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1
MARTIM DE ALMEIDA SAMPAIO
DESAFIOS DO DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL NA
CONTEMPORANEIDADE EM FACE DO AQUECIMENTO GLOBAL
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
PUC/SP
SÃO PAULO
2007
2
MARTIM DE ALMEIDA SAMPAIO
DESAFIOS DO DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL NA
CONTEMPORANEIDADE EM FACE DO AQUECIMENTO GLOBAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em Direito das Relações
Internacionais, sob a orientação do Professor
Doutor Cláudio Finkelstein.
PUC/SP
SÃO PAULO
2007
3
Banca Examinadora
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
4
A Heidi, Eduardo e Cecília,
Ans Love
5
Agradeço
Ao Departamento de Pós-Graduação Stricto Sensu da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, pela acolhida
e pelo pronto atendimento.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Cláudio Finkelstein,
por sua generosidade intelectual e pessoal,
que tornou possível a elaboração deste trabalho.
Ao amigo Prof. Dr. Mauricio Scheimann,
pela eterna amizade e pelos sábios conselhos.
Ao amigo Prof. Dr. Jonathan Marcantonio,
pela amizade e colaboração.
Aos meus pais, Sérgio de Almeida Sampaio
e Anna Lygia de Almeida Sampaio, e ao meu irmão,
Antônio Américo de Almeida Sampaio, in memoriam.
6
Let the great gods
That keep this dreadful puder o’er our heads
Find out their enemies now. Tremble, thou wretch
That hast within thee undivulged crimes
Unwhipped of justice. Hide thee, thou bloody hand,
Thou perjured, and thou similar virtue
That art incestuous. Caitiffs, to pieces shake,
That under covert and convenient seeming
Has practiced on man’s life. Close pent-up guilts,
Rive your concealing continents, and cry
These dreadful summoners grace. I am a man
More sinned against than sinning.
(William Shakespeare – King Lear, III.2)
7
RESUMO
O conceito de soberania, ao longo dos séculos, tem adquirido dimensões
diferenciadas. A partir do século XX, adquire um contorno eminentemente jurídico. Após
1945, com o surgimento de novos Estados no plano internacional, bem como o surgimento
das denominadas organizações internacionais, o conceito tradicional de soberania foi
profundamente alterado. Aliado a este fato, temos um novo fenômeno denominado
globalização, que afetou drasticamente as relações humanas, políticas, jurídicas e sociais. O
capitalismo experimentou um ciclo de expansão e com ele trouxe, transversalmente, um novo
problema a ser enfrentado pela humanidade denominado aquecimento global. O presente
trabalho visa analisar as diversas vertentes deste tema para, ao final, apresentar uma conclusão
que transcende ao campo jurídico, superando os limites concernentes ao desenvolvimento
sustentável, propondo uma abordagem multidisciplinar.
Palavras-chaves
Direito Internacional – Comércio Internacional – Meio Ambiente – Aquecimento Global –
OMC – Tratados Internacionais.
8
ABSTRACT
The sovereignty concept, beyond the centuries had acquired different meanings.
Since the 20th Century, its concept have changed into a juridical category. After 1945, news
States have emerged in the international field, as well the international organizations, and its
have caused a profound changing in the sovereignty concept. Added to this fact, a new
phenomena, designed by globalization affected dramatically the human, political, juridical
and social relationship. The capitalism had experienced a cycle of prosperity, bringing with it
a new problem to be faced by the humanity named global warming. The present paper ash to
analyze different views to conclude, at last that the solution of this problem is over the
juridical boundaries, as well the sustainable development, proposing a new and
multidisciplinary view
Key-words
International Law – International Trade Law – Environment – Global Warming – WTO –
International Agreements
9
LISTA DE SIGLAS
ADPIC – Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao
Comércio (Acordo TRIPs ou Acordo ADPIC)
AELC – Associação Européia de Livre Comércio
AGCS – Accord Général sur le Commerce des Services
AIEA – Agência Internacional de Energia Atômica
ALADI – Associação Latino-Americana de Integração
ALALC – Associação Latino-Americana de Livre Comércio
ALCA – Acordo de Livre Comércio das Américas
BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento
BM – Banco Mundial
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CCI – Câmara de Comércio Internacional
CCMA – Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente
CCRVMA – Convenção sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos
CDB – Convenção sobre Diversidade Biológica
CDS – Comitê de Desenvolvimento Sustentável
CE – Comunidade Européia
CECA – Comunidade Européia do Carvão e do Aço
CIA – Central Intelligence of America
CIMT – Convenção Internacional sobre Madeiras Tropicais
CIPF – Acordo Internacional para a Proteção dos Vegetais
CITES – Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora
Selvagens em Perigo de Extinção
CMNUCC – Convenção sobre Mudanças Climáticas
CNUMAD – Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
DSB – Dispute Settlement Body
ECOSOC – United Nations Economic and Social Council
EMIT – Environmental Measures and International Trade
EUA – Estados Unidos da América
FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations
10
FMI – Fundo Monetário Internacional
GATT – General Agreement on Tariffs and Trade
ICCAT – Convenção Internacional para Conservação do Atum no Atlântico
ICSID – International Centre for Settlement of Investment Disputes
IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change
IPGRI – Instituto Internacional de Recursos Fotogenéticos
IUPN – International Union for the Protection of Nature
IVA – Imposto sobre Valor Agregado
MAI – Acordo Multilateral sobre Investimentos
MERCOSUL – Mercado Comum do Cone Sul
MIGA – Multilateral Investment Guarantee Agency
MIT – Massachusetts Institute of Technology
NAAEC – North American Agreement on Environmental Cooperation
NAFTA – North America Free Trade Agreement
NATO – North-Atlantic Treatment Organization
OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
OIC – Organização Internacional do Comércio
OIMT – Organização Internacional de Madeiras Tropicais
OMC – Organização Mundial do Comércio
OMI – Organização Marítima Internacional
OMPI – Organização Mundial de Propriedade Intelectual
OMS – Organização Mundial da Saúde
ONU – Organização das Nações Unidas
ONUDI – Organização das Nações Unidas para Desenvolvimento Industrial
OPA – Órgão Permanente de Apelação
OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo
OSC – Órgão de Solução de Controvérsias
OSCE – Organization for Security and Co-operation in Europe
PED – Países em Desenvolvimento
PIC – Convenção de Roterdã sobre o Procedimento de Consentimento Prévio Informado para
o Comércio Internacional de Certas Substâncias Químicas e Agrotóxicas Perigosas
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
POPs – Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes
RDA – República Democrática Alemã
11
SEAFDEC – Southeast Asian Fisheries Development Center
SELA – Sistema Econômico Latino-Americano
SGT – Subgrupo de Trabalho (Mercosul)
TEC – Tarifa Externa Comum
TRIMs – Agreement on Trade-Related Investment Measures
TRIPs – Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights
UE – União Européia
UN – United Nations
UNCCUR – United Nation’s Conference on Conservation and Use of Resources
UNCED – United Nations Conference on Environment and Development
UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
WHO – World Health Organization
WMO – World Metereological Organization
WTO – World Trade Organization
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................15
1 GLOBALIZAÇÃO – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES.............................................171.1 Doutrina sobre a Globalização .......................................................................................191.2 Estado-Nação..................................................................................................................22
1.2.1 Paz de Westphalia .................................................................................................231.2.2 A era das revoluções .............................................................................................241.2.3 Da nova demanda legal .........................................................................................26
1.3 Globalização e Direito ....................................................................................................271.3.1 Empresas transnacionais e a soberania dos Estados .............................................29
1.4 A Era dos Blocos Econômicos .......................................................................................301.5 Difusão do Fenômeno.....................................................................................................341.6 Benefícios .......................................................................................................................351.7 O outro lado....................................................................................................................36
2 A FORMAÇÃO DO SISTEMA MULTILATERAL............................................................402.1. Antecedentes Históricos ................................................................................................42
2.1.1 O wilsonismo ........................................................................................................422.2 A Formação do Sistema Multilateral..............................................................................46
2.2.1 Bretton Woods ......................................................................................................472.2.2 Fundo Monetário Internacional.............................................................................492.2.3 Banco Mundial e OIC ...........................................................................................49
2.2.3.1 GATT 1947...............................................................................................502.3 Rumo à Organização Mundial do Comércio ..................................................................52
2.3.1 A Rodada do Uruguai e a formação da OMC.......................................................542.3.1.1 A constituição da OMC ............................................................................572.3.1.2 O legado do GATT na OMC ....................................................................57
2.3.1.2.1 Nação mais favorecida – NMF (art. I) ......................................572.3.1.2.2 Listas de concessões (art. II) .....................................................582.3.1.2.3 Tratamento nacional – igual tratamento para nacionais e estrangeiros (art. III)..................................................................582.3.1.2.4 Transparência (art. X)................................................................582.3.1.2.5 Eliminação de restrições quantitativas (art. XI) ........................59
2.4 Liberalização Comercial Gradual mediante Negociações..............................................592.5 Natureza Jurídica ............................................................................................................592.6 Acordo Constitutivo e Demais Documentos ..................................................................612.7 Órgãos da OMC..............................................................................................................62
2.7.1 Conferência Ministerial (Ministerial Conference)................................................622.7.2 Conselho Geral......................................................................................................622.7.3 Órgão de Solução de Controvérsias – OSC (Dispute Settlement Body – DSB)....632.7.4 Órgão Permanente de Apelação – OPA (Standing Appellate Body).....................642.7.5 Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente............................................................64
13
2.8 Outros Atores de Relevância no Comércio Mundial......................................................672.8.1 União Européia......................................................................................................672.8.2 Mercosul................................................................................................................702.8.3 Rumo à integração.................................................................................................722.8.4 Nafta......................................................................................................................77
3 MEIO AMBIENTE COMO DISCIPLINA JURÍDICA........................................................813.1 Considerações Introdutórias ...........................................................................................813.2 Da Revolução Industrial a 1945 .....................................................................................823.3 De 1945 a Estocolmo......................................................................................................873.4 De Estocolmo a Rio-92 ..................................................................................................89
3.4.1 Catástrofes ambientais ..........................................................................................953.4.2 Convenção da Biodiversidade...............................................................................983.4.3 Agenda 21 .............................................................................................................993.4.4 O Protocolo de Kyoto..........................................................................................101
3.5 Fontes do Direito Ambiental Internacional ..................................................................1033.5.1 Jus Scriptum ........................................................................................................1053.5.2 Costume internacional.........................................................................................1053.5.3 Princípios gerais do Direito Ambiental Internacional.........................................1063.5.4 Doutrina internacional.........................................................................................108
3.6 Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas e Relatório Stern .......................1093.6.1 Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas ..........................................1093.6.2 Relatório Stern ....................................................................................................111
3.7 Outras Considerações ...................................................................................................111
4 AQUECIMENTO GLOBAL – HIER ÇA IRA MIEUX.......................................................1134.1 Breve Digressão............................................................................................................1134.2 Direito ao Desenvolvimento como Direito Humano Fundamental ..............................116
4.2.1 Direitos humanos de primeira e segunda dimensão ...........................................1164.2.1.1 Uma visão particularizada do direito fundamental ao desenvolvimentoeconômico e social – direitos humanos de terceira dimensão. ...........................1194.2.1.2 Dos direitos humanos de quarta dimensão .............................................121
4.3 A Constituição Federal de 1988 e a Proteção ao Meio Ambiente................................1224.4 A Nova Visão dos Direitos Humanos...........................................................................1264.5 Desenvolvimento, Recursos Naturais e Soberania .......................................................127
4.5.1 Princípio jurídico do desenvolvimento sustentável.............................................1274.5.2 Princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais ...........................130
4.5.2.1 Um necessário parêntese.........................................................................1334.6 Difusão Jurídica Internacional......................................................................................1354.7 Matriz das Medidas Comerciais Contidas nos Determinados Acordos Multilaterais sobre o Meio Ambiente ................................................................................................135
4.7.1 Acordo Internacional para a Proteção dos Vegetais (CIPF) ...............................1364.7.2 Convenção Internacional para Conservação do Atum no Atlântico (ICCAT) ...1364.7.3 Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens em Perigo de Extinção (Convenção Cites) .......................................1364.7.4 Convenção sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos (CCRVMA) .......................................................................................137
14
4.7.5 Convenção de Viena sobre a Camada de Ozônio e Protocolo de Montreal (PM) sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio ......................................1374.7.6 Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e Seu Depositário ...........................................................1374.7.7 Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) ................................................1384.7.8 Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança da Convenção sobre Diversidade Biológica.........................................................................................1384.7.9 Convenção sobre Mudanças Climáticas (CMNUCC).........................................1384.7.10 Protocolo de Kyoto ...........................................................................................1394.7.11 Convenção Internacional sobre Madeiras Tropicais (CIMT) ...........................1394.7.12 Convenção de Roterdã sobre o Procedimento de Consentimento Prévio Informado para o Comércio Internacional de Certas Substâncias Químicas e Agrotóxicos Perigosos (PIC).............................................................................1394.7.13 Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs)......1394.7.14 A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar...................................141
4.8 Observações Ultimadas ................................................................................................141
5 CONCLUSÃO.....................................................................................................................143
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................146
15
INTRODUÇÃO
O tema proposto visa uma análise da interação das questões do comércio
internacional e do meio ambiente. Como é sabido, após a Revolução Industrial houve uma
aceleração dos processos industriais e econômicos, ocorrendo uma interferência, em ampla
escala, do homem no meio ambiente. Esse procedimento foi acelerado com a expansão do
comércio internacional, notadamente após o período que se convencionou designar
globalização.
Este tema, durante os séculos XVIII, XIX e parte do século XX, foi relegado,
olvidando-se a humanidade dos efeitos danosos que a utilização incorreta dos recursos
naturais poderia gerar.
A partir da Conferência do Clima em Estocolmo em 1972, o meio ambiente torna-
se uma disciplina jurídica – embora possua caráter multidisciplinar – e vários são os acordos
que vêm a ser firmados a seguir. Outro importante marco da historiografia ambiental diz
respeito à ECO/92, conferência na qual houve diversas decisões e declarações de princípios,
entre os quais das mais importantes foram a opção pelo desenvolvimento sustentável e a
Agenda 21. Não menos importante, e como conseqüência desses eventos, foi a celebração do
Protocolo de Kyoto, que estabeleceu metas para a redução da emissão de carbono na
atmosfera.
Incidentalmente, a partir da Conferência de Nairóbi e da Carta de Paris, a
comunidade mundial foi alertada pelo chamado aquecimento global. É, pois, a interconexão
desses diversos elementos que nos propomos a examinar, verificando algumas hipóteses que,
ao termo desta dissertação, serão sopesadas.
O presente trabalho analisa o Direito ao Desenvolvimento1 em suas dimensões
social, ambiental e institucional, e o que a terminologia jurídica correta denomina de
1 “DECLARAÇÃO SOBRE O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO (1986) – Art. 1 – 1. O direito ao
desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos
16
desenvolvimento sustentável visando garantir um mínimo de integridade e perspectivas às
presentes e futuras gerações.
A hipótese central da tese consiste em analisar se o processo de globalização e sua
mais recente problematização – o aquecimento global – têm o potencial de afetar os
paradigmas jurídicos do Direito Internacional enquanto ciência autônoma, tal qual a
importância outorgada ao conceito de soberania, o Direito aplicável às relações públicas e
privadas, o equilíbrio entre o binômio desenvolvimento e preservação, entre outras
implicações, para concluir ao seu final que, ou a ciência avança e supera de forma científica
esse desafio, dispondo de alternativas que compatibilizem o desenvolvimento com a
sustentabilidade, ou a humanidade será obrigada a modificar o seu modus vivendus,
produzindo transformações radicais nas ciências, principalmente no campo do Direito.
estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir edele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamenterealizados. 2. O direito humano ao desenvolvimento também implica a plena realização do direito dos povosde autodeterminação que inclui, sujeito às disposições relevantes de ambos os Pactos Internacionais sobreDireitos Humanos, o exercício de seu direito inalienável de soberania plena sobre todas as suas riquezas erecursos naturais”. Para maiores informações, vide <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/spovos/lex170a.htm>.
17
1
GLOBALIZAÇÃO2 – CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Com a crise do petróleo ocorrida a partir de 1973, originada pelo conflito bélico
árabe-israelense, e artificialmente inflada pelo lobby da Organização dos Países Exportadores
de Petróleo (Opep), o modelo econômico de desenvolvimento começou a ser revisto.
Talvez, pela primeira vez no século XX a carência de recursos energéticos deixa
de ser objeto de mera especulação acadêmica para se tornar, de fato, um desafio à
continuidade da expansão econômica industrial e da sobrevivência das espécies em seu
habitat. Os reflexos se espargem no vasto domínio da atividade da humanidade, que,
debruçada no dilema da escassez versus desenvolvimento, procura uma resposta para uma
conjuntura sem paralelo nos anais da história.
Kissinger3 narra os episódios ocorridos então:
“No limiar de 1972, a Texas Railroad Commission, organização que estabelecia ostetos da produção americana, viu-se obrigada a tomar fatídica decisão, embora, naocasião, passasse despercebida. Como a demanda tinha chegado a um ponto quepodia provocar uma explosão dos preços, a comissão autorizou a produção plena. Eesta decisão, aparentemente técnica, sinalizou o fim da possibilidade de só EUAestabelecer o preço mundial. (...) Desta forma, o estabelecimento do preço mudou-seda Texas Railroad Commission para o local de reunião da OPEP – Organização dosPaíses Produtores de Petróleo. (...) O que fez o preço do petróleo subir não foi nem oembargo nem os cortes na produção. Foi puro e simples pânico.”4
Em conseqüência do panorama político-econômico,5 começa a se processar uma
transformação tecnológica sem precedentes nas esferas política, social, industrial e cultural.
2 De forma pontual e para iniciar as discussões deste capítulo, uma boa definição sobre o tema pode ser
encontrada em Relatório da CIA: como será o mundo em 2020. Tradução de Cláudio Blanc e Marly NettoPeres. São Paulo: Ediouro, 2006. p. 102, quando estabelece como globalização a “crescente inter-relaçãorefletida nos fluxos de informação, tecnologia, capital, bens, serviços e pessoas em todo o Mundo (...)”.
3 KISSINGER, Henry. Memórias. Tradução de Joubert de Oliveira Brízida. Rio de Janeiro: UniverCidade,2001. 3 v., p. 686-687.
4 A Texas Railroad Commission aqui referida era a agência à época competente para estabelecer os tetos deprodução do petróleo norte-americano.
5 O cenário internacional da década de 1970 foi dominado pela Guerra do Vietnã, que durou de 1958 a 1975. Oenvolvimento progressivo dos Estados Unidos na guerra teve como pretexto um hipotético ataque norte-
18
Os ciclos econômicos, representados por uma concepção de administração verticalizada e
concentradora, foram sendo alternados por modelos horizontais, com o claro propósito de
redução dos custos de produção e maximização dos resultados. Daí resultam abordagens
inovadoras no campo da ciência da administração, como a terceirização e a reestruturação dos
negócios.
Esse ciclo acentua a necessidade de reorganizar os processos econômicos, o que
se denominou reengenharia de processos, bem como a aplicação de elevada dose de
tecnologia via informatização, por meio da redução de custos, da eliminação de etapas,
especializando-se os processos, criando-se novos parâmetros e valores culturais e
dispersando-se os meios de produção.
Nesse panorama, o Comércio Mundial experimentou um ciclo de expansão. É de
rigor registrar que, com a alta do petróleo, houve um crescimento da oferta de dólares
(petrodólares), o que propiciou um incremento da corrente comercial, via
exportação/importação.
A ocorrência desses fatores em conjunto deu início para o que a vulgata,6-7
atualmente, denomina globalização, embora ela possua designações plurívocas. As principais
características da globalização são: a homogeneização dos centros urbanos; a expansão das
corporações para regiões fora de seus núcleos geopolíticos criando novos vetores, ou seja, a
formação das TNS;8 a revolução tecnológica nas comunicações e na eletrônica, com a
convergências de mídias; a reorganização geopolítica do mundo em blocos comerciais
regionais (não mais ideológicos como ao tempo da Guerra Fria); e a hibridização entre
culturas populares locais e uma cultura de massa9 supostamente universal, entre outros traços
distintivos.
vietnamita aos seus navios USS Maddox e USS C. Turney Joy enquanto patrulhavam o golfo de Tonquim,em julho de 1964.
6 “… espalhado, propagado, que é de domínio público, prostituído, divulgado, publicado”. ConformeHOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 2884,verbete vulgata.
7 “A despeito das diversidades civilizatórias, culturais, religiosas, lingüísticas, históricas, filosóficas,científicas, artísticas e outras, o inglês tem sido adotado como a vulgata da civilização.” IANNI, Octavio.Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 22.
8 TNS – empresas transnacionais.9 Para maiores esclarecimentos sobre o tema, vide ORTEGA Y GASSET. Rebelião das massas. São Paulo:
Martins Fontes, 2002.
19
Importante e atualizada indagação nos lança Gasset, a teor de quase um século já
ter transcorrido desde então:
“Em tais casos teríamos que dirigir nossa pergunta ‘Quem Manda no Mundo?’ acada grupo de convivência. Mas desde o século XVI toda a humanidade entrou numgigantesco processo de unificação, que em nossos dias chegou a seu pontoinsuperável. Já não há pedaço da humanidade que viva a parte – não há ilhas dehumanidade. Portanto, desde aquele século pode-se dizer que quem manda nomundo exerce, de fato, sua influência autoritária sobre ele todo. Foi esse o papel dogrupo homogêneo formado pelos povos europeus durante três séculos. A Europamandava, e sob sua unidade de mando o mundo vivia com estilo unitário, ou pelomenos progressivamente unificado. Esse estilo de vida costuma denominar-se ‘IdadeModerna’, nome nebuloso e inexpressivo sob o qual se esconde esta realidade: épocade hegemonia européia.”10
1.1 DOUTRINAS SOBRE A GLOBALIZAÇÃO
Ante o colocado, nota-se que o fenômeno trazido à tona com o nome de
globalização denota características distintas, que oscilam conforme o enfoque e a
preocupação com o seu teor. Dessa forma, sua conceituação e seus efeitos variam de autor
para autor.
Neste sentido, um dos pareceres de relevo no cenário contemporâneo é o de
Ianni,11 ao observar:
“A globalização tende a desenraizar as coisas, as gentes e as idéias. Sem prejuízo desuas origens, marcas de nascimento, determinações primordiais adquirem algo dedescolado, genérico, indiferente. Tudo tende a desenraizar-se: mercadorias,mercado, moeda, capital, empresa, agência, gerência, know how, projeto,publicidade, tecnologia (...). Aos poucos, predomina o espaço global em tempoprincipalmente presente (...).”12
De outro prisma, o cientista político Huntington,13 considerado um apologético do
neocon14 norte-americano, entende a globalização como processo de expansão da cultura
10 Ibid., p. 162.11 IANNI, Octavio. Desafios da globalização. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 45.12 Esta é uma visão marcadamente antropológica do fenômeno.13 HUNTINGTON, Samuel. El choque de civilizaciones y la reconfiguración del orden mundial. Tradução de
José Pedro Tosaus Abadia. Barcelona: Paidós, 2005. p. 40.14 Neocon é como se denominam os intelectuais norte-americanos que influenciam o pensamento de George W.
Bush. Entre eles destacamos Norman Podhoretz, Gertrude Himmelfarb, Michael Novak, Mona Charen, KateO'Beirne, Paul Gigot e Irwin Stelzer.
20
ocidental e do sistema capitalista sobre os demais modos de vida e de produção do mundo, o
que conduziria inevitavelmente a um “choque de civilizações”. Dessa forma, ele assevera que:
“Contribuições de culturas imigrantes modificaram e enriqueceram a cultura anglo-protestante dos primeiros colonizadores. No entanto, pontos essenciais dessa culturafundadora continuaram sendo como fundamento da identidade americana, pelomenos até as últimas décadas do século XX. Será que os Estados Unidos seriam opaís que foram e que, em grande parte, são até hoje se tivessem sido colonizados,nos sécs. XVII e XVIII, não por protestantes ingleses, mas por católicos franceses,espanhóis ou portugueses? A resposta é não. Não seriam os Estados Unidos; seriamQuebec, o México ou o Brasil (...). A identidade nacional dos Estados Unidos, comoa de outro Estado-nação, se vê desafiada pelas forças da globalização.”15
Afirma também que16 “A globalização é um fenômeno capitalista e complexo que
começou na época dos descobrimentos e que se desenvolveu a partir da Revolução
Industrial”. Ainda para o autor, o conteúdo desse fenômeno passou despercebido e, segundo
ele, hoje alguns economistas analisam a globalização como resultado do pós-Segunda Guerra
Mundial, ou como resultado da Revolução Tecnológica.
Ash,17 sobre essa questão, observou:
“Com o desaparecimento do Leste comunista e o fim da Guerra fria, o Ocidentevagarosamente descendeu em uma crise. Há vozes de discordância desde 1990,como uma tempestade, bem como uma especulação sem fim sobre uma nova ordemmundial. No início do Século XXI a tempestade acabou. Quando um grupo deterroristas islâmicos pilotou dois aviões nas torres gêmeas do World Trade Centerem Nova York, pareceu que a mais influente predição do Pós Guerra Fria estava setornando verdade. Aqui estava Huntington e o seu ‘choque de civilizações’. Que sedenominava de Islã.”18
Em outra direção, o pensador italiano Negri19 defende que a nova realidade
sociopolítica do mundo é definida por uma forma de organização diferente da hierarquia
vertical ou das estruturas de poder “arborizadas” (ou seja, partindo de um tronco único para
diversas ramificações ou galhos cada vez menores). Para Negri, essa nova dominação é
15 Essa concepção de cunho nitidamente cultural vem a justificar as seguidas intervenções bélicas norte-
americanas pelo mundo.16 Ibid., p. 40.17 ASH, Timothy Garton. Free word: why a crisis of the west reveals the opportunity of our time. London:
Pingüim Book, 2004. p. 8.18 “With the disappearance of the communist East at the end of the Cold War, this West slowly descended into
crisis. There were omens of discord throughout the 1990s, like a gathering storm, as well as endlessspeculation about what the new world order, or disorder, might be. At the beginning of the twenty-firstcentury, the storm broke. When a group of Islamist terrorists flew two airplanes into the twin towers of theWorld Trade Center in New York, it seemed that the most influential prediction for the shape of the post-Cold War world was coming true. Here, surely, was Samuel Huntington’s ‘clash of civilizations’. Islam.
19 NEGRI, Antonio. Império. Rio de Janeiro: Record. 2001. p. 12.
21
assimétrica, e as relações de poder se dão mais por via cultural e econômica do que pelo uso
coercitivo de força.
Vale registrar a importante observação de Villa e Tostes de que,
“Desde a publicação da Paz Perpétua de Kant, em 1796, um tema recorrente temsido o da democratização do sistema internacional. Mas o que isso significarealmente? É possível deduzir o funcionamento do sistema de Estados de princípiose práticas próprias das democracias nos Estados nacionais? Face ao fenômeno daglobalização, colocam-se outras questões: qual é o locus territorial apropriado para aidéia de democracia como prática transnacional? Nos últimos 20 anos houve umaforte retomada dos enfoques que discutem as relações entre democracia e sistemainternacional. Em uma primeira linha de argumentações podemos destacar os neo-idealistas, que têm retomado as teses da paz democrática em bases históricascontemporâneas – Michael Doyle (2000) tem-se transformado numa referênciaimportante nessa linha de pesquisa. Uma segunda proposição, que oscila entre umavisão normativa e o comprometimento com um projeto de hegemonia globalestadunidense, tem declarado o fim das ideologias, tendo a globalização da idéiademocrática como ponto final das doutrinas políticas (Fukuyama, 1989).Finalmente, uma terceira linha de argumentações tem enfatizado as basestransnacionais da democracia nos efeitos da globalização e na institucionalização deum sistema democrático global de governança. Dahl (1994), Held (1998) e Falk(1995), entre outros, podem ser relacionados como autores que têm discutido essestrês temas. E é nesse terceiro grupo que focamos a análise neste artigo. O objetivo émostrar e tensionar os desconfortos, hipóteses fortes e teses otimistas e/oupessimistas que perpassam os vínculos entre o modelo westphaliano internacional desoberania, a democratização do sistema internacional e a sociedade civilinternacional.”20
A despeito das várias visões que se possa ter do mesmo fenômeno que varre o
globo nas últimas décadas, uma nova formação econômica surgiu no panorama mundial e,
como via de conseqüência, estruturas jurídicas foram elaboradas para dar conteúdo e forma a
essa nova dinâmica internacional e criar uma moldura jurídica para essa fenomenologia,
trazendo para a agenda mundial novos tópicos, que certamente ganharam ênfase, como
direitos humanos, meio ambiente, competitividade internacional e principalmente soberania.
20 VILLA, Rafael Duarte; TOSTES, Ana Paula Baltasar. Cosmopolitan democracy versus international politics.
Lua Nova. [online]. 2006, n. 66 [cited 2007-04-26], p. 69-107. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0102-64452006000100005&lng=en&nrm=iso>.ISSN 0102-6445.
22
1.2 ESTADO-NAÇÃO
A globalização se choca frontalmente com as idéias de soberania advogadas por
Jean Bodin,21 como bem observa Martins Filho22 ao dizer que Bodin intenta uma postura
política intermediária entre o realismo de Maquiavel23 e o idealismo de Hobbes,24 mantendo,
no entanto, uma política desvinculada da ética.
Maquiavel, em sua obra Discursos sobre a primeira década de Tito Livio,
demonstra claramente sua visão realista, embasada em um pragmatismo na política,
apartando-se de uma visão idealista, consoante se denota do seguinte transcrito:
“A pátria deve ser defendida com ignomínia ou com glória, e de qualquer modo estábem defendida.E, assim, foi seguido o seu conselho. E tal coisa é digna de nota e observância porqualquer cidadão a quem cumpra aconselhar sua pátria: porque, quando se deliberasobre a salvação da pátria, não se deve fazer consideração alguma sobre o que éjusto ou injusto, piedoso ou cruel, louvável ou ignominioso; ao contrário,desprezando-se qualquer outra consideração, deve-se adotar plenamente a medidaque lhe salve a vida e mantenha a liberdade. E isso é imitado, com ditos e feitos,pelos franceses, para defenderem a majestade de seu rei e o poder de seu reino;porque nada ouviram com mais impaciência do que palavras que disserem: ‘Estadecisão é ignominiosa para o rei’; pois dizem que seu rei não pode envergonhar-sede nenhuma deliberação sua, seja-lhe boa ou adversa a fortuna, pois dizem que,perdendo ou vencendo, tudo é obra de rei.”25
Em sua obra Six livres de la république (Os seis livros da república), publicada
em 1576, quatro anos após a Noite de São Bartolomeu, em que milhares de huguenotes26
parisienses foram massacrados, Bodin elabora uma doutrina na qual há a supremacia do rei,
determinando que a soberania é um poder perpétuo, ilimitado, absoluto, dentro dos limites
estabelecidos por essas leis. Como observado, a visão de Bodin é sobretudo uma visão
política de Estado, conforme a seguir:
21 Monge Carmelita que viveu de 1529-1596, e concebe a idéia de um Estado onde a soberania se exerce pelo
fato de ditar leis sem o consentimento do súdito.22 MARTINS FILHO, Ives Gandra. Manual esquemático de filosofia. São Paulo: LTr, 2004. p. 131.23 Niccolò di Bernardo dei Machiavelli foi uma das figuras mais proeminentes do Renascimento italiano. Sua
principal obra política é O príncipe.24 Thomas Hobbes, político e filósofo inglês, autor de Leviatã (1651) e Do cidadão (1651).25 MAQUIAVEL, Nicolau. Discursos sobre a primeira década de Tito Livio. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
p. 442 e segs.26 Nos séculos XVI e XVII, os protestantes da França eram chamados huguenotes. A maioria dos huguenotes
eram calvinistas. Maiores informações vide sitio eletrônico <http://www.thirdmill.org/files/portuguese/86149~11_1_01_10-32->.
23
“Respondi que nunca ocorrera tal fato, e que não ocorreria, nem mesmo poderia seimaginar que as marcas da soberania são sem submissão, pois aquele que terá opoder de fazer a lei a tudo, a qualquer um, sem que se possa apelar, nem mesmo seopor a seus mandos, ele proibirá a todos, respeitará de fazer a paz ou a guerra, oubens, ou fé ou honras sem sua permissão, e a esse a quem ele lhe deverá obediênciae mesmo o povo deverá obedecer a somente ele e mais ninguém, o quanto seránecessário por ele lutar, até que a soberania permaneça apenas com apenas umpríncipe ou com uma pequena parte do povo.”27
Bodin não pode ser classificado como um teórico da dimensão do
contratualismo,28 como é o caso de Rousseau, porquanto, em sua concepção, o soberano
exerce o poder ditando leis sem o consentimento dos súditos. Essa concepção baseia-se no
summa potestas,29 na ordem interna, e o poder independente na esfera externa. Tais idéias
começam a ganhar forma a partir do século seguinte.
Compete confrontar o pensamento de Bodin com o de More,30 que adota um
pensamento idealista, escrevendo a obra clássica Utopia, na qual idealiza uma ilha onde não
haveria propriedade privada, governo, riquezas, e haveria igualdade entre todos e liberdade
religiosa, por exemplo.
1.2.1 Paz de Westphalia
No século posterior teremos a chamada Paz de Westphalia, que findou a Guerra
dos Trinta Anos (1618-1648), fruto de conflitos religiosos e políticos tendo, de um lado, o
Imperador Frederico III Habsburgo do Sacro Império Romano-Germânico, e de outro, as
cidades-Estado comerciais do norte da Alemanha, que eram autônomas.
27 “J’ai répondu qu'il ne s’en est jamais trouvé, et qu'il nesepeut faire, ni même imaginer attendu que les
marques de souveraineté sant inclivisible; car celui qui aura puissance de faire la loi à tout, n’importe qui,sans qu'on en puisse appeler, ni même s’opposer à ses mandements, il defendre aux autres de faire ni paix niguerre, ni leventailles, ni rendre la foi et nommage sansson congé; et celui à qui sera due la foi et hommagelige obligera la noblesse et le peuple de ne prêten obéissance a autre qu'a lui, tellement qu'il faudra toujoursveniz aux armes, jusqu’à ce que la souveraineté reste juste avec un prince ou à la moindre partie du peuple”(tradução livre). BODIN, Jean. Collection le Jardin du Luxembourg. Librairie de Medicis, 1949.
28 Para maiores esclarecimentos, veja: ROUSSEAU, Jean Jacques. O contrato social. São Paulo: Abril, 1973.29 O poder supremo.30 MORE, Thomas. Utopia. Porto Alegre: L&PM, 1992.
24
A Paz de Westphalia31 reconheceu uma sociedade de Estados fundada nos
princípios da soberania territorial, da não-intervenção em assuntos internos dos demais, e da
independência dos Estados, detentores de direitos jurídicos equivalentes na esfera
internacional a serem observados e respeitados pelos demais membros. Todas as formas de
governo passam a ser legítimas e se estabelece o princípio de tolerância e da liberdade
religiosa.
A Paz de Westphalia, assim, consubstancia o chamado Estado-nação, princípio
que norteou nos séculos seguintes as relações interestatais.
Estabelece-se o trinômio “Soberania/Povo/Território” como definidor da
expressão Estado, com as conhecidas conseqüências no altiplano jurídico.
1.2.2 A era das revoluções
Em 1689,32 na Inglaterra, após conflitos entre as classes dominantes representadas
pela monarquia,33 é outorgada a Bill of Rights, que, entre outras providências, determina a
garantia à liberdade, à vida e à propriedade privada,34 assegurando poderes à burguesia. No
século seguinte, surge o Iluminismo,35 e teremos dois importantes eventos históricos.
De início, a Revolução Americana, surgida da excessiva cobrança de tributos por
parte da Coroa inglesa,36 resultou na independência das 13 colônias norte-americanas37 e na
elaboração da Declaração de Independência dos Estados Unidos.38-39
31 A Paz de Westphalia refere-se aos Tratados de Münster e de Osnabrück assinados em outubro e maio 1648
que puseram fim à Guerra dos Trinta Anos. Posteriormente temos assinatura dos Tratados dos Pirineus em1659, dando início ao que os historiadores denominaram “era moderna”.
32 Carta Constitucional assinado por Guilherme de Orange que pôs fim à Revolução Gloriosa em 1689.33 Guilherme de Orange versus os lordes ingleses.34 Entre outras determinações, que é ilegal toda a cobrança de impostos para a Coroa sem o concurso do
Parlamento, sob o pretexto de prerrogativa, ou em época e modo diferentes dos designados por ele próprio(tradução livre).
35 Período histórico demarcado pelo ressurgimento das idéias e do antropocentrismo.36 A Revolução Americana de 1776 tem origem na Guerra dos Sete Anos.37 As 13 colônias são Massachusetts, Rhode Island, Connecticut, New Hampshire, Nova Jersey, Nova York,
Pensilvânia, Delaware, Virgínia, Maryland, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia.38 A Constituição em 1787, vigente até hoje, institui o federalismo, a soberania da nação e a divisão tripartida
dos poderes.39 “Quando, no Curso dos acontecimentos humanos, torna-se necessário a um povo dissolver os laços políticos
que o ligam a outro e assumir, entre os poderes da Terra, situação independente e igual a que lhes dão direito
25
Em 1789, teremos a Revolução Francesa,40 que derruba a monarquia e, em seu
lugar, proclama a República. Sob o impacto das idéias iluministas, Montesquieu formula sua
célebre teoria da separação dos poderes, ou tripartição dos poderes de Estado, desenvolvida
no livro O espírito das leis.41
As idéias de Montesquieu remontam a cem anos anteriores, principalmente às
teses desenvolvidas por John Locke,42 que construiu um pensamento jurídico baseado na
noção de governo com o consentimento dos governados diante da autoridade constituída,43 e
tendo como base a proteção da propriedade privada. Em seus dizeres:
“(...) o objetivo capital e principal da união dos homens em comunidades sociais ede sua submissão a governos é a preservação de sua propriedade. O estado deNatureza é carente de muitas condições.Em primeiro lugar, ele carece de uma lei estabelecida, fixada, conhecida, aceita ereconhecida pelo consentimento geral, para ser o padrão do certo e do errado (...).Em segundo lugar, falta no estado de natureza um juiz conhecido e imparcial, comautoridade para dirimir todas as diferenças segundo a lei estabelecida (...).Em terceiro lugar, no estado de natureza, freqüentemente falta poder para apoiar emanter a sentença quando ela é justa, assim como para impor sua devida execução(...).”44
A noção de tripartição dos poderes, ou, ainda, horizontalização dos poderes, uma
vez que há uma relação horizontal de equivalência entre eles, perdura até o presente momento
nas diversas Cartas Republicanas. Evidentemente, não podemos ignorar que o
constitucionalismo moderno se adaptou às circunstâncias históricas, mas é certo que até o
início do ciclo da globalização, que didaticamente apontamos para o despertar dos anos de
1970,45 tem criticamente mudado essa circunstância de Estado-nação e, por conseguinte, todo
o seu aparato político institucional.
as Leis da natureza e de Deus, o correto respeito às opiniões dos homens exige que se declarem as causas queo levam a essa separação...” – preâmbulo da Declaração de Independência dos Estados Unidos. DRIVWER,Stephanie Schwartz. A Declaração de Independência dos Estados Unidos. Tradução de Mariluce Pessoa. Riode Janeiro: Jorge Zahar, p. 53.
40 Revolução Francesa é o nome dado aos acontecimentos de 1789, culminando com a queda do Ancien Régimee da autoridade do clero e da nobreza. Foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e da IndependênciaAmericana (1776).
41 MONTESQUIEU, Charles Luis de Secondat. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 2004.42 John Locke – Wringtown, 29 de agosto de 1632-Harlow, 28 de outubro de 1704 – foi um filósofo do
Iluminismo.43 Teoria contratualista.44 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa.
Petrópolis: Vozes, 2006. p. 156-157, ou no original, na língua inglesa: Second treatise of government. C. B.Macpherson: Cambridge, 1690 (1. ed.).
45 Vide o capítulo “Globalização”.
26
1.2.3 Da nova demanda legal
A idéia de Estado-nação, que integrou a formação de Estados independentes a
partir do século XII na Europa, criou fortes vínculos no mundo jurídico, daí derivando um
conceito de soberania segundo o qual ela seria o poder absoluto e permanente de um Estado, e
oriundo do Direito Natural.
Essa concepção respondeu à demanda de uma doutrina por um longo período,
sendo discutida e desenvolvida por outros juristas e filósofos, determinando que os elementos
essenciais da soberania fossem “governos próprios”, “independência” e “território”.
É importante traçar um parêntese nessa narrativa, posto que não se pode deixar de
citar a teoria da competência, sistematizada no início do século XX, segundo a qual a
competência é aquela existente para determinar a competência sobre as demais competências
em um determinado território, transmudando, assim, de político em jurídico o conceito de
soberania.
Posteriormente, esse tema é abordado por Arendt em sua opus magnificus A
origem do totalitarismo;46 embora a partir de um outro viés, a autora dedica um capítulo
inteiro à crise do Estado-nação.
A este turno, citamos Castro, que preleciona:
“A chamada teoria da competência foi organizada em artigo publicado em 1906, arespeito de território, pelo jurista austríaco Ernest Radnizky, que realçou acompetência para determinar a competência, ou competência sobre as competências(Kompetenz-Kompetenz, conforme a técnica Alemã); e este é o poder (competência)de definir todos os outros poderes (competências) e o conceito jurídico desoberania.”47
Podemos observar a interferência de um país na soberania do outro de diversas
formas. No plano legislativo, a edição de atos legais que restrinjam ou regulamentem a prática
de determinados atos além dos limites territoriais, como o caso, v.g., dos atos de concentração
46 ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Cia. das Letras,
2004. p. 300. Capítulo “O declínio do estado-nação e o fim dos direitos do homem”.47 CASTRO, Almicar de. Direito internacional privado. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 5.
27
disciplinados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)48 no Brasil; ou, por
exemplo, leis de natureza fiscal que disciplinam os ganhos de empresas em operações em
outras soberanias. Os exemplos são muitos, mas certo é que há uma interferência49 de um
Estado sobre o outro, afastando a noção tradicional de soberania.
Novamente, vale registrar a observação de Villa e Tostes:
“Desde o fim do século XX, em especial, foram-se desenvolvendo, alternando eacumulando vários tipos novos de atores, forças de influência e de coerção noconvívio internacional, tais como: forças religiosas, o mercado mundial, o capitalinternacional, as atividades industriais territorialmente dispersas, as organizaçõesinternacionais, os blocos econômicos, ONGs, enfim, instituições internacionais emgeral que, muitas vezes, estabelecem limitações adicionais às opções práticasdisponíveis à soberania dos Estados (Joseph & Falk, 1992, p. 252-253). CharlesTilly (1996, p. 48) inclui nesses casos, destacando certa continuidade histórica, aexistência de organizações ou redes mundiais de negociantes de mercadorias carase ilegais, como drogas e armas – forças marginais de influência que variam com ahistória, mas que, de fato, sempre existiram. O que disto se conclui, em primeirolugar, é que os Estados dificilmente poderiam ser os únicos atores a ditar regras deconvívio ou princípios valorativos na sociedade internacional, mas o sistemacontemporâneo ainda está baseado em formalismos institucionais e jurídicos quedeixam um espaço intocável para o poder dos Estados soberanos.”50
1.3 GLOBALIZAÇÃO E DIREITO
É evidente que a principiologia em que se assenta a normatividade internacional
alterou seus fundamentos básicos, pois conceitos construídos cientificamente, tal qual a
soberania, passam a definir uma ordem jurídica, senão abstrata, ultrapassada.
Novas formações geopolíticas surgiram na sociedade internacional. A
convergência dos temas recorrentes no Direito Internacional moderno obriga a uma
investigação aprofundada para as indagações que diuturnamente vêm surgindo no cenário
atual.
A renúncia deliberada de antigos cânones do Direito se apresenta como norma
cogente, compreensível somente em razão da nova estrutura do comércio mundial, cujo
48 Para maiores informações sobre o tema, consulte: FRANCESCHINI, Jose Inácio Gonzaga. Direito da
concorrência – case law. São Paulo: Singular, 2000.49 A interferência a que aqui se refere é de caráter abrangente, compreendendo a política, diplomática, cultural,
e, em alguns casos, militar, como é o caso presente do Iraque.50 Idem.
28
resultado a obter deve-se mais a uma necessidade concreta do que à mera formulação
acadêmica.
A corrente comercial nos últimos anos tem crescido de forma contínua,
impulsionando os países da periferia para o centro do capitalismo, provocando um grau de
exposição e abertura econômica cada vez mais acentuado.
Economias tradicionalmente avessas a um grau de exposição maior51 buscaram
uma interatividade, criando um regramento jurídico, de modo a atrair capitais econômicos
aproveitando o ciclo de prosperidade que a economia mundial vem apresentando.
O desafio da contemporaneidade reside na fragilidade do modelo estatal
concebido e desenvolvido a partir do século XIV, com a Revolução do Porto, conforme relata
Faoro:
“Na segunda metade do século XIV, uma velha camada, a aristocracia territorial,subitamente fortalecida, procurava afirmar, com exclusividade, seu domínio político.De outro lado, a categoria mais rica, a burguesia comercial, longamente associada àCoroa, sabia que sua hora havia soado, a hora de juntar a riqueza ao Poder Político.O dilaceramento das duas facções, ao ameaçar a própria existência da nação,provocou uma guerra externa, expressão tenaz, porfiada e autêntica luta intestina.Perece uma dinastia, a dinastia Afonsina, filha da infância do reino; em seu lugar,ergue-se a gloriosa dinastia de Avis (1385-1580) plataforma social e política daconquista do mundo desconhecido pelas audaciosas naus de Vasco da Gama.”52
O Estado patrimonialista e seu patriciado já não conseguem ou não podem mais
dar curso a soluções para temas essenciais que envolvem a cidadania com o Estado, e este
consigo próprio. Entre tais temas, vislumbra-se a erradicação da pobreza; a comoção social
originada na desigualdade; a ausência de uma agenda a contemplar os direitos humanos de
primeira e segunda dimensão, ou seja, aqueles que possuem um caráter tutelar de direitos e
garantias de distintos proporções e âmbitos de alcance (direitos individuais, sociais, civis e
políticos); avanço do crime organizado ocupando os vazios deixados pelo Poder Público;
inexistência de uma política educacional de inclusão social de modo a garantir a
sobrevivência digna da pessoa humana.
51 O Chile, país tradicionalmente conservador, ao final dos anos 1980 rumou para a abertura de sua economia,
experimentando um ciclo de prosperidade. Vide <http://www.dipres.cl>.
29
Em face da crescente internacionalização da economia, países se organizaram em
blocos econômicos,53 arranjos regionais, de modo a expandir suas economias, inserindo-as em
um novo contexto global. Esse fenômeno produzido na órbita das economias tem obrigado à
construção de um pensamento jurídico tributário da aplicação dos princípios gerais do Direito,
por suprir as lacunas do ordenamento jurídico, havendo de ser regido pela racionalidade que
se aproxime dos postulados da legalidade, transmudando sua face originariamente autoritária
(conforme indica Hobbes em Leviatã), em respeito aos direitos e garantias fundamentais do
cidadão.
Os antigos institutos do Direito consolidado ao longo dos tempos vão-se
transformando com o avanço da modernidade. A supremacia do momento contemporâneo da
humanidade exige uma meditação, posto que o homem encontra-se deslocado, parecendo
acometido do que os alemães designam “Weltschemerz”,54 quanto às inúmeras e variadas
funções do Estado.
As veementes e rápidas mudanças sociais, econômicas, religiosas, políticas,
educacionais e tecnológicas que o mundo experimenta influem diretamente na estrutura das
atividades estatais.
1.3.1 Empresas transnacionais e a soberania dos Estados
Observe-se ainda que as denominadas empresas transnacionais têm contribuído
decisivamente para afetar a noção de soberania dos países. Com um produto interno bruto
muitas vezes superior ao país em que se encontram instaladas, com poderes em escala global,
essas empresas têm desestabilizado seriamente o equilíbrio político de diversas nações.
A formação de empresas transnacionais é um fenômeno típico da globalização, e
tende a concentrar empresas sob um mesmo guarda-chuva, criando conglomerados
econômicos que exercem forte pressão sobre os governos e os consumidores.
52 FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Rio de Janeiro: Globo,
2001. p. 45.53 Os mais conhecidos arranjos econômicos são Nafta, Alca, Mercosul, União Européia, Pacto Andino,
Caricom, SADC, ASEAN, CEI, EFTA e Aladi.54 Palavra existente somente na língua alemã que designa misto de enfado existencial e metafísico.
30
Esse tema encontra-se bem analisado por Cretella, que, em sua conclusão, aduz:
“As razões pelas quais o Direito Internacional não aceita pleno enquadramento daempresa transnacional em seu campo de estudos não são de imediata identificação,dado que provêm de variados fatores. O motivo comumente encontrado na literaturaé o de que os Estados temem ceder parte de sua soberania, enquanto asmultinacionais desconfiam das intenções do Estado em controlá-las e tributá-lasexcessivamente, o que geraria uma espécie de tensão entre as duas entidades.”55
1.4 A ERA DOS BLOCOS ECONÔMICOS
A livre circulação de fatores produtivos, bens, serviços e pessoas enunciada no
preâmbulo do Tratado de Constituição da União Européia56 e do Mercosul,57 inclusive,
atingiu uma dimensão sem paralelo na história humana, difundindo a idéia de globalização
por todos os vetores sociais. A globalização provou não ser um fator estático. Ela possui ritmo
próprio crescendo e renovando a cada dia, trazendo, de um lado, soluções ao cotidiano
humano por meio da aplicação de fatores tecnológicos, gerando riquezas, ampliando o
comércio, reconfigurando padrões internacionais, tornando acessíveis as benesses do
progresso às amplas camadas da população.
A formação da União Européia, bloco multinacional e multicultural cuja origem
remonta aos tratados firmados na década de 1950,58 tem-se constituído em um desafio para a
compreensão exata de sua dimensão jurídica. Não se pode tratar a formação da União
Européia como perda de soberania por parte dos países que a integram. Modernamente, a
abordagem dessa disciplina é encarada de maneira diferente.
Abordando o tema, Soares preleciona:
“Como se sabe, as Comunidades Européias eram três, a CECA (ComunidadeEuropéia do Carvão e do Aço), a CEE (Comunidade Econômica Européia) e a
55 CRETELLA NETO, José. Empresa transnacional e direito internacional: exame do tema à luz da
globalização. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 294.56 Vide Tratado de Maastricht de 1992, que veio a formar a União Européia.57 Vide Tratado de Assunção.58 Vide comentários sobre Ceca, CEE e Euroton em CASELLA, Paulo Borba. Comunidade Européia e seu
ordenamento jurídico. São Paulo: LTr, 1994. p. 57.
31
CEEA ou EUROTON (Comunidade Européia da Energia Atômica), instituídas portratados internacionais distintos. Aos poucos tiveram seus órgãos superioresunificados, e passaram, oficialmente, a denominar-se Comunidades Européias, noplural; com o Ato Único Europeu de 29/06/1987, foram rebatizadas de ComunidadeEuropéia, no singular, conservando, cada qual, suas competências ‘ratione materiae’originais.”59
Dialeticamente, são levados em conta aspectos qualitativos e quantitativos da
soberania, como disserta Bercovici:
“Hoje em dia, com o fenômeno da integração européia, o enfoque da doutrina sobrea soberania a considera sob dois aspectos diferentes. Um é o aspecto qualitativo, istoé, a soberania como essência da afirmação do poder supremo estatal. Outro é oquantitativo, ou seja, a soberania como soma de poderes soberanos, como somatóriode todos os aspectos em que traduz o poder supremo e independente.”60
Além desse arranjo pseudofederativo, há a formação de acordos regionais, como é
o caso do Nafta,61 Mercosul, Alca62 e tantas outras iniciativas visando à criação de
mecanismos de trocas econômicas via desagravação comercial, queda de barreiras, unificação
de moedas, criação de exações tributárias de caráter transnacional, como é o caso do IVA63
europeu, a Tarifa Externa Comum do Mercosul,64 entre tantas outras providências.
Abordando esse tema, Casella observa:
“O novo contexto internacional vem sendo definido por A. KING como ‘mundoproblemático’. A problematicidade do contexto justamente resulta da influênciarecíproca de diversos fatores, que caracterizam conjunto de variáveisinterdependentes, para as quais a solução isolada torna-se inviável.”65
A própria exigência da ciência jurídica em vista do relacionamento da
superestrutura estatal com seus administrados haverá de prestigiar o axioma da legalidade,
cláusula inserta nos Textos Constitucionais, que, em se tratando de regra de Direito, somente
a lei poderá obrigar ao cumprimento de determinada obrigação a um ente jurídico. Porém,
59 SOARES, Guido Fernando Silva. Órgãos dos estados nas relações internacionais. Rio de Janeiro: Forense,
2001. p. 163, nota de rodapé.60 BERCOVICI, Gilberto. Soberania. In: DIMOULIS, Dimitri (Coord.). Dicionário brasileiro de direito
constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 365.61 Acordo de livre comércio firmado entre Estados Unidos, México e Canadá.62 Alca – Tratado de comércio proposto pelos Estados Unidos visando a constituição de uma zona de livre
comércio nas Américas.63 Imposto indireto criado na União Européia que tributa a circulação de mercadorias, serviços, de caráter pan-
europeu, utilizando uma sistemática de débitos e créditos recíprocos.64 TEC – tributo incidente sobre as operações de importação de produtos extramercado no âmbito do Mercosul.65 CASELLA, Paulo Borba. Comunidade Européia e seu ordenamento jurídico, p. 52.
32
essa máxima vernacular encontra-se ameaçada pela transição entre o antigo e o novo regime
internacional.
Mas, ao se comentar o mundo novo que se descortina, necessário observar que
outros atores globais passaram a se movimentar na arena internacional.
Talvez, o fato político de maior relevância ocorrido no fim do século XX tenha
sido a desmontagem do socialismo real, pondo cobro à Guerra Fria.66
Dos detritos havidos pela queda do Muro de Berlim67, surgiram novas jurisdições
que gozam de plena autonomia jurídica, vindo posteriormente a integrar a onda de expansão
econômica denominada globalização.68
A própria Rússia – antiga União Soviética – hoje é tida como um país emergente,
à guisa de possuir vastos recursos naturais, uma população altamente letrada, colocando-se
como um dos candidatos a disputar a liderança do comércio mundial.
Os antigos países satélites, singelamente designados pelo eufemismo Comunidade
Socialista Internacional formada ao fim da Segunda Guerra Mundial, a par de alguns
passarem por processos de guerra civil, herança do stalinismo69 (vide Chechênia),70 também
buscam desfrutar das benesses originadas dessa nova megatendência, filiando-se alguns à
OTAN.71 A antiga economia centralizada foi rechaçada, e deu vez ao mercado.
A este turno, não se poderá dar as costas à grande expansão econômica ocorrida
na Ásia. Países como Vietnã, Índia, Coréia, para não citar o lugar-comum China, têm crescido
a taxas recordes nos últimos decênios.
66 A Guerra Fria é uma típica figura de retórica que se inicia com o fim da Segunda Guerra Mundial e termina
com o fim da União Soviética em 1991.67 O Muro de Berlim caiu em 9 de novembro de 1989.68 Dos países integrantes do Leste Europeu, 12 vieram a tomar parte da União Européia.69 Sobre o tema recomendamos a leitura de As origens do totalitarismo, de Hannah Arendt.70 Região integrante da Federação Russa, de raízes muçulmanas, que busca por meio da guerra a declaração de
independência da Rússia. Milhões de chechenos foram removidos durante o stalinismo.71 Organização do Tratado do Atlântico Norte que visava a contenção militar do comunismo no solo europeu.
33
Além disso, o Think Tank norte-americano projeta para os próximos 20 anos a
China como liderança econômica mundial, conforme é admitido no último relatório público
da Central de Inteligência Americana (CIA).72
72 Organização de inteligência norte-americana que visa a coleta de informações, contra-informações, ações
encobertas, somente podendo agir no exterior.
34
1.5 DIFUSÃO DO FENÔMENO
Tais significações ganham novos contornos e definições quando da alteração dos
quadros econômicos e seus respectivos amoldamentos estruturais. O fenômeno não é um
pleno desconhecido da globalização, e Drucker, com a argúcia que lhe é peculiar, assinala
que:
“No passado, sempre que uma nova grande potência econômica surgia, nova formade integração econômica logo se seguia (por exemplo, a empresa multinacional quefoi inventada em meados do século dezenove – desafiando tudo aquilo que AdamSmith e David Ricardo haviam ensinado – quando Estados Unidos e Alemanhaemergiram como grandes potências econômicas). Lá por 1913, as multinacionais jácontrolavam uma porcentagem da produção industrial mundial igual ou maior queaquela atualmente controlada.”73
Todavia, Cretella74 discorda dessa abordagem afirmando que a primeira empresa
transnacional do mundo foi a Companhia das Índias, fundada na Holanda, e que deu origem
às modernas sociedades anônimas, afirmando que, “como parte da expansão ultramarina da
Holanda, da Grã-Bretanha e da Franca a partir do início do séc. XVII, os europeus do norte
começaram a estabelecer colônias nas Américas e a se relacionar comercialmente com o
oriente”.
Mas nunca como agora tal processo ocorreu em um ritmo de difusão tamanho,
levando até os mais cépticos a concluírem pela sua inevitabilidade. Porquanto, fatores
econômicos, políticos, tecnológicos e jurídicos apontam na direção da permanência e
estruturação dessa força ubíqua, podendo, talvez, ser revertida apenas em decorrência de uma
depressão econômica, catástrofes naturais, ou mesmo de um conflito bélico.
A interdependência econômica dos mercados de bens, serviços e investimentos, e
as novas técnicas de produção e tecnologia trouxeram a aceleração dos fluxos do comércio e
de investimento.
A melhoria da infra-estrutura e das comunicações acabou marcando o
desenvolvimento do comércio internacional. Por outro lado, foram criados mecanismos de
73 DRUCKER, Peter F. Administrando o futuro. Tradução de Nivaldo Montingelli Júnior. São Paulo: Pioneira,
1995. p. 1.74 CRETELLA NETO, José. Empresa transnacional e direito internacional, p. 1.
35
integração macroeconômicos que possibilitaram maior abertura das economias para o
exterior, por meio de foros internacionais especializados, como querem ser as novas
organizações internacionais, ou seja, a formação de acordos preferenciais de comércio
acelerando a transformação da economia e do Direito.
1.6 BENEFÍCIOS
É notório que a globalização traz riquezas aos países que ativamente dela tenham
participado.
As regiões do globo75 que, por qualquer razão, não tenham participado da
globalização têm sofrido um atraso crônico, gerando uma economia débil, sem condições de
participar das riquezas ou sequer redistribuí-las aos seus cidadãos.
Assim, a globalização tem trazido um ciclo de prosperidade inédito na história
humana. As riquezas têm-se acumulado, as economias têm crescido, e o comércio mundial, a
despeito das turbulências que vem enfrentando, tem, em termos macroeconômicos, expandido
sua base de ação.
Para o Direito, novas oportunidades e desafios se apresentam. A criação de uma
nova ordem econômica, baseada no internacionalismo, está a demandar a construção de
mecanismos legais que permitam conferir uma segurança jurídica aos negócios e ao
desenvolvimento econômico, representando um amplo campo de investigação científica para
os estudiosos do Direito.
Cada vez mais, desenvolve-se a investigação científica do Direito. Legislações e
doutrinas têm espargidos seus efeitos em sistemas tão diversos entre si, como é o caso do
ramo do Direito Romano Germânico e o Common Law.76 Apesar de os matizes serem
diversos, esses ramos do Direito têm-se aproximado de modo a conferir segurança jurídica
nas transações comerciais.
75 Vide África e a pobreza que está disseminada nessa região do mundo.
36
Por derradeiro, transcreve-se a observação de Rezek:
“As profecias são perigosas. Quanto a mim, não entrarei nesse terreno. Limitar-me-ei atentar responder à pergunta final: qual é a situação do Direito Internacional hoje?Pode-se falar de progresso em direito no alvorecer do século XXI? Não pode haverqualquer dúvida quanto a isso. A vida é possível graças a essa infinidade de regrasque são diariamente aplicadas sobre a terra, no mar, no espaço atmosférico e noespaço extra-atmosférico. A despeito dos caprichos do direito, seu progressorevelou-se enfim irresistível e deve ser consignado. Vivemos em uma época deenorme desenvolvimento do Direito Internacional. Isso é um truísmo. Atualmente, éimpossível viajar para qualquer lugar ou deslocar-se por muito tempo no espaço semencontrar alguma norma de Direito Internacional. Nós a encontramos a cadaencruzilhada. Pretender que o direito em geral e o Direito Internacional emparticular esperem ainda seu Newton, Leibniz ou Pasteur é levantar um falsoproblema. Tal afirmação faz, muitas vezes, parte de um entusiasmo, como nasciências naturais, por aquilo que é realmente ‘ius ex factis oritur’.”77
Em apertada síntese, são esses os benefícios e desafios da globalização.
1.7 O OUTRO LADO
Porém, não olvidemos que a globalização traz malefícios. Populações inteiras têm
sido marginalizadas, levando cada vez mais a um movimento migratório da periferia para o
centro do capitalismo, como é o caso das populações miseráveis78 que buscam nova vida na
Europa.
Ou mesmo o caso da América Latina, cujos refugiados econômicos migram em
direção aos Estados Unidos da América.79 O problema populacional torna-se uma verdadeira
crise humanitária, vez que as ciências médicas têm prolongado a vida dos seres humanos,
quebrando um sistema social, previdenciário e securitário planejado com uma determinada
expectativa de vida, a qual se vem alongando.
76 Common Law é um sistema legal oriundo do Reino Unido, utilizado ali e na maioria dos países que foram
colônias ou territórios britânicos, como é o caso dos Estados Unidos. Sua característica principal é avalorização dos Leading Cases.
77 REZEK, João Francisco. O direito internacional no alvorecer do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 36.78 Em geral, esse movimento migratório tem ocorrido por parte de populações africanas.79 Esse tema tem-se tornado um grande contencioso entre os Estados Unidos e o México em razão da imigração
ilegal havida na fronteira dos países.
37
Malthus80 elaborou estudos sobre a população, contidos em dois livros,
conhecidos como Primeiro e Segundo Ensaio. Tanto o primeiro – que apresenta uma crítica
ao utopismo – quanto o segundo ensaio têm como princípio fundamental a hipótese de que as
populações humanas crescem em progressão geométrica e os alimentos, em progressão
aritmética.
Segundo ele, esse crescimento populacional é limitado pelo aumento da
mortalidade e por todas as restrições ao nascimento, decorrentes da miséria e do vício. A
economia clássica já se preocupava com o desenvolvimento e a sobrevivência do ser humano
sobre a face da Terra.
Assim, qualquer melhoria no padrão de vida da grande massa é temporária, pois
ela ocasiona um inevitável aumento da população, o que acaba impedindo qualquer
possibilidade de melhoria duradoura.
Gellner81 afirma que, “Previamente, a Humanidade agrária vivia num mundo
Malthusiano no qual a escassez de recursos em geral condenava o homem a apertadas formas
sociais autoritárias, à dominação por tiranos, primos ou ambos”.
A teoria malthusiana, bem como outras teorias da economia clássica, foi
paulatinamente negada, mas o que permeia o pensamento pós-Revolução Industrial, ocorrida
na Inglaterra a partir do século XVIII, é que a sobrevivência da espécie humana estaria
vinculada ao meio ambiente e sua harmonização para com ele.
A grave crise alimentar por que passam determinadas regiões do globo, fruto não
da escassez, mas, sim, da má distribuição e concentração de renda, gera conflitos militares,
como é o caso de Dafur no Sudão.82
A engenharia genética, cujo resultado é uma produção alimentar de melhor
qualidade a preços mais acessíveis, não tem chegado próximo às populações que mais
necessitam, embora cause entre ambientalistas profícua discussão.
80 Thomas Robert Malthus foi um economista e ensaísta britânico que apresentou uma crítica ao utopismo.81 GELLNER, Ernest. Pós-modernismo: razão e religião. São Paulo: Instituto Piaget, 1995. p. 35.82 África.
38
A exclusão tecnológica é um outro tema de importância atual. A falta de acesso à
tecnologia tem criado uma dimensão de analfabetos tecnológicos que, decididamente, não
poderão participar dos benefícios da expansão econômica.
39
Aqueles denominados de desempregados estruturais, ou, como preferem os
anglofônicos, “jobless recovery”, jamais conhecerão o emprego formal, caindo na
marginalidade e na assistência social, quando não for o caso de serem abrigados pelo crime
organizado, que rapidamente se globalizou, expandindo suas teias para o interior da
sociedade. Portanto, não mais se discute como acabar com o narcotráfico, e sim como
conviver com ele.
Nesta esteira, a questão dos direitos humanos não pode ser olvidada. Assim,
Bobbio observa:
“A princípio, a enorme importância do tema dos direitos do homem depende do fatode ele estar extremamente ligado aos dois problemas fundamentais de nosso tempo,a democracia e a paz. O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem são abase das constituições democráticas dos direitos do homem em cada estado e noSistema Internacional.”83
Também neste esteio, verificamos em Piovesan a seguinte assertiva:
“Desse modo, ao lado da preocupação de evitar a guerra e manter a paz e asegurança internacional, a agenda internacional passa a conjugar novas e emergentespreocupações relacionadas à promoção dos direitos humanos. A coexistênciapacífica entre os estados, combinada com a busca inédita de formas de cooperaçãoeconômica e social e de promoção universal dos direitos humanos, caracteriza anova configuração da agenda da comunidade internacional.”84
De onde se pode concluir que se encontra na agenda mundial, a despeito de todo o
movimento econômico e das transações comerciais, e dos fluxos financeiros, o respeito aos
direitos humanos, em relação aos quais, segundo a expertise no tema, já nos encontramos em
sua quarta dimensão.
Crítico acerbo e contundente do liberalismo econômico, o economista norte-
americano Joseph Stiglitz85 tem criticado de forma contundente o que denomina de “bases
ideológicas” que regem as decisões econômicas mundiais. Para Stiglitz, o Fundo Monetário
Internacional (FMI) leva os países subdesenvolvidos, com a liberalização de seus mercados
domésticos, à competição externa antes que possuam marcos regulatórios institucionais que
83 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Regina Lyra. Rio de Janeiro: Campus, 2004. p. 223.84 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 126.85 Stiglitz é considerado um economista neokeynesiano, tem-se dedicado a analisar o desenvolvimento
econômico no mundo, e se filia a uma corrente de pensamento que se denominou “novosdesenvolvimentistas”.
40
protejam as instituições, e em última instância, os seus cidadãos. O economista tem enfatizado
a necessidade de se ir além do chamado Consenso de Washington. Sobre a relação entre o
Brasil e o Fundo Monetário Internacional, asseverou:
“As respostas do mercado aos grandes aumentos nas taxas de juros que se seguiramà desvalorização do Brasil em janeiro de 1999 ilustram as correntes contrastantes. OFMI pressionou o Brasil a aumentar as taxas de juros, afirmando que isso restaurariaa confiança. (Sua análise da psicologia do mercado não pareceu ser muito maisprofunda do que isso.) Muitos analistas, principalmente no Ocidente, reagiram demaneira bastante contrária: o impacto imediato das taxas de juros mais altas foielevar o tamanho do déficit do governo, que havia se tornado emblemático danatureza dos problemas do país. As altas taxas de juros, na perspectiva deles,enfraqueceram a confiança. Por outro lado, muitos investidores no Brasilpreocupavam-se particularmente com a possibilidade de que a desvalorizaçãopudesse desencadear uma espiral inflacionária, e viram a alta taxa de juros como umsinal de que isso não aconteceria. Para eles, a taxa de juros elevada ajudou amelhorar a confiança. Alguns economistas no Banco Mundial insistem para que oBrasil adotasse uma estratégia alternativa: uma política monetária com metas deinflação. Dado o baixo nível de inflação e o alto desemprego, isso teria permitido aadoção de uma taxa de juros mais baixa – tranqüilizando aqueles que se assustavamcom o tamanho do déficit –, ao mesmo tempo em que encorajaria os que sepreocupavam com a inflação. Esta foi a política que o Brasil acabou por adotar.”86
Outro subproduto da globalização, não o pior deles, mas uma ameaça à segurança
e à prosperidade (vez que a globalização simbolizaria o poder do capitalismo), gerado por
setores sociais excluídos do processo, são os denominados conflitos de tensões, trazendo para
a luta política a via do terrorismo internacional,87 que tem ceifado vidas e ameaçado a
estabilidade política de governos constituídos.
A simples possibilidade técnica da elaboração de um artefato nuclear por países
proscritos da sociedade internacional ou mesmo o acesso de grupos fanáticos a esses artefatos
têm representado um enorme gasto com segurança, que certamente poderia ser revertido para
o bem-estar das populações que se encontram marginalizadas.
O terrorismo tem sido uma ameaça constante no mundo atual, e a conseqüência
prática, além da perda de vidas humanas inocentes, é a elevação dos custos com transporte,
segurança, logística, inteligência, entre outros.
86 STIGLITZ, Joseph. Rumo a um novo paradigma em economia monetária. São Paulo: Francis, 2004. p. 263.87 Terrorismo é uma concepção de luta política que consiste no uso de violência indiscriminada por indivíduos,
ou grupos políticos, contra a ordem estabelecida.
41
O terrorismo88 ganhou significados variados e polivalentes, em face da dimensão
que esse tipo de ação política vem alcançando atualmente.
O tempo dos carbonários89, anarquistas italianos que usavam o terrorismo como
arma política voltada contra e tão somente aos poderosos, foi sucedido por ações
indiscriminadas, gerando temor que inflige um dano a um agente indefinido ou irrelevante. O
objetivo da ação terrorista é gerar o pânico na população, desorganizando o tecido social.
Contudo, certamente, a ameaça de maior vulto trazida pela globalização é a
questão ambiental. O crescimento do comércio mundial demanda a expansão do parque
industrial, a obtenção de recursos energéticos cada vez mais caros e escassos, a devastação da
natureza e, o mais temido e emergencial tema, o aquecimento global. Esses efeitos poderão
comprometer a existência de futuras gerações na face da Terra.
O crescimento desordenado da economia e a exploração do meio ambiente têm
produzido efeitos danosos que desde já podem ser verificados.
Não há voz discordante quanto aos temíveis efeitos gerados pela destruição do
meio ambiente e seus malefícios para os entes que habitam o planeta dentro de uma
perspectiva que não seja somente a jurídica. Contudo, o enfoque dado pelo presente trabalho
vislumbrará os desdobramentos jurídicos de tal fenômeno, não sem antes contextualizar o
cenário internacional do comércio.
Dessa forma, o presente trabalho irá cotejar, primordialmente, os instrumentos
legais e jurídicos, tanto na ordem interna das jurisdições quanto o instrumental tratadístico
internacional existente, de modo a verificar sua aplicabilidade, eficácia e, principalmente,
extensão.
88 Para estudar esse fenômeno no Brasil, recomendamos a leitura do Minimanual do guerrilheiro urbano, de
autoria de Carlos Marighella, que influenciou mundialmente a luta armada e o terrorismo urbano. Disponívelem: <http://www.marxists.org/portugues/marighella/1969/minimanual doguerrilheirourbano/index.htm>.
89 A Carbonária era uma sociedade secreta e revolucionária que atuou na Europa no princípio do século XIX.Tinha a ideologia assentada em princípios anarquistas. Participou das Revoluções de 1820, 1830-1831 e1848.
42
2
A FORMAÇÃO DO SISTEMA MULTILATERAL
2.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Em 1918, o primeiro-ministro inglês David Lloyd George90 anunciou oficialmente
o fim da Primeira Guerra Mundial. O desafio seria, doravante, o de manter a paz, mediante
uma política moderada que evitasse um novo conflito nas proporções que o mundo nunca
dantes houvera conhecido.
Por mais de 60 anos, a paz mundial fora garantida pelo denominado Concerto
Europeu,91 cujo fiador fora Bismark.92 Mas, ausente do cenário internacional, seus sucessores
foram incapazes de manter-se em sua política de comedimentos, e os resultados desastrosos
disso vieram a dar início, em 1914, à Primeira Guerra Mundial, que perdurou até 1918.93
2.1.1 O wilsonismo
Neste diapasão, uma jovem nação surgia reivindicando a liderança mundial. Seu
presidente, Woodrow Wilson,94 fundava-se na crença do Destino Manifesto95 de promover os
90 David Lloyd George, primeiro conde Lloyd George de Dwyfor, nascido de família pobre em Manchester, 17
de janeiro de 1863, no País de Gales, falecido em 26 de março de 1945, foi um estadista britânico e o últimomembro do Partido Liberal a ser primeiro-ministro do Reino Unido.
91 Concerto Europeu (1815/1914), política para a manutenção da paz com fundamento na balança de poder.92 Príncipe Otto Von Bismarck – chanceler da Prússia e depois primeiro chanceler do II Império Alemão,
responsável pela unificação germânica.93 HOBSBAWM, Eric J. A era dos impérios. São Paulo: Paz e Terra, 2005. p. 429: “Contudo, é indubitável que
nenhum governo de qualquer uma das grandes potências de antes de 1914 queria seja uma guerra européiageneralizada, seja mesmo – ao contrário dos anos 1850 e 1860 – um conflito militar restrito com outra grandenação européia. Isto é conclusivamente demonstrado pelo fato de que, nos lugares onde as ambições políticasdas grandes nações entravam em conflito direto, ou seja, nas zonas ultramarinas de conquistas e partilhascoloniais, seus numerosos confrontos eram sempre resolvidos por algum acordo pacífico. Até as mais gravesdessas crises, as de Marrocos em 1906 e 1911, foram contornadas. Às vésperas de 1914, os conflitoscoloniais não pareciam mais colocar problemas insolúveis às várias nações concorrentes – fato que tem sidousado, de modo bastante ilegítimo, como argumento para afirmar que as rivalidades imperialistas foramirrelevantes na deflagração da Primeira Guerra Mundial”.
94 Thomas Woodrow Wilson foi presidente democrata norte-mericano, ficando no cargo de 1912 a 1921.Laureado do Prêmio Nobel da Paz em 1919.
43
valores norte-americanos mundo afora – como democracia e justiça, entre outros. Wilson
propunha uma ordem mundial que fosse baseada em um legado moral e não na Realpolitik.96
Seu sistema de crenças determinava a supremacia de valores idealistas, de modo a manter a
paz mundial.
O presidente Wilson, em 8 de janeiro de 1918, apresenta à sociedade
internacional, sob a forma de Quatorze Pontos,97 os princípios do que viria a guiar a política
externa norte-americana até os dias presentes.
95 Crença norte-americana de que o país, por desígnio divino, tem a missão de liderar o mundo.96 Vocábulo de origem germânica, que traduz uma política realista e pragmática.97 “MENSAGEM DE 8 DE JANEIRO DE 1918
1º. Acordos de paz concluídos abertamente, depois dos quais não haverá mais acordos internacionaissecretos de qualquer natureza que sejam; a diplomacia procederá sempre franca e publicamente.
2º. Liberdade absoluta da navegação nos mares, fora das águas territoriais, tanto em tempo de pazcomo em tempo de guerra, salvo no caso de esses mares serem fechados, total ou parcialmente, poruma ação internacional em vista da execução de acordos internacionais.
3º. Supressão, tanto quanto possível, de todas as barreiras econômicas e criação de condiçõescomerciais iguais para todas as nações que aspirem à paz e se associem para a conservar.
4º. Garantias suficientes, dadas e tomadas, para que os armamentos nacionais sejam reduzidos aoextremo limite compatível com a segurança interna do país.
5º. Ajuste livre, dentro de um espírito largo e absolutamente imparcial, de todas as reivindicaçõescoloniais, baseado no estrito respeito do princípio de que, ao resolver quaisquer questões desoberania, os interesses das populações envolvidas deverão ter o mesmo peso que as solicitaçõesequiparadas do Governo, cujo direito deverá ser definido.
6º. Evacuações de todos os territórios russos e solução de todas as questões relativas à Rússia, demodo a assegurar a melhor e mais ampla cooperação das outras nações do mundo paraproporcionar à Rússia a oportunidade de fixar, sem impedimento nem embaraços, com absolutaindependência, seu desenvolvimento político e nacional; para assegurar-lhe uma acolhida sincerana Liga das Nações livres sob o Governo que ela tiver escolhido; para assegurar-lhe, enfim, amaior ajuda, de qualquer natureza que seja, ou que ela poderia desejar. O tratamento dispensado àRússia, por suas nações irmãs, nos próximos meses, será a pedra de toque que revelará a boavontade e a compreensão dessas nações para com as necessidades da Rússia, abstração feita deseus próprios interesses e de sua inteligente simpatia.
7º. O mundo inteiro concordará em que a Bélgica deva ser evacuada e restaurada, sem tentativaalguma para limitar a soberania de que ela goza em igualdade com as outras nações livres.Nenhum ato melhor do que esse concorrerá para restabelecer a confiança das nações nas leisestabelecidas e fixadas para reger suas relações entre si. Sem esse ato de reparação, a estrutura e avalidade de todas as leis internacionais estariam para sempre enfraquecidas.
8º. Todo o território francês deverá ser liberado e as partes invadidas deverão ser inteiramenterestauradas. O mal causado à França, pela Prússia, em 1887, no que concerne à Alsácia-Lorena, eque perturbou a paz do mundo durante cerca de cinqüenta anos, deverá ser reparado, a fim de quea paz possa ser, uma vez mais, assegurada no interesse de todos.
9º. Um <reajustamento> das fronteiras italianas deverá ser efetuado segundo as linhas dasnacionalidades claramente reconhecíveis.
10º. Aos povos da Áustria-Hungria, cujo lugar entre as nações desejamos resguardar, deverá ser dada,quanto antes, a possibilidade de um desenvolvimento autônomo.
11º. A Rumânia, a Sérvia e o Montenegro deverão ser evacuados; ser-lhes-ão restituídos os seusterritórios que foram ocupados. À Sérvia será concedido livre acesso ao mar, e as relações entre osdiversos Estados balcânicos deverão ser fixadas radicalmente, pelas inspirações das potências,segundo as linhas historicamente estabelecidas. Serão dadas a esses Estados garantiasinternacionais de independência política, econômica e de integridade territorial.
Às regiões turcas do atual Império otamano serão garantidas plenamente a soberania e a segurança, mas asoutras nacionalidades que vivem presentemente sob o regime desse Império devem, por outro lado, gozar de
44
Henry Kissinger relembra:
“Com extraordinária eloqüência e elevação, anunciou os objetivos de guerraamericanos, em uma sessão conjunta do congresso norte-americano, apresentando-osna forma de Quatorze Pontos, divididos em duas partes. Marcou oito pontos comoobrigatórios, no sentido de que tinham que ser cumpridos. Entre eles a diplomaciaaberta, a liberdade dos mares, o desarmamento geral, a remoção de barreirascomerciais, o acerto imparcial de reivindicações coloniais, a restauração da Bélgica,a evacuação do território russo e, jóia da coroa, uma Liga das Nações.”98
Como conseqüência, foi celebrado o Tratado99 de Versalhes,100 que fez com que a
Alemanha perdesse para seus inimigos, na mesa de negociações, o que eles não conseguiram
nos campos de batalha, já que, nas condições em que se encontrava, seria capaz de derrotar
qualquer um deles isoladamente no campo militar, assumindo, por ironia, a mesma posição
que se encontrou a França pós-Tratado de 1818.
Em sentido crítico aos acontecimentos havidos, vale assinalar Lenin:
“A paz de Brest-Litovsk,101 ditada pela Alemanha monárquica, e depois a paz, muitomais brutal e infame, de Versalhes, ditada pelas repúblicas ‘democráticas’ daAmérica e da França e pela ‘livre’ Inglaterra prestaram um serviço extremamenteútil à humanidade, desmascarando os coolies da pena a soldo do imperialismo domesmo modo que os filisteus reacionários que, embora se dizendo pacifistas esocialistas, entoavam louvores ao ‘wilsonismo’ e procuravam mostrar que a paz e as
absoluta segurança de existência e poder desenvolver-se, sem obstáculo; deve ser-lhes concedida autonomia.Os Dardanelos serão abertos para sempre e constituirão uma passagem livre, sob garantias internacionais,para os navios e para o comércio de todas as nações.Um Estado Polonês independente deverá ser constituído, abrangendo os territórios habitados por naçõesincontestavelmente polonesas, às quais deve ser assegurado um livre acesso ao mar; a independência política,econômica e a integridade territorial dessas populações serão garantidas por uma Convenção internacional.Uma Sociedade geral das nações deveria ser formada por meio de convenções formais, tendo por fimassegurar garantias recíprocas de independência política e territorial, tanto aos pequenos como aos Estados.”Fonte: Anais do Tribunal de Justiça de São Paulo.
98 KISSINGER, Henry. Memórias, p. 240.99 Sobre o conceito de Direito Internacional, temos REZEK, J. F. Direito dos tratados. Rio de Janeiro: Forense,
1984. p. 21: “Tratado é o acordo formal, concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinadoa produzir efeitos jurídicos. A análise particularizada dos elementos que esse conceito encerra, bem assim ados elementos que ele não encerra, embora comuns em definições doutrinárias, ou adotadas pela própriaConvenção de Viena”.
100 Observa KELSEN. La lucha pela paz. México: Ed. Fondo de Cultura Econômica, 1943. p. 105: “No obstante,el tratado de Paz de Versalles estipulaba en el artículo 227: Las Potencias Aliadas y Asociadas acusanpúblicamente a Guillermo II e de Hohenzollern, ex Emperador de Alemania, de um agravio supremo contrala moral internacional y la dantidad de los tratados. Se constituirá um tribunal especial para juzgar alacusado, asegurándole com ello las garantías esenciales para el derecho de defensa. Se compondrá de cincojueces, desegnados cada uma de las siguintes Potencias: los Estados Unidos de América, Gran No porBretaña, Feancia, Italia e el Japón”.
101 O comissário do povo Leon Trotsky foi o responsável pela paz com a Alemanha e seus aliados fazendopesadas concessões. Para uma abordagem aprofundada do tema, recomendamos a trilogia de Isaac Deutscher(DEUTSCHER, Isaac. Trotski – O profeta armado; O profeta desarmado; O profeta banido. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2005 (trilogia).
45
reformas são possíveis sob o imperialismo. (...) Dezenas de milhões de cadáveres ede mutilados, vítimas da guerra – essa guerra feita para decidir que grupo debandoleiros financeiros, o inglês ou o alemão, devia receber uma maior parte dosaque –, e depois estes dois ‘tratados de paz’, abrem os olhos, com uma rapidez atéagora desconhecida, a milhões e dezenas de milhões de homens atemorizados,oprimidos, iludidos e enganados pela burguesia. Em conseqüência da ruína mundial,fruto da guerra, cresce, pois, a crise revolucionária mundial (...).”102
Certo é que o sistema elaborado por Wilson não foi, de per si, capaz de garantir a
paz mundial por mais de 20 anos. Em setembro de 1939,103 por razões que escapam ao cerne
desta dissertação, eclodiu o conflito que terminaria apenas em agosto de 1945, com a
explosão de artefatos nucleares em solo nipônico,104 ceifando a vida de milhares de
pessoas,105 afora aquelas que foram consumidas nos campos de batalha, nas prisões, em
bombardeios e campos de concentração.106
Estima-se que, até o final do conflito, pereceram mais de 60 milhões de seres
humanos. A sociedade internacional tomou conhecimento dos horrores praticados durante a
guerra, o que foi simbolizado pelo Tribunal de Nuremberg.107
102 Vladimir Lenin, líder e fundador do Partido Bolchevique, que conjugou a filosofia com a ação política.
Primeiro chefe da Rússia Soviética.Vide: REED, Jonh. 10 dias que abalaram o mundo. Porto Alegre: LMPocket, 2002.
103 A Segunda Guerra Mundial se inicia em setembro de 1939, dando cumprimento a uma das cláusulas secretasdo pacto russo-germânico, também conhecido como Molotov-Ribbentrop. Para aprofundar o tema, é sugeridaa leitura: VOLKOGONOV, Dimitri. Stalin: triunfo e tragédia. Tradução de Joubert de Oliveira Brízida. Riode Janeiro: Nova Fronteira, 2004. v. I e II.
104 No dia 6 de agosto de 1945, os Estados Unidos utilizaram pela primeira vez a mais nova tecnologia bélica.Denominada de Little Boy, causou a morte de mais de 256.300 pessoas – a maioria (cerca de 90%) civis.
105 Hiroshima é o título de um artigo escrito pelo ganhador do Prêmio Pulitzer John Hersey, e foi publicado naedição de 31 de agosto de 1946 da The New Yorker. Posteriormente, o artigo foi convertido para uma ediçãoem livro. Ele descreve os bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki a partir do ponto de vista de seisdiferentes vítimas. Foi considerada a reportagem do século, sendo após convertida em livro. É um clássico daliteratura jornalística. As vítimas são: reverendo Kiyoshi Tanimoto, um pastor metodista educado nosEstados Unidos; Hatsuyo Nakamura, uma viúva de guerra, mãe de três crianças; Dr. Masakazu Fujii, médicoproprietário de um hospital privado; padre Wilhelm Kleinsorge, um jesuíta da cidade; Dr. Terufumi Sasaki,um jovem médico no Hospital da Cruz Vermelha; e Toshiko Sasaki, uma funcionária administrativa. O artigoé dividido em quatro partes: Um brilho sem barulho: descreve o momento da explosão; O fogo: descreve adevastação que a cidade experimentou imediatamente após a explosão; Detalhes estão sendo investigados: osrumores sobre o que aconteceu; e Panic Grass and Feverfew: descreve as semanas após o ataque. Para ummaior aprofundamento no tema, recomendamos a leitura: HERSEY, John. Hiroshima. São Paulo: Cia. dasLetras, 2005.
106 Campo de concentração é um estabelecimento governamental utilizado para a detenção em tempos de guerrapara o confinamento de elementos dissidentes do regime, pelas razões mais diversas. É comum, nestes locais,haver a exploração de mão-de-obra gratuita ou mesmo extermínio de presos políticos, prisioneiros de guerrae membros de grupos étnicos. A Alemanha foi o país que se notabilizou pelo desenvolvimento dessa máquinade morte, embora rivalize em pé de igualdade com os Gulag de Stalin.
107 Sobre a Declaração de Moscou: GONÇALVES, Joanisval Brito. Tribunal de Nuremberg. Rio de Janeiro:Renovar, 2004. p. 69: “Marco preparatório para a formação do Tribunal de Nuremberg, a Declaração deMoscou estabelece os princípios adotados pelas Nações Unidas para julgar os criminosos de guerra, a partirde 1945. Esta declaração foi publicada pelos representantes dos ‘três grandes’ – EUA, URSS e Reino Unido–, em Moscou, a 1º de novembro de 1943.”
46
Hannah Arendt,108 sobre esse tema, pontifica:
“É da própria natureza dos regimes totalitários exigirem o poder ilimitado. Estepoder só é conseguido se literalmente todos os homens, sem exceção, foremtotalmente dominados em todos os aspectos da vida. No reino das relaçõesexteriores, novos territórios devem ser constantemente subjugados, enquanto no paísde origem grupos humanos devem ser dominados em campos de concentração cadavez maiores ou, quando necessário, liquidados para ceder lugar a outros.”109
2.2 A FORMAÇÃO DO SISTEMA MULTILATERAL
Ao término das hostilidades em 1945,110 e com o propósito de evitar que novas
tragédias fossem repetidas, as lideranças mundiais conceberam o que viria a ser conhecido
como o sistema multilateral, que, do ponto de vista da paz, contemplasse a cooperação, a
integração e a harmonização dos grandes objetivos internacionais.
Para tanto, resgataram-se alguns dos ideais do wilsonismo, estabelecendo-se
organizações internacionais especializadas visando a formação de um novo mundo, mais
seguro e comprometido com a paz.
A este turno, Cretella demarca:
“Do ponto de vista doutrinário, confirmou-se a necessidade de uma especializaçãodas organizações Internacionais, pela qual as competências dessas instituiçõesdeveriam ser exercidas em detrimento da exclusividade das soberanias nacionais e,em conseqüência, de uma revisão do conceito, ainda fortemente arraigado, dasoberania estatal absoluta. Parece claro que até a metade do século XX, os Estadosse mostravam relutantes em autorizar essa evolução.”111
Importante assinalar a observação de Kelsen:112
“O fato do Estado não se originar em um contrato social não constitui um argumentocontra a possibilidade de estabelecer uma ordem que assegure a paz mediante umtratado internacional. Ainda que a paz nacional, assegurada pelo estado nacional,fora sempre e em as todas as partes o resultado da subjugação forçada, não há
108 Pensadora e intelectual de origem judaica, radicou-se nos Estados Unidos, tendo uma vasta obra que
influenciou o mundo contemporâneo.109 ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo, p. 507.110 A Segunda Guerra Mundial termina em solo europeu em 7 de maio, com a paz firmada pelo almirante
Dönitz, sucessor de Hitler. A 14 de agosto de 1945, o general Tojo do Japão rendeu-se incondicionalmente.111 CRETELLA NETO, José. Teoria das organizações internacionais. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 31.112 KELSEN, Hans. La paz por medio del derecho. Mexico: Editora Fondo de Cultura Economica, 1943. p. 43.
47
necessidade de crer que este é o único modo de conseguir a paz internacional e deque devemos aplacar nossas esperanças em um mundo melhor até que um Leviatã113
tenha devorado a todos os demais.”114
Dessa forma, foi elaborado um sistema apoiado nas seguintes instituições: (1) uma
instituição que viria a substituir a Liga das Nações, a qual ficou conhecida como Organização
das Nações Unidas (ONU), que seria o órgão que cuidaria e zelaria permanentemente pela paz
mundial; (2) uma instituição que velasse pelas finanças mundiais, o Fundo Monetário
Mundial (FMI); (3) um banco que cuidasse da reconstrução da infra-estrutura e reconstrução
do mundo – o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Bird); e (4)
uma organização que cuidasse da liberalização do comércio mundial – a Organização
Internacional do Comércio (OIC).
Havia o consenso entre as potências ocidentais da necessidade de construção de
um sistema internacional que garantisse a paz pelos tempos vindouros, além da contenção da
expansão do regime comunista, que, ao fim da década de 1940, abrigava mais de um terço da
população mundial, aí contabilizada a população chinesa.115
2.2.1 Bretton Woods116
Em 1944 ocorreu no Mount Washington Hotel, situado na cidade de Bretton
Woods, em New Hampshire,117 a Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas. Os
113 Cf. HOBBES, Tomas. Leviatan. São Paulo: Martins Fontes, 2003.114 “El hecho de que el Estado no se origine en un contrato social no es un argumento contra la posibilidad de
establecer un orden que asegure la paz mediante un tratado internacional. Aunque la paz nacional asegura porel estado nacional fuera siempre y en todas partes el resultado de la subyugación forzosa, no hay necesitad decreer que éste es el único modo de conseguir la paz internacional y de que debemos aplazar nuestrasesperanzas en un mundo mejor hasta que un Leviatán haya devorado a todos los demás.”
115 Para maiores esclarecimentos, vide VOLKOGONOV, Dimitri. Stalin: triunfo e tragédia.116 PEET, Richard. Unholy Trinity. Nova York: Biddles, 2004. p. 27. “While the world was still engaged in the
Second World War, 44 nations, led by the USA and the UK, met at Bretton Woods, New Hampshire, on 1-22 July1944 to discuss economic plans for the post-war peace. Governing the international economy was an idea madepossible by the anarchy of the inter-war period. In reaction, governments sought secure world peace and prosperitythrough international economic cooperation. Such cooperation world is based on a world market, in which capitaland goods might move freely, regulated by global institutions operating in the general interests of greater stabilityand predictability. Three regulatory institutions were envisaged: the IMF, the International Bank forReconstruction and Development (IBRD, later know as the World Bank), and an International Trade Organization(ITO), which came into being only as the General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), but much laterbecame the WTO. The IMF and IBRD were formalized as organizations during the Bretton Woods conference,while the proposal for an ITO was part of a separate Havana Charter of 1947”.
117 Esta conferência se realizou nos Estados Unidos.
48
delegados deliberaram e finalmente firmaram o Acordo de Bretton Woods (Bretton Woods
Agreement) durante as primeiras três semanas de julho de 1944, com a presença de 45
representantes de países capitalistas.
Os países soberanos concordavam que seria necessário estabelecer um sistema
econômico internacional de cooperação. Havia a crença difundida de que essa cooperação e
integração eram necessárias para evitar a repetição da crise sistêmica que atravessou o mundo
capitalista em 1929, a partir dos Estados Unidos, contribuindo para a formação da grande
depressão na década de 1930 e a ruína da economia dos países periféricos – além da disputa
política que tais eventos levaram ao interior das sociedades e o conseqüente conflito bélico
que veio a ocorrer.
Buscou-se a formação de um sistema multilateral, que fosse capaz de garantir a
paz pelos anos futuros, e a supressão dos conflitos bélicos, pela criação de mecanismos de
inter-relação entre as economias mundiais, predominando a visão de que, quanto maior fosse
o grau de interdependência das economias e dos países, menores seriam as possibilidades de
os países se virem envolvidos em novos conflitos militares.118
Além do mais, os Estados Unidos surgiam como grande potência econômica e
militar no mundo. De outro lado, tínhamos a formação do bloco comunista, que ampliou
consideravelmente sua área de influência. A emergência era garantir a paz e a contenção da
ameaça comunista.
Em Bretton Woods, ainda, houve uma disputa de visão entre Harry White e
Keynes (respectivamente, secretário do Tesouro Norte-Americano e célebre economista
inglês), tendo prevalecido a visão do primeiro aqui nominado, embora diversas sugestões de
Keynes, ao longo dos anos, tenham sido incorporadas, como é o caso do Bankor (Direitos
Especiais de Saques, ou DES, 1967).
118 Cf. LAFER, Celso. Comércio e paz. São Paulo: Instituto Simonsen, 2005.
49
2.2.2 Fundo Monetário Internacional119
Um dos objetivos da criação do Fundo Monetário Internacional era, inicialmente,
o estabelecimento de políticas fiscais rigorosas, com o propósito de evitar crises econômicas
sistêmicas que pudessem vir a comprometer os esforços internacionais. Além disso, visava
promover a cooperação monetária internacional, fornecendo um mecanismo de consulta e
colaboração dos países-membros.
Expandir equilibradamente o comércio, proporcionando níveis elevados de
emprego, trazendo desenvolvimento e recursos produtivos; oferecer, ainda, ajuda financeira
aos países-membros em dificuldades econômicas; formar um sistema multilateral e promover
a estabilidade dos mercados, esses eram os predicados que levaram à formação do FMI.
2.2.3 Banco Mundial120 e OIC
Além desse importante órgão econômico, foi estabelecida a criação do Bird –
órgão responsável pela reconstrução e o desenvolvimento, uma vez que a infra-estrutura do
mundo estava completamente arrasada em razão dos acontecimentos bélicos. Nesse sentido,
vale registrar os esforços produzidos pelos Estados Unidos em estabelecer o Plano Marshall
para a reconstrução da infra-estrutura na Europa, visando o restabelecimento das condições
básicas para o desenvolvimento do capitalismo em solo europeu, uma vez que a guerra
destruíra toda a possibilidade material para tal empresa.121
Em um cenário internacional de tensões difusas e incertezas crescentes,
pavimentou-se a visão de que, quanto mais comércio houvesse, maiores seriam as chances de
uma paz duradoura. Daí a pertinência de examinar as funções e o papel que se buscou conferir
à então OIC,122 que, embora subscrita por 53 países, e somente ratificada por dois – Austrália
119 Para informações oficiais, visite o sítio eletrônico <http://www.imf.org>.120 Para informações, visite o sítio eletrônico <http://www.worldbank.org>.121 “A visão de Stalin era algo como um Plano Marshall para a Rússia, e a Europa Oriental serviria como
instrumento de difusão da influência e poder. Então, pouco mais de 40 anos após 1945 (e pouco menos dequatro décadas depois de sua morte), o Império russo da Europa Oriental entrou em colapso, ao mesmotempo em que o regime comunista da União Soviética. Os Estados Unidos se tornaram, então, a únicasuperpotência mundial – uma das conseqüências despropositadas da invasão da Rússia por Hitler em junhode 1941.” LUKACS, John. Junho de 1941, Hitler e Stalin. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. p. 120.
122 NASSER, Rabih Ali. A OMC e os países em desenvolvimento. São Paulo: Aduaneiras, 2003. p. 35.
50
e Libéria –, nunca saiu do projeto, tendo em vista o desinteresse dos Estados Unidos em
ratificar o tratado, e os conflitos de visão que predominavam na arena internacional.
Valendo-se, ainda, dos ensinamentos de Cretella,
“Quanto ao Comércio internacional, idealizou-se uma organização que complementasseas anteriores, e cuja criação foi tentada durante a Conferência das Nações Unidaspara o Comércio, entre 21.11.1947 e 24.03.1948. O documento final destaConferência, a denominada Carta de Havana previa, efetivamente, a criação daOrganização Mundial do Comércio – OIC, a qual jamais vingou estabelecer-se.”123
O conteúdo da Carta de Havana, de forte inspiração keynesiana,124 foi resgatado,
subscrevendo-se o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, que passou a vigorar em 1º de janeiro
de 1948, sob a designação de General Agreement on Tariffs and Trade 1947 (GATT 1947).
2.2.3.1 GATT 1947125
Com relação às decisões de Bretton Woods, todas foram adotadas, com a exceção
da criação da OIC, por veto expresso do Congresso norte-americano, dominado então pelos
poderosos lobbies do agribussiness, vinculado ao Partido Republicano. Sem a presença da
maior potência econômica do mundo, não tinha sentido a formação de uma organização de
comércio. A saída foi a subscrição de um tratado comercial.
“A Conferência de Havana foi instalada logo em seguida, em 21 de novembro de 1947. Dela resultou a Cartapara a Organização Internacional do Comércio, firmada por 53 países em 24 de março de 1948, mas quenunca chegou a entrar em vigor. Isso se deveu à impossibilidade de obter a sua ratificação pelo Congressodos Estados Unidos, por vários motivos, entre os quais a insatisfação com o caráter intervencionista que oCongresso atribuía à OIC. A celebração do Gatt 1947 foi acompanhada da adoção de um protocolo deaplicação provisória, para possibilitar a sua imediata entrada em vigor, mesmo antes da conclusão daConferência de Havana e da criação da OIC. Assim, as concessões tarifárias feitas pelas Partes Contratantesteriam efeitos imediatos. No entanto, estabeleceu-se que a maior parte dos dispositivos contendo obrigaçõessubstantivas apenas se aplicaria na medida em que tais dispositivos não contrariassem as legislaçõesnacionais de cada Parte Contratante. Assim, não existiria à época a obrigação de adaptar as leis internas jáexistentes aos dispositivos do Gatt 1947.”
123 CRETELLA NETO, José. Teoria geral das organizações internacionais. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 34.124 Veja-se o art. 18: “The Members recognize that the productive use of the world’s human and material
resources is of concern to and will benefit all countries, and that the industrial and general economicdevelopment of all countries, particularly of those in which resources are as yet relatively undeveloped, aswell the reconstruction of those in which resources are yet relatively undeveloped, as well as thereconstruction of those countries whose economies have been devastated by war, will improve opportunitiesfor employment enhance the productivity of labour, increase the demand for goods and services, contribute toeconomics balance, expand international trade and raise levels of real income”.
125 <http://www.gatt.org>.
51
Entretanto, utilizando-se da competência constitucional, o presidente norte-
americano, Harry S. Truman,126 firmou a Carta de Havana, constituindo o tratado
internacional GATT 1947, que, nos próximos 50 anos, iria pautar o comércio mundial por
meio de mecanismos legais internacionais.
Durante meio século, o GATT 1947 serviu ao propósito da desagravação
comercial. No ato de sua fundação, 23 países foram signatários do acordo, entre eles o Brasil.
Essa estrutura jurídica internacional funcionava de forma singular, ou seja,
mediante rodadas. A primeira delas, ocorrida em Genebra, reduziu o patamar tarifário de mais
de 45 mil produtos por meio do rebaixamento tarifário. Em termos de histórico de comércio
internacional, a iniciativa foi a mais abrangente ocorrida até então.127-128
O GATT 1947 é um tratado de Direito Público Internacional, multilateral e para-
universal, cujos objetivos são a desagravação tarifária gradual do comércio internacional e o
desenvolvimento da economia internacional. Todavia, é de se ressaltar que o GATT continha
uma natureza mista, aproximando-se do que atualmente se conhece no campo jurídico por
organizações internacionais, vez que possuía sede, secretariado, órgão de solução de
controvérsia e outros aspectos que o aproximaram dessa figura.
Essa ênfase no modelo institucional conduz às instituições de Bretton Woods,
concebidas para assegurar o controle do (livre) fluxo de bens. Atualmente, verifica-se uma
tentativa de reforma dessas instituições, no sentido de que adquiram poderes de supervisão
dos processos decorrentes da globalização.
126 Harry S. Truman, presidente norte-americano do pós-Guerra.127 As rodadas do sistema Gatt/47 foram, a saber: a) em 1947 na cidade de Genebra – Suíça, com a participação
de 23 países, afetando um comércio de US$ 10 bilhões; b) em 1949 na cidade de Annecy – França, com aparticipação de 13 países, afetando o comércio em valores não-disponíveis; c) em 1951 na cidade de Torkuay– Reino Unido, com a participação de 38 países, afetando o comércio em valores não-disponíveis; d) em1956 na cidade de Genebra – Suíça, com a participação de 26 países, afetando o comércio em US$ 2,5bilhões; e) em 1960/61 a Rodada Dilon, com a participação de 26 países, afetando o comércio em US$ 4,9bilhões; f) em 1964/67 a Rodada Kenedy, com a participação de 62 países, afetando o comércio em US$ 40bilhões; g) em 1964/67 a Rodada Tóquio, com a participação de 102 países, afetando o comércio em US$155 bilhões; e h) em 1964/67 a Rodada Uruguai, com a participação de 123 países, afetando o comércio emde US$ 3,7 trilhões, conforme informado pelo Gatt.
52
2.3 RUMO À ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO129
As sucessivas rodadas periódicas que alargavam a normatividade do círculo
multilateral começaram a demonstrar que o GATT 1947 já não era o instrumento adequado a
dar respostas ao comércio internacional, vez que sua estrutura jurídica limitava suas ações
junto aos Estados-membros.
Além do mais, novos temas como propriedade industrial e liberalização dos
serviços, de relevante atualidade, não recebiam o tratamento que os países-membros
pleiteavam.
Não se pode olvidar que o processo de globalização já vinha tomando vulto,
conforme descrito no capítulo anterior. Havia a necessidade crescente da criação de
instrumentos que dessem respostas adequadas à realidade que surgia no interior do
capitalismo. Novos atores globais, como países em desenvolvimento (PED) e a formação de
oligopólios e empresa transnacionais, configuravam, então, um desafio para seus exatos
dimensionamento e compreensão.
Como afirma Lafer,130 com a queda do Muro de Berlim, houve uma atenuação dos
denominados conflitos de concepção (Leste/Oeste Norte/Sul), nos quais a polaridade ocorre
em torno de temas de cunho especificamente ideológico, e uma emergência dos chamados
conflitos de interesse, nos quais os países não disputam pela demarcação de ideologias, e sim
por sua agenda comercial.
Não se trata da vitória de um sistema sobre o outro, mas da transformação da
sociedade via disseminação de novas tecnologias, manufaturas e investimentos.
128 Também podendo ser confirmado por THORSTESEN, Vera. OMC – Organização Mundial do Comércio: as
regras do comércio internacional de negociações multilaterais. 2. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2002. p. 31.129 Sobre a sociedade internacional, é pontual o parecer de DOLINGER, Jacob (Direito internacional privado.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 34): “As hipóteses aventadas para ilustrar a dimensão internacional dasnormas jurídicas do direito interno demonstram que além das sociedades internas, regidas por sua próprialegislação, existe uma outra sociedade maior, composta pelo encontro de elementos destas sociedadesnacionais, que compõe a ‘sociedade internacional’. Anteriormente se falava na ‘sociedade universal dosindivíduos’. Brocher e Pilet criaram a fórmula da ‘sociedade internacional’ divulgada na França por Batiffol,e já anteriormente aceita no Brasil por Clóvis Beviláqua e Rodrigo Otávio”.
130 LAFER, Celso. O sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio. In: CASELLA,Paulo Borba; ARAMINTA DE AZEVEDO (Coord.). Guerra comercial ou integração mundial pelocomércio? A OMC e o Brasil. São Paulo: LTr, 1998. p. 734.
54
2.3.1 A Rodada do Uruguai e a formação da OMC
Para enfrentar a conjuntura dominante na década de 1980, ou seja, de disputa
crescente por novos espaços comerciais, aplicação desordenada de regras de comércio
exterior, criação de barreiras comerciais, medidas compensatórias, salvaguardas, elaboração
de acordos setoriais, regras de origem e medidas antidumping, bem como de crescimento do
comércio e, principalmente, a globalização tomando cada vez mais corpo no cenário mundial,
passou-se a se exigir uma instituição para organizar o comércio mundial.131
Estudando o tema, Cretella observa:
“Não sendo o GATT uma organização internacional, carecia o Comérciointernacional, ainda, de uma entidade dotada de poderes decisórios. O problemarevelava-se mais agudo quando surgiam controvérsias entre os Membros, que eramsolucionadas segundo procedimentos estabelecidos pelo artigo XXIII do GATT,sendo apreciadas por grupos de diplomatas ou especialistas em ComércioExterior.”132
Sem dúvida, estabeleceu-se um contencioso entre os países desenvolvidos e os em
desenvolvimento, que disputaram a hegemonia do processo ao longo dos oito anos da Rodada
do Uruguai do GATT, e finalmente foi criada a OMC a partir de 1995. Essa rodada iniciou-se
na cidade de Punta Del Leste, no Uruguai, e findou com a assinatura dos acordos de
constituição da OMC na cidade de Marrakesh, no Marrocos.
Após a conclusão da Rodada do Uruguai, foram adotadas diversas medidas, que
se convencionou designar por GATT 1994, e a estrutura aprovada foi:
a) Ata Final dos Resultados da Rodada do Uruguai.
b) Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio.
c) Anexo I.
131 “A existência e o funcionamento da OMC podem ser considerados, por ora, como a melhor garantia ao
sistema de livre comércio multilateral global, mas o risco protecionista está sempre presente e manifesta-se,disfarçadamente ou não, em inúmeros países, o que constitui, aliás, fundamento de grande parte dos litígiosapreciados pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC.Também, de modo genérico, a falta de segurança – física e jurídica – causada por um conjunto amplo defatores, apresenta evidentes riscos à atividade das TNCs. Os ambientes em que operam devem propiciar alivre movimentação de pessoas e capitais, a garantia à propriedade e aos contratos, amplo acesso à Justiçae/ou a instituições onde possam solucionar suas controvérsias de modo célere e eficaz. Nesse sentido,epidemias, terrorismo, criminalidade e um Poder Judiciário lento e ineficaz. CRETELLA NETO, José.Empresa transnacional e direito internacional, p. 292.
55
Anexo 1A
• Acordos Multilaterais sobre o Comércio de Bens (13 acordos, 7
entendimentos e o Protocolo de Marrakesh).
• Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994.
• Entendimento sobre a interpretação do art. II, b (consolidação tarifária e
outros direitos).
• Entendimentos sobre a interpretação do art. XVII (empresas estatais).
• Entendimento sobre as disposições relativas ao Balanço de Pagamentos.
• Entendimentos sobre a interpretação do art. XXIV (Zonas de Livre
Comércio e Uniões Aduaneiras).
• Entendimentos sobre derrogações das Obrigações do GATT 1994.
• Entendimentos sobre a interpretação do art. XXXV (não-aplicação a certos
membros).
• Protocolo de Marrakesh (estabelece as fases de implantação das reduções
tarifárias).
• Acordo sobre Agricultura e Acordo sobre a Aplicação de Medidas
Sanitárias e Fitossanitárias.
• Acordo sobre Têxteis e Confecções.
• Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio.
• Acordo sobre Medidas de Investimento relacionadas ao Comércio.
• Acordo sobre a implementação do art. VI do GATT 1994 (Antidumping).
• Acordo sobre a implementação do art. VII do GATT 1994 (Valoração
Aduaneira).
• Acordo sobre a Inspeção Pré-embarque.
• Acordo sobre Regras de Origem.
• Acordo sobre Procedimentos de Licença de Importação.
• Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias.
• Acordo sobre Salvaguardas.
• Anexo 1B – Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços – GATS.
• Anexo 1C – Acordo sobre Aspectos Relacionados ao Comércio de
Direitos de Propriedade Intelectual – TRIPs.
• Anexo 2 – Entendimento sobre Regras e Procedimentos de Solução de
Controvérsias.
132 Ibid., p. 3.
56
• Anexo 3 – Mecanismo de Revisão de Política Comercial.
57
2.3.1.1 A constituição da OMC
A OMC é uma organização internacional constituída e integrada por Estados-
membros com os quais não se confunde. Tem personalidade jurídica pública de Direito
Internacional própria e atua por meio de um processo decisório coletivo regido por normas
substantivadas, conhecidas como GATT 1994.
A OMC foi criada em 1º de janeiro de 1995, e suas origens remontam a um
sistema de comércio que tem raízes no GATT 1947. Desde 1948, o GATT estabeleceu um
sistema de regras cujo legado foi absorvido pelo GATT 1994.
Os acordos da OMC são extensos e complexos porque tratam de textos jurídicos
que abarcam uma nova realidade fenomênica produzida pela globalização, conforme já
especificado e dissertado.
2.3.1.2 O legado do GATT na OMC
O legado do GATT são seus princípios fundamentais que constituem a base do
sistema multilateral de comércio, herança dos quase 50 anos do sistema, que adiante e de
forma sucinta passaremos a expor.
2.3.1.2.1 Nação mais favorecida – NMF (art. I)
Em decorrência dos acordos da OMC, os países não estabelecem discriminações
entre seus diversos parceiros comerciais. A vantagem concedida a um país é automaticamente
concedida a todos os demais membros da OMC. Fica proibida a discriminação entre os
países-membros do Acordo Geral.
O princípio NMF é também aplicável no Acordo Geral sobre o Comércio
de Serviços133 e no Acordo l sobre propriedade intelectual relacionado com o
133 Accord Général sur le Commerce des Services (AGCS) – art. II.
58
Comércio,134 embora tecnicamente sua aplicação seja mais específica. Esses três Acordos
compreendem as três esferas principais da OMC.
2.3.1.2.2 Listas de concessões (art. II)
É uma lista anexa ao Acordo, na qual ficam estabelecidos os produtos e tarifas
máximas que devem ser praticadas no comércio internacional.
2.3.1.2.3 Tratamento nacional – igual tratamento para nacionais e estrangeiros (art. III)
As mercadorias importadas e produzidas no país devem receber o mesmo trato,
sendo vedada qualquer discriminação em função da sua origem. As condições do mercado
para as mercadorias nacionais e estrangeiras devem ser iguais, vedada a aplicação de tributos
internos maiores que para as mercadorias estrangeiras.
O mesmo deve ocorrer no setor de serviços, marcas e patentes. Esse princípio
figura também nos três principais Acordos da OMC.135 O princípio somente se aplica uma vez
que o produto, o serviço ou a propriedade intelectual ingressa no país.
2.3.1.2.4 Transparência (art. X)
É o princípio segundo o qual todos os atos normativos, legislações, regras e
decisões que afetem o comércio internacional devem ser conhecidos por todos.
134 Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (ADPIC) Acordo
TRIPs ou Acordo ADPIC – art. IV.135 Como preconizam o art. III do GATT, o art. 17 do AGCS e o art. III do Acordo sobre os ADPIC.
59
2.3.1.2.5 Eliminação de restrições quantitativas (art. XI)
Proíbe o estabelecimento de quotas ou de qualquer mecanismo quantitativo que
restrinja o livre comércio.
2.4 LIBERALIZAÇÃO COMERCIAL GRADUAL MEDIANTE NEGOCIAÇÕES
A redução de barreiras ao livre comércio é um compromisso de todos os países-
membros para incrementar o comércio mundial. Esses obstáculos, que se constituem
verdadeiras barreiras não-tarifárias, são entraves à liberalização do comércio e, gradualmente,
devem ser removidos pelos países-membros.
Por isso a OMC não é este ou aquele Estado-membro, tampouco se caracterizando
como a soma de todos os seus integrantes.
No dizer do Soares,
“A Organização Mundial do Comércio (OMC) (ou, na sigla de sua denominação eminglês, WTO) é uma organização internacional intergovernamental, constituída, aofinal da Rodada Uruguai, pelo Acordo de Marrakesh, em 15-4-1994 e em vigor apartir de 1º-1-1995, a qual sucedeu ao antigo GATT (General Agreement on Tariffsand Trade), ou seja, a organização então denominada ‘Acordo Geral sobre Tarifas eComércio’, que tinha sido instituída em 1947, pela impossibilidade de, naquelaépoca, fundar-se uma Organização Internacional do Comércio. A OMC, além de terenglobado as antigas regras do GATT/47 sobre comércio internacional demercadorias, acrescentou-lhe outras, nesse mesmo campo, o denominado GATT/94,além de ter introduzido mais dois outros campos novos nas atribuições da OMC: ocomércio internacional de bens imateriais legados à propriedade intelectual(propriedade industrial e direito de autor e conexos) e o comércio internacional deserviços; e, por fim, igualmente aperfeiçoou a organização, com órgãos novos emecanismos mais adequados, em particular na solução de controvérsias entre osmembros da OMC.”136
2.5 NATUREZA JURÍDICA
Institucionalmente, poder-se-ia configurar a natureza jurídica da OMC como um
tertius. Esse terceiro não está acima dos Estados-membros, ou seja, não é um poder dotado de
136 SOARES, Guido. Direito internacional do meio ambiente. São Paulo: Atlas, 2001. p. 141.
60
poder. A definição de “Estado” está descrita na Convenção sobre os Direitos e Obrigações dos
Estados, de Montevidéu, concluída em 26.12.1933, que assevera:
Art. 1º O Estado como pessoa do Direito Internacional deve possuir as seguintescaracterísticas: a) uma população permanente; b) um território definido; c) umgoverno; e d) capacidade para estabelecer relações com outros Estados.
A OMC não possui soberania nos termos atribuídos a uma nação, tal como
Estado, povo, território, excetuado o fato de que pode estabelecer relações diplomáticas com
terceiros, países ou com organizações internacionais.137
Conforme definição preconizada por Rezek,
“Estados soberanos e organizações internacionais. Sujeitos de direito internacionalpúblico – ou pessoas jurídicas de direito internacional público – são os Estadossoberanos (aos quais se equipara, por razões singulares, a Santa Fé) e asorganizações internacionais. Aí não vai uma verdade externa, senão uma deduçãosegura daquilo que nos mostra a cena internacional contemporânea. Não faz muitotempo, essa qualidade era própria dos Estados, e deles exclusiva. Hoje, é certo queoutras entidades, carentes de base territorial e de dimensão demográfica, ostentamtambém a personalidade jurídica de direito das gentes, porque habilitadas àtitularidade de direitos e deveres internacionais, numa relação imediata e direta comaquele corpo de normas. A era das organizações internacionais trouxe à mente doscultores dessa disciplina uma reflexão já experimentada noutras áreas: os sujeitos dedireito, num determinado sistema jurídico, não precisam ser idênticos quanto ànatureza ou às potencialidades.A personalidade jurídica do Estado, em direito das gentes, diz-se originária,enquanto derivada das organizações. O Estado, com efeito, não tem apenasprecedência histórica: ele é antes de tudo uma realidade física, um espaço territorialsobre o qual vive uma comunidade de seres humanos. A organização internacionalcarece dessa dupla dimensão material. Ela é produto exclusivo de uma elaboraçãojurídica resultante da vontade conjunta de certo número de Estados.”138
É uma instância de abrangência universal, de interposição, intermediação e
interlocução entre os Estados-membros que a compõem, acatando suas decisões.
Possui certa singularidade, por ser a única organização internacional de vulto e
vocação econômica na qual os Estados Unidos não possuem poder de veto, estando em
igualdade com os demais membros, sujeitando-se, inclusive, aos seus decisórios.
Pela primeira vez, os procedimentos do Acordo Constitutivo da Organização
Mundial do Comércio constituem obrigações internacionais assumidas mediante um tratado, e
137 CRETELLA NETO, José. Empresa transnacional e direito internacional, cit.
61
o cumprimento dessas normas é obrigatório por parte dos Estados e de seus jurisdicionados,
por causa da inserção de um efetivo sistema de sanção.
Essa instância se insere em um sistema transnacional no qual o princípio de
igualdade formal das soberanias e as normas do Direito Internacional convivem com as
assimetrias e disputas políticas e econômicas do mundo real.
2.6 ACORDO CONSTITUTIVO E DEMAIS DOCUMENTOS
A OMC139 é, assim, no preâmbulo de seu Acordo Constitutivo, uma organização
internacional cujo objetivo é o desenvolvimento do comércio internacional, mas não só,
conforme se transcreve de seus termos:
As partes reconhecem que as suas relações na área do Comércio e atividadeseconômicas devem ser conduzidas com vistas à melhoria dos padrões de vida,assegurando o pleno emprego e um crescimento amplo e estável do volume de rendareal e demanda efetiva, e expandindo a produção e o Comércio de bens e serviços,ao mesmo tempo em que permitindo o uso ótimo dos recursos naturais de acordocom os objetivos do desenvolvimento sustentável, procurando proteger e preservar oambiente e reforçar os meios de fazê-lo, de maneira compatível com as suasnecessidades nos diversos níveis de desenvolvimento econômico.
A razão de ser da OMC como um centro harmonizador da conduta dos Estados no
plano do comércio e do desenvolvimento econômico deriva do fato de que, em um mundo
interdependente ainda que assimétrico, as nações só poderão agir pela ação conjunta, no
contexto de um sistema multilateral e universal, objetivando a elevação dos níveis de vida das
138 REZEK, Francisco. Curso de direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 151.139 THORSTESEN, Vera. As regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais.
São Paulo: Aduaneiras, 2002. p. 289-290. “Em síntese, medidas de política comercial podem ser tomadascom objetivos ambientais. Dentre os exemplos mais relevantes, temos (HUDEC, 1997):
• medidas que visam impor compromissos ambientais negociados internacionalmente, como aproibição de comercialização de produtos de espécies em extinção;
• medidas que visam persuadir outros governos a alterar seus comportamentos ambientais, impedindoa importação de produtos, considerados poluentes, ou produzidos através de processos consideradospoluentes;
• medidas para proteger a indústria doméstica, impedindo a importação de produtos produzidos compadrões ambientais menos exigentes, o que afetaria a competitividade dos produtos domésticos;
• medidas que visam dissuadir a importação de certos produtos que são considerados comoameaçadores ao ambiente, como no caso da importação para reciclagem de detritos perigosos;
• medidas comerciais, de padronização de produtos ou de métodos produtivos, e de investimentoscom objetivos ambientais específicos, que procuram impedir a relocalização de indústrias nosmembros com leis ambientais menos exigentes, como as existentes em diversos acordos regionaiscomo a CE e o NAFTA.”
62
populações; emprego e renda; crescimento da renda e do comércio; desenvolvimento
sustentável e proteção ao meio ambiente.
O fundamento desse poder de iniciativa é o de fazer da OMC um tertius ativo no
encaminhamento dos problemas internacionais.
2.7 ÓRGÃOS DA OMC
Os principais órgãos da OMC são nominados a seguir:
2.7.1 Conferência Ministerial (Ministerial Conference)
Órgão máximo da OMC, composto por representantes de todas as partes
contratantes (membros), que se reunirão pelo menos uma vez a cada dois anos. Integram a
Conferência Ministerial os ministros de Relações Exteriores, ou os ministros do Comércio,
que têm por propósito desempenhar todas as funções da OMC, derivadas de seu acordo
constitutivo.
A abordagem da Conferência Ministerial, dentro do escopo da OMC, é ilimitada,
podendo constituir comitês, como é o caso do Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente, e
Comércio Eletrônico, este sob a responsabilidade do Conselho Geral.
2.7.2 Conselho Geral
Composto por representantes de todos os Estados-membros, reunindo-se nos
hiatos da Conferência Ministerial, ou quando necessário, tendo por função, além das advindas
da Conferência, aquelas inerentes ao Acordo Constitutivo. Desempenha, também, as funções
do Órgão de Solução de Controvérsia.
O Conselho Geral, no entanto, não é apenas um órgão executivo responsável por
atividades administrativas. Tem atribuições políticas provenientes de um poder de iniciativa previsto
63
nos Acordo de Constituição: o de chamar a atenção para qualquer assunto que possa afetar o
comércio e o investimento internacional. Essa atribuição foi consolidada nos anais da OMC.
O Conselho Geral é um agente administrativo e um ator político. Suas funções
administrativas envolvem atividades logísticas, jurídicas, políticas, diplomáticas e de
informação, voltadas para o apoio à OMC e aos seus órgãos.
2.7.3 Órgão de Solução de Controvérsias – OSC (Dispute Settlement Body – DSB)
Durante a vigência do GATT 1947, a solução de controvérsias era denominada de
conciliação. O sistema utilizado tinha um viés diplomático que se foi unificando com as
Rodadas, em especial a Rodada Tóquio. Estabelecido pelo art. 2º do Anexo 2 do Acordo de
Constituição da OMC, o Órgão de Solução de Controvérsias não representa uma ruptura com
o GATT 1947; ao contrário, é um aperfeiçoamento do instrumental, acrescido da experiência
e formulação de um conjunto de regras, unificando os procedimentos de modo a adensar e
integrar o sistema processual. Sua natureza jurídica é mista.
Em determinadas fases, transita por um conjunto de procedimentos de natureza
diplomática clássica, e em outras se alberga em uma processualística de corte eminentemente
jurídico. Todavia, o predomínio das regras é de caráter jurisdicionalizado.
Observe-se que, no plano do Direito Internacional, nenhum outro órgão adota
procedimentos jurídicos e diplomáticos simultaneamente, como é o caso da OMC, fazendo de
sua processualística caso singular.
Conhecido também por single undertaking ou single package, aos membros fica
expressamente vedada a escolha de processualística que porventura melhor lhes convenha, ou,
nos dizeres de Cretella,140 “Evolui-se da situação anterior, designada como ‘GATT a la carte’,
para o princípio do single undertaking”.
140 CRETELLA NETO, José. Direito processual na Organização Mundial do Comércio – OMC. Rio de Janeiro:
Forense, 2003. p. 76.
64
O single undertaking consiste na negociação de um único pacote de objetivos, ou
na negociação de vários objetivos de forma única. Todos os acordos multilaterais da OMC são
negociados dessa forma.
Na prática, isso implica que, enquanto não houver definição para algum dos
pontos negociados, nada estará acordado de forma definitiva.
A regra do single undertaking estabelece que ele só passa a vigorar a partir do
momento em que todos os temas estiverem acordados entre os membros, além de se respeitar
os dispositivos da Organização Mundial de Comércio.
Esse órgão é encarregado de responder a consultas formuladas e solucionar
controvérsias surgidas entre os Estados-membros a respeito das matérias constantes dos
acordos abrangidos pelo Ato Constitutivo, estabelecendo Grupos Especiais (Painel), e
adotando os relatórios produzidos pelos Grupos Especiais, e pelo Órgão Permanente de
Apelação (OPA).
2.7.4 Órgão Permanente de Apelação – OPA (Standing Appellate Body)
O Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) foi estabelecido por força do art. 17
do Anexo 2 do Ato Constitutivo, e a ele serão dirigidas as apelações pelos Estados-membros
que estiverem em desacordo com os Relatórios emitidos pelos Grupos Especiais.
2.7.5 Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente141
A existência de um Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente no âmbito da
Organização Mundial do Comércio demonstra, de forma clara e meridiana, a interconexão
141 CRETELLA NETO, José. Direito processual na Organização Mundial do Comércio – OMC, p. 421.
“As exceções que o GATT 1994 concede aos Membros para que imponham medidas que, em princípio,constituem barreiras ao livre comércio, são encontradas no Artigo XX (General Exceptions), cujo caputdispõe que as medidas excepcionais destinadas a restringir o comércio internacional somente são autorizadasse não forem aplicadas ‘in a manner which constitutes a means of avatars or unjustifiable discriminationbetween countries where the same conditions prevail’. Dentre as medidas permitidas estão aquelas destinadasa proteger a vida ou a saúde de seres humanos, dos animais ou vegetais (Artigo XX(b)), bem como aquelasrelativas à conservação de recursos naturais não-renováveis (Artigo XX(g)).”
65
entre desenvolvimento e meio ambiente, de modo que a ampliação do comércio internacional,
e sua conseqüente interferência no meio ambiente, não constitua uma barreira à inserção, no
processo de globalização, dos países periféricos em face ao Direito ao Desenvolvimento.
Devem ser observados os paradigmas no campo jurídico e político, integrando-se, para tanto,
com a dimensão social, ambiental e institucional, no que é chamado desenvolvimento
sustentável para a qualidade de vidas das presentes e futuras gerações.
Todavia, a indagação maior que aqui se ventilará diz respeito a qual Direito irá
regulamentar as interações entre o comércio internacional e o meio ambiente. Serão aqueles
havidos nos Acordos Constitutivos da OMC e seus anexos, ou mesmo a tratadística
internacional? Essa questão encontra-se distante de ser respondida.
O debate sobre a interação comércio e meio ambiente não é recente. A inter-
relação entre o comércio e seus efeitos no meio ambiente, que incluem tanto os efeitos das
políticas ambientais sobre o comércio como deste sobre o meio ambiente, passa a ser mais
bem observada a partir da década de 1970.
A esse tempo já se fazem presentes as primeiras manifestações tanto de órgãos
científicos como de organizações não-governamentais sobre a agressão crescente, fruto do
desenvolvimento econômico, que motivou a realização da Conferência de Estocolmo de 1972
sobre o Meio Ambiente.
Nesse diapasão, é importante frisar que, nos atos preparatórios da Conferência de
Estocolmo sobre o Meio Ambiente, o GATT 1947 teve participação, sendo convocado a
apresentar um estudo que ficou conhecido como “Controle da Poluição Industrial e Comércio
Internacional”.
Frise-se que em 1971 – portanto, um ano antes da realização da Conferência de
Estocolmo sobre o Meio Ambiente – o Conselho do GATT estabeleceu um grupo de estudos
sobre Medidas Ambientais e Comércio Internacional.142 Todavia, seu trabalho só foi iniciado,
apenas e tão somente, em 1991.
142 Environmental Measures and International Trade (EMTI).
66
Paralelamente, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE)143 estabeleceu, em 22 de julho de 1970, um Comitê sobre o Meio
Ambiente, buscando correlacionar, entre outros temas, o comércio e o meio ambiente.
Decorrido o lapso temporal que vai da Conferência de Estocolmo até 1994 (ano de
fundação da OMC), importantes eventos ocorreram na esfera ambiental. Em abril de 1994, foi
adotada a Decisão Ministerial sobre Comércio e Meio Ambiente, na qual havia a proposição
do estabelecimento, no seio da OMC, de um específico Comitê sobre Comércio e Meio
Ambiente (CCMA), que veio a se efetivar em 16 de fevereiro de 1995.
O objetivo do CCMA é o de estudar e propor medidas comerciais e ambientais,
visando o chamado desenvolvimento sustentável, e outras recomendações que envolvam
comércio e meio ambiente, levando em conta as disparidades havidas no desenvolvimento dos
Estados-membros. Esse Comitê deve dar ênfase aos objetivos estabelecidos na Agenda 21.144
Observe-se que os chamados países desenvolvidos estão submetidos a uma
pressão dos grupos ambientais, que atuam por meio de lobbies organizados que denunciam as
incompatibilidades entre as políticas comerciais e as ambientais.
Os países em desenvolvimento expressam temores de que a questão verde venha a
se constituir em uma barreira ao livre comércio internacional, eis que os padrões ambientais
podem criar novas condicionalidades para o acesso de seus produtos aos mercados dos países
desenvolvidos.
É de se observar que, no Preâmbulo do Acordo de Marrakesh (Acordo
Constitutivo da OMC), os Estados-membros assumem o compromisso de trabalhar em prol do
desenvolvimento sustentável. Em complemento, a Decisão Ministerial sobre Comércio e
Meio Ambiente declara que a função do CCMA será “objetivar que as políticas sobre
Comércio internacional e as políticas ambientais se apóiem mutuamente”.
Todavia, é senso comum que a OMC admite não ser uma organização ambiental
nem tem aspirações a isso. Apenas afirma sua competência na interdisciplinaridade havida
143 Para maiores detalhes: <http://www.oecd.org/home/0,2987,en_2649_201185_1_1_1_1_1,00.html>.144 Princípio 12 da Declaração do Rio de Janeiro.
67
entre o comércio e o meio ambiente e a influência de um sobre o outro. No entanto, as
disciplinas do meio ambiente e o comércio internacional vêm exigindo uma interferência cada
vez maior dos organismos internacionais, como é o caso da OMC.
Cada vez mais são submetidas à apreciação do Órgão de Solução de Controvérsias
questões relativas ao meio ambiente (art. 20 do GATT 1994), firmando-se aos poucos uma
jurisprudência, que incorpora as políticas ambientais. Todavia, a questão fundamental que se
enuncia reside na ausência de uma organização internacional especializada em meio
ambiente, como é o caso da OMC para o comércio internacional, para fundamentar o
exercício do Direito e sua lei aplicável.
Observe-se ainda que as decisões emanadas de organizações internacionais
podem, em tese, conflitar com decisões ou legislações de outras jurisdições.
2.8 OUTROS ATORES DE RELEVÂNCIA NO COMÉRCIO MUNDIAL
Acompanhando a evolução do comércio internacional, e a sua própria
necessidade, foram criados blocos e acordos comerciais, dentro de determinados espaços
geográficos, que de forma crescente têm influenciado não só as políticas comerciais, mas
principalmente o desenvolvimento e o progresso da economia mundial.
Passaremos, por ordem cronológica, a mencionar alguns deles, obsequiando não
adentrar em sua estrutura, mas comentar de forma abrangente, incluindo, aí, os mecanismos
de prevenção ambiental.
2.8.1 União Européia
A despeito de o continente europeu ter sido palco de intensas disputas políticas e
bélicas ao longo dos séculos, e de sua diversidade lingüística, étnica e cultural, pode-se
afirmar que há uma matriz baseada no caldo de uma cultura historiográfica comum.
68
São momentos que podem ser pontuados, como a Idade Média, o Renascimento, a
Revolução Industrial, e principalmente as tragédias das duas Grandes Guerras havidas no
século XX, e que consumiram milhões de vidas no solo europeu e alhures.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, importantes fatos ocorreram. De um
isolado país, a Rússia Soviética, havia-se formado a Comunidade Socialista Internacional,145
ou como Winston Churchill preferiu designar em Fulton – Missouri, Estados Unidos –, a 5 de
março de 1946, Cortina de Ferro,146 o que representaria uma constante ameaça às democracias
recém-construídas, ou refeitas dos efeitos adversos da guerra, como são exemplos Áustria,
França, Alemanha, entre outros.
De mais a mais, em face da ameaça comunista, os Estados Unidos elaboraram o
plano econômico de reconstrução da Europa, conhecido por Plano Marshall. Além disso, o
sistema multilateral construído em Bretton Woods apresentava seus primeiros resultados.
Na visão estratégica de Winston Churchill,147 seriam necessárias a refundação
européia e a construção dos Estados Unidos da Europa, levando ao surgimento do Conselho
da Europa.
O primeiro tratado, proposto por Jean Monet e Robert Shumann, foi o Tratado de
Paris, de 18 de abril de 1951, que constituiu a Comunidade do Carvão e do Aço (Ceca), tendo
como protagonistas França, Alemanha, Itália, Bélgica, Luxemburgo e Holanda. A organização
tinha natureza jurídica supranacional.
Posteriormente, temos o Tratado de Roma, firmado em 25 de março de 1957, que
prevê a instituição da Comunidade Econômica Européia e a Comunidade Européia de Energia
145 Ao final da Segunda Guerra Mundial, compunham a Comunidade Socialista Internacional os seguintes
países: Polônia, Bulgária, Romênia, Tchecoslováquia, Hungria e Alemanha Oriental (RDA), além de aChina, em 1949, ter optado pela via socialista.
146 “Desde Stettin no Báltico até o Trieste no Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o continente. Atrásdessa linha estão todas as capitais dos antigos Estados da Europa Central e Oriental. Varsóvia, Berlim, Praga,Viena, Budapeste, Belgrado e Sofia, todas essas cidades famosas e as populações à sua volta estão na esferade influência soviética, e estão sujeitas, de uma forma ou de outra, não apenas à influência soviética, mas aum grande, e às vezes crescente, controle de Moscou.” Vide http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,1478863,00.html
147 Zurique, 19 de setembro de 1946.
69
Atômica,148 observando-se o clássico cronograma que se iniciava com a criação de uma União
Aduaneira até o estabelecimento da União Européia.
Houve outras tratativas, como o Ato Único Europeu, que estabeleceu uma série de
mecanismos para o funcionamento da União Européia (UE). Digno de menção é o Tratado de
Maastricht sobre a União Européia, celebrado em 7 de fevereiro de 1992.
Nos termos do art. 2º149 do Tratado que institui a Comunidade Européia (CE), esta
tem como missão promover:
• Um desenvolvimento harmonioso, equilibrado e sustentável das
atividades econômicas.
• Um elevado nível de emprego e de proteção social, a igualdade entre
homens e mulheres.
• Um crescimento sustentável.
• Um alto grau de competitividade e de convergência dos
comportamentos das economias.
• Um elevado nível de proteção e de melhoria da qualidade do ambiente,
o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão econômica e social
e a solidariedade entre os Estados-membros.
Para alcançar esses fins, a CE elabora um conjunto de políticas nos vastos
domínios econômicos, abrangendo um conjunto de resoluções e diretivas, no que se inclui a
política ambiental.150.
148 Pode ser designada como Comunidade Européia para a Energia Atômica/Communauté Européenne de
l’Énergie Atomique/European Atomic Energy Community (Euroton).149 “Art. 2º. A Comunidade tem como missão, através da criação da um mercado comum e de uma união
econômica e monetária e da aplicação das políticas ou ações comuns a que se referem os artigos 3º e 4º,promover, em toda a Comunidade, o desenvolvimento harmonioso, equilibrado e sustentável das actividadeseconômicas, um elevado nível de emprego e de proteção social, a igualdade entre homens e mulheres, umcrescimento sustentável e não inflacionista, um alto grau de competitividade e de convergência doscomportamentos das economias, um elevado nível de protecção e de melhoria da qualidade do ambiente, oaumento do nível e da qualidade de vida, a coesão econômica e social e a solidariedade entre os Estados-Membros.” Fonte: <http://eur-lex.europa.eu/pt/treaties/dat/12002E/htm/C_2002325PT.003301.html#an Art2>.
150 ‘“Para reduzir as emissões de CO2, as economias industrializadas terão de encontrar energias alternativas.Energias alternativas: Por que é que não pensamos seriamente numa alternativa, que permitiria obter 70% daprodução de energia eléctrica, sem emissão de CO2: a energia nuclear?’. Foram as palavras utilizadas peloeurodeputado alemão Herbert Reul (Grupo do Partido Popular Europeu e dos Democratas Europeus) quandose referiu à questão das energias alternativas. Para o eurodeputado alemão Matthias Grootse (GrupoSocialista), ‘na política relativa às alterações climáticas, a expressão tempo é dinheiro tem um outrosignificado’. Durante o debate, a eurodeputada francesa Anne Laperrouze (Grupo da Aliança dos Democratas
70
O processo de tomada de decisões na UE, em geral, e o processo de co-decisão,
em particular, envolvem as três principais instituições:
• o Parlamento Europeu, diretamente eleito, que representa os cidadãos
da UE;
• o Conselho da União Européia, que representa os Estados-membros;
• a Comissão Européia, que deve defender os interesses de toda a União.
Para além das suas instituições, a UE tem diversos órgãos que desempenham
missões específicas, como é o caso do meio ambiente; seus ministros do meio ambiente (27
representantes dos Estados-membros) apresentaram um projeto prevendo a redução de 20%
das emissões de gases causadores do efeito estufa até 2020.
2.8.2 Mercosul
As discussões para a constituição de uma comunidade latino-americana remontam
a Simon Bolívar,151 San Martin152 e outras figuras históricas que habitaram o solo da América
Latina no século XIX e buscaram a libertação do jugo colonialista.
Durante o século XIX, após o período de descolonização das Américas, surgiram
tensões geopolíticas que desembocaram em conflitos bélicos, cuja expressão mais conhecida
foi a Guerra do Paraguai.
A Doutrina Monroe,153 que proclamava a América para os americanos, já
perdurava havia cerca de 80 anos. Inspirado no concerto europeu em 1909, e por iniciativa do
Barão do Rio Branco,154 foi proposto o Tratado ABC, entre Argentina, Brasil e Chile.
e Liberais pela Europa) sublinhou a importância das medidas fiscais destinadas a promover a eficiênciaenergética e a utilização de combustíveis biológicos e de energias renováveis. O ministro alemão doAmbiente, Sigmar Gabriel, em representação da actual Presidência da UE, afirmou que ‘se continuarmosassim... daqui a 50 anos vamos precisar de outro planeta’.” Fonte: <http://www.europarl.europa.eu/news/public/story_page/064-2778-031-01-05-911-20070206STO02777-2007-31-01-2007/default_pt.htm>. Acesso em: 21 fev. 2007.
151 Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar Palacios foi um militar venezuelano e líderrevolucionário responsável pela independência de vários países da América Espanhola.
152 José Francisco de San Martín y Matorras, militar argentino, foi um dos “Libertadores da América”, tendoparticipado da independência da Argentina, do Chile e do Peru.
153 “Julgamos propícia esta ocasião para afirmar como um princípio que afeta os direitos e interesses dos EstadosUnidos, que os continentes americanos, em virtude da condição livre e independente que adquiriram e
71
Todavia, esse Tratado não prosperou por causa da reticência de Buenos Aires, sob
a escusa de não alienar o Peru do processo integracionista. É certo que os países envolvidos
no processo temiam a desconfiança dos Estados Unidos, fracassando, dessa forma, a tentativa
de um possível contrapeso à influência de Washington no Cone Sul.
conservavam, não podem mais ser considerados, no futuro, como sustentáveis de colonização por nenhumapotência européia...Tendo sido dito, no começo da última sessão, que a Espanha e Portugal faziam grandes esforços paramelhorar a sorte do povo e que esta nobre tarefa parecia conduzida com extraordinária moderação, é mais oumenos supérfluo observar que o resultado foi muito diferente daquele que então se esperava. Temos seguidosempre, com curiosidade e interesse, os acontecimentos que se verificam nesta parte do globo com a qualmantemos tantas relações e à qual devemos nossa origem. Os cidadãos dos Estados Unidos nutrem os maiscordiais sentimentos pela liberdade e ventura de seus irmãos do outro lado do Atlântico. Jamais nosimiscuímos nas guerras que as potências européias empreenderam por questões particulares; tal é a nossapolítica. Somente quando nos atacam ou vemos seriamente ameaçados os nossos direitos, é que nosconsideramos ofendidos ou nos preparamos para a defesa.Temos ligações mais imediatas com os acontecimentos deste hemisfério, e a razão é bem patente para todoobservador imparcial e esclarecido. O sistema político das potências aliadas é essencialmente diverso, a esserespeito, do sistema político da América. Essa distinção procede da que existe entre os respectivos governos eo nosso, conquistado ao preço de tanto sangue e de tanto ouro, amadurecido pela sabedoria de nossos maisesclarecidos cidadãos e sob o qual temos desfrutado de uma felicidade sem igual; a nação inteira se consagraà sua defesa.Devemos, no entanto, à nossa boa-fé às relações amistosas que existem entre as potências aliadas e osEstados Unidos declarar que consideraríamos como perigosa para a nossa paz e segurança qualquer tentativada sua parte, para estender seu sistema a qualquer parcela deste hemisfério. Não temos interferido, neminterferiremos em assuntos das atuais colônias ou dependências de nenhuma das potências européias. Mas,quanto aos governos que proclamaram e têm mantido sua independência, que reconhecemos, depois de sériareflexão e por motivos justos, não poderíamos considerar senão como manifestação de sentimentos hostiscontra os Estados Unidos qualquer intervenção de alguma potência européia com o propósito de oprimi-losou de contrariar, de qualquer modo, os seus destinos. Na guerra entre esses novos governos e a Espanha,declaramos nossa neutralidade, na época de seu reconhecimento, e a ela permanecemos fiéis; assimcontinuaremos, contanto que não surja modificação que, a juízo das autoridades competentes de nossogoverno, torne necessária, também de nossa parte, uma modificação indispensável à nossa segurança.Os últimos acontecimentos na Espanha e em Portugal provam que ainda não há bastante tranqüilidade naEuropa. A prova mais cabal deste fato importante é que as potências aliadas julgaram conveniente, de acordocom os princípios que adotaram, intervir pela força nos distúrbios da Espanha. Até que ponto pode estender-se tal intervenção, segundo o mesmo princípio? Esta é uma questão na qual estão interessados todos ospoderes independentes, cujos governos diferem dos deles, e nenhum está mais interessado que os EstadosUnidos. A política que adotamos a respeito da Europa, no começo mesmo das guerras que, durante tantotempo, agitaram essa parte do globo, continua a ser sempre mesma, e consiste em nunca intervir nos negóciosinternos de qualquer potência européia; em considerar o governo de fato como governo legítimo; emestabelecer relações amistosas com ele e conservá-las, por meio de uma política franca, firme e corajosa,admitindo, sem distinção, as justas reclamações de todas as potências, mas sem tolerar ofensas de nenhuma.Quando se trata, porém, do nosso continente, as coisas mudam completamente de aspecto. É possível que aspotências aliadas estendam seu sistema político a qualquer parte dos continentes americanos, sem pôr emperigo a nossa paz e segurança, nem se pode supor que nossos irmãos do Sul o adotassem de livre vontade,caso os abandonássemos a sua própria sorte. Ser-nos-ia, igualmente, impossível permanecer espectadoresindiferentes dessa intervenção, sob qualquer forma que tivesse. Se considerarmos a força e os recursos daEspanha e dos novos governos da América bem como a distância que os separa, é evidente que a Espanhajamais poderá chegar a submetê-los.” Texto obtido na Biblioteca Mario de Andrade de São Paulo.
154 José Maria da Silva Paranhos Júnior, conhecido como Barão do Rio Branco, foi político, diplomata ehistoriador. Torna-se cônsul do Brasil em Liverpool, na Inglaterra, em 1876. Entre 1893 e 1900 é designadopara resolver as disputas pelos territórios de Sete Povos das Missões – entre Brasil e Uruguai – e do Amapá.Em 1902 é indicado para o Ministério das Relações Exteriores. Participa, ainda, da disputa pelo Acre com aBolívia e de questões fronteiriças com Venezuela, Colômbia e outros países.
72
Na formulação e execução da política externa, os países integrantes da América
do Sul viveram, ao longo do século XX, conflitos155 de tensão, herdados do colonialismo e do
processo de independência ocorrido nas Américas, demandando aos respectivos serviços
diplomáticos a tradução e execução de uma política externa, ou seja, a expressão de suas
políticas internas no cenário internacional a evitar riscos opostos.
Houve várias tentativas de aproximação diplomática entre os países da região.
Todavia, as desconfianças havidas entre eles tornaram impossível uma aproximação maior.
Conforme relata Lafer:
“No século 20, desde que o Barão de Rio Branco definiu as fronteiras do país, aidéia de trabalhar em que medida o mundo viabiliza e complementa nossodesenvolvimento converteu-se num fio condutor da política externa como umapolítica pública.”156
O desafio agora seria o de construir uma agenda de complementaridade entre as
economias dos países integrantes da América Latina, tendo em vista os aspectos assimétricos
de suas economias, e as desconfianças políticas já abordadas.
2.8.3 Rumo à integração
Posteriormente, com inspiração no modelo europeu (Mercado Comum Europeu),
ocorreu a criação de um mercado econômico regional para a América Latina, estabelecendo-se
155 Vários conflitos de tensão hão e houveram entre os países latino-americanos, que a seguir se listarão apenas
para exemplificar a questão, como a chamada Guerra do Chaco, que foi um conflito armado entre a Bolívia eo Paraguai e se estendeu de 1932 a 1935, originando-se pela disputa territorial da região do Chaco Boreal; oConflito de Beagle, que envolveu uma região que divide a Argentina e o Chile na Terra do Fogo, o Estreitode Beagle, e quase levou os dois países à guerra em 1978. Em 1985, a disputa foi submetida à arbitragem doPapa João Paulo II. Também, a questão do Acre, ocorrida entre 1899 e 1903, na qual o Brasil e a Bolívia,durante o ciclo da borracha, por pouco não entraram em guerra aberta; um conflito entre o Peru e o Equador(chamado Guerra de Cenepa, na área do rio com este nome) estourou em janeiro e fevereiro de 1995 emfunção de atrito sobre as fronteiras estabelecidas em 1942 e foi solucionado pelo Protocolo de Rio; tensõesexistentes entre o Brasil e o Suriname, a questão Brasil e Bolívia, a pendência dos Brasiguaios com oParaguai, a própria Guerra do Paraguai, a construção de Itaipu, que gerou tensões com a Argentina; a disputaentre a Venezuela e as Guianas pelo território a oeste do Rio Essequibo, quase 60% das Guianas e que éreinvidicado pela Venezuela como sendo parte de seu território; a Guerra do Pacífico, conflito ocorrido entre1879 e 1881, confrontando o Chile e as forças conjuntas da Bolívia e do Peru. Para maiores esclarecimentos,recomendamos pesquisa no sítio eletrônico <http://www.mre.gov.br/index.php?option=com_ content&task=view&id=1385>.
73
em fevereiro de 1960 a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc), a qual foi
assinada por Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, México, Paraguai e Peru. Posteriormente,
Colômbia, Equador, Bolívia e Venezuela aderiram. A Alalc objetivava a eliminação, até 1980,
do maior número possível de restrições comerciais existentes entre os países-membros,
todavia não prosperou.
Em 1980 é firmado o Tratado de Montevidéu, cujo objetivo foi a criação da
Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), por Argentina, Brasil, Bolívia,
Colômbia, Chile, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, visando
implementar políticas convergentes, que conduzissem a um mercado comum regional. Esse
Tratado encontra-se em vigor até os dias presentes, e em seu arcabouço foi criado o Mercado
Comum do Cone Sul (Mercosul).
Com o fim do ciclo dos governos militares, a redemocratização nesses países fez
com que quase naturalmente cessassem as desconfianças recíprocas, aproximando a Argentina
e o Brasil, nações que durante o século XX viveram uma disputa pela liderança regional, mas
que firmaram a Declaração de Iguaçu157 de 1985, que estabelecia uma comissão bilateral, e à
qual se seguiu uma série de acordos comerciais complementares em 1986.
O Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, assinado em 1988,
fixou como objetivo central da política regional o estabelecimento de um mercado comum, ao
qual os demais países latino-americanos poderiam unir-se.
Posteriormente houve a adesão do Paraguai e do Uruguai, e, não obstante as
assimetrias econômicas e diferenças pontuais de ritmo, Argentina, Brasil e os dois países
retrocitados firmaram o Tratado de Assunção de 1991, que estabelecia o Mercado Comum do
Sul, observando um cronograma de integração próprio.
Importante notar que o Mercosul foi um marco político e econômico em uma
região onde imperavam tensões e disputas geopolíticas, considerando-se as diversas ditaduras
156 LAFER, Celso. A política externa brasileira, necessidade interna versus possibilidades externas. Cadernos de
Problemas Brasileiros, v. 375, n. 375, maio/jun. 2006. p. 2.157 Em dezembro de 1985, Brasil e Argentina assinam a declaração de Foz do Iguaçu, que foi a base para a
integração econômica do Cone Sul. Havia uma grande necessidade de investimentos nos países, mas não
74
e que as democracias existentes eram incipientes nesse ciclo autoritário que a América do Sul
experimentou.158
Quando a moeda brasileira é estabilizada após a edição do Plano Real, o Mercosul
se sedimenta, transmudando sua natureza de simples tratado para fato, representando
doravante uma importante corrente comercial entre os quatro países acordantes.
Em 1994 temos o Protocolo de Ouro Preto, que, entre outras disposições, conferiu
personalidade pública internacional para o Mercosul, facultando a esse bloco ser signatário de
diversos acordos internacionais.
Em decorrência de diversas disputas internas e crises econômicas sucessivas,
como foi o caso da crise argentina em 2002, e do alargamento da lista de exceção da TEC, o
Mercosul foi significativamente enfraquecido.
A disputa havida entre Argentina e Uruguai159 versando sobre a construção de
duas indústrias de celulose foi levada à Corte Internacional de Justiça160 para apreciação,
sendo negada por 14 votos a 1 a concessão das medidas pretendidas pela Argentina.
Sobre ser uma questão ambiental, que serviu de pano de fundo para as tensões
regionais, ficaram demonstradas para a opinião pública internacional a imaturidade dos atores
havia créditos internacionais disponíveis. Ambos perceberam a necessidade de complementaridade de suaseconomias em razão da assimetria entre elas.
158 Os países da América do Sul experimentaram sucessivos golpes militares: Brasil, em 1964; Uruguai, em1973; Chile, 1973; Argentina, 1975. Na Bolívia, o general Alfredo Ovando Candía, que assume o poder pelaforça, é derrubado em 1970 pelo general Juan José Torres, que cai em 1971. O general Hugo Banzer Suárezassume o governo. Banzer renuncia em 1978, e abre-se novo período de golpes e contragolpes. Em 1980,Hernán Siles Zuazo, de centro-esquerda, é eleito presidente, mas impedido de assumir por um novo golpeliderado pelo general Luis García Meza, que é deposto em 1981. Generais sucedem-se na Presidência até1982. Stroessner, general de exército, foi presidente do Paraguai entre 1954 e 1989. No Peru, o mais recenteperíodo militar é de 1968-1980. Fonte: <http://www.hrw.org/>. OK
159 Total de disputas levadas à Corte Internacional de Justiça por ano: 2006 – 3 decisões; 2005 – 1 decisão; 2004– 1 decisão; 2003 – 3 decisões; 2002 – 3 decisões; 2001 – 3 decisões; 2000 – 1 decisão; 1999 – 17 decisões;1998 – 4 decisões; 1996 – 1 decisão; 1995 – 2 decisões; 1994 – 1 decisão; 1993 – 2 decisões; 1992 – 3decisões; 1991 – 4 decisões; 1990 – 1 decisão; 1989 – 3 decisões; 1988 – 1 decisão; 1987 – 1 decisão; 1986 –3 decisões; 1984 – 2 decisões; 1983 – 1 decisão; 1982 – 1 decisão; 1981 – 1 decisão; 1979 – 1 decisão; 1978– 1 decisão; 1976 – 1 decisão; 1973 – 3 decisões; 1972 – 2 decisões; 1971 – 1 decisão; 1967 – 1 decisão;1962 – 3 decisões; 1961 – 2 decisões; 1960 – 3 decisões; 1959 – 5 decisões; 1958 – 4 decisões; 1957 – 10decisões; 1955 – 8 decisões; 1954 – 2 decisões; 1953 – 3 decisões; 1951 – 10 decisões; 1950 – 6 decisões;1949 – 4 decisões; 1947 – 1 decisão.
75
regionais e a sua fraqueza política, eis que não foram capazes de resolver pela via política ou
diplomática as divergências intrabloco.
É de rigor assinalar que, em 2004, entrou em vigor o Protocolo de Olivos 2002,
que estabelece o Tribunal Arbitral Permanente de Revisão do Mercosul, com sede em
Assunção, capital do Paraguai.
Na crise entre o Uruguai e a Argentina, o Tribunal ad hoc161 foi acionado,162 em
razão do bloqueio argentino promovido nas pontes que interligavam os países. Em alegação,
os representantes argentinos consideravam os bloqueios como um exercício regular de um
direito, pois a legislação vigente na Argentina assegura a livre manifestação, e que não
ocasionavam prejuízos aos uruguaios.
Diante disso, e ao exame da situação concreta, os árbitros decidiram dar
provimento parcial à reclamação uruguaia, ou seja, que a Argentina, ao permitir a referida
conduta, violou os termos do Tratado de Assunção, qual seja, garantir a livre circulação de
bens e serviços entre os Estados-partes do Mercosul. No mesmo sentido foi reafirmado o
compromisso com a proteção da qualidade da água e a sustentabilidade do desenvolvimento
econômico.163.
Ainda, foi solicitada ao rei da Espanha a arbitragem dessa pendência entre os
países.164
Em dezembro de 2005, a Venezuela protocolou seu pedido de adesão ao
Mercosul, e em 4 de julho de 2006 seu ingresso ao bloco econômico foi formalizado, em
Caracas.
160 Foi requerida uma medida cautelar para a Corte Internacional de Justiça requerendo a tomada de medidas
com base ao art. 41 do Estatuto da Corte. Maiores informações no sítio eletrônico<http://www.mrree.gub.uy/mrree/Prensa/Noticias/Ordenanza_CIJ_ing.pdf>.
161 Em 6 de setembro de 2006, o Tribunal Arbitral Ad Hoc emitiu seu laudo na controvérsia que envolveArgentina e Uruguai sobre a obstrução de diversas estradas.
162 <http://www.mrree.gub.uy/mrree/Prensa/Laudo_Tribunal_AD_HOC>.163 Para maiores esclarecimentos: <http://www.icj-ij.org/docket/index.php?p1=3&p2=3&code=au&case=135
&k=88>.164 “Bajo los auspicios de S.M. el Rey de España, en el marco de su labor de buenos oficios para la facilitación
del diálogo entre la República Argentina y la República Oriental del Uruguay, los días 18 a 20 de abril de2007 se han reunido en Madrid los representantes personales designados por los Señores Presidentes deambas Repúblicas.” Vide sítio eletrônico <http://www.mrree.gub.uy/mrree/Prensa/madrid20042007.htm>.
76
Alguns fizeram a leitura de que o ingresso da Venezuela serviria de um viés
antinorte-americano, em razão das seguidas preleções que o regime chavista faz na região,
tornando o Mercosul mais uma instância para verberação de um discurso tosco e nacionalista,
permeado com elementos ideológicos,165 autêntica retórica, clamando pelo socialismo do
século XXI, embora, até o presente momento, raros sejam os que compreenderam o real
significado da expressão, apequenando o avanço do comércio regional.166.
No que diz respeito ao meio ambiente, o órgão responsável é o Subgrupo de
Trabalho Meio Ambiente SGT n. 6.167
A despeito do direito a um meio ambiente saudável, o Brasil, pelos termos da
decisão do Tribunal Arbitral do Mercosul, obrigou-se a aceitar a importação de pneus usados,
recebendo, desde o ano de 2003, 200 mil pneus do Uruguai. Semelhante decisão, cujo teor
ainda não se conhece, foi tomada no âmbito da OMC. As críticas dos setores ambientalistas
são várias, considerando que os países ricos estão exportando resíduos perigosos para os
países em desenvolvimento.168
165 Uma das grandes influências de Hugo Chavez é o filósofo Francês Roge-Guarrody, que na década de 1970
promoveu um encontro em marxistas e cristãos, fundando uma nova corrente de pensamento “marxista-cristão”. Depois se tornou islâmico, e profundamente anti-semita, sendo influenciado pelo regime do Irã.Talvez isso explique a proximidade entre o regime de Caracas e Teerã.
166 “Na agenda externa do Mercosul, que inclui iniciativas nas esferas latino-americana, hemisférica e extra-hemisférica, destacam-se os seguintes temas: a) a negociação de acordos de livre comércio entre o Mercosule os demais membros da Aladi; b) a implementação do Acordo-Quadro Inter-regional de CooperaçãoEconômica e Comercial, firmado em dezembro de 1995 entre o Mercosul e a União Européia; c) acoordenação de posições no âmbito das negociações com vistas à formação da Área Hemisférica de LivreComércio. A integração comercial propiciada pelo Mercosul também favoreceu realizações nos maisdiferentes setores, como educação, justiça, cultura, transportes, energia, meio ambiente e agricultura. Nessesentido, vários acordos foram firmados, incluindo o reconhecimento de títulos universitários e a revalidaçãode diplomas, até, entre outros, o estabelecimento de protocolos de assistência mútua em assuntos penais e acriação de um ‘selo cultural’ para promover a cooperação, o intercâmbio e a maior facilidade no trânsitoaduaneiro de bens culturais.” Fonte: <http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/ web/port/relext/mre/orgreg/mercom/index.htm>.
167 “El Grupo de Mercado Común ha instituido dentro del MERCOSUR, el Subgrupo de Trabajo n. 6 de MedioAmbiente, el cual sostiene los principios de gradualidad, flexibilidad y equilibrio definidos en el Tratado deAsunción, los principios emanados de la ‘Declaración de Canela’ y de la CNUMAD´92 y la necesidad depromover el desarrollo sustentable.” Fonte: <http://www.mercosur.int/msweb/principal/contenido.asp>.
168 Para maiores informações, consulte o sítio do Mercosul: <http://www.mercosur.int/msweb/>, bem como osítio da OMC: <http://www.wto.org/spanish/tratop_s/envir_s/envir_backgrnd_s/contents_s.htm>.
77
2.8.4 Nafta
Em 1988, os Estados Unidos e o Canadá firmaram um Acordo de Liberalização
Econômica, estabelecendo novas bases para o relacionamento comercial entre os dois países.
Em decorrência da sua situação geopolítica em relação aos Estados Unidos, o
Canadá sentiu a necessidade de haver um parceiro para contrabalançar o peso econômico da
potência hegemônica. Desta forma, o México ingressou no arranjo regional equilibrando a
geopolítica regional.
Assim, em 13 de agosto de 1992, foi dada a forma para o Acordo de Livre
Comércio para a América do Norte (North America Free Trade Agreement –Nafta), tendo sua
vigência iniciada a partir 1994, com um prazo de 15 anos para a total eliminação das barreiras
alfandegárias entre os três países. É de se registrar o Acordo de Livre Comércio das Américas
(Alca), que visa ampliar esse espaço comercial para todos os Estados da América Central e do
Sul,169 o que até o presente momento vem sendo discutido, dada a resistência de certos países,
entre eles o Brasil, e o novo perfil ideológico da região.170
Os objetivos do Nafta encontram-se dispostos em seu art. 102, que determina:171
• eliminação de barreira tarifária e não-tarifária entre os Estados-
membros;
• promoção de mecanismos para uma competição justa na área de livre
comércio;
169 Comércio & Meio Ambiente – Uma Agenda para a América Latina e Caribe, p. 41. Ministério do Meio
Ambiente, Brasília, 2002. “O esquema centro-periferia permanece de grande utilidade para o entendimentoda América Latina contemporânea. As sucessivas crises com que esses países se defrontam têm como causaos mesmos problemas que levaram ao ‘ciclo de ouro’ do pensamento estruturalista – desequilíbrios dobalanço de pagamentos, estrangulamentos na infra-estrutura, crise social. A grande virtude dessa literaturaera tratar esses elementos de forma integrada, juntando as peças do quebra-cabeça, e não simplesmente listaros componentes do problema e tratá-los separadamente. Por outro lado, uma lição aprendida foi aimportância de atentar para as heterogeneidades e desequilíbrios que se manifestam em todas as dimensõesdo processo de desenvolvimento: desigualdade sociais, setoriais, tecnológicas, regionais e internacionais.”
170 Ao momento da redação desta dissertação, grande parte da América do Sul encontra-se governada porlideranças oriundas da esquerda, com um profundo sentimento antinorte-americano, como são os casos deBolívia, Equador e Venezuela.
171 Tradução livre dos termos do artigo.
78
• oportunidades de incremento de investimento;
• proteção efetiva aos direitos de propriedade intelectual;
• criação de procedimentos para a implementação e aplicação do
Tratado; e
• resolução de disputas.
Para nossos estudos, essa formatação possui duas características que a distinguem
das demais formatações econômicas. Inicialmente, e contrariamente à União Européia e ao
Mercosul, a natureza jurídica do Nafta é o de uma zona de livre comércio, não aspirando a
qualquer outro status. Seus objetivos são nitidamente econômicos, sequer prevendo a adoção
de uma TEC, repelindo qualquer ideário integracionista.
Outra singularidade que o distingue dos demais arranjos comerciais regionais é a
clivagem de temas ambientais em sua estrutura, podendo-se afirmar que o modelo ambiental
do Nafta é pioneiro entre todos os demais acordos e arranjos regionais.
As questões relativas ao meio ambiente encontram-se dispostas ao longo do corpo
do acordo, criando, assim, um Tratado que, de forma precoce, enfrenta as questões
ambientais, a saber:
• Padrões Técnicos Sanitários e Fitossanitários (Cap.VII, seção B).
• Padrões Técnicos Gerais (Cap. IX).
• Investimentos (Cap. XI).
• Convenções ambientais (art. 104).
Sobretudo, o Nafta criou um mecanismo de Solução de Controvérsias Ambientais
doméstico, evitando, assim, as Cortes Internacionais, já que é da longa tradição norte-
americana o não-reconhecimento da jurisdição internacional, a teor do Tribunal Penal
Internacional,172 excetuados o Órgão de Solução de Controvérsia (OSC) e o Órgão
Permanente de Apelação da Organização Mundial do Comércio.
172 Tratado de Roma de 1998 que criou o Tribunal Penal Internacional.
79
O North American Agreement on Environmental Cooperation (Naaec)173 – que
compõe o Nafta – estabelece entre Canadá, México e Estados Unidos um acordo ambiental, o
Environmental Side Accord.174
Um dos principais objetivos do Naaec é o de promover esforços dos Estados-
membros visando o aperfeiçoamento da legislação ambiental doméstica. O escopo desse
acordo foi a criação de padrões ambientais para atender e neutralizar, especialmente nos
Estados Unidos, setores que se opunham politicamente à criação do Nafta, representados
pelos movimentos ambientalistas e antiglobalização.
Outra singularidade do Nafta reside no fato de esse acordo possuir mecanismos
voltados à solução de controvérsias, resultando ao todo em cinco modelos especializados em
função da matéria a ser apreciada.
Assim, teremos no corpo do acordo:
• Art. 11 – O que diz respeito a investimentos (Chapter Eleven
Subchapter A – Investment Article 1101: Scope).
• Art. 19 — Antidumping e Medidas Compensatórias (Chapter Nineteen
Review and Dispute Settlement in Antidumping and Countervailing
Duty Matters Article 1901: General Provisions).
• Solução de controvérsias previstas no art. 20 (Chapter Twenty –
Institutional Arrangements and Dispute Settlement
Procedures/Subchapter A – Institutions/Article 2001: The Free Trade
Commission).
• Os litígios decorrentes das questões ambientais conforme acima
suscitado.
173 Parte Cinco
CONSULTAS E RESOLUÇÃO DE DISPUTAS“Article 22: Consultas. 1. Qualquer partido pode pedir consulta por escrito com outro partido a respeito deum padrão de falhas persistente pelo outro partido para reforçar a lei ambiental. 2. O partido requerente deveentregar o pedido aos outros partidos e ao secretariado. 3. A menos que o conselho preveja em seus artigos eregras estabelecidos pelo artigo 9(2), um terceiro partido que o considere que há um substancial interesse naquestão deverá ser nomeado para participar na entrega das consultas por escrito aos outros partidos e aosecretariado. 4. A consulta aos partidos deverá a cada tentativa tentar chegar a uma resolução mutuamentesatisfatória do problema através de consultas a esse artigo.
174 Tradução livre: acordo ambiental lateral.
80
Conforme assinala Kanas,
“Um dos mais importantes compromissos assumidos no NAAEC é que os cidadãostenham direito de acesso e submissão de pedidos aos seus governos locais para queestes cumpram suas leis ambientais.”175
O compromisso ambiental encontra-se elencado ao longo do art. 14 e suas
diversas subseções, de forma a permitir que os cidadãos, e as organizações não-
governamentais, possam exercer seu direito de jurisdicionados, interpondo suas reclamações
perante um órgão especializado.
Um estudo elaborado pelo Banco Mundial afirma que o Acordo de Livre
Comércio da América do Norte estimulou o desenvolvimento econômico no México, mas não
foi suficiente para promover a convergência econômica com o Canadá e os Estados Unidos,
mesmo em longo prazo, sem investimentos em inovação, infra-estrutura e instituições
adequadas.176
O que demonstra, de per si, que a simples associação a um acordo geral de
comércio não é garantidor da expansão industrial ou econômica.
Essas basicamente têm sido as alegações de setores da América Latina que se
opõem ao projeto da Alca, considerando-a alguns, até mesmo, uma forma de anexação,177 ou
um neocolonialismo.
175 KANAS, Vera Sterman. Direito do comércio internacional. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 249
(Capítulo A Proteção Ambiental do NAFTA).176 Lessons from Nafta for Latin America and the Caribbean Countries: a summary of research findings (Lições
do Nafta para os países da América Latina e do Caribe: Resumo das conclusões da pesquisa), produzidopelos economistas do Banco Mundial Daniel Lederman, William F. Maloney e Luis Servén, marcando os dezanos da implementação do acordo, completados em 1º de janeiro de 2004. A pesquisa foi conduzida paraajudar os países da região a se ajustarem aos possíveis efeitos da Alca, que está sendo negociada pelas naçõesdo Hemisfério Ocidental.
177 Essas alegações são provenientes dos setores que se consideram a esquerda latino-americana.
81
3
MEIO AMBIENTE
COMO DISCIPLINA JURÍDICA
3.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
O processo de formação do Direito Ambiental pode ser classificado em quatro
etapas distintas, sendo certo que, após a edição do relatório Intergovernmental Panel on
Climate Change (IPCC), um novo momento para o Direito Ambiental está surgindo, frente ao
clamor que as conclusões científicas causaram na sociedade internacional e às previsíveis
reações que ainda estão por vir.
O propósito deste capítulo é examinar o trajeto histórico do plano de proteção
jurídica do meio ambiente, dividindo-o com fins meramente didáticos em quatro fases
distintas, iniciando-se o objeto de nosso estudo a partir da Revolução Industrial.178 Após tal
dissecamento histórico, será de relevo introduzir os motivos que nos levam a considerar o
meio ambiente como uma disciplina jurídica.
Dessa forma, a primeira fase a ser examinada é a que ocorre entre o início da
Revolução Industrial (ao redor de 1780) até o ano de 1945. Os principais documentos
ambientais (tratados sobre o meio ambiente) desse período, em termos de considerações
genéricas, estão refletidos, v.g., nos acordos bilaterais sobre a pesca e proteção de espécies
animais, como certamente é o caso do Acordo entre a França e a Grã-Bretanha de 1867, e a
Convenção de Basel de 1869 sobre a pesca no Rio Reno, que, entre outros, posteriormente
abordaremos.
178 “O que significa a frase ‘a revolução industrial explodiu’? Significa que a certa altura da década de 1780, e
pela primeira vez na história da humanidade, foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedadeshumanas, que daí em diante se tornaram capazes da multiplicação rápida, constante e até o presente ilimitado,de homens, mercadorias e serviços.” HOBSBAWM, Eric J. Era das revoluções. São Paulo: Paz e Terra,2005. p. 50.
82
O segundo período inicia-se com a criação da Organização das Nações Unidas etermina com a realização da Conferência de Estocolmo de 1972. Esse período é profícuo nodesenvolvimento de acordos e tratados internacionais sobre o meio ambiente, criando as basespara a realização do evento de 1972.
Os níveis de contaminação e poluição do ar, do solo e da água já se fazem sentir,demandando a criação de instrumentos jurídicos de contenção da degradação ambiental, paranão se mencionar o apogeu da Guerra Fria, quando ocorreram testes nucleares na atmosfera ea dispersão de resíduos e partículas atômicas.
O terceiro período ocorre no intervalo entre a Conferência de Estocolmo e aRio/92-United Nations Conference on Environment and Development (Unced). Nesseperíodo, a ONU tenta estabelecer um sistema multilateral de coordenação e responsabilizaçãodos países, visando a contenção da poluição do meio ambiente como um todo.
É de boa memória recordar que nesse interregno começa a ocorrer uma expansãosem precedentes da atividade industrial e, conseqüentemente, do comércio, assunto tratado emcapítulo precedente, em que foi abordada a disciplina jurídica econômica da globalização.
O quarto período começa com o encerramento da Rio-92, quando importantesdocumentos de caráter mundial foram firmados, como a Agenda 21, assumindo as naçõespresentes um compromisso com a preservação ambiental, o desenvolvimento sustentável e apreservação das espécies no meio ambiente.
Talvez uma quinta fase esteja sendo inaugurada com a edição do relatório IPCC,documento financiado pela comunidade internacional, no qual se apontam de maneira clara eprecípua a ocorrência do aquecimento global e as terríveis conseqüências advindas dessefenômeno climático.
3.2 DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL179 A 1945
Com o advento da Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra, ou seja, a partir da
mecanização em escala dos meios de produção para a elevação da produtividade e sua
179 Revolução Industrial é o início do processo de acumulação rápida de bens de capital. A característica
essencial da Revolução Industrial é que a renda per capita e a população começaram a crescer de formaacelerada, em razão do crescimento e da redistribuição de renda, por causa da mecanização dos meios deprodução.
83
conseqüente comercialização, firma-se um marco histórico da transição entre um modelo
capitalista de produção que se origina nos burgos feudais, nos quais o artesão transforma a
matéria-prima em produto e o vende no mercado, para um regime em que surgem duas
distintas classes sociais que subsistem uma sobre a outra: a que vende a sua força de trabalho,
o operariado, em troca de uma remuneração, e a que detém os meios de produção, referida
como burguesia.
É a transição do mercantilismo180 para o capitalismo industrial.
Esse fenômeno é investigado por Adam Smith181 em 1776, e ele desenvolve a
teoria das vantagens absolutas. Posteriormente, o célebre economista David Ricardo182
elabora a teoria das vantagens comparativas, que analisa o comércio internacional a partir de
uma perspectiva de especialização do comércio entre os países.
Em Marx183 temos a observação de que a Revolução Industrial faz parte das
chamadas “Revoluções Burguesas” do século XVIII, oriundas inicialmente da Revolução
burguesa do Porto em Portugal (século XIV), e cuja tradução política seria a crise do Ancien
Regime.184
180 O termo foi criado pelo economista Adam Smith em 1776, a partir da palavra latina mercari, que significa
“gerir um comércio”. Os mercantilistas partilhavam da crença de que a riqueza de uma nação residia naacumulação de metais preciosos, e que estes seriam obtidos por meio do incremento das exportações e darestrição às importações. Esta crença difundiu o padrão ouro, que por muitos séculos perdurou, tendo sidoabandonado nos anos 1970.
181 SMITH, Adam. A riqueza das nações. São Paulo: Abril, 1983 (Coleção os Economistas). O argumento deSmith a favor do livre comércio pode ser facilmente compreendido a partir de um exemplo. Suponhamos quehaja apenas dois países no mundo, sendo um deles o Brasil. Vamos representar o Brasil por B e outro paíspor W. Para que o exemplo não pareça exageradamente simplificado (um mundo com dois países?), podemosconsiderar que W represente todos os outros países com os quais realizamos ou podemos vir a realizar trocas.Esse conjunto de países recebe o nome de parceiros comerciais ou resto do mundo. Para uma melhorreferência sobre o tema, oportuno verificar os apontamentos de Maria Auxiliadora de Carvalho e CésarRoberto Leite de Silva. (CARVALHO, Maria Auxiliadora de; SILVA, César Roberto Leite de. Economiainternacional. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 5.)
182 Sabemos que existem países pobres, sem tecnologia nem recursos para produzir mercadorias a custosreduzidos em relação aos das grandes potências. Essa situação não era contemplada pela teoria das vantagensabsolutas. Entretanto, em 1817, David Ricardo publicou seu Princípios de economia política e tributação,que instituiu a economia como ciência, e apresentou a teoria das vantagens comparativas, que explica ocomércio mesmo entre nações sem vantagem absoluta na produção de nenhum bem. Tal conceito também éencontrado em Maria Auxiliadora de Carvalho e César Roberto Leite de Silva. (CARVALHO, MariaAuxiliadora de; SILVA, César Roberto Leite de. Economia internacional, p. 9).
183 De relevância observar seus apontamentos sobre o tema, podendo ser encontrados em MARX, Karl.Manuscritos econômicos filosóficos. Tradução de Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2004.
184 Ancien Regime, em sentido lato, refere-se à época da história européia compreendida entre o Renascimento eas grandes revoluções liberais, e que corresponde à Idade Moderna.
84
Os outros dois eventos históricos relevantes desse período são a Independência
dos Estados Unidos em 1776, seguida anos após pela Revolução Francesa em 1789, os quais,
sob influência dos princípios iluministas,185 assinalam a transição da Idade Moderna para a
Idade Contemporânea.
Drucker, ao enfrentar essa questão, observa que
“A transformação seguinte começou em 1776 – o ano da Revolução Americana, doaperfeiçoamento do motor a vapor por James Watt, da publicação de A Riqueza dasNações de Adam Smith.”186
Todavia, nenhum dos economistas clássicos187 enfrentou a questão da expansão
do capitalismo e sua inter-relação com o meio ambiente.
Não há registro, entre os doutrinadores clássicos, da perspectiva jurídica de
qualquer digesto que verse sobre o binômio “comércio/meio ambiente”. Isso é observado por
Kiss e Beurrier,188 que afirmam que foi no início do século XX a aparição das primeiras
convenções internacionais sobre o meio ambiente, as quais jamais vigoraram.
Ou seja, Kiss desloca quase 150 anos de capitalismo das primeiras preocupações
ambientais, não obstante, já ao longo do século XIX, se fazerem sentir os primeiros efeitos da
inter-relação desenvolvimento econômico e meio ambiente.
É de rigor observar que desastres ambientais já eram relatados na literatura do
século XIX, como foi o caso de Heart of Darkness,189 que, sob a forma de narrativa, descreve
a matança indiscriminada de elefantes para a obtenção de marfim no Congo,190 provocando
autêntico escândalo na sociedade européia de então. A história versa sobre um homem
185 O Iluminismo foi um movimento surgido na segunda metade do século XVIII (o chamado “século das
luzes”) que enfatizava a razão e a ciência como formas de explicar o universo. Foi um dos movimentosimpulsionadores do capitalismo e da sociedade moderna.
186 DRUCKER, Peter. A sociedade pós-capitalista. Tradução de Nivaldo Montigelli Júnior. São Paulo: Pioneira,1993. p. 12.
187 Os principais economistas clássicos são Adam Smith, David Ricardo e John Stuart Mill.188 KISS, Alexandre; BEURIER, Jean Pierre. Droit international de l’environnement. Paris: Pedone, 2004. p. 27.
“Lê debut du siecle XX voit apppaitre lês deux premieres conventions internationales multilaterales relativesa la protection de certaines especes de faune sauvage. L’une dês deux, relative a la protection de la faunesauvage em Afrique, n’est jamais entree em viguer. L’autre, la Convention pour la protection dês oiseauxutiles a l’agriculture, signne a Paris lê 19 mars 1902.”
189 Livro clássico de Joseph Conrad.190 Atual República Popular do Congo.
85
enlouquecido que decide à sua maneira travar uma guerra particular fundando uma
microssociedade baseada no horror e no medo, dispondo sobre todas as formas de vida
(humana e animal).191
A este turno, não se olvide que as idéias do liberalismo econômico começam a
espraiar suas influências nos demais campos da atividade humana. É um período rico em
manifestações intelectuais e a visão cosmogânica de Deus como centro do Universo vai se
afastando para dar vez ao denominado antropocentrismo.
O liberalismo192 aposta no homem como centro auto-referido, e confere a ele a
ampla liberdade contratual, afastando a intervenção estatal. No campo do Direito, a liberdade
contratual é prestigiada no Common Law, mediante a formação de uma sólida jurisprudência
firmando o conceito da ampla liberdade contratual e seu devido cumprimento.
Em 1804 temos a edição do Código Napoleônico193 na França estabelecendo um
conjunto de regras enfeixado, que tratou os diversos temas do Direito sob a forma
codificada,194 prestigiando a pacta sunt servanda, e cujos reflexos se fazem sentir no campo
do Direito Romano Germânico.
Todavia, podemos observar várias manifestações de desastres ambientais durante
o século XX, referidamente no período que ora se examina, como foi o caso da explosão de
artefatos atômicos sobre o Japão na Segunda Guerra Mundial.
191 Este livro serviu de roteiro-base para o cineasta norte-americano Francis Ford Copolla compor sua magistral
obra Apocalipse now, uma crítica acerba sobre a guerra do Vietnã. Representa uma ruptura no paradigmaclássico do cinema norte-americano.
192 O liberalismo clássico é um pensamento político que defende a liberdade individual. O liberalismo defende alivre iniciativa, um sistema de governo democrático, o primado da lei, a liberdade de expressão e a livreconcorrência econômica.
193 O Código Napoleônico foi o código civil francês que entrou em vigor em 21 de março de 1804. Abordaquestões de Direito Civil, constituindo um importante documento legal, referido em obras que se propõem aabordagem da formação dos códigos. Em Direito Internacional, é uma importante obra, porquanto sistematizade forma racional o Direito Internacional da França.
194 “A inclusão da nacionalidade como objeto do direito privado tem explicação. Quando se fez o Código deNapoleão, em 1804, introduziu-se no livro geral o título ‘da nacionalidade’ como se fosse parte do direitoprivado; entretanto, como a nacionalidade comporta o estudo não só de quem é nacional, mas também dequem é estrangeiro, esse assunto desligou-se, em parte, do Direito Civil, como era aceito na França, e passoupara o Direito Público.” STRENGER, Irineu. Direito internacional privado. São Paulo: LTr, 2003. p. 43.
86
Ou mesmo a construção do Canal do Mar Branco, durante a década de 1930 no
regime de Stálin, cujo relato é feito por Applebaum,195 que, adotando uma redação
jornalística, nos dá conta do trabalho sob regime escravo que uniu dois mares através de um
canal de 280 km de extensão, representando sério efeito ambiental de impossível reparação, e
hoje em dia faz relembrar os tempos sombrios da repressão stalinista.
Nesse período histórico, embora a manifestação de degradação ambiental possa se
fazer sentir, certo é que o Direito Internacional Público, no que diz respeito ao meio ambiente,
registra quase de forma exclusiva a celebração de tratados sobre a pesca firmados entre países
que possuíam interesses antagônicos, embora a literatura tratadística observe acordos
internacionais visando a proteção da flora e da fauna, como é o caso, por exemplo, em 1900,
da Convenção de Londres196 destinada à preservação das espécies animais selvagens úteis e
inofensivas ao homem, e a Convenção do Reno sobre o transporte de produtos perigosos.197
Nesse período foram firmados, no total, 27 acordos, tratados e convenções
relativos ao meio ambiente.198
195 APPLEBAUM, Anne. Gulag: uma história dos campos de prisioneiros soviéticos. Tradução de Mario Vilele
e Ibraima Fonte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 115. Importante salientar que tal obra ganhou o PrêmioPulitzer na categoria de não-ficção. O forte apelo que o livro traz em sua narrativa pode ser observadoquando a autora descreve o estado atual da obra realizada, da seguinte forma:“Não era de espantar: ao longo do canal, meninos nadavam e atiravam pedras. Vacas vadeavam a água escurae rasa, e o mato crescia nas trincas do concreto. Junto a uma das eclusas, numa cabine de cortina cor-de-rosa(ainda com as colunas stalinistas originais do lado de fora), a mulher solitária que controlava a subida e adescida das águas nos contou que, por dia, talvez passassem sete embarcações, quando muito;freqüentemente, eram apenas três ou quatro. Isso era mais do que Soljenitsin tinha visto em 1966, quandopermaneceu uma ida inteira ao lado do canal e contou só duas barcaças, ambas transportando lenha. Entãocomo hoje, a maioria das mercadorias seguia de trem – e, como um trabalhador do canal contou a Soljenitsin,a hidrovia é tão rasa que ‘nem submarinos conseguem passar com propulsão própria; têm de ser carregadosem barcaças’. No fim das contas, a rota de navegação do Báltico ao mar Branco parecia não ter sido tãourgentemente necessária.”
196 1900. London Convention Designed to Ensure Conservation of Various Species of Wild Animals in AfricaWhich Are Useful to Man or Inoffensive. Vide sítio eletrônico <http://www.selby.org/index.php?src=gendocs &link=CITES-Timeline&category=About%20Selby&PHPSESSID=db9a27d9e1ce6903f4ff51747d38f6df>.
197 SANDS, Philippe. Principle of international environmental law. Cambridge: Cambridge, 2003. p. xxxvi.198 Idem.
87
3.3 DE 1945 A ESTOCOLMO
Com o fim da Segunda Guerra, houve o encerramento da Liga das Nações e a
posterior fundação da Organização das Nações Unidas, cujo modelo basicamente seguia o
postulado da Liga das Nações e em cujo interior foram criadas agências especializadas.
Embora inicialmente o foco da Carta ONU-UN Charter não contemple previsões
relativas ao meio ambiente e à conservação da natureza, a ONU propôs o estabelecimento de
uma cooperação internacional relativa aos problemas econômicos e culturais criando agências
especializadas como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) e a Organização de Alimentação e Agricultura (FAO), entre outras.
Naquele período houve dois importantes eventos:
• A realização de uma conferência internacional sobre a conservação dos
recursos naturais.
• O estabelecimento de uma organização internacional para a proteção
da natureza.
O Conselho Econômico e Social da ONU (Ecosoc) em 1947 adotou resolução que
reconhece a necessidade da conservação dos recursos naturais, e convoca para 1949 a United
Nations Scientific Conference on Conservation and Utilization of Resources (UNCCUR),
“(...) devotada unicamente ao intercâmbio de idéias e experiências sobre essesassuntos, entre engenheiros, técnicos de recursos, economistas, e outros especialistasem áreas correlatas...”.199
A Unesco realizou em outubro de 1948 uma conferência em Fontainebleau
(França), comparecendo representantes de 18 governos, sete organizações internacionais e
107 organizações nacionais. Como resultado desse encontro histórico, em 5 de outubro de
1948 foi fundada a International Union for the Protection of Nature (IUPN).
Um importante evento que se faz necessário mencionar é a celebração, em 1954, da
International Convention of the Prevention of Pollution of the Sea by Oil,200 que foi a primeira
convenção global visando a contenção dos danos causados pela poluição nos oceanos.
88
A seguir, em 1958, temos em Genebra a convenção sobre a pesca e a conservação
de espécimes no alto mar.
Sucessivamente, houve outras convenções que tratam de temas específicos e
pontuais, sendo lícito afirmar que o Direito Ambiental já se encontrava em uma fase
embrionária.
Todavia, para a literatura jurídica norte-americana,201 o desenvolvimento da
questão ambiental começa a partir dos anos 1960. A opinião pública estaria focada no
Congresso e nas legislaturas estaduais, que estavam introduzindo novos regulamentos. As
agências governamentais trocavam suas antigas políticas e os cidadãos ingressavam nas
Cortes norte-americanas de uma nova forma.
Foi celebrado o Tratado entre a União Soviética e os Estados Unidos banindo os
testes de bombas nucleares na atmosfera em 1961, em razão dos efeitos na saúde humana.
Também foi publicado em 1962 o livro Primavera silenciosa,202 que relata o perigo dos
efeitos dos pesticidas químicos difundidos nos Estados Unidos desde a Segunda Guerra
Mundial, estimulando um câmbio das políticas públicas e agências reguladoras, não somente
em relação aos pesticidas, mas também quanto à poluição do ar e da água.203
Já na literatura jurídica soviética204de então, temos a visão da luta pela paz como o
centro do Direito Internacional. Relativamente ao meio ambiente, as preocupações são de
natureza mais clássica, por exemplo, navegação dos rios, limites marinhos, entre outros.
199 Nações Unidas. [i]United Nations Yearbook 1946-47.200 Londres, 12 de maio de 1954.201 Vide: BONINE, Jonh E.; McGARITY, Thomas O. In the law of enviromental protection – Cases –
Legislation – Policies. American Casebook Series. Ed. West Publishing Co., Minesota, Us 1984. p. 2.202 CARSON, Rachel. Primavera silenciosa. Madrid: Editora Crítica, 1970.203 “Environmental concerns had been building throughout the 1960's. Public attention focused on all three
branches of state and national government: new bills were introduced in Congress and state legislatures;executive agencies were petitioned to change their old polices; and private citizens began using the courts innew ways. A treaty between the United States and the Soviet Union banning nuclear bomb tests in the openatmosphere was signed in 1961 because of concerns about health effects of radiation. Rachel Carson's book,Silent Spring, a focused public attention and controversy in 1962 on dangers from the chemical pesticidesthat had spread across America since the Second World War and stimulated demands for policy changes inthe regulatory agencies and in Congress, not only with regard to pesticide dangers but also air and waterpollution.” BONINE, John E.; McGARITY, Thomas O. In the law of enviromental protection, p. 2.
204 “Al calor de las ideas de la Gran Revolución Socialista de Octubre, de la lucha de la Unión Soviética y, mástarde, de otros países socialistas, así como de la tesonera acción de todas las fuerzas progresistas de nuestrotiempo, en el Derecho Internacional se han producido cambios sustanciables, cambios que han repercutido antetodo en sus principios e instituciones fundamentales. De estos cambios se hablará con extensión en los capítulos
89
Contudo, essa visão do Direito norte-americano pode ser considerada na doutrina
ambientalista como uma posição isolada. Na verdade, o Tratado entre os Estados Unidos e a
União Soviética banindo os testes nucleares na atmosfera firmado em 1961 possuía muito
mais um viés político, inserido em um contexto de Guerra Fria e contenção.205
O documento conhecido como Longo telegrama,206 redigido pelo diplomata
norte-americano George Kennan, constituiu uma peça-chave da diplomacia dos Estados
Unidos no combate à expansão comunista no pós-guerra, até a queda efetiva de todo o sistema
soviético, o que veio ocorrer em 1991.
3.4 DE ESTOCOLMO A RIO-92
Dessa forma, majoritariamente e em sentido contrário ao argumento
supratranscrito, a doutrina aponta como o início do Direito Ambiental a Convenção de
Estocolmo de 1972, na qual foram estabelecidos os princípios gerais da disciplina jurídica que
ora se discute. Até mesmo o sítio eletrônico da Organização Mundial do Comércio descreve,
corroborando nossa opinião, os primórdios do que se vem a conhecer hodiernamente como
Direito Ambiental informando que:
“O debate sobre o Comércio e o meio ambiente não é novo. O vínculo que existeentre o Comércio e a proteção do meio ambiente, que inclui tanto os efeitos daspolíticas ambientais sobre o Comércio, como do Comércio sobre o meio ambiente,se reconheceu já no ano de 1970. No começo da década seguinte, a crescentepreocupação internacional sobre as repercussões do crescimento econômico no
correspondientes. Aquí sólo expondremos su carácter general. Dejaron de existir principios e instituciones deDerecho Internacional tales como el derecho del Estado a la guerra el derecho del vencedor, las instituciones dela conquista, las contribuciones y otras. Entre los nuevos principios más importantes de Derecho Internacionalestán en primer término los de la coexistencia pacífica, la proscripción de la guerra agresiva y, en general, deluso de la fuerza, la responsabilidad por la guerra agresiva y por otros crímenes contra la humanidad, la igualdadde los pueblos, el desarme, el respeto de los derechos humanos, etc. Simultáneamente fueron desarrollándose yse consolidaron los antiguos principios y normas democráticos de Derecho Internacional, entre ellos el respeto ala soberanía estatal, la no ingerencia en los asuntos internos, la igualdad de los Estados y el escrupulosocumplimiento de las obligaciones internacionales. En el viejo Derecho Internacional, estos principios concurrencon preceptos e institucionales reaccionarios, lo cual no podía dejar de restringir su contenido. A medida queiban siendo extirpados instituciones, principios y normas reaccionarias, a la par con la aparición de nuevosprincipios progresivos, el camino fue quedando desbrozado para que las reglas progresivas del viejo DerechoIntencional mostraran más plenamente su contenido democrático”. Curso soviético. Tradução de Federico Pita.Moscou: Editora Progresso, p. 48.
205 Sobre o tema, pontual observação feita em KISSINGER, Henry. Diplomacia. Tradução de Saul S. Gefter eAnn Mary Fighiera Perpetuo. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2001.
206 Ibid., p. 479.
90
desenvolvimento social e o meio ambiente motivou a realização da Conferência deEstocolmo.”207
Como antecedente à Conferência de Estocolmo, temos em 15 de setembro de
1968 a Conferência dos Chefes de Estados Africanos sobre a conservação da natureza e dos
recursos naturais, uma vez que aquele continente já começava a sentir os primeiros efeitos da
degradação ambiental.
Essa Conferência, embora pouco citada, tem a primazia de estabelecer dois
importantes princípios conservacionistas: a proteção das espécies ameaçadas e a
responsabilização dos Estados por danos ambientais.
Certamente, esses fatos não passaram despercebidos pela comunidade
internacional, reverberando na Assembléia Geral das Nações Unidas, que proclamou um
discurso em favor de uma ação mais concreta em defesa do meio ambiente, estabelecendo a
Resolução n. 2.398 (XXIII), em 3 de dezembro de 1968, prevendo a convocação de uma
conferência mundial em Estocolmo em 1972.
Sem dúvida nenhuma, a Conferência de Estocolmo foi um marco nas relações
ambientais. Pela primeira vez a sociedade internacional começou a enfrentar o dilema que,
nos anos seguintes, iria tomar conta da agenda mundial, uma vez que estariam envolvidos não
só temas pontuais, mas assuntos cujas complexidade e extensão seriam cada vez mais
estudadas e, principalmente, passariam a se deslocar para o centro das preocupações
internacionais.
A comunidade científica começou a emitir alertas à opinião pública internacional
sobre as graves conseqüências do modelo de desenvolvimento havido até então e o meio
ambiente.
207 Fonte: <http://www.wto.org/spanish/tratop_s/envir_s/envir_backgrnd_s/c1s1_s.htm>: “El debate sobre
comercio y medio ambiente no es nuevo. El vínculo que existe entre el comercio y la protección del medioambiente, que incluye tanto los efectos de las políticas ambientales sobre el comercio como los del comerciosobre el medio ambiente, se reconoció ya en el año 1970. A comienzos del decenio siguiente, la crecientepreocupación internacional sobre las repercusiones del crecimiento económico en el desarrollo social y en elmedio ambiente motivó la Conferencia de Estocolmo de 1972 sobre el Medio Humano”.
91
A Conferência de Estocolmo iniciou-se em 5 de junho, findando em 16 daquele
mesmo mês. Estiveram presentes 113 Estados, representados por mais de 6.000 delegados,
organizações internacionais, 700 observadores e 1.500 jornalistas de todo o mundo,
depreendendo-se daí a importância e a magnitude que essa Conferência adquiriu perante a
sociedade internacional.
A Conferência de Estocolmo foi realizada somente após quatro anos de consultas
multilaterais entre os Estados, por causa dos interesses conflitantes dos países
desenvolvidos208 e em desenvolvimento. Importante peça nos trabalhos preparatórios foi a
elaboração de um Painel de Peritos em Desenvolvimento e Meio Ambiente, realizado em
Founex, Suíça, entre 4 e 12 de junho de 1971, e que viria a servir de base para as futuras
discussões a serem procedidas em Estocolmo.209
208 “Já nas reuniões preparatórias à Conferência de Estocolmo, ficaria evidente a oposição entre países
desenvolvidos e países em desenvolvimento: aqueles propugnavam por uma reunião em que se desseênfase aos aspectos relativos à poluição da água, do solo e da atmosfera, derivada da industrialização(devendo, portanto, os países em desenvolvimento fornecer os instrumentos adicionais de prevenção aosdesequilíbrios ambientais, em âmbito mundial, causados nos séculos anteriores, por um desenvolvimentoindustrial caótico, na Europa Ocidental, nos Estados Unidos e Japão); os países em desenvolvimento, poroutro lado, opuseram-se a que as eventuais políticas preservacionistas adotadas pudessem servir deinstrumentos de interferência nos assuntos domésticos, além de não se ter em mira que as mesmasacabariam por acarretar um arrefecimento das políticas internas de desenvolvimento industrial daquelesEstados, além de sua total falta de sensibilidade em relação aos custos envolvidos na adoção de medidasconservacionistas em termos mundiais (e não foi sem razão que os países africanos francófonos, naocasião, forjaram o mote: Si vous voulez que nous soyons propres, payez-nous le savon!).” Cf. SOARES,Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente, p. 53.
209 Ibid., p. 54. “Na ocasião, foram votados:1. a Declaração de Estocolmo (declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente), com seu Preâmbulo
de sete pontos e os famosos 26 Princípios.2. um Plano de Ação para o Meio Ambiente, conjunto de 109 recomendações, centradas em três grandes
tipos de políticas: (a) as relativas à avaliação do meio ambiente mundial, o denominado ‘Plano Vigia’(Earthwatch); (b) as de gestão do meio ambiente; e (c) as relacionadas às medidas de apoio (como ainformação, educação e formação de especialistas);
3. uma Resolução sobre aspectos financeiros e organizacionais no âmbito da ONU; e4. a instituição de um organismo especialmente dedicado ao meio ambiente, o Programa das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente (Pnuma – também conhecido por suas siglas, em inglês, Unep, ou emfrancês, Pnue), órgão subsidiário da Assembléia Geral da ONU, composto de um Conselho deAdministração de 58 membros, delegados dos Estados, e de um Secretário, integrado por 181administradores, funcionários internacionais, com sede em Nairóbi, no Quênia. Sendo um organismocentralizador da ação e coordenação dentro da própria ONU, das agências especializadas, como a AIEA,OIT, OMS, entre elas e a referida ONU, bem assim entre os governos dos Estados, entre eles e asorganizações referidas, conta o Pnuma com escritórios regionais em Genebra, Bangcoc, México eBahrein, bem como escritórios de ligação em Washington e New York; unidades especializadas paradeterminadas questões foram estabelecidas em Paris (indústria e meio ambiente), Atenas (coordenaçãode Atividades sobre o Mediterrâneo), Lima (coordenação de projetos ambientais internacionais) e emKingston (coordenação de atividades sobre o Caribe).”
92
Esse relatório enfrenta a discussão ambiental e contesta os denominados
reducionistas econômicos, que afirmam que a matriz do problema ambiental é mera questão
de tecnologia, a qual poderá solucionar todos os problemas ambientais.
Na mesma linha combatem os reducionistas ecológicos, que adotam teorias
próximas às neomalthusianas. São designados de reducionistas, sejam econômicos ou
ecológicos, porquanto trabalham na linha de uma reflexão que os conduz a conclusões
simplistas e periféricas aos temas centrais.
Os reducionistas ecológicos se apoiaram no relatório Meadows, originado a partir
do Clube de Roma em 1968 – esse autor publicou, em 1972, a obra Limites do crescimento.210
O referido relatório denunciava que o crescente consumo mundial ocasionaria um limite de
crescimento e um possível colapso do ecossistema.
Elaborado pela equipe do professor Meadows, do MIT, o relatório alertava para
um modelo global articulando cinco parâmetros: industrialização acelerada, forte crescimento
populacional, insuficiência crescente da produção de alimentos, esgotamento dos recursos
naturais não-renováveis e degradação irreversível do meio ambiente.
Dele se concluía que, se a sociedade não alterasse seu comportamento consumista,
vivenciaria um colapso ecológico e social em poucos anos.
Ainda não se tinham elementos para avaliar a globalização, seja no campo dos
efeitos econômicos, seja no meio ambiente. De início, firmou-se a crença de que a
liberalização financeira faria com que o fluxo de capital migrasse das economias centrais
(países ricos) para as economias periféricas (países pobres). Todavia, o que veio a ocorrer foi
exatamente o contrário.
Observa uma recente publicação,211 editada por Jomo Sundaram, secretário-geral
adjunto da ONU para o Desenvolvimento Econômico, e Jacques Baudot, economista
especializado em temas de globalização, que a desigualdade na renda per capita aumentou em
210 Para maiores esclarecimentos, vide: MEADOWS, D. H. et al. Limites do crescimento. São Paulo:
Perspectiva, 1973.
93
vários países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)
durante essas últimas duas décadas, o que sugere que a desregulamentação dos mercados teve
como resultado uma maior concentração do poder econômico e, portanto, uma maior pobreza
no outro pólo.
Como exemplo, citou-se que os Estados Unidos recebem investimentos dos países
em desenvolvimento, concretamente nos bônus e obrigações do Tesouro e em outros setores.
A intenção do que ficou mundialmente conhecido como ECO/92 era introduzir a
idéia de um modelo de desenvolvimento compatível com o desenvolvimento econômico e o
meio ambiente saudável, o que se passou a designar por desenvolvimento sustentável.212
As posições se cristalizaram entre os países desenvolvidos e os em
desenvolvimento, as empresas transnacionais e, principalmente, a opinião pública mundial
que clamava por meio ambiente limpo.
Apesar da disputa, que já se era de esperar quando interesses relevantes estão
sobre a mesa, mister se faz recordar que, no plano internacional, as tensões políticas Leste-
Oeste estavam desanuviadas com a queda do Muro de Berlim, que simbolizou o fim da
Guerra Fria.213
211 SUNDARAM, Jomo K.; BAUDOT, Jacques. Flat world, big gaps: economic liberalization, globalization,
poverty and inequality. Londres: Zed Books, 2007.212 PARKSON, Aurora V. S. Responsabilidad por daño ambiental. Buenos Aires: Editora Hammurabi CRL,
2004. p. 106-107. “La consecución del desarrollo sustentable convive hacia un equilibrio dinámico entretodas las formas de capital que participan en el esfuerzo de desarrollo, este es, tanto el capital humano,natural, físico y financiero, como el acervo o capital institucional y cultural. No debe olvidarse que ‘el centrode cualquier estrategia de desarrollo sustentable es la persona’. A este respecto, en el plano internacional, laConferencia de las Naciones Unidas sobre Medio Ambiente y Desarrollo de 1992 constituyó un hito de gransignificación. En esa Conferencia se trazaron las bases para una progresiva armonización de los imperativosde la economía y de la ecología mediante la formulación del nuevo objetivo del desarrollo sustentable. Allí selanzo una nueva asociación global para el desarrollo: una asociación que respeta la in visualidad de laprotección ambiental y el proceso de desarrollo y que se funda en el consenso global.”
213 “A convite do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro foi a sede da Conferência das Nações Unidas sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento (CNUCED), realizada de 3 a 14 de junho de 1992. A reunião ficou conhecidacomo Rio-92, e a ela compareceram delegações nacionais de 175 países. Foi, ainda, a primeira reuniãointernacional de magnitude a se realizar após o fim da Guerra Fria. O compromisso do Brasil com o meioambiente já começara 20 anos antes, quando o País participou da Conferência das Nações Unidas sobre oMeio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972, em especial no seu período preparatório de doisanos, quando a Conferência contou com ativa contribuição brasileira no sentido de introduzir, de modoinseparável, a temática do desenvolvimento no contexto mais amplo das questões do meio ambiente. Essemarco inicial dos esforços internacionais para a proteção do meio ambiente viu-se prejudicado, contudo, porter ocorrido em um momento histórico em que os alinhamentos Leste-Oeste e Norte-Sul impediam reais
94
Entre os diversos preparativos para a realização do evento, foi elaborado em
dezembro de 1991, no Brasil, o importante documento – que serviu de norte para as
discussões, e firmava a posição brasileira sobre o tema – “O Desafio do Desenvolvimento
Sustentável. Relatório Brasil para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento”.214
Conforme destaca Soares,215 os resultados da ECO/92 podem ser assim
resumidos:
• Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, e a
Convenção sobre a Diversidade Biológica.
• Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; a
Agenda 21.
• Fixação de temas para próximas reuniões de órgãos da ONU.
• Criação de um órgão nas Nações Unidas, a Comissão para o
Desenvolvimento Sustentável (Commission on Sustainable
Development), subordinada ao Ecosoc.
ações concertadas para o benefício da humanidade.” Fonte: <http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/relext/mre/agintern/meioamb/>.
214 Para maiores esclarecimentos vide Comissão Interministerial para a Preparação da Conferência das NaçõesUnidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cima). O Desafio do Desenvolvimento Sustentável.Relatório do Brasil para a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.Brasília, 1991.
215 SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente, p. 76. “... versa sobre a adoção deduas convenções multilaterais: a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, e aConvenção sobre a Diversidade Biológica; subscrição de documentos de fixação de grandes princípiosnormativos e/ou de linhas políticas a serem adotadas pelos Governos: (1) a Declaração do Rio sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento; a Agenda 21, com seu índice constante e a Declaração de Princípios sobre asFlorestas; fixação cogente de temas para próximas reuniões de órgãos da ONU, na forma de gentlemen’s(início de negociações, já na próxima 47ª Assembléia Geral das Nações Unidas, sobre a questão do combateà desertificação; e a convocação de uma conferência da ONU para tratar dos problemas da pesca em altomar) e ainda as agendas de conferências internacionais subseqüentes sobre a questão da estabilização dolançamento do dióxido de carbono, CO2, na atmosfera, responsável pelo aquecimento da temperatura daTerra (o chamado efeito estufa), assunto ligado à citada Convenção-Quadro sobre Mudanças do Clima;criação de um órgão de alto nível nas Nações Unidas, a Comissão para o Desenvolvimento Sustentável(Commission on Sustainable Development), subordinada ao Ecosoc (Conselho Econômico e Social daONU), encarregada de submeter, após deliberações, relatórios e recomendações à Assembléia Geral da ONU.Terá ela, igualmente, a incumbência de acompanhar a implementação da Declaração do Rio de Janeiro e daAgenda 21, inclusive quanto a questões de financiamento e as relativas à execução das convençõesinternacionais sobre o meio ambiente. No aspecto financeiro, deve dizer-se que o ‘Fundo’ para o MeioAmbiente Mundial (Global Environmental Facility, GEF), carteira criada no Banco Mundial, em dataanterior, em 1991, administrada conjuntamente pelo mesmo, pelo Pnud e o Pnuma (Unep), terá seus recursos
95
A despeito da abrangência e relevância dos temas abordados, bem como da
sensível evolução que o Direito Ambiental vem experimentando no último lustro, não há uma
organização internacional especializada, que tenha poderes de sanção.
Embora em alguns tratados haja a previsão de mecanismos de solução de
controvérsia, mister se faz, nos dias atuais, proceder à criação de um organismo de solução de
controvérsias próprio, a modo do que tem sido, por exemplo, o Órgão de Solução de
Controvérsias adotado pela OMC,216 todavia surge a questão, ainda não resolvida, acerca de
qual o Direito a ser aplicável.
3.4.1 Catástrofes ambientais
A Conferência de Estocolmo se realiza quase duas décadas e meia depois da Carta
de São Francisco, documento que estabeleceu as bases dos direitos humanos de primeira e
segunda dimensão.
A este turno, temos a produção de um documento de âmbito internacional cujo
foco é a relação entre o homem e o meio ambiente, o qual se denomina “Declaração das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente”. Abordando esse tema, Soares equipara tal
documento à Declaração Fundamental dos Direitos Humanos.
A Declaração de Estocolmo estabelece em seu Princípio 1º:
O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute decondições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhepermita levar uma vida digna, gozar de bem-estar, e é portador de solenesobrigações de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes efuturas.
Ou seja, esse princípio de abrangência universal determina o direito fundamental à
liberdade e igualdade, e a condições de vida satisfatórias, em um meio ambiente sadio e
digno. Esse texto não estabelece o direito humano ao meio ambiente, mas expressa o princípio
fundamentado em termos de direitos humanos.
subordinados aos procedimentos de verificação conduzidos pela citada Comissão para o DesenvolvimentoSustentável.”
96
De uma forma sistematizada, a Conferência de Estocolmo vem a dispor os
princípios fundamentais que viriam a reger a nova disciplina do Direito Ambiental pelos
próximos anos. Porquanto tenha sido de grande dificuldade sua realização, a Conferência foi
um marco na história do Direito.
Ainda assim, não foi possível evitar uma série de atos gravosos ao meio ambiente:
O desastre ambiental de Bophal ocorrido na Índia em dezembro de 1984: 40
toneladas de gases letais vazaram da fábrica de agrotóxicos da Union Carbide Corporation,217
no que foi o maior desastre químico da história.
Gases tóxicos, como o isocianato de metila e o hidrocianeto, escaparam de um
tanque durante operações de rotina. Estima-se que três dias após o desastre oito mil pessoas já
haviam falecido em conseqüência à exposição direta aos gases.
Posteriormente, em 1986 na Ucrânia, antiga União Soviética, no complexo de
usina nuclear conhecido como Chernobyl, a explosão de um reator nuclear, cujos efeitos
foram sentidos até em território europeu, contribuiu decisivamente para a ampliação da
consciência ambiental.
Até os dias presentes, ou seja, 20 anos após o acidente, a questão dos detritos
nucleares deixados pela explosão da usina não foram resolvidos. A Ucrânia alega necessitar
de 28 bilhões de dólares para a solução do problema, reclamando à sociedade internacional
uma colaboração financeira, invertendo, assim, o princípio jurídico do Direito Ambiental do
“Poluidor/pagador”.
216 Para maiores informações sobre o tema, vide <http://www.pict-pcti.org/>.217 A Union Carbide, juntamente com toda a indústria química, trabalhou para desenvolver e implementar
globalmente o Responsible Care a fim de prevenir quaisquer eventos futuros ao melhorar a conscientizaçãoda comunidade, a prontidão para emergências e as normas de segurança de processo. Para obter maisinformações sobre Bhopal, consulte o sítio eletrônico <http://www.unioncarbide.com/bhopal>. Para obtermais informações sobre a Union Carbide, consulte o sítio eletrônico <http://www.unioncarbide.com>. Paraobter mais informações sobre o Responsible Care, consulte os sítios eletrônicos<http://www.responsiblecare.com> ou <http://www.icca-chem.org>.
97
Registre-se também em 1989 a ocorrência do vazamento de petróleo do navio
Exxon Valdez,218 no Alasca (Estados Unidos), que gerou um desastre ambiental de enormes
proporções.
A partir desses eventos, Recchia afirma que, nos Estados Unidos, houve uma
longa discussão sobre a oportunidade de introduzir uma emenda à Constituição que tratasse da
tutela de interesses difusos.
Nesse sentido é que, em 1983, foi criada pela Assembléia Geral da ONU a
Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD).219 No trabalho
surgido dessa Comissão intitulado “Nosso Futuro Comum”, apareceu pela primeira vez de
forma clara o conceito de desenvolvimento sustentável, embora ele já estivesse sendo utilizado
como categoria científica desde a década anterior.
Todavia, seria necessário compatibilizar o desenvolvimento industrial e a
expansão do comércio com a proteção ao meio ambiente, daí advindo uma complexa equação
cujo resultado, na maioria dos casos, é de difícil apreensão.220
218 “No 15º aniversário do acidente do navio Exxon Valdez, que despejou 41 milhões de litros de petróleo em
uma área de vida selvagem no Alasca (Estados Unidos), o Greenpeace exige que a empresa petrolíferaExxonMobil limpe a área atingida. Maior companhia petrolífera do mundo, a empresa, que comercializa seusprodutos sob a marca Esso, utiliza seu poder financeiro e sua influência para fugir de qualquerresponsabilidade sobre o desastre. A empresa foi multada em mais de US$ 5 bilhões pelos danos ambientaisdecorrentes do acidente do Exxon Valdez, porém entrou na justiça com um pedido para recorrer da decisão(1).” Fonte: <http://www.greenpeace.org.br/oceanos/oceanos.php?conteudo_id=1132&content=1 &PHPSESSID =73a7d785f4b3823dd191458f08ed7e47>.
219 Foi presidida por Gro Harlem Brundtland, à época primeira-ministra da Noruega, com a incumbência dereexaminar as questões críticas do meio ambiente e de desenvolvimento, visando dar uma nova compreensãodo problema, além de elaborar propostas de abordagem realistas.
220 “Realmente, não há por que parar com a exploração de minérios, com a extração de madeira, com a pesca,com a caça, com a biotecnologia, com a energia nuclear, com a indústria etc., pois tudo isso poderá continuar,mas de forma racional, sem a utilização de instrumentos devastadores e sem a brutal agressão ao meioambiente. Para que haja equilíbrio e higidez do meio ambiente, sem alteração dos ecossistemas, o serhumano, a sociedade e o Estado deverão enfrentar o desafio ecológico, impondo padrões de comportamentoque sejam cogentes para que haja meios de preservação da natureza por ocasião da exploração de seusrecursos, e menos riscos às gerações do presente ou do futuro. Para tanto seria imprescindível: o reforço dafunção sócio-ambiental da propriedade urbana e rural, garantindo a perpetuação das riquezas ambientais,mediante o aproveitamento adequado dos recursos naturais disponíveis; a observância das relações detrabalho, favorecendo o bem-estar dos trabalhadores; o controle das atividades econômicas predatórias, apreservação do meio ambiente; a proteção das espécies ameaçadas de extinção (p. ex., mico leão dourado); odesdobramento de novas formas de prestação de serviços públicos, impedindo a desestruturaçãoadministrativa dos órgãos ambientais em muitas regiões e a falta de interesse político de várias Prefeituras eCâmaras no controle ambiental; o desenvolvimento de uma política agrícola; a criação de programas decolonização; a consecução de financiamentos e incentivos governamentais; o fomento de uma educaçãoambiental; o zoneamento e planejamento urbanístico, ordenando o trânsito, as áreas verdes e as construções;a desapropriação direta e indireta em áreas de interesse ambiental; maior seriedade nos serviços desaneamento; a edição de normas urbanísticas, administrativas e penais para efetiva obtenção do equilíbrio
98
As lições da década de 1980 demonstram que a poluição e o desastre ambiental
não possuem fronteiras, cabendo a toda a sociedade internacional a busca de uma solução, de
modo que se criem mecanismos de prevenção e combate de âmbito global e por meio de um
sistema de cooperação internacional para enfrentar o grande desafio que representa a
sobrevivência das espécies no planeta.
Embora a Conferência de Estocolmo tenha sido um marco alentador na luta
preservacionista, fato é que os problemas ambientais persistiram e persistem e novos
caminhos devem ser percorridos. Releva conotar que, de acordo com o enunciado da Corte
Internacional de Justiça, os princípios da Conferência de Estocolmo entraram para o rol das
fontes formais do Direito Ambiental Internacional, considerada assim como autêntico Jus
Scriptum.
3.4.2 Convenção da Biodiversidade
A Convenção da Biodiversidade (CDB)221 foi um dos acordos aprovados durante
a RIO-92, por 156 Estados soberanos. Os objetivos da convenção são a conservação da
biodiversidade, o uso sustentável de seus componentes e a divisão eqüitativa e justa dos
benefícios gerados com a utilização de recursos genéticos.
Nesse documento, destaca-se o “Protocolo de Biossegurança”, que permite que
países deixem de importar produtos que contenham organismos geneticamente modificados.
A CDB busca harmonização entre a proteção dos recursos biológicos e o desenvolvimento
social e econômico, iniciando uma nova relação nas ações de conservação da biodiversidade.
entre a necessidade de produção e a obrigação de preservação ambiental; isenções na tributação; a efetivaçãode programas de controle da poluição; a concessão de incentivos fiscais e de sanções premiais; o aumento dafiscalização das ações de agentes poluidores contra os ecossistemas.” Cf. DINIZ, Maria Helena. O estadoatual do biodireito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 710.
221 “Os compromissos específicos adotados pela Conferência Rio-92 incluem duas convenções, uma sobreMudança do Clima e outra sobre Biodiversidade, e também uma Declaração sobre Florestas. A Conferênciaaprovou, igualmente, documentos de objetivos mais abrangentes e de natureza mais política: a Declaração doRio e a Agenda 21. Ambos endossam o conceito fundamental de desenvolvimento sustentável, que combinaas aspirações compartilhadas por todos os países ao progresso econômico e material com a necessidade deuma consciência ecológica. Além disso, por introduzir o objetivo global de paz e de desenvolvimento social
99
A Convenção propõe estratégias para sua implantação, entre elas, a elaboração e a
consecução de programas inovadores de conservação dos recursos.
3.4.3 Agenda 21
A Agenda 21 é um plano a ser adotado globalmente, nacional e localmente, por
organizações integrantes das Nações Unidas, governo e sociedade civil, em todas as áreas em
que a ação humana possa impactar o meio ambiente. O objetivo é a criação de um padrão de
desenvolvimento para o século XXI, combinando sustentabilidade ambiental, social e
econômica.
A Agenda 21 contém 40 capítulos e conta com a contribuição de governos e
instituições da sociedade civil de 179 países, em um processo de elaboração que levou dois
anos, culminando com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento (Cnumad), no Rio de Janeiro, em 1992.
Releva destacar que a Agenda 21 é voltada ao desenvolvimento sustentável, cuja
questão central, evidentemente, é o meio ambiente.
A Agenda 21 não é restrita às questões preservacionistas, mas enuncia uma nova
visão de desenvolvimento em que o primordial não é o econômico, e sim uma Agenda que
una questões relativas ao meio ambiente e sociais, para que a degradação do meio ambiente
seja enfrentada conjuntamente com o problema mundial da pobreza.
Apresenta diferentes enfoques para a proteção da atmosfera, a transição
energética, a importância do manejo integrado do solo, a proteção dos recursos do mar e a
gestão eco-compatível dos recursos de água doce; o combate ao desmatamento e à
desertificação, a proteção aos frágeis ecossistemas; a diversidade biológica, e o manejo
racional dos resíduos sólidos, dos perigosos e dos tóxicos e radioativos.
duradouros, a Rio-92 foi uma resposta tardia às gestões dos países do Sul feitas desde a reunião deEstocolmo.” Fonte: <http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/relext/mre/agintern/meioamb/>.
100
A aceitação da Agenda – aprovada por todos os países presentes à Rio-92 –
propiciou a criação da Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS), vinculada ao
Ecosoc.
101
As organizações não-governamentais, também conhecidas pelo acrônimo ONG,
cuja natureza jurídica é de ser uma associação do autodesignado terceiro setor da sociedade
civil, com finalidade não-lucrativa, têm por objeto desenvolver ações para mobilizar a opinião
pública. Essas ONGs tiveram ativa participação na Rio-92, e assumiram um papel ativo de
fiscalizar os governos a observar a Agenda 21.
De 23 a 27 de junho de 97, em Nova York, foi realizada a 19ª Sessão Especial da
Assembléia-Geral das Nações Unidas, visando identificar as principais dificuldades
relacionadas à implementação da Agenda 21. A Sessão Especial dedicou-se à definição de
prioridades de ação para os anos seguintes e a avaliar as negociações ambientais em curso.
Graças à expressiva presença de chefes de Estado e de governo, a Sessão Especial
foi uma reafirmação, perante a opinião pública mundial, da importância atribuída à temática
do desenvolvimento sustentável.222
3.4.4 O Protocolo de Kyoto
Esse Protocolo deriva de um conjunto de eventos que marcaram a década de 1990,
bem como dos avanços da nova disciplina do Direito Ambiental.
222 CARVALHO, Edson Ferreira de. Meio ambiente & direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2006. p. 208-210:
“Constituições promulgadas ou reformadas após a Conferência do Rio: Enquanto alguns países incorporaramo direito humano ao ambiente em suas constituições, outros, apenas incluíram normas ambientais nalegislação nacional, após a Conferência do Rio de 1992. Não tendo reconhecido o direito humano ao meioambiente, a Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento deu ênfase, no princípio 1º, aodesenvolvimento sustentável. O Princípio 11 da Declaração do Rio dispõe apenas que ‘os Estados devemadotar legislação ambiental eficaz e estabelecer padrões ambientais, objetivos e prioridades em matéria deordenação do meio ambiente, que deverão refletir o contexto ambiental de desenvolvimento a que seaplicam’. Dentro das garantias jurisdicionais (Princípio 13 da Declaração do Rio) figura a recomendação dese responsabilizar civil, penal e administrativamente aqueles que violem as normas de proteção ambiental. Apartir de então, vários países incorporaram normas de proteção ambiental em suas constituições. A Lei Geraldo Meio Ambiente da Bolívia de 1992 estabelece, no art. 17, que ‘é dever do Estado e da sociedade garantir odireito de toda pessoa e ser vivo a desfrutar de um ambiente sadio e agradável, no desenvolvimento eexercício de suas atividades’. A Constituição peruana, reformada em 1993, dispõe no art. 2º que ‘toda pessoatem o direito à paz, à tranqüilidade e ao desfrute de tempo livre e ao descanso, assim como gozar de umambiente equilibrado e adequado’. A Lei de Bases Gerais do Meio Ambiente do Chile, de 1994, estabeleceno art. 1º que ‘o direito a viver em um meio ambiente livre de contaminação, à proteção do meio ambiente, àpreservação da natureza e à conservação do patrimônio ambiental regular-se-á pelas disposições desta lei,sem prejuízo do que outras normas legais estabeleçam sobre a matéria’. A Constituição argentina, reformadaem 1994, estabelece no art. 41 que ‘os cidadãos argentinos têm o direito a um meio ambiente sadio,
102
Os marcos da Conferência de Toronto223 de 1988, seguida em 1990 pelo primeiro
relatório do IPCC,224 resultou na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança
Climática225e na ECO/92.226
O Protocolo de Kyoto tem a natureza jurídica de um Tratado Internacional, que
estabelece obrigações às partes aderentes, observada a pacta sunt servanda, firmando-se para
os contraentes compromissos para a redução da emissão dos gases que provocam o
denominado efeito estufa.
As discussões iniciaram-se em 1997 em Kyoto, no Japão, sendo concluídas em
98. O Brasil é um dos signatários do Protocolo de Kyoto.
O Congresso Nacional, seguindo a processualística regimentar própria, ratificou o
Protocolo de Kyoto em 15 de março de 1999.
Em razão de cláusulas específicas, o Tratado possui determinações de quórum
mínimo para a sua plena vigência no plano global, o que de fato veio a ocorrer quando a
República Russa o ratificou em novembro de 2004.
Metodologicamente, o Protocolo de Kyoto propõe um cronograma de redução da
emissão de gases que provocam o efeito estufa, no qual os países desenvolvidos têm a
obrigação de reduzir, em relação aos níveis de 1990, a quantidade de gases poluentes em, pelo
menos, 5,2% até 2012.
A este turno, releva conotar que os Estados Unidos, país que é o maior emissor de
gases poluentes entre as nações mais desenvolvidas, não firmaram o Protocolo de Kyoto,
provocando uma forte dúvida em relação a sua eficácia.
Por causa do federalismo norte-americano,227 herança dos Fundadores da
República, os estados componentes da Federação possuem autonomia legislativa. Dessa
equilibrado, apto para o desenvolvimento humano e para as atividades produtivas que satisfaçam asnecessidades presentes sem comprometer as das gerações futuras, assim como o dever de conservá-lo’.”
223 Toronto Conference on the Changing Atmosphere.224 Suécia/1990.225 UNFCCC.
103
forma, vários estados, embora impedidos de serem signatários de um protocolo internacional
dessa natureza, podem e fazem emissão de legislações ambientais estaduais, mais restritivas e
proibitivas que o próprio Protocolo de Kyoto. É o caso, v.g., da Califórnia, cujo Poder
Executivo expediu uma legislação de cunho ambiental.
Pelas disposições legais contidas no Protocolo, a redução das emissões deverá
acontecer em vários setores da atividade econômica. Além disso, o Protocolo recomenda aos
signatários a cooperação internacional, por meio de ações básicas, em: a) setores de energia e
transportes; b) uso de fontes energéticas renováveis; c) elaboração de mecanismos financeiros
e ambientais; d) limitar as emissões de metano; e) proteção da flora e de sorvedores de
carbono.
3.5 FONTES DO DIREITO AMBIENTAL INTERNACIONAL
As fontes do Direito Internacional admitidas por consenso da doutrina são aquelas
enunciadas no art. 38º da Corte Internacional de Justiça, a saber:
1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional ascontrovérsias que lhe forem submetidas, aplicará:a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regrasexpressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo odireito;c) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;d) sob reserva da disposição do art. 59º, as decisões judiciárias e a doutrina dosjuristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para adeterminação das regras de direito.2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir umaquestão ex aequo et bono, se as partes com isso concordarem.
Para o Direito Ambiental Internacional, há, entretanto, dissídio em respeito à
interpretação desse art. 38, e no dizer de Soares temos:
“Deve-se inicialmente, apontar uma lacuna desse artigo, na indicação das fontes. Naverdade, o Estatuto da CIJ é o mesmo texto do Estatuto do Tribunal Internacional,que funcionou entre 1919 e 1945, a Corte Permanente de Justiça Internacional(órgão paralelo à finada Sociedade das Nações, ou Liga das Nações), portanto,elaborado numa regulamentação de final de Primeira Guerra Mundial. Contudo, já àépoca de sua adoção, não representava o melhor rol das fontes do Direito
226 Rio de Janeiro, Brasil.227 Por ocasião da fundação dos Estados Unidos, somente 13 estados formavam a Federação.
104
Internacional, pois não consagrava duas realidades então existentes: (a) asdeclarações unilaterais dos Estados com efeitos jurígenos no Direito Internacional,reconhecidas como fontes formais pela doutrina dominante na época; e com algumajustificativa, (b) as decisões tomadas pelas organizações internacionaisintergovernamentais (hoje denominadas OIs, por oposição às ONGs), entidades que,naquele momento histórico, eram bastante tímidas em sua atuação e limitadas emsua competência internacional (ou eram regionais, como a UPA, com sede emWashington, antecessora da atual OEA, ou eram adstritas a assuntos por demaistécnicos, como questões postais, a UPU, com sede em Berna, a questões detelecomunicações, UTI, com sede em Genebra, e a questões relacionadas à proteçãoda propriedade industrial, União de Paris, e à proteção dos direitos artísticos eliterários, União de Berna, com escritórios administrativos igualmente em Genebra)e com uma personalidade não muito bem definida no Direito Internacional (tantoque aquelas entidades interestatais se denominavam ‘uniões’ e não ‘organizações’,num paralelismo com as uniões de Estados, fenômeno do final do séc. XIX).”228
Adiante, em Soares temos em síntese conclusiva a este tema:
“A primeira fonte, representada pelos tratados e convenções do meio ambienteinternacional, que denominamos jus scriptum (seção 6.1), por uma questão defacilitar a colocação dos tratados e convenções e os atos unilaterais numa classe demais clara apresentação, revisará as bases conceituais dos atos internacionaisescritos, inclusive daqueles multilaterais que já se encontram apresentados noCapítulo 5, dos grandes temas do Direito Internacional do Meio Ambiente.”229
Abordando a questão de forma correlata, temos em Sands:
“A lei e as instituições internacionais servem como a estrutura principal para a leiinternacional e a colaboração entre membros da comunidade internacional em seusesforços para proteger o ambiente local, regional e global. Em cada nível, a tarefatorna-se progressivamente mais complexa enquanto os novos atores e os interessessão extraídos no processo legal: visto que apenas dois estados negociaram asconvenções para conservação da pesca no século 19, mais de 150 estadosnegociaram a convenção 1992 da mudança do clima e o protocolo de biossegurançaem 2000.”230
Os princípios e regras da lei internacional pública e as organizações internacionais
têm funções similares: para fornecer uma estrutura dentro da qual os vários membros da
comunidade internacional podem cooperar, estabelecer normas de comportamento e resolver
suas diferenças. As funções próprias da lei internacional são a legislativa, a administrativa e a
judicante.
E Sands, adiante, afirma que:
228 SOARES, Direito internacional do meio ambiente, p. 170.229 Ibid., p. 171.230 SANDS, Philippe. Principle of international environmental law. Cambridge: Cambridge, 2003.p 230
105
“A função administrativa da lei internacional aloca tarefas aos vários atores paraassegurar que os padrões impostos pelos princípios e pelas regras da lei ambientalinternacional estejam aplicados. A função judicante da lei internacional ensejafornecer mecanismos ou, para que a impeça e resolva pacificamente diferenças edisputas que surgem entre os membros da comunidade internacional envolvendo osrecursos naturais ou a condução das atividades que trazem impacto para o meioambiente. A função judicante tem adquirido crescente importância em interpretar eem aplicar – e mesmo desenvolvendo – as regras da lei internacional no campo domeio ambiente.”
3.5.1 Jus Scriptum
Relativamente ao Jus Scriptum, ou seja, a tratadística, atos dos Estados soberanos,
bilaterais ou multilaterais, das organizações internacionais, constitui essa uma das principais
fontes do Direito Ambiental Internacional, não se querendo afirmar com isso a hierarquização
do enunciado no art. 38 do Estatuto da Corte.
Apenas e tão somente por uma questão metodológica adotou-se essa redação. A
este turno, recomenda citar-se a Convenção de Viena dos Tratados,231 que regulamenta a
matéria. Para Soares, temos:
“Na verdade, a Convenção de Viena representa uma notável consolidação dosprincípios e normas vigentes entre os Estados na maioria, de fundo costumeiro ereconhecidos pela jurisprudência internacional, sobre os princípios e normas queregem a fonte principal do Direito Internacional, que são os tratados e convençõesinterestatais.”232
Portanto, iremos proceder a uma breve digressão acerca das demais fontes do
Direito Ambiental, eis que as mesmas já se encontram devidamente discutidas e
compreendidas na doutrina tradicional, não havendo apontamentos de relevância a proceder.
3.5.2 Costume internacional
Em matéria de costume internacional, no que tange ao Direito Ambiental
Internacional, este tem sido utilizado à larga em decorrência de duas situações distintas: a) nos
231 Convenção de Viena sobre os Tratados de 1969.232 SOARES, Guido Fernando Silva. Órgãos dos estados nas relações internacionais, p. 172.
106
julgados dos árbitros e juízes das Cortes Internacionais; b) e na conduta unilateral dos
Estados.
Todavia, é de se consignar o dissenso havido entre os doutrinadores do Direito
Internacional Consuetudinário de um lado e o positivismo de Kelsen233 e o jusnaturalismo de
outro.
Para Pereira,234 o costume perde sua força a partir dos primeiros tratados
internacionais que sistematizavam os costumes no século XIX, notadamente as Convenções
de Haia de 1899 e 1907.
3.5.3 Princípios gerais do Direito Ambiental Internacional
Ao longo da evolução da disciplina do Direito Ambiental Internacional, a
disciplina jurídica viu desenvolver-se vários aspectos e princípios gerais, que são discorridos
por Sands235 da seguinte forma:
• Soberania dos países sobre seus recursos naturais e a responsabilidade
de não causar poluição transfronteiriça (princípio 21 da Declaração de
Estocolmo).
• Princípio da prevenção.
• Princípio da cooperação.
• Desenvolvimento sustentável.
• Princípio da precaução.
• Princípio do poluidor pagador.
233 “La costumbre es el comportamiento usual o habitual, una practica establecida durante amplio tiempo; en las
relaciones internacionales, una practica ampliamente establecida en los Estados”. Princípios de derechointernacional Mexico, Ed. Fondo de Cultura Econômica p. 262.
234 “O costume é considerado por muitos dos internacionalistas, como uma regra constitucional da comunidadeinternacional, aliás, várias dessas regras atingiam e atingem a universalidade, fato esse que não acontece coma legislação constitucional interna. Deixa o costume de ter uma força considerável, a partir dos primeirosTratados que compilavam os costumes já existentes e validamente praticados, a partir do século XIX.”PEREIRA, Luis Cezar Ramos. Costume internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 169.
235 “1. The obligation reflected in Principle 21 of the Stockholm Declaration and Principle 2 of the RioDeclaration, namely, that states have sovereignty over their natural resources and the responsibility not tocause transboundary environmental damage; 2. The principle of preventive action; 3. The principle of co-operation; 4. The principle of sustainable development; 5. The precautionary principle; 6. The polluter-paysprinciple; and 7. The principle of common but differentiated responsibility.” SANDS, Philippe. Principle ofinternational environmental law.
107
• Princípio comum da responsabilidade diferenciada.
108
À guisa de menção, vale transcrever a opinio juris de Soares a esse respeito:
“Finalmente, quanto a pretender que alguns princípios, pelo simples fato deintegrarem as citadas Declarações de Estocolmo e do Rio, já ganhem,automaticamente, o status de figurar no rol dos princípios gerais de direito, portantode serem autênticas normas de direito internacional, nossa opinião é de que não há,na atualidade, fundamento jurídico para tanto. Na verdade, como se disse, para oreconhecimento de uma norma como um princípio geral de direito, torna-senecessária a manifestação de outras fontes de direito, como a doutrina dosinternacionalistas (e não de um ou dois autores) e, em especial, da jurisprudênciainternacional. No que se refere à manifestação do jus scriptum sobre os princípiosconstantes nas citadas Declarações de Estocolmo e do Rio, é necessário observar emque termos eles encontram-se referidos: se transformados em autênticas normasauto-aplicáveis, ou se referidos como princípios. No caso de serem referidos comoprincípios, permanecem eles como tais, e necessitam, assim, da concordância deoutras fontes normativas, para sua caracterização como fontes.”236
Em que pese a transcrição acima, somos de opinião que já se pode falar em
Princípios Gerais do Direito Ambiental Internacional, à vista da existência de uma ampla
concordância doutrinária acerca do tema. Todavia, apresentamos esse dissenso em desfavor
ao respeitável mestre e sua obra, que é um pilar do Direito Internacional Ambiental.
3.5.4 Doutrina internacional
É costumeiro afirmar “que o Direito é coisa essencialmente viva”. Se tal assertiva
é verdadeira, e assim consta, o estudo científico da matéria constitui uma principalidade para
a apreensão correta de seu alcance e natureza.
Os estudos havidos na Academia migram para os Tribunais, Cortes Arbitrais
constroem e recebem influências recíprocas, desempenhando um papel de natureza
fundamental em todos os campos do Direito.
Vale registrar a opinião de Rezek sobre o tema:
“A doutrina existente era, pois, a expressão de um pensamento eurocêntrico, emregra preconceituoso e colonialista. A escola soviética importaria teses inéditas atodos os ramos da ciência do direito, e mais tarde, sobre temas elementares emdireito das gentes, idéias hostis ao breviário clássico. Hoje, destarte, já não é comumque sobre qualquer questão tópica exista o conforto da convergência doutrinária.Mas, justamente por isso tornou-se inestimável a confiabilidade de qualquer tese queacaso tenha podido reunir o abono das grandes correntes contemporâneas. Afinal,
236 SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente, p. 200.
109
mesmo no interior de cada uma delas, a identidade de pontos de vista costuma faltarcom alguma freqüência.”237
Na sua arguta observação, Castro, embora analisando o papel da doutrina no
Direito Internacional Privado, assevera com segurança que:
“A doutrina é uma das partes vitais da ordem jurídica. Contribui para a confecção, epara a mais perfeita interpretação das leis e da jurisprudência; mostra analogias, einforma os Princípios Gerais do Direito. Comparada a ordem jurídica a uma árvore,a doutrina pode ser vista como elemento vital, a seiva que sobe das raízes para osramos, restaurando-os permanentemente, e vai repontar em seus frutos.”238
3.6 PAINEL INTERGOVERNAMENTAL DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS
E RELATÓRIO STERN
3.6.1 Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC)239 discute questões
relativas ao aquecimento global e às mudanças climáticas que estão afetando o meio
ambiente.
A comunidade científica, governos e a opinião pública mundial receberam com
perplexidade as conclusões, que são um endosso aos alertas feitos por ambientalistas nos
últimos 30 anos, produto de estudos de 2,5 mil cientistas de 130 países com os dados mais
precisos disponíveis.
No relatório há a recomendação para que medidas de contenção sejam adotadas
imediatamente, pois se verifica o risco iminente do desencadeamento de uma série de eventos
237 REZEK, J. F. Curso de direito internacional público, p. 149-150.238 CASTRO, Almicar de. Direito internacional privado, p. 97.239 “O IPCC confirmou hoje que há 90% de certeza de que o homem é o responsável pelas mudanças do clima
no planeta. O relatório estima que as temperaturas devem aumentar entre 1,8 e 4,0 graus ainda neste século.Para garantir a qualidade de vida atual, é preciso que o aumento da temperatura média do planeta nãoultrapasse 2º C em relação aos níveis pré-industriais, na metade do século XIX. De acordo com o estudoPlaneta Vivo, feito pela rede WWF, a média anual per capita de emissão de CO2 para cada brasileiro é de 1,8tonelada do gás, caso as emissões provocadas pelo desmatamento de nossas florestas forem desconsideradas.Entretanto, quando o desmatamento é incluído nesse cálculo o Brasil passa a ser o quarto maior poluidor doplaneta. Os gases das queimadas oriundas do desmatamento são responsáveis por 75% de todas as emissõesnacionais.” Vide: <http://www.wwf. org.br/natureza_brasileira/meio_ambiente_brasil/clima/clima_news/index.cfm?uNewsID=6200>.
110
climáticos extremos, como tempestades, furacões, inundações e secas e outros fenômenos que
poderiam comprometer as atuais e futuras gerações que habitam e habitarão o planeta.
O IPCC demonstra que o aquecimento global não é parte do ciclo natural do
planeta, mas conseqüência de um processo iniciado na Revolução Industrial há cerca de 250
anos, baseado em um modelo de dependência de combustíveis fósseis para gerar energia, em
especial petróleo e carvão. Vale salientar que é a crescente concentração dos três principais
gases-estufa – dióxido de carbono (CO2), metano (CH2) e óxido nítrico (N2O) que provoca tal
aquecimento.
Entre 1995 e 2005, o índice de concentração de CO2, gás responsável por 75% do
efeito estufa, cresceu a 1,9 ppm por ano, média superior ao aumento de 1,4 ppm verificado
entre 1960 e 2005. Assim, por ano são lançados no ar 7,2 bilhões de toneladas de carbono.
O diretor do Programa da ONU para Meio Ambiente, Achim Steiner,240 alerta que
se, por hipótese, a emissão dos gases-estufa pudesse ser controlada hoje, as alterações
continuariam por centenas de anos. Isso porque o carbono tem um ciclo de permanência na
atmosfera de 100 anos.
Novos estudos estão sendo efetuados, e as conclusões preliminares são:
• 20 a 30% das espécies sofrem risco de extinção;
• savanização das florestas tropicais;
• milhões de seres humanos estarão ameaçados pela elevação do nível do
mar;
• cerca de um bilhão de pessoas que dependem do abastecimento de
água de degelo estão ameaçadas pelo fim das geleiras.
240 <http://www.un.org/docs/ecosoc/ecosoc_background.html>. Achim Steiner, nascido no Brasil, é um
especialista em temas relativos ao meio ambiente. De 2001 até 2006, foi diretor-geral do International Unionfor Conservation of Nature and Natural Resources (IUCN). A partir de janeiro de 2006, tornou-se diretor-executivo do United Nations Environment Programe (Unep).
111
3.6.2 Relatório Stern
Outro estudo,241 da autoria de Nicholas Stern,242 diretor do Banco Mundial no
final dos anos 1990, prevê que o número de vítimas refugiadas de secas ou inundações atinja
os 200 milhões de pessoas de 2030 em diante. Na apresentação feita pelo primeiro-ministro
inglês Tony Blair,243 afirmou-se que as alterações climáticas poderão custar entre 5% e 20%
do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, todos os anos. Pelo contrário, a tomada de medidas
para reduzir as emissões custaria apenas 1% do PIB mundial.
Na discussão sobre a questão ambiental, o Think Tank neocon American Interprise
Association, que possui larga influência nos círculos mais íntimos da administração Bush, tem
relevado o impacto do tema, pois pesquisadores do Instituto vêm realizando estudos em
sentido contrário, sendo publicados livros e artigos na imprensa especializada.244
Outro alerta sobre a crise global foi dado pela FAO,245 informando que, dentro de
20 anos, ao menos 60% da população mundial enfrentará problemas relativos à escassez de
água, afetando diretamente 1,8 bilhão de pessoas, que viverão problemas drásticos por causa
da falta do recurso potável.
3.7 OUTRAS CONSIDERAÇÕES
A disciplina jurídica do Meio Ambiente Internacional tem crescido
vertiginosamente nos últimos anos, criando mecanismos para a regulamentação da expansão
da economia, sem agressão ao meio ambiente, também conhecido como desenvolvimento
241 Para maiores informações, confira: <http://www.hmtreasury.gov.uk/independent_reviews/stern_review_
economics_climate_change/stern_review_report.cfm>.242 Sir Nicholas Stern, economista britânico e acadêmico. Foi economista-chefe e vice-presidente do Banco
Mundial de 2000 a 2003. Fonte: Banco Mundial.243 Anthony Charles Lynton “Tony” Blair (Edimburgo, 6 de maio de 1953) é um político britânico e, desde
1997, o primeiro-ministro do Reino Unido.244 Para maiores esclarecimentos, recomendamos a visita ao sítio eletrônico <http://www.aei.org/default.
asp?filter=all>.245 “By 2025, 1.8 billion people will be living in countries or regions with absolute water scarcity, and two-thirds
of the world’s population could be living under water stress conditions, FAO said today. Water use hasgrown at more than twice the rate of population increase over the last century, making sustainable, efficientand equitable management of scarce water resources a key challenge for the future, according to FAO'sPasquale Steduto, current Chair of the United Nations coordination mechanism, UN-Water.” Fonte:<http://www.fao.org/newsroom/ en/news/2007/1000494/index.html>.
112
sustentável. Assim, a grande questão a ser colocada é se os mecanismos legais vigentes
estarão aptos a enfrentar o desafio global que se avizinha.
Os tratados ambientais e os mecanismos de contenção ambientais atualmente em
vigência, como o Protocolo de Kyoto, o art. 20 do Estatuto da Organização Mundial do
Comércio que permite um regime de exceção em questões relativas ao meio ambiente, as
diretrizes da União Européia relativas à proteção ambiental, e não deixando de mencionar o
Nafta, bem como as políticas formuladas para o desenvolvimento sustentável, podem fazer
frente ao denominado aquecimento global. Dúvida resiste quanto à sua efetividade, vez que,
conforme dissertado anteriormente, a questão do meio ambiente, formalmente, caminha desde
a década de 1970, não produzindo, todavia, resultados concretos de reversão da catástrofe
ambiental, e obrigando-nos a uma reflexão sobre essa ameaça que paira sobre a humanidade.
Para melhor compreensão do que foi afirmado, vale recordar que a humanidade,
no século XX, experimentou trágicas violações dos direitos humanos e, embora na maioria
dos textos constitucionais esses direitos se encontrem tutelados, fato é que a sua violação
sistemática pode ser observada em todos os quadrantes do globo. Além do mais, importante
sopesar que as crises humanitárias de maior gravidade só têm sido contidas por meio do
instrumento da força, consoante previsto nos arts. 40 e 41 da Carta das Nações Unidas.
De se indagar qual a solução para a efetivação de todos os arcabouços legislativos
criados até o presente momento para a solução da crise do meio ambiente. Essa questão será
tratada a seguir.
113
4
AQUECIMENTO GLOBAL – HIER ÇA IRA MIEUX246
4.1 BREVE DIGRESSÃO
Uma breve digressão acerca da complexidade que envolve o binômio comércio
internacional/meio ambiente e os diversos interesses a ele pertinentes demonstra que o debate
a esse respeito está longe de seu termo. Um elemento a incidir nessa complicada equação é o
já conhecido aquecimento global, pois, longe de ser mera retórica acadêmica, após a
publicação da Carta de Paris247 restaram claras a sua gravidade e a sua irreversibilidade dentro
dos padrões atuais. Trata-se, atualmente, de uma questão de adaptabilidade aos novos padrões
climáticos, e muito será necessário doravante que se formulem políticas e legislações para
mitigar esse novo desafio.
Já não mais se discute a existência do aquecimento global,248 pois a comunidade
científica e os governos já o sabem. A problemática, por ora, envolve a adoção de medidas
para estabilizar o ambiente, caso contrário muitas das espécies da biodiversidade
desaparecerão, afetando a qualidade de vida. Todavia, o comércio internacional prossegue,249
expandindo-se de forma mais liberalizada por conta dos esforços ultimados pela OMC.
246 Expressão francófila recolhida de um adágio popular que significa “ontem será melhor” (tradução livre).247 A Carta de Paris se refere às conclusões havidas por decorrência da Conferência de Nairóbi, Quênia em
2007.248 A ministra Marina Silva, na ocasião, chamou a atenção para o problema do aquecimento global e sua grave
conseqüência para a gestão dos recursos hídricos: “A questão das alterações do clima não é algo que vaiacontecer, já está acontecendo”, afirmou Marina Silva. A ministra disse ainda que a ação humana ao longodos últimos cinqüenta anos acelerou o processo de esquentamento do planeta, com repercussões econômicas,sociais, culturais e até emocionais. As mudanças climáticas podem afetar em até 20% o Produto InternoBruto mundial e seus efeitos atingem todas as pessoas, particularmente as que têm mais dificuldade para seproteger”. Para maiores informações, vide: <http://www.mma.gov.br/ascom/ ultimas/index.cfm?id=3169&pesquisa=aquecimento%20global>. Acesso em: 19 mar. 2007.
249 “Dans une communication du 28 février 1996, sur les relations entre commerce et environement (1), laCommission indique qu’elle considère de manière conjointe la protection de 1’environement et lapréservation d’un système commercial multilatéral ouvert. Elle privilégie, dans cet esprit, la conclusiond’accords multilatéraux par raport aux measures commerciales unilatérales, tout particulièrement d’éventuelsdroits compensatoires pours l’environnement. Au premier plan des sujets qui justifieraient de tellesnégociation internacionales figure l’etiquetaje des produits et des leurs emballages et la mise en place dessystèmes pour leur collecte et leur valorisation. Mais le droit européen de l’environnement intervient déjàdans le contexte du droit conventionnel, les quelques exemples ci-après montrent.” THIEFFRY, Patrick.Droit Européen de lénvironnement. Paris: Dalloz, 1998. p. 13.
114
De rigor observar a clara interconexão entre livre comércio e meio ambiente. Toda
atividade econômica produz impacto sobre o meio ambiente e os recursos naturais. A simples
construção de um povoado acarreta a diminuição da fronteira agrícola, promove o
desmatamento, cria redes de coleta de esgoto e águas, com a instalação de infra-estrutura
urbana, bem como a montagem de complexas plantas industriais de larga escala, que, do
mesmo modo, só que de forma mais intensa, interfere no meio ambiente.
O comércio internacional como instrumento de promoção do crescimento
econômico interfere na macro e na microeconomia, reorientando toda uma cadeia econômica,
explorando os recursos naturais ao convertê-los em uma nova categoria de bem, agregando
valor e utilidade e o comercializando no mercado internacional – portanto, movendo de fato
uma cadeia econômica.
Os agentes da cadeia econômica, que se inicia na extração da matéria-prima,
segue na industrialização e posterior comercialização do produto até o seu consumo final e
conseqüente descarte, interferem no meio ambiente. Isso vem sendo objeto de estudo
sobretudo após a Eco/92.
A crescente expansão do livre comércio tem trazido preocupações baseadas na
percepção de que as forças do mercado tendem a reduzir a importância do Direito
positivado250 nacional, bem como os tratados internacionais,251 fomentando o fluxo de
investimentos para as áreas ou países nos quais a proteção ao meio ambiente seja de alguma
forma menos rigorosa. Os especialistas chamam a atenção acerca da ampliação do consumo,
do descarte do lixo industrial e doméstico, da poluição das águas e dos ares, e, em
contrapartida, da necessidade crescente de recursos naturais dos países desenvolvidos que os
obtêm nos centros capitalistas periféricos, os quais fornecem matérias-primas,252 afetando sua
biodiversidade, os ecossistemas e os recursos naturais, gerando a emissão de gases na
atmosfera e lixo na biosfera. O resultado dessa atividade desordenada contribui em última
instância para o aquecimento global.
250 Para uma leitura mais aprofundada, recomendamos as obras do jurista José Eduardo Faria, crítico consistente
da globalização, sob uma perspectiva jurídica.251 Tratados internacionais sobre a proteção do meio ambiente.252 Essas matérias-primas são fornecidas pelos países periféricos do capitalismo, provocando graves crises no
meio ambiente.
115
Cada ecossistema apresenta certa singularidade, como clima, solo, formação das
águas e da vegetação, flora e fauna, particularidades socioeconômicas e culturais. A
compreensão do correto manejo dessa biodiversidade é essencial para conter o aquecimento
global.
O clima do planeta já mudou e a velocidade do processo cada vez mais se acelera.
Assim, mantidas as atuais premissas de modelo econômico, as mudanças climáticas trarão
graves conseqüências para a economia, saúde, biodiversidade, qualidade de vida e dos solos
com a sua desertificação253 e para a sustentabilidade dos ecossistemas. Estabilizar, pois, o
efeito estufa e, por decorrência, o aquecimento global é uma tarefa da humanidade, posto
haver o risco da não-sobrevivência das espécies sobre a face do globo.
Todavia, várias são as incompatibilidades, registrando-se a observação de Soares:
“O desenvolvimento do conceito de um patrimônio mundial, representado por benscom significado de alto valor, tais como os existentes na natureza, como asmontanhas, formações rochosas, cavernas, portanto paisagens não construídas pelohomem e aqueles bens que passaram a existir, em função da criatividade humana eque ganharam valoração histórica significavam em relação ao presente e ao futuro,foi emergência que não se ligou, diretamente, no Direito Internacional ao conceitode meio ambiente. Pode-se dizer que, previamente aos anos de 1960, a preservaçãodos bens hoje tipificados como integrantes do patrimônio mundial, natural e culturalera um assunto tópico (...).”254
Por outro lado, cumpre assinalar, apesar de antiga, a lição legada por Lachs:
“Novos problemas surgiram no que diz respeito às relações entre o homem e o meioambiente. Os fusíveis do planeta saltam uns após os outros. Como tive ocasião dedizer, durante um debate público sobre o meio ambiente, há alguns anos, após odesastre do Amoco Cadiz, em um mundo onde camadas de petróleo se deslocam dascostas da França até as costas mais meridionais da América Latina, quando a poeiradas minas de carvão da Europa Central se espalha sobre os fiordes da Noruega,quem são os vizinhos? Somos todos vizinhos uns dos outros e nos tornamosconseqüentemente titulares dos direitos e dos deveres daí decorrentes. Um novoconceito de responsabilidade – com certeza – faz, de hoje em diante, parte dodicionário do Direito Internacional. O ponto de vista segundo o qual odesenvolvimento da ciência, o meio ambiente e o direito são atores rivais é, comrazão, inteiramente contestado. Todos esses elementos devem funcionar de acordo ecom rapidez: de tal modo a permitir afrontar as tarefas difíceis. O Programa das
253 “Morte lenta”: essa é a definição que as ONGs e representantes de 170 países deram na 5ª Sessão de Revisão
da Convenção das Nações Unidas de Luta contra a Desertificação – CRIC-5, realizada em Buenos Aires,Argentina, em 20 de março de 2007. A estimativa é que os prejuízos montem a US$ 42 bilhões por ano,segundo o Banco Mundial.
254 SOARES, Guido. Direito internacional do meio ambiente, p. 440.
116
Nações Unidas para o Meio Ambiente deve ser reforçado – é preciso criar umConselho para o Meio Ambiente como órgão principal (substituindo o Conselho deTutela).”255
Como visto, o tema é uma emergência global, dele resultando um dilema: como
alcançar o desenvolvimento sem causar maiores prejuízos ao planeta?
4.2 DIREITO AO DESENVOLVIMENTO COMO DIREITO HUMANO
FUNDAMENTAL
4.2.1 Direitos humanos de primeira e segunda dimensão
Quase 200 anos após o advento da Revolução Norte-americana e da Revolução
Francesa, foi elaborada a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 – Carta de São
Francisco –, tornando-se um documento de valor universal, e cuja importância dada à matéria
é revelada integralmente em seu corpo, que vincula o respeito universal aos direitos humanos
e às liberdades fundamentais.
Já em seu preâmbulo, temos:
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram ematos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de ummundo em que todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade deviverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais altaaspiração do ser humano comum,Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo impérioda lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebeliãocontra a tirania e a opressão,Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entreas nações,Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, suafé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e naigualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover oprogresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla.(...).256
Doutrinariamente, conceituaram-se como direitos humanos de primeira e segunda
dimensão os insertos no texto de 1948, identificando-se como os de primeira dimensão
255 LACHS, Manfred. O direito internacional nos umbrais do século XXI. Revista Estudos Avançados, n. 21, v.
8, maio/ago. 1992. p. 102.256 Para sua leitura integral, recomendamos o sítio eletrônico: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos
_direitoshumanos.php>.
117
aqueles que caracterizaram limitações gerais e específicas ao poder do Estado em relação aos
cidadãos, no tocante à liberdade política, compreendendo a possibilidade de votar e ser
votado, e participar ativamente da vida democrática de seu país; à esfera da vida íntima,
considerada inviolável; ao direito à vida; à liberdade e à propriedade privada. Enfim, ideais
republicanos.
Nesse quadrante, oportuno relembrar que o mundo pós-1945 experimentara dois
conflitos mundiais em menos de 30 anos, com a morte de milhões de seres humanos, além,
evidentemente, da experiência do nazi-fascismo. As duas guerras mundiais somente deram
forma industrial à eliminação dos seres humanos, banalizando a morte, conforme a
reportagem da revista New Yorker,257 depois convertida em livro por Arendt.258
Todavia, a mitigação dos direitos básicos e essenciais do gênero humano vinha de
longa data. O século XIX é pródigo em barbáries perpetradas contra os direitos fundamentais
dos homens. Mas também o é em exemplos de luta contra esse tipo de conduta, lembrando,
inclusive, que os ideais do chamado socialismo científico foram elaborados nesse período.259
Nesse particular, anote-se a lição prelecionada por Lewandowski:
“As péssimas condições de vida dos trabalhadores do séc. XIX, tão bem retratadaspor Dickens, desencadearam um surto de greves, agitações e rebeliões por toda aEuropa. Dentre as sublevações populares, decorrentes das lutas operárias, destacam-se na França e na Alemanha de 1848, a Comuna de Paris, de 1871 e, em especial,por seus desdobramentos, a Revolução Russa de 1917. (...) Essas rebeliõesconstituíram o caldo de cultura em que se desenvolveu o sindicalismo (...).”260
Essa foi uma forma de conter a violência do Estado contra o cidadão em geral,
evitando abusos e amparando o hipossuficiente na relação Estado/administrado, impondo
limites e elevando à categoria de direitos fundamentais da pessoa os direitos humanos.261
257 Revista cultural norte-americana, de caráter liberal, com grande influência e prestígio mundial, que publica
críticas, ensaios, reportagens investigativas e ficção.258 ARENDT, Hanna. Eichman em Jerusalém. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Cia. das Letras,
2003.259 MARX, Karl. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Vozes, 2005.260 LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. A formação da doutrina dos direitos fundamentais. In: TAVARES,
André Ramos; MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Lições de direitoconstitucional homenagem ao jurista Celso Bastos. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 174 (Capítulo 2.1).
261 Rerum Novarum – Encíclica do Papa Leão XII publicada em maio de 1891 que tratava, do ponto de vistacristão, das relações entre o capital e o trabalho. Para um aprofundamento no tema, recomendamos uma visitaao sítio eletrônico <http://www.vatican. va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerumnovarum_ en.html>.
118
No esteio da carta de São Francisco, têm-se os direitos designados como os de
segunda dimensão, compostos pelos direitos sociais do homem, e, por conseguinte, com
reflexos de natureza econômica, estabelecendo o que se convencionou denominar Welfare
State,262 na medida em que o Estado assume a responsabilidade de tutelar o bem-estar social,
garantindo o desenvolvimento social do ser humano.
Trata-se, portanto, do reconhecimento jurídico do dever do Estado263 de garantir o
direito ao trabalho, à saúde, à moradia e à educação, previdência social e aposentadoria, entre
outros.
Passados anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, mais
exatamente, no início da década de 1970, fruto do ambiente político e cultural havido,264 além
das profundas transformações pelas quais o pensamento humano passava, estabeleceu-se o
que viria a ser conhecido como os direitos humanos de terceira dimensão. Não se pode deixar
de reforçar a menção à realização da primeira conferência do clima265 em 1972, em
Estocolmo, Suécia.
Esses direitos são os representados pelo direito ao meio ambiente sadio266 e
ecologicamente equilibrado,267 o direito à paz e o direito ao desenvolvimento.268
262 Estado do bem-estar social, cujas metas foram alcançadas pelos países da Escandinávia, proporcionando aos
seus cidadãos elevado nível de vida e prosperidade.263 O México recém-saído da revolução de 1915 foi o primeiro país a adotar em sua Constituição os
denominados direitos sociais. A República de Weimar, na Alemanha, também o fez a partir de 1919, em seuart. 49, informando “a propriedade obriga”.
264 A década de 1970 é dominada pela discussão em torno a guerra do Vietnã, a contracultura, o movimentohippie e o surgimento das questões ambientais como fruto da preocupação da sociedade de então.
265 Conferência de Estocolmo.266 A revista New Scientist em sua edição de 6/1 informa que nos Estados Unidos o descarte de matérias e a
geração de lixo chegaram a níveis alarmantes, atingindo, por exemplo, o descarte de 2,5 milhões de garrafaspor hora. Para maiores informações, consulte o sítio eletrônico <http://www.newscientist.com/home.ns>.
267 A despeito do direito a um meio ambiente saudável, o Brasil pelos termos da decisão do Tribunal arbitral doMercosul, obrigou-se a aceitar a importação de pneus usados, recebendo desde o ano de 2003 duzentos milpneus do Uruguai. Semelhante decisão, cujo teor ainda não se conhece, foi tomada no âmbito da OMC. Ascríticas dos setores ambientalistas são várias, considerando que os países ricos estão exportando lixo perigosopara os países em desenvolvimento. Para maiores informações, consulte o sítio do Mercosul:http://www.mercosur.int/msweb/, bem como o sítio da OMC: <http://www.wto.org/spanish/ tratop_s/envir_s/envir_backgrnd_s/contents_s.htm>.
268 O direito ao desenvolvimento transcende a esfera estatal, mesmo que esteja vinculado às conceitualizaçõespossibilitadas pelo Welfare State. Tanto o é que o respeito a tais direitos foi convencionado e entrou no cernede preocupações da OMC, como bem proclama BHALA, Raj. International trade law: theory and practice.Lexis. Estados Unidos, 2001. p. 615-616, ao expor (tradução livre): “Um candidato mais provável é o artigoXX, cujas exceções têm o propósito de permitir violações do GATT, incluindo violações aos artigos I e II nabusca de várias categorias de políticas não negociáveis de metas. Três exceções do artigo XX em particular, adignidade, a vida humana e a saúde e trabalho prisional podem ser relevantes em conjunto com medidas de
119
4.2.1.1 Uma visão particularizada do direito fundamental ao desenvolvimento econômico
e social – direitos humanos de terceira dimensão
Dos direitos concernentes a essa terceira dimensão, o direito ao desenvolvimento,
inegavelmente, integra o seu rol, estando, conforme já mencionado, inserto em nosso Texto
Constitucional. Sobre ele se expressa Trindade da seguinte forma:
“(...) o direito ao desenvolvimento, com seus vários componentes (direito àautodeterminação econômica, soberania permanente sobre a riqueza e os recursosnaturais, princípios do tratamento não-recíproco e preferencial para os países emdesenvolvimento e da igualdade participatória dos países em desenvolvimento nasrelações econômicas internacionais e nos benefícios da ciência e tecnologia), emergecomo um sistema normativo internacional objetivo a regular as relações entreEstados juridicamente iguais, mas economicamente desiguais e visando àtransformação destas relações, com base na cooperação internacional (Carta dasNações Unidas, arts. 55 e 56) e em considerações entre os Estados e a proporcionar atodos os Estados – particularmente os países em desenvolvimento – oportunidadesiguais para alcançar o desenvolvimento.”269
Deveras, o direito ao desenvolvimento encontra-se positivado no plano
internacional, afirmado universalmente desde 1972, com o advento da Convenção de
Estocolmo, porquanto foi o cerne das discussões e conclusões posteriores havidas.
No foro das Nações Unidas, em 1977, temos a manifestação formal da Comissão
dos Direitos do Homem,270 conclamando a necessidade de cooperação internacional, visando
a superação e erradicação da miséria, e a preservação do meio ambiente.
direitos humanos. Artigo XX (a) permite medidas para proteger a dignidade humana. Artigo XX (permitemedidas necessárias para proteger a vida e saúde humana animal ou vegetal. Por fim, Artigo XX (e) permitemedidas acerca dos frutos do trabalho prisional. A disponibilidade dessas exceções gera dois tipos deproblemas de interpretação. Primeiro, cada uma apresenta questões textuais similares, a saber se o caráter daisenção pode ser interpretado para acomodar medidas baseadas nos direitos humanos. A exceção do trabalhoprisional é no mínimo provável para servir nesse caso, apesar do fato de claramente constituir um caso deexceção nos Direitos Humanos no GATT, justamente pela razão que está tão claramente esboçada ao referir-se a uma simples categoria de produtos, os do trabalho prisional a saber. A moralidade pública deveriaaplicar-se a pelo menos um subconjunto de reivindicações de direitos humanos, mas sua aplicação mais largadepende se a provisão pode ser interpretada para abranger um vasto âmbito de preocupações com os direitoshumanos acerca dos problemas das questões da ‘moral pública’. Finalmente, interpretando o Artigo XX (b)Incluir violações aos direitos humanos como ameaças à saúde ou vida humana, concorreria contra, emboralimitada, a jurisprudência do GATT nessa questão.”
269 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Direito humano e meio ambiente. Paralelo dos sistemas de proteçãointernacional. Porto Alegre: Fabris, 1993. p. 176.
270 Órgão integrante das Nações Unidas. Para maiores informações, visite o sítio eletrônico <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>.
120
Em 1977 o direito ao desenvolvimento foi reconhecido pela Comissão de Direitos
Humanos das Nações Unidas. Ato contínuo, a Unesco,271 em 1978, expede a Declaração
sobre a raça e os preconceitos raciais, que expressamente menciona:
Artigo 8: 1. Os indivíduos, levando em conta os direitos que possuem a que imperenos planos nacional e internacional uma ordem econômica, social, cultural e jurídicaque lhes permita exercer todas as suas faculdades com plena igualdade de direitos eoportunidades, possuem deveres correspondentes para com seus semelhantes, paracom a sociedade em que vivem e para com a comunidade internacional. Possuem,por conseguinte, o dever de promover a harmonia entre os povos, de lutar contra oracismo e contra os preconceitos raciais e de contribuir com todos os meios de quedisponham para a eliminação de todas as formas de discriminação racial.
Talvez, tenha sido a primeira manifestação de caráter universal na qual ficam
associadas questões relativas ao preconceito racial e ao direito ao desenvolvimento,
correlacionando-se uma à outra.
Já em 1981, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, por meio da
Resolução n. 36/133,272 estabeleceu que o direito ao desenvolvimento fosse um direito
humano inalienável. Posteriormente, em 1986, as Nações Unidas expediram a Declaração
sobre o Direito ao Desenvolvimento,273 cujo art. 1º dispõe:
Artigo 1: 1. O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável emvirtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participardos desenvolvimentos econômicos, sociais, culturais e políticos, a ele contribuir edele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possamser plenamente realizados. 2. O direito humano ao desenvolvimento também implicaa plena realização do direito dos povos de autodeterminação que inclui, sujeito àsdisposições relevantes de ambos os Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos, oexercício de seu direito inalienável de soberania plena sobre todas as suas riquezas erecursos naturais.
271 <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/discrimina/dec78.htm>.272 A/RES/36/133 -14 December 1981. “(…) Requests the Commission on Human Rights to take the necessary
measures to promote the right to development, taking into account the work of the Ad Hoc Working Groupset up under Commission resolution 36 (XXXVII)”. Para maiores esclarecimentos sobre o tema em questão,relevante a visita à página das Nações Unidas, no sítio eletrônico: <http://www.un.org/documents/ga/res/36/a36r133.htm>.
273 O Documento pode ser visto em sua íntegra no sítio eletrônico: <http://www.dhnet.org.br/ direitos/sip/onu/spovos/lex170a.htm>.
121
Ou seja, após longa evolução do instituto, positivou-se em seus anais o direito ao
desenvolvimento, levando em consideração que sob as disposições da Declaração Universal
dos Direitos Humanos todos têm direito a uma ordem social e internacional em que os
direitos e as liberdades consagrados nesta Declaração possam ser plenamente realizados.274
Adiante no mesmo texto, no art. 2º275da Declaração, temos: “A pessoa humana é o
sujeito central do desenvolvimento e deveria ser participante ativo e beneficiário do direito ao
desenvolvimento”.
Dessa forma, o direito ao desenvolvimento é, simultaneamente, um direito
coletivo, universal e indisponível, inerente a toda a humanidade, mas também é um direito
individual de todos os entes humanos, uma vez que estes são o destinatário final do comando
legal dessa tratadística.276
4.2.1.2 Dos direitos humanos de quarta dimensão
A doutrina tem-se firmado pelo entendimento de que estamos ingressando na
quarta dimensão de direitos humanos, que seriam os representados pelas conquistas
tecnológicas e científicas, nos domínios da biotecnologia e da genética, apresentando
inúmeras possibilidades para o progresso e o bem-estar da humanidade. Para ficarmos no
terreno da mera especulação científica, a revolução genética possibilitaria o desenvolvimento
de novas terapias que, alguns anos atrás, só seriam admitidas no terreno da ficção científica.277
A engenharia genética possibilita a clonagem de seres vivos abrindo uma discussão de caráter
ético, moral e religioso, pois, em tese, admite-se a criação de clones a partir de seres humanos.
Em parágrafo alongado de sua vetusta obra, preleciona Diniz:
274 Consta no preâmbulo da Declaração.275 Idem.276 Não se pode ignorar que diversos países do mundo ainda são recalcitrantes na aplicação dos direitos humanos
de primeira geração.O relatório produzido em conjunto pela NEV-USP e a Fundação Teotônio Vilelainforma que é crescente a violação dos direitos humanos no Brasil, iniciando-se na tenra idade. O relatórioidentifica por região as violações dos direitos humanos básicos, afirmando, por exemplo, que no Norte dopaís as crianças sofrem abusos; no Nordeste, 15,2% das crianças trabalham, entre outras denúncias. Esserelatório foi lançado em 15 de março de 2007 e pode ser acessado no sítio eletrônico<http://www.nevusp.org/home/index.php>.
277 Gênero literário que inclui o fator ciência como componente essencial.
122
“Que novidades são essas? Dentre elas, podemos aqui apontar:a) O progresso científico que vem alterando o agir da medicina tradicional. Deveras,há alguns anos, como se poderia falar em legalização da eutanásia ou acreditar queum doente terminal pudesse ser mantido, por vários anos, numa UTI, em estadovegetativo irreversível? Ou que um deficiente mental ou criminoso, voltando àprática de delitos sexuais, pudesse ser compulsoriamente esterilizado? Ou quefossem possíveis a inseminação artificial post morten e a fertilização in vitro,concebendo um ser humano fora do útero da mãe para ulterior implantação? Ou quese falasse em pós-menopausa ou substituta? Ou que houvesse conflito depaternidade ou maternidade sobre uma mesma criança, em razão da reproduçãohumana assistida (...).”278
A aplicação dos direitos humanos de quarta dimensão é infinita. Nunca em tão
pouco tempo na história da humanidade o desenvolvimento das ciências experimentou essa
dinâmica, comparando-se, por analogia, a um novo período da Renascença.279
4.3 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
As disposições constitucionais brasileiras280 consagram o direito ao
desenvolvimento, sendo um direito social do ser humano, alçando-o à categoria de princípio
fundamental do Estado Democrático de Direito, que a seguir transcreve-se in verbis, por sua
importância:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...).II – garantir o desenvolvimento nacional.
Assim, o legislador constitucional recepcionou na ordem interna o
desenvolvimento nacional como um dos princípios republicanos, conforme transcrito.
Portanto, tornou-se um paradigma sua aplicação, pois, em decorrência disso, estabelece uma
moldura jurídica, por onde transitam ações relativas ao desenvolvimento nacional. Dessa
forma, é dever do Estado brasileiro organizar o modo de produção, de modo a manter o
equilíbrio entre o capital e o trabalho, entre o que seja público e privado, com base em
premissas democráticas e republicanas.
278 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito, p. 1.279 Renascimento foi um movimento cultural da história européia, considerado pelos historiadores como um
marco final da Idade Média e o início da Idade Moderna. Foi o momento em que proliferaram a ciência, asartes e a cultura em geral. Considera-se o que o Renascimento tenha iniciado no século XIV em Itália e noséculo XVI no norte da Europa.
280 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
123
Comentando esse comando constitucional, Silva afirma:
“O modelo de desenvolvimento presente na Constituição de 1988 privilegia asdimensões social, democrática e nacional, submetendo a execução de políticaspúblicas governamentais à sua observância, de maneira independente ecoordenada.”281
Dentre as novas disposições legais havidas pela Constituição de 1988, destaca-se
a inovação contida no art. 225, a seguir transcrito, que promove a defesa e a proteção do meio
ambiente:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem deuso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao PoderPúblico e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes efuturas gerações.
A matéria se configura de extrema importância, não só em razão dos valores
intrínsecos e extrínsecos nela contidos, já que o meio ambiente, embora já houvesse sido
contemplado em nível infraconstitucional em uma legislação esparsa, até então não se
encontrava devidamente tutelado na esfera constitucional.
Abordando esse tema, Benjamim dispõe:
“O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de terceiradimensão, alicerçado na ‘fraternidade’ ou na ‘solidariedade’. Nessa categoria, tem-se direitos que não se destinam especificamente a prestação dos interesses de umindivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem-se primeiro pordestinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmaçãocomo valor supremo em termos de existência concreta.”282
No Direito Comparado há igualmente o instituto jurídico do Desenvolvimento
Comparado, o que demonstra que os efeitos almejados pela Rio-92 já se concretizaram de
certa forma. Sobre o tema, Aragão comenta:
“Em primeiro lugar, parece-nos claro que o modelo de desenvolvimento econômicoe social subjacente ao quarto pressuposto é o desenvolvimento sustentável. Estemodelo foi consagrado tanto nos próprios Tratados (art. 2 do TUE e 2 do TCE)como no direito derivado, designadamente o Quinto Programa de Ação em matériade ambiente, sugestivamente denominado ‘rumo a um desenvolvimento sustentável’.
281 SILVA, Guilherme Amorim Campos. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Método, 2004. p. 112.282 BENJAMIN, Herman Antonio. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira.
In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; COELHO, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucionalambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 103.
124
Com este pressuposto, pretende-se evitar a repetição do dever de respeito pelasdiversidades regionais e da afirmação do nível de proteção elevado, se crie, nodomínio do ambiente, uma Europa a duas velocidades (...).”283
É de rigor observar que o País emergia de um período autoritário, no qual não
havia sequer o respeito ao ente humano,284 quanto o mais ao meio ambiente. Nesse período do
arbítrio e da exceção285 é que se deu início à devastação da floresta Amazônica por via de um
projeto faraônico, consubstanciado na construção da Transamazônica.286
De boa memória lembrar que, paralelamente às preocupações ambientais
universais surgidas na década de 1970, o Brasil vivia o que o senso comum passou a designar
por milagre econômico.287
Justamente, a combinação de um crescimento econômico acelerado com o
autoritarismo e a exceção288 é que levou a um desrespeito acentuado ao meio ambiente, como
atualmente é o caso chinês.
Superado esse período da história, promulgou-se uma nova Constituição Federal,
reorganizando-se o tecido social e econômico brasileiro por meio de um novo pacto
federativo. Em relação ao meio ambiente, produziu-se uma principiologia, com a expedição
283 ARAGÃO, Alexandra. Direito constitucional do ambiente da União Européia. In: CANOTILHO, José
Joaquim Gomes; COELHO, José Rubens Morato (Org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. SãoPaulo: Saraiva, 2007. p. 11.
284 Até os dias presentes não estão totalmente esclarecidas as violações aos direitos humanos pelo regime militar.Recomendamos a leitura do Livro Tortura nunca mais da Comissão de Direitos Humanos da Igreja Católica,ou uma visita ao sítio eletrônico do “Grupo Tortura Nunca Mais”, onde poderá ser verificado que o últimoassassinato político no Brasil ocorreu ainda em 1983, com a eliminação de Margarida Maria Alves.<http://www.torturanuncamais-rj.org.br/M_D.asp?refresh=2007032308432590921811>.
285 O período do regime autoritário inicia-se em 31.03.1964 e formalmente encerra-se em 1985 com a posse dopresidente José Sarney. Para um aprofundamento do tema, recomendamos a leitura da série de Elio Gaspari.A ditadura envergonhada, A ditadura escancarada, A ditadura encurralada e A ditadura derrotada, da Cia.das Letras, São Paulo, 2004.
286 A Rodovia Transamazônica (BR-230) foi inicialmente projetada para ser uma rodovia pavimentada com 8mil km de comprimento, conectando as Regiões Norte e Nordeste do Brasil com o Peru e o Equador, comapenas 2.300 km de comprimento cortando os estados brasileiros de Pará e Amazonas. Para maioresinformações sobre o tema, visite o sítio eletrônico <http://www.amazonialegal.com.br /textos/Transamazonica.htm>.
287 O termo “milagre econômico” é a denominação dada à época do crescimento econômico ocorrido durante aditadura militar. Nesse período do desenvolvimento brasileiro em que houve concentração de renda eaumento da pobreza, instalou-se o “Brasil potência”, com a difusão do bordão “Brasil, ame-o ou deixe-o”,inspirado no lema da extrema direita norte-americana durante o ápice das manifestações contra a guerra doVietnã, “live, or let it”.
288 Esse período ficou conhecido como o milagre econômico brasileiro. A propaganda oficial alardeava que“primeiro o bolo deve crescer para depois ser repartido” para justificar a excessiva concentração de rendaocorrida no período.
125
de normas constitucionais direcionadas à proteção e defesa do meio ambiente, cujo manto
encobre a sociedade como um todo, inclusive nos planos dos interesses coletivos e difusos.
Sobre o tema, é mister conhecer os ensinamentos de Celso Bastos:
“Essa postura do legislador supremo torna as ‘deseconomias externas’ (utilização dobem da coletividade a custo zero, como as águas dos rios para a indústria decelulose; os peixes, para a indústria de produtos alimentícios) sujeitas a regrasespeciais e até a tributo compensatório pelos danos ao meio ambiente, cujainstituição é permitida pelo art. 149 (contribuições especiais para intervenção nodomínio econômico).(...) Por fim, cabe, também, à coletividade tal preservação. E a ação civil pública –de que é titular o Ministério Público – pode ser utilizada por sociedades civisorganizadas com objetivos ecológicos também definidos, sempre que sentirem que omeio ambiente foi atingido.”289
Por bem entendeu o legislador ordinário, em obséquio ao diploma máximo, que
era necessária a sistematização dessa nova ordem, estabelecendo uma legislação
infraconstitucional que, entre outras temáticas, dissesse respeito a:
• bens ambientais;
• licenciamento ambiental e estudo prévio de impacto ambiental;
• zoneamento ambiental e espaços especialmente protegidos;
• flora e aspectos de defesa;
• fauna e aspectos de defesa;
• recursos hídricos;
• poluição sonora;
• poluição visual;
• poluição atmosférica;
• poluição por resíduos sólidos;
• poluição por atividades nucleares.
A listagem é meramente exemplificativa e não tem por propósito esgotar a
temática. Ao contrário, insinua-se apenas que a normativa constitucional deu vezo à criação
de uma nova disciplina, a do Direito Ambiental, que no caso do Brasil encontra-se entre as
mais desenvolvidas, até porque a diversidade ambiental brasileira destaca-se no cenário
mundial por sua riqueza e abundância.
289 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva, 2000. p. 962-963.
126
4.4 A NOVA VISÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Predomina o entendimento na atualidade de que a proteção aos direitos humanos
não constitui assunto interna corporis de cada Estado. Essa visão reducionista foi sendo
superada, posto que, no plano metajurídico, trata-se de direitos vinculados universais, sendo
considerados como um dos Princípios Gerais do Direito.
A partir dessa assertiva, a noção tradicional de soberania estatal é relativizada,
transmudando-se no altiplano jurídico sua real natureza, admitindo-se intervenções externas e
a responsabilização internacional do Estado e de seus agentes,290 da ótica de que o ente
humano, por ser sujeito de direitos, é destinatário da proteção internacional.
Observando-se as lições de Filkenstein, temos:
“Levando-se em conta o conceito e os elementos constitutivos da soberania,dispostos acima, e aplicando-os ao estado federalista clássico, podemos tecer osseguintes comentários. Em uma federação, apesar de as diferentes regionalidadesgozarem de certo grau de autonomia, não se pode dizer que estas sejam soberanassenão em virtude do próprio pacto federativo. A autonomia dos entes da federaçãoestá limitada a determinadas matérias dispostas constitucionalmente. A União, sendodetentora de outras competências, por força da mesma constituição, temprerrogativas de, em certos casos, impor determinações a serem observadas pelosentes federados. Assim, para as regionalidades em uma federação clássica, ficadescaracterizado o elemento da soberania, de acordo com o qual o ente soberano nãose sujeita a outros centros normativos – no caso dos entes federados, esta sujeiçãoexiste, fixando, então a distinção entre atuação soberana daquela em contraposição àatuação autônoma desta. Tampouco se manifesta o elemento consistente naindependência na ordem internacional. Isso fica claro pelo simples fato de os entesfederados não gozarem de independência externa. Soberana é a federação, vistacomo um Estado perante a comunidade internacional.”291
Assim, os direitos humanos, na atualidade, são compreendidos em sua
integralidade, havendo interdependência, indivisibilidade, e inter-relacionamento entre eles.
Portanto, não haverá de se afirmar essa categoria de direitos como um fato isolado; ao
contrário, admitir-se-á a sua integração com as demais gerações de direitos humanos, bem
como com todos os ramos do Direito.
290 Vide Tribunal Penal Internacional elaborado por meio do Estatuto de Roma de 1998.291 FILKENSTEIN, Claudio. Lições de direito constitucional em homenagem ao jurista Celso Bastos: a caminho
de uma Federação Européia. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 766.
127
4.5 DESENVOLVIMENTO, RECURSOS NATURAIS E SOBERANIA
4.5.1 Princípio jurídico do desenvolvimento sustentável292
Em continuidade à dissertação, deve ser mencionado o princípio jurídico do
desenvolvimento sustentável, que toma relevo para o Direito Internacional do Meio Ambiente
a partir dos seguintes documentos:
• Declaração do Rio de Janeiro293 (1992); e
• Agenda 21 (1992).294
O princípio jurídico do desenvolvimento sustentável tem sido objeto de
preocupações teóricas por parte das autoridades políticas e acadêmicas.
Na Carta Magna de 1988, temos no transcrito art. 225 a elevação a princípio
constitucional do direito ao desenvolvimento sustentável, cabendo “ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
A mens lege constatou o óbvio, porquanto é sabido que os recursos naturais são
finitos e sua utilização deverá garantir a existência das futuras gerações.
Comentando esse tema, Fiorillo leciona:
“Desta forma, o princípio do desenvolvimento sustentável tem por conteúdo amanutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suasatividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes
292 Segundo a Carta do Rio, para alcançar o desenvolvimento sustentável é necessária a adoção de uma
legislação ambiental que contenha outros princípios, para dar sustentabilidade à norma programática, dentreos quais destacamos: Princípio do Poluidor-Pagador (Princípios 13 e 16); Princípio da Prevenção (Princípio17); Princípio da Precaução (Princípio 15); Princípio da Participação (Princípio 10); e Princípio daCooperação e da Solidariedade (Princípio 5).
293 “Conforme um dos mais importantes eventos sobre o meio ambiente, a ECO 92, a expressãodesenvolvimento sustentável apresentou-se como de suma importância para futuras decisões relativas aomeio ambiente (...).” ARACELI, Cristina Souza Ferreira. Contabilidade ambiental. 2. ed. São Paulo: Atlas,2006. p. 17.
294 Sobre o tema temos: “L’Agenda 21 est un vast programme d’action destine à mettre en oeuvre les principesproclamés dands la D´claration de Rio de Janeiro. II comporte quarante chapitres prévoyant des actionsprecises dans quatre domaines: (1) dimensions sociales et économiques (lutte contre la pauvreté, codificationdes modes de consommation, dynamique démographique, santé), (2) conservation et gestion des ressoucesaux fins du développemente (lutte contre les pollution, préservation de la diversité biogique), (3)renforcement du role des principaux groups (femmes, jeunes, population autothtones, organisation nongouvernementales) et (4) moyens d’exécutin.” KISS, Alexandre; BURIER, Jean Piere. Etudes internationals.Droit international de L’Environnement. 3. ed. Itália: Pedone, 2004.
128
com o seu ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade dedesfrutar os mesmos recursos que temos hoje a nossa disposição.”295
No altiplano da comunidade internacional, com o processo de descolonização
tomando maior vulto a partir de 1960, a Organização das Nações Unidas aprovou a Resolução
n. 1.803 (XVII), 296 a qual representou um marco institucional para a afirmação do Princípio
da Soberania permanente sobre os recursos naturais. Todavia, de rigor ser assinalado que a
aceitação desse princípio na comunidade internacional não tem sido de forma pacífica. A
disputa, desde a sua aprovação até os dias atuais, vem sendo objeto de controvérsias, entre os
países desenvolvidos e os em desenvolvimento.
Abordando o tema, Fontoura Costa observa:
“Nas XXII e XXV sessões da AGNU, foram, ainda, aprovadas resoluções referentesà soberania permanente sobre os recursos naturais com amplas margens deconsenso: a Resolução 2386 (XXIII) por 94 votos a 0, com 9 abstenções, eResolução 2692 (XXV), por 100 votos a 6, com 3 abstenções. No entanto, a suarelevância operativa não pode ser considerada elevada: a primeira requisita àAssembléia Geral novos estudos sobre a soberania permanente, ao passo que asegunda afirma a necessidade de relatórios do ECOSOC sobre os efeitos dasoberania permanente, os fluxos de capital e a transferência de tecnologia. AResolução 3016 (XXVII), aprovada por 102 votos a 0, com 22 abstenções, incluídasnestas a de países em desenvolvimento, reafirmou o princípio a respeito dos recursosnaturais ‘encontrados no leito do mar e no seu subsolo, na jurisdição nacional e naságuas adjacentes’.Não obstante, o dissenso entre países desenvolvidos e em desenvolvimentoalcançaria seu mais alto grau nas discussões da Nova Ordem EconômicaInternacional (NOEI) e da Carta de Direito e Deveres Econômicos dos Estados(CERDS).”297
Mais a mais, abordando por outro ângulo, a professora Carneiro Leão afirma:
“No plano Internacional, as múltiplas influências que a economia exerce sobre omeio ambiente não se limitam apenas às disparidades de desenvolvimento entre osEstados. A provisão energética, o uso dos cursos de águas internacionais, otransporte marítimo e aéreo, os movimentos transfronteiriços de rejeitos esubstâncias perigosas, os despejos e emissões nos mares e na atmosfera e tantasoutras atividades, comuns no mundo moderno, estão exatamente na confluênciaentre Economia e Ecologia. A Conferência das Nações Unidas sobre o MeioAmbiente e Desenvolvimento de 1992 tratou de fixar as bases da harmonizaçãoprogressiva dos imperativos entre Economia e Ecologia, mediante a formulação deum novo objetivo: o desenvolvimento sustentável.”298
295 FIORILO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 27.296 Permanent Sovereignty Over Natural Resources, 14 de dezembro de 1962.297 COSTA, José Augusto Fontoura. Comércio internacional e desenvolvimento. Florianópolis: Fundação
Bointeux, 2006. p. 224 e 233.298 LEÃO, Márcia Brandão Carneiro. Comércio internacional e proteção global ao meio ambiente: conflitos de
normas internacionais e suas soluções. São Paulo, 2006. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo.
129
Essa interconexão entre economia e ecologia está no centro das disputas
intercapitalistas, uma vez que os países desenvolvidos estão esgotando os seus recursos
estratégicos e impedem, mediante mecanismos políticos, diplomáticos e militares inclusive, o
acesso dos países em desenvolvimento a novas tecnologias, condenando-os assim ao secular
atraso em seu desenvolvimento, moldando-os a meros fornecedores de matérias-primas, e
tentando reverter à questão da soberania na utilização dos recursos naturais.
Vale anotar a observação procedida por Jackson, ao enfrentar a questão da
soberania e os recursos naturais:
“Outro aspecto da decisão envolvendo valores na alocação dos poderes a políticaglobal com objetivos de orientação é um problema a ser considerado.Particularmente para fins econômicos, por exemplo, um sistema legal que puderprover com clareza, segurança, e previsibilidade será importante, particularmentequando a temática envolver milhões de empresários, bem como parcela do mercado(...).”299
Por esse prisma, pode-se constatar no mundo contemporâneo a formação de duas
posições antagônicas relacionadas ao meio ambiente: a formação de uma disciplina jurídica
de Proteção dos Investimentos Estrangeiros e o próprio Direito Ambiental.
Relativamente à Proteção Jurídica dos Investimentos Estrangeiros, sua origem
remonta a decisões pautadas para a proteção da propriedade de estrangeiros contra
expropriações promovidas em tempo de paz.300 A partir da década de 1950, com a
desmontagem do sistema colonialista, as nacionalizações e a adoção da via socialista por alguns
países,301 a proteção internacional do investimento passou a merecer maior guarida legal.
Apesar das várias tentativas, como o Acordo Multilateral sobre Investimentos
(MAI), fato é que não se erigiu um sistema internacional de proteção do investimento
estrangeiro. Sobre o tema, temos a observação de Roberto de Almeida:
“Trata-se de vasto campo de trabalho na atual agenda econômica multilateral, onde sediscute a institucionalização, desde o estabelecimento do ICSID e da MIGA, de umúnico instrumento internacional suscetível de tratar, de maneira integrada, dos diversosaspectos do investimento direto estrangeiro: admissão, modalidades de tratamento,proteção e garantias contra atos abusivos e expropriação e solução de controvérsias.
299 JACKSON, Jonh H. Sovereignty, the WTO, and changing fundamental of international law. Cambridge:
Cambridge University Press, 2006. p. 120. Tradução livre.300 Vide os casos líbios de nacionalização de recursos naturais.301 Principalmente na África.
130
Depois dos agitados debates ocorridos nos anos 1960, a propósito do Acordo sobreGarantia de Investimentos com os Estados Unidos, o Brasil recém começou arenegociar acordos bilaterais de promoção e proteção recíproca de investimentosestrangeiros com países selecionados, hesitando ainda entre patrocinar um acordomultilateral no âmbito da OMC ou associar às discussões então em curso na OCDEpara a elaboração de um MAI (o processo foi descontinuado desde 1998). Ashesitações se deveram às possíveis limitações e condicionalidades de um instrumentoabrangente nessa área em termos de sua autonomia em fixar certas regras de políticacomercial e industrial, como ficou evidenciado a propósito da medida provisória sobreincentivos à indústria automotiva no Brasil, acusada de violar princípios básicos doAcordo sobre Medidas de Investimento ligadas a Comércio (TRIMs).”302
A questão reveste-se de profunda atualidade, uma vez que voltamos nossos olhos
para as relações internacionais de forma geral e, em particular, pelo contencioso estabelecido
entre a Bolívia e o Brasil, em relação às nacionalizações da indústria do petróleo no planalto
andino. A crise com a Bolívia reside no fato de que contratos legitimamente firmados com
governos anteriores não estão sendo respeitados, gerando uma crise na segurança das relações
jurídicas, com reflexos na matriz energética brasileira. É de relevo notar que a Petrobrás,
sociedade de economia mista, com ações cotadas em Wall Street, é o epicentro desse episodio.
O Brasil não é signatário do acordo Miga (Multilateral Investment Guarantee
Agency), que dá proteção ao investimento estrangeiro, tanto domesticamente quanto no
exterior. Todavia, a Petrobrás optou por estabelecer uma holding na Holanda (B.V.), que é
detentora de seus investimentos na Bolívia e se encontra ao abrigo da Miga, podendo solicitar,
se for o caso, a arbitragem desse órgão.
Como visto, o conflito entre a propriedade privada e os recursos naturais, frente à
escassez, está tomando relevo na contemporaneidade e é de se refletir se novos eventos dessa
natureza se repetirão, e quais medidas de proteção efetiva poderão ser adotadas com o
propósito de contenção.
4.5.2 Princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais
No plano da comunidade internacional, os Estados se relacionam por
equivalência, participando de organizações e de foros das mais variadas naturezas, cujo
302 ALMEIDA, Paulo Roberto de. Relações internacionais e política externa do Brasil. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2004.
131
conteúdo será o mais diverso possível quanto mais forem desenvolvidas as relações
econômicas.
Em uma sociedade globalizada, as interferências e interconexões criam
influências recíprocas de um Estado para outro, de uma organização internacional em outro
Estado, enfim, em uma cadeia de comunicação cujo vetor é a opinião pública mundial.
O ambiente aonde foi demarcada a Resolução n. 1.803 das Nações Unidas era o
início da Guerra Fria, da descolonização, da formação do bloco dos países não alinhados.
Naquela quadra, não se poderia imaginar o desmanche do sistema socialista internacional em
1991,303 iniciado a partir da queda do Muro de Berlim em novembro de 1989; a estagnação
dos países latino-americanos304 e dos países africanos, conformando um ambiente diverso do
havido em 1960.
Para os países em desenvolvimento, já não era possível, frente à crise do
endividamento, ao fim da era do mundo bipolar e à transformação radical do mundo, sustentar
com igual rigor o princípio da soberania sobre seus recursos naturais por causa da crescente
pressão internacional.
Cumpre notar que a partir de 1933, com a instituição da Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo, houve uma ruptura com o pensamento sociológico
importado, deixando a intelligentsia brasileira de ser um departamento ultramarino da
América do Norte e da Europa para formar um pensamento das ciências sociais nacional.
Assim, foram estabelecidas as bases para a constituição de um novo paradigma sociológico,
que encontra sua expressão maior na elaboração da teoria da dependência, que possui um viés
marxista e foi formulada a partir dos anos 1950, ganhando relevo no órgão da Comissão
Econômica da América Latina e Caribe (Cepal) no Chile, explicando uma visão das relações
internacionais de mundo de forma singular.
303 Desmanche da União Soviética. Para um aprofundamento do tema, recomendamos a leitura do artigo de
Fukuyama com o título “The end of history”, que apareceu em 1989 na revista norte-americana The NationalInterest. Em 1992, Fukuyama lançou o livro The end of history and the last man, editado no Brasil com o títuloO fim da história e o último homem. Tradução de Aulyde Soares Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
304 Esse período ficou conhecido como “a década perdida”.
132
Por essa teoria, os Estados estariam divididos entre as potências centrais e as
periféricas. Entre as primeiras, encontravam-se os países desenvolvidos ou imperialistas,
acumuladores de riquezas e importadores de matéria-prima, e exportadores de produtos
acabados que se apropriavam da mais valia gerada nessa divisão internacional do trabalho; no
segundo grupo, os países subdesenvolvidos e explorados, fornecedores de seus recursos
naturais, insumos e mão-de-obra barata. Essas assimetrias econômicas expressariam o sistema
capitalista e seu poderio econômico. Essa teoria, apesar de possuir formulações profundas e
lúcidas, foi sendo abandonada a partir da década de 1960/1970 porquanto países do sudoeste
asiático, por meio de um processo suis generis, romperam os limites de dominação
econômica, desenvolvendo uma base tecnológica própria, a partir de um rígido sistema
educacional, e uma forte presença do Estado.
Tendo em vista a aceleração do processo de globalização ocorrido a partir da
década de 1980, alicerçado em uma base tecnológica que transformou a economia mundial,
estabelecendo conexões entre os atores do sistema capitalista, surgiu daí um novo paradigma,
o da interdependência.
Essa nova formação capitalista traz à evidência os novos players, evidenciando o
poder político e econômico das empresas transnacionais, e a interconexão política,
econômica, social, técnica e cultural estabelecida na arena internacional, que sai do controle
dos governos fragmentando o Poder Público, determinando em última instância uma nova
observação, do ponto de vista jurídico, da questão da soberania.
Mais a mais, tivemos a incidência, na ordem internacional, da formação do
Consenso de Washington, 305 que limitou as ações de sustentabilidade dos países em relação
aos seus recursos naturais, reduzindo a iniciativa deles em sustentar uma estratégia defensiva
em relação ao meio ambiente. Isso relativizou o princípio ora em comento, bem como a
própria noção de soberania, conforme dispõe Bobbio:
“A plenitude do Poder estatal se encontra em seu ocaso: trata-se de um fenômenoque não pode ser ignorado. Com isto, porém, não desaparece o poder, desapareceapenas uma determinada forma de organização do poder, que teve seu ponto deforça no conceito político-jurídico de soberania. A grandeza histórica deste conceito
305 Williamson criou a expressão “Consenso de Washington” em 1990, que se constitui em dez medidas
recomendadas para tirar os países da crise do endividamento. Entre elas, a privatização das empresas estatais;e abertura dos mercados para os estrangeiros.
133
político-jurídico consiste em haver visado uma síntese entre poder e direito, entre oser e o dever ser, síntese sempre problemática e sempre possível, cujo objetivo era ode identificar um poder supremo e absoluto, porém legal, é o de buscar aracionalização, através do direito, deste poder último, eliminando a força dasociedade política (...)”.306
4.5.2.1 Um necessário parêntese
Os mais severos críticos afirmam que os interesses vitais das nações estão sendo
gradativamente transferidos para outros centros de poder, afastando a opinião pública e o
eleitorado do centro das decisões e afetando a soberania.
Um dos maiores expoentes dessa corrente é o conhecido advogado norte-
americano Ralph Nader,307 que em vários de seus pronunciamentos tem-se colocado contra as
organizações internacionais,308 por considerar que ocorre uma concentração do poder real309
na mão de alguns poucos, afetando diretamente o mecanismo de representatividade do regime
democrático, que desconhecem a macropolítica dessas organizações.
Um exemplo dessa atuação de Nader é uma carta aberta a Gro Brundtland310 na
qual denuncia a política reducionista da OMS, que, segundo ele, em vez de combater os males
que atingem a sociedade, como malária, tuberculose, tabagismo, teve seu papel reduzido à
promoção de medicamentos genéricos.
306 BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: Editora UnB, 1998.307 Defensor dos direitos do consumidor, foi várias vezes candidato à presidência dos Estados Unidos, e
atualmente é um dos expoentes do movimento antiglobalização.308 Vide comentários em capítulos anteriores sobre as organizações internacionais.309 No quadro institucional de proteção internacional do ambiente, contam-se outras OI’s, universais e regionais.
Algumas delas não têm como principal ou única preocupação a proteção do ambiente, embora a mesma nãoesteja incluída na sua atividade. É o caso, nomeadamente, da Organização Marítima Internacional (OMI), daOrganização Mundial de Saúde (WHO), Organização de Alimentação e Agricultura (FAO), da OrganizaçãoMeteorológica Internacional (WMO) e do Grupo Banco Mundial. Como vimos anteriormente, tal grupoadotou explicitamente um mandato de desenvolvimento sustentado, tendo este sido incorporado nosrespectivos manuais de procedimento e políticas operacionais e boas práticas. O direito ao ambiente é aindarelevante em organizações como a OCDE e a Nato (Otan). Na Europa, as preocupações ambientais sentem-sena Comunidade Européia, no Conselho da Europa, na OSCE.MACHADO, Jonatas E. M. Direito internacional. Do paradigma clássico pós-11 de setembro. 2. ed.Coimbra: Coimbra Editora, 2005. p. 490.
310 Gro Harlem Brundtland, defensora do desenvolvimento sustentável e ex-primeira-ministra da Noruega e ex-diretora-geral da Organização Mundial da Saúde.
134
De fato, pode-se verificar uma transferência do poder constituído de forma
horizontal, ou seja, dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, formadores do Estado
moderno e republicano, para um eixo que transcende esse vértice, dispondo de forma vertical
um Poder que contrasta com a soberania tradicional, advinda da concepção do Estado-nação.
Outro fenômeno que se encontra em profusão é a constituição de organizações
não-governamentais, também conhecidas pelo acrônimo ONG,311 cuja natureza jurídica é de
associações do terceiro setor, da sociedade civil, com finalidades públicas e sem fins
lucrativos. São instrumentos utilizados pela sociedade civil organizada que pertencem a atores
não-governamentais, que também disputam a opinião pública nos diversos setores da
atividade humana.
Na atualidade as ONGs possuem enorme poder de persuasão, como é o caso, por
exemplo, da Oxfam,312 do Greenpeace,313 entre outras.
As ONGs são um fenômeno relativamente recente e têm sido utilizadas com
diferentes objetivos. Todavia, algumas delas têm servido a propósitos escusos, utilizadas
como cobertura para biopirataria, conforme se noticia em alguns casos,314 pirataria, coleta de
informações, influência junto à opinião pública, entre outros.
De boa memória, vale relembrar o caso da organização “Arco Íris”, fundada na
Alemanha no apogeu da Guerra Fria, que juntava em seu entorno milhões de pacifistas que se
opunham a um conflito nuclear e que era composta, inclusive, por influentes militares da
reserva da República Federal da Alemanha. Com a queda do Muro de Berlim,315 Markus
Wolf,316 o antigo chefe da espionagem alemã oriental, revelou que o movimento pacifista
Arco Íris era controlado pela Stasi,317 causando verdadeiro escândalo na sociedade alemã.
311 As ONGs complementam o trabalho do Estado, realizando ações onde ele não consegue chegar, recebendo
financiamentos e doações dele e também do setor privado.312 Oxfam GB é uma ONG que trabalha com diversos setores combatendo a miséria e a pobreza no mundo. Vide
<http://www.oxfam.org.uk/about_us/index.htm>.313 O Greenpeace é uma organização não-governamental voltada à proteção do meio ambiente. Maiores
informações, vide <http://www.greenpeace.org.br/quemsomos/quem.phpa>.314 Vide caso do registro da marca de fruta brasileira no Japão, o açaí.315 O Muro de Berlim foi derrubado em 9 de novembro de 1989 pondo fim ao regime autoritário e
transformando profundamente as relações mundiais.316 Vide o livro: WOLF, Markus. O homem sem rosto. Rio de Janeiro: Record, 1997.
135
Assim, ao lado das organizações internacionais, as ONGs têm deslocado as
decisões do centro político dos países soberanos, e vêm afetando noções jurídicas de
soberania, criando uma dispersão de poder do centro para a periferia, aliada à crise
institucional pela qual os ordenamentos jurídicos positivos têm passado,318 vez que não
conseguem solucionar os problemas surgidos com a globalização.
4.6 DIFUSÃO JURÍDICA INTERNACIONAL
Outra ocorrência observada na esfera internacional é a profusão de atos e acordos
internacionais que constituem a base do acervo jurídico internacional das Nações Unidas.319
Desde 14 de dezembro de 1946 até outubro de 2005, os acordos e tratados registrados e
publicados no Secretariado da ONU, conforme art. 102 da Carta das Nações Unidas, contêm
mais de 158 mil tratados, catalogados em mais de 2 mil volumes.
A anterior Liga das Nações320 possui registros que se iniciam em 5 de julho de
1920 até outubro de 1944, o que perfaz um total de somente 205 volumes Portanto, o
contraste demonstra a profusão de atos e tratados internacionais, gerando o que vulgarmente
se denomina inflação jurídica, ou seja, a existência de profusão de tratados internacionais, o
que acaba por resultar, inclusive, em uma instabilidade do sistema jurídico internacional.
4.7 MATRIZ DAS MEDIDAS COMERCIAIS CONTIDAS NOS DETERMINADOS
ACORDOS MULTILATERAIS SOBRE O MEIO AMBIENTE321
A inter-relação entre comércio e meio ambiente já foi constatada ao longo deste
capítulo, havendo que “a necessidade de harmonização entre as duas áreas – tendo em vista o
317 Serviço secreto de espionagem da Alemanha Oriental.318 Para se aprofundar neste tema, recomendamos a leitura da obra do eminente jurista Eduardo Farias. Direitos
humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 2002; O direito na economia globalizada. SãoPaulo: Malheiros, 2002; KUNTZ, Rolf; FARIA, José Eduardo. Qual o futuro dos direitos? São Paulo: MaxLimonad, 2002.
319 Consultado em março de 2007. Vide <http://www.un.org/>.320 Vide SEINTENFUS, Ricardo. Manual das organizações internacionais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2005. p. 103 e segs.321 Matriz das Medidas Comerciais Contidas nos determinados Acordos Multilaterais sobre o Meio Ambiente –
documento do CTE, 2005. Para maiores informações, visite o sítio eletrônico <WT/CTE/W/160/Rev.3>.
136
desenvolvimento sustentável – ficando clara a partir dos resultados da CNUMAD –
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio/92)”.322 A
harmonização do texto foi a matriz que a seguir, de forma sumarizada, passamos a expor.
4.7.1 Acordo Internacional para a Proteção dos Vegetais (CIPF)323
• Objetivo: Proteção fitossanitária
• Proteção ao cultivo de flora silvestre
• Evitar barreiras fitossanitárias
• Partes – 132
• Membros da OMC – Das partes da CIPF, 108 são membros da OMC
• Brasil – Signatário da CIPF/79
• Obs. – O Brasil não firmou a CIPF/97
4.7.2 Convenção Internacional para Conservação do Atum no Atlântico (ICCAT)324
• Objetivo: Conservação do atum no oceano Atlântico e mares
adjacentes
• Partes – 39 partes
• Membros da OMC – Das partes, 32 são membros da OMC
• Brasil – Signatário da ICCAT
4.7.3 Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora
Selvagens em Perigo de Extinção (Convenção Cites)325
• Objetivo – Conservação das espécies ameaçadas da fauna e flora
• Partes – 74 partes
• Membros da OMC – Das partes da Cites, 68 são membros da OMC
• Brasil – Signatário da Cites
322 LEÃO, Márcia Brandão Carneiro. Comércio internacional e proteção global ao meio ambiente, p. 63.323 <http://www.ippc.intEste>.324 <http://www.iccat.org>.325 <http://www.cites.org>.
137
4.7.4 Convenção sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos
(CCRVMA)326
• Objetivo – Proteção do ecossistema marinho do Antártico
• Conservação dos recursos na zona da Convenção
• Partes – 32 partes
• Membros da OMC – Das partes da CCRVMA, 29 são membros da
OMC
• Brasil – Signatário da CCRVMA
4.7.5 Convenção de Viena sobre a Camada de Ozônio e Protocolo de Montreal (PM)
sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio327
• Objetivo – Proteção da camada de ozônio
• Partes – 189
• Membros da OMC – Das partes da Convenção, 145 são membros da
OMC
• Brasil – Signatário da Convenção de Viena e do Protocolo de Montreal
Obs. O Brasil firmou a “Emenda de Londres”, “Emenda de Copenhague”,
“Emenda de Montreal” e a “Emenda de Beijing”.
4.7.6 Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de
Resíduos Perigosos e Seu Depositário328
• Objetivo: Redução dos movimentos transfronteiriços de resíduos
perigosos
• Redução da dimensão de resíduos perigosos
• Manejo ambientalmente racional dos resíduos perigosos
• Partes – 163
• Membros da OMC – Das partes da Convenção de Basiléia, 130 são
membros da OMC
326 <http://www.ccamlr.org>.327 <http://www.cites.org>.
138
• Brasil – Signatário da Convenção da Basiléia
Obs. O Brasil não firmou a “Emenda sobre Proibições” e o “Protocolo de
Indenizações”.
4.7.7 Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)329
• Objetivo – Conservação da diversidade biológica e a utilização
sustentável de seus componentes
• Partes – 188 partes
• Membros da OMC – Das partes da CDB, 143 são membros da OMC
• Brasil – Signatário da CDB
4.7.8 Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança da Convenção sobre Diversidade
Biológica330
• Objetivo – Garantir um nível adequado de proteção aos organismos
vivos modificados geneticamente
• Partes – 111 partes
• Membros da OMC – Das partes do Protocolo, 90 são membros da OMC
• Brasil – Signatário do Protocolo de Cartagena
4.7.9 Convenção sobre Mudanças Climáticas (CMNUCC)331
• Objetivo – Estabilização das concentrações de gases que produzem o
efeito estufa a um nível que impeça interferências perigosas ao sistema
climático
• Partes – 189 partes
• Membros da OMC – Das partes da CMNUCC, 144 são membros da
OMC
• Brasil – Signatário da CMNUCC
328 <http://www.basel.int/>.329 <http://www.basel.int/>.330 <http://www. Biosdiv.org/biosafety/>.331 <http://www. Unfcc.int/>.
139
4.7.10 Protocolo de Kyoto332
• Objetivo – Redução da emissão de gases causadores do efeito estufa
• Partes – 132 partes
• Membros da OMC – Do Protocolo, 108 partes são membros da OMC
• Brasil – Signatário do Protocolo de Kyoto
4.7.11 Convenção Internacional sobre Madeiras Tropicais (CIMT)333
• Objetivo – Exploração sustentável das madeiras tropicais
• Partes – 59 partes
• Membros da OMC – Das partes da CIMT, 57 são membros da OMC
• Brasil – Signatário da CIMT
4.7.12 Convenção de Roterdã sobre o Procedimento de Consentimento Prévio
Informado para o Comércio Internacional de Certas Substâncias Químicas e
Agrotóxicos Perigosos (PIC)334
• Objetivo: Proteção da saúde humana e do meio ambiente em razão da
comercialização de produtos químicos perigosos
• Restrição à exportação dos produtos
• Partes – 80 partes
• Membros da OMC – Das partes da PIC, 68 são membros da OMC
• Brasil – Signatário da PIC
4.7.13 Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs)335
• Objetivo – Eliminar os poluentes orgânicos no meio ambiente
• Partes – 93 partes
332 <http://www. Unfcc.int/>.333 <http://www.itto.org.jp>.334 <http://www.pops.int/>.335 <http://www.pops.int/>.
140
• Membros da OMC – Das partes do POPs, 78 são membros da OMC
• Brasil – Signatário da Convenção de Estocolmo
141
4.7.14 A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar336
• Objetivo – Conservação sustentável da fauna marinha
• Partes – 52 partes
• Membros da OMC – Das partes da Convenção, 40 são membros da
OMC
• Brasil – Signatário da Convenção
4.8 OBSERVAÇÕES ULTIMADAS
Permanece como um verdadeiro paradigma a profunda interconexão entre a
expansão do comércio internacional e o meio ambiente e, como conseqüência, o aquecimento
global. As incompatibilidades, sejam de caráter econômico ou político, demonstram-se por
meio do que se convencionou denominar conflito Norte-Sul. As externalidades do modelo
econômico, fato inquestionável, vêm afetando negativamente o meio ambiente, gerando
impactos ambientais de proporções irreversíveis.
Todavia, em razão dos riscos envolvidos, já não se trata mais de disputa
intercapitalista; ao contrário, sua real dimensão diz respeito à sobrevivência da biodiversidade
do planeta.
A sociedade internacional estava estarrecida com a industrialização da morte e da
banalização do mal. E a fim de evitar que tragédias similares viessem a ocorrer no futuro, em
1948 foi editada a Carta de São Francisco, que estabeleceu os marcos do que viria a ser
conhecido como direitos humanos de primeira e segunda dimensão.
Com base nessas disposições legais, a ONU, ao largo dos anos, tem interferido
nas denominadas crises humanitárias, como foi o caso de Kosovo, Canal de Suez, Dafur, Haiti
e tantas outras que aqui não foram referidas.337
336 <http://www.un.org/Deps/los/convention_iverview_fish_stocks.htm>.337 Carta da ONU nos artigos que permitem a interferência em assuntos de outros Estados soberanos:
“Article 41: The Security Council may decide what measures not involving the use of armed force are to beemployed to give effect to its decisions, and it may call upon the Members of the United Nations to applysuch measures. These may include complete or partial interruption of economic relations and of rail, sea, air,postal, telegraphic, radio, and other means of communication, and the severance of diplomatic relations.
142
A este turno, compete elaborar uma indagação: Em caso de uma crise ambiental
que poderia, em tese, colocar em risco a sobrevivência das espécies, tendo em vista o
deslocamento da soberania e de poderes para uma verticalidade, não teria a ONU ou outra
organização internacional o poder de interferência? Ou mesmo uma outra questão, a
preservação da biodiversidade não seria dever-direito de uma soberania compartilhada?338
Ao teorizar sobre as vertentes futurísticas do Estado, Dallari lega-nos a seguinte
lição:
“As predições irão perdendo o seu caráter responsável, e seu grau de possívelcerteza irá diminuindo à medida que se forem referindo a períodos cada vez maisdistanciados no tempo. Assim, quanto ao futuro remoto só é possível uma conjeturade caráter bastante genérico, uma vez que ainda não existe a realidade contendo abase das tendências que irão determinar imediatamente o futuro longínquo. (...) Oexame da realidade presente e das tendências fundamentais que nela podem sercaptadas permite a indicação de quatro futuríveis do Estado:1ª a integração crescente do povo nos fins do Estado;2ª a racionalização objetiva da organização e do funcionamento do Estado,implicando formas autoritárias de governo;3ª a homogeneização relativa dos Estados;4ª orientação predominantemente nacionalista.Essas características, em parte já perfeitamente definidas e, numa visão generalizadado Estado, claramente reveladas como tendências, deverão definir o Estado numfuturo mais ou menos próximo, determinando todos os pormenores da constituição edo funcionamento dos Estados.”339
Não obstante a lição do mestre, na conclusão desta dissertação passar-se-á ao
encerramento do conjunto de idéias aqui apresentadas, porquanto a questão reveste-se de
aspectos ecológicos, políticos, econômicos, jurídicos e, sobretudo, de governança mundial.
Article 42: Should the Security Council consider that measures provided for in Article 41 would beinadequate or have proved to be inadequate, it may take such action by air, sea, or land forces as may benecessary to maintain or restore international peace and security. Such action may include demonstrations,blockade, and other operations by air, sea, or land forces of Members of the United Nations.”
338 “O secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco, reclamou nesta sexta-feira(16), em Potsdam, na Alemanha, na reunião de ministros de Meio Ambiente dos países do G-8 + 5, daausência, na agenda do encontro, do tema da repartição dos benefícios provenientes do uso do patrimôniogenético brasileiro e dos conhecimentos dos povos tradicionais. Longe de causar mal-estar, a fala deCapobianco provocou reações positivas. Os ministros da Alemanha e do Reino Unido apoiaram a intervençãodo brasileiro, concordando que a adoção do regime internacional de repartição deve constar de todas asdiscussões daqui por diante. Outro que deu seu apoio foi o diretor-executivo do Programa das Nações Unidaspara o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner, que veio ao Brasil no início de março informar-se sobre otrabalho do governo brasileiro, considerado por ele exemplar na redução de emissões de gases de efeitoestufa.” Para maiores informações vide <http://www.mma.gov.br/ascom/ultimas/index.cfm?id=3202>.Acesso em: 19 mar. 2007.
339 DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do estado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 191.
143
5
CONCLUSÃO
O presente trabalho analisou o Direito ao Desenvolvimento em suas dimensões
social, ambiental e institucional.
Conforme considerado no Capítulo 1, o capitalismo, a partir da década de 1970,
sofre profundas transformações, iniciando um novo ciclo econômico que resultou na
globalização, com efeitos nas esferas política, econômica, social, cultural, jurídica, entre
outras.
Neste diapasão, uma das ameaças de maior vulto trazida foi quanto à questão
ambiental. O crescimento desordenado da economia, no início desse fenômeno, acelerou a
exploração do meio ambiente, o que culminou em efeitos danosos que, embora precocemente
fossem passíveis de verificação, ganham maior atenção e urgência na contemporaneidade, por
causa da inércia dos agentes estatais.
Examinou-se, no Capítulo 2, a evolução da liberalização do comércio a partir da
OIC (Tratado de Havana), que, devido às contradições do capitalismo central, não se efetivou,
resultando daí a constituição do acordo GATT, que vigeu por quase 50 anos, e cujos legado e
princípios fundamentais vieram a constituir a base do sistema multilateral de comércio, que a
partir de 1995 passou a disciplinar o comércio mundial via a fundação de uma Organização
Internacional especializada, denominada OMC. Em seu acordo constitutivo, já em seu
preâmbulo, bem como em seu art. XX, a questão ambiental é ventilada.
A partir do Capítulo 3, observamos como se manifestou o processo de formação
do Direito Ambiental, analisado em quatro etapas distintas. O escopo foi o de examinar o
trajeto histórico do plano de proteção jurídica do meio ambiente, iniciando-se o objeto de
nosso estudo a partir da Revolução Industrial, e feito o percurso até os dias presentes. Após tal
dissecamento histórico, foi demonstrado o espectro da ciência jurídica do Direito
Internacional Ambiental e suas mais recentes indagações e preocupações, bem como os
144
marcos regulatórios e a tratadística existente com o exclusivo propósito de compreender a
efetividade da normatividade.
No último capítulo, foi tratada a problemática central na atualidade, que envolve a
adoção de medidas para estabilizar o meio ambiente, a partir da ótica do comércio
internacional. Vimos também que os especialistas têm chamado a atenção para os impactos
ambientais causados pela ampliação do consumo, quais sejam, o descarte do lixo industrial e
doméstico, a poluição das águas e dos ares, e, em contrapartida, a necessidade emergente de
recursos naturais dos países desenvolvidos, que os obtêm nos centros capitalistas periféricos,
os quais fornecem matérias-primas, afetando sua biodiversidade, os ecossistemas e os
recursos naturais, gerando a emissão de gases na atmosfera e lixo na biosfera. Vimos que o
resultado dessa atividade desordenada contribui, em última instância, para o aquecimento
global.
Cada ecossistema apresenta certa singularidade, como clima, solo, formação das
águas e da vegetação, flora e fauna, particularidades socioeconômicas e culturais. A
compreensão do correto manejo dessa biodiversidade, conforme demonstrado, é essencial
para conter o aquecimento global.
Porquanto todo o material científico que foi pesquisado, pode-se observar que, em
contraposição aos efeitos deletérios do aquecimento global, foi formada uma corrente
majoritária de pensamento, a qual afirma que os instrumentos legais existentes, se aplicados,
serão suficientes para conter o aquecimento global. A chamada piece de resistence seria a
Agenda 21, que, de forma extensiva, preleciona como globalmente e localmente poder-se-ia
aplicar o desenvolvimento sustentável, respeitando-se o meio ambiente, conjugando-o com o
progresso.
As especulações científicas prosseguem,340 e como o Deus da mitologia grega,341
Prometeu, que possuía o dom de predizer o futuro, o homem segue especulando sobre o
340 Em sentido contrário, de relevo observar a idéia de Mckibben, ao expressar:
“Isso irá requerer uma alteração social e tecnológica em larga escala, com investimentos de capital,financeiramente e politicamente, que impliquem em tais alterações. Mesmo se nos uníssemos nessa causa,não resolveríamos o problema: A Terra continuará a aquecer-se com constantes e terríveis, se nãocatastróficas, implicações (Há, deve ser acrescido, alguns cientistas que acham que nós já ultrapassamos alinha vermelha para uma possível recuperação da Terra e que já constatamos uma forma descontrolada deefeito estufa.” MCKIBBEN, Bill. 450 ways to stop Global Warming. In. Foreign Policy, Maio/2007.
145
amanhã, construindo hipérboles. E Júpiter, desejoso de punir Prometeu, ordena a Mercúrio
que o conduza ao Monte Cáucaso e o acorrente. Lá, todos os dias, por toda a eternidade, uma
águia, filha de Tifon e de Equidna, devora eternamente o fígado de Prometeu. E todas as
noites o fígado imortal de Prometeu se regenera, de modo que ele possa ser supliciado no dia
seguinte.
Em que pesem os argumentos retro-expostos, parece-nos haver um solipsismo
ambiental, eis que perpassado por um viés idealista. As normas e os tratados em vigor, em
face ao desafio ambiental que se prenuncia, não possuem elementos cogentes para sua
efetividade. Em sua maioria, trata-se de soft laws, de enunciação de princípios, que
efetivamente não poderão, ou não conseguirão, deter as conseqüências que se anunciam. Mais
a mais, os interesses comerciais constituirão uma barreira a sua aplicação e efetivação. Os
interesses corporativos e governamentais estão em disputa, e serão necessários instrumentos
efetivos para a contenção do aquecimento global, considerando uma imprescindível
multidisciplinariedade, que envolve áreas das ciências humanas, biológicas e exatas. Ou a
humanidade encontra meios e instrumentos que propiciem a contenção desse fenômeno, ou os
seres humanos abordarão a problemática a partir da adaptabilidade ao novo status do mundo,
ou ao que porventura restar.
Esses são os desafios do Direito do Comércio Internacional na
contemporaneidade em face do aquecimento global.
341 PUGLIESI, Marcio. Mitologia greco-romana: arquétipos dos deuses e heróis. São Paulo: Madras, 2005.
146
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