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CURSO DE DIREITO “DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA” ROSÂNGELA SANTOS PINHEIRO DOURADO BATISTA RA: 440.546/0 TURMA: 319E1 FONE: 9188-5983 E-MAIL: [email protected] SÃO PAULO 2004

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CURSO DE DIREITO

“DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA”

ROSÂNGELA SANTOS PINHEIRO DOURADO BATISTARA: 440.546/0

TURMA: 319E1FONE: 9188-5983

E-MAIL: [email protected]

SÃO PAULO2004

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ROSÂNGELA SANTOS PINHEIRO DOURADO BATISTA

Monografia apresentada ao Curso deDireito do Centro Universitário dasFaculdades Metropolitanas Unidas -UniFMU, como requisito parcial para aobtenção do título de Bacharel emDireito, sob a orientação do Prof. Dr.Antonio Rulli Júnior

SÃO PAULO2004

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BANCA EXAMINADORA:

Profº Orientador: ______________________________

Profº Argüidor: _______________________________

Profº Argüidor: _______________________________

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Ao meu dedicado marido, Luiz Marcelo, razão da

minha vida, meu eterno amor.

Ao meu querido e amado pai, Benedito Pinheiro,

minha eterna gratidão por todos os ensinamentos.

Aos meus sogros, que me tratam como filha.

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Agradeço ao Eminente Desembargador do

Tribunal de Justiça de São Paulo, Professor

Doutor Antonio Rulli Júnior, pelas oportunidades

de aprendizado oferecidas a esta aluna no

desenvolvimento da carreira jurídica.

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SINOPSE

O trabalho em questão versa sobre a Desapropriação para Fins de

Reforma Agrária, a qual não pode ser estudada isoladamente, necessitando da

breve análise dos institutos do direito de propriedade, da reforma agrária e da

desapropriação.

Trata-se de uma exceção à irrevogabilidade do direito de

propriedade, ocorrendo a transferência da propriedade rural de seu dono, com

respaldo na motivação, a outrem, por intervenção do Poder Público.

A figura expropriatória vem bem disciplinada pela Constituição

Federal e pela Legislação Ordinária, evidenciando a intenção do Legislador em

equilibrar os interesses de ordem pública e privada.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I: Noções Elementares 10

1. Direito de Propriedade1.1. A Relevância do Direito de Propriedade 101.2. Aspectos Históricos do Direito de Propriedade 111.3. Conceito e Elementos Constitutivos do Direito de Propriedade 151.4. Caracteres do Direito de Propriedade 181.5. Função Social da Propriedade 19

2. Reforma Agrária2.1. Considerações Preliminares 232.2. O Brasil e o Latifúndio 242.3. Conceito de Reforma Agrária 282.4. O Estatuto da Terra 302.5. A Função Social da Terra na Reforma Agrária 322.6. Órgãos Promotores da Reforma Agrária 34

3. Desapropriação3.1. Introdução 383.2. Aspectos Históricos 383.3. Conceito de Desapropriação 423.4. Natureza Jurídica do Instituto 433.5. Espécies de Desapropriação 443.5.1. Desapropriação por Necessidade Pública 453.5.2. Desapropriação por Utilidade Pública 463.5.3. Desapropriação por Interesse Social 48

CAPÍTULO II: Desapropriação para Fins de Reforma Agrária 50

4. Desapropriação para Fins de Reforma Agrária4.1. Fundamento do Instituto 504.2. Legislação 514.3. Competência 524.4. Objeto 544.4.1. Imóveis Rurais isentos de Desapropriação para a Reforma Agrária 574.4.2. Pequena e Média Propriedade 604.4.3. Propriedade Produtiva 624.5. Interesse social na Desapropriação para Fins de Reforma Agrária 65

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4.6. Indenização 674.6.1. Deságio dos Títulos da Dívida Agrária 704.7. Visão geral do Procedimento da Figura Expropriatória 72

CAPÍTULO III: Conclusões e Considerações Finais 74

ANEXOSDecreto nº 578, de 24 de junho de 1992 79Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 85Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993 100

BIBLIOGRAFIA 110

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INTRODUÇÃO

A desapropriação para fins de reforma agrária, em síntese,

significa modificar a posse e o uso da propriedade rural que não esteja

cumprindo sua função social, com a finalidade de corrigir os problemas

causados pela concentração fundiária.

Este instituto, recepcionado pela Constituição Federal de 1988, foi

escolhido para abordagem por ser atual e por envolver toda a sociedade, que é

prejudicada com a concentração de terras. Trata-se de um assunto de grande

importância na pauta governamental, pois o mau uso da propriedade traz

conseqüências desastrosas de ordens econômica, social, tecnológica e política.

O tema em tela foi abordado em seus principais pontos, juntamente

com os institutos que o norteiam, trazendo à tona as seguintes hipóteses:

- A desapropriação para fins de reforma agrária é de competência

privativa da União;

- A desapropriação para fins de reforma agrária recai sobre o

imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social;

- Quando da desapropriação para fins de reforma agrária, o

interesse de natureza pública prevalece sobre o interesse de natureza particular.

Para tanto, a metodologia empregada para sua realização foi a

pesquisa descritiva, com uso de fontes bibliográficas, as quais explicam um

problema a partir de referências teóricas publicadas em documentos (livros,

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jurisprudências, artigos de jornais, revistas etc), bem como a utilização do

método dedutivo, o qual procura transformar enunciados complexos, universais,

em particulares.

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CAPÍTULO I

Noções Elementares

1. Direito de Propriedade

1.1. A Relevância do Direito de Propriedade

Em princípio, podemos acentuar que o direito de propriedade tem

um caráter essencialmente constitucional.

Preceitua o artigo 5º da Constituição Federal:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

(...)

XXII – é garantido o direito de propriedade”.

O direito de propriedade, devidamente assegurado pela Carta

Magna de 1988, é um poder de direito que a pessoa tem sobre a coisa,

consistindo numa ficção legal, na medida em que esse poder só existe na lei,

sendo ele abstrato.

É pacífico entre os doutrinadores o entendimento de que o direito

de propriedade é a matriz dos direitos reais, porque é dele que derivam outras

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modalidades destes direitos, simbolizando a relação jurídica de direito real, que

é o vínculo existente entre a coisa e um sujeito de direito.

Indubitavelmente, é o mais importante de todos os direitos

subjetivos materiais.

1.2. Aspectos Históricos do Direito de Propriedade

Podemos dizer que a propriedade tem seu surgimento com o

aparecimento do homem.

A ocupação de terras deu-se inicialmente de forma coletiva, onde a

propriedade era comum a todos que faziam parte de uma mesma família ou

tribo, sendo este imóvel então inalienável.

Porém, a raiz do que conhecemos hoje como sendo propriedade

provém do direito romano.

No início, os romanos também viviam sob um sistema de

propriedade coletiva, mas com o desenvolvimento desta sociedade houve o

surgimento e o predomínio do ideal individualista, que consagrava o princípio

da liberdade do indivíduo.

Durante a era romana, existiram duas formas de propriedade

coletiva: primeiramente era a propriedade da cidade ou gens (mancipium), na

qual cada indivíduo possuía uma pequena parte de terra, inalienável; esta foi

dando lugar à propriedade da família (dominium), que posteriormente foi

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cedendo lugar a uma nova forma de propriedade, agora privada, diante do

fortalecimento da soberania do pater famílias, que exercia um poder político e

jurisdicional, estando a autoridade do pai identificada com a propriedade dos

bens de família.

Nesta época, o direito de propriedade individual possuía um caráter

absoluto, exclusivo e perpétuo, no qual o titular deste direito tinha plenos

poderes para usar, gozar e usufruir a coisa sem a menor limitação.

Com a queda do Império Romano, que se deu com a invasão dos

bárbaros, a propriedade sobre a terra passou a ter um caráter eminentemente

político, com a ascensão do rei e dos senhores feudais. Sendo assim, na Idade

Média, surgiu uma nova forma de propriedade privada: a propriedade feudal. O

solo era valorizado e havia o aproveitamento do domínio rural. O senhor feudal,

que recebia da realeza a terra agricultável para que fosse explorada de forma

perpétua e vitalícia, possuía o domínio direto, estabelecendo a área para sua

habitação e ditando as regras que o feudo deveria seguir, enquanto que seus

vassalos, aos quais cabiam o domínio útil, desenvolviam as atividades agrícolas

e a exploração econômica da terra nas chamadas áreas de produção, mediante o

pagamento de tributos aos suseranos. EMILIO ALBERTO MAYA

GISCHKOW1 resume muito bem este tema, ao dizer que foi introduzida na

técnica privada do direito das coisas uma hierarquia proveniente do direito

1 Princípios de direito agrário: desapropriação e reforma agrária, p. 98.

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público, admitindo-se uma superposição de domínios (domínio direto e domínio

útil).

Com o aparecimento da burguesia, decorrente do desenvolvimento

do comércio e da indústria, houve o abalo da estrutura feudal, porque o sistema

vigente não atendia aos seus interesses. Como conseqüência surgiram os Estados

nacionais unificados em torno da figura do rei, com o objetivo de trazer novos

mercados e especiarias.

Conforme dito por JOSÉ RODRIGUES ARIMATÉIA:

“Os reis, eles mesmos grandes proprietários de terras, aglutinavam em

torno da corte outros proprietários de terra, formando a nobreza, mas todos

dependiam do dinheiro dos comerciantes e banqueiros. Esta estrutura atendeu aos

interesses da burguesia, na medida em que permitia a conquista de novos mercados

e a obtenção de novos produtos e especiarias para o crescente mercado europeu,

sem ter de pagar impostos e pedágios a inúmeros senhores feudais por onde

transitavam suas mercadorias”2.

A visão romanista de propriedade seria reativada com a Revolução

Francesa, em 1789, onde foram abolidos todos os privilégios da antiga nobreza

com a tomada do poder pela burguesia que, enriquecida, não via mais os seus

interesses satisfeitos pelo sistema monárquico absolutista.

A propriedade não deixou de ser privada, entretanto modificou-se a

sua disciplina jurídica. O direito de propriedade, enfim, afirmou-se como direito

civil.

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A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789,

exaltando o pensamento filosófico dominante no século XVIII, estabeleceu para

o indivíduo direitos fundamentais que a lei deveria respeitar, e dentre os quais

encontrava-se o direito de propriedade, estipulado no artigo 17 como “um direito

inviolável e sagrado, do qual ninguém pode ser privado”.

Todavia, tal documento histórico impunha limites a esse direito, ao

admitir a desapropriação por necessidade pública, mediante indenização.

O caráter individual do direito de propriedade, contido na

Declaração, foi acolhido pelo Código Napoleão (cujas raízes emanam do Direito

Romano), que em seu artigo 544 descrevia que a propriedade poderia ser gozada

e disposta de forma absoluta, dentro da lei. Posteriormente, tal caráter foi

adotado pelos Códigos de países como a Itália, Sardenha, Espanha e, até mesmo,

pelo Código Civil Brasileiro de 1916.

Na época, o novo conceito trouxe à tona uma discussão entre

pensadores e juristas de diversas tendências, que tinham como objetivo comum

derrubar o pensamento absolutista acerca do direito de propriedade que

imperava nestes documentos. Discussão, aliás, que muito contribuiu para a

formação do princípio da função social da propriedade, como veremos adiante.

Relevante ainda é a idéia dada pela ilustre autora MARIA

HELENA DINIZ ao ressaltar que “hodiernamente, a configuração da

2 O direito de propriedade: limitações e restrições públicas, p. 23.

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propriedade depende do regime político”3, já que o capitalismo e o socialismo

remetem aos ideais de propriedade individual e de propriedade coletiva,

respectivamente.

1.3. Conceito e Elementos Constitutivos do Direito de Propriedade

Desde os primórdios até os dias de hoje, o conceito de direito de

propriedade sofreu diversas adaptações, de acordo com as características que

norteavam as sociedades. Neste aspecto é louvável ressaltar o dito por

ROSALINA PINTO DA COSTA RODRIGUES PEREIRA:

“(...) o conceito de propriedade está vinculado às condições econômicas e

políticas de uma determinada época, pois a propriedade é um dos conceitos mais

maleáveis do Direito, adaptando-se sempre às contingências do momento como

verdadeiro instrumento de equilíbrio social”4.

PONTES DE MIRANDA5 já anunciava em sua vasta obra que a

propriedade, em sentido estritíssimo, é só o domínio.

Nosso Código Civil Brasileiro não conceitua o direito de

propriedade, enunciando apenas, em seu artigo 1.228, os poderes do

proprietário: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e

3 Curso de direito civil brasileiro, 4º volume: direito das coisas, p. 100.

4 Reforma agrária – um estudo jurídico, p. 66.

5 Tratado de direito privado: parte especial, tomo XI – direito das coisas: propriedade. Aquisição dapropriedade imobiliária, p. 9.

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o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou

detenha”.

Não obstante ser tarefa árdua definir o que vem a ser o direito de

propriedade, podemos encontrar, através de breve explicação acerca dos

elementos constantes do artigo 1.228 do Código Civil, subsídios para a

elaboração de um conceito:

- direito de usar (jus utendi): consiste na faculdade de o proprietário

retirar todas as vantagens que o bem puder lhe produzir, dentro dos ditames

legais;

- direito de gozar ou usufruir (jus fruendi): é o direito de explorar

economicamente a coisa, percebendo seus frutos naturais e civis;

- direito de dispor (jus abutendi ou disponendi): significa dizer que

o proprietário tem a faculdade de transferir o bem, de aliená-lo a outrem a título

oneroso (venda) ou gratuito (doação), de consumi-lo, dividi-lo ou gravá-lo de

ônus (penhor, hipoteca etc);

- direito de reaver (rei vindicatio): envolve a proteção ao direito de

propriedade, configurando no direito de reivindicar a coisa das mãos de quem

injustamente a possua ou detenha.

Ao pensarmos na constituição da propriedade, devemos imaginar a

possibilidade da lei admitir que parte desses poderes esteja em mãos de outra

pessoa, ou seja, o direito de propriedade não significa a soma de todos esses

elementos concentrados num só indivíduo, exemplo da propriedade plena, pois

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pode ocorrer a transferência de um desses atributos a outrem, como no caso da

constituição do direito real de usufruto, que confere a terceiro (usufrutuário)

uma parcela dos poderes da propriedade, caso em que ocorre o seu

desmembramento (caracterização da propriedade limitada). Sendo assim,

mesmo que falte algum dos elementos constitutivos dos poderes de proprietário

não se configurará, necessariamente, a perda do direito de propriedade.

ROBERTO SENISE LISBOA leciona que “o direito de propriedade

abrange todos os direitos sobre coisas corpóreas que constituem o patrimônio de

uma pessoa e podem ser reduzidos a um valor pecuniário”6.

Para nós, o conceito mais completo sobre o instituto é o

estabelecido por JOSÉ RODRIGUES ARIMATÉIA, para quem define:

“O direito de propriedade como a faculdade de usar, gozar e dispor de uma

coisa, de forma exclusiva e nos limites da lei. O uso e o gozo da coisa não são

absolutos, pois encontra limitações de ordem privada e pública, (...). A faculdade de

disposição da coisa encontra restrições de ordem legal e judicial, esta fundada na

primeira, como é o caso do arresto e da penhora, vez que a constrição judicial

restringe a livre disponibilidade da coisa, a título gratuito ou oneroso, vinculando-a

ao cumprimento de uma obrigação.”7.

A propriedade, portanto, é um poder de direito que o indivíduo

possui sobre a coisa.

6 Manual elementar de direito civil, volume 4: direito reais e direitos intelectuais, p. 92.

7 Op. cit., p. 31.

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1.4. Caracteres do Direito de Propriedade

São caracteres do direito de propriedade:

- caráter absoluto: consiste em dizer que o proprietário tem plenos

poderes sobre a propriedade, sendo oponível erga omnes, podendo dar a ela a

destinação que lhe for conveniente (vender, doar, emprestar, construir etc). É

lógico que este poder encontra limites dentro da lei, não sendo absoluto ao

extremo. Esta é a característica marcante do direito de propriedade;

- caráter exclusivo: este direito não admite concorrência de dois

proprietários sobre a mesma coisa, isto é, só há um proprietário sobre o bem.

Conforme dito por CARLOS ROBERTO GONÇALVES “(...) o direito de

propriedade é exclusivo, no sentido de poder o seu titular afastar da coisa quem

quer que dela queira utilizar-se”8. Elucidamos que no condomínio este caráter

não desaparece, já que cada condômino é proprietário de uma parte ideal e sobre

ela possui exclusividade, não havendo concorrência com outro condômino;

- caráter perpétuo ou irrevogável: o direito de propriedade só

desaparece pela vontade do proprietário (quando ele resolve vender, doar,

renunciar etc), não estando sujeito a termo ou prescrição.

Conforme ensinamento do Ilustre ROBERTO SENISE LISBOA:

“Há duas exceções acerca da irrevogabilidade do direito de propriedade:

8 Sinopses jurídicas – volume 3: direito das coisas, p. 88-89.

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- a desapropriação, pois neste caso, sucede a perda compulsória da coisa,

isto é, a revogação da propriedade contra a vontade do proprietário; e

- a propriedade resolúvel ou revogável, ante o advento do evento

modificativo do direito de propriedade, por condição, termo ou outra causa

superveniente”9.

1.5. Função Social da Propriedade

Não podemos duvidar que o princípio da função social da

propriedade está intimamente ligado com a evolução do direito de propriedade

ao longo dos anos.

Conforme visto anteriormente, com os documentos históricos

advindos da Revolução Francesa ocorreram debates polêmicos sobre o caráter

absolutista que cercava o direito de propriedade.

Muitas contribuições doutrinárias, provenientes de diversos

pensadores e juristas, além da Igreja, influenciaram diretamente para o

amadurecimento do princípio da função social da propriedade, uma vez que a

preocupação com a função social dos bens já se verificava desde a Antigüidade,

tendo Aristóteles como precursor.

É inegável que os socialistas utópicos, marxistas e até mesmo os

anarquistas influenciaram na delimitação deste princípio, já que para eles não

deveria existir a propriedade privada.

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Dentre todas as correntes de pensamento sobre o assunto na época,

podemos destacar a grande contribuição dada por Comte e Duguit.

Auguste Comte foi o primeiro a levantar a idéia de que a

propriedade, ainda que privada e necessária para a emancipação do homem,

deveria ter uma função social, cuidando do interesse coletivo e do bem comum.

No aspecto jurídico, Léon Duguit, considerado por muitos o jusfilósofo que trata

do assunto com maior enfoque, influenciado pelo pensamento positivista de

Comte, afirmou que a propriedade é uma função social, trazendo uma nova

doutrina, diferenciada daquela imposta pelo Código Napoleão.

A Igreja, por sua vez, teve um papel preponderante na elaboração

da teoria de que a propriedade não é uma função social, mas possui uma função

social. As encíclicas papais Rerum Novarum (Leão XIII, 1891), Quadragessimo

Anno (Pio XI, 1931) e Mater et Magistra (João XXIII, 1962) demonstram como

a doutrina cristã compreende o direito de propriedade. De acordo com

ROSALINA PINTO DA COSTA RODRIGUES PEREIRA:

“As encíclicas papais restauraram a tradicional doutrina cristã, segundo a

qual a propriedade é um direito natural, devendo o próprio Estado respeitá-la e

protegê-la, mas o seu uso está condicionado ao bem comum, ao interesse da

coletividade, sendo, portanto, um direito que importa em obrigações”10.

Conforme WELLINGTON MENDES LOPES:

9 Op. cit., p. 94.10 Op. cit., p. 56.

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“A função social da propriedade no constitucionalismo foi pela primeira

vez inserta na Constituição Mexicana de 1917 (art. 27). Após, na Constituição da

Alemanha, de 1919 (art. 153). A Constituição da Iugoslávia, de 1921 (art. 37). A

irlandesa de 1927. Na América: Constituição do Chile, de 1925 (art. 10); Panamá

(art. 29), em 1933; Uruguaia, de 1938 (art. 32). Em seguida, ao término da segunda

guerra mundial: constituições do Japão, Albânia e Portugal; Bolívia (art. 17);

Colômbia (art. 30) – nesta foi reproduzido o ensinamento de Duguit; Equador (art.

183); Paraguai (art. 21); Venezuela (art. 65), Guatemala (art. 90); Panamá (art.

45); Cuba (art. 42) e Argentina (art. 38).

No Brasil, as constituições sempre garantiram o direito de propriedade,

salvo o caso de desapropriação por utilidade ou necessidade pública. O

reconhecimento ao princípio da função social surgiu com a Constituição de 1934

(art. 113 – nº 17), onde era garantido o direito de propriedade, que não poderia ser

exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinasse”11.

Dizer que a propriedade possui uma função social significa

entender que ela deve alcançar uma finalidade: servir ao homem, ou seja, a

propriedade deve atender as necessidades do homem e proporcionar-lhe

vantagens, riquezas e benefícios, caso contrário não atenderá a sua função

social.

A propriedade não serve apenas como forma de acumulação de

riquezas ou obtenção de vantagens. Atualmente, possui outro enfoque, uma

função dentro de uma sociedade que valoriza a pessoa mais do que os bens,

11 Função social da propriedade, p. 53.

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impondo obrigações ao seu proprietário, como forma de equilibrar seus direitos

e os direitos da sociedade. Esta é uma das tendências do direito de propriedade.

Quando a propriedade não atende a sua função social, o Estado,

como guardião do bem comum, tem o dever de corrigir o que está errado,

fazendo com que a função social da propriedade prevaleça sobre qualquer tipo

de interesse; afinal a sociedade é organizada para tutelar os interesses de todos

que a compõe. De acordo com o mestre ROBINSON CASSEB12, o Estado

construiu normas que se sobrepõem aos interesses público, comunitário,

coletivista, à ordem pública e às prerrogativas da propriedade liberalmente

concebida.

A função social atribuída à propriedade não contraria o direito de

propriedade, o qual assegura ao proprietário as prerrogativas de usar, gozar e

dispor da coisa, ficando apenas condicionado o seu exercício à função social,

que deve ser observada em prol do bem comum.

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2. Reforma Agrária

2.1. Considerações Preliminares

A reforma agrária no Brasil não tem tido a atenção devida de nossos

governantes, envolvendo aspectos econômicos, políticos e sociais.

A má distribuição de terras em nosso país é fruto de todo um

sistema caótico que atravessou décadas, gerando tensões no campo que se

afloraram nos últimos anos. A questão fundiária atinge os interesses de

aproximadamente um quarto da população, divididos entre agricultores,

pecuaristas, trabalhadores rurais e sem terra, que retiram do campo o seu

sustento.

O Brasil, devido a sua extensão territorial, jamais poderia conviver

com um irracional aproveitamento da propriedade: atualmente há mais de 371

milhões de hectares prontos para a agricultura. Para se ter uma idéia da

dimensão deste número, o mesmo equivale à soma dos territórios da Argentina,

França, Alemanha e Uruguai. Entretanto, apenas uma ínfima parte desta área é

aproveitada para a plantação, enquanto que aproximadamente metade é

12 A desapropriação e a intervenção na propriedade, p. 5.

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destinada à criação de gado. E o restante? Nesta sobra não se produz

absolutamente nada (os especialistas a chamam de terra ociosa).

Quando a terra não é aproveitada de maneira eficaz, os alimentos

não são produzidos de modo a satisfazer às necessidades da população, já que

suas quantidade e qualidade ficam seriamente comprometidas.

Tal problema não pode esconder um outro, ainda muito maior: a

grande concentração de terras nas mãos de um pequeno grupo de pessoas,

criando os já conhecidos latifúndios.

Estes dois fatores aliados contribuem, consideravelmente, para o

aumento das tensões sociais, que atravessam o limite do campo e atingem a

sociedade como um todo.

2.2. O Brasil e o Latifúndio

No Brasil, a origem do latifúndio se deu quando Portugal, com o

intuito de ter o domínio sobre o território descoberto e povoado pelos índios,

implantou em nosso país o regime das capitanias hereditárias através do sistema

das sesmarias, que consistia na doação de terra a quem quisesse cultivá-la,

dando em troca um sexto daquilo que fosse produzido à Coroa Portuguesa.

Foram criadas quinze capitanias hereditárias divididas em iguais

números de lotes ou regiões imensas, as quais foram concedidas a doze

donatários, denominados de representantes do rei.

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Ao contrário do sucesso ocorrido nas pequenas ilhas portuguesas do

Atlântico com a implantação do regime das capitanias, no Brasil não se

verificou o mesmo, porque somente duas prosperaram: a de Pernambuco e a de

São Vicente, em São Paulo.

Vale a pena destacar o comentário trazido pela Revista VEJA ON

LINE sobre o regime das sesmarias:

“As sesmarias eram enormes. Uma delas foi a Ilha de Itaparica inteira.

Brás Cubas recebeu uma fatia de terra que tomava boa parte da área que, hoje,

forma os municípios de Santos, Cubatão e São Bernardo. Havia, já, os espertalhões

que recebiam sesmaria para revendê-la retalhada. Havia quem levasse uma

sesmaria para si, outra para a mulher, outra para o filho. Os limites eram

imprecisos. Em documentos históricos, existem terras que terminam `onde mataram

o Varela´. Há outra fazenda que ia até ´a casa onde estão uns cajus grandes´. Às

vezes, para medir a terra, acendia-se um cachimbo, montava-se no cavalo e ia-se em

frente. Quando o cachimbo apagasse, acabado o fumo, marcava-se 1 légua”13.

Em 1822, às vésperas da Independência do País, houve a extinção

do regime das sesmarias e conseqüentemente a troca dos donos das terras,

decorrente das disputas havidas entre os seus proprietários e os grileiros que

tinham o respaldo dos bandos armados.

O Brasil ficou aproximadamente trinta anos sem legislação que

tratasse da terra rural.

13 http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/reforma_agraria/historia.html

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Em 1850, a fim de pacificar os conflitos existentes, foi editada a Lei

das Terras, a qual disciplinava, dentre outros dispositivos, que a aquisição de

terras só poderia ocorrer mediante o pagamento em dinheiro, o que acabou por

reforçar a supremacia dos latifundiários, uma vez que não poderiam ser retirados

de suas terras, exceto se quisessem vendê-las.

Em 1889, com o advento da República, não se verificou nenhuma

melhoria na estrutura fundiária, pois a distribuição de terras continuou

engessada e sua concentração permaneceu nas mãos dos coronéis

(latifundiários), os quais continuaram a deter o poder político.

A Revolução de 1930, apesar de ter trazido mudanças significativas

para o Brasil, incluindo a queda da oligarquia cafeeira, não interveio na estrutura

agrária, a qual permaneceu inerte.

A partir de 1945, finda a Segunda Guerra Mundial, a economia

nacional passou por um processo de crescimento acelerado, trazendo à tona a

discussão sobre a reforma agrária, já que o problema da concentração de terras

começava a se tornar um entrave para o desenvolvimento brasileiro. Vários

projetos sobre a questão agrária foram apresentados ao Congresso Nacional,

porém todos sem êxito na sua aprovação.

Nos anos 50 foram criados os primeiros órgãos que tratariam de

assuntos relacionados à questão agrária, porém não especificamente.

João Goulart, antes do golpe militar de 1964, foi o Presidente civil

que mais se encorajou a tratar o problema de frente. No começo de 1963 era

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aprovado o Estatuto do Trabalhador Rural, instrumento que regulava as relações

de trabalho na terra e, no ano posterior (em março), foi assinado um decreto que

previa a desapropriação para fins de reforma agrária, de terras situadas numa

faixa de dez quilômetros, ao longo das rodovias, ferrovias e açudes construídos

pelo Governo Federal.

Porém, ironicamente, foi no regime militar que ocorreu o

nascimento de uma legislação sólida para a reforma agrária, com o advento do

Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), haja vista que até então só tínhamos leis

esparsas e inconsistentes que tratavam do assunto. Todavia, o Capítulo do

referido Diploma Legal que trata sobre a reforma agrária, desde o seu

nascimento, ficou sem uso por aproximadamente quinze anos.

Na década de 80 ocorreu o agravamento dos conflitos pela terra no

Norte do País e o paralelo avanço nos movimentos sociais em prol da reforma

agrária.

Com o fim do regime militar, em 1985, foi elaborado no Governo

de José Sarney, para o assentamento de quase um milhão e meio de famílias, o

Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), contido no Estatuto da Terra.

Entretanto, no final deste governo, somente foram assentadas 90.000 famílias.

No período conturbado da Presidência de Fernando Collor de Melo

houve a paralisação do programa de assentamento familiar, não constando

registro de uma única desapropriação para fins de reforma agrária.

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De 1992 a 1994, sob a égide do Governo Itamar Franco, os projetos

foram retomados timidamente, assentando apenas 23.000 famílias.

Fernando Henrique Cardoso foi o Presidente que até hoje obteve o

maior êxito com a reforma agrária em nosso País. Foram assentadas

aproximadamente 635.000 famílias em uma área de 18 milhões de hectares,

gerando um gasto para o governo na faixa de R$ 25 bilhões.

2.3. Conceito de Reforma Agrária

Para entendermos o que vem a ser o instituto da reforma agrária

cumpre-nos observar a origem etimológica do termo.

A palavra reforma é originária do latim, sendo que o prefixo re

indica uma repetição, enquanto forma indica quais são os aspectos exteriores

que dão características ou formas ao objeto. Daí advém o termo reformare, que

significa refazer a sua forma ou dar-lhe uma nova.

Agrária, também originária do latim, tem como radical ager, agri

(que quer dizer plantação, roça); temos como resultado a expressão agrarius,

que dá a idéia de vida e trabalho no campo.

Partindo do exposto acima poderíamos definir a reforma agrária

como sendo simplesmente uma nova forma de vida e trabalho rural.

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Juridicamente, encontramos em ANTONINO C. VIVANCO14 uma

boa maneira de definição acerca do instituto:

“Desde el punto de vista jurídico la reforma agraria se puede definir como

la modificación de las instituciones jurídicas mediante leyes e reglamentos y la

implantación de una organización administrativa y judicial agraria que permita

crear una estructura jurídica capaz de regular y garantizar de manera adecuada la

división racional de la tierra, las mejores formas de tenencia de la misma y asegurar

la asistencia técnica, social y económica e los agricultores por medio de los

servicios públicos correspondientes, a fin de lograr la protección jurídica de los

recursos naturales, de la producción agropecuaria y del bienestar de la comunidad

rural”15.

Acrescentando, podemos retirar do nosso próprio ordenamento

jurídico uma conceituação sobre a reforma agrária. O Estatuto da Terra (Lei nº

4.504/64), em seu artigo 1º, assim prega:

“Considera-se reforma agrária o conjunto de medidas que visem a

promover melhor distribuição de terra, mediante modificações no seu regime de

posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de

produtividade”.

E o artigo 16 do referido Estatuto vem a complementar tal conceito:

“A reforma agrária visa estabelecer um sistema de relações entre o homem,

a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o

14 Teoria de derecho agrario, p. 156.15 “Do ponto de vista jurídico pode-se definir a reforma agrária como a modificação das instituições jurídicasmediante leis e regulamentos e a implantação de uma organização administrativa e judicial agrária que permitacriar uma estrutura jurídica capaz de regular e garantir de maneira adequada a divisão racional da terra, asmelhores formas de posse da mesma e assegurar a assistência técnica, social e econômica aos agricultores por

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progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do

país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio” .

Extraímos do exposto que a reforma agrária não visa tão somente a

mera distribuição de terras, mas, como bem salientado por J. MOTTA MAIA16,

espera-se dela principalmente, através de medidas apropriadas, modificar as

condições da sociedade rural, com possibilidade de aumentar a produção e a

produtividade, além de garantir e promover a paz social.

Por fim, podemos sintetizar esta discussão utilizando-se do escrito

por ROSALINA PINTO DA COSTA RODRIGUES PEREIRA, para quem:

“(...) é possível definir reforma agrária como a modificação na estrutura

agrária, através de uma distribuição mais justa da terra, de mudanças fundamentais

no seu regime de posse e uso, acompanhado de novas instituições jurídico-agrárias,

implicando em um novo conceito de propriedade fundamentado na doutrina da

função social, a fim de que toda a terra tenha uma destinação socioeconômica” 17.

2.4. O Estatuto da Terra

O Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964),

também conhecido como Código Agrário Brasileiro, elaborado sob o regime

militar, é um importante marco para a solução do problema agrário no Brasil.

meio dos serviços públicos correspondentes, a fim de alcançar a proteção jurídica dos recursos naturais, daprodução agropecuária e do bem-estar da comunidade rural”. (Tradução livre)

16 Iniciação à reforma agrária, p. 25.17 Op. cit., p. 51.

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Com o fim da II Guerra Mundial e o posterior processo de

crescimento na economia nacional, a questão agrária ganhou importância nas

pautas de discussões, passando a ser considerada um obstáculo ao

desenvolvimento do Brasil.

Antes do Diploma Legal em questão, não havia no país uma

legislação sólida que tratasse do tema Reforma Agrária; aliás, alguns assuntos de

natureza agrária eram tratados pelo Direito Civil.

O Estatuto da Terra traz em seu corpo um texto extenso e

detalhado, o qual podemos dividir, de forma simplória, da seguinte maneira:

- No Título I (Disposições Preliminares) o Legislador delimitou o

objeto da reforma agrária, definiu o que vem a ser reforma agrária, política

agrária, função social da terra e discorreu sobre os deveres do Poder Público.

Seguindo, tratou dos acordos e convênios que podem ser feitos entre a União, os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios para dirimir questões de interesse

rural e estabeleceu preceitos acerca das terras públicas e particulares;

- No Título II (Da Reforma Agrária) disciplinou os objetivos e os

meios de acesso à propriedade rural e sua distribuição; sobre o financiamento da

reforma agrária e sua execução e administração;

- No Título III (Da Política de Desenvolvimento Rural) cuidou da

tributação da terra, da colonização, da assistência e proteção à economia rural,

bem como do uso ou da posse temporária da terra; e

- No Título IV tratou Das Disposições Gerais e Transitórias.

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Após sua promulgação, o capítulo que corresponde à Reforma

Agrária, na prática, foi esquecido por aproximadamente quinze anos em prol do

capitalismo estimulado pelo regime militar (1964-1984), que levou

consideráveis melhorias tecnológicas para o campo. Naquela época, as pequenas

propriedades foram incorporadas pelas médias e grandes, graças à implantação

de uma política de empréstimo rural subsidiada voltada à cultura da soja, a fim

de criar excedentes para a exportação, agravando ainda mais o aumento da

concentração de terras.

Apesar disso, o Estatuto da Terra se impõe como um verdadeiro

divisor de águas, pois até o seu nascimento não se conhecia uma legislação tão

rica, que tratasse do assunto Reforma Agrária com tanta propriedade.

2.5. A Função Social da Terra na Reforma Agrária

A função social da propriedade rural tem fundamental importância

a partir do momento em que ela é a finalidade da reforma agrária.

Para chegarmos a uma compreensão acerca da função social da

terra na reforma agrária, convém distinguirmos os bens entre uns que satisfazem

a necessidade de uso e consumo e outros que são destinados à produção de

outros bens.

Nesta última categoria está incluída a terra, intrínseca na

propriedade rural, e na qual, por ser um bem de produção, está condicionada ao

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bem comum, já que está comprometida a cumprir determinados interesses da

coletividade. Portanto torna-se mais claro o entendimento do que vem a ser a

função social da terra, já que no âmbito rural sua exposição é mais nítida se

comparada ao imóvel urbano.

“É, portanto, uma propriedade instituição, uma propriedade de que o

próprio desenvolvimento social necessita, que está imersa na responsabilidade

social da comunidade e não pode elidir a sua função social.

Daí se pode dizer que a propriedade rural está baseada no trabalho e

vinculada aos interesses da comunidade, não estando, assim, submetida a um

esquema exclusivo, mas ao cumprimento da função social, possuindo caracteres

especiais e distintos da propriedade civilista de que trata a legislação

tradicional” 18.

Completando este pensamento podemos incluir o dito pelo PAPA

JOÃO XXIII na encíclica Mater et Magistra, a qual diz que:

“Não basta afirmar o caráter natural do direito da propriedade particular

inclusive de bens produtivos, se ao mesmo tempo não se empregar todo o esforço

para que o uso desse direito seja difundido entre todas as classes de cidadãos” 19.

No aspecto legal temos a matéria disciplinada com o advento do

Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), artigo 2º, § 1º, e seguindo com o artigo 186

da Constituição Federal de 1988, interpretado no artigo 9º da Lei nº 8.629/93.

Cumpre-nos transcrever, a título de ilustração, o artigo 186 da Carta

Magna:

18 Rosalina Pinto da Costa Rodrigues Pereira, Revista de Direito Civil, p. 122.

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“ Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,

simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos

seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do

meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos

trabalhadores” .

Nota-se que, para o cumprimento de sua função social é

indispensável que a propriedade rural atenda aos elementos constantes do artigo

citado, de forma simultânea e não de maneira dissociada.

2.6. Órgãos Promotores da Reforma Agrária

Como vimos anteriormente, a questão agrária no Brasil começou a

ser discutida com maior enfoque entre o final dos anos 40 e começo dos anos 50,

período no qual aconteceu um grande crescimento econômico em nosso país.

A partir desta época, o governo conscientizou-se de que era

necessário criar um órgão que tratasse do planejamento e da execução da

reforma agrária. Inúmeros deles foram criados e extintos durante os anos que se

sucederam, trocando de nome, de estrutura e de natureza jurídica.

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O primeiro a ser criado foi o INIC - Instituto Nacional de Imigração

e Colonização -, através da Lei nº 2.163, em 1954. No ano seguinte surgiu o

SSR – Serviço Social Rural-, com a Lei nº 2.613/55. Estes dois órgãos seriam

depois absorvidos pelo SUPRA – Superintendência da Política Agrária-, nascido

com a Lei Delegada nº 11, em 11 de outubro de 1962.

Com a promulgação do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64)

surgiram outros órgãos, os quais deveriam ter a responsabilidade de planificar e

executar o previsto na lei acima citada. Foram então criados o IBRA – Instituto

Brasileiro de Reforma Agrária, que possuía a incumbência de coordenar e

executar a reforma agrária, e o INDA – Instituto Nacional de Desenvolvimento

Agrário -, que atuava na colonização, extensão rural e cooperativismo. Em 1969

tivemos a criação do GERA – Grupo Executivo da Reforma Agrária.

Entretanto, seria em 1970 que o mais famoso órgão brasileiro

responsável pela reforma agrária tomaria corpo. Com a edição do Decreto-Lei nº

1.110, nascia o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária,

que substituiu todos os órgãos existentes até então e que tinha como missão

centralizar todas as atividades desenvolvidas referentes à reforma agrária, o que

acontece até hoje. Este é o órgão executor da reforma agrária em nosso país.

Contudo, comparado aos anteriores, houve uma modificação no

organograma deste novo instituto. O IBRA estava subordinado diretamente ao

Presidente da República, possuindo status de ministério; já o INCRA foi criado

19 Mater et magistra, p. 36.

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para ser uma autarquia subordinada ao Ministério da Agricultura. Tal fator

colaborou para que a questão da reforma agrária fosse tratada como sendo de

menor importância até o advento da Nova República, baseada no Estado

Democrático.

Com a saída dos militares do poder e a posterior eleição indireta

que levou Tancredo Neves à Presidência, surgiu o Ministério da Reforma e do

Desenvolvimento Agrário (MIRAD), em 1985, que teria sido idealizado pelo

Presidente eleito, que veio a falecer antes de ser empossado no cargo. Este

Ministério teria como principal objetivo implantar o já citado anteriormente

PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária), instituído pelo Decreto nº 97.766,

de 10 de outubro de 1985, que visava assentar 1,4 milhão de famílias em uma

área de aproximadamente 43 milhões de hectares até 1989.

Devido ao fracasso nos números do Plano Nacional de Reforma

Agrária durante o governo Sarney, sucessor de Tancredo Neves, em 1987,

através do Decreto-lei nº 2.363, era extinto o INCRA e criava-se o Instituto

Jurídico das Terras Rurais (INTER), que tinha a mera finalidade de

desempenhar as atividades exclusivas da procuradoria-geral do extinto INCRA,

promovendo a desapropriação judicial de áreas rurais por interesse social, além

de algumas outras funções.

Em 1989 acontece uma outra grande mudança estrutural: o MIRAD

deixa de existir e o Decreto-lei que extinguira o INCRA foi rejeitado pelo

Congresso Nacional através do Decreto-legislativo nº 2, restabelecendo o órgão.

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Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a questão

agrária é levada novamente a um nível ministerial, com a criação, em 1996, do

Ministério Extraordinário de Política Fundiária, que imediatamente incorporou o

INCRA.

Atualmente, na Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, o órgão

que comanda a reforma agrária é o Ministério do Desenvolvimento Agrário

(MDA), que teve sua estrutura regulamentada de acordo com o Decreto nº

3.338/2000, e que possui como entidade vinculada o próprio INCRA.

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3. Desapropriação

3.1. Introdução

Antes de adentrarmos no tema proposto pelo trabalho e para sua

melhor compreensão, discorreremos brevemente sobre o instituto da

desapropriação, uma vez que é de uma de suas modalidades que nasce a

desapropriação para fins de reforma agrária.

Para tanto, delimitaremos o referido instituto descrevendo acerca de

seus aspectos históricos, conceito, natureza jurídica e modalidades, já que se

trata de assunto vasto.

Cumpre-nos, relembrar que a desapropriação, como vimos

anteriormente, é uma exceção constante da irrevogabilidade do direito de

propriedade, já que através da intervenção faculta ao Poder Público competente

retirar a propriedade de seu dono, contra a sua vontade, marcando claramente o

conflito estabelecido entre interesses de ordem pública e privada.

3.2. Aspectos Históricos

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Existem muitas divergências no sentido de desvendar a exata noção

que os romanos tinham sobre a desapropriação, já que o direito público não

obteve o mesmo desenvolvimento comparado ao direito privado na Roma

antiga. Conforme nos ensina EURICO SODRÉ20, existem quatro grupos

distintos de opinião.

O primeiro grupo, formado por Proudhon, Laboulaye e Dumaye,

acredita que os romanos não conheciam o instituto da desapropriação, já que a

propriedade era algo sagrado e inviolável mesmo diante da utilidade pública.

O segundo grupo, no qual podemos incluir Baunny de Récy, leva a

crer que os romanos, durante a república e os primeiros tempos do Império

desconheciam a desapropriação que, com a divisão do Império, começa a ter

alguns exemplos em Constantinopla; porém estes não devem ser considerados

como a aplicação de um princípio geral, mas somente como um abuso de poder.

Serrigny, Balbie e Meucci fazem parte do terceiro grupo, afirmando

que, apesar de não ser regulado por leis especiais, o princípio da desapropriação

existia na era românica, sendo exercida arbitrariamente durante o Império de

acordo com a máxima “ Quod principi placuit legis habet vigorem”.

Por último, o quarto grupo, composto por Romagnosi, Acame e De

Bosio, declara que os romanos tinham o conhecimento e a prática da

20 A desapropriação por necessidade ou utilidade pública, p. 09-10.

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desapropriação de acordo com fórmulas e princípios iguais aos das leis

modernas.

Acreditamos que a opinião mais correta é a de que os romanos,

apesar de não terem regulamentado ou sistematizado o instituto da

desapropriação, possuíam consciência dela. Esta afirmação encontra respaldo no

exposto por EURICO SODRÉ21 e também por JOSÉ CARLOS DE MORAES

SALLES22, pois é evidente que ao executarem um enorme número de obras

públicas enfrentavam oposição de proprietários que se sentiam alvejados pelas

mesmas. É interessante salientar que o Digesto e o Código Theodosiano

versavam, mesmo que de forma obscura e incompleta, sobre a desapropriação,

que era decidida de forma arbitrária e despótica, sendo que em muitos dos casos

a autoridade pública apoderava-se do bem sem qualquer tipo de indenização ao

proprietário.

Durante a Idade Média não havia preocupação com o instituto da

desapropriação, pois sob o regime feudal o direito de propriedade era ilimitado e

concentrado nas mãos dos senhores feudais, os quais detinham poderes inclusive

sobre os vassalos.

Naquela época, ocorria com freqüência o confisco, como

prevalência do poder do mais forte, e não a desapropriação propriamente dita.

21 Op. cit., p. 10.

22 A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, p. 61-62.

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Aliás, conforme EURICO SODRÉ23, verificava-se que havia no pensamento

jurídico o sentimento de injustiça quando alguém ficava desprovido de seu bem

sem indenização, mesmo que fosse destinado à utilidade pública.

Na Idade Moderna o conceito sobre a desapropriação pouco se

alterou, na medida em que os soberanos, sentindo-se verdadeiras divindades,

tinham o poder para inclusive interferir na destinação dos bens dos particulares;

todavia há indícios de que neste período da história ocorriam indenizações aos

desapropriados, baseando-se principalmente em aspectos administrativos.

A desapropriação começou a amadurecer como instituto jurídico no

decorrer das repúblicas italianas, nas quais as leis específicas aplicadas em casos

singulares continham os princípios que tempos depois se tornariam a base para a

criação das leis atuais sobre o instituto.

As Ordenações Filipinas e o Código Espanhol das Partidas, de D.

Affonso, disciplinaram o direito de indenização a que fazia jus o proprietário,

em conjunto com a maneira de desapropriar.

Mais uma vez a Revolução Francesa tornou-se um marco na

delimitação de um instituto jurídico, trazendo na constituição de 1791 o direito

de propriedade como inviolável e sagrado, do qual ninguém poderia ser privado,

exceto em caso de necessidade pública mediante justa e prévia indenização.

Assim como houve uma evolução no conceito sobre o direito de

propriedade ao longo dos anos, no sentido de torná-lo mais social, a

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desapropriação, por estar intimamente ligada à propriedade, conseqüentemente

evoluiu no tempo, não restringindo o seu uso apenas à necessidade pública, mas

acrescida de outros pressupostos, os quais veremos a frente.

3.3. Conceito de Desapropriação

Primeiramente, cumpre-nos observar que os termos desapropriação

e expropriação são palavras sinônimas; apesar de nossa legislação referir-se

quase sempre à desapropriação, utilizam-se também os termos expropriante,

expropriado e expropriando, cuja origem etimológica é a mesma do termo

expropriação.

Todo o instituto jurídico possui dificuldades para ser conceituado, e

a desapropriação não foge a esta regra. Conforme o nosso ordenamento jurídico,

podemos definir a desapropriação de acordo com as palavras do mestre JOSÉ

CARLOS DE MORAES SALLES, para quem:

“Desapropriação é instituto de direito público, que se consubstancia em

procedimento pelo qual o Poder Público (União, Estados-membros, Territórios,

Distrito Federal e Municípios), as autarquias ou as entidades delegadas autorizadas

23 Op. cit., p. 11.

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por lei ou contrato, ocorrendo caso de necessidade ou de utilidade pública, ou,

ainda, de interesse social, retiram determinado bem de pessoa física ou jurídica,

mediante justa indenização, que, em regra, será prévia e em dinheiro, podendo ser

paga, entretanto, em títulos da dívida pública ou da dívida agrária, com cláusula de

preservação do seu valor real, nos casos de inadequado aproveitamento do solo

urbano ou de reforma agrária rural, observados os prazos de resgate estabelecidos

nas normas constitucionais respectivas” 24.

3.4. Natureza Jurídica do Instituto

A desapropriação, que é modo originário de aquisição da

propriedade, é instituto de direito público, sendo regido pelo Direito

Constitucional e Administrativo.

A discussão acerca da natureza jurídica da desapropriação é grande,

entendendo uns que ela parte do direito público e do direito privado e outros

acreditando que parte somente do direito público.

O entendimento que nos parece mais correto é o ilustrado pelo

mestre PONTES DE MIRANDA:

“A desapropriação é de direito público, e só de direito público,

constitucional, administrativo.

O que é de direito civil é um de seus efeitos, o principal deles que é a perda

de propriedade.

24 Op. cit., p. 90.

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O direito civil não rege, de modo nenhum, a desapropriação; a

desapropriação, já no plano da eficácia, atinge o direito civil, e a ela, somente por

isso, tem o direito civil de aludir como um dos modos de perda da propriedade” 25.

Portanto, o Direito Constitucional reza acerca dos direitos

individuais e coletivos, estabelecendo os fundamentos para a desapropriação; no

âmbito do Direito Administrativo é desenvolvida como se dá a aplicação desse

instituto, determinando a competência e a finalidade para expropriar, ao passo

que o Direito Civil, no âmbito da eficácia, reconhece a desapropriação como

forma legal de cessar, além do domínio e da posse, os direitos e obrigações.

3.5. Espécies de Desapropriação

Para melhor entendimento sobre as espécies de desapropriação

vamos dividi-las da seguinte maneira:

- Quanto à forma: a desapropriação pode se dar de maneira direta

(regular) ou indireta (irregular).

A desapropriação direta ou regular ocorre quando o Poder Público

competente desapropria com respaldo em promulgação de decreto

expropriatório e mediante o pagamento de indenização, seja ela feita em

dinheiro ou em títulos da dívida agrária.

25 Op. cit., p. 152.

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A desapropriação indireta ou irregular acontece quando o Poder

Público competente desapropria sem respaldo em promulgação de decreto

expropriatório ou sem o pagamento de indenização.

- Quanto às modalidades (ou pressupostos): a desapropriação pode

ocorrer por necessidade pública, utilidade pública ou por interesse social.

Muito embora essas expressões possam parecer próximas uma das

outras, dando a idéia de que seus sentidos são iguais, cada qual possui uma

finalidade e um significado jurídicos específicos em nosso ordenamento.

Antes de darmos continuidade no estudo deste tópico, ressaltamos

que todas as espécies de desapropriação devem indenizar o proprietário de

forma prévia e justa, sendo este um requisito constitucional que envolve o

instituto.

3.5.1. Desapropriação por Necessidade Pública

A desapropriação por necessidade pública sucede quando o Poder

Público, com base na emergência do problema que lhe é apresentado incorpora,

ao domínio Estatal, o bem particular, como solução indispensável para a

questão. Nas palavras do mestre HELY LOPES MEIRELLES:

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“A necessidade pública surge quando a Administração defronta situações

de emergência, que, para serem resolvidas satisfatoriamente, exigem a transferência

urgente de bens de terceiros para o seu domínio e uso imediato” 26.

Os casos que são configurados como sendo de necessidade pública

estão previstos no artigo 5º do Decreto-Lei nº 3.365/41 (que dispõe sobre

desapropriações por utilidade pública). Convém explicar que referido artigo

abarca questões que foram consideradas somente de utilidade pública, todavia

como visto em KIYOSHI HARADA “ainda que desaparecendo a dicotomia, é

possível vislumbrar casos de necessidade pública no elenco do art. 5º, como

ocorre nos quatro primeiros incisos”27. Isto posto, podemos enumerar quais são

os casos de necessidade pública a seguir:

“(...)

a) a seguridade nacional;

b) a defesa do Estado;

c) o socorro público em caso de calamidade;

d) a salubridade pública”.

3.5.2. Desapropriação por Utilidade Pública

A desapropriação por utilidade pública é constatada quando há a

conveniência de transferir o bem particular para o domínio Estatal, a fim de

atender ao interesse da sociedade. HELY LOPES MEIRELLES explana que “a

26 Direito administrativo brasileiro, p. 577.

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utilidade pública apresenta-se quando a transferência de bens de terceiros para a

Administração é conveniente, embora não seja imprescindível”28.

São casos de utilidade pública aqueles descritos no artigo 5º do

Decreto-Lei nº 3.365/41, excetuando-se os já discriminados acima como sendo

de necessidade pública. A seguir:

“Consideram-se casos de utilidade pública:

(...)

e) a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento

regular de meios de subsistência;

f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais;

g) a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saúde,

clínicas, estações de clima e fontes medicinais;

h) a exploração e a conservação dos serviços públicos;

i) a abertura, conservação e melhoramento de vias e logradouros públicos;

a execução de planos de urbanização; o loteamento de terrenos, edificados ou não,

para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou

ampliação de distritos industriais29;

j) o funcionamento dos meios de transporte coletivo;

l) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos,

isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas

necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos

e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza;

27 Desapropriação: doutrina e prática, p. 31.

28 Op. cit., p. 577.29 Com redação determinada pela Lei nº 6.602/78.

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m) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e

outros bens móveis de valor histórico ou artístico;

n) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e

cemitérios;

o) a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves;

p) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica,

artística ou literária;

q) os demais casos previstos por leis especiais.

§ 1º A construção ou ampliação de distritos industriais, de que trata a

alínea i do caput deste artigo, inclui o loteamento das áreas necessárias à instalação

de indústrias e atividades correlatas, bem como a revenda ou lotação dos

respectivos lotes a empresas previamente qualificadas30.

§ 2º A efetivação da desapropriação para fins de criação ou ampliação de

distritos industriais depende de aprovação, prévia e expressa, pelo Poder Público

competente, do respectivo projeto de implantação” 31.

3.5.3. Desapropriação por Interesse Social

A desapropriação por interesse social é verificada quando há a

transferência do bem particular para o domínio Estatal e este, visando o bem

estar da coletividade, transfere a coisa para aqueles que necessitam do seu

amparo, já que de início a propriedade não cumpria a sua função social.

30 Acrescentado pela Lei nº 6.602/78.

31 Acrescentado pela Lei nº 6.602/78.

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Mais uma vez nos socorre o ensinamento do ilustre HELY LOPES

MEIRELLES, para quem:

“O interesse social ocorre quando as circunstâncias impõem a distribuição

ou o condicionamento da propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização

ou produtividade em benefício da coletividade ou de categorias sociais merecedoras

de amparo específico do Poder Público. Esse interesse social justificativo de

desapropriação está indicado na norma própria (Lei 4.132/62) e em dispositivos

esparsos de outros diplomas legais. O que convém assinalar, desde logo, é que os

bens desapropriados por interesse social não se destinam à Administração ou a seus

delegados, mas sim à coletividade ou, mesmo, a certos beneficiários que a lei

credencia para recebê-los e utilizá-los convenientemente” 32.

Esta modalidade de desapropriação será enfocada com maiores

detalhes posteriormente.

32 Op. cit., p. 578.

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CAPÍTULO II

Desapropriação para Fins de Reforma Agrária

4. Desapropriação para Fins de Reforma Agrária

Neste capítulo, estudaremos com maior profundidade o tema, título

deste trabalho, que é a desapropriação para fins de reforma agrária e, ao longo

da dissertação, procuraremos traçar um estudo baseado em seus principais

pontos.

4.1. Fundamento do Instituto

O fundamento da desapropriação para fins de reforma agrária é o

não cumprimento da função social do imóvel rural, em detrimento do bem

comum.

A terra rural, como já vimos anteriormente, é classificada como um

bem destinado à produção de outros bens e, como tal, tem sobre si o princípio da

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função social de maneira mais acentuada, com o objetivo de torná-la

adequadamente útil.

Quando isso não é verificado, o instituto da desapropriação agrária

mostra-se como instrumento adequado para dar à propriedade rural expropriada

uma correta destinação, em prol do interesse coletivo.

4.2. Legislação

Para que sejam promovidas as desapropriações para fins de reforma

agrária devem ser observados, pelo órgão expropriante (INCRA), o Capítulo III

da Constituição Federal, artigos 184 a 191, referentes à Política Agrícola e

Fundiária e da Reforma Agrária; o disposto na Lei 8.629/1993, que trata da

Regulamentação dos Dispositivos Constitucionais Relativos à Reforma Agrária,

bem como a Instrução Normativa nº 8, de 03 de dezembro de 1993, criada com o

objetivo de regulamentar a ação de seus agentes, traçando Diretrizes para o

Procedimento Administrativo das Desapropriações por Interesse Social, para

Fins de Reforma Agrária,

No tocante à demanda expropriatória, deve ser examinada a Lei

Complementar nº 76/1993, que disciplina o Procedimento Contraditório

Especial, de Rito Sumário, para o Processo de Desapropriação de Imóvel

Rural, por Interesse Social, para fins de Reforma Agrária, com as alterações

trazidas pela Lei Complementar nº 88/1996.

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4.3. Competência

Ao falarmos de competência temos que ter em mente a divisão

acerca da matéria: existe a competência para legislar sobre desapropriação e há a

competência para expropriar, que são dois atos distintos entre si.

Dando enfoque primeiramente a quem compete legislar sobre o

instituto da desapropriação, temos o artigo 22 da Constituição Federal de 1988

disciplinando a questão:

“ Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

II. desapropriação;”

De acordo com o acima citado, vê-se que o Legislador preocupou-

se em citar a União como exclusiva detentora do direito de legislar sobre o

assunto. Todavia o parágrafo único do referido artigo abre um espaço ao dizer

que “lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões

específicas das matérias relacionadas neste artigo”. Tal parágrafo deve ser

compreendido no sentido de que aos Estados caberá também legislar sobre o

assunto desapropriação, entretanto em pontos específicos a serem determinados

por legislação complementar federal.

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Com relação à competência para expropriar, no âmbito geral, os

sujeitos que podem figurar no pólo ativo da desapropriação são quaisquer

entidades políticas que compõem a Federação, ou seja, a União, os Estados-

membros, o Distrito Federal e os Municípios, os quais têm o poder

expropriatório original. Concessionários de serviços públicos ou

estabelecimentos de caráter público também possuem poder de desapropriação,

porém de forma limitada, haja vista que necessitam de autorização legislativa ou

contratual para expropriar somente bens imprescindíveis ao desempenho de suas

funções como executantes de serviços públicos.

Contudo ao estudarmos a modalidade de desapropriação por

interesse social verificamos uma restrição no leque de entidades que podem

figurar no pólo ativo do processo expropriatório, e que se torna mais específico

ao adentrarmos na questão da desapropriação por interesse social para fins de

reforma agrária.

Para se ter a exata idéia do que estamos falando, reproduzimos

abaixo o magistério do Ilustríssimo HELY LOPES MEIRELLES:

“A desapropriação por interesse social é aquela que se decreta para

promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar seu uso ao bem-estar

social (Lei 4.132/62, art. 1º). A primeira hipótese é privativa da União e específica

da Reforma Agrária; a segunda é permitida a todas as entidades constitucionais –

União, Estados-membros, Municípios, Distrito Federal e Territórios -, que têm a

incumbência de adequar o uso da propriedade em geral às exigências da

coletividade. Portanto, nos limites de sua competência, cada entidade estatal pode

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desapropriar por interesse social, desde que o objeto da expropriação e sua

destinação se contenham na alçada da Administração expropriante” 33.

Sendo assim, concluímos que a desapropriação para fins de reforma

agrária é de competência privativa da União, que encontra respaldo legal para

promovê-la conforme o artigo 184, caput, da Constituição Federal:

“ Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de

reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social,

mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de

preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do

segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei” .

Salientamos que a desapropriação para fins de reforma agrária é

realizada pelo INCRA, com base no artigo 2º do Decreto-Lei nº 1.110/70, sendo

que o ato expropriatório é de competência do Presidente da República ou da

autoridade por ele delegada.

4.4. Objeto

O objeto da figura expropriatória em exposição é o imóvel rural que

não esteja cumprindo a sua função social, de acordo com o artigo 184 da

Constituição Federal.

Analisando-se brevemente o teor inserido neste artigo é visível que

nele não está contido o conceito do que vem a ser o imóvel rural, e esta

33 Op. cit., p. 576.

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definição passa a ganhar importância na medida em que recaí sobre o referido

tipo de imóvel a desapropriação.

E, assim como acontece com várias outras questões jurídicas, a

conceituação de imóvel rural é passível de controvérsias, as quais tentaremos

aqui dirimi-las.

O grande conflito existente na questão do imóvel rural circunda em

torno de sua destinação e de sua localização, nascendo daí dois critérios de

interpretação jurídica.

A Lei nº 8.629/1993, a qual dispõe sobre a regulamentação dos

dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo

III, Título VII, da Constituição Federal, conceitua o imóvel rural em seu artigo

4º:

“Art. 4º - Para os efeitos desta Lei, conceituam-se:

I – Imóvel Rural – o prédio rústico de área continua, qualquer que seja a

sua localização, que se destine ou passa se destinar à exportação agrícola, pecuária,

extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial;

(...)” .

Tal concepção vai ao encontro daquilo já estabelecido no Estatuto

da Terra (Lei nº 4.504/1964), em seu artigo 4º:

“Art. 4º - Para os efeitos desta Lei, definem-se:

I – Imóvel Rural, o prédio rústico, de área contínua, qualquer que seja a

sua localização, que se destine à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-

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industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa

privada;

(...)” .

Vemos que o Legislador adotou, no artigo 4º, inciso I, da Lei

8.629/1993, assim como adotado pelo Estatuto da Terra, o critério da destinação

para delimitar o imóvel rural, independentemente de qual local se situe, abrindo

desta forma uma possibilidade para interpretar que o imóvel urbano possa ser

objeto de desapropriação para fins de reforma agrária.

Ao nosso ver o Legislador equivocou-se em definir o imóvel rural

dessa maneira, olvidando-se de que a própria Constituição Federal de 1988 traz,

em seus dispositivos, o critério da localização, distinguindo os imóveis rurais

dos imóveis urbanos.

A esse respeito leciona o Mestre JOSÉ CARLOS DE MORAES

SALLES, para quem o critério adotado pela Carta Magna, através do artigo 184,

oferta o critério da localização, sendo inclusive inconstitucional a interpretação

dada pelo artigo 4º, inciso I, da Lei 8.629/1993. Vai além, ao afirmar que:

“(...) reforma agrária se faz no campo e não na cidade, ainda que nesta

possa haver, eventualmente, uma grande gleba de terra destinada a fins rurais

(exploração agrícola, pecuária ou agroindustrial)” 34.

Nesta esteira segue LEANDRO PAULSEN, quando diz que:

“(...) o legislador ordinário andou de forma equivocada, sem perceber que

a Constituição Federal traz, de forma implícita, a definição de imóveis rurais e

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urbanos, utilizando-se, para tanto, o critério da localização. De fato, da leitura dos

capítulos Da Política Urbana e Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma

Agrária, ambos do título Da Ordem Econômica e Financeira, é o que se tira. A

Constituição vinculou a expressão propriedade urbana à cidade, prevendo que deve

atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano

diretor aprovado pela Câmara Municipal. Quando a Constituição se refere a imóvel

rural, por sua vez, o faz em contraposição a imóvel urbano.

Assim, descabia, na regulamentação dos dispositivos constitucionais

relativos à reforma agrária, adotar-se outro critério que não o topográfico” 35.

4.4.1. Imóveis Rurais Isentos de Desapropriação para a Reforma Agrária

O artigo 185 da Carta Política de 1988 descreve quais são os

imóveis não expropriáveis:

“Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma

agrária:

I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que

seu proprietário não possua outra;

II – a propriedade produtiva.

(...)” .

Este artigo pode ser considerado uma exceção à regra geral disposta

no caput do artigo 184 da Constituição Federal, ao descrever claramente as três

34 Op. cit., p. 906-907.35 Desapropriação e reforma agrária: função social da propriedade, devido processo legal, desapropriaçãopara fins de reforma agrária, fases administrativas e judicial, proteção ao direito de propriedade, p. 95.

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espécies de propriedade que não podem ser desapropriadas para fins de reforma

agrária: a) a pequena propriedade rural; b) a média propriedade rural; e c) a

propriedade produtiva.

Do exposto depreendemos que, muito embora a propriedade rural

deva cumprir a sua função social, conforme o artigo 186 da Carta Política, a

própria Carta Magna foi sábia ao proteger da figura desapropriatória a

propriedade produtiva, além da pequena e média propriedade, desde que, nos

dois últimos casos o proprietário não possua outra, pois cumpre um papel de

importância dentro da sociedade, seja mantendo uma estrutura capaz de produzir

bens com a utilização adequada da terra, seja pelo desenvolvimento de uma

agricultura de subsistência ou de pequeno porte.

O Professor LEANDRO PAULSEN confirma aquilo que até aqui

foi demonstrado:

“Assim, pode-se afirmar, sem risco de erro, com base no claro texto

constitucional, que basta a propriedade ser produtiva para que esteja exime da

desapropriação. Não importa se não cumpre as demais condições para o

cumprimento de sua função social; se houver deficiências neste particular, o

proprietário estará sujeito a sanções administrativas, mas isso não tornará a

propriedade passível de desapropriação para reforma agrária” 36.

O artigo 185 da Constituição Federal de 1988, além de trazer

excepcionalidades ao conteúdo do caput do artigo 184 determinou, em seu

parágrafo único, garantias ao imóvel rural produtivo:

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“Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade

produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função

social” .

A intenção do Legislador, ao fazer esta ressalva, foi justamente de

manter a propriedade que venha sendo explorada satisfatoriamente, nas mãos de

seus proprietários, dando-lhes condições para que, além de ser produtiva, a

propriedade possa cumprir a sua função social.

A Lei 8.629/1993, na mesma esteira dos imóveis insuscetíveis de

desapropriação, traz em seu artigo 7º outra possibilidade de imóvel rural não

passível de expropriação para fins de reforma agrária:

“Art. 7º - Não será passível de desapropriação, para fins de reforma

agrária, o imóvel que comprove estar sendo objeto de implantação de projeto

técnico que atenda aos seguintes requisitos:

I – seja elaborado por profissional legalmente habilitado e identificado;

II – esteja cumprindo o cronograma físico-financeiro originalmente

previsto, não admitidas prorrogações dos prazos;

III – preveja que, no mínimo, 80% (oitenta por cento) da área total

aproveitável do imóvel esteja efetivamente utilizada em, no máximo, 3 (três) anos

para as culturas anuais e 5 (cinco) anos para as culturas permanentes;

IV – haja sido registrado no órgão competente no mínimo 6 (seis) meses

antes do decreto declaratório de interesse social.

Parágrafo único. Os prazos previstos no inciso III deste artigo poderão ser

prorrogados em até 50% (cinqüenta por cento), desde que o projeto receba,

36 Op. cit., p. 97.

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anualmente, a aprovação do órgão competente para fiscalização e tenha sua

implantação iniciada no prazo de 6 (seis) meses, contados de sua aprovação” .

A exclusão trazida pelo artigo 7º da Lei nº 8.629/1993 é possível,

porque ela dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais

acerca da reforma agrária, constantes do Capítulo III, Título VII, da Constituição

Federal.

Cabe-nos, a seguir, explicitar o que se entende por pequena e média

propriedade, bem como por propriedade produtiva.

4.4.2. Pequena e Média Propriedade

A Lei nº 8.629/1993, em seu artigo 4º, a partir do inciso II, fixa os

parâmetros para delimitar a pequena e média propriedade.

“Art. 4º. Para os efeitos desta Lei, conceituam-se:

(...);

II – Pequena Propriedade – o imóvel rural:

a) de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais;

b) (Vetado)

c) (Vetado)

III – Média Propriedade – o imóvel rural:

a) de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais;

b) (Vetado)

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Parágrafo único. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma

agrária a pequena e média propriedade rural, desde que o seu proprietário não

possua outra propriedade rural” .

Podemos verificar que a pequena propriedade é limitada em uma

área de até 04 (quatro) módulos fiscais; a média propriedade, por sua vez, está

compreendida numa área superior a 04 (quatro) e até, no máximo, 15 (quinze)

módulos fiscais. Destarte, concluímos, por exclusão, que a grande propriedade

se confirma quanto estamos diante de áreas superiores a 15 (quinze) módulos

fiscais.

O módulo fiscal, utilizado para classificar o imóvel rural como

sendo pequeno, médio ou grande, é um elemento fixado pelo INCRA (Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária) com valor variável de acordo com

a região. Tal módulo não deve ser confundido com o módulo rural, que é um

outro tipo de elemento, também regulamentado pelo INCRA, porém está

relacionado à propriedade familiar, determinando a área mínima que o imóvel

rural deve possuir para que seja viável, economicamente, a sua exploração, de

acordo com o estipulado pelo Governo.

Questão relevante, a qual não podemos deixar de mencionar, é a

que envolve a validade do retalhamento da grande propriedade rural, pelo seu

dono, através da alienação parcial (compra, venda, doação etc), após ser

verificado pelo INCRA que se trata de terra passível da figura expropriatória

para fins de reforma agrária.

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Parece-nos correto afirmar que enquanto não existir o decreto

expropriatório, declarando que o imóvel rural é de interesse social para fins de

reforma agrária, mesmo que o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária) tenha feito o levantamento preliminar da propriedade, o ato do

proprietário em dividir e alienar suas terras, tornando-as pequenas e médias

propriedades, é válido desde que não comprovada simulação ou fraude. Porém,

no caso do ato expropriatório ter sido emitido, o proprietário não mais poderá

incorrer neste expediente, pois o decreto de desapropriação torna-se de

conhecimento público.

LEANDRO PAULSEN confirma esse entendimento ao dizer que:

“De fato, quando do levantamento preliminar realizado pelo INCRA, como

se verá adiante, ainda não há a decisão de desapropriar o imóvel, o que somente

surge com o decreto que o declara de interesse social para fins de reforma agrária.

Assim, durante esta fase, a princípio, não há como se criar óbice ou deixar de

considerar a divisão da propriedade, e.g., por compra e venda ou doação, salvo,

evidentemente, se for comprovada simulação ou fraude. O decreto sim cria um

marco relevante, depois do qual eventual fracionamento não poderá ser oposto

contra o INCRA para desclassificar o imóvel de grande propriedade para pequena

ou média, com vista à invocação das hipóteses de exclusão previstas no art. 185,

inciso I, da Constituição. Ressalto que, com a publicação do Decreto, a declaração

do imóvel como de interesse social para fins de reforma agrária torna-se de

conhecimento geral, sendo que ninguém poderá alegar desconhecê-la” 37.

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4.4.3. Propriedade Produtiva

Novamente a Lei nº 8.629/1993 vem nos socorrer a fim de que

possamos caracterizar, desta vez, a propriedade produtiva. Reza o artigo 6º da

Lei:

“Art. 6º - Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada

econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e

de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente.

§ 1º - O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo,

deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação

percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel.

§ 2º. O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou

superior a 100% (cem por cento) e será obtido de acordo com a seguinte

sistemática:

I – para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada

produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão

competente do Poder Executivo, para cada microrregião homogênea;

II – para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades

Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão

competente do Poder Executivo, para cada microrregião homogênea;

III – a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo,

dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o

grau de eficiência na exploração.

§ 3º - Consideram-se efetivamente utilizadas:

37 Op. cit., p. 101.

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I – as áreas plantadas com produtos vegetais;

II – as áreas de pastagens nativas e plantadas, observado o índice de

lotação por zona de pecuária, fixado pelo Poder Executivo;

III – as áreas de exploração extrativa vegetal ou florestal, observado o

índice de lotação por zona de pecuária, fixado pelo Poder Executivo, para cada

microrregião homogênea, e a legislação ambiental;

IV – as áreas de exploração de florestas nativas, de acordo com plano de

exploração e nas condições estabelecidas pelo órgão federal competente;

V – as áreas sob processos técnicos de formação ou recuperação de

pastagens ou de culturas permanentes.

§ 4º - No caso de consórcio ou intercalação de culturas, considera-se

efetivamente utilizada a área total do consórcio ou intercalação.

§ 5º - No caso de mais de um cultivo no ano, com um ou mais produtos, no

mesmo espaço, considera-se efetivamente utilizada a maior área usada no ano

considerado.

§ 6º - Para os produtos que não tenham índices de rendimentos fixados,

adotar-se-á a área utilizada com esses produtos, com resultado do cálculo previsto

no inciso I do § 2º deste artigo.

§ 7º - Não perderá a qualificação de propriedade produtiva o imóvel que,

por razões de força maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente

conduzida, devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar,

no ano respectivo, os graus de eficiência na exploração exigidos para a espécie.

§ 8º - São garantidos os incentivos fiscais referentes ao Imposto Territorial

Rural Relacionados com os graus de utilização e de eficiência na exploração,

conforme o disposto no art. 49 da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964” .

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65

Concluímos que a caracterização da propriedade produtiva está

intimamente relacionada com a função social da propriedade.

4.5. Interesse Social na Desapropriação para Fins de Reforma Agrária

Podemos fragmentar o termo “interesse social” para melhor

entendermos o seu significado:

- a palavra interesse: significa uma pretensão, uma preocupação

que um indivíduo possui sobre determinada coisa, independentemente de possuir

direito sobre ela;

- a palavra social: esta nos remete à palavra “sociedade”, que possui

como um de seus atributos o meio humano no qual o indivíduo se agrega; no

Brasil, por exemplo, a sociedade nacional é estruturada com o objetivo de

conviver sob um único regime político, obedecendo às leis e normas impostas,

caracterizando desta maneira uma unidade estruturada em todos os níveis.

O interesse, por ser social, não permanece engessado numa só

pessoa, em um único indivíduo. Vai além, na medida em que emana da

sociedade, de um grupo de pessoas que possui determinada pretensão acerca de

algo a que tem direito.

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Como vimos anteriormente, no sistema jurídico brasileiro, existem

três modalidades de desapropriação, sendo a por interesse social uma delas.

O interesse social, por si só, não permite a figura expropriatória;

aliás, para que o ato declaratório de interesse social tenha eficácia, depende

exclusivamente de uma motivação, que é justificada basicamente através de

duas causas que dão legitimidade à expropriação:

- o uso inadequado da propriedade agrária;

- a melhor divisão de terras para a agricultura, visando diminuir a

concentração de terras.

Nas palavras do Ilustre MANOEL DE OLIVEIRA FRANCO

SOBRINHO:

“(...) a motivação é sempre de interesse social. O enfoque social decorre do

uso e aproveitamento da terra. Dos resultados que dela tiram proprietários e

trabalhadores, das condições naturais e legais da área possuída. A expressão visa o

que se faz, não o que se possa fazer ou deixar de fazer” 38.

Este pensamento nos remete ao instituto da função social da

propriedade, o qual quando não é cumprido, serve de motivação para que a terra

seja desapropriada.

Contudo, o conteúdo do artigo 186 da Constituição estabelece as

condições caracterizadoras da função social, impedindo que manifestações de

desapropriar amadureçam através de atos declaratórios não motivados; ou seja,

38 Desapropriação, p. 329.

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não há ato declaratório de interesse social que resista quando comprovada que a

propriedade cumpre a sua função social, porque o mesmo deve qualificar qual é

este interesse social.

Nota-se, portanto, que na desapropriação para fins de reforma

agrária, função e interesse social estão vinculados. Quando há a

descaracterização do primeiro, aflora-se o segundo.

4.6. Indenização

Genericamente, o Poder Público poderá se valer da desapropriação

por necessidade ou utilidade pública, ou mesmo por interesse social, mediante o

pagamento de indenização prévia e justa em dinheiro, nos termos do inciso

XXIV, do artigo 5º da Constituição Federal.

Todavia, no que tange à desapropriação por interesse social para

fins de reforma agrária, o inciso do referido artigo indicado não prevalece, pois

tal matéria foi, pelo Legislador, tratada especificamente no artigo 184 da Carta

Magna.

O caput do artigo 184 explicita que este tipo de desapropriação

deverá ser feito, pela União, mediante prévia e justa indenização mas,

diferentemente do exposto no inciso XXIV do artigo 5º, tal se realizará através

de títulos da dívida agrária, com cláusula de conservação do valor real, podendo

ser resgatáveis em até 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja

utilização será definida em lei.

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Parece-nos incoerente a utilização pelo Constituinte da palavra

prévia insculpida no artigo 184. Como considerar prévio um pagamento

efetuado com títulos da dívida agrária resgatáveis em até 20 anos?

Temos por prévia algo que é feito com antecedência, de antemão.

Concernente à desapropriação, entendemos que a prévia indenização é aquela

efetuada, pelo expropriante ao expropriado, antes da aquisição da propriedade

do imóvel.

Entretanto, como visto, não é o que ocorre com a indenização na

expropriação para fins agrários, que na prática de prévia não tem nada.

Compreendemos que estruturar um sistema agrário em nosso país,

que possa atender aos anseios da sociedade, é extremamente oneroso e adiciona-

se a isto as limitações orçamentárias que o Governo Federal enfrenta, atingindo

todas as áreas de sua atuação, inclusive no tocante à reforma agrária.

Desta forma, a liquidez da indenização na desapropriação para fins

de reforma agrária é sacrificada, com a emissão de títulos da dívida agrária pelo

Poder Público.

Tal forma de pagamento, no artigo 184, é uma verdadeira exceção

ao aludido no inciso XXIV do artigo 5º da Lei Maior.

Sendo assim, não caberia ao Legislador Constituinte incluir a

palavra prévia para esta forma de indenização. Ao nosso ver, o mais lógico e

coerente seria a não alusão à previedade, considerando que a indenização fosse

somente justa.

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No que diz respeito à justa indenização, ela deve ser voltada a

retribuir ao expropriado o valor integral equivalente ao seu bem, que foi

transferido ao Poder Público através da desapropriação.

“E como o conceito justa indenização se refere a uma transferência coativa

de bens de um patrimônio privado para o público, deverá corresponder a uma

retribuição que permita a reparação integral, ou seja, aquela que, naquele momento

do mercado em que a indenização é colocada em mãos do expropriado, possibilita a

aquisição de coisa similar à que lhe foi retirada” 39 .

Para que o Poder Público chegue a um valor justo indenizatório

necessitará de sentença proferida pelo juiz da causa, o qual se valerá das

disposições de leis e normas, bem como de laudo pericial baseado em critérios

imobiliários e na experiência dos peritos, que avaliarão o imóvel, já que não há

critério absoluto para aferição do quantum a ser indenizado.

Ademais, é notável ressaltarmos a minúcia trazida pelo artigo 184

de que, apesar da indenização ser efetuada através de títulos da dívida agrária,

resgatáveis em até 20 anos, estes devem conter cláusula de preservação do valor

real. A inserção de tal garantia é louvável, pois não pode o expropriado ter o

valor recebido pela desapropriação arruinado em prol da infração.

Mas, a propósito, o que vem a ser título da dívida agrária?

O título da dívida agrária é uma espécie de título de crédito, no qual

se materialize o valor indenizatório do desapossamento e que pode ser utilizado

com observância nos artigos 7º, 9º e 11 do Decreto 578/1992, que dispõe ainda,

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dentre outras coisas, sobre como se dará o seu lançamento (artigo 3º) e sua

natureza escritural (art. 1º).

Tem-se, portanto, que na desapropriação para fins de reforma

agrária a terra nua será indenizada com títulos da dívida agrária.

Concernente às benfeitorias úteis e necessárias, estas serão

indenizadas em dinheiro, de acordo com o §1º do artigo 184 da Carta Política de

1988.

4.6.1. Deságio dos Títulos da Dívida Agrária

Questão interessante é aquela que discorre sobre a restituição ao

desapropriado do deságio dos títulos da dívida agrária quando negociados antes

do prazo para resgate.

O expropriado, como vimos, tem como opções esperar o prazo

estipulado para resgatar os títulos, utilizá-los conforme o artigo 11 do Decreto

578/1992 ou, ainda, negociá-los no mercado de acordo com o artigo 7º do

referido Decreto.

Quando o desapropriado opta por negociar os títulos, por

comercializá-los antes do prazo estipulado de seus vencimentos, suporta um

prejuízo em razão do deságio sofrido por estes. Entretanto, está o Poder Público

obrigado a recompor tal prejuízo?

39 Maria Helena Diniz, Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, p. 66.

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Em nosso entender o Poder Público não está obrigado a restituir o

valor do deságio incorrido pelo expropriado quando da negociação dos títulos.

O título da dívida agrária vem com cláusula de preservação do valor

real, que implica na sua atualização monetária quando de seu resgate. Quando

negociado antes de seu vencimento, o expropriado repassa-o em sua

integralidade, transferindo ao endossatário o direito de receber o seu valor

devidamente atualizado. Exigir que a União arque com o deságio em relação ao

expropriado e atualize o título quando resgatado do endossatário, parece-nos

descabido, pois as leis são claras ao estipular que o pagamento indenizatório em

TDA ocorrerá ao longo de determinado lapso temporal, e não à vista, como

pretende o desapropriado ao comercializar o título.

LEANDRO PAULSEN reforça nosso entendimento:

“Mas não se deve confundir o pagamento em TDAs com a utilização que

lhe dará o proprietário favorecido.

A Constituição permite que a União desaproprie mediante indenização em

títulos a serem resgatados a prazo. Ou seja, a União, através do INCRA, paga o

preço da terra nua em TDA. Entrega os títulos como indenização pela

desapropriação, títulos esses que contêm cláusula de preservação do valor real.

É descabido pretender-se que a indenização seja fixada com base no

montante que o proprietário poderá obter à vista com a negociação dos TDAs” 40.

Assim vem julgando o Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

40 Op. cit., p. 111.

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“ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL

PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. TÍTULOS DA DÍVIDA AGRÁRIA.

DESÁGIO. HONORARIA DO PERITO. REMESSA EX OFFICIO.

1. Os Títulos da Dívida Agrária refletem a intenção de pagamento a prazo.

O deságio sofrido pela opção do beneficiário em receber, no mercado, o valor à

vista, deve por ele ser suportado e não pelo expropriante, que só está obrigado a

preservar o valor real dos títulos através da atualização monetária. Esta, que não se

confunde com o deságio, está constitucionalmente assegurada (CF/88, art. 184,

caput).

(...)”. (TRF3, Apelação Cível nº 91030210928/SP, 2ª Turma, Rel. Juíza Eva

Regina).

4.7. Visão geral do Procedimento da Figura Expropriatória

Neste item exploraremos, de forma sucinta, o caminho percorrido

para desapropriar a propriedade rural para fins de reforma agrária.

O início da desapropriação se dá na fase administrativa, a partir do

momento em que o INCRA, através de um levantamento preliminar de

informações e cadastros, busca identificar propriedades rurais que não estejam

cumprindo sua função social e que não constem nas exceções trazidas pelo

artigo 185 da Constituição Federal.

Logo após esta primeira etapa, a questão é levada para apreciação

do Presidente da República que, baseado nas informações e dados recebidos,

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edita decreto declarando que a propriedade é de interesse social para fins de

reforma agrária. Este ato possibilita ao INCRA vistoriar e avaliar o imóvel,

definindo o valor indenizatório.

Superada a fase administrativa, o INCRA, diante do decreto

presidencial e do laudo de vistoria e avaliação, pode propor ajuizamento de

demanda desapropriatória, recebendo de plano a imissão na posse do imóvel, o

que lhe possibilita iniciar os assentamentos, e, ao final, ter o domínio

devidamente registrado em seu nome.

CAPÍTULO III

Conclusão e Considerações Finais

A desapropriação para fins de reforma agrária é o meio de

intervenção estatal pautado no princípio da supremacia do interesse público

sobre o privado. Este princípio constitucional implícito, por ser a essência de

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várias disposições constitucionais, é de suma importância para que uma

sociedade viva pacificamente organizada.

A figura expropriatória, tema proposto, para ser compreendida não

pode ser estudada isoladamente, pois a ela se relacionam três institutos que, por

si só, possuem grande importância, quais sejam: o direito de propriedade, a

reforma agrária e a desapropriação.

O direito de propriedade é a matriz dos direitos reais e,

indubitavelmente, é o mais importante de todos os direitos subjetivos materiais.

O artigo 1228 do Código Civil traz os elementos que norteiam essa figura

jurídica, consistentes nos direitos de usar, gozar (usufruir), dispor e de reaver a

coisa, que mesmo não concentrados em uma só pessoa não implicará na perda

desse direito.

A doutrina tradicional apresenta o direito de propriedade

caracterizado como um direito absoluto, exclusivo e perpétuo (irrevogável). Mas

graças à evolução histórica, acompanhando o desenvolvimento do homem e da

sociedade em seus aspectos políticos, econômicos e sociais, que o direito de

propriedade ganhou outro enfoque, dando uma nova concepção para a

propriedade, na medida em que relativiza o seu caráter absoluto, exclusivo e

perpétuo, condicionando o seu exercício ao cumprimento da função social.

A propriedade, na nova ordem, não serve apenas como forma de

acumulação de riquezas; atualmente, possui outra função dentro de uma

sociedade que valoriza a pessoa mais do que os bens: servir ao homem,

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proporcionando-lhe vantagens e benefícios, impondo obrigações ao seu

proprietário, com o objetivo de equilibrar os seus direitos e os direitos da

sociedade, em prol do bem comum.

A reforma agrária, por sua vez, visa corrigir o uso inadequado da

terra rural, combatendo gradualmente o latifúndio, para que haja uma melhor

distribuição de terras, bem como promover a justiça social no campo.

No Brasil o latifúndio originou-se quando da implantação, por

Portugal, do regime das capitanias hereditárias, através do sistema das

sesmarias. De lá para cá, apesar das mudanças sociais, políticas e econômicas

ocorridas em nosso país, a estrutura fundiária pouco evoluiu, já que existem

muitas terras concentradas nas mãos de poucos.

Com o advento do Estatuto da Terra (considerado como sendo o

Código Agrário Brasileiro), em 1964, nasceu uma legislação sólida voltada para

o instituto da reforma agrária, porém após a sua promulgação o capítulo

concernente à reforma agrária, na prática, permaneceu “esquecido” durante

aproximadamente 15 anos.

A finalidade da reforma agrária é a função social da terra rural,

insculpida no artigo 186 da Lei Fundamental, que se distingue da propriedade

urbana, pelo fato de ser ela responsável pela produção de outros bens

indispensáveis aos interesses da sociedade.

No tocante à desapropriação genérica (ou expropriação), ela se

impõe como uma das exceções acerca da irrevogabilidade do direito de

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propriedade, demarcando o conflito estabelecido entre interesses de ordens

pública e privada, pois é o meio pelo qual o Poder Público intervém na

propriedade, retirando-a de seu proprietário, mediante indenização que, de

acordo com o estabelecido em lei, deve ser prévia e justa, podendo ser paga em

dinheiro ou, ainda, com títulos da dívida agrária, caso específico da

desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.

O instituto da desapropriação, modo originário de aquisição da

propriedade, pode se dar de forma direta ou indireta, dependendo da atuação do

Poder Público respaldado ou não em decreto expropriatório; podendo ter como

pressuposto a necessidade pública, a utilidade pública ou o interesse social, cada

qual possuindo significados jurídicos distintos em nosso ordenamento, sendo

que deste último origina-se a desapropriação para fins de reforma agrária.

A desapropriação para fins de reforma agrária mostra-se como o

meio adequado para as correções dos problemas trazidos pelo campo, eis que

tem por fundamento a não obediência pela propriedade rural da função social,

que sem dúvida apresenta-se de maneira mais acentuada se comparada à

propriedade urbana.

O Legislador Constitucional sabiamente atribuiu a competência

legislativa e expropriatória deste instituto à União, já que o problema da

concentração de terras é de ordem nacional, envolvendo fatores sociais, como a

racional distribuição de terras e seu uso adequado, bem como econômicos, pois

da terra rural espera-se seu melhor aproveitamento para a obtenção de bens.

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Os artigos 184 e 185 da Carta Magna delimitam o campo de

atuação da figura expropriatória acerca do objeto; o primeiro discorre sobre a

propriedade rural que não esteja cumprindo a sua função social, e o segundo

sobre os imóveis insuscetíveis de desapropriação para a reforma agrária,

incluídos aí a pequena e média propriedades rural desde que seu proprietário não

possua outra, e a propriedade produtiva.

A exclusão trazida para a pequena e média propriedade fica no

âmbito da reforma agrária, não significando que seja absoluta quando diante da

desapropriação por interesse social; por sua vez, a propriedade sendo produtiva

deixa de produzir parâmetros para uma possível desapropriação para fins de

reforma agrária, mesmo que seja um latifúndio.

Para que a expropriação em tela seja ativada sobre a terra rural, não

basta estar calcada apenas no interesse social, necessitando de motivação que lhe

dê legitimidade. Tal motivação resulta da não observância pelo proprietário rural

dos critérios caracterizadores da função social, trazidos pelo artigo 186 da

Constituição Federal, aliados à vontade da coletividade em distribuir de maneira

mais eqüitativa a posse da terra.

Quanto ao expropriado, muito embora tenha o seu bem transferido

para as mãos de outrem, por meio do Poder Público, recebe em troca uma

indenização que recompõe a sua condição, mesmo que ela se proceda de uma

forma não tão prévia como estipulada pela lei, no caso específico quando do

pagamento com títulos de dívida agrária.

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A par de todas essas considerações, é visível a impossibilidade de

tratarmos da desapropriação para fins de reforma agrária sem adentrarmos nos

institutos a ela relacionados. Além da propriedade em si, é notório como a

questão da função social se entrelaça às figuras jurídicas estudadas,

determinando os limites de atuação de cada uma.

A legislação acerca da matéria está em compasso com as intenções

do Legislador em resguardar os direitos do proprietário e os interesses da

coletividade. Esta é, aliás, a mensagem maior para a nova ordem social em um

regime democrático. O que falta no Brasil é a vontade política para instaurar tal

ordem e promover a justiça social.

ANEXOS

DECRETO Nº 578, DE 24 DE JUNHO DE 1992

Dá nova regulamentação ao lançamento dos Títulos da Dívida Agrária.

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O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe

confere o art. 84, inciso VI, da Constituição, e tendo em vista o disposto nos

arts. 184 da Constituição, 105 da Lei n° 4.504, de 30 de novembro de 1964, e 5°

da Lei n° 8.177, de 1° de março de 1991.

DECRETA:

Art. 1°. Os Títulos da Dívida Agrária (TDA) terão forma escritural

e o seu controle, administração, lançamento, resgate e serviço de pagamento de

juros obedecerão ao disposto neste decreto.

Parágrafo único. O lançamento do TDA sob a forma escritural

corresponde à emissão do título cartular.

Art. 2°. O limite máximo de circulação dos TDA é de Cr$

7.929.774.965.762,40 (sete trilhões, novecentos e vinte e nove bilhões,

setecentos e setenta e quatro milhões, novecentos e sessenta e cinco mil,

setecentos e sessenta e dois cruzeiros e quarenta centavos), a preço de maio de

1992, atualizado mensalmente, na forma do disposto no art. 5º, da Lei nº 8.177,

de 1º de março de 1991.

Parágrafo único. Por TDA em circulação entende-se os Títulos

emitidos anteriormente à edição deste decreto, e os lançados, não resgatados.

Art. 3º. Caberá ao Ministério da Economia, Fazenda e

Planejamento (MEFP) a gestão, o controle, lançamento, resgate e pagamento de

juros dos TDA.

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§ 1º. O lançamento dos TDA, em atendimento à execução do

programa de reforma agrária, far-se-á mediante solicitação expressa do Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ao Departamento do

Tesouro Nacional (DTN).

§ 2º. O MEFP manterá controle de todos os lançamentos dos

títulos, bem assim do seu resgate e pagamento dos respectivos juros, por meio

de sistema centralizado de liquidação e de custódia.

§ 3º. O DTN e o Incra expedirão instrução normativa conjunta

relativa à forma de solicitação de lançamento.

Art. 4°. Os TDA serão nominativos e terão valor nominal, a preços

de maio de 1992, de:

I - Cr$ 79.297,75 (setenta e nove mil, duzentos e noventa e sete

cruzeiros e setenta e cinco centavos);

II - Cr$ 158.595,50 (cento e cinqüenta e oito mil, quinhentos e

noventa e cinco cruzeiros e cinqüenta centavos);

III - Cr$ 317.191,00 (trezentos e dezessete mil, cento e noventa e

um cruzeiros);

IV - Cr$ 792.977,50 (setecentos e noventa e dois mil, novecentos e

setenta e sete cruzeiros e cinqüenta centavos);

V - Cr$ 1.585.955,00 (um milhão, quinhentos e oitenta e cinco mil,

novecentos e cinqüenta e cinco cruzeiros).

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§ 1°. O valor nominal dos TDA será atualizado, no primeiro dia de

cada mês, por índice calculado com base na Taxa Referencial (TR) referente ao

mês anterior.

§ 2°. Compete ao MEFP a declaração mensal do valor nominal do

TDA.

Art. 5º. Os lançamentos dos TDA conterão:

I - a denominação: Título da Dívida Agrária;

II - a quantidade de títulos;

III - a data do lançamento;

IV - a data do vencimento;

V - o valor nominal em cruzeiros.

Art. 6°. Os TDA serão lançados, no primeiro dia útil de cada mês,

em séries autônomas relacionadas aos seus prazos de vencimento, conforme a

necessidade de cada caso específico.

§ 1º. O prazo de vencimento de cada série poderá ser de cinco, dez,

quinze ou vinte anos.

§ 2°. O lançamento de cada série autônoma será composto de

quantidades anuais, iguais e sucessivas de títulos, com data de resgate inicial, a

partir do segundo ano.

§ 3°. Observados os critérios do art. 11, do Decreto n° 433, de 24

de janeiro de 1992, caberá, anualmente, ao Ministro da Economia, Fazenda e

Planejamento, propor ao Presidente da República a fixação dos prazos

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estabelecidos no § 1.° deste artigo, para fins de lançamento dos TDA, com base

nos limites de endividamento do Setor Público.

Art. 7°. Os TDA poderão ser transferidos, por lançamento,

mediante ordem do alienante e do alienatário à instituição financeira que o

represente no sistema de liquidação e de custódia, vedado o fracionamento do

título.

Art. 8°. Os TDA serão remunerados com juros de seis por cento ao

ano, ou fração, pro rata, calculados sobre o valor nominal atualizado, pagos

anualmente.

Art. 9°. O valor do resgate do título corresponderá ao montante em

cruzeiros do valor nominal atualizado, acrescido da remuneração dos juros,

calculados pro rata.

Art. 10. O lançamento do TDA e suas transferências processar-se-

ão sob a forma escritural, mediante registro dos respectivos direitos creditórios,

em sistema centralizado de liquidação e de custódia, por intermédio do qual

serão também creditados a remuneração de juros e os valores referentes aos

resgates do principal previstos.

Art. 11. Os TDA poderão ser utilizados em:

I - pagamento de até cinqüenta por cento do Imposto sobre a

Propriedade Territorial Rural;

II - pagamento de preço de terras públicas;

III - prestação de garantia;

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IV - depósito, para assegurar a execução em ações judiciais ou

administrativas;

V - caução, para garantia de:

a) quaisquer contratos de obras ou serviços celebrados com a

União;

b) empréstimos ou financiamentos em estabelecimentos da União,

autarquias federais e sociedades de economia mista, entidades ou fundos de

aplicação às atividades rurais criadas para este fim;

VI - a partir do seu vencimento, em aquisição de ações de empresas

estatais incluídas no Programa Nacional de Desestatização.

Art. 12. O MEFP transferirá dos TDA, utilizados em pagamento do

Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, a parcela proporcional que lhe é

correspondente, ao município.

Art. 13. Em articulação com o Ministério da Agricultura e Reforma

Agrária (MARA), o MEFP estabelecerá, anualmente, com base no Orçamento

Geral da União, o montante definitivo de lançamentos de TDA.

Art. 14. Em consonância com o disposto no § 1°, do art. 19, da Lei

n° 8.088, de 31 de outubro de 1990, os detentores de certificados de TDA,

vencidos ou vincendos deverão promover a sua identificação junto ao Incra, em

prazo a ser fixado, para o efeito de inclusão dos seus títulos em sistema

centralizado de liquidação e de custódia.

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Art. 15. Os Ministros da Economia, Fazenda e Planejamento e da

Agricultura e Reforma Agrária poderão expedir as instruções necessárias à fiel

execução do presente decreto.

Art. 16. Revoga-se o Decreto nº 95.714, de 10 de fevereiro de

1988.

Brasília, 24 de junho de 1992; 171° da Independência e 104º da

República.

FERNANDO COLLOR

Luiz Antonio Andrade Gonçalves

Antonio Cabrera

LEI Nº 8.629, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1993

Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à

reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso

Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

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Art. 1º. Esta lei regulamenta e disciplina disposições relativas à

reforma agrária, previstas no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal.

Art. 2º. A propriedade rural que não cumprir a função social

prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados

os dispositivos constitucionais.

§ 1º. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins

de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.

§ 2º. Para fins deste artigo, fica a União, através do órgão federal

competente, autorizada a ingressar no imóvel de propriedade particular, para

levantamento de dados e informações, com prévia notificação. (Vide Medida

Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

§ 3º. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

§ 4º. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

§ 5º. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

§ 6º. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

§ 7º. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

§ 8º. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

§ 9º. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

Art. 2o-A. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

Art. 3º. (Vetado)

§ 1º. (Vetado)

§ 2º. (Vetado)

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Art. 4º. Para os efeitos desta lei, conceituam-se:

I - Imóvel Rural - o prédio rústico de área contínua, qualquer que

seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola,

pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial;

II - Pequena Propriedade - o imóvel rural:

a) de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais;

b) (Vetado)

c) (Vetado)

III - Média Propriedade - o imóvel rural:

a) de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais;

b) (Vetado)

Parágrafo único. São insuscetíveis de desapropriação para fins de

reforma agrária a pequena e a média propriedade rural, desde que o seu

proprietário não possua outra propriedade rural.

Art. 5º. A desapropriação por interesse social, aplicável ao imóvel

rural que não cumpra sua função social, importa prévia e justa indenização em

títulos da dívida agrária.

§ 1º. As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em

dinheiro.

§ 2º. O decreto que declarar o imóvel como de interesse social,

para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor ação de desapropriação.

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§ 3º. Os títulos da dívida agrária, que conterão cláusula

assecuratória de preservação de seu valor real, serão resgatáveis a partir do

segundo ano de sua emissão, em percentual proporcional ao prazo, observados

os seguintes critérios: (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

I - do segundo ao quinto ano, quando emitidos para indenização de

imóveis com área inferior a 40 (quarenta) módulos fiscais;

II - do segundo ao décimo ano, quando emitidos para indenização

de imóvel com área acima de 40 (quarenta) até 70 (setenta) módulos fiscais;

III - do segundo ao décimo quinto ano, quando emitidos para

indenização de imóvel com área acima de 70 (setenta) até 150 (cento e

cinqüenta) módulos fiscais;

IV - do segundo ao vigésimo ano, quando emitidos para

indenização de imóvel com área superior a 150 (cento e cinqüenta) módulos

fiscais.

§ 4o . (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

I - (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

II - (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

a) (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

b) (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

c) (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

d) (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

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§ 5o. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

§ 6o. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

Art. 6º. Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada

econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da

terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal

competente.

§ 1º. O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo,

deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação

percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do

imóvel.

§ 2º. O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou

superior a 100% (cem por cento), e será obtido de acordo com a seguinte

sistemática:

I - para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada

produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão

competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;

II - para a exploração pecuária, divide-se o número total de

Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo

órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;

III - a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste

artigo, dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem),

determina o grau de eficiência na exploração.

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§ 3º. Considera-se efetivamente utilizadas:

I - as áreas plantadas com produtos vegetais;

II - as áreas de pastagens nativas e plantadas, observado o índice de

lotação por zona de pecuária, fixado pelo Poder Executivo;

III - as áreas de exploração extrativa vegetal ou florestal,

observados os índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do

Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea, e a legislação ambiental;

IV - as áreas de exploração de florestas nativas, de acordo com

plano de exploração e nas condições estabelecidas pelo órgão federal

competente;

V - as áreas sob processos técnicos de formação ou recuperação de

pastagens ou de culturas permanentes. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de

24/08/01)

§ 4º. No caso de consórcio ou intercalação de culturas, considera-se

efetivamente utilizada a área total do consórcio ou intercalação.

§ 5º. No caso de mais de um cultivo no ano, com um ou mais

produtos, no mesmo espaço, considera-se efetivamente utilizada a maior área

usada no ano considerado.

§ 6º. Para os produtos que não tenham índices de rendimentos

fixados, adotar-se-á a área utilizada com esses produtos, com resultado do

cálculo previsto no inciso I do § 2º deste artigo.

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§ 7º. Não perderá a qualificação de propriedade produtiva o imóvel

que, por razões de força maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens

tecnicamente conduzida, devidamente comprovados pelo órgão competente,

deixar de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência na exploração,

exigidos para a espécie.

§ 8º. São garantidos os incentivos fiscais referentes ao Imposto

Territorial Rural relacionados com os graus de utilização e de eficiência na

exploração, conforme o disposto no art. 49 da Lei nº 4.504, de 30 de novembro

de 1964.

Art. 7º. Não será passível de desapropriação, para fins de reforma

agrária, o imóvel que comprove estar sendo objeto de implantação de projeto

técnico que atenda aos seguintes requisitos:

I - seja elaborado por profissional legalmente habilitado e

identificado;

II - esteja cumprindo o cronograma físico-financeiro originalmente

previsto, não admitidas prorrogações dos prazos;

III - preveja que, no mínimo, 80% (oitenta por cento) da área total

aproveitável do imóvel seja efetivamente utilizada em, no máximo, 3 (três) anos

para as culturas anuais e 5 (cinco) anos para as culturas permanentes;

IV - haja sido registrado no órgão competente no mínimo 6 (seis)

meses antes do decreto declaratório de interesse social. (Vide Medida Provisória

nº 2.183-56, de 24/08/01)

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Parágrafo único. Os prazos previstos no inciso III deste artigo

poderão ser prorrogados em até 50% (cinqüenta por cento), desde que o projeto

receba, anualmente, a aprovação do órgão competente para fiscalização e tenha

sua implantação iniciada no prazo de 6 (seis) meses, contado de sua aprovação.

Art. 8º. Ter-se-á como racional e adequado o aproveitamento de

imóvel rural, quando esteja oficialmente destinado à execução de atividades de

pesquisa e experimentação que objetivem o avanço tecnológico da agricultura.

Parágrafo único. Para os fins deste artigo só serão consideradas as

propriedades que tenham destinados às atividades de pesquisa, no mínimo, 80%

(oitenta por cento) da área total aproveitável do imóvel, sendo consubstanciadas

tais atividades em projeto:

I - adotado pelo Poder Público, se pertencente à entidade de

administração direta ou indireta, ou a empresa sob seu controle;

II - aprovado pelo Poder Público, se particular o imóvel.

Art. 9º. A função social é cumprida quando a propriedade rural

atende, simultaneamente, segundo graus e critérios estabelecidos nesta lei, os

seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e

preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de

trabalho;

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IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos

trabalhadores.

§ 1º. Considera-se racional e adequado o aproveitamento que atinja

os graus de utilização da terra e de eficiência na exploração especificados nos §§

1º a 7º do art. 6º desta lei.

§ 2º. Considera-se adequada a utilização dos recursos naturais

disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra,

de modo a manter o potencial produtivo da propriedade.

§ 3º. Considera-se preservação do meio ambiente a manutenção das

características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais,

na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da

saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas.

§ 4º. A observância das disposições que regulam as relações de

trabalho implica tanto o respeito às leis trabalhistas e aos contratos coletivos de

trabalho, como às disposições que disciplinam os contratos de arrendamento e

parceria rurais.

§ 5º. A exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e

trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento das necessidades básicas dos

que trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e não

provoca conflitos e tensões sociais no imóvel.

§ 6º. (Vetado)

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Art. 10. Para efeito do que dispõe esta lei, consideram-se não

aproveitáveis:

I - as áreas ocupadas por construções e instalações, excetuadas

aquelas destinadas a fins produtivos, como estufas, viveiros, sementeiros,

tanques de reprodução e criação de peixes e outros semelhantes;

II - as áreas comprovadamente imprestáveis para qualquer tipo de

exploração agrícola, pecuária, florestal ou extrativa vegetal;

III - as áreas sob efetiva exploração mineral;

IV - as áreas de efetiva preservação permanente e demais áreas

protegidas por legislação relativa à conservação dos recursos naturais e à

preservação do meio ambiente.

Art. 11. Os parâmetros, índices e indicadores que informam o

conceito de produtividade serão ajustados, periodicamente, de modo a levar em

conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento

regional, pelo Ministério da Agricultura e Reforma Agrária, ouvido o Conselho

Nacional de Política Agrícola. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de

24/08/01)

Art. 12. Considera-se justa a indenização que permita ao

desapropriado a reposição, em seu patrimônio, do valor do bem que perdeu por

interesse social. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

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1º. A identificação do valor do bem a ser indenizado será feita,

preferencialmente, com base nos seguintes referenciais técnicos e

mercadológicos, entre outros usualmente empregados:

I - valor das benfeitorias úteis e necessárias, descontada a

depreciação conforme o estado de conservação;

II - valor da terra nua, observados os seguintes aspectos:

a) localização do imóvel;

b) capacidade potencial da terra;

c) dimensão do imóvel.

2º. Os dados referentes ao preço das benfeitorias e do hectare da

terra nua a serem indenizados serão levantados junto às Prefeituras Municipais,

órgãos estaduais encarregados de avaliação imobiliária, quando houver,

Tabelionatos e Cartórios de Registro de Imóveis, e através de pesquisa de

mercado.

Art. 13. As terras rurais de domínio da União, dos Estados e dos

Municípios ficam destinadas, preferencialmente, à execução de planos de

reforma agrária.

Parágrafo único. Excetuando-se as reservas indígenas e os

parques, somente se admitirá a existência de imóveis rurais de propriedade

pública, com objetivos diversos dos previstos neste artigo, se o poder público os

explorar direta ou indiretamente para pesquisa, experimentação, demonstração e

fomento de atividades relativas ao desenvolvimento da agricultura, pecuária,

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preservação ecológica, áreas de segurança, treinamento militar, educação de

todo tipo, readequação social e defesa nacional.

Art. 14. (Vetado)

Art. 15. (Vetado)

Art. 16. Efetuada a desapropriação, o órgão expropriante, dentro do

prazo de 3 (três) anos, contados da data de registro do título translativo de

domínio, destinará a respectiva área aos beneficiários da reforma agrária,

admitindo-se, para tanto, formas de exploração individual, condominial,

cooperativa, associativa ou mista.

Art. 17. O assentamento de trabalhadores rurais deverá ser efetuado

em terras economicamente úteis, de preferência na região por eles habitada.

(Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

Parágrafo único. (Vetado)

Art. 18. A distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária far-

se-á através de títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo

prazo de 10 (dez) anos. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

Parágrafo único. O órgão federal competente manterá atualizado

cadastro de áreas desapropriadas e de beneficiários da reforma agrária.

Art. 19. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos

ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente de estado civil,

observada a seguinte ordem preferencial:

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I - ao desapropriado, ficando-lhe assegurada a preferência para a

parcela na qual se situe a sede do imóvel;

II - aos que trabalham no imóvel desapropriado como posseiros,

assalariados, parceiros ou arrendatários;

III – aos ex-proprietários de terra cuja propriedade de área total

compreendida entre um e quatro módulos fiscais tenha sido alienada para

pagamento de débitos originados de operações de crédito rural ou perdida na

condição de garantia de débitos da mesma origem; (Inciso incluído pela Lei nº

10.279, de 12.9.2001)

IV - aos que trabalham como posseiros, assalariados, parceiros ou

arrendatários, em outros imóveis; (Inciso renumerado pela Lei nº 10.279, de

12.9.2001)

V - aos agricultores cujas propriedades não alcancem a dimensão da

propriedade familiar; (Inciso renumerado pela Lei nº 10.279, de 12.9.2001)

VI - aos agricultores cujas propriedades sejam, comprovadamente,

insuficientes para o sustento próprio e o de sua família. (Inciso renumerado pela

Lei nº 10.279, de 12.9.2001)

Parágrafo único. Na ordem de preferência de que trata este artigo,

terão prioridade os chefes de família numerosa, cujos membros se proponham a

exercer a atividade agrícola na área a ser distribuída.

Art. 20. Não poderá ser beneficiário da distribuição de terras, a que

se refere esta lei, o proprietário rural, salvo nos casos dos incisos I, IV e V do

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artigo anterior, nem o que exercer função pública, autárquica ou em órgão

paraestatal, ou o que se ache investido de atribuição parafiscal, ou quem já tenha

sido contemplado anteriormente com parcelas em programa de reforma agrária.

Art. 21. Nos instrumentos que conferem o título de domínio ou

concessão de uso, os beneficiários da reforma agrária assumirão,

obrigatoriamente, o compromisso de cultivar o imóvel direta e pessoalmente, ou

através de seu núcleo familiar, mesmo que através de cooperativas, e o de não

ceder o seu uso a terceiros, a qualquer título, pelo prazo de 10 (dez) anos.

Art. 22. Constará, obrigatoriamente, dos instrumentos translativos

de domínio ou de concessão de uso cláusula resolutória que preveja a rescisão

do contrato e o retorno do imóvel ao órgão alienante ou concedente, no caso de

descumprimento de quaisquer das obrigações assumidas pelo adquirente ou

concessionário.

Art. 23. O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica

autorizada a funcionar no Brasil só poderão arrendar imóvel rural na forma da

Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971.

§ 1º. Aplicam-se ao arrendamento todos os limites, restrições e

condições aplicáveis à aquisição de imóveis rurais por estrangeiro, constantes da

lei referida no caput deste artigo.

§ 2º. Compete ao Congresso Nacional autorizar tanto a aquisição ou

o arrendamento além dos limites de área e percentual fixados na Lei nº 5.709, de

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7 de outubro de 1971, como a aquisição ou arrendamento, por pessoa jurídica

estrangeira, de área superior a 100 (cem) módulos de exploração indefinida.

Art. 24. As ações de reforma agrária devem ser compatíveis com as

ações de política agrícola, e constantes no Plano Plurianual.

Art. 25. O orçamento da União fixará, anualmente, o volume de

títulos da dívida agrária e dos recursos destinados, no exercício, ao atendimento

do Programa de Reforma Agrária.

§ 1º. Os recursos destinados à execução do Plano Nacional de

Reforma Agrária deverão constar do orçamento do ministério responsável por

sua implementação e do órgão executor da política de colonização e reforma

agrária, salvo aqueles que, por sua natureza, exijam instituições especializadas

para a sua aplicação.

§ 2º. Objetivando a compatibilização dos programas de trabalho e

propostas orçamentárias, o órgão executor da reforma agrária encaminhará,

anualmente e em tempo hábil, aos órgãos da administração pública responsáveis

por ações complementares, o programa a ser implantado no ano subseqüente.

Art. 26. São isentas de impostos federais, estaduais e municipais,

inclusive do Distrito Federal, as operações de transferência de imóveis

desapropriados para fins de reforma agrária, bem como a transferência ao

beneficiário do programa.

Art. 26-A. (Vide Medida Provisória nº 2.183-56, de 24/08/01)

Art. 27. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

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Art. 28. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 25 de fevereiro de 1993, 172º da Independência e 105º da

República.

ITAMAR FRANCO

Lázaro Ferreira Barbosa

LEI COMPLEMENTAR Nº 76, DE 6 DE JULHO DE 1993

Dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o

processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de

reforma agrária.

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O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso

Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei complementar:

Art. 1º. O procedimento judicial da desapropriação de imóvel rural,

por interesse social, para fins de reforma agrária, obedecerá ao contraditório

especial, de rito sumário, previsto nesta lei Complementar.

Art. 2º. A desapropriação de que trata esta lei Complementar é de

competência privativa da União e será precedida de decreto declarando o imóvel

de interesse social, para fins de reforma agrária.

§ 1º. A ação de desapropriação, proposta pelo órgão federal

executor da reforma agrária, será processada e julgada pelo juiz federal

competente, inclusive durante as férias forenses.

§ 2º. Declarado o interesse social, para fins de reforma agrária, fica

o expropriante legitimado a promover a vistoria e a avaliação do imóvel,

inclusive com o auxílio de força policial, mediante prévia autorização do juiz,

responsabilizando-se por eventuais perdas e danos que seus agentes vierem a

causar, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

Art. 3º. A ação de desapropriação deverá ser proposta dentro do

prazo de dois anos, contado da publicação do decreto declaratório.

Art. 4º. Intentada a desapropriação parcial, o proprietário poderá

requerer, na contestação, a desapropriação de todo o imóvel, quando a área

remanescente ficar:

I - reduzida a superfície inferior à da pequena propriedade rural; ou

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II - prejudicada substancialmente em suas condições de exploração

econômica, caso seja o seu valor inferior ao da parte desapropriada.

Art. 5º. A petição inicial, além dos requisitos previstos no Código

de Processo Civil, conterá a oferta do preço e será instruída com os seguintes

documentos:

I - texto do decreto declaratório de interesse social para fins de

reforma agrária, publicado no Diário Oficial da União;

II - certidões atualizadas de domínio e de ônus real do imóvel;

III - documento cadastral do imóvel;

IV - laudo de vistoria e avaliação administrativa, que conterá,

necessariamente:

a) descrição do imóvel, por meio de suas plantas geral e de

situação, e memorial descritivo da área objeto da ação;

b) relação das benfeitorias úteis, necessárias e voluptuárias, das

culturas e pastos naturais e artificiais, da cobertura florestal, seja natural ou

decorrente de florestamento ou reflorestamento, e dos semoventes;

c) discriminadamente, os valores de avaliação da terra nua e das

benfeitorias indenizáveis.

V - comprovante de lançamento dos Títulos da Dívida Agrária

correspondente ao valor ofertado para pagamento de terra nua; (Incluído pela

LCP 88, de 23/12/96)

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VI - comprovante de depósito em banco oficial, ou outro

estabelecimento no caso de inexistência de agência na localidade, à disposição

do juízo, correspondente ao valor ofertado para pagamento das benfeitorias úteis

e necessárias. (Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)

Art. 6º. O juiz, ao despachar a petição inicial, de plano ou no prazo

máximo de quarenta e oito horas:

I - mandará imitir o autor na posse do imóvel; (Redação dada pela

LCP 88, de 23/12/96)

II - determinará a citação do expropriando para contestar o pedido e

indicar assistente técnico, se quiser; (Redação dada pela LCP 88, de 23/12/96)

III - expedirá mandado ordenando a averbação do ajuizamento da

ação no registro do imóvel expropriando, para conhecimento de terceiros.

§ 1º. Efetuado o depósito do valor correspondente ao preço

oferecido, o juiz mandará, no prazo de quarenta e oito horas, imitir o autor na

posse do imóvel expropriando. (Revogado pela LCP 88, de 23/12/96)

§ 1º. Inexistindo dúvida acerca do domínio, ou de algum direito real

sobre o bem, ou sobre os direitos dos titulares do domínio útil, e do domínio

direto, em caso de enfiteuse ou aforamento, ou, ainda, inexistindo divisão,

hipótese em que o valor da indenização ficará depositado à disposição do juízo

enquanto os interessados não resolverem seus conflitos em ações próprias,

poderá o expropriando requerer o levantamento de oitenta por cento da

indenização depositada, quitados os tributos e publicados os editais, para

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conhecimento de terceiros, a expensas do expropriante, duas vezes na imprensa

local e uma na oficial, decorrido o prazo de trinta dias. (Renumerado pela LCP

88, de 23/12/96)

§ 2º. O Juiz poderá, para a efetivação da imissão na posse,

requisitar força policial. (Renumerado pela LCP 88, de 23/12/96)

§ 3°. No curso da ação poderá o Juiz designar, com o objetivo de

fixar a prévia e justa indenização, audiência de conciliação, que será realizada

nos dez primeiros dias a contar da citação, e na qual deverão estar presentes o

autor, o réu e o Ministério Público. As partes ou seus representantes legais serão

intimadas via postal. (Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)

§ 4º. Aberta a audiência, o Juiz ouvirá as partes e o Ministério

Público, propondo a conciliação. (Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)

§ 5°. Se houver acordo, lavrar-se-á o respectivo termo, que será

assinado pelas partes e pelo Ministério Público ou seus representantes legais.

(Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)

§ 6°. Integralizado o valor acordado, nos dez dias úteis

subseqüentes ao pactuado, o Juiz expedirá mandado ao registro imobiliário,

determinando a matrícula do bem expropriado em nome do expropriante.

(Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)

§ 7°. A audiência de conciliação não suspende o curso da ação.

(Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)

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Art. 7º. A citação do expropriando será feita na pessoa do

proprietário do bem, ou de seu representante legal, obedecido o disposto no art.

12 do Código de Processo Civil.

§ 1º. Em se tratando de enfiteuse ou aforamento, serão citados os

titulares do domínio útil e do domínio direto, exceto quando for contratante a

União.

§ 2º. No caso de espólio, inexistindo inventariante, a citação será

feita na pessoa do cônjuge sobrevivente ou na de qualquer herdeiro ou legatário

que esteja na posse do imóvel.

§ 3º. Serão intimados da ação os titulares de direitos reais sobre o

imóvel desapropriando.

§ 4º. Serão ainda citados os confrontantes que, na fase

administrativa do procedimento expropriatório, tenham, fundamentadamente,

contestado as divisas do imóvel expropriando.

Art. 8º. O autor, além de outras formas previstas na legislação

processual civil, poderá requerer que a citação do expropriando seja feita pelo

correio, através de carta com aviso de recepção, firmado pelo destinatário ou por

seu representante legal.

Art. 9º. A contestação deve ser oferecida no prazo de quinze dias se

versar matéria de interesse da defesa, excluída a apreciação quanto ao interesse

social declarado.

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§ 1º. Recebida a contestação, o juiz, se for o caso, determinará a

realização de prova pericial, adstrita a pontos impugnados do laudo de vistoria

administrativa, a que se refere o art. 5º, inciso IV e, simultaneamente:

I - designará o perito do juízo;

II - formulará os quesitos que julgar necessários;

III - intimará o perito e os assistentes para prestar compromisso, no

prazo de cinco dias;

IV - intimará as partes para apresentar quesitos, no prazo de dez

dias.

§ 2º. A prova pericial será concluída no prazo fixado pelo juiz, não

excedente a sessenta dias, contado da data do compromisso do perito.

Art. 10. Havendo acordo sobre o preço, este será homologado por

sentença.

Parágrafo único. Não havendo acordo, o valor que vier a ser

acrescido ao depósito inicial por força de laudo pericial acolhido pelo Juiz será

depositado em espécie para as benfeitorias, juntado aos autos o comprovante de

lançamento de Títulos da Dívida Agrária para terra nua, como integralização dos

valores ofertados. (Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)

Art. 11. A audiência de instrução e julgamento será realizada em

prazo não superior a quinze dias, a contar da conclusão da perícia.

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Art. 12. O juiz proferirá sentença na audiência de instrução e

julgamento ou nos trinta dias subseqüentes, indicando os fatos que motivaram o

seu convencimento.

§ 1º. Ao fixar o valor da indenização, o juiz considerará, além dos

laudos periciais, outros meios objetivos de convencimento, inclusive a pesquisa

de mercado.

§ 2º. O valor da indenização corresponderá ao valor apurado na data

da perícia, ou ao consignado pelo juiz, corrigido monetariamente até a data de

seu efetivo pagamento.

§ 3º. Na sentença, o juiz individualizará o valor do imóvel, de suas

benfeitorias e dos demais componentes do valor da indenização.

§ 4º. Tratando-se de enfiteuse ou aforamento, o valor da

indenização será depositado em nome dos titulares do domínio útil e do domínio

direto e disputado por via de ação própria.

Art. 13. Da sentença que fixar o preço da indenização caberá

apelação com efeito simplesmente devolutivo, quando interposta pelo

expropriado e, em ambos os efeitos, quando interposta pelo expropriante.

§ 1º. A sentença que condenar o expropriante, em quantia superior a

cinqüenta por cento sobre o valor oferecido na inicial, fica sujeita a duplo grau

de jurisdição.

§ 2º. No julgamento dos recursos decorrentes da ação

desapropriatória não haverá revisor.

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Art. 14. O valor da indenização, estabelecido por sentença, deverá

ser depositado pelo expropriante à ordem do juízo, em dinheiro, para as

benfeitorias úteis e necessárias, inclusive culturas e pastagens artificiais e, em

Títulos da Dívida Agrária, para a terra nua.

Art. 15. Em caso de reforma de sentença, com o aumento do valor

da indenização, o expropriante será intimado a depositar a diferença, no prazo de

quinze dias.

Art. 16. A pedido do expropriado, após o trânsito em julgado da

sentença, será levantada a indenização ou o depósito judicial, deduzidos o valor

de tributos e multas incidentes sobre o imóvel, exigíveis até a data da imissão na

posse pelo expropriante.

Art. 17. Efetuado ou não o levantamento, ainda que parcial, da

indenização ou do depósito judicial, será expedido em favor do expropriante, no

prazo de quarenta e oito horas, mandado translativo do domínio para o Cartório

do Registro de Imóveis competente, sob a forma e para os efeitos da Lei de

Registros Públicos. (Redação dada pela LCP 88, de 23/12/96)

Parágrafo único. O registro da propriedade nos cartórios

competentes far-se-á no prazo improrrogável de três dias, contado da data da

apresentação do mandado. (Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)

Art. 18. As ações concernentes à desapropriação de imóvel rural,

por interesse social, para fins de reforma agrária, têm caráter preferencial e

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prejudicial em relação a outras ações referentes ao imóvel expropriando, e

independem do pagamento de preparo ou de emolumentos.

§ 1º. Qualquer ação que tenha por objeto o bem expropriando será

distribuída, por dependência, à Vara Federal onde tiver curso a ação de

desapropriação, determinando-se a pronta intervenção da União.

§ 2º. O Ministério Público Federal intervirá, obrigatoriamente, após

a manifestação das partes, antes de cada decisão manifestada no processo, em

qualquer instância.

Art. 19. As despesas judiciais e os honorários do advogado e do

perito constituem encargos do sucumbente, assim entendido o expropriado, se o

valor da indenização for igual ou inferior ao preço oferecido, ou o expropriante,

na hipótese de valor superior ao preço oferecido.

§ 1º. Os honorários do advogado do expropriado serão fixados em

até vinte por cento sobre a diferença entre o preço oferecido e o valor da

indenização.

§ 2º. Os honorários periciais serão pagos em valor fixo,

estabelecido pelo juiz, atendida à complexidade do trabalho desenvolvido.

Art. 20. Em qualquer fase processual, mesmo após proferida a

sentença, compete ao juiz, a requerimento de qualquer das partes, arbitrar valor

para desmonte e transporte de móveis e semoventes, a ser suportado, ao final,

pelo expropriante, e cominar prazo para que o promova o expropriado.

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Art. 21. Os imóveis rurais desapropriados, uma vez registrados em

nome do expropriante, não poderão ser objeto de ação reivindicatória.

Art. 22. Aplica-se subsidiariamente ao procedimento de que trata

esta Lei Complementar, no que for compatível, o Código de Processo Civil.

Art. 23. As disposições desta lei complementar aplicam-se aos

processos em curso, convalidados os atos já realizados.

Art. 24. Esta lei complementar entra em vigor na data de sua

publicação.

Art. 25. Revogam-se as disposições em contrário e, em especial, o

Decreto-Lei nº 554, de 25 de abril de 1969.

Brasília, 6 de julho de 1993, 172º da Independência e 105º da

República.

ITAMAR FRANCO

Lázaro Ferreira Barbosa

BIBLIOGRAFIA

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