Desemprego, trabalho precário e des-cidadanização na - ELENISE F SCHERER

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  • Elenise Faria Scherer

    1 2 5Somanlu, ano 4, n. 1, jan./jun. 2004

    Desemprego, trabalho precrio e des-cidadanizao naZona Franca de Manaus

    Elenise Faria Scherer1

    Resumo

    O propsito deste artigo trazer para o debate poltico e acadmico aquesto do desemprego, do trabalho precrio e da descidadanizao naZona Franca de Manaus, tendo como referncia a pesquisa realizada noperodo de 1999-2000, junto aos trabalhadores egressos das indstriasdo Distrito Industrial. O resultado da pesquisa mostra que astransformaes ocorridas no processo produtivo provocaramdesemprego e os trabalhadores amazonenses desempregados foramobrigados a engajar-se nos mais diversos tipos de trabalho precrio. Mostraainda que essa grave questo social no apenas local, mas deve serentendida como uma expresso do capitalismo contemporneo na suafase mundializada.

    Palavras-chave

    Desemprego; trabalho precrio; reestruturao da produo; exclusosocial e cidadania.

    1 Professora e pesquisadora da Universidade Federal do Amazonas. E-mail: [email protected]

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    Franca de Manaus

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    Abstract

    The objective of this article is to bring to the polytical and academic debate, thequestions of unemployment, precarious job and lack of citizen rights in the ManausFree Zone, having as a reference the research made in the years 1999-2000, onworkers fired from industries of the Industrial District. The results of the researchshow that the transformations on the production process was responsible for theunemployment, and that the unemployed workers were forced to accept manykinds of precarious works. It shows also that this serious social problem is not alocal problem, but a local expression of the modern capitalism in his worldwidefase.

    Keywords

    Unemployment; precarious work; production restructuring; social exclusion;citizenship.

    Introduo

    A onda de desemprego e de trabalho precrio que se expande na ZonaFranca de Manaus pode ser imputada s transformaes da estrutura produtivadeste modelo industrial e da crise econmica que assola o pas desde dos primeirosanos da dcada de 90. 2 Tais processos sociais devem ser compreendidos eanalisados no somente pelas similitudes intrnsecas s sociedades contemporneasavanadas quando o desemprego estrutural chegou a um patamar de quase 28,5milhes de trabalhadores em 1999 segundo os dados apresentados por Pochmann(2001, p. 86), mas, tambm, pela particularidade de uma estratgia capitalistaoriginada nos anos 60 e 70 do sculo 20 com vista expanso do capital em escala

    2 Cf. POCHMANN, Mrcio. Mercado de Trabalho e Gesto da Mo-de-Obra na Zona Franca de Manaus. Campinas: SUFRAMA/FECAMP/UNICAMP, 1996; NOGUEIRA, Marinez. Reestruturao Produtiva: um olhar sobre a Zona Franca de Manaus.Disser tao de Mestrado em Cincias Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 1998 e VALLE, Maria IsabelM. Globalizao e Reestruturao Produtiva. Um estudo sobre a produo offshore em Manaus. Tese de Doutorado emCincias Sociais. UFRJ, 2000.

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    mundial. Nesses termos, entre tantos outros modelos de Zona Franca espalhadosno mundo capitalista, 3 a Zona Franca de Manaus constitui-se apenas uma expressolocal do capitalismo contemporneo em sua fase mundializada, em que a lgicadas transformaes globais vem sendo impulsionada pelas inovaes tecnolgicase organizacionais na esfera da produo.

    A Zona Franca de Manaus produto de inmeras combinaes sociaispois trata-se de um modelo de produo industrial que tenciona criar maiorliberdade expanso do capital no processo de mundializao da economia nosmarcos da nova diviso internacional do trabalho. Faz parte, portanto, dos processosde internacionalizao da produo capitalista que foram criados em face dasnecessidades inerentes lgica de um mercado mundial cada vez mais intenso desde aorigem deste modo de produo.

    O Estado Nacional brasileiro adotou essa forma de enclave, segundo odiscurso oficial por razes geopolticas com intenes de ocupar os espaos vazios ede desenvolvimento regional. Essa verso da histria que impregnou o imaginriosocial, na realidade, se fundamenta por uma diversidade de tributos ofertadospelos pases-sede para impulsionar um modelo industrial que materializa umaestratgia econmica no processo de mundializao do capital.

    As normas traadas pela Organizao das Naes Unidas para oDesenvolvimento Industrial ONUDI exigiam que o Estado Nacional oferecesseinmeros tributos para estruturar o Distrito Industrial na cidade de Manaus. E,ainda, que fosse assegurada a governabilidade, capaz de possibilitar a estabilidadepoltica necessria plena atividade dos negcios, sobretudo, criando as condiesgerais da produo capitalista, em especial, uma superpopulao relativa queatendesse s exigncias mdias do capital e seu exrcito industrial de reservaconstituda por uma leva de caboclos que migraram da zona rural amazonense, semnenhuma qualificao e organizao poltica.

    A Zona Franca de Manaus, em seus anos dourados (1970-1980), absorveuum nmero expressivo de trabalhadores em seu parque industrial, mas deixou de

    3 Segundo a Organizao das Naes Unidas para o Desenvolvimento Industrial ONUDI, na metade da dcada de 70 osmodelos de Zonas Francas j se encontravam espalhados pelos pases do Terceiro Mundo.

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    fora outros tantos, que foram obrigados a inserir-se no trabalho informal.4 Istosignifica dizer que o desemprego e o trabalho precrio no se constituem numanovidade histrica assim como sua interface com a excluso.

    Entretanto, os anos 90, com o esgotamento do pacto desenvolvimentista ecom a reestruturao do capitalismo brasileiro economia global, ocorreu umaretrao no emprego formal, bem como ampliou o desemprego e o subproletariadono mercado de trabalho informal. A Zona Franca de Manaus, neste contexto, profundamente afetada, sobretudo pela poltica de liberao comercial para o exteriore pelos limites de importao de insumos impostos pelo governo Collor de Mello.

    Este trabalho se prope de forma sumria5 trazer para o debate a dimensoperversa deste modelo capitalista, num lugar da Amaznia configurado pelodesemprego e pelo trabalho precrio que afeta de forma dramtica o mercado detrabalho amazonense. A inteno mostrar que a onda de desemprego obrigouinmeros trabalhadores a engajarem-se no mercado informal, reinventando novasformas de sobrevivncia e de trabalho precrio, em decorrncia da introduo dasnovas tecnologias no cho das fbricas do Distrito Industrial. Alm disso, deixaclaro, tambm, que a perda do contrato de trabalho, cuja materialidade a carteiraassinada significa a perda dos direitos sociais. As manifestaes dos trabalhadoresentrevistados esto presentes no trabalho nas falas de ex-operadores e ex-operadorasdas que, hoje, se encontram fora das fbricas do Distrito Industrial.

    A crise mundial, as transformaes no mundo do trabalho e ofenmeno do desemprego na Zona Franca de Manaus

    O capitalismo global nos anos 70 traou por meio da ONUDI que asestratgias de desenvolvimento do capital, conhecidas por Zonas de Livre Comrcio

    4 H um consenso entre os pesquisadores da dificuldade em definir o mercado informal de trabalho pela sua complexidade.Ele engloba diversas categorias de trabalhadores com inseres par ticulares. Neste trabalho estamos nos referindo aotrabalho por conta prpria, sem carteira assinada, autnomos, donos de pequenos negcios familiares, com ganhos baixose incer tos. Cf. VVAA. Mapa do Trabalho Informal: Perfil socioeconmico dos trabalhadores informais na cidade de So Paulo.So Paulo: CUT/Editora Perseu Abramo, 2000. Ver ainda: CACCIAMALI, M.C. Globalizao, informalidade e mercado detrabalho. In: Anais de XXVIII Encontro Nacional de Economia ANPEC, Belm, 1999.

    5 Resumo do Relatrio de Pesquisa Os excludos da produo enxuta na Zona Franca de Manaus. Manaus: Universidade doAmazonas/CNPq, 2001, de nossa autoria.

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    ou Zonas de Livre Produo, deveriam ser subsidiadas com forte protecionismoestatal por parte dos pases hospedeiros. A consolidao da Zona Franca de Manausteve como suporte um conjunto de benefcios fiscais e creditcios, uma enormeinfra-estrutura urbana para a criao do Distrito Industrial e, sobretudo, a mercadoriatrabalho nos termos de Polanyi (1980) composta pelas levas de caboclos (ribeirinhos,agricultores, castanheiros, seringueiros) que migraram do mundo rural amazonense.Estavam, pois, dadas as condies necessrias a uma nova racionalidade do capitalnum lugar da Amaznia.

    A modernizao capitalista chega, portanto, ao espao regional afetandotodas as esferas da vida social amazonense. Manaus deixou para trs a cidade portode lenha e seu velho passado extrativista. Modificam-se as relaes de produo e asforas produtivas se desenvolvem. Formam e redefinem-se novas classes sociais enovas formas de sociabilidade configuram-se na nova dinmica do capital na regio.Um novo proletariado urbano majoritariamente composto por trabalhadores quemigram do mundo rural d uma outra configurao cidade de Manaus, que setorna a cidade para o capital. As contradies da nova ordem capitalista engendramum caos urbano em que a riqueza e a pobreza justapem-se numa estranha misturacomo dizia Lefebvre de caos e ordem (1999, p. 19).

    A magnitude das transformaes aqui ocorridas est articulada snecessidades de expanso da economia internacional, define uma nova racionalidadee a precedncia do lucro em todos os nveis da vida social amazonense e conformama natureza intrinsecamente excludente do modelo industrial ZFM. As indstriassediadas no Distrito Industrial incorporam no seu processo produtivo um nmeroexpressivo de trabalhadores desqualificados, jovens, dceis, predominantemente dosexo feminino de acordo com a exigncia do processo produtivo na poca. 6 Masdeixou de fora uma populao trabalhadora suprflua, no incorporada: as necessidadesmdias da expanso do capital (MARX, 1975, p. 485). Os postos de trabalhos criadosno foram suficientes para incluir a demanda de trabalhadores e as conseqnciasmais visveis foram o desemprego e o crescimento do setor informal.

    6 Cf. MOURA, Edila et al. A utilizao do trabalho feminino nas indstrias de Belm e Manaus. Srie Seminrios e Debates, n.10, Belm, NAEA/UFPA, 1986.

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    Na dcada de 70 e 80, os anos dourados da ZFM, a montagem dos produtoseletroeletrnicos absorveu um nmero expressivo de trabalhadores. O processoprodutivo nas indstrias do plo eletroeletrnico7 pode ser definido pelo que sepoderia de chamar de fordismo perifrico (LIPIETZ, 1996) em que grande parteda produo era montada de forma manual e congregava um contingentesignificativo de trabalhadores. Nesse tempo histrico o parque industrial da ZFMchegou a concentrar cerca de quase 90.000 trabalhadores (SUFRAMA, 2000).

    No boom da ZFM, a cidade de Manaus contava com taxas de crescimentoocupacional nas indstrias em escala ascendente, a tal ponto que o emprego industrialsuperou as taxas de crescimento do emprego no comrcio e nos servios(NOGUEIRA, 1998, p. 96). Desse modo, a ocupao/emprego industrial foicrescente, apesar de uma relativa queda em 1985 em decorrncia da recesso daeconomia brasileira nos anos 80.

    Apesar da chamada dcada perdida brasileira, a Zona Franca de Manauscontinuou crescendo, congregando cada vez mais trabalhadores, portanto, umnovo proletariado se punha no cenrio poltico da sociedade local. MrcioPochmann mostra, com bases nos dados da Superintendncia da Zona Franca deManaus SUFRAMA, em 1985 no somente o emprego industrial recuperouseu dinamismo como tambm deve ter aumentado sua participao relativa noemprego total, j que nesses quatro anos cresceu cerca de 39,5% (1996, p. 9).Destaque-se que at 1989 o parque industrial absorvia 75.926 trabalhadores.

    A reestruturao do capitalismo em escala mundial e o esgotamento dopacto desenvolvimentista nos anos 90 foraram uma nova re-insero do Brasilao capitalismo global que j vinha sendo sinalizado nos finais do governo Sarney.Nesse mbito, o empresariado nacional, diante da concorrncia internacional acirrada,passa a adotar um novo paradigma produtivo no parque industrial brasileiro.

    Nesse sentido, o impacto do chamado ajuste neoliberal, ou seja, o programade liberao comercial exterior via reduo de tarifas de importao sobre asindstrias da ZFM, tornou-se mais intenso que o impacto sofrido pela indstria

    7 O maior plo industrial entre os 22 plos existentes no parque industrial da Zona Franca de Manaus.

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    brasileira. De acordo com o estudo de Marinez Nogueira, a ZFM experimentasua crise em face da proposta do governo em reduzir a margem concedida regio para importao de insumos e para a venda de bens finais no mercadonacional retrado (1998, p. 110).

    Para Pochmann, a poltica de abertura comercial implicou uma maiorexposio concorrncia dos produtos da ZFM frente aos similares importadosno mercado nacional. Somando estes fatores recesso dos primeiros anos dadcada de 90 (contrao do mercado regional e nacional), pode-se vislumbrar acrise ocorrida no incio da dcada de 90 no plo industrial de Manaus.

    Pode-se observar que os trabalhadores inseridos no processo produtivototalizavam em 1989 cerca de 75.926 e, em 1990, aproximou-se de 76.798trabalhadores. Particularmente, o plo eletroeletrnico o maior dos 22 plosexistentes na ZFM, admitia no cho da fbrica, em 1989, 38.048; em 1990,45.283. Entretanto, em 1993, no momento de sua pior crise decorrente da recessoeconmica experimentada no governo Collor de Mello, este plo absorveu somente18.983 trabalhadores (SUFRAMA, 2000).

    A partir dos anos 90, percebe-se um decrscimo do emprego nas indstriasdo ZFM. Em 1991, o processo produtivo contava com 58.875 trabalhadores; em1996, cinco anos aps, com 48.090 e encerrou o ltimo ano do milnio com39.652 empregos no Distrito Industrial. Isto significa dizer que na dcada de 90, aZona Franca de Manaus excluiu do processo produtivo 37.146 trabalhadores, ouseja, uma mdia de 3.740 por ano (SUFRAMA, 2000).

    As informaes mais recentes da Superintendncia da Zona Franca deManaus SUFRAMA mostram que nos dois ltimos anos do final do milnio(1999-2000) as taxas de emprego no DI, em 1999, foram de 39.652 na totalidadedas indstrias da Zona Franca de Manaus. No ano 2000 houve acrscimo nacontratao de trabalhadores, chegando a 44.519 e foram inseridos no processoprodutivo 4.867 trabalhadores. Pode-se observar, entretanto, que apesar das taxasde emprego voltarem a crescer no ltimo ano do sculo 20, elas no mais atingiramo patamar inicial da dcada de 90, ou seja, com 76.798 trabalhadores no cho dafbrica.

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    Como se sabe, o contrato mercantil no Brasil sempre foi historicamentemanco, mas a estrutura ocupacional brasileira, bem ou mal, permitiu durantedcadas a integrao de amplos contingentes de uma fora de trabalho poucoou nada qualificada. Atualmente a onda de desemprego que assola o pas e semperspectiva de retorno ao cho da fbrica, percebe-se uma quebra na estruturaocupacional, interrompendo um ciclo histrico e de longa durao de mobilidadeocupacional e social. O contrato mercantil implode, que, como sabemos, nuncafoi slido e no se ampliou como norma de sociabilidade, num cenrio marcadopela redefinio do Estado e pelos efeitos sociais decorrentes da globalizao eda reestruturao produtiva em curso no pas, enfim, pela revoluo silenciosa daera Fernando Henrique Cardoso.

    Entre outras palavras, a reestruturao produtiva em curso e os arranjosneoliberais em vigor, o efeito conjugado da crise econmica e da aberturacomercial iniciada no governo Collor vo incidir sobre a histrica base salarial,obviamente, distante da sociedade salarial de que fala Robert Castel (2000, p.201)8 ao descrever as dimenses societrias e polticas do chamado modo deregulao fordista nos pases desenvolvidos, especialmente a Frana.

    Na atualidade pode-se observar que a eliminao dos postos de trabalhoseja no cho da fbrica, seja nos nveis intermedirios, vem provocandoprocessos de excluso de grandes contingentes de trabalhadores amazonensesconcentrados na periferia de Manaus. Alm disso, as metamorfoses no cho dasfbricas no parque industrial da Zona Franca de Manaus no se restringem eliminao de empregos, mas dizem respeito constituio de uma novaconcepo sobre como produzir e, por conseguinte, afetam a composio e aqualificao da fora de trabalho (VALLE, 2000, p. 231).

    8 Para Castel, uma sociedade salarial uma sociedade na qual a maioria dos sujeitos sociais recebe no somente sua renda,mas tambm seu estatuto, seu reconhecimento, sua proteo social. A sociedade salarial promoveu, neste sentido, um tipocompletamente novo de segurana: uma segurana relacionada ao trabalho, e no somente propriedade. CASTEL. Asmetamorfoses da questo social. Petrpolis: Vozes, 2000. p. 180.

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    A mquina de insero automtica e o desemprego

    A partir dos anos 90, as indstrias da Zona Franca de Manaus, de formadiferenciada entre elas, passaram a adotar alguns princpios da fbrica enxutadisseminados pelos princpios do toyotismo de produo, ou seja, produo commenor custo de trabalho. Esse processo decorre da introduo de novas tecnologiase modificaes na organizao e nas mudanas da gesto da mo-de-obra, janalisados por Nogueira (1998) e Valle (2000). Pode-se dizer, portanto que as indstriasda Zona Franca de Manaus experimentam uma nova era configurada pelastransformaes no processo produtivo por meio das novas formas de acumulaoflexvel, do dowsizing, da reengenharia, do lean prodution, da qualidade total(ANTUNES, 2000, p. 135).

    As empresas do Distrito Industrial, de acordo com a anlise de Nogueirapassam adotar o processo de automao nas linhas de montagem utilizando-se dasmquinas de insero automtica que foram responsveis pela reduo brusca da forade trabalho, especialmente, s do plo eletroeletrnico como vimos acima. A pesquisada referida autora mostra que cada mquina de insero automtica elimina emmdia 100 postos de trabalho com a vantagem de eliminao de erros e aumento daprodutividade (1998, p. 126). Anteriormente, a insero de novas tecnologias noprocesso de produo de produtos eletroeletrnicos era feita manualmente pelosmontadores e montadoras em nmero expressivo nas linhas de montagem. Entretanto,de acordo com as informaes coletadas por Nogueira, a qualidade do produtono atendia s exigncias da competitividade internacional. Com a adoo da mquinade insero automtica no cho da fbrica assegurou-se a rapidez e a segurana, umavez que esta mquina programada para tal. Essas mquinas, segundo o estudo daautora acima, produzem em uma hora o que antes uma linha de produo levavaem mdia dois dias de trabalho. Alm disso, elas garantem a possibilidade de nohaver erros na insero dos componentes (p. 106). No se pode esquecer, todavia,que a reduo da fora de trabalho no DI deve-se ainda ao processo de terceirizaodas atividades de suporte da produo. Contata-se que as empresas, em geral, vmexternalizando os servios de transporte, segurana, restaurante. limpeza e outrosservios.

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    No mbito dessas transformaes no processo produtivo, novas estratgiasde captura da subjetividade operria so criadas com intenes de reconstruir umoutro processo cognitivo materializado numa espcie de regimento interno quenormatiza as condutas de todos os trabalhadores envolvidos na produo. Definem-se as funes, competncias, habilidades e comportamentos. Essa captura dasubjetividade operria adquire materialidade nas constantes reunies, estmulos,prmios em busca de motivar os trabalhadores a assumirem efetivamente a produocom controle de qualidade. Obtm-se, portanto, o envolvimento dos trabalhadorespor meio de vrias estratgias de controle social quando so estimulados a cooperarcom a lgica da valorizao do capital.

    Os trabalhadores excludos do processo produtivo e engajados atualmentena informalidade trazem consigo as formas persuasivas e de captura de suasubjetividade no espao fabril. Para eles, ainda que suas demisses tenham sidojustificadas pela necessidade de reduo de quadro de pessoal, percebem que odesemprego est relacionado com a introduo de novas tecnologias, portanto, dastransformaes no mundo da fbrica. Para um ex-montador, o desemprego naZona Franca devido insero de novas mquinas. Por exemplo, agora umamquina e um s tcnico faz o servio. Antes era preciso pelo menos uns trs tcnicospara fazer o que hoje ela faz sozinha (depoimento de ex-montador, 2000).

    A racionalizao da produo com intenes de diminuio dos custos percebvel pelos trabalhadores: as mquinas aparecem de monto dentro das fbricas,a o que ocorre, elas vo fazendo o servio que antes a gente fazia. Elas fazem maisrpido, e por isso produzem mais. O dono da fbrica comea a lucrar mais rpidoe manda a gente ir embora. Uma ex-montadora acrescenta: os robs tomaram onosso espao. Nas reunies eles diziam pra gente que rob no adoece, no reclamae no falta (depoimento de um ex-montadora, 2000).

    Por outro lado, ex-montadores e ex-montadoras reconhecem que dificilmentevoltaro ao cho da fbrica, pois so considerados velhos para o capital. A idadepor volta de 26 a 30 anos (30%) e 31 a 35 (27%), no lhes permitem retornar e, almdisso, no so qualificados para a nova racionalidade do capital. Nos anos iniciais deinstalao das fbricas da Zona Franca de Manaus admitia-se um trabalhador semqualificao ou semiqualificado. Agora requer-se um trabalhador com um novoperfil: jovem, polivalente, multifuncional, consciente e responsvel. A idade e o nvel

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    de escolaridade so critrios decisivos no momento de contratao. A destreza manualperde importncia e agora cada vez mais exigida a capacidade de raciocnio abstrato,para operar as mquinas computadorizadas. O operrio-massa do incio da ZFMmoldado esteira de montagem, tende a perder relevncia nos cenrios das economiasglobais que vm, desde a dcada de 70, procurando estabelecer um novo padro deproduo fabril mediante adoo de novas tecnologias e novas formas deorganizao do trabalho (VALLE, 2000).

    Na cidade de Manaus, ficar desempregado de fato, um dilema complicadopara os trabalhadores amazonenses, posto que o DI o grande empregador. Perdero emprego nessa cidade possui para os trabalhadores uma significao muito maisgrave do que perder o emprego no Sudeste do pas, onde a economia e o prprioparque industrial podem oferecer possibilidades de recolocao dos empregados.Talvez, por isso, os trabalhadores mais jovens, embora admitindo que com aautomao dificilmente voltaro s fbricas, peregrinam diariamente pelas largasavenidas do Distrito Industrial em busca de emprego. Outros, raramente por opo,ingressam no setor informal envolvendo-se nos mais diversos tipos de atividades ede trabalho precrio.

    Inventando o trabalho

    Anterior a dcada de 90, no Brasil, o nmero de emprego gerado comcarteira assinada era superior a 23% (1986-1990). A partir dessa dcada o empregoformal decresceu cerca de 28% (1991-1998), de acordo com as informaes deDupas (2000, p. 58). Isto supe afirmar que nos ltimos seis anos houve uma perdade 2,2 milhes de postos de trabalho no setor formal e um crescimento recorde detrabalhadores por conta prpria que ingressaram na informalidade.

    Na contemporaneidade brasileira, o setor informal da economia englobaem torno de 12,87 milhes de pessoas que correspondem a 25% da populaotrabalhadora ocupada no pas, envolvidos na informalidade com rendimento mdioem alguns casos de R$ 240,00, especialmente na cidade de So Paulo. Os dados doPrograma Regional de Emprego para Amrica Latina e Caribe PREALC, daOIT, mostram que os trabalhadores na informalidade sem falar do desemprego

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    aberto chegam a 7 milhes de pessoas no Brasil contra 2 milhes no incio dadcada.

    Historicamente, o Brasil sempre conviveu com ndices de desemprego ealtos ndices de informalidade. Nos ltimos anos, porm, no s o governoreconheceu a gravidade do problema como culpabilizou a globalizao e asnovas tecnologias bem como faz, ainda, apologia informalidade. 9

    Mesmos nos anos dourados (dcada de 70 e 80), como j foi visto, asindstrias no absorveram a demanda de trabalhadores em sua trajetria. AZona Franca de Manaus conviveu com o desemprego e o trabalho informalobedecendo a lgica capitalista de incorporar as necessidades mdias do capital.Entretanto, como vimos, at a dcada de 80, as taxas de crescimento ocupacionalnas indstrias foram em escalas ascendentes. De acordo com Pochmann, setorindustrial no foi o mais dinmico apenas na criao de empregos j que o valorda produo industrial cresceu mais rapidamente que o valor das outras atividadeseconmicas. A participao relativa da produo industrial do PIB do Estadodo Amazonas salta de 15,4% em 1970 para 55,5% em 1985, indicando que aindstria no somente foi o setor mais dinmico da economia, como tambmem seu movimento dinamiza outras atividades (1996, p. 8).

    A maioria dos trabalhadores da amostra era constitudo de montadoresou montadoras nas fbricas do Distrito Industrial, sobretudo do ploeletroeletrnico. Atualmente, 73% esto engajados no mercado informal. Elespossuem uma capacidade extraordinria de inventar cotidianamente o trabalho.As mulheres desenvolvem as mais diversas atividades, tais como corte e costura,peas ntimas femininas, fazem doces e salgados, lavam roupa para fora, vendemdindin (espcie de um gelado), produtos da Avon, jias, lanches, churrasquinhos,peas de crochs e guardanapos que so vendidos nas feiras livres dos bairros.Observa-se ainda que algumas trabalhadoras saem para trabalhar deixando asresponsabilidades domsticas com os maridos.

    Os homens preferem abrir pequenos comrcios em suas prpriasresidncias, com o dinheiro recebido das demisses. Estes so os que menos

    9 Ao eliminar as diferenas que caracterizam a informalidade, o presidente da Repblica fez este comentrio: o informal noquer dizer o pior, do ponto de vista econmico. Os dados mostram que onde a renda mais cresceu foi no setor informal.Revista Veja, 10.9.97, p. 25.

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    sofrem e reclamam, pois, bem ou mal, tm uma renda garantida cotidianamente,portanto, esto em melhores condies se comparados aos outros que estoinseridos diretamente na informalidade freqentemente montada em umaextraordinria improvisao para mobilizar recursos, algum ganho sempreincerto e descontnuo no mercado informal. Outros aventuram na construocivil, mas sem nenhuma formalidade contratual. Esses subproletrios tm emcomum a precariedade e esto desprovidos das garantias de estabilidadesassociadas ao padro convencional, isto , a carteira assinada.10 Essa umacaracterstica comum em quase todos os nossos informantes: a vulnerabilidade,a insegurana na relao de trabalho e na percepo da renda. Em sntese, noh garantias de cobertura social. Em decorrncia perdem substancialmente a suacidadania. Na informalidade so maiores as dificuldades para eles se constituremcomo sujeitos polticos.

    Os trabalhadores engajados no setor informal, como os demais nasprincipais capitais brasileiras,11 recorrem ao trabalho por conta prpria, quasesempre por falta de alternativa e raramente por opo. Alm disso, caracterizam-se por longas jornadas de trabalho, com ganhos incertos e variados. Em geral,ganham em mdia entre 1 a 2 salrios mnimos em atividades que envolvemoutros membros da famlia.

    Ademais, o mercado informal o desaguadouro de quase toda a forade trabalho que sai procura de emprego, tentando ganhar a vida de qualquerjeito. Muitas vezes os trabalhadores desempregados desistem de procuraremprego no setor formal por falta de condies financeiras para custear otransporte, lanche, etc. Na informalidade caracterizam-se a um s tempo pelainsegurana e aleatoriedade, mas, por outro lado, inauguram formas alternativasde sociabilidade. Contudo, a referncia no imaginrio social dos trabalhadoresda amostra, continua sendo o desejo de voltar s fbricas do DI, e, portanto,ter o vnculo empregatcio, expresso na carteira assinada, que lhes d garantiaaos direitos trabalhistas e previdencirios, assegurados por lei.

    10 Dados do Ministrio do Trabalho mostram que, em 1999, 35 milhes de trabalhadores encontram-se sem car teira assinadano Brasil.

    11 Cf. VVAA. Mapa do Trabalho Informal: Perfil socioeconmico dos trabalhadores informais na cidade de So Paulo. So Paulo:Editora Perseu Abramo/CUT, 2000.

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    Sem emprego e privados dos direitos sociais

    O contrato de trabalho cuja materialidade a carteira assinada conformana tradio brasileira os requisitos de sustentao da cidadania.12 Ela define aexistncia civil e os modos de sociabilidade. Alm disso, ela aceitao tcita nasociedade brasileira como sinal de uma respeitabilidade e honestidade que redimeo trabalhador do estigma da pobreza. Sem essa representao simblica ostrabalhadores estaro privados dos direitos sociais.

    Nessa perspectiva, os trabalhadores da amostra tm ainda uma enormeexpectativa de retornarem s fbricas do DI. Apesar de reconhecerem que asinovaes tecnolgicas vm provocando o desemprego,13 eles ainda tmesperana de voltar ao cho da fbrica. Para alguns: hoje em dia na sociedade umapessoa desempregada no bem-vista. Em outras palavras, a carteira assinada quelhes d segurana e dignidade.

    Essa representao simblica faz com que os trabalhadores se sintamseguros, pelas garantias dos servios sociais existentes dentro das grandes e mdiasindstrias da Zona Franca de Manaus. Veja-se este depoimento: L bomporque o Distrito paga bem, tem carteira assinada e tem acesso at a Unimed,transporte. Trabalhando em outro canto, tem que pagar transporte (LSV, 2000).No imaginrio social dos trabalhadores, nas fbricas do DI lugar onde setem mais direitos. O desejo de retorno ocorre por causa da estabilidade dacarteira assinada e da certeza do pagamento no final do ms (depoimento deuma ex-operadora, 2000).

    A ausncia de sistema pblico de proteo social eficaz obrigou aquelessetores do capital que so reconhecidamente estratgicos para o padro dodesenvolvimento brasileiro a criarem os welfare dentro das empresas. O welfareempresarial, existente nas grandes e mdias indstrias da Zona Franca de Manaus,tornou-se atraente para os trabalhadores, pois o vnculo contratual implica ter

    12 Cf. a clssica discusso feita por SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e Justia. Rio de Janeiro: Editora Campus,1979.

    13 A crise enrgica brasileira vem afetando as indstrias da Zona Franca de Manaus. Nos ltimos meses do ano foram demitidos974 trabalhadores. Jornal Gazeta Mercantil, 26.7.2001.

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    acesso aos servios sociais. Talvez por isso que Castel observa: o trabalhopermanece como referncia dominante no somente economicamente comotambm psicologicamente, culturalmente e simbolicamente, fato que se comprovapela reao daqueles que no o tm (CASTEL, 2000, p. 123).

    Nesses termos a precarizao sempre identificada com a ausncia decontribuio Previdncia Social, e, portanto, sem direitos, inclusive o deaposentadoria.14 O fato de os trabalhadores desempregados no disporem denenhuma garantia de renda assegurada pelo vnculo contratual, encontram-seainda mais vulnerveis aos efeitos deletrios do mercado. Alm disso, aoperderem o direito sindicalizao, no tm acesso s resolues dos acordoscoletivos e no podem ingressar no sistema de seguro-desemprego.

    Os dados do Sistema Nacional de Emprego SINE Regional doAmazonas mostram que s no primeiro semestre de 1999, considerado o piormomento da Zona Franca de Manaus, quando o desemprego atingiu seu pice,41.945 trabalhadores recorreram ao seguro-desemprego. Entretanto, somente40.136 conseguiram obter esse direito.

    Com a perda do vnculo formal de trabalho, os trabalhadores ficaramimpossibilitados de contribuir para a Previdncia Social, haja vista que 100%dos entrevistados afirmaram que, se esta contribuio no for feita por meio dodesconto em contracheque, o pagamento ao seguro social fica invivel. O trabalhoprecrio, sem ganho fixo e sem contrato, impossibilita-os de contribuirmensalmente Previdncia Social.

    Para aqueles que esto na informalidade no existem nenhum instrumentoque seja capaz de impor a contribuio ao INSS. Os nossos informantes mostramque no tm como pagar, outros no sabem como contribuir, e os demais noconfiam na capacidade do setor pblico gerenciar a verba pblica. Por isso abaixa na carteira no significa somente as perdas dos direitos, mas tambm a dadignidade.

    14 A excluso do sistema previdencirio, possivelmente, o grave problema decorrente da informalidade. As chances deaposentadoria so nulas, a no ser que isso ocorra por velhice cujo benefcio gerado de natureza assistencial e nocontributiva.

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    Os sem-trabalho e sem-esperana. Somos todos inteis?

    Como se v, a necessidade do vnculo formal garantido e materializadopela carteira assinada uma realidade entre os trabalhadores da amostra, pois somenteassim se sentem teis. Para alguns o trabalho dignifica o homem. Isto significa afirmar que por meio da carteira assinada que lhes garantida a cidadania. Sem ela, os nossosinformantes se sentem sem direitos de cidados.

    Nesse sentido, a questo do desemprego paradigmtica, pois sem estatutode trabalhador, os sem-emprego so confundidos com a figura do pobre, dodesocupado, ou simplesmente da ociosidade e da vadiagem. Excludos do mercadode trabalho, para alguns suas identidades no se completam, j que esto privadosdessa espcie de acabamento simblico que a carteira de trabalho e que implicanos exerccios dos direitos e na prtica da representao sindical (TELLES, 1991). Ainsero no mercado formal de trabalho e, portanto, a carteira assinada que constriparmetros de semelhana, identificao e reconhecimento, se possa afirmar: somostrabalhadores.

    Os trabalhadores engajados no setor informal e que tiveram suas trajetriasde emprego regular com registro em carteira nas indstrias da Zona Franca, asatividades na informalidade, hoje, por mais constantes e persistentes que venham ase tornar, no so consideradas trabalho. Quando estou trabalhando, me sinto toorgulhosa, ps no cho, me sinto uma brasileira, mas desempregada, no tem paraonde correr (depoimento de uma operadora, 2000). A carteira assinada, que assegurae prescreve o acesso aos direitos sociais e seu direito a existir socialmente, a serreconhecido como cidado, a prova de ser um trabalhador responsvel comouma trajetria ocupacional identificvel em seus registros e cumpridor de seus deveres.Caso contrrio, o trabalhador se sente: discriminado, marginalizado, parece que apessoa um vagabundo. difcil conviver com isso (depoimento de um ex-operador, 2000).

    Aqueles que so considerados velhos pelo capital, sofrem a provao daprecariedade profissional que efetivamente mais dolorosa quando ela atingeindivduos no corao do trabalho, muitos deles com 30 anos de vida. Veja umdepoimento: intil, porque saio procura de trabalho e no tem, e quando tem,

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    no aceitam por causa da idade, ento me sinto intil. Um Z-ningum. J tive aponto de fazer besteira, pois sem trabalho no sou ningum, um desespero andaratrs de trabalho e no encontrar nada, ser sustentado pelos vizinhos (depoimentode um ex-operador, 2000).

    Alguns desses trabalhadores entrevistados no tm mais nenhuma esperanade sair da condio de desempregado. Essas pessoas comeam a ter o sentimentode que so inteis sociedade e perderam o sentido de suas vidas.

    Concluso

    No incio de abril do ano 2001, a Secretaria de Trabalho do Estado doAmazonas SETRABS, registrou a ocorrncia de 9.502 demisses somente noprimeiro trimestre. Acresa, ainda, a demisso de 974 trabalhadores recentemente,decorrentes, naquele momento, da crise enrgica que vem afetando sobremaneira aindstria brasileira. Em outros termos, o desemprego voltou a crescer neste inciode sculo na Zona Franca de Manaus. 15

    Neste cenrio, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores das IndstriasMetalrgicas e Eletroeletrnicas afirmou que entrou mquina, sai trabalhador, trabalhadorna rua. A despeito disso, Marx havia observado que no futuro o capitalismo iriaorientar-se para a mais-valia relativa e que o capital se utilizaria do trabalho humanode forma intensiva, agora, com base em cincia e tecnologia que permitiria produzirmais e melhor. Esta anteviso marxista impressionante, pela sua atualidadeinterpretativa do capitalismo contemporneo; a mais-valia absoluta no perdurariacomo estratgia bsica de explorao capitalista (1975, p. 585).

    Na contemporaneidade, as mutaes nos processos produtivos, comovimos, esto a indicar que a explorao capitalista ocorre com a captura da intelignciado trabalhador, muito mais do que a sua fora fsica. A sujeio do trabalho lgica

    15 Em face do aumento de demisses nos primeiros meses do ano, o governo do Estado mandou um projeto de lei aoLegislativo que estabelece normas para demisso dos trabalhadores do plo industrial de Manaus. O secretario deDesenvolvimento Econmico argumentou que muitas empresas possuem uma massa salarial de 0,8 do seu faturamentototal, incluindo o salrio e os benefcios dos empregados. Para ele, necessrio que as empresas justifiquem porque essendice de 0,8% do faturamento justifica as demisses. Jornal Amazonas Em Tempo. Economia. A 5, 12.7.2001.

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    do capital ocorre num tempo histrico configurado pela intensidade doconhecimento como condio fulcral da produtividade capitalista.

    Marx j afirmara: o capital tem, pois, o instinto imanente e a tendnciapermanente de aumentar a fora produtiva para diminuir o preo das mercadoriase em conseqncia o do prprio operrio (1975, p. 586). Ao lanar mo de meioscientficos e tecnolgicos para o aperfeioamento das condies de produtividade,o capital impe que a fora de trabalho produza mais e melhor de acordo com aregras da competitividade em escala planetria.

    As mutaes que ocorreram e esto a ocorrer no cho da fbrica, excluindomilhares de trabalhadores do processo produtivo na Zona Franca de Manaus, soapenas um caso singular no mundo capitalista muito interessante de ser estudado das necessidades da economia global, que nas dcadas de 60 e 70 do sculopassado utilizaram-se da estratgia capitalista das zonas de enclaves para onde setransportaram modos de organizao da produo e circulao da mercadoriacompatveis tcnica e socialmente com a nova diviso internacional do trabalho.

    A Zona Franca de Manaus, como toda a estratgia capitalista, sempre foi,intrinsecamente, excludente. Mesmo nos seus anos dourados, nas dcadas de 70 e 80,estima-se que 48% de PEA encontravam-se na informalidade, portanto, odesemprego, o trabalho precrio e a excluso no se constituem uma novidadehistrica na cidade de Manaus.

    Entretanto, a automao e a crise na economia brasileira nos anos 90provocaram demisses em massa e o aumento exacerbado do desemprego e dotrabalho precrio. As necessidades de valorizao do capital so postas de formaexplcitas pelo superintende da Zona Franca de Manaus:

    O plo industrial de Manaus est definitivamente inseridono processo de globalizao. Aos 33 anos, a Zona Francae a SUFRAMA orgulham-se de possuir um parqueindustrial com nveis internacionais de preo e qualidade,to com o aumento da oferta de emprego. Mas para queisso acontecesse, as empresas aqui instaladas enfrentaramum perodo de transio doloroso, de conseqnciasseveras, que exigiu sacrifcios, principalmente do

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    trabalhador amazonense, que viu a oferta de empregocair pela metade passando de 90 mil para os atuais 45 mil(Grifos nossos). 16

    As palavras do superintendente da Zona Franca de Manaus so reveladoras.pois (...) o movimento do capital insacivel, diria Marx (1975, p. 316). O faturamento dasindstrias do Distrito Industrial em 1988 contabilizou US$ 5.098.581.585; em 1995chegou em torno de US$ 11.766.561527; e em 2000 US$ 10.291.961.410. Pode-seinferir que as indstrias cada vez mais faturam e cada vez mais absorvem menostrabalhadores. A queda da participao dos custos com pessoal pode ser o indicadorque as indstrias da Zona Franca de Manaus esto inseridas no mercado mundialultracompetitivo. Como afirma o economista Rodemark Castelo Branco, esseprocesso no uma tendncia, uma necessidade imposta pelo mercadointernacional (A CRTICA, 2001).

    A chamada crise da economia regional, que vem impulsionando odesemprego no Distrito Industrial, apenas uma expresso local de repercusso dascrises de expanso e reajuste da economia global. Nas palavras de Chesnais, omovimento da mundializao excludente (1996, p. 33-36). No novo cenriomundial, os desempregados, subproletarizados que reconfiguram a cidade de Manaus,dificilmente voltaro ao processo produtivo. Esses trabalhadores excludos parecemno ter lugar na histria, pois no tm qualificao e nem idade para adequar-se aoprogresso contemporneo. Vivendo de bico, na condio de inempregveis, transitamna informalidade de um lado para o outro, na incerteza e na descontinuidade. Algunsperegrinam pelas largas avenidas do Distrito Industrial na esperana de obter umtrabalho com carteira assinada. Outros reconhecem que dificilmente voltaro aocho da fbrica. Esses trabalhadores esto fora do limiar da trama representativa,no se constituem plenamente como cidados e no se singularizam como sujeitosdireitos. Eles se tornaram dispensveis modernidade brasileira e amazonense emparticular.

    16 Entrevista com o superintendente da Zona Franca de Manaus, Sr. Antnio S.Melo no, Jornal Amazonas em Tempo.27.2.2000.

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    Franca de Manaus

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