos isso: tempo passado eu insisto: desejo ser o que era e mais. Quero mais e a estrada de querer, cria e quando não cria, entristece há vidas em mim, já mortas por que eu assim fiz. E quis. A vida é mesmo promessa interior. Sem oportunidade de desistência. Viver é crer.

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História

Enquanto jorrem as horas vou passando com elas de mãos dadas, em notas criando história. Não vou contar para ninguém quem fomos diante de nós mesmos. Não é necessário. Íntimo demais: ser outro diante do amor. Basta jorrem as horas, ainda, mais uma vez para desfazer. Desfaço vez outra, o ontem em mim e sou: história.

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Recado do tempo pode passar, eu lhe entendo em mim, nos outros, no mundo nas plantas, nos animais, no céu nas relações, nas intenções, nos plantões pode passar, eu lhe assemelho sou tempo de tantas horas passadas de dias perdidos sem solaridade ou de sonos imersos em brumas pode passar, eu lhe aconselho é o melhor para nós dois, dois lados eu preciso de sua forma para ser seu conteúdo, mesmo vazio de sentido pode passar, escravo de mim eu escravizado dentro de seu ser somos um no outro, outro e mesmo somos apenas o recado de um para o outro, depois da chuva

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DANILO ARNALDO BRISKIEVICZ nasceu em Serro, no ano de 1972. Graduado,

pós-graduado e mestre em filosofia. É professor

do ensino médio e universitário (graduação e

pós-graduação). Mora em Belo Horizonte.

Autor de livros e textos de história, de

fotografia, de filosofia e de poesia. Conserva, na

poesia, ligação umbilical com a cidade natal.

Para se ter com a grande aventura de ser

brasileiro, mineiro e serrano, evoca no seu eu

poético um regionalismo próprio. Todos os

livros estão disponíveis para download gratuito

no site oficial.

106 Copyright by Danilo Arnaldo Briskievicz, 2014

Todos os direitos reservados. Permitida a cópia/citação, reprodução, distribuição, exibição, criação de obras derivadas desde que lhe sejam

atribuídos os devidos créditos do autor por escrito.

Imagens Capa: montagem a partir de imagens da internet

Autor: Cabo Frio, 2014, autorretrato Copyright: São Gonçalo do Rio das Pedras, 2013

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