Desenhar Adolescentes - Pronto

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O DESENHAR DE ADOLESCENTES: CARACTERSTICAS NA PRODUO GRFICA DE SEIS MENINOS DRAWINGS ADOLESCENTS: CHARACTERISTICS IN THE PRODUCTION GRAPHICS OF SIX BOYS

Liane Carvalho Oleques1 Resumo: O presente artigo apresenta uma investigao realizada acerca das caractersticas do desenho de seis meninos adolescentes com idades entre 14 e 16 anos de uma escola estadual de Santa Catarina/SC, salientando suas preferncias e modos de desenhar. Como aporte terico foram utilizados autores acerca do desenho infantil, pr-adolescente e adolescente como Luquet (1969), Vigotsky (1998), Duarte (1995), Arnheim (1996), Derdyk (1990). Palavras-chaves: desenho, adolescncia, figura humana Abstract: The present article presents an investigation carried out about the characteristics of the drawings of six adolescents, boys, between 14, 16-years-olds, elevens of a State School of Santa Catarina/SC. The aim is pointing out his preferences and ways of drawing. The theoretical approach is done by the authors who are written about the children, pre-adolescents and adolescents drawings as Luquet (1969), Vigotsky (1998), Duarte (1995) Arnheim (1996), Derdyk (1990). Words-keys: drawings, adolescence, human figure

Este trabalho tem por interesse analisar os desenhos realizados por adolescentes de uma turma de 8 serie com idades entre 14 a 16 anos de uma escola estadual da regio de Florianpolis, Santa Catarina. O estudo concentra-se nos desenhos de seis alunos, objetivando a conhecer a atividade grfica realizada pelos adolescentes selecionados como suas preferncias (temas, materiais, etc) e modos de desenhar a figura humana. Esta investigao originou-se a partir do trabalho docente que exero na escola em questo desde maro de 2008, durante as aulas destinadas disciplina de Educao Artstica. Nos desenhos recolhidos para anlise, foi pedido que pensassem em algo possvel a ser adaptado a um mural que gostariam de realizar no ptio da escola. Poderiam retratar figuras envolvendo seus cotidianos, sentimentos e outros temas de seus preferncias. Num perodo correspondente a duas aulas, foram obtidos 13 desenhos referentes a este grupo. Dentre este

Mestranda do PPGAV-Mestrado, do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina, na linha de Pesquisa de Ensino das Artes. Graduada em Desenho E Plstica Bacharelado e Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria nos anos de 2007 e 2008 respectivamente. [email protected]

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total: 10 desenham apresentavam figuras humanas contando com 05 figuras inseridas em algum contexto e 05 figuras isoladas ou constitudas somente de rosto. Outros 03 desenham abordavam outros temas. Na anlise foi possvel apontar conexes tericas acerca do desenho entre o pensamento de Duarte (1995), Luquet (1969), Vigotsky (1998), Arnheim (1996), Derdyk (1990). A atividade grfica na adolescncia Caracterizar o desenho nesta faixa etria exige compreender como se desenvolve estas peculiaridades grficas na infncia. Para tanto autores como G. H. Luquet (1969) e L. S. Vigotsky (1998), estudiosos do incio do sculo do desenho infantil da sua fase inicial a final e Brent e Marjorie Wilson (1999) subsidiam esta etapa da investigao no tocante ao desenho da criana e adolescente. Neste sentido ser concentrada maior ateno a ltima fase do desenhar infantil elaborada por Luquet: o Realismo Visual, ou seja, a busca pela semelhana ao objeto a ser representado. Vigotsky auxilia nas questes concernentes ao desenhar na escala de transio - assim chamada por Vigotsky - que compreende o pr-adolescente e adolescente. Os Wilsons contribuem com questes relacionadas s fontes de imagens que influenciam crianas e jovens ao desenhar. Autor de O desenho infantil, Luquet publicou em 1927 extensa investigao sobre o desenho infantil, considerando, principalmente os desenhos de seus filhos. Caracterizou, quatro fases para o desenhar da criana. Interessa nesta investigao a fase que Luquet denominou como A Narrao Grfica onde se dedicou a ltima fase do desenho infantil: o Realismo Visual. Luquet utiliza o termo realismo para identificar toda a atividade grfica realizada pela criana em seu processo de desenvolvimento. Para tanto o termo realismo considerado por ele como a representao do que a criana vivencia, distanciando-se do desejo de representao grfica fiel dos objetos, levando em considerao os padres da visualidade. Luquet considera que a criana em idade pr-escolar embora tenha a inteno de desenhar aquilo que v, desenha aquilo que sabe do objeto. Diz que o repertrio visual da criana est condicionado ao meio onde ela vive (LUQUET,1969, p.23). Evidencia:Mas, mesmo tendo em conta as suas singularidades, pode considerar-se regra geral a criana representar nos seus desenhos tudo o que faz parte de sua experincia, tudo o que est aberto a sua percepo. (LUQUET, 1969, p. 22) 2

O Realismo Visual caracteriza a ltima fase do desenho da criana, elaborada por Luquet, correspondendo capacidade progressiva de representao plena dos objetos, mediante os padres da visualidade. Esta fase concentra-se j no final da infncia, incio da pradolescncia, v-se ento uma substituio progressiva para o Realismo Visual, que comea a tornar-se predominante pelos oito anos (LUQUET, 1969, p. 209). , nesta etapa, portanto que a criana capaz de representar as formas de acordo com a realidade visual, conquistando o desenho plenamente. A figura humana representada aqui, entre os jovens, como um bom exemplo desta conquista, levando em considerao o desejo de represent-la de modo fiel ou realstico. O ato de desenhar atribudo como a atividade artstica preferida de crianas de tenra idade, todavia, Vigotsky (1998) adverte que medida que a criana vai crescendo e se aproximando da adolescncia o gosto por esta atividade vai diminuindo, pois, vo se desiludindo com o desenho, acreditando no saber desenhar. Geralmente este esfriamento acontece entre os 10 e 15 anos, porm aps esta idade algumas crianas e jovens melhores dotadas artisticamente (VIGOTSKY, 1998, p. 93) ou que recebem algum estmulo da famlia ou escola podem voltar a inclinar-se a esta atividade, outras, entretanto, abandonam o desenho por inteiro. O autor salienta, portanto: El nio enpieza a criticar sus propios debujos, dejan de satisfacerle los esquemas infantiles por parecerle demasiados subjetivos hasta llegar a cerciorarse de que no sabe dibujar y deja el dibujo. (VIGOTSKY, 1998, p. 44). Assim como Luquet, Vigotsky estabelece quatro fases para o desenho infantil considerando seus esquemas e formas, sem abordar as garatujas ou rabiscos do inicio desta atividade. A quarta etapa apontada por Vigotsky enfatiza a fase entre os 10 e 15 anos onde h o abandono de esquemas grficos aparentes na infncia. nesta etapa que o adolescente interessase pelo desenho real no sentido pleno da palavra (VIGOTSKY, 1998, p. 102). Coloca ainda o interesse em representar o objeto em perspectiva:La creacin imaginativa del adolescente tiende em este perodo a la forma ilusria y naturalista, quiere hacer de modo tal como es en realidad, los rganos de la vista permiten asimilar los mtodos de la representacin perspectiva del espacio. (1999, p. 101).

Vigotsky aponta tambm a experincia da criana como parte do processo de criao e no deprecia a participao do adulto ou professor neste processo. Brent e Marjorie Wilson (1982) vm a contribuir de forma que estes estudiosos reconhecem em seus trabalhos a influncia do meio na produo grfica da criana. Eles pautam3

suas investigaes no estudo da aquisio das imagens nas quais as crianas se baseiam ao desenhar, salientando a influncia do tempo e espao no desenvolvimento do indivduo. Consideram o desenho como signos configuracionais que so aprendidos observando outras pessoas desenhando, verificam ento a maneira a qual so feitos, as razes pelas quais so feitos, as situaes nas quais so feitos a variedade de signos configuracionais feitos e as diversas formas que tais signos tomam em nossa cultura. (WILSON E WILSON 1999, p. 63). Estes autores acreditam que sem modelos para serem seguidos a atividade grfica nas crianas seria pequena. Ao questionarem o porqu do emprstimo de imagens entre crianas ao invs destas produzirem suas prprias imagens, os autores levam em considerao a figura humana visando elucidar tal questo. Todas as formas, posies e pontos de observao configuram milhes de percepes da figura humana estando acima da habilidade de nossa memria estas recordaes, pois, quando percebemos a figura no estamos visando desenh-la simplesmente porque so muito numerosas, complexas e gerais, e tambm particularmente porque so muito vagas para que possam fornecer imagens mentais definidas a partir das quais se possa desenhar. (WILSON E WILSON 1999, p.68). Salientam, portanto, que quando desenhamos uma figura humana de memria usamos percepes prvias de outros desenhos, porque estes so reduzidos em linhas e formas bidimensionais muito mais simples que a lembrana de um ser humano. Dos desenhos escolhidos para anlise Neste momento faz-se necessrio salientar que os 13 desenhos que compem o repertrio desta pesquisa foram realizados por um grupo de seis adolescentes do sexo masculino com idades entre 14 e 16 anos de uma escola pblica da regio de Florianpolis/SC, durante os perodos destinados a atividade da disciplina de Educao Artstica. Outra questo relevante que se atribui a esta anlise o fato destes adolescentes no serem iniciados artisticamente, ou seja, nunca freqentaram escolas especializadas em desenho. A escolha especfica deste grupo de meninos para a pesquisa, deu-se pelo fato de geralmente realizavam as atividades destinadas disciplina de Educao Artstica em grupo, dificultando, em certo modo, a identificao da autoria de alguns desenhos. Deste modo, observou-se que os desenhos elaborados forneciam elementos e modos de desenhar muito semelhantes, reforando o pensamento de vrios autores de que o desenvolvimento do desenhar constitudo socialmente, ou seja, as crianas e os adolescentes so influenciados uns pelos outros no que se refere aprendizagem do desenho.4

Para a elaborao dos desenhos foram utilizados suporte tamanho A4 e lpis preto tipo 6B, em apenas quatro desenhos observou-se a presena de cor por meio de giz de cera. Todo material foi disponibilizado pela prpria escola. Deste modo foi possvel analisar os desenhos a partir de alguns aspectos, concernentes a forma, mais marcantes como a linha de contorno, os recursos grficos, ou a disposio espacial. Outras questes apontadas concernem ao contexto dos adolescentes que se reflete nos trabalhos. Para Arnheim (1996) a linha se apresenta de trs modos: linha objeto aquelas que se configuram como linhas independentes, linha hachurada que deixam de ser linhas individuais para formarem um composto de linhas que formam uma superfcie coerente e a linha de contorno que aquela que delimita a forma. Notou-se, portanto, que esta ltima linha classificada por Arnheim, foi quase que constante nos desenhos analisados. So poucas as situaes onde se observam linhas mais grossas ou finas, fortes ou fracas respectivamente, dando nfase ao volume, fazendo uma combinao de linhas, formando um todo integrado. Nota-se, portanto que na maioria dos desenhos as linhas se mantiveram estveis, ou era somente usada pouca intensidade grfica, com uma linha mais fina e fraca ou utilizada uma linha cheia, salientando bem o contorno (fig. 01), demarcando circunstncias onde notou-se intenes realistas com o objeto desenhado.

Fig 01 Alisson 14 Anos

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Fig 02 Alisson 14 Anos (fotos 01 e 02: Liane Oleques)

Outra situao bastante freqente nos desenhos pesquisados so as tentativas de representao de profundidade, ou volume da forma (fig. 2) atravs de um sombreado marcado a dedo, ou seja, diluindo a linha de contorno geralmente para dentro da forma. Observa-se que este tipo de acabamento tambm busca intenes realistas, tendo em vista, o volume desejado forma. A sombra projetada dos objetos representados tambm foi analisada em um desses desenhos (fig.03), projetada em trs elementos do trabalho, sempre na mesma direo. Segundo Arnheim possvel verificar dois tipos de sombras: as sombras prprias, as quais so integrantes do mesmo objeto e objetiva definir volume e, outro tipo de sombra que se verifica aqui a sombra projetada (fig. 03) que ainda conforme o mesmo autor (ARNHEIM, 1996, p. 304 e 305) dotam os objetos de um estranho poder de provocar obscuridade. (...) Nos casos mais simples ligam-se diretamente ao objeto dos quais provem.

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Fig 03 Diego 16 anos (Foto: Liane Oleques)

Quanto ao colorido presente nas representaes destes adolescentes notou-se que o uso de cor ainda bastante restrito, preferem nuances de cinzas conseguido com o lpis preto tipo 6B. Porm, foi possvel verificar o uso da cor, ainda muito singelo e sutil, em quatro desenhos (fig.04). Em outro desenho, entretanto, a cor foi utilizada com maior abrangncia (fig. 05), possivelmente o colorido foi realizado aqui para uma melhor representao ou adequao a realidade visual, o caso das partes que representam o corpo humano ou o sangue. Luquet aponta para dois tipos de coloridos, o colorido realista e o decorativo: decorativo quando a cor no tem mais que um carcter acidental do objeto representado, quer dizer, quando poderia ser de uma cor diferente; (...). Pelo contrario, realista quando a cor essencial ao objeto. (LUQUET, 1996, p. 110).

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Fig 04 Claudemir.P. 14a e Airton.P 14a (foto: Liane Oleques)

Fig 05 Brendon 13 anos (foto: Liane Oleques)

Figuras Humanas Sabe-se que o domnio da figura humana pela criana ou adolescente uma constate conquista grfica. Duarte ressalta que na cultura popular, e principalmente entre os pradolescentes, (...) o bom desenhista aquele que consegue copiar com exatido um super-heri das Histrias em Quadrinhos ou Desenhos Animados. (DUARTE, 1995, p. 63), ou seja, aquele que dispem de uma melhor representao da figura humana. A figura humana se apresenta em dez dos treze desenhos recolhidos para anlise considerando tambm aquelas representaes onde somente o rosto do personagem foi executado, liderando, assim a preferncia de desenhos destes adolescentes. Duarte denominou Figuras Humanas Plenas (DUARTE, 1995, p. 60) aquelas representaes onde existia um domnio mais amplo da figura. Observou-se que os modelos apresentados aqui so bem elaborados e utilizados repetidamente na construo de outras figuras humanas, apresentando pequenas alteraes (fig. 01 e 03). As expresses faciais e corporais tambm so bem visveis e bem sucedidas.

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Bastante freqente nos desenhos analisados, a figura humana toma aspectos singulares na mo de cada desenhador. Todavia notou-se que a atmosfera que envolve a figura humana representada em cada desenho foi constante na deciso de quase todos os participantes da pesquisa. Nota-se um esforo muito grande em atender aos padres da realidade visual e principalmente em atender questes referentes prpria existncia. Os humanos aqui representados carecem de contentamento, expressam um semblante de dio, tristeza ou dor, esto presos literalmente, acorrentados, mutilados, possuem armas que exibem para o expectador. Edith Derdyk (1990), tambm pesquisadora do desenho infantil, sobretudo no aspecto da construo da figura humana, acrescenta que a anlise dos desenhos da figura humana constitui um processo de construo da viso de mundo da criana. Nas palavras desta autora:O processo de aquisio de representao da figura humana nos faz pensar na nossa prpria constituio como ser no mundo. A representao da figura humana estabelece vnculos de identidade profundos com ns mesmos estamos ali expressos. A necessidade de capturar a si mesma, definindo sua imagem e sua figura no mundo, se expressa na insistncia natural que a criana tem em desenhar figuras humanas. So desejos de se situar na fresta da vida, de sentir o que vivo, o que tem movimento. (DERDYK, 1990, p. 108)

Os desenhos recolhidos para esta pesquisa mostram as preferncias e modos de desenhar de um grupo de adolescentes e at certo ponto, caracterizam similaridades no desenhar desta faixa etria, porm, importante salientar que estas caractersticas no devem ser generalizadas a todos os jovens desta idade. Consideraes finais Esta pesquisa permitiu reconhecer o adolescente em seus aspectos psicolgicos e fsicos, fazendo-se compreender suas representaes grficas mais pertinentes, alm de abranger com maior ateno o desenho da criana. Neste sentido possvel salientar que a passagem da infncia para a adolescncia pode vir a ser um tanto tumultuada para o sujeito que a vivencia, pois, este se situa num perodo de transio onde o relacionamento com a famlia no to mais relevante e significativo quanto o relacionamento com as novas amizades que propiciam novos contatos com o mundo.

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Quanto aos aspectos concernentes ao desenvolvimento grfico pode-se observar a preferncia por figuras humanas com temticas, geralmente, imbudas por representaes um tanto violentas. Foi possvel observar tambm a influencia de modelos grficos exercidos pelo grupo de adolescentes, bem como, a repetio destes modelos. H uma busca por representaes realistas das figuras, na tentativa de adequao com a realidade visual. O desenho portanto nesta fase, representa registros do cotidiano, das relaes scio-culturais e, sem esquecer de um fator bastante relevante na construo e dinmica do desenho, que dizem respeito ao alargamento e aceitao das relaes de amizade. Referncias Bibliogrficas ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepo visual: uma psicologia da viso criadora. 10 edio. So Paulo: Pioneira, 1996. BLOS, Peter. Adolescncia. Uma interpretao psicanaltica. So Paulo: Martins Fontes, 1985. DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil. So Paulo: Scipione, 1989. _______________ O desenho da figura humana. So Paulo: Scipione, 1996. DUARTE, M.L. Batezat.(1995) O desenho do pr-adolescente. Caractersticas e tipificao. Tese de Doutoramento, ECA/USP, 1995. LUQUET, George-Henri.(1927) O desenho infantil. Porto: Ed. Minho, 1969. VIGOTSKY, L. S. A formao social da mente: o desenvolvimento dos aspectos psicolgicos superiores. 4 edio. So Paulo: Martins Fontes, 1991. _________________ La Imaginacion y El arte em La infncia. Madrid: Akal Editor, 1999. WILSON, Brent & WILSON Marjorie. (1974) Uma viso iconoclasta das fontes de imagens nos desenhos de crianas. Revista ARTE. 1984. n,1 e n.2 p.14-16.

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