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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL CURSO DE MESTRADO DANIELA SCHMITZ WORTMEYER DESAFIOS DA INTERNALIZAÇÃO DE VALORES NO PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO ORGANIZACIONAL: UM ESTUDO DA FORMAÇÃO DE OFICIAIS DO EXÉRCITO Rio de Janeiro Maio de 2007

DESAFIOS DA INTERNALIZAÇÃO DE VALORES NO …livros01.livrosgratis.com.br/cp053973.pdf · A socialização organizacional tem sido enfocada como um processo de aprendizagem que ocorre

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PSICOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIALCURSO DE MESTRADO

DANIELA SCHMITZ WORTMEYER

DESAFIOS DA INTERNALIZAÇÃO DE VALORES NO

PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO ORGANIZACIONAL: UM

ESTUDO DA FORMAÇÃO DE OFICIAIS DO EXÉRCITO

Rio de Janeiro

Maio de 2007

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PSICOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIALCURSO DE MESTRADO

DANIELA SCHMITZ WORTMEYER

DESAFIOS DA INTERNALIZAÇÃO DE VALORES NO

PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO ORGANIZACIONAL: UM

ESTUDO DA FORMAÇÃO DE OFICIAIS DO EXÉRCITO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Psicologia Social. Orientador: Prof. Dr. Wilson Moura

Rio de Janeiro

Maio de 2007

A todos aqueles que, pelejando nos desafios do mundo, mantêm o foco na pureza

de seus sonhos.

AGRADECIMENTOS

A realização desta pesquisa só foi possível graças ao apoio de muitos. Recebi

diversos tipos de auxílio e incentivo ao longo do percurso, de maneira direta e indireta, e não

há como nominar aqui todas as pessoas a quem gostaria de agradecer. Por isso, inicio

agradecendo de modo geral a todos os que acreditaram na importância deste trabalho,

contribuindo para sua realização.

Agradeço aos oficiais dos diversos escalões de comando que permitiram e

apoiaram a realização desta pesquisa: ao General-de-Divisão Ronald Silva Marques, ex-

Diretor de Formação e Aperfeiçoamento; ao General-de-Divisão Claudimar Magalhães Nunes

(in memoriam), ex-Comandante da AMAN; ao General-de-Brigada Marco Antônio de Farias,

ex-Comandante da AMAN; ao General-de-Brigada Gerson Menandro Garcia de Freitas, atual

Comandante da AMAN; ao Coronel R1 João da Costa Paiva Filho, ex-Subcomandante da

AMAN; ao Coronel R1 Ângelo Vicente Cremonese, ex-Chefe da Divisão de Ensino; ao

Coronel Fernando Marques de Freitas, atual Chefe da Divisão de Ensino; ao Coronel Carlos

César Araújo Lima, ex-Comandante do Corpo de Cadetes; ao Coronel Affonso Henrique

Stanislawczuk de Moura, atual Comandante do Corpo de Cadetes; ao Coronel Luiz Cláudio

Cyrillo, ex-Subcomandante do Corpo de Cadetes; ao Tenente-Coronel José de Aquino Junior,

ex-Chefe da Seção Psicopedagógica, e ao Tenente-Coronel Wagner Pina Stoffel, atual Chefe

da Seção Psicopedagógica.

Ao Professor Celso Corrêa Pinto de Castro, ao Coronel R1 Geraldo Mendes

Gutian e ao Tenente-Coronel R1 Sérgio Gomes, pessoas que desempenharam importantes

papéis nas etapas preliminares à elaboração do projeto de pesquisa, contribuindo para que este

viesse a se concretizar.

Aos companheiros da Seção Psicopedagógica, em especial ao Major Marcelo

Souza de Araújo e à Primeiro-Tenente Suzanne Távora Alencar de Oliveira.

A Flávio Ferreira da Silva, pelo apoio na realização dos grupos focais e valiosa

interlocução; a Roberto Campos Leoni, pelo auxílio na análise estatística; e a Susana Schmitz,

pelo auxílio na tradução do resumo para a Língua Inglesa.

Ao Professor Wilson Moura, pela orientação e inestimável oportunidade de

compartilhar de sua ampla vivência e conhecimento no campo da psicologia organizacional.

5

Aos colegas do Curso de Mestrado, Túlio de Alcântara Valente e Maria Lúcia de

Sousa Moreira, pelo companheirismo ao longo da árdua jornada.

A Charles George Wortmeyer, pelo desenvolvimento do programa para aplicação

dos questionários e, principalmente, pela fundamental parceria existencial.

A todos os cadetes e oficiais que se dispuseram a participar da pesquisa, cujos

nomes deixo de mencionar por razões éticas. Sem sua colaboração, todo o esforço dedicado

ao trabalho teria sido em vão.

Não dá pra generalizar uma coisa. Não dá, não existe generalizar: “todo mundo que...” A formação na Academia, pra mim, não é como matemática: dois mais dois, quatro. É humana. Tem várias variações, várias coisas, tem vários fatores ali. É complicado. (Cadete do 1º Ano).

Toda descoberta de um limite ao conhecimento é ela própria um progresso de conhecimento. Toda introdução de contradição e de incerteza pode-se transformar em ganho de complexidade[...]. ...... Uma tal empresa suscita uma formidável resistência: os espíritos foram formados para eliminar a ambigüidade, para se satisfazerem com verdades simples, para praticar a oposição maniqueísta do bem contra o mal [...]. Como disse Tocqueville, “uma idéia simples, mas falsa, terá sempre mais peso no mundo do que uma idéia verdadeira mas complexa”. (MORIN; LE MOIGNE, 2000, p. 122-136).

RESUMO

A socialização organizacional tem sido enfocada como um processo de

aprendizagem que ocorre toda vez que um indivíduo vivencia mudanças de status ou papel

em uma organização. Na adaptação a um novo papel, torna-se necessário desenvolver

conhecimentos, habilidades e atitudes. Da mesma forma, ao ingressarem em uma nova

organização, as pessoas precisam ser iniciadas em seus valores, crenças, normas e práticas,

passando por um processo de aculturação, que lhes permitirá empreender a comunicação e a

integração ao fazer coletivo. Este trabalho focalizou o processo de socialização organizacional

dos futuros oficiais combatentes de carreira do Exército Brasileiro, o qual ocorre em um curso

de formação de quatro anos na Academia Militar das Agulhas Negras. O principal objetivo foi

analisar a eficácia deste processo para a internalização dos valores responsabilidade,

iniciativa, disciplina, honestidade e lealdade pelos sujeitos. Participaram da pesquisa 173

cadetes do 1º Ano e 189 cadetes do 4º Ano do Curso, além de 18 tenentes e 32 capitães que

exercem a função de instrutor. A coleta de dados foi realizada por meio de questionário,

grupos focais e observação participante. Os resultados demonstraram a eficácia da

socialização para a internalização da disciplina e da lealdade aos pares e sua ineficácia para a

internalização da lealdade aos superiores. Não foi possível avaliar a internalização da

responsabilidade, da iniciativa e da honestidade pelos sujeitos, tendo em vista as condições de

intensivo controle que caracterizam o processo em pauta. Foram levantadas as principais

estratégias de socialização empregadas pela organização e seus efeitos sobre o ajustamento

dos indivíduos ao papel. Os resultados sinalizam alguns desafios que se apresentam à

organização, sob o horizonte de seus pressupostos culturais, para a formação eficaz de seus

futuros chefes.

Palavras-chaves: socialização organizacional, valores, formação militar.

ABSTRACT

Organizational socialization has been focused as a learning process that occurs

every time an individual goes through status or role changes into an organization. During the

adaptation to a new role, it is necessary to develop knowledge, skills and attitudes. In the

same way, when entering into an organization people need to learn its values, beliefs, norms

and practices, through an acculturation process, which will allow them to undertake

communication and integration to work. This research investigated the organizational

socialization process of the future carreer combatant officers of the Brazilian Army, which

takes place in the four-year formation course of Military Academy of the Black Needles. The

main objective of this study was to analyze the efficacy of the aforementioned process for the

internalization of the values responsibility, initiative, discipline, honesty and loyalty. For that

purpose, 143 first-year cadets and 189 fourth-year cadets, besides 18 lieutenants and 32

captains in the instructor post, participated of the research. Methods used for data collection

where questionnaire, focus groups and participant observation. The results indicate the

efficacy of socialization for the internalization of discipline and loyalty to fellows and

inefficacy for the internalization of loyalty to superiors. It was not possible to assess

internalization of responsibility, initiative and honesty for the subjects, considerating

conditions of intensive control that characterize the studied process. There were raised the

main socialization strategies applied by the organization and its impacts over the adjustment

of individuals to their roles. The results point out challenges for the organization, in the

perspective of its cultural assumptions, concerning effective formation of its future chiefs.

Keywords: organizational socialization, values, military formation.

9

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 19

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA............................................................................. 25

2.1 Breve revisão de conceitos antropológicos e sociológicos sobre cultura e socialização......................................................................................................................

26

2.1.1 Em busca de uma conceituação da cultura.......................................................... 26

2.1.2 A socialização......................................................................................................... 30

2.2 Estudos sobre cultura e socialização no campo organizacional........................... 35

2.2.1 A cultura organizacional....................................................................................... 35

2.2.2 A socialização organizacional............................................................................... 40

2.2.2.1 Uma abordagem clássica..................................................................................... 40

2.2.2.2 Tendências recentes de pesquisa......................................................................... 48

2.3 Particularidades da cultura e socialização organizacionais no contexto militar..............................................................................................................................

59

2.3.1 Aspectos da cultura organizacional militar.......................................................... 59

2.3.2 A socialização organizacional em academias militares....................................... 65

2.3.3 A socialização organizacional de recrutas das forças armadas........................... 74

2.3.4 O processo de socialização organizacional na Academia Militar das Agulhas Negras..............................................................................................................................

78

2.4 Articulações entre a literatura e o objeto de pesquisa.......................................... 91

3 OBJETIVOS................................................................................................................ 94

3.1 Objetivo Geral.......................................................................................................... 94

3.2 Objetivos Específicos............................................................................................... 94

4 METODOLOGIA....................................................................................................... 95

4.1 Considerações gerais................................................................................................ 95

4.2 Opções metodológicas da pesquisa......................................................................... 96

4.3 Métodos de coleta de dados..................................................................................... 99

4.4 Operacionalização da pesquisa de campo.............................................................. 114

4.4.1 Participantes........................................................................................................... 114

4.4.2 Procedimentos........................................................................................................ 114

4.5 Análise de dados....................................................................................................... 116

5 RESULTADOS............................................................................................................ 119

10

5.1 Adesão dos participantes à pesquisa...................................................................... 119

5.2 Responsabilidade..................................................................................................... 122

5.2.1 Conceito................................................................................................................. 122

5.2.1.1 Resultados da etapa quantitativa........................................................................ 122

5.2.1.2 Resultados da etapa qualitativa.......................................................................... 126

5.2.2 Percepção das mudanças ocorridas com a formação militar.............................. 131

5.2.2.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 132

5.2.2.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 133

5.2.3 Aspectos do processo de socialização que facilitam o desenvolvimento.............. 137

5.2.3.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 138

5.2.3.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 142

5.2.4 Aspectos do processo de socialização que dificultam o desenvolvimento............ 149

5.2.4.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 149

5.2.4.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 152

5.3 Iniciativa.................................................................................................................... 160

5.3.1 Conceito.................................................................................................................. 160

5.3.1.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 161

5.3.1.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 163

5.3.2 Percepção das mudanças ocorridas com a formação militar............................... 167

5.3.2.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 168

5.3.2.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 169

5.3.3 Aspectos do processo de socialização que facilitam o desenvolvimento.............. 174

5.3.3.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 174

5.3.3.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 177

5.3.4 Aspectos do processo de socialização que dificultam o desenvolvimento............ 183

5.3.4.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 183

5.3.4.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 186

5.4 Disciplina................................................................................................................... 193

5.4.1 Conceito.................................................................................................................. 193

5.4.1.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 194

5.4.1.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 196

5.4.2 Percepção das mudanças ocorridas com a formação militar............................... 202

5.4.2.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 202

11

5.4.2.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 203

5.4.3 Aspectos do processo de socialização que facilitam o desenvolvimento.............. 205

5.4.3.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 205

5.4.3.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 207

5.4.4 Aspectos do processo de socialização que dificultam o desenvolvimento............ 211

5.4.4.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 211

5.4.4.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 214

5.5 Honestidade.............................................................................................................. 219

5.5.1 Conceito.................................................................................................................. 219

5.5.1.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 219

5.5.1.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 222

5.5.2 Percepção das mudanças ocorridas com a formação militar............................... 231

5.5.2.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 231

5.5.2.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 232

5.5.3 Aspectos do processo de socialização que facilitam o desenvolvimento.............. 236

5.5.3.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 237

5.5.3.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 239

5.5.4 Aspectos do processo de socialização que dificultam o desenvolvimento............ 244

5.5.4.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 244

5.5.4.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 247

5.6 Lealdade.................................................................................................................... 253

5.6.1 Conceito.................................................................................................................. 253

5.6.1.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 253

5.6.1.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 256

5.6.2 Percepção das mudanças ocorridas com a formação militar............................... 261

5.6.2.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 261

5.6.2.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 263

5.6.3 Aspectos do processo de socialização que facilitam o desenvolvimento.............. 266

5.6.3.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 267

5.6.3.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 269

5.6.4 Aspectos do processo de socialização que dificultam o desenvolvimento............ 271

5.6.4.1 Resultados da etapa quantitativa......................................................................... 271

5.6.4.2 Resultados da etapa qualitativa........................................................................... 274

12

5.7 Discussão dos resultados.......................................................................................... 279

6 CONCLUSÃO............................................................................................................. 296

REFERÊNCIAS............................................................................................................. 303

GLOSSÁRIO DE SIGLAS, ABREVIATURAS, JARGÕES E GÍRIAS.................. 308

APÊNDICES................................................................................................................... 315

APÊNDICE 1 – LEVANTAMENTO PRELIMINAR JUNTO A DOCENTES...... 316

APÊNDICE 2 – QUESTIONÁRIO PRELIMINAR (MODELO 1).......................... 317

APÊNDICE 3 – QUESTIONÁRIO PRELIMINAR (MODELO 2).......................... 318

APÊNDICE 4 – QUESTIONÁRIO-PILOTO (VERSÃO 1)...................................... 319

APÊNDICE 5 – QUESTIONÁRIO-PILOTO (VERSÃO 2)...................................... 326

APÊNDICE 6 – TERMO DE COMPROMISSO INSTITUCIONAL....................... 332

APÊNDICE 7 – CARTA DE APRESENTAÇÃO AOS OFICIAIS.......................... 333

APÊNDICE 8 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (QUESTIONÁRIO/OFICIAIS)....................................................................................

334

APÊNDICE 9 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (QUESTIONÁRIO/CADETES)....................................................................................

336

APÊNDICE 10 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (GRUPO FOCAL/CADETES)......................................................................................

338

APÊNDICE 11 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (GRUPO FOCAL/OFICIAIS)......................................................................................

340

ANEXOS......................................................................................................................... 342

ANEXO 1 - POSTOS E GRADUAÇÕES DO EXÉRCITO BRASILEIRO............. 343

ANEXO 2 – ORGANOGRAMA DA AMAN............................................................... 344

ANEXO 3 – GRADE CURRICULAR DO CURSO DE INFANTARIA.................. 345

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Distribuição da Amostra de Cadetes do 1º Ano por Companhia .........................120

Gráfico 2 - Distribuição da Amostra de Cadetes do 4º Ano por Curso..................................120

Gráfico 3 - Distribuição da Amostra de Tenentes por Curso .................................................120

Gráfico 4 - Distribuição da Amostra de Capitães por Curso..................................................121

Gráfico 5 - Organograma da AMAN......................................................................................344

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Classificação das estratégias de socialização organizacional ................................47

Quadro 2 - Modelo integrado de socialização organizacional .................................................48

Quadro 3 - Horário das atividades escolares na AMAN no Ano de 2007................................84

Quadro 4 - Citações extraídas dos grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................127

Quadro 5 - Citações extraídas dos grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................128

Quadro 6 - Citações extraídas dos grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................129

Quadro 7 - Citação extraída de grupo focal com capitães......................................................131

Quadro 8 - Citações extraída de grupos focais com cadetes do 1º Ano .................................133

Quadro 9 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano................................134

Quadro 10 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................135

Quadro 11 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................143

Quadro 12 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................145

Quadro 13 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................146

Quadro 14 - Citações extraídas de grupo focal com capitães.................................................148

Quadro 15 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................154

Quadro 16 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................155

Quadro 17 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................156

Quadro 18 - Citação extraída de grupo focal com cadetes do 4º Ano....................................157

Quadro 19 - Citações extraídas de grupo focal com capitães.................................................160

Quadro 20 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................164

Quadro 21 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................165

Quadro 22 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................166

Quadro 23 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................170

Quadro 24 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................171

Quadro 25 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................172

Quadro 26 - Citações extraídas de grupo focal com tenentes.................................................173

Quadro 27 - Citações extraídas de grupo focal com cadetes do 1º Ano.................................178

Quadro 28 - Citações extraídas de grupo focal com cadetes do 4º Ano.................................179

Quadro 29 - Citações extraídas de grupo focal com cadetes do 4º Ano.................................180

Quadro 30 - Citação extraída de grupo focal com tenentes....................................................182

Quadro 31 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................187

15

Quadro 32 - Citação extraída de grupo focal com cadetes do 1º Ano....................................188

Quadro 33 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................189

Quadro 34 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................190

Quadro 35 - Citação extraída de grupo focal com tenentes....................................................191

Quadro 36 - Citações extraídas de grupo focal com capitães.................................................192

Quadro 37 - Citações extraídas de grupo focal com capitães.................................................193

Quadro 38 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................198

Quadro 39 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................199

Quadro 40 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................200

Quadro 41 - Citação extraída de grupo focal com tenentes....................................................201

Quadro 42 - Citação extraída de grupo focal com capitães....................................................201

Quadro 43 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................208

Quadro 44 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................208

Quadro 45 - Citação extraída de grupo focal com tenentes....................................................209

Quadro 46 - Citação extraída de grupo focal com tenentes....................................................210

Quadro 47 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................215

Quadro 48 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................216

Quadro 49 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................217

Quadro 50 - Citações extraídas de grupo focal com tenentes.................................................218

Quadro 51 - Citação extraída de grupo focal com cadetes do 1º Ano....................................223

Quadro 52 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................224

Quadro 53 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................225

Quadro 54 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................226

Quadro 55 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................227

Quadro 56 - Citações extraídas de grupo focal com tenentes.................................................229

Quadro 57 - Citações extraídas de grupo focal com capitães.................................................230

Quadro 58 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................233

Quadro 59 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................234

Quadro 60 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................235

Quadro 61 - Citação extraída de grupo focal com tenentes....................................................236

Quadro 62 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................240

Quadro 63 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................241

Quadro 64 - Citação extraída de grupo focal com tenentes....................................................243

Quadro 65 - Citação extraída de grupo focal com cadetes do 1º Ano....................................248

16

Quadro 66 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................249

Quadro 67 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................250

Quadro 68 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................251

Quadro 69 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................257

Quadro 70 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................258

Quadro 71 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................259

Quadro 72 - Citação extraída de grupo focal com tenentes....................................................260

Quadro 73 - Citação extraída de grupo focal com capitães....................................................261

Quadro 74 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................263

Quadro 75 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................264

Quadro 76 - Citações extraídas de grupo focal com tenentes.................................................265

Quadro 77 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................269

Quadro 78 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................270

Quadro 79 - Citação extraída de grupo focal com tenentes....................................................270

Quadro 80 - Citação extraída de grupo focal com capitães....................................................271

Quadro 81 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano..............................275

Quadro 82 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................276

Quadro 83 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano..............................277

Quadro 84 - Citação extraída de grupo focal com capitães....................................................278

Quadro 85 - Postos e Graduações do Exército Brasileiro ......................................................343

Quadro 86 - Grade Curricular do Curso de Formação de Oficiais da Arma de Infantaria.....345

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Efetivo de cadetes da AMAN por faixa etária no ano de 2006...............................79

Tabela 2 - Cadetes participantes da aplicação do questionário ..............................................119

Tabela 3 - Oficiais participantes da aplicação do questionário ..............................................119

Tabela 4 - Composição dos Grupos Focais ............................................................................121

Tabela 5 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 1................................................123

Tabela 6 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 1.........................................................124

Tabela 7 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 1.........................................................126

Tabela 8 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 2................................................132

Tabela 9 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 2.........................................................132

Tabela 10 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 2.......................................................133

Tabela 11 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 3..............................................138

Tabela 12 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 3.......................................................140

Tabela 13 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 3.......................................................141

Tabela 14 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 4..............................................150

Tabela 15 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 4.......................................................151

Tabela 16 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 4.......................................................152

Tabela 17 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 5..............................................161

Tabela 18 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 5.......................................................162

Tabela 19 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 5.......................................................163

Tabela 20 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 6..............................................168

Tabela 21 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 6.......................................................168

Tabela 22 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 6.......................................................169

Tabela 23 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 7..............................................175

Tabela 24 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 7.......................................................176

Tabela 25 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 7.......................................................177

Tabela 26 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 8..............................................184

Tabela 27 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 8.......................................................185

Tabela 28 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 8.......................................................186

Tabela 29 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 9..............................................194

Tabela 30 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 9.......................................................195

Tabela 31 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 9.......................................................196

18

Tabela 32 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 10............................................202

Tabela 33 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 10.....................................................203

Tabela 34 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 10.....................................................203

Tabela 35 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 11............................................205

Tabela 36 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 11.....................................................206

Tabela 37 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 11.....................................................207

Tabela 38 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 12............................................212

Tabela 39 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 12.....................................................213

Tabela 40 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 12.....................................................214

Tabela 41 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 13............................................220

Tabela 42 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 13.....................................................221

Tabela 43 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 13.....................................................222

Tabela 44 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 14............................................231

Tabela 45 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 14.....................................................232

Tabela 46 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 14.....................................................232

Tabela 47 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 15............................................237

Tabela 48 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 15.....................................................238

Tabela 49 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 15.....................................................239

Tabela 50 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 16............................................245

Tabela 51 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 16.....................................................246

Tabela 52 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 16.....................................................247

Tabela 53 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 17............................................254

Tabela 54 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 17.....................................................255

Tabela 55 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 17.....................................................256

Tabela 56 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 18............................................262

Tabela 57 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 18.....................................................262

Tabela 58 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 18.....................................................262

Tabela 59 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 19............................................267

Tabela 60 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 19.....................................................268

Tabela 61 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 19.....................................................268

Tabela 62 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 20............................................272

Tabela 63 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 20.....................................................273

Tabela 64 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 20.....................................................274

1 INTRODUÇÃO

A Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) é a instituição de ensino

superior responsável pela formação dos oficiais combatentes de carreira do Exército

Brasileiro, que lhes confere o grau de Bacharel em Ciências Militares. Encontra-se situada na

cidade de Resende, ao sul do Estado do Rio de Janeiro, na região das Agulhas Negras. A

grandiosa construção que abriga a AMAN é emoldurada por imponentes montanhas, que

contribuem para compor um cenário de alto apelo simbólico: a Academia Militar representa a

estabilidade do Exército Brasileiro, pois deve transmitir seus valores fundamentais às futuras

gerações de chefes militares e garantir a sobrevivência da Instituição. “Aqui são forjados os

líderes do futuro”, diz a frase lema do Curso Básico, correspondente ao primeiro ano do Curso

de Formação da AMAN. Líderes que necessitam, ao longo de quatro anos imersos em um

processo educacional que ocorre em relativo isolamento da sociedade civil, internalizar

valores, crenças, normas e práticas próprias da cultura organizacional militar, a fim de no

futuro poderem contribuir para a evolução da mesma cultura que os criou.

O processo de socialização organizacional que tem lugar na AMAN revela-se

como denso e complexo, uma vez que vai muito além da aprendizagem de disciplinas do

currículo formal pelos alunos, intitulados cadetes. Estas propiciarão aos discentes o cabedal

de conhecimentos teóricos e técnicos que os habilitará ao desempenho dos cargos atinentes

aos postos de tenente e capitão não-aperfeiçoado, envolvendo habilidades cognitivas e

psicomotoras ligadas à formação geral e específica. Porém, é no campo afetivo que se

encontra o principal objetivo de uma academia militar. É através da internalização do etos

militar que o cadete forjará sua identidade profissional; é pela assimilação de valores,

símbolos, discursos e padrões de conduta típicos da cultura militar que o jovem se capacitará,

de fato, ao desempenho de seu papel na organização.

Tal processo de aculturação se desenrola na convivência diária dos cadetes

com seus pares, superiores e subordinados; na participação em ritos e cerimoniais de diversas

naturezas ao longo do Curso; no estabelecimento de laços de atração e rejeição com

determinados modelos; no cumprimento de uma rotina minuciosamente controlada; na

vivência de recompensas e punições, formalizadas ou não; na experiência de relações de

mando e obediência; no cumprimento de tarefas típicas da atividade militar; nos exercícios de

campanha; na assimilação de normas que regulam sua vida dentro e fora dos muros da

AMAN, entre tantas outras situações. Assim, podemos perceber que o referido processo de

20

socialização ultrapassa as dimensões de um simples treinamento, para tentar abranger a

totalidade da experiência subjetiva dos indivíduos.

Há quase seis anos tenho acompanhado vivências de docentes e discentes no

seio do processo educacional da AMAN, atuando na Seção Psicopedagógica da Escola (sou

psicóloga e primeiro-tenente do Quadro Complementar de Oficiais do Exército). É possível

constatar que o “desenvolvimento de atributos da área afetiva” tornou-se uma preocupação

prioritária na formação dos oficiais com o passar do tempo, especialmente após a

implementação do processo de Modernização do Ensino no Exército, que conduziu a uma

tentativa explícita de sistematização dos objetivos nesta dimensão educacional. Hoje é lugar-

comum para docentes e discentes considerar que o líder militar deve possuir uma série de

valores e atributos, tais como: iniciativa, coragem, responsabilidade, disciplina, flexibilidade,

criatividade, resistência, decisão, tato, lealdade, honestidade, imparcialidade, entre tantos

outros. Porém, embora tal ideário acerca de liderança e características pessoais esteja

sedimentado no discurso institucional, o “como fazer” não cansa de apresentar desafios no

dia-a-dia das relações educacionais. Ao contrário do que muitos poderiam desejar, a

internalização de valores, assim como a socialização de modo abrangente, não é um processo

que ocorre unidirecional e passivamente, isento de subjetividade, de resistências, conflitos e

contradições.

Entre tantas questões, o processamento das pessoas pelo Exército Brasileiro

ainda é uma incógnita do ponto de vista científico. Praticamente inexistem estudos sobre as

estratégias de socialização organizacional empregadas, sobre seus resultados atitudinais e as

variáveis de diversas ordens que interferem no processo. A questão de pesquisa que ora

propomos situa-se nesta lacuna e está relacionada à eficácia das estratégias de socialização

empregadas pela organização, no tocante à internalização de determinados valores pelos

cadetes da AMAN.

A socialização, de modo geral, tem sido considerada como o processo através

do qual um indivíduo passa efetivamente a fazer parte de uma sociedade ou de um setor dela,

pela internalização de suas instituições e papéis. Ou seja, passa-se a compartilhar

subjetivamente uma visão de mundo considerada como “real” e verdadeira por determinada

coletividade (BERGER; LUCKMANN, 1985). A socialização organizacional tem sido

enfocada como um processo que ocorre toda vez que um indivíduo atravessa “fronteiras

organizacionais”, isto é, passa por mudanças de status ou papel e necessita adaptar-se à nova

situação, desenvolvendo conhecimentos, habilidades e atitudes. Essa aprendizagem do papel

pelo novato é intermediada pela convivência com os membros mais experientes da

21

organização, quer isto ocorra de maneira intencional ou não. Todas as organizações possuem

estratégias para “enquadrar” seus novos membros, embora nem sempre possuam relativo

controle acerca da conformação e dos resultados desse processo educacional. Ao ingressarem

em um novo grupo, as pessoas precisam ser iniciadas em seus valores, crenças, normas e

práticas, passando por um processo de aculturação, que lhes permitirá empreender a

comunicação e a integração ao fazer coletivo (VAN MAANEN, 1989; SCHEIN, 1992;

HOFSTEDE, 1997).

Estudos clássicos sobre a socialização organizacional, de autores como Van

Maanen e Schein, destacaram a maneira como as organizações processam as pessoas,

analisando as conseqüências das táticas de socialização empregadas sobre a conduta dos

trabalhadores. Pesquisas contemporâneas têm tentado ampliar este enfoque, considerando

que, tendo em vista os resultados da socialização, mais importante do que as táticas

empregadas pela organização, em si, seria a forma como estas são percebidas e interpretadas

pelos sujeitos (THOMAS; ANDERSON, 2002). Isto significa que os indivíduos

desempenham um papel ativo em sua própria socialização, construindo significados e

tentando reduzir a incerteza frente ao novo através da adoção de comportamentos diversos,

como a busca de informação e o estabelecimento de relacionamentos na organização. Uma

forte tendência de investigação é justamente a respeito do papel moderador que tais

comportamentos pró-ativos podem exercer sobre os resultados das táticas de socialização

empregadas pela organização, assim como a importância destes comportamentos para o

sucesso da socialização (KIM; CABLE; KIM, 2004; THOMAS; ANDERSON, 2002;

CALATAYUD; LERÍN; PLANES, 2000; RUIZ-QUINTANILLA; CLAES, 1995). Além

disso, o próprio processo de socialização tem sido analisado de maneira mais ampla,

considerando-se, por exemplo, o contrato psicológico estabelecido nesse período e seus

impactos sobre o comprometimento organizacional dos indivíduos (DE VOS; BUYENS,

2004; IRVING; CAWSEY; CRUIKSHANK, 2002).

Particularmente no campo militar, escassos são os estudos existentes acerca da

socialização organizacional. Há ensaios tradicionais da sociologia militar norte-americana,

que consideram aspectos diversos relacionados à profissão militar, abordando de forma mais

ou menos direta a problemática da formação dos oficiais (JANOWITZ, 1967;

HUNTINGTON, 1996). No Brasil, existem dois estudos etnográficos que procuraram

apreender a construção da identidade profissional em academias militares (CASTRO, 2004;

TAKAHASHI, 2002). Dentre estes, a pesquisa realizada por Castro na AMAN, no período de

1987 a 1988, configurou-se como incursão pioneira em um terreno praticamente inexplorado

22

pelos cientistas sociais brasileiros. No entanto, uma perspectiva psicossociológica acerca do

processo educacional em foco ainda está por ser desenvolvida, especialmente no contexto

brasileiro. Aparentemente, algumas pesquisas começam a emergir nessa direção, como as

realizadas por Thomas e Anderson (2002, 2005), que enfocaram a socialização de recrutas no

Exército Britânico, adotando uma abordagem alinhada às tendências contemporâneas no

campo da socialização organizacional. No Brasil, Vieira (2002) realizou um estudo de caso no

curso de formação de gerentes de uma organização de segurança pública, perfazendo uma

análise comparativa de valores individuais e organizacionais percebidos, a fim de avaliar a

eficácia do processo de socialização.

Analisando as características do processo educacional desenvolvido na

AMAN, podemos vislumbrar certos parâmetros institucionalizados para a socialização, que

conferem condições homogêneas para o processamento dos futuros oficiais do Exército. No

entanto, para cada estratégia de socialização formalizada, há uma miríade de relações

informais que permeiam sua execução. A começar pelas interpretações que realizam os

agentes de socialização sobre seu papel, as condições concretas que encontram para a

execução dos planejamentos no contexto organizacional e, conseqüentemente, o teor das

mensagens socializadoras, explícitas e implícitas, que transmitirão aos novatos. Torna-se

fundamental, portanto, compreender o ponto de vista dos agentes de socialização acerca do

processo educacional que devem conduzir, bem como as dificuldades que encontram para

empreender sua tarefa. Entre outros aspectos, tal análise permitirá identificar o grau de

institucionalização de determinadas mensagens de socialização, as convergências e

divergências nos discursos dos agentes e o impacto deste cenário sobre os resultados do

processo. A importância do papel desempenhado pelos comandantes de pelotão em relação às

experiências reais dos novatos e à sua percepção das táticas de socialização foi observada por

Thomas e Anderson (2002), entre outros autores.

Dado o caráter complexo e multidirecional que apresenta o processo de

socialização organizacional, há diversos aspectos a serem considerados neste estudo.

Conforme demonstrado por pesquisas anteriores, as táticas de socialização institucionalizadas

desempenham um importante papel nos resultados da socialização. Entretanto, também os

relacionamentos interpessoais informais estabelecidos pelos novatos com pares, subordinados

e superiores devem ser considerados, aliados à análise dos processos subjetivos dos

indivíduos. Dentre estes últimos, figuram aspectos emocionais e cognitivos, ligados à

administração da ansiedade decorrente do ingresso no novo ambiente organizacional, às

motivações para a carreira, à evolução dos desajustes de expectativas e seus efeitos, aos

23

comportamentos pró-ativos adotados na busca de informação e de adaptação durante a

socialização, à interpretação realizada acerca das táticas empregadas pela organização, às

percepções do contrato psicológico e seus reflexos sobre o comprometimento organizacional,

entre outros fatores intervenientes. Ou seja, a socialização organizacional está longe de ser um

fenômeno simples, do tipo causa e efeito, em que os sujeitos envolvidos respondem

passivamente às tentativas de aculturação empreendidas formalmente pela organização.

Para a avaliação dos resultados de qualquer processo de socialização, é

fundamental investigar como as estratégias adotadas pela organização são percebidas pelos

novatos e as mensagens que são efetivamente assimiladas por estes, nos diferentes momentos

do processo. Em outras palavras, buscaremos perceber quais significados têm sido construídos

pelos cadetes da AMAN no decurso de sua formação, acerca dos valores organizacionais e de

seu próprio aprendizado. Para Geertz (1989), a cultura se caracteriza essencialmente por ações

e sentidos compartilhados, em que seus novos membros devem ser iniciados, e é justamente

um fenômeno no bojo desta dinâmica que nos propomos a estudar.

Em conseqüência, revela-se como fundamental a compreensão do contexto

cultural em que o processo de socialização adquire significação. Faz-se necessário perscrutar

a história e a dinâmica organizacionais, os valores construídos ao longo do tempo e

internalizados como condição de existência e verdade, as crenças, normas e práticas derivadas

de tais valores, os mitos em torno dos quais os membros da organização são congregados,

bem como os sentidos construídos para a tarefa comum. Desta maneira, poderemos

compreender também as resistências e dificuldades de adaptação da organização às novas

demandas internas e externas, que podem gerar conflitos na socialização de seus novos

membros, por vezes defrontados com elementos contraditórios em um mesmo cenário

cultural, ou mesmo com aspectos oriundos da defasagem existente no modo de socialização

serial.

Diante da complexidade do fenômeno que nos propusemos a pesquisar,

procuramos trabalhar com diferentes tipos de dados, coletados por meio de métodos

quantitativos e qualitativos, seguindo o delineamento de um estudo de caso. Com base em

coletas de dados preliminares realizadas na organização, optamos por concentrar nossa

investigação em torno da internalização dos valores: responsabilidade, iniciativa, disciplina,

honestidade e lealdade.

Participaram da pesquisa sujeitos em fase inicial e final da socialização, ou

seja, cadetes do 1º e do 4º Anos do Curso de Formação de Oficiais da AMAN, com o objetivo

de analisar as mudanças ocorridas ao longo da formação. Participaram também oficiais que

24

atuavam como instrutores junto a estes cadetes, dos postos de tenente e capitão, com a

finalidade de levantar as percepções dos agentes de socialização e compará-las à perspectiva

desenvolvida pelos indivíduos sujeitos ao processo.

Realizamos a aplicação de questionário, grupos focais e observações

participantes, além da análise de documentos que referenciam o processo educacional

estudado. Os principais aspectos investigados relacionam-se às concepções construídas pelos

participantes em torno dos valores, às mudanças percebidas nas atitudes dos cadetes em

função da socialização e às representações sobre as estratégias educacionais empregadas pela

organização. Procuramos tecer um panorama global acerca do processamento de pessoas em

foco, considerando características da cultura da organização, o que possibilitou a identificação

dos desafios emergentes no campo estudado.

A pesquisa propõe-se a contribuir para a elucidação do papel que as

percepções subjetivas dos agentes de socialização e dos indivíduos processados pela

organização desempenham em relação aos resultados da socialização, destacando a

participação ativa dos seres humanos no contexto das estruturas institucionalizadas.

Esperamos também contribuir para o avanço dos conhecimentos sobre o tema da socialização

organizacional no contexto militar brasileiro, campo ainda pouco explorado cientificamente.

As investigações realizadas podem fornecer ferramentas para que as organizações,

particularmente as de cunho militar, avaliem e potencializem a maneira como processam as

pessoas em seu interior, dada a importância destas práticas para o ajustamento das pessoas à

organização, para a produtividade e, em última análise, para a sobrevivência organizacional

(VAN MAANEN, 1989). Desta forma, esperamos também contribuir para que o Exército

Brasileiro avance na compreensão acerca do processo de socialização de seus futuros chefes,

avaliando possibilidades de aperfeiçoamento de seus referenciais teóricos e práticos.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Para Edgar Schein, “todas as teorias grupais e organizacionais distinguem dois

principais conjuntos de problemas com que todos os grupos, não importa seu tamanho, têm

que lidar: (1) sobrevivência, crescimento e adaptação em seu ambiente e (2) integração

interna que permita o funcionamento cotidiano e a habilidade de adaptar-se”(1992, p.11,

tradução nossa). Este movimento grupal e organizacional de simultânea adaptação externa e

interna revela-se como complexo e multifacetado, relacionando-se tanto a condições

histórico-sociais em nível macro, quanto a questões psicossociais inerentes à dificuldade da

existência humana compartilhada com outros. Somem-se a isso as particularidades do projeto

em comum a ser empreendido pelo grupo, que apresentará questões adicionais ligadas à

natureza e significação da atividade, a serem resolvidas individual e coletivamente. Grosso

modo, poderíamos dizer que a organização dos seres humanos em torno de um fazer coletivo

não é algo que está programado de antemão, em sua carga genética ou algum outro código

predeterminado, e sim consiste em um grande desafio a ser resolvido na convivência social. A

organização é, em síntese, um problema cultural.

Uma vez que um grupo conseguiu encontrar soluções para tais desafios,

estruturando sua interação de modo a garantir a satisfação de determinadas necessidades

comuns, tende a transformá-las em hábitos, empreendendo um processo de institucionalização

de condutas que irá conferir estabilidade e previsibilidade à convivência social (cf. BERGER;

LUCKMANN, 1985). Paulatinamente, são construídos códigos que permitem a comunicação

e a identificação no grupo. Estes estão embasados em significados compartilhados, que

conferem sentido e direção ao empreendimento comum. Temos, assim, a sedimentação de um

processo de aprendizagem coletiva ao longo do tempo em uma cultura, que necessita ser

transmitida às gerações vindouras para dar continuidade ao modus de vida que se consolidou

como o mais adequado para aquele grupo. Existe, portanto, a necessidade de aculturação, de

socialização dos novos membros, para que a cultura e o pacto social se perpetuem.

A problemática da organização e estruturação das sociedades, bem como da

constituição, reprodução e transformação das culturas ao longo da história, tem sido

largamente estudada por diversos autores, oriundos de disciplinas e escolas distintas.

Tradicionalmente, a cultura é tema clássico da antropologia, etnologia e sociologia; da mesma

forma o é sua transmissão através das gerações, mediante o processo de socialização dos

novos membros de uma dada coletividade. Mais recentemente, conceitos como cultura e

26

socialização foram apropriados por estudiosos do campo organizacional, de modo que a

cultura organizacional passou inclusive a figurar como a nova “panacéia” para os problemas

das organizações contemporâneas, muitas vezes à revelia da compreensão complexa do

fenômeno já delineada extensamente pelos antropólogos (AKTOUF, 1993).

Sem a pretensão de abordar com profundidade essa discussão, procuraremos

revisar alguns conceitos básicos acerca da temática da cultura e da socialização, sob o ponto

de vista antropológico e sociológico, para em seguida analisar suas aplicações ao campo

organizacional. Sobre cultura e socialização organizacionais, iniciaremos revisando estudos

que se tornaram clássicos sobre os temas, passando a analisar as tendências recentes de

pesquisa sobre a socialização organizacional em geral, para em seguida particularizar a

abordagem para a cultura e a socialização organizacionais no campo militar.

2.1 Breve revisão de conceitos antropológicos e sociológicos sobre cultura e socialização

2.1.1 Em busca de uma conceituação da cultura

Ao realizar uma revisão de aspectos fundamentais da cultura, comumente

aceitos pelas principais tendências da antropologia, Omar Aktouf identifica que “a cultura

implica uma interdependência entre história, estrutura social, condições de vida e experiências

subjetivas das pessoas” (1996, p. 50). Isto é, a noção de cultura compreenderia praticamente

tudo o que implica a convivência social: das formas de produção dos bens materiais, sociais e

imateriais, que incluem desde uma dada estrutura social, com seus papéis, normas e padrões

de comportamento, conhecimentos e tecnologia, até as crenças, mitos, valores e símbolos.

A cultura seria, portanto, um “complexo coletivo feito de ‘representações

mentais’ que ligam o imaterial e o material”(Ibid., p. 51). Assim, para compreender a cultura

seria necessário considerar este todo, que representa o modo de vida e as representações da

realidade compartilhadas em um dado grupo social e que o identifica em relação a outros

grupos. Ou seja, estamos diante de um fenômeno que é, simultânea e indissociavelmente,

objetivo e simbólico, e que necessita ser analisado à luz do processo histórico em que está

inserido.

27

“Se deixarmos de lado o aspecto físico, material e concreto de toda cultura,

teremos ocasião de observar os elementos que exprimem sua especificidade e mais a

desvendam ao observador externo: os mitos, os ritos, os rituais, os valores, os heróis,

etc.”(Ibid., p. 52). Dentre os diversos elementos que constituem a cultura, considera-se que os

mitos contribuem profundamente para a constituição de crenças, valores e identidade. Eles

estão ligados a significados ontológicos, ou seja, correspondem a teorias acerca das origens do

homem, da natureza e do destino da atividade humana, das relações do homem com o mundo

e dos homens entre si.

O mito é uma tentativa de explicação das origens e do funcionamento do universo. Por intermédio das cerimônias e dos ritos, ele nos lembra constantemente quem somos e de onde viemos. Ele é a representação viva, através da reatualização cerimonial, do ato primordial. Ele é confirmação da identidade e das origens dos que oficiam ou dos que participam de uma cerimônia. Ele é, ao mesmo tempo, explicação e lembrança das origens e união-reabsorção dos contrários; ele concilia atos e crenças entre si. Ele proporciona tanto modelos para a conduta dos homens quanto ‘significado e valor para a existência’. Ele é sempre, e sobretudo, ‘considerado como uma história sagrada’ e, como conseqüência, como ‘uma história verdadeira’.” (ELIADE, 1963, apud AKTOUF, 1996, p. 54).

Podemos observar, portanto, que o mito conserva relação com a experiência

cotidiana da comunidade: “Existem relações estreitas entre a palavra, o mito, a lenda sagrada

de uma tribo, de um lado, e seus atos rituais, suas ações morais, sua organização social e

mesmo suas atividades práticas, de outro lado.” (MALINOWSKI, 1975, apud AKTOUF,

1996, p. 54).

Clifford Geertz (1989) defendeu que o conceito de cultura necessitava ser

delimitado pela antropologia, a fim de preservar sua utilidade explicativa. Observou que

Kluckhohn, em estudo clássico, conseguiu elencar onze definições para cultura, que

compreendem desde “modo de vida global de um povo”, até “uma forma de pensar, sentir e

acreditar”, “um celeiro de aprendizagem em comum” e “comportamento aprendido”, entre

outras (GEERTZ, 1989, p. 14). Geertz alerta para os perigos de um excessivo subjetivismo

nos estudos sobre a cultura, assim como critica as tentativas de impor um esquematismo

despersonalizante ao fenômeno. Sua argumentação é em favor de um conceito essencialmente

semiótico: “Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de

significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e sua análise;

portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência

interpretativa, à procura do significado.” (Ibid., p. 15).

28

[...] a cultura é melhor vista não como complexos de padrões concretos de comportamento – costumes, usos, tradições, feixes de hábitos –, como tem sido o caso até agora, mas como um conjunto de mecanismos de controle – planos, receitas, regras, instruções (o que os engenheiros de computação chamam de “programas”) – para governar o comportamento. (Ibid., p. 56).

Ele ressalta, ainda, que “o homem é precisamente o animal mais

desesperadamente dependente de tais mecanismos de controle, extragenéticos, fora da pele, de

tais programas culturais, para ordenar seu comportamento” (Ibid., p. 56).

Não dirigido por padrões culturais – sistemas organizados de símbolos significantes – o comportamento do homem seria virtualmente ingovernável, um simples caos de atos sem sentido e de explosões emocionais, e sua experiência não teria praticamente qualquer forma. A cultura, a totalidade acumulada de tais padrões, não é apenas um ornamento da existência humana, mas uma condição essencial para ela – a principal base de sua especificidade. (p. 58).

Para Geertz, o objetivo da antropologia interpretativa seria procurar

compreender esse contexto simbólico que caracteriza a cultura, analisando o fluxo das ações

sociais e as fórmulas que os homens utilizam para definir sua experiência cotidiana. Assim, a

análise cultural intentaria estabelecer uma “conversa” com os grupos pesquisados, a partir da

tentativa de interpretação de seus pressupostos, porém estaria fadada inevitavelmente à

incompletude.

Há uma série de caminhos para fugir a isso – transformar a cultura em folclore e colecioná-lo, transformá-la em traços e contá-los, transformá-la em instituições e classificá-las, transformá-la em estruturas e brincar com elas. Todavia, isso são fugas. O fato é que comprometer-se com um conceito semiótico de cultura e uma abordagem interpretativa do seu estudo é comprometer-se com uma visão da afirmativa etnográfica como “essencialmente contestável”[...]. (Ibid., p. 39).

Assim, podemos perceber que, a despeito das diversas tendências de estudo

existentes na antropologia, há uma corrente aparentemente dominante que tem tratado a

cultura como um fenômeno eminentemente complexo, que não pode ser reduzido aos

elementos que o compõem, tampouco às representações mentais dos sujeitos que dela

participam. O estudo da cultura envolveria a abordagem de ações e significados, das relações

entre o material e o imaterial, buscando compreender os sentidos das práticas sociais, no bojo

da multiplicidade de manifestações que compõem a experiência compartilhada de uma

coletividade.

Considerando o pensamento de Geertz de que “as formas da sociedade são a

substância da cultura”, parece-nos pertinente fazer referência às reflexões de Peter Berger e

29

Thomas Luckmann, teóricos da sociologia do conhecimento, acerca da construção social da

realidade e dos processos de socialização.

Estes autores descreveram o percurso através do qual, no decorrer de um

processo histórico, condutas que se revelaram funcionais para solucionar determinadas

demandas da existência humana transformam-se em hábitos, que conferem estabilidade e

previsibilidade à interação social e propiciam um equilíbrio psicológico aos sujeitos. Esse

processo de tipificação de condutas é denominado institucionalização, sendo baseado na

divisão das tarefas e na definição de papéis a serem desempenhados pelos indivíduos

(BERGER; LUCKMANN, 1985).

Selznick concorda que:

Institucionalização é um processo. É algo que acontece a uma organização ao longo do tempo, refletindo a história distintiva da própria organização, as pessoas que têm estado nela, os grupos que ela abriga e os interesses adquiridos que eles criaram, e o modo como se adaptou ao seu ambiente. Naquilo que é talvez seu sentido mais significativo, “institucionalizar” é infundir valor através das exigências técnicas da tarefa à mão. (SELZNICK, 1957 apud SCOTT, 1996, p. 18, tradução nossa).

Desta forma, ao organizar-se em torno de uma tarefa, um grupo não atua

apenas racionalmente, não desenvolve apenas relações instrumentais, mas estabelece vínculos

(afetivos) e constrói uma história comum, ao longo da qual determinadas estruturas são

impregnadas de valor. W. Richard Scott afirma que, “ao assumir um conjunto distintivo de

valores, a organização adquire uma estrutura de caráter, uma identidade” (1996, p.18,

tradução nossa).

Berger e Luckmann (1985) analisam o fato de que, ao longo do tempo, toda

instituição produz um “conhecimento” que permite sua legitimação, isto é, a justificação de

sua existência perante o corpo social, o qual deve ser transmitido às gerações posteriores para

que seja garantida sua perpetuação. Tal conhecimento decorre da atitude reflexiva dos sujeitos

sobre suas práticas, e não das práticas em si, ou seja, corresponde a uma representação mental,

subjetiva, da realidade objetivada. Assume, porém, o caráter de verdade inequívoca, tornando-

se naturalizado. “Os significados institucionais devem ser impressos poderosa e

inesquecivelmente na consciência do indivíduo” (Ibid., p. 98), através de um processo

educacional. Para Jodelet, “a posição ocupada pela representação no ajustamento prático do

sujeito a seu meio fará com que seja qualificada por alguns de compromisso psicossocial”

(JODELET, 2001, p. 28).

30

No decorrer do processo em que o movimento instituinte (de criação de

soluções e estruturas) de um grupo vai se cristalizando em instituições, existe uma tendência,

como menciona Schein (1992), a que estas instituições percam sua perspectiva histórica,

passando a serem concebidas como “produto da natureza das coisas” (ENRIQUEZ, 1997,

p.80, grifo do autor) e não como uma construção humana. As instituições passariam a

funcionar, portanto, como um sistema de normas e interdições, que estabelece ideais de

conduta e confere uma identidade social aos indivíduos. A inserção dos sujeitos na cultura,

portanto, implicaria a absorção desses significados institucionalizados, com base nos quais

seria constituída sua identidade, ainda que seja por oposição à norma.

2.1.2 A socialização

Berger e Luckmann (1985) abordam o desenvolvimento humano como um

processo socialmente mediado, no qual o homem assimila um dado contexto sócio-cultural,

com suas instituições e papéis, ao mesmo tempo em que, coletivamente, reproduz, amplia ou

modifica tal contexto.

[...] o processo de tornar-se homem efetua-se na correlação com o ambiente. Esta afirmativa adquire significação se refletirmos no fato de que este ambiente é ao mesmo tempo um ambiente natural e humano. Isto é, o ser humano em desenvolvimento não somente se correlaciona com um ambiente natural particular, mas também com uma ordem cultural e social específica, que é mediatizada para ele pelos outros significativos que o têm a seu cargo. Não apenas a sobrevivência da criança humana depende de certos dispositivos sociais mas a direção de seu desenvolvimento orgânico é socialmente determinada. (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 71).

Assim, a configuração do “eu”, da identidade individual, decorre de um

processo de construção de representações subjetivas para a realidade objetiva e de

interiorização de papéis, que tipificam a conduta individual. “Ao desempenhar papéis, o

indivíduo participa de um mundo social. Ao interiorizar estes papéis, o mesmo mundo torna-

se subjetivamente real para ele.” (Ibid., p. 103).

[...] cada papel abre uma entrada para um setor específico do acervo total do conhecimento possuído pela sociedade. Aprender um papel não é simplesmente adquirir as rotinas que são imediatamente necessárias para o desempenho “exterior”. É preciso que seja também iniciado nas várias camadas cognoscitivas, e mesmo afetivas, do corpo de conhecimento que é diretamente e indiretamente adequado a este papel. (Ibid., p. 107).

31

Nesse processo de aprendizagem do papel, a ordem institucional necessita ser

legitimada perante os “novatos”, como já foi mencionado. Para tanto, é preciso que haja uma

explicação para realidade das coisas, que lhes confira um caráter normativo. “A legitimação

não apenas diz ao indivíduo por que deve realizar uma ação e não outra; diz-lhe também por

que as coisas são o que são. Em outras palavras, o ‘conhecimento’ precede os ‘valores’ na

legitimação das instituições.” (Ibid., p. 129, grifos no original).

Concebendo a sociedade como uma realidade ao mesmo tempo objetiva e

subjetiva, Berger e Luckmann destacam que, para uma adequada compreensão teórica relativa

ao fenômeno social, devem ser abrangidos ambos os aspectos. Estes autores identificam três

momentos no processo dialético que constitui o fenômeno social: exteriorização, objetivação

e interiorização. A socialização ocorre através da interiorização, quando o sujeito consegue

compreender o mundo dos outros significativos e esse mundo torna-se o seu próprio. Isto é,

constrói-se uma relação de reciprocidade entre o indivíduo e os outros significativos, em que

cada um participa do ser do outro.

Somente depois de ter realizado este grau de interiorização é que o indivíduo se torna membro da sociedade. O processo ontogenético pelo qual isto se realiza é a socialização, que pode assim ser definida como a ampla e consistente introdução de um indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor dela. A socialização primária é a primeira socialização que o indivíduo experimenta na infância, e em virtude da qual torna-se membro da sociedade. A socialização secundária é qualquer processo subseqüente que introduz um indivíduo já socializado em novos setores do mundo objetivo de sua sociedade. (Ibid., p. 175).

A socialização primária é caracterizada pela necessária identificação entre a

criança e os outros significativos encarregados de sua educação. Ou seja, a aprendizagem

ocorre em um contexto de intenso envolvimento afetivo. Dessa forma, os conteúdos da

socialização primária estruturam a referência básica de realidade do sujeito, a qual foi

apreendida acriticamente na infância e tende a se manter firmemente arraigada na consciência

ao longo de sua vida posterior – pois “o mundo da infância é maciça e indubitavelmente real”

(Ibid., p. 182). A própria noção do “eu”, da personalidade individual, é constituída em um

processo dialético de reconhecimento pelos outros e auto-identificação.

A socialização secundária, por sua vez, não exige geralmente grande

investimento emocional e pode assumir um caráter mais formal, anônimo e instrumental,

voltado à aquisição sistemática de conhecimentos necessários ao domínio de certo setor da

sociedade, como, por exemplo, o conhecimento de funções específicas atinentes a um papel

32

resultante da divisão do trabalho. “A socialização secundária é a interiorização de

‘submundos’ institucionais ou baseados em instituições.” (Ibid., p. 184). Enfrenta, por sua

vez, o problema da coerência de seus conteúdos com aqueles apreendidos pelo indivíduo na

socialização primária, pois estes representam a “matriz” a partir da qual serão analisadas as

novas informações. Assim, os conteúdos da socialização secundária são mais facilmente

“postos entre parênteses” pelo sujeito, isto é, pode ser estabelecida uma distância entre o eu

“total”, que corresponderia ao que “realmente se é”, e o eu “parcial”, decorrente da

representação de um dado papel.

A socialização secundária exige a aquisição de vocabulários específicos de funções, o que significa em primeiro lugar a interiorização de campos semânticos que estruturam interpretações e condutas de rotina em uma área institucional. Ao mesmo tempo, são também adquiridas “compreensões tácitas”, avaliações e colorações afetivas desses campos semânticos. Os “submundos” interiorizados na socialização secundária são geralmente realidades parciais, em contraste com o “mundo básico” adquirido na socialização primária. Contudo, eles também são realidades mais ou menos coerentes, caracterizadas por componentes normativos e afetivos assim como cognoscitivos. Além disso, também eles exigem pelo menos os rudimentos de um aparelho legitimador, freqüentemente acompanhado de símbolos rituais ou materiais. (Ibid., p. 185).

Berger e Luckmann observam, entretanto, que há casos em que a socialização

secundária procura atingir níveis mais profundos da consciência individual e transformar

radicalmente a realidade subjetiva. Recorre-se, então, a técnicas pedagógicas especiais, que

intentam reproduzir o estado de identificação e inevitabilidade próprio da realidade da

infância. Os autores citam como exemplos a socialização do pessoal religioso, de militantes

políticos, músicos e oficiais de carreira das forças armadas.

As técnicas aplicadas nestes casos destinam-se a intensificar a carga afetiva do processo de socialização. Tipicamente, implicam a institucionalização de um complicado processo de iniciação, um noviciado, no curso do qual o indivíduo entrega-se inteiramente à realidade que está interiorizando. Quando o processo exige uma transformação real da realidade “doméstica” do indivíduo constitui uma réplica, tão exata quanto possível, do caráter da socialização primária [...]. Mas mesmo sem esta transformação a socialização secundária adquire uma carga de afetividade de tal grau que a imersão na nova realidade e o devotamento a ela são institucionalmente definidos como necessários. O relacionamento do indivíduo com o pessoal socializador torna-se proporcionalmente carregado de “significação”, isto é, o pessoal socializador reveste-se do caráter de outros significantes em face do indivíduo que está sendo socializado. O indivíduo entrega-se então completamente à nova realidade. “Entrega-se” à música, à revolução, à fé, não apenas parcialmente mas com o que é subjetivamente a totalidade de sua vida. A facilidade com que se sacrifica é evidentemente a conseqüência final deste tipo de socialização. (Ibid., p. 193).

33

Tais casos são chamados de alternação, pois exigem uma verdadeira

ressocialização do indivíduo, uma “mudança de mundos”. A fórmula ideal para uma

alternação bem-sucedida, segundo Berger e Luckmann, envolve a disponibilização de uma

nova estrutura de plausibilidade para o indivíduo, a qual lhe será transmitida pelos agentes

socializadores. Estes se tornarão seus interlocutores privilegiados, em função da intensa

identificação afetiva. Sem a criação desse vínculo com os agentes socializadores, que se

caracteriza pela dependência emocional típica da infância, não é possível ocorrer uma

ressocialização.

É necessário ainda desmantelar as referências anteriores do indivíduo, a fim de

que as novas referências possam ser assimiladas com a profundidade desejada. Para tanto,

recorre-se idealmente à segregação física, especialmente nas etapas iniciais da socialização,

interrompendo os contatos do indivíduo com os outros significativos de seu ambiente de

origem, que poderiam colocar em xeque as novas definições da realidade em processo de

internalização. Gradativamente, vai ocorrendo também uma segregação psicológica em

relação a outros setores da sociedade e às suas respectivas versões da realidade, que são

desqualificadas do ponto de vista da plausibilidade. Assim, proporcionalmente ao grau de

ameaça que representam para a coerência dos conteúdos institucionais, os “de fora” são

deslocados do circuito de conversa significativa do indivíduo, que passa a ser monopolizado,

o mais possível, pelos “de dentro” da instituição. As experiências anteriores do indivíduo

passarão a ser reinterpretadas dentro da lógica institucional: “a ruptura biográfica [decorrente

do ingresso na instituição] identifica-se assim com a separação cognoscitiva das trevas e da

luz” (Ibid., p. 212). A socialização bem-sucedida seria determinada pelo estabelecimento de

um elevado grau de simetria entre a realidade objetiva e a subjetiva.

Os autores assinalam que há, na prática, muitos casos intermediários entre a

alternação e a socialização secundária que se desenvolve sobre a base das interiorizações

primárias. Teoricamente, uma alternação efetiva não necessitaria se defrontar com o problema

da coerência entre os significados institucionais e aqueles oriundos da socialização primária,

uma vez que seria marcada pela construção de uma versão da realidade inteiramente nova.

Porém, Berger e Luckmann salientam que o problema da coerência surge de maneira mais

aguda quando o processo de socialização tende para a alternação, sem realmente coincidir

com ela. Neste caso, o indivíduo tem a possibilidade de interiorizar diferentes realidades

institucionais sem se identificar com elas, de modo que “a conduta institucionalizada do

34

indivíduo será apreendida como ‘um papel’, do qual pode desligar-se em sua própria

consciência e que ‘desempenha’ com finalidade de manobra” (Ibid., p. 227).

Poder-se-ia falar aqui de alternação “fria”. O indivíduo interioriza a nova realidade, mas em vez de fazer dela a sua realidade, utiliza-a como realidade para ser usada com especiais finalidades. Na medida em que isto implica a execução de certos papéis, o indivíduo conserva o desligamento subjetivo com relação a estes, “veste-os” deliberada e propositadamente. Se este fenômeno tornar-se amplamente distribuído a ordem institucional em totalidade começa a tomar o caráter de uma rede de manipulações recíprocas. (Ibid., p. 227).

Conseqüentemente, torna-se importante delimitar o alcance pretendido com a

socialização secundária, a fim de direcionar o emprego das estratégias socializadoras para as

particularidades que caracterizam cada situação específica. Na medida em que as

organizações esperam que seus membros desenvolvam um comprometimento afetivo com o

papel desempenhado, parece-nos que a coerência das mensagens transmitidas e a

identificação estabelecida entre os novatos e os agentes de socialização irão representar

elementos fundamentais para a eficácia do processo de socialização.

Shinyashiki (2002) analisa a socialização como um processo de aprendizagem

social, desencadeado pela necessidade de adaptação a diversos papéis que emergem ao longo

da existência humana. Este autor identifica quatro componentes básicos na socialização: (a)

agente: alguém que serve de fonte do que deve ser aprendido; (b) processo: o processo de

aprendizagem; (c) alvo: a pessoa que está sendo socializada; e (d) resultado: algo que está

sendo aprendido. Tais componentes seriam combinados em torno de três processos:

Aprovação social: a associação de reforço e punição aos comportamentos constitui a base do aprendizado tanto de comportamentos como de padrões de desempenho. Aprendizagem imitativa: freqüentemente, em especial na infância, a aprendizagem ocorre por imitação, sem reforço aparente nem intenção de ensinar. Muitos comportamentos e habilidades do indivíduo são aprendidos pela observação de outra pessoa e das conseqüências desses comportamentos para essa pessoa (Bandura, 1971). Internalização: processo pelo qual um padrão comportamental externo se torna interno e posteriormente guia os comportamentos da pessoa, resultando no exercício do autocontrole. (SHINYASHIKI, 2002, p. 167).

Revisando as contribuições proporcionadas pelas teorias de papéis para o

estudo do processo de socialização, Shinyashiki destaca que os papéis proporcionam o

conteúdo principal da socialização, pois abrangem identidades específicas, comportamentos,

valores e crenças. “O sistema de papéis refere-se à configuração de status sociais junto com as

expectativas de comportamentos, direitos e responsabilidades de uma pessoa que atua em um

35

grupo”(Ibid., p. 170). No processo de aprendizagem de um papel, por exemplo, no contexto

de uma organização, é fundamental que o indivíduo tenha informações consistentes sobre o

comportamento que é esperado que adote frente a suas tarefas. Do contrário, ele vivenciará a

ambigüidade de papéis.

Se o empregado não sabe a autoridade que tem para decidir, o que se espera que ele realize nem como será avaliado, isto é, se há ambigüidade de papéis, ele hesita em tomar decisões e, procurando evitar o estresse, utiliza uma abordagem de tentativa e erro para descobrir quais são as expectativas de seu superior ou usa mecanismos de defesa que mascaram a realidade da situação, aumentando, portanto, a probabilidade de ficar insatisfeito e ansioso com seu papel, distorcendo a realidade e apresentando baixa performance. (Ibid., p. 171).

Passaremos, a partir de agora, a abordar mais diretamente as configurações dos

fenômenos ligados à cultura e à socialização no contexto das organizações.

2.2 Estudos sobre cultura e socialização no campo organizacional

2.2.1 A cultura organizacional

Omar Aktouf (1993) observou que a emergência da noção de cultura

organizacional ou cultura de empresa ocorreu a partir do final da década de 1970, assumindo

por vezes configurações um tanto afastadas dos conceitos originais da antropologia. Aktouf

considera “abusivo” o uso do termo cultura por muitos teóricos, que a tomam como um

fenômeno “diagnosticável, reconhecível e, desde que se tome certas precauções

metodológicas, pode ser transformada, manipulada e mudada e até ser inteiramente criada por

líderes, campeões, heróis e modelos, que lhe imprimem valores e símbolos”(AKTOUF, 1993,

p. 40). Ou seja, criou-se a impressão de que poderia ser criada uma “boa cultura de empresa”,

mediante a manipulação de certas condições pelos gerentes (que consideram os empregados

como se não tivessem uma bagagem cultural, como tabulas rasas prontas a receber e

reproduzir a “nova cultura” criada pela direção).

Analisando uma série de casos empíricos, o autor demonstra como certas

tentativas de manipulação da cultura pelos dirigentes, mediante a criação artificial de slogans,

histórias e valores, dissociados da efetiva ação compartilhada na empresa, são eficazes apenas

36

no tocante à assimilação desse discurso pelos dirigentes, pois entram em conflito com a

realidade vivida e percebida pela maioria dos funcionários. Por outro lado, empresas cujos

dirigentes nunca mencionaram os chavões da cultura organizacional revelaram possuir uma

forte identidade corporativa e o comprometimento dos trabalhadores, devido à adoção de

determinadas práticas pela direção, mais do que de um discurso agradável.

Aktouf chama a atenção para o fato de que uma cultura pressupõe a existência

de um passado compartilhado, com memórias e representações que são retransmitidas às

novas gerações. Ou seja, existe uma dimensão histórica que não pode ser olvidada, se o que

de fato se pretende é analisar uma cultura, e não um discurso superficial das chefias. A

própria questão da dimensão mítica necessita ser analisada com cautela. Os mitos não são

apenas historietas e anedotas, porém possuem um caráter sagrado, fornecendo uma explicação

cosmológica à atuação dos indivíduos. Eles são constantemente revividos e atualizados na

coletividade, produzindo uma intensa identificação entre seus membros. A mitogênese é um

processo que não pode ser simplesmente imposto a um grupo, tendo sido gerado fora dele, da

experiência vivida. Além disso, o conceito de cultura, tomado em toda a sua profundidade,

implica uma inter-relação entre as representações e as ações sociais em si:

O problema essencial levantado pela questão da cultura reside, precisamente, na relação entre imaterialidade e materialidade, é neste ponto que a literatura e a prática da “cultura de empresa” parecem escorregar. Entretanto, praticamente todos os trabalhos de clássicos e especialistas no assunto que consultamos nos levam a aceitar que toda cultura é uma questão indissociavelmente material e imaterial. Trata-se de um fato social total em que a condição primordial é a coerência entre materialidade e imaterialidade, a concordância entre o que é histórico, a experiência vivida, os fatos e o axioma. (Ibid., p. 74).

Isto significa que “as atitudes, crenças, valores, símbolos vêm depois, eles são

gerados, alimentados e sustentados por todos estes elementos materiais” (Ibid., 76).

Consideramos que a posição de Aktouf é coerente com a adotada por Geertz (1989),

anteriormente explorada. A análise da cultura não pode se restringir a determinados

elementos, muito menos ao discurso de determinados atores. É preciso compreender a cultura

em sua complexidade, atentando às sutis articulações que dão sentido à ação compartilhada

entre os sujeitos.

Além disso, é necessário considerar que qualquer organização está vinculada a

uma cultura mais ampla, de cunho regional ou nacional, podendo inclusive amalgamar em seu

interior grupos culturais distintos. Nesse sentido, Freitas assinala que “os valores transpostos

para dentro das organizações encontram um respaldo, uma legitimação e uma sustentação nos

37

valores culturais dessa sociedade mais ampla, não podendo ser estudados enquanto produções

exclusivas das organizações, como se elas atuassem num vácuo” (FREITAS,1996, apud

VIEIRA, 2002, p.5).

Após atentar às advertências mencionadas, acreditamos ser frutífero revisar

algumas tendências que se tornaram clássicas no estudo da cultura organizacional, que

consideramos oferecerem elementos valiosos para o estudo do processo de socialização

organizacional que pretendemos enfocar.

Edgar Schein (1992) desenvolveu uma perspectiva clínica de trabalho como

consultor em organizações, baseada na análise e intervenção sobre os fundamentos

motivacionais da cultura organizacional. Para Schein, a cultura não é apenas o que é

compartilhado em um grupo, mas aquilo que lhe confere estabilidade estrutural. Tal

estabilidade é fruto de aprendizagens construídas ao longo da história coletiva, sedimentadas a

nível inconsciente, que permitem a integração e a comunicação no seio do grupo.

Para o autor, uma cultura nasce a partir da atuação de lideranças em momentos

críticos da história do grupo, diante de problemas de adaptação ao ambiente externo e de

integração interna. Tais indivíduos teriam apresentado propostas de ação, inicialmente

partindo de seu ponto de vista particular, as quais lograram ser adotadas pelo grupo e se

revelaram eficazes no contexto dado. O sucesso freqüente de tais linhas de ação fez com que

estas deixassem de ser debatidas ou questionadas e fossem assumidas como “verdadeiras”

pelo grupo, tornando-se institucionalizadas e passando gradativamente a operar

inconscientemente. Tais pressupostos passaram a ser julgados como certos e bons e a

diferenciarem aquele grupo dos demais. E, no caso de serem questionados, são imediatamente

defendidos, devido ao forte investimento emocional relacionado.

Schein (1992) ressalta, ainda, que essa aprendizagem coletiva não ocorre

apenas em um nível comportamental, porém envolve também um processo reflexivo, de

atribuição de sentido à experiência, atingindo níveis abstratos. Ou seja, o resíduo da história

comum pode ser definido como pressupostos básicos de pensamento, sentimento e ação, que

passaram a atuar inconscientemente e a definir a identidade de um grupo, possibilitando a

comunicação e a ação compartilhada. Em síntese, Schein define a cultura como:

[...] um padrão de pressupostos básicos compartilhados, aprendidos pelo grupo na resolução de seus problemas de adaptação externa e integração interna, que atuou bem o suficiente para ser considerado válido e, então, para ser ensinado para novos membros como o modo correto de perceber, pensar e sentir em relação àqueles problemas. (Ibid., p.12, tradução nossa).

38

Tal padrão atua no controle da ansiedade do grupo frente aos desafios da tarefa

e da interação social. Por esse motivo, toda tentativa de mudança nos pressupostos básicos da

cultura desperta uma série de resistências, provocando a mobilização de altos níveis de

ansiedade. Schein chega a afirmar que a melhor forma de se conhecer os pressupostos

subjacentes a uma cultura é por meio da tentativa de mudança.

Este autor identifica a existência de três níveis na cultura organizacional. O

primeiro nível é acessível a um observador externo em seu primeiro contato com a

organização, quando tem a possibilidade de detectar diversos elementos superficiais da

cultura. São os chamados artefatos, que correspondem às estruturas e processos visíveis da

organização, ligados à tecnologia, à arte, aos padrões de comportamento visíveis e auditivos,

como procedimentos e rituais, entre outros indicadores. Embora sejam facilmente

observáveis, tais elementos são difíceis de ser decifrados, exigindo um contato mais

prolongado com a organização para que se possa apreender seu significado para aquela

cultura.

No segundo nível da cultura encontram-se os valores manifestos, situados já

em uma dimensão abstrata. São as estratégias, políticas, metas e filosofias da organização.

São as justificativas adotadas para as práticas, além de idealizações e racionalizações, que

podem apresentar maior ou menor congruência com os pressupostos mais profundos da

cultura.

Conforme já mencionado, o cerne da cultura, para Schein, está nos

pressupostos básicos inconscientes que conferem estabilidade ao grupo. Tais pressupostos

correspondem ao terceiro nível da cultura organizacional, fonte última dos valores e das

ações. São crenças, percepções, sentimentos e pensamentos acerca do mundo em suas

diversas dimensões. Freqüentemente lidam com aspectos fundamentais da vida, tais como: a

natureza do tempo e do espaço; natureza e atividade humanas; a natureza da verdade e como

alguém a descobre; o modo correto para o indivíduo e para o grupo relacionarem-se um com o

outro; a importância relativa do trabalho, da família e do autodesenvolvimento; os papéis

próprios de homens e mulheres; e a natureza da família. Os pressupostos básicos são os mais

difíceis de perceber na dinâmica da organização, pois tendem a ser protegidos e muitas vezes

não estão claros para os próprios sujeitos envolvidos. Todavia, uma vez compreendidos,

possibilitam a elucidação dos aspectos mais superficiais da cultura.

Para Geert Hofstede, há alguns elementos comuns entre as diversas concepções

existentes acerca da cultura organizacional:

39

A maioria das diversas perspectivas aqui sublinhadas compartilham, ao menos em alguma extensão, muitos dos seguintes pressupostos sobre os fenômenos culturais: que eles são relacionados a história e tradição, têm alguma profundidade, são difíceis de compreender e esclarecer, e devem ser interpretados; que eles são coletivos e compartilhados por membros de grupos e primariamente ideativos em seu caráter, tendo que lidar com valores, compreensões, crenças, conhecimento e outros intangíveis; e que eles são holísticos e subjetivos, mais que estritamente racionais e analíticos. (HOFSTEDE et al., 1990 apud ALVESSON, 1993, p. 2, tradução nossa).

Hofstede define cultura como “a programação coletiva da mente que distingue

os membros de um grupo ou categoria de pessoas em face de outro” (1997, p. 19). Para o

autor, esta “programação mental” corresponde a padrões de pensamento, de sentimentos e de

ação potencial, que são resultado de uma aprendizagem contínua no seio de determinados

ambientes sociais. Ele afirma que “quando certos padrões de pensamento, sentimentos e

comportamentos se instalam na mente de cada um, torna-se necessário desaprender, antes de

aprender algo diferente, e desaprender é mais difícil que aprender pela primeira vez” (Ibid., p.

18).

Segundo Hofstede, a cultura pode ser descrita em sua totalidade através de

quatro manifestações: símbolos, heróis, rituais e valores. Os símbolos, heróis e rituais podem

ser conceituados como práticas, são visíveis ao observador externo e situam-se nos níveis

mais superficiais da cultura. Seu significado, entretanto, é invisível e só pode ser

compreendido enfocando-se a forma como essas práticas são interpretadas pelos indivíduos

que pertencem à cultura. Os valores, por sua vez, situam-se no núcleo da cultura, referindo-se

à tendência para se preferir certo estado de coisas em face de outro, ou seja, um sentimento

orientado, com um lado positivo e outro negativo (Ibid., p. 23). Os valores começam a ser

adquiridos muito precocemente, na infância, e geralmente são inconscientes para o indivíduo.

Pode haver contradições entre os valores manifestos como desejáveis, que correspondem mais

à ideologia de um grupo social, e os valores efetivamente desejados pelos sujeitos, que

correspondem às escolhas efetuadas em situações concretas (Ibid., p. 24).

Podemos observar, portanto, que há diversas semelhanças entre as concepções

acerca da cultura, de modo geral, e da cultura organizacional, especificamente, que acabamos

de revisar. Vemos que a cultura é fruto da aprendizagem coletiva de um grupo, em que

determinados modelos de conduta foram impregnados de valor e passaram a desempenhar

uma função psíquica essencial, relacionada ao controle e à previsibilidade da interação social.

É também semelhante entre as concepções aqui mencionadas a noção de que a cultura é um

fenômeno complexo, que pode incluir uma rica gama de práticas compartilhadas, cuja raiz

40

encontra-se em uma “programação mental” coletiva, definidora da visão de mundo própria do

grupo, considerada como a forma correta de pensar, sentir, perceber e agir. A esse respeito,

lembramos novamente uma advertência de Aktouf: “uma cultura não significa

necessariamente unidade, homogeneidade ou monolitismo” (1993, p. 51). Ou seja, pode haver

(e geralmente há) paradoxos e oposições no seio da cultura, visões de mundo concorrentes,

conflitos, jogos de forças. A cultura seria justamente o pano de fundo que abarca essa

diversidade, dizendo de maneira simples. Podemos depreender ainda que, para os autores

mencionados, um aspecto fundamental da cultura é a necessidade de sua transmissão para as

gerações vindouras, por meio de um processo educacional. Por conseguinte, os novos

membros do grupo devem ser socializados, para que possam se adaptar à cultura, através de

sua internalização, e reproduzi-la, a fim de serem integrados à coletividade.

2.2.2 A socialização organizacional

2.2.2.1 Uma abordagem clássica

Para Schein (1992), uma boa forma de decifrar os pressupostos básicos de uma

cultura seria analisar o processo de socialização de seus novos membros. Este processo seria

determinante do ajustamento do comportamento do indivíduo à organização, pois lhe

transmitiria o que é essencial naquele contexto. Basicamente, esse ajustamento seria induzido

por meio da transmissão de uma série de conteúdos que dizem respeito, basicamente, aos

objetivos fundamentais da organização, aos meios escolhidos para alcançá-los, às

responsabilidades dos membros e aos padrões comportamentais necessários para um

desempenho eficaz, assim como a todo um conjunto de regras ou princípios relativos à

conservação da identidade e integridade da organização (SCHEIN, 1968, apud VIEIRA, 2002,

p. 21).

Contudo, Schein (1992) considera que a socialização inicial dos novatos, que

ocorre geralmente de maneira formal, é superficial. Os “segredos grupais” só serão revelados

aos que conseguirem ingressar nos círculos mais íntimos da cultura. Os pressupostos básicos,

por sua vez, podem ser transmitidos implicitamente, através dos mecanismos de controle

social adotados pelos membros mais antigos em relação aos novatos.

41

Porém, seja de modo formal ou informal, sistemático ou assistemático, um

processo de ensino e aprendizagem sempre se põe em curso quando um indivíduo atravessa

fronteiras organizacionais. E, de uma forma ou de outra, a tendência dos membros mais

experientes da cultura é sempre de buscar ajustar os iniciantes à lógica institucional

preexistente, às crenças e valores que conferem estabilidade ao grupo.

John Van Maanen entende que “a socialização organizacional ou

‘processamento de pessoas’ refere-se à maneira pela qual as experiências de aprendizagem de

pessoas que assumem novos cargos, status, ou papéis nas organizações são estruturadas por

outras pessoas dentro da organização.”(VAN MAANEN, 1989, p. 45). Essa estruturação das

experiências de aprendizagem pode ser realizada de maneira mais ou menos intencional. De

qualquer modo, sempre é possível identificar a utilização de determinadas estratégias de

processamento de pessoas nas organizações, que por sua vez conduzem a determinadas

conseqüências sociais, mais provavelmente do que a outras.

A análise proposta pelo autor baseia-se em três pressuposições principais. Em

primeiro lugar, ele considera que “pessoas em estado de transição se encontram mais ou

menos em situação de ansiedade. Elas são motivadas a diminuir essa ansiedade aprendendo as

exigências funcionais e sociais de seu novo papel o mais rápido possível” (Ibid., p. 46).

Em segundo lugar, ele considera que

[...] a aprendizagem adotada não ocorre em um vácuo estritamente social, em bases oficiais e versões existentes sobre as exigências do trabalho. Qualquer pessoa que atravesse fronteiras organizacionais está à busca de indícios sobre como proceder. Desse modo, colegas, superiores, subordinados, clientes e outros participantes do trabalho podem, e mais freqüentemente, apóiam, orientam, impedem, confundem ou pressionam o indivíduo que está aprendendo uma nova função. De fato, essas pessoas podem ajudar o indivíduo a explicar (ou confundir) os eventos em sua nova situação. Além disso, elas lhe proporcionarão um senso de realização e competência, ou de fracasso e incompetência. (Ibid., p. 46).

Por último, pressupõe-se que

[...] a estabilidade e a produtividade de qualquer organização dependem em grande parte da maneira que os novatos ocupantes de certos cargos da estrutura organizacional vão executar suas tarefas. Quando os cargos são transferidos de geração a geração, calmamente aos responsáveis, a continuidade da missão da organização é mantida, o prognóstico de seu desempenho permanece inalterado e, pelo menos a curto prazo, sua sobrevivência é assegurada. (Ibid., p. 46).

Van Maanen destaca, portanto, a importância da socialização para o indivíduo

em transição organizacional, o papel das redes sociais informais na configuração das

42

experiências de socialização e a relevância do processo para a sobrevivência da cultura

organizacional, ao assegurar a estabilidade e a produtividade. Todavia, uma das questões

centrais para as organizações contemporâneas, inseridas em um contexto de mudança

permanente, seria até que ponto socializar seus novos membros para a conformidade aos

padrões já existentes. A plena conformidade corresponderia à ausência de inovação, à

estagnação das estruturas organizacionais. Por outro lado, uma socialização voltada apenas à

conformidade em relação a aspectos básicos da cultura, como valores e crenças, sem se ater a

aspectos superficiais como as práticas, permitiria um grau mais elevado de inovação na

atuação profissional dos sujeitos. Tal perspectiva é apresentada por Shinyashiki:

O desejo de toda empresa é criar um tipo de individualismo criativo. Nesse caso, o novato aceita os valores essenciais da empresa (que podem ser: realizar um bom trabalho, obter lucro, produzir com qualidade, acreditar em mercado e competição, entre outros), mas, cuidadosamente, procura manter-se independente de todas as normas e valores que são relevantes, mas não essenciais. (SHINYASHIKI, 2002, p. 166, grifos no original.)

Vale ressaltar ainda que a socialização organizacional não se restringe a um

“treinamento” para aquisição de conhecimentos e habilidades necessários ao desempenho de

determinado cargo. Como vimos, a socialização é um verdadeiro processo de aculturação, em

que o indivíduo necessitará internalizar os valores, crenças, normas e práticas diversas que

caracterizam um dado campo organizacional, alterando sua “programação mental”, seguindo

a expressão de Hofstede. O treinamento pode até ser uma das estratégias de socialização

empregadas pela organização; ainda assim, representa apenas uma parcela da totalidade da

experiência do indivíduo que atravessa fronteiras organizacionais.

No tocante à aprendizagem ocorrida ao longo da socialização, deve-se observar

que ela não ocorre unicamente no âmbito cognitivo, já que o indivíduo necessita ajustar-se

emocionalmente à nova situação. “Em alguns casos, uma modificação, em uma nova situação

de trabalho, para as pessoas pode resultar em identidade organizacional dramaticamente

alterada.” (VAN MAANEN, 1989, p. 46). Assim, o novato vivencia um verdadeiro “choque

de realidade”, que impulsiona uma revisão de vários aspectos de sua vida.

Tornar-se membro de uma organização desnorteará o cotidiano mesmo do novato mais bem informado. Assuntos que dizem respeito a aspectos de vida, tais como amizades, propósitos, conduta, competência e as expectativas que a pessoa possui do futuro imediato ou distante, repentinamente tornam-se problemáticos. A tarefa mais urgente do novato é construir um conjunto de normas e interpretações para explicar e tornar significante a miríade de atividades observadas no interior da organização. (Ibid., p. 46-47).

43

Entretanto, a despeito das dificuldades no processo, uma “socialização bem-

sucedida proporciona ao indivíduo nova auto-imagem, novo comprometimento, novos valores

e novos talentos” (SHINYASHIKI, 2002, p. 174).

Embora Van Maanen reconheça a importância da “perspectiva construída por

indivíduos em trânsito”, o autor não priorizou esse aspecto em seus estudos. Sua atenção

esteve voltada para as “estratégias organizacionais que padronizam distintamente experiências

de aprendizagem de um novato em um papel organizacional específico” (VAN MAANEN,

1989, p. 47), isto é, as formas de atuação da organização sobre os indivíduos. Nesse sentido,

Van Maanen identificou sete dimensões nas quais as principais estratégias de processamento

de pessoas podem estar situadas, ressaltando que, na prática, essas estratégias tendem a

ocorrer combinadas (não são, portanto, mutuamente excludentes). Assim, as estratégias de

socialização podem ser: formais ou informais; individuais ou coletivas; seqüenciais ou

randômicas; fixas ou variáveis; por competição ou por concurso; em série ou isoladas; e de

investidura ou de despojamento. Analisaremos brevemente as características de cada uma

dessas modalidades de socialização.

Segundo o autor, “a formalização de um processo de socialização refere-se ao

grau em que o ambiente em que ela ocorre está segregado do contexto de progressão do

trabalho e ao grau em que o papel de um indivíduo novato é enfatizado e explicitado” (Ibid.,

p. 48). Em um processo de socialização formal, o novato possui um status específico,

diferenciado dos demais membros da organização. Seu processo de aprendizagem ocorre em

um ambiente segregado da rotina normal de trabalho, o que freqüentemente também limita o

contato com os membros mais experientes. Em um processo informal, a aprendizagem do

novato ocorre na própria realidade da função, através de técnicas de ensaio-e-erro, sem

diferenciação de sua posição em relação aos membros mais experientes. Nesse caso,

comumente o novato escolhe seus próprios agentes socializadores, o que dificulta o controle

da organização sobre as mensagens que lhe são transmitidas. É comum que os processos

formais de socialização correspondam, na realidade, a uma primeira etapa da socialização,

pois uma etapa seguinte ocorrerá quando o novato passar efetivamente a desempenhar seu

papel profissional no ambiente da organização.

As estratégias de socialização também divergem segundo sua aplicação

individual ou coletiva. A socialização individual propicia um alto grau de diferenciação do

indivíduo em relação aos demais, uma vez que ele é submetido a experiências únicas,

dependentes em grande medida do perfil de seu agente de socialização e da qualidade do

relacionamento estabelecido com este. É geralmente aplicada na preparação de indivíduos

44

para ocuparem altos cargos na organização, representando um grande ônus em termos de

investimento de tempo e dinheiro. Nas estratégias coletivas, os indivíduos são agrupados e

processados em um conjunto de experiências idênticas, o que confere um elevado grau de

homogeneidade aos resultados atingidos pelo grupo. Existe a tendência de que os membros

deste grupo desenvolvam um nível de solidariedade e consciência coletiva, o que propicia que

o grupo termine construindo interpretações e soluções próprias para os problemas colocados

pelos agentes socializadores. Embora o controle social exercido pelo grupo em relação aos

seus membros possa favorecer o ajustamento dos indivíduos à organização, existe o risco de

que a influência do grupo se torne mais poderosa do que a dos agentes socializadores, o que

pode fornecer uma base para a resistência do novato às mensagens oficialmente transmitidas

pela organização.

Nos processos seqüenciais de socialização, o novato deve passar por uma série

de etapas de preparação antes de estar apto a ocupar um determinado cargo. Pode haver uma

progressão lógica de um estágio de preparação para outro, de modo que a aprendizagem do

novato progrida do mais simples ao mais complexo. Haveria, portanto, uma interdependência

das fases de preparação. Esta forma de organização facilita a aprendizagem e o

desenvolvimento de “diversas alterações mentais secundárias”, de modo que se pode

identificar uma mudança no indivíduo ao final do treinamento. Além da coerência entre as

fases da preparação, é também de grande importância a convergência de objetivos entre os

agentes socializadores que atuam nas diversas fases do processo. No caso de processos de

socialização randômicos, o indivíduo pode vir a ocupar um cargo diretamente, sem

necessidade de ter passado por um programa de treinamento prévio ou pela promoção

sucessiva a cargos intermediários.

“Os processos de socialização fixa proporcionam a um novato o conhecimento

preciso do tempo que necessitará para completar determinado estágio.” (Ibid., p.53). Portanto,

são previsíveis e resultam em uma concepção do desenvolvimento considerado “normal” no

decurso da socialização. “Os processos de socialização variável não oferecem àqueles que

estão sendo processados notificação de avanço sobre seu período de transição.” (Ibid., p. 54).

Ou seja, não há padronização acerca do tempo de duração de cada etapa, que pode variar entre

as pessoas, de modo que pode ser gerado um clima de insegurança, ansiedade e até mesmo

frustração entre os novatos.

Nas estratégias de socialização por competição, os novatos são separados em

programas diferentes, segundo diferenças individuais presumidas em termos de habilidade,

ambição ou antecedentes, de forma a serem criadas oportunidades distintas para cada um,

45

conforme seu ajustamento ao perfil desejado pela organização. Não ter atingido este perfil em

certo tempo pode implicar a perda permanente da possibilidade de ascensão para um

determinado cargo. Nas estratégias por concurso, o principal critério de avaliação é o

desempenho, independentemente de outros fatores, e evita-se a acentuada distinção entre os

indivíduos socializados. Nesses casos, os canais de movimentação são mais abertos, tendem a

considerar os interesses de todos e podem permitir a participação dos indivíduos na

estruturação de seu próprio plano de carreira. A respeito dos efeitos dessas estratégias sobre a

conduta dos indivíduos, Van Maanen observa que:

[...] aqueles que passam por processos de competição, onde um único fracasso traz conseqüências permanentes, tendem a adotar estratégias de passagem mais seguras. As normas são correr riscos limitados, adotar ciclos curtos de esforço e esferas mutantes de interesses baseadas primeiramente sobre o que os superiores julgam mais desejável em qualquer tempo. Isso leva a concluir que aqueles que permanecem em competitividade por qualquer duração de tempo são socializados para serem inseguros, subservientes ao poder e diferenciados uns dos outros, tanto social como psicologicamente. Por outro lado, aqueles que não permanecem na competição tendem a se movimentar em outra direção, tornando-se fatalistas, homogêneos e, em graus variados, alienados da organização. [...] Socialização por concurso, por outro lado, implica que as normas atuais para transição não existem de qualquer outra forma além daquela demonstrada pelo desempenho. Indiferentemente de idade, sexo, raça ou outros fatores antecedentes, cada pessoa inicia em condições iguais a todos os participantes. [...] As estratégias de concurso, como o próprio título implica, parecem produzir um espírito mais cooperativo e participativo entre as pessoas na organização. (Ibid., p. 56-57).

Nas estratégias de socialização em série, há uma continuidade histórica entre

indivíduos que já exercem o cargo e os novatos. Ou seja, o novato observa os mais antigos

como imagens dele próprio no futuro. Ao mesmo tempo em que tal fato pode auxiliá-lo a

organizar e compreender o ambiente organizacional, pois os mais antigos atuarão como

“guias” na nova realidade, pode também servir de desestímulo, na medida em que os mais

antigos transmitirem imagens de um “futuro agonizante”. Van Maanen ressalta ainda que,

embora a estratégia serial seja uma garantia de estabilidade organizacional, seu êxito pode ser

prejudicado pela defasagem entre a experiência do agente socializador e a realidade que

espera pelo novato, fruto da distância histórica e social entre eles. Nos processos de

socialização em série, a inovação é improvável, os padrões de conduta tendem a permanecer

estáveis e impermeáveis à mudança. Nas estratégias de socialização isoladas, por sua vez, o

novato não tem exemplos que possa seguir, o que pode produzir confusão e construção de

definições inadequadas sobre suas tarefas. Por outro lado, o novato encontra a chance de ser

46

criativo e original. “Sem uma vigilância antiquada em redor para impedir o desenvolvimento

de uma nova perspectiva, a submissão e pressões ritmadas geradas pelo modo serial estão

ausentes.” (Ibid., p. 57-58).

Os processos de socialização por investidura ou despojamento dizem respeito à

implantação do processo para confirmar ou destruir a identidade de um novato que entra na

organização. “Processos de socialização através da posse ou investidura ratificam e

estabelecem a viabilidade e utilidade das características da pessoa já empossada.” (Ibid., p.

59). A organização valoriza a bagagem anterior do novato e não deseja modificá-lo, ao

contrário, quer tirar vantagem de suas habilidades. Há a tentativa de suavizar ao máximo a

entrada do novato na organização, através de concessões e procedimentos que evidenciem o

valor que lhe é conferido. Os processos de socialização por despojamento, por outro lado,

caracterizam-se pelo extremo oposto. Neste caso, o objetivo é destruir e despojar certas

características do novato, exigindo-lhe que rompa com sua identidade anterior e submetendo-

o a uma série de provações para que possa efetivamente fazer parte da organização.

Ainda permanece o fato de que muitas organizações conscientemente promovem provações de iniciação projetadas principalmente para submeter o novato a tudo que a organização julgar apropriado. Em casos mais extremos, os novatos são isolados dos companheiros antigos, devendo abster-se de determinados tipos de comportamento, degradar a si próprios e aos outros através de vários tipos de censura mútua, e devem cumprir um conjunto rígido de regras e regulamentos. Esse processo, quando submetido voluntariamente, serve, sem dúvida, para comprometer e vincular pessoas à organização. Nesses casos, o sacrifício e resignação por parte dos novatos são geralmente estabelecidos como premissas para um tipo de pavor institucional que eles conduzem consigo dentro da organização. Tal pavor serve para sustentar suas motivações no decorrer do processo de despojamento. Nestas sociedades, existem muitas ilustrações familiares: a corporação da Marinha, grupos de fraternidade, seitas religiosas, faculdades de direito consagradas, grupos de auto-realização, programas de reabilitação de drogados, equipes de atletas profissionais, e assim por diante. Todas essas organizações exigem que o novato tenha que se submeter a uma série de testes rigorosos para obter acesso privilegiado na organização. Em geral, o sofrimento do processo de despojamento promove por si próprio uma forte camaradagem entre aqueles que se submeteram ao mesmo processo para se tornarem membros. [...] A viagem proporciona ao novato um grupo de colegas que trilhou o mesmo caminho e simboliza para outros em cena que o novato está plenamente comprometido com a organização. Para aqueles que completam a provação, a defasagem que separa o novato dos membros antigos se estreita consideravelmente, enquanto a defasagem que separa os membros dos não-membros se amplia. (Ibid., p. 60).

47

Assim, vemos que as estratégias de despojamento, ao mesmo tempo em que

visam “destruir” uma antiga identidade, culminam com a investidura de uma nova identidade

aos que conseguiram provar seu valor para a organização.

Jones (1986, apud SHINYASHIKI, 2002, p. 180) elaborou uma classificação

para seis das estratégias de socialização estudadas por Van Maanen, com base em sua

aplicação institucional ou individualizada:

Estratégias voltadas principalmente a Institucional Individualizada

Contexto Coletiva Formal

Individual Informal

Conteúdo Seqüencial Fixa

Randômica Variável

Aspectos sociais Serial Investidura

Isolada Despojamento

Quadro 1 - Classificação das estratégias de socialização organizacional Fonte: JONES, 1986, apud SHINYASHIKI, 2002

Van Maanen (1989) destaca que as estratégias apresentadas influenciam

poderosamente as concepções que os indivíduos desenvolvem sobre seu papel no trabalho.

Afirma que grande parte do comportamento das pessoas nas organizações é resultado direto

da maneira como elas são processadas. Ainda assim, reconhece que aquele que ingressa em

uma organização não é uma tabula rasa, que reagiria passivamente às intervenções da

organização sobre sua pessoa, pois muitos indivíduos exercem papéis ativos no decurso de

sua própria socialização.

Sobre este último aspecto, recorremos ainda uma vez ao texto de Berger e

Luckmann: “A socialização nunca é total nem está jamais acabada.” (1985, p. 184). Há

sempre um campo subjetivo que não pode ser reduzido à interação social, um foro no qual

cada indivíduo constrói suas próprias interpretações da realidade, a partir de sua base

biológica e de suas experiências biográficas. Assim, existe a possibilidade de distorção e de

transformação das mensagens que lhe são transmitidas pela cultura.

Wanous (1992, apud SHINYASHIKI, 2002, p. 176) procurou integrar diversos

modelos de socialização organizacional em um único modelo, considerando os eventos que

ocorrem ao longo do processo de influência mútua entre indivíduo e organização, reproduzido

no quadro a seguir:

48

Estágio 1 Confronto e aceitação

da realidade organizacional

Confirmação ou desconfirmação das expectativas. Conflito entre necessidades pessoais de trabalho e climas organizacionais. Descoberta dos aspectos pessoais reforçados, dos não reforçados e dos punidos pela organização.

Estágio 2 Obtenção de clareza de papel

Iniciação nas tarefas do novo cargo. Definição dos papéis interpessoais com respeito aos colegas e ao chefe. Aprender a lidar com a resistência a mudanças. Congruência entre a auto-avaliação do novato e a da organização. Aprender como trabalhar com dado grau de estrutura e ambigüidade.

Estágio 3 Localização no contexto organizacional

Aprender os comportamentos congruentes com os da organização. Resolução de conflitos no trabalho e entre interesses de dentro e de fora do trabalho. Comprometimento com o trabalho e com a organização, estimulado pelo desafio do trabalho no primeiro ano. Estabelecimento de uma auto-imagem alterada, de novos relacionamentos interpessoais e adoção de novos valores.

Estágio 4 Detecção de sinais de

socialização bem-sucedida

Obtenção de estabilidade e comprometimento organizacional. Alto nível de satisfação geral. Sentimento de aceitação mútua. Envolvimento com o trabalho e motivação interna. Envio de sinais de aceitação mútua entre o novato e a organização.

Quadro 2 - Modelo integrado de socialização organizacional Fonte: WANOUS, 1992, apud SHINYASHIKI, 2002

Na análise do modelo proposto por Wanous, podemos identificar os diversos

desafios que necessitam ser enfrentados pelo indivíduo e pela organização no processo de

socialização, tanto em relação aos aspectos da tarefa e do papel profissional, como quanto aos

relacionamentos interpessoais (dentro e fora da organização) e à aprendizagem dos valores e

crenças que caracterizam a cultura organizacional, o que culminaria na alteração da auto-

imagem individual. A seguir, veremos como tais fatores têm sido estudados

contemporaneamente.

2.2.2.2 Tendências recentes de pesquisa

Ao realizarem uma revisão dos principais estudos contemporâneos sobre a

socialização organizacional, Thomas e Anderson (2002) constataram que, ao longo das

últimas duas décadas, o foco das pesquisas se modificou. Transitou de uma preocupação

primária com a influência das ações organizacionais sobre o ajustamento dos recém-chegados,

para a investigação dos efeitos das ações e percepções individuais dos novatos e, em

49

particular, da aquisição de informação por estes em seu processo de socialização

organizacional. Na revisão bibliográfica que realizamos, confirmamos essa tendência. Parece-

nos haver crescente interesse na investigação do papel dos comportamentos pró-ativos

adotados pelos indivíduos, em relação aos resultados das táticas de socialização empregadas

pela organização. Exploraremos, a seguir, os principais tópicos de pesquisa que identificamos

em relação ao tema. Inicialmente, abordaremos pesquisas conduzidas em campos

organizacionais diversos, para no próximo item detalharmos as pesquisas desenvolvidas em

contextos militares.

Em estudo realizado em sete organizações da Coréia do Sul, envolvendo uma

amostra de 279 pares empregado-supervisor, Kim, Cable e Kim (2004) focalizaram duas

questões principais: a relação entre táticas de socialização institucionalizadas ou não-

institucionalizadas e o ajustamento percebido dos empregados à organização; e o papel

moderador exercido por determinados comportamentos pró-ativos adotados pelos

empregados, ou seja, sua interferência nos resultados das táticas de socialização.

Em relação à primeira questão de pesquisa proposta pelos autores, os

resultados confirmaram que táticas de socialização institucionalizadas apresentam uma

correlação positiva com o ajustamento pessoa-organização (P-O). Tais resultados estão em

consonância com os encontrados por Cable e Parsons (2001, apud KIM; CABLE; KIM,

2004), que também verificaram que os empregados experimentam maior ajustamento pessoa-

organização quando as firmas utilizam táticas de socialização altamente institucionalizadas,

referindo-se a um conjunto de atividades sistemáticas, concebidas pela organização para

reduzir a ambigüidade para os empregados. Teoricamente, essas experiências estruturadas

favoreceriam a aceitação passiva pelos empregados dos papéis estabelecidos, reforçando o

status quo. Por outro lado, táticas de socialização pouco institucionalizadas refletem uma

ausência de estrutura, que criaria ambigüidade e encorajaria os empregados a analisarem e

desafiarem o status quo, desenvolvendo suas próprias abordagens de papéis e situações.

Os autores assinalam que a literatura existente sobre socialização focaliza

como a organização processa as pessoas, sem considerar o papel pró-ativo que os empregados

podem desempenhar em sua própria socialização. Contextualizam que o ingresso em uma

organização freqüentemente conduz a estresse e ansiedade, pois as pessoas têm uma

necessidade generalizada de controle e previsibilidade. Para superar o hiato entre a motivação

individual para o controle e a relativa falta de controle das novas situações, normalmente os

novos empregados desenvolvem uma motivação para a ação, buscando adquirir controle e

compreender as expectativas de seu novo ambiente. Assim, passam a adotar comportamentos

50

pró-ativos, tendo sido observado que os indivíduos com maior desejo de controle tendem a ser

muito mais ativos no processo de socialização. Considera-se que os empregados podem ser

mais ou menos pró-ativos, e que a pró-atividade apresenta diferentes dimensões, o que

resultará em resultados distintos no ajustamento à organização. As percepções do ajustamento

P-O são definidas como crenças subjetivas dos empregados sobre quão bem seus valores

pessoais equiparam-se à cultura organizacional. Em sua pesquisa, foi adotada a tipologia de

comportamentos pró-ativos adotada por Ashford e Black (1996, apud KIM; CABLE; KIM,

2004), que inclui: interpretação positiva (acerca do ambiente organizacional), produção de

sentido (busca de informação e de retroalimentação) e construção de relacionamentos

(sociabilização geral, atuação em rede e construção de relacionamento com o supervisor).

Deste modo, em relação à segunda questão proposta, os resultados da pesquisa

de Kim, Cable e Kim demonstraram que a elevação da interpretação positiva fortalece a

relação entre táticas de socialização institucionalizadas e o ajustamento P-O. Ao contrário do

esperado, não foi encontrada interferência significativa da produção de sentido (sensemaking)

na moderação entre as táticas de socialização institucionalizadas e o ajustamento P-O. Em

relação ao comportamento de construção de relacionamentos, as hipóteses foram parcialmente

confirmadas. Com o aumento da construção de relacionamento com o supervisor, a relação

positiva entre as táticas de socialização e o ajustamento P-O decresceu. A sociabilização

geral, por sua vez, aumentou o efeito das táticas institucionalizadas sobre o ajustamento. Não

houve significativa interferência da atuação em rede sobre a interação entre as táticas e o

ajustamento.

Para os autores, os resultados sugerem que “os empregados percebem maior

congruência de valores com a cultura organizacional quando eles recebem uma mensagem

comum e modelos sociais positivos com respeito aos valores organizacionais” (Ibid., p. 238,

tradução nossa). Também sugerem que, “na medida em que as firmas desejam inculcar um

maior ajustamento P-O, devem utilizar práticas de socialização altamente institucionalizadas”

(Ibid., p. 238, tradução nossa).

Kim, Cable e Kim acreditam que, não obstante a confirmação do

relacionamento geral positivo entre táticas de socialização institucionalizadas e ajustamento,

talvez a implicação mais importante dos resultados da pesquisa seja que as empresas não

controlam inteiramente os efeitos de suas táticas de socialização sobre o ajustamento P-O de

recém-ingressos, já que os empregados em si mesmos também desempenham um importante

papel. Ficou evidenciado, por exemplo, que a socialização institucionalizada conduziu a um

ajustamento P-O para empregados que interpretaram o processo de ingresso na organização

51

positivamente, mas não esteve relacionada a ajustamento P-O para indivíduos que

interpretaram o processo negativamente. Por outro lado, revelou-se que alguns

comportamentos pró-ativos podem substituir, ao invés de se harmonizarem com as táticas de

socialização institucionalizadas, como no caso do estreitamento do relacionamento entre

empregado e supervisor.

Calatayud, Lerín e Planes (2000) desenvolveram uma pesquisa envolvendo

uma amostra de 1.110 jovens europeus em sua primeira experiência profissional

(trabalhadores metalúrgicos e administrativos, em postos de baixa qualificação), a fim de

analisar as relações entre a evolução do desajuste de expectativas em seu relacionamento com

a organização e a adoção de comportamentos pró-ativos ao longo do processo de socialização

organizacional. A coleta de dados foi realizada em dois momentos, sendo que no primeiro os

jovens se encontravam trabalhando entre 3 e 6 meses na organização, e no segundo havia

transcorrido um ano após o início de sua experiência profissional. O primeiro grupo da

amostra caracteriza-se por se manter na mesma organização nos dois momentos de coleta de

dados, enquanto o segundo caracteriza-se por se encontrar trabalhando em outra organização

no segundo momento.

Este estudo partiu do pressuposto de que os novos empregados têm

expectativas sobre a possibilidade de satisfazer determinados valores profissionais na

organização. Quando suas expectativas não coincidem com a satisfação encontrada no

ambiente de trabalho, surge o desajuste de expectativas, que pode ocorrer em sentido positivo

(a organização lhes oferece mais do que esperavam) ou negativo (a organização lhes oferece

menos do que esperavam). A importância do ajuste de expectativas no processo de

socialização se deve ao fato de que não antever a possibilidade de obter a satisfação de suas

expectativas dificulta o ajustamento dos indivíduos à organização de forma abrangente. Para

conseguir compreender como pode satisfazer suas expectativas sobre valores profissionais, o

novo empregado necessita interagir com seu entorno profissional mais imediato. É destacada,

nesse sentido, a importância de os novos empregados engajarem-se em atividades

profissionais que representem oportunidades para aprenderem sobre seus novos papéis e

expectativas profissionais, já que desta forma lograrão um melhor ajustamento à organização.

Os valores profissionais cognitivos considerados no estudo foram: autonomia no trabalho,

oportunidades de aprender coisas novas, variedade no trabalho, oportunidades de ascensão ou

promoção e interesse do trabalho.

O desequilíbrio entre o comportamento do novo empregado, baseado em suas

expectativas sobre como satisfazer os valores profissionais desejados, e o que demanda a

52

organização, pode limitar as possibilidades de interação entre ambos e inibir o processo de

socialização (WANOUS, 1980, 1992, apud CALATAYUD; LERÍN; PLANES, 2000). Em

seu esforço por interagir com o novo ambiente, o empregado elabora respostas que diminuam

a incerteza do desajuste de expectativas, chamadas respostas de adaptação. Quando estas

respostas assumem a forma de uma interação ativa do novo empregado com seu entorno

profissional, são denominadas pró-ativas. Foram considerados no estudo três tipos de

respostas pró-ativas de adaptação: criação de redes de relacionamento com companheiros,

com supervisores e o desenvolvimento de atividades de controle sobre o ambiente,

melhorando as habilidades profissionais.

Os resultados da pesquisa de Calatayud, Lerín e Planes (2000) demonstraram

que, em ambos os grupos de participantes, a média do desajuste de expectativas se manifestou

em sentido positivo, ou seja, eles perceberam receber mais que o esperado da organização. A

diminuição do desajuste de expectativas dos novos empregados que permaneceram na mesma

organização, verificada na segunda coleta de dados, refletiria um maior ajuste com a realidade

encontrada, supostamente devido a ter sido descontada a informação errônea do começo da

experiência. Os participantes que mudaram de organização ao longo da pesquisa seriam

aqueles que, ainda que percebessem uma satisfação positiva de suas expectativas,

consideraram-na como insuficiente e, sobretudo, previram uma evolução da mesma ainda

pior. A teoria do desafio proposta por Peiró e Prieto (1997, apud CALATAYUD; LERÍN;

PLANES, 2000) explica que os novos empregados desejariam permanecer em uma

organização onde possam perceber que progridem em suas expectativas de desenvolvimento

de carreira, quer dizer, percebem que sempre poderão conseguir mais da organização do que

atualmente esta oferece.

Os jovens que permaneceram na organização mostraram níveis de desajuste

positivo significativamente maiores, no primeiro momento da coleta de dados, do que os

jovens que não permaneceram. Estes resultados apóiam os estudos que sugeriram a

importância de iniciar a experiência profissional em um sentido positivo para o novo

empregado, em um ambiente em que possa antecipar a possibilidade de melhorar a satisfação

de suas expectativas.

Os resultados oferecem indícios indiretos de que a mudança de organização é

uma resposta diante de níveis de desajuste insatisfatórios, independentemente da origem da

decisão de não permanecer na organização, já que a relação entre o novo empregado e a

organização é interativa e, portanto, os resultados desta interação não podem ser interpretados

em um sentido unilateral. A comparação da evolução dos novos empregados que

53

permaneceram e dos que haviam mudado de organização sugere que a permanência na

organização está relacionada com o desajuste de expectativas em sentido positivo, e que

níveis baixos do mesmo estão relacionados com a mudança de organização. Para os autores,

os jovens buscam experiências profissionais com níveis de atendimento de suas expectativas

que lhes permitam um sentido de progresso e otimismo em seu desenvolvimento profissional,

e a mudança de organização cumpriria uma função adaptativa a esse respeito.

Os resultados confirmaram a hipótese da inter-relação positiva entre o

desajuste de expectativas e as respostas pró-ativas de adaptação para os novos empregados

que permaneceram na organização de origem. Assim, corroboraram a teoria do desafio

(PEIRÓ; PRIETO, 1997, apud CALATAYUD; LERÍN; PLANES, 2000), no sentido de que

quanto maior a antecipação de que as experiências na organização serão mais satisfatórias que

o esperado, mais esforço tenderá a fazer o jovem para aumentar a satisfação positiva de suas

expectativas profissionais. Em ambos os grupos de jovens foi observada significativa

interação da percepção do atendimento de expectativas com a freqüência com que atuam pró-

ativamente em seu entorno, o que se coaduna com a literatura que relaciona o processo de

ajustamento à organização com as respostas pró-ativas de adaptação. Por outro lado, as inter-

relações entre ambas as variáveis não foram significativas no grupo de jovens que mudaram

de organização, o que confirma a ruptura do processo de socialização provocada por tal

mudança.

Os resultados apóiam a tese de que as respostas pró-ativas de adaptação

participam na compreensão das experiências concretas na organização, das expectativas e de

seu nível de atendimento. Também corroboram que, se o jovem antecipa que não poderá

atingir o nível de desajuste desejado, não permanecerá na organização. Assim, as respostas

pró-ativas e o desajuste não evoluíram interativamente, já que o novo empregado ou a

organização compreenderam que a resposta mais adequada era a não permanência na

organização.

Podemos observar evidentes implicações dos resultados do estudo de

Calatayud, Lerín e Planes (2000) para o processo de socialização organizacional, a começar

pela influência das expectativas que os indivíduos desenvolvem antes do ingresso efetivo na

organização (socialização por antecipação) em seu ajustamento posterior. Conhecer as

motivações para o ingresso na organização e as expectativas geradas em torno da atividade

profissional pode ser de grande valia para o planejamento de um processo de socialização.

Ademais, é de suma importância que a organização atente às perspectivas que sinaliza aos

trabalhadores em relação ao desenvolvimento de carreira, considerando que as expectativas

54

geradas em torno da satisfação futura de determinados valores profissionais parece constituir-

se em um forte incentivador para a adoção de comportamentos pró-ativos pelos indivíduos,

facilitando sua adaptação à organização.

Ruiz-Quintanilla e Claes (1995) realizaram um estudo longitudinal

transnacional (envolvendo Bélgica, Inglaterra, Israel, Itália, Holanda e Espanha) do

comportamento pró-ativo de 1.205 jovens em início de carreira, pertencentes a dois grupos

ocupacionais distintos (grupo de operadores de máquinas e grupo de tecnologia de escritório).

O objetivo foi verificar o impacto de fatores como características pessoais dos jovens, fatores

históricos e características situacionais sobre seu comportamento pró-ativo na socialização

profissional. Foram analisados os comportamentos pró-ativos de: planejamento de carreira,

desenvolvimento de habilidades, busca de aconselhamento e trabalho em rede. Partiu-se do

pressuposto de que o comportamento pró-ativo não apenas facilita os processos de

socialização, mas pode ser visto como uma importante condição para a socialização bem-

sucedida.

Os resultados da pesquisa confirmaram o impacto positivo da experiência

empregatícia inicial sobre o comportamento pró-ativo de desenvolvimento de habilidades, o

que demonstra o importante papel da preparação para a carreira (pré-ingresso) dos jovens para

seu futuro comportamento pró-ativo. Experiências de mudança na posição hierárquica (ser

promovido) demonstraram ter um efeito reforçador sobre os comportamentos pró-ativos, com

exceção do comportamento de trabalho em rede.

Foi evidenciado o impacto dominante do contexto sócio-econômico, político e

cultural mais amplo do país sobre todos os quatro aspectos do comportamento pró-ativo. Tal

influência deve-se a uma série de fatores, tais como a política de empregos de cada país, a

educação para a carreira, o tempo de permanência do jovem com a família, bem como o

relacionamento esperado entre os jovens e as figuras de autoridade nas organizações. Neste

caso, o padrão cultural dominante pode circunscrever a adoção de atitudes de maior iniciativa

ou dependência pelos jovens.

Foi demonstrado, ainda, o efeito esporádico de ocupação, gênero e história

educacional sobre algumas dimensões do comportamento pró-ativo. Com exceção do

comportamento pró-ativo de trabalho em rede, ser um operador de máquinas teve um impacto

negativo sobre os comportamentos pró-ativos durante a socialização profissional. O

comportamento pró-ativo de trabalho em rede das mulheres do grupo de tecnologia de

escritório foi mais baixo comparado a este comportamento adotado pelos homens, nos anos

iniciais da experiência no mercado de trabalho. Experiências anteriores combinando trabalho

55

e educação estiveram positivamente relacionadas aos comportamentos de desenvolvimento de

habilidades e de busca de aconselhamento.

Ruiz-Quintanilla e Claes (1995) enfatizam a importância de que estudos

posteriores se concentrem em aspectos tais como a personalidade pró-ativa e o

desenvolvimento de dimensões descritivas relacionadas a contextos nacionais. De qualquer

forma, sua pesquisa parece ter confirmado a importância das experiências iniciais de carreira

para o comportamento pró-ativo a ser adotado pelos jovens em sua vida profissional posterior.

Além disso, a influência da cultura nacional foi sinalizada por este estudo como um

importante fator a ser analisado para compreender a adoção de comportamentos pró-ativos

pelos jovens em fase inicial de carreira.

De Vos e Buyens (2004) realizaram um estudo longitudinal envolvendo 333

recém-contratados em seis grandes organizações da Bélgica, com o objetivo explicar as

percepções e avaliações do contrato psicológico efetuadas pelos novatos durante o processo

de socialização. O comportamento de busca de informação foi utilizado nesta pesquisa como

a variável antecedente central.

Os contratos psicológicos são definidos como as crenças sustentadas pelos

empregados sobre os termos e condições da troca acordada entre eles próprios e suas

organizações (ROUSSEAU, 1989, apud DE VOS; BUYENS, 2004). Os autores basearam-se

em resultados de pesquisas recentes, que demonstraram que as avaliações dos empregados

sobre seus contratos psicológicos afetam importantes atitudes e comportamentos, tais como

comprometimento, rotatividade e comportamentos de cidadania organizacional. Pesquisas

sobre socialização demonstraram que administrar o contrato psicológico é especialmente

importante na introdução de novos empregados na organização (THOMAS; ANDERSON,

1998, apud DE VOS; BUYENS, 2004). Sua motivação, comprometimento e duração da

permanência na organização serão afetados por suas percepções acerca dos termos de sua

relação empregatícia e do cumprimento percebido destes termos.

Robinson et al. (1994, apud DE VOS; BUYENS, 2004) constataram que,

durante os primeiros dois anos após o ingresso, os novatos aumentam suas percepções de

compromissos quanto às contrapartidas do empregador, enquanto diminuem suas percepções

de compromissos quanto às suas próprias contribuições. Thomas e Anderson (op. cit.)

encontraram efeitos significativos da informação adquirida em relação a aspectos sociais e de

papel sobre mudanças nas expectativas dos novatos acerca das contrapartidas do empregador,

durante as primeiras oito semanas após o ingresso. Estes resultados sugerem que o

conhecimento desempenha um papel importante no desenvolvimento do contrato psicológico.

56

Assim, teorias sobre o desenvolvimento de esquemas e teorias da socialização são integradas

na conceituação da formação do contrato psicológico.

Na literatura sobre socialização, o novato é concebido como um sujeito ativo,

que busca e interpreta informação relevante ao longo do processo de socialização. A busca de

informação possibilita aos novatos reduzir a incerteza, compreender e dominar seu novo

ambiente (MORRISON, 1993, apud DE VOS; BUYENS, 2004). De Vos e Buyens referem-se

a pesquisas em que ficou evidenciado que a busca de informação pelos novatos facilita seu

ajustamento à organização. O intercâmbio de informação sobre o contrato psicológico tende a

contribuir para uma compreensão mais realista dos termos da relação empregatícia, reduzindo

a probabilidade de percepção de quebra de contrato ao longo do tempo.

Os resultados da pesquisa de De Vos e Buyens (2004) sugerem que, durante o

processo de socialização, os recém-chegados mudam suas percepções dos compromissos

constantes do contrato, mas, contrariando as expectativas dos autores, estas mudanças não

estão relacionadas aos seus comportamentos de busca de informação. Por outro lado, em

consonância com as hipóteses levantadas, a freqüência da busca de informação relacionada ao

contrato durante o processo de socialização afetou significativamente as avaliações dos

recém-chegados sobre seu relacionamento empregatício um ano após a entrada. Recém-

chegados que se engajaram mais freqüentemente em busca de informação realizaram uma

avaliação mais positiva do cumprimento do contrato psicológico e estavam também mais

satisfeitos com o relacionamento empregatício em geral.

É interessante observar que a referida busca de informação situou-se

predominantemente em três dimensões do contrato psicológico: desenvolvimento de carreira,

conteúdo do trabalho e atmosfera social. Esses três aspectos parecem requerer interpretação e

elaboração pelos novatos no momento do ingresso na organização, constituindo-se em alvos

de interesse ao longo do processo de socialização. Ao contrário, dimensões ligadas a

recompensas financeiras e a aspectos como horas de trabalho, férias e outros não

demonstraram impacto significativo na busca de informação. Os autores acreditam que isto se

deva ao fato de tais aspectos estarem geralmente explícitos no contrato de trabalho escrito,

não exigindo maior esforço por parte dos novatos para compreendê-los.

Os resultados evidenciaram ainda que o conhecimento, em si, obtido durante a

socialização é mais importante do que os processos através dos quais este conhecimento foi

obtido. A busca de informação sobre o conteúdo do trabalho e a atmosfera social também

revelou ter um impacto consistente sobre resultados mais distantes, como a avaliação do

empregado em relação ao cumprimento de promessas pelo empregador, sua percepção do

57

atendimento de expectativas e a satisfação geral no ambiente de trabalho, depois de decorrido

um ano de seu ingresso na organização.

De Vos e Buyens (2004) constataram que níveis precoces de busca de

informação, mais do que mudanças ocorridas ao longo do tempo, são importantes na

determinação das avaliações do contrato psicológico, satisfação e correspondência de

expectativas. Foi confirmada a proposição, já demonstrada empiricamente por estudos

anteriores, de que os primeiros meses após o ingresso são os mais importantes para a

construção de sentido pelo recém-chegado. O fato de que a busca de informação decresceu

durante o processo de socialização pareceu não ter efeitos negativos sobre as avaliações do

contrato psicológico.

Irving, Cawsey e Cruikshank (2002) conduziram um levantamento com 226

empregados de uma organização municipal canadense, no intuito de verificar os efeitos

interativos dos tipos de comprometimento organizacional sobre as intenções de deixar o

emprego, bem como as relações entre os perfis de comprometimento e a percepção de

contratos psicológicos.

Os autores basearam seu estudo no modelo multidimensional do

comprometimento proposto por Meyer e Allen (1991, 1997, apud IRVING; CAWSEY;

CRUIKSHANK, 2002), o qual sugere que o comprometimento dos empregados com a

organização pode ser refletido em três tendências. Ou seja, os empregados podem estar

comprometidos com sua organização devido ao desejo (comprometimento afetivo), à

necessidade (comprometimento de permanência) ou à obrigação (comprometimento

normativo). A noção de perfis de comprometimento é derivada do reconhecimento de que

empregados têm múltiplas bases e focos de comprometimento e que esses perfis têm

implicações para o comportamento da organização. Os já citados Meyer e Allen sugerem que

os empregados podem apresentar níveis altos ou baixos nos três componentes do

comprometimento, o que criaria os diferentes perfis.

Quanto aos contratos psicológicos, eles podem ser de natureza transacional ou

relacional. Os contratos transacionais são de curta duração, envolvendo trocas quantificáveis

entre empregados e empregadores. Tais contratos envolvem termos bastante específicos e

pequeno investimento emocional por parte do empregado. Inversamente, os contratos

relacionais são aqueles com final indeterminado e orientados para o relacionamento. Tais

contratos tendem a implicar significativo envolvimento emocional da parte dos empregados,

assim como considerável investimento nos empregados por parte dos empregadores

(ROUSSEAU, 1995, apud IRVING; CAWSEY; CRUIKSHANK, 2002).

58

Nos resultados da pesquisa de Irving, Cawsey e Cruikshank (2002), todos os

três componentes do comprometimento apareceram negativamente correlacionados com

intenções de abandonar o emprego, embora a correlação entre comprometimento de

permanência e intenções de abandonar o emprego não tenha atingido significância estatística

(o que os autores atribuem possivelmente à forma como a intenção de abandonar o emprego

foi mensurada). Na amostra estudada, as correlações com intenções de abandonar o emprego

foram da mesma magnitude para comprometimento afetivo e normativo. Na análise das

interações entre os componentes do comprometimento e as intenções de abandonar o

emprego, o comprometimento afetivo e o normativo mostraram ter efeitos aditivos, enquanto

as interações envolvendo o comprometimento de permanência não apresentaram resultados

significativos. Tais resultados sugerem, do ponto de vista dos autores, que organizações que

criam condições voltadas a incrementar o desejo de permanecer e o sentimento de obrigações

para com a organização estão mais propensas a reduzir a rotatividade de pessoal do que

organizações que focalizam apenas um componente. Aparentemente, por exemplo, investir

nos empregados trará benefícios aumentados para sua retenção, ao invés de simplesmente

prover um ambiente de trabalho positivo.

Ainda no tocante aos resultados, os indivíduos que estiveram mais propensos a

responder que possuíam contratos transacionais foram aqueles com um perfil de

comprometimento de pura permanência e aqueles que tiveram níveis altos no

comprometimento afetivo, associado ao de permanência. Indivíduos com um perfil de

comprometimento puramente afetivo ou com níveis altos no comprometimento afetivo e

normativo foram significativamente menos propensos a perceber que tinham um contrato

psicológico transacional. Tais resultados são consistentes com sugestões anteriores de que o

comprometimento de permanência poderia estar associado com contratos psicológicos

transacionais.

Os mais altos níveis de contratos relacionais foram reportados por indivíduos

cujos perfis incluíam altos níveis de comprometimento afetivo, particularmente quando

estavam combinados com altos níveis de comprometimento normativo. Tais resultados são

consistentes com os anteriormente mencionados, referentes à intenção de deixar o emprego.

Não surpreendentemente, os indivíduos menos propensos a perceber que tinham um contrato

psicológico relacional foram aqueles que tinham um perfil de comprometimento de pura

permanência, assim como indivíduos com baixo comprometimento geral. Em relação este

último aspecto, chama a atenção o fato de que não houve virtualmente nenhuma diferença na

forma como os indivíduos com perfil de comprometimento de pura permanência e os

59

indivíduos com perfil de baixo comprometimento geral responderam à escala. Para os autores,

estes resultados sugerem que empregados que permanecem na organização puramente devido

à necessidade são pouco propensos a demonstrar quaisquer comportamentos de lealdade que

sejam benéficos para a organização.

Correlacionando estes resultados à pesquisa desenvolvida por De Vos e Buyens

(2004), já mencionada, podem ser levantados vários aspectos relevantes para o estudo dos

processos de socialização organizacional. De Vos e Buyens (2004) identificaram a

importância da busca de informação acerca do contrato psicológico ao longo da socialização

organizacional, a qual atua na redução da incerteza do indivíduo frente ao novo ambiente e

aumenta a probabilidade do desenvolvimento de uma percepção positiva do contrato com a

organização, assim como do atendimento de expectativas e da satisfação geral no trabalho.

Por outro lado, vimos a partir dos resultados do estudo de Irving, Cawsey e Cruikshank

(2002) a existência de correlações entre os perfis de comprometimento organizacional e os

tipos de contratos psicológicos percebidos pelos indivíduos, o que indica que os contratos

psicológicos podem ser antecedentes do comprometimento. Considerando o

comprometimento organizacional também como um fruto da maneira como o indivíduo foi

socializado na organização, na medida em que conseguiu articular projetos existenciais à

atividade profissional, vemos a importância do provimento de informações relevantes sobre o

contrato psicológico ao longo do processo de socialização, a fim de que a organização atinja

os objetivos pretendidos na inter-relação com seus membros.

2.3 Particularidades da cultura e socialização organizacionais no contexto militar

2.3.1 Aspectos da cultura organizacional militar

Como já foi evidenciado ao longo deste capítulo, o processo de socialização

organizacional implica a transmissão de uma dada cultura aos novos membros da

organização, incluindo valores, crenças, normas e práticas diversas incorporados ao

“conhecimento” daquela coletividade ao longo do tempo. Ao abordarmos particularmente um

contexto organizacional militar, faz-se necessário mapear alguns dos aspectos que

caracterizam essa cultura específica, a fim de compreender o delineamento conferido pela

60

organização à socialização de seus membros. Evidentemente, as forças armadas de cada país

apresentam os contornos da cultura nacional. Porém, entendemos que a natureza da atividade

desempenhada nesse tipo de organização permite identificar algumas características, em

princípio, similares em termos de estruturas e valores organizacionais.

Samuel Huntington, estudioso da problemática das relações entre civis e

militares nos Estados Unidos, esboça uma concepção da cultura militar:

As pessoas que agem da mesma forma durante um longo período de tempo tendem a desenvolver hábitos característicos e persistentes de pensamento. A singular relação que elas mantêm com o mundo lhes dá uma peculiar perspectiva desse mundo, levando-as a racionalizar o próprio comportamento e o próprio papel. Isso é particularmente verdadeiro onde esse papel é um papel profissional. Uma profissão é mais estritamente definida, mais intensa e exclusivamente procurada e mais claramente isolada de outras atividades humanas do que o é a maioria das ocupações. O contínuo desempenho objetivo da função profissional dá origem a uma contínua weltanschauung ou “mentalidade” profissional. Nesse sentido, a mentalidade militar consiste dos valores, atitudes e perspectivas inerentes ao desempenho da função militar e que se deduzem da natureza dessa função. A função militar é desempenhada por um técnico de profissão pública burocratizada, especialista na administração da violência e responsável pela segurança militar do Estado. Um valor ou uma atitude só faz parte da ética profissional militar se for deduzido ou derivado da especialização, da responsabilidade e da organização peculiares da profissão militar. (HUNTINGTON, 1997, p. 79).

Assim, a cultura organizacional das forças armadas pode ser entendida a partir

da análise das soluções encontradas pela organização para resolver seus problemas de

adaptação interna e externa, ao longo de um processo histórico. Para alguns autores, toda

tentativa de organização pode ser considerada como uma modalidade de defesa contra a

ansiedade. Na concepção de Eugène Enriquez, além de uma modalidade de defesa contra a

ansiedade, a estrutura organizacional é, “ao mesmo tempo, a forma pela qual a organização

visa uma certa eficácia no trabalho (adaptação ao real) e favorece ou coloca no lugar um certo

modelo de controle social.”(1997, p. 28). Sem desejar esgotar o tema, esboçaremos alguns

aspectos que se constituem em alternativas encontradas pela organização militar para lidar

com as ansiedades e exigências práticas decorrentes de sua tarefa, assim como com as

demandas decorrentes da convivência social em torno de um dado objetivo, as quais se

converteram em valores organizacionais com o passar do tempo.

Seguindo essa linha de raciocínio, podemos tentar imaginar a intensidade que

assume a estrutura defensiva em uma organização cuja finalidade de existência liga-se ao

61

enfrentamento do perigo da morte. Uma organização1 militar impõe literalmente a seus

membros “o sacrifício da própria vida” em prol de seus objetivos, compromisso que assumem

publicamente em juramento diante da bandeira nacional, símbolo maior da Pátria, e cujo

cumprimento, severamente regulado por dispositivos legais, precede a quaisquer interesses

individuais, em nome da coletividade da Nação. Citando Clausewitz, Huntington afirma que

“a guerra é a província da incerteza”, e ainda que “toda guerra pressupõe fraqueza humana e

contra ela é dirigida.” (1996, p. 81). Diante da incerteza que circunscreve sua atuação, diante

de ameaças potenciais de diversas ordens (que não provêm apenas do inimigo, mas da

imprevisibilidade das reações dos próprios aliados, em suas “fraquezas humanas”), as forças

armadas buscam elementos estáveis nos quais possam se apoiar.

Para Morris Janowitz, “a doutrina dogmática é uma típica reação reflexa

organizacional a incertezas futuras. O que sucedeu no passado vem a ser um poderoso

precedente para realizações futuras.”(1967, p. 28). Desta forma, o culto às tradições, a rigidez

de fórmulas doutrinárias e a normalização minuciosa das condutas a serem adotadas por seus

membros nas mais diversas situações surgem como mecanismos organizacionais para o

controle da ansiedade, buscando a previsibilidade como forma de evitar a surpresa

ameaçadora.

Janowitz destaca a importância do companheirismo a esse respeito: “Os

conceitos de honra e espírito marcial estão fundamentados em rituais de companheirismo.

Esses rituais são apenas um dentre os meios de uma profissão que tem de controlar sua

ansiedade decorrente de sua preocupação com a morte.” (Ibid., p. 195). Huntington também

ilumina este aspecto, afirmando que “o militar enfatiza a importância do grupo contra o

indivíduo. O sucesso em qualquer atividade exige a subordinação da vontade individual à

vontade do grupo. Tradição, esprit, unidade, comunidade – essas coisas têm alta conotação no

sistema militar de valor.”(1996, p. 82). Tillich contribui para a análise do tema, afirmando

que: “Tem sido observado que a ansiedade da morte aumenta com o aumento da

individualização e que os povos nas culturas coletivistas são menos dados a este tipo de

ansiedade.” (1976, p. 33). Assim, a constituição da profissão militar como uma “corporação”

ou “fraternidade”, que coloca os interesses da coletividade acima dos individuais e desenvolve

elevado grau de homogeneidade e coesão entre seus membros, é em parte esclarecida como

estratégia de defesa contra a ansiedade.

1 Utilizamos aqui o termo “organização” em sentido amplo, seguindo a definição proposta por Scott (1996, p.

18): “estruturação de ações racionais, voltadas a determinados objetivos”.

62

Nessa direção, a disciplina, baseada no respeito às normas estabelecidas e no

pronto cumprimento das ordens emanadas das autoridades hierárquicas, também se

caracteriza como elemento que confere estabilidade à organização:

A profissão militar existe para servir ao Estado. A fim de prestar o mais elevado serviço possível, todos os profissionais das armas e a força militar que comandam devem se constituir em um eficiente instrumento de política estatal. Como a direção política só vem da cúpula, isso significa que a profissão tem que se estruturar numa hierarquia de obediência. E para que a profissão desempenhe sua função, cada escalão dela deve ser capaz de merecer a obediência leal e instantânea dos subordinados. Sem esse relacionamento, o profissionalismo militar é impossível. Em conseqüência, lealdade e obediência são as virtudes militares mais altas [...]. Quando o militar recebe uma ordem legal de um superior autorizado, ele não discute, não hesita nem altera sua própria opinião; obedece instantaneamente. Ele é julgado, não pelas políticas que implementa, mas sim pela presteza e eficiência com que as executa. (HUNTINGTON, 1996, p. 91, grifo nosso).

A obediência é considerada por Huntington como “a essência da competência

militar”, pois apenas a execução fiel das diretrizes estabelecidas em níveis políticos e

estratégicos asseguraria o êxito das operações. Por meio dela, aliada a outros aspectos que

asseguram a vinculação dos indivíduos à identidade grupal, busca-se garantir a conformação e

a uniformidade no seio da organização.

Entretanto, a ideologia da disciplina nas forças armadas norte-americanas

passou por uma reconfiguração após a Segunda Guerra Mundial, retratada nos estudos de

Janowitz. Este autor estabelece um contraste entre a disciplina militar característica do final

do século XIX, baseada na dominação autoritária, e as concepções de disciplina que

começaram a emergir no início do século XX, caracterizadas pela utilização de “manipulação,

persuasão e consenso grupal”(JANOWITZ, 1967, p. 40).

O oficial tático já não corresponde mais à imagem do oficial de cavalaria de voz ríspida, bradando ordens para homens que ele supunha ignorantes. Ao invés disso, [...] é um “junior executive”, confrontado com a tarefa de coordenar especialistas e demonstrar pelo exemplo que é competente para dirigir uma batalha. Quando a disciplina militar se baseava na dominação, os oficiais tinham de demonstrar que eram diferentes dos homens a quem comandavam. Hoje, os líderes devem continuamente demonstrar sua competência e capacidade técnica, para que possam comandar sem recorrer a sanções arbitrárias e extremas. Antigamente, o lema nas forças armadas era “Faça continência às divisas, e não ao homem”, porquanto a autoridade era formal. Os papéis militares contemporâneos, porém, dependem das qualidades dos homens que ocupam posições profissionais. (Ibid., p. 46-47).

63

Para o autor, a necessidade de alteração das táticas de disciplinamento militar

decorre das mudanças operadas na estrutura social, no perfil da população e na tecnologia da

guerra, entre outros fatores.

A demanda popular de igualdade de tratamento cresce com a industrialização. À medida que aumenta o padrão de vida, diminui a tolerância aos desconfortos da vida militar. O ceticismo da vida urbana é levado para as forças armadas em grau maior que em gerações anteriores, de modo que os homens já não atuarão mais às cegas, mas exigirão alguma espécie de explicação de seus comandantes. Relações sociais, liderança pessoal, benefícios materiais, doutrinação ideológica e a justiça e o significado dos objetivos da guerra, tudo isso agora faz parte do moral militar. (Ibid., p. 41).

Janowitz observa que a evolução da tecnologia da guerra representou um

aumento do poder de fogo e a necessidade de maior especialização dos combatentes. Para

fazer frente ao poder destrutivo dos novos armamentos, as tropas foram levadas à

descentralização (a fim de reduzir a exposição ao perigo), o que gerou a necessidade de maior

autonomia e iniciativa dos militares dispersos. A proficiência técnica passou a ser um fator de

dependência mútua entre os militares, interferindo na estrutura disciplinar formal:

A tecnologia da guerra é tão complexa que a mera disciplina autoritária não é garantia da coordenação de um complexo grupo de especialistas. Os membros de um grupo militar reconhecem que sua dependência mútua baseia-se mais na proficiência técnica de cada um de seus membros que na estrutura disciplinar formal. (Ibid., p. 43).

Assim, os comandantes seriam levados cada vez mais a evidenciar sua

qualificação técnica perante seus comandados, a fim de transmitir-lhes segurança e

credibilidade em relação às ordens emitidas.

A psicologia aplicada às relações humanas na organização militar teria

conduzido a um modelo de chefia que busca equilibrar sanções negativas e estímulos

positivos. Ou seja, embora se admita que a violência e a crise extrema, que caracterizam as

situações de combate, justifiquem o direito ao exercício de sanções drásticas por parte da

autoridade militar, seu exercício não deve ser incompatível com a “ênfase em objetivos de

grupo” e o “uso de técnicas indiretas de controle”. Desta forma, “‘comando’ dá lugar à

‘liderança’ na linguagem das forças armadas”(Ibid., p. 45). Um dos objetivos da disciplina

seria, por exemplo, que o indivíduo internalizasse as normas sob um enfoque positivo,

compreendendo que elas o protegem e o apóiam.

Contudo, Janowitz ressalta que essa transição não é isenta de resistências no

seio da organização:

64

Todas as organizações mostram pressões inerentes para a inércia humana. Nas instituições militares, em particular, a inovação tecnológica marcha mais depressa e com maior eficiência que a transformação organizacional. [...] Talvez a maior tensão com que se confronta o “administrador” militar seja o caráter episódico do combate. O sentimento de urgência, a realidade do combate imediato, é um estímulo que torna a autoridade militar efetiva. Na guerra fria, removida a pressão imediata do combate, há uma tendência para o retrocesso a velhos padrões de disciplina autoritária, não mais efetiva. (Ibid., p. 48-49).

O autor menciona ainda a dificuldade de aceitação dos novos padrões de

disciplina por determinados segmentos, mais conservadores, da organização. Por exemplo,

uma das mudanças nas forças armadas norte-americanas acarretou a restrição da liberdade de

comandantes táticos na aplicação de punição “por companhia” ou “coletiva”, o que, além de

alterar formas tradicionais de disciplina, foi percebido como uma perda de prerrogativas por

parte dos oficiais. Ou seja, fatos dessa natureza vieram a ser interpretados como um

“enfraquecimento da autoridade” por parte de oficiais em nível companhia. Janowitz realiza

uma leitura taxativa a esse respeito: “Esses oficiais demonstraram maior disposição para

atribuir esse declínio de autoridade a mudanças em regulamentos formais do que para admitir

que a tarefa do comandante tático se modificara e exigia qualificações administrativas mais

complexas.”(Ibid., p. 52).

Prosseguindo na análise de alguns traços da cultura organizacional militar,

acrescentaríamos ainda, parodiando Clausewitz, que “a guerra é a província do não-ser”. A

ameaça de aniquilação do ser em sua totalidade torna necessária a referência a uma ordem

estabelecida, que proporcione um mínimo de organização diante do caos.

Há um momento em que a auto-afirmação do homem comum se torna neurótica: quando mudanças da realidade, à qual está ajustado ameaçam a coragem fragmentária com a qual ele tem dominado os costumeiros objetos de medo. [...] Os perigos relacionados com a mudança, o caráter desconhecido das coisas por vir, a escuridão do futuro fazem do homem comum um fanático defensor da ordem estabelecida. (TILLICH, 1976, p. 53).

Em nome da causa nacional, os militares devem abrir mão de sua segurança

pessoal. Contudo, embora a integridade física esteja em risco, o mesmo não pode ocorrer no

campo psicológico, sob o ônus da perda de motivação para o combate. È importante ressaltar

que rondam na guerra, real ou imaginada, ameaças abrangentes de finitude, de insignificância

da existência, culpas e outros temores, sendo necessário infundir nos membros da organização

a identificação com valores e crenças que apazigúem tais ansiedades e forneçam um sentido

para a tarefa desempenhada. Para Enriquez,

65

[...] esses grupos [o Exército e a Igreja] funcionam na crença, reforçam em cada um a ilusão da imortalidade ou da onipotência do narcisismo, desempenham um papel capital na canalização das pulsões sexuais, habituam as pessoas a exorcizarem a realidade da morte ao prometer-lhes uma vida heróica ou uma vida eterna plena de felicidade. (1997, p. 27).

Assim, práticas como o culto a vultos heróicos e diversos procedimentos

cerimoniais e rituais contribuem para que o grupo se vincule a uma vívida instância mítica,

que remete a um sentido transcendente para a existência e para a imolação em prol da causa

comum. Enriquez destaca que:

A organização não pode viver sem segregar um ou mais mitos unificadores, sem instituir ritos de iniciação, de passagem e de execução, sem formar os seus heróis tutelares (colhidos com freqüência entre os fundadores reais ou os fundadores imaginários da organização), sem narrar ou inventar uma saga que viverá na memória coletiva: mitos, ritos, heróis, que têm por função sedimentar a ação dos membros da organização, de lhes servir de sistema de legitimação e de dar assim uma significação preestabelecida às suas práticas e à sua vida. Ela pode então se oferecer como objeto a interiorizar e a fazer viver. Ela formula as suas exigências, impõe a cada um ser movido pelo orgulho do trabalho a cumprir, verdadeira missão de vocação salvadora. (1997, p. 34).

Ao analisar a constituição do oficialato como profissão, Huntington distingue

como competência desta categoria a “administração da violência”: “A direção, a operação e o

controle de uma organização humana cuja principal função consiste na aplicação da violência

é a qualidade peculiar do oficial.” (1996, p. 29). Vejamos de que forma os futuros oficiais,

destinados a serem os administradores da organização em diversos níveis, são socializados em

academias militares para o desempenho deste papel, tendo como pano de fundo os aspectos

culturais esboçados.

2.3.2 A socialização organizacional em academias militares

Em seu estudo sobre a problemática da profissão militar norte-americana após

a Segunda Guerra Mundial, Janowitz também mencionou o papel das academias militares:

A educação numa academia militar é a primeira e a mais crucial experiência de um soldado profissional. As experiências educacionais de um cadete não obliteram seus antecedentes sociais, mas deixam impressões fundas e duradouras. Embora nem todos os generais e almirantes tenham freqüentado academias militares, estas fixam os padrões de comportamento para toda a profissão militar. São elas a fonte da difundida “igualdade de sentimento” a

66

respeito de honra militar e do sentido de fraternidade que prevalece entre os militares. (JANOWITZ, 1967, p. 129).

Para o autor, o processo de socialização dos cadetes envolve valores, atitudes e

normas, que devem ser internalizados para o desempenho de seu papel profissional:

O oficial profissional ingressa numa carreira em que uma autoridade única regulamenta todas as oportunidades de sua existência. Com efeito, o aspirante verifica que todo o ciclo de sua vida diária está sob o controle desta autoridade única, pois a vida militar é uma vida institucional. Além das qualificações técnicas que ele adquire, as academias devem prepará-lo para o estilo de vida peculiar ao militar e doutriná-lo quanto à importância da liderança heróica. Devem procurar enfraquecer laços regionais e desenvolver um sentido de identidade nacional mais ampla. Admitido o oficial em potencial, e sobrevivendo este às provas de iniciação, a finalidade de uma academia militar consiste em transformá-lo num membro da “fraternidade” profissional. (Ibid., p. 130).

Quanto às “provas de iniciação” mencionadas, Janowitz aponta que elas se

destinam a verificar se os cadetes novatos possuem de fato as características necessárias para

a carreira. Disciplina rigorosa, controle severo das rotinas diárias, doutrinação em tradições

militares e cerimoniais, exigência de desempenho atlético são algumas das práticas que

circunscrevem a brusca transição que representa o ingresso na carreira militar. A intimidação

é utilizada nos primeiros anos, segundo o autor, para facilitar a mudança da vida civil para a

militar. “As rotinas intermináveis e o sistema de intimidação dos calouros justificam-se como

um meio de ensinar auto-controle, bem como resistência ao pânico.” (Ibid., p. 132).

Sobre o currículo das academias militares norte-americanas à época do estudo,

Janowitz destaca os conteúdos de história militar, adestramento profissional, treinamento

físico, disciplinas de educação geral, relações humanas e psicologia de grupo. Contudo, o

autor destaca que é o “ambiente físico e histórico que produz as impressões mais duradouras

nos alunos”, pois lhes transmite uma imagem de eterna estabilidade, facilitando a

internalização de conceitos como os de honra militar e lealdade profissional. Desta forma,

evidencia-se que o processo de socialização em foco vai muito além dos conteúdos formais

ministrados nas disciplinas do currículo acadêmico.

A respeito do processo de socialização em academias militares, Celso Castro

menciona que:

Um ponto comum aos sociólogos que escreveram sobre as academias militares nos Estados Unidos é o destaque que dão à intensidade do processo de socialização profissional militar, combinada ao fato de que esse processo ocorre em relativo isolamento ou autonomia. Por isso, comparada a outras profissões, a militar representaria um caso-limite sociológico, contribuindo para uma grande coesão ou homogeneidade interna (“espírito-de-corpo”),

67

mesmo que freqüentemente ao preço de um distanciamento entre os militares e o mundo civil. (CASTRO, 2004, p. 34).

Em uma revisão conceitual acerca da socialização de cadetes no Colégio

Militar Real do Canadá (Royal Military College), Browne (2005) assinalou que,

historicamente, o isolamento tem sido um fator fundamental para a socialização militar.

Diferentemente do que ocorre nas universidades civis, em que os estudantes geralmente saem

de casa para poderem freqüentar a universidade e assumem plena responsabilidade por si

mesmos, os cadetes do Colégio Militar Real (CMR) são submetidos à disciplina militar,

conformidade e protocolo como áreas essenciais de sua socialização. Portanto, enquanto a

sociedade em geral incentiva à independência, o jovem que ingressa no CMR encontra um

cenário oposto, o que segundo o autor contribui para o conflito interior do cadete,

especialmente dos mais maduros.

Sobre esse aspecto, fazemos referência novamente a Janowitz:

[...] no processo de doutrinação e no esforço de criar um sentido de lealdade profissional, o cadete deve ajustar-se à conformação. Segundo o psiquiatra de uma academia, o cadete é uma personalidade mais dependente que o universitário médio. [...] a iniciativa deve expressar-se dentro dos limites de um detalhado e elaborado programa diário que deixa ao cadete somente uns poucos segundos para reflexão e vida particular. (1967, p. 139).

Okros (2003, apud BROWNE, 2005, p. 12), em uma análise comparativa da

maturidade de estudantes universitários civis em relação aos estudantes do CMR, demonstrou

a desvantagem destes últimos em termos de auto-regulação e tomada de decisão. Browne

(2005) considera que este tipo de disjunção no desenvolvimento pode facilmente conduzir o

estudante do CMR à frustração e talvez à tensão quando colocado em uma posição de

autoridade, que requer consciência social e habilidades fundamentais para o processo de

tomada de decisão. Ressalta que o treinamento militar deve procurar incluir adaptabilidade e

flexibilidade, no intuito de compensar essa diferença. Por fim, o autor questiona até que ponto

tal situação pode interferir nas expectativas e aspirações dos cadetes ao longo da formação,

assim como em suas intenções de permanecer ou abandonar a carreira.

Considerando os objetivos de reprodução social inerentes ao processo de

socialização, Browne chama a atenção para os perigos da total conformidade que pode ser

resultante desse processo, impedindo a inovação e a habilidade de responder adequadamente

às demandas ambientais. O autor relembra Schein (1985, apud BROWNE, 2005, p. 16), para

quem a socialização ótima representaria a aprendizagem dos aspectos da cultura que são

críticos para a sobrevivência da organização. Browne considera que o pertencimento ao grupo

68

militar deriva da plena internalização do etos militar canadense, do desempenho de seu dever

de acordo com as responsabilidades fundamentais da profissão das armas e do incremento de

suas especialidades relevantes, incluindo as habilidades de combate. Assim, o etos apresenta-

se como central para a efetividade dos militares canadenses. Este compreende os valores,

crenças e expectativas que refletem os valores da sociedade. Os quatro princípios que guiam o

serviço militar naquele país são: lealdade ilimitada, espírito combatente, trabalho em equipe e

disciplina. Tais princípios, integrados aos valores centrais canadenses, formam os valores

militares de responsabilidade (dever), lealdade, integridade e coragem.

O autor levanta, ainda, o problema da socialização antecipatória, ao identificar

que as crenças sobre militares que os cadetes construíram, antes do ingresso na carreira,

freqüentemente opõem-se às experiências vividas no CMR, o que produz um efeito de

frustração e desmotivação. Infelizmente, os dados empíricos do estudo ainda não estavam

disponíveis no momento em que realizamos a revisão bibliográfica.

Em relação aos estudos brasileiros sobre temas militares, Peixoto (1980, apud

GOMES, 2000) identifica dois modelos de interpretação: um, instrumental, que se relaciona

às intervenções militares no cenário político, ou seja, ao caráter mais “espetacular” da

instituição; outro, institucional-organizacional, que se centra na história e no cotidiano da

instituição, em um possível intuito de apreender a realidade sob a perspectiva “nativa”, no

sentido conferido ao termo pela antropologia.

Dentre os poucos estudos existentes alinhados ao segundo modelo de

interpretação mencionado, encontramos a pesquisa etnográfica pioneira realizada por Celso

Castro na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), nosso campo de estudo, no

período de 1987 a 1988. Este estudo enfoca o processo de construção da identidade militar

(“espírito militar”) pelos cadetes.

Antes de efetuar sua matrícula no Curso de Formação da AMAN, os jovens

candidatos a cadete passam por um período de duas a quatro semanas realizando diversas

atividades, de providências administrativas a instruções militares, que é chamado de Período

de Adaptação. Sobre esta etapa da socialização, Castro destaca que:

[...] esse nome poderia sugerir, para alguém desavisado, que se busca nesse período um ajustamento, uma acomodação gradual dos novatos à vida militar. Muito pelo contrário: a transição é brusca e intensa. Tanto oficiais quanto cadetes falam da adaptação como uma “peneira” que visa levar à desistência as pessoas que não possuem vocação ou força de vontade suficiente para o ingresso na carreira militar. (CASTRO, 2004, p. 19).

69

O autor descreve como, através de diversas práticas simbólicas, os cadetes são

socializados à vida militar, enfatizando o caráter contrastivo dessa experiência, delineada por

mecanismos de oposição de valores. A oposição ocorre primeiramente entre militares e civis

(chamados na gíria de “paisanos”), para em seguida ocorrer no interior da própria Academia,

pelo pertencimento a grupos específicos, com destaque para as Armas, Quadro e Serviço que

caracterizam as especializações do oficial combatente formado pela AMAN. Vejamos alguns

aspectos que caracterizariam diferenças entre cadetes e universitários civis:

A comparação entre o ensino na Academia e o ensino civil introduziu uma série de características diferenciais que se repetem num plano mais amplo entre “aqui dentro” e “lá fora”. A entonação da voz, clara e firme; o olhar direcionado para o horizonte, e não para baixo; uma postura correta, e não curvada; uma certa “densidade” corporal – tônus muscular, relação peso X altura equilibrada; uma noção rígida de higiene corporal – usar os cabelos curtos, o uniforme impecavelmente limpo, fazer a barba todos os dias (mesmo os imberbes); um linguajar próprio. Todos esses atributos físicos e comportamentais marcam uma fronteira entre militares e paisanos que é vigiada com o máximo rigor na Aman, sendo a causa mais freqüente de punições disciplinares. [...] Uma outra série – agora de atributos morais – reforça e amplia aquela fronteira: o senso de honestidade e “retidão” de caráter; a preocupação com causas “nobres e elevadas” – Pátria, Brasil (no Curso Básico, quando um oficial grita “Brasil!”, os cadetes aprendem a contestar em uníssono: “Acima de tudo!”); o “espírito de renúncia” e o desapego a bens materiais; o respeito à ordem, à disciplina e à hierarquia, são os exemplos mais comumente citados pelos cadetes. (Ibid., p. 45).

Castro identificou que os oficiais instrutores representam para os cadetes

exemplos de um vir-a-ser, e que estes classificam os oficiais como “líderes” ou “não líderes”,

fazendo referência à identificação ou não identificação estabelecida. O autor enfatiza o

processo de construção de representações que ocorre nas relações informais entre os cadetes,

deixando em segundo plano os currículos formais. As experiências compartilhadas pelos

cadetes contribuiriam para a construção de uma acentuada identificação entre eles:

Todas as atividades são feitas em conjunto, chegando ao ponto de um cadete estabelecer a seguinte lei: “Se você estiver andando sozinho, pode parar e pensar, porque você deve estar fazendo alguma coisa errada.” O companheirismo é facilitado também porque os cadetes compartilham símbolos, objetos, gírias e preocupações comuns, que possibilitam uma facilidade de comunicação raramente encontrada em outros lugares. (Ibid., p. 40).

Sobre esse aspecto, Janowitz destacou que “as identificações comuns forjadas

durante quatro anos produzem uma acentuada coincidência de atitudes e uma rede de íntimos

contatos pessoais.” (1967, p. 140). Este autor observou que a identidade grupal formada nas

70

academias militares perdura ao longo de toda a carreira do oficial, constituindo uma espécie

de corporativismo militar.

Castro menciona ainda que a carreira militar proporcionaria aos cadetes da

AMAN uma experiência de totalidade:

A notícia que eles transmitem é clara: os militares são diferentes dos paisanos. E não apenas diferentes, mas também melhores. São melhores – nessa visão – não por características singulares que os militares tenham ou venham a ter individualmente, mas porque eles – enquanto coletividade, corpo – viveriam da maneira correta. Englobando e fundamentando todos os níveis de características diferenciais entre militares e paisanos acima mencionadas existe uma experiência totalizadora e básica para a identidade militar: a da preeminência da coletividade sobre os indivíduos. O resultado é a representação da carreira militar como uma “carreira total” num mundo coerente, repleto de significação e onde as pessoas “têm vínculos” entre si. (CASTRO, 2004, p. 46).

Todavia, embora a organização se esforce em proporcionar uma experiência de

completude aos seus novos membros, ao fornecer-lhes uma estrutura que pretende preencher

todas as suas necessidades, na qual não existiria espaço para a dúvida e para a angústia,

Castro explorou as contradições vivenciadas pelos cadetes em relação ao “mundo de fora” da

Academia:

A construção da identidade social do militar ocorria em meio a uma tensão entre uma “visão ideal” que permanecia aproximadamente a mesma desde a década de 1930, afirmando uma posição de superioridade moral, prestígio e distinção sociais dos militares em relação aos “paisanos”, e a vivência pelos cadetes, no “mundo de fora”, de experiências que muitas vezes não confirmam ou mesmo contradizem isso. (Ibid., p. 158).

Este autor identifica uma crise na identidade social da profissão militar no

Brasil, envolvendo um descompasso entre a “visão oficial” transmitida aos cadetes na

AMAN, que contribui para a edificação de sua auto-imagem, e a visão negativa de amplos

setores da sociedade civil a respeito dos militares, em decorrência de sua atuação política

entre 1964 e 1985 (CASTRO, 1994, p. 9). Consideramos ainda que esta “crise de identidade”

está relacionada às mudanças ocorridas na sociedade de modo geral, que apresentam

oportunidades sedutoras num ambiente liberalista, em contraste com as perspectivas

oferecidas pela organização militar, pautadas em valores conservadores.

Também seguindo um delineamento etnográfico, Emília Takahashi (2002)

realizou um estudo longitudinal na Academia da Força Aérea (AFA) e mapeou o processo de

socialização profissional da primeira turma mista de cadetes (composta por homens e

mulheres) daquela escola. O estudo foi baseado em análise documental, observações

71

participantes e entrevistas individuais e em grupo realizadas com cadetes e oficiais. Seu foco

principal situou-se em torno da noção de identidade como processo, propondo-se a analisar o

contexto em que é construída a identidade militar dos cadetes da AFA, com especial destaque

para as questões ligadas à inserção de mulheres no Curso de Intendência.

O estudo apresenta uma descrição detalhada da estrutura do curso de formação

de oficiais da AFA. A autora identifica duas fases distintas na socialização durante o Curso: a

primeira envolvendo os cadetes do primeiro e do segundo anos, denominada Programa de

Treinamento Militar, e a segunda direcionada a cadetes do terceiro e do quarto anos,

denominada Programa de Treinamento de Liderança. Descreve o período de adaptação dos

cadetes à Academia e suas implicações para a formação da identidade, com destaque para os

objetivos de homogeneização do novo grupo de alunos e de desenvolvimento de atitudes e

valores básicos da profissão militar. Esse período seria caracterizado por uma “perda de

identidade” por parte dos alunos, a qual é “substituída” pela identidade militar. Em seguida é

descrito o Período de Treinamento Militar, com destaque para o papel dos exercícios de

campanha no desenvolvimento do “espírito de corpo” e no conhecimento do caráter dos

cadetes. Os serviços e rondas auxiliariam no desenvolvimento da responsabilidade.

Menciona-se que “o segundo ano na Academia é marcado pelo questionamento da profissão

militar pelos cadetes”(TAKAHASHI, 2002, p. 177). A autora refere-se à “desilusão” sentida

por eles:

É comum ouvir dos cadetes do segundo ano de que eles sentem-se “desiludidos” ao descobrirem que os cadetes mais antigos que anotavam seus erros e faltas que se transformavam nas punições e corretivos vividos no primeiro ano, também cometem os mesmos erros e faltas, são tão humanos quanto eles e isto parece desabar a imagem de perfeição e admiração dos cadetes mais antigos que eles nutriam no primeiro ano (Ibid., p. 178).

No segundo ano, também começam a se evidenciar as diferenças entre os

Quadros, que por vezes são fontes de conflitos: “Realizando diferentes tipos de atividades, os

cadetes compartilham um mundo novo de símbolos, linguagens e condutas com outros

militares de seu Quadro e as diferenças se evidenciam entre o esquadrão.” (Ibid., p. 179).

Descreve-se o Programa de Treinamento de Liderança, que ocorre no terceiro e quarto anos,

do qual destacamos o foco no desempenho de funções de comando pelos cadetes, a

constatação pelos cadetes da internalização da disciplina ocorrida ao longo do curso e a

proposta de “ressocialização” no quarto ano, como uma preparação para o retorno ao convívio

com a sociedade mais ampla. São aprofundadas as dificuldades da inserção de mulheres em

72

uma organização tradicionalmente masculina. Do processo de construção da identidade

militar, destacam-se na visão dos cadetes as características de liderança, a função educativa

dos militares na sociedade, a autêntica disciplina, a capacidade de persuasão, o

corporativismo, a honestidade, a diferenciação com o meio civil (valores), a iniciativa, a

solidariedade e os valores cívicos e morais.

Maria Aparecida Vieira (2002), por sua vez, realizou um estudo de caso no

curso de formação de gerentes de uma instituição de segurança pública não identificada, o

qual se processa em um período de três anos e visa realizar a socialização organizacional dos

recém-chegados à instituição, destinados a ocupar os postos de chefia. Pelas características

apresentadas no trabalho, inferimos tratar-se de uma organização de cunho militar. O estudo

em pauta buscou analisar a relação entre os valores individuais e os organizacionais ao longo

do processo de socialização desenvolvido no curso, realizando uma comparação entre os

dados levantados junto a alunos do primeiro e do terceiro anos. A coleta de dados foi

realizada através de métodos quantitativos e qualitativos, com a utilização dos inventários de

Valores Individuais de Tamayo e Schwartz e de Valores Organizacionais de Mendes e

Tamayo e de entrevistas semi-estruturadas, além de observações assistemáticas no campo de

pesquisa.

Os resultados da pesquisa demonstraram a eficácia do processo de socialização

organizacional desenvolvido na instituição. No início do processo de socialização, os valores

individuais foram mais enfatizados que os organizacionais. Foi evidenciada semelhança de

adesão aos valores individuais nos dois grupos estudados, que se distinguiram apenas quanto

à ênfase nos valores de Estimulação pelos alunos do primeiro ano e nos de Tradição pelos do

terceiro ano. A autora considera que este fato aponta para a importância da socialização

primária como fator na escolha pela entrada na instituição e mesmo para a permanência nesta,

considerando que muitos alunos apresentavam familiares na instituição.

Vieira observou que, se no início da socialização organizacional o indivíduo

ainda pode enfatizar seus valores individuais, tal situação será alvo de várias táticas por parte

da organização, para que o indivíduo se integre ao grupo, internalizando sua cultura, valores e

normas. Estas táticas serão mais intensas principalmente no período inicial, ou quando são

atravessados limites internos, como por exemplo em mudanças de cargos. O convívio, o

exercício de papéis, as normas e os ritos de passagem ocupam lugar de destaque na

transmissão da nova cultura ao funcionário que chega. A autora constatou que, apesar das

restrições que impõem, as normas transmitem uma sensação de segurança aos indivíduos e

73

desempenham um papel fundamental para sua orientação naquele contexto. Deste modo, com

o passar do tempo ocorre uma “acomodação” dos alunos às regras institucionais.

Nota-se também que, apesar do informal ser restrito nesta instituição, este faz-se presente até mesmo por meio de transgressões. Estas são punidas, é claro. Porém, a aplicação e controle das regras também carregam o “jeitinho brasileiro”, traço da cultura nacional. Tal traço é percebido pelos alunos quando destacam que, muitas vezes, não é que discordem dos valores da instituição “em si”, pois “no papel é muito bonito”. A discordância se manifesta em relação a quem aplica as ordens ou pune, pois nem sempre é imparcial, “personalizando” o tratamento a ser dado aos funcionários. Este também é um traço da cultura nacional, que pode gerar injustiças e até absurdos. (VIEIRA, 2002, p. 105-106).

A percepção dos valores organizacionais revelou-se semelhante entre os alunos

do primeiro e do terceiro anos, distinguindo-se apenas no tocante à “hierarquia”, cuja

valorização pela organização é percebida com maior ênfase pelos alunos do terceiro ano. A

autora acredita ser este um dos efeitos da socialização organizacional. Quanto às expectativas

em relação à organização, foram observadas diferenças entre os grupos. Os alunos do

primeiro ano apresentaram expectativas mais ligadas ao curso e à adaptação à instituição,

verbalizaram “mais encantamento” com a nova realidade e evidenciaram de forma nítida a

vivência do “choque” da entrada na organização. Os alunos do terceiro ano, por sua vez,

apresentavam expectativas ligadas ao trabalho em si e admitiam decepções com a realidade da

organização. A autora considera que a semelhança na percepção dos valores organizacionais

pelos dois grupos demonstra que eles não estavam “enganados” sobre a instituição, até

mesmo pela formalidade altamente documentada e propagada de seus objetivos e práticas, e

também pode sinalizar a assimilação dos valores organizacionais pelos dois grupos.

Vieira identificou ainda que, quando os valores organizacionais eram

convergentes com os individuais, as experiências vivenciadas pelos indivíduos eram

caracterizadas por amor, carinho, animação, dedicação, melhor desempenho, satisfação,

facilidade e segurança, além da ausência de conflito. Ao contrário, quando os valores

organizacionais eram divergentes dos individuais, as experiências eram de insatisfação,

contrariedade, submissão e dificuldades. Ainda assim, as tarefas designadas por superiores

hierárquicos eram executadas pelos alunos. Essa “obrigação” de executar determinadas tarefas

constituía-se em um fator que gerava conflito para os alunos do primeiro ano, enquanto que

para os do terceiro ano, mais “acostumados” às obrigações, era enfatizado como algo a

cumprir, visando não sofrer punições e devido ao sentimento de fazer parte da equipe. De

modo geral, ficou evidenciado que, quando os valores individuais entram em conflito com os

organizacionais, os indivíduos tendem a “desempenhar o papel” que é esperado, seguindo os

74

valores organizacionais. Isto é, ocorre uma dissociação afetiva e um comportamento

instrumental, considerando as vantagens do cumprimento das expectativas institucionais para

os indivíduos.

Após uma revisão dos principais estudos disponíveis sobre a socialização em

academias militares (ou em organização similar, no caso do último estudo apresentado),

podemos constatar que os referenciais teóricos e as metodologias empregadas, de modo geral,

alinham-se mais à tradição antropológica do que às tendências recentes da pesquisa

organizacional (parece-nos ser exceção apenas o estudo de Vieira). Entretanto, encontramos

estudos realizados sobre a socialização organizacional de recrutas das forças armadas

britânicas que estão em consonância com as principais tendências contemporâneas do campo

organizacional.

Basicamente, o papel a ser desempenhado pelos recrutas, futuros soldados,

diferencia-se do papel dos oficiais formados em academias militares por seu nível de atuação

na organização. Os soldados encontram-se no patamar mais baixo da escala hierárquica,

cumprindo predominantemente funções de execução de tarefas planejadas por seus superiores.

Nas palavras de Huntington, eles atuariam na “aplicação da violência” em tempos de conflito

armado. O oficial, por sua vez, atuará na “administração da violência”, progredindo na

carreira dos níveis táticos aos estratégicos e, quiçá, políticos. No entanto, embora apresentem

diferenças em relação a diversos aspectos, ambos os processos de socialização organizacional

se desenvolvem em um mesmo contexto cultural, o que torna útil a análise de possíveis

pontos de convergência. Feitas essas considerações, passaremos a revisar os estudos referidos.

2.3.3 A socialização organizacional de recrutas das forças armadas

Thomas e Anderson (2002) realizaram um estudo longitudinal envolvendo

recrutas do Exército Britânico ao longo das primeiras oito semanas de treinamento, com o

objetivo de investigar relações entre táticas de socialização, aquisição de informação e

resultados atitudinais associados à socialização organizacional bem-sucedida.

Considerando o papel da aquisição de informação como mediador entre as

táticas de socialização empregadas pela organização e os resultados atitudinais alcançados

pelos novatos, os autores enfocam a socialização como essencialmente um processo de

aprendizagem. Thomas e Anderson mencionam que, tradicionalmente, o sucesso da

75

socialização organizacional tem sido mensurado inquirindo-se os recém-chegados acerca de

suas atitudes em relação ao seu novo papel, envolvendo três aspectos: satisfação no trabalho,

comprometimento organizacional e intenção de deixar o emprego. Destacam que muitas

pesquisas confirmaram que as percepções dos recém-chegados sobre as táticas de socialização

utilizadas influenciam em seus resultados atitudinais. Os autores sugerem que essa relação

não seria direta, porém mais complexa, incluindo o papel mediador da aquisição de

informação pelos novatos.

Embora as proposições originais de Van Maanen e Schein tenham se centrado nos processos de socialização das organizações, quer sejam conscientemente escolhidos ou não, pesquisadores subseqüentes investigaram como os recém-chegados “interpretam e respondem” (Jones, 1986, p. 263) a essas táticas, focalizando claramente as percepções dos recém-chegados sobre as táticas em lugar das táticas em si mesmas. Coletivamente, a pesquisa mostra que são as percepções dos recém-chegados sobre as táticas, em termos da mensagem que elas transmitem, ao invés das táticas em si mesmas, que desempenham a influência mais importante (Black, 1992; Mignerey et al., 1995; Van Maanen & Schein, 1979). (THOMAS; ANDERSON, 2002, p. 426, tradução nossa).

A pesquisa em foco foi realizada ao longo do primeiro estágio de treinamento

dos recrutas no Exército Britânico, que tem duração de 10 semanas, após as quais eles podem

pedir desligamento ou prosseguirem em treinamento em suas unidades de destino. Foram

aplicados questionários na 1ª, 4ª e 8ª semanas do treinamento, investigando as percepções das

características das táticas de socialização empregadas (coletivas, formais, seqüenciais, fixas,

seriais, de despojamento e de investidura), a aquisição de informações (nos campos: social, do

papel, dos recursos interpessoais e da organização) e os resultados atitudinais (satisfação no

trabalho, comprometimento organizacional e intenção de pedir desligamento).

Os resultados evidenciaram que as táticas de socialização são percebidas como

um padrão institucional envolvendo despojamento, embora o valor dos desvios padrão

indique que há razoável variabilidade nas percepções. As táticas se revelaram fortemente

preditivas da aquisição de informação ligada diretamente ao trabalho (papel e organização). O

padrão institucionalizado de táticas de socialização mostrou-se significativamente preditivo da

satisfação no trabalho e do comprometimento organizacional, porém isto não ocorreu em

relação à intenção de pedir desligamento. Por outro lado, a aquisição de informações mostrou-

se fortemente preditiva de atitudes positivas e negativas após as oito semanas de treinamento.

Assim, confirmou-se a hipótese do papel mediador da aquisição de informações no tocante ao

desenvolvimento da satisfação no trabalho e do comprometimento organizacional, porém o

mesmo não foi confirmado quanto à intenção de pedir desligamento.

76

Os autores consideram que os resultados do estudo sugerem que as táticas de

socialização organizacional facilitam a ocorrência de resultados atitudinais positivos,

provendo um contexto para a aprendizagem dos recém-chegados. Analisam que os resultados

encontraram um tempo de ajustamento dos novatos consideravelmente mais curto do que

muitos estudos anteriores (foi encontrado um ajustamento significativo em aproximadamente

dois meses). Entende-se que estes resultados refletem a intensidade da etapa de treinamento

estudada, confirmando as constatações de estudos anteriores, que sugerem que os recém-

chegados adquirem informações mais rapidamente ao longo dos primeiros estágios da

socialização, como forma de redução da incerteza.

Os resultados demonstraram, ainda, que táticas de socialização

institucionalizadas predizem significativamente a aquisição de informação em todos os quatro

domínios estudados. Isto confirma o papel das táticas de socialização na estruturação da

aprendizagem, afetando com isso a aquisição real de informação. De modo consistente com

pesquisas anteriores, um padrão institucionalizado de táticas de socialização organizacional

prediz resultados positivos de satisfação no trabalho e comprometimento organizacional,

porém o fato de não predizer as intenções dos recrutas de abandonar a instituição contrariou

os resultados anteriores.

Em relação ao contexto militar, os autores mencionam que:

[...] o treinamento militar é concebido para ser altamente replicável e assim uma pequena variação é esperada em eventos reais ou percebidos. Porém, variações, de fato, ocorrem como resultantes da individualidade do próprio sujeito, da composição do pelotão, do comandante do pelotão e da disponibilidade de recursos do local. (CANNON-BOWERS et al., 1995, apud THOMAS; ANDERSON, 2002, p. 433, tradução nossa).

Citam a pesquisa de Eden e Ravid (1982, apud THOMAS; ANDERSON, 2002,

p. 433), que encontrou efeitos significativos das expectativas dos comandantes de pelotão

sobre o sucesso dos recrutas. Thomas e Anderson corroboram tal posição, relatando que

perceberam variações na abordagem utilizada por diferentes comandantes de pelotão durante

suas visitas ao campo de pesquisa, que provavelmente afetaram as experiências reais e as

percepções das táticas de socialização do Exército. Consideram que a variação nas percepções

das táticas de socialização do Exército, na aprendizagem e nas atitudes resultantes auto-

reportadas suporta a existência de diferenças na experiência dos recrutas do treinamento

militar.

Os autores observam que os resultados correntes indicam que um processo

intensivo de socialização, como é experimentado pelos recrutas militares, facilita a

77

aprendizagem e está associado com atitudes positivas. Sugerem que o foco explícito no

ensinamento aos recrutas das habilidades necessárias e o provimento de rápida

retroalimentação sobre bons e maus desempenhos conduziriam a um alcance mais rápido de

resultados atitudinais positivos. Ressaltam ainda o fato de a socialização militar envolver uma

equipe dedicada ao treinamento, cuja performance é avaliada em função do sucesso da

aprendizagem dos recrutas.

Em um estudo posterior, Thomas e Anderson (2005) procuraram investigar se

haveria um padrão subjacente para a socialização organizacional, comparando o

desenvolvimento do processo de socialização pós-ingresso vivenciado por dois grupos

distintos: recrutas em fase inicial de treinamento no Exército Britânico e recém-contratados de

uma empresa multinacional de prestação de serviços no Reino Unido.

Ambas as organizações pesquisadas possuíam culturas fortes e utilizavam

táticas de socialização institucionalizadas. Isto é, os recém-chegados ingressavam na

socialização como um grupo, majoritariamente segregado dos demais membros da

organização (táticas coletivas e formais); havia um processo específico, com vários estágios a

serem atravessados, de acordo com uma tabela de horários (táticas seqüenciais e fixas); e os

outros membros da organização eram disponibilizados como modelos de papel e mostravam-

se positivos em relação aos recém-chegados. No Exército Britânico, foram aplicados

questionários na 1ª, 4ª e 8ª semanas de treinamento, e na empresa XYZ estes foram aplicados

na 1ª, 2ª e 4ª semanas. Foram realizadas perguntas sobre experiência profissional, auto-

eficácia, informação da socialização, satisfação no trabalho e intenção de deixar o emprego.

Os resultados demonstraram que altos níveis de aquisição de informação

estavam associados com atitudes mais positivas. Foram encontradas diferenças entre as

organizações no tocante à satisfação no trabalho e à intenção de deixar o emprego: no

Exército Britânico, houve um aumento na primeira variável, ao longo do tempo, e um

decréscimo na segunda; na empresa XYZ, embora os índices fossem altos, houve um

decréscimo na primeira variável e um aumento na segunda. Em ambas as organizações, foram

encontradas fortes relações entre informação e variáveis atitudinais ao longo do tempo, com a

aprendizagem associada a atitudes mais positivas.

O estudo demonstrou o papel central da aprendizagem para a socialização

organizacional. A aprendizagem não esteve relacionada a atitudes no ingresso, porém relações

positivas foram encontradas durante o período logo após. Tais resultados são consistentes com

a redução da incerteza pelos recém-chegados e com o início de construção de sentido para

seus novos papel e organização, apresentando um impacto positivo sobre a satisfação no

78

trabalho e a intenção de permanecer na organização. Domínios específicos da aprendizagem

são importantes na predição de diferentes resultados. Os resultados da pesquisa também

sugerem que a aprendizagem isoladamente não é suficiente como um indicador da

socialização organizacional. Outras variáveis são importantes no processo, pois a

aprendizagem pode ocorrer simultaneamente com uma piora de atitudes. Dessa forma, foram

encontrados padrões semelhantes de aprendizagem nos dois grupos pesquisados, porém o

mesmo não ocorreu em relação a atitudes, o que sugere que resultados mais distantes devem

ser considerados para avaliar a socialização organizacional. Apesar disso, os resultados da

pesquisa confirmaram o papel crítico dos colegas dos recém-chegados no processo de

aprendizagem da socialização, com a aprendizagem social e de recursos interpessoais

predizendo a satisfação no trabalho.

Os resultados revelaram a rapidez da mudança nos contextos militar e

comercial, com ajustamento aparentemente completo após o primeiro período de

levantamentos. A pesquisa demonstrou que medidas de aquisição de informação e de atitudes

são relevantes para monitorar o processo de socialização.

2.3.4 O processo de socialização organizacional na Academia Militar das Agulhas Negras

Após revisarmos algumas das principais tendências de estudo relacionadas à

temática da socialização, faz-se necessário demarcar com mais precisão certos contornos do

processo de socialização organizacional que nos propusemos a estudar.

A Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) é uma instituição de ensino

superior, responsável pela formação dos oficiais combatentes de carreira do Exército

Brasileiro2, que lhes confere o grau de Bacharel em Ciências Militares. Está situada na cidade

de Resende, ao sul do Estado do Rio de Janeiro, na Rodovia Presidente Dutra.

Os objetivos da AMAN são assim descritos em seu regulamento:

Art. 2º A AMAN é um estabelecimento de ensino superior, de formação, da linha do ensino militar bélico, diretamente subordinado à Diretoria de Formação e Aperfeiçoamento (DFA), destinado a: I - formar o aspirante-a-oficial das Armas, do Serviço de Intendência e do Quadro de Material Bélico, habilitando-o para os cargos de tenente e capitão

2 No intuito de facilitar a compreensão das informações apresentadas, disponibilizamos no Anexo 1 um quadro com os postos e graduações do Exército, que permitirá a visualização da hierarquia da Instituição.

79

não-aperfeiçoado, previstos nos quadros de organização, em tempo de guerra ou de paz; II - graduar o bacharel em Ciências Militares; e III - iniciar a formação do chefe militar. Parágrafo único. O aluno da AMAN é praça especial com o título de cadete. (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2002, p. 2).

Antes de ingressarem na AMAN, os jovens necessitam prestar concurso

público para a Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), situada em Campinas,

São Paulo. Nesta Escola, freqüentarão o terceiro ano do Ensino Médio, que segue os

parâmetros curriculares estabelecidos pelo Ministério da Educação, associados a instruções

militares básicas. Pode-se constatar, portanto, que este representa um primeiro período de

socialização à organização militar. Contudo, a passagem para a AMAN é vivenciada pela

maioria dos cadetes como uma ruptura, que marca a assunção definitiva da vida militar

(embora seja facultado ao jovem pedir desligamento do Curso a qualquer tempo), devido ao

investimento pessoal que o Curso de Formação lhe irá exigir. Muitos relatam que a Escola

Preparatória é “bem diferente” da AMAN em diversos aspectos, geralmente caracterizando

uma convivência “mais humana”, em uma cidade com mais opções de lazer.

Com a aprovação no curso da EsPCEx, o jovem adquire o direito à matrícula

no Curso de Formação de Oficiais da AMAN. Na tabela abaixo, vemos o efetivo de cadetes

matriculado em cada ano do Curso no ano de 2006, distribuído por faixa etária.

Tabela 1 - Efetivo de cadetes da AMAN por faixa etária no ano de 2006

17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 TOTAL1º 2 58 93 148 118 57 3 - - - - - 4792º - 6 56 102 113 93 48 2 1 - - 1 4223º - - 2 62 129 118 90 40 - - - - 4414º - - - 4 54 123 129 70 6 1 - - 387

TOTAL 2 64 151 316 414 391 270 112 7 1 0 1 1729% 0,1 3,7 8,7 18,3 23,9 22,6 15,6 6,5 0,4 0,1 0,0 0,1 100

ANO I D A D E

Fonte: ACADEMIA MILITAR DAS AGULHAS NEGRAS, Anuário Estatístico 2006, p. 9.

A AMAN representa, portanto, uma realidade mais dura e “estressante” para o

novato, que passará a ser efetivamente socializado para o papel de oficial do Exército.

Consideramos, portanto, que o primeiro ano do Curso de Formação é marcado pela intensa

ansiedade que caracteriza a travessia de uma fronteira organizacional, que deve conduzir a

uma alteração de identidade. Corresponde ao período da formação que mais exige do cadete

em termos de adaptação à nova realidade, em que emergem as dificuldades inerentes a esse

80

processo. Ao mesmo tempo, é caracterizado pela existência de diversas expectativas

construídas no período anterior ao ingresso na Academia, que precisarão ser redimensionadas

ante a realidade concreta da formação.

A formação na AMAN é desenvolvida no período de quatro anos, ao longo dos

quais os jovens vivenciam diversas experiências, que têm por objetivo capacitá-los cognitiva,

física e atitudinalmente para o desempenho de seu papel profissional na organização, o que

implica a assimilação do etos militar. Tentaremos descrever brevemente algumas das

principais características desse processo de socialização. De antemão, temos a certeza de que

se constituirá em uma descrição bastante genérica e incompleta, tendo em vista a

multiplicidade de aspectos que envolvem as vivências de um cadete em sua formação.

Um dos aspectos que salta aos olhos de um observador externo, ao adentrar as

instalações da AMAN, diz respeito ao apelo histórico e simbólico que permeia o ambiente. A

grandiosa edificação, emoldurada por imponentes montanhas, é repleta de peças artísticas e

bélicas, o que cria um cenário que remete o visitante a um passado glorioso e produz a

impressão de estabilidade das tradições militares. Na AMAN, os jovens percebem-se dando

continuidade a mitos, símbolos e ritos cultuados por muitas gerações que os precederam. A

começar pelo recebimento do título de cadete, “cadete de Caxias”, resgatado pelo Marechal

José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque na década de 1930, momento de “invenção” de

diversas tradições que se perpetuam até os dias atuais na Academia Militar. Em carta enviada

ao Comandante da Escola Militar em 1940, José Pessoa faz um balanço de suas propostas:

A reivindicação do título de Cadete; o Espadim simbólico de Caxias; a criação do Estandarte do Corpo de Cadetes; os uniformes históricos; o apuro da seleção física, moral e intelectual dos candidatos a cada dia maior do corpo docente e do quadro de instrutores e, finalmente, a inspirada construção das Agulhas Negras – não há dúvida – abriram novos rumos à Escola Militar, quiçá ao Exército. Com essa obra laboriosa, criou-se uma ideologia que é um misto de brasilidade e sentimento militar, amalgamados no culto do passado, no espírito de tradição. Apesar do momento turbulento que atravessava a existência nacional, conseguimos com ela preencher uma lacuna de ordem psicológica, substituindo a ideologia filosófica que alimentava o espírito do antigo aluno da Praia Vermelha. (CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 1940 apud CÂMARA, 1985, p. 67).

Ao longo da formação militar, os jovens participarão de diversas cerimônias

que têm como objetivo conectá-los aos valores transcendentes da Instituição. Um exemplo é a

solenidade de Entrega de Espadins, que ocorre em meados do mês de agosto, momento em

que os cadetes do 1º Ano recebem uma cópia em miniatura do sabre invicto do Duque de

Caxias:

81

O Espadim constitui um prêmio almejado, como primeiro objetivo, por todos aqueles que um dia, em coluna por um, tiveram a ventura de transpor o “Portão dos Novos Cadetes”. Seu recebimento representa a confirmação do título de Cadete, que o candidato recebeu ao ingressar no Corpo de Cadetes. O cadete primeiro colocado (até a data da cerimônia) recebe o Espadim das mãos da mais alta autoridade presente à solenidade. Os demais cadetes o recebem das mãos de seus padrinhos ou madrinhas, especialmente convidados. O compromisso prestado pelos cadetes e para o qual perfilam seus espadins é o seguinte: “RECEBO O SABRE DE CAXIAS COMO O PRÓPRIO SÍMBOLO DA HONRA MILITAR”. (ACADEMIA MILITAR DAS AGULHAS NEGRAS, 2003, p. 97).3

Após o ingresso na Academia Militar, os jovens são divididos em grupos de

cerca de trinta a quarenta integrantes, que constituem um pelotão, o qual é comandado por um

primeiro-tenente (comandante de pelotão). Três pelotões constituem uma subunidade, que é

comandada por um capitão (comandante de subunidade)4. Os comandantes de pelotão e de

subunidade serão os oficiais diretamente responsáveis pela orientação e fiscalização quanto ao

cumprimento das normas disciplinares pelos cadetes e por sua adaptação a padrões atitudinais

básicos concernentes à profissão militar. Possuem também a função de acompanhar o

desempenho escolar dos cadetes e dificuldades de qualquer natureza que possam afetar seu

rendimento acadêmico. Além disso, constituem-se nos mais imediatos modelos de papel que

os cadetes possuem, pois já passaram pela formação na AMAN e representam seu futuro

como profissionais.

Na AMAN, os agentes formais de socialização correspondem

predominantemente a oficiais que exercem funções de instrutor e professor e, em menor

número, a sargentos que exercem função de monitor. Há oficiais e sargentos em outras

funções que também podem atuar no processo, porém seu contato com os cadetes é menos

direto e freqüente. Dentre todos, os oficiais que desempenham funções de comandante de

subunidade e de pelotão são os que mantêm contato diuturno com os cadetes, constituindo-se

em fortes referências.

Os cadetes vivenciam toda a sua formação em regime de internato. Residem

em apartamentos ocupados por cerca de doze cadetes, situados em edificações denominadas

3 Para maior aprofundamento em relação aos aspectos simbólicos presentes no processo de socialização em foco, sugerimos a obra de Câmara “Marechal José Pessoa: a força de um ideal” (Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1985) e o texto de Castro “Inventando tradições no Exército Brasileiro: José Pessoa e a reforma da Escola Militar” (In: Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 7, n. 14, 1994, p. 231-240). 4 Há algumas particularidades na nomenclatura destas “frações” de militares, conforme as Armas. Assim, a Subunidade é denominada Companhia na maioria dos casos, com exceção da Arma de Cavalaria, em que é

82

Alas de Apartamentos. As salas de trabalho dos comandantes de subunidade e pelotão,

chamadas de “P.C.” (Posto de Comando), geralmente situam-se nas próprias Alas, o que

permite um estreito acompanhamento do dia-a-dia dos cadetes.

Em determinados dias da semana, os cadetes são autorizados a saírem da

AMAN para irem até a cidade de Resende e, em certos fins-de-semana e feriados, têm

autorização para viajar para fora da cidade. Tais períodos são denominados “licenciamentos”.

Além disso, os cadetes possuem férias escolares em meados de julho e janeiro.

Com a formação militar, os jovens são levados a seguir uma série de

regulamentos institucionais, que normalizam seu comportamento diário de modo detalhado.

As Normas Gerais de Ação (NGA), por exemplo, prescrevem condutas que devem ser

adotadas pelos cadetes nas mais diversas situações, dentro e fora da AMAN. A título de

ilustração, vejamos algumas prescrições sobre a conduta a ser adotada em salas de aula:

§ 1º A entrada nas salas de aula ou instrução deverá ser feita em ordem e em silêncio. Caso a sala a ser ocupada não esteja livre, a turma permanecerá em forma, aguardando o momento da entrada. § 2º No intervalo entre as aulas, somente será permitido aos Cad [cadetes] abandonar o local em que se encontrarem ou onde deverão ter a aula seguinte, quando este intervalo for superior a 10 (dez) minutos; os Cad poderão, entretanto, sair da sala, permanecendo no passadiço fronteiro à mesma ou dirigir-se ao banheiro mais próximo; as Tu [turmas] permanecerão à vontade, mantendo a conversação em tom moderado. § 3º É proibido, em qualquer situação, encostar-se ou debruçar-se sobre as janelas, paredes ou passadiços. (ACADEMIA MILITAR DAS AGULHAS NEGRAS, 2003, p. 28).

A adequação dos cadetes às normas de conduta é observada constantemente

por seus professores e instrutores. Caso um cadete incorra em uma falha a tal respeito, poderá

ser confeccionada uma parte disciplinar (P.D.) ou ser registrado um fato observado (F.O.)

negativo em sua ficha disciplinar pelo oficial. O fato será julgado pelo comandante de

companhia do cadete, que ouvirá suas razões de defesa5 e poderá vir a lhe aplicar uma

punição disciplinar, caso fique caracterizada uma transgressão6. Conforme a gravidade da

transgressão em foco, seu julgamento poderá passar à competência de autoridades superiores

ao comandante de companhia. A aplicação de punições aos cadetes é regulada pelas Normas

denominada Esquadrão, e da Arma de Artilharia, em que é denominada Bateria. A pequena fração é denominada Pelotão na maior parte dos casos, com exceção da Arma de Artilharia, em que recebe o nome de Seção. 5 Esse momento, em que o cadete explica as razões e circunstâncias que envolveram a falta cometida ao seu comandante de subunidade, é chamado na gíria de “Hora do Pato” (H.P.). 6 “Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe” (ACADEMIA MILITAR DAS AGULHAS NEGRAS, 2002, p. 3).

83

para Aplicação de Punições Disciplinares (NAPD), que tipificam as transgressões

disciplinares e a sistemática para julgamento das mesmas. Como os demais militares, os

cadetes também estão sujeitos ao Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), no qual as

NAPD estão baseadas. Vejamos as punições a que os cadetes estão sujeitos:

Art.17. Ao cadete aplicam-se as seguintes punições disciplinares: I - previstas no RDE: a) advertência (A); b) repreensão (R); c) detenção disciplinar (DD); d) prisão disciplinar (PD); e e) licenciamento a bem da disciplina (LD); II - instituídas em virtude das peculiaridades da AMAN: a) licenciamento sustado (LS); b) impedimento no conjunto principal (ICP); e c) impedimento na ala (IA). (ACADEMIA MILITAR DAS AGULHAS NEGRAS, 2002, p. 6).

As punições devem ser aplicadas considerando-se diversos critérios, como a

gravidade da transgressão cometida, a quantidade de reincidências do cadete em atos

semelhantes, seu histórico disciplinar e as circunstâncias envolvidas no fato, entre outros

fatores. As Normas prevêem, inclusive, cálculos que quantificam esses diversos aspectos e

resultam no tipo de punição compatível com a transgressão e em sua duração (quantidade de

dias). Assim, por exemplo, um cadete que tiver se apresentado mal uniformizado no interior

da AMAN, tendo cometido essa transgressão pela primeira vez, pode vir a ser punido com

dois dias de ICP. Isto significa que, durante dois dias consecutivos de licenciamento, feriado

ou fim-de-semana, o cadete em princípio não poderá afastar-se do Conjunto Principal (CP),

edificação onde se situam alas de apartamento, salas de aula e refeitórios.

A rotina dos cadetes é marcada pela realização de uma série de atividades, que

iniciam por vezes antes do toque de alvorada e podem perdurar até depois do toque de

silêncio, no caso de instruções militares noturnas. As primeiras atividades diárias de um

cadete, geralmente, dizem respeito à higiene pessoal, a providências relacionadas ao seu

fardamento e material para as atividades do dia, e à organização de seu apartamento. Cada

apartamento de cadetes possui um “faxineiro de dia”, escalado em sistema de rodízio,

responsável pela apresentação geral dos aposentos. Também há um “chefe de apartamento”,

cadete responsável pela fiscalização de todos os aspectos disciplinares ligados ao

apartamento, desde a organização até a conduta adotada pelos demais cadetes no recinto.

Após tais providências matinais, os cadetes costumam “entrar em forma” em

um pátio, ou seja, postam-se ordenados em um dispositivo de filas paralelas, e ficam

84

aguardando o comando para se deslocarem, marchando, em direção aos refeitórios. Este ritual

é acompanhado de toques de corneta e de músicas militares tocadas pela banda de música da

AMAN. No interior dos refeitórios, após a ordem para “avançar ao rancho”, os cadetes tomam

seu café da manhã. A mesma seqüência de procedimentos é adotada por ocasião das refeições

do almoço e do jantar.

Em seguida ao café da manhã, os cadetes costumam deslocar-se novamente

para um pátio, onde é realizada uma “formatura”, cerimonial militar que ocorre sob o

comando, por exemplo, do comandante do Corpo de Cadetes ou do comandante da AMAN.

Tal cerimonial pode incluir o hasteamento do pavilhão nacional, canto de hinos e canções

militares, discurso de autoridades e desfile militar da tropa. Nas formaturas, também podem

ser homenageadas datas cívicas e militares, ser realizada entrega de medalhas ou prêmios a

militares, por fatos meritórios diversos, ou ainda ser recepcionada alguma autoridade civil ou

militar, que esteja em visita à AMAN. Após a formatura, os cadetes deslocam-se para aulas

ou instruções, prosseguindo em suas atividades conforme descrito no quadro abaixo.

ATIVIDADES 2ª a 6ª FEIRA SÁBADO COM ATIVIDADE

SÁBADO SEM ATIVIDADE, DOMINGO, FERIADO E

LICENCIAMENTO ALVORADA 06:30 06:30 07:00

APRESENTAÇÃO AO CAD BDA CC 06:25 06:25 06:55 PARADA

DIÁRIA RENDIÇÃO 06:30 06:30 07:00 RANCHO DO CAFÉ 06:55 - 07:10 06:55 - 07:10 07:25 - 07:40

1o TOQUE (*) 07:15 07:15 - FORMATURA GERAL 2o TOQUE 07:25 07:25 - INÍCIO DO EXPEDIENTE 07:40 07:40 -

1º TEMPO 08:10 - 08:55 08:10 - 08:55 - 2º TEMPO 09:00 - 09:45 09:00 - 09:45 - 3º TEMPO 10:05 - 10:50 10:05 - 10:50 -

INSTRUÇÃO / AULA

4º TEMPO 10:55 - 11:40 10:55 - 11:40 - TÉRMINO DA 1ª PARTE DO

EXPEDIENTE 11:40 11:40 -

RANCHO DO ALMOÇO 12:10 12:10 12:10 REINÍCIO DO EXPEDIENTE 13:30 - -

5º TEMPO 14:00 - 14:45 - - 6º TEMPO 14:50 - 15:35 - - 7º TEMPO 15:55 - 16:40 - -

INSTRUÇÃO / AULA

8º TEMPO 16:45 - 17:30 - - TÉRMINO DO EXPEDIENTE 17:30 - -

RANCHO DO JANTAR 18:20 18:20 18:20 REVISTA DO RECOLHER 19:00 21:00 21:00

CEIA 21:30 21:30 21:30 SILÊNCIO 22:00 22:00 22:00

Quadro 3 - Horário das atividades escolares na AMAN no Ano de 2007 Fonte: AMAN, Plano Geral de Ensino, 2007

85

O deslocamento dos cadetes para aulas e instruções ocorre sempre em forma,

comumente sob o comando do “chefe de turma”, cadete responsável por fiscalizar a disciplina

de sua turma de aula e tomar providências visando auxiliar o professor ou instrutor. Tal

função é ocupada por um cadete da própria turma, em sistema de rodízio. Há também um

“subchefe de turma”, a quem concerne auxiliar o chefe de turma e, na ausência deste, assumir

o comando da turma. A composição das turmas de aula normalmente coincide com a do

pelotão de cadetes.

Ao longo da formação, os cadetes são escalados também para desempenharem

outras funções, que os colocam em posição de ascendência sobre os demais quanto a

determinados aspectos. No âmbito de cada subunidade, há funções como: auxiliar de

comando, que é o auxiliar direto do comandante de subunidade; auxiliar de informática, que

assessora nos serviços de informática da subunidade; furriel, responsável pelo arranchamento

dos cadetes (levantamento do efetivo para as refeições diárias); e sargenteante, responsável

pela confecção das “escalas de serviço”. Conforme a etapa da formação em que se encontram,

os cadetes podem exercer funções que implicam comando sobre cadetes de outros anos, como

comandante de grupo ou adjunto de pelotão.

Os cadetes concorrem também aos “serviços de escala”, de acordo com o ano

de formação em que se encontram. Os militares escalados “de serviço” em determinado dia

devem entrar em forma para a “parada diária”, antes do horário da alvorada. Nessa ocasião,

um oficial verifica suas condições para “tirar o serviço”, relacionadas à apresentação de seu

uniforme, corte de cabelo, documentação, entre outros fatores, e transmite recomendações

gerais sobre a tarefa a ser desempenhada. O serviço corresponde a funções desempenhadas

durante cerca de vinte e quatro horas consecutivas que, de modo abrangente, dizem respeito à

manutenção da segurança do aquartelamento. São funções exercidas pelos cadetes: plantão à

subunidade, cabo de dia e sargento de dia à subunidade, adjunto ou auxiliar do oficial de dia,

cadete de dia ao Corpo de Cadetes, entre outras. Algumas das funções desempenhadas nos

serviços de escala exigem que os cadetes exerçam o comando sobre outros militares, como

soldados, cabos e sargentos. Foge aos objetivos da presente descrição analisar

pormenorizadamente cada uma das funções mencionadas. As funções desempenhadas pelos

cadetes a cada ano da formação são especificadas no Programa de Desenvolvimento da

Capacidade de Comando (PDCC). Em linhas gerais, no 1º Ano da formação, os cadetes

aprendem a exercer funções que, nos corpos de tropa do Exército, são executadas por

soldados; no 2º Ano, funções executadas por cabos; no 3º Ano, funções de sargentos; e no 4º

Ano, funções de tenentes e capitães.

86

Os cadetes dos diversos anos possuem ascendência hierárquica entre si, de

modo que os cadetes do 4º Ano são superiores hierárquicos aos cadetes dos demais anos; os

cadetes do 3º Ano são superiores aos cadetes do 2º e 1º Anos; e os cadetes do 2º Ano são

superiores aos cadetes do 1º Ano. Além disso, há ascendência hierárquica circunstancial entre

cadetes do mesmo ano, como no caso do desempenho de funções já mencionado. Os cadetes

em posição de superioridade hierárquica têm direito ao tratamento previsto nos regulamentos

militares. Por exemplo, recebem a “continência” dos cadetes mais modernos7.

Cada ano do Curso de Formação da AMAN corresponde a um curso

específico. No 1º Ano, todos os cadetes freqüentam o Curso Básico e, no 2º Ano, o Curso

Avançado.

No início do 3º Ano, os cadetes efetuam a escolha de sua Arma, Quadro ou

Serviço, conforme sua classificação pelo desempenho escolar e o número de vagas

disponíveis em cada especialidade. Esta escolha determinará o curso que freqüentarão no 3º e

4º Anos da AMAN, assim como a especialidade vinculada à qual atuarão durante

praticamente toda a sua carreira. A escolha pode ser realizada entre sete opções: Infantaria,

Cavalaria, Artilharia, Engenharia, Intendência, Comunicações e Material Bélico. É a famosa

“escolha de Arma”, a partir da qual os jovens passarão a ser reconhecidos como pertencentes

a um grupo específico, com uma subcultura particular. Ou seja, o início do 3º Ano representa

uma nova transição e a aquisição de uma nova identidade; portanto, caracteriza um novo

período de adaptação dos cadetes.

O 4º Ano, por sua vez, representa o último ano da formação, em que

teoricamente os cadetes já estariam plenamente adaptados à rotina acadêmica e às estratégias

de socialização empregadas. Isto significa que, a esta altura, eles já estariam socializados,

praticamente prontos para passarem ao efetivo exercício do papel profissional para o qual

foram preparados. No segundo semestre letivo, os cadetes do 4º Ano são distribuídos por

diversas unidades do Exército, em todo o País, e realizam um estágio de três semanas,

chamado Estágio de Preparação Específica (EPE), em que desempenham suas futuras funções

no ambiente profissional real, isto é, na “tropa” (corpo de tropa).

Cada um dos diferentes cursos da AMAN possui uma ou mais subunidades de

cadetes, com seus respectivos pelotões. O comando de cada curso é exercido por um major ou

7 No jargão militar, militares “mais antigos” são aqueles que se encontram em posição de superioridade hierárquica em relação a outros, enquanto os “mais modernos” são aqueles em situação de inferioridade hierárquica. Há uma rigorosa definição da posição que cada militar ocupa na hierarquia, de modo que não existe coincidência. Dentro de uma turma de cadetes, por exemplo, ao ser necessário definir quem é o “mais antigo”, o critério utilizado refere-se ao desempenho escolar, que estabelece uma ordem de classificação entre os pares.

87

tenente-coronel. O conjunto dos cursos, ao qual se somam outras seções com atribuições

concernentes a instruções militares, constitui o Corpo de Cadetes (CC), que é comandado por

um coronel. O Corpo de Cadetes é um setor subordinado ao Comando da AMAN; o

comandante da AMAN é um oficial general-de-brigada. No Anexo 2, reproduzimos o

organograma da AMAN.

O currículo do Curso de Formação abrange disciplinas voltadas à formação

teórica e técnica do oficial. As primeiras são ministradas a cargo da Divisão de Ensino (Div

Ens), incluindo Psicologia, Direito, Economia, Ciências Gerenciais, Química, Física, História,

Geografia, entre outras. No Anexo 3, apresentamos a título de exemplo a grade curricular do

Curso de Infantaria. As atividades dessas disciplinas ocorrem, na maior parte das vezes, em

salas de aula localizadas no Conjunto Principal, situado em região central da AMAN. Os

docentes que atuam nessas áreas são intitulados professores e são, em sua maioria, militares.

Quando se referem a tais disciplinas, os cadetes comumente usam a expressão “aulas da

D.E.”.

As disciplinas voltadas à formação técnica militar incluem: Emprego Tático,

Organização, Preparo e Emprego da Força Terrestre e Técnicas Militares. Tais atividades são

denominadas “instruções” e seus docentes, conseqüentemente, instrutores. Ocorrem

geralmente em construções afastadas do centro administrativo da AMAN, chamadas de

Parques. Este ramo do ensino envolve também a realização de “exercícios no terreno”, que se

constituem em jornadas de atividades voltadas ao treinamento para o combate. Nesse

contexto, são realizados acampamentos ao longo do ano letivo, em regiões do Campo de

Instrução, como, por exemplo, a Fazenda Boa Esperança. Além dos exercícios previstos no

planejamento anual do ensino, são organizados exercícios “inopinados”, que são comunicados

com mínima antecedência aos cadetes, de forma a surpreendê-los, no intuito de desenvolver

sua capacidade de lidar com situações imprevistas e de preparar-se diligentemente para entrar

em operação. Há ainda as jornadas realizadas pela Seção de Instrução Especial (SIEsp), que

envolvem situações de emprego diferenciado, por exemplo, em ambiente de montanha, selva

e fluvial, em operações de garantia da lei e da ordem e outras. O currículo do Curso inclui

ainda disciplinas como Tiro, Treinamento Físico Militar (TFM) e Equitação, cujas atividades

são desenvolvidas em construções próprias.

Após essa breve apresentação do currículo formal, podemos observar que os

cadetes possuem diversos objetivos teóricos e técnicos a atingir durante o processo de

socialização. Entretanto, apesar da importância das dimensões cognitiva e psicomotora na

formação do oficial combatente, é no campo afetivo que se encontra o principal objetivo de

88

uma academia militar. É na AMAN que o cadete forjará uma identidade militar,

internalizando valores, crenças e padrões de conduta característicos da profissão militar. Em

diversas oportunidades da rotina acadêmica, é declarado aos cadetes pelos agentes de

socialização ser este o cerne de sua formação profissional: os “valores”.

No ano de 1995, iniciou-se um processo de revisão e reformulação do ensino

no Exército, denominado Modernização do Ensino, no contexto de um projeto mais amplo de

modernização da Força Terrestre (FT-90), visando à capacitação da organização em diversos

setores para enfrentar os desafios emergentes no panorama global. Na ocasião, foi projetado o

perfil necessário para o militar profissional do século XXI, caracterizado pelos seguintes

traços:

- crença e compromisso com os valores centrais da Instituição; - atitudes que denotem criatividade, iniciativa, decisão, adaptabilidade, cooperação, arrojo, flexibilidade e liderança; - habilidades interpessoais que facilitem sua interação com indivíduos e grupos; - senso de responsabilidade pelo auto-aperfeiçoamento; - habilidades cognitivas, nos níveis de compreensão, reflexão crítica e de aplicação de idéias criativas; - domínio de idiomas estrangeiros; - habilidades para fazer uso dos recursos de informática; - habilidades físicas típicas da profissão. (MINISTÉRIO DO EXÉRCITO, 1996, p. 2).

No seio da Modernização, ocorreu, entre outras medidas, a reformulação dos

perfis profissiográficos dos militares formados pelas diversas escolas do Exército. O perfil

profissiográfico do concludente do Curso de Formação de Oficiais da AMAN, vigente até a

presente data, apresenta como requisitos comuns aos aspirantes-a-oficiais, de todas as

especialidades, aspectos como os que se seguem:

Tendo como tarefa crítica comandar homens em operações de guerra e não-guerra, o Aspirante-a-oficial tem, em considerável nível de desenvolvimento, uma personalidade delineada por atributos que o caracterizam como Líder. A diversidade de tipos de operações militares nas quais poderá ser empregado, aliada ao fato de atuar em qualquer tipo de terreno, em quaisquer condições ambientais, manipulando materiais e equipamentos especializados, conduzindo sua tropa em situação de alto risco, impõe-lhe a necessidade de possuir ampla cultura geral e profissional, e de evidenciar liderança, cuja estruturação complexa combina, entre outros requisitos, a adaptabilidade, a flexibilidade, a iniciativa, a criatividade, a previsão, a resistência, a sensibilidade, a combatividade, a coragem e a decisão. (ACADEMIA MILITAR DAS AGULHAS NEGRAS, 2006, p. 2).

O documento que define o perfil profissiográfico prossegue, descrevendo as

situações nas quais o aspirante-a-oficial deverá estar capacitado a atuar, em consonância com

89

o perfil proposto pela Modernização do Ensino. Chama à atenção a maciça presença do que se

convencionou denominar, na organização, de “atributos da área afetiva”, tais como:

responsabilidade, equilíbrio emocional, autoconfiança, tato, comunicabilidade, sociabilidade,

discrição, camaradagem, dedicação, cooperação, disciplina e diversos outros.

A tentativa de sistematização dos objetivos educacionais no domínio afetivo

derivou do referido processo de Modernização, cuja principal expressão encontra-se em uma

portaria do Departamento de Ensino e Pesquisa do Exército, datada de 1998, que trata da

conceituação dos atributos da área afetiva. O documento apresenta definições para mais de

quarenta atributos, além de “valores” e “requisitos”, que totalizariam os objetivos da

socialização dos militares de carreira. Vejamos alguns exemplos:

HONESTIDADE - conduta que se caracteriza pelo respeito ao direito alheio, especialmente no que se refere à fraude e à mentira. INTEGRIDADE - conduta orientada pelos valores morais e éticos próprios, da instituição e da sociedade em que vive. LEALDADE - atitude de fidelidade a pessoas, grupos e instituições, em função dos ideais e valores que defendem e representam. [...] DISCIPLINA - capacidade de proceder conforme normas, leis e regulamentos que regem a instituição. DISCIPLINA INTELECTUAL - capacidade de adotar e defender a decisão superior e/ou do grupo mesmo tendo opinado em contrário. [...] RESPONSABILIDADE - capacidade de cumprir suas atribuições assumindo e enfrentando as conseqüências de suas atitudes e decisões. [...] INICIATIVA - capacidade para agir, de forma adequada e oportuna, sem depender de ordem ou decisão superior. (DEPARTAMENTO DE ENSINO E PESQUISA, 1998, p. 1-4).

Seguiram-se à referida Portaria documentos que discriminaram pautas

comportamentais que evidenciariam a internalização de cada atributo pelos discentes. Tais

pautas se converteram em objetivos educacionais, incluídos nos planejamentos das diversas

disciplinas do currículo. Entretanto, as estratégias educacionais voltadas ao alcance de tais

objetivos pelos discentes continuam sendo esboçadas empiricamente. Isto porque inexistem

estudos que embasem uma sistematização do desenvolvimento de valores e atributos ao longo

do processo de socialização profissional e organizacional militar.

Nesse ínterim, a ênfase da área afetiva recaiu sobre a avaliação. Na AMAN,

segundo as Normas Internas para Elaboração do Conceito Escolar (s.d.), os cadetes são

conceituados semestralmente por seu comandante de pelotão, supervisionado pelo

comandante de companhia, em relação a nove atributos. No 1º e 2º Anos, os atributos são:

autoconfiança, cooperação, criatividade, dedicação, decisão, equilíbrio emocional, iniciativa,

liderança e persistência. No 3º e 4º Anos, há alguma variação nos atributos em função das

90

particularidades dos cursos. Tal processo de avaliação, denominado “conceito vertical”,

contribui com 10% para o grau anual final (nota gerada com base no rendimento escolar

alcançado em todas as disciplinas) dos cadetes, do 1º ao 3º Anos. No 4º Ano, o conceito

vertical contribui com 5%, ao lado do “conceito lateral”, gerado pela avaliação dos cadetes

entre si, no âmbito dos pelotões, que também possui peso de 5% no grau final. Vale lembrar

que os cadetes são hierarquizados com base em seu rendimento acadêmico, que estabelece

uma classificação com reflexos ao longo de toda a carreira do militar. Para mencionar apenas

algumas conseqüências da classificação na AMAN, é com base nela que será efetuada a

escolha de Arma, Quadro ou Serviço, já mencionada, e a escolha da unidade do Exército na

qual o cadete irá servir, após sua formatura. Além disso, os cadetes com melhores índices de

desempenho possuem acesso a oportunidades diferenciadas, como viagens de intercâmbio

para academias militares estrangeiras.

Retornando à avaliação da área afetiva, seu objetivo seria diagnosticar o

estágio em que o discente se encontra em relação a cada atributo, com base em observações

de docentes e pares. Após a avaliação, o comandante de pelotão daria um feedback ao cadete,

destacando em que ele necessita melhorar. Espera-se que, a partir de então, o cadete se

empenhe em modificar os comportamentos ainda não adaptados ao perfil desejado. As

condições em que tais mudanças de comportamento ocorreriam não são especificadas,

tampouco o papel desempenhado pelo docente a respeito. A internalização de valores

ocorreria quase que “automaticamente”, pela participação na rotina acadêmica, pela

observação de exemplos de instrutores e pelas orientações recebidas.

O referencial adotado pela organização para uma “taxionomia dos objetivos

educacionais”, nos domínios cognitivo e afetivo, tem sido o proposto por Bloom, Krathwohl e

Masia (1974), ainda que sua aplicação mais veemente ocorra em relação ao domínio

cognitivo. Estes pesquisadores intentaram definir um continuum de etapas no

desenvolvimento do domínio afetivo, concebendo o processo de internalização como uma

assimilação do meio social pelo indivíduo, que progride até uma “adoção completa” dos

valores colimados. Tal concepção sugere a ocorrência de uma passagem gradativa do controle

externo para o controle interno dos valores, do espectro consciente para o inconsciente,

através de uma evolução linear. Parece-nos que essa teoria é anterior à incorporação das

progressivas contribuições que enriqueceram o paradigma estímulo-resposta, contextualizadas

por Jodelet (2001, p. 24), pois não considera a construção cognitiva ativa do ambiente,

operada pelo sujeito, que amalgama fatores individuais e sociais no processo de elaboração da

conduta. Aproveitamos para fazer alusão à presença histórica da tendência positivista no

91

ensino militar brasileiro, “uma visão de mundo que supunha resolver os conflitos da realidade

nos exatos limites de uma equação matemática” (TREVISAN, 1993, apud GOMES, 2000, p.

29).

Considerando a posição central que a internalização de valores ocupa entre os

objetivos da socialização organizacional na AMAN, assim como a problemática teórica e

prática que a circunscreve, optamos por concentrar nosso estudo em torno dessa dimensão.

2.4 Articulações entre a literatura e o objeto de pesquisa

Neste último tópico, procuraremos analisar brevemente algumas implicações

da revisão teórica realizada para o estudo do processo organizacional sobre o qual nos

debruçamos.

Em primeiro lugar, torna-se fundamental considerar o caráter complexo e

multidimensional que caracteriza um processo de socialização organizacional. Como foi

evidenciado pelas pesquisas revisadas, diversos fatores devem ser levados em conta para a

compreensão deste fenômeno. As táticas de socialização utilizadas pelas organizações

desempenham um importante papel nos resultados da socialização, que tendem a ser mais

homogêneos quanto maior for a institucionalização do processo (KIM; CABLE; KIM, 2004).

Ao mesmo tempo, comportamentos pró-ativos adotados pelos novatos interferirão na

interpretação construída sobre as próprias táticas de socialização e sobre a realidade

organizacional, com reflexos sobre seu ajustamento ao novo ambiente. Assim, as estratégias

desenvolvidas por um novato para administrar a ansiedade decorrente da transição

organizacional podem envolver comportamentos de busca de informação sobre diversos

aspectos do papel (KIM; CABLE; KIM, 2004; THOMAS; ANDERSON, 2002). Esta

freqüentemente ocorre por meio de relacionamentos interpessoais informais estabelecidos

com pares, subordinados e superiores, cuja perspectiva estará mais ou menos alinhada aos

objetivos da socialização propostos pela organização (CALATAYUD; LERÍN; PLANES,

2000).

Aspectos como motivações para a carreira, informações obtidas previamente ao

ingresso na organização (socialização por antecipação), a evolução do ajustamento das

expectativas dos novatos frente às perspectivas efetivamente encontradas na organização

(CALATAYUD; LERÍN; PLANES, 2000), as percepções acerca do contrato psicológico (DE

92

VOS; BUYENS, 2004), entre outros, contribuirão para que a socialização dos indivíduos seja

bem-sucedida ou não, com efeitos sobre sua satisfação no trabalho, seu comprometimento

com os valores e objetivos da organização e suas intenções de abandonar o emprego

(IRVING; CAWSEY; CRUIKSHANK, 2002). Vemos, portanto, que a socialização

organizacional está muito longe de ser um fenômeno simples, do tipo causa e efeito, em que

os sujeitos envolvidos respondem passivamente às tentativas de aculturação empreendidas

formalmente pela organização.

Para a avaliação dos resultados de qualquer processo de socialização, é

importante analisar os diferentes aspectos relacionados à aprendizagem da cultura

organizacional pelos novatos. Pode-se observar, inicialmente, como a socialização é

estruturada pela organização, ou seja, quais as estratégias mais freqüentemente utilizadas

visando ao ajustamento das pessoas ao novo ambiente. Em uma primeira análise do processo

desenvolvido na AMAN, podemos vislumbrar parâmetros institucionalizados, que conferem

condições homogêneas para o processamento dos futuros oficiais do Exército. Utilizando as

categorias propostas por Van Maanen (1989), podemos identificar que o referido processo de

socialização caracteriza-se como formal, coletivo, seqüencial, fixo, serial, de despojamento e

de investidura.

Entretanto, para cada estratégia formalizada, é esperado que haja uma miríade

de relações informais que permeiam sua execução. A começar pelas interpretações que

realizam os agentes de socialização sobre “o que está escrito” e como deve ser (ou não)

cumprido, as condições concretas que encontram para a execução dos planejamentos e,

conseqüentemente, o teor das mensagens socializadoras, explícitas e implícitas, que

transmitirão aos novatos. Torna-se fundamental, portanto, compreender o ponto de vista dos

agentes de socialização acerca do processo educacional que devem conduzir, bem como as

dificuldades concretas que encontram para empreender sua tarefa. Poder-se-á identificar, entre

outros aspectos, até que ponto determinadas mensagens de socialização estão

institucionalizadas, as convergências e divergências nos discursos dos agentes, e mais adiante

o impacto deste cenário sobre os efeitos da socialização dos cadetes. A importância do papel

desempenhado pelos comandantes de pelotão em relação às experiências reais dos novatos e à

sua percepção das táticas de socialização já foi observada por Thomas e Anderson (2002),

entre outros autores.

Além disso, é fundamental investigar como as estratégias adotadas pela

organização são percebidas pelos novatos e as mensagens que são efetivamente assimiladas

por estes, nos diferentes momentos de sua socialização. Em outras palavras, torna-se

93

pertinente levantar os significados que têm sido construídos pelos cadetes da AMAN, no

decurso de sua socialização, acerca dos valores organizacionais e de seu próprio aprendizado.

Ao mesmo tempo, é relevante enfocar os resultados atitudinais do processo, que remetem a

uma aprendizagem não apenas cognitiva, mas também afetiva e relacional (THOMAS;

ANDERSON, 2005).

Como vimos, a cultura se caracteriza essencialmente por ações e sentidos

compartilhados, em que seus novos membros devem ser iniciados (GEERTZ, 1989;

BERGER; LUCKMANN, 1985). Em conseqüência, revela-se como fundamental para a

investigação do processo de socialização a consideração do contexto cultural em que o mesmo

adquire significação. Ou seja, faz-se necessário perscrutar a história e a dinâmica

organizacionais, os valores construídos ao longo do tempo e internalizados como condição de

existência e verdade, as crenças, normas e práticas derivadas de tais valores, os mitos em

torno dos quais os membros da organização são congregados, bem como os sentidos

construídos para a tarefa comum. Desta maneira, poderemos compreender também as

resistências e dificuldades de adaptação da organização às novas demandas internas e

externas, que podem gerar conflitos na socialização de seus novos membros, por vezes

defrontados com elementos contraditórios em um mesmo cenário cultural, ou mesmo com

aspectos oriundos da defasagem existente no modo de socialização serial.

Tais considerações nortearam o delineamento da pesquisa empírica, que será

apresentado a partir do próximo capítulo.

3 OBJETIVOS

3.1 Objetivo Geral

Analisar a eficácia do processo de socialização organizacional vivenciado por

cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), no tocante à internalização de

determinados valores organizacionais.

3.2 Objetivos Específicos

Analisar as representações de oficiais instrutores e de cadetes do primeiro e do

quarto anos do Curso de Formação da AMAN acerca de determinados valores

organizacionais.

Analisar as percepções de oficiais instrutores e cadetes acerca do processo

educacional do qual tomam parte, enfocando a percepção da eficácia das estratégias de

socialização empregadas na organização.

Contribuir para o aprimoramento do processo educacional voltado à formação de

oficiais combatentes do Exército, proporcionando subsídios teóricos e empíricos para uma

auto-avaliação da organização acerca do processamento de pessoas em foco.

4 METODOLOGIA

4.1 Considerações gerais

Partimos do pressuposto de que o fenômeno da socialização organizacional,

objeto do presente estudo, situa-se no bojo do fenômeno mais amplo da cultura organizacional

e apresenta inerente complexidade. A constatação dessa natureza complexa norteou as

escolhas metodológicas efetuadas para realização da pesquisa empírica. Antes de

apresentarmos de modo pormenorizado as opções metodológicas da pesquisa, retomaremos

brevemente algumas considerações ligadas à epistemologia da complexidade.

Edgar Morin (MORIN, 1994; MORIN; LE MOIGNE, 2000) assinalou

exaustivamente as limitações da ciência clássica na consecução de seu intento de desenvolver

um conhecimento totalizante, imparcial e livre de contradições acerca da realidade. Para este

filósofo da ciência, “o calculável e o mensurável não são mais do que uma província no

incalculável e no desmedido.” (MORIN; LE MOIGNE, 2000, p.131). Sua argumentação é em

favor de uma epistemologia da complexidade, que recupere o lugar da desordem e da

contradição na realidade, bem como na produção de conhecimento. A alternativa proposta

baseia-se no diálogo entre diferentes lógicas e na constante autocrítica do fazer científico. Não

se trata de abandonar a lógica clássica, que tem seu lugar no multifacetado processo de

produção de conhecimento, mas de recuperar o potencial criativo e iluminativo dos aspectos

fenomênicos irredutíveis à racionalidade científica, visando à construção de um pensamento

complexo.

Porém, embora se abdique das pretensões reducionistas estreitas, não é possível

abandonar completamente o reducionismo. Considerando a complexa simultaneidade dos

fenômenos, procura-se dialogar com ela, recorrendo a diferentes registros de informação.

Entretanto, é necessário admitir que precisamos de uma organização e um fechamento

mínimos, que permitam nossa limitada inteligibilidade possível. Dessa perspectiva, a

realidade é irremediavelmente não totalizável, o que aponta para as limitações imanentes a

qualquer tentativa de conhecimento: “[...] o pensamento complexo, não deixando de aspirar à

multidimensionalidade, comporta no seu cerne um princípio de incompleto e de incerteza.”

(MORIN, 1994, p.138).

96

No processo de conhecimento, não há como o pesquisador abstrair-se do

contexto social e histórico em que está inserido, buscando a neutralidade: “Parecerá cada vez

mais evidente que nenhum sociólogo possa ocupar o trono, tal qual um sol, acima da

sociedade. Ele é um fragmento do interior dessa sociedade, e a sociedade, sendo um todo, está

no interior dele.” (MORIN; LE MOIGNE, 2000, p.130).

Alinhamo-nos a essa perspectiva epistemológica ao considerarmos que nossa

tentativa de conhecimento acerca do objeto de estudo é social e historicamente situada,

consistindo sempre em uma apreensão parcial da totalidade do fenômeno em questão. A

reflexão sobre a vinculação da pesquisadora ao campo permeou todo o processo de pesquisa,

tendo em vista a inevitável imbricação pessoal do cientista ao seu objeto de estudo.

É importante destacar que concebemos esta tentativa de conhecimento como

um recurso à metáfora. Pressupõe-se que “toda percepção é guiada para a conceitualização do

objeto através de uma gestalt criada pelo pensamento metafórico”, sendo “impossível deixar

os ‘dados objetivos’ falarem por si próprios.”(ALVESSON, 1993, p. 11, tradução nossa).

Uma metáfora é criada quando um termo é transferido de um sistema ou nível de significação

para outro, permitindo que aspectos centrais do objeto de estudo sejam iluminados, enquanto

outros ficarão obscurecidos. Assim, a tentativa de uma articulação teórica representa um

“modo de pensar sobre a realidade social”, que não apresenta relação especular com o objeto.

Ao contrário, constitui-se em uma representação, que intenta auxiliar na compreensão do

campo, sem arrogar-se caráter absoluto. Propusemo-nos, portanto, a estabelecer um diálogo

com o campo de pesquisa, transpondo os dados coletados para o campo de significação da

psicologia social.

4.2 Opções metodológicas da pesquisa

No delineamento da pesquisa segundo seus princípios estratégicos, optamos

pela realização de um estudo de caso. Segundo Lüdke e André, “o estudo de caso é o estudo

de um caso, seja ele simples e específico [...] ou complexo e abstrato” (1986, p.17). O caso

em estudo é sempre bem delimitado, tendo um interesse singular, embora possa apresentar

semelhanças em relação a outras situações. Em nossa pesquisa, analisamos as especificidades

do campo organizacional do Exército Brasileiro, no tocante a aspectos do processo de

socialização dos novos integrantes destinados a desempenharem o papel de oficiais

97

combatentes de carreira. Embora tenham sido identificadas semelhanças em relação a

processos de socialização organizacional desenvolvidos em outros contextos, nosso objetivo

central não foi situado em torno de comparações e generalizações, mas da investigação da

singularidade do campo.

Dentre as características fundamentais do estudo de caso elencadas por Lüdke

e André, destacaremos as que consideramos mais relevantes para justificar a adequação deste

delineamento estratégico à nossa pesquisa.

“Os estudos de caso visam à descoberta. Mesmo que o investigador parta de

alguns pressupostos teóricos iniciais, ele procurará se manter constantemente atento a novos

elementos que podem emergir como importantes durante o estudo.” (Ibid., p.18). Em nossa

situação, partimos de um arcabouço teórico ligado à cultura e aos processos de socialização

organizacionais, porém não havia uma hipótese predefinida a ser testada no campo. Haviam

questões de pesquisa definidas a partir da observação prévia e das vivências da pesquisadora,

que serviram mais como orientação geral, já que o objetivo foi permitir que o campo se

revelasse ao longo da investigação.

Os estudos de caso enfatizam a “interpretação em contexto”. Um princípio básico desse tipo de estudo é que, para uma apreensão mais completa do objeto, é preciso levar em conta o contexto em que ele se situa. Assim, para compreender melhor a manifestação geral de um problema, as ações, as percepções, os comportamentos e as interações das pessoas devem ser relacionadas à situação específica onde ocorrem ou à problemática determinada a que estão ligadas. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p.18).

Ao analisarmos o caso em estudo à luz das particularidades da cultura

organizacional, realizamos uma abordagem contextualizada das questões investigadas.

“Os estudos de caso buscam retratar a realidade de forma completa e profunda.

O pesquisador procura revelar a multiplicidade de dimensões presentes numa determinada

situação ou problema, focalizando-o como um todo.” (Ibid., p.19). Em nosso estudo, foram

utilizados métodos quantitativos e qualitativos para coleta e análise dos dados, como será

descrito posteriormente. Ou seja, procuramos obter dados diversificados, relacionados a

diversas dimensões da questão, no intuito de construir uma análise abrangente e

contextualizada. Assim, desembocamos em uma quarta característica do estudo de caso, que é

o uso de “uma variedade de fontes de informação.” (Ibid., p.19).

Destacamos ainda uma última característica deste tipo de delineamento:

Estudos de caso procuram representar os diferentes e às vezes conflitantes pontos de vista presentes numa situação social. Quando o objeto ou situação estudados podem suscitar opiniões divergentes, o pesquisador vai procurar

98

trazer para o estudo essa divergência de opiniões, revelando ainda o seu próprio ponto de vista sobre a questão. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p.20).

Em nossa pesquisa, procuramos analisar as semelhanças e diferenças nas

representações, acerca dos valores e das estratégias de socialização empregadas pela

organização, sustentadas pelos diversos participantes, a fim de vislumbrar o grau de

institucionalização do processo e as mensagens assimiladas pelos indivíduos nas diferentes

etapas da socialização.

No momento da definição dos instrumentos a adotar em pesquisa social, o

estudioso freqüentemente tem diante de si alternativas com abordagens quantitativas e

qualitativas da realidade. Muito já se discutiu acerca das possibilidades e limitações destes

dois enfoques, inclusive tentando-se provar a superioridade de um em relação ao outro. Para

Bauer, Gaskell e Allum, “a escolha qualitativa ou quantitativa é primariamente uma decisão

sobre a geração de dados e os métodos de análise, e só secundariamente uma escolha sobre o

delineamento da pesquisa ou de interesses do conhecimento”(2002, p.20).

Na concepção dos mesmos autores,

O que é necessário é uma visão mais holística do processo de pesquisa social, para que ele possa incluir a definição e a revisão de um problema, sua teorização, a coleta de dados, a análise dos dados e a apresentação dos resultados. Dentro deste processo, diferentes metodologias têm contribuições diversas a oferecer. (Ibid., p.26).

Atualmente, compreende-se que não é possível a produção de dados

quantitativos sem uma anterior qualificação, que resultará nas categorias a serem investigadas.

Além disso, “os dados não falam por si”, de modo que após sua produção é necessário um

exercício de interpretação. Na visão de Morin e Le Moigne, “o tratamento estatístico não é

suficiente para o conhecimento das interações no interior de um fenômeno organizado. É

necessário, portanto, recorrer a uma concepção das interações e das inter-relações

organizacionais”(2000, p.106). Isto é, os dados quantitativos permitem evidenciar ocorrência

de um dado atributo no campo, porém não dizem por si mesmos seus “porquês”.

Assim, a relação entre os enfoques quantitativo e qualitativo pode ser

considerada complementar, possibilitando um “cruzamento” de informações para a obtenção

de uma visão mais geral do fenômeno em estudo. Naturalmente, a adequação do emprego de

cada uma das técnicas decorrerá dos objetivos da pesquisa, o qual deve ser avaliado no

contexto mais amplo da proposta de trabalho:

A prontidão dos pesquisadores em questionar seus próprios pressupostos e as interpretações subseqüentes de acordo com os dados, juntamente com o

99

modo como os resultados são recebidos e por quem são recebidos, são fatores muito mais importantes para a possibilidade de uma ação emancipatória do que a escolha da técnica empregada. (BAUER; GASKELL; ALLUM, 2002, p.35).

Considerando os objetivos da pesquisa empírica, optamos por combinar

métodos quantitativos e qualitativos para coleta de dados, conforme descreveremos a seguir.

4.3 Métodos de coleta de dados

A etapa inicial do estudo teve caráter exploratório, isto é, buscou-se colher

subsídios para um mapeamento inicial do campo, no intuito de progressivamente direcionar a

investigação. Sobre esta fase, destacamos as observações de Lüdke e André:

O estudo de caso começa como um plano muito incipiente, que vai se delineando mais claramente à medida que o estudo se desenvolve. Podem existir inicialmente algumas questões ou pontos críticos (Stake, 1978) que vão sendo explicitados, reformulados ou abandonados na medida em que se mostrem mais ou menos relevantes na situação estudada. Essas questões ou pontos críticos iniciais podem ter origem no exame da literatura pertinente, podem ser fruto de observações e depoimentos feitos por especialista sobre o problema, podem surgir de um contato inicial com a documentação existente e com as pessoas ligadas ao fenômeno estudado ou podem ser derivados de especulações baseadas na experiência pessoal do pesquisador (ou grupos de pesquisadores). (1986, p. 21).

Começamos com um levantamento preliminar junto a vinte e um docentes da

AMAN8, enfocando suas percepções sobre os valores essenciais a serem internalizados pelos

cadetes ao longo do Curso de Formação e as principais estratégias educacionais utilizadas

nessa direção (Apêndice 1). Os valores que obtiveram maiores freqüências foram:

responsabilidade (85,7%); iniciativa (47,6%); disciplina (28,5%); e honestidade (28,5%).

Destacaram-se ainda liderança (23,8%) e lealdade (23,8%). Foram apontados diversos outros

valores, que apresentaram baixas freqüências, evidenciando a dispersão de percepções quanto

às prioridades no processo de socialização. Foram levantadas, ainda, as principais práticas de

socialização identificadas pelos docentes no tocante a cada valor mencionado, que auxiliaram

na composição dos instrumentos de coleta de dados subseqüentes.

8 Esta amostra de docentes foi composta por professores e instrutores, selecionados aleatoriamente nos Cursos e Seções da AMAN.

100

Elaboramos, em seguida, um questionário preliminar com perguntas abertas,

relacionadas aos seis valores que se destacaram no levantamento anterior, abordando as

representações dos participantes acerca dos valores (visão idealizada), de sua aplicação em

relação à experiência cotidiana de cadetes e oficiais e das dificuldades ligadas à sua

internalização ao longo do processo de socialização organizacional. Nos Apêndices 2 e 3,

encontram-se modelos deste questionário.

Na opinião de Kronberger e Wagner:

Em certo sentido, perguntas abertas são um tipo de “microentrevista” sobre um objeto específico. Diferentemente das entrevistas mais longas, contudo, as respostas a questões abertas podem ser obtidas de uma grande amostra, sem incorrer na sobrecarga normalmente implícita na transcrição de análise de longos textos. A evidente vantagem de uma amostra ampla, contudo, implica uma negociação entre a necessária brevidade das respostas e a impossibilidade de formular perguntas adicionais, como nas entrevistas mais longas. (2002, p.416).

Ainda quanto às possibilidades oferecidas pelas questões abertas, os mesmos

autores expressam que:

As respostas abertas não ficam restritas às escolhas de categorias feitas pelo pesquisador, como nas respostas a perguntas fechadas. Por isso, elas propiciam um fácil acesso à compreensão espontânea dos respondentes com relação ao objeto em questão. Quando analisadas com cuidado, as respostas abertas podem ser transformadas em variáveis e juntadas ao conjunto dos dados quantitativos. (Ibid., p.416).

Para Moura, Ferreira e Paine, as perguntas abertas:

[...] são particularmente úteis nos estágios iniciais da pesquisa, quando o pesquisador não possui ainda uma compreensão clara do fenômeno em estudo, havendo, assim, necessidade de se obter informações mais descritivas sobre o mesmo, que possam ser adotadas posteriormente na elaboração de perguntas de natureza mais objetiva. (GODDARD III; VILLANOVA, 1996 apud MOURA; FERREIRA; PAINE, 1998, p.83).

Participaram da aplicação dos questionários preliminares cadetes do 1º Ano

(n=74), cadetes do 3º Ano9 (n=54) e oficiais instrutores (n=64). Foi realizada uma análise

temática das respostas apresentadas, que serviu de base para elaboração de um questionário de

múltipla escolha, apresentado no Apêndice 5.

Após uma aplicação experimental deste instrumento piloto junto a oficiais e

cadetes, levantamos seus principais problemas e elaboramos uma segunda versão, mais direta

9 Como esta fase exploratória da pesquisa foi realizada no final de 2005, optamos por realizar os levantamentos preliminares junto a cadetes do 3º Ano, pois estes estariam cursando o 4º Ano em 2006, momento da aplicação do instrumento quantitativo final.

101

e simplificada, apresentada no Apêndice 6. Esta versão também passou por um pré-teste, a

fim de verificar o tempo de preenchimento pelos participantes e detectar problemas de

interpretação remanescentes.

Abaixo, segue-se o modelo do questionário final, na versão direcionada aos

cadetes:

Ano: _____ Curso: _________________________ Subunidade: _________________

PREZADO CADETE A seguir, você encontrará questões que solicitarão sua opinião a respeito de

determinados valores ou atributos e de como estes vêm sendo desenvolvidos no Curso de Formação da AMAN. Você não será identificado por sua participação nesta pesquisa. Não há resposta certa ou errada; a intenção das perguntas é apenas conhecer como cada um percebe a realidade na qual está inserido. Para isso, peço-lhe que reflita por alguns momentos antes de responder a cada questão. Quanto mais suas respostas se aproximarem do que você realmente pensa e sente sobre o assunto, mais elas serão úteis para a pesquisa. Caso você tenha alguma dúvida durante o preenchimento, por favor, apresente-a para mim. Desde já, agradeço por sua participação.

1º Ten Daniela, da Seção Psicopedagógica

1. Como é o comportamento de um cadete que possui RESPONSABILIDADE? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para você. ( ) Cumpre suas tarefas da melhor forma possível. ( ) Cumpre prazos e horários. ( ) Assume seus erros. ( ) Assume as conseqüências do que faz, independentemente de quais sejam. ( ) Zela pelos bens sob sua custódia. ( ) Aplica-se nos estudos. ( ) Dedica-se ao treinamento físico. ( ) Dedica-se ao seu preparo profissional. ( ) Cumpre suas obrigações quando em funções de comando ou administrativas. ( ) Cumpre as tarefas que lhe são delegadas sem necessidade de fiscalização. ( ) Cumpre todas as atribuições, normas e diretrizes. ( ) Evita riscos desnecessários para seus subordinados. ( ) Responde pelos atos de seus subordinados. ( ) Fala a verdade; não se omite. ( ) Outro(s). Qual(is)? ______________________________________________________ 2. Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua RESPONSABILIDADE? (Neste caso, assinale apenas uma das alternativas abaixo.) ( ) Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. ( ) Mudou para melhor. ( ) Mudou para pior. 3. Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm AUXILIADO você a desenvolver sua RESPONSABILIDADE ao longo do

102

Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e obrigações pelo cadete. ( ) A liberdade do cadete para realizar atividades por conta própria. ( ) A punição dos que não cumprem com suas responsabilidades. ( ) A confiança depositada no cadete pelos oficiais. ( ) A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. ( ) O acompanhamento constante dos oficiais às ações dos cadetes. ( ) As várias atividades a serem desempenhadas pelos cadetes. ( ) O desempenho de funções de comando pelos cadetes. ( ) A delegação de atribuições e funções aos cadetes. ( ) A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. ( ) O tratamento dos cadetes de acordo com seu grau de maturidade, aumentando progressivamente suas prerrogativas e responsabilidades. ( ) Outro(s). Qual(is)? _____________________________________________________ 4. Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm DIFICULTADO que você desenvolva a sua RESPONSABILIDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) A falta de liberdade do cadete. ( ) A punição dos que assumem seus erros. ( ) A humilhação verbal dos que assumem seus erros. ( ) O medo de ser punido por eventuais erros. ( ) A falta de confiança no cadete por parte dos oficiais. ( ) A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. ( ) O acompanhamento constante dos oficiais às ações dos cadetes. ( ) As poucas oportunidades do exercício de funções de comando pelos cadetes. ( ) A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. ( ) A falta de tratamento compatível com o grau de maturidade dos cadetes. ( ) Outro(s). Qual(is)? _____________________________________________________ 5. Como é o comportamento de um cadete que possui INICIATIVA? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para você. ( ) Toma decisões em diversas situações, sem depender do apoio de um superior para tanto. ( ) Toma a frente para resolver problemas emergentes no grupo. ( ) Age prontamente ao receber uma tarefa. ( ) Adota uma linha de ação própria diante de uma missão a cumprir. ( ) Voluntaria-se para realizar diversas atividades. ( ) Apresenta novas idéias. ( ) Assume o comando em situações críticas. ( ) Ao observar algo errado, procura corrigí-lo, independentemente de ordem para tanto. ( ) Antecipa a realização de tarefas, visando auxiliar seus superiores. ( ) Apresenta sugestões para o aprimoramento de rotinas e atividades. ( ) Executa suas tarefas independentemente de ordem. ( ) Procura resolver seus problemas por conta própria, antes de buscar ajuda. ( ) Outro(s). Qual(is)? _____________________________________________________

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6. Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua INICIATIVA?(Neste caso, assinale apenas uma das alternativas abaixo.) ( ) Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. ( ) Mudou para melhor. ( ) Mudou para pior. 7. Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm AUXILIADO você a desenvolver sua INICIATIVA ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) A imposição de obstáculos a serem ultrapassados ao longo da formação. ( ) A solicitação constante de voluntários para atividades. ( ) O exemplo dos oficiais, que evidenciam sua iniciativa. ( ) O incentivo constante dos oficiais para que os cadetes tomem iniciativas. ( ) O desempenho de funções de comando pelos cadetes. ( ) A valorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais. ( ) As atividades realizadas em grupo pelos cadetes. ( ) Outro(s). Qual(is)? _______________________________________________________ 8. Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm DIFICULTADO que você desenvolva a sua INICIATIVA ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) A coibição do excesso de iniciativa ou de “iniciativas erradas” pelos oficiais. ( ) A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. ( ) A punição de iniciativas erradas, mesmo que devidas à inexperiência do cadete. ( ) As poucas oportunidades para o desempenho de funções de comando pelos cadetes. ( ) A interferência dos oficiais quando os cadetes estão em funções de comando. ( ) A existência limitada de oportunidades em que os cadetes podem tomar decisões. ( ) A correção freqüente de atitudes dos cadetes pelos oficiais. ( ) A desvalorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais. ( ) A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. ( ) A atribuição de responsabilidade aos oficiais pelo desempenho dos cadetes. ( ) Outro(s). Qual(is)? _______________________________________________________ 9. Como é o comportamento de um cadete que possui DISCIPLINA? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para você. ( ) Cumpre normas, regulamentos e deveres quando fiscalizado. ( ) Cumpre normas, regulamentos e deveres sem necessidade de vigilância externa. ( ) Obedece às ordens prontamente. ( ) Tem boa apresentação individual. ( ) Segue planos de estudo ou treinamento. ( ) Cumpre horários. ( ) Mantém instalações e materiais limpos e em condições de uso. ( ) Submete-se a situações que contrariem seus interesses, sem queixar-se a respeito. ( ) Executa a ordem unida corretamente. ( ) Não discute ordens. ( ) Age corretamente independentemente de fiscalização. ( ) Manifesta respeito pelos superiores. ( ) Trata com respeito seus subordinados. ( ) Influencia seus pares a serem disciplinados. ( ) Outro(s). Qual(is)? _______________________________________________________

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10. Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua DISCIPLINA?(Neste caso, assinale apenas uma das alternativas abaixo.) ( ) Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. ( ) Mudou para melhor. ( ) Mudou para pior. 11. Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm AUXILIADO você a desenvolver sua DISCIPLINA ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e regulamentos pelos cadetes. ( ) A aplicação de punições aos cadetes transgressores. ( ) A valorização do comportamento correto pelos oficiais. ( ) O empenho constante dos oficiais para conscientizar os cadetes quanto à importância da disciplina. ( ) As atitudes adotadas pelos oficiais, que evidenciam sua disciplina, servindo de exemplo. ( ) Outro(s). Qual(is)? _______________________________________________________ 12. Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm DIFICULTADO que você desenvolva a sua DISCIPLINA ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) A impunidade ou a falta de rigor na punição de alguns indisciplinados. ( ) O cadete procura ocultar suas faltas para evitar ser punido. ( ) A incompreensão dos cadetes em relação à importância de determinadas normas. ( ) A tendência de que o cadete priorize seus interesses mais imediatos na escolha da conduta que irá adotar, ainda que estes contrariem os interesses coletivos e institucionais. ( ) A desmotivação ou descrença dos cadetes em relação aos preceitos da Instituição. ( ) A influência negativa de determinadas lideranças no grupo. ( ) Falta de exemplo por parte de alguns oficiais, que manifestam atitudes de indisciplina. ( ) Outro(s). Qual(is)? _______________________________________________________ 13. Como é o comportamento de um cadete que possui HONESTIDADE? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para você. ( ) Fala sempre a verdade, mesmo acarretando prejuízos para si. ( ) Não se apropria de objetos que não lhe pertencem. ( ) Zela pela exatidão na correção de suas provas. ( ) Paga corretamente suas dívidas. ( ) Assume seus erros e transgressões. ( ) Age com isenção ao administrar dinheiro ou bens alheios. ( ) Age corretamente, é disciplinado. ( ) Cumpre sua palavra, bem como os compromissos assumidos para com outros. ( ) Assume suas opiniões e atitudes publicamente. ( ) Manifesta coerência entre o que fala e faz. ( ) Outro(s). Qual(is)? _______________________________________________________ 14. Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua HONESTIDADE?(Neste caso, assinale apenas uma das alternativas abaixo.) ( ) Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. ( ) Mudou para melhor.

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( ) Mudou para pior. 15. Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm AUXILIADO você a desenvolver sua HONESTIDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) Os princípios trazidos da educação familiar. ( ) Orientação constante e incentivo pelos oficiais para que os cadetes digam a verdade. ( ) Valorização e cobrança da honestidade do cadete por seus pares. ( ) Tratamento do cadete pelos superiores como tendo idoneidade moral e sendo confiável, o que o estimula a proceder de acordo. ( ) O cadete é constantemente vigiado. ( ) Punição dos cadetes que cometem faltas a esse respeito. ( ) O exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes. ( ) Outro(s). Qual(is)? _______________________________________________________ 16. Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm DIFICULTADO que você desenvolva a sua HONESTIDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) Os princípios trazidos da educação familiar. ( ) O cadete é constantemente vigiado. ( ) As punições por vezes não são suficientemente severas. ( ) A possibilidade de a desonestidade trazer vantagens, sem acarretar punições. ( ) O temor dos cadetes de serem punidos pela honestidade, principalmente em relação a faltas cometidas. ( ) Os prejuízos que a honestidade pode acarretar para o conceito anual dos cadetes. ( ) As poucas oportunidades para o exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes. ( ) Exemplos errados por parte de superiores, que por vezes não são honestos perante os cadetes. ( ) A sociedade atual não tem valorizado a honestidade. ( ) O cadete é muito tutelado pelos oficiais, deixando por vezes de responder por seus atos. ( ) A competitividade entre os cadetes. ( ) Outro(s). Qual(is)? _______________________________________________________ 17. Como é o comportamento de um cadete que possui LEALDADE? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para você. ( ) Apóia seus companheiros em situações críticas. ( ) Apóia seus subordinados quando os vê em dificuldades. ( ) Apresenta conduta transparente diante de pares e superiores. ( ) Acusa-se quando cometeu um erro, independentemente das conseqüências. ( ) Cumpre ordens e tarefas emanadas de seus superiores, independentemente de fiscalização. ( ) Assume sua verdadeira opinião perante os demais; é sincero. ( ) Coloca os interesses do grupo à frente dos individuais. ( ) Acata as decisões de seus superiores, mesmo que contrariem sua opinião pessoal. ( ) É fiel e defende o grupo do qual faz parte. ( ) Possui confiança em seus superiores. ( ) Outro(s). Qual(is)? _______________________________________________________

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18. Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua LEALDADE? (Neste caso, assinale apenas uma das alternativas abaixo.) ( ) Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. ( ) Mudou para melhor. ( ) Mudou para pior. 19. Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm AUXILIADO você a desenvolver sua LEALDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) A freqüente realização de atividades que exigem a união do grupo. ( ) A convivência diária entre os cadetes. ( ) O relacionamento estabelecido entre oficiais e cadetes. ( ) Os oficiais constantemente dão exemplos de lealdade. ( ) Outro(s). Qual(is)? _______________________________________________________ 20. Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm DIFICULTADO que você desenvolva a sua LEALDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) O distanciamento entre oficiais e cadetes. ( ) Os cadetes por vezes não compreendem claramente o que os oficiais esperam deles. ( ) Não há transparência no relacionamento entre cadetes e oficiais. ( ) A preocupação com o conceito ou o grau faz com que alguns cadetes coloquem seus interesses individuais acima dos coletivos. ( ) Outro(s). Qual(is)? ______________________________________________________ 21. Se desejar acrescentar comentários e informações a respeito de qualquer aspecto do tema pesquisado, por favor, faça-o no espaço abaixo.

Em seguida, apresentamos a versão do questionário direcionada aos oficiais,

com alterações na linguagem e no enfoque das perguntas:

Posto: ______________ Curso: _______________________________

PREZADO INSTRUTOR No questionário a seguir, o senhor encontrará diversas questões que solicitam sua

opinião acerca de determinados valores ou atributos e de como está ocorrendo seu desenvolvimento ao longo do Curso de Formação da AMAN. O objetivo das perguntas é conhecer o ponto de vista pessoal do senhor a respeito do assunto. Portanto, não há respostas certas ou erradas. Peço-lhe que, antes de responder a cada questão, reflita por alguns momentos e, em seguida, assinale as alternativas que mais se aproximarem de sua maneira de pensar e sentir a respeito das situações apresentadas. A sinceridade nas respostas é fundamental para que possamos obter dados realistas a respeito do tema em estudo. Se tiver qualquer dúvida durante o preenchimento desse questionário, por favor, apresente-a para mim. Desde já, agradeço pelo interesse manifestado em participar da pesquisa.

1º Ten Daniela, da Seção Psicopedagógica

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1. Como é o comportamento de um cadete que possui RESPONSABILIDADE? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para o senhor. ( ) Cumpre suas tarefas da melhor forma possível. ( ) Cumpre prazos e horários. ( ) Assume seus erros. ( ) Assume as conseqüências do que faz, independentemente de quais sejam. ( ) Zela pelos bens sob sua custódia. ( ) Aplica-se nos estudos. ( ) Dedica-se ao treinamento físico. ( ) Dedica-se ao seu preparo profissional. ( ) Cumpre suas obrigações quando em funções de comando ou administrativas. ( ) Cumpre as tarefas que lhe são delegadas sem necessidade de fiscalização. ( ) Cumpre todas as atribuições, normas e diretrizes. ( ) Evita riscos desnecessários para seus subordinados. ( ) Responde pelos atos de seus subordinados. ( ) Fala a verdade; não se omite. ( ) Outro(s). Qual(is)? ______________________________________________________ 2. Depois do ingresso na vida militar, o que costuma ocorrer em relação à RESPONSABILIDADE dos jovens (cadetes)? (Neste caso, assinale apenas uma das alternativas abaixo.) ( ) Permanece igual ao que era antes, na vida civil. ( ) Muda para melhor. ( ) Muda para pior. 3. Tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que têm AUXILIADO os cadetes a desenvolver sua RESPONSABILIDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e obrigações pelo cadete. ( ) A liberdade do cadete para realizar atividades por conta própria. ( ) A punição dos que não cumprem com suas responsabilidades. ( ) A confiança depositada no cadete pelos oficiais. ( ) A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. ( ) O acompanhamento constante dos oficiais às ações dos cadetes. ( ) As várias atividades a serem desempenhadas pelos cadetes. ( ) O desempenho de funções de comando pelos cadetes. ( ) A delegação de atribuições e funções aos cadetes. ( ) A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. ( ) O tratamento dos cadetes de acordo com seu grau de maturidade, aumentando progressivamente suas prerrogativas e responsabilidades. ( ) Outro(s). Qual(is)? ______________________________________________________ 4. Ainda tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que têm DIFICULTADO que os cadetes desenvolvam sua RESPONSABILIDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) A falta de liberdade do cadete. ( ) A punição dos que assumem seus erros.

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( ) A humilhação verbal dos que assumem seus erros. ( ) O medo dos cadetes de serem punidos por eventuais erros. ( ) A falta de confiança no cadete por parte dos oficiais. ( ) A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. ( ) O acompanhamento constante dos oficiais às ações dos cadetes. ( ) As poucas oportunidades do exercício de funções de comando pelos cadetes. ( ) A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. ( ) A falta de tratamento compatível com o grau de maturidade dos cadetes. ( ) Outro(s). Qual(is)? _______________________________________________________ 5. Como é o comportamento de um cadete que possui INICIATIVA? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para o senhor. ( ) Toma decisões em diversas situações, sem depender do apoio de um superior para tanto. ( ) Toma a frente para resolver problemas emergentes no grupo. ( ) Age prontamente ao receber uma tarefa. ( ) Adota uma linha de ação própria diante de uma missão a cumprir. ( ) Voluntaria-se para realizar diversas atividades. ( ) Apresenta novas idéias. ( ) Assume o comando em situações críticas. ( ) Ao observar algo errado, procura corrigí-lo, independentemente de ordem para tanto. ( ) Antecipa a realização de tarefas, visando auxiliar seus superiores. ( ) Apresenta sugestões para o aprimoramento de rotinas e atividades. ( ) Executa suas tarefas independentemente de ordem. ( ) Procura resolver seus problemas por conta própria, antes de buscar ajuda. ( ) Outro(s). Qual(is)? ____________________________________________________ 6. Depois do ingresso na vida militar, o que costuma ocorrer em relação à INICIATIVA dos jovens (cadetes)? (Neste caso, assinale apenas uma das alternativas abaixo.) ( ) Permanece igual ao que era antes, na vida civil. ( ) Muda para melhor. ( ) Muda para pior. 7. Tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que têm AUXILIADO os cadetes a desenvolver sua INICIATIVA ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) A imposição de obstáculos a serem ultrapassados ao longo da formação. ( ) A solicitação constante de voluntários para atividades. ( ) O exemplo dos oficiais, que evidenciam sua iniciativa. ( ) O incentivo constante dos oficiais para que os cadetes tomem iniciativas. ( ) O desempenho de funções de comando pelos cadetes. ( ) A valorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais. ( ) As atividades realizadas em grupo pelos cadetes. ( ) Outro(s). Qual(is)? _______________________________________________________ 8. Ainda tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que têm DIFICULTADO que os cadetes desenvolvam sua INICIATIVA ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) A coibição do excesso de iniciativa ou de “iniciativas erradas” pelos oficiais.

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( ) A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. ( ) A punição de iniciativas erradas, mesmo que devidas à inexperiência do cadete. ( ) As poucas oportunidades para o desempenho de funções de comando pelos cadetes. ( ) A interferência dos oficiais quando os cadetes estão em funções de comando. ( ) A existência limitada de oportunidades em que os cadetes podem tomar decisões. ( ) A correção freqüente de atitudes dos cadetes pelos oficiais. ( ) A desvalorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais. ( ) A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. ( ) A atribuição de responsabilidade aos oficiais pelo desempenho dos cadetes. ( ) Outro(s). Qual(is)? ______________________________________________________ 9. Como é o comportamento de um cadete que possui DISCIPLINA? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para o senhor. ( ) Cumpre normas, regulamentos e deveres quando fiscalizado. ( ) Cumpre normas, regulamentos e deveres sem necessidade de vigilância externa. ( ) Obedece às ordens prontamente. ( ) Tem boa apresentação individual. ( ) Segue planos de estudo ou treinamento. ( ) Cumpre horários. ( ) Mantém instalações e materiais limpos e em condições de uso. ( ) Submete-se a situações que contrariem seus interesses, sem queixar-se a respeito. ( ) Executa a ordem unida corretamente. ( ) Não discute ordens. ( ) Age corretamente independentemente de fiscalização. ( ) Manifesta respeito pelos superiores. ( ) Trata com respeito seus subordinados. ( ) Influencia seus pares a serem disciplinados. ( ) Outro(s). Qual(is)? ______________________________________________________ 10. Depois do ingresso na vida militar, o que costuma ocorrer em relação à DISCIPLINA dos jovens (cadetes)? (Neste caso, assinale apenas uma das alternativas abaixo.) ( ) Permanece igual ao que era antes, na vida civil. ( ) Muda para melhor. ( ) Muda para pior. 11. Tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que têm AUXILIADO os cadetes a desenvolver sua DISCIPLINA ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e regulamentos pelos cadetes. ( ) A aplicação de punições aos cadetes transgressores. ( ) A valorização do comportamento correto pelos oficiais. ( ) O empenho constante dos oficiais para conscientizar os cadetes quanto à importância da disciplina. ( ) As atitudes adotadas pelos oficiais, que evidenciam sua disciplina, servindo de exemplo. ( ) Outro(s). Qual(is)? _______________________________________________________ 12. Ainda tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que têm DIFICULTADO que os cadetes desenvolvam

110

sua DISCIPLINA ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) A impunidade ou a falta de rigor na punição de alguns indisciplinados. ( ) O cadete procura ocultar suas faltas para evitar ser punido. ( ) A incompreensão dos cadetes em relação à importância de determinadas normas. ( ) A tendência de que o cadete priorize seus interesses mais imediatos na escolha da conduta que irá adotar, ainda que estes contrariem os interesses coletivos e institucionais. ( ) A desmotivação ou descrença dos cadetes em relação aos preceitos da Instituição. ( ) A influência negativa de determinadas lideranças no grupo. ( ) Falta de exemplo por parte de alguns oficiais, que manifestam atitudes de indisciplina. ( ) Outro(s). Qual(is)? ______________________________________________________ 13. Como é o comportamento de um cadete que possui HONESTIDADE? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para o senhor. ( ) Fala sempre a verdade, mesmo acarretando prejuízos para si. ( ) Não se apropria de objetos que não lhe pertencem. ( ) Zela pela exatidão na correção de suas provas. ( ) Paga corretamente suas dívidas. ( ) Assume seus erros e transgressões. ( ) Age com isenção ao administrar dinheiro ou bens alheios. ( ) Age corretamente, é disciplinado. ( ) Cumpre sua palavra, bem como os compromissos assumidos para com outros. ( ) Assume suas opiniões e atitudes publicamente. ( ) Manifesta coerência entre o que fala e faz. ( ) Outro(s). Qual(is)? _______________________________________________________ 14. Depois do ingresso na vida militar, o que costuma ocorrer em relação à HONESTIDADE dos jovens (cadetes)? (Neste caso, assinale apenas uma das alternativas abaixo.) ( ) Permanece igual ao que era antes, na vida civil. ( ) Muda para melhor. ( ) Muda para pior. 15. Tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que têm AUXILIADO os cadetes a desenvolver sua HONESTIDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) Os princípios trazidos da educação familiar. ( ) Orientação constante e incentivo pelos oficiais para que os cadetes digam a verdade. ( ) Valorização e cobrança da honestidade do cadete por seus pares. ( ) Tratamento do cadete pelos superiores como tendo idoneidade moral e sendo confiável, o que o estimula a proceder de acordo. ( ) O cadete é constantemente vigiado. ( ) Punição dos cadetes que cometem faltas a esse respeito. ( ) O exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes. ( ) Outro(s). Qual(is)? _______________________________________________________ 16. Ainda tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que têm DIFICULTADO que os cadetes desenvolvam sua HONESTIDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.)

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( ) Os princípios trazidos da educação familiar. ( ) O cadete é constantemente vigiado. ( ) As punições por vezes não são suficientemente severas. ( ) A possibilidade de a desonestidade trazer vantagens, sem acarretar punições. ( ) O temor dos cadetes de serem punidos pela honestidade, principalmente em relação a faltas cometidas. ( ) Os prejuízos que a honestidade pode acarretar para o conceito anual dos cadetes. ( ) As poucas oportunidades para o exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes. ( ) Exemplos errados por parte de superiores, que por vezes não são honestos perante os cadetes. ( ) A sociedade atual não tem valorizado a honestidade. ( ) O cadete é muito tutelado pelos oficiais, deixando por vezes de responder por seus atos. ( ) A competitividade entre os cadetes. ( ) Outro(s). Qual(is)? ______________________________________________________ 17. Como é o comportamento de um cadete que possui LEALDADE? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para o senhor. ( ) Apóia seus companheiros em situações críticas. ( ) Apóia seus subordinados quando os vê em dificuldades. ( ) Apresenta conduta transparente diante de pares e superiores. ( ) Acusa-se quando cometeu um erro, independentemente das conseqüências. ( ) Cumpre ordens e tarefas emanadas de seus superiores, independentemente de fiscalização. ( ) Assume sua verdadeira opinião perante os demais; é sincero. ( ) Coloca os interesses do grupo à frente dos individuais. ( ) Acata as decisões de seus superiores, mesmo que contrariem sua opinião pessoal. ( ) É fiel e defende o grupo do qual faz parte. ( ) Possui confiança em seus superiores. ( ) Outro(s). Qual(is)? ______________________________________________________ 18. Depois do ingresso na vida militar, o que costuma ocorrer em relação à LEALDADE dos jovens (cadetes)? (Neste caso, assinale apenas uma das alternativas abaixo.) ( ) Permanece igual ao que era antes, na vida civil. ( ) Muda para melhor. ( ) Muda para pior. 19. Tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que têm AUXILIADO os cadetes a desenvolver sua LEALDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) A freqüente realização de atividades que exigem a união do grupo. ( ) A convivência diária entre os cadetes. ( ) O relacionamento estabelecido entre oficiais e cadetes. ( ) Os oficiais constantemente dão exemplos de lealdade. ( ) Outro(s). Qual(is)? ______________________________________________________ 20. Ainda tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que têm DIFICULTADO que os cadetes desenvolvam

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sua LEALDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. (Podem ser assinaladas quantas alternativas forem necessárias.) ( ) O distanciamento entre oficiais e cadetes. ( ) Os cadetes por vezes não compreendem claramente o que os oficiais esperam deles. ( ) Não há transparência no relacionamento entre cadetes e oficiais. ( ) A preocupação com o conceito ou o grau faz com que alguns cadetes coloquem seus interesses individuais acima dos coletivos. ( ) Outro(s). Qual(is)? ______________________________________________________ 21. Se desejar acrescentar comentários e informações a respeito de qualquer aspecto do tema pesquisado, por favor, faça-o no espaço abaixo.

A opção por um instrumento de múltipla escolha baseou-se em algumas

vantagens apresentadas por esta técnica. Moura, Ferreira e Paine afirmam que:

As perguntas de múltipla escolha encontram-se em um nível intermediário do contínuo que tem como pólos as perguntas abertas e fechadas, e se constituem em questões com diversas opções de respostas que devem ser construídas de forma a representarem, o mais acuradamente possível, as diferentes possibilidades de opiniões dos respondentes. (1998, p. 84).

Como já mencionado anteriormente em relação às perguntas abertas, o

questionário apresenta a vantagem de poder ser aplicado em um grande número de

respondentes, com relativamente baixo dispêndio de tempo e esforço para processamento dos

dados. O emprego deste instrumento proporcionou a visualização de como os diferentes

posicionamentos acerca do tema em estudo se distribuíam na população analisada.

Contudo, os dados quantitativos necessitam ser compreendidos e interpretados

em função da complexidade do contexto em que foram produzidos, pois “os dados não falam

por si mesmos, mesmo que sejam processados cuidadosamente, com modelos estatísticos

sofisticados.” (BAUER; GASKELL; ALLUM, 2002, p. 24). Com a finalidade de aprofundar a

compreensão dos dados obtidos, foram conduzidas entrevistas qualitativas em grupos (grupos

focais), envolvendo participantes selecionados proporcionalmente dentre os grupos que

responderam ao questionário.

Para Gaskell, a entrevista qualitativa permite “uma compreensão detalhada das

crenças, atitudes, valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas em

contextos sociais específicos.” (2002, p.65). Este autor enfatiza, ainda, a importância da

entrevista qualitativa em combinação com outros métodos:

Por exemplo, intuições provindas da entrevista qualitativa podem melhorar a qualidade do delineamento de um levantamento e de sua interpretação. A fim de construir questões adequadas, é necessário avaliar tanto os interesses quanto a linguagem do grupo em foco. Do mesmo modo, a pesquisa de levantamento muitas vezes apresenta resultados e surpresas que necessitam

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de ulterior investigação. Aqui, a compreensão em maior profundidade oferecida pela entrevista qualitativa pode fornecer informação contextual valiosa para ajudar a explicar achados específicos. (Ibid., p.65).

Na entrevista em grupo, ou grupo focal, é utilizada uma abordagem semi-

estruturada, em que o pesquisador conduz as discussões dos participantes segundo um tópico-

guia, estabelecido de acordo com os interesses da pesquisa, buscando estimular a

comunicação no grupo.

O objetivo do grupo focal é estimular os participantes a falar e a reagir àquilo que outras pessoas no grupo dizem. É uma interação social mais autêntica do que a entrevista em profundidade, um exemplo da unidade social mínima em operação e, como tal, os sentidos ou representações que emergem são mais influenciados pela natureza social da interação do grupo em vez de se fundamentarem na perspectiva individual, como no caso da entrevista em profundidade. (Ibid., p.75).

Este método de coleta de dados permite também a observação de aspectos

inerentes à dinâmica dos grupos, tais como as relações de poder, os conflitos e as reações dos

participantes às diversas opiniões, havendo tendência a uma maior fluência de expressões

emocionais do que na entrevista individual. Para Minayo, “além de sua importância pelo

aprofundamento qualitativo de questões socializáveis e pela possibilidade de comparação com

grupos semelhantes e distintos”, o grupo focal desempenha um “papel complementar”,

permitindo a “triangulação na coleta de dados” se associado a outras técnicas (1992, p.130).

Em nossa pesquisa, a utilização desta técnica desempenhou um papel

fundamental, pois, além de possibilitar um aprofundamento na compreensão dos dados

quantitativos coletados, favoreceu a emergência de novos dados, em uma situação mais

complexa de interação social. O roteiro utilizado na condução dos grupos focais foi baseado

nos resultados da etapa quantitativa da pesquisa. A análise das respostas ao questionário foi

dividida em duas partes, que foram abordadas com grupos distintos. Buscou-se levantar as

opiniões dos sujeitos sobre as principais tendências de resposta e observar os consensos e

dissensos emergentes acerca destes dados. Ao todo, foram realizados doze grupos focais:

quatro com cadetes do 1º Ano, quatro com cadetes do 4º Ano, dois com tenentes e dois com

capitães.

A coleta de dados foi complementada, ainda, por meio de observação

participante, uma vez que a pesquisadora estava inserida no campo em seu desempenho

profissional, conforme já explicitado anteriormente.

114

4.4 Operacionalização da pesquisa de campo

4.4.1 Participantes

A fim de verificar a eficácia da socialização quanto à internalização dos valores

pelos cadetes, realizamos as coletas de dados em quatro grupos distintos, quais sejam: cadetes

do 1º ano, cadetes do 4° ano e oficiais instrutores nos postos de tenente e capitão.

A análise das representações destes participantes permitiu observar, em

primeiro lugar, os efeitos do processo de socialização, comparando-se as respostas dos

cadetes do 1º e do 4º anos, que se encontram em estágios-limites do Curso de Formação

(início e conclusão). Embora não tenha sido possível, em virtude dos limites temporais da

pesquisa, realizar um estudo longitudinal, acreditamos que seja pertinente a comparação entre

esses dois grupos, considerando as similaridades existentes entre eles quanto a aspectos

demográficos e a relativa estabilidade do processo educacional em que estão inseridos.

Em segundo lugar, foi possível comparar as percepções dos diversos agentes de

socialização em relação aos objetivos educacionais e ao desenvolvimento do processo,

levantando o grau de institucionalização de determinadas concepções e práticas. Optamos

pela participação de oficiais nos postos de tenente e capitão que ocupam a função de instrutor,

considerando que, genericamente, estes mantêm um contato mais prolongado com os cadetes

ao longo do Curso, além de se constituírem em seus principais modelos de papel.

Em terceiro lugar, houve oportunidade de comparar respostas de oficiais

instrutores e cadetes, verificando-se o grau em que determinadas mensagens foram

incorporadas nos diferentes momentos da socialização, assim como as convergências e

divergências de opinião acerca da eficácia do processo.

4.4.2 Procedimentos

Devido ao fato de a pesquisadora exercer atividade profissional na organização

pesquisada, uma primeira inserção no campo já estava dada. Depois de elaborado o projeto de

pesquisa, a proposta foi apresentada ao Comando da AMAN, que concordou integralmente

115

com os termos do trabalho, consolidados no Termo de Compromisso Institucional (Apêndice

6). Em seguida, foram agendadas diversas reuniões com oficiais e cadetes, a fim de esclarecer

objetivos, métodos, compromissos éticos e resultados esperados com a pesquisa, além de

estimular a participação nas etapas de coleta de dados. Realizaram-se em torno de 10 reuniões

preliminares com oficiais e 15 reuniões com cadetes. De modo geral, a receptividade à

proposta de pesquisa foi muito boa em todos os grupos.

Para execução da etapa quantitativa de coleta de dados, que ocorreu no período

de agosto a outubro de 2006, foram utilizadas diferentes estratégias com oficiais e cadetes.

Para aplicação do questionário junto a capitães e tenentes, foi distribuído a todos os oficiais

participantes das reuniões preliminares o seguinte material: uma carta de apresentação e

instrução para participação nesta etapa da pesquisa (Apêndice 7), um questionário, duas vias

do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice 8) e um envelope endereçado à

pesquisadora, para retorno do material. Foi solicitado que os interessados em participar da

pesquisa remetessem o questionário preenchido e uma via do Termo de Consentimento,

lacrados no interior do envelope, diretamente ao setor de trabalho da pesquisadora. Em todos

os momentos, foi destacado o caráter voluntário da participação e não observamos qualquer

situação contrária a esse respeito no decorrer do processo.

Para aplicação do questionário junto aos cadetes, foram empregados meios

distintos. Primeiramente, foi desenvolvido um programa de computador para aplicação do

questionário. Para cada subunidade de cadetes, agendamos horários em um laboratório de

Informática da AMAN, convidando os voluntários a comparecerem ao local na ocasião

estipulada. Ao chegarem ao laboratório, os cadetes eram novamente esclarecidos sobre as

condições da pesquisa e recebiam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(Apêndice 9) para preenchimento, caso se mantivesse seu interesse em participar. Era

facultado aos cadetes desistir de participar da pesquisa a qualquer momento, o que ocorreu em

alguns casos, por diversos motivos.

Entretanto, não foi possível realizar a aplicação do questionário via

computador com todas as turmas. O principal motivo para tanto estava relacionado às

atividades curriculares dos cadetes do 4º Ano no período, que estavam concentradas em locais

distantes do laboratório de informática. Assim, por diversas vezes desloquei-me ao local de

instruções das turmas e efetuei a aplicação do questionário impresso em papel, a fim de

superar o fator de ordem física que certamente prejudicaria a adesão dos participantes. Os

momentos de aplicação do instrumento junto aos cadetes foram planejados de modo a não

interferir em suas atividades curriculares, priorizando-se o uso de intervalos de almoço e

116

intervalos entre instruções. Procuramos, também, disponibilizar mais de um horário para

participação de uma mesma turma na pesquisa, a fim de flexibilizar as oportunidades para

comparecimento dos cadetes.

Nos Termos de Consentimento distribuídos a oficiais e cadetes, havia uma

pergunta relacionada ao interesse inicial dos participantes em participar da segunda etapa de

coleta de dados, ou seja, dos grupos focais. A partir desta consulta, computamos os

participantes que se manifestaram positivamente a respeito.

Estruturamos os grupos de cadetes com doze integrantes cada um, formados

proporcionalmente à composição da amostra que respondeu ao questionário. Esta etapa da

pesquisa foi realizada no período de outubro a dezembro de 2006. A seleção dos participantes

ocorreu por sorteio quando havia mais voluntários do que o número previsto para composição

dos grupos. Foram realizadas reuniões preliminares com os participantes pré-selecionados,

esclarecendo-se a metodologia a ser empregada e distribuindo-se novo Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice 10). Em tais reuniões, também ocorreu de

alguns participantes desistirem de participar dos grupos focais, por falta de disponibilidade ou

interesse.

Na composição dos grupos focais com tenentes e capitães, fizemos a estimativa

de cinco a seis participantes por grupo, considerando o tamanho da população envolvida. A

confirmação da disponibilidade para participação nesta etapa da pesquisa foi efetuada, neste

caso, por contato telefônico e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice 11)

foi distribuído no próprio momento da reunião do grupo focal. A participação dos oficiais

nesta fase foi um tanto dificultada em função de seu período de realização, que coincidiu com

o período de férias ou com a movimentação para outras unidades do Exército de diversos

voluntários.

4.5 Análise de dados

As respostas aos questionários de múltipla escolha foram analisadas mediante

estatística descritiva. Desta forma, obtivemos indicadores da distribuição das percepções dos

sujeitos (agentes de socialização e indivíduos em processo de socialização) acerca dos valores

organizacionais e das táticas de socialização empregadas na organização. Foi efetuada uma

análise comparativa das tendências de respostas surgidas nos quatro grupos pesquisados.

117

Segundo Moura, Ferreira e Paine:

Na pesquisa descritiva, os dados às vezes se apresentam sob a forma verbal, devendo, assim, ser submetidos a análises qualitativas. Entretanto, em outras ocasiões, pesquisas tais como as de levantamento, que empregam questionários como instrumento de coleta de dados, têm, como um de seus objetivos, descrever a forma como certas características ocorrem nas amostras selecionadas para o estudo. Nestes casos, o pesquisador deve fazer uso da estatística descritiva, usando cálculos tais como freqüências, percentagens, médias, etc., cuja utilização está condicionada ao nível de medida do instrumento. As tabelas e gráficos também podem ser adotados como forma de se resumir os dados e se obter uma descrição mais clara a respeito do modo pelo qual as características em estudo se distribuem na amostra e na população. (1998, p. 94).

Com base nas principais tendências de resposta apresentadas na etapa

quantitativa, foi formulado o tópico-guia que norteou a condução dos grupos focais. Para

análise do material surgido nesta etapa da pesquisa, inspiramo-nos na técnica de análise da

enunciação, que representa uma modalidade da análise de conteúdo. Esta técnica:

Apóia-se numa concepção de comunicação como processo e não como um dado estático, e do discurso como palavra em ato. A análise da enunciação considera que na produção da palavra elabora-se ao mesmo tempo um sentido e operam-se transformações. Por isso o discurso não é um produto acabado, mas um momento de criação de significados com tudo o que isso comporta de contradições, incoerências e imperfeições. Leva em conta que, nas entrevistas, a produção é ao mesmo tempo espontânea e constrangida pela situação. Portanto a análise da enunciação trabalha com: (a) as condições de produção da palavra. Parte do princípio que a estrutura de qualquer comunicação se dá numa triangulação entre o locutor, seu objeto de discurso e o interlocutor. Ao se expressar, o locutor projeta seus conflitos básicos através de palavras silêncios, lacunas, dentro de processos, na sua maioria, inconscientes; (b) o continente do discurso e suas modalidades. (MINAYO, 1992, p. 206).

Desta forma, além de analisar as categorias e a argumentação utilizadas nos

discursos dos participantes, enfocamos a dinâmica da situação de entrevista, as interações nos

grupos, os consensos, dissensos, conflitos e contradições emergentes, as generalizações,

exceções, silêncios e omissões. Tudo isto buscando, dentro do possível, validar as

interpretações da pesquisadora junto aos grupos pesquisados, de modo a construir um

consenso. Em relação a esse aspecto, compartilhamos da perspectiva hermenêutico-dialética,

em que “a compreensão do sentido orienta-se por um consenso possível entre o sujeito agente

e aquele que busca compreender” (MINAYO, 1992, p. 221).

Destacamos que, especialmente com a utilização da técnica dos grupos focais,

a pesquisa terminou por assumir implicações de pesquisa-intervenção, uma vez que a

discussão dirigida de elementos ligados ao contexto de vida dos participantes, conduzida no

118

sentido de aclarar determinados conteúdos latentes, divergências e convergências, resultou em

transformações no campo perceptivo dos envolvidos, podendo ter cumprido uma função

emancipatória.

Os grupos focais realizados foram gravados e posteriormente transcritos. Após

a transcrição, efetuamos uma síntese dos principais temas, consensos e dissensos que

surgiram em cada grupo. Em seguida, foi efetuada uma comparação entre os dados levantados

nos grupos focais de um mesmo segmento da população (cadetes do 1º Ano, cadetes do 4º

Ano, tenentes e capitães), extraindo-se as posições manifestadas de forma recorrente em

relação aos tópicos pesquisados. Posteriormente, foi realizada uma análise comparativa entre

os grupos dos diversos segmentos.

Os dados coletados nas observações participantes foram utilizados como

complemento às técnicas anteriores, no momento da interpretação dos resultados.

5 RESULTADOS

5.1 Adesão dos participantes à pesquisa

Na etapa quantitativa da pesquisa, obtivemos uma amostra de 35,9% dos

cadetes do 1º Ano e de 48,6% dos cadetes do 4º Ano, conforme discriminado na Tabela 2.

Tabela 2 - Cadetes participantes da aplicação do questionário

ANO CURSO SUBUNIDADE POPULAÇÃO TOTAL AMOSTRA TOTAL % 1ª Cia 122 25 2ª Cia 122 59 3ª Cia 122 54

1º Básico

4ª Cia 116

482

35

173 35,9

Infantaria 1ª Cia Inf 135 71 Cavalaria Esqd Cav 53 9 Artilharia 1ª Bia Cad 60 30

Engenharia Cia Eng 41 26 Intendência Cia Int 46 21

Comunicações Cia Com 27 11

Material Bélico Cia MB 27

389

21

189 48,6

TOTAL 871 362 41,5

A participação dos oficiais distribuiu-se em uma amostra de 25,35% dos

tenentes e de 68,08% dos capitães, conforme apresentado na Tabela 3.

Tabela 3 - Oficiais participantes da aplicação do questionário

POPULAÇÃO AMOSTRA POSTO POSTO CURSO

Cap Ten TOTAL Cap % Ten % TOTAL %

Básico 9 9 18 3 33,33 5 55,55 8 44,44Infantaria 4 4 8 4 100,00 3 75,00 7 87,50Cavalaria 7 2 9 5 71,43 2 100,00 7 77,77Artilharia 3 2 5 2 66,66 1 50,00 3 60,00

Engenharia 6 2 8 6 100,00 1 50,00 7 87,50Intendência 5 2 7 4 80,00 2 100,00 6 85,71

Comunicações 5 1 6 2 40,00 0 0,00 2 33,33Material Bélico 8 4 12 6 75,00 4 100,00 10 83,33

TOTAL 47 71 118 32 68,08 18 25,35 50 42,37

Nos gráficos a seguir, podemos observar a distribuição das amostras de cada

segmento, que foi utilizada na composição dos grupos focais.

120

Gráfico 1 - Distribuição da Amostra de Cadetes do 1º Ano por Companhia

Gráfico 2 - Distribuição da Amostra de Cadetes do 4º Ano por Curso

Gráfico 3 - Distribuição da Amostra de Tenentes por Curso

121

Gráfico 4 - Distribuição da Amostra de Capitães por Curso

No planejamento dos grupos focais a serem realizados com cadetes, foi

considerado o percentual de participantes de cada companhia ou curso apresentado na amostra

da fase quantitativa. Este percentual foi aplicado na composição de grupos de 12 integrantes.

Entretanto, tal critério foi posteriormente alterado em relação aos cadetes do 1º Ano, tendo em

vista a dificuldade de reunir em um mesmo horário cadetes de diferentes companhias, em

função das atividades curriculares. Optamos, assim, por compor cada um dos grupos de

cadetes do 1º Ano com integrantes de uma única subunidade. No planejamento dos grupos

focais com oficiais, não foi possível empregar a proporcionalidade da amostra, devido à

necessidade de ajustamento à disponibilidade dos participantes. As composições planejadas

para os grupos e a amostra efetivamente obtida encontram-se descritas na Tabela 4. Os grupos

realizados com cadetes do 1º e do 4º Anos tiveram, em média, três horas de duração, tendo

sido realizado um intervalo neste período. Os grupos com tenentes e capitães tiveram em

torno de duas horas de duração.

Tabela 4 - Composição dos Grupos Focais

Composição Prevista Amostra Obtida Participantes

Subunidade Número de participantes Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4

1ª Cia 12 10 - - - 2ª Cia 12 - 10 - - 3ª Cia 12 - - 13 -

Cadetes do 1º Ano

4ª Cia 12 - - - 12 1ª Cia Inf 4 4 4 4 4 Esqd Cav 1 1 1 1 1 1ª Bia Cad 2 2 2 2 1

Cia Eng 2 2 0 0 4 Cia Int 1 1 1 1 0

Cia Com 1 1 1 1 1

Cadetes do 4º Ano

Cia MB 1 1 1 1 1 Tenentes - 5 3 2 - - Capitães - 5 4 2 - -

122

Em seguida, analisaremos os dados coletados nas etapas quantitativa e

qualitativa10 da pesquisa, a respeito de cada um dos valores investigados. Na página 308,

apresentamos um glossário de siglas, abreviaturas, jargões e gírias utilizados comumente na

AMAN, a fim de auxiliar na compreensão das falas dos participantes.

5.2 Responsabilidade

5.2.1 Conceito

O conceito de responsabilidade foi objeto do primeiro tópico pesquisado. A

primeira questão do questionário indagava os participantes sobre como é o comportamento de

um cadete responsável, no intuito de levantar os principais traços de conduta associados a este

valor. Abordaremos a seguir os resultados das etapas quantitativa e qualitativa da pesquisa

referentes ao tema.

5.2.1.1 Resultados da etapa quantitativa

Inicialmente, realizaremos uma análise comparativa das tendências de resposta

dos cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 1 (Tabela 5). Em uma análise geral, ressalta-se que

mais de 50% dos cadetes do 1º Ano assinalaram onze das quatorze opções de resposta, o que

expressa um conceito de responsabilidade bastante abrangente. As respostas dos cadetes do 4º

Ano, por sua vez, apresentaram freqüência acima de 50% em sete das alternativas. Em ambos

os grupos, a resposta de maior freqüência (acima de 80%) está ligada ao cumprimento de

prazos e horários.

Para os cadetes do 1º Ano, o comportamento responsável relaciona-se também

fortemente ao cumprimento de tarefas e obrigações, assim como a assumir erros e

10 Em virtude da extensão dos relatórios referentes aos grupos focais, optamos por apresentar apenas a síntese final dos principais consensos e dissensos manifestados em cada segmento da população e por realizar uma posterior análise comparativa.

123

conseqüências de suas ações. Destacam-se ainda tendências de resposta mais específicas neste

grupo, ligadas a falar a verdade, ao zelo por bens, à evitação de riscos para subordinados e à

dedicação ao preparo profissional e aos estudos.

Já para os cadetes do 4º Ano, essas tendências mais específicas adquirem

menor importância. As tendências de resposta mais fortes deste grupo mantêm-se em torno

dos aspectos ligados ao cumprimento de tarefas e obrigações e à assunção de conseqüências

das próprias ações. As respostas relacionadas ao zelo pelos bens e à dedicação às tarefas

mantêm-se também significativas para os cadetes do 4º Ano.

A despeito da maior abrangência do conceito de responsabilidade para os

cadetes do 1º Ano, podemos observar que as tendências centrais de pensamento em torno

deste valor não se modificam no decorrer do processo de socialização. A partir dos dados

quantitativos, podemos inferir que não ocorrem mudanças significativas em relação a este

conceito ao longo do processo de formação vivenciado pelos cadetes.

Tabela 5 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 1

Questão 1 – Como é o comportamento de um cadete que possui responsabilidade? Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Cumpre prazos e horários. 85,55 Cumpre prazos e horários. 84,66

Cumpre suas obrigações quando em funções de comando ou administrativas. 79,19

Cumpre as tarefas que lhe são delegadas sem necessidade de fiscalização.

76,19

Cumpre as tarefas que lhe são delegadas sem necessidade de fiscalização.

75,14 Assume as conseqüências do que faz, independentemente de quais sejam. 75,13

Assume seus erros. 73,41 Cumpre suas obrigações quando em funções de comando ou administrativas.

71,96

Assume as conseqüências do que faz, independentemente de quais sejam. 71,68 Assume seus erros. 67,20

Cumpre suas tarefas da melhor forma possível. 69,36 Zela pelos bens sob sua custódia. 58,20

Fala a verdade; não se omite. 67,63 Cumpre suas tarefas da melhor forma possível. 52,91

Zela pelos bens sob sua custódia. 62,43 Fala a verdade; não se omite. 48,68 Evita riscos desnecessários para seus subordinados. 61,85 Evita riscos desnecessários para seus

subordinados. 41,27

Dedica-se ao seu preparo profissional. 57,80 Responde pelos atos de seus subordinados. 40,21

Aplica-se nos estudos. 50,29 Dedica-se ao treinamento físico. 38,62 Dedica-se ao treinamento físico. 49,71 Dedica-se ao seu preparo profissional. 37,04 Responde pelos atos de seus subordinados. 35,26 Aplica-se nos estudos. 35,45

124

Passaremos à análise comparativa entre as tendências de resposta apresentadas

pelos cadetes, de modo geral, e as tendências apresentadas pelos tenentes que participaram da

pesquisa (Tabela 6). Conforme observamos, o conceito de responsabilidade expresso pelos

cadetes, de modo geral, relaciona-se fortemente ao cumprimento de prazos e horários, ao

cumprimento de tarefas e obrigações e a assumir as conseqüências de suas ações, incluindo

erros. Também a dedicação às tarefas, o zelo pelos bens, o falar a verdade e a evitação de

riscos desnecessários para subordinados apresentam freqüências acima de 50% no cômputo

geral.

Tabela 6 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 1

Questão 1 - Como é o comportamento de um cadete que possui responsabilidade? Cadetes (n = 362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Cumpre prazos e horários. 85,08 Cumpre prazos e horários. 83,33 Cumpre as tarefas que lhe são delegadas sem necessidade de fiscalização.

75,69 Cumpre as tarefas que lhe são delegadas sem necessidade de fiscalização.

77,78

Cumpre suas obrigações quando em funções de comando ou administrativas. 75,41 Assume as conseqüências do que faz,

independentemente de quais sejam. 72,22

Assume as conseqüências do que faz, independentemente de quais sejam. 73,48 Assume seus erros. 66,67

Assume seus erros. 70,17 Cumpre suas obrigações quando em funções de comando ou administrativas.

66,67

Cumpre suas tarefas da melhor forma possível. 60,77 Cumpre suas tarefas da melhor forma

possível. 44,44

Zela pelos bens sob sua custódia. 60,22 Zela pelos bens sob sua custódia. 44,44 Fala a verdade; não se omite. 57,73 Fala a verdade; não se omite. 44,44 Evita riscos desnecessários para seus subordinados. 51,10 Dedica-se ao seu preparo profissional. 33,33

Dedica-se ao seu preparo profissional. 46,96 Responde pelos atos de seus subordinados. 33,33

Dedica-se ao treinamento físico. 43,92 Aplica-se nos estudos. 27,78 Aplica-se nos estudos. 42,54 Dedica-se ao treinamento físico. 27,78 Responde pelos atos de seus subordinados. 37,85 Evita riscos desnecessários para seus

subordinados. 22,22

Para os tenentes, o conceito de responsabilidade se consolida em torno do

cumprimento de prazos e horários, do cumprimento de tarefas e obrigações e da assunção de

conseqüências das ações, incluindo erros. Todos os demais aspectos apresentam freqüências

abaixo de 50% neste grupo. À semelhança do observado na comparação entre as tendências

de resposta dos cadetes do 1º e 4º Anos, a comparação entre cadetes e tenentes evidencia que

não há significativas mudanças nos aspectos centrais ligados ao conceito de responsabilidade.

As tendências de pensamento de maiores freqüências parecem se consolidar ao longo do

125

tempo, ao passo em que as demais tendências diminuem sua importância, tornando-se mais

fracamente evocadas em relação à responsabilidade.

É interessante lembrar que os tenentes são militares que possuem relativa

proximidade dos cadetes, em função de dois fatores. O primeiro relaciona-se ao fato de serem

oficiais jovens, que após a formação na AMAN tiveram, na maioria dos casos, uma

experiência profissional entre dois e quatro anos em uma unidade de tropa e em seguida

retornaram à AMAN, para serem instrutores. Ou seja, a distância temporal que os separa dos

cadetes não é muito pronunciada. O segundo fator de proximidade refere-se à função que

desempenham, pois a maioria dos participantes da pesquisa atua como comandante de um

pelotão de cadetes. Conforme já mencionado, isto significa que possuem estreito contato com

os cadetes em seu dia-a-dia e que podem vir a exercer considerável influência sobre os

conceitos construídos por estes ao longo da socialização. Porém, a importância destes fatores

para a explicação dos resultados necessitará ser analisada à luz dos dados coletados nas

próximas etapas da pesquisa.

Prosseguiremos com a análise comparativa entre as tendências de resposta

apresentadas pelos cadetes, de modo geral, e as tendências apresentadas pelos capitães

(Tabela 7). No grupo dos capitães, a tendência mais forte de resposta relaciona-se à assunção

das conseqüências das próprias ações, seguida do cumprimento autônomo de tarefas e do

cumprimento de prazos e horários. As demais tendências com freqüência acima de 50%

correlacionam-se às anteriores: assumir erros, cumprir obrigações e cumprir as tarefas da

melhor forma possível.

Comparando tais dados às respostas apresentadas pelos cadetes, constatamos

que, embora os aspectos associados à responsabilidade com maiores freqüências nos dois

grupos mantenham-se constantes, eles aparecem hierarquizados de forma diferente. Com

base nestes dados, inferimos que, para os capitães, assumir as conseqüências do que faz é

mais importante para definir a responsabilidade do que o cumprimento autônomo de tarefas,

que por sua vez é mais relevante do que o cumprimento de prazos e horários. Para os cadetes,

estes três fatores aparecem hierarquizados em ordem inversa, o que denota uma compreensão

distinta do comportamento responsável em relação às tendências de pensamento expressadas

pelos capitães. No entanto, tais inferências necessitam ser melhor exploradas com base nos

dados qualitativos coletados nos grupos focais.

126

Tabela 7 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 1

Questão 1 - Como é o comportamento de um cadete que possui responsabilidade? Cadetes (n = 362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%)

Cumpre prazos e horários. 85,08 Assume as conseqüências do que faz, independentemente de quais sejam. 78,13

Cumpre as tarefas que lhe são delegadas sem necessidade de fiscalização.

75,69 Cumpre as tarefas que lhe são delegadas sem necessidade de fiscalização.

75,00

Cumpre suas obrigações quando em funções de comando ou administrativas. 75,41 Cumpre prazos e horários. 71,88

Assume as conseqüências do que faz, independentemente de quais sejam. 73,48 Assume seus erros. 68,75

Assume seus erros. 70,17 Cumpre suas obrigações quando em funções de comando ou administrativas.

59,38

Cumpre suas tarefas da melhor forma possível. 60,77 Cumpre suas tarefas da melhor forma

possível. 56,25

Zela pelos bens sob sua custódia. 60,22 Zela pelos bens sob sua custódia. 46,88 Fala a verdade; não se omite. 57,73 Aplica-se nos estudos. 43,75 Evita riscos desnecessários para seus subordinados. 51,10 Dedica-se ao seu preparo profissional. 40,63

Dedica-se ao seu preparo profissional. 46,96 Fala a verdade; não se omite. 40,63

Dedica-se ao treinamento físico. 43,92 Cumpre todas as atribuições, normas e diretrizes. 37,50

Aplica-se nos estudos. 42,54 Dedica-se ao treinamento físico. 34,38 Responde pelos atos de seus subordinados. 37,85 Responde pelos atos de seus

subordinados. 34,38

5.2.1.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais realizados com os cadetes do 1º Ano, o cadete responsável

foi definido como aquele que procura atender a todas as exigências e expectativas depositadas

sobre ele no dia-a-dia acadêmico, o que explica a abrangência das respostas apresentadas na

etapa quantitativa. As quatro respostas de maior freqüência sintetizam um conceito geral de

responsabilidade, enquanto as de menor freqüência se referem à responsabilidade em

situações específicas.

Para estes cadetes, o indivíduo responsável está comprometido com seu papel

na organização e, portanto, cumpre suas tarefas e obrigações da melhor forma possível,

assume as conseqüências de seus atos em qualquer situação, está atento a prazos e horários,

enfim, dedica-se a tudo o que é necessário para se formar um “bom oficial”. Ele transmite aos

demais a imagem de um profissional confiável, com quem se pode contar.

127

O cumprimento de prazos e horários é extremamente valorizado e cobrado no

dia-a-dia dos cadetes, o que justifica sua alta freqüência no questionário. No entanto, para os

cadetes do 1º Ano, os aspectos básicos da conduta responsável estão ligados ao cumprimento

das atribuições e à assunção das conseqüências de suas ações, que seriam mais importantes do

que a primeira resposta de maior freqüência. Porém, outros comportamentos, secundários na

definição da conduta responsável, são mais diretamente observados pelos cadetes em seu dia-

a-dia, como o já mencionado cumprimento de prazos e horários e a dedicação às atividades

curriculares. A responsabilidade seria inseparável da disciplina, uma vez que esta é necessária

para que o cadete consiga cumprir suas atribuições. No Quadro 4, as idéias apresentadas são

ilustradas por meio de citações de falas de cadetes do 1º Ano ocorridas nos grupos focais.

“O responsável é aquele que tem uma missão, vai lá e faz. Além de fazer, ele cumpre o prazo. É fazer o que tem que ser feito. E assumir.”

“Ele faz o que tá previsto. Ele estuda porque ele sabe que tem que tirar bons graus, no TFM ele sabe que tem que ter um bom preparo porque ele vai chegar na tropa e vai ter que cumprir. Os homens vão olhar: se ele tira 10 no TAF, se ele tira 9, eles vão olhar. [...] Acho que é fazer o que tá previsto: é limpar o apartamento; quando tá de chefe de turma, tirar as faltas corretamente... É só fazer o que tá NGA, é o cara que é responsável. Faz isso, sem necessidade de fiscalização. Disciplina consciente. Ele faz porque é o certo.”

“Porque a responsabilidade de cada pessoa vai depender da disciplina dela. A disciplina de cumprir vai tar englobando essa parte da responsabilidade.”

“Eu acho que o cadete responsável, até pela palavra, é a pessoa que responde pelos seus atos. No caso ali a pesquisa deu um valor muito grande pra todas as respostas porque a gente ainda não tem uma noção exata de cada atributo. Muitas coisas ali eu acho que é mais na parte de disciplina do que de responsabilidade. Então eu acho que o mais correto ali, se a gente pode dizer assim, seria a pessoa que assume os seus erros. Que é a pessoa que recebeu uma missão e se não cumpriu, fala que não cumpriu, ou então a pessoa que tenta zelar por ela mesma, então tenta fazer o negócio na melhor maneira possível e se ela errar daí ela tem que responder por aquilo.”

“Acho que é um conjunto: ele faz as atividades dele e no caso de ele errar, ele assumir, isso daí mostra responsabilidade. Eu acho que só esse fato de assumir erros não denota responsabilidade, tem que ter um conjunto, um contexto.”

“[...] realmente a verdade é muito mais importante do que cumprir os prazos e horários, só que eu acho que ficou ali em primeiro, no caso, porque é o jeito mais notório de você ver que a pessoa é responsável, mais fácil. Se ela sempre cumpre horários, você tem aquela noção de que ela é responsável.”

“Toda atividade que a gente tiver fazendo no dia-a-dia nosso aqui da Academia ela encobre um grau de responsabilidade. Toda atividade: desde o preparo físico, até uma missão que recebe do capitão, o estudo, toda função, por mais simples que ela seja, ela tá envolvendo uma responsabilidade, porque vai exigir o seu comprometimento pra poder cumprir a missão.”

“Tem cadete na companhia que tem dificuldade em corrida, sempre teve. Mas a gente sempre vê ele se esforçando e dando o melhor dele. Então eu acho que ele pode até ficar de recuperação, mas a gente sabe que ele se esforçou, que ele tem a responsabilidade de treinar e superar o limite dele, independente se ele ficou em recuperação ou não, independente do resultado.”

Quadro 4 - Citações extraídas dos grupos focais com cadetes do 1º Ano

128

Nos grupos focais realizados com cadetes do 4º Ano, o cadete responsável foi

definido como o que cumpre suas tarefas, obrigações, compromissos e horários. Ou seja, ele

cumpre as obrigações decorrentes de sua função na organização, atinge os resultados que são

esperados em seu papel. Tal indivíduo transmite uma imagem de credibilidade, devido ao seu

comprometimento com as atribuições e com o grupo.

O cumprimento de prazos e horários é confirmado como indicador da

responsabilidade, pois é encarado como uma obrigação pelos cadetes do 4º Ano. Além disso,

é inerente ao cumprimento das tarefas, que têm um prazo a ser seguido. A resposta ligada ao

cumprimento de tarefas sem necessidade de fiscalização foi relativizada pelos participantes.

Considera-se que o fato de estarem inseridos em uma instituição hierarquizada implica

necessariamente uma relação de subordinação e fiscalização, mesmo que indireta. Porém, os

cadetes concordam que aquele que apenas apresenta a conduta esperada sob fiscalização

direta não é responsável. O ideal da responsabilidade é que o indivíduo aja da forma esperada

mesmo quando aumentar seu grau de liberdade, isto é, quando diminuir a vigilância sobre si.

Assumir as conseqüências de seus atos também é um indicador de responsabilidade, pois o

cadete responsável responde por tudo o que ocorre em sua esfera de atribuições, sem tentar se

esquivar.

A resposta ligada a falar à verdade foi considerada por uma parcela dos cadetes

como mais relacionada à honestidade do que à responsabilidade, enquanto outra parcela

corroborou a idéia de ser este um comportamento inerente à responsabilidade, pois também

estaria relacionado ao papel do cadete. As tendências mais fracas de resposta foram

justificadas como menos observáveis no cadete, por exemplo, quanto ao relacionamento com

subordinados, ou como sendo relacionadas a outros atributos, por exemplo, à dedicação.

Quanto à resposta de menor freqüência, considera-se que não seria necessário cumprir “todas”

as atribuições e normas para ser responsável, e sim os principais aspectos ligados à tarefa. Os

Quadros 5 e 6 ilustram as idéias apresentadas pelos cadetes do 4º Ano nos grupos focais.

“O que o cadete acredita é isso, que ser responsável é isso, é você cumprir as coisas sem fiscalização”.

“Numa instituição como o Exército, já faz parte a fiscalização. Pode não haver uma fiscalização direta, mas de alguma forma ele estará sendo fiscalizado.”

“Pode não estar sendo fiscalizado no momento. Se houver algum problema com a faxina, se questionará: ‘Quem é o faxineiro? Quem é o chefe de apartamento? Ou seja, quem é o responsável por isso?’ O cadete se preocupa, por exemplo, com a faxina, porque ele é o faxineiro, ou é o chefe de apartamento, e de alguma forma ele estará sendo fiscalizado por isso.”

Quadro 5 - Citações extraídas dos grupos focais com cadetes do 4º Ano

129

“Você pode confiar. Pode dar uma missão pra ele que sabe que ele vai cumprir.”

“Cumpre e assume a responsabilidade. Não é porque ele errou que ele vai dizer que não foi ele, que não sabia... Ele não se esquiva, assume que foi ele que fez as coisas.”

“Ele cumpre as tarefas e assume aquilo que está atribuído a ele.”

“Eu acho que pra ter responsabilidade mesmo você tem que cumprir horário. Mas aqui na Academia a gente é muito martelado por causa de horário. Toda a atividade que tem aqui, é horário. Tem o rancho, você não pode chegar atrasado, tem que cumprir horário... Então eu acho que acaba criando essa cultura do horário.”

“Tem dois caras no meu apartamento que estão sempre atrasados, que nunca entram em forma na hora, o xerife tá sempre no sanhaço por causa deles. São irresponsáveis.”

“Eu acho que está ligado a obrigações. É obrigação cumprir prazos e horários. Aí é responsabilidade. Tá bem interligado.”

“Por exemplo, tem um cadete no comando que aciona o grupo para entrar em forma, dois simplesmente não entram; faltou compromisso com o grupo. Porque quem vai ser punido não serão os dois que não entraram, mas o chefe de turma que não controlou as faltas, que não acionou para entrar em forma... É um compromisso com o grupo.”

“Ali vai ficar tipo um resumo: o cadete responsável é aquele que cumpre os horários, que cumpre suas obrigações, que aceita os resultados do que fez...”

“Não se esquiva. Aí quando ele sabe que é o faxineiro, aí o cara viu que por algum motivo o apartamento lá tava sujo, aí ele vai chegar lá na hora da conversa com o capitão e dizer: ‘Não, não fui eu’... Não. Ele é o faxineiro, não importa, ele tinha que deixar tudo limpo.”

Quadro 6 - Citações extraídas dos grupos focais com cadetes do 4º Ano

Comparando-se as idéias apresentadas nos grupos focais por cadetes do 1º e do

4º Anos, podemos confirmar a hipótese, levantada na etapa quantitativa da pesquisa, de que

não houve significativas mudanças no conceito de responsabilidade dos cadetes ao longo do

processo de socialização. No entanto, embora o núcleo central do conceito se mantenha o

mesmo, o enfoque parece sofrer alguma modificação. Para os cadetes do 1º Ano, a

responsabilidade está fortemente associada à disciplina, à atitude de cumprir todas as

atribuições que recebem e de atender a todas as expectativas que neles são depositadas. Para

os cadetes do 4º Ano, essa relação não é tão direta e já surge uma preocupação com a

autonomia no desempenho de suas funções. Tal preocupação se expressa em questões ligadas

à necessidade de fiscalização de sua conduta. Embora reconheçam que como cadetes são

constantemente fiscalizados, vislumbram seu futuro próximo como oficiais na tropa e definem

que o indivíduo efetivamente responsável manterá seu padrão de desempenho, mesmo quando

não estiver mais sob estreita vigilância.

No grupo focal realizado com tenentes, composto por oficiais que atuavam

junto ao 1º e ao 4º Anos, evidenciou-se uma diferença entre os aspectos valorizados quanto ao

130

perfil do cadete responsável. As expectativas dos oficiais do 1º Ano em relação aos cadetes

corroboraram as respostas de maior freqüência apresentadas no questionário, ao passo em que

os oficiais do 4º Ano destacaram a importância de uma resposta de menor freqüência, ligada a

evitar riscos desnecessários aos subordinados. Tal situação foi justificada pelo fato de os

cadetes do 4º Ano possuírem uma atuação mais intensa em funções de comando e estarem

mais próximos da formatura, de modo que o aspecto relacionado ao seu papel junto a

subordinados é mais destacado pelos oficiais.

A tendência de resposta relacionada ao cumprimento de prazos e horários foi

considerada como um aspecto muito superficial, não suficiente para caracterizar que um

cadete é responsável. No entanto, os tenentes admitiram que este é o comportamento mais

facilmente observado no dia-a-dia em relação aos cadetes, pois acarreta que estes se

destaquem do grupo quando deixam de cumpri-lo. A segunda e a terceira tendências de

resposta de maiores freqüências foram consideradas como as mais relevantes no tocante à

responsabilidade, definindo o que se espera do oficial formado na AMAN. Isto é, o cadete

responsável é aquele que cumpre as tarefas que lhe são delegadas, sem necessidade de

fiscalização, e que assume as conseqüências do que faz, independentemente de quais sejam. O

indivíduo responsável não atua apenas quando fiscalizado, por medo, mas age por estar

comprometido com suas tarefas. No entanto, esta atitude é de difícil observação pelos oficiais

em relação aos cadetes, pois estes são constantemente fiscalizados na AMAN. O

comportamento de cumprir as tarefas da melhor forma possível não é suficiente para

caracterizar a responsabilidade, na opinião dos tenentes. É necessário que o indivíduo assuma

um compromisso com o cumprimento das tarefas e com as conseqüências que advierem de

suas ações.

Ao comparar as posições apresentadas pelos tenentes com as evidenciadas

pelos cadetes em geral, confirmamos a observação efetuada em relação aos dados

quantitativos. Ou seja, o conceito nuclear de responsabilidade apresentou-se muito

semelhante, situando-se em torno do comprometimento com as atribuições funcionais e da

assunção das conseqüências das próprias ações. Também os tenentes enfatizaram a

concepção, já apresentada pelos cadetes do 4º Ano, ligada à necessidade de autonomia do

indivíduo no cumprimento de suas tarefas, ou seja, à relação entre responsabilidade e ausência

de fiscalização. Entretanto, assim como os cadetes em geral, também o grupo dos tenentes

constatou a dificuldade de observação das condutas essenciais da responsabilidade no

cotidiano da AMAN, em função do excessivo controle exercido sobre os cadetes.

131

No grupo focal realizado com capitães, destacou-se que as duas respostas de

maior freqüência resumem o perfil do cadete responsável: assume as conseqüências do que

faz, independentemente de quais sejam, e cumpre as tarefas que lhe são delegadas sem

necessidade de fiscalização. O cumprimento de prazos e horários é interpretado pelos capitães

como inerente ao cumprimento das tarefas, conforme ilustrado no Quadro 7.

“O cumprimento de prazos e horários requer um planejamento prévio do cadete. Se ele é chefe de turma, ele vai ter ‘N’ destinos dos outros cadetes. Então uma tarefa, uma coisa simples, como passar uma relação de graus da turma, mas tem um cadete que tá baixado no HE; no HE ele não tem acesso a qualquer momento, ele tem um horário certo pra entrar lá. Então antes de achar que ele pode fazer aquilo na última hora, tem que ter um planejamento prévio: como é que eu vou cumprir? Então daí que a gente vê se ele se dedicou com afinco pra cumprir aquela tarefa. E não aparecer com aquela desculpa no final: ‘ah, parcialmente...’ Não foi cumprida.”

Quadro 7 - Citação extraída de grupo focal com capitães

A resposta de menor freqüência, ligada a evitar riscos desnecessários para seus

subordinados, é considerada por estes participantes como diretamente relacionada à

responsabilidade. Porém, este aspecto não é freqüentemente observável na conduta dos

cadetes, uma vez que estes, ao longo de sua formação, poucas vezes possuem

responsabilidade direta sobre subordinados, o que justifica a fraca incidência da resposta no

questionário.

Ao comparar as tendências de pensamento dos capitães com as tendências dos

grupos anteriormente apresentados, compostos por cadetes e tenentes, novamente constatamos

a linearidade das idéias relacionadas à responsabilidade. Analisaremos este fato mais

detalhadamente após a apresentação dos demais dados relacionados a este valor.

5.2.2 Percepção das mudanças ocorridas com a formação militar

A percepção das mudanças ocorridas com os cadetes quanto à

responsabilidade, após o ingresso na formação militar, foi enfocada pela segunda pergunta do

questionário. A seguir, serão apresentados os resultados das etapas quantitativa e qualitativa

da pesquisa referentes a este tópico.

132

5.2.2.1 Resultados da etapa quantitativa

Ao analisar comparativamente as respostas de cadetes do 1º e do 4º Anos sobre

as mudanças ocorridas em sua responsabilidade após o ingresso na vida militar (Tabela 8),

observamos que a maioria dos cadetes de ambos os grupos considera que mudou para melhor,

ou seja, que se tornou mais responsável devido às experiências vividas na formação militar.

Tal tendência de resposta é ainda mais intensa entre os cadetes do 1º Ano, sofrendo uma

pequena redução no 4º Ano. Neste grupo, a tendência ligada à ausência de mudança em

função da experiência militar apresenta um ligeiro aumento. Aparentemente, os cadetes, tanto

no início como ao final de sua formação, representam a formação militar como uma

experiência positiva no tocante à responsabilidade.

Tabela 8 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 2

Questão 2 – Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua responsabilidade? Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Mudou para melhor. 81,50 Mudou para melhor. 72,49 Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. 17,92 Permaneceu igual ao que era antes, na

vida civil. 24,87

Mudou para pior. 0,58 Mudou para pior. 2,65

Comparando as tendências de resposta apresentadas por cadetes em geral às

tendências apresentadas por tenentes (Tabela 9), observamos que a perspectiva destes últimos

sobre os efeitos da formação militar mostra-se ainda mais positiva. A totalidade dos tenentes

que responderam ao questionário considera que os jovens mudam para melhor em relação à

responsabilidade, após o ingresso na vida militar.

Tabela 9 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 2

Questão 2 - Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua

responsabilidade?

Questão 2 - Depois do ingresso na vida militar, o que costuma ocorrer em relação à

responsabilidade dos jovens (cadetes)? Cadetes (n = 362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Mudou para melhor. 76,80 Muda para melhor. 100,00 Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. 21,55 Permanece igual ao que era antes, na

vida civil. 0,00

Mudou para pior. 1,66 Muda para pior. 0,00

133

Situação semelhante verifica-se na comparação entre as respostas de cadetes e

capitães (Tabela 10), já que a maioria destes avalia positivamente os resultados da formação

militar quanto ao desenvolvimento da responsabilidade pelos jovens.

Tabela 10 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 2

Questão 2 - Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua

responsabilidade?

Questão 2 - Depois do ingresso na vida militar, o que costuma ocorrer em relação à

responsabilidade dos jovens (cadetes)? Cadetes (n = 362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Mudou para melhor. 76,80 Muda para melhor. 93,75 Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. 21,55 Muda para pior. 6,25

Mudou para pior. 1,66 Permanece igual ao que era antes, na vida civil. 0,00

5.2.2.2 Resultados da etapa qualitativa

Conforme levantado nos grupos focais, o ingresso na formação militar

representou um marco em relação à responsabilidade dos cadetes do 1º Ano. Para muitos, este

caminho acarretou sair da casa dos pais e, conseqüentemente, assumir mais diretamente

determinadas decisões. Ao ingressar no Exército, a maioria dos jovens passou a enfrentar uma

carga maior de exigências, ligada ao desempenho de diversas atividades e à cobrança quanto a

resultados. O fato de não corresponderem a determinadas expectativas institucionais passou a

significar, para eles, enfrentar conseqüências negativas: ser punido disciplinarmente, ser

responsabilizado por prejuízos sofridos por companheiros ou por atrapalhar a execução de

determinada atividade. Ao mesmo tempo, passaram a estar submetidos a um discurso que

valoriza um padrão de atitudes e legitima comportamentos, com base na configuração da

identidade militar. A compreensão da importância destas atitudes no contexto militar serviu

de estímulo para os cadetes buscarem adotá-las, visando seu ajustamento à organização.

Algumas destas idéias encontram-se ilustradas nos Quadros 8 e 9. “Mudou que a gente se adaptou a um sistema, a uma instituição onde tem uma carga muito maior de atividades, e você tem que cumprir essas atividades. Então pra cumprir elas você não mudou da noite pro dia: passou um ano na EsPCEx ali se adaptando, agora nesse caso agora nosso de final de ano, passamos um ano aqui na Academia... E isso vai mudando a pessoa todo dia, ela não mudou de um dia pro outro, mas ela aprendeu a cumprir todas essas atividades dela. Aí eu acho que isso ele aprendeu a responder, aprendeu a cumprir todas as suas atribuições, aí eu acho que por isso aumentou a responsabilidade dele.”

Quadro 8 - Citações extraída de grupos focais com cadetes do 1º Ano

134

“Eu acho que o grau de independência nosso também, pelo fato de sair de casa, não que a gente seja independente ainda, mas o fato de darem mais uma corda pra gente, a gente já fazer as nossas coisas por nós mesmos, eu acho que vai aumentando a responsabilidade. A partir do momento que já não tem mais pai e mãe ali em cima de você o tempo todo, você tem uma liberdade um pouco maior pra fazer determinadas coisas, escolher o que quer fazer, mesmo sendo restrito de certa forma, mas eu acho que isso aí, o fato de te dar um pouco mais de corda, você começa a pensar mais sobre os seus atos e tem a responsabilidade de saber o que é certo e o que é errado pra você fazer e arcar com as conseqüências.”

“Esse negócio é importante, porque em casa você tem a mãe e o pai pra caso você faça alguma coisa de errado, eles vão responder pelos seus atos ali, de uma forma ou de outra você tá dentro da responsabilidade deles em casa. Agora aqui é você respondendo pelos seus atos ali e cabou. Você vai tar ficando punido fim-de-semana...”

“Eu sempre chegava atrasado: na aula, no namoro... Em tudo eu chegava atrasado. Aí um dia na EsPCEx, cheguei atrasado no rancho, levei cinco dias de I.A.... Aí você vai vendo: quando você vai chegando atrasado, eles não vão mudar o critério, só aumentando a minha punição, então você começa a ter que mudar. Depois que você viu que você conseguiu mudar pra aquilo, você acaba refletindo na sua vida civil: pô, eu consegui mudar aqui, por que não vou mudar lá fora?”

“Até o fato de você ver a conseqüência da sua falta de responsabilidade. Se eu cheguei atrasado na aula, quem vai perder matéria, quem vai perder ponto, sou eu. Agora, por exemplo, na Adaptação, a gente ia na Ala Mista, pô, a gente chegava atrasado, tava todo mundo lá pagando: sentando, levantando... Por quê? Por falta de responsabilidade nossa, de chegar atrasado. Então, não é eu que tou sofrendo, quem tá sofrendo é o meu companheiro, então eu acredito que esse tipo de coisa também ajuda na responsabilidade, melhorou pra maioria.”

Quadro 9 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

Nos grupos focais realizados com cadetes do 4º Ano, os participantes

confirmaram a tendência majoritária de pensamento expressa no questionário, ligada à

mudança para melhor de sua responsabilidade com a vivência da formação militar. O aumento

de atribuições e cobranças representou um diferencial em relação à sua vida anterior, que

estimulou o desenvolvimento da responsabilidade. Ao mesmo tempo, com o ingresso na

carreira militar, os jovens passaram a fazer parte de um grupo, que valoriza a responsabilidade

de seus membros quanto aos interesses comuns, o que os conduz a se esforçarem para

corresponder a tal expectativa. A evitação de conseqüências negativas, que geralmente

significam punições para si próprios ou para companheiros, também incentiva os cadetes a

cumprirem suas atribuições.

A segunda tendência de resposta, segundo a qual a responsabilidade

permaneceu igual ao que era antes do ingresso na formação militar, foi relacionada pelos

participantes ao fato de muitos indivíduos já possuírem uma conduta responsável em sua vida

civil. Porém, com o ingresso na carreira militar, tiveram que se adaptar às exigências da

Instituição e às atribuições inerentes ao novo papel. Ainda assim, o consenso entre os cadetes

do 4º Ano é que a maioria das pessoas melhora em sua responsabilidade com a formação

militar, pois se tornam mais preocupadas em cumprir determinadas atribuições e a

corresponder ao que é esperado pela organização.

135

“Eu acho que é por causa do grupo. Porque na realidade todo mundo vai andar na AMAN estando com o grupo. Até pode ter uma situação em que eu não vou tar no grupo, mas você sabe que há algum fato, bem ou mal algum fato, que daqui a pouco você vai voltar no grupo. Então o teu comprometimento com o grupo não é um gesto ‘bonito’, vamos dizer assim... desinteressado, simplesmente desinteressado (óbvio), é uma troca, no fundo, no fundo não deixa de ser uma troca: eu te ajudo porque você vai me ajudar.”

“Além de ser com o grupo, eu acho que é também por causa da cobrança e da fiscalização. Porque desde o 1º Ano eles te dão tarefas pra fazer e te fiscalizam, aí aos pouquinhos você começa a melhorar a responsabilidade de acordar no horário, de fazer o que é certo... Isso ajuda a desenvolver a responsabilidade.”

“Eu acho que muito da responsabilidade já vem de família. Mas eu acho que aqui você se adapta a receber muitas atividades e a cumprir todas elas, você tem muitas atribuições a cumprir. Quanto a gente tava na vida paisana a gente não tinha tantas atribuições. Você podia até ser responsável, mas não tinha uma carga tão grande quanto aqui dentro da Academia. Na Academia tem muita coisa, então você acaba desenvolvendo a flexibilidade e ganha mais responsabilidade por várias coisas.”

“O chefe de turma. O chefe de turma tá sempre no perrengue, no sanhaço pra tirar as faltas. Você vê o camarada que antes atrasava, e ele, dentro disso que a senhora disse, ele vai pensar duas vezes, quando não for chefe de turma, em chegar atrasado. Porque ele sabe que o chefe de turma vai ser punido por causa disso. E o cara que não tinha compromisso com horário, ele vai passar a ter, porque ele viu que o cara que não tem compromisso com o horário, vai prejudicar o chefe de turma. Então ele passa a ter compromisso com horário pra não se prejudicar, pra não se punido, e por causa do compromisso com o grupo também. O chefe de turma é um membro do grupo.”

“A gente faz parte de um grupo, o que a gente não tinha antes.”

“E também... Tem as tarefas que são atribuídas a você e isso é fiscalizado, é cobrado se você fez tudo, e isso tudo tá valendo conceito, pô, outras coisas que mostram que o cara é responsável, ou... vai ficar punido direto.”

“É fiscalizado e, aqui dentro, são todos responsáveis. Você começa a pagar por sua irresponsabilidade. Você começa a enxergar as conseqüências daquilo que você deixa de fazer, ou que não ajudou, deixou de fazer, na realidade, você começa a enxergar os problemas que isso vai causar.”

“É... Eu acho que vai muito do final-de-semana. O farol que a gente sempre vai ter é o final-de-semana. Quando eu era 1º Ano, eu ficava lendo a lista do pessoal do 4º Ano e eu ficava olhando por que que eles ficavam punidos, por cabelo grande, porque chegou atrasado... Isso aqui eu tenho que cumprir: eles podem me punir por isso. Tem nego aí sendo punido por isso. Então aquilo ali era o meu farol. Não chegar atrasado, porque por isso eu não fico punido, cortar meu cabelo, porque por isso eu não fico punido, tenho que arrumar minha cama...” “Tem gente que melhora. Mas também tem gente que desenvolve, que se molda ao que o Exército pede. Por exemplo, tu podes ser responsável, mas não tinhas a condição de ter que levantar todo dia às seis e meia. Pô, eu posso ser responsável, mas eu não tinha horário. Porém, se agora alguém chega, tipo: ‘Fulano, tu tens que acordar todo dia às seis e meia, por causa que tu tá na parada’; daí como ele já tem um senso de responsabilidade desde o desenvolvimento dele, aí ele se molda a isso mesmo: “Não, eu tenho que cuidar das minhas funções”. Daí ele vai se aperfeiçoando dentro do que o Exército quer nas diversas funções que ele tem que cumprir.”

“O responsável, a nossa responsabilidade, pode ser uma lá fora, a responsabilidade com que ele cumpre suas tarefas... Às vezes o cara que trabalha numa empresa que não tem horário, ele trabalha a hora que ele quer. O fato de não cumprir horário não torna ele um irresponsável – dentro da atividade dele. Então o cara que tá adequado ao meio, aí ele é responsável, entendeu? E essa mudança, que óbvio que a gente vai adentrando, apurando, que as pessoas, 72% mudem - não assim: 72% eram irresponsáveis, e se tornaram responsáveis. Mas eram responsáveis, e hoje em dia são totalmente adequadas ao meio em que eles vivem.”

Quadro 10 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

136

Ao efetuar a comparação entre as tendências de pensamento dos cadetes do 1º e

do 4º Anos, podemos perceber que todos confirmam o aumento de sua responsabilidade com

a formação militar. Para os cadetes do 1º Ano, a experiência mais marcante refere-se à saída

da casa paterna e à aquisição de uma condição de maior autonomia, caracterizada também por

passarem a responder diretamente pelas conseqüências de seus atos. Para os cadetes do 4º

Ano, destacam-se mais fortemente algumas características do processo de socialização

vivenciado, relacionadas à estreita ligação com o grupo de pares e à intensa fiscalização de

suas atitudes pelos oficiais, que acarreta o cumprimento das tarefas para evitar punições. Para

todos os cadetes, um aspecto marcante da formação militar refere-se ao aumento de

atribuições e atividades em relação à sua vida anterior. Todavia, ainda não é possível precisar

até que ponto se processa um ganho qualitativo de responsabilidade pelos cadetes do 1º ao 4º

Ano da formação.

No grupo focal realizado com tenentes, os participantes corroboraram a noção

de que a responsabilidade dos jovens muda para melhor com a vida militar. No entanto,

alguns consideram que a responsabilidade “vem de berço”, ou seja, que o indivíduo necessita

trazer conceitos básicos de sua formação anterior, para que sua responsabilidade seja

modelada e direcionada aos objetivos institucionais.

Os tenentes identificam que o desenvolvimento da responsabilidade pelos

cadetes passa por avanços e retrocessos ao longo do Curso de Formação. No 1º Ano, os

cadetes vivenciam uma transição, marcada pela mudança de ambiente e pelo aumento de

cobranças, o que favorece o aumento de sua responsabilidade. No 2º Ano, os cadetes

geralmente sentem uma diminuição da cobrança por parte dos superiores, ao mesmo tempo

em que, nesta fase da formação, pouco desempenham funções de comando e não existe a

freqüente necessidade de corresponder às expectativas de subordinados. Tal contexto acarreta

um declínio da responsabilidade. No 3º Ano, os cadetes começam a assumir mais funções de

comando e passam a sentir-se cobrados por superiores e subordinados, o que provoca nova

melhora em sua responsabilidade. No 4º Ano, entra-se novamente em um “marasmo” e ocorre

novo declínio na responsabilidade dos cadetes. No início do segundo semestre, os cadetes do

4º Ano passam três semanas em unidades de corpo de tropa por todo o Brasil, realizando um

estágio de preparação específica. Após o retorno deste estágio, os tenentes observam que os

cadetes demonstram uma nova melhora em sua responsabilidade, pois viveram a experiência

de atuar como tenentes na tropa, o que modificou sua auto-imagem. Os tenentes ressaltam

que, ao chegarem à tropa, como aspirantes, os atuais cadetes serão cobrados por superiores e

137

subordinados e terão que assumir responsabilidades, ou responder por suas atitudes

irresponsáveis, inclusive juridicamente.

Os tenentes concluem que, de fato, há uma melhora na responsabilidade dos

jovens com a formação na AMAN. Porém, considerando o tempo de formação, percebem que

esse valor poderia ser melhor desenvolvido, por meio de medidas voltadas à diminuição

progressiva do controle, à delegação de atribuições aos cadetes e ao exercício de uma

fiscalização focada na análise das conseqüências das ações e na orientação.

Comparando as posições apresentadas pelos tenentes com as idéias

manifestadas pelos cadetes em geral, verificamos que, embora realizem uma avaliação global

positiva quanto aos efeitos da formação militar sobre a responsabilidade dos jovens, os

tenentes identificam oportunidades de melhoria no processo de socialização, o que até o

momento não foi manifestado pelos cadetes.

No grupo focal realizado com capitães, os participantes não apresentaram

dúvidas de que os jovens mudam sua responsabilidade para melhor com a formação militar,

confirmando a tendência majoritária de resposta ao questionário. Tal fato é constatado por

eles ao compararem cadetes com jovens civis da mesma faixa etária. Este tópico não foi muito

desenvolvido pelo grupo de capitães. Porém, veremos nas próximas questões que há alguns

pontos de contato deste grupo com as tendências de pensamento manifestadas pelos tenentes

sobre o tema.

5.2.3 Aspectos do processo de socialização que facilitam o desenvolvimento

O terceiro tópico investigado refere-se aos aspectos do processo de

socialização percebidos pelos participantes como favorecedores do desenvolvimento da

responsabilidade. A seguir, veremos os dados quantitativos e qualitativos coletados sobre o

tema.

138

5.2.3.1 Resultados da etapa quantitativa

Ao compararmos as tendências de resposta dos cadetes do 1º e do 4º Anos à

terceira questão do instrumento aplicado (Tabela 11), ressaltam-se semelhanças e diferenças.

Em primeiro lugar, salta aos olhos o fato de as três respostas de maiores freqüências

apresentarem-se idênticas nos dois grupos. Tais dados manifestam que os aspectos do

processo de socialização percebidos como mais positivos, com relação à responsabilidade,

referem-se ao desempenho de funções de comando, atribuições, funções e atividades pelos

cadetes, independentemente da fase da formação em que se encontram.

Tabela 11 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 3

Questão 3 – Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que tem auxiliado você a desenvolver sua responsabilidade ao longo do Curso de Formação da AMAN.

Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) O desempenho de funções de comando pelos cadetes. 80,35 O desempenho de funções de comando

pelos cadetes. 75,66

A delegação de atribuições e funções aos cadetes. 75,72 A delegação de atribuições e funções

aos cadetes. 73,02

As várias atividades a serem desempenhadas pelos cadetes. 62,43 As várias atividades a serem

desempenhadas pelos cadetes. 67,20

A confiança depositada no cadete pelos oficiais. 56,65

O tratamento dos cadetes de acordo com seu grau de maturidade, aumentando progressivamente suas prerrogativas e responsabilidades.

58,20

A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e obrigações pelo cadete.

52,60 A confiança depositada no cadete pelos oficiais. 45,50

O tratamento dos cadetes de acordo com seu grau de maturidade, aumentando progressivamente suas prerrogativas e responsabilidades.

52,60 A liberdade do cadete para realizar atividades por conta própria. 41,80

A punição dos que não cumprem com suas responsabilidades. 38,15

A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e obrigações pelo cadete.

38,62

A liberdade do cadete para realizar atividades por conta própria. 35,26 A punição dos que não cumprem com

suas responsabilidades. 36,51

O acompanhamento constante dos oficiais às ações dos cadetes. 28,90 O acompanhamento constante dos

oficiais às ações dos cadetes. 17,46

A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. 10,98 A intensa diretividade (condução e

controle) dos oficiais nas atividades. 7,94

A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. 7,51 A preocupação dos oficiais em evitar o

erro do cadete. 6,88

Por outro lado, as tendências subseqüentes nas respostas dos cadetes do 1º

Ano, que apresentam freqüências acima de 50%, referem-se à confiança neles depositada

139

pelos oficiais, à cobrança constante quanto ao cumprimento de obrigações e ao tratamento que

atribui progressivamente mais responsabilidades aos cadetes.

Os cadetes do 4º Ano, por sua vez, não atribuem expressiva valorização à

cobrança exercida pelos oficiais. Ao contrário, parecem valorizar mais a aquisição de

autonomia, pois a única resposta que apresenta freqüência acima de 50%, além das três

primeiras, refere-se ao tratamento de aumento progressivo das prerrogativas e

responsabilidades.

Destacam-se ainda as três respostas de menores freqüências nos dois grupos,

também idênticas, relacionadas ao controle exercido pelos oficiais em relação às ações dos

cadetes. Tal aspecto do processo de socialização é fracamente percebido pelos cadetes como

auxiliador no desenvolvimento de sua responsabilidade.

Na análise comparativa das tendências de resposta de cadetes e tenentes à

Questão 3 (Tabela 12), destacam-se convergências e divergências nas percepções dos dois

grupos. A delegação de atribuições e funções aos cadetes e o desempenho de funções de

comando aparecem nos dois casos como os aspectos mais fortemente percebidos como

facilitadores do desenvolvimento da responsabilidade. Outro aspecto que também apresenta

freqüência acima de 50% em ambos os grupos refere-se ao tratamento dos cadetes de acordo

com seu grau de maturidade, aumentando-se progressivamente prerrogativas e

responsabilidades.

No entanto, o fator ligado às várias atividades desempenhadas pelos cadetes em

sua formação é percebido como fortemente positivo pelos cadetes e, em contrapartida, não se

apresenta como muito significativo na percepção dos tenentes. O aspecto ligado à confiança

depositada nos cadetes pelos oficiais aparece com uma freqüência ligeiramente superior no

grupo dos cadetes, em comparação às respostas dos tenentes. Considerando a amostra a que se

referem os percentuais do primeiro grupo, podemos considerar que a importância deste

aspecto se amplifica junto aos cadetes.

Aspectos do processo de socialização relacionados a estratégias coercitivas

representam tendências notadamente mais fortes no pensamento dos tenentes, tais como a

cobrança dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e obrigações pelos cadetes e a

punição dos que não cumprem suas responsabilidades. Ou seja, os tenentes percebem tais

estratégias como eficazes para o desenvolvimento da responsabilidade pelos cadetes, o que

diverge da percepção dos próprios cadetes sobre seu processo de socialização.

As duas respostas de menores freqüências apresentam-se idênticas nos dois

grupos. Isto significa que a intensa diretividade exercida pelos oficiais e a preocupação destes

140

em evitar o erro dos cadetes são fracamente percebidas como aspectos auxiliadores no

desenvolvimento da responsabilidade.

Tabela 12 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 3

Questão 3 - Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo,

aquele(s) que tem auxiliado você a desenvolver sua responsabilidade ao longo do Curso de Formação

da AMAN.

Questão 3 - Tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos

abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem auxiliado os cadetes a desenvolver sua

responsabilidade ao longo do Curso de Formação da AMAN.

Cadetes (n =362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) O desempenho de funções de comando pelos cadetes. 77,90 A delegação de atribuições e funções

aos cadetes. 83,33

A delegação de atribuições e funções aos cadetes. 74,31 O desempenho de funções de

comando pelos cadetes. 72,22

As várias atividades a serem desempenhadas pelos cadetes. 64,92

O tratamento dos cadetes de acordo com seu grau de maturidade, aumentando progressivamente suas prerrogativas e responsabilidades.

66,67

O tratamento dos cadetes de acordo com seu grau de maturidade, aumentando progressivamente suas prerrogativas e responsabilidades.

55,52 A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e obrigações pelo cadete.

61,11

A confiança depositada no cadete pelos oficiais. 50,83 A punição dos que não cumprem com

suas responsabilidades. 55,56

A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e obrigações pelo cadete.

45,30 A confiança depositada no cadete pelos oficiais. 44,44

A liberdade do cadete para realizar atividades por conta própria. 38,67 As várias atividades a serem

desempenhadas pelos cadetes. 38,89

A punição dos que não cumprem com suas responsabilidades. 37,29 O acompanhamento constante dos

oficiais às ações dos cadetes. 33,33

O acompanhamento constante dos oficiais às ações dos cadetes. 22,93 A liberdade do cadete para realizar

atividades por conta própria. 27,78

A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. 9,39 A intensa diretividade (condução e

controle) dos oficiais nas atividades. 16,67

A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. 7,18 A preocupação dos oficiais em evitar

o erro do cadete. 5,56

Na comparação entre as respostas apresentadas por cadetes e capitães (Tabela

13), observamos novamente aspectos convergentes e divergentes. À semelhança da análise

anterior, identificamos quatro pontos fortes de convergência entre os grupos, ligados ao

desempenho de funções de comando pelos cadetes, à delegação de atribuições e funções, ao

tratamento dos cadetes de acordo com seu grau de maturidade e à confiança neles depositada

pelos oficiais. Vale destacar que a tendência de resposta referente ao tratamento progressivo é

significativamente superior no grupo dos capitães.

141

Para os capitães, a cobrança constante dos oficiais é o aspecto do processo de

socialização mais fortemente percebido como facilitador do desenvolvimento da

responsabilidade (freqüência de 75%), o que entra em contraste com a fraca percepção dos

cadetes sobre a importância deste fator (45%). A aplicação de punições aos cadetes que não

cumprem com suas responsabilidades também é valorizada pelos capitães, apresentando

freqüência de 62%, mais uma vez em contraste com a posição manifestada pelos cadetes, dos

quais apenas 37% reconhecem a relevância do fator.

As duas respostas de menores freqüências também coincidem nestes dois

grupos, relacionadas à diretividade excessiva dos oficiais e à preocupação destes em evitar o

erro dos cadetes, os quais se confirmam como aspectos fracamente percebidos como

auxiliadores no tocante à responsabilidade.

Tabela 13 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 3

Questão 3 - Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo,

aquele(s) que tem auxiliado você a desenvolver sua responsabilidade ao longo do Curso de Formação

da AMAN.

Questão 3 - Tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos

abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem auxiliado os cadetes a desenvolver sua

responsabilidade ao longo do Curso de Formação da AMAN.

Cadetes (n =362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%)

O desempenho de funções de comando pelos cadetes. 77,90

A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e obrigações pelo cadete.

75,00

A delegação de atribuições e funções aos cadetes. 74,31 A delegação de atribuições e funções

aos cadetes. 75,00

As várias atividades a serem desempenhadas pelos cadetes. 64,92 O desempenho de funções de

comando pelos cadetes. 71,88

O tratamento dos cadetes de acordo com seu grau de maturidade, aumentando progressivamente suas prerrogativas e responsabilidades.

55,52

O tratamento dos cadetes de acordo com seu grau de maturidade, aumentando progressivamente suas prerrogativas e responsabilidades.

68,75

A confiança depositada no cadete pelos oficiais. 50,83 A punição dos que não cumprem com

suas responsabilidades. 62,50

A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e obrigações pelo cadete.

45,30 A confiança depositada no cadete pelos oficiais. 56,25

A liberdade do cadete para realizar atividades por conta própria. 38,67 O acompanhamento constante dos

oficiais às ações dos cadetes. 43,45

A punição dos que não cumprem com suas responsabilidades. 37,29 As várias atividades a serem

desempenhadas pelos cadetes. 37,50

O acompanhamento constante dos oficiais às ações dos cadetes. 22,93 A liberdade do cadete para realizar

atividades por conta própria. 31,25

A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. 9,39 A intensa diretividade (condução e

controle) dos oficiais nas atividades. 21,88

A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. 7,18 A preocupação dos oficiais em evitar

o erro do cadete. 9,38

142

5.2.3.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais realizados, os cadetes do 1º Ano justificaram a importância

dos aspectos relacionados às tendências de resposta de maior freqüência na fase quantitativa.

Ao desempenharem funções de comando ou receberem determinadas atribuições dos oficiais,

os cadetes têm a oportunidade de ampliar seus conhecimentos sobre a organização, passando

a compreender a importância de determinados procedimentos. Além disso, experimentam um

sentimento de autonomia e valorização pessoal. Quando lhes é concedida certa liberdade para

executar uma tarefa, ao lado do crédito implícito em sua capacidade de executá-la, os cadetes

tendem a esforçar-se para atender a essas expectativas e manter uma imagem de competência

e credibilidade perante oficiais e pares. Ou seja, a resposta ligada à confiança depositada pelos

oficiais nos cadetes também apresenta correlação aqui.

Embora reconheçam a importância da cobrança constante dos oficiais quanto

ao seu desempenho nos momentos iniciais da formação, aspecto destacado por 52% dos

participantes no questionário, os cadetes do 1º Ano têm a expectativa de que seu tratamento

evolua para uma relação de confiança, baseada no reconhecimento dos esforços individuais

dirigidos ao aprendizado do papel. Quando os oficiais depositam confiança nos cadetes e

deixam de exercer o controle pormenorizado sobre suas ações, eles sentem que a

responsabilidade pelo êxito da tarefa foi compartilhada e que determinados resultados

dependem unicamente deles, o que estimula seu comprometimento. Esta posição corrobora a

maior freqüência de respostas associadas à confiança (56%) e põe em relevo o aspecto ligado

ao tratamento (52%). Porém, a ocorrência destes aspectos no dia-a-dia da formação não é

uniforme, pois varia em função do perfil de cada oficial e da postura que adota em sua

atuação junto aos cadetes.

Experiências que propiciem aos cadetes a percepção das conseqüências ou

razões de determinadas ações, embora não estejam explicitamente nominadas no questionário,

são consideradas como extremamente positivas para a responsabilidade, uma vez que levam o

indivíduo a adquirir consciência dos “porquês”, percebida como fundamental para seu

comprometimento com determinada linha de conduta. Nesse sentido, a liberdade para o

indivíduo agir e constatar as conseqüências de seus atos é considerada pelos cadetes do 1º

Ano como mais eficaz do que a cobrança constante, pois propicia o desenvolvimento de

condutas conscientes e não apenas movidas pelo desejo de evitar a punição, o que não

143

caracterizaria a responsabilidade. No Quadro 11, podemos observar exemplos de falas

surgidas nos grupos realizados.

“Ele tava na massa, tava errando, aí ele foi pra xerife, aí ele viu o quanto é importante entrar em forma na hora, se não vai deixar o xerife no barro, não vai tirar falta e vai ser torrado.”

“A função de comando faz o cara amadurecer mais rápido.” “O mais importante disso daí eu acho que é a confiança do oficial no cadete, porque isso faz com que o cadete comece a enxergar o que é importante. O oficial começa a valorizar não só a massa, mas cada um dos cadetes.”

“Eu acho que uma coisa que é importante aí, não que seja a mais importante, mas uma coisa que é muito importante é essa confiança depositada no cadete pelos oficiais. Eu acho que a partir do momento que o oficial te dá o apoio ali, ele confia no trabalho do subordinado dele, o subordinado vai olhar: ‘Pô, ele tá colocando a confiança dele em mim, então eu vou responder à altura, eu quero corresponder à expectativa do superior, fazer tudo certo, mostrar que eu sou capaz’. Principalmente mostrar que é capaz de cumprir as missões.”

“A partir do momento que ele tem a consciência do que é certo pra você, você tem um motivo pra você realmente fazer aquilo ali, não é só porque tão te mandando que você tem que fazer aquilo ali. Porque realmente aquilo ali tem um motivo. A partir do momento que ele consegue discernir isso daí, eu acho que você contribui pra desenvolver essa responsabilidade.”

“Eu acho que isso auxilia muito no desenvolvimento da responsabilidade, porque a partir do momento que tem um tratamento X por parte dos oficiais, porque ele é um cadete responsável, ele não vai querer perder aquela credibilidade que ele já alcançou uma vez com os oficiais, com a companhia, com o grupo. Então isso auxilia muito. Se eu sei que os oficiais confiam em mim, que eu tenho essa credibilidade com eles, então ele vai sempre fazer o certo pra manter essa credibilidade.”

“Eu acho que esse tratamento de acordo com o grau de maturidade tem dois extremos: o primeiro extremo seria a cobrança e o outro seria, no caso, a confiança. Eu acho que vai evoluindo, conforme o instrutor vai conhecendo o subordinado, vai trabalhando junto, que ele sabe quais são os conhecimentos que ele tem... Eu acho que esse tratamento vai evoluindo, mas isso varia de acordo com o critério do próprio superior. De repente, o subordinado já tá pronto pra receber uma missão, pra executar um tiro ou um lançamento de granada, e ele acha que não, o contrário. Então essa progressividade ocorre, mas a velocidade com que ela ocorre depende do critério do superior.”

“Outra coisa que dá pra ver assim que a responsabilidade, por exemplo, tá envolvida com a experiência e com a maturidade do cadete é que, por exemplo assim, se liberarem a plataforma de dez metros ou a plataforma em geral pra salto, se tu for ver, é muito mais fácil tu encontrar cadete do 1º Ano saltando do que um cadete do 4º Ano. Porque o 4º Ano já viu as coisas que podem agravar, já viu companheiro de turma que aconteceu coisa, questão da maturidade e da experiência. Agora o 1º Ano, não. O 1º Ano não sabe os riscos. Até às vezes sabe, mas questão de aventura e tal, ele vai ali e vive aquele risco. Agora o 4º Ano, por exemplo, já teve um companheiro que deslocou o ombro, tem o TAF daqui dez dias, tem um monte de coisas pra fazer, quer chegar com a turma no aspirantado... Ele sabe e não quer mais essa situação aí.”

“A cobrança inicialmente eu acho que ela é necessária. Porque se você der a confiança logo, muitos não vão entender, vão responder de forma negativa. Então, eu acho que a cobrança, inicialmente, é necessária. Aí vai diferenciar: pode relaxar e adquirir uma confiança, e pode voltar de novo pra cobrança. Depende da resposta.”

Quadro 11 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

Nos grupos focais realizados com cadetes do 4º Ano, confirmaram-se as

tendências de pensamento expressas na fase quantitativa. O desempenho de funções de

144

comando, tendência mais forte de resposta, impõe aos cadetes atribuições diferenciadas em

relação aos demais, o que os estimula a se dedicarem ao seu cumprimento. Nessas funções, os

cadetes são levados a perceber as conseqüências de suas ações sobre o grupo e a preocupar-se

com sua imagem diante dos demais. Os cadetes do 4º Ano destacaram que, para efetivamente

desenvolverem a responsabilidade, é necessário que o cadete em função de comando tenha

certa autonomia para tomar decisões, de forma que não seja excessivamente dirigido pelos

oficiais em suas ações.

O desempenho de diversas funções, tarefas e atividades estimula os cadetes a

corresponderem às expectativas neles depositadas. As várias atividades que os cadetes têm

que desempenhar na AMAN, as quais apresentam reflexos sobre o rendimento acadêmico,

incentivam-nos a buscar cumprir todos os seus compromissos.

O tratamento compatível com o grau de maturidade dos cadetes proporciona ao

4º Ano “liberdade para trabalhar”, contribuindo para que se sintam responsáveis pelos

resultados de suas ações. Porém, tal liberdade deve ocorrer progressivamente ao longo da

formação. Os cadetes do 4º Ano acreditam que a formação na AMAN deve ser iniciada com

intensiva cobrança, pois no 1º Ano os cadetes necessitam assimilar os padrões militares,

baseando-se em determinados modelos. Gradativamente, ao longo do Curso, deve aumentar a

liberdade dos cadetes, a fim de poder ser avaliada a internalização dos comportamentos

esperados e efetuada uma intervenção mais individualizada sobre os cadetes que não

corresponderem ao esperado. O tratamento diferenciado dos cadetes mais antigos, em relação

aos mais modernos, contribui para que aqueles se sintam responsáveis por transmitir uma boa

imagem profissional aos demais. No entanto, esse tratamento diferenciado ao longo dos anos,

embora seja percebido como um fator que auxilia no desenvolvimento da responsabilidade,

vem ocorrendo de forma pouco sistemática na AMAN. Na maioria das situações, os cadetes

percebem que ele ocorre pontualmente, de acordo com o perfil dos oficiais, especialmente

comandantes de companhia e de pelotão.

O aumento do grau de liberdade dos cadetes é associado à confiança, aspectos

destacados por mais de 40% dos participantes na fase quantitativa. Os cadetes sentem que

quando um oficial manifesta confiança neles, são estimulados a agir com responsabilidade.

Isso ocorre, entre outros fatores, porque os cadetes desejam manter sua credibilidade,

garantindo dessa forma a liberdade conquistada. A confiança também os faz se sentirem

“prestigiados”, isto é, valorizados em suas capacidades.

A cobrança constante em relação a padrões de conduta é percebida como

positiva para o desenvolvimento da responsabilidade, embora tenha apresentado uma

145

freqüência relativamente baixa nas respostas ao questionário (38%). Para os cadetes do 4º

Ano, o ideal é que a cobrança seja acompanhada da compreensão da importância de agir de

determinada forma, pois isso aumentaria a probabilidade da conduta ser mantida quando não

houver mais cobrança direta.

Os aspectos do processo de socialização ligados ao intenso controle dos

cadetes pelos oficiais, expressos nas três respostas de menor freqüência na fase quantitativa,

sob o ponto de vista dos cadetes, pouco auxiliam no desenvolvimento de sua responsabilidade

e podem, inclusive, converter-se em obstáculos. Nos Quadros 12 e 13, vemos alguns

exemplos de falas dos cadetes do 4º Ano sobre a temática abordada.

“Essa primeira aí bate bem, mesmo, como o que auxilia, porque quando você assume uma função de comando, você trabalha daí com o que é da companhia: faz arranchamento, faz escala de serviço, faz pedido de material, faz parte de material... Como a pessoa é responsável, acaba dando tudo nessa parte da companhia.”

“O início do quarto ano exemplifica bem isso daí. O cara tá longe, tem que dizer que tá no mês de janeiro, né, e acha que ainda tá longe pra chegar em março. Então tem monografia, tem TAF, tem prova da DE, e quando o cara vê, falta uma semana pra entregar a monografia! Tem muita coisa na Academia no início do quarto ano, então o cara ... aumenta a responsabilidade dele.”

“Outra coisa que ocorre muito é no período de TAF, eu vi no terceiro ano. Então, por exemplo, o TAF já acabou, você não deve mais nada pra DE... Só que tem muita gente que tá com dificuldade e, pô, vai correr... Não tem um oficial fiscalizando o teu tempo que você está correndo, vendo como você está fazendo, e, pô, na SEF sempre tem um aspirante correndo, fazendo barra...”

“O Curso [...] teve aquela palestra com aquele pessoal do segundo ano. Daí uma parte da palestra ficou com os cadetes do quarto ano. Daí o instrutor teve confiança no tratamento. Todo o quarto ano depois da janta iria lá pro AGM pra assistir. Mas eu cheguei para o capitão, eu tinha que resolver um negócio do meu carro, eu cheguei pra ele, às cinco horas, e disse. E tinha que tar acho que dez pras sete no AGM. Tudo bem. Dez pras sete eu tava no AGM. E, não falaram pra tirar faltas, não fez nada e tipo: foi uma confiança que ele me deu. Foi uma liberdade que ele me deu e confiou em mim. Chegou lá eu cumprimentei ele, ele nem deu bola, falou assim: ‘Ah, beleza...’.”

“Quando acontece [o tratamento dos cadetes de acordo com seu grau de maturidade], é positivo... Cinqüenta e oito responderam, porque... cada cadete na Academia tem a sua trajetória. Desde a companhia X em que ele estava no Básico, aí ele foi pro Avançado pra uma companhia... ‘especial’, aí chegou no terceiro ano ele teve um tratamento X, chegou no quarto ano... Não necessariamente foi uma crescente, entendeu? E essa crescente, por mais que ela seja uma crescente, a gente vê que a gente fica muito na dependência do comandante de pelotão e do comandante de subunidade.”

“Um exemplo de um padrão gradativo: do primeiro ao terceiro ano tem o cartão de cabelo, com prazo, pro cadete toda semana cortar cabelo, o quarto ano não tem... Então foi gradativo: no quarto ano você tem a responsabilidade, você sabe que tem que cortar o cabelo, não precisa do cartão de cabelo pra comprovar que você cortou. Eu acho que essa também é uma forma de demonstrar a ele o quanto aumentou o seu grau de responsabilidade.”

“Porque a liberdade... eu acho que ela não auxilia a responsabilidade. Ela vê quem tem e quem não tem. O que dá a responsabilidade é a cobrança. Que nem no que ele quis dizer e não disse... A cobrança durante três anos fez ele ter a responsabilidade. Mas como que ele vai mostrar se é responsável ou não? Quando tiver liberdade.”

Quadro 12 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

146

“Outro ponto que eu acho que tem que falar aqui é que a pesquisa da senhora é com relação a todo o Curso da AMAN, mas o que a gente tá falando aqui é do 4º Ano. Por exemplo ali, a falta de liberdade do cadete, não quer dizer que tem que ter liberdade durante todo o Curso da AMAN. É um processo gradativo: no 1º Ano, o indivíduo não tem que ter liberdade, tem que ser conduzido, e vai ganhando liberdade conforme o passar das coisas.”

“Tem que entender também que é uma coisa gradativa. Eu acho que no primeiro ano o cara tem que aprender as normas, tipo, tem que ser um pouco mais rígido, pra eu chegar no quarto ano - isso é o que deveria acontecer, não acontece – chega no quarto ano, chega assim ó: ‘Atenção, ô, aspira, trinta dias fora, então, ó, retorno: alvorada’. Quem não chegar na alvorada, pau, recebe punição, porque o cara sabe das atribuições, aí se vê se o cara é responsável. Mas se desde o primeiro ano ocorre isso, vai dar algum problema.”

“Esse negócio do indivíduo, eu acho que o indivíduo é o seguinte: tem indivíduos, de criação assim, que tem... tem vários tipos de pessoas. Tem aqueles que eram responsáveis, mesmo vivendo num ambiente que não cobra, e mesmo assim são responsáveis. Tem aqueles que vão se portar de acordo com a cobrança, que eu acho que é a maioria de nós, eles criam a maioria porque, tava aquilo ali, e o meio fez ele ser mais responsável. E tem aquela minoria que era irresponsável, e mesmo com cobrança e tal ele vai continuar sendo irresponsável, porque isso é coisa do indivíduo. Não é todo mundo, é cada um: tem gente que vai influenciar, tem gente que [não] vai influenciar, tem gente que já era responsável e vai continuar sendo independente do meio. Mas, de qualquer forma, vão seguir...”

“Não é nem só a imagem... Como a gente vive num sistema de cobrança, quando a gente tem o gosto pela liberdade e é dada uma confiança... Como a gente vê, por exemplo, hoje... eu sou uma pessoa então que... tenho credibilidade. Então, eu não quero perder a credibilidade. Eu faço de tudo para manter a credibilidade.

“O tenente fala: ‘Tou pagando isso aqui pra você, ó...’ Tipo: ‘Tu desemboca aí tranqüilo’. Tu vai lá e faz um negócio bem feito. Não: ‘A ordem é que: tal cadete vai fazer isso aqui’. Eu vou fazer o negócio de qualquer maneira. Pô, foi uma ordem imposta... Você vai falar: ‘Vou fazer, muito bem, vou cumprir’, mas...”

“E também enxergar a importância, tenente. Quando eu era 1º Ano, muita coisa que faziam comigo, eu: ‘Ah, isso tá errado’, e hoje no 4º Ano eu vejo que isso é importante.”

“No primeiro acampamento do Básico, no 1º Ano, se você não engraxar o coturno no campo ali, vem um oficial e te pune ou te dá um esporro, aí tu: ‘Pô, eu tô no campo, pra que vou engraxar o coturno?’ Tu não tá preocupado com o coturno. Aqui no 3º Ano de Infantaria, se tu não engraxar teu coturno, são dois dias de operação, se você não engraxar, em dois dias, teu pé vai ficar completamente deformado! Aí tu: ‘Caramba, no 1º Ano o tenente cobrava, aquele dia eu não entendi o porquê...’” Quadro 13 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

Analisando comparativamente as posições apresentadas por cadetes do 1º e do

4º Anos, identificamos extensa semelhança. Parece-nos que, desde o 1º até o 4º Ano da

formação, a experiência de afirmação de uma identidade profissional é o grande favorecedor

do desenvolvimento da responsabilidade pelos cadetes. Aspectos do processo de socialização

que propiciam aos cadetes a vivência de crescimento em seu papel profissional, a aquisição de

atribuições e prerrogativas diferenciadas, o tratamento baseado na confiança em sua

competência e no respeito à autonomia, que reforça uma auto-imagem positiva e proporciona

um sentimento de autodeterminação, a percepção da finalidade de determinadas condutas,

entre outros aspectos, permitem que eles se auto-afirmem no exercício do papel,

desenvolvendo o comprometimento com os resultados de suas tarefas. Embora tais aspectos

147

tenham surgido em todos os grupos, entre os cadetes do 4º Ano eles adquiriram uma

expressão mais enfática ligada à importância da diferenciação do tratamento entre os anos,

que culmina com a concessão de maior liberdade de atuação aos cadetes em final de curso.

No grupo focal com tenentes, houve um redimensionamento das tendências de

resposta apresentadas na etapa quantitativa. Para os participantes, as respostas ao questionário

se confirmam como os aspectos facilitadores do desenvolvimento da responsabilidade pelos

cadetes, porém refletem mais uma situação idealizada do que a realidade atual do processo de

socialização.

Segundo os tenentes, as respostas com freqüências acima de 50% apresentam-

se escalonadas em ordem de importância no processo. Em primeiro lugar, encontra-se a

delegação de atribuições e funções aos cadetes, que inclui funções de comando. Tal delegação

significa proporcionar aos cadetes liberdade para atuar em direção ao cumprimento de suas

atribuições. Em segundo lugar, encontra-se a questão do tratamento. Os cadetes receberiam

um tratamento compatível com sua experiência e seu nível de conhecimento militar, ou seja,

haveria níveis diferenciados de liberdade e de responsabilidade para os cadetes de cada ano da

AMAN. Na seqüência, seria efetuada uma cobrança em relação aos resultados da atuação dos

cadetes. Por último, caso o indivíduo não tivesse apresentado o comprometimento desejado,

seriam aplicadas punições disciplinares visando à correção de suas atitudes. No entanto, na

percepção dos tenentes, tais aspectos não vêm sendo operacionalizados na proporção

necessária ao longo do processo de socialização, o que acarreta dificuldades para que seja

desenvolvido o nível de responsabilidade esperado dos cadetes.

Comparando as idéias apresentadas por cadetes e tenentes, observamos que há

relativa convergência. Assim como os cadetes, os tenentes valorizam a delegação de

atribuições e a progressiva aquisição de autonomia pelos cadetes ao longo da formação.

Todavia, identificam prontamente a existência de dificuldades para a operacionalização de

tais aspectos no processo de socialização, que serão melhor exploradas no próximo tópico.

Por sua vez, os cadetes também fazem menção a dificuldades, especialmente os do 4º Ano, ao

mesmo tempo em que identificam a existência de oportunidades em que os aspectos

facilitadores foram vivenciados em sua formação.

No grupo focal realizado com capitães, os participantes corroboraram a

importância da cobrança dos oficiais para o desenvolvimento da responsabilidade pelos

cadetes, uma das tendências de resposta de maior freqüência na etapa quantitativa. Esta

cobrança deve ser exercida no sentido de estabelecer metas e prazos a serem cumpridos.

Porém, não necessita ser confundida com evitar que os cadetes cometam erros, situação que

148

corresponde à tendência de resposta de menor freqüência. Considera-se que é fundamental

que o cadete tenha liberdade para errar, a fim de ser corrigido enquanto está em formação.

Os capitães também destacaram a importância da liberdade para que o cadete

realize atividades, especialmente ao final da formação, no 3º e 4º Anos. Progressivamente, o

tratamento dado aos cadetes durante a formação deveria propiciar maior liberdade para que

eles decidam sobre o modo de execução das tarefas, focalizando-se a cobrança mais sobre os

resultados, o que favoreceria o desenvolvimento da responsabilidade. Porém, tal tratamento

atualmente vem ocorrendo de forma esporádica, não sistematizada, no processo de

socialização. Algumas idéias expressas pelos capitães encontram-se transcritas no Quadro 14.

“Pra mim o fator mais relevante para a responsabilidade é a liberdade do cadete para realizar atividades por conta própria, pra mim esse aí é o mais prioritário, porque ele como oficial só vai realizar atividades por conta própria. E, na Academia, a estrutura acadêmica não permite ainda que o cadete faça isso. Se um cadete meu recebe uma tarefa e ele não executa, o responsabilizado primeiro é o comandante de companhia, não é o cadete. A própria situação a gente vê agora com os cadetes em recuperação: eles estão colocados em situação de serem obrigados a cumprir determinadas tarefas extras, tendo licenciamento sustado, tendo que se fiscalizar a recuperação do cadete... A preocupação passa a ser do instrutor para que ele tire o grau, e não dele.”

“Esse ano no Curso a gente teve a oportunidade de fazer um exercício conjunto: foi o 4º Ano de Mat Bel junto com sargentos-alunos da Escola de Material Bélico. Então toda a parte que seria voltada pro praça, que seria a parte de prática da manutenção, ficou com os sargentos da EsMB, e a parte de coordenação e controle das atividades, do funcionamento das atividades logísticas, de segurança da área, isso tudo ficou a cargo do cadete. Quando eu era cadete, juntava 4º e 3º Ano, sendo que o 4º Ano fazia as atividades de oficiais e sargentos, e o 3º Ano de cabos e soldados. Com certeza quando você bota o camarada pra fora, pra ele fazer uma atividade, o aprendizado dele e a responsabilidade dele é muito maior.”

“A Academia ela não forma o cadete, ela forma o oficial. Então se você quer saber se ele vai ser um bom oficial, você em algum momento da formação tem que dar a liberdade que ele vai ter como oficial, se não você não vai saber como ele vai reagir. E aí acontece como a gente tem visto aqui... Vou dar um exemplo: o cadete é proibido de beber, não tem uma atividade na Academia que tenha bebida. Como é que você sabe como é que ele vai se comportar quando ele tiver bebida ali, como ele vai ter como oficial. Será que ele vai ter responsabilidade de beber o que ele pode? E aí acontece talvez como aconteceu no baile do aspirantado: aquele bando de cadete bêbado, embriagado, que tava lá... Então em algum momento tem que ser dada essa liberdade. A liberdade de ele agir por conta própria, de ele poder regressar sem horário pra voltar, porque o oficial não tem horário pra voltar no quartel... ‘Ah, mas aí ele não vai chegar...’ É punido. Se ele não tem condições de cumprir horário aqui, não vai ser lá fora que ele vai cumprir.”

“Agora eu acho que não pode ser confundido o aumento da liberdade com o relaxamento de algumas cobranças. [...] As diferenças de liberdade, tem que ser diferente, lógico, o 1º Ano ele não pode ter liberdade de trabalho, de conduta, de uma série de coisas que o cadete do 4º Ano tem que ter... Mas as cobranças, o 4º Ano tem que ter a cobrança em termos do erro como eu, oficial.”

Quadro 14 - Citações extraídas de grupo focal com capitães

Novamente, vemos convergência entre as tendências de pensamento expressas

por cadetes e oficiais. Embora na fase quantitativa o aspecto referente à cobrança pelos

oficiais não tenha sido muito destacado pelos cadetes, nos grupos focais estes reconheceram a

importância do fato para o desenvolvimento de sua responsabilidade. No entanto, criticaram a

149

cobrança baseada no controle excessivo, que dirige todos os procedimentos adotados pelo

indivíduo na execução de uma tarefa. Porém, tal não parece ser o modelo defendido pelos

capitães. Ao contrário, estes também valorizam a concessão progressiva de autonomia aos

cadetes ao longo da formação. No entanto, à semelhança dos tenentes, também encontram

dificuldades para a operacionalização dos aspectos que favoreceriam o desenvolvimento da

responsabilidade no processo de socialização. Passemos, portanto, à análise das dificuldades

identificadas pelos participantes da pesquisa.

5.2.4 Aspectos do processo de socialização que dificultam o desenvolvimento

O quarto tópico da pesquisa relaciona-se às dificuldades percebidas pelos

participantes para que os cadetes desenvolvam sua responsabilidade ao longo do processo de

socialização. Vejamos os dados quantitativos e qualitativos apresentados sobre o tema.

5.2.4.1 Resultados da etapa quantitativa

Iniciemos mais uma vez pela análise comparativa entre as tendências de

resposta apresentadas por cadetes do 1º e do 4º Anos na aplicação do questionário (Tabela

14).

É interessante observar que as tendências de resposta dos cadetes do 1º Ano à

Questão 4 apresentaram-se relativamente fracas. Apenas um aspecto apresentou freqüência

acima de 50% e, ainda assim, apenas de 55%. Tal aspecto relaciona-se ao medo de ser punido

por eventuais erros, que parece ser a maior dificuldade para a internalização da

responsabilidade para este grupo. Segue-se uma resposta com freqüência de 49%, relacionada

à falta de liberdade, que também adquire relevância em face das baixas freqüências das

respostas. Os demais aspectos com freqüência acima de 40%, ligados à humilhação verbal e à

falta de tratamento compatível com o grau de maturidade, assim como os aspectos de menores

freqüências, parecem ter importância pontual, não refletindo uma realidade da maioria dos

participantes. O acompanhamento constante pelos oficiais e a preocupação destes em evitar o

erro dos cadetes, à semelhança do que ocorreu nas respostas à Questão 3, apresentaram baixas

150

freqüências, revelando-se como aspectos relativamente indiferentes para o desenvolvimento

da responsabilidade pelos cadetes do 1º Ano.

Em contraste, os cadetes do 4º Ano apresentam fortes tendências de resposta

ligadas a dificuldades para o desenvolvimento da responsabilidade. A falta de liberdade

aparece como o principal fator prejudicial, com freqüência de 84%, seguida da falta de

confiança, com 73%. Destacam-se ainda a falta de tratamento compatível com o grau de

maturidade dos cadetes e a intensa diretividade dos oficiais nas atividades. O medo de ser

punido, embora apresente freqüência de 48%, parece representar um fator de menor

importância para os cadetes do 4º Ano, em comparação com os aspectos anteriores.

Tomando por base apenas os dados quantitativos, podemos inferir que os

cadetes do 4º Ano enfrentam dificuldades mais significativas para o desenvolvimento de sua

responsabilidade do que os cadetes do 1º Ano. Aparentemente, o processo de socialização é

percebido como mais positivo, no tocante a este valor, pelos cadetes no início da formação do

que pelos cadetes em seu término, o que pode indicar que não está ocorrendo um ganho

qualitativo de responsabilidade pelos sujeitos ao longo do processo.

Tabela 14 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 4

Questão 4 - Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que tem dificultado que você desenvolva a sua responsabilidade ao longo do Curso de

Formação da AMAN. Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) O medo de ser punido por eventuais erros. 55,49 A falta de liberdade do cadete. 84,13

A falta de liberdade do cadete. 49,13 A falta de confiança no cadete por parte dos oficiais. 73,54

A humilhação verbal dos que assumem seus erros. 41,04 A falta de tratamento compatível com

o grau de maturidade dos cadetes. 59,26

A falta de tratamento compatível com o grau de maturidade dos cadetes. 40,46 A intensa diretividade (condução e

controle) dos oficiais nas atividades. 56,08

A falta de confiança no cadete por parte dos oficiais. 33,53 O medo de ser punido por eventuais

erros. 48,68

A punição dos que assumem seus erros. 31,21 A humilhação verbal dos que assumem seus erros. 35,45

A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. 22,54 O acompanhamento constante dos

oficiais às ações dos cadetes. 35,45

As poucas oportunidades do exercício de funções de comando pelos cadetes. 11,56 A preocupação dos oficiais em evitar o

erro do cadete. 29,10

O acompanhamento constante dos oficiais às ações dos cadetes. 8,67 A punição dos que assumem seus

erros. 23,81

A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. 8,67 As poucas oportunidades do exercício

de funções de comando pelos cadetes. 20,11

151

Analisando as tendências de resposta apresentadas pelos cadetes de modo geral

(Tabela 15), observamos que as maiores freqüências (acima de 50%) concentram-se em torno

da falta de liberdade, falta de confiança, medo de ser punido e falta de tratamento compatível

com o grau de maturidade dos cadetes. Em contraposição, as tendências de resposta

apresentadas pelos tenentes situam-se, primeiramente, nos aspectos ligados à intensa

diretividade dos oficiais nas atividades e à preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete

e, em segundo lugar, coincidem com a posição apresentada pelos cadetes, ligada à falta de

tratamento compatível com seu grau de maturidade.

Tabela 15 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 4

Questão 4 - Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo,

aquele(s) que tem dificultado que você desenvolva a sua responsabilidade ao longo do Curso de

Formação da AMAN.

Questão 4 - Ainda tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os

aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem dificultado que os cadetes desenvolvam

sua responsabilidade ao longo do Curso de Formação da AMAN.

Cadetes (n =362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%)

A falta de liberdade do cadete. 67,40 A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. 66,67

A falta de confiança no cadete por parte dos oficiais. 54,42 A preocupação dos oficiais em evitar

o erro do cadete. 66,67

O medo de ser punido por eventuais erros. 51,93 A falta de tratamento compatível com

o grau de maturidade dos cadetes. 50,00

A falta de tratamento compatível com o grau de maturidade dos cadetes. 50,28 O acompanhamento constante dos

oficiais às ações dos cadetes. 44,44

A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. 40,06 A falta de liberdade do cadete. 33,33

A humilhação verbal dos que assumem seus erros. 38,12 O medo de ser punido por eventuais

erros. 33,33

A punição dos que assumem seus erros. 27,35 A falta de confiança no cadete por parte dos oficiais. 33,33

O acompanhamento constante dos oficiais às ações dos cadetes. 22,65 A humilhação verbal dos que

assumem seus erros. 16,67

A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. 19,34 As poucas oportunidades do exercício

de funções de comando pelos cadetes. 16,67

As poucas oportunidades do exercício de funções de comando pelos cadetes. 16,02 A punição dos que assumem seus

erros. 0,00

Ao compararmos as respostas apresentadas por cadetes e capitães (Tabela 16),

identificamos perspectivas distintas sobre o tema. Para os capitães, os principais aspectos que

dificultam o desenvolvimento da responsabilidade, com freqüências na casa dos 50%, estão

relacionados à preocupação dos oficiais em evitar o erro dos cadetes, à intensa diretividade

dos oficiais e às poucas oportunidades do exercício de funções de comando pelos cadetes.

Para este grupo, aspectos como a falta de confiança, a falta de liberdade, o medo de ser

152

punido e a falta de tratamento compatível apresentam-se como tendências progressivamente

de menor importância, em comparação com o destaque dado a tais fatores pelos cadetes.

Tabela 16 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 4

Questão 4 - Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo,

aquele(s) que tem dificultado que você desenvolva a sua responsabilidade ao longo do Curso de

Formação da AMAN.

Questão 4 - Ainda tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os

aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem dificultado que os cadetes desenvolvam

sua responsabilidade ao longo do Curso de Formação da AMAN.

Cadetes (n =362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%)

A falta de liberdade do cadete. 67,40 A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. 56,25

A falta de confiança no cadete por parte dos oficiais. 54,42 A intensa diretividade (condução e

controle) dos oficiais nas atividades. 53,13

O medo de ser punido por eventuais erros. 51,93 As poucas oportunidades do exercício

de funções de comando pelos cadetes. 50,00

A falta de tratamento compatível com o grau de maturidade dos cadetes. 50,28 A falta de confiança no cadete por

parte dos oficiais. 43,75

A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. 40,06 A falta de liberdade do cadete. 37,50

A humilhação verbal dos que assumem seus erros. 38,12 O medo de ser punido por eventuais

erros. 28,13

A punição dos que assumem seus erros. 27,35 A humilhação verbal dos que assumem seus erros. 25,00

O acompanhamento constante dos oficiais às ações dos cadetes. 22,65 A falta de tratamento compatível com

o grau de maturidade dos cadetes. 25,00

A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. 19,34 O acompanhamento constante dos

oficiais às ações dos cadetes. 18,75

As poucas oportunidades do exercício de funções de comando pelos cadetes. 16,02 A punição dos que assumem seus

erros. 3,13

5.2.4.2 Resultados da etapa qualitativa

Com base nos grupos focais realizados com cadetes do 1º Ano, identificamos

que o medo de ser punido confirma-se como a principal dificuldade para o desenvolvimento

da responsabilidade pelos participantes. A questão central levantada refere-se aos critérios nos

quais se baseia a aplicação de punições. Em primeiro lugar, os cadetes do 1º Ano percebem

em seu dia-a-dia que, freqüentemente, o esforço global dos indivíduos é desqualificado em

função de pequenas falhas, que acarretam punições. Tal situação provoca, por um lado, o

desestímulo em relação à dedicação à tarefa, uma vez que esta geralmente não é reconhecida

nem valorizada. Por outro lado, a concentração da avaliação em pequenas falhas traz como

153

conseqüência a aplicação excessiva de punições, que conduz os cadetes ao desenvolvimento

de estratégias para evitá-las. O medo de ser punido passa a ser assim a principal motivação

para as ações dos cadetes, o que, para eles, não caracteriza o desenvolvimento da

responsabilidade.

Soma-se a isso o fato de que as minúcias avaliadas por seus superiores, sejam

estes oficiais ou cadetes mais antigos, por vezes se baseiam em parâmetros de relevância

notadamente subjetiva, ou seja, a atenção a tais detalhes não se apresenta, para os cadetes do

1º Ano, como fundamental quanto às finalidades da tarefa executada. Com isso, os cadetes

passam a focalizar tais aspectos secundários, no intuito de contentar determinado superior, e

se desviam do objetivo principal da tarefa. Por exemplo, ao executarem a faxina em seu

apartamento, preocupar-se-ão em lustrar as maçanetas, se este for o aspecto valorizado pelo

avaliador, em detrimento da organização geral do local. Ao prepararem seu uniforme,

atentarão ao aspecto mais valorizado pelo oficial, em detrimento da apresentação como um

todo.

Porém, ainda assim, há situações em que os cadetes crêem que serão punidos

de qualquer forma, quer se dediquem a determinados aspectos ou não. Ou seja, percebem

arbitrariedade no processo. Isto ocorre, por exemplo, quando seu uniforme será revistado

pelos cadetes mais antigos, de serviço, para poderem sair da AMAN e ir à cidade (este é um

procedimento regulamentar que deve ser seguido pelos cadetes). Em tais casos, os cadetes do

1º Ano aprendem que é mais sensato desenvolver estratégias para burlar a fiscalização do que

submeter-se a uma punição certa, quer seja esta formalizada ou não. Esta adoção de

comportamentos de esquiva, que se apresenta como alternativa de sobrevivência para os

cadetes, não é percebida por eles como coerente com o desenvolvimento da responsabilidade.

Ao mesmo tempo, ocorre uma confusão em relação aos parâmetros que realmente são

relevantes para sua conduta, de modo que os indivíduos terminam elaborando uma solução

particular para essa questão. Por fim, os cadetes desenvolvem certa apatia diante dos objetivos

que têm a cumprir, pois se sentem impotentes e desmotivados em um contexto que avalia suas

condutas preferencialmente como negativas, pouco reconhecendo quanto aos seus esforços

em bem cumprir seu papel.

Outro aspecto que os cadetes do 1º Ano identificam como prejudicial em

relação à responsabilidade refere-se à falta de liberdade para tomar decisões e enfrentar suas

conseqüências, já destacado na fase quantitativa. Com a formação militar, os cadetes

percebem que, sob certo ângulo, houve uma infantilização em seu tratamento, pois passaram a

ser constantemente controlados, tutelados em todas as suas ações pelos oficiais. O tratamento

154

que recebem é eminentemente coletivo. Isto implica que falhas individuais revertem-se em

restrições à coletividade, desestimulando aqueles que se esforçam em atender às expectativas

institucionais. No intuito de prevenir a ocorrência de condutas indesejáveis, é exercido um

controle excessivo, que é interpretado pelos cadetes como falta de confiança em sua

capacidade pessoal.

Embora tais aspectos sejam percebidos de modo geral pelos cadetes, eles

identificam que a configuração de seu processo de formação depende, em grande medida, do

perfil dos oficiais com os quais têm contato direto. Os critérios adotados para a aplicação de

punições, o tratamento caracterizado por mais nuances de controle ou de relativa liberdade,

entre outros fatores, são moldados conforme as características de seus comandantes de

companhia e de pelotão. Acreditamos que essas diferentes realidades expliquem as

freqüências medianas de tais aspectos na fase quantitativa, uma vez que não refletem

situações vivenciadas intensamente por todos os cadetes do 1º Ano. Nos Quadros 15 e 16, há

exemplos de depoimentos de cadetes que ilustram as posições apresentadas nos grupos focais.

“No caso dessas coisas aí que dificultam o desenvolvimento da responsabilidade, eu acho que isso daí é uma coisa que no Exército, apesar de eles falarem que eles estão desenvolvendo o indivíduo e não a massa aqui, porque o oficial ele é um indivíduo que vai tar na frente da tropa, então ele tá em evidência, é uma coisa que eu chego a achar errado aqui. Por exemplo, o meu comandante de pelotão ano passado [na EsPCEx] ele falava: tratar os desiguais com desigualdade. Eu vejo que é muito generalizado o tratamento com o cadete. Acho que cada cadete tinha que ser tratado de um jeito. No caso a partir do grau de maturidade dele, a partir do grau de responsabilidade que ele demonstra, cada cadete tinha que ser tratado de um jeito. Não você chegar lá e ser torrado, por exemplo, levando em conta uma atitude que aconteceu. Tem que levar em conta, eu acho, o que vem antes, o que tá por trás, apesar de ele ter errado ali, ele errou uma vez, mas tem que ser levado em conta o que o cadete já fez antes, se é da índole do cadete fazer isso. Porque o oficial ele dá conta de ver isso no cadete”.

“Eu acho assim: eles coagem muito o erro, em vez de dar uma coisa boa pro acerto. No caso o FO positivo, ele não conta pra você em nada, enquando o negativo você é punido.”

“O que a gente vê acontecendo muito: os oficiais eles dão FO negativo, você é torrado, por tudo, agora quando você faz uma coisa padrão... Não que eu ache que você tem que ser elogiado por tudo, porque não é nada mais que o seu dever que você tá fazendo, mas o mínimo de reconhecimento é o que eu acho que tinha que acontecer, pra estimular, no mínimo estimular o cadete a permanecer naquela conduta.”

“No primeiro ano o comandante de pelotão tem um modelo de cobrança, no segundo ano, o que é certo, é errado, o que é errado, vira certo, inverteu os valores. Você no segundo ano já tá tão saturado com as mesmas bobeiras que vem vindo do primeiro ano se arrastando, que você começa a criar seus próprios parâmetros, você fala: ‘ah, isso aqui é bobeira, vou fazer desse jeito’. Aí você não segue mais nada do que está escrito e segue pela sua cabeça, não faz nada do que deveria ser feito.”

“Você passa a não valorizar o motivo de fazer aquilo. Você passa a fazer aquilo ali só pra não ser torrado, não faz pra realmente tar bem apresentado... E é o que acontece normalmente em parada diária: todo mundo com o uniforme de parada, mas você não tira serviço com aquilo ali. [...] Porque se você passar uma farda meia hora e sentar, a farda vai amassar, aí quando chegar lá vai ser torrado.”

Quadro 15 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

155

“Se você for pra parada com a farda de campo, você vai ser torrado pelo capitão. Se for com a farda padrão, que você comprou agora, e tiver uma pinta no sotache, você vai ser enquadrado na mesma coisa. Mesmo você tendo dado o gás ali, na sua apresentação pra parada, é a mesma coisa.”

“Eu vou ser punido de um jeito ou de outro. Então... deixa pra lá.”

“No momento que o cadete se vê injustiçado, ele cumpre suas tarefas e é injustiçado, isso prejudica a responsabilidade. Ele passa a tomar atitudes irresponsáveis, porque ele não é valorizado pela responsabilidade.”

“Tem que ficar um tempão antes do horário pra que a gente não atrase. Às vezes se colocar pra em cima da hora, um ou dois vão se atrasar e vai acabar prejudicando todo mundo. Os cento e vinte acabam pagando por dois que chegariam atrasados.”

Quadro 16 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

Nos grupos focais, os cadetes do 4º Ano corroboraram as quatro principais

tendências de resposta da fase quantitativa, expressando que todas se relacionam a um mesmo

fator: o excessivo controle exercido pelos oficiais sobre os cadetes. Ou seja, o excessivo

controle reflete-se em falta de liberdade, falta de confiança, falta de tratamento compatível

com a maturidade dos cadetes e intensa diretividade pelos oficiais.

Os oficiais procuram detalhar e fiscalizar todos os passos das atividades que os

cadetes devem cumprir, sem deixar muito espaço para que eles tomem suas próprias decisões,

mesmo quando desempenham funções de comando. Por vezes os oficiais não justificam por

que os cadetes devem mudar um planejamento elaborado. Segundo os cadetes, o problema

não está ligado a eventuais correções que sejam efetuadas pelos oficiais, mas à forma como

estas ocorrem, que denota desrespeito à sua autonomia. Ao serem excessivamente controlados

pelos oficiais, cabe aos cadetes apenas cumprirem suas ordens, o que não implica assumir a

responsabilidade pelas decisões tomadas. Desta forma, não há efetivo comprometimento com

os resultados da tarefa. A constância desse tratamento acarreta que os cadetes se habituem a

ter sempre oficiais tomando determinadas providências por eles, de modo que, quando isto

não ocorre, deixam de agir conforme o esperado, sendo qualificados como irresponsáveis.

Porém, os cadetes enfatizam que tal falta de liberdade se refere mais

especificamente ao tratamento que vêm recebendo no 4º Ano. Conforme já mencionado, os

participantes consideram que, no 1º Ano, não deve ser dada ao cadete tal liberdade, pois é o

momento em que ele está assimilando modelos de conduta militar, está sendo formado

combatente individual. Com o passar do tempo, porém, o cadete adquire maior experiência e

compreende a importância de determinados procedimentos. Após esse aprendizado inicial das

funções, que envolveria um maior controle, deveria ser dada progressiva liberdade para que o

cadete pudesse desenvolver sua responsabilidade, necessária para o exercício das funções de

156

comandante de pelotão e subunidade. Tal progressividade não vem sendo vivenciada pelos

cadetes do 4º Ano, que percebem mínimas diferenças de seu tratamento em relação ao dos

cadetes do 1º Ano, mesmo após terem realizado o Estágio de Preparação Específica nos

corpos de tropa. A situação provoca notória frustração e descontentamento entre os cadetes.

Embora não tenha aparecido nominado nas respostas ao questionário, outro

aspecto considerado de fundamental importância para o desenvolvimento da responsabilidade

pelos cadetes do 4º Ano refere-se à compreensão das finalidades dos procedimentos que

devem executar. Os cadetes percebem que, muitas vezes, os oficiais não permitem que os

cadetes tomem determinadas decisões, por exemplo, nos exercícios no terreno, porque

consideram que eles sempre buscarão propiciar maior conforto para seus companheiros, em

detrimento de determinados objetivos da atividade. Entretanto, os cadetes argumentam que

tomam suas decisões baseados naquilo que consideram ser relevante para a situação. Assim,

compreender os porquês das coisas, os objetivos das tarefas e dos procedimentos, é necessário

para que embasem suas decisões durante a formação e como futuros oficiais. Caso contrário,

eles deixarão de adotar determinados procedimentos quando tiverem liberdade de decidir

segundo suas próprias convicções, o que pode significar deixar de atentar a detalhes

importantes, porém não compreendidos.

Nos Quadros 17 e 18, são apresentadas falas dos cadetes do 4º Ano para

ilustrar os aspectos mencionados.

“Que nem, por exemplo, o EPE [Estágio de Preparação Específica]. A gente teve, todo mundo aqui, pô, chegou na tropa, assumiu pelotão... Teve gente que ficou até com companhia. Chegava lá, o oficial não tava nem aí... Aí chegava o soldado te perguntando alguma coisa e você... vestia a camisa, querendo resolver os problemas. Chega aqui [na AMAN], você não veste a camisa, porque você sabe que tudo vai ser... Não tem iniciativa nenhuma.”

“O EPE eu acho que pra todo mundo tá sendo o oposto do que acontece aqui nessa parte que a gente tá falando. Então como não tinha ninguém assim olhando, dava vontade de fazer as coisas, desenvolve a responsabilidade. Quando tem sempre um oficial, por exemplo, [...] a gente vai pro rancho, toda hora... É um, tem vezes que tem três oficiais no rancho, dá raiva, entendeu? Aí faz o cadete às vezes ter até atitude... imatura assim, de irresponsabilidade, porque tem sempre alguém te olhando, sempre alguém querendo mandar em você, não deixa desenvolver a responsabilidade.”

“Você quer passar por aqui. O cara [o oficial] não quer que você passe por aqui, ele quer passar por aqui porque é o jeito que ele imaginou. Não tem um motivo palpável.”

“O coordenador do quarto ano [...] tava falando de responsabilidade, ele falou que pra você desenvolver a responsabilidade tem que dar liberdade. Até porque pra gente errar é a hora do estágio: porque se ele acertou, parabéns, se errou, vai sobrar pro cadete, pra aprender a desenvolver a responsabilidade. E o que geralmente é observado aqui na Academia é que essa liberdade não tá sendo dada, onde você vai tem que ter um oficial olhando e fiscalizando. Você sai do EPE, você tem que voltar dez horas, você não pode sair, quer dizer...”

Quadro 17 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

157

“Eu acho que o ideal seria ter mais liberdade, que nem era antigamente. Teve uma época em que, nos 100 dias, o cadete nem mais dormia aqui na Academia. Hoje em dia a gente tá há 30 dias, e tá igualzinho aos demais cadetes. Hoje em dia eles não têm como ver como tá a responsabilidade. Talvez se fosse mudado alguma coisa – nunca muda nada – daria pra ver quem é aquele cadete, quem é responsável e o cadete que não é. Agora, todo mundo... Mas no individual não dá pra desenvolver essa responsabilidade.”

Quadro 18 - Citação extraída de grupo focal com cadetes do 4º Ano

Analisando comparativamente as idéias apresentadas por cadetes do 1º e do 4º

Anos, verificamos que as dificuldades apontadas pelos dois grupos relacionam-se ao exercício

do controle do comportamento dos cadetes pelos agentes de socialização.

Para os cadetes do 1º Ano, a aplicação excessiva de punições disciplinares gera

ansiedade e adoção de comportamentos de esquiva, que prejudicam sua dedicação às tarefas

que devem executar. Além disso, a utilização de critérios pouco objetivos na avaliação de sua

conduta contribui para causar confusão em relação aos parâmetros que devem ser

efetivamente seguidos na realização das tarefas. Conforme observamos no tópico referente ao

conceito de responsabilidade, os cadetes do 1º Ano percebem proximidade entre este valor e a

disciplina, de modo que sua principal preocupação nesta fase da formação parece estar

relacionada à compreensão e ao ajustamento às normas de conduta valorizadas na

organização.

Os cadetes do 4º Ano, por seu turno, já atravessaram essa fase de adaptação às

normas e padrões de comportamento. Sua principal preocupação está ligada à autonomia para

tomar decisões de modo abrangente, incluindo tanto seu papel profissional, quanto aspectos

de sua vida pessoal. A ausência de diferenciação em seu grau de liberdade e nas prerrogativas

que possuem em relação aos cadetes de anos inferiores gera intenso desconforto e ansiedade

nestes jovens que, às vésperas de sua formatura, desejam afirmarem-se como profissionais e

como adultos responsáveis.

Os dados sugerem que a responsabilidade apresenta diferentes enfoques ao

longo do processo de socialização e que as maiores dificuldades para seu desenvolvimento

situam-se nas fases finais da formação.

No grupo focal realizado com tenentes, confirmaram-se as principais

tendências de resposta levantadas na etapa quantitativa.

A intensa diretividade dos oficiais nas atividades tem ocasionado prejuízos

para o comprometimento dos cadetes com suas tarefas. Por exemplo, quando um cadete está

em função de comando, a cada passo que tenta dar, há um oficial para lhe corrigir, o que por

fim conduz o cadete a certa apatia.

158

Os tenentes percebem que a Academia enfatiza mais a modelação do

comportamento disciplinar do que o desenvolvimento da responsabilidade. Não se dá muito

espaço para o cadete desenvolvê-la, de modo que ele age mais por medo de ser punido do que

pela consciência das conseqüências de seus atos, no âmbito de seu papel. Para alterar esse

quadro, a fiscalização deveria ser exercida pelos oficiais no sentido de levar o cadete a

analisar as decisões que tomou, permitindo que ele observasse suas conseqüências, mesmo

que erradas.

Outro aspecto percebido como prejudicial refere-se à preocupação dos oficiais

em evitar o erro do cadete. Os tenentes identificam que existe na AMAN uma cultura de que

não se pode errar: se o cadete comete um erro, os oficiais imediatamente têm que interferir, se

não, estes é que serão responsabilizados pelo fracasso. O erro não é visto com naturalidade,

mas como algo a ser eliminado, punido. Tal situação desestimula o cadete a assumir a

responsabilidade por suas ações, impedindo-o de efetivamente se comprometer com as

tarefas.

Em relação à falta de tratamento compatível com o grau de maturidade dos

cadetes, os tenentes observam que, atualmente, os cadetes do 4º Ano sentem-se bastante

desmotivados, pois pouco desempenham funções de comando junto a cadetes mais modernos

e não percebem evolução em seu tratamento ao longo do Curso de Formação. Os tenentes

argumentam que o oficial que atua diretamente junto aos cadetes não tem condições de lhes

dar a liberdade que seria necessária para o desenvolvimento da responsabilidade, pois também

têm que se ajustar ao cumprimento de certas determinações. Estes participantes percebem o

processo de socialização, em seus moldes atuais, como muito falho quanto ao

desenvolvimento da responsabilidade pelos cadetes.

Comparando as posições apresentadas pelos tenentes às idéias dos cadetes,

verificamos grande convergência. Os tenentes percebem-se como reprodutores de uma

mentalidade voltada à eliminação do erro, que se correlaciona com a supervalorização de

pequenas falhas e a excessiva aplicação de punições destacadas pelos cadetes do 1º Ano. Ao

mesmo tempo, tenentes identificam a intensa diretividade exercida pelos oficiais e a falta de

tratamento compatível com o grau de maturidade dos cadetes como prejudiciais ao

desenvolvimento da responsabilidade, o que se coaduna com o excessivo controle e a falta de

liberdade identificados principalmente pelos cadetes do 4º Ano. Vemos, portanto, que,

embora com enfoques diferentes, a problemática identificada por tenentes e cadetes quanto à

responsabilidade situa-se em torno das mesmas questões.

159

No grupo focal com realizado com capitães, tais questões voltaram a se

destacar, também confirmando as tendências apresentadas por estes participantes na etapa

quantitativa.

O esforço em evitar o erro ou fracasso do cadete é considerado como o

principal problema do processo de socialização pelos capitães. Tal situação gera a

responsabilização do oficial pelo fracasso do cadete, além de ocasionar fatos como, por

exemplo, serem escolhidos sempre os “melhores” cadetes para executar tarefas de destaque, a

fim de não comprometer os oficiais do curso por um eventual mau desempenho. A escola, que

deveria ser o lugar em que os discentes poderiam errar e aprender, não oferece tais

oportunidades, principalmente para aqueles que mais necessitam se desenvolverem. Permitir

que um erro seja evidenciado passou a significar, para os oficiais, admitir a própria

incompetência. Os cadetes percebem essa situação e terminam se descomprometendo com sua

responsabilidade pelo próprio desempenho.

A intensa diretividade dos oficiais em relação aos cadetes é considerada como

prejudicial especialmente ao desenvolvimento dos cadetes dos 3º e 4º Anos. No entanto, para

os cadetes do 1º Ano, os capitães a consideram como necessária. Nesta fase inicial da

formação, é importante haver um controle maior dos cadetes, visando sua adaptação à vida

militar e seu espelhamento em modelos.

Outro aspecto percebido como prejudicial relaciona-se ao fato de o cadete

possuir poucas oportunidades do exercício de funções relacionadas ao comando de militares

mais modernos durante a formação. A maioria das funções que os cadetes exercem envolve o

comando em seu mesmo nível, ou seja, seus subordinados são os cadetes de sua própria

turma. Quando ocorrem oportunidades de exercer o comando sobre militares mais modernos,

percebe-se um salto no nível de comprometimento e responsabilidade dos cadetes.

Embora o aspecto ligado à diferenciação progressiva do tratamento em relação

aos cadetes dos diversos anos não tenha se ressaltado nas respostas ao questionário, foi

colocado em relevo pelos capitães na discussão realizada no grupo focal. Os participantes

observam que o tratamento dado aos cadetes do 1º e do 4º Ano é muito próximo, o que

acarreta, por exemplo, a conseqüência de os cadetes do 4º Ano não se mostrarem muito

empenhados no exercício da cobrança em relação aos cadetes mais modernos, que faria parte

de seu papel. Os participantes consideram que deveria ser conferida progressiva liberdade aos

cadetes ao longo da formação, de modo que eles adquiririam prerrogativas cada vez mais

próximas do que ocorrerá quando forem oficiais. Assim, poderia ser melhor desenvolvida e

avaliada a responsabilidade dos cadetes para assumirem seu futuro papel. Nesse contexto, a

160

cobrança seria proporcional ao grau de liberdade e responsabilidade dos cadetes, sendo

intensificada sobre os cadetes mais antigos. Os capitães observam que o tratamento dado aos

cadetes na AMAN varia de acordo com o perfil dos oficiais, uma vez que não há uma

proposta sistematizada do grau de liberdade e de responsabilidade que deve ser conferido ao

cadete de cada ano. Tal situação ocasiona, por vezes, que os cadetes vivenciem mudanças

bruscas de tratamento de um ano para o outro, o que gera confusão quanto aos parâmetros que

efetivamente devem ser seguidos. No Quadro 19, vemos alguns depoimentos manifestados

pelos capitães no grupo focal.

“Os maiores problemas de responsabilidade que eu vejo no dia-a-dia dos cadetes não são dos cadetes em função de comando. É justamente quando eles não estão em função de comando, quando algumas vezes eles deixam de apresentar o comprometimento desejado, que ele como cadete deve ter.” “Eu acho que esse é o maior problema da Academia hoje: se estabeleceu aqui o pensamento de que todo mundo que entra tem condições de se formar, basta que o instrutor se esforce. Esse é o pensamento que vigora hoje na Academia: todo cadete tem condições de se formar, desde que ele receba uma boa aula, uma boa orientação, uma dedicação do oficial que tá comandando ele, ele vai se formar um bom oficial. Não tá em questão atributos pregressos que ele tem que trazer, a vontade dele, própria... Tá em questão que se você se esforçar, você orientar ele corretamente, você ministrar uma boa instrução, ele vai se formar. [...] Ele [o oficial] vai correr com o cadete, vai estudar com o cadete, vai tirar as dúvidas do cadete, vai fazer isso, vai fazer aquilo... O cadete não tem iniciativa pras próprias coisas.”

“A nossa missão é fazer com que o cadete aprenda, e não fazer com que o cadete acerte. E esse aprendizado pode vir com o acerto, pode vir com o erro, pode vir com a frustração...”

Quadro 19 - Citações extraídas de grupo focal com capitães

5.3 Iniciativa

5.3.1 Conceito

O quinto tópico pesquisado está relacionado ao conceito de iniciativa. De modo

semelhante ao que ocorreu em relação à responsabilidade, a primeira questão investigada

quanto à iniciativa focalizou os traços comportamentais que os participantes associam a este

valor, permitindo que qualifiquem determinado indivíduo como um cadete que possui

iniciativa. A seguir, analisaremos os dados qualitativos e quantitativos coletados.

161

5.3.1.1 Resultados da etapa quantitativa

Na análise comparativa das tendências de resposta apresentadas por cadetes do

1º e do 4º Anos à Questão 5 do instrumento aplicado (Tabela 17), verificamos que os aspectos

de maiores freqüências possuem coincidência nos dois grupos, embora se mostrem

escalonados diferentemente. Para os cadetes do 1º Ano, os aspectos que mais se destacam na

conduta de um cadete que possui iniciativa relacionam-se a: tomar a frente para resolver

problemas emergentes no grupo, assumir o comando em situações críticas, tomar decisões

sem depender do apoio de um superior, efetuar correções independentemente de ordem e

executar tarefas também independentemente de ordem. Além destes, o comportamento ligado

a agir prontamente ao receber uma tarefa também se ressalta, por apresentar freqüência da

casa dos 50%. Para os cadetes do 4º Ano, os cinco primeiros aspectos continuam a se

destacar. No entanto, o comportamento de assumir o comando em situações críticas apresenta

menor relevância na caracterização da iniciativa por este grupo.

Tabela 17 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 5

Questão 5 - Como é o comportamento de um cadete que possui iniciativa? Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%)

Toma a frente para resolver problemas emergentes no grupo. 79,77

Toma decisões em diversas situações, sem depender do apoio de um superior para tanto.

78,31

Assume o comando em situações críticas. 75,72 Toma a frente para resolver problemas

emergentes no grupo. 70,37

Toma decisões em diversas situações, sem depender do apoio de um superior para tanto.

75,14 Executa suas tarefas independentemente de ordem. 65,08

Ao observar algo errado, procura corrigí-lo, independentemente de ordem para tanto.

61,85 Ao observar algo errado, procura corrigí-lo, independentemente de ordem para tanto.

64,02

Executa suas tarefas independentemente de ordem. 52,60 Assume o comando em situações

críticas. 56,08

Age prontamente ao receber uma tarefa. 50,87 Adota uma linha de ação própria diante de uma missão a cumprir. 40,21

Apresenta novas idéias. 45,66 Apresenta novas idéias. 38,62 Adota uma linha de ação própria diante de uma missão a cumprir. 43,35 Age prontamente ao receber uma

tarefa. 38,10

Apresenta sugestões para o aprimoramento de rotinas e atividades. 37,57 Procura resolver seus problemas por

conta própria, antes de buscar ajuda. 38,10

Procura resolver seus problemas por conta própria, antes de buscar ajuda. 37,57 Apresenta sugestões para o

aprimoramento de rotinas e atividades. 34,39

Voluntaria-se para realizar diversas atividades. 35,26 Antecipa a realização de tarefas,

visando auxiliar seus superiores. 30,69

Antecipa a realização de tarefas, visando auxiliar seus superiores. 34,10 Voluntaria-se para realizar diversas

atividades. 25,40

162

Analisando comparativamente as respostas apresentadas por cadetes em geral e

por tenentes (Tabela 18), observamos praticamente total coincidência dos comportamentos

destacados, com exceção de um único aspecto. Os cinco indicadores de comportamento que

apresentam freqüências acima de 50% nas respostas dos cadetes manifestam-se de modo

semelhante nas respostas dos tenentes. Entretanto, este segundo grupo também valoriza o

comportamento ligado à antecipação de tarefas pelos cadetes, visando auxiliar seus

superiores, como indicador de iniciativa.

Tabela 18 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 5

Questão 5 - Como é o comportamento de um cadete que possui iniciativa? Cadetes (n = 362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Toma decisões em diversas situações, sem depender do apoio de um superior para tanto.

76,80 Toma a frente para resolver problemas emergentes no grupo. 72,22

Toma a frente para resolver problemas emergentes no grupo. 74,86

Toma decisões em diversas situações, sem depender do apoio de um superior para tanto.

66,67

Assume o comando em situações críticas. 65,47 Assume o comando em situações

críticas. 55,56

Ao observar algo errado, procura corrigí-lo, independentemente de ordem para tanto.

62,98 Antecipa a realização de tarefas, visando auxiliar seus superiores. 55,56

Executa suas tarefas independentemente de ordem. 59,12 Executa suas tarefas

independentemente de ordem. 55,56

Age prontamente ao receber uma tarefa. 44,20 Ao observar algo errado, procura corrigí-lo, independentemente de ordem para tanto.

50,00

Apresenta novas idéias. 41,99 Age prontamente ao receber uma tarefa. 44,44

Adota uma linha de ação própria diante de uma missão a cumprir. 41,71 Voluntaria-se para realizar diversas

atividades. 44,44

Procura resolver seus problemas por conta própria, antes de buscar ajuda. 37,85 Adota uma linha de ação própria

diante de uma missão a cumprir. 22,22

Apresenta sugestões para o aprimoramento de rotinas e atividades. 35,91 Apresenta sugestões para o

aprimoramento de rotinas e atividades. 16,67

Antecipa a realização de tarefas, visando auxiliar seus superiores. 32,32 Apresenta novas idéias. 11,11

Voluntaria-se para realizar diversas atividades. 30,11 Procura resolver seus problemas por

conta própria, antes de buscar ajuda. 11,11

Na comparação das respostas apresentadas por cadetes e capitães (Tabela 19),

verifica-se que os cinco aspectos de maiores freqüências se repetem, indicando uma grande

concordância dos participantes quanto ao perfil do cadete responsável.

163

Tabela 19 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 5

Questão 5 - Como é o comportamento de um cadete que possui iniciativa? Cadetes (n = 362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Toma decisões em diversas situações, sem depender do apoio de um superior para tanto.

76,80 Toma decisões em diversas situações, sem depender do apoio de um superior para tanto.

78,13

Toma a frente para resolver problemas emergentes no grupo. 74,86

Ao observar algo errado, procura corrigí-lo, independentemente de ordem para tanto.

65,63

Assume o comando em situações críticas. 65,47 Toma a frente para resolver problemas

emergentes no grupo. 62,50

Ao observar algo errado, procura corrigí-lo, independentemente de ordem para tanto.

62,98 Assume o comando em situações críticas. 62,50

Executa suas tarefas independentemente de ordem. 59,12 Executa suas tarefas

independentemente de ordem. 56,25

Age prontamente ao receber uma tarefa. 44,20 Antecipa a realização de tarefas, visando auxiliar seus superiores. 46,88

Apresenta novas idéias. 41,99 Age prontamente ao receber uma tarefa. 43,75

Adota uma linha de ação própria diante de uma missão a cumprir. 41,71 Apresenta sugestões para o

aprimoramento de rotinas e atividades. 40,63

Procura resolver seus problemas por conta própria, antes de buscar ajuda. 37,85 Voluntaria-se para realizar diversas

atividades. 37,50

Apresenta sugestões para o aprimoramento de rotinas e atividades. 35,91 Adota uma linha de ação própria

diante de uma missão a cumprir. 34,38

Antecipa a realização de tarefas, visando auxiliar seus superiores. 32,32 Apresenta novas idéias. 25,00

Voluntaria-se para realizar diversas atividades. 30,11 Procura resolver seus problemas por

conta própria, antes de buscar ajuda. 25,00

5.3.1.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais, os cadetes do 1º Ano confirmaram as tendências de resposta

que surgiram na etapa quantitativa. As quatro respostas de maiores freqüências são

consideradas como as que melhor caracterizam a iniciativa: tomar a frente para resolver

problemas emergentes no grupo, assumir o comando em situações críticas, tomar decisões

sem depender do apoio de um superior e efetuar correções independentemente de ordem.

Para estes participantes, o cadete com iniciativa toma decisões e as executa,

assumindo a responsabilidade por suas ações. A iniciativa é uma atitude que parte da própria

pessoa, independentemente de ordem. O cadete com iniciativa está pronto para se

comprometer com as tarefas: ao perceber que uma atitude precisa ser tomada ou prevendo que

164

um problema pode ocorrer, ele toma uma providência a respeito. Tal providência pode

significar assumir o comando de uma turma dispersa, em determinadas situações.

Para os cadetes do 1º Ano, a resposta referente a executar as tarefas

independentemente de ordem envolve responsabilidade e iniciativa: esta seria o que

conduziria o indivíduo a cumprir as tarefas. A iniciativa é considerada pelos cadetes como tão

importante quanto a disciplina, uma vez que eles estão sendo formados para comandar e terão

que tomar diversas decisões no futuro. Porém, valores como iniciativa e disciplina

constantemente entram em conflito em seu dia-a-dia. No Quadro 20, vemos alguns exemplos

de depoimentos sobre o tema.

“Tipo: é o cadete que tá pronto pra se comprometer com uma determinada missão. Ele não tem que cumprir a missão: surgiu uma situação onde não tem ninguém designado para realizar, aí ele pega e se compromete em realizar, ele se oferece para ele realizar.”

“Eu acho que [a iniciativa] é uma atitude que parte da pessoa, em primeiro lugar. Tipo aquela ali: ‘Toma decisões sem depender do apoio de um superior para tanto’, aquela resposta: ‘... independente de ordem para tanto’, ‘Executa suas tarefas independentemente de ordem’, eu acho que essas atitudes que estão partindo da pessoa do cadete é que são as mais importantes pra mostrar a iniciativa. As três ali tão meio que juntas... Quanto tu ‘assume o comando em uma situação crítica’, tem um problema, e se tu tá lá pra resolver o problema e toma a iniciativa é porque não tem um superior lá. Quer dizer, o capitão não tava lá, surgiu um problema numa situação crítica e tu teve que assumir o comando.”

“Tá todo mundo discutindo: ‘Vamos fazer o que, ah, não sei o que, não sei o que...’ É o cara que fala: ‘Vamos fazer isso.’ Toma uma decisão, assume a responsabilidade e vai.”

“O cara que não tem iniciativa é o ‘encarneirador’, né?”

Quadro 20 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

Nos grupos focais com cadetes do 4º Ano, quatro das cinco tendências de

resposta mais fortes foram confirmadas, enquanto uma das tendências de maior freqüência foi

revisada. Os aspectos definidores do comportamento de um cadete com iniciativa seriam:

tomar decisões sem depender do apoio de um superior, tomar a frente para resolver problemas

emergentes no grupo, efetuar correções independentemente de ordem e assumir o comando

em situações críticas. O aspecto relacionado a executar tarefas independentemente de ordem

foi revisado pelos dois grupos focais, sendo considerado como mais atinente à

responsabilidade do que à iniciativa.

Para os cadetes do 4º Ano, o cadete com iniciativa toma a frente para resolver

problemas emergentes no grupo, o que pode significar dispor-se a representar o grupo diante

de um superior. Em um exercício no terreno, o cadete com iniciativa se voluntaria para

comandar uma operação, quando solicitado. Ou seja, ele executa algo que não seria sua

obrigação, por avaliar que determinada ação será positiva para o grupo ou para a atividade. O

165

cadete com iniciativa é pró-ativo, toma decisões, sem ficar esperando que outro o faça. Ao se

deparar com um problema ou prevendo a possibilidade de sua ocorrência, na impossibilidade

de contatar um superior, ele toma as providências devidas. Ele assume a responsabilidade

pelas situações que surgem e procura resolvê-las, o que em alguns casos pode significar

assumir o comando de um grupo. No entanto, quando o comando do grupo está sendo

exercido por outro indivíduo, o cadete com iniciativa se destaca do grupo e assessora o

comandante, fornecendo um conselho ou uma informação útil. Destaca-se também a idéia de

que a iniciativa surge em situações fora da normalidade, em que não está previsto claramente

o que deve ser feito.

A resposta de menor freqüência na fase quantitativa, ligada ao voluntariado

para realizar atividades, não é considerada como um indicador seguro de iniciativa. Um

cadete pode ser voluntário movido pelo desejo de se destacar perante o grupo ou um superior.

Pode haver também a obrigatoriedade implícita de se voluntariar. Por outro lado, o indivíduo

que deixa de ser voluntário pode simplesmente não ter interesse em realizar determinada

atividade, o que não caracterizaria falta de iniciativa. Nos Quadros 21 e 22, são apresentados

exemplos de falas dos cadetes a respeito do assunto em pauta.

“No último dia da SIEsp, todo mundo cansado, lá, à noite, à véspera do cerco, aí o capitão chegou assim: ‘Voluntários para comandar o cerco. Quem tem condições de comandar o cerco?’ Aí ele levantou o braço: iniciativa.”

“Por exemplo, tem que falar uma coisa com o capitão, tipo, tem um problema na turma, aí ele assume: ‘vou eu lá’.”

“Por exemplo no serviço: eu tou fazendo uma ronda ali, e eu tomo a iniciativa de fazer alguma coisa que talvez não esteja prevista, mas que eu penso que pode ser importante, então... Eu tomo a iniciativa de passar num canto que talvez não esteja previsto, mas eu sei que pode aparecer algum problema lá. A iniciativa faz eu ir fazer uma coisa que talvez não esteja prevista, mas que eu posso fazer e... A gente vê mais a iniciativa no serviço. Ah, chegou uma visita, não tem ninguém pra conduzir a visita, ah, eu vou lá conduzir, então...”

“Você tá de serviço, viu uma coisa. Não é sua atribuição fiscalizar aquilo. Mas você passou, olhou, viu que tá errado, é responsabilidade que você tem com a Instituição e tem iniciativa também de ir lá cobrar, e não ficar como mais um, lá, fazendo que não é comigo...”

“Ele vai tomar a decisão... Ele vai ser pró-ativo, não reativo.”

“[...] surge algum problema, aquele cadete não tem como falar com o oficial-de-dia, não tem contato, ele vai cumprir a missão ali, ele vai fazer o que ele acha mais certo. Agora aquele cadete que não tem iniciativa: ele vai ficar esperando o oficial-de-dia voltar.”

“O universo dele não é bitolado... O cadete bitolado: não importa, ele não quer fazer nada que não esteja claramente previsto, que fuja da normalidade.”

“Esse negócio da normalidade é o que perfeito pra não ter iniciativa.”

Quadro 21 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

166

“Agora, quando ocorre uma coisa anormal, aí é que dá pra ver quem tem e quem não tem iniciativa. O cara que não tem iniciativa ele vai ficar esperando, por exemplo, até que surja uma idéia... O cara que tem iniciativa, ele mesmo já toma a decisão dele. E o cara que não tem iniciativa, o vulgo ‘colado’, que a gente chama, é o cara que - a gente já tendendo: ‘pô, vamos fazer alguma coisa’ - ‘não, mas o capitão não disse que pode fazer isso...’ Claro que ele não disse que não pode, tem que fazer alguma coisa! Aí o cara não tem um superior num momento de anormalidade e ele não toma atitude. Esse é que é o cara que não tem iniciativa. O cara que tem iniciativa, não, ele toma uma atitude, pode até ter a iniciativa errada ou a iniciativa correta, mas ele toma uma decisão, ele faz alguma coisa.”

“O cara que é ‘colado’ tá sempre preocupado, estatisticamente é o cara que não mata as coisas no peito. Ele tá preocupado com a linha em que ele tá amarrado, tem que tar sempre perfeito. Enquanto o cara que tem iniciativa, ele mata as coisas no peito, sem saber aonde vai dar...”

“A massa é irresponsável, só que cada indivíduo dela tem responsabilidade individual. A partir do momento que ele traz pra si: ‘Não, então deixa comigo’ – esse aí é o que teve iniciativa. Tipo ele viu que alguém precisava fazer isso, aí ele foi: ‘Então, tá comigo’ – esse aí é o que teve iniciativa.”

“Aqui na Academia, ‘voluntário’ é um negócio muito complicado. No 1º Ano todo mundo aprende a ser voluntário, aí no 2º Ano voluntário é quem é voluntário mesmo, a não ser que tenha algum cadete que queira se destacar por ser voluntário, o que também existe, pros oficiais... Então ele é voluntário pra tudo. A gente sabe que... não precisa ficar se voluntariando pra coisa não é do seu interesse.”

Quadro 22 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

Ao comparar as posições apresentadas por cadetes do 1º e do 4º Anos,

percebemos que há convergência nos aspectos ressaltados por ambos os grupos em relação ao

perfil do cadete que possui iniciativa. No entanto, parece-nos que os cadetes do 4º Ano

possuem uma maior bagagem de vivências relacionadas a este valor do que os cadetes do 1º

Ano, o que se verifica pela maior riqueza de exemplos de situações trazidos nos grupos focais.

Para os cadetes do 1º Ano, adotar a iniciativa em situações cotidianas parece estar mais no

campo do ideal do que do efetivamente vivenciado. Estes cadetes expressaram que

freqüentemente percebem que a iniciativa entra em conflito com a disciplina, a qual se

apresentou em depoimentos anteriores de oficiais e cadetes do 4º Ano como o principal

objetivo desta fase inicial da formação, que ocorre no 1º Ano. Com base apenas nos dados

apresentados até o momento, podemos inferir que os cadetes do 1º Ano encontram poucas

oportunidades para exercer sua iniciativa nesta fase do processo de socialização, quadro que

se altera em alguma medida ao longo do processo, uma vez que os cadetes do 4º Ano parecem

ter exercitado este valor com maior intensidade. Estes cadetes parecem ter assimilado a idéia

de que ter iniciativa significa assumir riscos, uma atitude valorizada por eles.

No grupo focal realizado com tenentes, confirmaram-se as tendências

expressas na etapa anterior, que em sua maior parte coincidem com as posições apresentadas

pelos cadetes. Os tenentes enfatizam que a iniciativa está relacionada a situações inesperadas,

em que não existe um parâmetro preestabelecido. Nesse contexto, o indivíduo com iniciativa

inicia uma ação, sem ficar esperando que algo aconteça. Isto é o que se espera dos cadetes:

167

que eles sejam pró-ativos, que, diante de uma situação imprevista, ajam de maneira positiva,

correta. Para os tenentes, a iniciativa está relacionada ao comprometimento que o indivíduo

sente quanto a dada situação e, por isso, está estreitamente ligada à responsabilidade. A

iniciativa também estaria correlacionada à “disciplina consciente”, que implica a compreensão

do que deve ser feito em determinado contexto.

No grupo focal com capitães, surgiu a concepção de que a iniciativa está

relacionada ao comprometimento com a tarefa e com a missão do grupo, de modo que os

comportamentos destacados na fase quantitativa, como tomar decisões, tomar a frente para

resolver problemas, entre outros, ocorrem visando otimizar a realização de determinada

tarefa. Os capitães consideram fundamental que a iniciativa seja desenvolvida pelos cadetes,

não apenas em relação às atitudes mencionadas no questionário, mas também na forma de

outras atitudes observáveis no dia-a-dia, tais como: procurar um professor para tirar uma

dúvida; ir a certo local providenciar material para uma atividade; procurar o comandante de

companhia e dizer que, conforme seu planejamento, não conseguirá cumprir o prazo

estipulado para determinada tarefa; entre outras. Em seus futuros como oficiais, os cadetes

necessitarão ter iniciativa, pois receberão uma tarefa geral para cumprir, com prazo definido,

sem maiores especificações. Precisarão saber tomar decisões e conduzir seus subordinados em

direção a um objetivo.

Mais uma vez, constatamos que, embora com enfoques diferentes, há grande

convergência entre as concepções apresentadas por cadetes e oficiais. Ou seja, embora tenham

sido evidenciados pontos de vista associados à experiência particular de cada segmento na

organização, parece-nos que todos compartilham a idéia de um núcleo básico que define o

perfil do cadete com iniciativa, baseado na autonomia, na adoção de uma conduta pró-ativa

em situações imprevistas ou em iniciar ações em prol da otimização de tarefas.

5.3.2 Percepção das mudanças ocorridas com a formação militar

O sexto tópico pesquisado relaciona-se à percepção dos participantes acerca

das mudanças ocorridas na iniciativa dos jovens em decorrência da formação militar.

Analisaremos, na seqüência, os dados quantitativos e qualitativos referentes ao assunto.

168

5.3.2.1 Resultados da etapa quantitativa

Na análise comparativa das tendências de resposta apresentadas por cadetes do

1º e do 4º Anos à Questão 6 do instrumento aplicado (Tabela 20), observamos

homogeneidade nas percepções dos participantes acerca dos efeitos da formação militar sobre

sua iniciativa. A maioria (acima de 70%) dos cadetes de ambos os anos considera que sua

iniciativa mudou para melhor após o ingresso na carreira militar. Apenas o percentual de 20%

e 14%, respectivamente de cadetes do 1º e 4º Anos, expressou perceber que sua iniciativa não

se modificou em decorrência do processo de socialização vivenciado. No entanto, mais uma

vez, não é possível discernir se ocorreu um ganho qualitativo relacionado ao valor do 1º ao 4º

Ano de formação.

Tabela 20 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 6

Questão 6 – Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua iniciativa? Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Mudou para melhor. 71,10 Mudou para melhor. 77,25 Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. 20,23 Permaneceu igual ao que era antes, na

vida civil. 14,29

Mudou para pior. 8,67 Mudou para pior. 7,94 Sem resposta. 0,00 Sem resposta. 0,53

Ao compararmos as respostas apresentadas por cadetes e tenentes (Tabela 21),

identificamos que a avaliação dos tenentes acerca dos efeitos do processo de socialização

sobre a iniciativa dos jovens é ainda mais positiva do que a dos cadetes, ultrapassando a

freqüência de 80%. Os percentuais relativos às demais tendências de resposta mostram-se

pouco significativos no grupo dos tenentes, considerando o tamanho da amostra a que se

referem.

Tabela 21 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 6

Questão 6 - Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua iniciativa?

Questão 6 - Depois do ingresso na vida militar, o que costuma ocorrer em relação à iniciativa dos

jovens (cadetes)? Cadetes (n = 362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Mudou para melhor. 74,31 Muda para melhor. 83,33 Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. 17,13 Muda para pior. 11,11

Mudou para pior. 8,29 Permanece igual ao que era antes, na vida civil. 5,56

Sem resposta. 0,28 Sem resposta. 0,00

169

Na comparação entre as respostas de cadetes e capitães (Tabela 22), revela-se

que os capitães, à semelhança do verificado em relação aos tenentes, apresentam mais forte

tendência de avaliar o processo de socialização como positivo no tocante ao desenvolvimento

da iniciativa. As demais tendências de resposta não se mostraram quantitativamente

significativas neste grupo. Vemos, portanto, que há uma avaliação geral positiva de cadetes e

oficiais quanto aos resultados do processo.

Tabela 22 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 6

Questão 6 - Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua iniciativa?

Questão 6 - Depois do ingresso na vida militar, o que costuma ocorrer em relação à iniciativa dos

jovens (cadetes)? Cadetes (n = 362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Mudou para melhor. 74,31 Muda para melhor. 87,50 Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. 17,13 Permanece igual ao que era antes, na

vida civil. 9,38

Mudou para pior. 8,29 Muda para pior. 3,13 Sem resposta. 0,28 Sem resposta. 0,00

5.3.2.2 Resultados da etapa qualitativa

Os grupos focais realizados com cadetes do 1º Ano trouxeram à tona situações

que se contrastam com o apresentado na etapa quantitativa. Nas respostas ao questionário, a

maioria dos cadetes do 1º Ano expressara que sua iniciativa mudou para melhor com a

formação militar. Entretanto, nas discussões em grupo tal perspectiva foi relativizada, tendo

sido evidenciadas várias percepções negativas dos participantes quanto à sua iniciativa no

processo de socialização.

A mudança da iniciativa para melhor é relacionada ao aumento de atividades e

responsabilidades que ocorreu com o ingresso na carreira militar. Aumentou o número de

situações em que os jovens necessitam tomar decisões, o que envolve, entre outros aspectos, o

exercício de funções de comando. Nos exercícios no terreno, os cadetes vivenciam situações

de pressão em que necessitam tomar iniciativas para evitar desconfortos. Ou seja, em

situações de dificuldade e pressão, fora da normalidade, os cadetes consideram que sua

iniciativa mudou para melhor. Entendem também que a formação militar lhes apresenta mais

170

oportunidades em que a iniciativa pode ser tomada, em comparação com sua realidade de vida

anterior.

Porém, em situações de normalidade, que correspondem ao contexto que

vivenciam em seu dia-a-dia, ou seja, durante a maior parte do tempo de sua formação11, os

cadetes do 1º Ano não se sentem muito estimulados a tomar iniciativas. Chegam a afirmar

que, em tais situações, sua iniciativa mudou para pior com a formação militar. Além de

encontrarem poucas oportunidades em que podem tomar decisões, os cadetes sentem-se

excessivamente criticados e corrigidos pelos seus superiores. Erros cometidos no dia-a-dia

têm grande possibilidade de se reverterem em punições disciplinares, diferentemente do que

ocorre nos exercícios no terreno, em que os erros costumam acarretar punições físicas12. Estas

são vividas pelos cadetes como menos sofridas do que a perda do licenciamento em um fim-

de-semana, que pode ser a conseqüência de uma punição disciplinar. Assim, tomar uma

iniciativa, que pode ser julgada como errada e vir a ser punida por um superior, representa um

risco muito grande para os cadetes do 1º Ano, que muitas vezes optam por uma atitude

apática, a qual geralmente não acarreta punições disciplinares. Por outro lado, as dificuldades

encontradas na formação podem conduzir os cadetes a desenvolverem o que alguns chamam

de “iniciativas erradas”, ou seja, comportamentos que implicam burlar ordens e normas para

se esquivar de situações desconfortáveis.

Em suma, embora os cadetes do 1º Ano considerem que sua iniciativa, de

modo geral, mudou para melhor com a formação militar, sentem-se pouco estimulados a

exercê-la em seu cotidiano. Nos Quadros 23 e 24, há depoimentos de cadetes relacionados ao

tema. “O que eu tinha pensado [no momento de responder ao questionário] é que antes eu tinha menos chance de mostrar [iniciativa], mas não que depois que eu entrei aqui... O que eu tenho assim é que não dá muita vontade de você tentar mostrar, porque pode ser torrado, pode... Então você prefere às vezes ali ficar na massa.”

“Depende do ponto de vista. Quando você tem a oportunidade, você tá numa função, realmente você vai perceber que você teve a chance de aumentar sua iniciativa, se você tá lá, você é xerife, não tem jeito, é você mesmo, então você vai realmente desenvolver sua iniciativa. Agora quando você não é, realmente eu acho que você fica mais inibido de ter a iniciativa, é diferente.”

Quadro 23 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

11 No 1º Ano do Curso de Formação são realizados cinco exercícios no terreno, com duração média de uma semana, distribuídos ao longo do ano letivo, além de alguns exercícios inopinados, geralmente com menor duração. O desempenho de funções de comando pelos cadetes ocorre em sistema de rodízio. Assim, tais situações não representam a realidade vivenciada pelos cadetes na maior parte do período letivo. 12 As punições físicas a que os cadetes do 1º Ano fazem referência constituem-se, por exemplo, da execução de diversas repetições de exercícios físicos, como flexões de braço, o que é chamado na gíria de “pagação”. Tais

171

“A gente começou a ter muita iniciativa negativa aqui na AMAN. Eu acho que na Preparatória a iniciativa é muito boa: tão querendo desenvolver a iniciativa no lado positivo. Eu acho que aqui na AMAN a gente toda hora vê o lado negativo. Um exemplo disso eu acho que é na FIT: a gente no último dia tinha que pegar uma trilha maluca lá, um pessoal errando a trilha, aí o pessoal da patrulha entrou na área hachurada, a gente ficou perdido ali, aí acabou saindo pelo canto..”.

“A gente tava conversando no alojamento que foi exatamente assim: a gente tava discutindo se a patrulha ia ou não por essa trilha que a gente já foi, então sabia que era bastante difícil, a gente quer fazer a coisa certa. Tava de noite já, muito embarrado, tinha chovido, aí discutindo, discutindo... Até que a gente viu uma outra patrulha voltando e dizendo: ‘Não, vamos passar por aqui, não sei o que...’ Aí a gente tomou a iniciativa errada e seguiu pelo caminho da estrada que seria o mais fácil.”

“Eu acho que mudou pra pior. Porque você tem uma situação muito grande aqui dentro pra você tomar a iniciativa errada. Na hora que você toma a iniciativa, você corre muito risco aqui. Então você na maioria das vezes prefere não tomar uma iniciativa pra poder não ser prejudicado.”

“A possibilidade de a iniciativa ser julgada errada é milhões de vezes maior do que a de ser julgada certa.”

“Uma coisa que acontece aqui também é que às vezes o cara tá de xerife de pelotão e ele consegue ver que daquela forma não tá tanto certo, aí se ele tenta fazer de uma forma um pouco diferente, que ele acha melhor, ele é torrado.”

“Outro exemplo também é na placa da companhia. No grêmio foi feito um trabalho de pesquisar uma frase boa, ficou um bom tempo pesquisando, aí colocou uma frase, mostrou uma frase que achou interessante, aí à tarde foi e mostrou a frase pro comandante de companhia. Aí o comandante de companhia não gostou e colocou [...], [uma frase] que ele gosta e que não representava a visão da companhia. Cortou ali a iniciativa que o grêmio teve de procurar uma frase, ter trabalho, tal...”

“Tipo assim: tu começa a tomar iniciativa, mas às vezes tu toma as iniciativas erradas e é repreendido severo. Você leva punição com relação às tuas iniciativas, então isso te inibe. Tu sente vontade: eu poderia fazer isso, mas eu não vou fazer, porque eu posso tá fazendo errado e seu eu fizer errado, vou tomar uma cipoada.”

“A gente ouve muito dos oficiais assim: você pode até tomar a iniciativa errada, mas tome uma iniciativa. Porque às vezes é melhor tomar uma iniciativa errada do que ficar parado e deixar que as coisas aconteçam.”

Quadro 24 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

Os cadetes do 4º Ano, por sua vez, corroboraram as tendências de resposta

apresentadas na etapa quantitativa. Nos grupos focais, estes participantes confirmaram que

sua iniciativa mudou para melhor com a formação militar.

Ao ingressar na vida militar, os cadetes passaram a vivenciar situações novas, a

ter que cumprir diversas tarefas e alcançar objetivos de desempenho, o que lhes exigiu

iniciativa para conseguir acompanhar o grupo. Antes, em sua vida civil, os jovens muitas

vezes tinham o apoio de familiares para resolver seus problemas, contexto que se modificou

com a formação militar. Os cadetes também passaram a conviver mais estreitamente com um

grupo e a ter que resolver problemas em conjunto, o que estimulou sua iniciativa. No

ambiente militar, passaram a ouvir um discurso de valorização da iniciativa, como atitude

práticas ocorrem no campo da informalidade, uma vez que a aplicação deste tipo de punição não é prevista pelos regulamentos militares atuais.

172

necessária ao futuro oficial, o que não ocorria em seu ambiente anterior. Os cadetes concluem

que a vida militar impõe ao indivíduo várias situações imprevistas, que exigem que ele saia da

inércia e tome uma atitude. No Quadro 25, vemos falas dos cadetes sobre o assunto.

“Eu acho que a gente passou a ter um grupo mais cerrado. Porque antes de entrar pras escolas aí, a maioria das pessoas tinha contato no colégio com meia dúzia de seus amigos ali... Aqui a gente passa a semana inteira com um grupo todo ali, resolvendo vários problemas, surge isso, aquilo, a gente tá sempre junto. É diferente, a iniciativa muda pra melhor.”

“Eu acho que é o que a gente tava falando da normalidade... Tava normal antes, agora começa uma situação anormal quando a gente entra na AMAN, e toda a iniciativa o cara toma quando encontra alguma coisa diferente, anormal, então quando entrou na AMAN é que desenvolveu, porque antes não tinha nada anormal, na sua vida era de um cara...”

“É... Quando acontecia alguma coisa anormal (o que era difícil), sempre tinha o pai, a mãe, o irmão mais velho que resolvia pra você...”

“Não falavam: ‘Tome a iniciativa’. Falava: ‘Meu filho, você tem que estudar, meu filho...’ O pai tava ali no pé.”

“Eu achei que quando eu entrei pra Cavalaria, devido à situação da Arma em si, da atividade, eu acho que a minha iniciativa aumentou. Porque, por exemplo, quando a gente tá fazendo um reconhecimento, tem que identificar toda a situação antes. Por quê? Porque de repente vai passar por um determinado local que o inimigo pode tá ali, se a gente não tomar uma conduta antes, vai perder o pelotão inteiro. E outro aspecto que tem na Cavalaria é a equitação. Com o cavalo, o obstáculo tá ali na frente, se o cadete não tiver iniciativa, pô, você vai cair, né? Agora se tiver a iniciativa de comandar o cavalo, ele vai passar o obstáculo. Então eu acho que a minha iniciativa aumentou quando eu virei militar, e aumentou mais ainda quando eu fui pra Cavalaria.”

Quadro 25 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

Ao comparar as posições apresentadas por cadetes do 1º e do 4º Anos,

observamos novamente que os cadetes do 1º Ano exprimem mais dificuldades em exercer sua

iniciativa ao longo do processo de socialização do que os cadetes do 4º Ano. Os cadetes do 1º

Ano percebem que desenvolveram novas habilidades com a formação militar e identificam

um ganho em sua iniciativa para lidar com situações inusitadas, como, por exemplo, em

exercícios no terreno e em funções de comando. No entanto, vivenciam dificuldades para

exercer a iniciativa em seu cotidiano, face às críticas e punições aplicadas por seus superiores.

Os cadetes do 4º Ano parecem estar mais adaptados ao contexto de sua formação e realizam

uma avaliação geral mais positiva. Porém, não encontramos referências a um

desenvolvimento crescente da iniciativa com o passar dos anos da formação.

No grupo focal realizado com tenentes foram levantadas posições que em certa

medida se contrapõem ao apresentado na etapa quantitativa, pois expressam uma visão mais

negativa acerca do desenvolvimento da iniciativa ao longo da formação militar.

173

Os tenentes identificam a existência de diferentes momentos no

desenvolvimento da iniciativa pelos cadetes. No 1º Ano, não são observados muitos

comportamentos ligados à iniciativa, uma vez que os cadetes ainda não têm muita experiência

profissional e este não é o foco das instruções nessa fase da formação. Os cadetes que

manifestam iniciativas ajustadas à realidade da organização são valorizados, por vezes sendo

colocados para ocupar funções de destaque, mas se constituem em exceção. A maior parte dos

cadetes possui iniciativas “desajustadas”, pois agem com naturalidade a partir de seus

referenciais anteriores à formação militar. No intuito de ajustar estes cadetes ao contexto

militar, são efetuadas correções intensivas ao seu comportamento, o que termina inibindo que

eles tomem quaisquer iniciativas. Desta forma, alguns cadetes terminam a formação com sua

iniciativa pior do que era antes de ingressarem na AMAN.

No 3º e 4º Anos observa-se uma melhora na iniciativa dos cadetes. No entanto,

é após a formatura, ao chegarem à tropa, que os indivíduos realmente passarão a apresentar

iniciativas, pois serão obrigados a tomar decisões. Porém, a partir de então suas iniciativas

ocorrerão de forma ajustada às expectativas da Instituição, o que caracteriza uma mudança em

relação à maneira como tomavam iniciativas antes da formação militar.

Os tenentes consideram que a iniciativa está ligada ao grau de responsabilidade

que se atribui ao indivíduo. Os cadetes, de modo geral, não têm autonomia para tomar

decisões, o que limita o desenvolvimento da iniciativa. No Quadro 26, vemos alguns

exemplos de depoimentos de tenentes.

“Eu como tenente tou com a minha iniciativa muito pior do que quando eu entrei no Exército.”

“Essa iniciativa tá muito relacionada com o escalão superior, se ele deixa a gente agir com iniciativa.”

Quadro 26 - Citações extraídas de grupo focal com tenentes

As posições apresentadas pelos capitães no grupo focal confirmam a noção de

que a iniciativa dos jovens aumenta com a vida militar, embora identifiquem que os cadetes

não têm atingido, ao longo da formação, o nível de iniciativa de que o oficial necessita.

Na formação militar, os jovens são colocados em situações em que sentem a

necessidade de exercer sua iniciativa para conseguirem cumprir suas tarefas. Ao comparar

cadetes do 4º Ano com cadetes do 1º Ano, os capitães percebem uma superioridade de

iniciativa dos primeiros. Os cadetes do 4º Ano possuem maior acúmulo de experiências na

organização, o que lhes proporciona referenciais sobre a conduta correta a ser adotada em

diversas situações.

174

Ao comparar um cadete com um jovem universitário civil, os capitães

percebem diferenças. Em situações relacionadas ao comprometimento com os estudos e com a

realização de trabalhos acadêmicos, os cadetes demonstram inferioridade em sua iniciativa em

relação aos jovens civis. Ainda assim, em outras situações, consideradas pelos capitães como

“mais complexas”, acredita-se que os cadetes possuam superioridade de iniciativa.

Analisando os dados até agora fornecidos pelos diversos participantes da

pesquisa, podemos identificar que há uma avaliação geral positiva quanto aos resultados da

formação militar. Entretanto, também é recorrente a posição de que a iniciativa dos cadetes

não está sendo desenvolvida no nível desejável para o exercício de seu futuro papel na

organização. Procuraremos esclarecer tais aspectos na análise dos tópicos que se seguem.

5.3.3 Aspectos do processo de socialização que facilitam o desenvolvimento

Nosso sétimo tópico de pesquisa está relacionado aos aspectos do processo de

socialização que são percebidos pelos participantes como auxiliadores no desenvolvimento da

iniciativa pelos cadetes.

5.3.3.1 Resultados da etapa quantitativa

Na análise comparativa das tendências de resposta apresentadas por cadetes do

1º e do 4º Anos à Questão 7 do instrumento aplicado (Tabela 23), verificamos grande

semelhança entre os grupos. Para ambos, os aspectos do processo de socialização que mais

auxiliam no desenvolvimento de sua iniciativa são: o desempenho de funções de comando, a

imposição de obstáculos a serem ultrapassados ao longo da formação e, em menor

intensidade, as atividades em grupo. As tendências de resposta de menores freqüências,

também nos dois grupos, aparecem associadas ao relacionamento entre oficiais e cadetes. A

similaridade entre as tendências de pensamento de cadetes do 1º e do 4º Anos pode significar

que a experiência de socialização assume contornos relativamente estáveis ao longo de todo o

Curso.

175

Tabela 23 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 7

Questão 7 - Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que tem auxiliado você a desenvolver sua iniciativa ao longo do Curso de Formação da AMAN.

Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) O desempenho de funções de comando pelos cadetes. 72,83 O desempenho de funções de comando

pelos cadetes. 74,60

A imposição de obstáculos a serem ultrapassados ao longo da formação. 71,10 A imposição de obstáculos a serem

ultrapassados ao longo da formação. 67,72

As atividades realizadas em grupo pelos cadetes. 52,02 As atividades realizadas em grupo

pelos cadetes. 47,09

O incentivo constante dos oficiais para que os cadetes tomem iniciativas. 38,15 A valorização de opiniões e sugestões

dos cadetes pelos oficiais. 27,51

A solicitação constante de voluntários para atividades. 27,17 O incentivo constante dos oficiais para

que os cadetes tomem iniciativas. 25,40

O exemplo dos oficiais, que evidenciam sua iniciativa. 27,17 A solicitação constante de voluntários

para atividades. 19,05

A valorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais. 22,54 O exemplo dos oficiais, que

evidenciam sua iniciativa. 15,87

Analisando as respostas apresentadas por cadetes e tenentes (Tabela 24),

identificamos convergências e divergências de percepção acerca do processo de socialização.

Para cadetes e tenentes, aspectos ligados ao desempenho de funções de comando pelos

cadetes e à imposição de obstáculos ao longo da formação são percebidos como positivos para

o desenvolvimento da iniciativa. Entretanto, a realização de atividades em grupo apresenta-se

como uma tendência de resposta mais forte entre cadetes do que entre tenentes. Por outro

lado, os tenentes apresentam tendência a valorizar aspectos que pouco se destacam para os

cadetes, relacionados à atuação dos oficiais no processo de socialização, quais sejam: a

valorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais, o exemplo dos oficiais quanto à

iniciativa e o incentivo dos oficiais para que os cadetes tomem iniciativas.

176

Tabela 24 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 7

Questão 7 - Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo,

aquele(s) que tem auxiliado você a desenvolver sua iniciativa ao longo do Curso de Formação da

AMAN.

Questão 7 - Tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos

abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem auxiliado os cadetes a desenvolver sua iniciativa

ao longo do Curso de Formação da AMAN. Cadetes (n =362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) O desempenho de funções de comando pelos cadetes. 73,76 O desempenho de funções de

comando pelos cadetes. 72,22

A imposição de obstáculos a serem ultrapassados ao longo da formação. 69,34 A valorização de opiniões e sugestões

dos cadetes pelos oficiais. 66,67

As atividades realizadas em grupo pelos cadetes. 49,45 A imposição de obstáculos a serem

ultrapassados ao longo da formação. 61,11

O incentivo constante dos oficiais para que os cadetes tomem iniciativas. 31,49 O exemplo dos oficiais, que

evidenciam sua iniciativa. 61,11

A valorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais. 25,14 O incentivo constante dos oficiais para

que os cadetes tomem iniciativas. 61,11

A solicitação constante de voluntários para atividades. 22,93 A solicitação constante de voluntários

para atividades. 27,78

O exemplo dos oficiais, que evidenciam sua iniciativa. 21,27 As atividades realizadas em grupo

pelos cadetes. 27,78

Ao analisarmos comparativamente as respostas de cadetes e capitães (Tabela

25), identificamos que o desempenho de funções de comando aparece novamente como uma

tendência de resposta bastante forte nos dois grupos, com freqüências acima de 70%. Os

cadetes parecem colocar mais ênfase no aspecto ligado à imposição de obstáculos durante a

formação do que os capitães, embora em ambos os grupos esta tendência de resposta

apresente-se bastante intensa, com freqüências acima de 50%. À semelhança do verificado na

tabela anterior, os cadetes percebem mais positivamente a realização de atividades em grupo

para o desenvolvimento de sua iniciativa do que os capitães, para quem tal aspecto não parece

ser muito relevante. Em contraposição, os aspectos relacionados à atuação dos oficiais se

destacam com elevadas freqüências no grupo dos capitães, o que não ocorre para os cadetes,

que conferem pouco relevo a tais aspectos. Buscaremos compreender melhor o sentido de tais

divergências na etapa qualitativa.

177

Tabela 25 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 7

Questão 7 - Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo,

aquele(s) que tem auxiliado você a desenvolver sua iniciativa ao longo do Curso de Formação da

AMAN.

Questão 7 - Tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos

abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem auxiliado os cadetes a desenvolver sua iniciativa

ao longo do Curso de Formação da AMAN. Cadetes (n =362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) O desempenho de funções de comando pelos cadetes. 73,76 O desempenho de funções de

comando pelos cadetes. 71,88

A imposição de obstáculos a serem ultrapassados ao longo da formação. 69,34 O incentivo constante dos oficiais para

que os cadetes tomem iniciativas. 65,63

As atividades realizadas em grupo pelos cadetes. 49,45 A valorização de opiniões e sugestões

dos cadetes pelos oficiais. 62,50

O incentivo constante dos oficiais para que os cadetes tomem iniciativas. 31,49 O exemplo dos oficiais, que

evidenciam sua iniciativa. 59,38

A valorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais. 25,14 A imposição de obstáculos a serem

ultrapassados ao longo da formação. 56,25

A solicitação constante de voluntários para atividades. 22,93 As atividades realizadas em grupo

pelos cadetes. 28,13

O exemplo dos oficiais, que evidenciam sua iniciativa. 21,27 A solicitação constante de voluntários

para atividades. 9,38

5.3.3.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais realizados com cadetes do 1º Ano, confirmaram-se as

tendências de resposta apresentadas na fase quantitativa.

O desempenho de funções de comando pelos cadetes é percebido como um

grande auxiliador para o desenvolvimento da iniciativa. Em tal condição, os cadetes possuem

responsabilidades diferenciadas dos demais e necessitam tomar várias decisões.

As dificuldades (obstáculos) que surgem em várias situações ao longo da

formação estimulam os cadetes a terem iniciativa para superá-las, constituindo-se como

aspectos positivos em seu processo de socialização.

As atividades em grupo são consideradas pelos cadetes do 1º Ano como

excelentes oportunidades para desenvolver sua iniciativa, pois permitem que eles tomem

diversas decisões. Tais atividades são consideradas como mais complexas do que as

atividades individuais, pois exigem organização do grupo, planejamento e divisão de tarefas.

Os cadetes sentem maior liberdade em expor suas idéias, debatê-las e operacionalizá-las

quando estão entre pares. Quando há a presença de um superior, eles têm a impressão de que é

a sua idéia que será colocada em prática, havendo restrição da possibilidade de participação

178

dos cadetes. Quando o grupo de pares deposita confiança na decisão tomada por um cadete,

está auxiliando no desenvolvimento de sua iniciativa.

Um aspecto pouco destacado na etapa quantitativa, mas que foi enfatizado em

um dos grupos focais, relaciona-se ao incentivo exercido pelos oficiais quanto à iniciativa dos

cadetes. Este incentivo ocorre através da pressão dos oficiais para que os cadetes tomem

iniciativas, o que se constitui em um forte estímulo para que “saiam da inércia”. No Quadro

27, encontram-se alguns depoimentos de cadetes do 1º Ano.

“Eu acho que quando você tem responsabilidade nas mãos, é muito mais colocado em xeque pra tomar iniciativa. Auxiliar de comando tá sempre ali. O capitão não tá, ele responde: ‘Pô, e aí, é com pasta ou sem pasta?’ Aí ele fala: ‘Sem pasta’. Quer dizer, a iniciativa foi dele, que ele tá à frente da companhia naquele momento. Às vezes ali, o encarregado de material, ele tá com um monte de partes pra distribuir, aí o cara fala: ‘Pô, vai deixar aqui ou vai levar na mão?’ Ele tem que tomar a iniciativa, porque foi colocado em xeque. Então às vezes, quando você tem a responsabilidade nas suas mãos, tem muito mais chance de ter iniciativa do que quando você tá na massa, ali.”

“Quando você tá fazendo um trabalho... Aqui a gente não faz muito trabalho pra DE, tipo fazer pesquisa, isso a gente não faz muito... Mas, se você vai fazer um trabalho, tipo uma pesquisa, não sei, a gente tem a liberdade de tomar a iniciativa entre nós mesmos aqui. Quando tem um superior fica mais fácil ele impor a idéia dele – entre a gente, a gente pode discutir.”

“Fazer mural é o mais comum. Aí todo mundo discute o que vai fazer, o que tem que colocar, cada um vai tomando a sua iniciativa, vai desenvolvendo alguma coisa ali pra poder chegar num padrão – nunca vai agradar todo mundo, é impossível – mas todo mundo tomou a iniciativa, conseguia falar ali, falou o que queria fazer e chegou no final tá o mural ali, que tá mostrando o que cada um quer.”

“Se o oficial do Básico não cobrar e não apertar, a maioria das pessoas vai ficar parada, não vai ter um estalo pra poder tomar iniciativa. Então a forma que eles viram de estimular você a ter iniciativa é cobrando e apertando, pra que talvez no futuro eles deixarem de cobrar e a gente ter esse reflexo de tomar iniciativa.”

Quadro 27 - Citações extraídas de grupo focal com cadetes do 1º Ano

As posições apresentadas pelos cadetes do 4º Ano nos grupos focais

corroboraram as tendências de pensamento sinalizadas na etapa quantitativa.

O desempenho de diversas funções, tais como auxiliar de comando,

sargenteante, furriel, chefe de turma, serviços de escala, entre outras, contribui

significativamente para o desenvolvimento da iniciativa dos cadetes. Nessas funções, como

têm mais atribuições a cumprir, os cadetes necessitam se planejar e tomar providências para

atingir seus objetivos. Necessitam, também, administrar situações imprevistas e atender a

eventuais cobranças dos oficiais.

Os obstáculos a serem ultrapassados durante a formação correspondem ao

próprio dia-a-dia, em que os cadetes devem cumprir diversas atividades e atingir objetivos de

desempenho em diferentes áreas, o que lhes estimula a tomar iniciativas. Para conseguirem

concluir o Curso com êxito, os cadetes desenvolvem estratégias para otimizar seu tempo,

179

através de um planejamento prévio e da agilização de providências com antecedência. Além

disso, eles são levados a desenvolver, por conta própria, diversos mecanismos para superar

suas dificuldades.

Em relação à realização de atividades em grupo, sua contribuição para o

desenvolvimento da iniciativa foi relativizada pelos cadetes do 4º Ano. Neste caso, alguns

cadetes desenvolveriam sua iniciativa, ao tomarem providências para a realização das tarefas.

No entanto, é comum que boa parte do grupo se apóie nestes cadetes com iniciativa, adotando

uma postura passiva e deixando de contribuir significativamente com o trabalho. Para estes, as

atividades em grupo podem até causar prejuízos quanto à iniciativa.

A tendência de resposta de menor freqüência na etapa quantitativa, relacionada

ao exemplo dos oficiais quanto à iniciativa, reflete um aspecto pouco significativo para a

maioria dos cadetes do 4º Ano. Os cadetes percebem que os oficiais, especialmente seus

comandantes de companhia e pelotão, possuem pouca autonomia para tomar decisões no dia-

a-dia, remetendo-se aos escalões superiores antes de se posicionarem diante de situações fora

da normalidade. Ou seja, não é comum serem observados exemplos de iniciativa por parte dos

oficiais mais próximos dos cadetes. Nos Quadros 28 e 29, são apresentados exemplos de

depoimentos de cadetes do 4º Ano.

“Obstáculos: se ele não tiver a iniciativa de correr, fazer uma barra, ir à tarde pra piscina pra nadar, se não tiver essa iniciativa, vai pro barro... São obstáculos que ele vai ter que vencer, e se ele não tiver iniciativa pra vencer esses obstáculos, ele não vai... ele vai ser desligado da AMAN.”

“E o desempenho de funções é, por exemplo, porque, ó, ele não chega: ‘Ô, capitão, quem que eu vou arranchar?’ Ele já chega lá na escala de serviço: ‘Pô, final-de-semana tem o sargento-de-dia, tem dois punidos... Tá, vou arranchar esse pessoal aqui.’ Arrancha, entrega...”

“O cara que faz descontos, também... Ele que corre atrás de pagar os outros. Ele pega aqui: ‘Pô, a gente deve tanto dinheiro pro Banco do Brasil.’ Ele já chega, prepara o cheque, dá pro tenente assinar e vai lá: ‘Tenente, eu tenho que ir no banco agora...’ É a iniciativa do auxiliar de comando.”

“Por exemplo, as matérias da DE têm trabalho em grupo. Vai ter alguém que vai se jogar nas cordas e vai ficar na moita, em compensação vai ter alguém que vai ter a iniciativa de: ‘Ah, deixa que eu faço isso aí’.”

“Hoje em dia uma das coisas de que a gente mais sente falta é de um oficial falar assim, você tá com um problema ou alguma coisa, o oficial falar: ‘Pode deixar que eu resolvo’.”

“A anormalidade mais uma vez... Quando surge uma situação anormal, aí, por exemplo, fala com o tenente, aí o tenente: ‘Ah, vou falar com o capitão’, aí fala com o capitão, o capitão: ‘Ah, vou falar com o major’, e ninguém assume a responsabilidade. [...] Tem que falar com o comandante do Corpo de Cadetes pra sair à rua; eles não têm coragem de assumir as conseqüências que aquilo pode ter, entendeu? Vamos que o cadete vá pra rua e se acidente: ‘Uf, falei com o comandante do Corpo de Cadetes.’ É isso que a gente tá falando.”

Quadro 28 - Citações extraídas de grupo focal com cadetes do 4º Ano

180

“Aí quando o cadete solicita alguma coisa, por exemplo, ele solicita: ‘Tenente, dá pra fazer tal coisa?’ Aí o tenente já fala: ‘A princípio não. A princípio não pode fazer, mas eu vou checar.’ Não sei, é difícil você ver... Existem oficiais aqui que matam no peito: ‘Não, faz desse jeito, porque é o jeito mais fácil, aí eu vou checar.’ É difícil encontrar um oficial que fale: ‘Não, não, eu vou tomar essa decisão, porque eu acho correta’, ou que é a mais fácil... Não, ele geralmente sobe: ‘Tenente, a gente pode fazer tal coisa, tal dia?’; ‘Não, não, eu vou checar com meu superior.’ E vai subindo, vai subindo, vai subindo... Ninguém tem capacidade de decidir. E eu sei que na tropa não é assim. [...] Aqui não tem a iniciativa, todo mundo tem a preocupação do que o superior vai pensar dele.”

“Principalmente o tenente, o tenente não toma decisão nenhuma, sempre tem que falar com o capitão. Chega na formatura da tarde, o tenente vai lá, abre a agenda, aí começa: ‘Revista de branco tal dia...’ Ou seja, começa aquela brincadeira lá: o comandante do CC teve a iniciativa, aí depois ele só repassou pro major, que repassou pro capitão, que repassou pro tenente, então só houve a repetição do alto, iniciativa zero.”

Quadro 29 - Citações extraídas de grupo focal com cadetes do 4º Ano

Ao realizar a comparação entre as idéias apresentadas por cadetes do 1º e do 4º

Anos, constatamos que o desempenho de funções de comando é percebido por ambos como

um aspecto fortemente positivo para o desenvolvimento da iniciativa. A atribuição de

responsabilidades diferenciadas aos cadetes, colocando-os em posição de destaque perante

oficiais e pares, e a ampliação de seu poder de decisão parecem contribuir para que os

participantes adotem uma postura pró-ativa, diferentemente do que ocorre quando estão em

situação indiferenciada em seu grupo de pares. Outro aspecto destacado para os dois

segmentos de cadetes refere-se à superação das dificuldades inerentes à formação militar,

relacionadas à realização de diversas atividades e ao alcance de objetivos de desempenho em

diversas áreas. Isto é, os cadetes sentem a necessidade de “fazerem algo por si próprios” para

poderem atender às exigências da formação.

Por outro lado, a realização de atividades em grupo foi um aspecto percebido

diferentemente por cadetes do 1º e do 4º Anos. Os cadetes do 1º Ano percebem tais situações

como oportunidades de expressão e participação, enquanto os cadetes do 4º Ano vivenciam

nesse contexto uma distribuição desigual de responsabilidades no grupo de pares. Essas

diferenças podem estar relacionadas ao próprio envolvimento dos cadetes com as atividades,

que parece mostrar-se mais intenso no início do que no final da formação.

Outro aspecto percebido de maneiras distintas refere-se ao papel exercido pelos

oficiais no desenvolvimento da iniciativa pelos cadetes. Os cadetes do 1º Ano parecem

enxergar os oficiais como aqueles que os pressionam para ter iniciativas, o que é avaliado

como um estímulo positivo nessa direção, e também como aqueles que os punem e tolhem

suas iniciativas em certas ocasiões. Os cadetes do 4º Ano parecem ter a expectativa de que os

oficiais sejam modelos de iniciativa, ou seja, esperam que seus superiores sejam para eles

espelhos do oficial ideal. Entretanto, mostram-se frustrados nessa expectativa, uma vez que

181

não vêem seus superiores imediatos agindo com autonomia e iniciativa no cotidiano do

processo de socialização.

No grupo focal realizado com tenentes, algumas tendências de resposta da

etapa quantitativa foram confirmadas, enquanto outras foram redimensionadas, ao serem

consideradas mais como situações ideais do que como reflexos da realidade do processo de

socialização.

O desempenho de funções de comando foi corroborado pelos tenentes como

um aspecto que auxilia no desenvolvimento da iniciativa, porque nessa situação os cadetes

têm uma responsabilidade, perante o grupo, de tomar decisões. A imposição de obstáculos

durante a formação é outro aspecto positivo, pois está ligada à saída da normalidade, que

incita o indivíduo a tomar iniciativas, com coerência, partindo para uma linha de ação.

Os tenentes identificam que os cadetes se espelham muito em seu exemplo,

porque sabem que serão tenentes. No 4º Ano, eles estão muito próximos da condição de

oficiais e observam muito como seus superiores agem nas diversas situações. No 1º Ano, a

posição dos cadetes é diferente. Eles percebem o oficial como “dono da verdade”. Embora

percebam a importância de suas atitudes como modelos de papel para os cadetes, os tenentes

reconhecem que se sentem limitados para tomar iniciativas em seu dia-a-dia.

A valorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais é um aspecto

que se encontra mais no plano do ideal do que do real. Os tenentes consideram que as

opiniões e sugestões dos cadetes geralmente visam seu próprio conforto, demonstram falta de

compromisso com certos objetivos e muitas vezes não são coerentes, pois lhes falta

“maturidade”. Por isso, na maioria das vezes, não são valorizadas e consideradas pelos

oficiais.

No entanto, os participantes avaliam que sua forma de orientação aos cadetes

pode estar sendo falha em determinados aspectos. Por vezes, ocorre de a iniciativa de um

cadete não ser valorizada, porque o oficial não avalia que, de acordo com o nível de

conhecimento do cadete, aquela era a melhor iniciativa que ele poderia ter tomado em um

dado momento. Os tenentes concluem que a fiscalização pelos oficiais deveria ser exercida no

sentido de supervisionar e orientar, não de direcionar demasiadamente as ações do cadete.

Considera-se que é necessário encontrar um “meio-termo”, criando situações em que a

liberdade para tomar iniciativas seja proporcional à experiência do cadete, a fim de que ele

tome decisões embasadas no conhecimento que possui. Ou seja, embora na fase quantitativa

tenham se destacado positivamente aspectos referentes ao relacionamento entre oficiais e

cadetes, no grupo focal os tenentes concluíram que tais aspectos necessitam de

182

aprimoramentos na realidade da formação, momento em que se aproximam das percepções

dos cadetes a respeito. No Quadro 30, vemos um depoimento ligado ao questionamento

quanto ao papel dos oficiais no processo de socialização.

“Começou a chover ali na Olímpiada Acadêmica, eu tava montando barraca. Eu peguei a enxada e comecei a cavar, pra fazer uma canaleta – tirei o tênis, fiquei descalço... O cadete olhou: ‘Tenente, o senhor liderou, hein?’ Ele vê o tenente sempre bem fardadinho, aquele gorrinho certinho... Na tropa é diferente: pô, o tenente, ele tem que fazer... Então é diferente instrutor de comandante. Até que ponto a gente é comandante, até que ponto é instrutor?”

Quadro 30 - Citação extraída de grupo focal com tenentes

No grupo focal realizado com capitães, também observamos a revisão de

algumas tendências de resposta manifestadas anteriormente no questionário.

O desempenho de funções de comando foi sublinhado, também por este grupo,

como aspecto que favorece o desenvolvimento da iniciativa, pois conduz os cadetes a

assumirem mais responsabilidades. Entretanto, observa-se que alguns cadetes demonstram

responsabilidade e iniciativa apenas quando estão em função de comando, manifestando

conduta diferente em situações de normalidade, quando se encontram indiferenciados no

grupo de pares.

A imposição de obstáculos ao longo da formação é considerada pelos capitães

como um aspecto de grande relevância para a iniciativa dos cadetes, os quais estão

relacionados às diversas exigências de desempenho impostas durante o Curso, como estudos e

preparo físico. Todavia, os participantes consideram que tais exigências deveriam ser mais

severas do que se apresentam na atualidade, a fim de incitarem os cadetes a terem mais

iniciativa.

Em relação ao incentivo e à valorização das iniciativas dos cadetes pelos

oficiais, constatou-se que este aspecto encontra-se deficitário no processo de socialização.

Atualmente, há grande preocupação em evitar o erro dos cadetes e supervalorização de

comportamentos de trivial importância. Os participantes consideram que a valorização das

iniciativas deveria ser dirigida ao processo, mesmo que este tenha acarretado um erro, pois o

erro pode ser uma fonte de aprendizado.

Quanto ao exemplo dos oficiais no tocante à iniciativa, os capitães identificam

que há situações, por exemplo, na realização de exercícios no terreno, nas quais os cadetes

têm a oportunidade de observar a iniciativa dos oficiais. Entretanto, nas atividades diárias,

constata-se que os cadetes percebem que os oficiais muitas vezes não têm como tomar

183

iniciativas, o que prejudica a assimilação do modelo desejado, que seria o oficial com

iniciativa.

Verificamos, portanto, que, à semelhança do manifestado no grupo realizado

com os tenentes, os capitães constataram que encontram limitações e oportunidades de

melhoria em sua atuação junto aos cadetes, o que redimensiona as tendências de resposta

ligadas a esse aspecto apresentadas na etapa quantitativa. Isto é, o relacionamento entre

oficiais e cadetes aparece mais como um objeto de considerações acerca do ideal, do que

como um fator que tem efetivamente auxiliado no desenvolvimento da iniciativa pelos

cadetes.

5.3.4 Aspectos do processo de socialização que dificultam o desenvolvimento

O oitavo aspecto investigado relaciona-se às dificuldades que os participantes

têm observado para o desenvolvimento da iniciativa pelos cadetes, ao longo do processo de

socialização. Analisaremos a seguir os dados quantitativos e qualitativos coletados.

5.3.4.1 Resultados da etapa quantitativa

Analisando as respostas apresentadas por cadetes do 1º e do 4º Anos à Questão

8 do questionário (Tabela 26), observamos que, para os cadetes do 1º Ano, os aspectos que

mais dificultam o desenvolvimento da iniciativa estão relacionados à aplicação de punições e

à coibição de suas iniciativas pelos oficiais. Outro aspecto de relativo destaque neste grupo

refere-se à desvalorização de opiniões e sugestões apresentadas pelos cadetes.

Para os cadetes do 4º Ano, a coibição e a punição de iniciativas também

aparecem como as tendências de resposta mais intensas. Entretanto, este grupo também

destaca, como aspectos prejudiciais à iniciativa, a intensa diretividade exercida pelos oficiais

e a interferência destes no exercício de funções de comando pelos cadetes. Ou seja,

aparentemente, a questão da falta de autonomia para a própria atuação apresenta-se como

mais relevante para este grupo do que para o primeiro. A desvalorização de opiniões e

184

sugestões dos cadetes, à semelhança do manifestado pelos cadetes do 1º Ano, também se

apresenta como uma tendência de destaque nas respostas dos cadetes do 4º Ano.

Tabela 26 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 8

Questão 8 - Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que tem dificultado que você desenvolva a sua iniciativa ao longo do Curso de Formação da

AMAN. Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) A punição de iniciativas erradas, mesmo que devidas à inexperiência do cadete.

79,77 A coibição do excesso de iniciativa ou de "iniciativas erradas" pelos oficiais. 76,72

A coibição do excesso de iniciativa ou de "iniciativas erradas" pelos oficiais. 65,32

A punição de iniciativas erradas, mesmo que devidas à inexperiência do cadete.

74,60

A desvalorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais. 47,40 A intensa diretividade (condução e

controle) dos oficiais nas atividades. 67,72

A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. 28,90 A interferência dos oficiais quando os

cadetes estão em funções de comando. 67,72

A correção freqüente de atitudes dos cadetes pelos oficiais. 28,32 A desvalorização de opiniões e

sugestões dos cadetes pelos oficiais. 50,79

A interferência dos oficiais quando os cadetes estão em funções de comando. 26,59 A correção freqüente de atitudes dos

cadetes pelos oficiais. 38,62

A existência limitada de oportunidades em que os cadetes podem tomar decisões.

26,01 A existência limitada de oportunidades em que os cadetes podem tomar decisões.

37,04

A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. 13,29 A preocupação dos oficiais em evitar o

erro do cadete. 29,10

As poucas oportunidades para o desempenho de funções de comando pelos cadetes.

12,14 As poucas oportunidades para o desempenho de funções de comando pelos cadetes.

20,63

A atribuição de responsabilidade aos oficiais pelo desempenho dos cadetes. 9,25 A atribuição de responsabilidade aos

oficiais pelo desempenho dos cadetes. 15,87

Ao analisar as respostas apresentadas por cadetes e tenentes (Tabela 27),

observamos que os aspectos destacados pelos tenentes estão ligados à sua própria atuação

junto aos cadetes. As maiores tendências de resposta deste grupo referem-se à intensa

diretividade dos oficiais nas atividades, à atribuição de responsabilidade aos oficiais pelo

desempenho dos cadetes e à preocupação dos oficiais em evitar o erro dos cadetes.

Apresentam ainda relativo destaque neste grupo as respostas referentes à punição de

iniciativas erradas e à existência limitada de oportunidades em que os cadetes podem tomar

decisões.

As respostas apresentadas pelos tenentes podem corresponder ao “outro lado da

moeda” das respostas dos cadetes, isto é, a aplicação de punições e a coibição de iniciativas,

destacadas por estes últimos, podem ser um reflexo da intensa preocupação dos oficiais em

185

não serem responsabilizados pelo fracasso e em evitar erros dos cadetes. A intensa

diretividade também se apresenta como uma estratégia para garantir o controle sobre as ações

dos cadetes. Assim, cadetes e tenentes parecem fazer referência, sob diferentes pontos de

vista, ao mesmo fenômeno organizacional.

Tabela 27 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 8

Questão 8 - Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo,

aquele(s) que tem dificultado que você desenvolva a sua iniciativa ao longo do Curso de Formação da

AMAN.

Questão 8 - Ainda tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os

aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem dificultado que os cadetes desenvolvam sua iniciativa ao longo do Curso de Formação da

AMAN. Cadetes (n =362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) A punição de iniciativas erradas, mesmo que devidas à inexperiência do cadete.

77,07 A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. 66,67

A coibição do excesso de iniciativa ou de "iniciativas erradas" pelos oficiais. 71,27 A atribuição de responsabilidade aos

oficiais pelo desempenho dos cadetes. 61,11

A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. 49,17 A preocupação dos oficiais em evitar

o erro do cadete. 55,56

A desvalorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais. 49,17

A punição de iniciativas erradas, mesmo que devidas à inexperiência do cadete.

44,44

A interferência dos oficiais quando os cadetes estão em funções de comando. 48,07

A existência limitada de oportunidades em que os cadetes podem tomar decisões.

44,44

A correção freqüente de atitudes dos cadetes pelos oficiais. 33,70 A coibição do excesso de iniciativa ou

de "iniciativas erradas" pelos oficiais. 38,89

A existência limitada de oportunidades em que os cadetes podem tomar decisões.

31,77 A desvalorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais. 38,89

A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. 21,55 A interferência dos oficiais quando os

cadetes estão em funções de comando. 33,33

As poucas oportunidades para o desempenho de funções de comando pelos cadetes.

16,57 As poucas oportunidades para o desempenho de funções de comando pelos cadetes.

16,67

A atribuição de responsabilidade aos oficiais pelo desempenho dos cadetes. 12,71 A correção freqüente de atitudes dos

cadetes pelos oficiais. 5,56

Na leitura das respostas apresentadas pelos capitães (Tabela 28), verificamos

que se destacam as freqüências dos aspectos relacionados a atuação dos oficiais junto aos

cadetes e às oportunidades proporcionadas para que os cadetes tomem decisões. Novamente,

surge a questão do controle, através da intensa diretividade dos oficiais, como uma

dificuldade para o desenvolvimento da iniciativa. A existência limitada de situações em que

os cadetes podem tomar decisões e assumir responsabilidades diferenciadas também se

constituem em obstáculos, seguidos da preocupação dos oficiais em evitar erros dos cadetes e

186

de sua responsabilização por eventuais fracassos. Mais uma vez, surge a percepção de que o

processo de socialização vem oferecendo poucas oportunidades para que os cadetes atuem

com relativa autonomia e que um enfoque pejorativo e punitivo em relação ao erro vem

prevalecendo, produzindo como conseqüência a inibição da iniciativa, o que se evidencia nas

respostas de maiores freqüências entre os cadetes.

Tabela 28 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 8

Questão 8 - Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo,

aquele(s) que tem dificultado que você desenvolva a sua iniciativa ao longo do Curso de Formação da

AMAN.

Questão 8 - Ainda tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os

aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem dificultado que os cadetes desenvolvam sua iniciativa ao longo do Curso de Formação da

AMAN. Cadetes (n =362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) A punição de iniciativas erradas, mesmo que devidas à inexperiência do cadete.

77,07 A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. 68,75

A coibição do excesso de iniciativa ou de "iniciativas erradas" pelos oficiais. 71,27

A existência limitada de oportunidades em que os cadetes podem tomar decisões.

53,13

A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. 49,17

As poucas oportunidades para o desempenho de funções de comando pelos cadetes.

50,00

A desvalorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais. 49,17 A preocupação dos oficiais em evitar

o erro do cadete. 50,00

A interferência dos oficiais quando os cadetes estão em funções de comando. 48,07 A atribuição de responsabilidade aos

oficiais pelo desempenho dos cadetes. 50,00

A correção freqüente de atitudes dos cadetes pelos oficiais. 33,70 A interferência dos oficiais quando os

cadetes estão em funções de comando. 40,63

A existência limitada de oportunidades em que os cadetes podem tomar decisões.

31,77 A desvalorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais. 40,63

A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. 21,55 A coibição do excesso de iniciativa ou

de "iniciativas erradas" pelos oficiais. 34,38

As poucas oportunidades para o desempenho de funções de comando pelos cadetes.

16,57 A punição de iniciativas erradas, mesmo que devidas à inexperiência do cadete.

28,13

A atribuição de responsabilidade aos oficiais pelo desempenho dos cadetes. 12,71 A correção freqüente de atitudes dos

cadetes pelos oficiais. 3,13

5.3.4.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais realizados com cadetes do 1º Ano, a coibição de iniciativas

tomadas pelos cadetes por meio da aplicação de punições disciplinares foi confirmada como o

187

principal aspecto inibidor do desenvolvimento deste valor. Ao ser julgado um erro cometido

por um cadete, percebe-se que geralmente não é considerada sua falta de experiência em

determinada tarefa, assim como o contexto e a intenção com que tomaram certas decisões. Os

cadetes não compreendem por que falhas de menor importância não podem ser corrigidas

mediante uma simples conversa com o oficial, o qual explicaria as razões de a ação do cadete

ter sido julgada inadequada. De modo semelhante ao já manifestado em relação à

responsabilidade, a aplicação excessiva de punições conduz os cadetes a deixarem de ter

iniciativas para preservarem seu fim-de-semana. Também neste caso foi levantado o aspecto

da arbitrariedade percebida pelos cadetes do 1º Ano quanto à aplicação de punições por certos

militares mais antigos (oficiais ou cadetes), que os leva a concluir que serão punidos de

qualquer forma, sem compreenderem o ensinamento que deveriam extrair da situação. Tal

contexto favorece que desenvolvam “iniciativas erradas”, ou seja, estratégias para se

esquivarem da fiscalização ou da execução de uma tarefa.

Outro aspecto ressaltado nos grupos como prejudicial ao desenvolvimento da

iniciativa pelos cadetes refere-se à desvalorização de suas opiniões e sugestões pelos oficiais.

Os cadetes do 1º Ano percebem que suas sugestões muitas vezes não são sequer consideradas

pelos oficiais, o que desestimula a todos de adotarem iniciativas nesse sentido. Ao contrário,

quando um oficial analisa uma sugestão apresentada por um cadete, ainda que apresente as

razões de não a colocar em prática, o cadete sente-se valorizado e estimulado a tomar novas

iniciativas. Os cadetes sentem que sua opinião pessoal é desvalorizada também nos momentos

em que são constrangidos a aderir a determinadas atividades. Nos Quadros 31 e 32, são

citados depoimentos dos cadetes a respeito do tema.

“Aquele primeiro ali: ‘A punição de iniciativas erradas, mesmo que devidas à inexperiência’. Segundo o RDE, inexperiência é um atenuante pra punição, só que o que acontece, a gente vê a NAPD: o cara no primeiro serviço de cabo-de-dia às vezes erra, ele é punido com o mesmo rigor que o cara que tirou o serviço dez, onze vezes. Então essa questão de experiência do cadete deveria ser levada em conta.”

“Um exemplo da iniciativa: um colega nosso tava tirando serviço no CP I, no terceiro piso, aí tava frio, ele colocou o malvinão, que não é previsto pra tirar o serviço. Aí o oficial-de-dia cruzou e perguntou: ‘Por que tá de malvinão?’; ‘Eu tô com frio, eu coloquei’. ‘Não, não tá previsto’. Ele foi torrado. Aí ele começou a tirar o malvinão... Aí o oficial-de-dia: ‘Não, não, eu já te torrei, pode ficar com o malvinão agora’.”

[Em relação à citação anterior:] “A iniciativa dele... Foi errada? Foi certa?”

“Eu queria fazer um comentário do que prejudica a iniciativa. Eles falam sempre pra gente: ‘Ser cadete é muito simples, é só fazer o que tá previsto’. Então não é pra gente tomar iniciativa nenhuma, simplesmente fazer aquilo que tá ali regulamentado e pronto.”

Quadro 31 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

188

“Uma coisa que aconteceu uma vez que eu tava de chefe de turma, a gente veio de uma formatura de quarta-feira, de entrega de medalhas, incorporação da bandeira, sai bandeira, não sei o quê, pavilhão nacional sendo hasteado, quase uma hora de formatura... Aí logo em seguida a gente ia pra aula de Inglês. Aí na hora de a gente subir nas escadas, o pelotão começou a subir e chegou uma companhia inteira do Avançado atravancando, chegou assim empurrando o pelotão pro lado, aí eu olhei aquilo e falei: ‘Pô, pra que fizeram isso?’ Aí eu falei: ‘Pelotão à vontade, pode conversar em voz baixa’. Já tinha ficado uma hora em posição de descansar, imóvel lá em cima, o pessoal todo mundo esgotado, cansado, aí eu falei: ‘Pode ficar à vontade, vamos falar em tom baixo aí’. Aí passou um oficial do Avançado, eu comandei atenção, fiz a continência no padrão, tudo o que é previsto, ele: ‘Ô, cadete, nome e número’. Aí eu falei: ‘Não entendi, não’. Falei meu nome e meu número. Aí eu falei: ‘Tenente, mas o senhor tá me torrando por quê?’ ‘Ei, não tá vendo que tem uma tropa passando, não?’ Aí eu falei: ‘Ô, tenente, mas o que tá acontecendo é o seguinte...’ Aí eu expliquei a situação pra ele, aí ele: ‘Ah, então vamos ver se você conhece a NAPD, então: você prefere ser torrado por o pessoal tar conversando ou por não demonstrar sinal de respeito diante de uma tropa passando?’ Aí eu olhei pra ele: ‘Não, tenente, o senhor já torrou, já tá bom, já’. Aí chegou a punição, eu tomei cinco dias de IA por causa disso: uma iniciativa que eu tive, foi errada, ele não levou em consideração... Foi errado pra ele, pra ele corrigir, ele não precisava ter me punido. Agora, eu, a próxima vez que tiver numa função de comando, eu não vou ter iniciativa nenhuma, eu vou fazer o que é previsto. Ah, vou ficar três horas parado, não tô nem aí. Vou deixar o pessoal de pé parado, sendo que na Cadeira de [...], o Coronel [...] falou que quem é líder não pode ficar sugando a tropa de bobeira, não pode deixar o pelotão lá, uma hora parado, falando, em posição de descansar. Ele tinha falado isso pra gente. Aí eu tentei fazer o que é falado, o tenente foi lá e me torrou.”

Quadro 32 - Citação extraída de grupo focal com cadetes do 1º Ano

Nos grupos focais com cadetes do 4º Ano, a coibição das iniciativas dos

cadetes pelos oficiais foi confirmada como um aspecto que causa grandes dificuldades ao

desenvolvimento da iniciativa. Os cadetes percebem que são constantemente criticados pelos

oficiais em virtude de ações tomadas. No entanto, freqüentemente não conseguem

compreender os porquês de suas decisões serem consideradas como erradas, pois geralmente

não as conseguem colocar em prática para terem a oportunidade de analisar as conseqüências.

O conceito de “iniciativa errada”, para a maioria dos cadetes, não está ligado a

comportamentos voltados a burlar determinada regra ou a transgredir intencionalmente, como

foi evidenciado pelos cadetes do 1º Ano. Para os cadetes do 4º Ano, “iniciativa errada” é uma

atitude que foi tomada por um cadete com a intenção de acertar, porém que conduziu a um

fracasso ou foi julgada por um superior como inadequada. Normalmente, tais ações foram

realizadas com a intenção de resolver um problema, em uma situação fora da normalidade, de

modo que o cadete não teria como avaliar antecipadamente se acarretariam acerto ou erro.

A aplicação de punições disciplinares, em tais casos, também é percebida como

um fator de coibição da iniciativa. O medo de serem coibidos, punidos, faz com que os

cadetes optem por não se exporem, para não correrem riscos. Eles acabam perdendo sua

capacidade de avaliar por si próprios as situações e preferem ficar à espera de um oficial para

tomar as decisões necessárias. Outro aspecto coibitivo, que deixa uma marca muito forte nos

cadetes, refere-se à humilhação verbal diante do grupo, motivada por uma iniciativa errada

adotada pelo indivíduo.

189

É interessante observar que as respostas que apresentaram menores freqüências

na etapa quantitativa estão relacionadas à correção de atitudes dos cadetes pelos oficiais e à

preocupação dos oficiais em evitar o erro. Os cadetes do 4º Ano consideram que tais aspectos,

em si, não prejudicam o desenvolvimento da iniciativa, pois a correção é parte do processo de

formação. A problemática apontada situa-se em relação à forma como tais correções ocorrem.

O aspecto relacionado à intensa diretividade dos oficiais significa que a

condução dos cadetes vem ocorrendo de modo pormenorizado, restando pouco espaço para

que eles tenham iniciativas. Essa falta de liberdade para agir e inclusive para errar, dentro de

uma margem de segurança, é percebida como um dos maiores problemas pelos cadetes do 4º

Ano. O excessivo controle é visto como um prejuízo para a aprendizagem. Tal aspecto

relaciona-se também à interferência dos oficiais quando os cadetes estão em funções de

comando, destacada no questionário. Em tais funções, os cadetes possuem pouca autonomia

para atuar, pois são intensamente dirigidos pelos oficiais.

O aspecto referente à desvalorização de opiniões e sugestões dos cadetes foi

avaliado como uma ocorrência pontual pelos cadetes do 4º Ano. Há situações em que suas

sugestões, por exemplo, quanto ao planejamento de um exercício, não são consideradas. No

entanto, especialmente no 3º e 4º Anos, há momentos em que suas opiniões são também são

levadas em consideração. Nos Quadros 33 e 34 são transcritas algumas falas de cadetes do 4º

Ano.

“Teve uma vez, no início do ano, que teve problema no concurso de ordem unida. O cadete que tava no comando chegou, ia entrar no desfile do concurso de ordem unida, ele resolveu puxar ‘Adeus, AMAN’, teve essa iniciativa. Ele tava vibrando: ‘Pô, último concurso de ordem unida, vou puxar essa canção’. Todo mundo puxando ‘Adeus, AMAN’, aí o General tava próximo na hora da oficina, deu o estresse total. Acabou o concurso, chegou na Ala, gritaria... O cadete que botaram na função de comando era um dos melhores da companhia, foi tratado igual lixo... Foi falado que o tratamento ia mudar, que quem botasse a cabeça pra fora, ia cortar a cabeça... A partir do momento que o cadete fez, ele já ficou na dele...”

“Tem uma frase que normalmente falam pro cadete: inventor começa com ‘I’ e termina com ‘R’13.”

“O cara viu que dá pra melhorar alguma coisa. Só que o cara, pô, vai colocar o dele na reta, vai assumir a responsabilidade, sendo que pode ser punido? Não. O cara fala: ‘Não. Não faço nada, não vou tomar elogio, mas também não vou tomar punição’. Porque o elogio não vai cortar a punição. É que nem eles falam: ‘Explica mas não justifica. Você vai ser punido.’”

“O bizú é ficar na moita, e quando te tirarem da massa, você desembocar.”

Quadro 33 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

13 A referência diz respeito a uma escala de avaliação comumente adotada no Exército: “E” equivale ao conceito “Excelente”, “MB” a “Muito Bom”, “B” equivale a “Bom”, enquanto “R” representa “Regular” e “I”, “Insuficiente”. Ou seja, “I” e “R” correspondem aos conceitos mais baixos.

190

“Vou dar um exemplo. Escolhe qualquer coisa: exercício no terreno, na ala... Aí fala que você fez uma coisa errada... [...] Você fez uma coisa, ele [o oficial] fala que tá errado. Aí manda mudar. Mas aquilo tava certo... [...] Eu acho que eles acham que têm que falar que o cadete tá errado. Sem nem analisar direito, ele já vai pelo princípio: ‘Ah, tá errado!’”

“Eu vou falar uma coisa que aconteceu, que eu achei interessante. A gente fez o estágio de caatinga, vários dias. Fazia o planejamento, o oficial não falava nada. Aí o que aconteceu: nos primeiros dias na mata, dava tudo errado... Ele não mudava nada, entendeu, pra sentir na pele! Aqui não. Eles mudam tudo, eles não deixam você fazer coisa errada, não! Lá eles deixavam fazer! Deixavam fazer, não podia mudar! Se quisesse mudar no meio da execução, não podia mudar! Então, pô, tinha que sentir na pele! Aqui não. Aqui eles já têm toda uma direção... Aí é imposição...”

“Mas é o erro, tenente, o erro. Às vezes eu enxergo: eu tou errado, tem um erro realmente. Mas muitas vezes você não enxerga o errado. Não deixam você fazer uma coisa, a iniciativa errada que chama, né, e você não consegue enxergar o erro naquilo.”

“Não, uma coisa é corrigir o erro, outra é você impor sua preferência. O oficial ele impõe a sua pre-fe-rên-cia.”

“O cadete não distingue iniciativa errada... Você toma a iniciativa, era uma coisa que não tava prevista, fora da normalidade... Como é que você vai saber se está certo ou se está errado?”

“Toda iniciativa tem um objetivo, que é de solucionar um problema, ali, que surgiu, inesperado. Talvez a iniciativa errada seja: ele tentou solucionar um problema, mas não obteve êxito, entendeu? Ou então... Ele tomou um contra-azimute total, fez um negócio totalmente errado... Acho que a iniciativa errada é essa: tentou solucionar, não conseguiu, alguma coisa deu errado ali... E aí é punido.”

“Detalhe: liberdade para que a gente erre. Aí viu que errou, aí, pô... Viu o errado, agora... O problema é que quando a gente é conduzido, conduzido, a gente nunca tá aprendendo. Mesmo que esteja sendo da forma correta.”

“A bandeira tem que ser arriada às 18 horas. E tem um horário que é de iniciativa mais ou menos: o pôr-do-sol. Aí: ‘Vamos lá, vamos arriar a bandeira agora, porque tá ficando escuro’. Aí fomos lá arriar a bandeira, tava arriando a bandeira e chegou um oficial: ‘Cadete, número e nome.’ Aí ele falou lá: ‘Cadete, não podia ter aguardado cinco minutos?’ Aí eu pensei: ‘Em que cinco minutos fazem diferença pra arriar a bandeira? Vai torrar um cadete por arriar a bandeira?’ Ele teve a iniciativa de: ‘Olha, analisando a situação, dez pras seis, bom, então não vou aguardar, vou arriar a bandeira.’”

“Aí, no caso do arriamento da bandeira, aí podia chegar um outro oficial e dizer: ‘Esperou cinco minutos a mais, já tava escuro...’ Aí vai da vontade do oficial... Quando esse negócio tá subjetivo, que cada oficial pode achar uma coisa, aí inibe a iniciativa.”

“O cadete que cultua a disciplina, ele vai chegar e vai fazer o que tá previsto ali. Aí quando tá acontecendo um problema grave, ele vai ficar amarrado no manual, por medo.”

“Você acaba perdendo seu ponto de vista... Você acaba fazendo o que os outros mandam o tempo todo. É que nem o animal no cabresto ali: você olha pra frente e acaba fazendo o que os outros mandam.”

Quadro 34 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

Verificamos que, tanto para os cadetes do 1º como para os do 4º Ano, os

aspectos relacionados à aplicação de punições disciplinares e às constantes críticas exercidas

pelos oficiais constituem-se nas principais dificuldades para o desenvolvimento da iniciativa.

Para os cadetes do 1º Ano, a desvalorização de suas opiniões e sugestões também emergiu

191

como uma dificuldade importante. Os cadetes do 4º Ano, por sua vez, deram mais ênfase ao

intenso controle exercido pelos oficiais e à falta de liberdade para tomarem decisões e

constatarem as conseqüências de seus atos. Percebemos, portanto, que os cadetes do 4º Ano

encontram maiores oportunidades de participação do que os cadetes do 1º Ano em

determinadas decisões. No entanto, no decorrer do processo de socialização, a expectativa da

possibilidade de exercer funções com relativa autonomia parece se intensificar, revelando-se

como uma questão que já se manifesta no 1º Ano, mas que adquire importância fundamental

para os cadetes nas fases finais da formação.

No grupo focal realizado com tenentes, confirmou-se a relevância dos aspectos

de maiores freqüências na etapa quantitativa para a compreensão do tema. A intensa

diretividade exercida pelos oficiais é considerada como um aspecto muito prejudicial ao

desenvolvimento da iniciativa pelos cadetes. Esta condução exagerada acarreta, segundo os

tenentes, um processo de infantilização, de forma que os cadetes deixam de responder por

seus próprios atos.

Outra dificuldade relaciona-se ao fato de os oficiais serem freqüentemente

responsabilizados por erros cometidos pelos cadetes a eles subordinados. O erro não é

admissível, de forma que os cadetes terminam sendo censurados e penalizados por iniciativas

mal sucedidas. Os tenentes consideram que o ideal seria que os cadetes tivessem liberdade

para errar, sendo explorado o papel educativo do erro por meio de orientações e, caso

necessário, da aplicação de punições disciplinares. Porém, reconhecem que eles próprios

atuam de modo a inibir a iniciativa dos cadetes, pois lhes impõem riscos. Ou seja, ao invés de

estimularem a iniciativa, acabam punindo as iniciativas erradas.

Nesse contexto, os tenentes avaliam que os cadetes assimilam não ser

vantajoso tomar iniciativas, porque se expõem a mais uma possibilidade de serem punidos.

Para se proteger, a melhor estratégia é não se destacar do grupo. Desta forma, a iniciativa do

oficial será desenvolvida na tropa, como já foi mencionado por este grupo anteriormente.

Considera-se que esta não é a situação ideal, uma vez que na tropa serão encontradas

dificuldades pela falta de experiência e as conseqüências de uma iniciativa errada serão

potencialmente mais graves. Abaixo, uma citação extraída deste grupo focal (Quadro 35).

“Mas quem forma esse risco [para o cadete que toma iniciativa] é indiretamente a gente, em função do sistema. A nossa fiscalização talvez não esteja da maneira mais adequada. Em vez de eu auxiliar o cadete a ter iniciativa, eu puno a iniciativa errada. Aí o cadete, pra não errar, não toma iniciativa nenhuma.”

Quadro 35 - Citação extraída de grupo focal com tenentes

192

No grupo focal realizado com capitães, confirmaram-se os aspectos destacados

na fase quantitativa, que vão ao encontro dos aspectos prejudiciais ao desenvolvimento da

responsabilidade, mencionados anteriormente.

Um aspecto fundamental para a compreensão das dificuldades atualmente

encontradas em relação à iniciativa refere-se à evitação do erro, já explorada pelo grupo dos

tenentes. Segundo os capitães, o erro de um cadete apresenta reflexos negativos para a

imagem de seu curso e sua ocorrência tenta ser prevenida de todas as formas pelos oficiais.

Em conseqüência, ocorre a intensa diretividade destacada nas respostas ao questionário, assim

como as poucas oportunidades para que os cadetes tomem decisões. Os cadetes são

excessivamente conduzidos nas atividades diárias, até mesmo no último ano de formação,

com a mínima possibilidade de efetuarem escolhas. O responsável pelo desempenho do cadete

se torna o oficial. Tal fato é percebido pelos discentes, acarretando ausência de compromisso

de sua parte em relação às tarefas.

Os capitães identificam que a reprovação passou a ser interpretada como um

erro do sistema de ensino, ou seja, da equipe docente. Para evitar este erro, foram

desenvolvidos mecanismos para diminuir determinadas exigências para aprovação dos

cadetes, ocasionando a falsa impressão de que os objetivos da formação foram atingidos. Os

participantes consideram que algumas dessas distorções são frutos da implementação brusca

do processo de Modernização de Ensino na AMAN, para o qual docentes e discentes não

estavam preparados. Nos Quadros 36 e 37, vemos exemplos de depoimentos dos capitães.

“[...] Então se você marca lá com o aspirante, o cadete do 4º Ano: você tem que estar pronto lá no AGM às 3 horas; se o camarada atrasar, você naturalmente vai anotar o sargento-de-dia, o chefe de turma, pra punir. Mas aí a reponsabilidade começa a recair no Curso: ‘Não, comandante do curso, seu curso tá atrasado, vê o que que aconteceu, não sei o quê...’ Não, aí você tem que marcar uma formatura trinta minutos antes na Ala, pra botar o cara em forma, pra mandar...”

“Começou-se com o raciocínio: o cadete não pode errar, então o curso não pode errar. Então o curso toma as providências dele, pra que ele não erre, não fique em evidência. E muitas vezes essas providências prejudicam o core de iniciativa do cadete, prejudicam a formação de uma série de atributos: responsabilidade, iniciativa... Você marcando trinta minutos antes pra entrar em forma pra um evento, você tá estimulando a responsabilidade?”

“Isso é um ponto problemático, você que trabalha com cadetes do 4º e 3º ano vê que isso é um ponto problemático. A preocupação é o acerto, o erro não pode aparecer. Isso não é a realidade, porque na tropa o erro é normal e é até aceitável: ninguém é cem por cento perfeito. E ninguém vai aprender se o camarada só acertar, tem que deixar o camarada errar.”

Quadro 36 - Citações extraídas de grupo focal com capitães

193

“Essa também é uma questão complicada. Porque hoje a estrutura acadêmica ela tem uma diferença grande em relação ao tempo quando a gente foi cadete... Primeira coisa é a questão do planejamento e a execução das atividades. Então muitas atividades planejadas não ocorrem. Quando eu era cadete, a gente tinha ao longo do ano cinco ou quatro tipos de QAE, de acordo com cada ano. Saía o PGE, eu sabia os finais-de-semana que teria licenciamento, do primeiro ao último dia do ano. Questão da responsabilidade com o estudo que a gente falou: quando eu era cadete, o cadete que passava direto ele era liberado mais cedo, era todo um incentivo pro cadete estudar. Hoje a média é mais baixa, o cadete que pega recuperação vai embora pras férias junto com o cadete que passou direto, então o cadete vai se desincentivando cada vez mais... E a grande preocupação – dependendo obviamente de cada comando de curso – em cima dos oficiais, é impedir que... o cadete do curso ele não pode dar problema. E o cadete ele não é burro: ele percebe isso aí. Ele diferencia a atitude do oficial: se o oficial tá preocupado em ensinar ele, ou se o oficial tá preocupado em impedir que ele erre. Ele percebe isso aí nitidamente.”

“Ele percebe isso aí e ele joga o jogo que ele vê na frente dele. Se ele percebe que se alguma coisa der errado, não é ele que vai ser cobrado, é o oficial, ele relaxa.”

Quadro 37 - Citações extraídas de grupo focal com capitães

Ao compararmos as posições apresentadas por cadetes e oficiais, confirmamos

que as dificuldades detectadas pelos participantes se encontram em torno do mesmo

fenômeno, caracterizado pelo tratamento punitivo conferido ao erro e pelo excessivo controle

exercido sobre os sujeitos ao processo de socialização. Tais aspectos inibem o

desenvolvimento da iniciativa, uma vez que esta implica a existência de relativa autonomia de

atuação e a assunção de riscos pelos indivíduos.

5.4 Disciplina

5.4.1 Conceito

O nono tópico pesquisado refere-se ao perfil do cadete disciplinado.

Solicitamos aos participantes que identificassem os traços comportamentais que lhes

permitem qualificar um indivíduo como possuidor de disciplina. Vejamos a seguir os dados

coletados.

194

5.4.1.1 Resultados da etapa quantitativa

Ao responderem à Questão 9 do instrumento aplicado, os cadetes do 1º Ano

destacaram oito traços de comportamento como característicos da disciplina (Tabela 29). A

tendência de resposta de maior freqüência refere-se a cumprir normas, ordens, regulamentos e

deveres sem necessidade de vigilância externa, seguida de outras duas fortes tendências (com

freqüência acima de 80%) ligadas a agir corretamente independentemente de fiscalização e

cumprir horários. Também se destacam as tendências referentes a manifestar respeito pelos

superiores, obedecer às ordens prontamente e tratar com respeito seus subordinados. Ainda

com freqüência acima de 50% encontramos: manter instalações e materiais limpos e em

condições de uso e influenciar seus pares a serem disciplinados, além da resposta referente à

boa apresentação individual, com 49%.

Tabela 29 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 9

Questão 9 - Como é o comportamento de um cadete que possui disciplina? Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Cumpre normas, regulamentos e deveres sem necessidade de vigilância externa.

86,71 Cumpre normas, regulamentos e deveres sem necessidade de vigilância externa.

92,59

Age corretamente independentemente de fiscalização. 83,82 Cumpre horários. 77,78

Cumpre horários. 80,92 Age corretamente independentemente de fiscalização. 76,72

Manifesta respeito pelos superiores. 71,68 Manifesta respeito pelos superiores. 60,85 Obedece às ordens prontamente. 70,52 Obedece às ordens prontamente. 58,73 Trata com respeito seus subordinados. 65,90 Trata com respeito seus subordinados. 49,74

Mantém instalações e materiais limpos e em condições de uso. 52,60

Submete-se a situações que contrariem seus interesses, sem queixar-se a respeito.

38,62

Influencia seus pares a serem disciplinados. 50,87 Tem boa apresentação individual. 37,57

Tem boa apresentação individual. 49,71 Mantém instalações e materiais limpos e em condições de uso. 37,04

Segue planos de estudo ou treinamento. 39,88 Segue planos de estudo ou treinamento. 34,92

Não discute ordens. 33,53 Influencia seus pares a serem disciplinados. 29,63

Submete-se a situações que contrariem seus interesses, sem queixar-se a respeito.

32,37 Não discute ordens. 28,57

Executa a ordem unida corretamente. 24,86 Cumpre normas, regulamentos e deveres quando fiscalizado. 20,11

Cumpre normas, regulamentos e deveres quando fiscalizado. 21,97 Executa a ordem unida corretamente. 12,70

195

Para os cadetes do 4º Ano, a tendência destacada, à semelhança do grupo

anterior, refere-se ao comportamento de cumprir normas, regulamentos e deveres sem

necessidade de vigilância. Seguem-se a esta outras tendências fortes: cumprir horários, agir

corretamente independentemente de fiscalização, manifestar respeito pelos superiores,

obedecer às ordens prontamente e tratar com respeito seus subordinados, as quais também

coincidem com as maiores freqüências apresentadas pelo 1º Ano. As demais tendências

obtiveram freqüências pouco expressivas, sendo que, tanto para este grupo quanto para os

cadetes do 1º Ano, a resposta referente a cumprir normas, regulamentos e deveres quando

fiscalizado obteve baixas freqüências.

Analisando comparativamente as respostas apresentadas pelos cadetes em geral

e pelos tenentes à mesma questão (Tabela 30), verificamos total coincidência entre as

tendências com freqüências acima de 50%. Assim, aparentemente o perfil do cadete

disciplinado é percebido de modo convergente por cadetes e tenentes.

Tabela 30 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 9

Questão 9 - Como é o comportamento de um cadete que possui disciplina? Cadetes (n = 362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Cumpre normas, regulamentos e deveres sem necessidade de vigilância externa.

89,78 Cumpre normas, regulamentos e deveres sem necessidade de vigilância externa.

100,00

Age corretamente independentemente de fiscalização. 80,11 Age corretamente independentemente

de fiscalização. 77,78

Cumpre horários. 79,28 Obedece às ordens prontamente. 61,11 Manifesta respeito pelos superiores. 66,02 Cumpre horários. 61,11 Obedece às ordens prontamente. 64,36 Manifesta respeito pelos superiores. 61,11 Trata com respeito seus subordinados. 57,46 Trata com respeito seus subordinados. 50,00 Mantém instalações e materiais limpos e em condições de uso. 44,48 Segue planos de estudo ou

treinamento. 44,44

Tem boa apresentação individual. 43,37 Tem boa apresentação individual. 38,89

Influencia seus pares a serem disciplinados. 39,78

Submete-se a situações que contrariem seus interesses, sem queixar-se a respeito.

38,89

Segue planos de estudo ou treinamento. 37,29 Influencia seus pares a serem disciplinados. 38,89

Submete-se a situações que contrariem seus interesses, sem queixar-se a respeito.

35,64 Não discute ordens. 27,78

Não discute ordens. 30,94 Executa a ordem unida corretamente. 22,22 Cumpre normas, regulamentos e deveres quando fiscalizado. 20,99 Cumpre normas, regulamentos e

deveres quando fiscalizado. 16,67

Executa a ordem unida corretamente. 18,51 Mantém instalações e materiais limpos e em condições de uso. 16,67

196

Comparando as tendências de resposta apresentadas por cadetes e capitães

(Tabela 31), também observamos coincidência entre as respostas de maiores freqüências nos

dois grupos, ainda que apresentem algumas diferenças na ênfase relativa dada a cada um dos

aspectos. Entretanto, no grupo dos capitães verificamos mais duas respostas com freqüências

acima de 50%, relacionadas a submeter-se a situações que contrariem seus interesses e a

influenciar os pares a serem disciplinados, o que indica uma variação quanto à percepção

apresentada pelos cadetes a respeito do tema.

Tabela 31 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 9

Questão 9 - Como é o comportamento de um cadete que possui disciplina? Cadetes (n = 362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Cumpre normas, regulamentos e deveres sem necessidade de vigilância externa.

89,78 Cumpre normas, regulamentos e deveres sem necessidade de vigilância externa.

96,88

Age corretamente independentemente de fiscalização. 80,11 Age corretamente independentemente

de fiscalização. 78,13

Cumpre horários. 79,28 Manifesta respeito pelos superiores. 75,00 Manifesta respeito pelos superiores. 66,02 Trata com respeito seus subordinados. 71,88 Obedece às ordens prontamente. 64,36 Cumpre horários. 65,63 Trata com respeito seus subordinados. 57,46 Obedece às ordens prontamente. 62,50

Mantém instalações e materiais limpos e em condições de uso. 44,48

Submete-se a situações que contrariem seus interesses, sem queixar-se a respeito.

59,38

Tem boa apresentação individual. 43,37 Influencia seus pares a serem disciplinados. 56,25

Influencia seus pares a serem disciplinados. 39,78 Não discute ordens. 40,63

Segue planos de estudo ou treinamento. 37,29 Tem boa apresentação individual. 34,38 Submete-se a situações que contrariem seus interesses, sem queixar-se a respeito.

35,64 Segue planos de estudo ou treinamento. 31,25

Não discute ordens. 30,94 Mantém instalações e materiais limpos e em condições de uso. 15,63

Cumpre normas, regulamentos e deveres quando fiscalizado. 20,99 Cumpre normas, regulamentos e

deveres quando fiscalizado. 12,50

Executa a ordem unida corretamente. 18,51 Executa a ordem unida corretamente. 12,50

5.4.1.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais realizados com cadetes do 1º Ano, confirmou-se a tendência

de pensamento de que o cadete disciplinado cumpre normas, regulamentos e deveres

independentemente de fiscalização, por acreditar que essa conduta é a correta. No entanto,

197

embora este seja considerado por todos o ideal, no dia-a-dia há vários cadetes que cumprem

as normas em função da cobrança externa. Para alguns participantes, estes cadetes não deixam

de ser disciplinados, apenas não possuem a “disciplina consciente”. Para outros, entretanto,

essa conduta não caracteriza a disciplina, pois representaria uma obviedade agir para não ser

punido. Ademais, acredita-se que em uma situação de combate a disciplina baseada no medo

não seria eficaz. A disciplina é relacionada ao autocontrole e à crença na importância do

cumprimento das normas.

As respostas relacionadas a agir corretamente, cumprir horários, manifestar

respeito por superiores e subordinados e obedecer a ordens são interpretadas como aspectos

inerentes à primeira resposta, ou seja, referem-se ao cumprimento de regulamentos. Assim, o

respeito por superiores e subordinados tem aqui um sentido formal, impessoal.

A resposta ligada a obedecer a ordens prontamente se aplicaria a ordens

simples, na concepção dos participantes. Quando se trata de ordens mais complexas, pode

ocorrer de um cadete apresentar uma sugestão a um superior, visando auxiliá-lo a encontrar

uma melhor linha de ação, o que não caracterizaria indisciplina (por isso a resposta “não

discute ordens” apresentou baixa freqüência na etapa quantitativa). Ao discordar de um

superior, o militar disciplinado se dirige a ele e apresenta seu ponto de vista. Caso, mesmo

assim, o superior mantenha sua ordem inicial, o militar disciplinado a cumprirá, ainda que

discorde.

Para avaliar se um cadete é disciplinado, os cadetes do 1º Ano consideram ser

necessário observar um conjunto de atitudes, não apenas fatos isolados. Ou seja, a disciplina

seria um hábito. Entretanto, em seu cotidiano, eles freqüentemente utilizam alguns

indicadores de comportamento para avaliar o grau de disciplina de seus companheiros, como,

por exemplo, o cumprimento de horários e o zelo pela apresentação individual.

O cumprimento de horários pode estar relacionado tanto à disciplina quanto à

responsabilidade. Os cadetes do 1º Ano entendem que no meio militar esses dois valores se

encontram, pois o indivíduo que não for disciplinado, freqüentemente estará em falta com

suas responsabilidades. A disciplina estaria ligada a seguir os procedimentos previstos nos

regulamentos; a responsabilidade, a cumprir suas obrigações.

O comportamento de manter instalações e materiais limpos e em condições de

uso é considerado como mais ligado à responsabilidade do que à disciplina. No Quadro 38,

encontram-se depoimentos dos cadetes do 1º Ano sobre o conceito de disciplina.

198

“O que eu achei bem interessante aí [nos resultados do questionário] é que pegou certinho um ponto que eu acho que a maioria aqui concorda, e que passam muito pra gente, que a disciplina que a gente deve ter aqui é a tal da ‘disciplina consciente’: você deve fazer aquilo porque você sabe que aquilo é o certo, sabe que aquilo ali é o correto a ser feito, por isso você faz.”

“Seria o ideal. Não acontece na prática. Ele corta o cabelo, ele engraxa o coturno, mas porque alguém tá cobrando dele.”

“Porque, uma coisa... Eu não fui pra guerra ainda, só o que eu sei é de ler livro e ver, na tropa, o tenente fala gritando, dá a ordem pro soldado, o soldado tem que cumprir, mas na situação futura que é a guerra, que é pra isso que a tropa tá efetiva, né, não vai ter como ser assim! Não vai ter como ser assim: o cara vai tar no meio da trincheira, tiro pra tudo o que é lado, MAG pra tudo o que é lado: boum, boum, boum, boum! O tenente vai dar um grito com ele, o soldado vai olhar pra ele e vai tacar um tiro nele! Na disciplina tem que haver flexibilidade: não pode abrir muito, nem fechar muito. Se fechar muito, vai chegar uma hora em que o subordinado vai estourar!”

“Ele tá querendo dizer que essa disciplina funciona pra que: pra cortar cabelo, pra passar a farda... Agora numa situação realmente importante de guerra, só o fato de você fazer aquilo que tá sendo mandado não vai funcionar. Aí tem que haver a flexibilidade em que você sabe o que tem que fazer. Porque pra certas coisas pode funcionar, mas pro que é importante realmente, não vai funcionar.”

“Mas às vezes ele não tem que saber que é o certo, no caso da guerra... Ele tem que avançar porque tem uma companhia que tá na retaguarda que tá recém-chegando, porque, pô, ele sabe que ele vai avançar e provavelmente metade do pelotão dele vai pro barro... Aí tem que ter disciplina, quer dizer, a flexibilidade do líder, do tenente, de saber a hora que fecha e a hora que tem que abrir.”

“Não tem como você analisar uma pessoa por inteiro. Você vai tar analisando ela a partir de aspectos que tá vendo ali no dia-a-dia: por exemplo, cê vê uma pessoa se atrasando, cê vê ela se fardando mal, você deduz que o comportamento dela no geral é um comportamento que não tá sendo disciplinado. Aí você generaliza mais. Porque é impossível você analisar toda a conduta de uma pessoa, em todas as atividades dela durante o dia... Aí você tende a generalizar a partir de um comportamento dela.”

“Eu vejo que a disciplina é: a pessoa, tem um regulamento do Exército, é ela acreditar naquilo ali, porque tem uma pessoa que escreveu aquilo baseada em alguma coisa. Até no caso por exemplo do tiro: a sua arma tá oscilando, oscilando, mas você tem que acreditar naquilo ali, se você for disciplinado, acreditar naquilo ali que te passam, o tiro vai cair no lugar certo. E também com relação a não compreender o que acontecia antes: teve agora no pernoite, um afim comandante de grupo nosso, que ele deixou a companhia à vontade esperando o toque do pernoite. A companhia começou: o pessoal a ficar dando grito, o pessoal começou a fazer muita zona, aí ele tomou uma mijada de um oficial. Ele foi, colocou a companhia em forma e falou pra gente que ele falou pra ele mesmo que, quando ele fosse cadete mais antigo, ele não trataria o primeiro ano do jeito que ele foi tratado: colocar em posição de descansar, deixar o pessoal imóvel, não sei o que... Mas que o primeiro ano não deixava ele fazer isso. Ele descobriu depois que aquilo ali que era feito com ele era necessário. Isso também vem da disciplina: o cara tem que fazer um negócio que alguém diz que é necessário, tem que acreditar que aquilo realmente é necessário.”

Quadro 38 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

Nos grupos focais realizados com cadetes do 4º Ano, manifestaram-se

concepções semelhantes ao ocorrido com os cadetes do 1º Ano. A disciplina é caracterizada

pelo cumprimento de ordens e regulamentos sem fiscalização. O indivíduo que apenas os

cumpre mediante vigilância não é disciplinado, para os cadetes do 4º Ano. Todas as demais

tendências de resposta: cumprir horários, agir corretamente, manifestar respeito por superiores

e subordinados, obedecer a ordens, estão relacionadas ao cumprimento de regulamentos.

199

Portanto, a resposta de maior freqüência resume o conceito de disciplina. Também os cadetes

do 4º Ano relativizaram a resposta relacionada à pronta obediência de ordens, defendendo que

há uma margem para expor idéias divergentes visando assessorar um superior englobada pelo

conceito de disciplina, manifestando concepção idêntica à dos cadetes do 1º Ano sobre o

tema. Da mesma forma, este grupo defendeu que é necessário analisar o comportamento

habitual de um cadete para avaliar se ele é disciplinado.

Os cadetes do 4º Ano também não conseguem classificar de modo muito

seguro o comportamento ligado ao cumprimento de horários, uma vez que este apareceu tanto

na definição de responsabilidade quanto de disciplina. Embora alguns considerem que ele

estaria mais relacionado à disciplina, conclui-se que na organização militar responsabilidade e

disciplina se confundem. A responsabilidade estaria relacionada ao comprometimento do

indivíduo com seu papel na organização e com o grupo e a disciplina, ao cumprimento de

procedimentos e regras estabelecidas. Observa-se, no entanto, que o comportamento cotidiano

dos militares é detalhadamente normatizado e seu cumprimento constitui-se em uma

obrigação. Por isso, há dificuldade em desvincular estes dois valores. Neste assunto, também

observamos proximidade entre as concepções de cadetes do 1º e do 4º Anos.

Há certa dificuldade entre os cadetes do 4º Ano para identificar suas

motivações para cumprir normas e ordens independentemente de fiscalização. Consideram

que não seria devido à possibilidade de sanção pelo não cumprimento, nem à fiscalização,

nem tampouco à crença na importância da norma. Eles concluem que a disciplina seria um

“reflexo”, um “condicionamento” adquirido com a formação militar. Agir conforme os

regulamentos estaria associado à própria identidade do militar. Os cadetes percebem uma

pressão social para que o indivíduo se comporte do modo considerado correto. Com base nas

discussões relacionadas a esta temática, parece-nos que os cadetes do 4º Ano possuem mais

internalizada a noção de que a disciplina é algo inerente ao “ser militar”, de modo que as

motivações para seguir as normas pouco entram em questão para eles, diferentemente do

manifestado pelos cadetes do 1º Ano. Nos Quadros 39 e 40, vemos depoimentos de cadetes do

4º Ano sobre o tema. “Um companheiro, ele ia na hora do pato, lá, pô, foi punido por cabelo grande... aquilo ali é uma norma! Tem ali na NAPD: cabelo grande – responsabilidade. Não seguir aquilo ali, não fazer o que está escrito é descumprir uma norma. Eu acho que disciplina é isso.”

“O Exército ele normatiza o comportamento. Depois que normatiza o comportamento, ele vira obrigação também. Então, eu acho que a sua obrigação é o comportamento que você vai ter. O comportamento da gente tem que seguir a norma.”

Quadro 39 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

200

“Quando se normatiza um comportamento, você acaba fazendo com que responsabilidade... esteja ligada a disciplina.”

“É difícil imaginar um cadete que não é disciplinado e é responsável.”

“O meu ponto de vista é que, no nosso caso, essas duas coisas [disciplina e responsabilidade] se confundem, mas porque o comportamento é normatizado. De modo geral, a disciplina tá ligada diretamente ao cumprimento da norma e a responsabilidade ao seu objetivo, não tem como separar.”

“Não, não é a fiscalização. Mas a vontade, o que motiva ele a executar uma coisa, depende: por exemplo, eu vou cortar o cabelo, tô no quarto ano já, não tem que ter o cartão de cabelo. Se eu tô na parada diária com o cabelo grande, eu posso alegar que o meu cabelo tá cortado no prazo, que não vai ter como o oficial que fiscaliza a parada me anotar, entendeu? Agora indiferente de eu anotar ou não no meu cartão de cabelo, eu vou cortar meu cabelo no prazo.”

“Eu vou cortar o cabelo... Não, não pela punição! Você não corta o cabelo por causa dela. Aquela disciplina de você tar no dia tal com o cabelo cortado, o principal meio de motivação pra fazer isso, não é o sentimento: ‘Não, tem que tar com o cabelo cortado no dia tal, certinho’. Tem a punição, todo mundo sabe disso. Talvez no primeiro ano você pegue esse reflexo.”

“Não é vigilância. Tu vai fazer, não é porque tem alguém te vigiando, tu vai fazer porque é norma.”

“Você não vai fazer visando a punição, ou se alguém tá te fiscalizando ou não. Nem acreditando ou não. É uma norma, eu vou fazer, independente do motivo...”

“No 1º Ano existia a punição por coturno sujo no campo. No 4º Ano de Infantaria, eu não tou punido se eu não engraxar o coturno no campo, mas eu sou disciplinado a ponto de engraxar meu coturno no campo. Indiferente de ser punido ou não, eu vou fazer uma coisa porque ela é necessária.”

“O que dita a disciplina é a norma. A partir do momento, por exemplo, que cortar o cabelo tá previsto na norma, eu não vou deixar o cabelo crescer...”

“É o estrito cumprimento da norma.”

“O fato de ele ter deixado um fio na farda, ele cometeu um ato de indisciplina, infringiu a norma, mas não significa que ele não assimilou certos valores, porque isso é um fato isolado. Agora, o cara que é indisciplinado, vai ter atitudes constantes...”

“A disciplina [...] já vira da própria pessoa. Então tá fazendo aquilo não porque tá sendo cobrado ou avaliado, tá fazendo aquilo porque é da pessoa. Todo valor, na verdade, já é disciplina consciente.”

“O não cumprimento de uma ordem gera a morte de uma companhia. Então disciplina não é: ou sim, ou não. Disciplina é o que tem que ser e pronto.”

Quadro 40 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

No grupo focal com tenentes, à semelhança do ocorrido nos grupos com

cadetes, confirmou-se a concepção de disciplina associada ao cumprimento de normas,

regulamentos e deveres sem necessidade de vigilância externa. Tal conceito sintetiza a

disciplina, abrangendo todas as demais tendências de resposta.

A condição ligada a cumprir as normas sem necessidade de vigilância

aproxima a disciplina da responsabilidade, na visão dos tenentes. No dia-a-dia dos cadetes,

esta conduta é considerada por alguns participantes como um tanto utópica, pois consideram

201

que sempre haverá o receio da punição. Entretanto, o grupo identificou situações em que a

qualidade do relacionamento estabelecido entre oficiais e cadetes incentivou estes últimos a

adotarem uma conduta disciplinada, em consideração ao seu comandante. Assim, os tenentes

concluem que a qualidade do relacionamento estabelecido entre superiores e subordinados

interfere na disciplina.

Os tenentes consideram que a apresentação individual e a execução da ordem-

unida são indicadores de disciplina, embora tais aspectos não tenham surgido com grande

destaque na etapa quantitativa. Para estes participantes, tais aspectos têm relação direta com a

motivação do militar, com seu comprometimento e integração aos valores do grupo, conforme

ilustrado pela citação no Quadro 41.

“A gente que comandou pelotão aí, na tropa, vê nitidamente que aquele que tá mal apresentado, tá com o coturno sujo, não tá batendo o pé na ordem unida, tá com algum problema que interfere na disciplina dele, na motivação.”

Quadro 41 - Citação extraída de grupo focal com tenentes

No grupo focal com capitães foram corroboradas as tendências de resposta da

etapa quantitativa. Este grupo também considera que o ideal da disciplina é que o cadete

cumpra normas, regulamentos e ordens conscientemente, por saber que esta é a forma correta

de agir, independentemente de estar sendo fiscalizado.

Os capitães consideram que na organização militar, pautada na hierarquia,

sempre haverá algum tipo de fiscalização dos superiores em relação aos subordinados

(Quadro 42). No entanto, o indivíduo que só cumpre regulamentos e ordens mediante

vigilância não é realmente disciplinado, pois não se pode garantir que ele agirá da forma

esperada quando não estiver sendo observado. Desta forma, os participantes defendem que,

para avaliar se um cadete realmente internalizou os padrões de disciplina desejados, seria

necessário diminuir a vigilância sobre ele em algum momento da formação, buscando-se

reproduzir gradativamente as condições que encontrará após a formatura, quando estiver na

tropa.

“A nossa instituição é hierarquia e disciplina. A disciplina ela existe com a hierarquia. Você sempre vai ter alguém acima de você que tá responsável por te fiscalizar e fazer cobranças na sua esfera funcional.”

Quadro 42 - Citação extraída de grupo focal com capitães

202

5.4.2 Percepção das mudanças ocorridas com a formação militar

O décimo tópico investigado diz respeito às mudanças que os jovens

vivenciaram em relação à disciplina, após o ingresso na formação militar. Vejamos as

posições apresentadas pelos participantes sobre o tema, nas diferentes etapas da pesquisa.

5.4.2.1 Resultados da etapa quantitativa

Ao analisarmos as respostas apresentadas por cadetes do 1º e do 4º Anos à

Questão 10 (Tabela 32), verificamos que a maioria dos participantes percebe que sua

disciplina melhorou após o ingresso na formação militar. Ainda assim, chama a atenção o fato

de o percentual de cadetes do 4º Ano que efetuou tal avaliação positiva sobre o processo de

socialização ser mais baixo em relação aos cadetes do 1º Ano. Do mesmo modo, chama a

atenção o fato de quase 30% dos cadetes do 4º Ano considerar que sua disciplina não se

modificou com a formação.

Tabela 32 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 10

Questão 10 - Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua disciplina? Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Mudou para melhor. 76,30 Mudou para melhor. 66,14 Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. 22,54 Permaneceu igual ao que era antes, na

vida civil. 29,63

Mudou para pior. 1,16 Mudou para pior. 4,23

A visão apresentada pelos tenentes sobre a questão revela-se ainda mais

positiva do que a apresentada pelos cadetes, de modo geral (Tabela 33). A grande maioria dos

tenentes observa que os jovens modificam sua disciplina para melhor com a formação militar.

203

Tabela 33 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 10

Questão 10 - Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua disciplina?

Questão 10 - Depois do ingresso na vida militar, o que costuma ocorrer em relação à disciplina dos

jovens (cadetes)? Cadetes (n = 362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Mudou para melhor. 70,99 Muda para melhor. 88,89 Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. 26,24 Permanece igual ao que era antes, na

vida civil. 5,56

Mudou para pior. 2,76 Muda para pior. 5,56

Entre os capitães, vemos que a percepção relacionada à eficácia do processo de

socialização quanto ao desenvolvimento da disciplina é uma tendência absoluta (Tabela 34).

Tabela 34 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 10

Questão 10 - Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua disciplina?

Questão 10 - Depois do ingresso na vida militar, o que costuma ocorrer em relação à disciplina dos

jovens (cadetes)? Cadetes (n = 362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Mudou para melhor. 70,99 Muda para melhor. 96,88 Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. 26,24 Muda para pior. 3,13

Mudou para pior. 2,76 Permanece igual ao que era antes, na vida civil. 0,00

5.4.2.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais, os cadetes do 1º Ano confirmaram que a maioria deles

aprimorou sua disciplina com a formação militar. A disciplina foi desenvolvida pela

necessidade de adaptação à organização, em que existe um maior número de regulamentos a

cumprir, em relação à sua vida anterior. Com a formação militar, os cadetes também

melhoraram seu conhecimento sobre a legislação e tornaram-se mais atentos ao seu

cumprimento. Passaram a conviver com situações de risco, o que despertou sua atenção às

normas de segurança. Ao mesmo tempo, desenvolveram a percepção de que não cumprir

determinadas normas traria prejuízos não apenas a si próprios, mas também ao grupo. Ou seja,

o comprometimento com os interesses e valores do grupo contribuiu para o desenvolvimento

da disciplina.

204

Os cadetes do 1º Ano relacionam ainda o aprimoramento da disciplina à

necessidade de sistematizarem suas tarefas para conseguirem atingir os objetivos da

formação. A elaboração de mecanismos de autocontrole, ligados a horários e distribuição de

tarefas, também representa para eles um aumento de sua disciplina.

Nos grupos com os cadetes do 4º Ano, este tópico não foi extensamente

desenvolvido, em função da exigüidade de tempo. Estes participantes também confirmaram

que sua disciplina mudou para melhor com a formação militar, pois aprenderam a se

comportar de acordo com as normas que regem a organização.

Os tenentes concordaram que a disciplina dos jovens muda para melhor em

função do processo de socialização, pois estes desenvolvem maior capacidade de cumprir

normas. Estes participantes entendem que o aprendizado da disciplina, na AMAN, ocorre na

maioria das vezes em função de cobranças sistemáticas e punições, de modo que ao final do

processo os cadetes terminam internalizando a cobrança. Porém, ao longo da formação, os

tenentes observam que os cadetes tendem a ser indisciplinados na ausência de fiscalização

direta. Normalmente, eles são tratados como coletividade, não como indivíduos, o que

provoca uma redução do senso de responsabilidade individual. Ainda assim, observa-se que

dificilmente um cadete será indisciplinado após se formar na AMAN, pois então será tratado

como indivíduo e passará a representar o Exército em diferentes regiões do País, o que

reforçará seu compromisso de seguir os valores cultuados pelo grupo ao qual pertence.

No grupo realizado com os capitães, também estes manifestaram não

possuírem dúvidas de que a disciplina da maioria dos jovens muda para melhor com a

formação militar.

Conforme podemos observar, este valor parece ser um “ponto pacífico” para a

maioria dos participantes, em contraste com as dificuldades observadas anteriormente para o

desenvolvimento dos valores responsabilidade e iniciativa. A disciplina, ligada à assimilação

do controle exercido pelas normas, encontra-se no extremo oposto em relação a atitudes que

exigem maior autonomia dos sujeitos, com as quais apresenta potencial conflito. Mais adiante,

veremos como os participantes propõem o equacionamento destes diferentes valores no

processo de socialização.

205

5.4.3 Aspectos do processo de socialização que facilitam o desenvolvimento

O décimo-primeiro aspecto investigado está relacionado aos aspectos do

processo de socialização que auxiliam no desenvolvimento da disciplina pelos cadetes.

Analisaremos a seguir as percepções dos participantes acerca desta temática.

5.4.3.1 Resultados da etapa quantitativa

Analisando as respostas apresentadas pelos cadetes do 1º Ano à Questão 11

(Tabela 35), verificamos que o principal aspecto considerado como favorecedor do

desenvolvimento da disciplina está relacionado à cobrança constante exercida pelos oficiais,

no tocante ao cumprimento de normas e regulamentos pelos cadetes. Neste grupo, também

são significativas as tendências relacionadas ao empenho dos oficiais em conscientizar os

cadetes e à valorização do comportamento correto.

Tabela 35 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 11

Questão 11 - Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que tem auxiliado você a desenvolver sua disciplina ao longo do Curso de Formação da AMAN.

Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e regulamentos pelos cadetes.

67,63 A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e regulamentos pelos cadetes.

53,44

O empenho constante dos oficiais para conscientizar os cadetes quanto à importância da disciplina.

61,85 A valorização do comportamento correto pelos oficiais. 52,38

A valorização do comportamento correto pelos oficiais. 56,65 A aplicação de punições aos cadetes

transgressores. 50,26

A aplicação de punições aos cadetes transgressores. 46,82

O empenho constante dos oficiais para conscientizar os cadetes quanto à importância da disciplina.

43,92

As atitudes adotadas pelos oficiais, que evidenciam sua disciplina, servindo de exemplo.

44,51 As atitudes adotadas pelos oficiais, que evidenciam sua disciplina, servindo de exemplo.

30,16

As tendências de resposta dos cadetes do 4º Ano apresentam freqüências

relativamente mais baixas. Ainda assim, são destacados por este grupo, à semelhança do

primeiro, aspectos ligados à cobrança constante e à valorização do comportamento correto

206

pelos oficiais. A aplicação de punições aos cadetes transgressores também aparece com

freqüência na casa dos 50%, apresentando destaque ligeiramente maior para os cadetes do 4º

Ano em relação aos do 1º.

Analisando as respostas apresentadas pelos tenentes, vemos um quadro distinto

do manifestado pelos cadetes (Tabela 36). Todos os aspectos citados apresentam freqüências

acima dos 50% no grupo dos tenentes, com destaque para a valorização do comportamento

correto pelos oficiais e para os exemplos de disciplina fornecidos por estes. A cobrança

constante aparece como o aspecto de menor intensidade para os tenentes, o que se contrasta

com a percepção expressa pelos cadetes.

Tabela 36 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 11

Questão 11 - Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo,

aquele(s) que tem auxiliado você a desenvolver sua disciplina ao longo do Curso de Formação da

AMAN.

Questão 11 - Tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos

abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem auxiliado os cadetes a desenvolver sua disciplina

ao longo do Curso de Formação da AMAN. Cadetes (n =362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e regulamentos pelos cadetes.

60,22 A valorização do comportamento correto pelos oficiais. 83,33

A valorização do comportamento correto pelos oficiais. 54,42

As atitudes adotadas pelos oficiais, que evidenciam sua disciplina, servindo de exemplo.

77,78

O empenho constante dos oficiais para conscientizar os cadetes quanto à importância da disciplina.

52,49 O empenho constante dos oficiais para conscientizar os cadetes quanto à importância da disciplina.

66,67

A aplicação de punições aos cadetes transgressores. 48,62 A aplicação de punições aos cadetes

transgressores. 61,11

As atitudes adotadas pelos oficiais, que evidenciam sua disciplina, servindo de exemplo.

37,02 A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e regulamentos pelos cadetes.

55,56

Diante das respostas dos capitães (Tabela 37), constatamos um quadro muito

próximo ao apresentado anteriormente pelos tenentes, com ênfase ainda maior nas freqüências

correspondentes a cada aspecto. Aparentemente, a percepção de oficiais e cadetes acerca do

desenvolvimento da disciplina é bastante distinta. Porém, necessitamos compreender melhor

tal situação a partir da análise dos dados qualitativos coletados.

207

Tabela 37 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 11

Questão 11 - Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo,

aquele(s) que tem auxiliado você a desenvolver sua disciplina ao longo do Curso de Formação da

AMAN.

Questão 11 - Tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos

abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem auxiliado os cadetes a desenvolver sua disciplina

ao longo do Curso de Formação da AMAN. Cadetes (n =362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e regulamentos pelos cadetes.

60,22 A valorização do comportamento correto pelos oficiais. 90,63

A valorização do comportamento correto pelos oficiais. 54,42

As atitudes adotadas pelos oficiais, que evidenciam sua disciplina, servindo de exemplo.

87,50

O empenho constante dos oficiais para conscientizar os cadetes quanto à importância da disciplina.

52,49 O empenho constante dos oficiais para conscientizar os cadetes quanto à importância da disciplina.

78,13

A aplicação de punições aos cadetes transgressores. 48,62 A aplicação de punições aos cadetes

transgressores. 68,75

As atitudes adotadas pelos oficiais, que evidenciam sua disciplina, servindo de exemplo.

37,02 A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e regulamentos pelos cadetes.

62,50

5.4.3.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais com cadetes do 1º Ano, confirmaram-se as tendências

destacadas na etapa quantitativa. Para estes participantes, a cobrança constante dos oficiais em

relação ao cumprimento das normas é um forte estímulo ao desenvolvimento da disciplina. Os

cadetes sabem que, se não cumprirem o esperado, serão punidos. Os oficiais cobram que os

cadetes criem uma rotina para conseguirem cumprir suas tarefas. De tanto serem fiscalizados,

os cadetes percebem que acabam reproduzindo os comportamentos esperados, mesmo na

ausência de cobrança direta. Ou seja, avaliam tal estratégia como eficaz.

No entanto, a orientação quanto às razões das cobranças, isto é, a explicação da

importância dos comportamentos esperados, tanto da parte de oficiais como de cadetes mais

antigos, é considerada fundamental pelos cadetes do 1º Ano, pois os auxilia a desenvolver

uma disciplina mais consistente. A valorização do comportamento correto também é

considerada um forte estímulo para a conduta disciplinada. Entretanto, os cadetes consideram

que tais aspectos deveriam ser mais enfatizados, pois no dia-a-dia da formação a estratégia

mais utilizada por seus superiores envolve a crítica aos erros cometidos e a aplicação de

punições.

208

Com o passar do tempo, os cadetes compreendem a importância de

determinados padrões de comportamento para os militares e passam a sentirem-se bem em

adotá-los, independentemente da cobrança externa. Ou seja, evidencia-se que o

desenvolvimento da disciplina está associado à construção de uma identidade militar. No

Quadro 43, algumas falas de cadetes do 1º Ano ilustram as idéias apresentadas.

“É o FO. Porque se fizer alguma coisa errada ali, vai ser torrado... É uma forma de cobrar.”

“Aqui se valoriza muito mais o erro do que o acerto. Pô, o erro, ele vira uma coisa enorme: você fez tudo certo, tá tudo padrão, e um erro vira uma coisa de um tamanho, vira de uma proporção muito grande...”

“A gente foi condicionado... A gente adquire meio que um reflexo.”

“Aí é que vem a discussão: eles ficaram me cobrando, me cobrando... Mas se eles tivessem me conscientizado, eu também não teria aprendido?”

Quadro 43 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

Nos grupos com cadetes do 4º Ano, estes confirmaram que a cobrança rígida

dos oficiais quanto ao cumprimento de normas pelos cadetes, especialmente no 1º Ano,

auxilia no desenvolvimento da disciplina. Ao longo da formação, essa cobrança é considerada

como necessária para os cadetes que ainda não desenvolveram a disciplina. Para os indivíduos

disciplinados, a cobrança não seria mais necessária. Eles agiriam da forma esperada porque

compreenderam que determinados comportamentos são corretos.

A valorização do comportamento correto, por meio de elogios e observações

positivas, também favorece a disciplina na percepção dos cadetes do 4º Ano. A aplicação de

punições, por outro lado, auxilia nesse processo por meio do medo. Os dois aspectos, quais

sejam, a valorização dos que adotam o comportamento correto e a sanção aos que agem de

modo indisciplinado, são formas de garantir a justiça no seio do grupo e de preservar a

credibilidade das normas, que será perdida se não houver tal vigilância. No Quadro 44,

algumas idéias são ilustradas por meio de depoimentos.

“A cobrança tem mais no primeiro ano. Quando você chega aqui, tem aquela cobrança rígida até você aprimorar a disciplina. É válido; a valorização [do comportamento correto], também.”

“Eu acho importante no 1º Ano, também, não só chibatear, sem explicar. No 1º Ano, a gente tinha um oficial que falava: ‘Ó, tu tá sendo punido, porque tinha que engraxar o coturno, porque, daqui a pouco...’ O oficial que era o comandante de pelotão, primeiro ele: ‘Ó, vamos engraxar o coturno, porque, daqui a pouco, vocês vão não sei o quê... e tal.’ Ele explicava. Se o pessoal não fazia, daí ele punia.”

Quadro 44 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

209

Analisando as posições apresentadas por cadetes do 1º e do 4º Anos,

percebemos diferentes enfoques. Os cadetes do 1º Ano, embora reconheçam a eficácia da

cobrança exercida pelos oficiais em relação ao seu comportamento, manifestam a necessidade

de compreensão da cultura em que estão inseridos, ansiando por explicações sobre as regras.

No 4º Ano, os cadetes parecem já ter assimilado essa dinâmica, legitimando os processos de

desenvolvimento da disciplina. Para eles, exigir, fiscalizar, valorizar e punir constituem-se em

estratégias de socialização eficazes. Embora seja considerada importante por alguns destes

participantes, a explicação acerca do sentido de determinadas regras aparenta estar relegada a

segundo plano para a maioria dos cadetes do 4º Ano. A obediência em si parece ter se tornado

para eles um valor, independentemente de suas finalidades. Deste modo, constatamos que a

socialização para a disciplina revela-se como eficaz.

No grupo realizado com tenentes, foi destacada a importância da valorização

do comportamento correto pelo comandante, assim como da punição dos indivíduos

transgressores. Para os estes participantes, a disciplina deve ser trabalhada como fenômeno

coletivo, por meio da aplicação de reforços e punições. A falha do oficial em atentar para um

destes aspectos pode ser a causa de atitudes de indisciplina de seus subordinados.

Os tenentes percebem correlação entre a disciplina dos cadetes e o

relacionamento com seu comandante imediato. Quando o comandante se apresenta como uma

referência segura para seus subordinados, ou seja, suas ordens e orientações possuem

credibilidade, os cadetes se habituam a segui-las. Ao mesmo tempo, quando o superior trata

os cadetes com respeito, estes tendem a agir corretamente para não desapontá-lo.

Os participantes consideram que o comandante imediato deveria ter

oportunidades para acompanhar seus cadetes subordinados constantemente, a fim de detectar

sinais de desajustamento. Eles identificam que muitas vezes a queda na disciplina está

relacionada à desmotivação do cadete com a carreira, por diversas razões. Nos Quadros 45 e

46 são reproduzidos depoimentos de participantes.

“A disciplina tem muito a ver, acho, com a relação comandante-subordinado. Se ele tiver bem motivado, ele vai ser disciplinado.”

Quadro 45 - Citação extraída de grupo focal com tenentes

210

“O comandante tem que dar o reforço positivo, para aquele que tá na massa pensar: ‘Ainda bem que eu não fiz aquilo, se não eu ia tomar punição.’ [...] Exemplo: tinha a missão de balizar a maratona de [...], o quartel tinha que fazer isso. Daí a gente marcava lá: todo mundo cinco da manhã pronto. Daí quatro soldados chegaram atrasados, chegaram sete horas, e cinco não chegaram. E vinte chegaram. Desses vinte, dez tinham dormido no quartel porque não ia ter ônibus no outro dia pra chegar às cinco da manhã. Então olha só, se esses quatro que chegaram atrasados, eles derem a seguinte justificativa: ‘Tenente, não tinha ônibus, eu cheguei atrasado’. ‘Não, realmente, não tinha ônibus nesse horário, tá justificado.’ E aqueles que nem vieram: ‘Ah, não sei quem passou mal.’ ‘Tá bom, tá justificado.’ Daí, a disciplina daquela tropa... Ele jogou fora a disciplina. Porque aqueles dez que vieram no dia anterior, pegaram ônibus porque não ia ter no outro dia, ou aquele que saiu três horas da manhã de bicicleta, pra dar tempo de chegar às cinco, iam falar assim: ‘Pra quê?’ E isso acontece muito. Aí que vem a fiscalização, não só no sentido de cortar, mas: ‘Pô, legal, você fez isso aqui, fez mesmo, ficou muito bom. Mesmo sabendo que eu não ia vir ver aqui, você fez. Parabéns.’ Então esses que chegaram atrasados no mínimo têm que ter uma faxininha depois do expediente. Pra que o outro, que chegou: ‘Ó, tô indo embora mais cedo...’ E aqueles que faltaram, aplicar punição. Então a disciplina tá muito do reforço que o disciplinador, o comandante, vai dar naquele grupo. [...] Militarmente, eu acho que o grupo tem que apresentar disciplina. E ele, como cadete, vai ter que fazer o grupo dele ter disciplina.”

Quadro 46 - Citação extraída de grupo focal com tenentes

Em uma análise superficial dos aspectos desenvolvidos pelos tenentes, parece-

nos que as idéias apresentadas não refletem exatamente as estratégias mais utilizadas no dia-a-

dia do processo de socialização em pauta. Na discussão em grupo, os exemplos mencionados

referiam-se à atuação dos tenentes nos corpos de tropa ou à experiência (própria ou de

conhecidos) como cadetes na AMAN, isto é, não correspondiam na maior parte às suas

experiências como comandantes de pelotões de cadetes. Além disso, o último aspecto

abordado, ligado à importância da proximidade entre tenentes e cadetes, já foi levantado

anteriormente por estes participantes como um ponto falho no processo de socialização. Por

diversas razões, supomos que os tenentes entrevistados não têm empregado integralmente o

que expressaram no grupo, quanto às estratégias que favorecem o desenvolvimento da

disciplina, em seu relacionamento cotidiano com os cadetes.

No grupo realizado com capitães, os participantes enfatizaram que a

valorização do comportamento correto reforça a disciplina. Esta valorização ocorre quando os

oficiais se portam da maneira que esperam que os cadetes o façam. Também pode ocorrer por

meio de observações positivas dos oficiais em relação aos cadetes. A aplicação de punições

aos transgressores é igualmente percebida como uma forma de valorizar aqueles que agem

corretamente.

Os capitães consideram que a cobrança é importante para o desenvolvimento

da disciplina, porém que ela deveria diminuir progressivamente ao longo da formação. No

decorrer do processo de socialização, a cobrança tornar-se-ia desnecessária, pelo fato de os

indivíduos haverem internalizado a conduta esperada, passando a cobrarem de si próprios sua

adoção.

211

5.4.4 Aspectos do processo de socialização que dificultam o desenvolvimento

No décimo-segundo aspecto pesquisado, levantamos as percepções dos

participantes sobre os aspectos do processo de socialização que originam dificuldades para a

internalização da disciplina pelos cadetes.

5.4.4.1 Resultados da etapa quantitativa

Em uma análise geral das tendências de resposta manifestadas por cadetes do

1º e do 4º Anos à Questão 12, identificamos que em ambos os grupos não houve freqüências

acima de 50% (Tabela 38). Tal fato pode representar que as dificuldades relacionadas ao

desenvolvimento da disciplina não são vivenciadas de modo muito intenso pelos

participantes.

Nas respostas dos cadetes do 1º Ano, apresentam freqüências acima de 40% os

aspectos relacionados à incompreensão da importância de determinadas normas, à influência

negativa de lideranças no grupo e à tentativa de ocultação de faltas para evitar punições. Entre

os cadetes do 4º Ano, além dos mesmos aspectos destacados pelos cadetes do 1º Ano, surgem

tendências referentes à desmotivação ou descrença quanto a preceitos da Instituição e à falta

de exemplo de oficiais.

212

Tabela 38 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 12

Questão 12 - Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que tem dificultado que você desenvolva a sua disciplina ao longo do Curso de Formação da

AMAN. Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) A incompreensão em relação à importância de determinadas normas. 48,55 A incompreensão em relação à

importância de determinadas normas. 48,15

A influência negativa de determinadas lideranças no grupo. 45,66

A desmotivação ou descrença dos cadetes em relação aos preceitos da Instituição.

44,97

O cadete procura ocultar suas faltas para evitar ser punido. 44,51

Falta de exemplo por parte de alguns oficiais, que manifestam atitudes de indisciplina.

41,27

A desmotivação ou descrença dos cadetes em relação aos preceitos da Instituição.

35,84 O cadete procura ocultar suas faltas para evitar ser punido. 40,74

Falta de exemplo por parte de alguns oficiais, que manifestam atitudes de indisciplina.

34,10 A influência negativa de determinadas lideranças no grupo. 40,74

A impunidade ou a falta de rigor na punição de alguns indisciplinados. 31,21 A impunidade ou a falta de rigor na

punição de alguns indisciplinados. 34,39

A tendência de que o cadete priorize seus interesses mais imediatos na escolha da conduta que irá adotar, ainda que estes contrariem os interesses coletivos e institucionais.

25,43

A tendência de que o cadete priorize seus interesses mais imediatos na escolha da conduta que irá adotar, ainda que estes contrariem os interesses coletivos e institucionais.

33,86

Analisando as respostas apresentadas pelos tenentes, observamos a

manifestação de dificuldades mais acentuadas quanto ao desenvolvimento da disciplina, em

comparação com as respostas dos cadetes (Tabela 39). No grupo dos tenentes, apresentam

elevadas freqüências as tendências referentes à impunidade ou falta de rigor na aplicação de

punições e à influência negativa de lideranças no grupo. De modo análogo ao ocorrido na

questão sobre os aspectos facilitadores da disciplina, ocorrem aqui quadros distintos de

percepção de cadetes e tenentes acerca do processo.

213

Tabela 39 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 12

Questão 12 - Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos

abaixo, aquele(s) que tem dificultado que você desenvolva a sua disciplina ao longo do Curso de

Formação da AMAN.

Questão 12 - Ainda tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os

aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem dificultado que os cadetes desenvolvam

sua disciplina ao longo do Curso de Formação da AMAN.

Cadetes (n =362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) A incompreensão em relação à importância de determinadas normas. 48,34 A impunidade ou a falta de rigor na

punição de alguns indisciplinados. 77,78

A influência negativa de determinadas lideranças no grupo. 43,09 A influência negativa de determinadas

lideranças no grupo. 77,78

O cadete procura ocultar suas faltas para evitar ser punido. 42,54 A incompreensão em relação à

importância de determinadas normas. 44,44

A desmotivação ou descrença dos cadetes em relação aos preceitos da Instituição.

40,61

A tendência de que o cadete priorize seus interesses mais imediatos na escolha da conduta que irá adotar, ainda que estes contrariem os interesses coletivos e institucionais.

44,44

Falta de exemplo por parte de alguns oficiais, que manifestam atitudes de indisciplina.

37,85 O cadete procura ocultar suas faltas para evitar ser punido. 33,33

A impunidade ou a falta de rigor na punição de alguns indisciplinados. 32,87

A desmotivação ou descrença dos cadetes em relação aos preceitos da Instituição.

33,33

A tendência de que o cadete priorize seus interesses mais imediatos na escolha da conduta que irá adotar, ainda que estes contrariem os interesses coletivos e institucionais.

29,83 Falta de exemplo por parte de alguns oficiais, que manifestam atitudes de indisciplina.

16,67

Focalizando as respostas apresentadas por capitães (Tabela 40), verificamos

tendências de relativo destaque. A influência negativa de lideranças no grupo surge como o

aspecto mais fortemente percebido como prejudicial à disciplina pelos capitães, seguido da

impunidade ou falta de rigor na aplicação de punições, da incompreensão dos cadetes quanto

à importância de normas e da tendência de que o cadete priorize interesses imediatos em

detrimento dos objetivos institucionais. Novamente, os dados explicitam diferenças nas

percepções de oficiais e cadetes acerca do tópico investigado.

214

Tabela 40 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 12

Questão 12 - Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos

abaixo, aquele(s) que tem dificultado que você desenvolva a sua disciplina ao longo do Curso de

Formação da AMAN.

Questão 12 - Ainda tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os

aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem dificultado que os cadetes desenvolvam

sua disciplina ao longo do Curso de Formação da AMAN.

Cadetes (n =362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) A incompreensão em relação à importância de determinadas normas. 48,34 A influência negativa de determinadas

lideranças no grupo. 65,63

A influência negativa de determinadas lideranças no grupo. 43,09 A impunidade ou a falta de rigor na

punição de alguns indisciplinados. 56,25

O cadete procura ocultar suas faltas para evitar ser punido. 42,54 A incompreensão em relação à

importância de determinadas normas. 53,13

A desmotivação ou descrença dos cadetes em relação aos preceitos da Instituição.

40,61

A tendência de que o cadete priorize seus interesses mais imediatos na escolha da conduta que irá adotar, ainda que estes contrariem os interesses coletivos e institucionais.

53,13

Falta de exemplo por parte de alguns oficiais, que manifestam atitudes de indisciplina.

37,85 O cadete procura ocultar suas faltas para evitar ser punido. 34,38

A impunidade ou a falta de rigor na punição de alguns indisciplinados. 32,87

Falta de exemplo por parte de alguns oficiais, que manifestam atitudes de indisciplina.

25,00

A tendência de que o cadete priorize seus interesses mais imediatos na escolha da conduta que irá adotar, ainda que estes contrariem os interesses coletivos e institucionais.

29,83 A desmotivação ou descrença dos cadetes em relação aos preceitos da Instituição.

18,75

5.4.4.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais realizados com cadetes do 1º Ano, foi levantado que as

dificuldades apresentadas na etapa quantitativa não são generalizadas e sim pontuais,

ocorrendo conforme a realidade de cada companhia do 1º Ano.

O aspecto relacionado à incompreensão de determinadas normas pelos cadetes

foi considerado como muito significativo, pois se o indivíduo não percebe a importância de

adotar determinadas condutas, tende a abandoná-las quando houver a diminuição da cobrança.

Para os cadetes do 1º Ano, a ausência de persuasão quanto às normas prejudica a disciplina.

Este aspecto é agravado quando o oficial que emitiu certa ordem não possui credibilidade

junto aos cadetes. Isto é, se não entendem a finalidade de uma ordem e não confiam no oficial

215

que a emitiu, tendem a considerar que tal medida visa a prejudicá-los, o que pode

comprometer sua disciplina.

A influência negativa de lideranças no grupo de pares ocorre quando um dos

cadetes torna-se porta-voz dos anseios dos demais em relação ao não cumprimento de

determinada ordem, por não compreenderem sua finalidade, por comodismo ou por outros

motivos. Neste caso, todo o grupo acaba sendo levado a aderir a um ato coletivo de

indisciplina.

Um aspecto que não foi nominado no questionário, mas que surgiu em um dos

grupos focais como prejudicial à disciplina dos cadetes do 1º Ano, refere-se ao seu

relacionamento com cadetes mais antigos, do 3º e do 4º Anos. Os participantes vivenciam um

conflito quanto ao cumprimento das normas na interação com estes cadetes. Em certos

momentos, os cadetes mais antigos, especialmente quando desempenham funções de serviço

de escala (adjunto, sargento-de-dia, etc.), são responsáveis por exercer a cobrança quanto ao

cumprimento das normas pelos cadetes do 1º Ano, por vezes emitindo partes disciplinares

devido a pequenos deslizes cometidos por eles. Em contrapartida, em outros momentos,

notadamente após o término do expediente, quando não há presença expressiva de oficiais na

AMAN, cadetes do 3º e 4º Anos emitem ordens aos cadetes do 1º Ano que contrariam os

regulamentos. Desta forma, os participantes vivenciam um conflito entre o cumprimento da

ordem de um superior e o cumprimento do regulamento. Na maioria das vezes, eles optam por

cumprir as ordens dos cadetes mais antigos, pois se vêem constrangidos a fazê-lo, mediante

ameaças de “perseguições” e fatos do gênero. Entretanto, tais experiências reduzem a

credibilidade dos cadetes do 1º Ano nas normas institucionais, pois percebem que sua

transgressão por militares mais antigos geralmente não acarreta as punições devidas. Nos

Quadros 47 e 48 encontramos exemplos de falas dos participantes.

“É aquela velha estória do ‘é assim e pronto’. Se tem que explicar [o porquê das normas], às vezes não sabe explicar...”

“Essa história de correr pro Parque. A gente não ir correndo pro Parque é uma atitude de indisciplina. Mas, tipo assim, às vezes é só porque um cara chegou e começou a falar: ‘Não, vamo andando, vamo andando...’, convenceu todo mundo, aí todo mundo foi andando.”

“Na Infantaria parece que o serviço lá já tem que ter assim mesmo. Porque, por exemplo, o coronel lá, na época dele já era feito: ele sabe que é assim! O tenente sabe também, o capitão sabe, só que, pô, é só subir lá e ver! Porque é o tempo todo pagando. O pessoal diz coisa assim: ‘Não, o serviço lá tem que ser assim mesmo, porque vai forjar o pessoal da 4ª Companhia [do Curso Básico] e tal...’”

Quadro 47 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

216

“A disciplina aqui do cadete do 1º Ano é cobrada na verdade pelo 4º Ano. Porque o tenente tá aqui só dentro do expediente, o contato com ele é muito pequeno, é só no horário do almoço e no TFM, depois ele vai embora. Aí o nosso serviço, a nossa permanência na ala ali, é toda hora aspirante vindo clicar. Então, quando a gente tira plantão no 4º Piso, o serviço do plantão, na verdade ele não faz nada visando suas atribuições, que é verificar as instalações, que é apagar a luz, que é ver se tem alguém passando mal, ele não faz nada disso, porque o aspirante não deixa! Aí o plantão fica fazendo o que: fica indo na cantina buscar refrigerante, buscar iogurte pro aspirante, e isso não é função do plantão! E isso é um crime: abandono de posto! [...] Se a gente tá aqui embaixo, chega um afim e fala que a gente tá errado, porque o plantão da hora tá olhando um mural. Sendo que eles mandam o plantão sair do posto pra ir na cantina...”

“Se eu disser: ‘Aspirante, eu não vou, porque essa não é minha função’. ‘Ah, não tem problema, o próximo ano todo vai estar torrado na revista de uniforme.’”

“É por isso que a hierarquia e a disciplina tão pau a pau ali. Se não a disciplina tava em cima da hierarquia. Não tem como. A hierarquia tem que tar ao lado da disciplina, uma não pode tar em cima da outra. Acontece casos de a hierarquia sobrepujar a disciplina, como no caso do mais antigo ali tar usando o poder dele. Mas o que seria o certo, seria o padrão, ter a consciência do cara mais antigo, a consciência do mais antigo saber que a disciplina tá acima de tudo, que ele tem que fazer o que tá certo, não o que o posto dele ou a graduação dele permite.”

“Não [a disciplina] acima de tudo, mas como foi dito aqui, você tem que acreditar naquilo ali, pra chegar um momento em que, mesmo você não sabendo exatamente por que, você fazer. Só que acontece que a gente vê tanto exemplo errado, que você passa a desacreditar nesse regulamento, nessa disciplina. Você passa a não ver mais aquilo ali como uma coisa certa. Que foi por isso que apareceu na pesquisa muito mais a relação da disciplina consciente, que é uma parada que você faz porque você acha que tá certo, do que o conceito certo de disciplina, que é você fazer acreditando. Eu acho que isso é o que acontece aqui dentro: você tem um regulamento, só que esse regulamento não é seguido pelos próprios cadetes, às vezes por imaturidade, então o que acontece é que você não acredita mais naquela disciplina, não acredita naquilo ali que tá escrito no regulamento.”

“Tem um afim que ele gosta de passar a imagem pro 1º Ano de que ele é o mais alto padrão, que ele não faz nada de errado. Eu até tinha essa imagem dele realmente, eu falei: ‘Pô, o cara realmente é padrão e tal.’ Só que aí ele começou a fazer umas coisas, que eu falei: ‘Pô, não é tão assim...’ Aí chegou no baile do espadim, ele tava tomando um esporro sinistro do comandante do Curso Básico, porque ele tava dando o golpe na entrada do baile com ficha escaneada. Aí eu falei: ‘Um cara desses depois vem falar comigo que o cara é vagabundo porque tá lendo o mural, fazendo uma coisa assim nem tão importante, e ele tava tentando aplicar um golpe na entrada de um baile’. Qual moral que ele tem pra vir cobrar de mim depois a disciplina?”

“O cadete do 4º Ano tem uma confiança nele, que é dada pra ele, e ele muitas vezes não sabe corresponder a ela. Acho que tinha que tirar um pouco. O próprio tenente ir lá ver e fiscalizar mais, porque por eles assim não dá certo...”

Quadro 48 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

Nos grupos com cadetes do 4º Ano, a incompreensão quanto à importância de

determinadas normas foi confirmada como aspecto prejudicial à disciplina. Os participantes

verificam a tendência de que, quando um cadete não compreende a finalidade das normas,

deixe de cumpri-las ao surgir a oportunidade para tanto.

O aspecto referente à desmotivação ou descrença dos cadetes quanto a

preceitos da Instituição está relacionado ao fator anterior, ou seja, à percepção de que certas

normas são incoerentes, pois, por exemplo, devem ser cumpridas pelos cadetes, mas não o são

217

por oficiais. Os cadetes do 4º Ano consideram que a explicação sobre a finalidade das normas,

no contexto de formação em que se encontram, facilitaria o desenvolvimento da disciplina.

A falta de exemplo de oficiais relaciona-se novamente ao cumprimento das

normas. Os cadetes observam que há oficiais que não zelam pelo cumprimento de horários ou

pela apresentação individual, mas cobram severamente tais comportamentos dos cadetes.

Situações dessa natureza provocam diversas reações nos participantes: questionamento quanto

à real importância da norma, sentimentos de desrespeito e desmotivação, desconfiança das

intervenções educativas do oficial.

Entretanto, embora os cadetes do 4º Ano tenham destacado a relevância de

perceberem finalidade e coerência no cumprimento das normas institucionais para a

disciplina, eles constatam que nem sempre é possível que tal condição seja atendida, em razão

da natureza da atividade militar. Assim, mesmo não compreendendo a finalidade das ordens e

normas, o militar é obrigado legalmente a cumpri-las. Os participantes consideram que tal

atitude é fundamental para o sucesso das atividades militares e que é derivada do

comprometimento dos indivíduos com a Instituição, que muitas vezes abdicam de suas

opiniões e interesses pessoais em prol dos objetivos coletivos. No Quadro 49, encontramos

depoimentos de cadetes do 4º Ano.

“Por exemplo, você chega no rancho, o rancho tá uma porcaria, mas se você não pegar alguma coisa, sujar o prato e deixar o prato em cima da mesa, você vai ser punido, porque tá previsto na norma que tu não pode recusar etapa. E vai pra lixeira, porque se você não quiser comer aquela comida, você não quer...”

“Essa questão, tenente, de explicar o porquê, justamente vem desde o Curso Básico: no Curso Básico não explicam pra gente o porquê das coisas. Eu acho que a explicação aí, num contexto de formação, o cadete é diferente do soldado. Se vai atacar, não tem que explicar o porquê pro soldado, se vai atacar aquela cota, vai. O soldado não pode ficar: ‘Mas por que, tenente, tem que atacar...’ Não.”

“Eu acho que a incompreensão não é justificativa pra ser indisciplinado. Eu acho que a gente do P.O. de comandante de pelotão não vai saber, por exemplo, o porquê de muitas decisões que vêm do escalão superior e vai cumprir do mesmo jeito. [..] Eu acho que dificulta. Se existe a possibilidade de explicar o porquê, vai facilitar a disciplina. Mas não saber o porquê, não justifica: ‘Ah, porque eu acho que é rolha ir pro Parque em forma, então eu vou andar fora de forma.’ Negativo. Eu acho rolha ir em forma pro Parque, eu não entendo por quê. Mas foi dada a ordem, eu vou cumprir. Porque eu sou militar, eu tenho que cumprir ordem. É dada uma ordem, eu tenho que cumprir. O dia que eu der uma ordem pro meu subordinado, eu vou querer que ele cumpra a minha ordem, que tenha disciplina. É a base do Exército. Eu dei uma ordem pro meu subordinado, se ele ouvir as minhas ordens e não cumprir, acabou o Exército.”

Quadro 49 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

Comparando as posições apresentadas por cadetes do 1º e do 4º Anos sobre o

presente tópico, verificamos que ambos os grupos destacaram a importância da compreensão

da finalidade das normas e da percepção de coerência em seu cumprimento por todos os

escalões para o desenvolvimento da disciplina. As dificuldades mencionadas envolvem

218

especialmente a observação de contradições quanto ao cumprimento das normas por militares

de diferentes níveis hierárquicos, sejam estes cadetes de anos diversos ou oficiais. Ou seja, os

participantes esperam que a organização burocrática manifeste-se como um todo coerente e

pleno de sentido, a fim de justificar seu ajustamento sem restrições à estrutura estabelecida.

No entanto, conforme já comentado no tópico anterior, os cadetes do 4º Ano

parecem ter construído um sentido ligado à sua própria identidade como militares para o

cumprimento das ordens, a despeito da compreensão das mesmas. Embora não possamos

avaliar a força deste sentido para cada um dos participantes, isto é, em que medida ele seria

suficiente para sustentar a incompreensão sobre as finalidades específicas de sua atuação, o

fato é que o sentimento de pertencimento a uma coletividade voltada a uma “elevada missão”

parece representar uma experiência bastante positiva aos cadetes em final da formação.

No grupo focal realizado com tenentes, foram exploradas as dificuldades para o

desenvolvimento da disciplina sob um enfoque distinto do apresentado na etapa quantitativa.

A influência negativa de lideranças entre os cadetes surge, na visão dos tenentes, quando o

grupo está descontente em relação a algo, que geralmente remete ao relacionamento com seu

comandante imediato. Entre outros fatores, os participantes verificam que o papel do

comandante imediato como referência é prejudicado pelo fato de os cadetes travarem contato

com diversos oficiais na AMAN, de forma que estes muitas vezes emitem ordens que não são

de conhecimento do comandante. Isto contribui para gerar situações de indisciplina, pois a

credibilidade dos cadetes nas ordens e informações transmitidas por seu comandante fica

abalada (Quadro 50).

Outro aspecto que vem prejudicando a disciplina ao longo da formação diz

respeito à ausência de diferenciação no tratamento entre os cadetes dos diversos anos, o que

provoca desmotivação e, conseqüentemente, afeta o comprometimento em seguir as normas.

“A cadeia de comando de baixo pra cima funciona que é uma beleza, agora de cima pra baixo, ela não flui. No Exército isso é cultural.”

“E às vezes a gente leva o reflexo pra tropa aqui de dentro... Chega o soldado e tá com o coturno mal engraxado, não tá batendo o pé, em vez de você ir lá conversar com o soldado, a primeira reação é dar uma mijada, igual acontecia com a gente na Academia... É dar um FO, dar um esporro, e, pô, às vezes o cara tá daquele jeito porque anteontem a mãe dele foi diagnosticada com câncer, tá internada, não sei o quê, e o cara tá de serviço no quartel... E ninguém procura saber isso.”

Quadro 50 - Citações extraídas de grupo focal com tenentes

No grupo com capitães, foram explorados os aspectos que mais se destacaram

na etapa quantitativa. A influência negativa de lideranças entre os cadetes ocorre, segundo os

219

participantes, quando cadetes que servem de referência ao grupo estão descontentes com

atitudes tomadas por oficiais, de modo que acabam disseminando uma visão negativa sobre os

oficiais ou a Instituição. Ainda que o êxito de tal influência dependa do perfil do grupo, os

capitães constatam que é mais fácil que os cadetes sigam um integrante que se posicione

contra os oficiais, do que um integrante que se volte contra o grupo, defendendo o ponto de

vista de seus instrutores. É comum que os cadetes vejam os oficiais como os responsáveis

pelas suas frustrações. Entretanto, os próprios oficiais por vezes vivenciam dificuldades e são

levados a defender ordens com as quais não concordam.

O aspecto ligado à impunidade ou falta de rigor na punição de transgressores é

observado quando não se deseja levar ao conhecimento geral um erro cometido por um

cadete, a fim de não comprometer a imagem própria ou da Instituição. Os capitães constatam

que a punição disciplinar passou a ser encarada como a concretização de um erro no processo

educacional, assim como a nota baixa, um erro ligado aos estudos. A imposição de metas de

excelência gerencial, relacionadas aos 100% de aprovação e à ausência de punições, entre

outros aspectos, tem provocado distorções no processo de socialização e intensa angústia no

corpo docente, uma vez que se constata que nem todas as pessoas têm o perfil necessário para

a profissão militar, à semelhança de outras profissões.

5.5 Honestidade

5.5.1 Conceito

O décimo-terceiro aspecto investigado relaciona-se aos comportamentos que os

participantes qualificam como indicadores da honestidade de um cadete.

5.5.1.1 Resultados da etapa quantitativa

Ao comparar as tendências de resposta de cadetes do 1º e do 4º Anos à Questão

13 do instrumento aplicado, detectamos grande homogeneidade entre os dois grupos (Tabela

220

41). Vários comportamentos são destacados pelos cadetes, com elevadas freqüências, como

característicos da honestidade, os quais estão situados em dois eixos: comportamentos

relacionados à verdade e transparência e comportamentos associados ao lícito. O fato de a

maioria das respostas apresentar freqüência acima de 50% pode indicar uma grande

abrangência do conceito de honestidade para os cadetes.

Tabela 41 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 13

Questão 13 - Como é o comportamento de um cadete que possui honestidade? Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Fala sempre a verdade, mesmo acarretando prejuízos para si. 82,08 Fala sempre a verdade, mesmo

acarretando prejuízos para si. 82,01

Não se apropria de objetos que não lhe pertencem. 80,35 Não se apropria de objetos que não lhe

pertencem. 78,84

Assume seus erros e transgressões. 78,61 Assume seus erros e transgressões. 69,84 Cumpre sua palavra, bem como os compromissos assumidos para com outros.

75,72 Cumpre sua palavra, bem como os compromissos assumidos para com outros.

67,72

Paga corretamente suas dívidas. 68,21 Age com isenção ao administrar dinheiro ou bens alheios. 66,67

Age com isenção ao administrar dinheiro ou bens alheios. 67,63 Paga corretamente suas dívidas. 58,73

Zela pela exatidão na correção de suas provas. 62,43 Zela pela exatidão na correção de suas

provas. 57,67

Manifesta coerência entre o que fala e faz. 58,96 Manifesta coerência entre o que fala e

faz. 55,56

Assume suas opiniões e atitudes publicamente. 46,82 Assume suas opiniões e atitudes

publicamente. 48,68

Age corretamente, é disciplinado. 37,57 Age corretamente, é disciplinado. 30,16

Analisando as respostas apresentadas por cadetes e tenentes, verificamos que,

para este segundo grupo, o comportamento relacionado à isenção ao administrar dinheiro ou

bens alheios adquire maior destaque (Tabela 42). De modo semelhante ao observado em

relação aos cadetes, para os tenentes também se mostram intensas as tendências de resposta

referentes a: falar a verdade, não se apropriar de objetos alheios, cumprir a palavra, zelar pela

exatidão na correção de provas e manifestar coerência, todas com freqüências acima de 50%.

221

Tabela 42 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 13

Questão 13 - Como é o comportamento de um cadete que possui honestidade? Cadetes (n = 362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Fala sempre a verdade, mesmo acarretando prejuízos para si. 82,04 Age com isenção ao administrar

dinheiro ou bens alheios. 77,78

Não se apropria de objetos que não lhe pertencem. 79,56 Fala sempre a verdade, mesmo

acarretando prejuízos para si. 66,67

Assume seus erros e transgressões. 74,03 Não se apropria de objetos que não lhe pertencem. 61,11

Cumpre sua palavra, bem como os compromissos assumidos para com outros.

71,55 Cumpre sua palavra, bem como os compromissos assumidos para com outros.

61,11

Age com isenção ao administrar dinheiro ou bens alheios. 67,13 Zela pela exatidão na correção de suas

provas. 50,00

Paga corretamente suas dívidas. 63,26 Manifesta coerência entre o que fala e faz. 50,00

Zela pela exatidão na correção de suas provas. 59,94 Paga corretamente suas dívidas. 44,44

Manifesta coerência entre o que fala e faz. 57,18 Assume seus erros e transgressões. 38,89

Assume suas opiniões e atitudes publicamente. 47,79 Assume suas opiniões e atitudes

publicamente. 22,22

Age corretamente, é disciplinado. 33,70 Age corretamente, é disciplinado. 11,11

Nas respostas apresentadas pelos capitães, surge o aspecto ligado a falar a

verdade como uma forte tendência, de modo semelhante ao grupo dos cadetes (Tabela 43).

Também são destacados pelos capitães os comportamentos relacionados a agir com isenção

ao administrar dinheiro ou bens, não se apropriar de objetos alheios, assumir erros e

transgressões, pagar corretamente suas dívidas e cumprir sua palavra. Para os participantes de

todos os grupos analisados, as respostas de menores intensidades relacionam-se à disciplina e

à assunção de opiniões publicamente.

222

Tabela 43 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 13

Questão 13 - Como é o comportamento de um cadete que possui honestidade? Cadetes (n = 362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Fala sempre a verdade, mesmo acarretando prejuízos para si. 82,04 Fala sempre a verdade, mesmo

acarretando prejuízos para si. 90,63

Não se apropria de objetos que não lhe pertencem. 79,56 Age com isenção ao administrar

dinheiro ou bens alheios. 87,50

Assume seus erros e transgressões. 74,03 Não se apropria de objetos que não lhe pertencem. 78,13

Cumpre sua palavra, bem como os compromissos assumidos para com outros.

71,55 Assume seus erros e transgressões. 62,50

Age com isenção ao administrar dinheiro ou bens alheios. 67,13 Paga corretamente suas dívidas. 59,38

Paga corretamente suas dívidas. 63,26 Cumpre sua palavra, bem como os compromissos assumidos para com outros.

59,38

Zela pela exatidão na correção de suas provas. 59,94 Manifesta coerência entre o que fala e

faz. 46,88

Manifesta coerência entre o que fala e faz. 57,18 Zela pela exatidão na correção de suas

provas. 43,75

Assume suas opiniões e atitudes publicamente. 47,79 Age corretamente, é disciplinado. 28,13

Age corretamente, é disciplinado. 33,70 Assume suas opiniões e atitudes publicamente. 28,13

5.5.1.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais com cadetes do 1º Ano, a verdade foi destacada como um

importante aspecto relacionado à honestidade. O cadete honesto fala a verdade, não omite

fatos, assume erros e transgressões que cometeu, mesmo sabendo que será punido. A pessoa

honesta é confiável, porque é transparente e cumpre sua palavra.

Entretanto, alguns cadetes retirariam da resposta expressa no questionário a

palavra “sempre”, pois falar “sempre” a verdade não corresponde à realidade. Por exemplo,

ao presenciar uma transgressão cometida por um companheiro, o cadete honesto tentará

conversar com ele. Se o companheiro não se acusar e o cadete julgar a transgressão realmente

grave, participará o fato a um superior. Porém, se considerar a transgressão como algo

simples, que não fira a ética e não tenha prejudicado ninguém, não delatará o companheiro. O

cadete que delata outro deliberadamente, sem procurar conversar com o companheiro e alertá-

lo de seu erro, é considerado desonesto. Assim, a honestidade estaria ao lado da lealdade.

223

Porém, tais valores podem entrar em conflito em determinadas situações. Por outro lado, um

cadete que não assume de imediato um erro cometido, por receio da reação do grupo ou da

humilhação pública, mas que posteriormente procura um superior e relata o ocorrido, é

também considerado como honesto.

A honestidade é caracterizada por um conjunto de atitudes pautadas em

princípios éticos e morais, ou seja, corresponde ao que é considerado universalmente correto.

Possui correlação com o respeito pelo direito alheio e com não causar prejuízo ao próximo.

Para os participantes, o comportamento ligado à isenção ao administrar dinheiro ou bens

alheios deveria receber maior destaque na caracterização da honestidade.

O limite de tolerância quanto a falhas relacionadas à honestidade depende dos

valores do grupo. Na formação dos cadetes, por exemplo, é repudiado o comportamento de

“cola” nas provas, que representa uma falta grave em relação à honestidade. No entanto,

burlar determinadas normas e deixar de se acusar não é considerado, pelos cadetes do 1º Ano,

como uma falha grave em relação à honestidade. Na avaliação da gravidade de uma ação,

pesam fatores como o prejuízo causado aos demais e a premeditação.

Alguns comportamentos, que se apresentaram como tendências mais fracas na

etapa quantitativa, não são percebidos pelos cadetes como estreitamente ligados à

honestidade. Um cadete pode deixar de assumir suas opiniões publicamente, por exemplo,

para não entrar em conflito com o ponto de vista de um superior, e nem por isso será

desonesto. Também a falta de coerência entre o que fala e faz pode ocorrer não

intencionalmente, sem estar relacionada à honestidade. Além disso, este valor nem sempre

está relacionado à lei, pois nem todas as transgressões configuram desonestidade. Ou seja, um

cadete pode ser indisciplinado, sem ser desonesto. Nos Quadros 51 e 52, vemos alguns

depoimentos de cadetes do 1º Ano.

“Ali apareceu como maior índice ‘fala sempre a verdade, mesmo acarretando prejuízos para si’. Isso não representa bem a honestidade, não, porque se uma pessoa comete, vamos supor, um roubo, se ela chegar e falar a verdade: ‘Pô, eu roubei’. Aquilo vai acarretar prejuízos pra ela, ali, mas não vai anular o ato de roubar, que é um ato de desonestidade. Então não adianta ela sempre tá falando a verdade, porque isso não vai anular o ato. Ou a pessoa que trai, ela tá sendo desonesta, então ela não pode depois chegar e falar: ‘Eu traí’. Ela vai tá falando a verdade, se ela traiu, ela vai tá se entregando, mas o ato de desonestidade dela não vai tá sendo anulado. Então eu acho que a parte que foi menos votada lá, que é agir corretamente, ela representa mais honestidade do que essa mais votada aí.”

Quadro 51 - Citação extraída de grupo focal com cadetes do 1º Ano

224

“A verdade, ela sempre tá ligada à honestidade. Mas o mais importante ali, a característica principal da honestidade, é agir corretamente. Então se a pessoa tiver agindo corretamente sempre, ela vai tá falando a verdade, ela não vai tá se apropriando de bens alheios e vai seguir todas as outras características que são ligadas à honestidade.”

“Não é um trilho, é uma trilha. É uma pessoa que vai seguir mais ou menos o que se pede nos regulamentos, sem ferir o outro, indo pela conduta ética adequada. Mas ninguém é cem por cento certo. Apesar de cometer um erro, ele tentar melhorar e tentar não cometer mais esse erro. Seria o cara honesto aqui, tentar melhorar e não prejudicar o próximo.”

“Você falou em forma. Não prejudicou ninguém, não é anti-ético. Mas, pô, você vai levantar o braço: ‘Ó, acabei de falar em forma aqui’? Ninguém faz isso.”

“O julgamento se a pessoa é desonesta fica um pouco difícil de fazer, porque entra muito na questão do sentimento da pessoa que cometeu o ato de desonestidade. Às vezes a pessoa cometeu o ato, mas pode ser que na cabeça dela ela não tinha aquela intenção de cometer, ela não pensou naquilo na hora. Diferente que pode ter outra pessoa que já pensou, já martelou aquilo na cabeça:‘Eu vou cometer isso, eu vou fazer isso, vou fazer aquilo...’ e comete o ato de desonestidade. Já tem outra pessoa que não tem nem tempo, ela comete ali porque ela tá num desespero, aquele desespero ali na hora, não tem uma saída, ela acaba cometendo.”

“Por exemplo, alguém foi lá e pegou alguma coisa, que ninguém sabe quem foi, lá na companhia, sumiu um Ipod, aí tá lá, tem 122: ‘Alguém pegou meu Ipod?’ ‘Não.’ Aí o cara tá escondendo no armário. Agora, de repente tem uma pessoa que pela honestidade fala: ‘Eu peguei porque você ia ser torrado, você tava lá no rancho (alguma coisa desse tipo), mas tá comigo.’ Ele foi honesto ao dizer: ‘Tá comigo’. Ou pode acontecer de ninguém assumir, no caso, uma pessoa pode tar errando, ele que pegou, mas ele tá se escondendo atrás do coletivo.”

“Uma coisa que acontece muito aqui, no caso da revista. A pessoa às vezes não quer passar na revista, por ‘N’ motivos, mesmo que passou a farda, sabe que vão te sacanear lá e não vai sair. Aí você vai, dá a volta pelo CP II, pula a janela, sei lá. Eu acho que a honestidade aí vai caber, se chegar lá na frente, aí o cara fala: ‘Você passou na revista?’; ‘Não.’ Eu acho que sim. Eu acho que se você não for perguntado se você fez aquilo, eu não vou dizer que o cara deixa de ser honesto, se não eu ia dizer aqui que 90% dos cadetes são desonestos, porque não tem um que nunca deu o golpe na revista.”

“Um exemplo que ao meu ver seria desonestidade: esse final-de-semana eu tenho que ir pra casa porque vai ter o casamento da minha prima, vai ter alguma coisa lá. Mas eu caí de serviço. Aí eu penso: ‘Vou na visita médica.’ Arrumo alguma coisa aí da vida, peço dispensa, aí chego lá com o sargenteante: ‘Ó, tô dispensado disso aqui.’ Aí ele vai ter que puxar outro pra vir pra escala. Eu vejo que isso é desonestidade, porque é o seguinte: tá, eu consegui sair da escala de serviço, mas, pô, outro que tinha se planejado que ia viajar, que às vezes também ia resolver algum problema, não vai mais, porque ele vai ter que ocupar o meu lugar, porque eu tô fugindo. Não tenho nada mesmo... Eu só tô fugindo, usando um argumento falso, pra poder ser dispensado. Então pra mim a desonestidade, no caso, tá onde eu prejudiquei a pessoa. No caso de eu não ter passado na revista, de eu ter simplesmente dado a volta, eu não encaro como desonestidade: ninguém foi prejudicado por minha causa.”

“Como também eu ter dado o gás na minha cama e ter chegado o FO lá de ‘cama suja’. Aí eu chego: ‘Tenente, a cama não tá suja.’ Ele: ‘Pô, então você tá dizendo que eu sou mentiroso...’ - coisas desse tipo – ‘Então eu vou lá ver tua cama.’ Aí ele chega lá e vê que a cama realmente tava limpa. Aí ele diz: ‘Não, você trocou sua roupa de cama’. Ai eu falo: ‘Não, tenente, eu não troquei, porque eu tava de serviço no parque ontem e cheguei e vi agora aqui que a roupa de cama não tava suja.’ Aí ele começa a procurar: debaixo da manta, do lado, entre o colchão e a madeira, vê se tá sujo, atrás do travesseiro, vê se tá sujo, e não tá sujo. Aí ele: ‘Seu canga foi torrado?’ Eu: ‘Sim, senhor.’ Aí ele: ‘Então foi torrado de quê? Vamos lá ver na hora do pato.’ Ele chega na hora do pato e diz: ‘O seu canga foi torrado por roupa de cama mal arrumada.’ Aí ele risca o meu ‘sujo’ e bota ‘mal arrumado’. ‘Se o do seu canga tava mal arrumado, o seu tava mal arrumado também’. Isso é desonestidade.”

Quadro 52 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

225

Nos grupos com cadetes do 4º Ano, surgiu a concepção de que o cadete

honesto procura ser o mais verdadeiro possível, assume seus atos, sejam certos ou errados,

mesmo sabendo que poderá vir a ser punido por uma falta cometida. A mentira é considerada

como algo muito grave pelos participantes. Entretanto, alguns consideram que o fato de omitir

a verdade, para não prejudicar a outro ou por motivos pessoais, não caracteriza

necessariamente desonestidade. Para outros, essa atitude seria tão grave quanto a mentira.

Ainda assim, a transparência absoluta é considerada como uma utopia pelos participantes.

Ao lado da conduta pautada pela verdade, o cadete honesto age segundo

princípios éticos universais e evita cometer atos ilícitos, mesmo que pudesse adquirir

benefícios por não agir da forma correta. Ele está ajustado à moral do grupo, aos padrões de

conduta valorizados pela instituição militar. A honestidade também está associada a respeitar

os outros e não lhes causar prejuízos.

No dia-a-dia da formação, os cadetes consideram mais fácil observar

comportamentos ligados à verdade do que à evitação de atos ilícitos. É muito difícil que um

cadete cometa atos ilícitos, em função das sanções previstas e do controle exercido pelos

pares.

Nas discussões em grupo, muitas vezes surgiu a tendência de relativização do

conceito de honestidade pelos cadetes do 4º Ano. Eles observam que os valores do indivíduo,

do grupo e da Instituição podem entrar em conflito e vivenciam dilemas quanto à questão da

transparência, por exemplo. Ao mesmo tempo, os diversos valores assimilados durante a

formação também podem se chocar, de modo que um prevaleça sobre o outro. Assim, um ato

desonesto pode ser cometido visando o bem comum, o que atenuaria sua gravidade. Conclui-

se que ninguém consegue vivenciar integralmente todos os valores. As pessoas terminam

fazendo escolhas e priorizando determinados fatores em seu cotidiano, com a finalidade de

realizar o que consideram ser o melhor. Para conceituar um indivíduo como honesto ou

desonesto, seria necessário analisar o conjunto de suas atitudes, e não fatos isolados. Nos

Quadros 53, 54 e 55, são apresentadas falas dos participantes sobre o tema.

“Eu acho que tá mais relacionado com a pessoa que procura ser o mais verdadeira possível. Porque muitas vezes, mesmo que ela seja verdadeira, não só com o que ela... Por exemplo, se eu faço um pacto com alguém, se a pessoa me conta alguma coisa e eu assumo o compromisso de não falar aquilo com outras pessoas. A honestidade ela tá relacionada não só a isso, como também a várias outras coisas, aí seria mais o fato de falar a verdade.”

“Ele tá com [nota] 7,9, poderia tar com 8,0. Aí ele vai, adultera alguma coisa na prova dele, então é uma facilidade adquirir... Mas como ele sabe que aquilo é errado, ele não faz e fica com 7,9.”

Quadro 53 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

226

“E também pela própria realidade do grupo social em que a gente está inserido. A situação não só de militar, mas de cadete, de elemento em formação, em que pra tudo existe uma sanção, eu acho que a honestidade estaria mais voltada pro fato da verdade, falar a verdade. Existem coisas erradas? Existem. Mas, muitas vezes, se nós formos comparar as coisas erradas que acontecem aqui dentro com as coisas que acontecem lá fora, a gente vai dizer que não tem por que o elemento ser punido por coisas que aconteceram aqui dentro, né?”

“É o lícito, é o lícito comum. Qualquer pessoa, na sua sã consciência, sabe que roubar é errado, sabe que ... é errado, então eu acho que a honestidade é a pessoa andar na linha, é não cometer o ilícito, mesmo. É justamente isso. Não é o fato de: ‘não vou prejudicar alguém’, isso é ser honesto, ah, ‘não rouba alguém’... Honestidade é a pessoa que vai andar na linha do lícito comum, sem tar em lei. Quando não tá em lei, e que alguém fala: ‘não pode fazer isso’, ou seja, passa a ser uma lei imposta. Mesmo que ele não acredite, ou que pra alguns não é uma lei, e no caso ele vai cumprir essa lei, isso aí já é disciplina. Agora quando é uma coisa que é uma verdade absoluta, que todo mundo sabe que uma pessoa não pode cometer aquilo, então o que aparece é a honestidade, eu acho.”

“Não, agora veja a seguinte situação: você vai entrar e você vê alguém fazendo, não sei, um cara pegando biscoito no armário de outro cara. Você viu, o cara foi embora, aí entrou o dono do armário. Aí o dono do armário: ‘Pô, cadê meu biscoito? Comeram meu biscoito.’ Isso você viu. Se você fica calado, e o cara tá do lado, não faz nada: ele omitiu. Ele é desonesto? Pra mim, é.”

“Eu acho que inclusive o fato tá refletido no próprio percentual que tá ali. Dentro da nossa realidade, daquilo que tentam incutir na nossa cabeça, a palavra honesto é aquilo... quem fala a verdade, o cara que realmente sabe assumir seus próprios erros, né? A senhora pode observar que 82% coloca aquilo ali. Mas isso porque desde de quando nós entramos na EsPCEx vem sendo feito um trabalho que: faltar com a verdade, que é uma coisa muito séria... Então são coisas que falam com a gente e que acabam se refletindo muitas vezes, já ao final de quatro anos, de certo modo amadureceram muitas coisas, né, que vão se refletir na nossa maneira de agir e principalmente na pesquisa. E eu tenho certeza que foi isso que fez com que o fator honestidade tenha se relacionado muito mais, pra esse público da pesquisa, com o aspecto de falar sempre a verdade, né, porque é muito visado, sempre falam assim: ‘se você tá fazendo alguma coisa, mesmo que você faça errado, erre convicto, mas assuma seus erros, erre com a intenção de acertar e assuma que errou’. Isso que eles tentam pregar bastante com a gente. E por isso que eu acho que a maioria colocou como falar sempre a verdade e gerou esse percentual tão alto dentro da pesquisa.”

“A gente vive numa coletividade, numa mini-sociedade, que é a AMAN. Cada um trouxe de fora a sua cultura da família: então cada um com um conceito sobre honestidade, sobre moral, sobre verdade... Cada um tem o seu conceito. Só que quando chega aqui, desde a EsPCEx, vai processando uma padronização, tanto de normas, quanto de... até mesmo de relação na ala, ali, vai tendo uma padronização por aquele comentário, aquela crítica, o serviço... E isso vai acontecendo ao longo dos anos. Chega agora, no 4º Ano, a gente já... Tanto é que as opiniões tão sendo até um pouco inválidas, porque o conceito de honestidade tá sendo formado, embora em situações diferentes, todo mundo concorda que a verdade é relacionada à honestidade, não roubar... tudo é relacionado à honestidade. Então a honestidade ela vai servir como... o cara tem que ter essa honestidade. Por isso tá tendo essa opinião que vem da sociedade, quando vai avaliar se ele tem honestidade: ou seja, se tiver prejudicando alguém é falta de honestidade, se tiver fugindo da atribuição é falta de honestidade... Eu acho que é a padronização.”

“Eu acho que o fato de eu ser cadete e conviver vinte e quatro horas por dia, um fato que aqui aconteça é visto de maneira diferente que lá fora. Então no caso de um biscoito ou alguma coisa, pô, eu não vou obrigar alguém a dizer que pegou... Eu não ligo se alguém pegar os meus biscoitos. Algo errado não se torna algo certo, mas algo que não me afeta. Mas em compensação, pô, o cara pegou um relógio, alguma coisa, que denunciou um desvio de caráter, de personalidade, aí se torna algo desonesto.”

“Eu acho que o fato de o cadete ser omisso não leva ele a ser desonesto. Eu acho que nesse mundo, nessa bolhinha que a gente tá aqui, o fato de o cara às vezes se omitir em algumas coisas, não coloca ele, para os cadetes, na situação de desonesto.”

Quadro 54 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

227

“A honestidade ela tem a ver com o grupo e com a pessoa. Você pode ser desonesto com o seu amigo, e honesto com o grupo. Por exemplo, aquele negócio do pátio ali [fato relacionado aos 100 Dias], foi honesto com a turma, ninguém falou, ninguém falou nada, foi honesto com o grupo..”.

“Se alguém perguntasse, o sindicante: ‘Quem foi?’ e ele disesse: ‘Não sei’, foi desonesto. Foi desonesto com o sindicante, mas cumpriu o compromisso com o grupo...”

“Não tem como você viver aplicando cem por cento todas as variáveis dos valores que você tem. Às vezes um determinado valor vai preponderar e outro valor vai cair... Às vezes é melhor não falar a verdade pra determinada pessoa, porque eu sei que aquela verdade ali vai criar um problema muito maior pro grupo do que aquele pacote de biscoito ali, que é uma coisa que não ocorre com tanta freqüência, do que prejudicar o ambiente por causa daquela situação.”

“Olha só, você tem vários valores dentro de você, tudo, quase. Digamos que honestidade é você cumprir o certo. O certo é a verdade absoluta, é o que todo mundo acha certo. Lealdade é eu ser fiel com o outro, falar a verdade para o outro, e outras pautas. Só que o que ele falou é real mesmo: a pessoa quer chegar a um objetivo, a uma meta final que no caso seria o melhor pra todos, ela quer chegar no melhor. Às vezes ele vai pegar e vai falar: ‘Não, a honestidade nesse caso não vai me levar ao melhor, não vai me levar aonde eu quero’. Então, nesse caso, você pode considerar desonestidade, ele desviou o dinheiro, foi desonesto, porém ele foi correto com alguém.”

“É que no momento em que você tenta definir quem é honesto, você acaba prendendo num conceito de desonesto.”

“Talvez a melhor pessoa do mundo não foi honesta em todos os momentos. O cadete tem que ser o que, sempre é honesto? Não. A idéia do cadete é o que: é ele saber, procurar ser o mais honesto possível, mas dependendo da situação...”

“A gente tá dizendo: o indivíduo não foi honesto, mas ele também não foi desonesto... Não quer dizer que ele foi um completo ‘bandido’... Desonesto é sinônimo de bandido.”

“Eu acho que são três definições: tem as regras do próprio indivíduo e, a partir do momento que o indivíduo segue aquelas regras, ele tá sendo honesto ele mesmo. E as regras do grupo, e a partir do momento que a pessoa age de acordo com o grupo, tá sendo honesto com o grupo. E tem as regras da Instituição, que no caso é o Exército, que tem suas normas também, que muitas vezes podem ser diferentes das regras do indivíduo e do grupo. Então às vezes a pessoa tá sendo honesta com a Instituição, mas tá sendo desonesta com o grupo. E às vezes tá sendo honesta com o grupo e tá sendo desonesta com a Instituição. Eu posso dar um exemplo. Lá na Preparatória mesmo aconteceu de um camarada usar droga. E houve uma certa divergência em relação à opinião dos pares. Muitos acharam que o camarada não deveria ser dedurado, confiança do grupo, e outros já achando que deveria dedurar, porque ele estaria errado perante a Instituição.”

“Eu acho que a Instituição é perfeita. Só que existem pessoas na Instituição, e aí não adianta a gente querer ser perfeito, porque o ser humano não é. Por exemplo: ‘Ah, eu tenho que ser honesto igual a Instituição quer.’ A Instituição quer, mas o indivíduo tem a convicção pessoal dele e às vezes ela diverge da Instituição. Nem por isso eu vou falar: ‘Pô, eu não quero ser mais do Exército, porque em certos pontos eu não sou de acordo com o que o Exército pensa.’ Porque é impossível você colocar... A não ser que você apague tudo o que o cara tem de educação de família, de educação religiosa, e coloque só educação militar nele. Igual o pessoal fala da educação espartana, que a criança era colocada lá e ficava a vida inteira, não tinha como travar contato com os pais e tal. Aí não, aí eu concordo: se ele passa a vida toda dele ali, se ele teve a formação do caráter ali dentro, eu tenho certeza que o caráter dele é um reflexo do caráter da instituição. Agora enquanto ele tá em contato com outra sociedade... Por exemplo, até a gente aqui, a gente tem contato aqui e depois vai encontrar com um colega que faz universidade. A universidade tem uma concepção que difere da Academia. E aí, ele é meu amigo, eu vou conversar isso com ele, só que eu não vou quebrar o pau: ‘Pô, eu tô certo e você tá errado.’”

Quadro 55 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

228

Tanto para os cadetes do 1º quanto para os do 4º Ano, o conceito de

honestidade está fortemente relacionado à transparência e à evitação do ilícito ou imoral,

como já havia sido observado na etapa quantitativa. Entretanto, houve certa dificuldade nos

grupos para definir comportamentos cotidianos que caracterizam a honestidade, notadamente

para os cadetes do 4º Ano. O ideal de honestidade absoluta foi percebido como utópico por

estes participantes, que defenderam a importância de avaliar as intenções e o contexto em que

o indivíduo está inserido para qualificar seus atos. Em seu cotidiano, os cadetes

freqüentemente efetuam escolhas que vão de encontro ao ideal de transparência, por exemplo,

e consideram que isto não significa que sejam desonestos. Ser qualificado como desonesto é

algo que representa um peso moral muito grande para os participantes, o que explica sua

dificuldade em definir um conceito de honestidade e, em conseqüência, de desonestidade.

Evidenciou-se no discurso da maioria dos cadetes a proximidade entre os

conceitos de honestidade e de lealdade, assim como os conflitos que vivenciam entre esses

dois valores em situações do dia-a-dia. Ao mesmo tempo, parece-nos que, no decorrer do

processo de socialização, os cadetes constroem a noção de que, embora determinados

princípios morais não possam ser violados, os comportamentos relacionados à honestidade

necessitam ser flexibilizados de acordo com os interesses em questão.

No grupo focal realizado com tenentes, os participantes confirmaram as

tendências mais fortes de resposta expressas na etapa quantitativa. Inicialmente, alguns

aspectos foram ressaltados como definidores do perfil do cadete honesto: age com isenção ao

administrar dinheiro alheio, por exemplo, ao desempenhar uma função em um grêmio;

assume seus erros e transgressões; age corretamente, mesmo sem estar sendo fiscalizado. A

honestidade seria algo relacionado ao indivíduo, independentemente de sua relação com o

grupo. No entanto, este valor pode entrar em conflito com outros, como a camaradagem. Os

tenentes consideram como uma tendência humana evitar delatar alguém com quem possua

laços afetivos, ao avaliar que a transgressão cometida pelo outro não possui extrema

gravidade. O comportamento de manifestar coerência entre o que fala e faz relaciona-se à

transparência, que também faz parte da honestidade.

Por fim, os participantes tentaram diferenciar a honestidade de outros valores,

como a verdade e a disciplina, concluindo que a honestidade estaria essencialmente

relacionada à legalidade e a não procurar obter vantagens indevidas, seja dinheiro, uma nota

em uma prova ou a fuga de uma punição. Entretanto, essa diferenciação foi realizada pelo

grupo com alguma insegurança, denotando que tais aspectos costumam aparecer estreitamente

229

relacionados na experiência cotidiana. No Quadro 56, há exemplos de depoimentos

manifestados no grupo focal.

“Deu algum problema, a gente pergunta pro grupo: ‘Quem é o responsável? Quem foi que quebrou a janela do alojamento?’ O cadete [honesto] levanta a mão e se acusa, né?”

“’Cadete, você chegou atrasado?’ O cadete vai dizer que sim, mesmo que isso aí traga um prejuízo pra ele.”

“Eu acho que é muito fácil o cara ser honesto aqui na AMAN. [...] É muito fácil o cara ser honesto quando ele não tem, vamos dizer assim, a tentação. Pô, o cara tá dentro do grupo, o cadete tá sempre dentro do grupo, o grêmio, tem um monte de gente envolvida no grêmio, não é só ele. Eu acho que é muito fácil o cadete ser honesto por causa da pressão do grupo. E também porque ele não tem autonomia. Vamos dizer assim, no meu caso, a Intendência, eu era aprovisionador, tesoureiro e almoxarife do quartel. Tudo tava na minha mão, eu não tinha ninguém pra me fiscalizar dentro do quartel. E realmente aparecia, vamos dizer, as oportunidades. E aqui o cadete não tem tantas oportunidades de evidenciar a desonestidade, a honestidade dele tá imposta pelo grupo.”

“E se o cara chegar e participar o outro companheiro, com certeza ele vai ser taxado por mais de cinqüenta por cento como ‘faca nas costas’. [...] Isso aí aconteceu comigo quando eu tava no 4º Ano. Dois cadetes de Infantaria tavam dando trote no plantão da hora e o plantão não me acordou pra eu assumir o posto ali embaixo. Eu cheguei dez minutos atrasado. Aí eu lancei no livro, na época, o fato mesmo, por que que eu cheguei atrasado: o plantão tava no chuveiro, recebendo castigo físico, né? E eu lancei aquilo no livro e teve elementos da minha turma, de Infantaria, dizendo pra mim ‘vai embora’ depois, porque eu tinha torrado um trotista. Então é a distorção completa dos valores. O único correto naquilo ali fui eu, que presenciei um fato proibido, que eu tinha orientado aquele dia a guarnição de serviço, porque lá no Mat Bel é 4º Ano de Material Bélico como 3º Ano de Infantaria, eu orientei o pessoal, eu falei: ‘É proibido trote, eu não quero saber de trote no plantão’, e aconteceu... E alguns companheiros meus viram aquela atitude minha, apesar de ser honesta e correta, com maus olhos. Às vezes são distorcidos os valores pelo corporativismo do grupo. E infelizmente, inclusive o oficial-de-dia que tava no dia – e eu até acho que foi isso que motivou os cadetes a irem contra a minha atitude – ele era paraquedista e ele disse pros cadetes que pra ele, daonde ele veio, não se admite secção na massa. Ele tinha vindo da Brigada Paraquedista. Então, ele me colocou numa situação difícil. Era ele a maior autoridade presente ao fato, devia ter reprimido o cadete, e ele justamente foi contra a minha atitude.”

Quadro 56 - Citações extraídas de grupo focal com tenentes

No grupo focal com capitães, a verdade foi considerada como a síntese da

honestidade. O cadete honesto fala a verdade, mesmo sabendo que terá prejuízos com isso.

Ele não se utiliza de subterfúgios, não procura se esquivar diante de uma transgressão

cometida. Um cadete também demonstra sua honestidade quando desempenha uma função em

que lida com dinheiro e o administra corretamente. Este valor está associado, ainda, a cumprir

os regulamentos, mesmo que não se esteja sendo fiscalizado. Até aqui, vemos grande

convergência entre as idéias iniciais levantadas por capitães e tenentes, que associam

honestidade a verdade, legalidade e disciplina.

Os participantes reconhecem que a honestidade é influenciada por fatores do

contexto em que o cadete está inserido. A pressão do grupo ou a falta de confiança em um

superior podem levá-lo a não falar a verdade sobre uma situação. Entretanto, os capitães

defendem que o objetivo da AMAN é formar o cadete “100% honesto”, que fale a verdade

230

“doa a quem doer” e que siga rigorosamente determinados princípios. O comportamento

relacionado a pagar corretamente suas dívidas não necessariamente refere-se à honestidade,

pois pode ser uma decorrência da organização do indivíduo.

Um aspecto ressaltado pelos capitães é que o perfil de honestidade que se

procura desenvolver na AMAN não se aplica rigorosamente à vida futura dos cadetes, na

tropa. Após a formatura, o indivíduo necessitará flexibilizar determinados conceitos ligados à

honestidade para conseguir se adaptar ao seu novo contexto. Por exemplo, necessitará

aprender a transgredir determinadas leis concernentes à administração pública para melhor

administrar uma verba, a fim de conseguir realizar as atividades do quartel. Todavia, isto é

considerado pelo grupo como algo moralmente aceitável, pois não é realizado pelo indivíduo

em proveito próprio, mas em benefício da Instituição. O que forneceria ao oficial os

parâmetros do que é aceitável, nesse contexto, seria a sólida formação moral recebida na

AMAN.

Observamos, portanto, novamente a menção às contradições que surgem entre

a honestidade e outros valores, especialmente a fidelidade ao grupo ou à Instituição. Para os

cadetes, a lealdade aos pares sobrepõe-se à honestidade em certas situações. Para os oficiais, a

mesma equação parece assumir formas relacionadas à lealdade à Instituição.

No Quadro 57, vemos exemplos de depoimentos de capitães sobre o tema.

“Um outro parâmetro também, por exemplo, eu até tirei serviço com um cadete do 4º Ano que tava preso... E ele foi preso porque ele passou ali [no portão de entrada da AMAN] depois do horário previsto, que era 22 horas. Ainda chegou na ala e lançou o nome de outro companheiro [na lista de controle do regresso dos cadetes]. Ele foi plotado. Então, apesar de ele ter admitido [a transgressão cometida], ele foi um pouco desonesto, digamos que ele ainda tem que lapidar esse atributo nele. Apesar da honestidade dele, se ele não tivesse sido plotado, ele tinha ficado com aquilo pra ele. E isso, para nós da Academia, instrutores, isso daí não é um atributo bom no cadete...”

“O 100% honesto pra esfera humana: é o cara que nem dá golpe. Digamos assim, daqui no futuro, o camarada volta pra ser instrutor da AMAN. E ele precisa vir aqui nas férias dele (como eu vim): não vai vir. Se ele passar as férias dele, ele não vai fazer a barba, ele não vai usar a meia regulamentar, ele não vai usar a camisa regulamentar, apesar de tar paisano. Então se a gente conseguir chegar ao patamar pelo menos dele confessar que ele errou, já é uma boa coisa, mas o ideal é ele nem fazer isso, é ninguém tar cuidando dele...”

“Esse honesto, que fala a verdade mesmo acarretando prejuízos para si, na tropa não é válido. Aqui na Academia é válido, na tropa não é válido isso daí. Você sendo honesto na tropa, você pode tar se jogando no buraco. Porque as pessoas na tropa também não são honestas com você. É igual o filho que sai de casa, de baixo da barra da saia da mãe: o mundo é cão. Então, você por proteção baixa esse seu nível aí. Isso aqui pra formação, eu acho que é exatamente isso daí: ele fala, mesmo acarretando prejuízos pra ele, ele tá sendo honesto.”

Quadro 57 - Citações extraídas de grupo focal com capitães

231

5.5.2 Percepção das mudanças ocorridas com a formação militar

O décimo-quarto aspecto investigado relaciona-se às mudanças ocorridas

quanto à honestidade dos jovens em decorrência da formação militar, na percepção dos

participantes.

5.5.2.1 Resultados da etapa quantitativa

Comparando as respostas apresentadas por cadetes do 1º e do 4º Anos à

Questão 14 do instrumento aplicado, verificamos tendências homogêneas (Tabela 44). A

maioria dos cadetes de ambos os grupos considera que sua honestidade não se modificou com

a formação militar. Uma segunda tendência de resposta, com freqüência próxima de 35% nos

grupos, expressa que houve uma mudança para melhor após o ingresso na carreira. Com base

nestes dados, inferimos que a percepção dominante entre os cadetes relaciona-se à ausência de

influência do processo de socialização sobre sua honestidade.

Tabela 44 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 14

Questão 14 - Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua honestidade? Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. 65,32 Permaneceu igual ao que era antes, na

vida civil. 61,38

Mudou para melhor. 33,53 Mudou para melhor. 34,92 Mudou para pior. 1,16 Mudou para pior. 3,70

Analisando comparativamente as respostas apresentadas por cadetes e tenentes,

verificamos quadros distintos (Tabela 45). No grupo dos tenentes, a tendência mais forte de

resposta reflete que a honestidade dos indivíduos muda para melhor com a formação militar.

A segunda tendência de resposta relaciona-se à ausência de mudança com o processo de

socialização. Observamos, portanto, que os tenentes tendem a perceber o processo de

socialização como mais eficaz no tocante à internalização da honestidade do que os cadetes.

232

Tabela 45 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 14

Questão 14 - Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua

honestidade?

Questão 14 - Depois do ingresso na vida militar, o que costuma ocorrer em relação à honestidade dos

jovens (cadetes)? Cadetes (n = 362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. 63,26 Muda para melhor. 61,11

Mudou para melhor. 34,25 Permanece igual ao que era antes, na vida civil. 38,89

Mudou para pior. 2,49 Muda para pior. 0,00

Ao analisar as tendências de resposta dos capitães, verificamos situação

semelhante à recentemente exposta (Tabela 46). Também este grupo tende a perceber o

processo de socialização como mais eficaz, se comparado às tendências de resposta

apresentadas pelos cadetes. Constatamos, portanto, a existência de percepções diferentes de

oficiais e cadetes acerca do fenômeno em pauta.

Tabela 46 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 14

Questão 14 - Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua

honestidade?

Questão 14 - Depois do ingresso na vida militar, o que costuma ocorrer em relação à honestidade dos

jovens (cadetes)? Cadetes (n = 362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. 63,26 Muda para melhor. 59,38

Mudou para melhor. 34,25 Permanece igual ao que era antes, na vida civil. 37,50

Mudou para pior. 2,49 Sem resposta. 3,13 Sem resposta. 0,00 Muda para pior. 0,00

5.5.2.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais com cadetes do 1º Ano, ressaltou-se a concepção de que as

bases da conduta honesta provêm da educação familiar, não são adquiridas com a formação

militar. A maioria dos participantes considera que já era orientada pelos pais sobre a

honestidade e que, com a formação militar, apenas encontrou mais oportunidades para colocar

suas convicções em prática.

Os participantes analisaram que a segunda tendência de resposta, ligada à

mudança para melhor da honestidade, corresponde a uma minoria de cadetes que se

233

aprimoraram, em função da valorização dada a tais aspectos na formação, da convivência com

o grupo e da possibilidade de punição por transgressões. Entretanto, não se acredita que a

formação militar possa modificar radicalmente os padrões de conduta de um indivíduo.

Nas discussões nos grupos, tivemos a impressão de que todos os participantes

pressupõem-se como “honestos”, independentemente de determinadas ações cotidianas.

Muitos relatam que, na formação militar, modificaram determinados aspectos “para melhor”,

por exemplo, ao passarem a evitar a “cola” em provas, e “para pior”, ao desenvolverem

estratégias para burlar a fiscalização de superiores. Entretanto, sua posição relacionada à

ausência de mudança com o processo de socialização é mantida. É como se, a despeito de tais

experiências, a honestidade estivesse relacionada a um “bom caráter”, que os participantes já

possuíam antes de ingressarem na organização e que continuam possuindo, ou seja, a um

“núcleo íntegro” que não seria influenciado por seus movimentos de adaptação ao meio. No

Quadro 58, são citadas falas dos cadetes do 1º Ano a título de ilustração.

“O Exército não é um reformatório. Não é uma instituição que faz a gente melhorar, [que] o indivíduo fala: ‘Eu vou mandar o meu filho pro Exército, porque lá eles vão dar um jeito nele.’ Algumas pessoas podem até pensar assim, mas tão pensando errado. Isso aqui é um lugar onde os seus valores vão ser colocados em prática, vai ser posto à prova, mas não é agora que eu sou cadete que eu vou ser honesto, agora que eu sou cadete eu vou ser leal, agora que eu sou cadete eu não vou mentir... O indivíduo chega aqui, vem entrar pra esse universo, já tem vinte anos de idade. Com vinte anos de idade, não vou dizer que a cabeça da pessoa tá formada, mas já tá bem perto de tar formada.”

“É fato que aqui a gente aprende a dar o golpe também. Tem que mentir. Aprende a cartear, dar o golpe... Não é que isso seja uma constante, mas... Eu acho que a honestidade, aí, vem de casa.”

“Eu vim de uma escola totalmente civil, mesmo. Em termos de trabalho, o que a gente tinha, era muito difícil, era horário integral, uma escola com muito trabalho, semelhante a aqui, era muito cansativo também. Então, o que se via ali: gente não conseguindo estudar, o que se via era uma cola generalizada, generalizada, mesmo. Então, o que tinha ali era oportunidade, oportunidade de cola. É diferente daqui de dentro. Aqui dentro o camarada já sente: ‘Pô, não posso colar, porque...’ Aquela pressão, justamente: não pode colar, não pode colar, porque quem cola, é desonesto e vai embora. Então, aquilo vai formando mais o caráter da pessoa: ‘Pô, não vou colar, porque aqui é uma escola diferenciada, aqui não pode fazer isso...’ O militar sai daqui com isso. É diferente lá fora. Lá fora, muita gente já colou. [...] Eu nunca pensei aqui dentro em desviar meu olhar, em pensar em colar. Às vezes, pelo contrário, a gente pensa: eu tenho que estudar, estudar, estudar. Pô, cheguei na prova, não estudei, sentei na cadeira, o pensamento que vem ali é: ‘Barro. Fui pro barro.’”

Quadro 58 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

Nos grupos realizados com cadetes do 4º Ano, foi confirmada a concepção de

que a maioria dos indivíduos traz os fundamentos da honestidade de sua educação familiar.

Haveria um “padrão básico de honestidade” característico da sociedade brasileira, que foi

aprendido pelos cadetes na família. Com a formação militar, foram agregados os valores da

Instituição à sua bagagem prévia, a qual, porém, não se modificou. Nesta bagagem, além de

conceitos ligados a falar a verdade, assumir erros, não roubar, entre outros, estariam noções

234

da flexibilização possível da conduta em função de certas circunstâncias. Apenas uma minoria

de cadetes teria modificado sua conduta com a formação, especialmente devido à pressão

exercida pelo sistema de punições.

Entretanto, em um dos grupos com cadetes do 4º Ano ocorreu um processo

interessante. Diante da dificuldade do grupo em conceituar a honestidade no tópico anterior,

cujos participantes apresentavam constantemente a tendência de relativizar definições, eu

assinalei que tinha a impressão de que estávamos diante de um “tabu”. Isto é, parecia que os

participantes evitavam a todo custo qualquer possibilidade de identificação com um conceito

de desonestidade, pois o desonesto parecia se aproximar do “criminoso”. O grupo acolheu

esta intervenção, que pareceu exercer um efeito terapêutico. A partir de então, muitos

participantes reconheceram que não refletiram objetivamente sobre seu comportamento ao

responderem a este tópico no questionário, simplesmente considerando que “eram honestos e

continuam sendo”. Alguns chegaram a afirmar que, após a discussão no grupo, responderiam

de modo diferente à questão, expressando que sua honestidade “mudou para pior”. Tal

avaliação deveu-se principalmente à constatação dos comportamentos de esquiva adotados

pelos cadetes, devido à sua insatisfação com a sistemática de aplicação de punições. Ficou

nítido o desconforto dos cadetes ao admitirem que adotam comportamentos que contrariam

seu conceito de honestidade. Nos Quadros 59 e 60, podemos observar alguns depoimentos de

cadetes do 4º Ano.

“Eu acho que a honestidade, assim como o conceito dela, é uma coisa que a grande maioria traz de casa”.

“Ninguém vai chegar e dizer que antes de entrar na AMAN era desonesto. Ninguém vai chegar e dizer: ‘Ah, não, quando eu tava na minha casa eu roubava, agora eu sei que é errado, eu cheguei na AMAN e fui punido porque roubei um biscoito, agora sim, agora eu tenho certeza que roubar é uma coisa ruim.’”

“Só que tem um peso muito grande que se chama regulamento e punição. Justamente praqueles que não são honestos. Se o cara faltar com a verdade...”

“Eu lembro quando eu respondi essa pergunta eu pensei em mim e nos outros. Eu já vi muito cara que às vezes não assume erro, que: ‘Não, não vou assumir isso aqui, não. Vou deixar passar. Não, isso aqui não vai prejudicar muito, não. Vou ser desonesto um pouquinho aqui.’ Então o cara permaneceu igual. Ele não mudou: ‘Não, vou ser sempre honesto, em todas as situações.’”

“Já vem de casa. A AMAN, às vezes até pelo próprio regime, faz até piorar a situação. Quantos cadetes já não chegaram a mentir, inventaram uma história pra não tomar uma punição.”

“É isso aí. Até então a gente assumia os erros, mas chegou aqui, o bizu era ser desonesto, não pra prejudicar os outros, mas pra não ser punido.”

Quadro 59 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

235

“As pessoas que [responderam] ‘mudou pra pior’. O que pode ter acontecido: em casa ele tinha um ambiente em que ele chegava e assumia o erro, o pai dele: ‘Não, você falou a verdade, então você tá seguindo o caminho certo, é confiável’, então, ele te ouvia. Aí ele veio pra AMAN, ele assumia a verdade e o oficial falava: ‘Não, legal que você assumiu a verdade, mas esse final-de-semana você vai ficar aí.’”

“Eu acho que tem tantas coisas... que até foge um pouquinho do foco da pesquisa. Mas talvez possa ajudar em alguma coisa. O negócio de a gente ficar preso aqui... Isso aí eu acho que piora em tudo, porque... Entra honestidade ... Porque o cadete, eu falo por mim, o seguinte: a semana dele ele já não conta, ele já tá dentro da bolha. Então, pelo final-de-semana dele, ele faz o que for preciso: se for preciso mentir, se for preciso bater, matar, qualquer coisa... Eu faço tudo pelo meu final-de-semana. [Risos no grupo.] Modo de falar. Modo de falar, mas é quase isso mesmo, porque a gente fica preso a semana inteira, os únicos contatos que a gente tem lá fora, o telefone e Internet: ‘Ah, não, eu fui numa chopada, ontem, hoje, amanhã tem outra...’ Aí no sábado agora vai ter festa a fantasia. ‘Ah, não, mas vai ficar difícil pra você, cadete, você vai ficar de LS.’ Apesar disso, falou a verdade. Teve um erro muito grotesco, que deixou de fazer a faxina, entendeu, então vai perder o seu final-de-semana também...”

Quadro 60 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

Analisando os depoimentos de cadetes do 1º e do 4º Anos, inferimos que há,

sim, uma mudança nos comportamentos relacionados pelos participantes à honestidade, em

função do processo de socialização. Ao ingressarem na organização, os sujeitos necessitam se

adaptar a um contexto cultural, que valoriza determinados comportamentos, em detrimento de

outros, “tolerados” no campo da informalidade. Embora certos parâmetros morais sejam

evidentemente trazidos pelos cadetes de sua socialização anterior, vivenciada nos grupos

primários e secundários, ocorrerá um inevitável ajustamento dessa realidade subjetiva aos

desafios concretos impostos pelo processo de socialização organizacional. Entretanto, a

honestidade se afigura como um tema “delicado”, que suscita diversas resistências ao ser

discutido, justamente devido à sua forte conotação moral.

No grupo focal realizado com tenentes, os participantes confirmaram as

tendências expostas na etapa quantitativa. Acredita-se que a maioria dos jovens muda sua

honestidade para melhor em decorrência da formação militar. Para os tenentes, esta mudança

é devida à influência do ambiente. Eles consideram que, em comparação com a sociedade de

modo geral, há menos comportamentos desonestos no meio militar, o que serve de estímulo à

conduta dos indivíduos. Além disso, ao longo da formação militar os jovens ouvem um

discurso que exalta determinados valores, associando-os à identidade do cadete. Com o

tempo, são assimilados tais parâmetros como um ideal de conduta a ser seguido. Os

participantes observam, ainda, que a coerção do grupo conduz a um aprimoramento da

honestidade. Os cadetes são constantemente fiscalizados por seus pares, o que desencoraja a

adoção de atitudes desonestas (Quadro 61).

236

“A grande formação da AMAN é a formação moral. Aí fora, às vezes o cara tem também a chance de ser desonesto, daí sim que ele vai provar que ele é honesto. Enquanto tu não tem acesso a dinheiro que tu possa pegar, tu não tá sendo honesto, tu tá fazendo uma coisa que tu sabe... que não tem oportunidade. Eu acredito que quem consegue absorver realmente o que passam aqui na AMAN...”

Quadro 61 - Citação extraída de grupo focal com tenentes

No grupo com capitães, foi sublinhada idêntica percepção de que a maioria dos

cadetes aprimora sua honestidade ao longo do processo de socialização. Os capitães observam

que os cadetes passam a compreender como funciona o “sistema” e se tornam mais seguros

com o transcorrer da formação. Ou seja, os jovens percebem que é mais vantajoso ser

honesto, pois a desonestidade traz conseqüências muito graves, no tocante a punições e à

reputação do indivíduo. No 1º Ano, é comum que os cadetes façam rodeios antes de admitir

um erro. No 4º Ano, eles tendem a responder diretamente quando perguntados a respeito de

uma falta cometida. Ao final da formação, os cadetes também assimilam mais facilmente as

orientações dos oficiais.

Os capitães consideram que a importância de muitos aspectos exigidos na

AMAN não é compreendida pelos cadetes. Porém, após a formatura, a validade do processo

de socialização que vivenciaram ficará clara, pois os ideais de conduta assimilados na AMAN

lhes servirão de parâmetro ao tomarem decisões.

Constatamos, portanto, que os oficiais de modo geral percebem os efeitos do

processo de socialização como muito positivos quanto ao desenvolvimento da honestidade

dos jovens. Entretanto, tais efeitos parecem não ser percebidos nitidamente pelos cadetes

durante a formação, em face de suas dificuldades diárias de adaptação à realidade

organizacional. Procuraremos compreender melhor tais pontos de vista com base na análise

dos dados referentes aos próximos tópicos.

5.5.3 Aspectos do processo de socialização que facilitam o desenvolvimento

O décimo-quinto tópico pesquisado diz respeito aos aspectos do processo de

socialização percebidos como favorecedores da internalização da honestidade pelos

participantes.

237

5.5.3.1 Resultados da etapa quantitativa

Analisando as respostas apresentadas por cadetes do 1º e do 4º Anos à Questão

15 do questionário (Tabela 47), verificamos que, para ambos os grupos, os princípios trazidos

da educação familiar destacam-se como um forte favorecedor da honestidade. Isto se coaduna

com as respostas apresentadas pelos cadetes à questão anterior, ligadas à percepção da

ausência de mudança de sua honestidade com a formação militar, devido ao fato de terem

assimilado este valor na socialização primária. O segundo aspecto destacado diz respeito à

valorização e cobrança da honestidade do cadete por seus pares. Embora apresente

freqüências acima de 50% em ambos os grupos, este fator apresenta maior intensidade nas

tendências dos cadetes do 1º Ano. Para este grupo, diferentemente dos cadetes do 4º Ano,

apresenta-se também como aspecto favorecedor a orientação constante e incentivo dos oficiais

para que os cadetes digam a verdade. As tendências mais fracas de resposta, nos dois grupos,

relacionam-se à vigilância constante e à aplicação de punições aos transgressores.

Tabela 47 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 15

Questão 15 - Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que tem auxiliado você a desenvolver sua honestidade ao longo do Curso de Formação da

AMAN. Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Os princípios trazidos da educação familiar. 96,53 Os princípios trazidos da educação

familiar. 98,94

Valorização e cobrança da honestidade do cadete por seus pares. 65,90 Valorização e cobrança da honestidade

do cadete por seus pares. 53,44

Orientação constante e incentivo pelos oficiais para que os cadetes digam a verdade.

54,34 O exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes. 36,51

O exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes. 44,51

Orientação constante e incentivo pelos oficiais para que os cadetes digam a verdade.

34,39

Tratamento do cadete pelos superiores como tendo idoneidade moral e sendo confiável, o que o estimula a proceder de acordo.

41,62

Tratamento do cadete pelos superiores como tendo idoneidade moral e sendo confiável, o que o estimula a proceder de acordo.

29,10

Punição dos cadetes que cometem faltas a esse respeito. 28,90 Punição dos cadetes que cometem

faltas a esse respeito. 23,28

O cadete é constantemente vigiado. 10,40 O cadete é constantemente vigiado. 10,05

Comparando as respostas de cadetes e tenentes (Tabela 48), verificamos que,

nos dois grupos, os fatores relacionados aos princípios trazidos da educação familiar e à

238

valorização e cobrança da honestidade pelos pares afiguram-se como tendências de destaque.

Entretanto, diferentemente dos cadetes, os tenentes também percebem os aspectos

relacionados à orientação constante dos oficiais e ao tratamento baseado na confiança como

favorecedores da honestidade no processo de socialização. O aspecto relacionado à vigilância

constante novamente aparece como a tendência mais fraca de resposta nos dois grupos.

Tabela 48 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 15

Questão 15 - Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo,

aquele(s) que tem auxiliado você a desenvolver sua honestidade ao longo do Curso de Formação da

AMAN.

Questão 15 - Tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos

abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem auxiliado os cadetes a desenvolver sua

honestidade ao longo do Curso de Formação da AMAN.

Cadetes (n =362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Os princípios trazidos da educação familiar. 97,79 Os princípios trazidos da educação

familiar. 94,44

Valorização e cobrança da honestidade do cadete por seus pares. 59,39

Orientação constante e incentivo pelos oficiais para que os cadetes digam a verdade.

61,11

Orientação constante e incentivo pelos oficiais para que os cadetes digam a verdade.

43,92

Tratamento do cadete pelos superiores como tendo idoneidade moral e sendo confiável, o que o estimula a proceder de acordo.

55,56

O exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes. 40,33 Valorização e cobrança da

honestidade do cadete por seus pares. 50,00

Tratamento do cadete pelos superiores como tendo idoneidade moral e sendo confiável, o que o estimula a proceder de acordo.

35,08 Punição dos cadetes que cometem faltas a esse respeito. 44,44

Punição dos cadetes que cometem faltas a esse respeito. 25,97 O exercício de funções administrativas

e de comando pelos cadetes. 38,89

O cadete é constantemente vigiado. 10,22 O cadete é constantemente vigiado. 11,11

Analisando as respostas apresentadas pelos capitães (Tabela 49), verificamos,

de modo semelhante ao ocorrido no grupo dos cadetes, fortes tendências relacionadas aos

princípios trazidos da educação familiar e à valorização e cobrança da honestidade pelos

pares. Em contraste, porém, os capitães também destacam aspectos referentes a: orientação

constante e incentivo dos oficiais, tratamento do cadete com base na confiança, punição dos

transgressores e exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes. Ainda neste

grupo, surge o aspecto ligado à vigilância como a mais fraca tendência de resposta.

239

Tabela 49 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 15

Questão 15 - Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo,

aquele(s) que tem auxiliado você a desenvolver sua honestidade ao longo do Curso de Formação da

AMAN.

Questão 15 - Tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos

abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem auxiliado os cadetes a desenvolver sua

honestidade ao longo do Curso de Formação da AMAN.

Cadetes (n =362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Os princípios trazidos da educação familiar. 97,79 Os princípios trazidos da educação

familiar. 93,75

Valorização e cobrança da honestidade do cadete por seus pares. 59,39

Orientação constante e incentivo pelos oficiais para que os cadetes digam a verdade.

71,88

Orientação constante e incentivo pelos oficiais para que os cadetes digam a verdade.

43,92 Valorização e cobrança da honestidade do cadete por seus pares. 62,50

O exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes. 40,33

Tratamento do cadete pelos superiores como tendo idoneidade moral e sendo confiável, o que o estimula a proceder de acordo.

59,38

Tratamento do cadete pelos superiores como tendo idoneidade moral e sendo confiável, o que o estimula a proceder de acordo.

35,08 Punição dos cadetes que cometem faltas a esse respeito. 56,25

Punição dos cadetes que cometem faltas a esse respeito. 25,97 O exercício de funções administrativas

e de comando pelos cadetes. 50,00

O cadete é constantemente vigiado. 10,22 O cadete é constantemente vigiado. 9,38

5.5.3.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais realizados com cadetes do 1º Ano, confirmaram-se as

tendências de resposta expressas na etapa quantitativa. Conforme já fora sublinhado na

questão anterior, os princípios trazidos da educação familiar são considerados como o

principal aspecto favorecedor da honestidade, uma vez que os cadetes consideram que seus

fundamentos “vêm de casa”.

O segundo aspecto ressaltado pelos cadetes do 1º Ano refere-se à estreita

convivência com os pares, considerada como uma influência mais decisiva quanto à

honestidade do que a influência dos oficiais. Os cadetes preocupam-se com a imagem que

seus companheiros farão a respeito deles e há uma cobrança mútua quanto a atitudes no dia-a-

dia. A distância do oficial em relação aos cadetes não lhe permite observar

pormenorizadamente as atitudes destes. No entanto, qualquer deslize pode ser observado por

240

seus pares. Assim, os cadetes do 1º Ano julgam que o processo de formação soma os

princípios trazidos da educação familiar à vigilância, de forma que há restritas oportunidades

para um cadete agir com desonestidade.

O aspecto relacionado à orientação e incentivo dos oficiais para que os cadetes

digam a verdade também é percebido como positivo pelos participantes. Os cadetes sentem-se

estimulados a serem francos diante de oficiais que mostram compreensão e flexibilidade

frente a pequenas falhas cometidas. Entretanto, o grupo observa que a eficácia deste aspecto

para a honestidade depende do perfil de cada oficial. Há oficiais que, em contrapartida,

repreendem energicamente qualquer deslize cometido por um cadete, o que os desestimula a

falarem a verdade.

Quanto às tendências de menores freqüências na etapa quantitativa, os cadetes

do 1º Ano defendem que a vigilância e a punição não favorecem a honestidade. Tais fatores

poderiam até conduzir um cadete a adotar a postura desejada diante dos oficiais. Porém,

considera-se que, quando este não estiver mais sendo vigiado, evidenciará sua verdadeira

conduta diante dos pares. No Quadro 62, vemos exemplos de depoimentos de cadetes do 1º

Ano.

“A senhora pode ver que o cadete se preocupa muito mais com a imagem que o companheiro, o cadete do lado dele, tem dele, do que o oficial. Porque, realmente, quem tá ali do seu lado é quem tá todo dia, quem dorme com você, acorda com você, é quem vai trabalhar com você no futuro. Vai ser o cara pra quem você vai chegar assim: ‘Caraca, semana que vem eu vou dar uma instrução de DQBN... Tem alguma coisa aí?’ ‘Eu acho que eu tenho um negócio aqui...’ Vai ser o cara que vai te ajudar. Às vezes o instrutor tá ali mais longe... Só o cadete sendo honesto com os pares dele, ele já vai tar sendo honesto com os valores que os oficiais tão cobrando.”

“Mesmo porque o tenente tem uma visão mais longe, então ele não vê as pequenas coisas que acontecem no dia-a-dia.”

“Não sei, eu acho que não tem como não ser honesto na frente do tenente. Ele vai ser honesto com o tenente, não com os outros. Então, ele não vai tar sendo honesto...”

“Eu acho que isso é muito relativo. Porque eles falam o tempo todo: ‘você tem que falar a verdade, você tem que falar a verdade...’ Mas aí o que acontece: a pessoa vai e fala a verdade, e é prejudicada. Aí ele fica melidrado de falar a verdade. Se ele cometeu um erro, mas ele acha que esse erro não é tão grave assim, e se acusa, aí o que acontece: ‘Ah, você é isso, aquilo outro...’ Da próxima vez ele não vai falar de novo.”

“Depende do oficial. Existem aqueles que: ‘Quem tá falando em forma?’ Aí a pessoa ergue o braço. ‘Pô, cara, não faz isso, você sabe que é errado. Da próxima vez eu vou te torrar.’ Aí continua. Aí esse cara vai ser estimulado, num erro futuro, a falar a verdade.”

“Muitas das vezes, uma simples conversa pode valer muito mais do que dois dias de IA. É o que a gente observa lá na companhia, em relação às outras. O comandante de companhia ele é bem mais flexível, ele conversa mais.”

Quadro 62 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

241

Nos grupos focais com cadetes do 4º Ano, do mesmo modo que entre os

cadetes do 1º Ano, foi corroborada a relevância dos princípios trazidos da educação familiar,

que se manteriam como base da conduta dos cadetes durante sua formação militar.

O aspecto referente à influência do grupo de pares foi relativizado nas

discussões com os cadetes do 4º Ano. Confirmou-se que esta influência é muito intensa, pois

os cadetes partilham estreita convivência e há uma interdependência entre eles, o que cria uma

pressão para que os indivíduos se adaptem aos padrões do grupo. Assim, a honestidade é

freqüentemente derivada da lealdade aos pares. Entretanto, os cadetes do 4º Ano observam

que o grupo de pares também pode prejudicar a honestidade do indivíduo. Conforme já

mencionado por estes participantes anteriormente, haveria diferentes parâmetros de

honestidade, atinentes ao indivíduo, ao grupo e à Instituição. Podem ocorrer situações em que

os parâmetros valorizados pelo grupo não coincidam com os da Instituição, o que conduzirá

os indivíduos a fazerem escolhas, que ferirão algumas dessas referências de honestidade. O

ideal, segundo o grupo, seria tentar conciliar esses aspectos. Como exemplo, surge a já

mencionada situação ligada a uma transgressão disciplinar cometida por um companheiro. Em

tal contexto, o ideal seria que o cadete fosse transparente com seu companheiro, dizendo-lhe

que discorda de sua atitude e que o delatará, se ele próprio não se acusar. Na percepção dos

cadetes, tal postura refletiria honestidade consigo próprio, com o companheiro e com a

Instituição. Porém, em situações de conflito, os cadetes defendem que devem prevalecer os

parâmetros institucionais, estabelecidos nos regulamentos disciplinares. Veremos adiante,

entretanto, que os cadetes resolvem tais conflitos de diferentes maneiras em seu cotidiano. No

Quadro 63, são apresentados alguns depoimentos a título de ilustração. “Aqui a gente vive numa coletividade. De certa forma, você depende e o outro depende de você pra caminhar aqui, na AMAN. Por isso que esse aspecto faz diferença.”

“Ali, o grupo agora botou a norma. Qual é a norma daqui, do próprio grupo da gente: é que não pode colar. Lá fora não, a norma lá fora é outra: ‘cola aí...’.”

“Na realidade, eu acho que em termos de formação, a maior parte da formação, quem dá uma dimensão menor ou maior pra determinados valores é o próprio grupo. O que vai influenciar isso aí é no começo, quando o grupo ainda não tá colocado. Por exemplo, no Básico falam: ‘Ah, isso aqui, é isso e acabou’. Aí todo mundo aprende mais ou menos aquilo, o grupo vai assimilar que aquilo é certo e vai ficar dizendo que aquilo é certo. Aí se a pessoa vai pra um outro determinado grupo, e aquele outro determinado grupo fala que aquilo que ela aprendeu durante quatro anos é errado, ele vai começar a pensar: ‘Pô, aquilo ali, agora apaga, o certo agora é isso aqui’.”

“Negócio de campo... No primeiro ano tem um conceito de que quem baixa, quem vai mal no campo, não pode... O cara é vagabundo! Chega no quarto ano, tem um monte de gente que tá com ‘dor no joelho’, dá o golpe mesmo. O pessoal, aí: ‘Pô, bizurado...’”

Quadro 63 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

242

Analisando as posições apresentadas por cadetes do 1º e do 4º Anos, podemos

detectar que, embora ao longo de toda a formação os cadetes considerem que mantêm como

referência os conceitos internalizados na socialização primária, sua percepção crítica das

situações de conflito, vivenciadas no bojo da socialização organizacional, fica mais evidente

ao final da formação. A correlação efetuada pelos participantes entre honestidade e lealdade

mostra que o comportamento dos indivíduos se adapta, em certa medida, às expectativas nele

depositadas pelo grupo, que pode atuar como aliado ou como obstáculo aos objetivos da

socialização organizacional. Por outro lado, os comportamentos relacionados à transparência

parecem ser mais freqüentemente fontes de conflito no cotidiano dos cadetes do que os

relacionados a determinados padrões morais, especificados no tópico referente ao conceito de

honestidade.

No grupo realizado com tenentes, os participantes igualmente defenderam que

o principal fator que auxilia no desenvolvimento da honestidade pelos cadetes é sua educação

familiar. Quando o cadete possui esta base, a formação militar propiciará que ele confirme ou

aprimore suas referências anteriores. Do contrário, haverá um conflito entre o que o indivíduo

considerava como correto em sua família e os parâmetros que lhe são apresentados pela

Instituição, o que dificultará a assimilação dos conceitos desejados na formação.

O aspecto relacionado à orientação constante e incentivo dos oficiais para que

os cadetes falem a verdade ocorre de modo a evidenciar que o indivíduo honesto, além de agir

corretamente, é mais beneficiado do que o desonesto. Assim, o cadete que mente sobre uma

transgressão cometida é tratado de forma muito mais severa pelos oficiais do que aquele que,

na mesma situação, fala a verdade (Quadro 64).

Ainda quanto ao tratamento dos cadetes pelos oficiais, os tenentes consideram

que sempre pressupõem que os cadetes são honestos, delegando-lhes tarefas que exigem

idoneidade em sua execução. Os participantes consideram que esse tipo de tratamento, que

manifesta confiança nos cadetes, serve de estímulo para que eles procurem corresponder a tais

expectativas.

Quanto à valorização e cobrança da honestidade pelos pares, os tenentes

percebem que a pressão exercida pelos companheiros sobre os cadetes é muito mais intensa

do que a exercida pelos superiores. O grupo de pares tende a tratar com severidade os

indivíduos desonestos, podendo chegar a impeli-los a pedir desligamento do Curso.

O exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes também é

considerado relevante, pois em tais circunstâncias os cadetes perceberiam a importância de

demonstrar sua honestidade. Tais ocasiões fornecem aos oficiais a oportunidade de observar o

243

que foi realmente assimilado pelos cadetes durante a formação, o que é dificultado quando

estes se encontram em situação indiferenciada no grupo de pares.

“Porque a gente costuma, quando a gente se depara com uma situação: o cadete cometeu uma transgressão. Se ele assumir, a gente já vê com outros olhos e às vezes até atenua a punição. Se ele começar a querer ser desonesto, a querer se esquivar daquilo ali, quando a gente conseguir provar que ele fez aquilo, a gente vai apertar o parafuso o máximo que der. E eu acredito que isso seja um incentivo grande, porque ele percebe que ser honesto é um caminho, além de mais correto, que traz mais benefício pra ele.”

Quadro 64 - Citação extraída de grupo focal com tenentes

No grupo com capitães, foi ratificado o pensamento de que a base familiar é

condição indispensável para que o processo de socialização tenha êxito no tocante à

honestidade. Além deste aspecto, foi ressaltada a importância da orientação constante dos

oficiais, estimulando que os cadetes se comportem da forma desejada. Os capitães consideram

que é necessário adotar uma postura de aceitação a erros cometidos pelos cadetes, para que

estes se habituem a assumi-los. Em certas situações, é mais eficaz advertir um cadete do que

puni-lo, visando uma mudança de comportamento. Isto é, nem sempre é positivo para o

desenvolvimento dos cadetes seguir à risca as normas para aplicação de punições

disciplinares.

A aplicação de punições aos transgressores é percebida pelos capitães como

uma estratégia mais voltada ao grupo do que ao indivíduo, no sentido de demonstrar ao

coletivo que a honestidade “vale a pena”. No entanto, não se acredita que um indivíduo

desonesto possa se modificar apenas em decorrência de uma punição sofrida. A resposta de

menor freqüência na etapa quantitativa, ligada à vigilância constante, também não é

considerada pelos participantes como uma estratégia eficaz para o desenvolvimento da

honestidade, uma vez que pode ensejar que condutas incorretas sejam dissimuladas. O ideal

da honestidade seria que o indivíduo agisse da forma esperada independentemente de

fiscalização, com “disciplina consciente”.

Foi mencionado no grupo focal com capitães ainda um aspecto considerado

relevante para a internalização da honestidade, que não fora nominado no questionário. Tal

aspecto refere-se ao fato de a AMAN possuir um “código de honra do cadete”, associado a

valores como verdade, lealdade, probidade e responsabilidade. Este código serve de estímulo

à conduta dos cadetes, pois se encontra associado à sua própria identidade profissional.

Todavia, os participantes percebem que tal dispositivo é mais explorado com os cadetes no 1º

Ano da formação, deixando de ser abordado com intensidade ao longo dos demais anos.

244

Sugere-se que este código torne-se um código de ética dos militares e que seja realizado um

extensivo trabalho de valorização de tais princípios.

Analisando as posições apresentadas por cadetes e oficiais nos grupos focais,

verificamos que, para todos, há uma estrutura moral prévia que os indivíduos devem possuir,

para conseguirem atingir os objetivos almejados na socialização. Há uma desconfiança

generalizada da possibilidade de que indivíduos que não possuam tal perfil possam se

modificar e se adaptar aos parâmetros de honestidade da organização. Assim, a aplicação de

punições funcionaria mais como um mecanismo de seleção nesse sentido. Mais apurada

seleção moral seria realizada pelo próprio grupo de pares, que parece assimilar determinados

referenciais de conduta, especialmente nas etapas iniciais da formação, e exercer intenso

controle sobre seus membros. Entretanto, a despeito de tais convicções, evidencia-se que

ocorre um processo de adaptação dos jovens aos padrões de conduta vigentes na organização.

Conseqüentemente, ocorre, também em relação à honestidade, uma aprendizagem, que parece

ficar mais evidente para os oficiais do que para os cadetes sujeitos ao processo de

socialização.

5.5.4 Aspectos do processo de socialização que dificultam o desenvolvimento

O décimo-sexto tema pesquisado refere-se aos aspectos do processo de

socialização percebidos como dificuldades para a internalização da honestidade pelos cadetes.

5.5.4.1 Resultados da etapa quantitativa

Na análise das respostas apresentadas por cadetes do 1º Ano à Questão 16

(Tabela 50), ressalta-se uma única tendência com freqüência acima de 50%, relacionada ao

temor dos cadetes de serem punidos pela honestidade quanto a faltas cometidas. Nas respostas

dos cadetes do 4º Ano, o mesmo aspecto também se destaca, ao lado da percepção de

exemplos errados de superiores, que não se mostram honestos perante os cadetes. A tendência

mais fraca de resposta em ambos os grupos refere-se aos princípios trazidos da educação

245

familiar pelos cadetes, que não são percebidos como um obstáculo à honestidade pelos

participantes.

Tabela 50 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 16

Questão 16 - Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que tem dificultado que você desenvolva a sua honestidade ao longo do Curso de Formação da

AMAN. Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) O temor dos cadetes de serem punidos pela honestidade, principalmente em relação a faltas cometidas.

61,85 Exemplos errados por parte dos superiores, que por vezes não são honestos perante os cadetes.

50,79

Os prejuízos que a honestidade pode acarretar para o conceito anual dos cadetes.

38,73 O temor dos cadetes de serem punidos pela honestidade, principalmente em relação a faltas cometidas.

50,26

A possibilidade de a desonestidade trazer vantagens, sem acarretar punições.

38,15 A possibilidade de a desonestidade trazer vantagens, sem acarretar punições.

40,21

Exemplos errados por parte dos superiores, que por vezes não são honestos perante os cadetes.

33,53 A sociedade atual não tem valorizado a honestidade. 37,57

A sociedade atual não tem valorizado a honestidade. 29,48 O cadete é constantemente vigiado. 30,16

A competitividade entre os cadetes. 28,32 Os prejuízos que a honestidade pode acarretar para o conceito anual dos cadetes.

29,10

O cadete é constantemente vigiado. 19,08 A competitividade entre os cadetes. 24,87

As punições por vezes não são suficientemente severas. 8,67

O cadete é muito tutelado pelos oficiais, deixando por vezes de responder por seus atos.

19,05

As poucas oportunidades para o exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes.

5,78 As punições por vezes não são suficientemente severas. 17,99

O cadete é muito tutelado pelos oficiais, deixando por vezes de responder por seus atos.

5,20 As poucas oportunidades para o exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes.

14,29

Os princípios trazidos da educação familiar. 1,16 Os princípios trazidos da educação

familiar. 3,17

Comparando as tendências de resposta de cadetes e tenentes (Tabela 51),

observamos quadros distintos. Os aspectos fortemente percebidos pelo primeiro grupo como

dificuldades para a internalização da honestidade são fracamente considerados pelo segundo,

e vice-versa. Para os cadetes de modo geral, a principal dificuldade para a honestidade

relaciona-se ao temor das punições. Os tenentes, por sua vez, destacam outros tipos de

obstáculo: os padrões vigentes na sociedade atual, os princípios trazidos pelos cadetes da

educação familiar e a falta de severidade na aplicação de determinadas punições.

246

Tabela 51 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 16

Questão 16 - Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos

abaixo, aquele(s) que tem dificultado que você desenvolva a sua honestidade ao longo do Curso de

Formação da AMAN.

Questão 16 - Ainda tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os

aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem dificultado que os cadetes desenvolvam sua honestidade ao longo do Curso de Formação

da AMAN. Cadetes (n =362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) O temor dos cadetes de serem punidos pela honestidade, principalmente em relação a faltas cometidas.

55,80 A sociedade atual não tem valorizado a honestidade. 72,22

Exemplos errados por parte dos superiores, que por vezes não são honestos perante os cadetes.

42,54 Os princípios trazidos da educação familiar. 66,67

A possibilidade de a desonestidade trazer vantagens, sem acarretar punições.

39,23 As punições por vezes não são suficientemente severas. 55,56

Os prejuízos que a honestidade pode acarretar para o conceito anual dos cadetes.

33,70 A possibilidade de a desonestidade trazer vantagens, sem acarretar punições.

33,33

A sociedade atual não tem valorizado a honestidade. 33,70

O cadete é muito tutelado pelos oficiais, deixando por vezes de responder por seus atos.

33,33

A competitividade entre os cadetes. 26,52 O temor dos cadetes de serem punidos pela honestidade, principalmente em relação a faltas cometidas.

22,22

O cadete é constantemente vigiado. 24,86 Exemplos errados por parte dos superiores, que por vezes não são honestos perante os cadetes.

16,67

As punições por vezes não são suficientemente severas. 13,54 O cadete é constantemente vigiado. 5,56

O cadete é muito tutelado pelos oficiais, deixando por vezes de responder por seus atos.

12,43 Os prejuízos que a honestidade pode acarretar para o conceito anual dos cadetes.

5,56

As poucas oportunidades para o exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes.

10,22 As poucas oportunidades para o exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes.

5,56

Os princípios trazidos da educação familiar. 2,21 A competitividade entre os cadetes. 5,56

Ao analisar as respostas apresentadas pelos capitães (Tabela 52), verificamos

que também se destacam como obstáculos à internalização da honestidade os padrões vigentes

na sociedade atual e os princípios trazidos da educação familiar pelos cadetes, os quais, como

mencionado, apresentam-se como tendências fracas no grupo dos cadetes. No grupo dos

capitães, ressalta-se ainda, como dificuldade, a possibilidade de a desonestidade trazer

vantagens, sem acarretar punições. Percebemos, portanto, que oficiais e cadetes apresentam

percepções distintas quanto às dificuldades do processo de socialização em relação ao valor

em foco, o que procuraremos analisar com mais propriedade por meio dos dados qualitativos

coletados.

247

Tabela 52 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 16

Questão 16 - Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos

abaixo, aquele(s) que tem dificultado que você desenvolva a sua honestidade ao longo do Curso de

Formação da AMAN.

Questão 16 - Ainda tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os

aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem dificultado que os cadetes desenvolvam sua honestidade ao longo do Curso de Formação

da AMAN. Cadetes (n =362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) O temor dos cadetes de serem punidos pela honestidade, principalmente em relação a faltas cometidas.

55,80 A sociedade atual não tem valorizado a honestidade. 81,25

Exemplos errados por parte dos superiores, que por vezes não são honestos perante os cadetes.

42,54 Os princípios trazidos da educação familiar. 62,50

A possibilidade de a desonestidade trazer vantagens, sem acarretar punições.

39,23 A possibilidade de a desonestidade trazer vantagens, sem acarretar punições.

56,25

Os prejuízos que a honestidade pode acarretar para o conceito anual dos cadetes.

33,70 O cadete é muito tutelado pelos oficiais, deixando por vezes de responder por seus atos.

31,25

A sociedade atual não tem valorizado a honestidade. 33,70 As punições por vezes não são

suficientemente severas. 25,00

A competitividade entre os cadetes. 26,52 As poucas oportunidades para o exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes.

21,88

O cadete é constantemente vigiado. 24,86 O temor dos cadetes de serem punidos pela honestidade, principalmente em relação a faltas cometidas.

18,75

As punições por vezes não são suficientemente severas. 13,54

Exemplos errados por parte dos superiores, que por vezes não são honestos perante os cadetes.

18,75

O cadete é muito tutelado pelos oficiais, deixando por vezes de responder por seus atos.

12,43 O cadete é constantemente vigiado. 15,63

As poucas oportunidades para o exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes.

10,22 Os prejuízos que a honestidade pode acarretar para o conceito anual dos cadetes.

6,25

Os princípios trazidos da educação familiar. 2,21 A competitividade entre os cadetes. 6,25

5.5.4.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais realizados com cadetes do 1º Ano, o temor de serem punidos

pela honestidade quanto a faltas cometidas confirmou-se como o principal fator que dificulta

o desenvolvimento deste valor pelos cadetes. Os participantes sentem dificuldade em falar a

verdade para oficiais ou cadetes mais antigos sobre erros ou transgressões, pois, conforme já

mencionado anteriormente, temem receber punições injustas. Neste caso, estão incluídas tanto

248

punições disciplinares formais quanto a humilhação verbal do transgressor. Os cadetes do 1º

Ano relataram ser comum que nenhum deles se acuse, ao serem perguntados sobre uma

transgressão cujo autor não foi identificado. Quando tal atitude é adotada coletivamente pelos

cadetes, o sentimento de cumplicidade com o grupo parece minimizar o incômodo em relação

à desonestidade do ato.

Os cadetes consideram, entretanto, que a dificuldade não estaria relacionada ao

sistema de punições em si, mas à forma como é aplicado por determinados superiores, fato já

mencionado na questão anterior. Há oficiais, por exemplo, que depositam confiança nos

cadetes, manifestam consideração por eles e atuam intensivamente por meio do diálogo, o que

é percebido pelos cadetes como uma estratégia mais eficaz, pois o grupo se esforça para não

decepcionar seu superior. O problema apontado pelos participantes está relacionado a oficiais

que apresentam posturas irredutíveis quanto à aplicação de punições disciplinares, mesmo

diante de faltas que poderiam, na percepção dos cadetes, ser corrigidas mediante orientação

verbal.

Ainda em relação à aplicação de punições, os cadetes do 1º Ano por vezes

sentem-se desestimulados ao observar que cadetes mais antigos não são tratados com o

mesmo rigor do que eles próprios. Há um sentimento de indignação frente a situações em que

cadetes de outros anos cometeram faltas que os participantes julgam como graves e que não

foram punidos correspondentemente. Tal sentimento é intensificado pelo fato de estes

mesmos cadetes exercerem cobranças sobre o 1º Ano.

Um aspecto não nominado no questionário, mas que surgiu em um grupo focal

como importante dificuldade para a honestidade, refere-se à falta de reconhecimento e

valorização das atitudes dos cadetes. Os participantes verificam que dificilmente um cadete é

elogiado por sua honestidade. Para eles, este valor é mais cobrado do que valorizado em sua

formação. Ou seja, geralmente não é vivenciado nenhum tipo de recompensa relacionado ao

comportamento honesto. Nos Quadros 65 e 66, há exemplos de depoimentos dos cadetes do

1º Ano.

“Essa questão, um exemplo que aconteceu antes do espadim. Tava lá, todo mundo na ala, aí começou a ter a brincadeira de guerrinha de apartamento, um dar toalhada no outro, jogar balde d´água por cima do outro, e começou a fazer zona lá... Aí entrou um adjunto na ala. O adjunto chegou e falou: ‘Ó, todo mundo que tava participando, aqui.’ Aí foi o pessoal lá, mas teve um lá que safamente foi tomar banho na hora que o adjunto chegou e mandou. Tá certo, a gente viu aquilo, aí o adjunto foi, falou com a gente, não anotou nem nada, mas o grupo viu que o cara fugiu lá, com medo. O que que todo mundo esperava: o adjunto vai anotar, ‘baderna na ala’ ou algo assim, vai ficar todo mundo aí final-de-semana depois do espadim por causa disso. Aí o cara, com medo de: ‘Ah, não vou ficar punido por causa disso, não’, foi lá, pegou a toalhinha dele e tomou o banho dele na hora que o adjunto chegou.”

Quadro 65 - Citação extraída de grupo focal com cadetes do 1º Ano

249

“Por exemplo, quebrou o vidro. Acontece. Quem que nunca esbarrou em alguma coisa e caiu? Um copo... Acontece. Fui eu, vou pagar, tudo bem. Agora, seria necessário perder o final-de-semana, além de ter que pagar, que era o óbvio, e ter tomado um esculacho do oficial?”

“Não é que a AMAN seja assim, ou o Curso Básico, depende do oficial. No próprio Curso Básico, a gente vê uma companhia que o pessoal chega na Hora do Pato, conversa, numa boa. Acontece uma coisa dessa [quebrar um vidro], então você vai pagar outro e pronto. Agora, na nossa, teve um período que foi assim: se a pessoa errasse, ela ia pagar de todas as formas. Por exemplo, se a gente chega atrasado, entra em forma atrasado, a gente vai: ficar ouvindo do oficial, vai ficar sentando e levantando e vai perder o direito de ficar à vontade na hora que ele tiver falando, por exemplo. E o xerife ainda é torrado. São quatro perdas, quatro conseqüências que a gente vai arcar, por uma falha que não é tão grave assim.”

“Porque você fez uma coisa idiota, sei lá, falou em forma ou tinha um furo na sua camisa, você viu e escondeu ali, daí na hora que o tenente perguntou você mentiu e tal... No caso do falar em forma ou de ter um problema na farda, uma mancha, alguma coisa assim, se eu tiver mentindo, a mentira vai ser alguma coisa muito mais pesada do que eu chegar e mostrar que eu realmente estava errado. A mentira vai ser muito maior do que aquela coisa besta que eu cometi. Só que aí eu penso assim: se eu falar, ninguém vai me dar um FO positivo porque eu falei e eu vou ganhar dois dias de dispensa. Mas, em compensação, eu vou perder dois dias do meu final-de-semana.”

“O que ele falou é verdade mesmo, a gente queria ser mais reconhecido com relação à honestidade.” Quadro 66 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

Nos grupos com cadetes do 4º Ano, foram levantados enfoques distintos em

relação às respostas de maiores freqüências na etapa quantitativa. Vale ressaltar que tais

freqüências ficaram em torno dos 50%, o que já nos permitiria inferir que não se tratavam de

percepções absolutas entre os participantes.

Quanto à primeira tendência expressa na etapa quantitativa, relativa a exemplos

errados de superiores, a interpretação predominante nos grupos referiu-se a atitudes tomadas

por oficiais, no dia-a-dia, que são contrárias aos regulamentos ou ao que eles exigem dos

cadetes. Isto é percebido pelos participantes como um sinal de desonestidade do superior, que

os conduz a minimizarem a importância dos comportamentos em questão e a adotarem

estratégias para burlar as normas ou se esquivarem de assumir falhas. Entretanto, após a

discussão em um dos grupos, os participantes concluíram que tais fatos refletiriam incoerência

dos superiores, e não desonestidade.

Houve também uma interpretação distinta sobre essa tendência de resposta,

que, embora minoritária, revelou-se como não menos significativa. Alguns cadetes do 4º Ano

vivenciaram desilusões ao realizarem o estágio de preparação específica, nos corpos de tropa,

pois se depararam com oficiais cometendo atos ilícitos, relacionados a desvio de dinheiro.

Ficou evidente o desconcerto destes participantes diante de tais fatos, pois não conseguiam

compreender como essas situações ocorriam impunemente. Esta realidade desencadeou uma

série de conflitos nestes cadetes, por ter entrado em choque com os modelos assimilados na

250

formação, gerando “desmotivação” e questionamentos sobre como lidariam com situações

desta espécie após a formatura.

À segunda resposta destacada na etapa quantitativa, referente ao temor de ser

punido em relação às faltas cometidas, poderia ser acrescentada a expressão “injustamente”,

na opinião dos participantes. Idealmente, o cadete honesto assumiria seus erros, mesmo diante

da perspectiva de ser punido, inclusive porque esta atitude seria melhor para seu julgamento

disciplinar do que o uso da mentira. Contudo, há desconfiança dos cadetes quanto aos

critérios adotados em seu julgamento, que por vezes não estimulam a honestidade. Eles

observam diferenças entre as posturas de oficiais na aplicação de punições, que nem sempre

refletem justiça. Há um descontentamento em relação à rigidez no julgamento de pequenas

falhas cometidas pelos cadetes. Nestes casos, quando a transgressão apenas é de

conhecimento do próprio indivíduo e de seus pares, é comum que os cadetes não se acusem

perante seus superiores.

A resposta relacionada à possibilidade de a desonestidade trazer vantagens,

sem acarretar punições, igualmente remete à dificuldade de transparência dos cadetes no

relacionamento com seus superiores. Nesse sentido, um cadete que deseja solicitar o

adiamento de uma punição, para ser licenciado em dado fim-de-semana, pode encontrar maior

possibilidade de êxito se contar uma “história triste” ao seu superior, do que se expuser seus

reais motivos.

Emergiu em um dos grupos com cadetes do 4º Ano a confusão entre

honestidade em relação à Instituição e disciplina. Ao cometerem transgressões disciplinares,

os cadetes sentem que foram “desonestos” com o Exército. Após a discussão, o grupo

concluiu que nem todas as transgressões disciplinares possuem relação com a honestidade do

indivíduo, pois há situações referentes a procedimentos diários que não ferem a ética militar.

Ainda assim, podemos observar que esta correlação tem sido efetuada de forma recorrente

pelos participantes. Nos Quadros 67 e 68, são apresentados depoimentos de cadetes do 4º

Ano.

“São as incoerências que a gente fala. A gente vê um oficial falando uma coisa e fazendo outra, a gente toma ele como desonesto. Se a gente vê o segundo [aspecto de maior freqüência no questionário], o cadete sendo honesto falando o que fez e sendo punido, também é na mesma situação. Desonestidade trazer vantagens: é por exemplo o cara mentir, falar que quer pedir transferência da punição porque vem uma tia, e na verdade não é isso exatamente, e pode trazer a vantagem de ele não perder aquele final-de-semana. O pessoal levou mais por esse lado.”

Quadro 67 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

251

“A gente vendo uma incoerência do superior, leva a gente a desenvolver intenções de querer dar o golpe pra não ser prejudicado. Ele faz e não é prejudicado, mas se a gente fizer, vai ser prejudicado. Então, eu vou dar um jeito de safar o meu.”

“Se eu faltar à parada, eu sei que vou perder meu final-de-semana, porque eu tenho consciência que eu errei. Já que eu errei e a regra do jogo é essa, beleza, tou errado, vou ficar punido, pode ser a melhor coisa do mundo, não vou, acabou, tudo bem. Agora, por causa de picuinha, você chega: ‘Pô, tenente, eu deixei... essa faxina ficou mal-feita’; ‘Tá, tudo bem, mas mesmo assim vai ser punido...’ Eu acho uma coisa muito injusta. Isso aí prejudica a honestidade. Mas o fato de assumir os erros, isso aí eu acho que a grande maioria não teria medo de enfrentar a punição que merece.”

“Mesmo que ele [o oficial] atrase meia hora, quarenta e cinco minutos, você tem que tar lá. E ele tá incutindo isso em você: depois você vai fazer isso com o seu sargento...”

“Aqui na AMAN, também pelo fato de que é uma escola de formação, que os valores são difundidos pro Brasil a partir daqui, existe uma série de exemplos negativos por parte dos oficiais. Então [eu acho] que a massa realmente colocou isso daí porque, pô ,o capitão não cumpre horário também, capitão não cumpre prazo, e os exemplos negativos são muitos também. A grande maioria eu acho que colocou isso daí. E depois também o medo de ser punido, obviamente.”

“Eu acho que a honestidade em relação à Instituição deixa muito o cara conceituado como bitolado pelo grupo. O camarada que segue a regra a rigor em todos os seus aspectos é considerado pelo grupo como bitolado, essa é que é a verdade. E o camarada que pelo menos é honesto em relação ao grupo, tem aqueles seus valores ali cultuados pelo grupo, desde que não prejudique ninguém pelo que ele faça, ele é considerado honesto também. Mesmo que ele não seja honesto, friamente, com a Instituição. Vou dar um exemplo aqui. O fato de eu sair do banheiro enrolado na toalha e ir pro quarto14. Isso aí acontece muito. É errado perante a Instituição, porém acredito que todos aqui já fizeram isso.”

Quadro 68 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

Comparando as idéias apresentadas por cadetes do 1º e do 4º Anos,

percebemos que os cadetes vivenciam ao longo de todo o processo de socialização a

problemática relacionada à aplicação de punições disciplinares. Vemos, portanto, que este

aspecto do processo, já abordado em tópicos referentes à responsabilidade e à iniciativa, tem

trazido prejuízos à honestidade dos participantes, especialmente no tocante à transparência no

relacionamento com superiores. Por outro lado, a fiscalização e a cobrança por parte dos

oficiais foram percebidas como positivas para a disciplina. Aprofundaremos tais

considerações na discussão dos resultados desta pesquisa.

Observamos também que, para os cadetes do 4º Ano, o aspecto referente ao

exemplo dos oficiais mais uma vez se ressaltou. Aparentemente, estes cadetes percebem-se

como mais próximos dos oficiais do que os cadetes do 1º Ano, esperando uma igualdade de

padrões de conduta entre oficiais e cadetes. Ou seja, têm a expectativa de que os oficiais

sejam modelos de papel e que manifestem coerência entre o que exigem dos cadetes e o que

eles próprios executam.

14 Segundo as normas do Corpo de Cadetes, não é permitido transitar pelo corredor situado entre os banheiros e os apartamentos dos cadetes nos trajes descritos pelo participante.

252

No grupo focal realizado com tenentes, a influência do meio social externo à

AMAN foi levantada como uma potencial fonte de problemas para a honestidade dos cadetes.

Os participantes percebem que, ao saírem da AMAN nos fins-de-semana, os cadetes têm

contato com pessoas desonestas, que podem ser de sua própria família, sua namorada ou

outros. Assim, por terem uma visão “imediatista”, podem concluir que não há problemas em

obterem vantagens desonestamente. De modo semelhante, os oficiais estarão sujeitos a tais

influências, após a formatura na AMAN, e necessitarão estar vigilantes em relação aos valores

aprendidos.

Outro aspecto ressaltado na fase quantitativa refere-se ao fato de as punições

disciplinares não serem suficientemente severas em determinados casos. Os tenentes

consideram que certos comportamentos deveriam acarretar o desligamento do cadete do

Curso, porém, atualmente é bastante difícil que isto ocorra. Tal situação pode provocar nos

cadetes a impressão de que a desonestidade é compensadora. Os participantes fazem

referência ao fato de os oficiais serem freqüentemente responsabilizados pelos erros dos

cadetes, como se não tivessem sido competentes para tomar medidas preventivas. Todavia,

entende-se que, a despeito de todos os auxílios educacionais prestados, é necessário haver

uma decisão do próprio cadete, para que ele se modifique e desenvolva sua honestidade.

No grupo focal com capitães, as tendências mais fortes de resposta da etapa

quantitativa foram confirmadas como as maiores dificuldades para que os cadetes

desenvolvam a honestidade. A sociedade é considerada como um grande problema, pois

fornece exemplos contrários ao que a AMAN procura ensinar. Há condutas valorizadas na

AMAN que são vistas como ultrapassadas, à luz dos padrões atuais.

A família dos cadetes também faz parte da sociedade, de modo que pode

facilitar ou dificultar o processo educacional na AMAN, de acordo com a valorização que

confere à honestidade.

A situação jurídica do País tem permitido situações de impunidade, que podem

transmitir a idéia de que a desonestidade traz vantagens, sem acarretar punições. Porém, esta

possibilidade não é vista pelos capitães como uma realidade dentro da AMAN, pois os cadetes

são constantemente vigiados, por superiores e pares, e têm exemplos positivos de conduta.

Assim, vemos que, para os capitães, os fatores que prejudicam o

desenvolvimento da honestidade são atribuídos a forças externas, que atuam em direção

contrária às forças socializadoras existentes no interior da organização. Os tenentes também

haviam ressaltado tais fatores, aliados aos problemas decorrentes da falta de severidade na

aplicação de algumas punições. Em contraste, os cadetes atribuem as dificuldades do processo

253

de socialização a fatores da própria organização, relacionados principalmente à postura

adotada por seus superiores. Entretanto, estariam todos os participantes se referindo ao

mesmo fenômeno? Para os cadetes, as dificuldades ligadas à honestidade referem-se

notadamente à transparência no relacionamento com superiores. Os oficiais, contudo, parecem

fazer referência a outros aspectos, que inferimos estarem mais relacionados à prática de atos

ilícitos. Assim, parece-nos que o foco da discussão quanto às dificuldades ligadas ao valor

situa-se em pontos distintos para oficiais e cadetes.

5.6 Lealdade

5.6.1 Conceito

O décimo-sétimo tópico pesquisado está relacionado ao perfil do cadete leal.

Investigamos quais os indicadores de comportamento utilizados pelos participantes para

identificar, em seu dia-a-dia, que um indivíduo possui lealdade.

5.6.1.1 Resultados da etapa quantitativa

Analisando as tendências de resposta apresentadas por cadetes do 1º e do 4º

Anos à Questão 17 (Tabela 53), observamos que há grande semelhança entre as freqüências

apresentadas pelos dois grupos. As mais fortes tendências relacionam-se à transparência, à

fidelidade ao grupo e ao apoio a pares e subordinados. De modo semelhante ao ocorrido na

definição do comportamento honesto, também aqui se destaca a conduta de assumir seus

erros, independentemente das conseqüências. Entre as respostas de menores freqüências,

identificamos três aspectos referentes ao relacionamento com superiores.

254

Tabela 53 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 17

Questão 17 - Como é o comportamento de um cadete que possui lealdade? Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Apóia seus companheiros em situações críticas. 78,03 Apresenta conduta transparente diante

de pares e superiores. 74,60

É fiel e defende o grupo do qual faz parte. 77,46 É fiel e defende o grupo do qual faz

parte. 70,37

Apresenta conduta transparente diante de pares e superiores. 73,41 Assume sua verdadeira opinião perante

os demais; é sincero. 65,08

Apóia seus subordinados quando os vê em dificuldades. 66,47 Apóia seus companheiros em situações

críticas. 64,55

Acusa-se quando cometeu um erro, independentemente das conseqüências. 61,27 Apóia seus subordinados quando os vê

em dificuldades. 57,14

Assume sua verdadeira opinião perante os demais; é sincero. 58,38 Acusa-se quando cometeu um erro,

independentemente das conseqüências. 51,85

Cumpre ordens e tarefas emanadas de seus superiores, independentemente de fiscalização.

38,15 Cumpre ordens e tarefas emanadas de seus superiores, independentemente de fiscalização.

35,98

Coloca os interesses do grupo à frente dos individuais. 35,84

Acata as decisões de seus superiores, mesmo que contrariem sua opinião pessoal.

34,39

Possui confiança em seus superiores. 32,95 Coloca os interesses do grupo à frente dos individuais. 30,69

Acata as decisões de seus superiores, mesmo que contrariem sua opinião pessoal.

27,17 Possui confiança em seus superiores. 23,28

Na análise das respostas apresentadas pelos tenentes (Tabela 54), verificamos

que para este grupo destacam-se os comportamentos referentes à transparência, à fidelidade

ao grupo e ao apoio aos subordinados. À semelhança dos cadetes, os aspectos referentes ao

relacionamento com superiores também mostram baixas freqüências entre os tenentes.

Diferentemente do ocorrido no grupo dos cadetes, neste grupo os comportamentos ligados à

assunção de erros e ao apoio aos companheiros apresentaram-se como tendências

relativamente fracas de resposta.

255

Tabela 54 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 17

Questão 17 - Como é o comportamento de um cadete que possui lealdade? Cadetes (n = 362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Apresenta conduta transparente diante de pares e superiores. 74,03 Apresenta conduta transparente diante

de pares e superiores. 66,67

É fiel e defende o grupo do qual faz parte. 73,76 Assume sua verdadeira opinião perante

os demais; é sincero. 66,67

Apóia seus companheiros em situações críticas. 70,99 É fiel e defende o grupo do qual faz

parte. 55,56

Assume sua verdadeira opinião perante os demais; é sincero. 61,88 Apóia seus subordinados quando os vê

em dificuldades. 50,00

Apóia seus subordinados quando os vê em dificuldades. 61,60

Acata as decisões de seus superiores, mesmo que contrariem sua opinião pessoal.

38,89

Acusa-se quando cometeu um erro, independentemente das conseqüências. 56,35 Apóia seus companheiros em situações

críticas. 33,33

Cumpre ordens e tarefas emanadas de seus superiores, independentemente de fiscalização.

37,02 Acusa-se quando cometeu um erro, independentemente das conseqüências. 33,33

Coloca os interesses do grupo à frente dos individuais. 33,15

Cumpre ordens e tarefas emanadas de seus superiores, independentemente de fiscalização.

27,78

Acata as decisões de seus superiores, mesmo que contrariem sua opinião pessoal.

30,94 Coloca os interesses do grupo à frente dos individuais. 22,22

Possui confiança em seus superiores. 27,90 Possui confiança em seus superiores. 22,22

Nas respostas dos capitães (Tabela 55), verificamos que as mais fortes

tendências relacionam-se à transparência e à fidelidade ao grupo. Em comparação com as

respostas apresentadas pelos cadetes, parece-nos que o grupo dos capitães possui um conceito

mais específico acerca do comportamento de um cadete leal.

256

Tabela 55 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 17

Questão 17 - Como é o comportamento de um cadete que possui lealdade? Cadetes (n = 362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Apresenta conduta transparente diante de pares e superiores. 74,03 Apresenta conduta transparente diante

de pares e superiores. 78,13

É fiel e defende o grupo do qual faz parte. 73,76 É fiel e defende o grupo do qual faz

parte. 62,50

Apóia seus companheiros em situações críticas. 70,99 Assume sua verdadeira opinião perante

os demais; é sincero. 46,88

Assume sua verdadeira opinião perante os demais; é sincero. 61,88 Acusa-se quando cometeu um erro,

independentemente das conseqüências. 40,63

Apóia seus subordinados quando os vê em dificuldades. 61,60

Acata as decisões de seus superiores, mesmo que contrariem sua opinião pessoal.

40,63

Acusa-se quando cometeu um erro, independentemente das conseqüências. 56,35 Apóia seus subordinados quando os vê

em dificuldades. 34,38

Cumpre ordens e tarefas emanadas de seus superiores, independentemente de fiscalização.

37,02 Apóia seus companheiros em situações críticas. 31,25

Coloca os interesses do grupo à frente dos individuais. 33,15 Coloca os interesses do grupo à frente

dos individuais. 31,25

Acata as decisões de seus superiores, mesmo que contrariem sua opinião pessoal.

30,94 Cumpre ordens e tarefas emanadas de seus superiores, independentemente de fiscalização.

28,13

Possui confiança em seus superiores. 27,90 Possui confiança em seus superiores. 25,00

5.6.1.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais com cadetes do 1º Ano, foram confirmadas as mais fortes

tendências de resposta da etapa quantitativa. Para os participantes, o cadete leal é transparente

em relação a subordinados, pares e superiores, tanto no que diz, quanto no que faz. Ou seja,

ele é sincero e expõe suas críticas abertamente. Demonstra consideração e comprometimento

com as necessidades do outro, valorizando-o como ser humano. Assim, busca somar forças

em prol de interesses individuais e coletivos e procura auxiliar seus pares quando os vê em

dificuldades. Alguns participantes compreendem a lealdade como uma relação de

reciprocidade; outros consideram que um indivíduo pode ser leal a outro, mesmo que a

recíproca não ocorra.

A resposta referente ao cumprimento de ordens e tarefas emanadas de seus

superiores é considerada como atinente à disciplina, não à lealdade. Ainda assim, os cadetes

257

do 1º Ano consideram que a lealdade aos pares é mais importante que a lealdade aos

superiores.

Os participantes percebem que na AMAN há muita lealdade entre os cadetes da

mesma turma, porém, o mesmo não ocorre entre cadetes de anos diferentes. Os cadetes do 1º

Ano muitas vezes não vêem lealdade dos cadetes mais antigos em relação a eles. O superior

leal, seja este oficial ou cadete mais antigo, é definido pelos participantes como aquele que

demonstra preocupação com os interesses dos subordinados, é transparente, fala apenas o que

pode realmente cumprir e cobra somente procedimentos que ele próprio executa.

Por fim, os cadetes identificam que as lealdades aos pares e aos superiores

podem entrar em conflito, assim como a lealdade ao grupo e a honestidade. No Quadro 69,

são citados alguns depoimentos sobre o tema.

“Igual quando entrou o negócio da gandola de combate... Liberaram a gente onze horas da noite. Eu de madrugada lá costurando, totalmente sonolento. Eu não sabia nem o que estava fazendo, na verdade, no escuro... Aí chega de manhã, eu costurei ao contrário. Aí eu fui lá... O que que ele [o tenente] fez: ele foi totalmente leal comigo. Ele falou: ‘Pôxa... Vai lá e troca de gandola.’ Ele podia muito bem ter me anotado ali, mas não, ele tinha decidido ser leal comigo e falar: ‘Pô, eu sei que você tá passando por N dificuldades aí, eu sei que tava com sono e tal, então vai lá e troca de gandola que tá tudo OK, sem problema’. Ele foi leal comigo. É exatamente esse negócio de confiança. Eu pude confiar e ir lá falar com ele: ‘Ó, tô errado, coloquei de cabeça pra baixo...’ E realmente ele entendeu minha situação e falou: ‘Tudo bem’.”

“Por exemplo, a gente tá numa situação em que o Fulano fala uma coisa que eu não concordo. Eu seria desleal com ele se eu, simplesmente pra acabar o assunto, dissesse: ‘Ah, tá, concordo...’ Aí ele vai e erra por causa disso. Se eu acho que ele tá errando em alguma coisa, pra eu ser leal com ele, eu tenho que falar: ‘Eu acho que você tá errando nisso e nisso...’ Se ele discordar de mim, a gente vai conversar e chegar numa conclusão.”

“É o comprometimento com a necessidade do próximo, não com o que ele deseja.”

“Ano passado, o tenente lá do meu pelotão era meio de lua, assim. Aí algumas atitudes dele, eu vou citar uma depois, fez o pelotão ser desleal com ele, até no concurso de ordem unida. Uma delas foi que teve uma valsa numa festa de quinze anos. Aí ele disse, deixou bem claro, foi transparente: ‘Vocês vão escolher. Vai ser votação quem vai pra valsa.’ Aí foram os quinze, os mais votados, mais três reservas. Aí um desistiu, não pode ir, por um motivo qualquer, aí era pra chamar o primeiro reserva. Eu não sei o que o tenente tinha com esse primeiro reserva, que foi e chamou o segundo. Aí nisso apareceu mais outro, que não podia ir pra valsa. Aí chamou o terceiro reserva, não chamou o primeiro. Isso gerou uma lealdade entre o grupo. Não só isso, mas várias outras atitudes. Pô, o tenente foi desleal com o pelotão. Aí chegou no concurso de ordem unida, a gente tava se esforçando, mas não era aquele esforço ao máximo. Aí chegou o capitão pra assumir o pelotão no treinamento, aí saiu quase que perfeito o treinamento com o capitão. Aí o tenente chegou pra gente e perguntou por que a gente não se dedicou com ele, como a gente se dedicou com o capitão. A gente ficou calado, não teve o que dizer. Diversas atitudes dele gerou deslealdade da gente para com ele.”

Quadro 69 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

Nos grupos focais com cadetes do 4º Ano, foi destacado como principal

aspecto da lealdade a transparência, à semelhança da honestidade. Entretanto, a lealdade diz

respeito à consideração pelo outro, enquanto a honestidade refere-se à verdade propriamente

dita, independentemente de suas conseqüências sobre o outro.

258

O cadete leal fala diretamente aos outros o que pensa, faz suas críticas

abertamente. A lealdade implica comprometimento com o outro. É traduzida pela confiança

mútua, baseada na segurança em relação às atitudes do outro. Assim, para os participantes, a

lealdade seria uma via de mão dupla, como um acordo entre as partes. Por diversas vezes nos

grupos, a lealdade foi comparada à amizade. Porém, quando se trata da lealdade com os

subordinados, esta é traduzida como preocupação com o outro. Em relação aos companheiros,

o cadete leal procura apoiá-los quando estão em dificuldades. Ele considera os interesses do

outro em suas decisões, seja este um companheiro ou a própria Instituição.

A lealdade aos superiores implica consideração à sua pessoa, que vai além da

mera disciplina. Ela pode ocorrer quando os superiores inspiram segurança e confiança,

caracterizando-se como líderes. Os cadetes do 4º Ano interpretam as respostas de menores

freqüências, ligadas ao relacionamento com superiores, como um reflexo de sua realidade na

AMAN. A lealdade aos pares é muito mais intensamente desenvolvida, pois estão

constantemente necessitando do apoio mútuo. Porém, seu relacionamento com os superiores é

mais distante, não favorecendo comumente o desenvolvimento destes laços. Nos Quadros 70

e 71, vemos depoimentos destes participantes.

“O que eu achei ali de ‘apresentar conduta transparente diante de pares e superiores’... Por exemplo, acontece ‘muito’, acho que desde que o exército é o exército... E lá fora também acontece, não é só aqui, pelo que a minha mãe fala, isso também acontece. Então o famoso, ali o pessoal fala de ‘P Con’, né? O cara nas costas do oficial senta o pau nele: ‘Que é um babaca, que não sei o que...’ Aí chega o cara na frente do oficial: ‘Ô, capitão, tenente, não sei o que...’ Pra quê? Pra ele ter um conceito bom no final do ano com aquele oficial. E acontece também entre os pares, o cara que é falso, na frente eu sou amiguinho dele, quando o cara virar as costas eu sento o pau nele. Isso eu acho que é transparência: não foi leal. Em vez de o cara chegar: ‘Pô, fulano, não gosto quando tu faz isso...’; falar isso pra ele, não fala pros outros, mas pra ele. Pro oficial também. Se bem que pro oficial a gente não pode às vezes falar, mas, pô, ele critica o oficial e depois na frente do cara quer ser o amiguinho do oficial...”

“No geral, parece ali que o conceito de lealdade a gente associa à transparência e a ser verdadeiro, também, tanto com pares, subordinados ou superiores. Eu acho que esse é o principal: ser verdadeiro com outro militar. Ter integridade de caráter, no caso, não variar...”

“Porque lealdade é poder contar com a pessoa.”

“Porque o que acontece é o seguinte: a gente pode tirar a Adaptação, é um ambiente totalmente hostil. Então eu vou comparar com um animal, uma presa, o grupo tem que se unir e formar certas atitudes que... Não é que operam valores, é que... Por exemplo, no campo, o pessoal que é muito individualista. Mas não tem como, todo mundo fica mais companheiro do outro, pela sobrevivência... Esse é um valor, vários outros valores são desenvolvidos, em uns mais, porque eram mais individualistas, em outros menos. Mas tem uma série de valores que, nessa pressão, nesse ambiente hostil, eles são desenvolvidos, principalmente no primeiro ano. Então, pra que esse ambiente hostil seja verificado, tem que ter alguém chibateando, ou muita gente chibateando. Então eu até acho que na nossa turma, por causa do primeiro ano, em algumas companhias principalmente, criou um... Eu percebo minha turma como um grupo unido, um grupo coeso, tanto é que nesse fato dos 100 não vazou e se manteve assim... Por isso eu acho que é um grupo coeso, principalmente por causa do primeiro ano.”

Quadro 70 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

259

“Pô, o Capitão [Fulano] no Básico, ele chibateava a turma, [mas se] o cadete tinha problema, ele ia fazer o possível pra te ajudar. Agora, outros oficiais não conseguem isso. Eu acho que lealdade tem a ver com comprometimento.”

“Lealdade com relação à punição. O exemplo que a gente teve com um cadete lá da bateria, ele foi pra hora do pato pra conversar com o capitão, aí ele se justificou e mostrou todas as razões dele pelo acontecido. O capitão falou: ‘Pô, realmente eu te entendo, realmente você tem razão. Mas olha aqui, ó, olha uma história aqui: o nosso gráfico de punição tá baixo, eu preciso te punir’. E puniu.”

“O caso que a gente tava comentando do capitão lá do parque... Ele não cumpre prazo, literalmente ele não cumpre prazo, seja para uma relação de licenciamento, ou pra qualquer documento que a gente esteja dependendo dele. Aí foi dada a seguinte ordem: ‘Vocês tem que entregar a monografia impressa por vocês até segunda-feira no final do expediente’. Aí, tá, tava tudo impresso, nós iríamos entregar pra ele, cinco e quarenta tava na porta do PC... Só que teve instrução preliminar da SIEsp, que acabou seis horas, o que não tava previsto. Aí [o capitão] já tinha dado um FO pra gente lá. Então pra ele fez uma diferença muito grande entre eu entregar no final do expediente de segunda-feira e entregar na alvorada de terça-feira, né? Aí ele falou pra mim o seguinte, na hora do pato (obviamente eu tô punido esse final-de-semana, de ICP): que eu não cumpri o prazo, apesar de todas as desculpas – que ele considerou como desculpas – que liderar é saber frustrar. Eu falei: ‘Pô, capitão, então daqui a trinta dias, o senhor acha que isso não vai acontecer, daqui a um ano, que eu não vou deixar de cumprir algum prazo da mesma maneira?’ E não foi intencional, não simplesmente caguei pra ordem dele, eu cumpri o prazo, só que em virtude do tempo de uma instrução que ultrapassou as cinco e meia, eu não pude entregar pra ele até o término do expediente, e ele foi embora, né? Então, eu acho que essa questão de ‘liderar é saber frustrar’, eu não concordo com isso não, por isso que não eu vejo essa questão da liderança nesse valor.”

“O rigor que é cobrado no primeiro ano, é cobrado pra ter uma união. Aí é no detalhe, porra, é muito ruim. Agora no quarto ano, pô, se o cara chega e deixa lá um balde de lixo jogado no meio do apartamento, realmente o cara teria que ser torrado. Agora outra coisa é o cara ir no detalhe, ali, levantar o lençol... Isso aí é uma cobrança que é feita no primeiro ano, o canga anda atrás de mim, eu tô numa zona de conforto, tô me adaptando ao grupo, é diferente, é um choque diferente... Aí ele vai chegar pra um cadete do quarto ano e vai dizer: ‘Olha, a tua manta não tá correta, cê tá torrado no fim-de-semana...’ Porque já não gera mais o mesmo efeito que era utilizado no cara pra criar uma unidade no grupo, pra tentar unir o grupo.”

“Ele [o cadete leal] age levando em conta o que aquilo que ele tá fazendo pode representar, ou pra um companheiro, ou pra Instituição, pra alguma coisa...”

“Eu concordo, mas tem que ver ali, por exemplo no segundo [aspecto de maior freqüência no questionário], ‘é fiel e defende o grupo do qual faz parte’, tem que ver até quando essa fidelidade não tá virando corporativismo. Porque ser leal com o grupo ali é no que é certo, né? Agora se, por exemplo, tem um caboclo roubando no grupo, aí nós vamos, no caso, defender até o cara porque é ele militar, militar que nem eu, é meu companheiro. Tá errado. Aí não é lealdade, já é corporativismo.”

“Ele tem que defender o que é certo, e ao mesmo tempo ele precisa - mesmo que às vezes o grupo ache que ele tá fazendo errado - pra ele ser leal com ele, ele tem que fazer o que ele acredita. Mesmo que às vezes a pressão seja grande.”

“Uma coisa que eu vi, que eu até levei como experiência, é que aqui na Academia realmente é o papel de instrutor e instruendo. Quando a gente chegou no estágio, o cadete, lá, mesmo ele sendo cadete, os oficiais, pelo menos na unidade que eu fui, que nos receberam, eles tratavam a gente como uma equipe, não com a distância que tem aqui. E eu acho que às vezes é por isso que lá fora a gente vê que laços de lealdade para com o superior são maiores e mais fortes que aqui, porque aqui, lá fora a gente trabalha como uma equipe, aqui, existe uma distância muito grande. Por exemplo, lá fora, se eu cometo um erro e esse erro vai prejudicar a minha companhia ou então o meu capitão, o que vai acontecer: eu tenho certeza que ele vai ter um laço afetivo, por mais que ele seja carrasco, eu tô dentro da companhia, eu tô inserido no grupo também e eu vou precisar da lealdade entre ele.”

Quadro 71 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

260

Comparando as posições apresentadas por cadetes do 1º e do 4º Anos,

confirmamos a homogeneidade de pensamento entre os grupos. Evidencia-se, também, que o

desenvolvimento dos laços de lealdade se processa de forma uniforme ao longo do processo

de socialização, no sentido de que, tanto no início quanto ao final da formação, os cadetes

percebem os indicadores deste valor predominantemente no relacionamento entre pares.

No grupo focal com tenentes, o conceito de lealdade expresso foi ao encontro

das concepções apresentadas pelos cadetes. Também para os tenentes, o cadete leal é

transparente no relacionamento com superiores, pares e subordinados, expressa suas opiniões

claramente e faz suas críticas diretamente à pessoa interessada. Ele fala a verdade sobre os

fatos e deixa o outro ciente de informações que lhe são relevantes (Quadro 72).

Diferentemente da honestidade, a lealdade necessita da existência de um grupo.

Envolve comprometimento com o grupo, assumir suas responsabilidades perante os demais e

defender os interesses comuns. Representa uma relação de confiança mútua, que pode ser

quebrada no momento em que uma das partes trai a confiança de outra.

Os tenentes consideram que é mais fácil ser leal a superiores e pares do que a

subordinados, porque esta relação pode não trazer benefícios imediatos e levar o oficial a se

expor, ao defender os interesses de seus subordinados junto aos escalões superiores.

“Eu vejo a lealdade como conduta transparente. Eu acho que ser leal ao superior e até ao subordinado não é concordar... Mas o que é uma conduta transparente? Por exemplo assim: o subordinado saber realmente qual é a situação. ‘Ah, eu vou fazer tal coisa...’ O tenente diz: ‘Ó, você tá dispensado pra ir lá pra rua.’ Aí daqui a pouco o coronel vê o cadete na rua e pergunta: ‘Por que o cadete tá na rua?’ Aí o tenente, pra não dizer: ‘Não, eu dispensei’, vai lá, inventa uma coisa e pune o cadete. Isso aí é falta de lealdade com o subordinado. Porque não foi transparente: ele deu uma regalia pro subordinado e no momento que ele foi cobrado pelo superior, ao invés de ele assumir o erro, ele joga pro subordinado e... Eu acho que esse é um exemplo clássico de deslealdade.”

Quadro 72 - Citação extraída de grupo focal com tenentes

No grupo realizado com os capitães, também foram confirmadas as tendências

mais fortes expressas na etapa quantitativa. Igualmente, para estes participantes os conceitos

de lealdade e honestidade estão muito próximos, pois ambos são caracterizados pela

transparência. No entanto, a honestidade está ligada a condutas que podem referenciar-se a

coisas, enquanto a lealdade está mais ligada a pessoas.

O cadete leal é reconhecido por sua dedicação ao grupo, pelo

compartilhamento de objetivos e pela transparência em relação aos demais, que sabem o que

esperar deste indivíduo. Os capitães também reconhecem que podem ocorrer conflitos entre a

lealdade e a honestidade, assim como entre os diversos níveis de lealdade: aos superiores, aos

261

pares e aos subordinados. O ideal seria que os cadetes tivessem lealdade com honestidade,

isto é, que fossem leais ao grupo e que o grupo fosse honesto.

Estes participantes corroboram, ainda, que a lealdade é recíproca. Deste modo,

para que o subordinado desenvolva sua lealdade ao superior, é necessário que este proceda

correspondentemente (Quadro 73).

“Se o superior for leal a você, falando em termos de tropa, você vai ser leal a ele. Se ele não for...”

Quadro 73 - Citação extraída de grupo focal com capitães

Constatamos, portanto, que há grande convergência entre as concepções de

cadetes e oficiais quanto ao conceito de lealdade, marcado pela transparência e pelo

comprometimento com o outro.

5.6.2 Percepção das mudanças ocorridas com a formação militar

O décimo-oitavo aspecto investigado diz respeito às mudanças que os

participantes observam na lealdade dos cadetes, em decorrência da formação militar.

5.6.2.1 Resultados da etapa quantitativa

Na análise das respostas apresentadas por cadetes do 1º e do 4º Anos à Questão

18 (Tabela 56), verificamos que ambos os grupos manifestam como tendência mais forte a

percepção de que sua lealdade mudou para melhor com a formação militar. Ainda assim, é

expressivo o percentual de cadetes que considera que permaneceu igual em relação a este

valor, ou seja, que não se modificou com o processo de socialização, notadamente no grupo

do 4º Ano.

262

Tabela 56 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 18

Questão 18 - Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua lealdade? Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Mudou para melhor. 61,85 Mudou para melhor. 53,97 Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. 36,42 Permaneceu igual ao que era antes, na

vida civil. 42,86

Mudou para pior. 1,73 Mudou para pior. 3,17

Diferentemente das tendências apresentadas pelos cadetes, em que há uma

relativa distribuição das respostas, verificamos que no grupo dos tenentes há unanimidade:

todos os participantes consideram que os jovens mudam para melhor quanto à lealdade, em

função da formação militar (Tabela 57).

Tabela 57 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 18

Questão 18 - Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua lealdade?

Questão 18 - Depois do ingresso na vida militar, o que costuma ocorrer em relação à lealdade dos

jovens (cadetes)? Cadetes (n = 362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Mudou para melhor. 57,73 Muda para melhor. 100,00 Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. 39,78 Permanece igual ao que era antes, na

vida civil. 0,00

Mudou para pior. 2,49 Muda para pior. 0,00

De modo semelhante, observamos nas respostas dos capitães (Tabela 58) que a

maioria dos participantes considera que a lealdade dos jovens melhora com o processo de

socialização. Assim, inferimos que os oficiais, tenentes e capitães, tendem a avaliar mais

positivamente a eficácia do processo do que os cadetes em geral.

Tabela 58 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 18

Questão 18 - Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua lealdade?

Questão 18 - Depois do ingresso na vida militar, o que costuma ocorrer em relação à lealdade dos

jovens (cadetes)? Cadetes (n = 362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) Mudou para melhor. 57,73 Muda para melhor. 87,50 Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. 39,78 Permanece igual ao que era antes, na

vida civil. 12,50

Mudou para pior. 2,49 Muda para pior. 0,00

263

5.6.2.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais realizados com cadetes do 1º Ano, os participantes

confirmaram a percepção de que a maioria dos cadetes mudou sua lealdade para melhor em

decorrência do processo de socialização. Com a formação militar, os jovens passaram a

conviver estreitamente com um grupo, vivenciando situações de dificuldade comum, o que os

conduziu a desenvolverem atitudes de apoio mútuo. Esta lealdade é valorizada pelo grupo e os

cadetes procuram corresponder a tal expectativa. Os participantes observam que no Exército

há um sentimento de união mais presente do que na vida civil. No ambiente militar, sentem

que podem confiar nos companheiros, ainda que não tenham intimidade com eles, pois

acreditam que todos possuem os mesmos valores.

Além da lealdade aos companheiros, os cadetes percebem que, com a formação

militar, desenvolveram lealdade a uma instituição. Os cadetes reconhecem vários benefícios

que o Exército lhes proporcionou, tais como o ensino e a construção de laços com seus

companheiros. Assim, sentem como um dever corresponder às expectativas depositadas neles,

procurando bem cumprir seu papel. Desenvolveram, também, a noção de que são

representantes da Instituição e que devem transmitir uma boa imagem da mesma às pessoas

“de fora” (Quadro 74).

“No momento em que eu sou do Exército, eu vivo aqui, vinte e quatro horas por dia, eu convivo no ambiente militar, no momento em que alguém critica o Exército, por associação ele tá criticando a mim também. Então se alguém falar mal do Exército, incomoda a mim, porque eu tou diretamente ligado ao Exército.”

“É o que falam aqui: a partir do momento que você saiu daqui, você não é mais o Cadete Fulano, você é o Cadete do Básico.”

Quadro 74 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

Nos grupos com cadetes do 4º Ano, também se confirmou que a lealdade da

maioria dos jovens muda para melhor com a formação militar. Na vida civil, os participantes

consideram que a lealdade não é tão necessária nem tão valorizada quanto no ambiente

militar. Na formação militar, os participantes encontraram mais oportunidades para

desenvolver este valor em virtude da intensa convivência com os companheiros, oportunizada

tanto pelo regime de internato quanto por experiências no campo, em que está envolvida a

necessidade do apoio mútuo para a sobrevivência. Na AMAN, os cadetes aprendem que

sempre precisarão da colaboração de seus companheiros, de modo que os que não possuíam

264

consideração pelos interesses dos outros precisarão desenvolvê-la, sob pena de ficarem

excluídos do grupo.

A relativamente alta freqüência da resposta “permaneceu igual” no

questionário foi justificada diferentemente nos dois grupos focais realizados. Em um dos

grupos, defendeu-se que o indivíduo que não possuía lealdade antes, não irá adquiri-la na

caserna. Ou seja, haveria um desenvolvimento da lealdade na formação militar, porém seriam

necessários determinados pré-requisitos para isso. No segundo grupo, foram levantadas duas

possibilidades de interpretação para a resposta em foco. Por um lado, acredita-se que alguns

cadetes consideram que já eram leais em sua vida civil, porém isto ocorria apenas em relação

aos seus amigos mais próximos. Estes acreditariam que isto não se modificou com a vida

militar. Por outro lado, percebe-se que alguns cadetes resistem em admitir que a AMAN os

modificou. Assim, não foi possível chegar a um consenso sobre o significado deste

percentual. Talvez existam, de fato, todas as situações mencionadas no bojo desta tendência

de resposta.

No Quadro 75, vemos exemplos de falas dos cadetes do 4º Ano sobre o tema.

“Porque, realmente, eu vejo a parte da lealdade também como compromisso. Eu era leal a algumas pessoas lá fora, mas eram poucas pessoas. Aqui, eu sei que quando eu tiver comandando um pelotão eu tenho um compromisso com no mínimo trinta e seis pessoas, não é amizade, mas eu tenho um compromisso com eles. Eu tenho que me dedicar para que aquilo ali funcione, que dê certo, e pra que eles acreditem no que eu tô fazendo. Agora lá fora, eu tô no colégio, eu tava lá estudando, eu não preciso ser leal com ninguém ali... Agora a partir do momento que tem pessoas dependendo de mim, eu preciso mostrar isso, que eu vou ter a capacidade profissional de motivar eles, de fazer eles trabalharem comigo, de criar esse laço. A partir do momento que eu tenho essa capacidade, eu acho que aumenta o laço de quem já tem lealdade, agora tem cara que não tem e não vai ser leal. Pra mim, quem não tem, ele não desenvolve.”

“Eu vejo que ou ele se adequa ou muitas vezes ele fica excluído. A maioria eu acho que se adequa. Porque a partir do momento em que ele vai ser submetido aos mesmos problemas, por exemplo, ele vai pra uma situação de campo, e ele vê que tá todo mundo se ajudando e, pelo fato de ele ser daquela maneira, ele tá sozinho e não tá conseguindo fazer tudo o que os outros tão conseguindo. Ele tende a buscar o conforto, ele vai querer a ajuda dos companheiros dele e ele acaba também incutindo aquela mentalidade: ‘Não, já que eles tão fazendo e tá dando certo, eu acho que eu vou fazer dessa maneira.’ E acaba tendo esse ganho pra ele. E quando ele começa a sentir que tá funcionando, eu acho que ele fica mais receptivo a esse tipo de experiência, aí que ele desenvolve as coisas e começa a trabalhar.”

“Eu acho que cria essa mentalidade de coletividade e, à medida que o tempo vai passando na Academia, depois que ele entendeu como funciona o processo, ele começa a sair da massa. Pra no último ano, agora que ele viu como que funciona, ele vai ser capaz de controlar e trabalhar com aquele tipo de pessoal. Porque eu acho que o que aconteceu com a gente no 1º Ano, é o que acontece com o recruta. Ele chega, é cada um por si, aí começa, aí o tenente faz a mesma coisa que os tenentes do 1º Ano faziam com a gente: começa a apertar, apertar, apertar, de maneira que eles vão acabar se ajudando. Só que, é lógico, existem níveis e níveis. Aqui na Academia, o cadete é um nível diferente do recruta. O recruta, alguns não são voluntários, aqui todos são, aqui o cara pode falar: ‘Não, quero ir embora’, lá fora ele não pode. Mas eu acho que o processo em si é bem parecido. Existem níveis diferentes, mas o processo estimula que o cadete precise conviver no grupo.”

Quadro 75 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

265

Comparando as posições apresentadas por cadetes do 1º e do 4º Anos,

verificamos, conforme já levantado no tópico anterior, que a lealdade aos pares parece ser a

tônica ao longo de todo o processo de socialização, o que se deve a uma mudança nas

condições de convivência dos jovens em relação à sua vida anterior.

No grupo focal realizado com tenentes, foi corroborada a percepção de que a

lealdade dos jovens muda para melhor, igualmente em função da estreita convivência com um

grupo, situação que dificilmente ocorre na vida civil. Os tenentes identificam que os cadetes

desenvolvem primeiramente a lealdade aos pares, em seguida aos superiores e por último aos

subordinados. Esta surgiria ao final da formação, a partir do 3º Ano, quando os cadetes

passarão a desempenhar mais funções de comando e a conviver com subordinados de forma

mais intensa.

Para os tenentes, à lealdade à Instituição seria desenvolvida como pano de

fundo de todas as experiências vividas na formação, a começar pelo recebimento do título de

“cadete”, que coloca o jovem em uma posição diferenciada na sociedade. Esta seria

evidenciada pela disciplina, que acarreta, em certas situações, que os interesses institucionais

sejam colocados acima dos individuais (Quadro 76).

“Eu acho que pro militar a lealdade à Instituição já é tão comum que a gente nem vê isso como um objetivo a ser alcançado.”

“É como se fosse uma lavagem cerebral, [em] que a gente entra com um perfil e vai sendo forjado durante cinco anos, na verdade, com a Preparatória. Eu acredito que, no fundo, [está] sempre o verde-oliva... A gente é pintado de verde-oliva durante cinco anos. Quando ele se forma oficial, a farda já faz parte do corpo dele. É uma identidade. Ele sabe o valor dele na sociedade, ele sabe que... A gente sempre cobra eles [os cadetes], também, que o cadete sentar no meio fio ou fazer alguma bobagem em Resende, aos olhos da sociedade vai ser outro: não é Corpo de Cadetes, já vai ser a AMAN, o Exército. Então eu acho que isso aí ajuda a formar.”

“Eu, particularmente, fui pra uma unidade, quando eu saí daqui [após sua formatura na AMAN], em que noventa por cento dos valores cultuados aqui não eram cultuados nessa unidade. E eu assumi o controle que eu era responsável por cobrar ali. E por diversas vezes eu fui visto por todo o grupo como sendo ‘o babaca’, alguma coisa assim, porque tava cobrando o que era o mínimo que devia ser cobrado. E a atitude mais fácil pra mim teria sido o que: abandonar tudo o que eu tinha aprendido aqui e, digamos assim, me corromper, aonde eu seria mais um tenente ali: ‘E aí, tenente, tal... Pô, aquele tenente lá é gente fina...’ É o caminho mais fácil, mas não é o correto. E com certeza o que me manteve na legalidade, digamos assim, foi a formação da AMAN. E eu vi companheiros de CPOR que chegaram comigo, chegaram antes, chegaram depois, que eu fiquei três anos naquela OM, que chegavam praticamente com o perfil de aspira chegando na tropa, de AMAN, só que ligeiro já tavam se promiscuindo, digamos assim, com subordinado, deixando absurdos incorretos passar, vendo a lealdade de outra forma. Levando a lealdade pro lado de tapar furo dos subordinados, o que não é ser leal. [...] Com certeza foi a formação da AMAN que me manteve no caminho certo. Pelo menos pra mim, eu acho que essa formação foi eficaz.”

Quadro 76 - Citações extraídas de grupo focal com tenentes

No grupo com capitães, defendeu-se que, com a vida militar, os indivíduos

desenvolvem o sentimento de lealdade ao grupo, aos superiores e à Instituição. Na AMAN, os

266

participantes consideram que a lealdade aos pares é mais facilmente desenvolvida do que a

lealdade aos superiores, e que não se consegue desenvolver a lealdade dos cadetes aos

subordinados, devido às poucas oportunidades para exercitá-la. Ainda assim, os capitães

consideram que, após a formatura, os cadetes conseguirão transferir a experiência adquirida

em outros níveis para o relacionamento com seus subordinados. A lealdade à Instituição seria

desenvolvida de forma indireta, principalmente através do relacionamento dos cadetes com

seus superiores.

Foi levantado que os oficiais, de modo geral, sentem dificuldade em preservar

os valores aprendidos na Academia durante a carreira, pois necessitam se adaptar à realidade

maior do Exército, que não corresponde ao mesmo “código de honra”. O oficial que retorna

para a AMAN como instrutor vivencia uma renovação, pois volta a se conectar com valores

dos quais já havia se distanciado, na tropa.

Diante das opiniões apresentadas por cadetes e oficiais, percebemos que todos

os participantes avaliam positivamente o processo de socialização no tocante à internalização

da lealdade. Como vimos, para os cadetes se ressalta a construção da lealdade aos pares. Os

oficiais, entretanto, visualizam que os cadetes também desenvolvem este sentimento no

relacionamento com seus superiores e, em menor escala, com eventuais subordinados. A

lealdade à Instituição seria desenvolvida de forma indireta, por meio das diversas experiências

vivenciadas na formação, no seio das quais é construída uma identidade profissional.

Procuraremos aprofundar a compreensão sobre tais aspectos com base na análise dos

próximos tópicos pesquisados.

5.6.3 Aspectos do processo de socialização que facilitam o desenvolvimento

O décimo-nono aspecto investigado refere-se aos aspectos do processo de

socialização percebidos pelos participantes como favorecedores da internalização da lealdade

pelos cadetes.

267

5.6.3.1 Resultados da etapa quantitativa

Na análise comparativa das respostas apresentadas por cadetes do 1º e do 4º

Anos à Questão 19 (Tabela 59), verificamos que ambos os grupos destacam como aspectos

facilitadores do desenvolvimento da lealdade situações relacionadas à convivência com os

pares. As tendências mais fracas de resposta, especialmente no grupo dos cadetes do 4º Ano,

remetem a situações do relacionamento com superiores.

Tabela 59 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 19

Questão 19 - Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que tem auxiliado você a desenvolver sua lealdade ao longo do Curso de Formação da AMAN.

Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) A convivência diária entre os cadetes. 89,02 A convivência diária entre os cadetes. 87,83 A freqüente realização de atividades que exigem a união do grupo. 78,61 A freqüente realização de atividades

que exigem a união do grupo. 72,49

O relacionamento estabelecido entre oficiais e cadetes. 25,43 O relacionamento estabelecido entre

oficiais e cadetes. 14,29

Os oficiais constantemente dão exemplos de lealdade. 15,03 Os oficiais constantemente dão

exemplos de lealdade. 8,47

Comparando as tendências de resposta apresentadas por cadetes e tenentes

(Tabela 60), verificamos convergências e divergências. De modo semelhante nos dois grupos,

os aspectos relacionados à convivência dos cadetes com seus pares se destacam como as

tendências de resposta mais intensas. Todavia, diferentemente do ocorrido entre os cadetes, os

aspectos atinentes ao relacionamento com superiores apresentam elevadas freqüências no

grupo dos tenentes, sendo percebidos também como facilitadores do desenvolvimento da

lealdade no processo de socialização.

268

Tabela 60 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 19

Questão 19 - Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo,

aquele(s) que tem auxiliado você a desenvolver sua lealdade ao longo do Curso de Formação da

AMAN.

Questão 19 - Tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos

abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem auxiliado os cadetes a desenvolver sua lealdade ao

longo do Curso de Formação da AMAN. Cadetes (n =362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) A convivência diária entre os cadetes. 88,40 A convivência diária entre os cadetes. 100,00 A freqüente realização de atividades que exigem a união do grupo. 75,41 A freqüente realização de atividades

que exigem a união do grupo. 72,22

O relacionamento estabelecido entre oficiais e cadetes. 19,61 O relacionamento estabelecido entre

oficiais e cadetes. 61,11

Os oficiais constantemente dão exemplos de lealdade. 11,60 Os oficiais constantemente dão

exemplos de lealdade. 50,00

Analisando as respostas dos capitães (Tabela 61), identificamos um quadro

semelhante ao apresentado pelos tenentes, com destaque para as tendências referentes a

aspectos do relacionamento entre pares, em primeiro lugar, seguidas das tendências ligadas ao

relacionamento com superiores. Portanto, parece-nos que capitães e tenentes avaliam mais

positivamente o relacionamento estabelecido entre oficiais e cadetes, quanto ao

desenvolvimento da lealdade, do que os próprios cadetes.

Tabela 61 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 19

Questão 19 - Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo,

aquele(s) que tem auxiliado você a desenvolver sua lealdade ao longo do Curso de Formação da

AMAN.

Questão 19 - Tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os aspectos

abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem auxiliado os cadetes a desenvolver sua lealdade ao

longo do Curso de Formação da AMAN. Cadetes (n =362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%)

A convivência diária entre os cadetes. 88,40 A freqüente realização de atividades que exigem a união do grupo. 75,00

A freqüente realização de atividades que exigem a união do grupo. 75,41 A convivência diária entre os cadetes. 75,00

O relacionamento estabelecido entre oficiais e cadetes. 19,61 O relacionamento estabelecido entre

oficiais e cadetes. 59,38

Os oficiais constantemente dão exemplos de lealdade. 11,60 Os oficiais constantemente dão

exemplos de lealdade. 56,25

269

5.6.3.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais com cadetes do 1º Ano, a intensa convivência entre os pares

foi ratificada como o aspecto que mais contribui para o desenvolvimento da lealdade ao longo

do processo de socialização. Os cadetes constroem um sentimento de união com seus

companheiros, marcado pela cooperação e pela transparência nas comunicações entre eles. Os

participantes consideram que o principal objetivo do Curso Básico é o desenvolvimento desta

lealdade entre os pares. Para isso, os oficiais utilizam diversas estratégias, por vezes criando

dificuldades para estimular a união do grupo.

As baixas freqüências das respostas referentes ao relacionamento com oficiais

foram justificadas pelos participantes pelo fato de os instrutores exercerem constante pressão

e fiscalização sobre os cadetes, gerando um distanciamento. Na percepção dos cadetes do 1º

Ano, o desenvolvimento da lealdade entre cadetes e oficiais geralmente não é enfatizada no

Curso Básico. No Quadro 77, alguns depoimentos ilustram tais concepções.

“Eu acho que tar na função de instrutor ali também é coibir, punir... Pô, como é que tu vai ter lealdade com um cara que tá ali te pressionando, que tá querendo te punir? Não tem jeito de encaixar esse lado. Você encara mais o camarada como um inimigo, do que como um amigo, então não dá pra ser leal com o inimigo. Tem uma disparidade. É diferente na tropa. Na tropa ali já é uma relação de mais amizade, e a amizade vai criando laços de lealdade.”

“Quanto mais próximo tá o superior, mais ele vai tá inserido no grupo. Quanto mais ele convive com a gente, mais ele vai tar inserido naquele conjunto de protocolo criado no grupo mesmo, naquele negócio que surge, que nasce entre o grupo. Então a lealdade vai ser formada entre ele e a gente, que ele vai tar sendo parte do grupo. Agora quando o oficial já é mais afastado, a gente já não consegue encarar como uma parte do grupo, então não há aquela confiança.”

Quadro 77 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

Nos grupos focais com cadetes do 4º Ano, foi corroborada a concepção, já

explorada no tópico anterior, de que a convivência diária entre os cadetes e a freqüente

realização de atividades conjuntas são os principais favorecedores do desenvolvimento da

lealdade. Na discussão das respostas de menores freqüências, ficou caracterizado que os

cadetes desenvolvem mais fortemente a lealdade aos pares do que aos superiores, pois há um

distanciamento entre oficiais e cadetes no processo de socialização.

Os participantes percebem que, no 1º Ano, os cadetes de modo geral têm mais

confiança nos oficiais, pois tendem a acreditar no que os superiores falam. Ao se recordarem

desta fase da formação, identificam que o relacionamento que tiveram com a maioria dos

oficiais foi mais pautado na disciplina do que na lealdade. Porém, houve situações de exceção

270

em que foi vivenciada a lealdade ao oficial, que se caracterizou para eles como líder (Quadro

78). Entretanto, ao longo da formação os cadetes acumulam diversas referências e passam a

ter uma posição mais crítica a respeito do discurso dos oficiais. Os cadetes do 4º Ano

visualizam que os oficiais tentam lhes transmitir uma visão idealizada sobre a realidade da

tropa, que já não os persuade mais, especialmente após a realização do estágio. Tal situação

afeta sua lealdade aos oficiais, pois têm a impressão de que estão tentando iludi-los e não

encontram abertura para debater os problemas reais vislumbrados.

“Ele [um capitão do Básico] conseguia identificar a hora que precisa ser instrutor e a hora que precisa ser comandante de companhia. Liderava porque: ‘Ó, agora a gente vai pro campo, e lá no campo é chibata’. Agora, chegou na ala, o cadete precisa de alguma coisa: ‘Cadete, vamos conversar, vamos resolver, o que que tá acontecendo?’ Ele procurava ajudar o cadete da maneira que ele podia. Eu nunca vi o capitão passar a mão na cabeça de alguém. Ele era justo. E eu acho que era um dos poucos que chamava a atenção, porque o cadete chegava pra ele, se apresentava e contava exatamente o que aconteceu... E a companhia se envolveu de tal maneira com o capitão, que ela sempre respondia aos estímulos que o capitão dava. O capitão não queria que a companhia fizesse alguma coisa, ele falava abertamente: ‘Olha, eu não quero que vocês façam, por isso e por isso, se vocês fizerem vai acontecer isso com vocês e não é o caso, a gente tá num ambiente bom de trabalho, eu quero continuar num ambiente bom...’ e a companhia entendia. Aí eu acho que até entra naquela parte da transparência. E quando acontecia alguma coisa fora disso aí, que ele não cobrou, não avisou, ele tinha a humildade de falar: ‘Não, realmente, nesse ponto eu não falei nada, eu não posso fazer isso...’ Não falava que o cadete errou, nada disso. Ele era justo e era leal.”

Quadro 78 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

Os dados qualitativos confirmam, portanto, que o distanciamento entre cadetes

e oficiais perdura ao longo de toda a formação, dificultando o desenvolvimento da lealdade

aos superiores.

No grupo focal com tenentes, os participantes também constataram que a

lealdade aos pares é mais facilmente desenvolvida pelos cadetes do que a lealdade aos

superiores, em função da intensa convivência e da grande proximidade existente entre eles

(Quadro 79). Porém, percebem que o relacionamento estabelecido entre oficiais e cadetes

auxilia no desenvolvimento da lealdade, à medida que os superiores efetivamente apóiam seus

subordinados em suas dificuldades. Os tenentes consideram que, em tais situações críticas, os

cadetes verificarão os exemplos positivos ou negativos de lealdade fornecidos por seus

superiores.

“Também a questão da hierarquia e disciplina. Então dentro do grupo ali é mais fácil ser leal com ele, porque a gente convive mais... Como eu falei, a hierarquia, o cadete fica com receio de ele tomar uma advertência do comandante, então ele evita ao máximo ter esse contato com o oficial. Quanto menos contato ele tem, menos ele tá desenvolvendo esse atributo.”

Quadro 79 - Citação extraída de grupo focal com tenentes

271

No grupo com os capitães, foram manifestadas posições semelhantes ao grupo

anterior. Estes participantes concordam que, em função do estreito convívio entre os cadetes,

a lealdade aos pares é desenvolvida de forma mais intensa na AMAN do que a lealdade aos

superiores. Para que os oficiais despertem a lealdade dos cadetes, necessitam ser leais com

eles, sendo verdadeiros, mostrando consideração por seus problemas, dando um retorno aos

seus anseios, transmitindo-lhes informações que são do seu interesse (Quadro 80).

“Como é que ele [o cadete] também demonstra ser leal a você? Quando ele conta alguns problemas âmbito Academia que ele não conta pro comandante de companhia. Do tipo: já chegou cadete pedir pra mim... Deram essa mochila nova, né, essa verdinha, que não presta pro cadete levar pro campo: ela quebra fácil, tem pouco espaço... E o cadete pediu incessantemente pro comandante de companhia, e não sei por que – às vezes o comandante de companhia tá ocupado, tem outros problemas – aí ele chegou pra mim e: ‘Capitão, dá pro senhor conseguir no Almox?’ Aí eu falei com o comandante de companhia, peruei com o S4 aqui: ‘Vai ter uma instrução, o cadete do 4º Ano quer aquela mochila velha...’ E eu consegui. Quando eu consegui aquela mochila velha: ‘Pô, o cara não projetou pro meu desejo...’ Então são esses exemplos. Trabalhar, você servir o cadete. Ele é seu cliente. Você tem que fazer o que você quer também... Mas não é aquele negócio,você tá atrás de um bureau: ‘Você tem que fazer isso.’ ‘Mas, capitão, e os meios? Como é que eu vou conseguir isso?’ São exemplos de lealdade.”

Quadro 80 - Citação extraída de grupo focal com capitães

Entretanto, as idéias manifestadas pelos oficiais nos grupos focais sobre o

aspecto do relacionamento entre oficiais e cadetes parecem contextualizar situações

esporádicas no processo de socialização, mais do que um fenômeno recorrente. Na análise

dos dados que serão apresentados no próximo tópico, procuraremos verificar até que ponto os

oficiais percebem efetivas dificuldades no relacionamento estabelecido com os cadetes.

5.6.4 Aspectos do processo de socialização que dificultam o desenvolvimento

O vigésimo aspecto pesquisado refere-se às dificuldades percebidas no

processo de socialização para a internalização da lealdade pelos cadetes.

5.6.4.1 Resultados da etapa quantitativa

Analisando as tendências de resposta apresentadas por cadetes do 1º e do 4º

Anos à Questão 20 (Tabela 62), identificamos contextos diferenciados. Para os cadetes do 1º

272

Ano, o foco da lealdade parece continuar no relacionamento entre pares, mesmo quando se

trata de dificuldades. A resposta de maior freqüência neste grupo refere-se à preocupação de

cadetes com seu conceito ou grau, que os leva a priorizar interesses individuais, em

detrimento do grupo. Outra tendência de resposta de relativa expressão refere-se à falta de

compreensão quanto a expectativas depositadas neles pelos oficiais. Entretanto, as duas outras

respostas referentes ao relacionamento com os oficiais parecem apresentar importância menor

na avaliação dos cadetes do 1º Ano.

Em contraste, os cadetes do 4º Ano apresentam tendências fortes de resposta

ligadas ao relacionamento com os oficiais, percebendo especialmente a falta de transparência

e o distanciamento como prejudiciais ao desenvolvimento da lealdade. Também neste grupo a

lealdade aos pares continua em foco, surgindo como obstáculo o aspecto referente a

preocupação de alguns cadetes com o conceito ou o grau, em detrimento dos interesses

coletivos.

Tabela 62 - Respostas de cadetes do 1º e 4º Anos à Questão 20

Questão 20 - Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aquele(s) que tem dificultado que você desenvolva a sua lealdade ao longo do Curso de Formação da

AMAN. Cadetes do 1º Ano (n = 173) Cadetes do 4º Ano (n = 189)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) A preocupação com o conceito ou o grau faz com que alguns cadetes coloquem seus interesses individuais acima dos coletivos.

69,94 Não há transparência no relacionamento entre cadetes e oficiais.

69,31

Os cadetes por vezes não compreendem claramente o que os oficiais esperam deles.

45,66

A preocupação com o conceito ou o grau faz com que alguns cadetes coloquem seus interesses individuais acima dos coletivos.

65,61

Não há transparência no relacionamento entre cadetes e oficiais. 41,04 O distanciamento entre oficiais e

cadetes. 58,20

O distanciamento entre oficiais e cadetes. 30,64

Os cadetes por vezes não compreendem claramente o que os oficiais esperam deles.

31,22

Analisando comparativamente as respostas apresentadas por cadetes e tenentes

(Tabela 63), verificamos quadros distintos. De modo semelhante à percepção média dos

cadetes, os tenentes localizam o principal obstáculo à lealdade no relacionamento dos cadetes

com seus pares. Além deste, surge o aspecto referente à falta de compreensão dos cadetes

quanto às expectativas dos oficiais como uma tendência de resposta expressiva entre os

tenentes. Entretanto, para este grupo, os aspectos relacionados ao contato entre cadetes e

273

oficiais mostram-se como tendências fracas de resposta, o que nos leva a supor que, em

contraste com os cadetes, os tenentes não percebem maiores problemas a tal respeito.

Tabela 63 - Respostas de cadetes e tenentes à Questão 20

Questão 20 - Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos

abaixo, aquele(s) que tem dificultado que você desenvolva a sua lealdade ao longo do Curso de

Formação da AMAN.

Questão 20 - Ainda tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os

aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem dificultado que os cadetes desenvolvam sua lealdade ao longo do Curso de Formação da

AMAN. Cadetes (n =362) Tenentes (n = 18)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) A preocupação com o conceito ou o grau faz com que alguns cadetes coloquem seus interesses individuais acima dos coletivos.

67,68

A preocupação com o conceito ou o grau faz com que alguns cadetes coloquem seus interesses individuais acima dos coletivos.

55,56

Não há transparência no relacionamento entre cadetes e oficiais. 55,80

Os cadetes por vezes não compreendem claramente o que os oficiais esperam deles.

50,00

O distanciamento entre oficiais e cadetes. 45,03 O distanciamento entre oficiais e

cadetes. 33,33

Os cadetes por vezes não compreendem claramente o que os oficiais esperam deles.

38,12 Não há transparência no relacionamento entre cadetes e oficiais.

11,11

Analisando as respostas apresentadas pelos capitães (Tabela 64), verificamos

que neste grupo a principal tendência de resposta refere-se à falta de compreensão dos cadetes

quanto a expectativas dos oficiais. De modo semelhante ao ocorrido entre os tenentes, os

capitães também parecem não perceber maiores problemas no relacionamento entre oficiais e

cadetes, pois apresentam baixas freqüências nas respostas relacionadas a tais aspectos.

274

Tabela 64 - Respostas de cadetes e capitães à Questão 20

Questão 20 - Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos

abaixo, aquele(s) que tem dificultado que você desenvolva a sua lealdade ao longo do Curso de

Formação da AMAN.

Questão 20 - Ainda tomando por base a sua vivência como Instrutor, assinale, dentre os

aspectos abaixo, aquele(s) que o senhor percebe que tem dificultado que os cadetes desenvolvam sua lealdade ao longo do Curso de Formação da

AMAN. Cadetes (n =362) Capitães (n = 32)

Resposta Freqüência (%) Resposta Freqüência

(%) A preocupação com o conceito ou o grau faz com que alguns cadetes coloquem seus interesses individuais acima dos coletivos.

67,68 Os cadetes por vezes não compreendem claramente o que os oficiais esperam deles.

50,00

Não há transparência no relacionamento entre cadetes e oficiais. 55,80

A preocupação com o conceito ou o grau faz com que alguns cadetes coloquem seus interesses individuais acima dos coletivos.

46,88

O distanciamento entre oficiais e cadetes. 45,03 O distanciamento entre oficiais e

cadetes. 28,13

Os cadetes por vezes não compreendem claramente o que os oficiais esperam deles.

38,12 Não há transparência no relacionamento entre cadetes e oficiais.

12,50

5.6.4.2 Resultados da etapa qualitativa

Nos grupos focais com cadetes do 1º Ano, foi levantado que a convivência

entre pares, ao mesmo tempo em que favorece a lealdade, pode acarretar dificuldades, quando

são colocados interesses individuais acima dos coletivos. Cadetes que desejam ter notas

(graus) melhores do que outros, e por isso deixam de compartilhar soluções de exercícios ou

informações importantes sobre provas, são vistos como desleais, egoístas e isolados do grupo.

Da mesma forma o são cadetes que procuram prejudicar outros no conceito horizontal, a fim

de eles próprios se destacarem perante os oficiais. Os participantes entendem como seu dever

auxiliarem uns aos outros e consideram que os que não agem deste modo são uma minoria no

grupo.

Para os cadetes do 1º Ano, o relacionamento estabelecido com os oficiais é

também um obstáculo para a lealdade. A maioria dos oficiais mantém uma atitude distante

dos cadetes, pois estão pouco presentes em seu dia-a-dia e freqüentemente atuam visando

pressioná-los e puni-los. Os participantes percebem os oficiais como auto-suficientes, que não

precisam e não se importam com os cadetes. Assim, sentem medo de apresentar suas

dificuldades a um superior, pois acham que serão repreendidos, punidos ou prejudicados em

275

sua avaliação. A confiança dos cadetes em seus superiores também é abalada quando são

punidos por fatos que consideram incoerentes. Os participantes percebem como raras

exceções os oficiais que conseguem desenvolver lealdade no relacionamento com os cadetes,

por atuarem com transparência e justiça.

A incompreensão quanto à finalidade de determinadas ordens é percebida pelos

cadetes como um prejuízo à sua lealdade à Instituição. Por falta de esclarecimento, os

participantes por vezes têm a impressão de que certas ordens são arbitrárias, o que

comprometeria seu vínculo institucional.

No Quadro 81, há falas de cadetes do 1º Ano sobre o tema.

“Eu acho que ele tem que ajudar de qualquer forma... Agora tem aquele caso extremo: eu já estudei tudo, eu tenho o meu bizu ali, meu material, aí, vamos supor, eu fiz um resumo, as gaivotas tão tudo ali. Eu marquei na minha agenda lá: um dia antes da prova eu vou pegar o meu resumo, o meu material de papiro bizurado aqui, e vou sentar sozinho e vou ler, porque eu tenho que decorar, tenho que reafirmar as idéias. Aí chega o outro lá que não estudou, que ficou na ala ali vendo filme, no computador, Internet, e chega e começa a me perguntar, me incomodar, no caso ali vai tar incomodando, aí a deslealdade é do outro. Agora, pô, não tô fazendo nada, meu material tá lá, eu tenho um bizu, não vai me prejudicar, pô, se eu não ajudar, eu tô sendo desleal, mesmo que ele não fez nada.”

“Existem aqueles que se preocupam com isso [grau], sim, e não ajudam os outros? Existem. Mas é minoria. A maioria: ‘Tá, eu vou ajudar, vou parar aqui e vou ajudar’ e às vezes até se prejudica. Eu não acho certo, mas a maioria se prejudica pra ajudar o outro, nesse caso [estudo].”

“Pros oficiais, independente do que ele tá fazendo ali, se pra quem tá de fora é certo ou errado, o que importa é o que vai causar no cadete. [...] Então eu acho que no Curso Básico a idéia deles é formar dentro do grupo ali esse sentimento de amizade, de lealdade com o companheiro. Então por isso que não tá tão aparente essa questão de oficial com cadete.”

“É aquela coisa: tá ali todo mundo em forma. Quando olha a companhia em forma, ninguém sabe diferenciar um do outro. E é esse colocar em forma que os oficiais fazem com a gente, entendeu? Trata ali, aperta bastante e tal... Aí o que acontece: a nossa forma de progredir, de manter, é um ajudando o outro, um caiu, o outro levanta. E é isso que se quer, que eu acho.”

“No meu caso, eu não gosto do meu comandante de pelotão, mas ele cumpriu com a missão dele. A pessoa dele, quando eu converso extra-Academia assim, é uma pessoa que eu não considero muito. As atitudes dele como oficial assim, as punições, o que ele faz com a gente, eu não concordo... Mas essas coisas que ele faz, fecham o grupo, fortalecem o grupo.”

“Por exemplo, perdi a chave do armário. Se eu chegar pra falar com o tenente, o que é certo: um FO lá por ter perdido a chave. Aí o que que o cadete faz: vai lá, pega a chave reserva no claviculário e pede pro funcionário da ala pra ele tirar a cópia lá, depois restitui a chave no claviculário e pega a chave que ele fez pra ele. Ou seja, ele resolveu o problema, procurou resolver sem pedir ajuda ao oficial... Em vez de ele chegar e falar: ‘Tenente, eu perdi minha chave, não sei o que, será que eu consigo outra na Prefeitura Militar, vou ter que tirar outra...’ Não. Ele no sanhaço ali, pediu ajuda do funcionário, no claviculário pegando, deu um jeito. Fez realmente pra evitar esse contato com o tenente. Ele sabia que o que resultaria daquilo seria simplesmente uma punição: um final-de-semana. No outro, ele teria de qualquer jeito que arrumar a chave.”

Quadro 81 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 1º Ano

276

Nos grupos focais com cadetes do 4º Ano, o relacionamento entre cadetes e

oficiais foi levantado como o principal aspecto que dificulta o desenvolvimento da lealdade.

Os cadetes percebem que os oficiais, de modo geral, não demonstram autêntico interesse pelas

suas questões, não se esforçam efetivamente para auxiliá-los, deixando muitas vezes de

encaminhar solicitações dos cadetes aos escalões superiores. Os participantes atribuem tais

atitudes à preocupação dos oficiais com sua imagem perante seus superiores. Além disso, os

cadetes detectam falta de transparência no relacionamento. Sua confiança nos oficiais é

abalada quando, por exemplo, têm a impressão de que determinadas correções efetuadas por

um superior possuíam a conotação de orientação e posteriormente são surpreendidos por uma

punição disciplinar. Os participantes defendem que, para que um oficial desenvolva um laço

de lealdade com os cadetes, necessita estar presente, disponível para que seus subordinados

venham conversar e tragam suas questões.

Outro aspecto que tem dificultado o desenvolvimento da lealdade, já

mencionado em ocasiões anteriores, refere-se à ausência de diferenciação no tratamento dos

cadetes dos diversos anos. Os cadetes do 4º Ano apontam expectativas frustradas a tal

respeito, pois desejavam uma progressiva aproximação entre oficiais e cadetes com o passar

da formação, o que não se verificou na maior parte das situações. Na fase final da formação,

eles gostariam que os oficiais lhes dessem abertura para conversar sobre assuntos

profissionais e pessoais, voltados à sua realidade após a formatura. Porém, percebem que seus

superiores mantêm-se concentrados apenas em corrigir pequenas falhas, não havendo espaço

para outros tipos de interação. Tal situação provoca um distanciamento que prejudica a

lealdade.

Por fim, os cadetes do 4º Ano concluem que vivenciam a lealdade aos seus

companheiros de modo muito mais palpável do que a lealdade à Instituição, que é traduzida

por procurar fazer sempre o melhor pelo Exército. Os valores institucionais são vivenciados

pelos cadetes de maneira distante e abstrata, diferente de sua experiência diária na

convivência com as pessoas. As dificuldades no relacionamento com seus superiores não

afetam, na percepção dos participantes, o vínculo estabelecido pelos cadetes com a

Instituição. Nos Quadros 82 e 83, vemos exemplos de depoimentos dos participantes.

“A gente leva um problema ao oficial e ele não vai ao superior pra tentar melhorar a situação pra você, exatamente porque ele pode se prejudicar no conceito. Ele tá batalhando por uma coisa que não é dele, não pertence a ele, tá lutando por coisa de cadete, tá lutando pra por o cadete numa situação diferente... E ele vai se prejudicar pra defender um cadete, se prejudicar no conceito pra defender um cadete? Então, ele não faz isso. [...] É difícil alguém se prejudicar, pra alcançar alguma coisa pelo outro. O conceito dificulta.”

Quadro 82 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

277

“Por exemplo, tem uma tarefa pra ser feita, a minha obrigação é fazer um pedaço dela. Eu sou leal com o meu companheiro. Eu vejo que, eu tou fazendo aqui a minha parte, eu vi que o meu companheiro deixou de fazer alguma coisa. Se eu não gosto dele, se eu não tenho uma lealdade com ele, eu deixo: ele que cuide dele. Eu não vou falar nada, eu vou fazer o meu aqui bem feito e acabou. Agora se eu sou leal com o meu comandante, eu vou chegar, caso ele não consiga fazer, eu vou fazer por ele, eu vou fazer o meu e o dele, eu vou me esforçar pra não deixar que aquele furo prejudique ele. É diferente daquilo: pô, eu não tenho nenhuma lealdade com ele, eu vou fazer o que eu tenho que fazer. Disciplina é lealdade com a Instituição. Então eu vou fazer a minha parte aqui. Ah, eu tenho que montar isso aqui: eu vou e monto. Agora a parte que o meu companheiro ou o meu comandante deveria fazer e não fez, eu sei que ele tem que fazer, bom, se der furo o problema é dele, o problema não é meu. O meu compromisso é com a minha parte, eu fiz aquilo e ponto. Agora, eu poderia muito bem, se eu vi que tem alguma coisa errada, chegar e avisar, ou fazer primeiro e depois chegar e falar: ‘Olha, eu fiz isso aqui, você deveria ter feito’.”

“[...] muito se cobra no eu tenho que executar porque é uma ordem, e pouco se cobra que eu tenho que executar porque fulano de tal é um bom comandante, e eu vou ser leal a ele porque eu confio nele.”

“Eu vejo, pelo pouco contato que eu tenho, que o oficial da Força Aérea que vai ser instrutor na AFA, pra ele é um motivo de orgulho. E aqui a gente vê o indivíduo vindo pra cá, a gente vê que ninguém quer voltar pra cá, e quem vem pra cá é carreirista. Então eu não sei quem tem culpa nisso, se são os cadetes ou são os oficiais instrutores.”

“O maior erro eu acho que nem é entre o cadete e o tenente. Tem tenente que muitas vezes não sobe com as coisas, por medo de... não querer ouvir as conseqüências. Eu vou chegar: ‘Tenente, eu queria saber se pode isso, assim, assado’; aí ele chega: ‘Vou falar com o capitão’. Aí ele chega pra falar com o capitão, o capitão: ‘Como, tá maluco?’ Ou seja, ele vê a reação do capitão, pensando que o tenente era pra ter podado, que o tenente já devia ter podado o cadete. Isso aí, quando eu entrei no Exército, eu avisei pro meu pai. Desde que eu entrei meu pai falava: ‘Antigamente, quando eu era cadete, quando eu cheguei, o meu capitão botava a mão no fogo por mim, o meu coronel me xingava.’ Hoje em dia, não. Eu acho que é isso que falta.”

“A questão eu acho que não é nem a questão da distância no Básico, no Avançado... Eu acho que os tenentes são mais rigorosos na formação pra incutir determinados valores. Agora, já no quarto ano, a gente meio que já tem isso, e a gente espera que o tenente tenha uma maior proximidade com o grupo, eu acho que é isso. Assim como o cadete do quarto ano, ele já passou pelo Básico, ele já sabe como é importante determinadas coisas, só que ele vê que o tenente poderia ser mais flexível, poderia... [...] É a questão do período: o cadete que já tá mais maduro, já tem mais valores, o grupo já tá mais formado, ele já sabe o que quer da vida... Agora, no caso, [tem que haver] uma maior flexibilidade, não de ficar chibateando o tempo todo...”

Quadro 83 - Citações extraídas de grupos focais com cadetes do 4º Ano

No grupo focal com tenentes, foram confirmadas as tendências de resposta

expressas na etapa quantitativa. A disputa entre os cadetes pela classificação pode levar um

indivíduo a esconder informações sobre uma prova de outro, o que é interpretado como

deslealdade. Porém, os tenentes consideram que comportamentos deste tipo são adotados por

uma minoria de cadetes, que se preocupam excessivamente com o grau ou o conceito. Outro

dificultador apontado relaciona-se ao fato de os cadetes muitas vezes não compreenderem o

papel dos oficiais. Os participantes consideram que o oficial tem como função também aplicar

punições, o que teria uma finalidade educativa. Alguns cadetes não compreendem isso e se

afastam dos oficiais, o que dificulta o desenvolvimento da lealdade. Todavia, os tenentes

consideram que essa não é uma situação generalizada entre os cadetes.

278

No grupo com capitães, foram detalhados os aspectos ressaltados no

questionário. O fato de os cadetes não compreenderem claramente o que os oficiais esperam

deles, em determinadas situações, foi atribuído pelos participantes à falta de percepção do

superior de que sua ordem não foi entendida e do compromisso de explicá-la novamente,

quantas vezes for necessário. Ou seja, caberia ao próprio superior criar condições que

facilitem sua comunicação com os cadetes, criando uma proximidade que favoreça a lealdade.

O aspecto ligado à preocupação de alguns cadetes com o conceito ou o grau é

considerado como um reflexo da cultura da quantificação do mérito vigente no Exército

(Quadro 84). O sistema de avaliação de pessoal atual favorece que o indivíduo procure se

destacar individualmente, para ter acesso a certas oportunidades na carreira, muitas vezes em

detrimento de seu compromisso com pares e subordinados.

O aspecto relacionado ao distanciamento entre oficiais e cadetes, que

apresentou baixa freqüência na etapa quantitativa, não foi considerado pelos capitães como

prejudicial à lealdade. Comparando com a realidade que vivenciaram quando eram cadetes, os

participantes consideram que atualmente existe uma maior proximidade entre oficiais e

cadetes, embora alguns ainda tenham dificuldade em se aproximar dos superiores.

Uma situação não mencionada no questionário, mas que foi destacada neste

grupo focal, refere-se à importância de que os oficiais da AMAN sejam exemplos para os

cadetes. Os capitães percebem que esse aspecto vem sendo dificultado pelo contexto de

seleção dos instrutores. A sistemática de avaliação de pessoal, cujo resultado é utilizado na

seleção, não contempla o fator do relacionamento com os subordinados. Assim, muitas vezes

há instrutores que não estão realmente comprometidos com a formação dos cadetes. Vêm

servir na AMAN para alavancar sua carreira e não querem correr o risco de se expor a uma

má avaliação por parte de seus superiores, de forma que deixam de defender interesses de

subordinados e não propõem inovações. Por outro lado, os participantes percebem que tem

havido dificuldade para trazer “os melhores” para serem instrutores, já que a relação custo-

benefício de servir na AMAN, por vários motivos, não tem sido muito atrativa para os

oficiais.

“O cadete falou uma coisa pra mim, que eu fiquei abismado. Ele tá preocupado com o conceito, que ele é ‘zero’ de Intendência e quer chegar a general.”

“O cara peruar conceito, o peru de conceito, é reflexo dessa nossa cultura de quantificação do mérito. O cara não vai botar o dele na reta em prol do grupo, se vai prejudicar ele... Ele quer ser visto bem. Ele não vai botar o dele na reta.”

Quadro 84 - Citação extraída de grupo focal com capitães

279

Por fim, percebemos que, diferentemente dos tenentes, os capitães expuseram

potenciais dificuldades no relacionamento entre oficiais e cadetes, fato exaustivamente

destacado pelos sujeitos ao processo de socialização.

5.7 Discussão dos resultados

Após a análise dos dados quantitativos e qualitativos coletados na pesquisa de

campo, procuraremos discutir as características e resultados do processo de socialização

organizacional, à luz da fundamentação teórica.

Sob uma perspectiva global do processo de socialização organizacional

desenvolvido na AMAN, identificamos seu caráter formal e coletivo, segundo a conceituação

de Van Maanen (1989). Os recém-ingressos na organização são diferenciados dos demais

membros, recebendo um título específico (cadete), e são submetidos à socialização

conjuntamente, de modo a vivenciarem experiências semelhantes.

O intenso controle exercido pela organização sobre os sujeitos visa a

homogeneizar processos e resultados, enfatizando o disciplinamento, que favorece a

apresentação de respostas custodiais pelos novatos, mais do que de respostas inovadoras.

Desde o primeiro dia de sua formação, os cadetes devem aprender a se ajustar às normas de

conduta da organização, a comportarem-se de forma padronizada, seguindo fielmente os

regulamentos. Para tanto, são constantemente orientados e fiscalizados por seus superiores,

que efetuam correções e aplicam sanções quando ocorrem desvios do padrão de

comportamento valorizado. A esse respeito, lembramos o pensamento de Hardy e Clegg, para

quem a disciplina ocorreria devido à percepção dos subordinados de que a adoção de ações

apropriadas é o que minimiza a coerção e as sanções exercidas sobre eles:

[...] a disciplina ocorre não tanto graças a proibições ou intervenções no estado normal das coisas, mas mediante construção do conhecimento desse estado de coisas, o qual permite aos subordinados minimizar as sanções dirigidas a eles pelos superiores. (HARDY; CLEGG, 2001, p. 279).

O conceito de disciplina assimilado pelos cadetes ao longo da formação refere-

se ao cumprimento autônomo de ordens, normas e regulamentos, o qual se mostra

convergente com as concepções dos oficiais sobre este valor. Na análise dos dados coletados,

o processo de socialização revelou-se como eficaz no tocante à internalização da disciplina.

280

Os jovens chegam ao final da formação com a concepção de que ser disciplinado faz parte de

sua identidade como militares, conforme evidenciado nesta fala de um cadete do 4º Ano:

[...] Porque eu sou militar, eu tenho que cumprir ordem. É dada uma ordem, eu tenho que cumprir. O dia que eu der uma ordem pro meu subordinado, eu vou querer que ele cumpra a minha ordem, que tenha disciplina. É a base do Exército. Eu dei uma ordem pro meu subordinado, se ele ouvir as minhas ordens e não cumprir, acabou o Exército. (Cadete do 4º Ano).

Para os cadetes do 4º Ano, a disciplina tornou-se um valor em si, em

consonância com o pensamento de Huntington a respeito da identidade profissional dos

militares:

Quando o militar recebe uma ordem legal de um superior autorizado, ele não discute, não hesita nem altera sua própria opinião; obedece instantaneamente. Ele é julgado, não pelas políticas que implementa, mas sim pela presteza e eficiência com que as executa. (HUNTINGTON, 1996, p. 91).

Ao serem questionados, nos grupos focais, sobre suas motivações para

cumprirem ordens e normas, freqüentemente os cadetes do 4º Ano respondiam que adquiriram

esse “reflexo”, que foram “condicionados” a isso, e que não o faziam por razões objetivas

(como o receio da punição ou a crença na relevância da ordem). Surgiram relatos sobre a

percepção de uma pressão social para se comportarem daquela forma, valorizada pelo grupo.

Assim, a disciplina parece ter sido naturalizada pelos sujeitos.

Entretanto, apesar da eficácia global verificada quanto à internalização da

disciplina, foram identificadas dificuldades pontuais ligadas à incompreensão quanto à

finalidade e coerência de determinadas ordens e normas. Neste sentido, identificamos uma

situação semelhante à apresentada por Janowitz, que destacou a importância da persuasão

para a manutenção da disciplina no cenário militar contemporâneo: “O ceticismo da vida

urbana é levado para as forças armadas em grau maior que em gerações anteriores, de modo

que os homens já não atuarão mais às cegas, mas exigirão alguma espécie de explicação de

seus comandantes” (JANOWITZ, 1967, p. 41).

A dificuldade de compreensão das normas apareceu mais acentuada entre os

cadetes do 1º Ano, que se encontram no início do processo de socialização, tendo que lidar

urgentemente com a necessidade de construir sentido para a realidade organizacional, a fim de

adquirirem controle sobre o novo ambiente e ajustarem-se às suas expectativas, conforme

destacado por pesquisas anteriores a respeito das características da fase inicial da socialização

(cf. KIM; CABLE; KIM, 2004). Aparentemente, o aumento do conhecimento a respeito da

dinâmica organizacional, que ocorre por diversos canais ao longo da formação, acarreta que

281

tal dificuldade seja percebida com menor intensidade pelos cadetes do 4º Ano. A obtenção de

informações sobre o significado das normas e práticas da organização ressaltou-se como um

aspecto favorecedor da internalização da disciplina, corroborando estudos anteriores que

destacaram a importância da busca de informação para o ajustamento dos novatos à

organização (DE VOS; BUYENS, 2004). Tais dados também vão ao encontro do postulado

por Berger e Luckmann, que enfatizaram a importância da legitimação das instituições no

processo de socialização, através da explicação da realidade das coisas aos novatos: “A

legitimação não apenas diz ao indivíduo por que deve realizar uma ação e não outra; diz-lhe

também por que as coisas são o que são. Em outras palavras, o ‘conhecimento’ precede os

‘valores’ na legitimação das instituições” (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 129).

Quanto ao problema da coerência, observado pelos sujeitos quando oficiais ou

cadetes mais antigos não se comportam em conformidade com as normas que exigem de seus

subordinados, este parece afetar não apenas a credibilidade das normas, aspecto atinente à

disciplina, mas também o vínculo estabelecido com tais agentes de socialização, que não se

apresentam como modelos positivos para os novatos. Os resultados da pesquisa realizada por

Kim, Cable e Kim (2004) já haviam demonstrado que os novatos percebem maior

ajustamento à organização quando recebem modelos positivos quanto aos valores

organizacionais. Berger e Luckmann (1985) também ressaltaram a importância da

identificação com os agentes de socialização para a assimilação de conteúdos que envolvem

maior carga afetiva pelos novatos. A tal respeito, parece que a expectativa de que os oficiais

sejam modelos de papel aumenta ao longo da formação, adquirindo destacada importância

para os cadetes do 4º Ano. Os cadetes do 1º Ano focalizam intensamente cadetes de anos

superiores, especialmente do 3º e 4º Anos, como referências de comportamento. O

estreitamento do relacionamento dos novatos com determinados superiores, que adotam

posturas contraditórias em relação a mensagens transmitidas no processo formal de

socialização, pode comprometer a eficácia das táticas empregadas pela organização, levando à

consolidação de interpretações indesejadas acerca dos valores organizacionais. Tal fato pode

ser observado nos relatos de cadetes do 1º Ano sobre seu relacionamento com determinados

cadetes de anos superiores, os quais emitem ordens e adotam condutas contrárias aos

regulamentos, prejudicando a credibilidade dos novatos nas diretrizes oficiais da organização.

Identificamos analogia entre esta situação e os resultados do estudo de Kim, Cable e Kim

(2004) sobre a interferência negativa do relacionamento estabelecido entre novatos e seus

supervisores quanto aos resultados das táticas de socialização.

282

Ainda em relação à disciplina, é interessante observar que o uso de estratégias

coletivas de socialização pode acarretar que os indivíduos processados se comportem como

massa, tendência que cremos acentuar-se quando se trata de um grupo numeroso, como ocorre

na AMAN (em cada ano de formação há em torno de 400 cadetes). Deste modo, conforme

demonstraram extensamente os estudos sobre a psicologia das massas, podem ser

desencadeados diversos fenômenos, como a diluição do senso de identidade e

responsabilidade individual na multidão, que abre a possibilidade do anonimato. Parece-nos

ser esta a explicação para o fato observado pelos tenentes, em grupo focal, de que os cadetes

tendem a ser indisciplinados, na ausência de fiscalização, quando se encontram em situação

indiferenciada entre seus pares. Todavia, quando tratados individualmente, os sujeitos

recuperam seu senso de identidade própria e tendem a comportar-se de forma disciplinada, o

que se confirma com base nos dados qualitativos coletados junto a oficiais e cadetes.

Prosseguindo na análise das características globais do processo de socialização,

destacou-se na coleta de dados a ênfase na evitação do erro e na punição dos fracassos.

Consideramos ser este um traço da cultura organizacional, pois, conforme assinalado por

Huntington (1996), a atividade que constitui a finalidade da profissão militar implica enfrentar

ameaças à integridade individual e coletiva, contexto em que um fracasso pode acarretar

conseqüências fatais. Por conseguinte, a intolerância em relação às falhas humanas pode

representar uma reação à ansiedade frente aos perigos (reais ou imaginários) impostos pela

tarefa. Todavia, a despeito dessas considerações, faz-se necessário observar como tais traços

se configuram no caso específico da AMAN.

Os agentes de socialização que participaram da etapa qualitativa da pesquisa

expressaram, por diversas vezes, que se percebem como reprodutores de uma ideologia

voltada ao “erro zero”, corroborando as tendências de resposta expressadas na etapa

quantitativa. Tal ideologia parece ser um resíduo de diretrizes relacionadas à Modernização

do Ensino, as quais teriam enfatizado o papel do docente e dos métodos de ensino sobre os

resultados da aprendizagem, bem como da implementação de programas de excelência

gerencial no ensino, que teriam produzido “indicadores de qualidade” ligados a baixos índices

de reprovação e de aplicação de punições. Entretanto, seriam necessários dados mais

específicos para compreender profundamente a influência de tais políticas sobre o processo de

socialização em foco.

Ainda assim, os dados coletados permitem elencar uma série de implicações de

tal mentalidade para a socialização. Os agentes de socialização sentem-se pressionados a não

cometerem erros, pois resultados indesejáveis por parte dos cadetes são interpretados como

283

falhas da equipe docente. Visando atender a tal demanda percebida, os oficiais utilizam

diversas estratégias, tais como: exercer intensivo controle sobre os cadetes, dirigindo

pormenorizadamente suas ações e deixando mínima margem para que tomem decisões de

forma autônoma (o que diminui a probabilidade de erro); censurar e punir os cadetes que

cometem erros, sem atentar ao processo de aprendizagem em curso; reduzir o nível de

exigência em determinadas situações, a fim de obter um maior índice de sucesso dos

discentes, o que produz a falsa impressão de que os objetivos educacionais foram atingidos.

Estas ações produzem diversas conseqüências sobre os resultados da socialização,

especialmente quando se trata da internalização de atitudes que exigem maior autonomia dos

sujeitos, como a responsabilidade e a iniciativa, que desenvolveremos a seguir.

A responsabilidade foi caracterizada pelos participantes da pesquisa como uma

atitude ligada ao comprometimento do indivíduo com suas funções na organização e a

responder pelas próprias ações. Também este conceito mostrou-se relativamente homogêneo

entre os grupos. Entretanto, principalmente para os cadetes, a responsabilidade está

fortemente associada à disciplina, de modo que eles apresentam dificuldade para visualizar a

existência de um desses valores independentemente do outro na conduta de um militar. Para

os cadetes do 1º Ano, ter responsabilidade significa buscar cumprir todas as tarefas e

expectativas neles depositadas pela organização. Para os cadetes do 4º Ano, a

responsabilidade envolve um grau de consciência crítica sobre seu papel e implica autonomia

para tomar decisões.

O intenso controle que caracteriza o processo de socialização não permite

avaliar em que medida a responsabilidade foi internalizada pelos sujeitos. Conforme exposto,

são dadas aos cadetes poucas oportunidades para tomar decisões e responder por seus atos,

situação que parece sofrer poucas variações ao longo dos quatro anos de socialização. A

utilização intensiva da punição como estratégia educativa torna o comportamento de esquiva

uma constante para os sujeitos, deslocando seu foco de interesse da finalidade e relevância das

tarefas em si, aspecto fundamental para a internalização da responsabilidade.

A pesquisa desenvolvida por Kim, Cable e Kim (2004) evidenciara a

importância de que os novatos desenvolvam uma interpretação positiva sobre seu próprio

processo de socialização, pois quando este é interpretado negativamente, há prejuízos para o

ajustamento das pessoas à organização. O escasso reconhecimento proporcionado pelos

agentes de socialização acerca dos avanços obtidos pelos cadetes, somado ao uso freqüente de

estímulos aversivos, pode ocasionar a construção de interpretações negativas sobre o processo

284

e a adoção de uma postura defensiva às intervenções educativas realizadas, conforme

evidenciado na análise de dados.

A falta de clareza nos critérios para aplicação de punições, aliada à ausência de

uma mensagem uniforme entre os diversos agentes de socialização sobre os aspectos

considerados essenciais pela organização no exercício das tarefas, observadas principalmente

pelos cadetes do 1º Ano, prejudicam a construção de um sentido para seu papel profissional,

dificultando o desenvolvimento do comprometimento. Conforme evidenciado no estudo de

De Vos e Buyens (2004), a busca de informação possibilita aos novatos reduzir a incerteza,

compreender e dominar seu novo ambiente e facilita seu ajustamento à organização. O

conhecimento obtido sobre aspectos como conteúdo do trabalho e atmosfera social possui

impacto consistente sobre resultados mais distantes da socialização, como avaliações do

contrato psicológico, percepção do atendimento de expectativas pela organização e satisfação

geral no ambiente de trabalho. A pesquisa de Irving, Cawsey e Cruikshank (2002), por sua

vez, demonstrara as correlações entre a percepção do contrato psicológico e o

comprometimento organizacional dos trabalhadores. Kim, Cable e Kim (2004) ressaltaram

que, quando os empregados recebem uma mensagem comum durante a socialização, tendem a

perceber maior congruência de valores com a cultura organizacional. Por outro lado, quando

são transmitidas mensagens inconsistentes acerca do comportamento esperado de um

indivíduo, podem ocorrer diversos problemas em seu ajustamento à organização, conforme

apontado por Shinyashiki:

Se o empregado não sabe a autoridade que tem para decidir, o que se espera que ele realize nem como será avaliado, isto é, se há ambigüidade de papéis, ele hesita em tomar decisões e, procurando evitar o estresse, utiliza uma abordagem de tentativa e erro para descobrir quais são as expectativas de seu superior ou usa mecanismos de defesa que mascaram a realidade da situação, aumentando, portanto, a probabilidade de ficar insatisfeito e ansioso com seu papel, distorcendo a realidade e apresentando baixa performance. (SHINYASHIKI, 2002, p. 171).

Ademais, a ausência de uma diferenciação significativa nas atribuições e no

grau de autonomia dos cadetes dos diversos anos constitui-se em um grande obstáculo para a

auto-afirmação profissional dos sujeitos nas etapas finais da socialização, dificultando o

exercício da responsabilidade. Dentre os diversos depoimentos que emergiram nos grupos

focais sobre esta temática, retomamos um a título de ilustração, proferido por um cadete do 4º

Ano:

A mesma situação que o primeiro ano vive é a que eu vivo. Então saída a Resende até dez horas é a mesma coisa que nada: a gente não pode tirar farda, a gente não... não altera em nada. Então, tudo bem, já que [o regime

285

de internato] favorece esse tipo de coisa [lealdade entre os pares]: o primeiro ano, internato, segundo ano, semi-internato, no terceiro e quarto ano, quem quiser morar na rua, mora, quem quiser ficar alojado aqui, fica alojado aqui. Porque aí você tem a liberdade. Porque daqui a trinta dias, eu vou morar onde eu quiser, eu vou comprar um apartamento ou vou alugar um apartamento... Então é o caso dessa liberdade progressiva, em cima de tudo isso essa liberdade... Eles sempre falam: “Vou te dar liberdade, pra desenvolver a responsabilidade...” Mas a liberdade geralmente é tão pequena, que não dá pra demonstrar responsabilidade nenhuma em cima disso. Porque uma grande parte dos jovens aí fora, vão fazer o terceiro ano fora, vão morar em outra cidade, vão fazer uma faculdade em outra cidade, e saem de casa pra isso. E é uma liberdade muito grande, vai ter que demonstrar responsabilidade. E aqui a gente chega no primeiro ano – eu acho que o primeiro ano tinha que ser chibateado até não querer mais, mais do que o meu foi, eu acho que o meu primeiro ano foi fraco com relação ao que poderia ser – agora o segundo, terceiro e quarto tinha que ter essa progressividade. O quarto ano é tão interno quanto o primeiro ano. (Cadete do 4º Ano).

O estudo desenvolvido por Ruiz-Quintanilla e Claes (1995) demonstrara que

experiências de mudança na posição hierárquica, que representam uma “promoção”, exercem

um efeito reforçador sobre a adoção de comportamentos pró-ativos pelos sujeitos. Tal

constatação coaduna-se com os resultados de nossa pesquisa, tendo em vista a avaliação

extremamente positiva externada pelos participantes (cadetes e oficiais) a respeito do

desempenho de funções de comando pelos cadetes, assim como da delegação de diversas

atribuições que os colocam em posição diferenciada perante superiores e pares. Em tais

oportunidades, os cadetes experimentam um sentimento de valorização pessoal, adquirem

maior autonomia para tomar decisões e comprometem-se efetivamente com os resultados das

tarefas, preocupando-se em transmitir uma imagem de competência e credibilidade. Além

disso, tal mudança em sua esfera de atribuições permite a ampliação de seus conhecimentos

sobre a organização, propiciando maior compreensão sobre a finalidade de práticas e normas.

Hardy e Clegg (2001) também observaram que a produção de identidade confere uma

experiência positiva aos indivíduos, conduzindo-os à reprodução das relações de poder

vigentes na organização, isto é, à manutenção do status quo. Entretanto, tais oportunidades

são consideradas exceções ao longo do processo de socialização em tela. Cadetes e oficiais

percebem pouca diferenciação nas condições de processamento dos cadetes dos diversos anos,

o que provoca sentimentos de frustração e desestímulo entre os cadetes do 4º Ano, gerando

freqüentemente uma queda em seu nível de comprometimento afetivo com as tarefas.

Em relação à iniciativa, o conceito predominante entre os participantes

relaciona-se à capacidade de tomar decisões com autonomia, principalmente em situações

imprevistas, em que não há parâmetros preestabelecidos, assim como de iniciar ações

286

independentemente de ordem, visando resolver ou prevenir problemas e otimizar a realização

de tarefas. A iniciativa aparece estreitamente ligada à responsabilidade, pois seria fruto do

comprometimento do indivíduo com uma situação, tarefa ou grupo. Vemos, portanto, que esta

atitude está relacionada à adoção de comportamentos pró-ativos na organização.

No entanto, assim como ocorreu quanto à responsabilidade, não é possível

avaliar a internalização da iniciativa no processo de socialização em pauta, em virtude do

constante controle exercido sobre os sujeitos. A ênfase da socialização encontra-se no

disciplinamento, de maneira que a iniciativa freqüentemente se choca com a disciplina,

conforme expressado pelos cadetes nos grupos focais. A intensa diretividade exercida pelos

agentes de socialização ocasiona que todas as ações estejam predefinidas, restando mínimo

espaço para a iniciativa dos sujeitos. Tal situação apresenta-se como sintomática da cultura

organizacional, uma vez que ela não se verifica apenas com relação aos cadetes, mas também

na atuação dos próprios oficiais, que possuem pouca autonomia no exercício de seu papel.

Assim, os agentes de socialização não representam modelos de iniciativa para os cadetes. A

cultura da organização revela-se, portanto, como notadamente centralizadora.

Ao mesmo tempo, o enfoque punitivo adotado em relação às falhas cometidas

pelos indivíduos favorece a ocorrência de atitudes defensivas, marcadas pela redução da

iniciativa. Os cadetes, como membros inexperientes da organização, encontram-se em

processo de aprendizagem quanto a habilidades, conhecimentos e atitudes adequados ao seu

papel profissional. É natural, portanto, que muitas de suas ações ocorram de forma

desajustada aos parâmetros organizacionais, especialmente no início da socialização. Tendo

em vista que suas ações são freqüentemente desqualificadas pelos membros mais experientes

da organização e que seus eventuais deslizes são constantemente alvos de punições

disciplinares, os cadetes tendem a evitar correr tais riscos, tomando uma atitude

eminentemente passiva em seu dia-a-dia, marcado pela ausência de iniciativa. Nesse contexto,

os sujeitos geralmente só adotam comportamentos pró-ativos quando sentem segurança para

tanto, em função do relacionamento estabelecido com um superior ou grupo, ou quando estão

motivados para evitar situações aversivas iminentes. Tal quadro pode vir a comprometer os

resultados do processo de socialização de modo abrangente, pois, conforme explicitado em

estudos anteriores (CALATAYUD; LERÍN; PLANES, 2000; RUIZ-QUINTANILLA,

CLAES, 1995), a adoção de comportamentos pró-ativos representa uma importante condição

para a socialização bem-sucedida. Ou seja, iniciativas voltadas ao desenvolvimento de

habilidades, busca de aconselhamento com membros mais experientes, trabalho em rede,

planejamento de carreira, busca de informação sobre seu papel e a organização, entre outros,

287

favoreceriam o ajustamento dos indivíduos às expectativas da organização. A pesquisa de

Ruiz-Quintanilla e Claes (1995) demonstrou, ainda, a importância das experiências iniciais de

carreira para o comportamento pró-ativo a ser adotado pelos jovens em sua vida profissional

posterior, o que põe em relevo o impacto decorrente da socialização inicial sobre o perfil do

profissional.

Sobre esse aspecto, lembramos as palavras de Janowitz a respeito da

socialização nas academias militares norte-americanas:

[...] no processo de doutrinação e no esforço de criar um sentido de lealdade profissional, o cadete deve ajustar-se à conformação. Segundo o psiquiatra de uma academia, o cadete é uma personalidade mais dependente que o universitário médio. [...] a iniciativa deve expressar-se dentro dos limites de um detalhado e elaborado programa diário que deixa ao cadete somente uns poucos segundos para reflexão e vida particular. (JANOWITZ, 1967, p. 139).

É interessante contrapor tal perspectiva aos dados qualitativos coletados entre

oficiais e cadetes. Em diversos grupos focais foi destacada a importância da iniciativa para o

oficial formado pela AMAN, que necessitaria adotar uma série de comportamentos pró-ativos

no exercício de suas funções profissionais. Entretanto, a que iniciativa os participantes

estariam se referindo? Qual o limite do valor iniciativa para a cultura? Parece-nos que o limite

seria determinado, mais uma vez, pela disciplina. Embora os cadetes do 4º Ano tenham

manifestado idealizações acerca do oficial com iniciativa, que seria caracterizado pela

coragem para assumir riscos, estes participantes foram taxativos ao afirmar que, no início da

socialização, os cadetes não deveriam ter muita liberdade para agir. Nessa visão, os cadetes do

1º Ano deveriam ser mais controlados, pois ainda não teriam assimilado os “padrões

militares”, fundamentais para qualquer iniciativa a ser tomada. Os oficiais participantes

corroboraram tal posição, evidenciando que a iniciativa valorizada é aquela ajustada aos

parâmetros disciplinares da organização. Ou seja, existe uma concepção acerca da “boa

iniciativa”, adequada ao etos militar. A questão que se coloca é como um indivíduo pode vir a

se ajustar a esse perfil, se encontra poucas oportunidades para ensaiar comportamentos pró-

ativos no seio da organização, com o devido suporte dos agentes de socialização.

O contexto de processamento coletivo das pessoas, aliado às estratégias de

despojamento adotadas especialmente no 1º Ano da formação, propicia o fortalecimento da

solidariedade entre os pares, gerando uma consciência grupal e o exercício de intenso controle

social entre os cadetes, o que confirma as observações de Van Maanen sobre os efeitos dessas

táticas de socialização(VAN MAANEN, 1989). A convivência dos cadetes em regime de

internato e a realização de diversas atividades em conjunto, que implicam interdependência

288

entre os pares, reforçam a internalização da lealdade. Desta forma, os dados coletados

evidenciaram que o processo de socialização organizacional tem sido eficaz para a

internalização da lealdade aos pares, o que corrobora as observações anteriores efetuadas por

Janowitz (1967) e Castro (2004), que destacaram o papel da formação em academias militares

para a construção de um sentimento de camaradagem e unidade entre os cadetes, produzindo

elevada coincidência de atitudes e grande facilidade de comunicação. Retomemos o

depoimento de um cadete do 4º Ano:

Porque o que acontece é o seguinte: a gente pode tirar a Adaptação, é um ambiente totalmente hostil. Então eu vou comparar com um animal, uma presa, o grupo tem que se unir e formar certas atitudes que... [...] tem uma série de valores que, nessa pressão, nesse ambiente hostil, eles são desenvolvidos, principalmente no primeiro ano. Então, pra que esse ambiente hostil seja verificado, tem que ter alguém chibateando, ou muita gente chibateando. Então eu até acho que na nossa turma, por causa do primeiro ano, em algumas companhias principalmente, criou um... Eu percebo minha turma como um grupo unido, um grupo coeso, tanto é que nesse fato dos 100, não vazou e se manteve assim... Por isso eu acho que é um grupo coeso, principalmente por causa do primeiro ano. (Cadete do 4º Ano).

“[...] tanto é que nesse fato dos 100, não vazou e se manteve assim.”

Concordamos com o cadete de que o “fato dos 100” é um forte indicador do grau de lealdade

desenvolvido em sua turma. A que fato se refere este participante? Tivemos a oportunidade de

levantar dados ligados ao fato através de observação participante na organização e das

discussões efetuadas nos diversos grupos focais. Primeiramente, é importante descrever o

contexto que circunscreve a situação. A data que marca os “100 dias” que antecedem a

formatura dos cadetes, ao final do 4º Ano, é considerada culturalmente como um marco. A

partir desta data, os cadetes passariam a adquirir determinadas prerrogativas e maior liberdade

de conduta em determinados aspectos, com vistas à sua preparação para a realidade que

vivenciarão após a formatura. Constituem-se em motivo de comemoração para os cadetes,

pois representam a vitória de terem chegado à etapa final da árdua formação militar.

O fato em questão foi o seguinte: na data que marcava os 100 Dias, a

Academia amanheceu com um número “100” pichado em vermelho, em grande escala, no

pátio de formaturas dos cadetes. Coincidentemente, o pátio estava sendo preparado para a

cerimônia de Entrega de Espadins aos cadetes do 1º Ano, que ocorreria no dia seguinte e

contaria com a presença do Presidente da República, comandante supremo das Forças

Armadas. Essa descrição em largos traços tenta transmitir uma noção do impacto dessa ação

em uma academia militar, cujo foco da socialização encontra-se na disciplina. Havia fortes

289

indícios de que a autoria do fato estava ligada a cadetes do 4º Ano. Entretanto, após várias

tentativas de apurar os responsáveis, que incluíram a realização de um processo

administrativo, nada pode ser concluído. Segundo relatos nos grupos focais, em uma turma de

cadetes, que foi inquirida por um oficial sobre quem seria o autor do fato, todos os integrantes

levantaram o braço, acusando-se coletivamente.

A análise deste fato daria margem a vários desdobramentos. No entanto,

desejamos destacar apenas o nível de internalização da lealdade aos pares verificado ao final

do processo de socialização, que adquire tamanha intensidade ao ponto de se sobrepor a

outros valores, como a disciplina, a lealdade aos superiores e a honestidade, que será abordada

posteriormente. Vemos, portanto, que o grupo de pares pode fornecer uma base para a

resistência dos sujeitos aos objetivos da organização, ao interpretar e solucionar de sua

própria forma os problemas colocados pelos agentes de socialização, conforme já observado

por Van Maanen (1989) quanto aos efeitos do modo coletivo de socialização.

Antes de prosseguirmos na discussão sobre a internalização da lealdade, faz-se

necessário ressaltar o conceito assimilado em relação a este valor ao longo da socialização. A

lealdade é concebida por cadetes e oficiais como uma forma de relacionamento que implica

transparência e comprometimento com o outro e propicia a emergência da confiança mútua.

Também neste caso, detectamos um elevado grau de homogeneidade nas tendências de

pensamento expressadas pelos diversos grupos de participantes.

A internalização da lealdade aos superiores revelou-se como problemática na

análise dos dados coletados. O relacionamento estabelecido pelos sujeitos com os agentes de

socialização, os quais são seus superiores hierárquicos na organização, é percebido como

distante e ameaçador ao longo de todo o processo, com raras situações de exceção. No início

da formação, o contato com os agentes de socialização é normalmente marcado pelo medo,

derivado da percepção da possibilidade de aplicação de punições pelo oficial, e provoca

diversas atitudes defensivas por parte dos novatos. Ao final da formação, o quadro

apresentado é de desconfiança. Os cadetes do 4º Ano não percebem autêntico interesse dos

oficiais em apoiá-los e identificam falta de transparência nas mensagens transmitidas. Ao

mesmo tempo, sentem-se frustrados na expectativa de uma maior aproximação dos agentes de

socialização ao final do processo, pois gostariam de ser tratados como futuros colegas de

trabalho.

A ineficácia do processo de socialização quanto à internalização da lealdade

aos superiores foi evidenciada de modo bastante claro na análise dos dados quantitativos

coletados junto aos cadetes, assim como nas discussões efetuadas nos grupos focais. A título

290

de ilustração, retomamos o depoimento de um cadete do 4º Ano que, ao realizar o Estágio de

Preparação Específica, constatou um contraste entre o relacionamento que estabeleceu com

seus superiores na ocasião e sua realidade cotidiana na AMAN:

Uma coisa que eu vi, que eu até levei como experiência, é que aqui na Academia realmente é o papel de instrutor e instruendo. Quando a gente chegou no estágio, o cadete, lá, mesmo ele sendo cadete, os oficiais, pelo menos na unidade que eu fui, que nos receberam, eles tratavam a gente como uma equipe, não com a distância que tem aqui. E eu acho que às vezes é por isso que lá fora a gente vê que laços de lealdade para com o superior são maiores e mais fortes que aqui, porque aqui, lá fora a gente trabalha como uma equipe, aqui, existe uma distância muito grande. Por exemplo, lá fora, se eu cometo um erro e esse erro vai prejudicar a minha companhia ou então o meu capitão, o que vai acontecer: eu tenho certeza que ele vai ter um laço afetivo, por mais que ele seja carrasco, eu tô dentro da companhia, eu tô inserido no grupo também e eu vou precisar da lealdade entre ele. (Cadete do 4º Ano).

Os agentes de socialização, por sua vez, relataram dificuldades no exercício de

seu papel, relacionadas à falta de autonomia e à necessidade de administrar pressões

provenientes de superiores e subordinados. Parece haver falta de clareza de alguns sobre seu

papel no processo de socialização. A tarefa de aplicar sanções é percebida como inerente ao

papel e freqüentemente provoca um distanciamento entre cadetes e oficiais. Contudo, tal

reação dos cadetes é interpretada como “imaturidade” por muitos oficiais, que acreditam que

os sujeitos deveriam compreender e lidar melhor com suas frustrações. Ainda assim, em

determinadas situações, surge conflito e ambigüidade de papéis, o que se evidencia na

seguinte fala de um tenente: “Ele [o cadete] vê o tenente sempre bem fardadinho, aquele

gorrinho certinho... Na tropa é diferente: pô, o tenente, ele tem que fazer... Então é diferente

instrutor de comandante. Até que ponto a gente é comandante, até que ponto é instrutor?”

Alguns participantes, especialmente oficiais mais jovens, relataram sentirem-se

despreparados para o exercício do papel, uma vez que não tiveram uma formação específica

para trabalhar com cadetes. Ao mesmo tempo, sentem-se pressionados pela organização a

apresentarem um bom desempenho (isento de falhas e inseguranças), de forma que não

encontram um ambiente seguro para exporem suas dificuldades e buscar apoio junto a oficiais

mais experientes. Além disso, os agentes de socialização em geral consideram que possuem

pouco tempo de contato com os cadetes em seu dia-a-dia, o qual se reduz à execução de

obrigações formais, dificultando a construção de um relacionamento mais próximo com os

cadetes e o acompanhamento de seu desenvolvimento quanto à internalização de valores e

atributos.

291

Tal quadro revela-se como potencialmente prejudicial aos objetivos do

processo de socialização de modo abrangente, uma vez que os agentes de socialização são os

porta-vozes formais da realidade organizacional frente aos novatos. A identificação com os

agentes de socialização é considerada como fundamental para o êxito de processos de

alternação (BERGER; LUCKMANN, 1985), que se assemelham à proposta da AMAN.

Quando esta identificação não ocorre, abre-se a possibilidade de ocorrência de uma

“alternação fria”, marcada pelo distanciamento do novato em relação à realidade

organizacional e à manipulação do papel conforme interesses particulares. Thomas e

Anderson (2002) também demonstraram a relevante influência do papel exercido pelos

comandantes de pelotão sobre os resultados da socialização militar. Lembramos as palavras

de Huntington, que destaca a importância da lealdade para a profissão militar:

[...] para que a profissão desempenhe sua função, cada escalão dela deve ser capaz de merecer a obediência leal e instantânea dos subordinados. Sem esse relacionamento, o profissionalismo militar é impossível. Em conseqüência, lealdade e obediência são as virtudes militares mais altas. (HUNTINGTON, 1996, p. 91).

Quanto à lealdade aos subordinados, não foi possível avaliar sua internalização

no processo de socialização, pois são proporcionadas aos cadetes poucas experiências que

envolvam um relacionamento de maior duração com subordinados ao longo da formação. A

maioria das funções de comando é exercida pelos cadetes em relação à sua própria turma,

aproximando-se mais de uma negociação entre pares do que de um relacionamento entre

superiores e subordinados. Por outro lado, os serviços de escala, quando implicam o comando

sobre militares mais modernos, envolvem relacionamentos de curta duração. Embora existam

aparentes exceções, como o exercício de funções de adjunto de pelotão e comandante de

grupo, que implicariam um relacionamento mais prolongado com cadetes mais modernos, tais

experiências não vieram à tona nas coletas de dados realizadas, o que indica serem pouco

significativas na experiência global de socialização.

Quanto à lealdade à organização, também se torna difícil avaliar sua

internalização, uma vez que os cadetes percebem a realidade da AMAN como diferente do

contexto maior do Exército, conforme explicitado nestas falas de cadetes do 1º Ano:

Eu acho que é até mais lealdade com a Instituição do que com a própria Academia. Todo mundo sabe que “a Academia não é o Exército”. É a coisa que mais falam com a gente, entendeu? (Cadete do 1º Ano). ......... Então a gente não espera da Academia o que a gente espera do Exército. Eu não acho que a realidade na tropa vai ser que nem aqui: eu acho que ninguém quer... E todo mundo espera que no ano que vem, a gente no

292

Avançado, vai ser diferente. E quando a gente for pra Arma, melhor ainda. E quando a gente se formar, aí a gente vai viver a nossa vida. (Cadete do 1º Ano).

O enfoque da lealdade associada à organização surgiu escassamente na coleta

de dados, de modo que os participantes parecem relacionar este valor mais freqüentemente a

relacionamentos interpessoais (com pares, superiores e subordinados). Em grupos focais com

cadetes do 1º Ano, evidenciou-se sua identificação com a organização. A maioria dos cadetes,

entretanto, percebe o Exército como uma entidade abstrata, associada a símbolos e outros

fatores distintivos de sua identidade profissional. A lealdade e a honestidade relacionadas à

organização comumente são remetidas pelos cadetes à disciplina. Todavia, não dispomos de

dados suficientes para analisar tais aspectos, o que exigiria uma pesquisa voltada à avaliação

do comprometimento organizacional.

Em relação à honestidade, as concepções dos participantes concentraram-se em

torno de aspectos ligados à verdade e à transparência, à adoção de comportamentos morais e

lícitos e ao respeito ao direito alheio, manifestado por evitar prejudicar o próximo e obter

vantagens indevidas. Para os cadetes, destaca-se o aspecto associado à transparência, uma vez

que o diuturno controle exercido sobre eles por pares e superiores permite mínimas

oportunidades de manifestação de comportamentos ligados a furto, fraude, improbidade

administrativa e outros que estariam associados aos demais elementos definidores da

honestidade.

Assim, a concepção de honestidade dos cadetes surge fortemente relacionada à

lealdade, no sentido da transparência. Não ser transparente com um companheiro equivale a

ser “desonesto”. A autenticidade facilita os relacionamentos interpessoais entre os pares e,

portanto, torna-se extremamente valorizada. Conforme já explicitado anteriormente, os

cadetes encontram dificuldades em relação à transparência no relacionamento com seus

superiores, adotando freqüentemente comportamentos de esquiva.

A possibilidade de corrupção mostra-se quase totalmente suprimida do

universo de representação dos cadetes. Cercados de exemplos de conduta ilibada, os jovens

constroem uma visão idealizada acerca da organização, considerando-a como um celeiro de

pessoas íntegras e honestas. As limitações humanas são geralmente atribuídas às pessoas “de

fora”, ao ambiente externo à organização. No entanto, muitos vivenciam um choque ao se

depararem com o mundo “real”, isto é, com a realidade mais ampla da organização. Cadetes

do 4º Ano relataram desilusões no estágio realizado em corpos de tropa, ao se depararem com

oficiais cometendo atos ilícitos. Capitães e tenentes referiram-se ao contraste entre o ambiente

293

da AMAN e a dinâmica das unidades do Exército, que exigirão uma nova socialização dos

indivíduos, a fim de conseguirem se adaptar e sobreviver no ambiente profissional encontrado

após a formatura. A título de ilustração, retomamos a fala de um capitão:

Esse honesto, que fala a verdade mesmo acarretando prejuízos para si, na tropa não é válido. Aqui na Academia é válido, na tropa não é válido isso daí. Você sendo honesto na tropa, você pode tar se jogando no buraco. Porque as pessoas na tropa também não são honestas com você. É igual o filho que sai de casa, de baixo da barra da saia da mãe: o mundo é cão. Então, você por proteção baixa esse seu nível aí. (Capitão).

Entretanto, a condução de um processo de socialização formal delineado

artificialmente sem as contradições vigentes na realidade profissional futura, que revela um

cenário mais complexo do que o apresentado na escola de formação, está sujeita a

determinados riscos. Conforme assinalado por Van Maanen (1989), após a socialização

formal, comumente segue-se um processo informal, operado na realidade da função. Neste

caso, os membros mais experientes que se encarregam, intencionalmente ou não, da

socialização dos jovens profissionais à nova realidade, podem colocar em xeque os conteúdos

assimilados por estes na socialização formal. Nesse caso, tais conteúdos podem vir a ser

totalmente redimensionados e abandonados pelo novato, que passa a desacreditar na validade

das mensagens transmitidas na socialização formal.

A despeito do controle exercido na socialização a tal respeito, aos cadetes

chegam notícias, por canais informais, sobre sua realidade profissional futura. Nos grupos

focais com cadetes do 4º Ano, evidenciou-se que muitos cadetes tendem a relativizar o

conceito de honestidade, submetendo-o à lealdade. Assim, eles admitem que um indivíduo

possa vir a cometer atos ilícitos, desde que o faça visando o bem maior da organização. Ou

seja, a lealdade ao grupo, a “fraternidade profissional”, como denominou Janowitz, parece ser

um valor supremo em situações de conflito.

Além disso, observamos que a honestidade não parece ser enfatizada

positivamente ao longo do processo de socialização, com exceção do comportamento de falar

a verdade, e vem à tona apenas quando ocorrem transgressões a tal respeito. Em um ambiente

em que “todos são honestos”, seria necessário falar de honestidade? Talvez seja esta a lógica

subjacente a tal lacuna. Quando se referem a aspectos favorecedores ou prejudiciais à

internalização da honestidade, os participantes, de modo geral, mencionam fatores externos à

socialização, como a influência da educação familiar ou da sociedade “de fora”. Para muitos,

a honestidade seria forjada na socialização primária e o papel da organização seria

294

predominantemente de efetuar uma “seleção”, identificando e eliminando os indivíduos

desonestos.

Portanto, diante dos dados disponíveis, não é possível avaliar o grau de

internalização da honestidade pelos cadetes, tendo em vista que o processo de socialização

oportuniza minimamente a manifestação autônoma de comportamentos ajustados ou não à

moral da organização. Ilustra tal situação o depoimento de um tenente:

A grande formação da AMAN é a formação moral. Aí fora, às vezes o cara tem também a chance de ser desonesto, daí sim que ele vai provar que ele é honesto. Enquanto tu não tem acesso a dinheiro que tu possa pegar, tu não tá sendo honesto, tu tá fazendo uma coisa que tu sabe... que não tem oportunidade. (Tenente).

Retornando à discussão de aspectos globais do processo de socialização

organizacional em foco, observamos que, embora o processo pudesse ser, em princípio,

caracterizado como seqüencial e fixo – em virtude haver um currículo formal com etapas bem

definidas, que se sucedem visando uma aprendizagem progressiva e que serão vivenciadas

praticamente por todos os sujeitos no mesmo período de tempo – os dados nos permitem

identificar algumas falhas em tal estruturação. Nos grupos focais realizados com cadetes, por

diversas vezes mencionou-se que a configuração de determinados aspectos do processo de

socialização era variável, conforme o perfil dos oficiais responsáveis (geralmente

comandantes de companhia e de pelotão), fato já assinalado em pesquisa de Thomas e

Anderson (2002). Assim, por exemplo, o grau de liberdade propiciado aos cadetes, a forma de

tratamento em relação a suas faltas, o grau de proximidade dos oficiais, entre outros aspectos,

apresentavam-se modificados, de um ano para outro da formação, de modo assistemático,

gerando por vezes descontinuidade e problemas na adesão dos cadetes aos objetivos dos

agentes de socialização. Tal fato fica evidente na fala do cadete do 4º Ano:

[...] cada cadete na Academia tem a sua trajetória. Desde a companhia “X” em que ele estava no Básico, aí ele foi pro Avançado pra uma companhia “especial”, aí chegou no terceiro ano ele teve um tratamento “X”, chegou no quarto ano... Não necessariamente foi uma crescente, entendeu? E essa crescente, por mais que ela seja uma crescente, a gente vê que a gente fica muito na dependência do comandante de pelotão e do comandante de subunidade. (Cadete do 4º Ano).

Assim, o caráter fixo do processo de socialização parece-nos estar mais

associado ao desenvolvimento cognitivo dos cadetes do que ao seu desenvolvimento afetivo,

que abrange a internalização de valores e atitudes. O baixo grau de institucionalização do

tratamento a ser conferido aos cadetes em cada ano da formação, em função dos objetivos a

295

serem atingidos em cada etapa, mostrou-se como fonte de insegurança, ansiedade e frustração

para os sujeitos, especialmente ao final da formação, corroborando o observado por Van

Maanen (1989) sobre as táticas variáveis de socialização. Neste sentido, é interessante

retomar as contribuições do estudo desenvolvido por Calatayud, Lerín e Planes (2000). Estes

autores demonstraram a importância para jovens trabalhadores, em início de carreira, de

visualizarem perspectivas de progredirem na organização, em direção à satisfação de suas

expectativas. Quanto mais os jovens iniciarem a experiência profissional com um sentido

positivo, de progresso e otimismo quanto ao seu desenvolvimento, mais esforço tenderão a

fazer para satisfazerem suas expectativas. Ou seja, tal perspectiva incentiva a adoção de

comportamentos pró-ativos pelos indivíduos, facilitando sua adaptação à organização.

Também a pesquisa de Thomas e Anderson (2002) confirmara que um padrão

institucionalizado de táticas de socialização prediz resultados positivos de satisfação no

trabalho e comprometimento organizacional.

Na análise dos dados, foi verificada ainda uma grande convergência nas

concepções dos participantes acerca dos cinco valores investigados. Mesmo que, em certos

casos, tenha sido observado um refinamento progressivo do conceito associado ao valor,

comparando-se as respostas apresentadas por cadetes do 1º Ano, cadetes do 4º Ano, tenentes e

capitães, constatou-se que o núcleo central das representações foi mantido em todos os

grupos. Sobre este fato, levantamos a hipótese de que tais dados podem confirmar o que foi

demonstrado por estudos anteriores (DE VOS; BUYENS, 2004; THOMAS; ANDERSON,

2005) quanto à relevância dos primeiros meses após o ingresso na organização para o

ajustamento do recém-chegado, particularmente quanto à construção de sentido sobre a

realidade organizacional. A coleta de dados da presente pesquisa foi realizada no segundo

semestre letivo de 2006, de modo que os cadetes do 1º Ano já estavam inseridos há mais de

seis meses no processo de socialização. Além disso, conforme mencionado, estes jovens

freqüentaram durante um ano o curso da Escola Preparatória de Cadetes do Exército

(EsPCEx), que certamente exerceu influências sobre suas concepções acerca dos valores

organizacionais. Some-se o fato de haver cadetes que são familiares de militares, que podem

ter sofrido os efeitos da socialização por antecipação. Todavia, para confirmar tal hipótese,

seria necessário realizar um estudo comparativo entre as concepções dos jovens antes do

ingresso efetivo na organização e após os primeiros meses da socialização, considerando

também os possíveis efeitos da socialização antecipada, o que foge às possibilidades da

presente pesquisa.

6 CONCLUSÃO

Ao final desta trajetória de pesquisa, consideramos que os objetivos propostos

para o trabalho foram parcialmente atingidos.

O objetivo geral da pesquisa foi analisar a eficácia do processo de socialização

organizacional vivenciado pelos cadetes da AMAN, no tocante à internalização dos valores:

responsabilidade, iniciativa, disciplina, honestidade e lealdade. Com esse intuito, foram

realizadas análises das representações de cadetes do 1º e do 4º Anos do Curso de Formação de

Oficiais da AMAN, assim como de tenentes e capitães instrutores, acerca dos valores e de sua

internalização ao longo da socialização, com base em dados coletados por meio de métodos

quantitativos e qualitativos de pesquisa. A ausência de estudos anteriores sobre a temática,

desenvolvidos neste campo organizacional particular, imprimiu a presente pesquisa um

caráter exploratório, resultando em diversas questões carentes de maior aprofundamento e,

portanto, abertas a investigações posteriores.

Procuramos fugir à aplicação dos instrumentos padronizados existentes,

voltados à avaliação de valores individuais e organizacionais, por considerarmos sua

apresentação e pressupostos distantes das particularidades culturais do campo organizacional

em foco. Desta forma, através da realização de levantamentos e pré-testes sucessivos,

tentamos construir um instrumento quantitativo mais aproximado da linguagem e das

concepções presentes na população estudada. Ainda assim, a etapa qualitativa da coleta de

dados evidenciou que “os dados não falam por si mesmos” e que havia muito a falar e

considerar acerca dos resultados quantitativos. Descortinou-se um campo complexo de

investigação, protagonizado por atores ávidos por expressarem suas percepções, sentimentos e

sugestões a respeito do contexto organizacional. Evidentemente, esta adesão dos participantes

à pesquisa facilitou imensamente a coleta de dados. Por outro lado, propiciou a produção de

dados em profusão, além do que seríamos capazes de processar pormenorizadamente, tendo

em vista a própria metodologia utilizada e as condições de execução da pesquisa. Difícil

tarefa tem o pesquisador de administrar seu impulso (e sua ansiedade) de abarcar a

multiplicidade de aspectos de seu objeto de pesquisa e optar por alguma forma de

reducionismo, que permita a organização e a inteligibilidade dos dados coletados.

É óbvio que todos esses investimentos e dificuldades relacionam-se ao meu

perfil como pesquisadora e ao meu comprometimento com o campo pesquisado, que

certamente interferiu nas posições apresentadas pelos participantes. Creio que o fato de atuar

297

profissionalmente na organização, em uma seção que tem o papel de acompanhar o processo

de ensino e aprendizagem e, conseqüentemente, de colher impressões dos atores e apresentar

propostas à administração do ensino, contribuiu para que o trabalho fosse interpretado por

muitos participantes como uma oportunidade de sugerir mudanças na realidade

organizacional. Acredito que essa proximidade funcional também tenha contribuído para a

credibilidade dos participantes nos benefícios que adviriam dos resultados da pesquisa,

inclusive quanto ao avanço dos conhecimentos sobre o processo de socialização

organizacional (já que todos, imediata ou futuramente, atuarão como agentes de socialização).

Simultaneamente a estes fatores, tiveram importante papel as diversas reuniões preliminares

realizadas com oficiais e cadetes, em que se buscou esclarecer as condições da pesquisa e sua

importância, com ênfase nos aspectos éticos.

Na discussão dos resultados, foi possível descrever diversas características do

processo de socialização organizacional em pauta, algumas das quais dificultaram a avaliação

da internalização de determinados valores. O grande foco da socialização parece estar voltado

ao disciplinamento e à consolidação da lealdade entre os pares, o que é favorecido pelas

estratégias coletivas e de despojamento adotadas pela organização. Portanto, os resultados

demonstraram a eficácia da socialização para a internalização da disciplina e da lealdade aos

pares, assim como sua ineficácia para a internalização da lealdade aos superiores. Entretanto,

não foi possível avaliar a eficácia do processo no tocante à internalização da responsabilidade,

da iniciativa e da honestidade, dadas as condições de intensivo controle vigentes ao longo de

toda a formação. A avaliação de tais aspectos seria possibilitada por condições de maior

liberdade de atuação dos cadetes, o que permitiria a análise dos comportamentos adotados em

diversas situações, ao serem tomadas decisões e efetuadas escolhas.

Os resultados do presente estudo sinalizam alguns desafios para a organização

pesquisada, em função dos reflexos observados no processo de socialização organizacional de

seus futuros chefes. O primeiro desafio relaciona-se à administração do controle exercido

sobre os novatos. Conforme demonstrado no capítulo anterior, tal estratégia favorece a

internalização da disciplina, porém dificulta a expressão da responsabilidade, da iniciativa e

da honestidade, impedindo a avaliação de tais aspectos. Verificamos que a ênfase no controle

e a centralização das decisões afiguram-se como traços da cultura organizacional, resultantes

de soluções encontradas historicamente pela organização para lidar com suas dificuldades de

adaptação interna e externa, em função das características da tarefa que constitui sua

finalidade. A redução do controle aumentaria a incerteza, como ocorre em qualquer processo

de mudança, e geraria a necessidade de se recorrer a estratégias individuais de socialização

298

em determinados momentos, em lugar do processamento coletivo. Isto implicaria um maior

investimento de recursos da organização, relacionados à reestruturação das condições de

interação dos sujeitos com os agentes de socialização, bem como de outros aspectos ligados à

organização das atividades pedagógicas. Por outro lado, os ganhos advindos de tais medidas

podem ser significativos. Um progressivo aumento da autonomia dos sujeitos no decorrer do

processo de socialização favoreceria a internalização e a avaliação de valores como

responsabilidade e iniciativa, além de aumentar o nível de satisfação e de comprometimento

dos cadetes, por vislumbrarem a perspectiva de desafios e conquistas sucessivas em sua

formação. Ao mesmo tempo, facilitaria a construção de sua identidade profissional,

permitindo o desempenho de tarefas que envolveriam gradativamente maior responsabilidade

e conhecimento da realidade organizacional.

Ao lado deste desafio, emerge a questão da abordagem punitiva conferida pela

organização aos fracassos vivenciados pelos sujeitos, que desestimula a adoção de

comportamentos pró-ativos ao longo da socialização. Conforme observado, os

comportamentos pró-ativos constituem-se em aspectos fundamentais para uma socialização

bem-sucedida, pois permitem a adaptação dos novatos à realidade organizacional. Além disso,

estão relacionados a valores como iniciativa, responsabilidade e liderança. Estudos que se

tornaram tradicionais no campo da aprendizagem demonstraram que a valorização das

atitudes positivas adotadas pelos sujeitos produz resultados mais consistentes, comparada à

aplicação sistemática de punições a eventuais fracassos. Uma abordagem positiva relacionada

aos valores, calcada em modelos e no reconhecimento dos avanços alcançados pelos sujeitos,

contribuiria para a mudança de comportamento desejada pela organização. Neste caso, as

punições passariam efetivamente a ter um efeito discriminativo, em relação a transgressões

disciplinares consideradas graves. Assim, seriam minimizados os efeitos indesejáveis

verificados na atual situação, como a adoção de diversos mecanismos de defesa pelos cadetes,

a inibição da iniciativa e os prejuízos para a aprendizagem em diferentes níveis, tendo em

vista a escassa participação ativa dos sujeitos no processo. Cabe ressaltar que a mudança de

abordagem em relação ao erro também vai de encontro a um paradigma cultural e necessita

ser processada levando em conta as inevitáveis resistências que serão suscitadas pela nova

proposta.

A institucionalização de objetivos e práticas voltadas à internalização de

valores também se apresenta como um desafio para a eficácia do processo. Conforme

observado, há certo personalismo na condução da socialização a cada ano da formação, com

relação aos objetivos a serem atingidos, às práticas a serem adotadas e às mensagens que

299

serão transmitidas pelos oficiais aos cadetes. Inexiste um programa oficial que defina as metas

a serem atingidas em cada etapa da socialização quanto à internalização de valores e atitudes e

o conseqüente papel a ser desempenhado pelos agentes de socialização. Tal situação acarreta

por vezes mudanças bruscas na forma de tratamento dos cadetes de um ano para outro, as

quais geralmente não se baseiam em objetivos progressivos a serem atingidos, mas em

idiossincrasias dos docentes. Observam-se diferenças significativas nas práxis dos diversos

agentes de socialização, que chegam a entrar em contradição ou caminhar em direções

opostas, contribuindo para a confusão dos novatos em relação aos parâmetros que devem

seguir e permitindo que construam suas próprias interpretações sobre as mensagens

socializadoras. Há situações em que o foco dos novatos se torna evitar desagradar

determinado superior, desviando-se da preocupação em ajustarem-se objetivamente ao papel

que desempenham na organização. É importante observar que, neste caso, não se trata apenas

de oficiais, mas também dos próprios cadetes, que conforme avançam em sua formação

passam a atuar como referências para os cadetes iniciantes e podem contrapor-se às

mensagens oficialmente transmitidas aos novatos.

A atuação dos agentes de socialização parece se concentrar mais

freqüentemente em torno de práticas do que de crenças e valores. O controle exercido dirige-

se prioritariamente a procedimentos, e minimamente a interpretações e critérios elaborados

pelos cadetes. Os próprios docentes sentem-se excessivamente controlados em relação a tais

aspectos superficiais da cultura, vivenciando pouca autonomia no desempenho de seu papel.

Por vezes, os oficiais se tornam meras peças na engrenagem burocrática, retransmitindo

ordens, fiscalizando comportamentos e aplicando mecanicamente punições regulamentares. A

necessária identificação afetiva entre agentes e sujeitos da socialização mostra-se

imensamente prejudicada, conforme demonstrado pelos resultados da pesquisa, que

evidenciaram a ineficácia do processo para a internalização da lealdade aos superiores.

Capitães e tenentes tornam-se figuras afetivamente distantes dos cadetes, estabelecendo-se um

relacionamento pautado na desconfiança e na defensibilidade.

A esse respeito, o desafio seria buscar enfatizar os valores essenciais da

organização na condução do processo de socialização, possibilitando maior flexibilidade na

atuação dos sujeitos quanto a aspectos superficiais da cultura. A capacitação dos agentes de

socialização para o exercício do papel também se revela como fundamental, especialmente no

tocante à compreensão dos objetivos centrais do processo de socialização e ao

desenvolvimento de habilidades de relacionamento interpessoal, que favoreçam a construção

de laços de liderança entre oficiais e cadetes.

300

O processo de socialização estudado caracterizou-se por uma abordagem

eminentemente idealista da realidade organizacional. Para os cadetes, a organização é

apresentada como um mundo isento de contradições, conflitos e ambigüidades. Assim, como

praticamente inexiste a possibilidade de um indivíduo ser “desonesto” em sua formação, dado

o nível de controle exercido por superiores e pares, cria-se uma imagem artificial de retidão

universal no seio da organização. Por diversas vezes nos grupos focais, surgiu a expressão “a

Instituição é perfeita”, isto é, os problemas são causados pelos homens, com suas fragilidades

e limitações. A organização corresponderia a uma realidade abstrata e idealizada, e a AMAN

seria o local de difusão deste vir-a-ser, que deveria inspirar os indivíduos em sua conduta após

a formatura, a despeito das mazelas encontradas no “Exército real”.

Entretanto, a realidade a ser enfrentada pelos profissionais recém-formados é

mais complexa, e a total omissão a esse respeito, durante a socialização, pode resultar em

indivíduos despreparados para lidar com a diversidade e as contradições presentes no contexto

organizacional. Evidenciou-se em alguns momentos da pesquisa a dificuldade de oficiais e

cadetes em considerar fatores relativos no julgamento das situações, predominando uma visão

maniqueísta da realidade. Por exemplo, cadetes do 4º Ano que tiveram uma experiência

negativa durante o estágio nos corpos de tropa, deparando-se com situações distintas do ideal

preconizado na AMAN, mostraram-se bastante frustrados com a organização e evidenciaram

uma verdadeira crise em suas referências. Tais indivíduos não conseguiam integrar essas

experiências ao esquema mental construído durante sua formação e antecipavam uma

descontinuidade entre o papel internalizado na socialização e o papel que teriam que

efetivamente desempenhar na vida profissional. Em contrapartida, cadetes que tiveram uma

experiência positiva no estágio apresentaram a tendência de generalizar essa avaliação para a

organização como um todo, antevendo que seria extremamente simples sua adaptação ao

papel profissional após a formatura e, por vezes, com a convicção de que “na tropa” não

haveria determinadas dificuldades percebidas na AMAN, o que revela novamente uma

tendência à simplificação da realidade.

Nesse sentido, o desafio que se apresenta à organização seria permitir o diálogo

entre esta abordagem idealista e uma abordagem vivencial, apresentando progressivamente as

diversas nuances da realidade organizacional aos novatos. A análise pelos cadetes das

contradições e dificuldades existentes em seu ambiente profissional futuro, com o devido

suporte dos agentes de socialização, possibilitaria a construção de referenciais viáveis para

sua atuação após a formatura, minimizando os riscos de uma descontinuidade de papéis.

301

Finalmente, consideramos pertinente sugerir à organização uma revisão das

condições de desenvolvimento e avaliação de valores e atributos da área afetiva pelos cadetes.

Os valores enfocados no presente estudo originaram-se de levantamentos realizados junto ao

corpo docente da AMAN, que foi questionado a respeito de valores e atributos considerados

essenciais para o oficial combatente de carreira. Ficou evidente que boa parte dos valores e

atributos pesquisados não coincidiu com os atributos avaliados na conceituação dos cadetes.

Além disso, conforme já mencionado, em função da ausência de uma sistematização neste

sentido, não há clareza dos agentes de socialização em relação aos aspectos essenciais do

processo, de modo que sua atuação comumente se dispersa em torno de diversos objetivos.

Em nossa pesquisa, houve dificuldade para avaliar a internalização de determinados valores,

devido à conformação das atividades educacionais na organização. Também os oficiais que

participaram da coleta de dados apontaram dificuldades para acompanhar o desenvolvimento

de valores e atributos pelos cadetes. Sugerimos, portanto, que tais aspectos sejam objeto de

uma revisão crítica por parte da organização. O monitoramento da internalização de valores e

atitudes pelos indivíduos constitui-se em um importante recurso para a avaliação da eficácia

da socialização organizacional e para a retroalimentação do processo educacional.

Ao concluirmos o presente trabalho, identificamos algumas questões que

necessitariam ser aprofundadas por pesquisas posteriores. O delineamento desta pesquisa não

permitiu a avaliação dos efeitos das etapas iniciais do processo de socialização, o que poderia

ser efetuado por meio de levantamentos de valores e atitudes dos jovens antes e após o seu

ingresso na Escola Preparatória de Cadetes, verificando-se suas motivações para a carreira

militar, a evolução do desajuste de expectativas e a influência da socialização por antecipação

sobre os resultados do processo. Outra questão carente de aprofundamento refere-se ao

processo de vinculação dos indivíduos à organização ao longo da socialização, sob o enfoque

do comprometimento organizacional. Seria ainda de fundamental importância investigar os

efeitos do processo de socialização estudado para o desempenho profissional futuro dos

sujeitos, analisando a persistência dos valores internalizados face ao novo ambiente. Nesse

contexto, cabe pesquisar como ocorre a socialização informal dos aspirantes-a-oficial nos

corpos de tropa, em sua interação com militares mais experientes, observando as soluções

encontradas para o problema da descontinuidade de papéis em relação à socialização formal.

Afinal, todo o investimento realizado pela organização no processo de socialização formal

tem como objetivo preparar os sujeitos para o desempenho de seu papel profissional futuro,

não apenas em relação a conhecimentos teóricos e técnicos, mas principalmente por meio da

internalização de valores e atitudes fundamentais para a cultura organizacional.

302

A despeito de todas as limitações que circunscrevem a pesquisa realizada,

esperamos que seus resultados contribuam para o avanço dos conhecimentos a respeito da

socialização organizacional de modo geral e especificamente no contexto militar. Almejamos,

ainda, que os resultados estimulem a organização pesquisada a analisar criticamente o

processo de formação de seus futuros dirigentes, particularmente no tocante à internalização

de valores, enfrentando o desafio de permanente evolução da cultura do Exército Brasileiro.

REFERÊNCIAS

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GLOSSÁRIO DE SIGLAS, ABREVIATURAS, JARGÕES E GÍRIAS

A socialização secundária exige a aquisição de vocabulários específicos de funções, o que significa em primeiro lugar a interiorização de campos semânticos que estruturam interpretações e condutas de rotina em uma área institucional. Ao mesmo tempo, são também adquiridas “compreensões tácitas”, avaliações e colorações afetivas desses campos semânticos. (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 185).

Adaptação – Semana(s) de adaptação. Período de duas a quatro semanas antes da efetiva matrícula dos candidatos a cadete no 1º Ano da AMAN, que são realizadas basicamente as seguintes atividades: providências administrativas necessárias para a matrícula, instruções militares e avaliações diagnósticas de disciplinas.

Afim – Cadete do 3º Ano (gíria).

AGM – Auditório General Médici. Local onde são ministradas palestras e aulas.

Ala – Ala de apartamentos.

Ala Mista – Ala de apartamentos ocupada por cadetes integrantes de diferentes subunidades.

Almox – Abreviatura de almoxarifado.

Almoxarife – Oficial que gerencia o almoxarifado.

Aprovisionador – Oficial que gerencia o serviço de aprovisionamento, ligado à alimentação no quartel.

Arranchamento – Levantamento dos militares que realizarão determinada refeição.

Arrastar(-se) - Fazer as atividades sem ânimo.

Aspirantado – Formatura dos cadetes ao final do 4º Ano, em que são declarados aspirantes-a-oficial.

Aspirante, aspira – Aspirante-a-oficial. Na AMAN, é assim chamado o cadete do 4º Ano (gíria).

Atravancar – Ultrapassar com energia obstáculos situados em um percurso.

Baixado – Internado em hospital.

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Balizar, balizamento – Sinalizar percurso onde haverá passagem de pessoas.

Barro, ir para o barro – Ser mal-sucedido em uma tarefa.

Bicho – Cadete do 1º Ano (gíria).

Bizu – Dica, conselho.

Boca podre – Situação ruim, indesejável. Tarefa desagradável.

Cadeia de comando – Seqüência hierárquica da organização militar.

Calouro – Cadete do 2º Ano (gíria).

Campo – Acampamento, exercício de campanha.

Canga – Militar que forma dupla com outro, com a finalidade de apoio mútuo.

Cartão de cabelo – Documento com a data em que foi cortado o cabelo do militar (cadete, soldado) pela última vez, rubricada por um oficial.

Cartear – Contar uma história falsa ou usar argumentos vagos, com a finalidade de esquivar-se de uma situação. Variação: ser carteado (ser enganado).

Cerco – 1. Variante do desbordamento e do envolvimento, que tem por objetivo bloquear determinada área ou força, cortando-lhe as vias de comunicações terrestres. 2. Completo isolamento que uma força impõe ao adversário, impedindo seu retraimento e fuga em qualquer direção e cortando-lhe o recebimento de reforços e suprimentos, buscando sua capitulação, rendição pelo sítio ou destruição pela redução em força.15

Chefe de turma – Cadete responsável pelo comando de sua turma de aula.

Chibata, chibatear – Pressão exercida por um superior no sentido de levar os cadetes a se comportarem da forma esperada ou cumprirem uma tarefa, através de incentivos enérgicos ou da ameaça da aplicação de punições disciplinares.

Cipoada – Repreensão, punição.

Claviculário – 1. Armário onde são guardadas chaves, de forma sistemática. 2. Cadete mais jovem de uma turma, que simbolicamente abre o portão de entrada da AMAN aos novos cadetes, em cerimônia realizada no início do 1º Ano.

Clicar – Pressionar no sentido de cumprir uma tarefa corretamente.

15 Fonte: MINISTÉRIO DA DEFESA. Estado-Maior da Defesa. Glossário das Forças Armadas. 4.ed. 2007.

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Colado – Indivíduo passivo, que não reage prontamente diante uma situação.

Colar, colar as placas – Ficar sem ação, passivo diante de uma situação.

Contra-azimute – Derivação do termo azimute (ângulo medido no plano horizontal entre o meridiano do lugar do observador e o plano vertical que contém o ponto observado16), que designa a direção a ser seguida por um militar para chegar a um ponto estabelecido em uma carta topográfica, por exemplo. O contra-azimute corresponde à direção diametralmente oposta ao azimute.

CP I, CP II – Conjunto Principal I e II. Edificações onde se localizam alas de apartamentos, salas de aula, setores administrativos e refeitórios.

CPOR – Centro de Preparação de Oficiais da Reserva.

D.E. – Divisão de Ensino, na gíria acadêmica.

Desembocar – 1. Ação na qual o elemento atacante sobrepuja as dificuldades iniciais impostas pelo inimigo, tais como: defesas, barreiras, lagos, campos minados, entre outras, garantindo, conseqüentemente, condições para prosseguimento.17 2. Na gíria, significa realizar com êxito uma tarefa.

DQBN – Defesa Química, Biológica e Nuclear.

Encarneirar, encarneirador – Seguir posições alheias de forma acrítica.

EPE – Estágio de Preparação Específica, realizado pelos cadetes do 4º Ano no segundo semestre letivo.

Escala de serviço – Planejamento dos militares que desempenharão, em cada dia, determinadas funções relacionadas à segurança do aquartelamento (oficial-de-dia, sargento-de-dia à sunidade, cabo-de-dia, etc.).

Escalão – 1. Qualquer das frações de um conjunto militar articulado em profundidade. 2. Cada um dos distintos níveis de complexidade ou hierarquia que caracterizam uma atividade militar ou administrativa.17

Espadim – Réplica em miniatura do sabre do Duque de Caxias, portada pelos cadetes como símbolo da honra militar. A solenidade de Entrega de Espadins aos cadetes é realizada no 1º Ano da formação, em meados do mês de agosto.

EsPCEx – Escola Preparatória de Cadetes do Exército.

16 Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 17 Fonte: MINISTÉRIO DA DEFESA. Estado-Maior da Defesa. Glossário das Forças Armadas. 4.ed. 2007.

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Etapa – Ração alimentar a ser distribuída diariamente aos militares, cujo valor é fixado em moeda corrente.18

Exercício de campanha – Atividade típica de treinamento que visa preparar e a avaliar organizações e concepções militares no cumprimento de tarefas operacionais e missões específicas.19 Também chamado coloquialmente de “exercício no terreno”.

Faca nas costas – Traidor.

Farol – Meta, objetivo.

FIT – Fibra, Iniciativa e Tenacidade. Exercício de campanha realizado com os cadetes ao final do 1º Ano.

FO – Fato Observado. Registro de comportamentos dos cadetes observados por oficiais, utilizado como base para a avaliação da área afetiva e para providências disciplinares. O FO pode ser Positivo, Negativo ou Neutro. Um FO Negativo freqüentemente resulta em sanções disciplinares.

Gaivota – Escore obtido por resposta certa em avaliação.

Gandola – Espécie de camisa que constitui a parte superior do uniforme camuflado.

Gás, dar o gás – Esforço intenso.

Golpe – Burlar uma norma ou ordem recebida de superior.

Grau – Nota obtida em avaliação.

HE – Hospital Escolar.

Hora do pato – Ocasião em que um cadete é ouvido por seu comandante de subunidade a respeito das razões de um Fato Observado Negativo.

IA – Impedimento na Ala (tipo de punição disciplinar).

ICP – Impedimento no Conjunto Principal (tipo de punição disciplinar).

Jogar(-se) nas cordas – Entregar-se, deixar de reagir a uma situação.

Jogar, jogação – Submeter subordinado a desgaste físico sem clara finalidade.

18 Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 19 Fonte: MINISTÉRIO DA DEFESA. Estado-Maior da Defesa. Glossário das Forças Armadas. 4.ed. 2007.

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LS - Licenciamento sustado (tipo de punição disciplinar).

MAG – Modelo de metralhadora.

Malvinão – Jaqueta impermeável.

Missão – Tarefa a cumprir.

Moita, ficar na moita – Ocultar-se, evitar destacar-se em um grupo.

NAPD – Normas para Aplicação de Punições Disciplinares.

NGA – Normas Gerais de Ação.

Nivelar (por cima, por baixo) – Estabelecer um padrão de procedimentos, baseado nos melhores (por cima) ou piores (por baixo) desempenhos de um grupo.

Olimpíada Acadêmica – Competição desportiva realizada anualmente na AMAN.

OM – Organização Militar.

Ordem-unida – 1. Formação habitual de marcha, de parada ou de reunião dos componentes de uma tropa, que observa as distâncias e os intervalos estabelecidos 2. Derivação: por metonímia. O exercício dessa formação.20

P Con – Peru de Conceito. Indivíduo que adota determinados comportamentos visando ser bem avaliado por um superior hierárquico.

P.C. – Posto de Comando.

P.O. – Posto de Observação. Na gíria, significa o campo perceptivo de um militar, de acordo com a posição ocupada em determinada situação.

Padrão – Termo que denota avaliação positiva. Por exemplo, um militar “padrão” apresenta exemplos positivos de comportamento, é admirado pelos demais.

Pagar, pagação – Realizar exercícios físicos repetidos ou ser submetido a circunstâncias físicas desconfortáveis.

Pagar uma missão – Determinar que um subordinado cumpra uma tarefa.

Paisano – Civil.

20 Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.

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Papiro – Texto ou material de estudo.

Parada diária – Formatura matutina realizada diariamente com os militares designados para desempenharem funções relacionadas à segurança do aquartelamento.

Parte – Documento interno dirigido ao superior hierárquico ou colateral, comunicando fatos ou acontecimentos ocorridos na esfera disciplinar ou administrativa.21

Patrulha – 1. Força de pequeno efetivo, destacada para cumprir missões de reconhecimento, de combate ou da combinação de ambas.[...]21

Pernoite – Formatura realizada após o término do expediente, com a finalidade geral de conferência do efetivo de uma fração militar e de transmissão de recomendações de segurança.

PGE – Plano Geral de Ensino.

Plotar – Assinalar ou localizar as posições sucessivas de um objeto (alvo, aeronave, embarcação ou tropa) em mapa, carta, mosaico fotográfico, diagrama etc, de maneira a poder determinar-lhe o rumo e a velocidade de deslocamento.21 Na gíria, possui o sentido de identificar um fato, geralmente relacionado a falha cometida.

Preparatória, Prep – EsPCEx.

QAE – Quadro de Atividades Escolares.

Rancho – 1. Grupo de militares que fazem suas refeições em comum. 2. A alimentação fornecida; comida. 3. Local em que é servido o rancho; refeitório.22

RDE – Regulamento Disciplinar do Exército.

Reconhecimento – Operação cujo propósito é obter informações referentes às atividades meios do inimigo ou coletar informações de caráter geográfico, hidrográfico, meteorológico e eletrônico, referentes à área provável de operações.21

Recruta – Soldado iniciante.

Revista – Inspeção.

Rolha – Atividade inútil.

S4 – Oficial responsável pela 4ª Seção, que gerencia os recursos materiais de uma Organização Militar.

21 Fonte: MINISTÉRIO DA DEFESA. Estado-Maior da Defesa. Glossário das Forças Armadas. 4.ed. 2007. 22 Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.

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Safar – Evitar conseqüência desagradável, denotando esperteza ou astúcia.

Sanhaço – Agitação, correria.

Sargenteante – Militar responsável pela confecção da escala de serviço.

Sarrafo – Padrão de desempenho.

SEF – Seção de Educação Física.

SIEsp – Seção de Instrução Especial.

Sutache – Faixa estreita de lona em que é escrito o nome do militar, utilizada sobre o bolso direito do uniforme camuflado.

TAF – Teste de Aptidão Física.

TFM – Treinamento Físico Militar.

Torrar – Registrar falta cometida por militar, a fim de seja julgada disciplinarmente.

Tropa – Termo coletivo que designa o pessoal de uma organização militar.23 Coloquialmente, este termo é também utilizado como versão abreviada de Corpo de Tropa (Organização Militar que possui a missão principal de emprego em operações militares.23).

Trote – Brincadeira degradante, que pode envolver a aplicação de castigos físicos.

Vibrar, vibração – Demonstrar entusiasmo.

Visita médica – Consulta médica.

Xerife – Chefe de turma.

Zero – Militar que ocupa uma das primeiras classificações em sua turma (Há o “Zero-um”, o “Zero-dois”, e assim por diante).

23 Fonte: MINISTÉRIO DA DEFESA. Estado-Maior da Defesa. Glossário das Forças Armadas. 4.ed. 2007.

APÊNDICES

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APÊNDICE 1 – LEVANTAMENTO PRELIMINAR JUNTO A DOCENTES

PREZADO(A) DOCENTE:

Venho solicitar que o(a) Sr.(a) participe de um levantamento preliminar de dados para o projeto de pesquisa que estou desenvolvendo no Curso de Mestrado em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, voltado ao estudo da internalização de valores no processo de formação de oficiais-combatentes do Exército. Sua colaboração com a pesquisa é voluntária e não identificada. Se desejar participar, por favor, responda às questões abaixo. Em caso negativo, basta devolver esta ficha em branco para a pesquisadora. Desde já, agradeço por sua atenção. 1º Ten Daniela. I) Relacione abaixo 4 (quatro) valores ou atributos que o(a) Sr.(a) considera fundamentais a serem assimilados pelos cadetes ao longo de sua formação na AMAN. 1) 2) 3) 4) II) Indique a seguir quais estratégias, atividades e/ou ações educativas o(a) Sr.(a) costuma empregar visando à assimilação pelos cadetes de cada valor ou atributo mencionado no item anterior. 1) 2) 3) 4)

SUA PARTICIPAÇÃO FOI MUITO IMPORTANTE PARA O SUCESSO DA PESQUISA. OBRIGADA!

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APÊNDICE 2 – QUESTIONÁRIO PRELIMINAR (MODELO 1)

PREZADO CADETE Venho solicitar que você participe da pesquisa que estou desenvolvendo no Curso de Mestrado em

Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, voltado ao estudo da internalização de valores no processo de formação dos oficiais combatentes do Exército. Sua colaboração com a pesquisa é voluntária e não identificada. Se desejar participar, por favor, responda às questões abaixo. Sinta-se à vontade para expor livremente suas idéias e opiniões sobre o assunto. Se tiver qualquer dúvida durante o preenchimento desse questionário, por favor, apresente-a para mim. Se lhe ocorrer alguma melhoria que poderia ser feita nesse instrumento de pesquisa, ficarei grata se você me apresentar sua sugestão. Caso não deseje responder às perguntas, basta devolver esta ficha. Desde já, agradeço por sua atenção. 1º Ten Daniela. 1) O que significa RESPONSABILIDADE para você? 2) Quais os indicadores de comportamento que você considera que deveriam ser utilizados para avaliar se um cadete possui RESPONSABILIDADE? (Se preferir, descreva exemplos de situações que evidenciam a existência dessa característica.) 3) Você percebe a existência de alguma dificuldade para que a sua RESPONSABILIDADE seja desenvolvida ao longo do Curso de Formação na AMAN? Por favor, justifique sua resposta. 4) O que significa INICIATIVA para você? 5) Quais os indicadores de comportamento que você considera que deveriam ser utilizados para avaliar se um cadete possui INICIATIVA? (Se preferir, descreva exemplos de situações que evidenciam a existência dessa característica.) 6) Você percebe a existência de alguma dificuldade para que a sua INICIATIVA seja desenvolvida ao longo do Curso de Formação na AMAN? Por favor, justifique sua resposta. 7) O que significa DISCIPLINA para você? 8) Quais os indicadores de comportamento que você considera que deveriam ser utilizados para avaliar se um cadete possui DISCIPLINA? (Se preferir, descreva exemplos de situações que evidenciam a existência dessa característica.) 9) Você percebe a existência de alguma dificuldade para que a sua DISCIPLINA seja desenvolvida ao longo do Curso de Formação na AMAN? Por favor, justifique sua resposta. 10) Você gostaria de acrescentar mais alguma informação sobre o tema? Se desejar, faça-o no espaço abaixo.

SUA PARTICIPAÇÃO FOI MUITO IMPORTANTE! OBRIGADA!

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APÊNDICE 3 – QUESTIONÁRIO PRELIMINAR (MODELO 2)

PREZADO CADETE Venho solicitar que você participe da pesquisa que estou desenvolvendo no Curso de Mestrado em

Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, voltado ao estudo da internalização de valores no processo de formação dos oficiais combatentes do Exército. Sua colaboração com a pesquisa é voluntária e não identificada. Se desejar participar, por favor, responda às questões abaixo. Sinta-se à vontade para expor livremente suas idéias e opiniões sobre o assunto. Se tiver qualquer dúvida durante o preenchimento desse questionário, por favor, apresente-a para mim. Se lhe ocorrer alguma melhoria que poderia ser feita nesse instrumento de pesquisa, ficarei grata se você me apresentar sua sugestão. Caso não deseje responder às perguntas, basta devolver esta ficha. Desde já, agradeço por sua atenção. 1º Ten Daniela.

1) O que significa HONESTIDADE para você? 2) Quais os indicadores de comportamento que você considera que deveriam ser utilizados para avaliar se um cadete possui HONESTIDADE? (Se preferir, descreva exemplos de situações que evidenciam a existência dessa característica.) 3) Você percebe a existência de alguma dificuldade para que a sua HONESTIDADE seja desenvolvida ao longo do Curso de Formação na AMAN? Por favor, justifique sua resposta. 4) O que significa LEALDADE para você? 5) Quais os indicadores de comportamento que você considera que deveriam ser utilizados para avaliar se um cadete possui LEALDADE? (Se preferir, descreva exemplos de situações que evidenciam a existência dessa característica.) 6) Você percebe a existência de alguma dificuldade para que a sua LEALDADE seja desenvolvida ao longo do Curso de Formação na AMAN? Por favor, justifique sua resposta. 7) O que significa LIDERANÇA para você? 8) Quais os indicadores de comportamento que você considera que deveriam ser utilizados para avaliar se um cadete possui LIDERANÇA? (Se preferir, descreva exemplos de situações que evidenciam a existência dessa característica.) 9) Você percebe a existência de alguma dificuldade para que a sua LIDERANÇA seja desenvolvida ao longo do Curso de Formação na AMAN? Por favor, justifique sua resposta. 10) Você gostaria de acrescentar mais alguma informação sobre o tema? Se desejar, faça-o no espaço abaixo.

SUA PARTICIPAÇÃO FOI MUITO IMPORTANTE! OBRIGADA!

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APÊNDICE 4 – QUESTIONÁRIO-PILOTO (VERSÃO 1)

Idade: ____ Pelotão: ______ SU: ___________ Curso: ________________

PRÉ-TESTE DE QUESTIONÁRIO PARA CADETES

PREZADO CADETE

Convido-lhe a participar da pesquisa que estou desenvolvendo no Curso de Mestrado em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, voltada ao estudo da internalização de valores no processo de formação dos oficiais combatentes do Exército. Sua colaboração com a pesquisa é voluntária e não identificada. Se desejar participar, por favor, responda às questões abaixo. A sinceridade nas respostas é fundamental para que possamos obter dados realistas a respeito do tema em estudo. Por isso, peço-lhe que reflita antes de responder a cada questão e, se tiver qualquer dúvida durante o preenchimento desse questionário, por favor, apresente-a para mim. Se lhe ocorrer alguma melhoria que poderia ser feita nesse instrumento de pesquisa, ficarei grata se você me apresentar sua sugestão. Caso não deseje responder às perguntas, basta devolver esta ficha. Desde já, agradeço por sua atenção. 1º Ten Daniela.

1. O que significa RESPONSABILIDADE para você? Assinale a(s) alternativa(s) abaixo que mais se aproxima(m) de seu pensamento a respeito. ( ) Cumprir com suas atribuições, obrigações, deveres ou compromissos, sendo fiscalizado para isso. ( ) Cumprir com suas atribuições, obrigações, deveres ou compromissos, independentemente de fiscalização. ( ) Assumir as conseqüências de suas atitudes; assumir seus erros. ( ) Agir de forma correta. ( ) Ter zelo pelos bens sob sua custódia. ( ) Responder pelos atos de seus subordinados. ( ) Ter zelo pela integridade de seus subordinados. ( ) Controlar seus atos e palavras. ( ) Falar a verdade. ( ) Outra. Qual? _____________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 2. Como é o comportamento de um cadete que possui RESPONSABILIDADE? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para você. ( ) Cumpre suas tarefas da melhor forma possível. ( ) Cumpre prazos e horários. ( ) Assume seus erros. ( ) Assume as conseqüências do que faz, independentemente das conseqüências. ( ) Zela por sua apresentação individual. ( ) Zela pelos bens sob sua custódia. ( ) Aplica-se nos estudos. ( ) Dedica-se ao treinamento físico. ( ) Dedica-se ao seu preparo profissional. ( ) Cumpre suas obrigações quando em funções de comando ou administrativas. ( ) Cumpre as tarefas que lhe são delegadas sem necessidade de fiscalização. ( ) Cumpre todas as atribuições, normas e diretrizes. ( ) Evita riscos desnecessários para seus subordinados. ( ) Responde pelos atos de seus subordinados. ( ) Fala a verdade; não se omite. ( ) Outro. Qual? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________

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3. Qual é a importância da RESPONSABILIDADE para o futuro oficial combatente do Exército? ( ) É dispensável. ( ) É pouco importante. ( ) É importante. ( ) É muito importante. ( ) É indispensável. * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 4. Que conceito você se daria com relação à sua RESPONSABILIDADE? ( ) Insuficiente ( ) Regular ( ) Bom ( ) Muito Bom ( ) Excelente * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 5. Com base na sua vivência como cadete, analise em que grau os aspectos abaixo têm contribuído para o desenvolvimento da RESPONSABILIDADE pelos cadetes. Complete as lacunas utilizando os números conforme a legenda: (5) Favorece intensamente. (4) Favorece moderadamente. (3) É indiferente. (2) Dificulta moderadamente. (1) Dificulta intensamente. (0) Não ocorre. ( ) A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e obrigações pelo cadete. ( ) A liberdade do cadete para realizar atividades por conta própria. ( ) A falta de liberdade do cadete. ( ) A punição dos que não cumprem com suas responsabilidades. ( ) A punição ou humilhação verbal dos que assumem seus erros. ( ) O medo dos cadetes de serem punidos por eventuais erros. ( ) A confiança depositada no cadete pelos oficiais. ( ) A falta de confiança no cadete por parte dos oficiais. ( ) A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. ( ) O acompanhamento constante dos oficiais às ações dos cadetes. ( ) As várias atividades a serem desempenhadas pelos cadetes. ( ) O desempenho de funções de comando pelos cadetes. ( ) As poucas oportunidades do exercício de funções de comando pelos cadetes. ( ) A delegação de atribuições e funções aos cadetes. ( ) A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. ( ) O tratamento dos cadetes de acordo com seu grau de maturidade, aumentando progressivamente suas prerrogativas e responsabilidades. ( ) A falta de tratamento compatível com o grau de maturidade dos cadetes. * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 6. O que significa INICIATIVA para você? Por favor, assinale a(s) alternativa(s) abaixo que mais se aproxima(m) de seu pensamento a respeito. ( ) Agir de forma oportuna, tomar decisões e realizar tarefas, sem necessidade de ordem para tanto. ( ) Assumir a frente, a direção, independentemente de ordem. ( ) Voluntariar-se para realizar alguma atividade. ( ) Atuar de modo a prevenir a ocorrência de problemas. ( ) Tomar providências de acordo com as diretrizes dos superiores, na ausência destes. ( ) Realizar aperfeiçoamentos em sua esfera de atribuições. ( ) Agir de maneira correta diante de situações imprevistas.

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( ) Realizar algo apesar da falta de ação dos demais. ( ) Outra. Qual? ________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 7. Como é o comportamento de um cadete que possui INICIATIVA? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para você. ( ) Toma decisões em diversas situações, sem depender do apoio de um superior para tanto. ( ) Toma a frente para resolver problemas emergentes no grupo. ( ) Age prontamente ao receber uma tarefa. ( ) Adota uma linha de ação própria diante de uma missão a cumprir. ( ) Voluntaria-se para realizar diversas atividades. ( ) Apresenta novas idéias. ( ) Assume o comando em situações críticas. ( ) Ao observar algo errado, procura corrigí-lo, independentemente de ordem para tanto. ( ) Prepara-se com antecedência para atividades. ( ) Antecipa a realização de tarefas, visando auxiliar seus superiores. ( ) Apresenta sugestões para o aprimoramento de rotinas e atividades. ( ) Executa suas tarefas independentemente de ordem. ( ) Procura resolver seus problemas por conta própria, antes de buscar ajuda. ( ) Outro. Qual? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 8. Qual é a importância da INICIATIVA para o futuro oficial combatente do Exército? ( ) É dispensável. ( ) É pouco importante. ( ) É importante. ( ) É muito importante. ( ) É indispensável. * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 9. Que conceito você se daria com relação à sua INICIATIVA? ( ) Insuficiente ( ) Regular ( ) Bom ( ) Muito Bom ( ) Excelente * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 10. Com base na sua vivência como cadete, analise em que grau os aspectos abaixo têm contribuído para o desenvolvimento da INICIATIVA pelos cadetes. Complete as lacunas utilizando os números conforme a legenda: (5) Favorece intensamente. (4) Favorece moderadamente. (3) É indiferente. (2) Dificulta moderadamente. (1) Dificulta intensamente. (0) Não ocorre. ( ) A imposição de obstáculos a serem ultrapassados ao longo da formação. ( ) A solicitação constante de voluntários para atividades. ( ) O exemplo dos oficiais, que evidenciam sua iniciativa. ( ) O incentivo constante dos oficiais para que os cadetes tomem iniciativas. ( ) A coibição do excesso de iniciativa ou de “iniciativas erradas” pelos oficiais. ( ) A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades.

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( ) A punição de iniciativas erradas, mesmo que devidas à inexperiência do cadete. ( ) O desempenho de funções de comando pelos cadetes. ( ) As poucas oportunidades para o desempenho de funções de comando pelos cadetes. ( ) A interferência dos oficiais quando os cadetes estão em funções de comando. ( ) A existência limitada de oportunidades em que os cadetes podem tomar decisões. ( ) A correção freqüente de atitudes dos cadetes pelos oficiais. ( ) A valorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais. ( ) A desvalorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais. ( ) A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. ( ) A atribuição de responsabilidade aos oficiais pelo desempenho dos cadetes. ( ) As atividades realizadas em grupo pelos cadetes. * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 11. O que significa DISCIPLINA para você? Por favor, assinale a(s) alternativa(s) abaixo que mais se aproxima(m) de seu pensamento a respeito. ( ) Seguir normas, leis, regulamentos ou ordens, sendo fiscalizado para isso. ( ) Seguir normas, leis, regulamentos ou ordens, independentemente de fiscalização externa. ( ) Cumprir normas e ordens contrárias à sua vontade ou opinião. ( ) Executar ordens sem questionar. ( ) Desempenhar suas atribuições com a máxima dedicação. ( ) Comportar-se de forma exemplar, agindo sempre corretamente. ( ) Outra. Qual? ________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 12. Como é o comportamento de um cadete que possui DISCIPLINA? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para você. ( ) Cumpre normas, regulamentos e deveres quando fiscalizado. ( ) Cumpre normas, regulamentos e deveres sem necessidade de vigilância externa. ( ) Obedece às ordens prontamente. ( ) Tem boa apresentação individual. ( ) Segue planos de estudo ou treinamento. ( ) Tem bom aproveitamento escolar. ( ) Cumpre horários. ( ) Mantém instalações e materiais limpos e em condições de uso. ( ) Submete-se a situações que contrariem seus interesses, sem queixar-se a respeito. ( ) Executa a ordem unida corretamente. ( ) Não discute ordens. ( ) Age corretamente independentemente de fiscalização. ( ) Manifesta respeito pelos superiores. ( ) Influencia seus pares a serem disciplinados. ( ) Outro. Qual? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 13. Qual é a importância da DISCIPLINA para o futuro oficial combatente do Exército? ( ) É dispensável. ( ) É pouco importante. ( ) É importante. ( ) É muito importante. ( ) É indispensável. * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não

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Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 14. Que conceito você se daria com relação à sua DISCIPLINA? ( ) Insuficiente ( ) Regular ( ) Bom ( ) Muito Bom ( ) Excelente * O senhor encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 15. Com base na sua vivência como cadete, analise em que grau os aspectos abaixo têm contribuído para o desenvolvimento da DISCIPLINA pelos cadetes. Complete as lacunas utilizando os números conforme a legenda: (5) Favorece intensamente. (4) Favorece moderadamente. (3) É indiferente. (2) Dificulta moderadamente. (1) Dificulta intensamente. (0) Não ocorre. ( ) A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e regulamentos pelos cadetes. ( ) A aplicação de punições aos cadetes transgressores. ( ) A impunidade ou a falta de rigor na punição de alguns indisciplinados. ( ) A valorização do comportamento correto pelos oficiais. ( ) Os oficiais constantemente procuram conscientizar os cadetes acerca da importância da disciplina. ( ) Pouco se procura conscientizar os cadetes sobre a importância da disciplina. ( ) O cadete procura ocultar suas faltas para evitar ser punido. ( ) A incompreensão dos cadetes em relação à importância de determinadas normas. ( ) Existe a tendência de que o cadete priorize seus interesses mais imediatos na escolha da conduta que irá adotar, ainda que estes contrariem os interesses coletivos e institucionais. ( ) A desmotivação ou descrença dos cadetes em relação aos preceitos da Instituição. ( ) A influência negativa de determinadas lideranças no grupo. ( ) O liberalismo da sociedade em geral. ( ) Falta de exemplo por parte de alguns oficiais, que se revelam indisciplinados. * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 16. O que significa HONESTIDADE para você? Por favor, assinale a(s) alternativa(s) abaixo que mais se aproxima(m) de seu pensamento a respeito. ( ) Agir de acordo com princípios morais, ser ético, ter integridade de caráter. ( ) Falar a verdade em quaisquer circunstâncias, ser sincero. ( ) Ter consideração e respeito pelo outro, não lhe causando prejuízos. ( ) Agir de acordo com leis e normas estabelecidas. ( ) Assumir as conseqüências de seus atos. ( ) Estar comprometido com ideais e valores. ( ) Ser justo, imparcial. ( ) Agir de forma correta, independentemente de fiscalização. ( ) Não se apropriar indevidamente de bens alheios. ( ) Pagar as dívidas contraídas. ( ) Outra. Qual? ________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 17. Como é o comportamento de um cadete que possui HONESTIDADE? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para você. ( ) Fala sempre a verdade, mesmo acarretando prejuízos para si. ( ) Não se apropria de objetos que não lhe pertencem.

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( ) Zela pela exatidão na correção de suas provas. ( ) Paga corretamente suas dívidas. ( ) Cumpre ordens independentemente de fiscalização. ( ) Assume seus erros e transgressões. ( ) Age com isenção ao administrar dinheiro ou bens alheios. ( ) Age corretamente, é disciplinado. ( ) Manifesta respeito pelos demais. ( ) Executa suas atribuições com dedicação. ( ) Cumpre sua palavra, bem como os compromissos assumidos para com outros. ( ) Assume suas opiniões e atitudes publicamente. ( ) Manifesta coerência entre o que fala e faz. ( ) Outro. Qual? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 18. Qual é a importância da HONESTIDADE para o futuro oficial combatente do Exército? ( ) É dispensável. ( ) É pouco importante. ( ) É importante. ( ) É muito importante. ( ) É indispensável. * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 19. Que conceito você se daria com relação à sua HONESTIDADE? ( ) Insuficiente ( ) Regular ( ) Bom ( ) Muito Bom ( ) Excelente * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 20. Com base na sua vivência como cadete, analise em que grau os aspectos abaixo têm contribuído para o desenvolvimento da HONESTIDADE pelos cadetes. Complete as lacunas utilizando os números conforme a legenda: (5) Favorece intensamente. (4) Favorece moderadamente. (3) É indiferente. (2) Dificulta moderadamente. (1) Dificulta intensamente. (0) Não ocorre. ( ) Os princípios trazidos pelos cadetes da educação familiar. ( ) Orientação constante e incentivo pelos oficiais para que os cadetes digam a verdade. ( ) Os oficiais pouco procuram conscientizar os cadetes a respeito da importância da honestidade. ( ) A honestidade é valorizada e cobrada do cadete por seus pares. ( ) O cadete é tratado pelos superiores como tendo idoneidade moral e sendo confiável, o que o estimula a proceder de acordo. ( ) O cadete é constantemente vigiado. ( ) Ocorre a punição dos cadetes que cometem faltas a esse respeito. ( ) As punições por vezes não são suficientemente severas. ( ) A desonestidade pode trazer vantagens, sem acarretar punições. ( ) Os cadetes temem ser punidos pela honestidade, principalmente em relação a faltas cometidas. ( ) A honestidade pode trazer prejuízos para o conceito anual dos cadetes. ( ) O exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes. ( ) As poucas oportunidades para o exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes. ( ) Exemplos errados por parte dos superiores, que por vezes não são honestos perante os cadetes. ( ) A sociedade atual não tem valorizado a honestidade.

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( ) O cadete é muito tutelado pelos oficiais, deixando por vezes de responder por seus atos. ( ) A competitividade entre os cadetes. * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ Por favor, apresente suas críticas e sugestões sobre o questionário:

MUITO OBRIGADA! SUA PARTICIPAÇÃO FOI MUITO IMPORTANTE!

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APÊNDICE 5 – QUESTIONÁRIO-PILOTO (VERSÃO 2)

Pelotão: ______ SU: ___________ Curso: ________________

PRÉ-TESTE DE QUESTIONÁRIO PARA CADETES

PREZADO CADETE

Convido-lhe a participar da pesquisa que estou desenvolvendo no Curso de Mestrado em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, voltada ao estudo da internalização de valores no processo de formação dos oficiais combatentes do Exército. Sua colaboração com a pesquisa é voluntária e não identificada. Se desejar participar, por favor, responda às questões abaixo. A sinceridade nas respostas é fundamental para que possamos obter dados realistas a respeito do tema em estudo. Por isso, peço-lhe que reflita antes de responder a cada questão e, se tiver qualquer dúvida durante o preenchimento desse questionário, por favor, apresente-a para mim. Se lhe ocorrer alguma melhoria que poderia ser feita nesse instrumento de pesquisa, ficarei grata se você me apresentar sua sugestão. Caso não deseje responder às perguntas, basta devolver esta ficha. Desde já, agradeço por sua atenção. 1º Ten Daniela, da Seção Psicopedagógica.

1. Como é o comportamento de um cadete que possui RESPONSABILIDADE? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para você. ( ) Cumpre suas tarefas da melhor forma possível. ( ) Cumpre prazos e horários. ( ) Assume seus erros. ( ) Assume as conseqüências do que faz, independentemente de quais sejam. ( ) Zela por sua apresentação individual. ( ) Zela pelos bens sob sua custódia. ( ) Aplica-se nos estudos. ( ) Dedica-se ao treinamento físico. ( ) Dedica-se ao seu preparo profissional. ( ) Cumpre suas obrigações quando em funções de comando ou administrativas. ( ) Cumpre as tarefas que lhe são delegadas sem necessidade de fiscalização. ( ) Cumpre todas as atribuições, normas e diretrizes. ( ) Evita riscos desnecessários para seus subordinados. ( ) Responde pelos atos de seus subordinados. ( ) Fala a verdade; não se omite. ( ) Outro(s). Qual(is)? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 2. Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua RESPONSABILIDADE? ( ) Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. ( ) Mudou para melhor. ( ) Mudou para pior. * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 3. Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm AUXILIADO você a desenvolver sua RESPONSABILIDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. ( ) A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e obrigações pelo cadete. ( ) A liberdade do cadete para realizar atividades por conta própria. ( ) A punição dos que não cumprem com suas responsabilidades. ( ) A confiança depositada no cadete pelos oficiais. ( ) A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades.

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( ) O acompanhamento constante dos oficiais às ações dos cadetes. ( ) As várias atividades a serem desempenhadas pelos cadetes. ( ) O desempenho de funções de comando pelos cadetes. ( ) A delegação de atribuições e funções aos cadetes. ( ) A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. ( ) O tratamento dos cadetes de acordo com seu grau de maturidade, aumentando progressivamente suas prerrogativas e responsabilidades. ( ) Outro(s). Qual(is)? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 4. Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm DIFICULTADO que você desenvolva a sua RESPONSABILIDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. ( ) A falta de liberdade do cadete. ( ) A punição dos que assumem seus erros. ( ) A humilhação verbal dos que assumem seus erros. ( ) O medo de ser punido por eventuais erros. ( ) A falta de confiança no cadete por parte dos oficiais. ( ) A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. ( ) O acompanhamento constante dos oficiais às ações dos cadetes. ( ) As poucas oportunidades do exercício de funções de comando pelos cadetes. ( ) A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. ( ) A falta de tratamento compatível com o grau de maturidade dos cadetes. ( ) Outro(s). Qual(is)? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 5. Como é o comportamento de um cadete que possui INICIATIVA? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para você. ( ) Toma decisões em diversas situações, sem depender do apoio de um superior para tanto. ( ) Toma a frente para resolver problemas emergentes no grupo. ( ) Age prontamente ao receber uma tarefa. ( ) Adota uma linha de ação própria diante de uma missão a cumprir. ( ) Voluntaria-se para realizar diversas atividades. ( ) Apresenta novas idéias. ( ) Assume o comando em situações críticas. ( ) Ao observar algo errado, procura corrigí-lo, independentemente de ordem para tanto. ( ) Prepara-se com antecedência para atividades. ( ) Antecipa a realização de tarefas, visando auxiliar seus superiores. ( ) Apresenta sugestões para o aprimoramento de rotinas e atividades. ( ) Executa suas tarefas independentemente de ordem. ( ) Procura resolver seus problemas por conta própria, antes de buscar ajuda. ( ) Outro(s). Qual(is)? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 6. Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua INICIATIVA? ( ) Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. ( ) Mudou para melhor. ( ) Mudou para pior. * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________

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7. Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm AUXILIADO você a desenvolver sua INICIATIVA ao longo do Curso de Formação da AMAN. ( ) A imposição de obstáculos a serem ultrapassados ao longo da formação. ( ) A solicitação constante de voluntários para atividades. ( ) O exemplo dos oficiais, que evidenciam sua iniciativa. ( ) O incentivo constante dos oficiais para que os cadetes tomem iniciativas. ( ) O desempenho de funções de comando pelos cadetes. ( ) A correção freqüente de atitudes dos cadetes pelos oficiais. ( ) A valorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais. ( ) A atribuição de responsabilidade aos oficiais pelo desempenho dos cadetes. ( ) As atividades realizadas em grupo pelos cadetes. ( ) Outro(s). Qual(is)? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 8. Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm DIFICULTADO que você desenvolva a sua INICIATIVA ao longo do Curso de Formação da AMAN. ( ) A coibição do excesso de iniciativa ou de “iniciativas erradas” pelos oficiais. ( ) A intensa diretividade (condução e controle) dos oficiais nas atividades. ( ) A punição de iniciativas erradas, mesmo que devidas à inexperiência do cadete. ( ) As poucas oportunidades para o desempenho de funções de comando pelos cadetes. ( ) A interferência dos oficiais quando os cadetes estão em funções de comando. ( ) A existência limitada de oportunidades em que os cadetes podem tomar decisões. ( ) A correção freqüente de atitudes dos cadetes pelos oficiais. ( ) A desvalorização de opiniões e sugestões dos cadetes pelos oficiais. ( ) A preocupação dos oficiais em evitar o erro do cadete. ( ) A atribuição de responsabilidade aos oficiais pelo desempenho dos cadetes. ( ) Outro(s). Qual(is)? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 9. Como é o comportamento de um cadete que possui DISCIPLINA? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para você. ( ) Cumpre normas, regulamentos e deveres quando fiscalizado. ( ) Cumpre normas, regulamentos e deveres sem necessidade de vigilância externa. ( ) Obedece às ordens prontamente. ( ) Tem boa apresentação individual. ( ) Segue planos de estudo ou treinamento. ( ) Cumpre horários. ( ) Mantém instalações e materiais limpos e em condições de uso. ( ) Submete-se a situações que contrariem seus interesses, sem queixar-se a respeito. ( ) Executa a ordem unida corretamente. ( ) Não discute ordens. ( ) Age corretamente independentemente de fiscalização. ( ) Manifesta respeito pelos superiores. ( ) Trata com respeito seus subordinados. ( ) Influencia seus pares a serem disciplinados. ( ) Outro(s). Qual(is)? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 10. Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua DISCIPLINA?

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( ) Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. ( ) Mudou para melhor. ( ) Mudou para pior. * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 11. Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm AUXILIADO você a desenvolver sua DISCIPLINA ao longo do Curso de Formação da AMAN. ( ) A cobrança constante dos oficiais em relação ao cumprimento de normas e regulamentos pelos cadetes. ( ) A aplicação de punições aos cadetes transgressores. ( ) A valorização do comportamento correto pelos oficiais. ( ) Os oficiais constantemente procuram conscientizar os cadetes acerca da importância da disciplina. ( ) As atitudes adotadas pelos oficiais, que evidenciam sua disciplina, servindo de exemplo. ( ) Outro(s). Qual(is)? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 12. Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm DIFICULTADO que você desenvolva a sua DISCIPLINA ao longo do Curso de Formação da AMAN. ( ) A impunidade ou a falta de rigor na punição de alguns indisciplinados. ( ) O cadete procura ocultar suas faltas para evitar ser punido. ( ) A incompreensão em relação à importância de determinadas normas. ( ) Existe a tendência de que o cadete priorize seus interesses mais imediatos na escolha da conduta que irá adotar, ainda que estes contrariem os interesses coletivos e institucionais. ( ) A desmotivação ou descrença dos cadetes em relação aos preceitos da Instituição. ( ) A influência negativa de determinadas lideranças no grupo. ( ) Falta de exemplo por parte de alguns oficiais, que manifestam atitudes de indisciplina. ( ) Outro(s). Qual(is)? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 13. Como é o comportamento de um cadete que possui HONESTIDADE? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para você. ( ) Fala sempre a verdade, mesmo acarretando prejuízos para si. ( ) Não se apropria de objetos que não lhe pertencem. ( ) Zela pela exatidão na correção de suas provas. ( ) Paga corretamente suas dívidas. ( ) Cumpre ordens independentemente de fiscalização. ( ) Assume seus erros e transgressões. ( ) Age com isenção ao administrar dinheiro ou bens alheios. ( ) Age corretamente, é disciplinado. ( ) Manifesta respeito pelos demais. ( ) Cumpre sua palavra, bem como os compromissos assumidos para com outros. ( ) Assume suas opiniões e atitudes publicamente. ( ) Manifesta coerência entre o que fala e faz. ( ) Outro(s). Qual(is)? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 14. Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua HONESTIDADE? ( ) Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. ( ) Mudou para melhor.

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( ) Mudou para pior. * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 15. Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm AUXILIADO você a desenvolver sua HONESTIDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. ( ) Os princípios trazidos da educação familiar. ( ) Orientação constante e incentivo pelos oficiais para que os cadetes digam a verdade. ( ) A honestidade é valorizada e cobrada do cadete por seus pares. ( ) O cadete é tratado pelos superiores como tendo idoneidade moral e sendo confiável, o que o estimula a proceder de acordo. ( ) O cadete é constantemente vigiado. ( ) Ocorre a punição dos cadetes que cometem faltas a esse respeito. ( ) O exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes. ( ) Outro(s). Qual(is)? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 16. Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm DIFICULTADO que você desenvolva a sua HONESTIDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. ( ) Os princípios trazidos da educação familiar. ( ) O cadete é constantemente vigiado. ( ) As punições por vezes não são suficientemente severas. ( ) A desonestidade pode trazer vantagens, sem acarretar punições. ( ) Os cadetes temem ser punidos pela honestidade, principalmente em relação a faltas cometidas. ( ) A honestidade pode trazer prejuízos para o conceito anual dos cadetes. ( ) As poucas oportunidades para o exercício de funções administrativas e de comando pelos cadetes. ( ) Exemplos errados por parte dos superiores, que por vezes não são honestos perante os cadetes. ( ) A sociedade atual não tem valorizado a honestidade. ( ) O cadete é muito tutelado pelos oficiais, deixando por vezes de responder por seus atos. ( ) A competitividade entre os cadetes. ( ) Outro(s). Qual(is)? _________________________________________________________________ 17. Como é o comportamento de um cadete que possui LEALDADE? Assinale a(s) alternativa(s) que respondem a esta questão para você. ( ) Apóia seus companheiros em situações críticas. ( ) Apóia seus subordinados quando os vê em dificuldades. ( ) Apresenta conduta transparente diante de pares e superiores. ( ) Acusa-se quando cometeu um erro, independentemente das conseqüências. ( ) Cumpre ordens e tarefas emanadas de seus superiores, independentemente de fiscalização. ( ) Assume sua verdadeira opinião perante os demais; é sincero. ( ) Coloca os interesses do grupo à frente dos individuais. ( ) Acata as decisões de seus superiores, mesmo que contrariem sua opinião pessoal. ( ) É fiel e defende o grupo do qual faz parte. ( ) Possui confiança em seus superiores. ( ) Outro(s). Qual(is)? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 18. Depois que você ingressou na vida militar, o que ocorreu em relação à sua LEALDADE? ( ) Permaneceu igual ao que era antes, na vida civil. ( ) Mudou para melhor.

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( ) Mudou para pior. * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 19. Tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm AUXILIADO você a desenvolver sua LEALDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. ( ) A freqüente realização de atividades que exigem a união do grupo. ( ) A convivência diária entre os cadetes. ( ) O relacionamento estabelecido entre oficiais e cadetes. ( ) Os oficiais constantemente dão exemplos de lealdade. ( ) Outro(s). Qual(is)? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ 20. Ainda tomando por base a sua vivência como Cadete, assinale, dentre os aspectos abaixo, aqueles que têm DIFICULTADO que você desenvolva a sua LEALDADE ao longo do Curso de Formação da AMAN. ( ) O distanciamento entre oficiais e cadetes. ( ) Os cadetes por vezes não compreendem claramente o que os oficiais esperam deles. ( ) Não há transparência no relacionamento entre cadetes e oficiais. ( ) A preocupação com o conceito ou o grau faz com que alguns cadetes coloquem seus interesses individuais acima dos coletivos. ( ) Outro(s). Qual(is)? _________________________________________________________________ * Você encontrou algum tipo de dificuldade para responder a esta questão? ( ) Sim ( ) Não Em caso positivo, por favor, justifique: ____________________________________________________ Por favor, apresente abaixo suas críticas e sugestões sobre o questionário, assim como contribuições adicionais a respeito do tema pesquisado:

MUITO OBRIGADA! SUA PARTICIPAÇÃO FOI MUITO IMPORTANTE!

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APÊNDICE 6 – TERMO DE COMPROMISSO INSTITUCIONAL

Autorizo a 1º Ten Daniela Schmitz Wortmeyer a realizar uma pesquisa sobre a internalização de

valores no processo de socialização profissional vivenciado pelos cadetes na Academia Militar das Agulhas Negras, como requisito do Curso de Mestrado em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ora freqüentado pela oficial, tendo como campo de pesquisa esta Academia Militar.

O objetivo da pesquisa é identificar quais são as principais estratégias educativas empregadas pelos instrutores visando que os cadetes internalizem valores, quais as concepções que têm os instrutores sobre tal processo de desenvolvimento afetivo, como os cadetes vêm reagindo a esse processo ao longo dos quatro anos e quais as dificuldades observadas para a plena eficácia da formação. Com isso, será possível ter uma visão mais aprofundada, geral e sistematizada de como vem ocorrendo a internalização de determinados valores pelos cadetes, o que permitirá que o processo de ensino e aprendizagem seja analisado com base em dados concretos e cientificamente trabalhados.

A pesquisa considera que a internalização de valores ao longo da socialização profissional é um processo complexo, que depende tanto das estratégias educativas empregadas pela organização como dos comportamentos ativos que os discentes adotam no contexto educacional. No intuito de compreender essas complexas interrelações, serão utilizados vários métodos de pesquisa: inicialmente, será realizado um levantamento junto aos docentes da AMAN a respeito de valores e atributos que são considerados fundamentais na formação dos oficiais combatentes. A partir da tabulação dos valores/atributos de maior incidência, será elaborado um questionário-piloto, com perguntas abertas, para melhor compreender as idéias de instrutores e cadetes acerca de tais valores/atributos, que será aplicado a oficiais instrutores do Corpo de Cadetes e a cadetes dos diversos anos. Este questionário será analisado e dará origem a um questionário com perguntas de múltipla escolha, que serão aplicadas a uma amostragem maior, permitindo a inferência da distribuição das respostas na população pesquisada como um todo. Serão analisadas essas tendências de resposta, cuja compreensão será aprofundada por meio de técnicas qualitativas de coleta de dados, como grupos de discussão e entrevistas.

A participação dos militares na pesquisa é livre e depende do consentimento dos mesmos. É-lhes facultado desistir de participar da pesquisa a qualquer momento, por qualquer razão, bastando para tanto comunicar o fato à pesquisadora, sem qualquer prejuízo para seus relacionamentos profissionais ou pessoais no presente ou no futuro. Estes militares não serão identificados pela participação na pesquisa e as informações que vierem a fornecer não serão divulgadas pela pesquisadora de modo a lhes causar qualquer dano pessoal, à função que desempenham ou ainda à instituição à qual pertencem. O tratamento dos dados da pesquisa seguirá rigorosamente os princípios da ética em pesquisa envolvendo seres humanos e da ética profissional do psicólogo.

O Comando da AMAN poderá solicitar em qualquer tempo a interrupção da aplicação da pesquisa, por qualquer motivo, bem como a concessão de maiores esclarecimentos sobre qualquer aspecto. No entanto, desde que autorizada a aplicação da pesquisa, não será possível o acesso aos dados coletados antes de sua conclusão, bem como a interferência em relação à metodologia aplicada e às medidas referentes aos cuidados éticos, como a não identificação dos militares participantes e a condição de livre e esclarecido consentimento individual para sua participação em qualquer etapa da pesquisa. Desta forma, estará sendo assegurado o compromisso do trabalho em relação às exigências da pesquisa científica.

Os resultados e conclusões ao final da pesquisa serão apresentados pela pesquisadora ao Comando da AMAN, com amplo esclarecimento a respeito das implicações dos mesmos para o processo educacional. A divulgação dos resultados no âmbito científico e acadêmico atentará aos cuidados com a imagem da instituição, abordando os aspectos estudados sob o enfoque da complexidade do processo educacional e do desafio de constante aperfeiçoamento que este impõe a qualquer estabelecimento de ensino, seja civil ou militar.

A realização da pesquisa na AMAN possibilitará uma maior compreensão sobre como está ocorrendo a internalização dos valores militares pelos cadetes na atualidade, o que permitirá que o processo educacional como um todo seja analisado e aprimorado.

____________________________________________ Comandante da Academia Militar das Agulhas Negras

Por delegação: _______________________________________________ Subcomandante da Academia Militar das Agulhas Negras

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APÊNDICE 7 – CARTA DE APRESENTAÇÃO AOS OFICIAIS

PREZADO INSTRUTOR

A par das várias atividades que o senhor tem a desempenhar, solicito-lhe que dedique alguns minutos para participar de uma pesquisa que estou realizando, com o objetivo de compreender como está ocorrendo a internalização de determinados valores pelos cadetes ao longo do Curso de Formação da AMAN.

É a primeira vez que uma pesquisa como essa é realizada na AMAN; seus resultados podem trazer importantes contribuições para que sejam analisados aspectos fundamentais da formação de nossos oficiais, de modo sistemático e objetivo.

Porém, para que isso ocorra, é imprescindível que oficiais e cadetes se disponham a manifestar seus pontos de vista a respeito do assunto, da maneira franca e objetiva. Apenas assim poderemos conhecer a realidade em questão e levantar informações que sejam verdadeiramente úteis para os objetivos da pesquisa.

O senhor está recebendo, em anexo, o seguinte material:

- 02 (duas) vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; - 01 (um) questionário com perguntas objetivas e - 01 (um) envelope endereçado à 1º Ten Daniela.

Caso concorde em colaborar com a pesquisa, solicito-lhe que:

a) Realize a leitura do Termo de Consentimento, que contém maiores explicações sobre o desenvolvimento da pesquisa e os cuidados éticos que serão adotados;

b) Preencha e assine uma via deste Termo. A segunda via ficará de posse do senhor, como garantia de que o descrito no Termo será seguido;

c) Leia as instruções no questionário e realize seu preenchimento; d) Coloque no envelope a via do Termo de Consentimento que preencheu e o questionário

respondido; e) Lacre o envelope; f) Remeta-o à Seção Psicopedagógica ou, se preferir, realize contato telefônico, pelos ramais

abaixo especificados, solicitando que o material seja apanhado pela pesquisadora.

Estou à disposição para quaisquer esclarecimentos. Desde já, agradeço por sua atenção.

_______________________________________ DANIELA SCHMITZ WORTMEYER – 1º Ten

Adjunta à Seção Psicopedagógica

Contato: Seção Psicopedagógica, 4º Piso do CP I, Ala Norte (próxima à Cadeira de Mecânica), ramais 4658 ou 4660.

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APÊNDICE 8 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (QUESTIONÁRIO/OFICIAIS)

O Sr. foi selecionado para participar de uma pesquisa sobre a internalização de valores ao longo

do processo de socialização organizacional vivenciado pelos cadetes na Academia Militar das Agulhas Negras, que vem sendo desenvolvida por mim no Curso de Mestrado em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O Sr. foi escolhido por estar servindo na AMAN como instrutor, por se relacionar cotidianamente com os cadetes de seu Curso e por realizar ações educativas visando que estes internalizem determinados valores militares.

O objetivo dessa pesquisa é identificar quais são as principais estratégias educativas empregadas pelos instrutores visando que os cadetes internalizem valores, quais as concepções que têm instrutores e cadetes sobre tal processo educacional, como os cadetes vêm reagindo a esse processo ao longo dos quatro anos e quais as dificuldades observadas para a plena eficácia da formação. Com isso, teremos uma visão mais aprofundada, geral e sistematizada de como vem ocorrendo a formação dos oficiais combatentes do Exército, o que permitirá que o processo de ensino e aprendizagem seja analisado com base em dados concretos e cientificamente trabalhados.

A pesquisa considera que a internalização de valores é um processo complexo, que depende tanto das estratégias educativas empregadas pela organização como dos comportamentos ativos que docentes e discentes adotam no contexto educacional. No intuito de compreender essas complexas inter-relações, estão sendo utilizados vários métodos de pesquisa: a análise de documentos educacionais, a observação das atividades desenvolvidas na AMAN, o levantamento de opiniões de oficiais e cadetes por meio de questionários e entrevistas. O Sr. foi escolhido para participar da aplicação de um questionário de múltipla escolha. A participação na pesquisa é livre e só depende de sua autorização.

Pode ocorrer que, no início da pesquisa, o Sr. sinta receio de que as respostas que apresentar venham a trazer algum tipo de prejuízo para sua atividade profissional atual ou futura; pode ser que o Sr. sinta medo de ser exposto ou mal-interpretado. Pode surgir um temor de que os dados da pesquisa venham a ser utilizados de maneira a prejudicar a imagem do grupo ou da Instituição à qual o Sr. pertence. Pode ocorrer ainda que o Sr. se sinta de alguma forma constrangido a participar da pesquisa pelo fato de possuir um relacionamento funcional com a pesquisadora. Estarei atenta a tais riscos e procurarei evitá-los mantendo um contato franco e aberto a respeito de todos os assuntos que envolvem a pesquisa. O Sr. pode desistir de participar da pesquisa a qualquer momento, por qualquer razão, bastando para tanto comunicar o fato à pesquisadora, sem qualquer prejuízo para seus relacionamentos profissionais ou pessoais no presente ou no futuro. Compreenderei perfeitamente se por algum motivo o Sr. desistir de participar e não ficarei de forma alguma ressentida por isso. O Sr. não será identificado pela participação na pesquisa e nenhuma das informações que vier a fornecer serão divulgadas de modo a lhe causar qualquer dano pessoal, à função que desempenha ou ainda ao grupo ou à Instituição à qual pertence. O tratamento dos dados da pesquisa seguirá rigorosamente os princípios da ética em pesquisa envolvendo seres humanos e da ética profissional do psicólogo.

Caso o Sr. encontre qualquer dificuldade para responder ao questionário ou em relação a qualquer aspecto da pesquisa, ou ainda caso deseje obter maiores esclarecimentos, por favor entre em contato com a pesquisadora. O Sr. terá direito a acesso aos resultados e conclusões ao final da pesquisa, bastando para tanto registrar um endereço eletrônico no espaço abaixo destinado ou ainda solicitar as informações diretamente à pesquisadora. A previsão para a conclusão dos trabalhos é abril de 2007. Os resultados da pesquisa serão divulgados a autoridades educacionais no âmbito da AMAN e do Exército Brasileiro, respeitando-se o sigilo em relação à identidade dos participantes, no intuito de contribuir para a análise e o aprimoramento das práticas educacionais vigentes. Poderão ainda vir a ser divulgados em periódicos científicos e militares, respeitando-se os princípios de sigilo e atentando-se aos devidos cuidados éticos em relação à imagem da Instituição.

Sua contribuição será muito importante para que possamos compreender com maior profundidade como está ocorrendo a internalização dos valores militares pelos cadetes na atualidade, o que possibilitará que o processo educacional como um todo seja analisado e aprimorado.

_______________________________________ DANIELA SCHMITZ WORTMEYER – 1º Ten

Psicóloga – CRP-05/29330

Estou suficientemente esclarecido e dou pleno consentimento para participar desta pesquisa. Nome completo:___________________________________________________________________________

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Identidade: _________________________ Assinatura: ____________________________________________ Local: ________________________________ Data: _______/_______/_______ ( ) Sim, gostaria de receber os resultados da pesquisa pelo endereço eletrônico: ________________________ ( ) Sou favorável a participar de entrevistas a respeito do tema da pesquisa. (O assinalamento deste item não implica obrigatoriedade de participação posterior, apenas indica um interesse inicial.) OBS.: No caso de desejar obter maiores esclarecimentos ou realizar qualquer crítica ou reclamação referente à pesquisa, favor contatar a pesquisadora na Seção Psicopedagógica da AMAN, localizada no 4º piso da Ala Norte do Conjunto Principal I, pessoalmente ou através dos telefones 3358-4658 e 3358-4660 ou do endereço eletrônico: [email protected]. Caso o senhor tenha dificuldade em entrar em contato com a pesquisadora responsável, comunique o fato à Comissão de Ética em Pesquisa da UERJ: Rua São Francisco Xavier, 524, sala 3020, bloco E, 3o andar, - Maracanã – Rio de Janeiro, RJ, e-mail: [email protected] - Telefone: (021) 2569-3490. POR FAVOR, DEVOLVA UMA VIA DESTE TERMO À PESQUISADORA.

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APÊNDICE 9 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (QUESTIONÁRIO/CADETES)

Você foi selecionado para participar de uma pesquisa sobre a internalização de valores ao longo

do processo de socialização organizacional vivenciado pelos cadetes na Academia Militar das Agulhas Negras, que vem sendo desenvolvida por mim no Curso de Mestrado em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Você foi escolhido por estar realizando o curso de formação na AMAN, participando cotidianamente de relações educativas que objetivam que você internalize determinados valores militares e construindo suas próprias interpretações e opiniões sobre esses valores e sobre o processo educacional em si.

O objetivo dessa pesquisa é identificar quais são as principais estratégias educativas empregadas pelos instrutores visando que os cadetes internalizem valores, quais as concepções que têm instrutores e cadetes sobre tal processo educacional, como os cadetes vêm reagindo a esse processo ao longo dos quatro anos e quais as dificuldades observadas para a plena eficácia da formação. Com isso, teremos uma visão mais aprofundada, geral e sistematizada de como vem ocorrendo a formação dos oficiais combatentes do Exército, o que permitirá que o processo de ensino e aprendizagem seja analisado com base em dados concretos e cientificamente trabalhados.

A pesquisa considera que a internalização de valores é um processo complexo, que depende tanto das estratégias educativas empregadas pela organização como dos comportamentos ativos que docentes e discentes adotam no contexto educacional. No intuito de compreender essas complexas inter-relações, estão sendo utilizados vários métodos de pesquisa: a análise de documentos educacionais, a observação das atividades desenvolvidas na AMAN, o levantamento de opiniões de oficiais e cadetes por meio de questionários e entrevistas. Você foi escolhido para participar da aplicação de um questionário de múltipla escolha. A participação na pesquisa é livre e só depende de sua autorização.

Pode ocorrer que, no início da pesquisa, você sinta receio de que as respostas que você apresentar venham a trazer algum tipo de prejuízo para a sua vida na AMAN ou para sua carreira profissional futura; pode ser que você sinta medo de ser exposto ou mal-interpretado. Pode surgir um temor de que os dados da pesquisa venham a ser utilizados de maneira a prejudicar a imagem do grupo ou da Instituição à qual você pertence. Pode ocorrer ainda que você se sinta de alguma forma constrangido a participar da pesquisa pelo fato de possuir um relacionamento hierárquico e funcional com a pesquisadora. Estarei atenta a tais riscos e procurarei evitá-los mantendo um contato franco e aberto a respeito de todos os assuntos que envolvem a pesquisa. Você pode desistir de participar da pesquisa a qualquer momento, por qualquer razão, bastando para tanto comunicar o fato à pesquisadora, sem qualquer prejuízo para seus relacionamentos profissionais ou pessoais no presente ou no futuro. Compreenderei perfeitamente se por algum motivo você desistir de participar e não ficarei de forma alguma ressentida por isso. Você não será identificado pela participação na pesquisa e nenhuma das informações que vier a fornecer serão divulgadas de modo a lhe causar qualquer dano pessoal, à função que desempenha ou ainda ao grupo ou à Instituição à qual pertence. O tratamento dos dados da pesquisa seguirá rigorosamente os princípios da ética em pesquisa envolvendo seres humanos e da ética profissional do psicólogo.

Caso você encontre qualquer dificuldade para responder ao questionário ou em relação a qualquer aspecto da pesquisa, ou ainda caso deseje obter maiores esclarecimentos, por favor, entre em contato com a pesquisadora. Você terá direito a acesso aos resultados e conclusões ao final da pesquisa, bastando para tanto registrar um endereço eletrônico no espaço abaixo destinado ou ainda solicitar as informações diretamente à pesquisadora. A previsão para a conclusão dos trabalhos é abril de 2007. Os resultados da pesquisa serão divulgados a autoridades educacionais no âmbito da AMAN e do Exército Brasileiro, respeitando-se o sigilo em relação à identidade dos participantes, no intuito de contribuir para a análise e o aprimoramento das práticas educacionais vigentes. Poderão ainda vir a ser divulgados em periódicos científicos e militares, respeitando-se os princípios de sigilo e atentando-se aos devidos cuidados éticos em relação à imagem da Instituição.

Sua contribuição será muito importante para que possamos compreender com maior profundidade como está ocorrendo a internalização dos valores militares pelos cadetes na atualidade, o que possibilitará que o processo educacional como um todo seja analisado e aprimorado.

_______________________________________ DANIELA SCHMITZ WORTMEYER – 1º Ten

Psicóloga – CRP-05/29330 Estou suficientemente esclarecido e dou pleno consentimento para participar desta pesquisa.

Nome completo:____________________________________________________________________________

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Identidade: __________________________ Assinatura: __________________________________________ Local: ________________________________ Data: _______/_______/_______ ( ) Sim, gostaria de receber os resultados da pesquisa pelo endereço eletrônico: _________________________ ( ) Sou favorável a participar de entrevistas a respeito do tema da pesquisa. (O assinalamento deste item não implica obrigatoriedade de participação posterior, apenas indica um interesse inicial.) OBS.: No caso de desejar obter maiores esclarecimentos ou realizar qualquer crítica ou reclamação referente à pesquisa, favor contatar a pesquisadora na Seção Psicopedagógica da AMAN, localizada no 4º piso da Ala Norte do Conjunto Principal I, pessoalmente ou através dos telefones 3358-4658 e 3358-4660 ou do endereço eletrônico: [email protected]. Caso você tenha dificuldade em entrar em contato com a pesquisadora responsável, comunique o fato à Comissão de Ética em Pesquisa da UERJ: Rua São Francisco Xavier, 524, sala 3020, bloco E, 3o andar, - Maracanã – Rio de Janeiro, RJ, e-mail: [email protected] - Telefone: (021) 2569-3490. POR FAVOR, DEVOLVA UMA VIA DESTE TERMO À PESQUISADORA.

338 APÊNDICE 10 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

(GRUPO FOCAL/CADETES)

Você foi selecionado para participar de uma pesquisa sobre a internalização de valores ao longo

do processo de socialização organizacional vivenciado pelos cadetes na Academia Militar das Agulhas Negras, que vem sendo desenvolvida por mim no Curso de Mestrado em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Você foi escolhido por estar realizando o curso de formação na AMAN, participando cotidianamente de relações educativas que objetivam que você internalize determinados valores militares, construindo suas próprias interpretações e opiniões sobre esses valores e sobre o processo educacional em si e, além disso, por ter sido participante da primeira fase desta pesquisa, através da resposta a um questionário.

O objetivo dessa pesquisa é identificar quais são as principais estratégias educativas empregadas pelos instrutores visando que os cadetes internalizem valores, quais as concepções que têm instrutores e cadetes sobre tal processo educacional, como os cadetes vêm reagindo a esse processo ao longo dos quatro anos e quais as dificuldades observadas para a plena eficácia da formação. Com isso, teremos uma visão mais aprofundada, geral e sistematizada de como vem ocorrendo a formação dos oficiais combatentes do Exército, o que permitirá que o processo de ensino e aprendizagem seja analisado com base em dados concretos e cientificamente trabalhados.

A pesquisa considera que a internalização de valores é um processo complexo, que depende tanto das estratégias educativas empregadas pela organização como dos comportamentos ativos que docentes e discentes adotam no contexto educacional. No intuito de compreender essas complexas inter-relações, estão sendo utilizados vários métodos de pesquisa: a análise de documentos educacionais, a observação das atividades desenvolvidas na AMAN, o levantamento de opiniões de oficiais e cadetes por meio de questionários e entrevistas. Você foi escolhido para participar de um grupo focal, ou grupo de discussão, a respeito do tema pesquisado. A participação na pesquisa é livre e só depende de sua autorização.

O grupo focal será composto por você e por outros cadetes de sua turma. Serão apresentados ao grupo os resultados do questionário aplicado a oficiais e cadetes na primeira etapa da pesquisa, e será solicitado aos participantes que expressem suas opiniões a respeito. Ou seja, buscarei o auxílio do grupo para compreender e interpretar tais dados. Essas discussões serão gravadas, caso você e os demais participantes do grupo concordem. A finalidade da gravação é a posterior transcrição das falas dos participantes, para que nenhum aspecto importante seja esquecido no momento da análise destas participações. O acesso a tais dados estará restrito a mim e ao meu professor orientador.

Pode ocorrer que, no início do grupo focal, você sinta receio de expor seu ponto de vista em relação a determinados assuntos, temendo que suas respostas venham a trazer algum tipo de prejuízo para a sua vida na AMAN ou para sua carreira profissional futura; pode ser que você sinta medo de ser mal-interpretado. Pode surgir um temor de que os dados da pesquisa venham a ser utilizados de maneira a prejudicar a imagem do grupo ou da Instituição à qual você pertence. Pode ocorrer ainda que você se sinta de alguma forma constrangido a participar da pesquisa pelo fato de possuir um relacionamento hierárquico e funcional com a pesquisadora. Estarei atenta a tais riscos e procurarei evitá-los mantendo um contato franco e aberto a respeito de todos os assuntos que envolvem a pesquisa. Procurarei esclarecer todos os participantes do grupo em relação aos objetivos desta etapa da pesquisa, enfatizando a importância do respeito a todas as espécies de opiniões que surgirem, mesmo divergentes. Procurarei deixar todos inteiramente à vontade para responderem ou não a qualquer questão, para prosseguirem ou pararem com suas manifestações. Todos os que aceitarem participar do grupo focal estarão comprometendo-se a não divulgar nomes e diálogos. Desta forma, ao assinar este termo, você concorda também em não divulgar qualquer conversa mantida pelos participantes do grupo. De minha parte, haverá total sigilo quanto à identidade dos participantes da pesquisa e nenhuma das informações que vierem a fornecer serão divulgadas de modo a lhes causar qualquer dano pessoal, à função que desempenham ou ainda ao grupo ou à Instituição à qual pertencem. O tratamento dos dados da pesquisa seguirá rigorosamente os princípios da ética em pesquisa envolvendo seres humanos e da ética profissional do psicólogo. Você pode desistir de participar da pesquisa a qualquer momento, por qualquer razão, bastando para tanto comunicar o fato à pesquisadora, sem qualquer prejuízo para seus relacionamentos profissionais ou pessoais no presente ou no futuro. Compreenderei perfeitamente se por algum motivo você desistir de participar e não ficarei de forma alguma ressentida por isso.

Caso você encontre alguma dificuldade em relação a qualquer aspecto da pesquisa, ou ainda caso deseje obter maiores esclarecimentos, por favor, entre em contato comigo. Você terá direito a acesso aos resultados e conclusões ao final da pesquisa, bastando para tanto registrar um endereço eletrônico no espaço abaixo destinado ou ainda solicitar as informações diretamente à pesquisadora. A previsão para a conclusão dos trabalhos é abril de 2007. Os resultados da pesquisa serão divulgados a autoridades educacionais no âmbito da

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AMAN e do Exército Brasileiro, respeitando-se o sigilo em relação à identidade dos participantes, no intuito de contribuir para a análise e o aprimoramento das práticas educacionais vigentes. Poderão ainda vir a ser divulgados em periódicos científicos e militares, respeitando-se os princípios de sigilo e atentando-se aos devidos cuidados éticos em relação à imagem da Instituição.

Sua contribuição será muito importante para que possamos compreender com maior profundidade como está ocorrendo a internalização dos valores militares pelos cadetes na atualidade, o que possibilitará que o processo educacional como um todo seja analisado e aprimorado.

_______________________________________ DANIELA SCHMITZ WORTMEYER – 1º Ten

Psicóloga – CRP-05/29330 Estou suficientemente esclarecido e dou pleno consentimento para participar desta pesquisa.

Nome completo:___________________________________________________________________________ Identidade: ___________________________ Assinatura: _________________________________________ Local: ________________________________ Data: _______/_______/_______ ( ) Sim, gostaria de receber os resultados da pesquisa pelo endereço eletrônico: _________________________ OBS.: No caso de desejar obter maiores esclarecimentos ou realizar qualquer crítica ou reclamação referente à pesquisa, favor contatar a pesquisadora na Seção Psicopedagógica da AMAN, localizada no 4º piso da Ala Norte do Conjunto Principal I, pessoalmente ou através dos telefones 3358-4658 e 3358-4660 ou do endereço eletrônico: [email protected]. Caso você tenha dificuldade em entrar em contato com a pesquisadora responsável, comunique o fato à Comissão de Ética em Pesquisa da UERJ: Rua São Francisco Xavier, 524, sala 3020, bloco E, 3o andar, - Maracanã – Rio de Janeiro, RJ, e-mail: [email protected] - Telefone: (021) 2569-3490.

340 APÊNDICE 11 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

(GRUPO FOCAL/OFICIAIS)

O Sr. foi selecionado para participar da segunda fase da pesquisa sobre a internalização de valores

ao longo do processo de socialização organizacional vivenciado pelos cadetes na Academia Militar das Agulhas Negras, que vem sendo desenvolvida por mim no Curso de Mestrado em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O Sr. foi escolhido por estar servindo na AMAN como instrutor, por se relacionar cotidianamente com os cadetes de seu Curso e por realizar ações educativas visando que estes internalizem determinados valores militares e, além disso, por ter sido participante da primeira fase desta pesquisa, através da resposta a um questionário.

O objetivo da pesquisa é identificar quais são as principais estratégias educativas empregadas pelos instrutores visando que os cadetes internalizem valores, quais as concepções que têm instrutores e cadetes sobre tal processo educacional, como os cadetes vêm reagindo a esse processo ao longo dos quatro anos e quais as dificuldades observadas para a plena eficácia da formação. Com isso, teremos uma visão mais aprofundada, geral e sistematizada de como vem ocorrendo a formação dos oficiais combatentes do Exército, o que permitirá que o processo de ensino e aprendizagem seja analisado com base em dados concretos e cientificamente trabalhados.

A pesquisa considera que a internalização de valores é um processo complexo, que depende tanto das estratégias educativas empregadas pela organização como dos comportamentos ativos que docentes e discentes adotam no contexto educacional. No intuito de compreender essas complexas inter-relações, estão sendo utilizados vários métodos de pesquisa: a análise de documentos educacionais, a observação das atividades desenvolvidas na AMAN, o levantamento de opiniões de oficiais e cadetes por meio de questionários e entrevistas. O Sr. foi escolhido para participar de um grupo focal, ou grupo de discussão, a respeito do tema pesquisado. A participação na pesquisa é livre e só depende de sua autorização.

O grupo focal será composto pelo senhor e por outros oficiais que desempenham a função de instrutor na AMAN. Serão apresentados ao grupo os resultados do questionário aplicado a oficiais e cadetes na primeira etapa da pesquisa, e será solicitado aos participantes que expressem suas opiniões a respeito. Ou seja, buscarei o auxílio do grupo para compreender e interpretar tais dados. Essas discussões serão gravadas, caso o senhor e os demais participantes do grupo concordem. A finalidade da gravação é a posterior transcrição das falas dos participantes, para que nenhum aspecto importante seja esquecido no momento da análise destas participações. O acesso a tais dados estará restrito a mim e ao meu professor orientador.

Pode ocorrer que, no início do grupo focal, o Sr. sinta receio de expor seu ponto de vista em relação a determinados assuntos, temendo que suas respostas venham a trazer algum tipo de prejuízo para sua atividade profissional atual ou futura; pode ser que o Sr. sinta medo de ser mal-interpretado. Pode surgir um temor de que os dados da pesquisa venham a ser utilizados de maneira a prejudicar a imagem do grupo ou da Instituição à qual o Sr. pertence. Pode ocorrer ainda que o Sr. se sinta de alguma forma constrangido a participar da pesquisa pelo fato de possuir um relacionamento funcional com a pesquisadora. Estarei atenta a tais riscos e procurarei evitá-los mantendo um contato franco e aberto a respeito de todos os assuntos que envolvem a pesquisa. Procurarei esclarecer todos os participantes do grupo em relação aos objetivos desta etapa da pesquisa, enfatizando a importância do respeito a todas as espécies de opiniões que surgirem, mesmo divergentes. Procurarei deixar todos inteiramente à vontade para responderem ou não a qualquer questão, para prosseguirem ou pararem com suas manifestações. Todos os que aceitarem participar do grupo focal estarão comprometendo-se a não divulgar nomes e diálogos. Desta forma, ao assinar este termo, o senhor concorda também em não divulgar qualquer conversa mantida pelos participantes do grupo. De minha parte, haverá total sigilo quanto à identidade dos participantes da pesquisa e nenhuma das informações que vierem a fornecer serão divulgadas de modo a lhes causar qualquer dano pessoal, à função que desempenham ou ainda ao grupo ou à Instituição à qual pertencem. O tratamento dos dados da pesquisa seguirá rigorosamente os princípios da ética em pesquisa envolvendo seres humanos e da ética profissional do psicólogo. O Sr. pode desistir de participar da pesquisa a qualquer momento, por qualquer razão, bastando para tanto comunicar o fato à pesquisadora, sem qualquer prejuízo para seus relacionamentos profissionais ou pessoais no presente ou no futuro. Compreenderei perfeitamente se por algum motivo o Sr. desistir de participar e não ficarei de forma alguma ressentida por isso.

Caso o Sr. encontre alguma dificuldade em relação a qualquer aspecto da pesquisa, ou ainda caso deseje obter maiores esclarecimentos, por favor, entre em contato comigo. O Sr. terá direito a acesso aos resultados e conclusões ao final da pesquisa, bastando para tanto registrar um endereço eletrônico no espaço abaixo destinado ou ainda solicitar as informações diretamente à pesquisadora. A previsão para a conclusão dos trabalhos é abril de 2007. Os resultados da pesquisa serão divulgados a autoridades educacionais no âmbito da AMAN e do Exército Brasileiro, respeitando-se o sigilo em relação à identidade dos participantes, no intuito de contribuir para a análise e o aprimoramento das práticas educacionais vigentes. Poderão ainda vir a ser

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divulgados em periódicos científicos e militares, respeitando-se os princípios de sigilo e atentando-se aos devidos cuidados éticos em relação à imagem da Instituição.

Sua contribuição será muito importante para que possamos compreender com maior profundidade como está ocorrendo a internalização dos valores militares pelos cadetes na atualidade, o que possibilitará que o processo educacional como um todo seja analisado e aprimorado.

_______________________________________ DANIELA SCHMITZ WORTMEYER – 1º Ten

Psicóloga – CRP-05/29330 Estou suficientemente esclarecido e dou pleno consentimento para participar desta pesquisa.

Nome completo:___________________________________________________________________________ Identidade: _________________________ Assinatura: ____________________________________________ Local: ________________________________ Data: _______/_______/_______ ( ) Sim, gostaria de receber os resultados da pesquisa pelo endereço eletrônico: _________________________ OBS.: No caso de desejar obter maiores esclarecimentos ou realizar qualquer crítica ou reclamação referente à pesquisa, favor contatar a pesquisadora na Seção Psicopedagógica da AMAN, localizada no 4º piso da Ala Norte do Conjunto Principal I, pessoalmente ou através dos telefones 3358-4658 e 3358-4660 ou do endereço eletrônico: [email protected]. Caso o senhor tenha dificuldade em entrar em contato com a pesquisadora responsável, comunique o fato à Comissão de Ética em Pesquisa da UERJ: Rua São Francisco Xavier, 524, sala 3020, bloco E, 3o andar, - Maracanã – Rio de Janeiro, RJ, e-mail: [email protected] - Telefone: (021) 2569-3490.

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ANEXOS

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ANEXO 1 - POSTOS E GRADUAÇÕES DO EXÉRCITO BRASILEIRO

Marechal General-de-Exército General-de-Divisão Oficiais-Generais

General-de-Brigada Coronel

Tenente-Coronel Oficiais Superiores Major

Oficial Intermediário Capitão Primeiro-Tenente Segundo-Tenente

OFICIAIS (Postos)

Oficiais Subalternos Aspirante-a-Oficial

Subtenente Primeiro-Sargento Segundo-Sargento Terceiro-Sargento

Cabo Taifeiro-Mor

Taifeiro de Primeira Classe

Graduados

Taifeiro de Segunda Classe

PRAÇAS (Graduações)

Não-Graduado Soldado Quadro 85 - Postos e Graduações do Exército Brasileiro Fonte: CCOMSEX, 1997, p. 24

344

ANEXO 2 – ORGANOGRAMA DA AMAN

COMANDANTE (Diretor de Ensino)

CONSELHO DE ENSINO

Gráfico 5 - Organograma da AMAN

ESTADO-MAIOR PESSOAL

ESTADO-MAIOR GERAL

SUBCOMANDANTE (Subdiretor de Ensino)

ESTADO-MAIOR ESPECIAL

(*)

(*)

DIVISÃO ADMINISTRATIVA

DIVISÃO PATRIMONIAL

BATALHÃO DE COMANDO E SERVIÇOS

DIVISÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS

AJUDÂNCIA-GERAL

DIVISÃO DE ENSINO

CORPO DE CADETES

HOSPITAL ESCOLAR

ASSESSORIA JURÍDICA

(*) ÓRGÃO DE CONSTITUIÇÃO VARIÁVEL

Fonte: MINISTÉRIO DA DEFESA, Regimento Interno da AMAN, 2002, p. 21

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ANEXO 3 – GRADE CURRICULAR DO CURSO DE INFANTARIA

Quadro 86 - Grade Curricular do Curso de Formação de Oficiais da Arma de Infantaria Fonte: AMAN, Proposta de Modificações no Documento de Currículo do Curso de Formação de Oficiais, 2006.

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