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Desafios Da Integração Sul-Americana

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Este livro reúne uma seleção de textos e depoimentos que buscam analisar as implicações, osproblemas e os avanços do processo de integração da América do Sul no século XXI. Foram extraídosdos simpósios e painéis realizados durante o XIV Congresso Internacional do Fórum UniversitárioMercosul – FoMerco, em 2013, na Universidade Federal de Tocantins, em Palmas,1 e agora se somamà produção originada no âmbito dos sete últimos Congressos Internacionais do Fórum UniversitárioMercosul – FoMerco

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  • Os Desafios da Integrao Sul-Americana:autonomia e desenvolvimento

    Ingrid SartiJos Renato Vieira MartinsMnica Leite LessaGlauber Cardoso Carvalho(organizadores)

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  • Copyright2014 by Os autores e Frum Universitrio do Mercosul FoMerco

    proibida a reproduo total ou parcial desta obra sem a devida citao

    Capa e Diagramao: Letra e Imagem Editora

    Imagem da capa: Torres Garcia

    Esta uma obra coletiva composta por artigos de autoria de participantes do XIV Congresso Internacional do Frum Universitrio Mercosul

    FoMerco, realizado entre 23 e 25 de outubro de 2013, e por depoimentos dos participantes no decorrer da realizao do Congresso reprter Marilu

    Cabaas (Rdio Brasil Atual), gentilmente cedidos ao FoMerco. Os direitos e responsabilidades sobre os artigos e suas opinies so dos autores que os

    enviaram para publicao.

    D441 Os desafios da integrao sul-americana: autonomia e desenvolvimento. [livro eletrnico]

    Organizao: Ingrid Sarti ... [et al.] Rio de Janeiro: Folio Digital / Fomerco, 2014.

    3429k (PDF)

    ISBN: 978-85-61012-38-0

    1. Integrao regional. 2. Amrica do Sul. 3. Autonomia. 4. Desenvolvimento. 5. FoMerco. I. Sarti,

    Ingrid. II. Martins, Jos Renato Vieira. III Lessa, Mnica Leite. IV. Carvalho, Glauber. V. Ttulo

    CDU 332.135

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  • Sumrio

    APRESENTAO

    Integrao sul-americana, os desafios de um projeto estratgico

    Ingrid Sarti

    I. Panorama da Integrao da Amrica do Sul

    DEPOIMENTOS*Ennio CandottiIvan Ramalho

    ARTIGOS

    Integrao regional e acordos de livre comrcio

    Samuel Pinheiro Guimares

    La integracin regional como proyecto estratgico y la participacin popular

    Mariana Vzquez

    II. Desenvolvimento, industrializao, recursos naturais e a nova arquitetura financeira da integraono Sculo XXI

    INTRODUO

    Desenvolvimento, industrializao, recursos naturais e arquitetura financeira

    Raphael Padula

    DEPOIMENTO

    Ricardo Canese

    ARTIGOS

    Sobre a arquitetura da integrao no sculo XXI

    Andr Calixtre

    Desenvolvimento dos recursos naturais como eixo dinmico da Integrao regional

    Jos Carlos de Assis

    Por una integracin que integre, por un desarrollo que libere

    Jos Felix Rivas

    A construo da teoria do subdesenvolvimento: um exame comparativo das contribuies de Nurske, Rostow, Myrdal e Furtado

    Vera Alves Cepda e Rafael Gumiero

    III. Cooperao internacional, direitos e produo do conhecimento

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  • INTRODUO

    A integrao sul-americana: cooperao, redes e produo do conhecimento

    Glauber Cardoso Carvalho

    ARTIGOS

    Tecnologa e Innovacin para la Inclusin Social: reflexiones sobre energas renovables y agricultura familiar

    Hernn Thomas, Santiago Garrido, Mariano Fressoli, Paula Juarez e Lucas Becerra

    Integrao, defesa e outros desafios da Amaznia

    Alexandre Fuccille

    Pensar la cooperacin, integracin y produccin del conocimiento desde perspectivas no hegemnicas

    Anibal Oru Pozzo

    Institucionalidad pblica para la proteccin y promocin de los Derechos Humanos en el Mercosur

    Paula Rodriguez Patrins

    IV. Desafios da Democracia: desigualdades, teoria e prtica

    INTRODUO

    Desafios da Democracia, desigualdades, teoria e prtica

    Flvia Guerra Cavalcanti

    DEPOIMENTO

    Williams Gonalves

    ARTIGOS

    Integrao regional e democracia: processos entrecruzados na Amrica do Sul (?)

    Aragon rico Dasso Junior

    Eleies para parlamentos regionais e percepo sobre a integrao

    Karina Pasquariello Mariano

    Migraciones e integracin regional: el caso argentino

    Susana Novick

    Conjuntura e mobilizaes no Brasil: direitos, centavos, fumaa e vinagre

    Gislio Cerqueira Filho

    V. Cultura Contempornea na Amrica Latina

    INTRODUO

    Cultura Contempornea na Amrica Latina

    Leonardo Valente

    DEPOIMENTO

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  • Cultura e transio: como enfrentar o neoliberalismo**

    Antonio Albino Canelas Rubim

    ARTIGOS

    Creatividad para la inclusin social en Argentina, en torno a la cuestin de los derechos culturales

    Ana Wortman

    Punio, cultura religiosa e Direitos Humanos

    Gizlene Neder

    De Antonio Mamerto a Gauchito Gil: estrategias de control y formas de resistencia popular en una regin de frontera entre Argentina y Brasil

    Jos Renato Vieira Martins

    Imagens da identidade na perspectiva da integrao

    Maria Luiza Franco Busse

    Acordos globais e existncias regionais: a insero da cultura brasileira no Mercosul, 2010-2014

    Mnica Leite Lessa

    Programa do XIII Congresso

    Ficha Tcnica

    Colaboradores

    * Depoimentos. Extratos de entrevistas concedidas reprter Marilu Cabaas, Rdio Brasil Atual, no decorrer do XIV FoMerco e disponveis em

    www.fomerco.com.br

    **Transcrio de fala do autor durante Simpsio no XIV FoMerco

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  • APRESENTAO

    Integrao sul-americana, os desafios de um projeto estratgico

    Este livro rene uma seleo de textos e depoimentos que buscam analisar as implicaes, osproblemas e os avanos do processo de integrao da Amrica do Sul no sculo XXI. Foram extradosdos simpsios e painis realizados durante o XIV Congresso Internacional do Frum UniversitrioMercosul FoMerco, em 2013, na Universidade Federal de Tocantins, em Palmas,1 e agora se somam produo originada no mbito dos sete ltimos Congressos Internacionais do Frum UniversitrioMercosul FoMerco.2

    Intelectuais e pesquisadores oriundos de diferentes instituies e nacionalidades muitas vezesdivergem nas avaliaes do processo da integrao sul-americana vigente. Contudo, h um ponto departida conceitual comum literatura desenvolvida pelos colaboradores do FoMerco. Trata-se doreconhecimento de que se inaugura um ciclo virtuoso na poltica do continente, como estratgia deinsero soberana da regio e condio de superao do tradicional papel subalterno de periferia docapitalismo a que foi relegada desde seus primrdios, quando se elege a autonomia da poltica externaassociada ao propsito do desenvolvimento econmico-social. Em suma, um marco conceitual deintegrao que se apoia sobre uma noo de autonomia dada pela afirmao dos blocos regionais epela recusa dos acordos de livre-comrcio bilaterais, principalmente com as potncias hegemnicas.A autonomia entendida como condio de possibilidade de desenvolvimento autnomo e soberanoatravs da construo de um bloco econmico e poltico na Amrica do Sul, prspero, democrtico esoberano, como descreve Samuel Pinheiro Guimares.3

    certo, e convm manter em perspectiva, que um longo processo de integrao na prolongadabusca por emancipao do continente antecedeu o projeto vigente em distintas etapas.4 Contudo, oque se destaca, que desde sua posta em prtica por governos eleitos no incio dos 2000, quando setraam as diretrizes de um projeto poltico cujas metas e policies se alinham a um campo socialista edemocrtico disposto a enfrentar e superar a hegemonia do mercado, a integrao como polticapblica passa a ser um divisor de guas na histria do continente.5 Um dos marcos dessa renovaopoltica regional foi a 4 Cpula das Amricas, realizada em 2005 com apoio expressivo dasorganizaes sociais e partidos polticos, que refutou a rea de Livre Comrcio das Amricas - Alca,projeto neocolonizador que pretendia consolidar o novo regionalismo aberto aos mercadosmediante a realizao de acordos de livre-comrcio bilaterais que fortaleceriam o vnculo dedependncia da regio potncia hegemnica.

    A pretenso da Alca foi derrotada porque o Mercosul enfatizou sua proposta de superao dadimenso estritamente comercial com a ampliao da pauta e do territrio da integrao. Porquerevelou-se prioridade o desenvolvimento econmico e social com nfase na incluso social, nareduo das assimetrias e desigualdades sociais e culturais em cada pas e no mbito das relaesregionais.

    Essa proposta expressa tambm a vontade poltica que enseja a plena converso da poltica externasoberana dos pases sul-americanos multipolaridade nas relaes internacionais, impulsionada peladupla estratgia de formao do bloco regional e aproximao a outros pases emergentes da sia e dafrica. E esse trao identificatrio desse modelo de integrao sul-americana foi uma constantereiterada pelo representante do Itamaraty, Reinaldo Salgado, e pelos ex-chanceleres doUruguai, Roberto Conde, e do Paraguai, Jorge Lara Castro, integrantes do painel de abertura do XIVCongresso coordenado por Geronimo de Sierra.6

    J em sua concepo, esse projeto de integrao aponta alguns importantes desafios pararesponder crise capitalista que se manifesta no centro hegemnico desde 2008 e parasimultaneamente assegurar uma presena marcante da regio no cenrio internacional. Vejamos

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  • alguns deles, que sero retomados nas anlises dos autores deste livro, a seguir.Numa regio profundamente assimtrica, assume-se a necessidade de criao de um polo de

    integrao de todo o continente reafirmando-se que Estado algum teria condies de, por si s,alcanar um desenvolvimento econmico igualitrio e sustentvel o que tanto se aplica ao Brasil,potncia emergente no mundo, como Venezuela com sua riqueza petroleira. O desafio consiste empreservar a meta da reduo das assimetrias no contexto de responsabilidades e atribuies distintas edesiguais, de acordo com as necessidades e os recursos assimtricos de cada Estado. Nesse marcoinovador, levando-se em conta a fragilidade da institucionalidade da integrao no continente, asdivergncias de interesses intranaes requerem um constante dilogo poltico a ser viabilizado peloexerccio permanente da diplomacia presidencial. , portanto, um modelo que, sem negar os conflitospotenciais, se reconhece no presidencialismo caracterstico dos regimes polticos da regio e como talse declara vinculado a um projeto poltico de desenvolvimento da nao intrinsicamente ligado ao daregio, como j observou Emerson (2014).

    O segundo desafio remete importncia atribuda participao social, interna e regionalmente,em um processo de criao de mecanismos institucionais democrticos no que tange todo o processode tomada de deciso de polticas pblicas e sociais na regio. No mbito dos debates do FoMerco,sua relevncia tem sido sistematicamente enfatizada por Luiz Dulci, ex-ministro da Secretaria Geral daPresidncia da Repblica (2003 a 2010), em suas iniciativas institucionais de participao social, dentreas quais o Mercosul Social e o Conselho de Participao Social do Mercosul.7 Aqui, em seus textos,autores como Mariana Vzquez, e em seu depoimento, Ivan Ramalho, tambm destacam o carterestratgico de polticas sociais ancoradas na participao popular para o xito da integrao soberanae democrtica. Sobre as polticas sociais em sua institucionalizao no mbito do Mercosul,8destacam-se tambm a acurada anlise do processo de migraes de Susana Novick e o relato de PaulaRodriguez Patrins sobre o mais recente empenho ao tratamento do tema dos Direitos Humanos. Osavanos obtidos nessas reas, contudo, contrastam com as deficincias do desempenho do Parlamentodo Mercosul - Parlasul, descritas por Karina Pasquariello Mariano, e com a morosidade das polticasde combate violncia e proteo juventude frente virulncia do crime organizado, apontadapor Gislio Cerqueira Filho.

    Outra caracterstica que ressalta a observao da integrao sul-americana consiste na necessidadede articulao da variedade de blocos existentes desde sua origem, que ser expandida com a criaode novos blocos, todos relevantes e atuantes em processos entrecruzados, como analisa Aragonrico Dasso Jr. Note-se que enquanto o Mercosul completou 20 anos em 2011, a Unio das NaesSul-Americanas - Unasul foi criada s em 2008.9 E, posteriormente, a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos - Celac, em 2010. Mais importante, entretanto, e que configura um terceirodesafio e problema que pe em xeque a autonomia da integrao em marcha a coexistncia deEstados cujas prticas polticas de cooperao internacional privilegiam a realizao de tratadoscomerciais bilaterais com a potncia hegemnica, como o caso de Chile, Colmbia e Peru. Note-se,porm, que esses mesmos Estados convergem com a integrao sul-americana em outros aspectostambm relevantes, como a defesa do continente com a construo estratgica de uma infraestruturafinanceira, de energia e de transportes na Amrica do Sul.

    O tema da infraestrutura regional tambm tem sido objeto de pesquisas dos colaboradores doFoMerco,10 como em simpsio coordenado por Frederico Katz e relatado por Raphael Padula.Interrogando-se sobre as escolhas dos modelos de desenvolvimento no contexto de crise internacionale a sobre a busca de polticas alternativas na regio, as questes referentes ao planejamento dosrecursos naturais e s condies de construo da arquitetura financeira e de consolidao dainfraestrutura foram submetidas uma discusso aprofundada por Andr Calixtre, RicardoCanese, Jos Carlos de Assis e Jos Felix Rivas. Sempre lembrada, a decisiva herana intelectual deCelso Furtado volta reiterada em texto de Vera Alves Cepda e Rafael Gumiero.

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  • Das questes das polticas de defesa contidas na agenda do desenvolvimento integrado debatidasem painel coordenado por Thomas Heye, fica o registro crtico de Alexandre Fuccille que aguarda osefeitos do Conselho de Defesa na Unasul na expectativa de um avano expressivo nas polticas quecontemplam segurana e defesa nacionais na Amaznia.11 Ennio Candotti avalia as dificuldades naAmaznia e enfatiza a pobreza como questo estratgica premente tambm para o avano da defesa, medida que esta no permite a seus habitantes sequer operar equipamentos de comunicao: no defensvel, no h exrcito que consiga defender uma terra que habitada por gente muito pobre.

    A trajetria combativa de Ennio Candotti revela-se uma vez mais em suas observaes sobre osignificado e a importncia das tecnologias sociais: so as que permitem no s aliviar a fadigahumana, mas que possibilitam a incluso no mercado de trabalho e na gerao de rendas para o nossopovo. Na mesma linha, a criatividade da equipe de pesquisadores da Universidad Nacional deQuilmes (Buenos Aires) sobre a inovao do conhecimento e as relaes entre desenvolvimentotecnolgico e incluso social, liderada por Hernn Thomas e composta por Lucas Becerra, MarianoFressoli, Paula Juarez e Santiago Garrido, retorna ao FoMerco12 para apresentar a anlise crtica de umestudo no campo das energias renovveis e da agricultura familiar que questiona as estratgias depolticas baseadas na suposta transferncia de tecnologia implantadas sem o conhecimento e odilogo com as populaes-alvo.

    Igualmente atentos para a importncia da participao da sociedade civil nos estudos e projetossobre desenvolvimento tecnolgico, o painel sobre Tecnologias sociais, cooperao internacional eproduo do conhecimento coordenado por Gonzalo Berrn e relatado por Glauber CardosoCarvalho reiterou a relevncia de um tema que se constitui no quarto desafio posto integrao sul-americana: a necessidade de criao de uma dinmica de construo coletiva do conhecimento entre acomunidade acadmica, os formuladores de polticas e os usurios de novas tecnologias, em umprocesso de aprendizagem e reflexo coletivo.

    Pensar a cooperao, a integrao e a produo do conhecimento de uma perspectiva geopolticarequer conhecermo-nos mais e melhor, concordam os integrantes desse painel quando discutem osavanos no campo da educao com a criao de novas universidades como a da Integrao Latino-Americana Unila e refletem sobre os inmeros gargalos a serem solucionados. Anibal OruPozzo, Daniela Perrotta e Geronimo de Sierra so alguns dos participantes que enfaticamente reiterama importncia de se sistematizar um pensamento crtico integracionista o que o Presidente Luladenominaria de uma doutrina da integrao para o continente. As relaes de cooperaointernacional, a mobilidade de alunos e professores de acordo com as especificidades de cadauniversidade, uma inovao da gesto universitria e o amplo reconhecimento dos diplomas soalguns dos temas de poltica educacional de nvel superior que ainda devem ser revistos passo a passopara que as metas aspiradas sejam colimadas. Questionam-se, particularmente, os critrios deavaliao da produo cientfica baseados no paradigma quantitativo-competitivo de produtividadeque - apesar de todas as transformaes ocorridas na primeira dcada da integrao - ainda submetema produo do conhecimento justamente aos padres hegemnicos que a integrao repudia. Refmdesses critrios, a Universidade ainda est por superar as marcas de sua etapa neoliberal para poderpromover os valores e as prticas da democracia.

    A nfase na produo do conhecimento como instrumento de mobilizao da juventude nomarco da integrao foi tambm destaque no Simpsio Desafios da Democracia: desigualdades,teoria e prtica. Encontrar novas formas de dilogo com o movimento social urbano no contextoatual de descrdito da poltica e, particularmente, dos partidos polticos, mais um desafio o quinto que se impe para um processo civilizatrio que tem na integrao um instrumento de consolidaodemocrtica. Williams Gonalves, ao mesmo tempo em que chama a ateno para a importncia dotrabalho intelectual de pesquisa para entender e propor polticas de integrao que aprofundem ademocracia no continente, aponta a distncia entre os formuladores de polticas e os povos. O

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  • Simpsio, tal como registrado no relato de Flvia Guerra Cavalcanti, uma vez mais enfatizou anecessidade de novos canais de participao e divulgao da integrao regional por aqueles que apromovem.

    Uma integrao que pretende superar a dimenso estritamente econmica e ampliar sua pauta eseu territrio j nasce destinada a enfrentar os temas relativos no s produo mas divulgao doconhecimento, to caros autonomia de seus povos e ao projeto de soberania em um mundo marcadopor desiguais avanos cientficos e tecnolgicos. Em suma, enfrentar a fragmentao do conhecimentoe buscar a multidisciplinaridade continuam sendo desafios para a cooperao regional em tempos deextraordinria inovao dos meios de comunicao. Mais do que transversal, o tema da cultura seimpe com relevncia pois o que nos identifica na diversidade e se deveria revelar na produo doconhecimento. No entanto, como no Simpsio de Abertura do XIV Congresso, coordenadopor Mnica Leite Lessa e relatado por Leonardo Valente, constata-se que o debate sobre pensamentolatino-americano e as expresses culturais do continente continuam pautados pelo poder miditicohegemnico. O papel da cultura como fator de integrao regional foi resgatado desde suas verseshistricas de luta por direitos, nas anlises de Gizlene Neder, passando por dimenses religiosas,como a narrativa do Gauchito Gil, aqui apresentada por Jos Renato Vieira Martins, at as maisrecentes manifestaes de busca de identidade social tanto na imagem do poder, segundo Maria LuizaFranco Busse, como nas manifestaes criativas de gesto e resistncia cultural dos barrios argentinosna fatura de Ana Wortman, ou nas polticas e aes culturais estabelecidas nos marcos da integrao,segundo Mnica Lessa.

    Se saber poder, a Amrica do Sul tem uma batalha a travar em muitas frentes para resistir mdiamonopolista que se perpetua na assimetria mundial em plena Era do Conhecimento. A luta pelaregulamentao do poder miditico debatida com frequncia nos Congressos do FoMerco (Sel, 2013)e a busca de alternativas culturais a essa hegemonia so condies de um xito possvel de cadasociedade e de todas integradas no continente sul-americano. Intelectual especialista nas relaesentre poder e mdia da Universidade Federal da Bahia, atualmente Secretrio de Cultura do governo daBahia, Antonio Albino Canelas Rubim sublinha o papel estratgico da dimenso cultural na superaodo neoliberalismo e revisita a trajetria bem sucedida dos governos progressistas, apontando tambmseus gargalos. Enfatiza a necessidade de promoo de polticas pblicas que assegurem umintercmbio e cooperao bem mais intensos que os atuais, atravs de uma pluralidade de instituies,movimentos e dispositivos, que inclusive tornem mais conhecido e compartilhado o enfrentamentoque tem se dado no campo cultural em cada um desses pases.

    guisa de concluso de dois dias de intensos debates, cabe observar que a trajetria recente daAmrica do Sul revela um continente que, em plena crise do capitalismo global, se converteu em umdos pilares da autonomia e do revigoramento das instituies democrticas, do desenvolvimentoeconmico e da diminuio da pobreza. A integrao foi a estratgia poltica adotada em conceposimultaneamente, econmica, poltica, social e cultural, que busca enfrentar e superar as assimetriasque constrangem o continente. Afirma-se a relevncia das polticas sociais e se busca promover oavano da educao, da cincia e da tecnologia em novas formas de produo do conhecimento.Contudo, a integrao sul-americana, tal como concebida neste milnio, um processo em construoe imensos desafios permanecem nesse continente ainda marcado por profundas desigualdades sociaise em contexto internacional de crise que se distancia de uma multipolaridade de fato. No mbito doMercosul e da Unasul, a despeito de uma vasta produo analtica, anda no dispomos de umasistematizao do conhecimento que permita o levantamento dos recursos naturais, industriais,cientficos e culturais de nosso continente e propicie o diagnstico de gargalos existentes para umaformulao de polticas mais adequada. Embora ainda incipiente, a formao de redes como o FrumUniversitrio Mercosul - FoMerco, uma pequena demonstrao de que possvel refletir e proporalternativas s polticas que visam efetivamente s mudanas profundas e que requerem o avano daintegrao de nossos Estados, nossos povos e culturas. O que aqui se destaca, portanto, o imperativo

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  • de uma reflexo aprofundada sobre as polticas de integrao na Amrica do Sul, cuja especificidade chave para o debate poltico, pblico e democrtico.

    Constata-se que, com estilos e recursos prprios e a despeito das diversidades de cada Estado,como sugere o desenho assimtrico da geopoltica continental em linhas gerais, na ltima dcadaforam privilegiadas as polticas de incluso social e mantida a meta da autonomia no cenriointernacional impulsionada pela dupla estratgia de formao do bloco regional e aproximao aoutros pases emergentes de sia e frica. Os trabalhos aqui apresentados dedicam-se a pesquisar erefletir sobre esse processo ousado que requer uma slida e entusiasta vontade poltica e umapermanente renovao de suas diretrizes para que elas sejam traduzidas em polticas e planejamentode governo voltadas para a realizao das metas desejadas. Inegveis avanos que confirmam a escolhado rumo certo no escondem, contudo, o quanto ainda h que caminhar. Afinal, se hace camino alandar.

    Agradecemos a inestimvel colaborao da jornalista Marilu Cabaas e Rdio Brasil Atual agravao e ampla divulgao de todos os depoimentos prestados pelos participantes do XIVCongresso do FoMerco, disponveis em ambos os stios.13 Agradecemos em especial ao apoioinstitucional e solidariedade de Gonzalo Berron, Rosa Freire de Aguiar e Moira Paz Estensoro,representantes, respectivamente, da Friedrich Ebert Stiftung, do Centro Internacional Celso Furtado edo Banco de Desenvolvimento da Amrica Latina - CAF. Nas pessoas do Reitor Marcio Silva e daprofessora Mnica Aparecida da Rocha e Silva, agradecemos a acolhida e a colaborao dos docentese tcnicos da Universidade Federal de Tocantins - UFT. O XIV Congresso do FoMerco no teriaocorrido sem o suporte das instituies pblicas brasileiras de apoio Cincia, Tecnologia e EnsinoSuperior as federais CNPq e Capes e as estaduais Faperj e Fapesp , cuja confiana agradecemos evalorizamos como reconhecimento ao trabalho que o FoMerco vem desenvolvendo h bem mais deuma dcada.

    Ingrid SartiRio de Janeiro, Junho de 2014

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  • I.Panorama da Integrao da Amrica do Sul

    DEPOIMENTOS*

    Ennio Candotti

    Ivan Ramalho

    ARTIGOS

    Integrao regional e acordos de livre comrcio

    Samuel Pinheiro Guimares

    La integracin regional como proyecto estratgico y la participacin popular

    Mariana Vzquez

    * Depoimentos. Extratos de entrevistas concedidas reprter Marilu Cabaas, Rdio Brasil Atual, no decorrer do XIV FoMerco e disponveis em

    www.fomerco.com.br

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  • DEPOIMENTO

    Ennio Candotti

    Professor, eu gostaria que o senhor falasse a respeito da sua explanao de hoje. O senhor estavachamando a ateno de alguns professores sobre o quanto o mercado da China est sendo agressivotambm.Eu parti de duas premissas: uma foi a concluso do painel de abertura de ontem a noite em que tanto oRoberto Conde, senador do Uruguai, como o Samuel Pinheiro Guimares insistiram que precisamosda integrao latino-americana para fazer frente aos desafios da economia mundial e, sobretudo, teruma presena marcante no cenrio de intercmbios comerciais. Acrescentei a isso o quanto a AmricaLatina integrada representa: um mercado de 300 milhes de almas e de uma grande extenso territorialcom recursos naturais importantes. Ento o mercado interno da Amrica do Sul que est em jogo.Da eu retirei da Folha de hoje, quinta-feira, 24/10/13, a notcia de que h em So Paulo uma exposiode produtos txteis chineses que tem sido muito contestada pelos sindicatos que esto fazendo umamanifestao pacfica mas bastante incisiva lembrando que nos ltimos cinco anos a indstria demanufaturados txteis no Brasil reduziu o emprego de trs milhes para um milho e 300 miltrabalhadores na rea. Ou seja, se perderam por conta das importaes chinesas cerca de 1 milho e700 mil empregos. Isso um desastre, isso terrvel. Como conciliar isto? Obviamente devemosenfrentar a China no apenas como um parceiro comprador de matrias-primas brasileiras, mas comoum rival na ocupao do mercado interno brasileiro. Devemos ento melhorar nossacompetitividade? Devemos, mas tambm devemos encontrar instrumentos de governo e planejamentocapazes de dar competitividade aos produtos brasileiros. Os sindicalistas e os manifestantesmostravam na manifestao que as empresas chinesas gozam de benefcios, incentivos fiscais eincentivos de governo muito superiores aos nossos, e que dessa forma os nossos no podem competirnem mesmo se zerassem o lucro e cobrassem apenas a soma dos salrios, mesmo que reduzidos, e dasmatrias-primas.

    O senhor usou o termo inimigo...Sim, sim, um adversrio respeitvel! Estamos em uma situao de guerra comercial; uma guerra boapara estreitar os laos entre os produtores e para chamar a ateno do nosso governo e dos nossosparceiros na Amrica Latina que fora da unio e da colaborao no h salvao. uma guerracomercial e a devemos enfrentar. Se no so produtos chineses, so os produtos americanos. Ontemmesmo o Samuel Pinheiro Guimares disse que os EUA, para sair da crise, emitiram moeda edesvalorizaram o dlar e com isso tornaram seus produtos competitivos nos mercados do Sul com umartifcio, que em princpio os prprios EUA e a Organizao Mundial do Comrcio condenam, sechama dumping. Estamos sim numa guerra comercial e nela os chineses ocupam uma posioambgua. Por vezes so vistos como aliados na explorao das matrias-primas e so grandes parceiroscomerciais na compra de minrios, mas so rivais, competidores na venda de manufaturados, usamprticas comerciais agressivas para ocupar os mercados sul-americanos. Tanto o mercado argentinono Brasil como o mercado brasileiro na Argentina. O Brasil era o principal parceiro comercial daArgentina e o principal exportador para a Argentina, e a Argentina para o Brasil. Essa posio agoraest passando para a China. Isso deveria preocupar muito, no podemos ceder os nossos mercados aoschineses. Ento devemos nos preparar para essa disputa comercial; amigos sim, aliados, mas osinteresses nacionais devem prevalecer para preservar os empregos e o nosso desenvolvimento, senodaqui a pouco estaremos de pires na mo mendigando como um pas africano abandonado por Deus e

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  • pelos agentes econmicos. Ento, esse era o ponto de partida. Agora, como enfrentar isso?Obviamente estvamos falando em uma mesa-redonda que tinha como ttulo Tecnologias sociais e agerao de conhecimento. Ento precisamos entender o que significam as tecnologias sociais: so asque permitem no s aliviar a fadiga humana, mas que possibilitam a incluso no mercado de trabalhoe na gerao de rendas para o nosso povo. No basta dizer que milhes de brasileiros foram includosna sociedade de consumo, preciso inclu-los na sociedade de trabalho para que esse consumo etrabalho sejam estveis e possam crescer e ser melhor remunerado. Isso, ento, exige a produo detecnologias especficas para esse fim. Eu poderia dizer: eu vivo na Amaznia e faltam-nos geradoresde energia capazes de funcionar com biomassa, ou produo de biocombustveis a partir da biomassada floresta que no deixe resduos txicos. O problema um desafio tecnolgico complexo, mas quepoderia mobilizar nossos melhores laboratrios tecnolgicos para resolv-lo. Por que isso? Porque aeconomia de todo o povo que vive ao longo dos rios depende da pesca, dos peixes. As comunidadesde pescadores esto distantes centenas de quilmetros dos centros urbanos e precisam de refrigerao,e refrigerao depende de energia. Hoje, essa refrigerao fornecida por geradores que funcionam adiesel e gasolina. O diesel e a gasolina custam trs, quatro vezes mais por litro l no interior do que noscentros urbanos. Ou seja, so preos proibitivos para povoados e gentes que vivem muitomodestamente, que vivem quase de troca, de pesca, banana e mandioca. Pescam, plantam e tm umarenda monetria muito pequena. Ento a gerao de energia barata representa muito, no s para obem-estar dessas gentes, mas para a prpria segurana da Amaznia. Em geral, se fala das dificuldadesde defesa da Amaznia. O nosso grande desafio que uma Amaznia ocupada por gente pobre, semcondies de operar equipamentos de comunicao, no defensvel, no h exrcito que consigadefender uma terra que habitada por gente muito pobre. Ento, uma questo estratgica. maisimportante dar ao povo da Amaznia e a vale para a Pan-Amaznia, a Amaznia que abrange ospases vizinhos, Peru, Guianas, Colmbia, Venezuela e Bolvia , mais vale dar a eles as condies degerar renda do que comprar os avies Grispen ou Mirage que dificilmente vo nos ajudar na defesa daAmaznia.

    O sr. mencionou o papel dos indgenas na defesa do Vietnam e na derrota do exrcito dos EUA em 1970...Sim, a eu lembrei, o Vietnam derrotou os EUA e imps uma derrota humilhante graas participaodo povo que vive nos seus igaraps, nos seus rios, no interior, que se envolveu na guerra comoprotagonista, no apenas como soldado, mas abrindo uma rede de cumplicidade na floresta quepermitiu aos exrcitos vietnamitas se mover como peixes na gua e tornaram um inferno a vida dossoldados americanos. um exemplo magnfico para mostrar que guerras s vezes se vencem comconhecimento dos ambientes de batalha e que as bicicletas e fuzis podem vencer bombardeiros ecanhes que na floresta se revelaram pouco eficientes. Basta andar na floresta para saber disso. Se essasso as premissas, quais so as solues? Eu vejo no nosso horizonte alguns projetos que esto emsintonia com a integrao poltica dos pases amaznicos. Por exemplo, ns deveramos ter cem milestudantes dos pases latino-americanos envolvidos nesse projeto de integrao latino-americana. Quesejam brasileiros em pases vizinhos, ou que sejam estudantes bolivianos, peruanos, venezuelanos,argentinos, chilenos, uruguaios, que venham ao Brasil. Ento o Cincia Sem Fronteiras, que umadas prolas da coroa, poderia ser estendido, com igual escala, para os estudantes latino-americanos.Por qu? Est-se mandando os jovens para estudar engenharia l fora para melhorar a competitividadeda nossa indstria, para internacionalizar a juventude. E, com isso, pelo que dissemos antes, vemosque no bastar ser mais competitivos, precisaremos alargar, dar novas dimenses ao nosso universocultural, cientfico e tecnolgico para que ele seja respeitado no cenrio internacional. Se nsqueremos de fato ocupar uma posio de destaque entre os Brics, um Brasil com 200 milhes aindapequeno, mas se juntarmos os pases da Amrica Latina, chegamos a 400 milhes, um mercado deporte respeitvel.

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  • O sr. chegou a falar de recursos hdricos...Sim. Devemos pensar em viabilizar o que foi apresentado pelo Roberto Conde ontem a noite. Que sefabrique parte de determinados equipamentos no Uruguai, parte no Brasil, parte na Argentina, que semontem no Paraguai, que a construo seja comum. Na Europa se faz assim. Uma coisa feita naAlemanha, outra na Frana; os avies da Airbus se fazem em trs ou quatro lugares. Por que ns nopoderamos pensar em um sistema desses, a ser implementado em prazos longos. Devemos, para isso,unificar a formao dos recursos humanos? H projetos desse tipo, mas so tmidos, e no podem selimitar formao de gente, h tambm grande necessidade de conhecer melhor a nossa terra. Porqu? O conhecimento que temos at agora o conhecimento funcional a um desenvolvimento daeconomia de mercado assim como ela est, uma economia que admite grandes bolses de pobreza eque no foi capaz de reduzi-los at agora por meios de mercado; se eles foram reduzidos foram porespecficas decises de governo. preciso conhecer mais e melhor o nosso povo, no s o brasileiro, ovenezuelano, o boliviano, o peruano, o equatoriano. Se conhecemos pouco da Amaznia brasileira,se incluirmos a Amaznia dos outros pases, a cartografia social que conhecemos muito pobre. muito difcil promover uma integrao de territrios e comunidades mal conhecidas. H desafios paraos cientistas sociais, para os planejadores, para os polticos, para os programas multidisciplinares decincias, para dar resposta a essas questes. No s nas reas humanas, desconhecemos grande partedo patrimnio gentico da Amaznia, para no falar de outros biomas como o cerrado, pantanal etc. que so compartilhados com outros pases. Conhecer mais deve ser nosso propsito de integrao sul-americana. fcil explorar os recursos naturais, minerais e hdricos, mas difcil evitar a predao emelhorar o IDH regional. Um navio de ferro vale um pouco mais que uma mala de chips, ou vale omesmo que um pequeno frasco de veneno de jararaca. Criar cobra para tirar veneno. Por que no? Osindianos fazem isso. H um mercado de toxinas, fungos especiais que poderia ser muito bemexplorado, mas preciso investir, preciso conhecer mais, se dedicar a isso. Os minrios... a gente vaicavando, bota num navio e manda embora ... e deixa um buraco. No caso dos recursos naturaispodemos explor-los de maneira inteligente, cautelosa, cuidadosa, e ter rendas muito superiores. Ofuturo depende de maior conhecimento para oferecer recursos naturais ao nosso povo para que elepossa extrair renda. Para criar aranhas e cobras preciso ter muita habilidade, e essa habilidade nossosribeirinhos tm de sobra. Quem no tem somos ns ou os planejadores de Braslia, que nem imaginamcomo se poderia entrar ou sair da floresta. Outra questo a dos recursos hdricos. Um dos sistemasgeolgicos mais aglutinadores do Mercosul, hoje, o aqufero Guarani, que tem sido estudado comcuidado e hoje se encontra razoavelmente mapeado. Mas se eu disser a voc que embaixo daAmaznia toda tem um aqufero maior que o Guarani e que envolve Bolvia, Peru, Venezuela, etc.,voc vai dizer que nem sabe disso. Isso o que espanta. Um dos grandes tesouros de reserva de guadoce do planeta no conhecido, no est mapeado. De Belm at Manaus temos o aqufero Alter doCho, de Manaus at os Andes, temos o aqufero Amazonas, que se estima ser maior do que oGuarani. No se trata de um poo ou um tanque subterrneo de gua, trata-se de rochas esponjosasimpregnadas de gua. Parece que ele o responsvel pela regularidade do fluxo de guas da baciaamaznica entre as pocas de seca e cheia. Ento, uma questo com importncia climtica e socialmuito grande, porque, por incrvel que parea, as comunidades ribeirinhas tm carncia de guapotvel, uma vez que a gua do rio no se pode beber, pois contaminada por material orgnico. Nonecessariamente material orgnico de origem antrpica, mas de micro-organismos que vivem e sereproduzem na gua e tornam essa gua imprpria para beber. possvel filtrar, mas os filtros noesto sempre disponveis. Enfim, se pudssemos fazer um poo e extrair gua para as comunidades,vilas etc., isso seria muito importante. Ento tecnologias sociais para a integrao, para odesenvolvimento, para a dignidade humana. Essas so as propostas. Outra proposta que mencionei, eque tambm est ao nosso alcance, ampliar de um fator pelo menos por dez os programas dedivulgao cientfica, de popularizao da cincia: semanas da cincia, programas de jardinsbotnicos e museus, enfim, lugares onde o povo possa ir e aprender mais, perder aquele temor que

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  • tem pela cincia como um instrumento de dominao, de expropriao da paz e das poucas riquezasao alcance de todos. Poderamos multiplicar os programas de intercmbio latino-americanos existehoje a Rede de Popularizao da Cincia na Amrica Latina, a Red Pop, inclusive dirigida pelabrasileira Luisa Massarani , que poderiam ajudar nesse projeto de integrao da Amrica Latina e daincluso social e da mobilizao no s de dez ou vinte milhes de pessoas atentas ao que acontece nomundo da cincia, mas cem, duzentos milhes que estejam atentos e mobilizados nos avanos e usopopular da cincia e da tcnica. Isso importante porque faz com que os adultos vejam com simpatiao interesse das crianas pelos avanos da cincia, por estudar, para conhecer e ser eles mesmosestudiosos da natureza, e reduzir o impacto dessas feiras de ignorncia que se espalham pelas nossasvilas e comunidades mais carentes, em que vendem salvao eterna em troca de uma perseveranteignorncia dos e temor perante os fenmenos naturais. Ento, esse foi o segundo ponto; eram quatro:eu acho que mencionei o Cincia Sem Fronteiras para a integrao latino-americana, a divulgao epopularizao da cincia, a cartografia social necessria e o aumento de conhecimento sobre osrecursos naturais no entendidos apenas como os recursos minerais e hdricos, mas incluindo nelestoxinas micro-organismos fitoterpicos e outros possveis. Esses eram os principais pontos.

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  • DEPOIMENTO

    Ivan Ramalho

    Ns estamos em um momento de ampliao em funo do ingresso de novos scios. Com o ingressoda Venezuela, ns demos incio a uma mudana importante no mapa geopoltico do Mercosul. Comovocs sabem, h cerca de vinte anos atrs, quando o Mercosul foi criado, ele estava concentradonaturalmente no Cone Sul: Argentina, Uruguai, Paraguai e principalmente as regies Sul e Sudeste doBrasil, que estavam mais prximas desses pases, e que naturalmente participaram mais desse processode integrao. Ora, agora com a entrada da Venezuela, a regio Norte brasileira passa a ter comovizinha tambm um Estado membro, e depois disso ns j tivemos tambm a confirmao da Bolvia; adeciso poltica da Bolvia ingressar como Estado Membro do Mercosul j foi tomada e hoje ns temosum grupo trabalhando j nas questes normativas. Naturalmente que h todo um cronograma,aprovao ainda dos parlamentos e tudo o mais. Alm desses dois, h tambm uma perspectiva grandedo Equador ingressar. Tivemos a associao tambm, agora recente, do Suriname e da Guiana. Todosso pases vizinhos da regio Norte. Ento, eu tenho comigo que existe uma importncia muito grandeprincipalmente para a regio Norte brasileira. Para a regio Centro-Oeste tambm, que j era vizinhado Paraguai, agora tambm da Bolvia. Eu acredito que isso deve levar a uma ampliao tanto docomrcio como da troca de investimentos. Isso vai ter um reflexo tambm nas questes sociais, nasiniciativas sociais do Mercosul, que so muitas. A gente tem que lembrar sempre que o Mercosulcomeou como um mercado, comeou com foco principalmente na questo do comrcio, mas oMercosul tem uma agenda social, uma agenda de cidadania muito grande, muito importante e que euacho que ns devemos sempre pedir s pessoas que conheam mais, por exemplo, o Plano Estratgicode Ao Social; o Instituto Social do Mercosul, que tem atividades importantes, com sede emAssuno; o Instituto de Direitos Humanos, que com sede em Buenos Aires, que tem uma diretora queest participando aqui, hoje. Ou seja, so muitas as decises, atribuies e iniciativas que existem noMercosul, que no se restringem questo apenas comercial, apenas de negcios.

    Na Amrica do Sul, quanto representa do PIB o comrcio feito pelo Mercosul?O PIB do Mercosul como um todo, que o Produto Interno Bruto dos cinco pases membros, hojesoma trs trilhes e trezentos bilhes de dlares. Isso corresponde a 83% do PIB de toda a Amrica doSul. Mas ns no estamos ainda computando, evidentemente, a Bolvia, assim como outros pases quepodero ser tambm Estados membros, acredito que no futuro relativamente prximo.

    Na sua interveno, o senhor falou sobre dados do crescimento do Mercosul, no ?Do comrcio tambm. Quando foi criado, ns tnhamos um comrcio intrazona, ou seja, entre ospases do Mercosul, de cinco bilhes de dlares; no ano passado, foi de 60 bilhes de dlares, ou seja,multiplicou por doze. No mesmo perodo, o comrcio mundial, como um todo, cresceu seis vezes.Portanto, o comrcio intrabloco dos pases do Mercosul cresceu o dobro do que cresceu o comrciomundial como um todo, o que uma prova indiscutvel, do meu ponto de vista, de que a integraotrouxe um benefcio bastante grande da perspectiva comercial, com muitas repercusses positivas paratodas as pessoas, as pessoas que trabalham, que produzem. Esse crescimento muito grande docomrcio tambm fez com que aumentasse a troca de investimentos. Indiscutivelmente, ajudoubastante em tudo o que veio depois, principalmente da agenda social de mobilidade das pessoas, daprpria mobilidade acadmica, que as pessoas podem trabalhar em outros pases, a contagem para aaposentadoria, por exemplo, se a senhora trabalha em outro pas, conta tempo para se aposentar no

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  • Brasil, e vice-versa, entre muitas outras: eliminao de visto, eliminao de passaporte para o trnsitodas pessoas. Eu digo sempre isso para enfatizar que o Mercosul no s um acordo de comrcio,como existem muitos no mundo. O Mercosul tem propostas e objetivos muito mais profundos no quediz respeito s pessoas e particularmente de ao social.

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  • ARTIGO

    Integrao regional e acordos de livre comrcio

    Samuel Pinheiro Guimares

    A convenincia da participao do Brasil em esquemas de integrao regional e da negociao deacordos de livre comrcio com pases altamente desenvolvidos, e altamente competitivos na reaindustrial, somente pode ser avaliada a partir da situao real da economia mundial e da economiabrasileira que se caracteriza hoje por quatro fatos principais:

    1. a estratgia dos pases desenvolvidos de procurar sair da crise atravs de polticas agressivasde abertura de mercados de terceiros pases, de proteo de sua produo domstica e demanipulao cambial, que desvaloriza suas moedas;

    2. a poltica chinesa de expanso de suas exportaes de produtos industriais e de abertura demercados para seus produtos e para seus investimentos, em especial para a produo decommodities (produtos primrios);

    3. a importncia do comrcio intrafirma que chega a atingir 60% do comrcio mundial, o quetorna limitada e bastante retrica o conceito de livre comrcio;

    4. a presena avassaladora de megaempresas multinacionais, e de empresas estrangeiras demenor porte, na economia brasileira, no s no setor industrial, mas crescentemente no setorde servios, tais como educao e sade.

    A alternativa estratgica, para os pases subdesenvolvidos como o Brasil, a uma poltica de inseroplena e irrestrita na economia mundial a participao em esquemas de integrao.

    Esta participao pode ocorrer:

    1. em esquemas em que se encontram pases desenvolvidos e pases subdesenvolvidos, como o caso do Nafta North America Free Trade Agreement, que inclui os Estados Unidos, oCanad e o Mxico;

    2. ou em esquemas em que se encontram somente pases subdesenvolvidos, como o caso doMercosul, de que participam a Argentina, o Brasil, o Paraguai, o Uruguai e a Venezuela;

    3. ou atravs de acordos de livre comrcio bilaterais, como o tratado de livre comrcio entre oChile e os Estados Unidos.

    No primeiro caso, a economia dos pases subdesenvolvidos (e sua poltica econmica interna e suapoltica externa) se torna altamente dependente da economia e das polticas praticadas pelo sciodesenvolvido e sobre as quais no tem influncia maior por no participar de seu sistemapoltico/administrativo e, portanto, das decises de poltica econmica que so adotadas peloGoverno do pas desenvolvido.

    No segundo caso, os pases subdesenvolvidos podem formar:

    1. uma zona de livre comrcio em que os pases eliminam os obstculos tarifrios e notarifrios ao comrcio intrazona enquanto mantm suas tarifas aduaneiras nacionais emrelao s exportaes de empresas situadas em terceiros pases extrazona;

    2. uma unio aduaneira em que os pases eliminam os obstculos tarifrios e no tarifrios aocomrcio intrazona e estabelecem uma tarifa aduaneira comum em relao s importaes

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  • provenientes de empresas situadas em pases extrazona;3. uma unio econmica (e eventualmente monetria) em que os pases integrantes da unio

    aduaneira tambm estabelecem polticas econmicas (cambial, tributria, trabalhista,creditcia, etc.) comuns.

    O Mercosul

    O Mercosul uma unio aduaneira, denominada de imperfeita, devido dupla cobrana de impostosde importao, excluso de setores, s extensas listas de excees, etc.

    Desde que o Mercosul foi criado, em 1991, foram os seguintes os seus principais resultados:

    1. o comrcio entre os pases do Mercosul aumentou mais de onze vezes desde 1991 enquantoque o comrcio mundial cresceu apenas cinco vezes;

    2. a expanso dos investimentos das empresas privadas nacionais dos pases participantes emoutras economias do Mercosul;

    3. o grande influxo de investimentos diretos provenientes de pases altamente desenvolvidos,com excedente de capital, e da China, dirigido aos pases do Mercosul;

    4. o financiamento de obras de infraestrutura nos pases do bloco por entidades financeiras depases do Mercosul;

    5. a criao de um fundo, o Focem - Fundo de Convergncia Estrutural do Mercosul, comcontribuies diferenciadas (97% do Brasil e da Argentina) para, atravs de recursos noreembolsveis, permitir a realizao de obras de infraestrutura, em especial no Paraguai e noUruguai, que recebem 80% dos recursos, com o objetivo de reduzir assimetrias entre os pasesmembros do Mercosul e criar melhores condies para o desenvolvimento;

    6. o aumento da mobilidade da mo de obra atravs da assinatura de acordos de residncia e deprevidncia social;

    7. a coordenao e o intercmbio de experincias em programas sociais, em especial no campode combate pobreza;

    8. a defesa e a consolidao da democracia.

    Para o Brasil, foram os seguintes os principais resultados da sua participao no Mercosul:

    1. o comrcio do Brasil com o Mercosul aumentou dez vezes entre 1991 e 2012 enquanto ocomrcio do Brasil com o mundo aumentou oito vezes;

    2. 84% por cento das exportaes do Brasil para os pases do Mercosul so produtosmanufaturados enquanto apenas 53% de suas exportaes para os Estados Unidos, 36% desuas exportaes para a Unio Europeia e 4% de suas exportaes para a China so produtosmanufaturados;

    3. os pases do Mercosul, em especial a Argentina, absorveram 21% das exportaes totais demanufaturados brasileiros;

    4. o Brasil teve supervits comerciais com todos os pases do Mercosul nos ltimos dez anosenquanto tem tido dficit, nos ltimos anos, com os pases altamente desenvolvidos;

    5. em 2013, o saldo comercial do Brasil com o Mercosul foi mais do que o dobro do saldo totalbrasileiro, compensando os dficits comerciais com os Estados Unidos de 11 bilhes dedlares e com a Unio Europeia, de 3 bilhes de dlares;

    6. as empresas de capital brasileiro realizaram investimentos importantes nos pases doMercosul, que constituem sua rea natural de expanso inicial para o exterior;

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  • 7. os emprstimos feitos pelo BNDES para a realizao de obras de infraestrutura em pases doMercosul resultam em contratos com empresas brasileiras de engenharia e na exportao debens e servios pelo Brasil;

    8. parte importante dos investimentos diretos estrangeiros que se realizam no Brasil tem comoobjetivo exportar para o conjunto de pases que constituem o Mercosul;

    9. a participao do Brasil no Mercosul permitiu contribuir para a consolidao e defesa dademocracia na regio e, portanto, para a estabilidade em nossa vizinhana imediata.

    Apesar de todos os seus xitos, o Mercosul criticado diariamente pela mdia que logrou construir,em amplos setores da opinio pblica, uma imagem negativa do Mercosul como sendo um acordo euma organizao fracassados, que prejudicam os interesses brasileiros, e de uma associaoinconveniente para o Brasil com pases como a Argentina e a Venezuela.

    Este antagonismo das grandes redes de televiso, dos jornais e das revistas de grande circulaodecorre no de um exame dos fatos concretos, mas sim de uma posio ideolgica que tem osseguintes fundamentos:

    1. o Brasil deve dar prioridade em suas relaes internacionais aos pases desenvolvidos porserem eles grandes mercados, grandes fontes de capital e principais geradores de tecnologia;

    2. o Brasil deve se associar aos pases altamente desenvolvidos por serem estes democraciasestveis e defensores dos direitos humanos;

    3. o Brasil deve se associar aos pases desenvolvidos por razes de identidade cultural eafinidade ideolgica.

    Em contraste, os pases subdesenvolvidos, nesse grupo includos os Estados da Amrica do Sul, seriampequenos mercados, sem capacidade de investir e sem dinamismo tecnolgico; seriam Estadospoliticamente instveis, periodicamente ditatoriais e violadores dos direitos humanos; seriamsociedades cultural e ideologicamente distintas da sociedade brasileira.

    Assim, no campo econmico, o Brasil no deveria participar de organismos como o Mercosul oude grupos de pases tais como os Brics e o Ibas (Frum ndia, Brasil e frica do Sul).

    No campo comercial, os rgos da grande mdia diariamente argumentam que:

    1. o Brasil deve se associar a esquemas como a Aliana do Pacfico que reuniria economias bemsucedidas e dinmicas;

    2. o Brasil tem de se integrar, com urgncia, nas cadeias produtivas mundiais;3. o Brasil est arriscado a ficar isolado dos grandes processos de negociao internacional em

    curso, tais como a TransPacific Partnership e o acordo de livre comrcio entre os EstadosUnidos e a Unio Europeia;

    4. o Brasil deve assinar acordos de livre comrcio com os pases altamente desenvolvidos aindaque para tal tenha de abandonar o Mercosul ou tenha de adotar uma estratgia de diferentesvelocidades, omitindo que isto acarretaria o abandono, na prtica, do Mercosul.

    A Aliana do Pacfico constituda por quatro Estados que tem acordos de livre comrcio com osEstados Unidos, quais sejam o Mxico, a Colmbia, o Peru e o Chile.

    Cada um desses quatro pases assinou acordos de livre comrcio com dezenas de outros Estadosou blocos de Estados, tais como a Unio Europeia e a China, uma decorrncia quase que necessria deterem negociado acordos com os Estados Unidos.

    O comrcio entre os pases da Aliana do Pacifico de pequena importncia, inclusive por noterem esses pases uma oferta exportvel diversificada, j que no possuem parques industriais

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  • significativos (exceto o Mxico, ainda que com caractersticas especiais decorrentes da presena dasmaquiladoras) e por serem competidores entre si no mercado internacional em muitos itens, emespecial minrios.

    Apesar de terem exibido taxas de crescimento relativamente altas nos ltimos anos isto nosignificou desenvolvimento econmico propriamente dito, pois no se diversificaram suas estruturasprodutivas e nem melhoraram os seus ndices de concentrao de renda e de riqueza.

    Aps assinar os acordos de livre comrcio com os Estados Unidos, as importaes do Chile, doPeru e da Colmbia, provenientes dos Estados Unidos, aumentaram muito mais do que suasexportaes para os Estados Unidos e essas exportaes, ao contrrio do que se argumentava paradefender a celebrao desses acordos, continuaram concentradas nos mesmos produtos tradicionais eno se diversificaram.

    Ao contrrio do que a grande mdia parece ignorar, voluntria ou involuntariamente, o Mercosul(e, portanto, o Brasil) tem acordos de livre comrcio com o Chile, o Peru e a Colmbia emconsequncia dos quais j ocorreu a reduo a zero da maior parte das tarifas bilaterais e, em 2019, ocomrcio entre o Mercosul (e o Brasil) e cada um desses pases da Aliana do Pacifico ser totalmentelivre.

    Quanto integrao na economia internacional e nas cadeias produtivas mundiais, o fato de ocomrcio exterior brasileiro ter crescido de 108 bilhes de dlares em 2002 para alcanar466 bilhes de dlares em 2012 e de o fluxo de investimentos diretos estrangeiros ter crescido de 26bilhes de dlares em 2002 para alcanar 84 bilhes de dlares em 2012 revela que a economiabrasileira est longe de estar isolada ou no integrada na economia mundial.

    Por outro lado, cerca de 40% do comrcio exterior brasileiro, em especial de produtosmanufaturados, um comrcio intrafirma o que significa integrao do parque industrial instalado noBrasil em cadeias produtivas mundiais das megaempresas multinacionais.

    No caso dos produtos primrios, como a soja e o minrio de ferro, o Brasil se encontra integradoem cadeias produtivas ainda que isto ocorra na extremidade de menor valor agregado dos produtosfinais dessas cadeias, isto , o Brasil exporta produtos primrios que so processados em pasesaltamente desenvolvidos e o resultado deste processamento muitas vezes so produtos que vem a serimportados pelo Brasil, como o caso de produtos siderrgicos importados pelo Brasil da China.

    A integrao do Brasil em cadeias produtivas globais decorre de decises das megaempresasmultinacionais que alocam diferentes etapas ou segmentos dos processos produtivos de certosprodutos em diferentes pases devido a diferenas de custo de insumos, inclusive trabalho, deimpostos e da existncia de vantagens relativas de crdito, de tributao, etc., e de localizaogeogrfica, como o caso do Mxico em relao aos Estados Unidos e dos pases da Europa Orientalem relao Alemanha.

    Certamente, o Brasil no poderia competir com outros pases, em especial asiticos, em termos decustos do trabalho, de benefcios tributrios ou de legislao ambiental a no ser que fosse promovidoum extraordinrio retrocesso da legislao trabalhista e da legislao ambiental, para o que no hnenhuma possibilidade de apoio poltico na sociedade brasileira.

    No h dvida de que os eventuais resultados das negociaes entre Estados Unidos e UnioEuropeia e das negociaes da Transpacific Partnership viro a afetar o Brasil. Porm, o fato inarredvelde o Brasil no ter litoral no Oceano Pacfico torna extremamente difcil reivindicar sua participaonas negociaes da TransPacific Partnership enquanto que no sendo o Brasil membro da UnioEuropeia (nem podendo ser por no estar situado naquele Continente) nem sendo parte dos EstadosUnidos torna impossvel participar das negociaes entre a Unio Europeia e os Estados Unidos, parao que, alis, ningum pensou em convid-lo.

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  • Um acordo entre a Unio Europeia e o Mercosul

    Finalmente, a mdia, organizaes empresariais e economistas defendem a negociao de um acordoentre a Unio Europeia e o Mercosul como indispensvel a uma melhor insero do Brasil naeconomia internacional, o que, segundo esses advogados, permitiria a retomada de altas taxas decrescimento.

    Seria interessante examinar as provveis consequncias de um acordo entre a Unio Europeia e oMercosul:

    1. como a tarifa mdia para produtos industriais, cerca de 4%, na Unio Europeia muito maisbaixa do que a tarifa mdia aplicada no Mercosul, que de cerca de 12%, a Unio Europeiateria no caso da eliminao recproca da maior parte, digamos 90%, das tarifas muito maiorvantagem do que o Brasil e o atual dficit brasileiro no comrcio de produtos industriais coma Europa, que j significativo e crnico, se agravaria ainda mais; o fato de o perodo dedesgravao ser de quinze anos no afeta este argumento;

    2. a reduo e a eventual eliminao das tarifas de importao do Mercosul (inclusive do Brasil)no teria efeito positivo sobre o nvel tecnolgico atual da indstria instalada no Brasil pois,de forma geral, a importao de bens de capital j est livre de direitos quando no h similarnacional. As empresas produtoras de bens de capital, nacionais ou estrangeiras instaladas noBrasil, no caso de total liberalizao do comrcio sofreriam forte impacto e talvezdesaparecessem;

    3. como o nvel tecnolgico mdio da indstria brasileira inferior ao nvel mdio da indstriana Unio Europeia, aquela no teria condies de concorrer nos mercados europeus nemnos mercados do prprio Mercosul com os produtos exportados pela indstria europeia,agora livres de direitos aduaneiros;

    4. um dos estmulos para os investimentos diretos industriais europeus nos pases do Mercosul,que saltar a barreira tarifria para produzir e competir no mercado interno do bloco,deixaria de existir;

    5. em consequncia, o fluxo de investimentos diretos estrangeiros para a indstria no Mercosul(principalmente para o Brasil e a Argentina) diminuiria, com efeitos negativos para oemprego e para o prprio equilbrio do balano de pagamentos;

    6. uma das consequncias da eliminao de tarifas sobre as importaes de produtos industriaiseuropeus que seria, possivelmente em muitos casos, melhor exportar para o mercadobrasileiro do que continuar a produzir aqui e assim os investimentos produtivos hojeexistentes poderiam regressar para seus pases de origem ou no aumentar sua capacidadeinstalada no Mercosul;

    7. as regras relativas a investimentos estrangeiros, propriedade intelectual, comrcio deservios, compras governamentais, defesa comercial se tornariam ainda mais favorveis smegaempresas multinacionais do que se tornaram em decorrncia da Rodada Uruguai,concluda em 1994, que levou criao da Organizao Mundial do Comrcio;

    8. a possibilidade dos Governos do Mercosul de implementarem, nacional ou regionalmente,polticas industriais, comerciais e tecnolgicas se tornaria ainda menor, devido, como dizemos economistas, reduo ainda maior do policy space (espao legal para a execuo depolticas) em decorrncia dos compromissos assumidos no eventual acordo;

    9. a possibilidade de implementar polticas nacionais e regionais preferenciais para as empresasinstaladas nos pases do Mercosul nos setores de servios, compras governamentais e outrosdeixaria de existir;

    10. a eliminao das tarifas industriais decorrentes de um acordo Unio Europeia/Mercosul

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  • eliminaria a preferncia de que gozam hoje as empresas situadas no Mercosul em relao sempresas situadas fora do Mercosul e, portanto, para as empresas da Unio Europeia, oMercosul, cuja essncia a tarifa externa comum, deixaria de existir;

    11. a assinatura de um acordo de livre comrcio entre a Unio Europeia e o Mercosul, aoprivilegiar as empresas europeias no comrcio com o Mercosul (e com o Brasil) acarretariaimediatamente solicitaes de nossos principais parceiros comerciais, isto , a China, osEstados Unidos, o Japo para que negocissemos com eles acordos semelhantes, o que seriapraticamente impossvel de recusar;

    12. a tarifa externa comum, essncia de uma unio aduaneira, que j teria deixado de existir paraas empresas da Unio Europeia, deixaria de existir para os Estados Unidos, para o Japo, paraa China e para outros pases o que significaria o fim do Mercosul, como unio aduaneira ecomo instrumento de desenvolvimento;

    13. a possibilidade de desenvolvimento industrial brasileiro a partir de empresas nacionais eestrangeiras instaladas no Brasil deixaria igualmente de existir;

    14. os efeitos sobre o emprego seriam significativos, com srias consequncias sociais para pasesde elevado nvel de urbanizao, como a Argentina e o Brasil, j que o salrio mdio portrabalhador na indstria vrias vezes superior ao salrio mdio do trabalhador naagricultura e na minerao;

    15. no que diz respeito ao comrcio de produtos agrcolas, altamente regulamentado na UnioEuropeia, que considera a proteo sua agricultura uma questo estratgica, o acordo nolevaria a uma liberalizao geral do comrcio e do acesso dos produtos agrcolas doMercosul (e brasileiros) aos mercados europeus;

    16. a Unio Europeia estaria disposta a conceder ao Mercosul to somente quotas de importao,livres de direitos, para determinados produtos agrcolas, o que no significa necessariamenteum aumento das receitas brasileiras (e dos outros pases do Mercosul) com a exportaodesses produtos;

    17. segundo a informao disponvel, o volume de cada uma dessas quotas oferecidas pela UnioEuropeia poderia ser, inclusive, inferior ao volume atualmente exportado pelos pases doMercosul;

    18. esta oferta europeia beneficiaria em princpio no o Estado brasileiro em termos de aumentodas receitas de exportao, pois no aumentariam os volumes exportados enquanto que osexportadores de produtos agrcolas se beneficiariam apenas na hiptese de serem mantidosos preos pagos pelos importadores.

    A eventual assinatura de um acordo entre a Unio Europeia e o Mercosul tornaria impossveisnegociaes futuras para a ampliao das quotas de importao eventualmente concedidas pelaEuropa j que a Unio Europeia j teria atingido, ao obter a eliminao de tarifas para 90% dasposies tarifrias industriais, o seu objetivo estratgico que a abertura do mercado brasileiro (e doMercosul) para suas exportaes, e ao mesmo tempo manter sua poltica agrcola protecionista e asobrevivncia de sua agricultura subsidiada e ineficiente.

    O desenvolvimento econmico e social brasileiro depende do fortalecimento de seu setorindustrial enquanto que a defesa dos interesses brasileiros, polticos e econmicos, na esferainternacional, cada vez mais competitiva e conflituosa, dependem do fortalecimento do Mercosul,etapa indispensvel para a integrao da Amrica do Sul.

    O eventual acordo Unio Europeia/Mercosul ser o incio do fim do Mercosul e o fim dapossibilidade de desenvolvimento autnomo e soberano brasileiro e do objetivo estratgico brasileirode construir um bloco econmico e poltico na Amrica do Sul, prspero, democrtico e soberano.

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  • ARTIGO

    La integracin regional como proyecto estratgico y laparticipacin popular

    Mariana Vzquez

    La idea de unidad ha estado presente en Amrica Latina a lo largo de los 200 aos de cada uno denuestros bicentenarios. Esta idea, en su potencia ms emancipatoria, ha estado vinculada siempre a losobjetivos del desarrollo, la autonoma e independencia poltica de nuestra regin.

    Es en este marco, pensamos, en el cual nos parece preciso instalar en este nuevo Encuentro delFoMerco, el debate sobre la participacin popular en el Mercosur y en la integracin regional: en elmarco de un proyecto emancipatorio, integracin regional, soberana popular y participacin socialestn irrenunciablemente ligadas. Es decir, la participacin popular no es relevante para cualquierproyecto de integracin.

    Ahora bien, en qu contexto estamos debatiendo sobre ello; cul es la foto o, al menos, loselementos que nos gustara destacar de esta foto.

    He organizado esta presentacin en tres partes. En primer lugar, me gustara compartir unas brevesreflexiones sobre el contexto global en el cual pensamos nuestra integracin. En segundo lugar, harreferencia a la trayectoria del Mercosur, introduciendo el interrogante acerca de si el cambio de ciclopoltico ha dado forma a una integracin de nuevo tipo. Y, en tercer lugar, al momento actual y aalgunos de sus desafos.

    Contexto global / El mundo

    Quisiera destacar algunos de sus elementos, significativos a la hora de reflexionar sobre la integracinsudamericana:

    En primer lugar, la crisis, que potencialmente puede ser civilizatoria, y sus diversoscomponentes ms o menos articulados entre s: el econmico-financiero, es decir, la crisis deun modo de acumulacin basado en la especulacin financiera a escala planetaria; el social;y, por ltimo, la crisis de las formas tradicionales de la democracia, tanto en los pasesdesarrollados como en su esquema de integracin por excelencia, la Unin Europea.En segundo lugar, la transicin hacia una nueva configuracin de las relaciones de poder enel escenario mundial: esta transicin se caracterizara por el ascenso de nuevos poderes, delsur y del este, con China como principal protagonista. Ahora bien, esa transformacin encurso no se ha visto reflejada, y entra en tensin, con las organizaciones multilaterales (OMC,FMI, ONU) que congelan el mapa de la segunda posguerra y las relaciones asimtricas,siempre asimtricas, que lo caracterizaron.En tercer lugar, el traslado de los centros dinmicos del capitalismo global: estareconfiguracin est anclada fundamentalmente en el dinamismo de estas economas,particularmente de China, que desplazan a EEUU y a la UE, no casualmente los dos ltimosepicentros de la crisis y, no casualmente tampoco, protagonistas en estos das de diversosintentos de reconfiguracin del mapa regulatorio del comercio mundial. Estos intentos seexpresan en la negociacin o profundizacin de nuevos acuerdos de este tipo. Me refiero,

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  • particularmente, al acuerdo de asociacin trans-pacfico (TPP), al acuerdo de libre comercioentre la Unin Europea y Japn, al acuerdo transatlntico sobre comercio e inversin entrelos EEUU y la Unin Europea (TTIP); y al acuerdo de asociacin econmica integral regional(RCEP).

    Por ltimo, la crisis de la Unin Europea: como proyecto econmico, poltico y social y, sin ningunaduda, como poder normativo global, es decir, como pretendido modelo de integracin para otrasregiones. No tenemos mucho tiempo para desarrollarlo aqu, pero quisiera destacar que lo que entraen crisis es un modelo de integracin de mercado, es decir, un modelo en el cual la poltica, comoprctica poltica y como poltica pblica orientada a una redistribucin equitativa de la riqueza dentroy entre las naciones, est completamente ausente.

    En un mundo en transicin, dnde es ms que pertinente volver a hacernos una y otra vez lapregunta acerca de cul deseamos que sea el lugar de nuestra regin y cul es el papel de nuestraintegracin en funcin de nuestros objetivos ms ambiciosos.

    El Mercosur

    El Mercosur naci en un perodo de hegemona del paradigma neoliberal, base del Consenso deWashington. Se trata del conjunto de ideas que parten de la premisa de que el mercado, por s solo,funciona adecuadamente. Esta premisa, hace tiempo ya, ha sido definida por Polanyi como la falaciams eficaz nunca inventada. En la prctica, responde a intereses bien concretos: los del capitalismoms concentrado, violento y predatorio. En el sur de Amrica dio lugar, tambin, a una integracin demercado.

    El que podramos llamar Consenso de Asuncin, reflejado en parte en el tratado que dio origenal bloque y, fundamentalmente, en qu de l implementado (programa de liberalizacin), fue uninstrumento para anclar en un acuerdo internacional y en estructuras regionales, las polticas deapertura y liberalizacin indiscriminadas encaminadas, en aquellos tiempos, en las arenas nacionales.Las consecuencias de estas polticas, en trminos de exclusin, pobreza, miseria, desigualdad,profundizacin de las asimetras entre los pases, deslegitimacin de la democracia y de la polticacomo herramienta de transformacin y, por ltimo, de prdida de dignidad en el concierto denaciones, son conocidas ampliamente.

    Desde fines del siglo XX en Sudamrica y, concretamente, en el Mercosur, desde 2003, asistimos aun cambio importante en el ciclo poltico regional. Una expresin sin duda central de esta nueva etapaes la firma del Consenso de Buenos Aires, por Kirchner y Lula: este mes se han cumplido 10 aos deaquel acuerdo programtico que dara cuenta de los nuevos objetivos polticos, destacando en suprimer punto el derecho de los pueblos al desarrollo.

    Cada una de las afirmaciones de aquel documento se plasmar, en el transcurso de los aos, enacuerdos polticos y conceptuales y en polticas concretas de una integracin de nuevo tipo. Me gustacaracterizar esta nueva etapa del Mercosur a travs de los siguientes elementos:

    La incorporacin, en las polticas del bloque, de todo aquello que podra englobarse en losconceptos de agregacin de valor, ampliacin de derechos e inclusin. Polticassociales, agricultura familiar, cooperativismo, integracin productiva, polticas tendientes adisminuir las asimetras entre los Estados y en el interior de sus territorios, estaban ausentes enla etapa previa y slo aparecen en la agenda del bloque a partir de 2003-2004.La transformacin de los objetivos polticos de viejas agendas (socio laboral, educacin)desde una visin de mercado a una visin de ampliacin de derechos;

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  • La creacin de una nueva institucionalidad, que busca dar cuenta de estas transformaciones(Instituto Social del Mercosur, Instituto de Polticas Pblicas de Derechos Humanos delMercosur, etc.);El cambio en el posicionamiento del bloque en una negociacin tan trascendente como la delAlca, cambio que ser la condicin de posibilidad del fortalecimiento del nuevo Mercosur yde la creacin de la Unasur.La puesta en valor histrico por parte del liderazgo regional, nuevamente, de la idea de launidad.

    El Mercosur hoy, en una nueva encrucijada histrica

    El Consenso de Buenos Aires fue el smbolo del cambio de poca, es decir, el smbolo de una etapabisagra, en la cual lo viejo comenzaba a morir y lo nuevo comenzaba a nacer. La etapa actual, unadcada despus, requiere un nuevo Consenso. Por un lado, para consolidar las conquistas de la ltimadcada. Y, por otro lado, para profundizar las transformaciones.

    La entrada de la Repblica Bolivariana de Venezuela al Mercosur es, a la vez, la continuidad deeste cambio de poca y una nueva etapa, en la cual el bloque se potencia y asume un nuevo estatusinternacional.

    Con la entrada de este pas, el Mercosur adquiere una nueva dimensin geopoltica ygeoeconmica. El bloque pasa a ser la quinta economa mundial (luego de EEUU, China, Alemania yJapn); concentra ahora el 59% del PBI de Amrica Latina y, con 275 millones de habitantes,representa el 47% de la poblacin total de la regin. La incorporacin de Venezuela convirti alMercosur en una potencia alimentaria y energtica. Venezuela posee la primera reserva comprobadade petrleo del mundo (297 millones de barriles en 2010).

    Cules son los desafos de esta nueva etapa?

    Enfrentar un proceso de transicin y crisis en el sistema internacional;Enfrentar el desafo de una ampliacin virtuosa;Considerar y contemplar los diversos proyectos nacionales de desarrollo en pos de suconvergencia con equidad;Lograr articular con sentido colectivo el bien pblico que constituye la nueva situacingeopoltica y geoeconmica del Mercosur;Fortalecer y cuidad a nuestra Amrica del Sur como un espacio de democracia y paz,rechazando toda presencia neocolonial y/o militarizada en la regin;Construir un nuevo pensamiento, basado en las tradiciones ms nobles del ideario y teorasemancipatorias de la regin, que d cuenta de lo hecho y aporte reflexiones para los nuevostiempos. Es lo que el ex presidente Lula ha llamado la doctrina de la integracin y lapresidenta Fernandez el nuevo Consenso del Sur.

    Es complejo intentar responder al interrogante acerca de si el cambio poltico ha dado nacimiento auna integracin de nuevo tipo. En el Mercosur actual, lo viejo y lo nuevo coexisten. En las dimensionesno comerciales, la integracin se ha profundizado y ampliado, generando un esquema de grandensidad. Importantes acuerdos polticos, instituciones y acciones coordinadas dan cuenta de ello. Sinembargo, la hegemona de la dimensin comercial, plasmada en una estructura institucional y unalgica negociadora que no han sido modificadas sustancialmente, diluye en gran parte la fuerza de ladinmica transformadora. Sin un cambio profundo de esta herencia, se bloquean importantes avancesen pos de una integracin de los pueblos.

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  • Es aqu, tal vez, donde ms cobra sentido todo esfuerzo que promueva un mayor protagonismopopular. En la tensin entre poltica, democracia y burocracia, por un lado; o, por otro, la tensinentre poder popular y poderes fcticos, el protagonismo popular hace la diferencia. El fortalecimientode los mecanismos de participacin debe ser, con certeza, uno de los componentes de ese nuevoconsenso. Aunque mucho se ha avanzado, en esta etapa que llamara de post-resistencia, mucho nosfalta a la hora de encontrar los caminos ms efectivos para hacerlo. Debemos encontrar nuevas formas,instrumentos y articulaciones. Salir de las estructuras y formatos de viejas pocas, que no han resultadosuficientes. sta reflexin es una responsabilidad conjunta de gobiernos, fuerzas polticas ymovimientos sociales. El desafo ms importante es crear y, sobre todo, crear juntos.

    Porque lo mejor que el Mercosur puede darle al mundo en esta crisis civilizatoria es mostrar unaregin del planeta en la cual la inclusin, la paz, el respeto a la diversidad, el respeto al derechointernacional y al Estado de derecho, a los derechos humanos, as como el rechazo a cualquier formade dominacin, abuse y neocolonialismo, son posibles. Este Mercosur slo puede construirse conmayor participacin popular.

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  • II.Desenvolvimento, industrializao, recursosnaturais e a nova arquitetura financeira daintegrao no sculo XXI

    INTRODUO

    Desenvolvimento, industrializao, recursos naturais e arquitetura financeira

    Raphael Padula

    DEPOIMENTO

    Ricardo Canese

    ARTIGOS

    Sobre a arquitetura da integrao no sculo XXI

    Andr Calixtre

    Desenvolvimento dos recursos naturais como eixo dinmico da Integrao regional

    Jos Carlos de Assis

    Por una integracin que integre, por un desarrollo que libere

    Jos Felix Rivas

    A construo da teoria do subdesenvolvimento: um exame comparativo das contribuies de Nurske, Rostow, Myrdal e Furtado

    Vera Alves Cepda e Rafael Gumiero

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  • INTRODUO

    Desenvolvimento, industrializao, recursos naturais e arquiteturafinanceira

    Raphael Padula

    A independncia formal dos pases da Amrica do Sul no mudou a sua forma subordinada deinsero poltica e econmica no sistema internacional. Ao buscar manter sua riqueza e sua posiopoltica privilegiada, suas elites polticas e econmicas se atrelaram aos interesses polticos eeconmicos de potncias externas expansivas, que desejavam manter uma relao econmica epoltica privilegiada e assimtrica com os nossos pases, tendo acesso facilitado aos seus recursosnaturais e mercados. Assim, nasceram Estados independentes com baixa influncia poltica nas regrase decises polticas do sistema internacional, e economias exportadoras de bens de baixo valoragregado (commodities), sem qualquer projeto poltico para mudar tal condio. Isso fez com que seformasse uma regio politicamente e economicamente fragmentada, com pases de costas uns para osoutros, sem buscar uma articulao poltica e econmica robusta e consistente, mas buscandoproximidade com pases centrais, o que abre espao para a projeo poltico-militar, econmica eideolgico-cultural destes ltimos.

    A partir dos anos 1970, o sistema interestatal presenciou um ciclo geopoltico de acelerao de suapermanente competio entre Estados pelo controle e acesso privilegiado a territrios que contenhamrecursos estratgicos ou que sejam importantes rotas para a comercializao eficiente e segura destesrecursos. So recursos que em termos globais so relativamente escassos e/ou concentrados em algunsterritrios, predominantemente nos pases de menor grau de desenvolvimento socioeconmico epoder militar, e que ao mesmo tempo so crticos para a expanso industrial e do poder militar depases ricos e militarmente fortes, com maior influncia no sistema internacional. A recente aceleraose deve a uma perda relativa de poder ou crise de hegemonia por parte dos Estados Unidos, com acrise do padro dlar-ouro, a necessidade de enquadrar possveis rivais e vencer a Guerra Fria especialmente aps a invaso sovitica ao Afeganisto e revoluo iraniana. Nesse perodo, os EUAabandonam sua hegemonia benevolente e retraam sua estratgia expansiva. Ainda, no ps GuerraFria, as potncias emergentes da sia com grandes populaes e crescentemente demandantes derecursos principalmente China e ndia, a retomada de uma poltica nacionalista da Rssia nos anos2000, e o desejo de potncias tradicionais de manter suas posies, pressionam ainda mais essa corridadentro da dinmica inerente do sistema estatal, onde as potncias tradicionais buscam manter o statusquo e um grupo de Estados almeja ascender na hierarquia poltica e econmica internacional.

    A Amrica do Sul encerra significativos recursos estratgicos, tanto no continente quanto no seuentorno martimo - em sua plataforma continental (mar territorial), em reas internacionais, ealcanando a costa ocidental da frica. No continente temos terras frteis e encontramos mineraismais comuns e mais raros, biodiversidade, reservas de gua doce, potencial hidrulico,hidrocarbonetos (gs e petrleo), entre outros recursos de grande valia. No entorno martimo, alm depetrleo e gs, no leito marinho encontramos minerais, em crostas cobaltferas, ndulos e sulfetospolimetlicos. Nesse sentido, podemos destacar sub-regies no continente cujas condiesgeogrficas levam a implicaes geopolticas: a Amaznia, a Bacia do Prata e o litoral Pacfico almdo Atlntico Sul. So reas que despertam interesses polticos e econmicos e onde se constatam cadavez mais a intensa atuao das grandes potncias e de potncias emergentes de fora da regio. O Brasilpossui uma posio estratgica em relao a todas as reas geopolticas citadas, exceto o litoralpacfico, rea com a qual busca maior contato e acesso facilitado. As regies ricas em recursos

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  • estratgicos tendem a ser crescentemente incorporadas como fronteiras geopolticas da expansocapitalista, sofrendo assdio de grandes potncias e suas grandes empresas (privadas e estatais). Soreas que contm recursos estratgicos para o funcionamento da economia e para o desenvolvimentoeconmico e militar das potncias tradicionais e emergentes.

    Nos anos 1960 e 70, a experincia de integrao da Alalc fracassou em levar adiante a integrao naAmrica Latina, tanto pela rigidez e ousadia presentes em suas regras e metas entre pases desiguais, nabusca de formao de uma rea de livre comrcio regional, quanto pelas estratgias individuaisadotadas pelos governos dos pases, deixando para segundo plano a esfera da integrao. Assim, aAladi substituiu a Alalc, buscando uma integrao mais gradual e flexvel, atravs de acordos parciais,que levariam no longo prazo integrao de toda regio.

    De um ponto de vista econmico, Ral Prebisch, em documento publicado pela Cepal em 1959,fez uma ampla reflexo sobre as possibilidades de industrializao conjunta e reduo devulnerabilidade externa dos pases perifricos latino-americanos, mudando sua condio nocomrcio internacional e sua dependncia da dinmica do mercado internacional. O autor observa oslimites de estratgias individuais e a importncia da formao de um amplo mercado regional,necessrio para viabilizar a implantao de indstrias tecnologicamente mais avanadas e cada vezmais complexas, que deveriam ser planejadamente distribudas pelos pases da regio, formando umadiviso regional do trabalho baseada na produo e comrcio de bens industriais. Para Prebisch, ospases economicamente mais avanados da regio deveriam ter um papel diferenciado:especializando-se na produo de bens de capital, favorecendo e financiando as exportaes dosdemais pases da regio (menos avanados) de bens manufaturados finais, para que haja ganhosrecprocos, e tendo um papel especial no financiamento do desenvolvimento dos pases de menorgrau de avano. Assim, as vantagens da integrao no se concentrariam em um pequeno grupo depases.

    No entanto, a retomada do processo de integrao na Amrica do Sul, nos anos 1980 e 1990,acabou sendo apropriada pela ideologia neoliberal, e no pela proposta de Prebisch. Apoiada na forapoltica dos Estados centrais e tambm na ideologia neoliberal que prometia uma globalizaohomogeneizadora conduzida pelo mercado, as polticas de desregulao econmica chegaram comfora na Amrica Latina, especialmente atravs das recomendaes do Consenso de Washington. Talentendimento logo atingiu a concepo sobre a integrao regional. Vrios acordos regionais foramfirmados na regio sob o manto neoliberal, com vis mais comercialista, onde se destacam o Mercosule a Comunidade Andina de Naes - CAN. A concepo do regionalismo aberto, apoiada noeconomicismo cepalino dos anos 1990, tornou-se a viso dominante sobre integrao na AmricaLatina. Promovendo uma integrao voltada para o objetivo de formar reas de livre comrcioregionais e, consequentemente, blocos polticos com capacidade de negociar de forma mais eficiente aintegrao econmica global, essa viso se coadunava s reformas de mercado levadas pelos Estadosda regio. Ao colocar a poltica a servio da economia, buscava colocar os recursos naturais da regio disposio dos mercados e cadeias produtivas globais dominadas por grandes empresastransnacionais com matrizes nos Estados centrais aprofundando a competitividade dos pases naproduo e exportao de commodities de baixo valor agregado e baixa intensidade e tecnolgica.Ainda, o novo regionalismo pregado pelo BID, enfatizou a importncia de arranjos de integraoentre pases do hemisfrio Sul, abundantes em mo de obra barata e recursos naturais (eoportunidades de explor-los) mas carentes de capitais, e pases do hemisfrio Norte, bem-dotados detecnologias e capitais, mas carentes de recursos.

    No entanto, as polticas neoliberais no trouxeram os resultados socioeconmicos esperados spopulaes dos pases sul-americanos. Com isso, nos anos 2000, ascenderam ao poder governos maisprogressistas crticos ao neoliberalismo, de diferentes matizes, que estabeleceram novas demandas agenda regional e, sem eliminar as propostas de regionalismo aberto, impulsionaram um revisionismoaos processos de integrao originados sob esta concepo apoiada por potncias de fora da regio e

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  • por interesses de grupos especficos dentro da regio. A Unasul, fruto desta tendncia revisionista,ensaiou uma aproximao entre Mercosul e Comunidade Andina de Naes - CAN no campoeconmico, ainda que invivel no atual contexto de diferentes perspectivas de integrao. Trata-semais de uma iniciativa poltica na qual os pases avanam e colocam dilogos em pauta sobre temasrelevantes, e que mostrou papel importante em contextos de instabilidade interna e atentado democracia em alguns pases (Bolvia e Equador). Com a constituio da Unasul, abriram-se novaspossibilidades de tratamento de temas que j vinham ganhando espao na ampliao da agendaintegracionista nos anos 2000. Entre os temas tratados, merecem destaque: a complementaridadeprodutiva; a resoluo de assimetrias; a soberania sobre os recursos naturais e sua utilizao de formaracional e favorvel ao desenvolvimento das economias e qualidade de vida das sociedades dospases da regio; a integrao de infraestrutura energia, transportes e comunicaes ; e odesenvolvimento conjunto dos pases de forma equilibrada. Os conselhos setoriais da Unasul foramcriados para tratar de temas de fundamental importncia no mbito da integrao, muitos desses quevinham sendo colocados em pauta ao longo dos anos 2000.

    O Conselho Sul-Americano de Economia e Finanas apresenta entre seus objetivos gerais: odesenvolvimento socioeconmico igualitrio entre os pases da regio, combatendo assimetrias,mediante mecanismos concretos e efetivos para promover a complementaridade produtiva; avanarna cooperao econmica, comercial e setorial; e desenvolver propostas orientadas para pequenas emedias empresas e iniciativas de desenvolvimento local. Na esfera macroeconmica e financeira, oconselho deve promover a integrao financeira mediante a adoo de mecanismos compatveiscom as polticas econmicas e fiscais dos Estados Membros , impulsionar o uso de moedas locais eregionais em transaes comerciais intrarregionais, possibilitar a cooperao para gerar ummecanismo regional de garantias que facilite o acesso a diferentes formas de financiamento, promoverestratgias e aprofundar a cooperao entre bancos centrais e a administrao de reservasinternacionais, desenvolver polticas e mecanismos de monitoramento de fluxos de capitais e decooperao em caso de crises de balano de pagamentos, e promover mecanismos de coordenao depolticas macroeconmicas.

    Em uma regio que contenha recursos estratgicos e potenciais energticos, so urgentes polticasque almejem o desenvolvimento e o domnio poltico e econmico dos recursos, buscando promovera autonomia estratgica regional. Os pases devem considerar uma poltica conjunta de planejamentoenergtico que leve em conta as ofertas e suas necessidades internas, separadamente e em conjunto,com suas diferentes matrizes (fontes) energticas. Em todos os projetos energticos, alm dacooperao tecnolgica, o compartilhamento do financiamento e de riscos um fator importante. Aoferta e autossuficincia energticas so necessrias no s por motivos socioeconmicos, mas paraaumentar a independncia e a influncia poltica. A energia fator fundamental para as possibilidadesde desenvolvimento socioeconmico, atravs de uma maior disponibilidade de energia para projetosindustriais de maior valor agregado, geradores de emprego e renda.

    Apesar da abundncia de recursos energticos, a Amrica do Sul apresenta uma distribuio nohomognea e um subaproveitamento de seus recursos potenciais. A regio rica em potencialenergtico hdrico, com grande potencial inexplorado nas reas da Amaznia e da Bacia do Prata, comsignificativas possibilidades de projetos conjuntos entre pases. Olhando para a regio como um todo,encontramos poucas interconexes eltricas e divididas basicamente em dois grupos isolados: umenvolvendo os pases do Cone Sul da regio e outro mais ao norte entre envolvendo Equador-Colmbia-Venezuela. A ainda rarefeita malha de gasodutos da regio se concentra no Cone Sul. Emrazo disso, vrios pases, especialmente no Cone Sul do continente Argentina, Chile e Uruguai ,possuem problemas recorrentes de abastecimento energtico. A razo para isso est tanto na falta deinvestimentos na explorao de recursos energticos q