20
DESAFIOS PARA A EXPANSÃO DA OLERICULTURA URBANA E PERIURBANA FRENTE À ESCASSEZ E À QUALIDADE DA ÁGUA PARA IRRIGAÇÃO. Dr. Sebastião Wilson Tivelli 1 Desde que a população urbana mundial superou a população rural em 2000, agências internacionais de fomento a pesquisa e organizações não governamentais (ONGs) passaram a dar prioridade para pesquisas e projetos em hortas urbanas e periurbanas. Essa reação a urbanização mundial é sustentada pela insegurança alimentar e nutricional, pelo impacto econômico e social que essa transformação tem em populações de baixa renda. As hortas urbanas e periurbanas são vistas também como uma ferramenta que pode contribuir para o meio ambiente urbano. O objetivo desse texto é tratar exatamente da contribuição dessa atividade no meio ambiente urbano. Antes porém, vamos definir o que se entende por agricultura urbana e periurbana visto que a olericultura é uma importante parte desse todo. Posteriormente, será apresentado os diferentes tipos de hortas que há no meio urbano, suas principais características e desafios para a expansão. A agricultura urbana pode ser definada como o cultivo de plantas e a criação de animais dentro do perímetro urbano das cidades. Por sua vez, a agricultura periurbana pode ser definida como o cultivo de plantas e a criação de animais ao redor do perímetro urbano ou ao redor das cidades. O fato mais importante na agricultura periurbana que a diferencia da produção agrícola rural é que a primeira está integrada com a economia urbana e o meio ambiente das cidades. A agricultura urbana e periurbana estão encaixadas no ecossistema urbano e ativamente interage com esse. Por exemplo, a agricultura urbana e periurbana emprega trabalhadores que residem na área urbana das cidades, vende sua produção diretamente para o consumidor final nas cidades, tendo um importante papel no sistema de abastecimento de alimentos no meio urbano. Além disso, essa exploração agropecuária compete pela terra com outras atividades urbanas. 1 Pesquisador Científico I, Instituto Agronômico, Campinas/SP. e-mail: [email protected]

DESAFIOS PARA A EXPANSÃO DA OLERICULTURA URBANA …abhorticultura.com.br/eventosx/trabalhos/ev_1/PAL13.pdf · A horta doméstica pode contribuir para o meio ambiente urbano de diferentes

  • Upload
    vulien

  • View
    216

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

DESAFIOS PARA A EXPANSÃO DA OLERICULTURA URBANA E PERIURBANA FRENTE À ESCASSEZ E À QUALIDADE

DA ÁGUA PARA IRRIGAÇÃO.

Dr. Sebastião Wilson Tivelli1

Desde que a população urbana mundial superou a população rural em 2000, agências

internacionais de fomento a pesquisa e organizações não governamentais (ONGs) passaram

a dar prioridade para pesquisas e projetos em hortas urbanas e periurbanas. Essa reação a

urbanização mundial é sustentada pela insegurança alimentar e nutricional, pelo impacto

econômico e social que essa transformação tem em populações de baixa renda. As hortas

urbanas e periurbanas são vistas também como uma ferramenta que pode contribuir para o

meio ambiente urbano.

O objetivo desse texto é tratar exatamente da contribuição dessa atividade no meio

ambiente urbano. Antes porém, vamos definir o que se entende por agricultura urbana e

periurbana visto que a olericultura é uma importante parte desse todo. Posteriormente, será

apresentado os diferentes tipos de hortas que há no meio urbano, suas principais

características e desafios para a expansão.

A agricultura urbana pode ser definada como o cultivo de plantas e a criação de

animais dentro do perímetro urbano das cidades. Por sua vez, a agricultura periurbana pode

ser definida como o cultivo de plantas e a criação de animais ao redor do perímetro urbano

ou ao redor das cidades.

O fato mais importante na agricultura periurbana que a diferencia da produção agrícola

rural é que a primeira está integrada com a economia urbana e o meio ambiente das cidades.

A agricultura urbana e periurbana estão encaixadas no ecossistema urbano e ativamente

interage com esse. Por exemplo, a agricultura urbana e periurbana emprega trabalhadores

que residem na área urbana das cidades, vende sua produção diretamente para o

consumidor final nas cidades, tendo um importante papel no sistema de abastecimento de

alimentos no meio urbano. Além disso, essa exploração agropecuária compete pela terra

com outras atividades urbanas. 1 Pesquisador Científico I, Instituto Agronômico, Campinas/SP. e-mail: [email protected]

A interação da agricultura urbana e periurbana com as cidades é tão integrada que

essas acabam sendo influenciadas pelas políticas públicas e pelo plano de desenvolvimento

urbano. Para exemplificar a interelação com as políticas públicas podemos apresentar o

Projeto Hortalimento da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo

(SAA).

O Hortalimento é um projeto desenvolvido em 2005 pela SAA e que disponibilizou 76

estufas no ano seguinte, de 357 m2 cada, através de convênios com as prefeituras muncipais

paulistas e entidades sem fins lucrativos. Esse projeto visa a inclusão social de pessoas que

formam um expressivo contingente urbano e estão sofrendo com a insegurança alimentar a

margem da nossa sociedade urbana. Em 2007, a meta é oferecer 400 unidades de

produção. Um outro exemplo é a isenção dada pelas prefeituras de alguns municípios no

Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para aqueles proprietários que cultivem seu lote

ou permitam que alguém o faça. Em Piracicaba/SP, por exemplo, essa isenção no IPTU é de

50% em 2007.

No conceito da agricultura urbana e periurbana há uma importante pilastra com o meio

ambiente urbano porque os agricultores podem utilizar resíduos urbanos típicos como o lixo

orgânico e a água servida. No Brasil, o levantamento do índice global de reciclagem do lixo

urbano em 2005 apontou que 55% do lixo urbano brasileiro é composto de matéria orgânica.

Essa informação é divulgada periodicamente por uma instituição sem fins lucrativos

denominada Compromisso Empresarial Para Reciclagem – CEMPRE

(http://www.cempre.org.br). De acordo com a CEMPRE (Tabela 1), apenas aproximadamente

3% do lixo sólido orgânico urbano gerado no Brasil é reciclado (compostado), enquanto para

o lixo sólido seco urbano (lata de alumínio, papelão, pápeis, plásticos, etc.) esse índice é de

18%. Em Minas Gerais, onde o percentual de reciclagem é maior do que a média nacional

para o lixo sólido orgânico urbano, esse índice chega a 4%.

A reciclagem da água servida no meio urbano é um outro importante papel da

agricultura urbana e periurbana. Em Israel, por exemplo, a água servida dos Kibutzim é

utilizada para irrigação das lavouras que abastecem essas comunidades. Por meio de

sistemas de irrigação localizada e subterrânea, a água servida é controladamente

distribuídas pela plantação de fruteiras. E no Brasil, estamos preparados para isso?

Tabela 1. Levantamento do volume (em toneladas) e do índice global de reciclagem do lixo

urbano em 2005 por tipo de material reciclado (CEMPRE, 2007).

Tipo de Material Volume (ton) Índice de reciclagem

Papel de escritório (ofício branco) 882.400 49,5%

Papelão 2.237.000 77,4%

Plásticos (exceto PET) 290.000 20,0%

PET 174.000 47,0%

Alumínio (embalagens) 127.600 96,2%

Aço (embalagens) 160.000 29,0%

Vidro (embalagens) 390.000 46,0%

Longa Vida 40.000 23,0%

Pneus 127.000 58,0%

Orgânicos (compostagem) 843.150 3%

Fonte: Cempre Informa, n. 91, Janeiro/Fevereiro, 2007

Seguramente a resposta a essa pergunta é não. Com a inauguração da maior Estação

de Tratamento de Esgoto (ETE) do interior do estado de São Paulo em 02/02/2007, a ETE

Anhumas, Campinas passou a ter 65% da água servida (esgoto) gerada no meio urbano

tratada. Após seu tratamento, a água da ETE Anhumas retorna para o Córrego Anhumas,

afluente do rio Atibaia, que compoem a principal bacia hidrografia no abastecimento do

município.

Se não utilizamos o efluente das ETE’s, com que água estamos irrigando as

plantações urbanas e periurbanas? Em uma análise mais detalhada, encontramos na

agricultura urbana e periurbana culturas que conseguem se desenvolver apenas com a água

proveniente das chuvas, como é o caso do milho, feijão, quiabo, batata-doce e mandioca,

entre outras. A necessidade de água no cultivo da maioria das hortaliças não pode ficar

apenas por conta da chuva e por isso, é fundamental contar com uma outra fonte de água.

Assim sendo, a olericultura urbana e periurbana têm se abastecido de água proveniente de

cursos d'água, poços e da rede pública de água tratada.

Apesar do aumento que vem ocorrendo desde o ano 2000 no índice de tratamento do

esgoto urbano, a captação de água nos mananciais que passam por meio urbano precisa ser

feita com cuidado. Mesmo em regiões onde há o tratamento da água servida, não estamos

livre dos vazamentos acidentais causados por rompimento ou entupimento da rede de coleta

e afastamento do esgoto urbano. Portanto, a utilização da água desses cursos d’água

deveria ser evitada para a irrigação de hortaliças, especialmente as folhosas que são

consumidas “in natura”.

As hortas abastecidas por poços d’água de superfície também não estão livres dos

microorganismos presentes em águas servidas. Em muitas regiões do Brasil, o uso da fossa

negra é comum. Essa prática favorece a contaminação do lençol freático e essa

contaminação acaba chegando a água retirada dos poços. Resta a opção dos poços

artesianos, que são muito mais caros, pois buscam a água a centenas de metros de

profundidade. Além disso, estamos utilizando nessa opção uma água extremamente nobre

para esse fim. A água proveniente de poços artesianos nas regiões Sul e Sudeste do Brasil é

retirada do maior manancial de água doce subterrânea transfronteiriço do mundo – o

Aqüífero Guarani.

Seja pelo problema de contaminação dos mananciais e poços de superfície, ou pela

dificuldade de obter água de qualidade para a irrigação de hortas urbanas, um expressivo

número de hortas urbanas buscam a água que necessitam na rede pública dos municípios.

Essa solução seria interessante se os horticultores urbanos soubessem que essa água

precisa ficar de um dia para outro em um reservatório para eliminar o excesso de cloro. O

cloro presente na água tratada da rede pública pode ser prejudicial as plantas. Essa solução

seria interessante se não tivessemos os surtos de dengue, cujo mosquito pode usar o

reservatório de água das hortas urbanas para procriação. Essa solução seria interessante se

não estivéssemos usando uma água tão nobre para irrigação. A água doce utilizada da rede

pública de abastecimento urbano foi captada, tratada e distribuída, as vezes por dezenas de

quilometros, antes de chegar a horta urbana.

Ao utilizar a água encanada para irrigar hortas urbanas, estamos competido pela

mesma fonte de água que abastece de água potável a população urbana. Esse precioso

liquido é vital para a sobrevivência humana e está ficando cada dia mais escasso. Será que é

socialmente justo e sustentável a horta urbana ser irrigada com a água tratada da rede

pública?

A população brasileira vivendo em centros urbanos era de 82% do total ao final de

2005. Portanto, a situação brasileira é mais crítica do que a mundial no quesito urbanização.

Nas hortas urbanas e periurbanas predomina o uso da mão-de-obra familiar composta em

sua maioria por pessoas excluídas do processo social urbano, seja pela idade ou pelo grau

de escolaridade. Portanto, a produção de hortaliças no meio urbano cumpre seu papel social

e econômico oferecendo uma oportunidade de serviço e renda para essa imensa população

marginalizada no processo de urbanização. Contudo, até quando poderemos sustentar essa

política social no Brasil usando a água tratada da rede pública.

É verdade também que a horta urbana e periurbana constitue uma importante

ferramenta para diminuir a insegurança alimentar e nutricional das populações urbanas mais

carentes. Esse aspecto foi muito bem captado no projeto Horta Urbana de Santo Antônio do

Descoberto em Goías. Melo et al. (2005) constataram que as famílias envolvidas no projeto

do município de Santo Antônio do Descoberto incorporaram à dieta o consumo diário de

duas ou três diferentes hortaliças. Além dessa importante mudança alimentar, o interesse

pelo consumo ou venda das hortaliças que no início do projeto era de seis hortaliças, saltou

para 20 hortaliças após um ano de acompanhamento.

No meio urbano, a produção de hortaliças pode ser organizada de diferentes

maneiras. As hortas comunitárias e institucionais fazem parte das hortas urbanas, assim

como as hortas escolares, domésticas e pequenas hortas comerciais localizadas no

perímetro urbano dos municípios. Para cada uma delas há um enfoque importante e uma

solução inteligente para o problema da água com qualidade para irrigação.

A horta doméstica é geralmente a menor horta urbana entre todas existentes.

Geralmente, essa horta é cuidada por um membro da família e enriquece o cardápio familiar

atendendo 3 a 5 pessoas. Essa horta não visa lucro e em muitos casos funciona como um

hobby. Na Figura 1 apresentamos um exemplo de horta doméstica instalada na floreira de

um prédio em Piracicaba/SP. Essa horta geralmente ocupa pequenos espaços, podendo ser

instalada na floreira do apartamento, como exemplificado, ou em qualquer espaço do quintal

ou jardim. Mesmo quem não tem um centímetro quadrado de terra em sua casa ou

apartamento, pode ter uma horta doméstica. Para isso basta plantar em vasos, caixotes ou

qualquer outro recipiente.

FIGURA 1. Horta doméstica instalada na floreira do Edifício Paço de Sevilha em

Piracicaba/SP, com cenoura, alface e rabanete. (Foto: Tivelli, S. W., 1994)

A horta doméstica pode contribuir para o meio ambiente urbano de diferentes formas.

Primeiro, pode-se reutilizar embalagens de plástico e madeira que seriam jogadas fora para

servirem de “vaso” para essa horta. Essa opção é importante para quem têm pouco ou

nenhum espaço em casa para instalar uma horta. A segunda contribuição seria através da

reciclagem total ou parcial do lixo orgânico gerado pela família. O lixo denominado de úmido

ou orgânico, exceto o proveniente do banheiro (papel higiênico, fraldas, e etc), pode ser

compostado e passar a ser uma importante fonte de nutrientes para as plantas dessa horta

doméstica. Finalmente, a horta doméstica pode contribuir para reciclar a água servida da

residência. Por exemplo, pode-se usar a água utilizada para lavar as embalagens destinas à

reciclagem para esse fim.

Em resumo, a horta doméstica pode contribuir para diminuir o lixo gerado pela família,

aumentando a vida útil dos aterros sanitários municipais, e reciclar a água servida para que

essa não volte a contaminar os cursos d’águas. A reutilização de embalagens e a

compostagem do lixo orgânico favorecem o meio ambiente urbano, assim como a

reutilização da água servida. Portanto, o uso de água tratada da rede pública exclusivamente

para irrigação em hortas doméstica pode ser em muito reduzido.

As hortas escolares possuem um papel total diferente da horta doméstica. As hortas

escolares têm um papel fundamentalmente didático. O objetivo dessas hortas é expor as

crianças conceitos de biologia e matemática através de um método prático. Não resta dúvida

que uma criança terá maior interesse em comer aquilo que ela cuidou por algumas semanas.

Com isso, estamos auxiliando essas crianças a diversificar o seu cardápio numa época

importantíssima na formação do hábito alimentar. Finalmente, o produto colhido na horta

escolar pode enriquecer e diversificar a merenda escolar.

Independentemente do tamanho ou do capricho de uma horta escolar, essa sempre

cumpriu o seu papel didático. Falta ainda em muitos casos, aproveitar a horta escolar para

ensinar as crianças conceitos de reciclagem e preservação do meio ambiente. Na horta

escolar pode e deve ser trabalhado o conceito de reciclagem do lixo orgânico e da

reciclagem da água. No caso específico da reciclagem da água, pode-se trabalhar com a

reciclagem da água da chuva ao invés de trabalhar com a água servida da escola. Isso visa

minimizar os riscos que estaremos expondo essas crianças quando manusearem a água. Na

escola, a água da chuva pode ser armazenada em cisternas, devidamente protegidas para

ninguém cair dentro. Em algumas regiões brasileiras, a necessidade de usar a água tratada

da rede pública de abastecimento para irrigação pode ser eliminada com essa prática.

As Figuras 2 e 3 trazem exemplos de hortas escolares onde a preocupação com o

meio ambiente urbano poderia ser estimulada. Dependendo da escolaridade das crianças, a

compostagem pode ser utilizada para exemplificar conceitos biológicos (como o ciclo do C e

N) e o final do ciclo das plantas pode ser usado de uma maneira lúdica para ensinar as

crianças sobre a morte. Há tantas possibilidades que poderíamos escrever um texto só sobre

isso. Por exemplo, imagine relacionar os problemas de enchentes no meio urbano com a

estocagem e utilização da água das chuvas para irrigar a horta doméstica.

FIGURA 2. Horta escolar em escola municipal do município paulista de Taquarituba. (Foto:

Tivelli, S. W., 1997)

FIGURA 3. Horta escolar no CEMEI Christiano Osório de Oliveira, em Barão Geraldo,

Campinas/SP. (Foto: Tivelli, S. W., 2005)

Em suma, a horta escolar têm um importante papel didático para as crianças e pode

ser ferramenta importante na formação do hábito alimentar desses consumidores. As hortas

escolares podem ser utilizadas para melhorar o meio ambiente urbano através da reciclagem

do lixo orgânico gerado pela escola e do reaproveitamento da água das chuvas. Finalmente,

as hortas escolares podem agregar valor na formação dessas crianças através da educação

ambiental.

Hortas institucionais fazem parte do meio urbano e periurbano das cidades brasileiras.

As hortas institucionais são aquelas mantidas por entidades com a Associação de Pais e

Amigos dos Excepcionais (APAE) e Associação dos Alcoólatras Anônimos (AAA), abrigos

para crianças protegidas pelo Estatuto da Criança e Adolescente, hospitais e clínicas de

recuperação de pacientes em tratamento psicológico e de drogados. Enfim, hortas

institucionais atendem um variado grupo de cidadãos, de diferente idades e classes sociais.

Apesar da diversidade do público atingido pelas hortas institucionais, o seu objetivo é

muito bem definido. Uma horta institucional não visa lucro econômico. O principal objetivo

das hortas institucionais é servir de terapia ocupacional e de ressocialização para os autores

de cada grupo. Nas Figuras 4 a 6 são apresentadas algumas hortas institucionais, as quais

atendem a um distinto público.

A horta institucional pode perfeitamente trabalhar com a reciclagem de lixo orgânico,

reutilização de embalagens, reciclagem da água das chuvas e dependendo do grupo

atendido e do estágio de tratamento, até reutilizar água servida dos refeitório. Portanto, as

hortas institucionais podem também colaborar para melhorar o meio ambiente urbano.

A horta institucional da APAE mostrada na Figura 4 está localizada na ETE Vó Pureza

de Campinas/SP. A área foi sedida para essa Associação pela empresa Sociedade de

Abastecimento de Água e Saneamento S. A. (SANASA) para que os alunos da APAE fossem

atendidos. Esses alunos mantem uma horta e um viveiro de produção de mudas de

hortaliças e árvores nativas. As mudas de hortaliças são usadas para abastecer outras

hortas institucionais e comunitárias de Campinas/SP, como a horta do Centro de Sáude do

Jardim Conceição (Figura 5). As mudas de árvores nativas ajudam no reflorestamento da

mata ciliar dos córregos do município. Portanto, nesse exemplo específico, a horta

FIGURA 4. Horta institucional da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE)

localizada em terreno anexo à Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Vó Pureza no Jardim

Santa Mônica, em Campinas/SP. (Foto: Tivelli, S. W., 2005)

FIGURA 5. Horta institucional do Centro de Saúde do Jardim Conceição em Campinas/SP

mantida pela Associação dos Alcoólatras Anônimos (AAA). (Foto: Tivelli, S. W., 2005)

FIGURA 6. Horta institucional do Centro de Horticultura do Instituto Agronômico, de

Campinas/SP, recebendo a visita de alunos da APAE de Paulínia. (Foto: Tivelli, S. W., 2006)

institucional da APAE contribui de várias maneiras para melhorar o meio ambiente urbano de

Campinas/SP.

Em resumo, hortas institucionais atendem a variados grupos de pessoas que vivem no

meio urbano, mas não tem a finalidade de reduzir a insegurança alimentar dessas pessoas.

O seu principal objetivo é servir de terapia ocupacional. Hortas institucionais podem

auxiliarem o meio ambiente urbano com a reciclagem do lixo orgânico, a reutilização de

embalagens e a reciclagem da água das chuvas, sendo esse último seu maior desafio.

Um outro tipo de horta que pode ser encontrada na área urbana e periurbana dos

municípios brasileiro é a horta comunitária. A horta comunitária é cuidada por um grupo de

pessoas que geralmente estão ligados entre si por serem parentes, amigos ou vizinhos. Esse

grupo de pessoas cuidam da horta em multirão, onde cada ator tem uma função pré-

estabelecida. Exemplos de hortas comunitária são mostradas nas Figuras 7 e 8.

As hortas comunitárias estão localizadas próximas do local de moradia das pessoas

que nela trabalham. Essas hortas podem ocupar áreas públicas cedidas pela prefeitura

municipal ou pelas concessionárias de energia, quando instaladas abaixo das redes de

transmissão.

FIGURA 7. Horta comunitária no município de Amparo/SP. (Foto: Tivelli, S. W., 2006)

FIGURA 8. Horta comunitária no município de Coronel Sapucaia/MS, (Foto:

www.prefeituracoronelsapucaia.com/horta)

A finalidade da horta comunitária é gerar trabalho, renda e minimizar a insegurança

alimentar das famílias que nela trabalham. Os tratos culturais que qualquer horta requer

serve para dar ocupação à pessoas do grupo que estejam temporariamente desempregadas.

As hortaliças produzidas na horta comunitária podem enriquecer e variar o cardápio das

famílias envolvidas. A geração de renda nessa atividade é proporcionada pela venda dos

excedentes da produção.

O meio ambiente dos municípios é favorecido pelas hortas comunitárias. Ao ocupar os

vazios urbanos, as hortas comunitárias protegem essas áreas evitando o crescimento do

mato. A horta comunitária evita que terrenos e áreas urbanas acabem servindo de depósito

de lixo, e conseqüentemente, sirva de criatório para ratos, baratas e o mosquito da dengue.

O meio ambiente urbano é visualmente favorecido.

Hortas comunitárias podem auxiliar o meio ambiente urbano na reciclagem de

resíduos orgânicos gerados pelo município. A compostagem de lixo orgânico no Brasil é

incipiente, como apresentado anteriormente. Nas hortas comunitárias tem crescido a

compostagem feita com resíduos gerados pelas prefeituras ao cuidar da limpeza e

manutenção de parques e jardins. Os restos vegetais gerados pelo corte de grama e poda de

árvores serve de matéria prima para a compostagem. Porém, a prefeitura precisa levar até

os locais onde estão as hortas para que esses resíduos sejam aproveitados.

O apoio a formação de hortas comunitários é de interesse das prefeituras, pois pode

atender diferentes programas de governo. Geralmente, a prefeitura municipal aciona diversas

secretarias nessa ação para a criação, desenvolvimento e manutenção das hortas

comunitárias. Uma quantia razoável de recursos humanos e financeiros são investidos nessa

área todos os anos. Porém, esse assistencialismo social tem se mostrado um desastre, pois

poucas são as hortas comunitárias que sobrevivem após a retirada do aporte financeiro que

as prefeituras fazem.

O insucesso nessas ações das prefeituras estão relacionados basicamente com uma

característica muito peculiar das atividades dos horticultores. Qualquer pessoa podem ser

ensinada a fazer e cuidar de uma horta, mas se essa pessoa não tiver amor pelo o que está

fazendo, não terá sucesso nessa área. Portanto, para ser horticultor é fundamental que a

pessoa goste do que está fazendo. Nesse aspecto, o programa de horta comunitária de

muitas prefeitura é falho, e portanto, a seleção de pessoas para participar dessas ações de

governo consititui-se em um importante desafio.

As hortas comunitárias geralmente não colaboram com o meio ambiente urbano em

relação a reciclagem da água das chuvas ou a reutilização de águas servidas, sendo esses

importantes desafios para a expansão dessa atvidade. Em razão do local em que as hortas

comunitárias são instaladas e de seu tamanho, a coleta e armazenamento de água das

chuvas é inviável. Assim sendo, a água para a irrigação necessita vir dos córregos e poços

urbanos, ou da rede pública de água tratada. Já comentamos o risco de contaminação por

microorganismos das águas de córregos e poços urbanos. Até quando será socialmente

justo utilizar a nobre água tratada da rede pública para a irrigação dessas hortas.

Em suma, hortas comunitárias desenvolve um importante papel social no meio urbano

ao gerar trabalho, renda e afastar a insegurança alimentar dos grupos beneficiados por

essas hortas. A horta comunitária colabora com o meio ambiente urbano resgatando vazios

urbanos que podem virar depósito de lixo e entulho, mantendo-os limpos e sem mato. A

horta comunitária poderá ser um importante destino do lixo orgânico, quando a compostagem

desses resíduos aumentar no Brasil. Com relação a origem da água utilizada para irrigação,

há a necessidade de se avaliar a sustentabilidade das hortas comunitárias. Seus maiores

desafios para a expansão estão na escolha das pessoas e na fonte de água para irrigação.

Por sua vez, a pequena horta comercial é uma horta que ocupa os vazios urbanos

(terrenos), muitas vezes contando com o apoio da prefeitura municipal através da isenção

parcial ou total no IPTU do lote, da assistência técnica oficial e com tarifas sociais para o

consumo da água tratada da rede pública. Esse tipo de horta visa basicamente o lucro e por

isso, cresceu bastante na década de 80 do século passado quando o descontrole

inflacionário brasileiro obrigou muitos aposentados a continuar trabalho. Sem encontrar uma

nova oportunidade no mercado de trabalho, surgiu nesse período um grande número de

pequenas hortas comerciais urbanas cultivadas por aposentados. Nas Figuras de 9 a 11 são

apresentadas imagens de diferentes hortas comerciais em vários municípios paulistas.

FIGURA 9. Horta comercial urbana cultivada em lote urbano do Bairro São Dimas em

Piracicaba/SP. (Foto: Tivelli, S. W., 1992)

FIGURA 10. Horta comercial urbana da família Mendonça no bairro Recanto da Fortuna, em

Campinas/SP. (Foto: Trani, P. E., 2005)

FIGURA 11. Horta comercial orgânica na Unidade de Produção e Desenvolvimento – UPD

da SAA, em São Roque/SP. (Foto: Tivelli, S. W., 2006)

A pequena horta comercial foi e é incentivada pela administração pública municipal

porque ela resolve vários problemas. Primeiro, a horta comercial evita que terrenos urbanos,

cujos proprietários aguardam a valorização do lote para vender ou uma oportunidade de

construir, virem depósitos de lixo doméstico e entulho. Por incrível que possa parecer, esse

cenário é criado pelos próprios vizinhos do lote, que auxiliados pelas chuvas de verão,

transformam os vazios urbanos em área fértil para a criação de ratos, baratas e a procriação

do mosquito da dengue.

Em segundo lugar, a horta comercial urbana oferece uma oportunidade de trabalho e

renda para pessoas marginalizadas pelo desenvolvimento social, como os aposentados e

munícipes com menor grau de instrução. Terceiro, a horta comercial urbana garante o

abastecimento da população com legumes e verduras frescas, reduzindo a necessidade de

importação desses alimentos de outros municípios. Finalmente, a horta comercial urbana

pode minimiza a insegurança alimentar.

Por todas essas excelentes razões, as sucessivas administrações municipais preferem

abrir mão de parte de sua arrecadação com o IPTU para fomentar o desenvolvimento dessa

atividade. Contudo, a água utilizada para irrigação, via de regra, é obtida na rede pública em

razão das características dessa exploração.

No estado de São Paulo, a Lei Estadual de número 12.183 de 29 de dezembro de

2005 determinou que os consumidores urbanos da água tratada distribuida pela rede pública

passasse a pagar pelo uso dessa água, enquanto os produtores rurais passarão a pagar pelo

uso apenas em 1o de janeiro de 2010. Vale lembrar que até então, os consumidores de água

urbana pagavam apenas pelo tratamento da água e afastamento do esgoto.

Diante dessa nova realidade que começa a ser implantada no estado de São Paulo e

da escassez de água que várias regiões metropolitanas vem enfrentando nos últimos anos,

não podemos nos furtar de perguntar: até quando essa exploração será socialmente justa?

Até quando poderemos usar essa água nobre para fazer irrigação? Essa questão será cada

dia mais recorrente a medida que começar a faltar água para a população urbana e as tarifas

de água passarem a refletir o custo do uso da água pública tratada.

Em suma, a pequena horta comercial urbana foi nas últimas três décadas uma

importante ferramenta social para as sucessivas adminstrações municipais. A horta urbana

auxilia o meio ambiente urbano conservando os vazios urbanos e em alguns casos,

reciclando os resíduos orgânicos gerados no município. Além disso, essa exploração permite

a inclusão social e reduz a insegurança alimentar oferecendo diariamente produtos frescos

para a população local.

Além do desafio com a escassez de água com qualidade para irrigação, hortas

urbanas e periurbanas por todo Brasil sofrem com o furto e a invasão de animais. Na região

metropolitana de Campinas na década de 90 do século passado, produtores de alface

chegaram a estabelecer parceria com os ladrões. Ou seja, o produtor combinava com seus

vizinhos urbanos que esses podiam colher numa faixa de cerca de 2 metros na borda do

terreno, desde que não fosse mexido no resto. Com o agravamento das diferenças sociais

brasileiras nos últimos anos, esse acordo de cavalheiros não mais vem sendo respeitado. Há

situações em que o furto já não é apenas para o próprio sustento. Os ladrões estão furtando

para vender a produção alheia.

Melo et al. (2005) ressaltam com propriedade o problema de furto no projeto horta

urbana de Santo Antônio do Descoberto/GO. Segundo esses autores, o maior prejuízo não é

a perda material das hortaliças, mas sim, o sentimento de violação da horta e o desânimo

gerado pela impossibilidade de colher o que foi plantado e cuidado por algum tempo. No

Conjunto Palmeira em Fortaleza/CE, Segundo (2002) relata que um dos obstáculos para a

produção é a invasão de animais na área dos projetos financiados pelo Banco Palmas da

Associação de moradores. Nesse projeto, assim como em outras áreas pelo Brasil com horta

urbana, poucos são os quintais ou terrenos que possuem muros.

A horta urbana e periurbana proporciona uma estratégia complementar para a redução

da probreza e da insegurança alimentar, além de poder melhorar o meio ambiente urbano. A

contribuição da horta urbana e periurbana para a segurança alimentar e nutricional da

população urbana mais carente é importante, pois esses cidadãos gastam uma substancial

parte de sua renda com comida (50 a 70%).

Instrumento importante para reduzir a exclusão social e melhorar os padrões

alimentares de populações carentes, as hortas urbanas e periurbanas preocupam pela alta

demanda de água e pelos riscos da contaminação por esgotos domésticos e industriais. A

expansão dessa atividade agrícola urbana precisa solucionar esse problema de origem e

qualidade da água, constituindo-se esse o maior desafio para a expansão da olericultura

urbana e periurbano no Brasil para os próximos anos.

Com relação ao uso racional da água, o Centro de Horticultura do Instituto

Agronômico, de Campinas, prevê que as regiões metropolitanas brasileiras enfrentarão

vários problemas com o abastecimento de água potável a sua população. Nesse sentido,

entendemos que as hortas urbanas não podem competir com o abastecimento de água

tratada fornecido a população urbana, assim como as hortas periurbanas não devem usar

água de mananciais contaminados.

Por um outro lado, a agricultura urbana e periurbana faz parte do meio ambiente

urbano e pode ser um importante aliado no gerenciamento do meio ambiente. Para isso, a

agricultura urbana terá que reciclar cada vez mais os resíduos orgânicos e a água servida

geradas no meio urbano. Para muitas cidades, o recolhimento do lixo gerado pelos seus

habitantes tem se tornado um sério problema. A agricultura urbana e periurbana pode muito

bem ajudar a resolver esses problema tornando os resíudos urbanos em recursos produtivos.

A olericultura urbana e periubana brasileira terá que se adaptar nos próximos anos

para aproveitar melhor esse importante recurso produtivo que é o composto do lixo orgânico

gerado pelos munícipes. O composto orgânico permite inclusive que os horticultores urbanos

utilizem menos fertilizante químico. Talvez seja essa a compensação ambiental que os

horticultores urbanos possam oferecer para a sociedade por estarem usando uma água

nobre para a irrigação.

A agricultura urbana pode e deve usar a água servida gerada pela população. No

mundo, há vários exemplos dessa utilização. No Brasil, o aumento do número de ETE pode

auxiliar nesse processo. Porém, o uso da água servida pode levar a problemas de saúde e

ambientais sem a orientação adequada. Os agricultores urbanos precisam ser treinados a se

protegerem durante o manuseio da água servida, na seleção de culturas que podem serem

irrigadas com esse recurso e nos métodos de irrigação adequados.

Pela nossa experiência com horta nessa área, entendemos que a olericultura urbana

não deva participar desse reaproveitamento da água servida, exceto quando feito em escala

doméstica. Por suas características, a horta urbana e periurbana produz alimentos que são

consumidos em sua grande parte na forma “in natura” e por isso, os riscos em reutilizar água

servida pode ser potencializado.

A olericultura urbana e periurbana pode auxiliar na economia de água para produção

de alimentos no meio urbano empregando tecnologia. A produção hidropônica e a irrigação

por gotejo substancialmente reduz a necessidade de água na exploração agrícola e deveria

ser fomentada pelo poder público.

Referência bibliográfica

BRANCO, M. C.; ALCÂNTARA, F. A.; MELO, P. E. Hortas comunitárias: o projeto horta

urbana de Santo Antônio do Descoberto. Brasília: Embrapa Hortaliças, 2007. 160 p.

CEMPRE. COMPROMISSO EMPRESARIAL PARA RECICLAGEM. O retrato da reciclagem

de resíduos sólidos urbanos. Cempre Informa, São Paulo, n. 91, Jan./Fev. 2007. Disponível

em: http://www.cempre.org.br. Consultado em: 06 abr. 2007.

MELO, P. E.; BRANCO, M. C.; ALCÂNTARA, F. A.; SILVA, H. R. O quanto pode a

olericultura urbana? Horticultura Brasileira, Brasília, v. 23, n. 4, p. capa, Out./Dez. 2005.

SEGUNDO, J. J. M. N. Urban agriculture project in the Conjunto Palmeira slum, Fortaleza-

Ceará, Brazil. Urban Agriculture Magazine, 7:10-11. Aug. 2002. Disponível em:

http://www.ruaf.org/node/244. Acesso em: 31 mar. 2007.

TIVELLI, S. W. Solução ou Problema. Revista Cultivar HF . ano VII, n. 38, p. 35, Jun./Jul.

2006. Disponível em: http://www.abhorticultura.com.br/Biblioteca/Default.asp?id=5090.

Acesso em 30 mar. 2007.

TRANI, P. E.; PASSOS, F. A.; MELO, A. M. T.; TIVELLI, S. W.; BOVI, O. A.; PIMENTEL, E.

C. Hortaliças e plantas medicinais: manual prático. Campinas: Instituto Agronômico.

2007. 72 p. (Boletim Técnico, 199).