Derrube o Colesterol!

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Um livro que ensina a ter saude, e viver por muitos anos a mais.

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Um programa que inclui a d i e t a que d resultado e 1 2 t a b e l a s com a gordura dos alimentos para voc consultar. E mais: os e x e r c c i o s e os h b i t o s que fazem a diferena

Derrube o colesterolDr. Raul Dias dos Santos

Copyright 2009 | 2 a edio | Editora Abril S.A. Projeto editorial Edio de texto Capa e projeto grfico Fotos Foto de capa Produo de objetos Produo culinria Infogrficos Editorao Reviso Lcia Helena de Oliveira Dbora Mamber Thiago Lyra Derclio Alfredo Franco Alessandra Ravizza urea Soares Thiago Lyra e Erika Onodera Gisele Pungan Paulo Kaiser

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) S238d Santos, Raul Dias. Derrube o colesterol! / Raul Dias dos Santos. 2.ed. / Raul Dias dos Santos. [So Paulo] : Abril, 2009. 186p. : il. col. ; 13,5 x 20,5 cm. (Sade vital) ISBN 978-85-364-0895-8 1. Colesterol Obras populares. 2. Corao Doenas Preveno Obras populares. 3. Colesterol no sangue. I. Ttulo. II. Srie. CDD-612.12

A questo que lhe propus foi a seguinte: tudo bem, mas como conseguir a proeza? A chave est nas prximas pginas, que valem muito mais do que os dez minutos de conversa que inspiraram este livro. Ou melhor, a chave est em suas mos. No posso terminar esta pequena carta sem ressaltar o projeto grfico do designer pernambucano Thiago Lyra e o texto delicioso e elegante da jornalista Dbora Mamber. Quero agradecer ainda ao autor, que concentrou aqui todo o seu imenso conhecimento sobre o tema, nutricionista Alessandra Macedo, que nos ajudou com as tabelas de alimentos, e jornalista Regina Pereira, expert em nutrio de SADE!, que foi a primeira a sugerir que publicssemos um livro sobre o coles terol e adoraria ter tocado o projeto, se no estivesse curtindo uma licena-maternidade.

LCIA HELENA DE OLIVEIRA DIRETORA DE REDAO DE SADE!

Ao leitorastariam dez minutos de conversa, s dez. Se pudesse bater um papo com o mdico Raul Dias dos Santos, ele no precisaria de mais tempo do que isso para convencer voc de que o colesterol merece ser condenado derrocada. Eu fiquei convencida. E olha que, por sorte, nunca enfrentei problemas com suas taxas. Imagina se elas estivessem nas alturas... Doutor Raul como conhecido pelos colegas do renomado Instituto do Corao, o InCor, em So Paulo motiva qualquer pessoa, de qualquer idade, a ficar de olho nessa gordura, falando do assunto com paixo. Paixo que sinnimo de fria quando cita nmeros, muitos nmeros. Alis, parece conhecer de cor estatsticas que so de arrepiar. E paixo que sinnimo de nimo quando faz promessas de um futuro melhor para todos ns, explicando com tremenda lgica o que ganhamos ao controlar a partcula famigerada um corao saudvel, uma memria tinindo por muitos anos, os movimentos do corpo preservados. Vitalidade, enfim.

B

Prefcioaul Santos um cardiologista brilhante, que entende como poucos de nutrio e medicamentos para tratar o colesterol alto. E defende com vigor a preveno das doenas cardiovasculares, que, por sinal, tambm so a principal causa de mortes no Brasil. Ele j deu vrias contribuies inestimveis nesse campo, liderando importantes iniciativas na maior instituio de sua especialidade na Amrica Latina o Instituto do Corao (InCor), em So Paulo. Este livro, portanto, uma ferramenta valiosa para todos aqueles que desejam diminuir suas taxas de colesterol e conquistar sade. Eu altamente recomendo a sua leitura.

R

Ernst Schaefer, professor da Escola de Medicina da Universidade Tufts, nos Estados Unidos, e presidente do 15a Simpsio Internacional sobre Aterosclerose, que acontecer em 2009, em Boston

Dedico este livro a: Minha esposa, Sonia, e meus trs Rs (Raul, Ricardo e Renata) por todas as horas que no ficamos juntos nesses anos. Com amor... Dedico tambm a meus pais, Raul e Marina, pelas oportunidades de educao que me deram. Com amor... s pessoas que confiam nas minhas palavras, espero que estas possam lhes trazer uma vida longa e feliz!

Abaixo o colesterol 2 3 4 5 D 7 O 9 I0 II Uma histria de suspense

14 18

O empurro do estilo de vida moderno .... 24 Afinal, o que colesterol? O que faz as taxas subirem Aterosclerose, uma pandemia Os quilos a mais, o sexo, a idade Isto tambm coisa de criana Os nveis ideais Triglicrides, os comparsas As plulas anticolesterol 30 40 48 58 62 66 76 86

12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22

Perguntas e respostas sobre estatina O medo das taxas muito baixas Calcule o seu risco Primeiro passo: se voc fuma, largue o cigarro Segundo passo: exercite-se! Terceiro passo: acerte na gordura do cardpio Onde esto as gorduras? Como deve ser a sua dieta Dvidas em pratos limpos ltimo passo: acompanhe o seu colesterol Uma palavra final

96 104 108 116 124 132 140 156 170 178 184

Abaixo o colesterolesponda rpido: qual a doena que mais mata no mundo? Se pensou em qualquer mal ligado ao corao, acertou em cheio. Um em cada trs brasileiros morre por problemas cardiovasculares, mais especificamente por aterosclerose o acmulo de placas de gordura nas artrias, com conseqncias gravssimas, como infartos e derrames. ela mesma, a demonaca gordura, o principal assunto deste livro. Cigarro, hipertenso, diabete e outros fatores tm, sim, um papel importante nesse drama todo, como voc ver nos captulos que se seguem. Mas, sem a matria-prima fundamental da placa que entope os vasos sangneos, a aterosclerose nem constaria no dicionrio. A dificuldade que o colesterol um assassino silencioso. Longe de ficar aparente na barriga, nos pneus e nos culotes, como outros tipos de gordura, ele circula sem dar sinais por onde ningum v. Re15

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Derrube o colesterol!

duzi-lo no nos faz mais bonitos para encarar o espelho, no deixa o corpo mais gil para subir e descer escadas e nem sequer nos torna mais bem-aceitos socialmente. Por isso, at quem j sabe que est com nveis elevados de colesterol no sangue muitas vezes deixa o tratamento para depois. E se sente desanimado por no ganhar nenhum benefcio imediato quando se esfora para derrubar essa taxa. No Brasil, a experincia com exames de check-up mostra claramente que, at mesmo em laboratrios e hospitais que atendem pessoas de alto nvel sociocultural, os pacientes no costumam tomar nenhuma providncia ao receber um resultado de colesterol alto no sangue. A grande maioria s se preocupa quando tarde demais. At l, o inimigo fica de tocaia, armando lentamente a emboscada. Por isso, gosto de dizer que manter os nveis de colesterol em baixa um investimento comparvel a uma previdncia privada: os benefcios s aparecem aps anos abrindo mo de uma porcentagem do salrio, sem torr-la em prazeres imediatos. No controle do colesterol, a disciplina imposta por certas restries na dieta, pelo tempo dedicado ao exerccio fsico e, se necessrio for, pelo uso de medicamentos enfim, pela mudana de hbitos. Mas, do contrrio, como garantir que viveremos mais e, principalmente, melhor? No se trata apenas de aumentar a quantidade, mas a qualidade dos anos que temos pela frente. Afinal, se por vezes no tira a vida, um infarto sempre faz estragos, a comear pelo impacto emocional. Que dir ento do desgaste fsico de cirurgias de ponte de safena, angioplastias, cateterismos...

Abaixo o colesterol

O cenrio que lhe descrevo j est ficando cheio de nuvens pretas e eu ainda no citei os derrames, muitos deles conseqncias secundrias de infartos. Eles j foi provado tambm podem estar relacionados com o colesterol alto. E mais: de que vale viver 90 e poucos anos se nos faltar memria? Saiba que uma das principais causas da demncia a vascular. Com o tempo, o sujeito vai perdendo a capacidade de se recordar ou pensar direito por causa de mi croinfartos cerebrais. So obstrues de vasos dentro da cabea ou em grandes artrias, como a cartida e a aorta, que impedem a oxigenao adequada da massa cinzenta, arruinando a memria, o raciocnio e a percepo da realidade. A boa notcia, revelada por estudos com imagens de ressonncia magntica, que aquelas placas capazes de tapar as vias da circulao que levam sangue ao crebro encolhem quando o indivduo comea a cuidar do colesterol. Por tudo isso, espero ter deixado claro: abandonar um matador como esse solta imperdovel. Principalmente depois que voc souber os passos fundamentais para control-lo muitas vezes sem o uso de remdios. Nos prximos captulos, mostrarei tudo o que est ao seu alcance para deter o bandido: quais alimentos deve ou no comer sempre (e eles no so to bvios como, talvez, voc imagine), quais exerccios praticar, outras mudanas de hbito necessrias e como funcionam as drogas que a medicina moderna oferece para nocautear o inimigo. Espero que voc tenha uma boa leitura e que siga estes passos para ter uma vida alegre e saudvel.

Uma histria de suspense

Imagine que, at os anos 1960, o colesterol era um serial killer que atuava sem medo de ser descoberto. Suas taxas atingiam at 280 miligramas por decilitro de sangue em 95% da populao americana valores assustadoramente altos para os padres atuais, porm os mdicos davam de ombros. O primeiro detetive que levantou uma suspeita contra o bandido foi o nutrlogo americano Ancel Keys, que, em 1955, realizou um estudo ambicioso, comparando os hbitos alimentares de sete pases com as taxas de colesterol de seus habitantes. E, para fechar o ciclo, cruzou esses dados com as estatsticas de morte por problemas cardiovasculares. Keys teve ainda a astcia de levar em conta outros fatores, como a hipertenso e a obesidade cujo papel nessa histria, poca, era bastante obscuro.

Derrube o colesterol!

O que Keys ento viu, mesmo considerando os outros agravantes, foi elementar, meu caro leitor: quanto mais colesterol no sangue, maior parecia ser o risco de enfrentar problemas no corao. Os pases nos dois extremos da curva esboada por ele eram a Finlndia, ento campe mundial de infartos do miocrdio, e o Japo. Enquanto os finlandeses se deliciavam havia inmeras geraes com manteiga, carnes vermelhas e laticnios bem gordurosos, os japoneses se empanturravam de peixes, legumes e verduras. No sangue dos nrdicos, o colesterol ultrapassava os 260 miligramas por decilitro e l o nmero de infartos fatais chegava a 70 a cada mil habitantes, observando um perodo de dez anos. Nada menos que 14 vezes mais mortes provocadas pelo corao que no Japo, onde a mdia de colesterol era pouco acima de 160 miligramas por decilitro. Os nmeros eram claros, mas o cticos achavam que essa diferena estarrecedora poderia estar nos genes e no na comida. Eis que uma equipe de pesquisadores havaianos resolveu tirar a prova dos nove comparando grupos de japoneses e de descendentes de japoneses. Pessoas, portanto, com cargas genticas semelhantes, mas a est o detalhe que viviam em trs lugares diferentes: a ilha de Honshu, no Japo, a cidade de So Francisco, nos Estados Unidos, e Honolulu, no prprio Hava. Concluso: a incidncia de infartos era baixa no Japo, alta na turma que vivia nos Estados Unidos e ficava em meio-termo no Hava, justamente na metade do caminho quando olhamos para o mapa. Ou seja, medida que o cardpio se

Uma histria de suspense

ocidentalizava, o colesterol subia e, de mos dadas com ele, o nmero de ataques cardacos. Enquanto isso, os 28 mil habitantes da pequena cidade americana de Framingham, em Massachusetts, abriam o corao para o maior estudo sobre o colesterol j realizado at ento. Foram 24 anos, em que se observaram no apenas os nveis da gordura no sangue da populao local, mas tambm a presso sangnea, o tabagismo, a obesidade, o diabete e a histria familiar. Esse esforo monumental demonstrou o seguinte: aqueles com colesterol alto eram os que tinham maior probabilidade de sofrer um infarto e os outros fatores de risco eram apenas coadjuvantes no lento processo de entupimento dos vasos sangneos. Por incrvel que parea, a essa altura muita gente continua duvidando de que o assassino precisava ser detido. Ok, eles diziam, existe uma correlao entre a quantidade de colesterol e a ocorrncia de males do corao. Mas ser que essa correlao era de causa e efeito? A resposta pode ser bvia aos olhos de hoje, mas ainda no existiam remdios eficazes para tratar o problema, provando os benefcios de derrubar as taxas de gordura. Alis, nem sequer era clara a vantagem de ficar de olho nas gorduras da dieta. Dessa maneira, o colesterol permaneceu solta at meados da dcada de 1980, quando a comunidade mdica se deparou com provas irrefutveis de que ele merecia, digamos, a priso perptua. Publicado em 1984, o chamado Lipid Research Clinic Study foi o primeiro trabalho que investigou a fundo o uso de remdios contra o colesterol. As plulas, ento, foram capazes de

baixar em 20% as taxas da gordura no sangue, levando queda de 19% no risco de infarto do miocrdio e de morte por males cardiovasculares. A partir da, o matador foi finalmente flagrado. Outras pesquisas mostraram que, at mesmo em pacientes diabticos, dos quais 80% acabavam falecendo por problemas cardacos, o colesterol fazia uma diferena incrvel. O golpe final veio com o aparecimento das esta tinas, que atualmente esto entre os medicamentos mais vendidos no mundo e sobre as quais falarei mais adiante, no captulo 11. O estudo pioneiro com essas drogas, denominado 4S, ou SSSS, para alguns, veio luz em 1995. Foram analisados mais de 4 mil pacientes com colesterol alto e que, naquela altura, j tinham desenvolvido doenas cardacas. O remdio cortou 34% do colesterol ruim, reduzindo em 42% as ocorrncias coronrias e em quase um tero a mortalidade total. A cereja do bolo foi a diminuio tambm dos acidentes vasculares cerebrais, ou derrames, cuja relao com o colesterol ainda no estava totalmente estabelecida. Os trabalhos que eu citei aqui serviram para, primeiro, provar o envolvimento do colesterol alto nas doenas do corao. E depois, fazendo o caminho de volta, mostraram aos cientistas que diminuir seus nveis levava a benefcios. Eles, sem dvida, colocaram o colesterol sob os holofotes da medicina e transformaram para sempre a noo de que infartos e derrames seriam tristes fatalidades. Ora, eles podem, sim, ser prevenidos. Resta a ns manter o inimigo sob constante vigilncia. E isso o que pretendo lhe ensinar.

O empurro do estilo de vida moderno

eixe a sua mente embarcar em uma breve viagem pela Holanda do sculo 19. Imagine as fazendas nos imensos terrenos planos, com suas vacas robustas a dar um leite cremoso e gordo, base da manteiga e dos queijos macios, sempre presentes mesa. Coloque-se por um momento no lugar desses fazendeiros, na sua labuta diria, incansvel, mas certamente bem recompensada em fartas refeies. Agora ponha um ingrediente a mais na fantasia: suponha que sua famlia, sem, claro, se dar conta, sofresse de um problema gentico que provoca o aumento significativo dos nveis de co lesterol no sangue. Qual seria a conseqncia? Agora viaje no tempo, deixando as geraes se sucederem, todas com o tal defeito nos genes, at chegar aos dias atuais. Imagine a Holanda mais ur25

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Derrube o colesterol!

banizada de hoje, com habitantes que, na pressa moderna, j no investem tanto tempo mesa, comem menos manteiga e mais azeite de oliva em relao ao passado, servindo-se de pores menores de carnes e maiores de verduras do que antes. Ser que esses holandeses com tendncia gentica ao colesterol alto teriam uma longevidade maior no nosso sculo? Qual seria a sua aposta? Antes de pegar as suas fichas, saiba que a situao no totalmente imaginria. Um trabalho clssico em matria de colesterol foi publicado no British Medicai Journal h alguns anos. Os cientistas se debruaram justamente sobre a histria de uma famlia holandesa vtima de uma enfermidade gentica chamada hipercolesteronemia familiar a qual voc entender melhor no prximo captulo. Metade do cl tinha o sangue lotado de colesterol. Os pesquisadores analisaram cuidadosamente suas taxas de mortalidade entre 1830 e 1989 e a concluso contrariou a expectativa comum. Os que viveram no sculo passado, apesar de ingerirem muita comida gordurosa e, de quebra, serem portadores de hipercolesteronemia familiar, morreram com a mesma mdia de idade de seus contemporneos sem o problema gentico. E ainda esta: viveram mais at mesmo do que seus descendentes que adotaram uma dieta mais leve. Ser, ento, que rechear a dieta de gordura no faz a menor diferena? No bem assim. O que esse estudo famoso mostra a fortssima influncia do estilo de vida no desenvolvimento de doenas cardiovasculares. Muito provavelmente, os

O empurro do estilo de vida moderno

fazendeiros dos idos de 1830 tinham um dia-a-dia mais ativo, eram mais magros, menos estressados e no fumavam. Para eles, portanto, o colesterol no representava necessariamente uma ameaa. No entanto, em uma sociedade como a nossa, com altas taxas de sedentarismo, obesidade, estresse, cigarro e outros fatores de risco, como se o colesterol tivesse o empurro necessrio para fazer grandes estragos. Pense em uma pessoa com sndrome metablica a reunio sinistra de presso elevada, resistncia insulina, obesidade abdominal e baixos nveis de HDL, o colesterol bom. Se ela tiver uma carga pesada de colesterol ruim para completar a situao, os riscos de placas coronrias aumentaro 70%.O passar do tempo faz diferena

H tambm de considerar que, no sculo 19, no era comum um cidado chegar aos 75, 80 anos. Morria-se jovem, de doenas infecciosas, apendicite, problemas no estmago ou at mesmo de causas violentas. E os males cardiovasculares, de que tanto falamos agora, no se formam num curto espao de tempo. Na maioria das vezes, so necessrios anos e anos de acmulo de gordura nas artrias. Portanto, fcil concluir que os nveis de colesterol ganharam relevncia medida que a populao passou a viver mais o suficiente para desenvolver placas e entupir suas artrias. Com as descobertas ressaltando a importncia do colesterol nesse cenrio moderno e campanhas macias para conscientizar a populao, dos anos 1980 para c os pases desenvolvidos con-

Derrube o colesterol!

seguiram reduzir em cerca de 20% a mortalidade por problemas do corao. Sem dvida nenhuma, uma grande vitria que, diga-se, ns, brasileiros, ainda precisamos alcanar. Quando atingirmos essa meta, teremos ento que pensar nos outros 80% dos casos que continuam assombrando a humanidade. Por trs deles, esto todos os outros fatores de risco que j citei tabagismo, alimentao ruim, hipertenso, sedentarismo, diabete e obesidade. Porm, mesmo com todos esses viles espreita, tenho plena convico de que o colesterol, de todos, ainda o mais fatal. E, da mesma maneira que a gordura leva dcadas para entupir os vasos, os benefcios de diminuir os nveis dessa substncia no sangue s podero ser avaliados se acompanharmos os pacientes por dcadas. A, creio, veremos que a importncia dos outros fatores de risco menor. As pesquisas disponveis at o momento mostram apenas os resultados a curto prazo de diminuir o colesterol. H uma exceo: um trabalho batizado de ARIC, sigla em ingls para "risco de aterosclerose nas comunidades". Seus autores seguiram mais de 15 mil americanos. Em um determinado grupo, a mdia de LDL (ou colesterol ruim) era de 130 miligramas por decilitro de sangue. Em outro, graas a uma bem-vinda mutao gentica, as taxas de LDL eram de 115 miligramas por decilitro. Ao final de um longo perodo de 15 anos, os sujeitos desse segundo grupo tiveram praticamente a metade da incidncia de problemas coronrios em relao ao primeiro.

O empurro do estilo de vida moderno

A pesquisa comparou ainda os indivduos com mdia de 130 miligramas de LDL por decilitro com um terceiro grupo, cuja benesse gentica deixava as taxas de colesterol ruim em nveis mais baixos ainda, ou seja, 100 miligramas por decilitro. O resultado foi espantoso: mesmo levando em conta que muitos deles fumavam ou eram hipertensos, esses ltimos tiveram quase 90% menos episdios de doenas cardacas. Que fique claro: eram pessoas que passaram a vida inteira com o colesterol l embaixo. Ou seja, qual a lio? Fcil responder: a importncia do tratamento precoce. Na minha opinio, nunca cedo demais para prestar ateno nas taxas de colesterol no sangue. Afinal, por mais eficientes que sejam os medicamentos hoje em dia, no adianta querer implodir em cinco anos as placas que a natureza levou cinco dcadas para construir nas artrias. Pense nisso.

Afinal,o que colesterol?

Culpada e condenada pelos mdicos por \ y causar tantos males, vamos reconhecer: essa gordura, que j foi muito associada ao ovo, essencial para uma srie de estruturas e produtos do organismo. Todas as clulas isso mesmo, todas precisam de colesterol. Ele integra suas membranas, tornando-as mais fluidas, o que permite a entrada e a sada de substncias. Os neurnios do crebro tambm so forrados dele, que serve de matria-prima para uma grossa capa gordurosa com a funo de isolante. Graas a ela, os impulsos nervosos podem ser transmitidos com eficincia e rapidez. Os ovrios, os testculos e as supra-renais tambm utilizam o colesterol para sintetizar seus hormnios (Cortisol, testosterona, progesterona e aldosterona). Ou seja, no h homem ou mulher capazes de sobreviver sem essa substncia.

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Derrube o colesterol!

Por causa desses motivos nobres, a natureza nos criou feito verdadeiras fbricas de colesterol. Afinal, o fornecimento de uma substncia to importante para o organismo no pode depender apenas de meios externos. Seria arriscado demais. Assim, somente cerca 30% do colesterol de que dispomos chega ao sangue por meio do que comemos. No mais, o corpo mesmo se vira. Os prprios rgos e tecidos produzem parte do colesterol que utilizam, mas a grande maioria fabricada pelo fgado, o centro regulador da oferta e da demanda dessa molcula vital. Quando h pouco colesterol em seu estoque, o fgado se encarrega de criar receptores que, como se fossem ms, captam a gordura que est passeando pelo corpo sem serventia. J quando o seu depsito est abarrotado, esse rgo logo inibe os tais receptores, deixando a substncia vagar toa pela circulao. Outra forma de limpar seu armazm despejar o excesso da mercadoria na bile, um suco digestivo que atua no intestino. Assim, uma pequena quantidade do colesterol eliminada junto com as fezes. O restante reabsorvido pelas paredes intestinais, retornando para o fluxo sangneo.Engenharia de trfego

O colesterol, por si, faz maravilhas. A histria s no pra por a, com direito a final feliz, porque ele precisa ser transportado. Na verdade, sua molcula no consegue circular pelo corpo por conta prpria. Precisa de um veculo, e ele sempre uma lipoprotena. E a que entra em cena o32

Afinal, o que o colesterol?

verdadeiro vilo, a LDL, sigla do ingls para "li poprotena de baixa densidade". Repito, porque o colesterol em si no faria nada de mal. Mas a LDL, que fabricada tambm no fgado... H ainda a VLDL ou "lipoprotena de muito baixa densidade" , que carrega para cima e para baixo colesterol e triglicrides, um segundo tipo de molcula da qual falarei mais tarde. Aqui, o importante voc saber que, no sangue, a VLDL pode trombar com enzimas, perdendo os triglicrides que transporta e se transformando em LDL de longe, o principal veculo carregador de colesterol no organismo humano. Em princpio, a LDL deveria circular em todos os tecidos que necessitam do colesterol. O azar que esse servio de entrega no dos mais eficientes porque ela tende a se enroscar pelo caminho, mais especificamente na parede das artrias. Est armado o congestionamento que poder obstruir o trnsito do sangue, levando a infartos, derrames e outros problemas cardiovasculares. Felizmente, h outro personagem. Trata-se da HDL, a lipoprotena de alta densidade. A ela cabe trazer de volta para o fgado todo o colesterol que est sobrando nos tecidos e na circulao, descarregado sem querer pela desastrada LDL. Alis, diferentemente dela, a HDL trabalha de maneira exemplar. Por onde quer que passa, recolhe o lixo gorduroso espalhado. E no s isso: quando se depara com uma LDL presa em algum vaso sangneo, ela a arranca de l, evitando que se acumule. No bastasse tudo isso, a HDL ca-

Derrube o colesterol!

paz de impedir a oxidao e a inflamao nas artrias, dois fenmenos que, logo voc entender, esto envolvidos com a formao das placas. Essa complexa engenharia de trfego explica por que no adianta focar no valor do colesterol total quando medimos os nveis dessa substncia no sangue. Ele, afinal, junta tudo, sem diferenciar o bom do ruim. imprescindvel saber os valores de HDL e LDL separadamente para calcular com mais preciso qual o risco de desenvolvimento de doenas cardiovasculares. Se a frao de HDL estiver nas alturas, por exemplo, o organismo pode estar protegido, ainda que a taxa de LDL seja um pouco elevada. Ora, se ns fssemos como os ces no organismo deles, o principal veculo de transporte do colesterol a HDL , poderamos nos empanturrar de alimentos gordurosos sem medo de ataques cardacos. Nesse sentido, podemos invejar uma vida de cachorro.

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Afinal, o que o colesterol?

Para encerrar este captulo de um jeito mais fcil de entender toda essa histria, vire a pgina e veja todo o vai-e-vem do colesterol sendo transportado pelo seu corpo.

A CIRANDA DAS PERSONAGENS O que fazem e de onde vm a HDL, a LDL e a VLDL, veculos que transportam a gordura pelo nosso corpo As gorduras dos alimentos entre elas, os cidos graxos e o colesterol passam por todo o aparelho digestivo e so absorvidas no intestino. Ali, os cidos graxos so empacotados de trs em trs. E, desse jeito, formam os chamados triglicridesfgado

intestino triglicride colesterol

cido graxo

Como gua e leo no se misturam (e o sangue um meio aquoso), o intestino fabrica os chamados quilomcrons para transportar os triglicrides pelos vasos

quilomcron

INTESTINO

quilomcron

remanescente destrudo

triglicride solto

FGADO

colesterol VLDLremanescente de quilomcron

No sangue, os quilomcrons so quebrados por enzimas, virando os chamados remanescentes de quilomcron. Nessa reao, soltam-se molculas de triglicrides. Algumas delas vo parar nos tecidos e ficam ali estocadas, armazenando energia. Outras so incorporadas em protenas do fgado para formar o embrio da HDLenzima

VLDL carregada

a

triglicride solto

Ainda cheio de gorduras, o remanescente de quilomcron captado e destrudo pelo fgado a grande fbrica de colesterol do organismo. O rgo tambm se encarrega de sintetizar um transportador para essa molcula, que no sabe circular por conta prpria. Esse transportador a lipoprotena chamada VLDL. Ela sai d. carregada de triglicrides e de colesterol

VLDL

A questo que uma boa parte das VLDLs sofre a ao de enzimas, perdendo vrias molculas de triglicrides. Essa transformao que d origem LDL, o grande vilo da histria

triglicride perdido

A funo da LDL levar o colesterol para onde ele requisitado: glndulas, que iro incorporar a substncia na frmula de seus hormnios, e tecidos, que usam o colesterol em suas membranas, por exemplo. O que sobra de LDL volta para o fgado para ser desmembrado novamente

CLULA

LDL

colesterol para a clula

FGADO

LDL

Mas, no meio do caminho a LDL pode acabar presa nas paredes dos vasos sangneos e at soltar algumas molculas de colesterol livre na circulao quando entra em cena a mocinha HDL, responsvel por catar, como se fosse um lixeiro, uma grande parte do colesterol excedente, derrubada nos rgos e nos vasoscolesterol livre na circulao

HDL carregada

HDL

0

No fgado, a sobra de colesterol que chega com a LDL e com a HDL jogada na bile. O destino desse lquido o intestino, onde ele ajuda a digerir gorduras. E assim recomea todo o ciclo. O organismo reabsorve boa parte do que ele mesmo tentou jogar fora

excesso de colesterol

ON

que faz as taxas subirem

o mundo do colesterol nas alturas, nada o que parece ser. Um indivduo gordo que se empanturra de hambrguer, milkshake e batata frita em tese pode ter nveis dessa substncia mais baixos do que uma pessoa magra e vegetariana. Embora o estilo de vida seja muitssimo importante, no podemos nos esquecer dos genes. Nossa matriz gentica capaz de fazer do organismo uma acelerada linha de montagem de molculas de colesterol. Ou, ao contrrio, cri-lo como um implacvel eliminador dessa gordura. Existem pessoas, porm, em que as causas genticas que so diversas pesam mais do que tudo. Um dos exemplos mais comuns o da chamada hipercolesteronemia familiar, que afeta, em mdia, um em cada 500 habitantes do planeta mas

que pode atingir uma em cada 50 ou 75 pessoas nas regies do globo onde h muitos casamentos consanguneos, tais como o Lbano, a rea francesa do Canad e onde vivem os africneres na frica do Sul. No Brasil, so cerca de 10 milhes de pessoas com essa alterao gentica que afeta diretamente a capacidade do fgado de captar feito um m o colesterol que estava dando sopa no sangue lembra-se do que eu expliquei no captulo anterior? O fgado de quem no apresenta esse defeito em um determinado gene tem receptores que, como comportas, sugam para o seu interior partculas de LDL de passagem na circulao. S deixa de fazer isso quando j est lotado de colesterol (veja o in fogrfico da pgina 46). Mas nas pessoas com essa doena gentica os receptores so defeituosos ou at mesmo inexistentes, deixando quantidades enormes de colesterol vagando toa pelo corpo um perigo iminente para a parede dos vasos. Como uma enfermidade que passa dos pais para os filhos, uma em cada duas pessoas da mesma famlia ou seja, a metade acaba com essa imperfeio gravada no gene, que pode at quadruplicar os riscos de problemas do corao. Muitas combinaes genticas podem ser ainda piores eu diria at perturbadoras. o que ns, mdicos, chamamos de poligenes. Um gene atrapalha um pouquinho de c, o outro um tan tinho de l, e o colesterol d um salto triplo. Essa complexa equao de letrinhas que nosso DNA ainda est longe de ser 100% decifrada pela cincia. J se sabe, no entanto, que, alm do fgado, o intestino tem papel-chave na jogada. Faz sentido:

O que faz as taxas subirem

nele que acontece a absoro do colesterol da bile e das gorduras provenientes da dieta. Ou seja, no meu exemplo do vegetariano magro com taxas de LDL elevadas, a gente pode imaginar que, apesar de no ingerir muito colesterol, seu intestino seja dotado de uma incrvel capacidade de arrebatar de volta tudo o que seu prprio organismo fabricou sem jogar um nadica fora. E lembrando: o organismo de qualquer pessoa, especificamente o fgado, fabrica em torno de 70% do seu colesterol. Ou seja, mesmo que essa produo no tenha nada de exagero, um intestino que no elimina o excesso da substncia circulante torna o seu dono um srio candidato a placas nas artrias. Voc, nessa altura, pode se perguntar como d para saber se tem alguma predisposio gentica para o problema. s olhar para a sua histria familiar. Se um parente de primeiro grau pai, me ou irmo sofreu algum distrbio cardiovascular cedo ou apresentou colesterol alto precocemente eu diria, antes dos 5 5 anos, mais ou menos , ento para ficar alerta. Os genes, no caso, podem ter um papel muito importante. Ainda assim, preste ateno, isso no desculpa para deixar de olhar para o prato nem para abandonar a atividade fsica, achando que bons hbitos no ajudaro quem j tem uma tendncia gentica a encrencas. Isso no verdade. A experincia mostra que a maioria dos indivduos com colesterol alto rene genes alterados e hbitos pouco adequados. Ou seja, mais raro a culpa estar apenas em um extremo o dos genes ou s em outro o do estilo de vida. Para contra-atacar a parte

que cabe gentica, muitas vezes preciso lanar mo de remdios. Mas eles no substituem a necessidade de buscar mudanas positivas na rotina, como as que eu ensinarei adiante.Relaes delicadas

No se pode esquecer, ainda, de outros fatores capazes de alterar as taxas de LDL-colesterol. O hi potireoidismo um deles por trs de quase um tero das mulheres que ficam com o colesterol alto depois da menopausa est uma tireide cujo funcionamento deixa a desejar. Os hormnios secretados por essa glndula, fique sabendo, estimulam os receptores do fgado que captam a LDL no sangue. Ento, se esto em baixa, esse transportador de colesterol continua circulando. Mas, a, basta tratar a disfuno e restabelecer os nveis hormonais para as taxas de colesterol voltarem ao normal. Outra possvel causa da elevao de gordura no sangue a doena de Cushing, que provoca o excesso de produo de Cortisol pelas glndulas supra-renais, um fenmeno nada bom para as artrias. Quando esse hormnio est em alta, ele afeta o fgado, fazendo-o fabricar muito mais colesterol do que o necessrio. Pela mesma razo, quem precisa se medicar com cor tisona cronicamente, como certos pacientes de artrite, assim como quem passou por um transplante ou tem asma, deve realizar exames peridicos para ver como andam as gorduras de seu sangue. Todos esses, afinal, so quadros que interferem no Cortisol e, conseqentemente, na produo de colesterol. Nesse sentido, alm da cortisona, outros remdios so uma

O que faz as taxas subirem

m influncia: os diurticos em doses altas (ou seja, em doses de 50 a 100 miligramas por dia, que, felizmente, so bem maiores do que os mdicos prescrevem hoje em dia); os betabloqueadores usados em pacientes cardacos ou hipertensos porque so capazes de reduzir a HDL; a isotretinona, bastante popular no combate acne; sem contar medicamentos do coquetel anti-HIV, para tratar a AIDS. O mdico, enfim, nunca pode deixar de levar tudo isso em considerao.

Dobradinha perigosaOito em cada dez diabticos morrem por alguma doena cardiovascular, como derrame e infarto. Ou sofrem de insuficincia grave na circulao sangnea, com grande risco de trombose e at amputao. A gota d'gua pode ser o colesterol. Nos diabticos, em geral h o excesso de outra gordura, os triglicrides. Em nveis elevados, ela nocauteia a HDL, a transportadora de colesterol que protetora das artrias. Se, para completar, o diabtico tiver LDL alta, a transportadora ruim, a ateno deve ser duplicada ou at mesmo triplicada. Sem exagero. Em um estudo realizado em 1994, um pesquisador japons comparou as taxas de morte por doenas coronrias em dois grupos de diabticos: o primeiro pertencia a uma universidade no Japo e os outros eram pacientes de uma famosa clnica de tratamento de diabete de Boston, nos Estados Unidos, a Joslin Clinic. Assim, ele constatou 18 mortes entre os asiticos contra 54 entre os americanos em cada mil casos. A diferena estava no colesterol.

Para recapitular e entender melhor tudo o que expliquei neste captulo, veja o infogrfico a seguir.

AS RAZES DO EXCESSO DE COLESTEROLVeja o que faz as taxas da gordura subirem

O fgado quem controla a produo de colesterol e quanto dessa gordura circula no sangue. Quando precisa da substncia, ele ativa os receptores de LDL, que, ento, captaro essas partculas da circulao. O que estiver sobrando ser eliminado pela bile

LDL

receptor

LDL clula do fgado colesterol absorvido

bile

I

LDL na circulao

colesterol na circulao

No entanto, pode acontecer o seguinte: 1. PROBLEMAS NOS RECEPTORES Falhas genticas podem levar a defeitos nos receptores ou, em casos mais graves, ausncia deles. Sem sada, a LDL fica vagando pela circulao. Com o tempo, acumula-se nas artrias, podendo formar placas

colesterol do sangue

2. MUITA GORDURA NA DIETA Em mdia, 30% do colesterol que possumos entra no corpo pela boca. O excesso de gordura dos alimentos faz o fgado ficar cheio e, portanto, fechar suas comportas para o colesterol do sangue

gordura no fgado

3. INTESTINO ABSORVE DEMAIScolesterol reabsorvido

Tambm por motivos genticos, o intestino de algumas pessoas atrai com mais eficincia o colesterol que deveramos jogar fora por meio da bile

clula do intestino

Aterosclerose, uma pandemia

Entre os dez maiores fatores de risco de morte - te levantados pela Organizao Mundial de Sade, pelo menos cinco esto ligados aterosclerose, ou seja, s placas nos vasos sangneos desencadeadas pelo colesterol. Nos Estados Unidos, sabe-se que essa doena e os problemas derivados dela matam nada menos do que metade dos homens e um tero das mulheres de mais de 50 anos de idade. Com a globalizao e, conseqentemente, a ocidentalizao dos hbitos de todos os continentes, no h pas que escape dessa praga: na China, na ndia e at mesmo na regio subsaariana, a gente observa uma escalada da mortalidade por males cardiovasculares. de esperar, portanto, que pesquisadores do mundo inteiro estejam e no de agora numa corrida desenfreada para compreender todos os de-

talhes envolvendo a aterosclerose e colocar um basta nessa matana. Para ter uma idia da importncia desse tema na comunidade cientfica, os dois americanos que descobriram os receptores da LDL do fgado, Michael Brown e Joseph Goldstein, foram laureados com o Prmio Nobel de medicina em 1985. Graas aos esforos dessa premiada dupla e de muitos outros estudiosos, j se conhece bastante sobre a origem das placas que entopem os vasos. O angu todo comea com alguma minscula ferida no endotlio, o revestimento interno das artrias, que responsvel por funes essenciais, como o controle da vasodilatao e da coagulao do sangue. Por ser extremamente sensvel, qualquer perturbao como o contato com substncias do cigarro, uma breve alterao de presso, a subida dos nveis de glicose ou at certas reaes provocadas pelo estado de estresse pode lhe provocar uma pequena leso. E, por menor que ela seja, est aberta a brecha para a inimiga, a LDL, que para o nosso azar vai parar bem ali. Se um nfimo machucado o gatilho para a formao da placa de gordura, os processos de inflamao e oxidao deflagrados em seguida so a plvora. A inflamao a resposta do organismo quela agresso. As clulas de defesa mais especificamente os macrfagos percebem imediatamente que h algo de errado naquele ponto do endotlio e correm para acudir. Ao mesmo tempo, acontece a oxidao, produzida pelos chamados radicais livres, molculas que, por possurem um nmero mpar de eltrons, so extremamente instveis e reagem com qualquer coisa que encontram pela frente.

Aterosclerose, uma pandemia

Em princpio, esses radicais seriam uma poderosa arma de defesa para atacar bactrias e vrus. S que, em excesso, devido inclusive aos mesmos fatores que desencadearam a ferida no vaso, podem atacar as molculas do prprio corpo. E, no caso, a LDL uma espcie de presa fcil. Ao reagir com o radical livre, a LDL muda de composio uma metamorfose que chama a ateno dos macrfagos a postos no canto lesio nado da artria. E o acmulo de clulas de defesa e LDL oxidada forma a primeira fileira de tijolos na construo da placa. Alguns estudiosos defendem a idia de que, sem a oxidao, a LDL no iria parar no lugar errado, isto , no machucado na parede do vaso. Por isso, a nfase que se d ao consumo regular de alimentos ricos em antioxidantes, como o azeite de oliva e os flavonides, presentes no vinho tinto. Seus componentes neutralizariam os radicais livres, cortando o mal pela raiz. Mas a gente precisa lembrar que, mesmo com a presena do radical livre e da LDL, esse ainda no um beco sem sada. A presena da HDL pode ser a grande salvao. Se essa partcula passar por ali, nos arredores de todo o enrosco no endotlio, ela capaz de entrar na brecha, arrancar grande parte do vezes a HDL age at mesmo antes porque possui uma ao antiinflamatria que no deixa os macrfagos se amontoarem na regio lesionada. De quebra, como tambm antioxidante, blinda os vasos e a LDL contra os radicais livres. Mas claro: se a LDL estiver alta demais, a HDL no dar conta do recado.

colesterol

Conforme voc pode ver no infogrfico da pgina 54, se a LDL est nas alturas, mais e mais tijolos vo se apinhando, formando uma grossa camada que, aos poucos, aumenta a espessura da artria. Um mecanismo de proteo at consegue preservar a abertura interna do vaso para a circulao continuar numa boa. Mas isso no dura para sempre. Sem contar que, com o tempo, essa placa pode se arrebentar, esparramando seu contedo no sangue e, no instante em que isso ocorre, aparece um cogulo que ns, mdicos, chamamos de trombo. Ele pode ser comparado a uma rolha que, se for grande, obstruir completamente o caminho. No corao, isso tem nome: infarto do miocrdio. Mesmo quando o cogulo pequeno, surgem problemas. At porque o organismo enviar para o local clcio e colgeno. Aquele ponto da artria ficar, ento, completamente endurecido, provocando perturbaes como a angina, uma dor que surge especialmente quando a pessoa faz algum esforo fsico ou seja, quando seu corao precisa bombear mais sangue para obter o suprimento de oxignio necessrio. Como aquele trecho est mais estreito, o incmodo aparece. Em muitos casos, logo depois da angina, a placa se rompe de vez e o indivduo infarta.

Um sinal de alerta no sangueAterosclerose e inflamao so dois parceiros inseparveis. Mas, afinal, o que a inflamao? Em princpio, nada mais do que um mecanismo de defesa do organismo acionado quando h algum ataque de um vrus, de uma bactria, uma pancada... Ao detectarem qualquer problema, as clulas do sistema imunolgico,52

Aterosclerose, uma pandemia

reunidas em um verdadeiro exrcito, correm para o local para resolver a questo o mais rpido possvel. E, na afobao, mandam um alerta para o fgado produzir uma protena, batizada de C-reativa (PCR), que potencializa a inflamao, servindo para aumentar seu poder de fogo em situaes de emergncia. Agora, suponha que o corpo esteja sendo atacado constantemente por cigarro, alimentos ricos em gordura, hipertenso, obesidade e todos os outros agressores de que temos falado neste livro. Isso far com que a produo de PCR se torne ininterrupta, mesmo que no haja nenhum problema agudo ou repentino como um vrus que chegou de uma hora para outra. J est provado que, quanto mais protena C-reativa houver na corrente sangnea, maiores os riscos de males cardiovasculares. Por isso, suas dosagens podem ser uma ferramenta a mais para descobrir uma aterosclerose em fase bem inicial. Acredito que esse exame especialmente indicado quando me deparo com um paciente de risco mdio, ou seja, com 10 a 20% de chance de sofrer um infarto ou at mesmo morrer nos prximos dez anos, de acordo com o escore de Framingham (um teste que voc poder se aplicar mais adiante). Se esse indivduo tiver uma taxa de C-reativa acima do recomendvel, eu optarei por um tratamento mais agressivo. Atualmente, a medicina acredita que o nvel ideal de C-reativa deve ser abaixo de 1 miligrama por litro. Se ela ultrapassar os 3 miligramas por litro, bom ficar muito atento. Ainda se discute se vlido tentar reduzir a quantidade de PCR no organismo por meio de medicamentos. Um recente estudo (o JUPITER Trial) mostra que, mesmo com a LDL dentro da normalidade, se uma pessoa tiver muito da tal protena no sangue, ela poderia se beneficiar bastante do uso de remdios como as estatinas. No entanto, as pesquisas ainda esto em andamento e preciso mais tempo para tirar concluses definitivas. Por enquanto, a gente no trata as altas concentraes de PCR, apenas usa essa substncia como mais um indicador de risco.

53

radicais livres artria

A CONSTRUO DE UMA PLACA Ela pode levar dcadas at entupir uma artria e provocar problemas que podem ser fataismoncito

endotlio inflamado

macrfago

corao macrfago

PDL atrada

LDL oxidada

clula espumosa partculas de outras clulas

placa formada

D Cigarro, presso E l Os macrfagos alta, estresse, insulina reconhecem em excesso so a LDL oxidada exemplos de fatores como um capazes de irritar estranho, a camada mais sugando-a interna dos vasos, o para baixo endotlio, causando do endotlio. minsculas fissuras. Assim, ele vai Esses mesmos se acumulando fatores tambm ali e, pouco a geram radicais pouco, mata livres, que oxidam a o macrfago, parede das artrias que vira o que e o que mais estiver os mdicos passando por ali, chamam de inclusive a LDL clula espumosa E l A leso D O macrfago imediatamente tambm atrai um detectada pelos monte de outras moncitos clulas clulas, que vo de defesa que se juntando como acodem ao local. detritos: clulas Chegando l, elas musculares, se transformam plaquetas, glbulos em macrfagos, vermelhos... responsveis por Com o tempo, o engolir qualquer congestionamento elemento estranho se consolida e cresce, formando ao organismo a placa de gordura com uma capa fibrosa

HA PLACAS E PLACAS.trombo sangue obstrudo

placa rompida

A MOLE... E a mais suscetvel a se romper. Quando isso ocorre, o contato com o sangue gera um cogulo, o trombo, que acaba obstruindo a circulao e causando o infartocogulo calcificado passagem difcil

...E A CALCIFICADA Em algumas situaes, os trombos so pequenos e no chegam a entupir a artria. O prprio organismo, ento, trata de det-los com depsitos de clcio e colgeno. Essa placa dificulta a passagem do sangue, causando dores de esforo fsico. a angina. A placa dura eventualmente tambm arrebenta e provoca o infarto

Derrube o colesterol!

Ningum est imune

Levante a mo quem nunca passou por um momento bem estressante ou exagerou em um prato gorduroso em uma ocasio ou outra. Acredite no que j lhe contei: pequenos deslizes do dia-a-dia so capazes de provocar as tais minsculas leses nos vasos, que, na presena do colesterol alto, podem ter um efeito de bola-de-neve. E, como a vida de qualquer um de ns cheia de pequenos deslizes, fica fcil deduzir que ningum tem um endotlio ileso. Escarafunchando bem, vamos ver que todo mundo sofre de aterosclerose em maior ou menor grau. Quer uma prova disso? Certa vez, fizeram um estudo examinando por meio de ultra-som os vasos sangneos de quem tinha morrido por causas diversas. Os cientistas encontraram placas de gorduras em 17% das crianas e dos jovens de 3 a 19 anos de idade. Dos 20 aos 29 anos, 37% j tinham aterosclerose. A incidncia subiu para 60% na faixa dos 30 aos 39 anos e para 85% acima dos 50 anos de idade. Alis, esse trabalho apon ta para outro aspecto importante: o problema comea cedo e vai piorando, piorando... A maioria s percebe quando desencadeia sintomas. Ou seja, quando j tarde. por isso que eu defendo que preciso conhecer o estado das artrias. Calculando os riscos de cada paciente, o mdico pode lanar mo de exames de imagem, como ultra-sonografia, medicina nuclear e tomo grafia computadorizada, que detectam precocemente a presena de placas silenciosas. At mesmo o teste ergomtrico pode dar indcios de um entupimento das artrias. A preveno deve comear na juventude.

56

Aterosclerose, uma pandemia

Do corao para o crebroInfarto e derrame tm muito mais em comum do que se pode imaginar. Hoje j se sabe que o corao no o nico que sofre com as placas gordurosas que tapam os vasos. Se por algum motivo aquele cogulo, o trombo, alcanar a cabea, ele provocar um derrame ou, como ns, mdicos, chamamos, um acidente vascular cerebral (AVC) do tipo isqumico, que responde por cerca de 80% dos casos. Mais do que terem a mesma causa a aterosclerose , h um perigoso caminho de mo dupla. Quem j sofreu um infarto tem de trs a quatro vezes mais chances de ter um AVC, e quem j passou por um AVC tem de duas a trs vezes mais riscos de sofrer um ataque do corao. Explica-se: num infarto, parte do msculo cardaco morre e deixa de se contrair. Esse pedao inerte campo frtil para o acmulo de trombos, que podem se soltar e se alojar no crebro. Outro caminho que leva ao entupimento de vasos no tecido cerebral a aorta. Quando parte dela est comprometida por barreiras gordurosas, pequenos pedaos de placa esto sujeitos a se mover at as artrias que alimentam a massa cinzenta. O peso do colesterol nos derrames ainda no foi totalmente avaliado. Diferentemente do que acontece no infarto, o principal culpado no caso dos AVCs no a gordura, mas a hipertenso. Porm as pesquisas com estatinas no deixaram dvida de que baixar a LDL tambm ajuda: para cada 40 miligramas por decilitro a menos desse colesterol ruim na corrente sangnea, diminui-se em 17% as chances de um AVC isqumico. uma reduo e tanto.

57

Os quilos a mais, o sexo, a idade... bom eu frisar novamente: quem v cara no I v colesterol. Um sujeito gorducho pode, sim, ter taxas dessa gordura no sangue menores que um magricelo. Como contei no captulo 5, as razes que levam algum a lidar com o colesterol bem ou mal tm muito a ver com seus genes, que determinam a capacidade de produo e de captao da LDL pelo fgado e sua absoro, maior ou menor, no intestino. Ser que a alimentao desequilibrada no conta? Claro que sim! Se algum obeso porque come demais, ele provavelmente ingere o que deve e o que no deve. A barriga cresce e o colesterol tambm. Mas, do ponto de vista prtico, tal aumento no costuma ser significativo. A influncia do excesso de peso sobre o valor do LDL-colesterol em si pequena. O que mais se acumula, em quem rechonchudo, so os triglic rides, outro tipo de gordura que acaba mexendo indiretamente na taxa do colesterol bom, a HDL. Mas essa outra histria, que deixarei para daqui a pouco...

59

Para o comeo de conversa, um indivduo magro tambm pode ficar com a LDL elevada graas a hbitos alimentares errados. H gente que come de tudo e no ganha peso. Um pacote de salgadinho com "x" calorias pode engordar tanto quanto uma bela poro de arroz e feijo de valor calrico igual. Ento, para a balana no faz diferena escolher um ou outro. Mas para as artrias faz e muita! Especialmente se os genes contriburem para transformar esses salgadinhos em colesterol na corrente sangnea. Em relao a males cardiovasculares, a desvantagem do indivduo obeso outra. Mesmo que tenha uma LDL baixa o que perfeitamente possvel , ele tende a reunir outros fatores de risco aos quilos a mais. Eu me refiro presso alta, resistncia insulina e aos tais triglicrides em demasia tudo isso, junto, aumenta de duas a trs vezes o risco de doenas do corao. Pior ainda quando o gorducho exibe aquela barriga de chope, sinal de que pode andar com a HDL em baixa. Assim, embora o colesterol possa estar sob controle, se voc est acima do peso, recomendo a ateno redobrada sade de suas artrias.A questo das mulheres

Outro mito de que o colesterol alto coisa de homem. Quem dera! As doenas cardiovasculares atacam uma em cada trs mulheres acima dos 60 anos de idade. No caso delas eis a diferena , o mal costuma se manifestar cerca de dez anos depois de dar as caras neles. O motivo simples: elas tm quantidades infinitamente menores de testosterona. Esse hormnio masculino estimula uma enzima que degrada a

Os quilos a mais, o sexo, a idade...

HDL. Sem tanta testosterona, as mulheres tendem a apresentar nveis de 10 a 15% maiores de HDL em relao aos homens uma belssima proteo extra. Para aumentar a vantagem do time feminino, seu hormnio, o estrgeno, ativa os receptores da LDL no fgado, diminuindo a quantidade dessa partcula malfica na circulao. Pena que essa mamata s dure at a menopausa, quando as taxas dos hormnios femininos caem. A a LDL no retirada de circulao com tanta eficincia e, para completar, se a mulher engorda muito nessa fase, especialmente na regio abdominal, a HDL despenca de uma hora para outra, aumentando bea as chances de problemas srios. Infelizmente, a reposio hormonal no de grande ajuda para barrar a escalada da aterosclerose na menopausa. De acordo com estudos, essa terapia poderia causar leses nos vasos sangneos, sobretudo nas pacientes com mais de 60 anos. Mulheres fumantes ou diabticas devem ser ainda mais cautelosas em relao a esse tratamento. Alis, seja em homens, seja em mulheres, as taxas de LDL tendem a subir gradativamente quando se ultrapassam os 60 anos. A partir dessa faixa de idade, comeam a diminuir os receptores da LDL no fgado. Isso menos problemtico para quem passou esses anos todos com o colesterol baixo. Ora, como a placa de gordura demora dcadas at provocar um estrago, ficar com a LDL alta s a partir dessa idade uma ameaa menor. O perigo se o indivduo j passou a juventude com o colesterol l em cima. Ou quando h um problema coronrio. A preciso tratar e, no caso, com remdios.

Istotambm coisa de criana

O

colesterol alto um problema que pode comear cedo. Ou melhor, cedssimo. At mesmo antes do nascimento, para ser exato. Ali, no aconchego do tero, o feto fica merc do colesterol que circula no sangue da me. Se ela tiver LDL em excesso, pequenas estrias de gordura iro se formar na aorta do filho. Foi o que mostraram exames de imagem realizados em 156 crianas pelo pesquisador italiano Claudio Napoli, em um estudo publicado em 1999 na revista cientfica The Lancei. Outra pesquisa, feita com mais de 11 mil jovens de Bogalusa, uma cidadezinha no sul dos Estados Unidos, no deixou dvida de que a aterosclerose se inicia na infncia. Dois em cada dez meninos que j tinham colesterol alto apresentavam placas. As meninas pareceram um pouco mais protegidas, provavelmente graas aos fatores hormonais que citei, mas certamente seriam candidatas aterosclerose caso passassem a fumar ou tivessem uma baixa da HDL63

Se esses primeiros estragos iro, anos mais tarde, evoluir at obstrurem a passagem do sangue, isso depender de outros fatores. O beb que nasceu com um leve acmulo de gordura na aorta por causa da LDL materna, por exemplo, provavelmente no ter problemas se, desde a mais tenra infncia, se acostumar a encher o prato de vegetais e outros alimentos saudveis, alm de gastar toda a sua energia correndo, pulando, enfim, agitando o corpo, em vez de larg-lo em um sof. Nas crianas, um grande inimigo o sedentarismo e outro, maior ainda, a dieta inadequada. Batata frita, hambrguer, biscoito recheado e salgadinhos, aliados a altas doses de TV e videogame, so a receita para engordurar os vasos sangneos da meninada. O mecanismo de entupimento das artrias ser desencadeado principalmente pela carga pesada de triglicrides, a gordura que afeta a HDL. Distrbios genticos se manifestam mais raramente na infncia embora, quando ocorram, possam vir tona at mesmo em bebs muito pequenos. Por vezes, eles levam a um erro no metabolismo dos triglicrides, que chegam a taxas to elevadas a ponto de entupirem o pncreas, gerando uma inflamao grave. Em outras situaes, h vrios membros da famlia com problemas lipdicos diferentes um parente tem colesterol alto, outro tem triglicrides em demasia e outro ainda pode ter HDL baixa. o que os mdicos chamam de hiperlipidemia familiar combinada. A criana que nasce em uma famlia dessas, caso engorde demais, desenvolver encrencas nas artrias depressa. E provavelmente ter um infarto antes mesmo de completar os 40 anos.

Isto tambm e coisa de criana

O aumento do nmero de jovens com males cardiovasculares, alis, levou a Sociedade Brasileira de Cardiologia a recomendar a triagem dos nveis de colesterol a partir dos 10 anos. Mas, para as crianas com histrico familiar de colesterol e triglicrides ou seja, parentes de primeiro grau homens que manifestaram doenas cardacas antes dos 55 anos e mulheres que enfrentaram problemas do gnero antes dos 65 , as taxas dessa gordura devem ser avaliadas aos 2 anos de idade. E, caso se detecte que aquele menino ou menina est com LDL acima de 130 miligramas por decilitro de sangue, o primeiro passo ser uma mudana radical nos hbitos alimentares e muita atividade fsica. Apenas em situaes extremas, o mdico receitar medicamentos nessa faixa de idade entenda-se uma LDL acima de 190 miligramas por decilitro. E o remdio a estatina. Ela pode ser indicada aos garotos com mais de 8 anos sem o risco de comprometer o crescimento. J as meninas devem esperar a primeira menstruao antes de serem medicadas porque ainda no h trabalhos assegurando que essa droga no afete o amadurecimento dos rgos reprodutivos na adolescncia. Em todo caso, o arsenal mdico conta com outras armas, que podem ser aplicadas at mesmo antes disso como a colestiramina, que reduz a absoro do colesterol no intestino. A questo que seus efeitos colaterais so bem desagradveis, incluindo constipao e vmitos. Mais um motivo para, primeiro, apostar na dieta saudvel e nos exerccios.

na

Os nveis ideais

eterminar qual o valor saudvel de colesterol para cada pessoa bem mais complicado do que parece. Na dcada de 1940, 95% da populao americana tinha um colesterol total abaixo de 280 miligramas por decilitro de sangue e, naquela poca, apenas os 5% com taxas acima desse valor eram considerados casos preocupantes. Contudo, a maioria dos infartos ocorria em pessoas com valores entre 200 e 250, sendo que existiam at casos de gente infartada com menos de 200. Com o que conhecemos hoje e tambm da maneira como vivemos agora , esse seria um grau de tolerncia inadmissvel. O fato que apenas em 1986, com a publicao de um grande estudo epidemiolgico, a comunidade cientfica reconsiderou o limite dessa gordura na corrente sangnea ou seja, passou a ques-

D

67

tionar qual seria o valor mximo de colesterol para minimizar os riscos de problemas cardiovasculares. Conhecida como MRFIT (numa livre traduo do ingls, algo como "senhor saudvel"), a pesquisa analisou 356 mil homens e revelou que, quando o colesterol total ultrapassava os 180 miligramas por decilitro de sangue, as chances de morte por doenas coronrias davam um salto exponencial. Daqueles tempos aos dias atuais, com o aparecimento das estatinas e a realizao de muitos outros estudos, a recomendao da quantidade de LDL foi caindo, caindo... Atualmente, a gente acredita no seguinte: para quem j carrega um corao comprometido, essa lipoprotena deveria fica abaixo de 70 miligramas por decilitro de sangue. E j vou logo avisando que, dependendo do resultado de pesquisas em andamento, pode surgir uma nova diretriz, fazendo esse valor ideal despencar de vez. Uma coisa certa: o que seria um valor timo para determinado indivduo pode no ser necessariamente um valor de colesterol excelente para outro. A fronteira a partir da qual a LDL passa a ser uma ameaa mvel. Pode ir mais para c ou mais para l, conforme uma srie de variveis idade, histrico familiar, tabagismo, presso, diabete, sedentarismo e dieta. Mas, se dependesse de mim, todo mundo isso mesmo, todo mundo, sem exceo teria taxas de LDL abaixo de 100 miligramas por decilitro de sangue. Seria o cenrio ideal to ideal que, na prtica, no d para imaginar que vire realidade. Ok, ele em tese seria at possvel se ns receitssemos estatina para qualquer pessoa, sem o menor critrio o que tam-

Os Nveis ideais

bm no seria bom. A prescrio a torto e a direito de estatina, alm de invivel, ofereceria vantagens enormes para o corao de uns, mas no faria a menor diferena para o de outros. E, para acertar na mosca, indicando a medicao s para aqueles em que ela valeria a pena, a gente precisaria fazer uma relao custo/benefcio conhecendo perfeitamente o risco de cada paciente morrer de infarto ou ter um AVC. O fato que, quanto maior a ameaa de o corao padecer, mais curtas devem ser as rdeas sobre a LDL. J se essa probabilidade pequena, a tolerncia com os nveis de colesterol pode ser maior. Veja o exemplo: um homem de 40 anos que pratica exerccios, no fuma, apresenta a presso normal, no diabtico e no tem nenhum parente com doena cardiovascular pode viver tranqilamente com at 130 miligramas de LDL por decilitro de sangue. No entanto, se a me desse mesmo sujeito sofrer um infarto antes dos 65 anos, o limite de LDL dele cair para 100 miligramas por decilitro. Se, alm disso, ao longo da vida, ele se tornar diabtico, j entrar no grupo de alto risco e, portanto, ter que manter a LDL sempre abaixo de 100 ou, ao meu ver, abaixo de 70 miligramas por decilitro de sangue. Uma maneira mais objetiva de estabelecer em que faixa de risco se encaixa cada pessoa aplicar a escala de Framingham, que est no captulo 14 voc logo chegar l. Trata-se de um sistema de pontos simples, capaz de mostrar se voc est no grupo de alto risco (mais de 20% de chances de sofrer um infarto ou morrer do corao nos prximos dez anos), se pertence ao grupo de risco mdio (que

tem entre 10 e 20% de probabilidade de infartar) ou se faz parte dos Sortudos, com risco baixo (menor de 10%). Na tabela da pgina 72, eu indico o valor de LDL ideal em cada uma dessas situaes.O fator atenuante

No entanto, repare bem que eu mencionei apenas o valor da LDL. Afinal, se ela uma das principais culpadas pelos males vasculares, nela que voc precisa concentrar sua ateno. No adianta se impressionar com o resultado do colesterol total porque seu valor inclui o HDL-colesterol e, se ele for alto, ser tanto melhor, sendo at mesmo capaz de compensar uma LDL ligeiramente acima do desejvel. Outro jeito de saber como voc anda o seguinte: divida o valor da LDL pelo da HDL. Se o resultado for menor do que 3,5, relaxe. No h motivo de preocupao. Se ele ficar entre 3,5 e 5, o caldo comea a engrossar. Acima de 5, corra atrs do prejuzo e um caminho seguir, o quanto antes, algumas lies que esto neste livro. Esse clculo de frao LDL sobre HDL particularmente til no caso dos idosos. Como eu j disse, se chega um senhor ou uma senhora de mais de 70 anos no meu consultrio com a LDL alta, o quadro pode no ser to grave lembrando que a gordura demoraria dcadas para entupir suas artrias. Mas para eu ter a segurana de no indicar remdios, preciso olhar com cuidado para o nvel da HDL. Se ele estiver abaixo de 42 miligramas por decilitro ou se a relao LDL/HDL for maior que 3,5, o benefcio de uma estatina pode ser considervel.

Os nveis ideais

H, ainda, outra protena transportadora na jogada, a VLDL, ou lipoprotena de densidade muito baixa. Mas, infelizmente, no existe uma padronizao de valores para ela. Por isso, o que a gente costuma medir a quantidade de triglicrides justamente as molculas de gordura carregadas pelo VLDL. O certo que estejam abaixo de 150 miligramas por decilitro de sangue. Triglicrides acima desse valor acendem o sinal vermelho porque essa substncia tambm d a sua contribuio para as placas de gordura nos vasos, fazendo despencar o nmero de partculas de HDL, alm de aumentar a oxidao da LDL, a inflamao no interior dos vasos e o risco de trombose.No fique na corda bamba

Depois de lhe apresentar essa sopa de letras e nmeros, vale um aviso: em se tratando de colesterol, viver no limite pode ser fatal. Para mim, na prtica no h muita distino entre um paciente com 17% de risco de morrer por doenas cardiovasculares e outro cuja probabilidade de sofrer desses males alcana os 21%. O nmero absoluto determina que os dois pacientes pertencem a grupos de risco diferentes, sendo que um deles seria limtrofe e outro teria colesterol alto para valer. Mas, c entre ns, quando a meta viver mais e melhor, no d para se acomodar com uma diferena de risco to pequena. Prefiro tratar um paciente na fronteira entre o risco mdio e o alto, pecando pelo excesso. E voc deveria pensar o mesmo se fizer parte do time dos que tm colesterol limtrofe de acordo com os exames laboratoriais.

QUAL O LIMITE? Veja as recomendaes dos mdicos para os nveis de gordura no sangue. As dosagens so feitas em miligramas por decilitro (mg/dl)

ALTO acima de 160 TOLERVEL 130 a 159 mg/dl 130 DESEJVEL 100 a 129 mg/dl 100 i DESEJVEL menor que 130 mg/dl ALTO acima de 130 mg/dl

70

LDL Lipoprotena de baixa densidade o colesterol ruim, que se gruda na parede dos vasos, provocando sua obstruo. A taxa ideal depende do risco de cada paciente. Para calcular o seu, v para a pgina 112

BAIXO RISCO Neste grupo esto as pessoas que tm menos de 10% de chances de morrer por doenas do corao e outros males vasculares nos prximos dez anos

RISCO MDIO Entre 10 e 20% de probabilidade de morrer por problemas cardiovasculares na prxima dcada

ALTA acima de 130 mg/dl

ALTO acima de 100 mg/dl. . . .

LALTO acima de 70 mg/dl DESEJVEL menor que 70 mg/dl PORTADORES DE DOENAS ATEROSCLERTICAS Aqui esto as referncias para quem j teve um infarto ou um derrame, j passou por uma cirurgia de ponte de safena ou por uma angioplastia, tem angina, obstruo da aorta ou at mesmo de artrias perifricas

IMTROFE 101 a 129 mg/dl

DESEJVEL menor que 100 mg/dl

DESEJVEL abaixo de 100 mg/dl

ALTO RISCO So os diabticos e todos os indivduos com um risco maior de 20% de sofrer de males cardiovasculares fatais em dez anos

CRIANAS De 2 a 17 anos

HOMENS Lipoprotena de baixa densidade Conhecida como colesterol bom, ela ajuda a varrer a gordura que ameaa se depositar em veias e artrias. Quanto mais dessa partcula circular pelo sangue, melhor. O valor saudvel seria, no mnimo, de 40 miligramas por decilitro. Melhor ainda usar a referncia a seguirQUEM ESTA NESTA FAIXA TEM UM SISTEMA CARDIOVASCULAR PROTEGIDO PELA HDL. QUEM TEM HDL DESEJVEL EST OK. ISTO. ATENO, RUIM.

MULHERES

ALTA Acima de 60 mg/dl

ALTA Acima de 60 mg/dl

DESEJVEL mais de 40 mg/dl

DESEJVEL mais de 50 mg/dl ** BAIXO abaixo de 50 mg/dl

***

BAIXO At 40 mg/dl

***

TRIGLICRIDES Esse tipo de gordura carregada pela VLDL, a lipoprotena de densidade muito baixa. Em altas quantidades, os triglicrides reduzem o colesterol bom e tambm so nocivos para as artrias

MUITO ALTA acima de 500 mg/dl 500 ALTA acima de 150 mg/dl 150 DESEJVEL abaixo de 150 mg/dl

Triglicrides, os comparsas

ode ser um belo fio de azeite extravirgem derramado sobre a salada de folhas, um prato de macarro coberto de molho branco ou um pacote de salgadinho com sabor artificial de bacon no importa se o alimento tem fama de mais saudvel ou de menos saudvel, se ele tiver gordura, fatalmente ter triglicrides. Afinal, esses tais triglicrides so a embalagem mais eficaz que a natureza encontrou para agrupar uma boa quantidade de cidos graxos que seriam a menor unidade de gordura existente. Eles conseguem reunir trs dessas unidades mnimas da o "tri" do nome , ligadas a uma molcula de um lcool, o glicerol. Basta 1 grama dessas molculas para o organismo obter depressa nada menos do que 9 calorias, mais do que o dobro do que conseguiria com a mesma quantidade de acar, ou

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glicose. Portanto, os triglicrides, com seus cidos, so uma fonte de energia e tanto. S que, gulosos e cheios de preguia, ns costumamos estoc-los mais do que estamos dispostos a gastar. Da o excedente se aloja na regio abdominal, desencadeando problemas que vo muito alm de questes estticas. A barriga proeminente age de duas maneiras. Em primeiro lugar, fica soltando na circulao o tempo inteiro cidos graxos as pequeninas unidades de gordura. E, para completar, a cintura larga aumenta a resistncia insulina, um hormnio fundamental porque, entre outras coisas, ordena a queima dos tais cidos graxos. Um parnteses: justamente pela falta de insulina ou por resistirem ao desta que os diabticos mais descuidados tm nveis elevadssimos de triglicrides. Mas, voltando aos cidos graxos, em geral eles passeiam pelo sangue at alcanarem o fgado. Este se v na obrigao de empacot-los novamente nas tais molculas de triglicrides. S que, se houver cido graxo em excesso, um tanto dele ir se acomodar ali mesmo, ao redor do rgo, levando a uma doena chamada esteatose, capaz de atrapalhar o funcionamento heptico e provocar desconforto na regio. Para se livrar dessa carga extra, o fgado tambm fabrica a VLDL ou seja, a lipoprotena de densidade muito baixa, cuja tarefa carregar os triglicrides de volta para os tecidos, longe dali. Tudo, porm, se complica quando aparece outro personagem na circulao sangnea, uma substncia chamada de CETP, ou protena de transferncia de ster de colesterol. Como voc pode ver no infogrfico da pgina 82, essa protena provoca

Triglicrides, os comparsas

uma troca de bagagens entre os transportadores de gorduras: o colesterol, que estava sendo carregado pela HDL, passa para a VLDL, e essa lhe entrega o triglicrides que levava em sua caamba. Em outras palavras, a CETP retira o colesterol do lugar seguro e o coloca em um veculo sem segurana alguma, de onde pode ser derrubado na parede de um vaso. Enquanto isso, a HDL volta ao fgado lotada de triglicrides. Ao chegar l com a mercadoria, pode ser destruda, perdendo inclusive sua principal aliada outra protena conhecida como Apo A-I, que, como j se sabe, a chave de toda a sua eficincia. Da a relao: triglicrides demais, HDL de menos. Alis, os triglicrides em alta esto entre os trs grandes destruidores da HDL (os outros dois so cigarro e obesidade). E tem mais: os triglicrides possuem uma ao oxidante e inflamatria, lesionando a parede interna dos vasos sangneos, predispondo ainda mais o organismo aterosclerose. Basta ver uma experincia que mostra o que acontece bem no endotlio, a parede interna desses vasos. Quando algum come um po com manteiga, ele se contrai e tende at mesmo a se fechar. J quando algum toma uma taa de vinho, ao mesmo tempo, ns no notamos nenhuma reao ruim. O pior que algumas pessoas podem ter suas artrias atacadas pelas trs circunstncias ao mesmo tempo: pouca HDL, muita LDL e muito triglicrides. Esse quadro, mista, aumenta exponencialmente as chances de conseqncias graves para a sade.

Outro problema parecido a hiperlipidemia familiar combinada, uma doena gentica em que diversas pessoas da mesma famlia possuem defeitos lipdicos diferentes entre si. Um exemplo: o pai tem apenas o colesterol alto, o filho apresenta triglicri des elevados e o tio pode ter os dois tipos de gordura em demasia. Normalmente, quem nasce em uma famlia dessas ir apresentar sinais parecidos com os da sndrome metablica, s que precocemente. Os sintomas pioram muito se essa pessoa engordar e, nesses casos, o risco de aterosclerose, hipertenso e diabete vai para as alturas. Por isso, quem tem triglicrides muito alto deve se preocupar em avaliar tambm a situao dos seus parentes.Plulas contra os triglicrides

Se h algo capaz de reduzir a taxa de triglicrides a mudana de hbitos, com ajustes na ali mentao e exerccios fsicos. Sim, qualquer comida gordurosa tem triglicrides, mas as que mais facilitam sua absoro pelo organismo so as que contm carboidratos simples, como os de massas, pes, bolachas e refrigerantes. Bebidas alcolicas tambm entram na lista. S por reduzir o consumo desses itens, voc j ir notar a diferena. A atividade fsica completa o trabalho, ajudando os msculos a lanar mo da energia armazenada e melhorando, assim, a ao da insulina. Para os indivduos em que a situao j est totalmente fora de controle ou seja, pessoas cuja taxa de triglicrides ultrapassou a barreira dos 500 miligramas por deci litro, sendo que os nveis preconizados so at 150

Triglicrides, os comparsas

miligramas por decilitro , felizmente j existem drogas capazes de cort-los pela metade. So os fi bratos, que agem no fgado, diminuindo a produo da VLDL. Os triglicrides soltos, ento, acabam eliminados. No entanto, o medicamento deve ser usado com parcimnia caso o paciente, por causa do colesterol, duas substncias aumenta em dez vezes o risco de efeitos colaterais, como danos musculares.

precis

Para entender melhor tudo o que foi explicado at aqui, vire a pgina e veja o infogrfico.

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TROCAS PERIGOSAS O que a VLDL tem a ver com a HDL? 01 Os triglicrides so como engradados com molculas de gordura. Qualquer alimento gorduroso contm triglicrides, que so absorvidos pelo intestino e armazenados no tecido adiposo como reservas de energia. A maneira mais eficiente de transport-los para os diferentes tecidos por meio da VLDL, a lipoprotena de densidade muito baixa, fabricada pelo fgadoHDL cheia de colesterol troca de triglicrides

triglicride

VLDL

VLDL cheia de triglicrides

CETP

E l Em seu trajeto, a VLDL pode cruzar com partculas de HDL cheias de colesterol. Se no caminho houver tambm uma protena a CETP , haver a troca das bagagens. A VLDL descarregar seus triglicrides na HDL e esta em compensao, lhe entregar o colesterol. Caso a LDL trombe com essa confuso, ela poder entrar na dana das gorduras, ganhando uma carga extra de colesterol

Apo A-l destruda

fgado

0 Ora, a HDL quem recolhe o colesterol da parede dos vasos. Mas, lotada de triglicrides, torna-se incapaz de cumprir essa tarefa e vai para o fgado, onde perde uma protena, a Apo A-l. Sem ela, ao voltar corrente sangnea, mal consegue varrer o colesterol e, pior, pode ser destruda

colesterol no capturado

HDL vazio e sem Apo A1

Apo A VLDL cheia de colesterol

Enquanto isso, a dupla LDL e VLDL acaba cheia de colesterol, largando gordura pelo caminho, ou seja, nas artriasLDL cheia de colesterol

LDL cheia de colesterol

colesterol largado

Como aumentar a HDL?Est a uma pergunta difcil de responder. A sntese dessa superprotetora das artrias to complexa e depende de tantas variveis que, at hoje, ainda no se chegou a uma boa frmula capaz de incentiv-la. Em primeiro lugar, o foco atacar seus destruidores: cigarro, sedentarismo, obesidade abdominal e altos nveis de triglicrides no sangue. Com essas medidas combinadas, pode-se elevar de 10 a 15% as taxas dessa lipoprotena benfica, desde que a pessoa, antes, levasse uma vida sem exerccios e estivesse gorda. Se ela magra e j se exercita, os nveis baixos da HDL so de origem gentica e, da, reverter o quadro ser uma luta rdua. No caso da HDL, a dieta pode contribuir um pouco. Gorduras monoinsaturadas, como as presentes no azeite de oliva extravirgem, leo de canola, abacate, amendoim e alguns tipos de nozes, parecem ter efeitos positivos. Certas bebidas alcolicas tambm mas, claro, preciso cuidado com os excessos. A medida certa por dia meia dose de algum destilado ou uma taa de vinho ou duas latinhas de cerveja para a mulher e o dobro para o homem, desde que ele pese mais do que 60 quilos. Qualquer gole a mais faz o tiro sair pela culatra e chuta para cima as taxas de triglicrides ento, adeus, HDL. Para obter resultados melhores, existem suplementos de uma vitamina, a niacina, ou cido nicotnico. Em altas doses, eles chegam a incrementar a HDL em 20%, porm custa de desagradveis efeitos colaterais ento no sei se vale a pena. As doses extras de niacina podem provocar uma vermelhido na pele, capaz de coar bastante porque estimulam alm da conta o fluxo de sangue para esse tecido. Uma maneira de amenizar a reao iniciar o tratamento com doses baixas, subindo-as bem devagar at que atinjam o preconizado. Comprimidos em dose peditrica de cido acetilsaliclico tambm podem aplacar o rubor, que, em seis meses, tende a desaparecer. Mas preciso um olhar mdico para analisar se tudo isso compensa.

84

As plulas anticolesterol

arece mgica: um remedinho por dia pode fazer o colesterol cair pela metade. Esse o poder das estatinas, que formam a classe de remdios mais vendida no planeta. Elas foram descobertas por acaso, no fim dos anos 1970, quando o bioqumico japons Akira Endo pesquisava um fungo atrs de novos antibiticos se voc no se lembra, o primeiro desses medicamentos contra bactrias de que se tem notcia, a penicilina, tambm foi descoberto em um fungo, no caso o Penicillium notatum. Mas a substncia que Endo encontrou, em vez de matar micrbios, diminua radicalmente a quantidade de colesterol no organismo. S um detalhe infeliz: era tremendamente txica para seres humanos. Ento, ainda no fora daquela vez...

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As estatinas so contra-indicadas na gravidez. Portanto, mulheres em idade frtil devem usar anticoncepcionais se estiverem tomando o medicamento.

Mesmo assim, o mundo cientfico se animou com a experincia. Viu na investigao frustrada de Endo que, no final das contas, no descobriu antibitico nenhum pistas importantes, capazes de revelar uma arma antigordura. E... bingo! Hoje, quase quatro dcadas depois, existe uma srie de compostos sintetizados em laboratrio com efeitos similares aos da primeira droga, s que mais potentes e sem os efeitos txicos. O segredo de uma estatina est em construir uma barreira intransponvel na linha de montagem do colesterol. E ele, como voc pode ver no infogrfi co da pgina 94, o produto final de uma sucesso de reaes qumicas ocorridas dentro do fgado. A molcula do remdio, no caso, funciona como uma pea de quebra-cabeas que se encaixa em uma enzima dessa cadeia, alterando a sua composio e, com isso, impedindo a formao do colesterol. Por sua vez, sem colesterol para transportar, no h por que o fgado montar partculas de VLDL, que so precursoras da LDL, a vil das artrias. Alis, sob o efeito da estatina, o fgado no s acaba gerando menos LDL como faz outra coisa: ao notar que seus estoques de colesterol esto minguando, aciona um batalho de receptores para captar as LDLs que esto flutuando na corrente sangnea. Da as taxas dessa gordura malfica despencarem na circulao. Isso o que descrevi seria o mecanismo bsico de toda e qualquer estatina. Hoje, as prateleiras das farmcias oferecem verses diferentes desse remdio. No fundo, o que muda em cada uma delas o tempo de durao do princpio ativo enquanto o efeito

-

do remdio perdurar, a tal linha de montagem ficar capenga. As estatinas mais potentes disponveis no mercado atual duram cerca de 20 horas, levando reduo de 55% na taxa da LDL.Benefcios extras

Nocautear a LDL j um feito e tanto. O uso de estatinas, porm, proporciona vantagens adicionais. Uma delas brecar o processo de inflamao, que ajuda a formar a placa nas artrias. Alis, por causa desse segundo efeito, existem at mesmo pesquisadores investigando a aplicao de estatinas para tratar a artrite reumatide, uma doena que inflama cronicamente as articulaes. Outro benefcio interferir na produo de clulas trombticas, que seriam como tijolos que formam a aterosclerose. Da que, ao atrapalhar o abastecimento desse material de construo das placas, as estatinas no s reduzem a velocidade de seu crescimento como, muitas vezes, podem at levlas a encolher. E h ainda mais: por interferirem na formao da VLDL, esses remdios tambm acabam minando os triglicrides. A queda dessa substncia chega, em mdia, a 20%. Mas, ateno, essa seria uma vantagem secundria, por assim dizer. Se o problema principal do paciente for os triglicrides, e no o colesterol, o melhor remdio para ele ser o fibrato, que tem uma ao mais especfica sobre esse tipo de gordura. Quando a pessoa tem os dois problemas colesterol nas alturas e triglicride igualmente alto , a, sim, o mdico poder indicar a combinao de fibratos e estatinas, mas sempre

lembrando que os riscos de efeitos colaterais se multiplicam por dez quando esto juntos. As estatinas pode parecer pouco, mas j ajuda a diminuir as placas de gordura nas artrias do corao. Um aspecto no d para discutir diante dos nmeros: essas drogas fazem cair significativamen te o nmero de mortes por infartos e derrames, alm de diminuir a necessidade de procedimentos no corao, como as cirurgias de ponte de safena e as angioplastias. Segundo as estatsticas, para cada 40 miligramas por decilitro a menos de LDL no sangue, os riscos de eventos cardiovasculares despencam 22%, os de um derrame caem 17% e as chances de morte ficam 12% mais baixas. Claro que, para quem realmente precisa do remdio, no basta engoli-lo uma temporada ou outra, achando que seu corao estar a salvo. Queria enfatizar em letras garrafais que, quando so indicadas para determinado caso, as estatinas so um remdio para a vida toda. No adianta nada tom-las por alguns meses e depois esquec-las na gaveta do criadomudo. Infelizmente, isso o que faz a maioria dos pacientes. Como o colesterol um assassino silencioso e invisvel, eles no conseguem enxergar a melhora e deixam a medicao de lado. E a adeus, benefcios. O outro aviso que preciso dar ainda mais importante: engolir estatinas e continuar sentado no sof com as pernas para cima, fumando e comendo porcarias a torto e a direito, no vai adiantar. Primeiro porque o colesterol, embora desempenhe um papel primordial, no o nico causador das

As plulas anticolesterol

placas nas artrias. Segundo porque a mudana de estilo de vida que proponho neste livro capaz de potencializar a ao do remdio e, de quebra, dar um basta em todos os outros fatores de risco que contribuem para danificar o corao obesidade, diabeOs atores coadjuvantes te, hipertenso e assim por Algumas pessoas respondem diante. Sinto muito: no d maravilhosamente bem s para delegar ao remdio, por estatinas. Outras, no. Nesses melhor que ele seja, a responpacientes, no s do fgado que sabilidade por sua sade. brota o problema. Geralmente o Alm disso, c entre ns, intestino est puxando de volta as estatinas no garantem para a circulao uma grande parte 100% que a pessoa nunca do colesterol que o organismo ter uma doena cardaca. tenta jogar fora. A soluo seria Ainda no h medicao que brecar essa reabsoro, o que opere esse milagre. A meta pode ser feito lanando mo reduzir ao mximo a probabide outro remdio, a ezetimiba. lidade de que o corao ou o Quando associada s estatinas, crebro pifem e, portanto, ela reduz a LDL uns 20% a mais. qualquer esforo nesse senJuntando a ezetimiba com doses tido traz recompensas. Mas mximas de rosuvastatina, por claro: diminuir as chances exemplo, conseguimos diminuir uma coisa e dar segurana a LDL em 70%, o que antes total e absoluta outra. seria inacreditvel! De qualquer maneira, para dar uma fora Uma coisa certa: quanextra na batalha, vale usar ainda to mais cedo a pessoa adota suplementos de niacina, vitamina um estilo de vida saudvel do complexo B que, como e comea a ser tratada com j mencionei, eleva a HDL estatinas, se de fato precisar e, algumas vezes, tambm delas, melhor ser. O mais joga a LDL para escanteio. comum, porm, encontrar

o sujeito que completou 50 anos sem dar a menor bola para o seu colesterol e que, de uma hora para outra, movido pelo ltimo check-up e pela conscincia de que no mais criana, resolveu tomar uma atitude. Ora, se ele fizer tudo de uma s vez, ou seja, se domar a presso alta, controlar o diabete, cortar o cigarro e reduzir o colesterol, talvez seja possvel limar em 70 ou at 80% as chances de um infarto ou um derrame. Ok, antes tarde do que nunca. Mas o resultado, claro, seria muito melhor se tivesse se cuidado mais jovem.O lado negativo

Sobre as estatinas especificamente, de acordo com as pesquisas e com a minha experincia, nove em cada dez pessoas que tomam esses remdios no apresentam nenhum problema, mesmo em doses altas. Os outros 10% costumam reclamar de dores musculares, que so mesmo o principal efeito colateral. Isso porque, ao mexer na tal cadeia de Para reaes qumicas do colesterol, a estatina impede quem toma tambm a fabricao de uma substncia protetora estatina, dos msculos. Quem mais sensvel sente o babebidas que, apresentando dores generalizadas, como se alcolicas tivesse exagerado nos exerccios fsicos ou como em excesso se fosse acometido por uma gripe daquelas. aumentam A destruio do tecido muscular ainda joga um em muito monte de protenas nos rins, sobrecarregando seu as chances trabalho de filtragem do sangue. Em casos rarsside dores mos (um para cada 1 milho), isso pode levar ine leses suficincia renal. Portanto, quem j tem problemas musculares. nos rins deve tomar muito cuidado.

As plulas anticolesterol

J para os que sentem dores pelo corpo, o que se costuma fazer trocar o tipo de estatina ou reduzir sua dose. Alm do mais, da mesma forma que aparece de uma hora para outra, o mal-estar tambm pode simplesmente sumir. Mais freqentes, embora bem menos srios, so outros efeitos colaterais, como constipao, gastrite, diarrias e insnia, que podem ser minimizados com outras medidas. s vezes, acontece ainda um aumento da fabricao de enzimas pelo fgado. Felizmente, em grande parte dos pacientes isso no produz nenhum sintoma indesejvel.

O futuro prometeA cada ano que passa, surge no mercado uma estatina mais potente do que a anterior. Mas, dando uma de profeta, imagino que essa corrida ir parar em breve. As novas pesquisas tm buscado outros caminhos para derrotar o colesterol. As apostas da medicina recaem sobre substncias injetveis que inibem uma protena formadora da VLDL, a Apo-B. So compostos ainda em fase de teste, mas que demonstraram ser promissores para nocautear tanto a LDL como os triglicrides. Acredito que, nos prximos cinco anos, vamos indicar apenas uma injeo por ms para livrar determinados pacientes dessas duas gorduras.

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CORTE DE PRODUO As estatinas colocam um freio na linha de montagem do colesterol. Veja como

O PROBLEMA... Q As clulas do fgado produzem uma substncia de nome complicado cuja sigla HMG-CoA. Essa a primeira etapa da produo do colesterol 0HMG-CoA

Uma enzima chamada HMG-CoA redutase transforma essa substncia em outra molcula, o mevalonato

H

HMG-CoA redutase

Uma longa cadeia de reaes qumicas vai fazer o mevalonato virar colesterol

reaes qumicas mevalonato

colesterol

...E A AO DA ESTATINAremdio I receptor

LDL

HMG-CoA redutase

colesterol no fgado

Como um chiclete, o remdio se gruda na HMG-CoA redutase. Dessa maneira, a enzima no consegue fazer seu trabalho e o processo de formao do colesterol interrompido. Sem colesterol, tambm no h a necessidade de o fgado produzir mais VLDL

O fgado tambm se d conta de que seu estoque de colesterol est esvaziando e, para ench-lo novamente, aciona um monte de receptores para atrair a LDL que est circulando no sangue. Essa LDL capturada, saindo dos vasos, onde poderia causar estragos

Para levar a gordura para os diferentes tecidos do organismo, o fgado faz um pacote: junta o colesterol, mais os triglicrides e tambm uma protena, a Apo-B. O resultado dessa combinao a VLDLcolesterol triglicride

Q Com a caamba carregada, a VLDL cai na circulao, fazendo seu papel de transportador de gorduras. Uma parte dela vai originar a LDL, o terror das artrias

VLDL carregada Apo-B

Perguntas e respostas sobre estatinas

J

untei aqui as dvidas que mais aparecem no consultrio quando o assunto remdio para diminuir o colesterol. Talvez algumas delas tambm passem por sua cabea, por isso resolvi responder uma por uma. Vamos l.Tenho colesterol alto. Ser que preciso mesmo tomar estatinas?

Depende. Em muitos casos, uma dieta saudvel e uma rotina regular de atividade fsica so medidas mais do que suficientes. No entanto, se sua taxa de LDL for muito alta ou se voc tiver outros fatores de risco, como hipertenso, o remdio seria uma opo. Alis, se voc tem diabete e mais de 40 anos, eu recomendo que comece a tomar estatina ontem. Uma maneira de determinar se precisa ou no dela calcular o seu risco97

de infarto e de outras doenas cardiovasculares lanando mo do escore de Framingham, que eu apresento no captulo 14. Independentemente do resultado, o mdico dever ajud-lo a tomar a deciso certa.As estatinas so medicamentos seguros?

Sim, pode confiar. Desde que elas foram descobertas, quase quatro dcadas atrs, diversos estudos atestaram a sua segurana. Sem contar que milhes de pessoas fazem o uso dirio desse tipo de medicamento h vrios anos sem nenhum problema extraordinrio. Os efeitos colaterais graves dessa medicao so relativamente muito raros e costumam ser revertidos depressa quando o tratamento suspenso.Durante quanto tempo preciso tomar estatinas?

Que fique bem claro que esse um medicamento que s funciona a longo prazo ou seja, no adianta tom-lo durante um tempinho e acabou. Vrias pesquisas apontam que o impacto dessa substncia na reduo de males do corao s passa a ser relevante, isto , digno de nota, depois de um ano inteiro de tratamento, no mnimo. Ou seja, a prescrio da estatina uma medida preventiva cujos resultados s vo aparecer ao longo do tempo. Em tese, quanto maior o perodo de uso, maior ser o benefcio.Se eu parar de tomar o remdio, perco seus benefcios?

Sim, de uma hora para outra. Sem as plulas, a quantidade de colesterol volta a ser a mesma de antes. Claro que, se algum parar de tom-las depois de dez anos,

Perguntas e respostas sobre estatinas

j ter ganho ao menos todo esse perodo na corrida contra a aterosclerose. Mas enfatizo que esse um remdio para a vida toda, especialmente para quem tem um risco alto de desenvolver uma doena do corao.Se eu tomar estatinas, poderei comer vontade?

A melhora nas taxas de colesterol proporcionada pelo medicamento em geral d um pouco mais de liberdade de escolha da dieta. No entanto, ele no um passaporte para o paciente comer o que quiser. Inclusive porque o benefcio bem maior quando o indivduo segue uma alimentao saudvel, sem se contentar em engolir um remdio e pronto. Alm disso, uma dieta equilibrada diminuir tambm outros fatores de risco relacionados a problemas nas artrias, como o caso da obesidade.Tomo estatinas e sinto muita dor muscular por causa delas. Devo parar?

O remdio, s vezes, pode provocar pequenas leses na musculatura. E, quando o msculo lesado, ele solta uma enzima chamada CPK na circulao. Portanto, para responder a pergunta, o ideal seria seu mdico solicitar exames capazes de averiguar os nveis dessa substncia. O medicamento s deve ser suspenso se eles tiverem dez vezes acima do normal, porque isso sinal de que os rins podem terminar sobrecarregados, sem dar conta de filtrar tanta protena. Caso contrrio, se os nveis de CPK estiverem aceitveis, ele provavelmente experimentar trocar de estatina (o que pode funcionar), reduzir a dose ou at mesmo prescrever que voc s tome o remdio em dias alternados.

Posso misturar lcool com estatinas?

Sim, desde que com muita parcimnia. Bebidas alcolicas em grandes quantidades e com freqncia elevam bastan