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GAIA N0 5, DEZEMBRO 1992, pp. 6-17 DEPÓSITOS SEDIMENTARES DA PLATAFORMA CONTINENTAL A NORTE DE ESPINHO I Fernando MAGALHÃES Museu Nacional de História Natural - Projecto DISEPLA. R. da Esc. Politéc., 58, 1294 LISBOA CODEX PORTUGAL João M. ALVEIRINHO DIAS Instituto Hidrográfico. R. das Trinas, 49,1200 LISBOA PORTUGAL RESUMO: Foi efectuado o estudo textural, composicional e morfoscópico de amostragem proveniente da cobertura sedimentar da plataforma e vertente continentais a norte de Espinho. A região estudada, na qual foram identificados diferentes depósitos sedimentares, é predominantemente arenosa. Foram detectados dois complexos lodosos, um ao largo do Minho e outro junto às cabeceiras do canhão submarino do Porto, nos quais a componente terrígena da areia é dominada por micas. Existem ainda outros depósitos em aparente conexão com os afloramentos rochosos ocorrentes na plataforma e com os principais rios que para ela drenam. Os depósitos lodosos e os depósitos areno-siltosos correspon- dem a sedimentos neotéricos com ligeira tendência anfotérica. Os depósitos arenosos correspondem a sedimentos que variam desde neotéricos (na plataforma interna e em parte da média) a palimpsestos (em parte do bordo da plataforma e da vertente continental superior). Os depósitos areno-cascalhentos são sedimentos anfotéricos a palimpsestos. Os depósitos cascalhentos possuem carácter palimpsésti- coo ABSTRACT: Samples obtained from the Portuguese continental shelf and upper slope north of Espinho were studied. This study was based on sediment texture, and composition, as well as mor- phoscopic characteristics ofparticIes. The sediment cover ofthe studied area is predominantly sandy. Muddy deposits were detected near the heads ofthe Porto submarine canyon and ais o, covering a much smaller area, ofT the Minho river mouth, at depths slightIy above 100 m; in both deposits, the terrigenous component of the sand fraction is mica-rich. Data obtained allowed the rer.ognition of difTerent sandy, muddy, siU-sandy, gravel-sandy and gravelly sedimentary deposits in the study area, some ofwhich are apparentIy connected with the rocky outcrops of the shelf or with rivers that empty into it. According to the scheme proposed by McMANUS (1975), Iittoral sandy deposits, the Lima silty deposits, the muddy complexes detected ofTthe Minho river and near the Porto submarine canyon, the mid-shelf silt-sandy deposits and the upper slope muddy deposits are neoteric, slightly amphoteric sediments. Mid-shelf sandy deposits are neoteric and amphoteric sediments. Outer shelf sandy deposits are amphoteric and proteric sediments. Sheltbreak and upper slope sandy deposits are palimpsest or neoteric, slightly amphoteric, sediments. Gravei sandy deposits can be amphoteric to palimpsest (those connected with the Ave and Douro'rivers) or palimpsest (those connected with the Cávado river). Gravelly deposits connected with the Beiral de Viana and the Beiral de Caminha outcrops are palimpsest sediments. INTRODUÇÃO A plataforma continental portuguesa entre Espinho e a foz do rio Minho é caracterizada por vários factores específicos, nomeadamente pela existência de um abas- tecimento de origem fluvial intenso, pela presença de acidentes geomorfológicos notáveis (como o Beiral de Viana e o canhão submarino do Porto) e pela ocorrên- cia de um complexo silto-argiloso (próximo das cabe- (1) Contribu ão nO A30 do Grupo DISEPLA (Projectos BEVICAP -JNICT nº 683/ 90- e DISEPLA II -JNICT nº 692/90-) artigos 6

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GAIA N0 5, DEZEMBRO 1992, pp. 6-17

DEPÓSITOS SEDIMENTARES DA PLATAFORMA CONTINENTAL A NORTE DE ESPINHO I

Fernando MAGALHÃES Museu Nacional de História Natural - Projecto DISEPLA. R. da Esc. Politéc. , 58, 1294 LISBOA CODEX PORTUGAL

João M. ALVEIRINHO DIAS Instituto Hidrográfico. R. das Trinas, 49,1200 LISBOA PORTUGAL

RESUMO: Foi efectuado o estudo textural, composicional e morfoscópico de amostragem proveniente da cobertura sedimentar da plataforma e vertente continentais a norte de Espinho. A região estudada, na qual foram identificados diferentes depósitos sedimentares, é predominantemente arenosa. Foram detectados dois complexos lodosos, um ao largo do Minho e outro junto às cabeceiras do canhão submarino do Porto, nos quais a componente terrígena da areia é dominada por micas. Existem ainda outros depósitos em aparente conexão com os afloramentos rochosos ocorrentes na plataforma e com os principais rios que para ela drenam. Os depósitos lodosos e os depósitos areno-siltosos correspon­dem a sedimentos neotéricos com ligeira tendência anfotérica. Os depósitos arenosos correspondem a sedimentos que variam desde neotéricos (na plataforma interna e em parte da média) a palimpsestos (em parte do bordo da plataforma e da vertente continental superior). Os depósitos areno-cascalhentos são sedimentos anfotéricos a palimpsestos. Os depósitos cascalhentos possuem carácter palimpsésti­coo

ABSTRACT: Samples obtained from the Portuguese continental shelf and upper slope north of Espinho were studied. This study was based on sediment texture, and composition, as well as mor­phoscopic characteristics ofparticIes. The sediment cover ofthe studied area is predominantly sandy. Muddy deposits were detected near the heads ofthe Porto submarine canyon and ais o, covering a much smaller area, ofT the Minho river mouth, at depths slightIy above 100 m; in both deposits, the terrigenous component of the sand fraction is mica-rich. Data obtained allowed the rer.ognition of difTerent sandy, muddy, siU-sandy, gravel-sandy and gravelly sedimentary deposits in the study area, some ofwhich are apparentIy connected with the rocky outcrops of the shelf or with rivers that empty into it. According to the scheme proposed by McMANUS (1975), Iittoral sandy deposits, the Lima silty deposits, the muddy complexes detected ofTthe Minho river and near the Porto submarine canyon, the mid-shelf silt-sandy deposits and the upper slope muddy deposits are neoteric, slightly amphoteric sediments. Mid-shelf sandy deposits are neoteric and amphoteric sediments. Outer shelf sandy deposits are amphoteric and proteric sediments. Sheltbreak and upper slope sandy deposits are palimpsest or neoteric, slightly amphoteric, sediments. Gravei sandy deposits can be amphoteric to palimpsest (those connected with the Ave and Douro 'rivers) or palimpsest (those connected with the Cávado river). Gravelly deposits connected with the Beiral de Viana and the Beiral de Caminha outcrops are palimpsest sediments.

INTRODUÇÃO

A plataforma continental portuguesa entre Espinho e a foz do rio Minho é caracterizada por vários factores específicos, nomeadamente pela existência de um abas-

tecimento de origem fluvial intenso, pela presença de acidentes geomorfológicos notáveis (como o Beiral de Viana e o canhão submarino do Porto) e pela ocorrên­cia de um complexo silto-argiloso (próximo das cabe-

(1) Contribuição nO A30 do Grupo DISEPLA (Projectos BEVICAP -JNICT nº 683/90- e DISEPLA II -JNICT nº 692/90-)

artigos 6

SEDIMEN TOS DA PLATAFORMA A NORTE DE ESPINHO

c iras do canhão do Porto) cuj as dimensões importân­cia regional não foram ainda devidamente estudadas.

Foi apenas nos frnais da década de 80 que se inicia­ram trabalho específicos neste sector da plataforma po _ esa. Efectuados no âmbito de projectos subsi­diados pela Jl\IJCT, beneficiaram, em grande medida, da am trage m colhida para o Programa SEPLAT, em execução no Instituto Hidrográfico. Estes trabalhos \isaram. entre outros aspectos, a caracterização do padrão de dist ribuição dos sedimentos não consolida­dos (.\1AGALHÃES et ai., 1989, 1990), o estudo dos cortejo de minerais pesados (CASCALHO & CAR­\ALHO, 1990) , a determinação de taxas de acumula-ão actuais (CARVALHO & RAMOS, 1990), a

a\'aIiação das potencialidades da plataforma em inertes (MAGALHÃES et ai., 1991b), a modelação de proces­sos de dinâmica sedimentar (T ABORDA & DIAS, 1992), a análise morfostrutural da plataforma (DRA­GO, 1989) , a relação entre o relevo e a estrutura (RO­DRIGUES & DRAGO, 1990), o estudo das biocenoses e paleotanatocenoses de foraminíferos (F A TELA, 19 9) e de ost racodos (SILVA & NASCIMENTO, 19 9). a estrutura e a tectónica recente (RIBEIRO et ai .. 1992: RODR1G ES et ai., 1992) e a evolução pós· glaciária desta plataforma (RODRlGUES & DIAS, 19 : RO DRlGUES el a/ .. 1990).

Toda~ia, apesar dos trabalhos já realizados, os dife­rentes depósitos desta região da plataforma continental portuguesa careciam de delimitação e correcta carac­terização, o que, embora de forma sumária, se apresen­ta no presente trabalho.

Para os objectivos do presente trabalho foram estu­dadas 235 amostras de sedimentos superficiais, referen­tes a colheitas efectuadas entre a zona litoral e a vertente continental, e dispostas fundamentalmente em 19 fiadas grosseiramente perpendiculares à costa. As amostras foram recolhidas utilizando colhedores tipo "Van Veen", "Smith-Mclntyre" e "Shipeck", entre 1986 e 1989, no decurso de vários cruzeiros promovidos pelo Instituto Hidrográfico.

ENQUADRAMENTO REGIONAL

A plataforma continental a norte de Espinho (Fig. 1), definida por uma ruptura de pendor bem marcada (o bordo da plataforma) à profundidade aproximada de 160 m, apresenta largura média de 35 km a norte de Póvoa do Varzim, aumentando para sul. O relevo da plataforma interna é profundamente condicionado por afloramentos rochosos do soco hercínico. De uma for­ma geral, a largura desta zona de afloramentos diminui de Norte para Sul, atingindo a largura máxima de 10 km frente ao rio Lima, e mínima na parte sul da região estudada. Na plataforma média e externa o relevo é, em geral, simples e suave, com excepção da parte central, onde, pelos 110 m de profundidade, se define uma elevação que se desenvolve segundo a direcção NNW­SSE, ao longo de cerca de 50 km - o Beiral de Viana -

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Fig. 1 . Mapa bati métrico da região estudada, segundo V ANNEY & MOUGENOT (1981). Espaçamento das batimétricas: 10 m (até aos 200 m de profundidade).

cujo ponto menos profundo, a Pedra de S. Lumedio, se localiza ao largo de Apúlia, a 88 m de profundidade.

A geologia da plataforma continental caracteriza-se pela presença de afloramentos do soco precâmbrico e paleozóico junto a terra, por depósitos sedimentares atribuídos ao Eocénico superior-Plistocénico na plata­forma média, e por formações cretácicas na plataforma externa. No bordo da plataforma e na vertente conti­nental superior existem afloramentos de rochas datadas como mio cénicas e plistocénicas (MUSELLEC, 1974; BOILLOT et ai., 1978). O contacto entre o soco hercínico granítico e polimetamórfico e as formações sedimentares mais recentes faz-se por falha, prolonga­mento provável em domínio marinho da fractura Por­to-Tomar (RODRIGUES et aI., 1990). Também o contacto das formações eocénicas e plistocénicas com o Cretácico parece fazer-se por falha. No conjunto, estas duas zonas de fractura definem um fosso estru­tural (graben) que se desenvolve provavelmente em ambiente compressivo, visto que as referidas falhas parecem apresentar carácter inverso (RIBEIRO et a/., 1992; RODRIGUES et ai., 1992) . A área cuja drena­gem se efectua para a plataforma estudada é caracte­rizada principalmente pela presença de rochas

F. NIAGALHÃES & J. M. ALVEIRINHO DIAS

grarutóides e formações xisto-grauváquicas. Esta área, com quase 120000 km2, é ocupada, fundamentalmente, peIas bacias hidrográficas dos rios Minho, Lima, Cáva­do, Ave e Douro, correspondendo esta última a cerca de 80 % da área referida.

A costa, com orientação geral NNW-SSE, é, em geral, baixa e rochosa. As praias, por vezes cascalhen­tas, são pouco extensas.

Segundo CARVALHO & BARCELÓ (1966), a agitação marítima que atinge a costa tem período pre­dominantemente compreendido entre 6 e 18 segundos, sendo os períodos mais frequentes os que oscilam entre 9 e 11 segundos. A agitação ao largo tem as direcções mais frequentes compreendidas entre WlON e W20N. O escalão de alturas significativas mais frequentes é o de 1 a 2 m (45 % das ocorrências totais). Estas condi­ções geram correntes de deriva litoral, cuja resultante anual é para sul.

A região estudada localiza-se em zona de transição de meso-marés para macro-marés. A amplitude das marés vivas atinge, com frequência, 3,80 m (INSTITU­TO HIDROGRÁFICO, 1990).

A quantidade de materiais debitados para a plata­forma tem, seguramente, diminuído ao longo deste sé­culo, devido a numerosos factores, de onde sobressaem os antrópicos, com especial relevância para as barra­gens (DIAS, 1990) .

RESULTADOS E SUA DISCUSSÃO

1. Tipos de sedimentos

A distribuição dos tipos de sedimentos de acordo com o esquema classificativo proposto por SHEP ARD (1954) revela que a região estudada é dominada pelo tipo textural areia (Fig. 2); os outros tipos texturais encontrados são: areia sil tosa, predominante na plata­forma média; silte arenoso, em zonas restritas da plata­forma interna e média; si lte, na plataforma média; si lte argiloso, que ocorre pontualmente na depressão locali­zada a oriente do Beiral de Viana, à profundidade aproximada de 100 m; e areia-silte-argila, apenas detec­tado na vertente continental superior.

Junto às cabeceiras do canhão submarino do Porto ocorrem sedimentos lodosos (tipos texturais que va­riam de areia siltosa a silte argiloso), os quais se encon­tram inseridos num complexo de grande importância, pelo menos a nível regional, cuja descrição preliminar foi efectuada por DIAS (1987) . O desenvolvimento apresentado por este complexo silto-argiloso sugere fornecimento abundante em materiais deste tipo, assim como níveis energéticos compatíveis com a sua deposi­ção. Este complexo pode ter origem não actual, sendo os níveis energéticos aí actuantes insuficientes para provocar a sua erosão. Se, porém, se admitir origem recente, então ter-se-á que aceitar que os níveis ener­géticos que aí se fazem sentir são bastante baixos, de

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Fig. 2 - Distribuição dos sedimentos superficiais da plataforma, segundo a classificação de SHEPARD (1954) .

modo a possibilitarem a acumulação actual de materiais silto-argilosos.

Segundo DIAS (1987), o referido complexo poderá estar geneticamente relacionado com paleo-desembo­caduras de rios que afluiam a esta zona antes do início do Holocénico e com a abundância de materiais finos susceptí\'eLs de deposição. parecendo ainda relacionar-e com a morfologia das \'ertentes da parte superior do

canhão e com o ângulo que o bordo da plataforma apresenta à ondulação dominante de longo período. Por outro lado, a e\'entual existência de corre ntes as­cencionais ao longo do canhão pode também constituir factor inibidor e/ou moderador do transporte das par­tículas finas para maiores profundidades, faci litando a deposição destes materiais no aludido complexo,

2. Distribuição do cascalho

O cascalho, considerado como material de dimen­sões superiores a 2 mm, não é muito abundante na plataforma estudada (Fig. 3). A sua distribuição parece relacionar-se com as paleo-desembocaduras dos rios mais importantes da região e com paleo-litorais. Ocorre principalmente na plataforma média, em conexão apa­rente com as paleo-desembocaduras do Ave, do Douro e, em menor extensão, do Cávado, Na plataforma ex-

SEDIMEN TOS DA PLATAFORMA A NORTE DE ESPINHO

& ~ocn .

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~ '" Fig. 3 . Distrib uIção da fracção casca lho.

Rio Douro

terna, o cascalho encontra- se em Ligação aparente com afloramentos rochosos ai exi tentes. a vertente conti­nental uperior aparece. ocasionalmente, em quantida­de ignificativas. É de salientar a ocorrência de uma área relativamente rica em cascalho de natureza essen­cialmente terTÍgena na vizinhança do Beiral de Viana, na dependência de afloramentos rochosos desta entida­de morfos trutural. Esta área enriquecida em cascalho poderá corresponder a um delta de vazante do rio Beiralis, que constituía, segundo RODRIGUES & DIAS (1989), local de confluência dos paleo-rios Mi­nho, Ave, Lima, Cávado e Âncora até há cerca de 16000 anos.

O cascalho existente na plataforma média que, por vezes, chega a corresponder a mais de 80 % da totali­dade da amostra, apresenta composição essencialmen­te terrígena, correspondendo os grãos de quartzo a partículas "relíquia" (caracterizados por apresentarem aspecto "sujo", superfícies não brilhantes, pátina ama­relo-alaranjada e rolamento em geral elevado). O cas­calho ocorrente na plataforma externa caracteriza-se pela sua composição predominantemente biogénica, correspondendo, por vezes, a fragmentos de conchas, sub-rolados a sub-angulosos, frequentemente esbran-

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quiçados ou acinzentados, cujas superfícies apresen­tam, muitas vezes, aspecto pulvurento.

3. Distribuição da fracção fina (silte + argila)

O mapa da distribuição das percentagens desta frac­ção em relação à amostra total (Fig. 4) indica que a cobertura sedimentar da região estudada se caracteri­za, de modo geral, pela ocorrência de sedimentos que se vão tornando progressivamente mais ricos em silte e argila até profundidades da ordem dos 100 m. É de ressaltar a existência de duas zonas particularmente ricas em sedimentos finos (silte + argila): um pequeno complexo localizado em frente à foz do rio Minho, a profundidades ligeiramente superiores a 100 m, e o complexo silto-argiloso situado nas proximidades das cabeceiras do canhão submarino do Porto. Em ambas as zonas as percentagens de silte e argila excedem frequentemente o valor de 90 %, com especial incidên­cia no depósito das proximidades do canhão do Porto.

Estes depósitos são actualmente activos, como é comprovado pelas taxas de acumulação actuais, que são

Fig. 4 . Distribuição da fracção fina (silte + argila).

F. MAGALHÃES &J. M.ALVEIRINHO DIAS

significativamente positivas. Efectivamente, CAR V A­LHO & RAMOS (1990) determinaram essas taxas, pelo método do 21Opb, em 3 amostras verticais de sedi­mentos ("corers") colhidas no complexo das proximi­dades das cabeceiras do canhão do Portai tendo obtido valores que oscilam entre 0,20 g.cm -2 .ano - (cerca de 1,6 mm.ano-1) e 0,69 g.cm-2.ano-1 (cerca de 5,5 mm.ano·1).

O valor obtido pelos mesmos autores para uma amostra colhida no depósito frente ao rio Minho foi de 0,13

-2 -1 ( . d d ' g.cm .ano aproXima amente correspon ente a acu-mulação de 1 mm.ano-I ).

A génese destes complexos silto-argilosos não se encontra, ainda, bem estabelecida. Segundo a hipótese formulada por DIAS (1987) para o complexo junto ao canhão submarino do Porto, podem corresponder a antigos ambientes barreira existentes no decurso da última deglaciação, preservados devido à posterior ele­vação holocénica do nível relativo do mar (e consequen­te diminuição progressiva dos níveis energéticos junto ao fundo) . São, todavia, como se referiu, ainda actual­mente activos. Tal resulta, em parte e possivelmente, da "indução de acumulação" exercida pelas forças coe­sivas dos sedimentos aí existentes.

Os siltes e argilas que actualmente se acumulam nestes depósitos têm, muito provavelmente, origem principal no rio Minho (para o depósito localizado a norte) e nos Douro e Ave (para o depósito situado mais a sul). Não é, todavia, de excluir a hipótese de existir alguma contribuição proveniente do canhão submarino do Porto através de eventuais correntes ascensionais.

Na região estudada, os valores do silte são, por via de regra, bastante mais elevados que os da argila. Com efeito, a percentagem média de argila nos sedimentos (calculada com base na totalidade da amostragem estu­dada) é de 4, 3 %, enquanto que a do silte é de 19,2 %. A carência da plataforma em partículas das dimensões granulométricas da argila permite concluir que os níveis energéticos junto ao fundo são tais que possibilitam a deposição de silte mas inibem a deposição generaliza­da da fracção argilosa (com excepção dos complexos silto-argilosos referidos) . As percentagens de silte e de argila na plataforma interna são superiores às indicadas por DIAS (1987) para a plataforma portuguesa seten­trional (a norte do canhão da Nazaré) , invertendo-se esta situação na plataforma externa. Estes factos tradu­zem a elevada energia dos processos oceanográficos nesta região e o bom abastecimento fluvi al.

4. Composição da areia

4.1. Componente terrígena

A componente mais importante da areia na plata­forma estudada é a terrígena (67 % em média), cuja abundância decresce, de um modo geral, desde a zona litoral até à vertente continental superior (Fig. 5).

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Fig. 5 . Distribuição da componente terrígena da areia.

O mapa de distribuição confirma o bom abasteci­mento desta plataforma em materiais terrígenos, fazen­do ressaltar a importância da contribuição fluvial, que se traduz pela presença de uma grande mancha em que a percentagem de terrígenos é superior a 75 %. A delimitação ocidental da zona em que os terrígenos representam mais de 90 % da totalidade da fracção arenosa permite efectuar uma conexão directa com os rios que afluem à região. Esta delimitação sugere, ain­da, que a importância dos rios como fornecedores de materiais terrígenos para a plataforma diminui para norte, embora se verifique algum aumento dessa con­tribuição no rio Minho. É de referir, no entanto, que os afloramentos rochosos existentes na plataforma interna entre os rios Cávado e Minho dificultam este tipo de análise.

A comp~nente terrígena da areia é essencialmente constituída por quartzo e mica. Apesar do quartzo predominar, a sua distribuição não é relevante para os objectivos do presente trabalho.

A mica é anormalmente abundante na plataforma estudada, constituindo em média cerca de 18 % da componente terrígena da areia, valor este que, pontual­mente, se eleva a 90 %. O mapa de distribuição percen-

SEDIMEN TOS DA PLATAFORMA A NORTE DE ESPINHO

tual do conteúdo de mica na fracção terrígena da areia (Fig. 6) revela um padrão que não é fundamentalmente diferente do apresentado por DIAS (1987) . No entanto, estes novos dados permitem corrigir, no pormenor, os mapas de distribuição publicados por aquele autor, clarificando alguns aspectos do significado ambiental do padrão de distribuição destas partículas.

Com efeito, principalmente devido ao hábito em palhetas com que geralmente ocorrem nos sedimentos, as micas são hidraulicamente equivalentes de partículas de outros minerais de dimensões bastante menores (p. ex.: DOYLE et aI., 1983). Tal facto tem sido explorado por diversos autores para dedução da dinâmica dos sedimentos finos em várias plataformas (p. ex.: DOYLE et aI., 1968,1979; DIAS et aI., 1984). Os dados apresen­tados neste trabalho tendem a confirmar plenamente a utilidade das palhetas de mica da areia na dedução dos processos de dinâmica sedimentar das partículas de menores dimensões (silte e argila).

A análise do mapa da Fig. 6 revela a existência de uma ligação directa entre as manchas com maiores percentagens de mica e as desembocaduras dos rios que, por um lado, drenam regiões com litologias ricas nestes filossilicatos e, por outro, têm maiores caudais. Todavia, nem sempre essa conexão é muito evidente se

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não se raciocinar em termos de actuação "concorren­cial" entre processos de fornecimento e processos de distribuição. Com efeito, as zonas mais ricas em mica situam-se a profundidades superiores a 70 m, o que poderá significar que a magnitude dos processos de distribuição não é suficiente, a estas profundidades, para remobilizar a maior parte das partículas que aí chegam provenientes, directa ou indirectamente, dos rios.

A menores profundidades, isto é, mais próximo da costa, verifica-se a existência de áreas de reduzidas dimensões em que os sedimentos são bastante ricos em micas, que se localizam em ligação evidente com as desembocaduras dos rios. Estas alternam com áreas pobres nestes minerais (apresentando, por vezes, per­centagem nula), que se situam entre as fozes dos rios. Este padrão de distribuição evidencia o intenso forne­cimento fluvial destas partículas. Por outro lado, revela que, nas zonas que não estão situadas na dependência directa das desembocaduras dos rios, os processos de distribuição superam os de fornecimento, transportan­do as palhetas de mica para outros locais de deposição, a maiores profundidades. O caso do rio Douro é apa­rentemente, contraditório, pois nas imediações da sua foz as percentagens de mica são, por via de regra, baixas. Provavelmente, o caudal hídrico do rio; conju­gado com a actuação da maré e com a agitação maríti­ma, é suficiente para inibir a deposição significativa de palhetas de mica.

As elevadas 'percentagens de mica registadas no complexo silto-argiloso das proximidades do canhão submarino do Porto (onde a mica corresponde normal­mente a mais de 60 % das partículas terrígenas da areia, valor que, por vezes, se eleva a mais de 90 %) são, neste contexto, óbvias. Com efeito, estes depósitos são, como se refenu, essencialmente silto-argilosos, isto é, consti­tuídos por partículas hidraulicamente equivalentes às palhetas de mica. O mesmo se verifica no depósito silto-argiloso situado frente ao rio Minho.

O facto destes depósitos apresentarem, actualmen­te, taxas de acumulação significativas (CARVALHO & RAMOS, 1990), conjugado com o diminuto grau de alteração das micas presentes nas amostras aí recolhi­das, tende a confirmar que os aludidos complexos silto­argilosos se encontram presentemente a ser alimenta­dos com materiais provenientes principalmente dos rios Douro e Ave, e do rio Minho.

O acréscimo percentual de micas na vertente conti­nental superior, à imagem do que se verifica com a fracção silto-argilosa, traduz os menores níveis energé­ticos junto ao fundo aí actuantes, os quais propiciam deposição definitiva ou, pelo menos, mais duradoura. Tal facto revela ainda que a deposição de outras partí­culas terrígenas da classe dimensional das areias não é grande, pois que, se tal se verificasse, a percentagem de

. mica diminuiria bastante, "diluída" pelas de quartzo e de outros minerais.

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F. MAGALHÃES &/. M.ALVEIRINHO DIAS

4.2. Componente biogénica

A distribuição da componente biogénica é pratica­mente complementar em relação à da componente ter­rígena, sendo os desvios devidos à presença de glauconite. A referida componente é dominada por c1astos de moluscos na plataforma interna e média, enquanto que no bordo da plataforma e na vertente continental superior esta componente é essencialmente constituída por foraminíferos. Na plataforma externa predominam os c1astos de moluscos, umas vezes, e as carapaças de foraminíferos, outras vezes. No conjunto, os c1astos de moluscos e as carapaças de foraminíferos representam cerca de 84 % da componente biogénica.

4.3. Glauconite

A glauconite ocorre essencialmente na plataforma externa e vertente continental superior, padrão de dis­tribuição este que pode ser considerado normal, pois é análogo ao que se verifica em diversas plataforma con­tinentais, nomeadamente em outras regiões da platafor­ma portuguesa (p. ex: MOITA, 1971; MONTEIRO & MOITA, 1971; DIAS, 1987). As partículas de glauconi­te aparecem associadas, sobretudo, às fracções mais finas da areia, se bem que a sua presença tenha sido ocasionalmente detectada em todas as fracções granu­lométricas, como é o caso de amostras provenientes da vertente continental superior. A percentagem média de glauconite é de 1,4 %. As fracções com maior percent­agem de glauconite são as de 1 0 a 2 0 e de 2 0 a 3 0 (chegando, pontualmente, a constituir cerca de 80 % da fracção), o que está de acordo com o que tem sido observado noutras plataformas (p. ex: McRAE, 1972).

A glauconite da plataforma estudada deve, na sua maioria, ser considerada autigénica, visto se terem ob­servado todos os estádios de transição entre carapaças de foraminíferos com glauconitização incipiente até moldes internos perfeitos. A plataforma externa estu­dada é local propício à formação de glauconite (DIAS & NITTROUER, 1984), possivelmente em relação com alta produtividade (devida, nomeadamente, à ocorrên­cia de fenómenos de "upwelling"). Segundo estes auto­res, a elevada produtividade que se verifica na plataforma externa seria responsável pela existência de grande número de carapaças de foraminíferos. As ca­rapaças destes organismos constituem micro-ambien­tes geradores de condições de oxi-redução propícias à transformação mineralógica que culmina na glauconite (McRAE, 1972). Segundo MULLER (1967), a forma­ção de glauconite é favorecida por taxas de acumulação pequenas ou mesmo negativas. Assim, a taxa de acumu­lação nos depósitos arenosos da plataforma externa da região em estudo seria pequena ou negativa.

5. Tipologia dos grãos

As partículas individuais das classes composicionais atrás referidas revelam diversos graus de maturidade

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sedimentar. À semelhança de outros autores (p. ex: DIAS, 1983, 1987; DIAS eta/. , 1980/81; MAGALHÃES et a/., 1989, 1990), pudemos identificar partículas "mo­dernas" (não revelam indícios de ter sido submetidas a mais de um ciclo sedimentar) e partículas "relíquia" (com indícios de terem sido submetidas a mais de um ciclo sedimentar) .

Assinale-se a presença, em frente ao Porto e em domínio da plataforma externa, na área do complexo silto-argiloso, de grãos de quartzo com pátina esverdea­da, identificáveis como partículas "relíquia", já ante­riormente assinaladas por DIAS (1987). Esta pátina, de acordo com JAMES & STANLEY (1968), poderá ser devida à presença de ferro ferroso, podendo por­tanto indicar condições redutoras.

Sob a acção da agitação marítima que atinge esta plataforma, os sedimentos finos são remobilizados com uma certa frequência, que diminui com o aumento de profundidade (MAGALHÃES et a/., 1991a). Ao mes­mo tempo que as partículas mais finas são possivelmen­te remobilizadas para maiores profundidades, as partículas maiores tendem a permanecer no ou próximo do local onde foram originalmente depositados (DIAS et ai., 1980/81).

6. Sedimentos modernos versus sedimentos relíquia

É possível compreender a formação dos sedimentos superficiais utilizando as características das partículas (modernas vs. antigas) e dos depósitos sedimentares (McMANUS, 1975). Os depósitos em fase activa de constituição são classificados, de acordo com as partí­culas que se estão a depositar, em modernos (sedimen­tos neotéricos), antigos (sedimentos protéricos) ou mistos (sedimentos anfotéricos). Os depósitos consti­tuidos no passado são, segundo este esquema, divididos nos que são inteiramente compostos por partículas an­tigas (sedimentos relíquia) e nos que contêm mistura­das algumas partículas modernas (sedimentos palimpsestos).

A classificação de McMANUS (1975) pode ser aplicada aos depósitos da plataforma e às fracções granulométricas que os constituem, tomando em consi­deração os critérios explanados em DIAS (1987) . A aplicação da referida classificação parte do pressupos­to que, verosimilmente, as partículas de quartzo, os bioclastos de moluscos e as carapaças de foraminíferos que foram classificadas como "modernas" estão pre­sentemente a ser integradas no sedimento, estando os principais processos de fornecimento associados aos rios que afluem a esta região e aos processos biogénicos (formação de exosqueletos e/ou fragmentação de con­chas).

SEDIMENTOS DA PLATAFORMA A NORTE DE ESPINHO

. Distribuição e características dos depósitos edimen tares

As características texturais e composicionais dos sedimentos (algumas das quais anteriormente discuti­das) permitiram efectuar a caracterização sumária e delimitação geral dos depósitos sedimentares presen­te na região estuçlada.

~a Fig. 7 representou-se a presumível distribuição de tes depósitos. A sua delimitação é difícil devido à variabilidade de características que frequentemente apresentam e, por vezes, à transição gradual de uns depósi tos para outros e à obliteração parcial ou total das características relíquia devida à actuação dos fac­tores da dinâmica sedimentar actual.

O esquema classificativo agora proposto é inspira­do, se bem que com as necessárias adaptações, em trabalhos anteriores CP. ex., DIAS et ai., 1980/81; DIAS & NlTTROUER, 1984; DIAS, 1987) . A caracterização sucinta de cada depósito encontra-se expressa no Qua­dro r.

A - Os depósitos arenosos litorais , que podem atingir profundidades superiores a 60 m, são constituí­dos essencialmente por areia. As outras classes textu­rais. quando existentes. encontram-se presentes em quantidades muito reduzidas. A areia apresenta com­posição predominantemente terrígena. Estes depósitos contêm, por vezes, elevado teor de mica. São sedimen­tos neotéricos, por vezes com ligeira tendência anfoté­n ca.

B - O depósito siltoso "o Lima, que ocorre na plataforma interna, é predominantemente constitui do por silte e argila. Não contém cascalho. A areia é domi­nada pela componente terrígena, na qual a mica atinge percentagens bastante elevadas. São sedimentos neoté­ricos com ligeira tendência anfotérica.

C - Os depósitos areno-cascalhentos do Cávado localizam-se, tal como os do Ave-Douro, na plataforma média. São predominantemente arenosos. A fracção arenosa é dominada pela componente terrígena. Cor­respondem a sedimentos palimpsestos.

D - Os depósitos areno-cascalhentos do Ave-Douro localizam-se na plataforma média. Apresentam elevada percentagem média de cascalho, o qual é de origem predominantemente terrígena, tal como a areia. A frac­ção fina e a mica da fracção arenosa encontram-se geralmente ausentes. Correspondem geralmente a se­dimentos anfotéricos a palimpsestos, por vezes quase relíquia.

E - Os depósitos areno-siltosos da plataforma mé­dia são dominados por areia e silte, encontrando-se o cascalho geralmente ausente. A areia apresenta com­posição predominantemente terrígena. E de salientar a elevada percentagem média de mica que ocorre na fracção arenosa. Correspondem a sedimentos neotéri­cos com ligeira tendência anfotérica.

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F - Os depósitos arenosos da plataforma média são fundamentalmente constituídos por areia, encontran­do-se o cascalho geralmente presente em quantidades vestigiais. A areia é dominada pela componente terrí­gena. A mica ocorre geralmente em quantidades signi­ficativas. Correspondem a sedimentos neotéricos e anfotéricos.

G - O complexo silto-argiloso do Minho localiza-se a profundidades ligeiramente superiores a 100 m. As suas características são análogas às do complexo das cabeceiras do canhão do Porto. Corresponde a sedi­mentos neotéricos com ligeira tendência anfotérica.

H - Os depósitos cascalhentos do Beiral de Viana localizam-se na plataforma externa, na dependência desta entidade morfostrutural. Apresentam elevado conteúdo em cascalho, o qual é, frequentemente, de origem biogénica. Estes sedimentos possuem carácter palimpséstico, quase relíquia.

I - O complexo silto-argiloso das cabeceiras do canhão submarino do Porto parece estender-se desde os 70 m de profundidade até às cabeceiras do canhão. Trata-se de sedimentos lodosos, em que o silte ultrapas­sa fr equentemente os 50 % da amostra. A areia, de composição predominantemente terrígena, caracteri­za-se por elevada percentagem de micas. A fracção cascalho é, quando existe, dominada por elementos biogénicos. A aplicação dos critérios classificativos de McMANUS (1975) e dos introduzidos por DIAS (1987) indica que este complexo compreende sedimen­tos neotéricos com ligeira tendência neotérica.

J - O depósito cascalhento do BeÍl'al de Caminha localiza-se na plataforma externa, em relação com este afloramento rochoso. Apresenta significativo teor em cascalho, o qual é predominantemente de origem bio­génica. Porém, o conteúdo médio nesta fracção é menor do que o que caracteriza os depósitos cascalhentos associados ao Beiral de Viana. A areia exibe composi­ção essencialmente biogénica. São sedimentos palimp­sésticos, quase relíquia.

K - Os depósitos arenosos da plataforma externa são predominantemente constituídos por areia domina­da, em geral, pela co~ponente biogénica. A glauconite e a mica encontram-se presentes na areia em percent­agens que, pontualmente, atingem valores significati­vos. A fracção cascalho, quando presente, é maioritariamente de origem biogénica. Correspondem a sedimentos anfotéricos e protéricos.

L - Os depósitos arenosos do bordo da plataforma e vertente continental superior apresentam reduzidos conteúdos em cascalho e em finos. A areia é dominada pela componente biogénica. A mica, quando presente na areia, ocorre em quantidades pouco significativas. O cascalho é, em geral, de natureza biogénica. A glauco­nite corresponde, pontualmente, a 45 % da fracção arenosa. Estes depósitos possuem aparentemente duas origens distintas: os depósitos glauconitizados são, pre-

F. MAGALHÃES &1. M.ALVElRINHO DIAS

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Fig. 7 - Distribuição dos principais depósitos ocorrentes na plataforma e vertente continentais a norte de Espinho. A-depósitos arenosos litorais; B-depósito siltoso do Lima; C-depósitos areno-cascalhentos do Cávado: O-depósitos areno-cascalhentos do Ave-Douro; E-depósitos areno-siltosos da plataforma média; F-depósitos arenosos da plataforma média; G-complexo silto-argiloso do Minho; H-depósitos cascalhentos do Beiral de Viana; I-complexo si lto-argiloso das cabeceiras do canhão submarino do Porto; J-depósito cascalhento do Beiral de Caminha; K-depósitos arenosos da plataforma externa; L-depósitos arenosos do bordo da plataforma e vertente continental superior; M-depósitos lodosos da vertente continental superior; N-outros depósitos.

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SEDIMENTOS DA PLATAFORMA A NORTE DE ESPINHO

Profundidade Cascalho Finos Terrígenos Mica Glauconite Terrígenos (metros) na areia na areIa na areIa na areia

A 26( -66) 0(0-6) 6(0-73) 90(60-99) 18(0-57) 0(0-1) 33(0-92)

B -- (47-62) 0(0-0) 53(53-53) 70(68-71) 31(16-45) 0(0-0) 0(0-0)

C 48(35-62) 7(2-12) 1(0-2) 76(63-96) 1(0-2) 0(0-0) 3(0-7)

D 46(27-64) 38(0-86) 1(0-13) 94(70-100) 3(0-30) 0(0-0) 76(0-98)

E 78(54-120) 1(0-4) 36(11-55) 78(55-92) 23(4-48) 1 (0-5) 1(0-5)

F 62(37-83) 4(0-49) 13(2-22) 87(74-95) 14(0-38) 0(0-0) 0(0-0)

G 113(110-115) 0(0-0) 85(75-95) 69(11-71) 27(11-42) 2(1-2) 0(0-0)

H 96(86-112) 45(7-89) 2(0-9) 54(3-96) 2(0-4) 0(0-1) 38(0-99)

I 90(67-133) 0(0-3) 71(29-98) 68(11-89) 34(3-74) 1(0-18) 0(0-3)

J 128(126-130) 14(13-16) 21(8-34) 41(30-56) 0(0-0) 0(0-0) 26(8-69)

K 126(95-150) 1(0-5) 11(4-37) 46(6-90) 3(0-26) 5(0-11) 11(0-86)

L 217(105-455) 1(0-9) 11 (2-22) 4D(12-85) 3(0-8) 6(0-38) 17(0-80)

M 462(303-6(n 1(0-6) 48(27-65) 49(37-68) 13(4-25) 4(0-23) 15(0-27)

! HH (67-14-l) 2(0-23) 23(1-86) 46(0-76) 9(0-45) 2(0-8) 1(0-15)

QCADRO I . Ca.T3cterísticas dos depósi tos sedimentares. As letras A a N designam os diferentes depósitos identificados. O valor fora do parentesis indica a média. Os valores entre parentesis referem·se ao domínio de variação.

sumivelmente, depósitos relíquia sujeitos a erosão ou, pelo menos, a taxas de acumulação muito pequenas ou nulas; outros depósitos são deficitários em glauconite e aparentam ser progradantes, podendo, portanto, infe­rir-se que existe acumulação activa de partículas. As características observadas indicam que os depósitos antigos constituem sedimentos palimpsestos e que os depósitos modernos são sedimentos neotéricos com maior ou menor tendência anfotérica.

M - Os depósitos lodosos da vertente continental superior localizam-se a profundidades superiores a 300 m. Apresentam elevado conteúdo em finos. O ca!>.<õalho apresenta composição predominantemente terrígena. A mica pode ocorrer na areia em quantidades signifi­cativas. A glauconite corresponde, por vezes, a cerca de 20 % da fracção arenosa. Correspondem a sedimentos neotéricos com ligeira tendência anfotérica.

N - Os chamados outros depósitos, que apresentam uma grande variabilidade de características, não se enquadram, aparentemente, em nenhum dos anteriores tipos de depósitos. Ocorrem em regiões localizadas da plataforma média, da plataforma externa e do bordo da plataforma. Correspondem, na sua maioria, a sedimen­tos anfotéricos.

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CONCLUSÕES

1. Os sedimentos superficiais da plataforma minho­ta são geralmente grosseiros, o que evidencia elevados níveis energéticos junto ao fundo . O tipo textural mais abundante é a areia, não tendo sido encontrados sedi­mentos maioritariamente constituídos por argila. Junto às cabeceiras do canhão submarino do Porto ocorrem sedimentos lodosos que se encontram inseridos num complexo de grande importância, pelo menos a nível regional. Foi detectada a existência de outro complexo lodoso, embora de bastante menor importância, frente ao rio Minho, a profundidades ligeiramente superiores aos 100 m. Em ambos estes complexos, a percentagem de mica no conjunto da componente terrígena da areia é bastante elevada. Estes depósitos são actualmente activos.

2. Os dados obtidos no decurso do presente traba­lho apontam para a importância da contribuição fluvial , bastante evidente a partir da delimitação da área em que os terrígenos representam mais de 90 % da totali­dade da fracção arenosa. De um modo geral, a impor­tância dos rios como fornecedores de materiais terrígenos para a plataforma diminui para norte.

3. A distribuição do cascalho parece relacionar-se, nuns casos, com as paleo-desembocaduras dos rios

F. MAGALHÃES & J. M. ALVEIRINHO DIAS

mais importantes e com paleo-litorais e, noutros, com afloramentos rochosos presentes na plataforma. O cas­calho existente na plataforma média é dominado pela componente terrígena. Na plataforma externa, esta fracção é predominantemente de origem biogénica.

4. As características texturais e composicionais dos sedimentos permitiram efectuar a caracterização su­mária e delimitação geral dos depósitos sedimentares presentes na região estudada. Foram detectados depó­sitos arenosos, lodosos, areno-siltosos, areno-casca­Ihentos e cascalhentos, alguns dos quais em aparente conexão com os afloramentos rochosos ocorrentes na plataforma e com os principais rios que a ela afluem.

5. Foi aplicada a classificação de McMANUS (1975) aos depósitos anteriormente identificados. Os depósi­tos arenosos litorais, o depósito siltoso do Lima, os complexos lodosos das cabeceiras do canhão do Porto e do rio Minho, os depósitos areno-siltosos da platafor­ma média e os depósitos lodosos ocorrentes na vertente continental superior correspondem a sedimentos neo­téricos com ligeira tendência neotérica. Os depósitos arenosos da plataforma média correspondem a sedi­mentos neotéricos e anfotéricos. Os depósitos are no­cascalhentos do Ave-Douro são sedimentos anfotéricos a palimpsestos. Os depósitos areno-cascalhentos do Cávado correspondem a sedimentos palimpsestos. Os depósitos arenosos da plataforma externa correspon­dem a sedimentos anfotéricos e protéricos. Os depósi­tos cascalhentos associados aos Beirais de Viana e de Caminha possuem carácter palimpséstico. Os depósi­tos arenosos do bordo da plataforma e vertente conti­nental superior são sedimentos palimpsestos ou sedimentos neotéricos com tendência anfotérica.

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