Desenho Para Designers Capítulo 1

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    Uma breve

    histria dosdesenhos dedesigners

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    O pensamento modifica a nossa vida e nosso comportamento.

    Eu tambm acredito que o desenho atua da mesma maneira.Eu sou um grande defensor do desenho, no apenas para ser

    um ilustrador, mas porque eu acredito que desenhar modificao crebro do mesmo modo que a busca pela nota certa

    modifica o crebro de um violinista. Desenhar tambm te faz

    ser atento. Faz com que voc preste ateno ao que voc estolhando, o que no to fcil.Milton Glaser

    Pgina oposta. Alvar Aalto,Vasos de vidro, 1936, Crayon

    sobre colagem de cartolina.

    O artista fez estes esboos deconceito para a empresa de vidro

    finlandesa Iitala, para a Feira

    Mundial de Paris em 1937.So os precursores dos vasos

    Savoy, do mesmo autor, e foram

    inspirados nas EskimoerindenSkinnbuxa (as calas de couro das

    mulheres esquim). Cortesia: Iitala

    Group, Helsinki, Finlndia (vertambm Figs. 13, 5.20, 5.21).

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    Designers e construtores desenham desde os primrdios dacivilizao. A primeira ligao entre desenho e manufaturapode remontar poca em que, segundo a lenda grega,Dibutades traou uma linha ao redor da sombra (umaprojeo) de seu amante, seu pai ento recortou esta linhae fez uma escultura a partir dela. Desenhos simblicos e

    esquemticos esto em evidncia desde a Idade do Bronze existe uma vista em planta de um arado puxado por boisdatado de a.C. em Fontalba e esquemas semelhantespodem ser vistos em pinturas egpcias.

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    direita 1.1. Paolo Ucello(1395-1475), Clice, c-1430-40.

    Pene e tinta sobre papel. Este

    estudo em perspectiva de um clicetem fantstica semelhana com um

    desenho em CAD no modo

    wireframe. Cortesia BridgemanArt Library, Londres.

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    29Uma breve histria dos desenhos de designers

    Os antigos gregos fizeram as fundaes da geometria eos mtodos de Euclides eram ensinados quaseexclusivamente at o final do sculo XIX. Astrnomosgregos, notadamente Apolnio de Perga (c. 262-190 a.C.),conceberam, por volta de 250 a.C., a noo de projees eentenderam tanto a projeo ortogrfica (tambmconhecida como paralela) quanto a estereogrfica (oucnica), usada em seus mapas planos para os cus semi-esfricos. Um nmero grande de manuscritos gregos foiperdido ao longo dos sculos, assim perfeitamentepossvel que eles conhecessem a perspectiva, especialmentepor que a projeo estereogrfica pode ser consideradauma forma especial da perspectiva generalizada.

    Ambos os renascentistas, o artista Paolo Uccello(-) e o arquiteto Filippo Brunelleschi (-),tm o crdito pela inveno da perspectiva, por volta doano . Isto no significa que, nos desenhos, a terceiradimenso no existisse antes da Renascena, pois vriostipos de projees oblquas no convergentes podemser vistos em desenhos de todas as culturas das pocasmais remotas.

    Na Idade Mdia, o desenho como aparentamaos nossos olhos modernos dava mais nfase scaractersticas mecnicas e atributos de uma mquina

    Acima 1.2. Matthew Boulton e

    James Watt, vista geral de ummotor a vapor, 1795. Pena e tinta,

    lavado e sombreado comaquarela, 115/8 x 161/2

    (29,5 x 41,8 cm). Cortesia

    Institution of MechanicalEngineers, Londres.

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    do que a retratar a realidade fsica. Por exemplo, aabadessa Herrad de Landsberg (c.-), em suaHortus Deliciarum (Jardim de Delcias) de umcompndio de todas as cincias e ofcios estudadosnaquele tempo sacrificou verdades geomtricas,tamanhos e posies comparativos em favor de uma

    descrio, segundo as convenes daquele tempo, decomo era realmente o funcionamento de um moinho(ou de qualquer outro assunto tratado). Seusdesenhos produzidos empiricamente so toimpenetrveis e difceis de ler como os desenhosem vistas ortogrficas dos engenheiros o so para umleigo de hoje.

    A Influncia da Arte e daArquiteturaOs muitos tipos de desenhos usados correntementepor designers evoluram de forma independente entresi em disciplinas distintas durante a Idade Mdia naEuropa. A escola de um objeto, um desenho remontaaos perspectivistas, a abordagem multivistas (planta eelevaes) veio dos arquitetos.

    A mais antiga planta de um edifcio que existedocumentada est gravada numa esttua de Gudea emUr (uma cidade no sul da Mesopotmia, atual Iraque) e que hoje est no Louvre e datada de a.C.Ela mostra um desenho de um Zigurate um templocom laterais em degrau gravado numa mesa dedesenho, acompanhado dos instrumentos de desenho.As vistas em planta pareciam ser suficientes para osmestres construtores erguerem as catedrais durantemuitos sculos. Amde-Franois Frzier (-) reconhecido como o primeiro arquiteto quemostrou, em , plantas e elevaes juntas, emescala e unidas projecionalmente por meio delinhas de construo.

    O mtodo arquitetnico, sendo uma metodologiamadura, expandiu-se para a engenharia mecnica noincio da Revoluo Industrial os desenhos demotores a vapor de finais do sculo XVIII feitos porMatthew Boulton e James Watt (Fig. .) soreminescentes dos desenhos arquitetnicos daquelapoca, acabados com aquarelas e com sombreamentopara dar mais realismo.

    A histria do desenho de design segue de mosdadas com o desenvolvimento dos instrumentos dedesenho. A geometria euclidiana demanda apenascompassos e rguas. Transferidores e jogos deesquadros foram inventados muito mais tarde ederivaram-se das ferramentas dos mestresconstrutores, tais como aquelas mostradas noscadernos de esboos de Villard de Honnecourte,por volta de -.

    Acima 1.3. Villard de Honnecourt,Mquinas, c.1220-1235, lpis sobrepergaminho com lavagem a spia.

    Estas mquinas, desenhadas pelo

    construtor medieval Villard deHonnecourt (fl. 1190-1235), tm

    aparncia ingnua segundo os

    padres modernos, devido abordagem diagramtica do autor

    da terceira dimenso. Entretanto,

    elas serviam como lembrete eregistro para que o mestre construtor

    e inspiraram o renascer gtico do

    sculo XIX. Cortesia BibliotqueNationale de France, Paris.

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    31Uma breve histria dos desenhos de designers

    Na era Napolenica, Gaspard Monge (-)revolucionou em o pensamento do desenho com suasteorias da geometria descritiva. Em , o ingls A.W.Cunningham escreveu que na Europa continental haviamtodos elegantes de desenho por meio dos quais todaforma de problema tridimensional podia ser resolvida no

    papel. Artesos, sem dvida alguma, faziam desenhos,embora eles provavelmente fossem inscritos nas pedras,feitos com giz num quadro negro ou ainda inscritos nosprprios materiais a serem trabalhados. Mas Cunninghamqueria ver uma educao sistemtica em desenhosubstituindo costume e prtica.

    A obscuridade quase recaiu sobre Sir William Farish(-), outro pioneiro dos mtodos de desenho, cujotrabalho de sobre isomtricas (ver Captulo )permaneceu esquecido por muitos anos numarevista acadmica.

    No incio do sculo XIX, quase todos os desenhos de

    design eram feitos por engenheiros ou artesos, embora oenorme volume de trabalho demandasse que copiadores edesenhistas menos habilidosos tivessem que ser contratados.Isto fez com que, em , William Binns desenvolvesse odesenho em trs vistas ortogrficas ou mtodo de desenhoda geometria dos slidos (o mtodo de Monge demandavaapenas duas vistas planas), de forma que desenhosmuito bem-acabados pudessem ser feitos a partir doesboo do designer.

    A Influncia da Construo Naval

    Os mtodos de representao de superfciescomplexas, esculturadas geralmente curvadas emduas dimenses derivam principalmente dasprticas de construo naval (Fig. .). Durante fins

    do sculo XVI, desenhos de navios eram feitosconvencionalmente em trs planos: longitudinal,vertical e horizontal.

    Ao final do sculo XVII os desenhos tornaram-semais estilizados. Sees das cavernas foramsimplificadas mostrando apenas as linhas externas e,pelo fato de as cavernas serem simtricas ao longo docomprimento do navio, apenas metade de cadauma era desenhada, da popa meia-nau, na esquerda;e proa meia-nau, na direita (Fig..).

    Vrias linhas de flutuao tambm eramdesenhadas, para mostrar como o navio ficaria na

    gua conforme as vrias cargas. Estas eram abstradasem planos imaginrios, que podiam ser usados paradefinir a forma do casco: como curvas na vista emplanta e retas nas elevaes. Um conjunto destescontornos poderia ser usado para definir um slido.Mais usualmente, entretanto, eles seriam tratadoscomo um mtodo adicional, como uma srie desees acompanhando um desenho convencionalem trs vistas.

    Acima 1.4. A corveta Atlanta 1775.Desenho a nanquim e aquarela.

    O esboo lembra muito um desenho de

    engenharia do sculo XX, com seu arranjocontendo meia-planta (o navio simtrico),

    vistas lateral e frontal. As convenes j

    haviam sido implantadas: os contornos dascavernas na vista frontal so mostrados da

    popa meia-nau, no lado esquerdo; e de

    proa meia-nau; no lado direito. CortesiaNational Maritime Museum, Londres.

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    Produo em Massa

    Quando todos os produtos eram feitos mo por umanica oficina, desenhos no eram realmente necessrios,mas, quando a produo em massa tornou-se comum, elespassaram a ser muito mais importantes, especialmente seas peas fossem feitas em locais distintos e devessemse ajustar na montagem.

    Em as Foras Armadas dos Estados Unidosdecidiram fabricar mosquetes padronizados com peasintercambiveis. O objetivo era que os mosquetespudessem ser desmontados, as peas jogadas numa pilha,misturadas com peas de outras armarias, remontadasaleatoriamente e sempre funcionassem no primeiro disparo.

    Direita 1.5. Um navio do sculo XVI,c. 1586, em Fragments of Ancient

    English Shipwrightery, de MatthewBaker. Desenho em aquarela com o

    layout esquemtico das velas e

    mastreao. Este precursor dodesenho de apresentao foi

    provavelmente feito como pea de

    exibio para registrar os detalhesexternos do navio. Cortesia Pepys

    Library, Magdalene College,

    Cambridge, Inglaterra.

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    33Uma breve histria dos desenhos de designers

    Inicialmente, mosquetes perfeitos eram despachadospara serem copiados. Em , um engenheiro alemo,Ferdinand Redtenbacher (-), imaginou um mtodomelhor. Como um desenho era mais fcil de manusear doque pedaos de metal, este podia ser considerado como uminstrumento para o projeto, imitando em papel os objetos

    reais de forma que fossem avaliados, sendo que quaisquerfalhas e incompatibilidades seriam resolvidas antes que umprottipo caro fosse fabricado. O uso de um desenho comorepresentao simblica de um produto significava que oprocesso de projeto poderia ser separado da produo e arazo de produo poderia ser aumentada comcomponentes pequenos, padronizados e produzidos emmassa, simultaneamente.

    Este foi quase certamente o incio da profisso dedesigner do produto como ns a conhecemos hoje(Fig. .). O designer com o desenho era capaz de uma maiorpercepo que os antigos artesos, logo se tornou costumeiromandar para a oficina um traado feito tinta em vez da peaoriginal. A Primeira Guerra Mundial e o surgimento dosmtodos de reprografia significaram o final dos cdigos decores, que foram substitudos por matizes mecnicos ouhachurados em branco e preto, bem mais legveis.

    Desde a prtica dos desenhos de engenharia estsujeita a normas nacionais e internacionais. No ReinoUnido, a norma apropriada a da British StandardInstitution BS (substituindo a BS); o padro

    Abaixo 1.6. Charles Rennie Mackintosh,cadeiras para a sala de senhoras na Casa

    de Ch de Miss Cranston em Glasgow,

    1903. Lpis e aquarela sobre papeltecido, 13 x 20 pol (32,8 x 50,6 cm).

    Estes estudos delicados usam a elevao

    simples para representar as dimenses epropores gerais, acrescidos de uma

    perspectiva mais elaborada para mostrar

    a cadeira no seu contexto de uso.Photo Hunterian Museum and Art

    Gallery, University of Glasgow.

    Coleo Mackintosh.

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    americano da ASME (Sociedade Americana dosEngenheiros Mecnicos) Y.M1. Estas normas incluemformatos e tamanhos, tipos de linha, letras, cotas, o modocomo o corte deve ser realizado e detalhes como smbolospara representar roscas. Pases europeus tm as suasprprias normas na Alemanha, por exemplo, soestabelecidas pela DIN (Deutsches Institut fr Normung) e h tambm a normalizao internacional, ISO .Designers, entretanto, normalmente adotam umaabordagem mais pragmtica, usando as convenes com asquais eles se sentem mais confortveis. A questo dasnormas exacerbada por empresas grandes que tm assuas prprias normas internas e prticas de design quepodem ser foradas, por contrato, a se adaptarem aoestilo domstico do cliente.

    O desenho de apresentao uma criaorelativamente recente, cujo desenvolvimento segue emparalelo com o crescimento dos grupos de design e seu

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    Acima 1.7. Philip Bro Ludvigsenpara Georg Jensen, Desenho emCAD Pro/E do saleiro Twist.

    Cortesia Georg Jensen, Dinamarca.

    1 N.T. No Brasil a normalizao estabelecida pela ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas e as normas vigentes paradesenho tcnico so: NBR , NBR , NBR ,NBR , NBR , NBR , NBR , NBR , NBR .

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    35Uma breve histria dos desenhos de designers

    relacionamento com a indstria. A perspectiva derealismo do desenho de apresentao tem sidoquestionada por grupos de design, tais como o Memphis,que tem usado projees axonomtricas e oblquas paracomunicar diferentes verdades sobre a forma e funo deum produto. Designers e companhias como Also Rossi e

    Alessi, respectivamente, vo mais adiante, publicandoesboos conceituais filosficos e pinturas contextuaispara ajudar a vender os produtos que criam.

    As Origens do Projeto Auxiliadopor Computador (CAD)Hoje, o CAD tem a possibilidade de fazer com que osdesigners retornem ao tempo das oficinas, quando tinhamtotal responsabilidade pela realizao de seus conceitosoriginais sem compromisso ou interpretao de outrosno cho de fbrica.

    Os princpios da repetibilidade automtica e daprogramabilidade em mquinas tm suas origens nosteares operados com carto perfurado de Falcon ()e Jacquard (). Os sistemas de CAD mais atuais soderivados de um programa de computador chamadoSketchpad, desenvolvido em e baseado na tese dedoutorado (PhD) de Ivan Sutherland, no Instituto deTecnologia de Massachusetts (MIT). Sketchpadtinhamuitas das caractersticas dos atuais sistemas de desenhoem D. Por exemplo, era interativo: o designer podiacomunicar-se instantaneamente com o computador, aopasso que naquela poca os programas eram processados

    em blocos, enviados do terminal ao computador central eos resultados eram recebidos talvez no dia seguinte.Alm disso, os elementos comumente usados podiam serarmazenados em bibliotecas e chamados quandonecessrios em novos desenhos. Nunca seria necessrio,Sutherland insistia, fazer a mesma coisa mais de uma vez.

    Usando o CAD, os desenhos podem ser feitos emtamanho real na escala : (lembre que a tela docomputador apenas uma janela dos dados) e depoisimpressos em todos os diferentes fatores de escala :,: etc. requeridos pelos diferentes contratados numprojeto multidisciplinar (Fig..).

    O CAD pode acelerar o processo que vai do design ata produo, levando ao mercado produtos melhores, emmenos tempo. Pode unificar as vrias etapas do ciclo deprojeto, suavizando a passagem entre as fasesanteriormente distintas de design de conceito, apresentaovisual, modelos, desenhos de peas, criando umatransmisso direta de uma ideia nica. Com desenhos maislimpos, legveis e mais precisos, alm de modelos D, oCAD elimina a ambiguidade de designs e permite umamelhor comunicao entre engenheiros, designers,administrao e equipe de vendas.

    discutvel se o CAD sufoca ou no a criatividade,mas em mos experientes ele pode dar tempo ao designerpara pensar em outras solues alternativas. O CAD podeser integrado a programas de anlise, simulao e avaliao para testar o design segundo resistncia e para verificar seatende aos requisitos de desempenho de forma que falhas

    potenciais de design sejam detectadas e eliminadas na tela,em vez de mais tarde no cho de fbrica. E, medida que alegislao a respeito de responsabilidade pelo produto esegurana torna-se mais importante para a indstriamanufatureira, o CAD pode auxiliar os designers a evitarerros, prever falhas potenciais e preveni-las e aindacontrolar a quantidade crescente de dados complexos.

    Com o CAD tambm mais fcil precisar exatamentequanto custar para fazer um determinado produto e,assim, a fbrica pode reduzir a quantidade de estoque epeas em processo no cho de fbrica.

    Desenhos de engenharia feitos mo ocupavam uma

    grande quantidade de espao fsico. Armazenar estainformao num banco de dados computadorizado no s atorna mais acessvel e mais provvel de ser consultada, comotambm libera espao no escritrio. Sistemas construdos aoredor do computador pessoal so agora acessveis mesmopara empresas de uma ou duas pessoas, fazendo com queestas possam concorrer em igualdade de condies com asmaiores multinacionais. Gostando ou odiando, o CAD,como o editor de textos, veio para ficar. Um designer aindausar lpis e papel logo no incio do projeto, mas umcomputador ser usado no restante do processo.

    Como o Desenho EnsinadoO desenho pode ser ensinado? Ou simplesmente umaquesto de no aprender? Seria uma habilidade natural,gravada em nossos genes? Todos so capazes de desenharat que algum diga que no uma citao atribuda a JohnLennon, entre outros. Certamente a prtica ajuda.O treinamento formal de muitos estudantes de hoje em diaconsiste em uma hora de desenho por semana e aindano compulsrio. Mas no foi sempre assim. A maneiracomo se ensinava desenho no passado e a importncia quea sociedade d ao ensino de desenho tm papel fundamentalem como ns encaramos o desenho hoje em dia.

    Em meados do sculo XIX, os comentrios deLorenzo Ghiberti e os tratados sistemticos de LeonBattista Alberti colocaram a teoria bsica e a prtica dodesenho como princpios unificadores das artes visuais.Para Leonardo da Vinci (Fig. .) desenhar tornou-seno apenas uma cincia mas uma divindade, permitindo aexplorao precisa de reas onde a linguagem no tinhapoder. Ele enxergava a pintura como uma cincia doconhecimento e o desenho como mtodo de investigao.Desenhar, ele dizia, a forma tangvel da ideia, o ato

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    mecnico, mas tambm para as artes decorativas, como porexemplo, o design txtil, que era restrito pela tecnologiados cada vez mais mecanizados meios de produo.

    Um exemplo do dogmatismo pode ser visto no livroGrammigraphia (), de William Robson, que afirma:So quatro as linhas; perpendicular, horizontal, oblqua ecurva. Toda a variedade de aparncias na natureza apresentada por uma combinao destas quatro linhas

    dispostas em harmonia com a proporo e posio.Uma linha a continuao de um ponto. Um ponto podemover-se de apenas quatro modos e, destes, ns podemosobter uma expresso matemtica de todas as figuras comuns:ngulo, quadrado, crculo, elipse, oval, pirmide, serpentina,ondulado e espiral. Use linhas de forma distinta edeterminada o quanto possvel. Desenho baseado emobservao emprica ficou em segundo plano.

    No perodo de ressurgimento nacional, aps as guerrasnapolenicas, os estados germnicos, especialmente aPrssia, adotaram as ideias do educador suo JohannHeinrich Pestalozzi (-) nas escolas de jardim da

    infncia. Estepedagogische Zeichnen era bastante distintodo desenho mais expressionista ou Kunstzeichnen e estavabaseado num alfabeto de figuras geomtricas simples.A atividade de desenhar, de acordo com Pestalozzi e seusseguidores, inicia-se com exerccios que aumentam edesenvolvem o entendimento da criana a respeitode espao e forma.

    O engenheiro e membro do clube esttico de Glasgow,James Nasmyth, escrevendo em , disse: Vendo as formasabstratas dos vrios detalhes dos quais toda mquina composta, ns descobriremos que eles consistem de certas

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    inventivo que produz uma obra de arte. Isto foi ecoadopor Giorgio Vasari (-) que dizia: O desenho nadamais do que a expresso visvel de um conceito que temosem nossa mente.

    O desenho seria, ento, um meio de exteriorizar umconceito, mas tambm uma afirmao muito pessoal; algo muito maior do que um arranjo de marcas numpapel. Um desenho um anlogo de algo real: uma

    coleo estilizada de smbolos, consideraes e taquigrafiaaprendida que pode ser lida ou mal interpretada, tal comoa escrita. David Hockney no prefcio do livro de JeffreyHockney, Draw: how to master the art, diz: Se voc podedesenhar, mesmo s um pouco, voc pode expressar todotipo de ideia que, de outra forma, poderia ser perdida deleites, frustraes, qualquer coisa que te atormente oute d prazer. Desenhar ajuda-o a pr seus pensamentosem ordem. Pode fazer com que voc pense demodos distintos.

    A Codificao do DesenhoO desenho uma linguagem que foi codificada eformalizada ao longo dos anos e o modo comodesenhamos influencia o modo como vemos. Forma eharmonia no so absolutos intuitivos, mas so resultadosde mtodos sistemticos de desenhar.

    A codificao do desenho comeou na renascena, masfoi aperfeioada nos livros-textos do sculo XIX, nos quaisaxiomas eram apresentados para analisar problemas dedesign. Muitos destes livros ensinavam desenho num estiloseco, linear. Isto era verdade no apenas para o desenho

    direita 1.8. Leonardo da Vinci,Mquina Voadora, desenho tinta.

    Esta fantstica macchina volante(mquina voadora) um esboo de

    concepo pictrica com notas.

    Leonardo quase sempre usoudesenhos explodidos e em corte

    para auxiliar na explicao do

    funcionamento interno de suasinvenes, e ele quase inventou a

    projeo ortogrfica ao mostrar

    vrias vistas de um mesmo objeto,mas sempre com uma terceira

    dimenso adicionada. Cortesia

    Bibliotque de lInstitute de France,

    Paris, Frana. Lauros/Giraudon/Bridgeman Art Library.

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    combinaes de seis elementos primitivos ou figurasgeomtricas elementares, nomeadamente: a linha, o plano, ocrculo, o cilindro, o cone e a esfera. Isto no era somenteuma afirmao de um fato e dos problemas prticos damecnica de preciso, era tambm uma afirmao deinteno esttica. Nasmyth estava desenvolvendo uma

    gramtica visual apropriada tecnologia.Esta forma pedaggica de desenho ficou conhecidacomo arte convencional em meados do sculo XIX.A maneira esperada de execuo era um trabalho com lpissem sombra, duro e claro. O designer Christopher Dresser(-) escreveu, em , que desenho para propsitosdecorativos deve coincidir com as plantas do arquiteto doedifcio. Uma srie de desenhos que devem transmitir umconhecimento perfeito de cada parte.

    Desenho Geomtrico versus NaturalistaA discordncia veio do crtico de arte John Ruskin(-) que, tambm em , falou da selvageria dodesenho geomtrico. Na sua promoo do desenho tonal eimpressionista, o seu livro The elements of Drawing eraantilinear e antigeomtrico. O desenho pedaggicoapontava para um futuro industrial e para o culto mquina, assim, o desenho naturalista (Fig..) apontavapara um passado feito mo e para o culto do vernacular.

    A despeito dos protestos de Ruskin, o desenho pedaggicofoi adotado quase que universalmente nas escolas dedesign. Era factual, positivo e moderno.

    Ao final do sculo XIX a arte era considerada umimpulso criativo espontneo. Paul Czanne (-)argumentava que concepo no pode preceder a execuo,

    uma vez que as expresses nunca podem ser as tradues depensamentos claros. Desenhos e pinturas no so mais fatoresdistintos: quando algum pinta, desenha. Quanto maisharmonia h nas cores, mais preciso se torna o desenho.Desenhar mesclou-se arte de pintar. E, no mundo doartista, o desenho cada vez mais visto como um ramoda arte separado da pintura.

    Forma Segue o Mtodo de DesenhoUma tentativa de ensinar arte e design juntos foi feita naBauhaus (Fig..). Este movimento alemo tinha muitasfontes, que incluam os ensinamentos da educao pelaarte da educadora italiana Maria Montessori. A Bauhausfoi precedida e influenciada pela Deutscher Werkbund de, um movimento no qual Lothar von Kunowski(-) encorajava os estudantes a revelar a essncia emvez da aparncia da natureza e dos materiais para obtera verdadeira expresso. Peter Behrens (-)formou-se como pintor e ensinou em Nuremberg antes

    direita 1.9. Soren Georg Jensen(1917-1982), Castial de prata no.1085, 1960. No importando assuas escalas, o peso e a densidade

    de suas formas so mantidos num

    balano delicado com os espaosintermedirios, avivando suas

    formalidades modernistas com um

    toque leve e lrico. O par decolunas no comprometedoramente

    simples realado pelo contorno

    externo semivazado. O design foirevivido, em ao inox, em 2006.

    Cortesia Georg Jensen, Dinamarca.

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    de ser apontado orientador artstico da companhiaeltrica AEG, onde projetou luminrias, posters e oprimeiro edifcio modernista. Ele escreveu em Leisinteriores determinam a forma na arquitetura, desenhoindustrial e artesanato. Seus estudantes eramencorajados a considerar os princpios intelectuais de

    todo trabalho de criao de formas e tentar descobrire reconciliar as leis da arte com aquelas da tcnicae dos materiais.

    Em , Walter Gropius (-) lanou omanifesto de fundao da Bauhaus. Ele acreditava quea arte no podia ser ensinada, mas que a habilidademanual sim, ento ele estabeleceu que seis categorias detreinamento seriam oferecidas: escultura, trabalho commetal, fabricao de mveis, pintura e decorao,impresso e tecelagem. O desenho foi listado emseparado e incluia paisagem, natureza morta, composio,esboo mo livre a partir de memria e imaginao,alm de design de mveis e artigos prticos.

    Em Weimar, o desenho era ensinado por JohannesItten (-), que encorajava a autoexpresso entreos estudantes. Ele rejeitava convenes mortas etambm ensinava que as leis da forma e da cor podiamser interpretadas e entendidas tanto intuitiva quantoobjetivamente. Antes de desenhar um crculo, osestudantes tinham que experimentar um crculoeuritimicamente ao sacudirem seus braos no ar.As trs formas bsicas quadrado, tringulo e crculo eram experimentadas em forma de gestos, modelagemem argila e, ento, representadas graficamente numplano D. Os estudantes tinham que absorver asqualidades dos materiais atravs do toque, manuseio edesenho de memria, alm de criar novas texturas pormeio de montagem e colagem. Isto daria umaapreciao sensorial da qualidade dos materiais quelevaria a um entendimento, tanto intelectual quantoemocional, de seus potenciais para propsitos de design.

    Entretanto, o desenho nos anos iniciais da Bauhaustinha pouco a ver com projeto. Em , LazlMoholy-Nagy (-) foi fundamental natransformao das oficinas baseadas em trabalhosmanuais em laboratrios para evoluir novos tipos,formas e normas para a produo em massa.A preocupao era com a criao de prottipos queserviriam como guias para artesos e indstria, emvez de com desenhos.

    Em , em Dessau, desenho analtico era ensinadopor Wassily Kandinsky (-) como umaeducao em observao no da aparncia externa deum objeto, mas dos elementos construtivos, das leis quegovernam as foras (= tenses) que podem serdescobertas em dados objetos, e de suas construeslgicas. Uma educao em observar e reproduzirclaramente relaes em que fenmenos D so umpasso introdutrio para o tridimensional.

    Abaixo 1.10. Hebert Bayer,Capa de revista, 1928. Como estaimagem mostra que a Bauhaus

    ensinava que as formas dos

    produtos podiam ser montadas apartir de formas geomtricas

    simples, primitivas o cone, a

    esfera e assim por diante. Sistemasatuais de modelamento de

    slidos em computador usam

    os mesmos princpios.

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    39Uma breve histria dos desenhos de designers

    Design ModernistaO pintor como um criador de formas foi fundamental paraa teoria do design do incio do sculo XX. No movimentoholands, De Stijk, a pintura abstrata demonstrava as leisuniversais da forma. O carro retumbante (baby wagon) de

    Gerrit Rietveld (-

    ) era uma demonstrao de queum objeto belo poderia ser fabricado quase que totalmentede peas usinadas retas (Fig..).

    Gropius esperava que a habilidade e viso do pintorpudessem ser empregadas diretamente na produoindustrial. Mas as atividades de arte e design provaramser fundamentalmente diferentes para se misturaremcom sucesso, conforme admitiu em Georg Muche(-), que escreveu:As formas dos produtosindustriais, em contraste com as formas de arte, sosuperindividuais, no que tange a elas como resultado de umainvestigao objetiva a respeito de um problema...Os limites da tecnologia so determinados pela realidade,mas a arte somente chega s alturas se coloca seusobjetivos no domnio do ideal.

    Ao assunto desenho em design foi dada pouca atenodurante o sculo XX, sendo seu papel relegado a algonecessrio, mas relativamente pouco importante noprocesso de projeto. O modernismo e seu princpiofundamental de que forma sempre segue a funo(um aforismo atribudo ao arquiteto americano

    Louis Sullivan,-

    ) levaram sistematizao dodesign atravs dos anos , com uma nfase emhabilidades de resolver problemas em jogo de palavras.Desenhar parecia ser bvio e intuitivo demais para ser dealguma ajuda. Desenhos de designers tornaram-se invisveis,eles sempre estiveram l, mas nunca vinham a pblico.

    A Alegria de DesenharO ps-modernismo, com o seu algumas vezes irrelevantechoque entre arte e design, novamente traz a exibio dosdesenhos de designer. Desenho raramente discutido nosmanifestos de grupos como o sediado em Milo, Memphis,liderado por Ettore Sottass (-) (Fig..), mas eles estol para serem vistos, em glorioso technicolor, entre as

    A direita 1.11. Gerrit Rietveld,Carrinho de beb (carro

    retumbante), 1923. Estes esboosmostram uma forma desenvolvida a

    partir de pedaos retos de madeirausados na famosa cadeira

    vermelha/azul. O desenho usa

    uma projeo isomtrica, comdetalhes em elevao; desenhos

    arquitetnicos do movimento De

    Stijl eram executados normalmenteem projeo axonomtrica.

    Cortesia Arquivo Rietveld

    Schroder, Utrecht.

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    fotografias de produtos nos catlogos do grupo eno material publicitrio.

    Sottass e outros designers, como Michele de Lucchi eGeorge Sowden, foram inspirados na criao do grupoMemphis por um verso numa cano de Bob Dylanentitulada Stuck inside of Mobile with the Memphis blues

    again: Ah mas a sua debutante sabe do que voc precisa,mas eu sei o que voc quer. Design nunca a soluo paraum problema, diz Sottass, porque nenhum problema naera da moda e do consumismo um evento imvel quepode ser isolado e seguro. Os designs da Memphis nodesejam convencer, mas seduzir, inventando funes ecriando demandas.

    Deste modo, ele ecoa o coro dos designers industriaisamericanos antimodernistas dos anos , comoHarold van Doren (-) e Walter Dowin Teague(-), que, confrontados com a dificuldade deencontrar uma forma honesta ou natural para novosprodutos de consumo como o aspirador de p,enclausuram-nos em cascas simples, polidas eaerodinmicas deliberadamente intencionadaspara ter apelo junto ao consumidor e aumentar asvendas (Fig..).

    No fim, as conquistas do Memphis e de outros gruposps-modernistas foram reintroduzir cor, padronagense ornamentos no design. Design, hoje, no somenteresolver necessidades funcionais, mas criar alegria,excitao e expectativa.

    Poderia ser argumentado que no passado os objetoseram mais retilneos porque formas quadradas erammais fcies de desenhar em projees ortogrficas.Os programas de CAD fazem com que padres repetidos,tais como sries de linhas paralelas, sejam facilmenteincorporados. Agora os sistemas de modelagem Dtornam possvel projetar e fabricar formas livres,orgnicas e curvilneas.

    Os designers do grupo Memphis atualizaram os meiosconvencionais de representao em trs dimenses peloemprego de formas pouco usuais das projees oblquas eaxonomtricas (que tambm so indicadores dotreinamento deles em arquitetura) e, geralmente, preferemapresentaes planas, semelhantes a quadrinhos, em vez deuma realizao realista, para estimular uma reaoemocional no usurio potencial dos produtos, que foiensinado a igualar design a bom gosto.

    ConclusoNas duas ltimas dcadas, a maior influncia no desenhotem sido o computador. No somente o computador usado rotineiramente no acabamento e melhoria de umdesenho iniciado mo e escaneado para manipulaoposterior em programas como o Adobe Photoshop, mas aaparncia das imagens feitas no computador tem tido uma

    Abaixo 1.12. Ettore Sottsass,mesa de canto Casablanca, 1981.

    Desenho oblquo, nanquim eguache. Esta era a pea central da

    primeira coleo do grupo

    Memphis. A mesa de canto feitacom laminados brilhantes e com

    padres projetados por Sottsass

    para a empresa Abet Laminati.Cortesia Sottsass Associati EEIG,

    Milo.

    Pgina oposta 1.13. HenryDreyfuss (1904-1972), Trator,

    1959. Desenho sobre papel

    amarelo para traado.O desenho um dramtico

    estudo em perspectiva para a

    companhia John Deere. CortesiaCooper-Hewitt. National Design

    Museum, Smithsonian Institution.

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    41Uma breve histria dos desenhos de designers

    influncia nos desenhos feitos mo. A onipresentesombra do design grfico e dos logotipos sombreados egravados em relevo, to fceis de se conseguir nocomputador, comearam a aparecer em desenhos feitosa lpis e marcador.

    O designer nova-iorquino Tucker Viemeister

    acredita que o meio escolhido para o designer temgrande e direta influncia nas formas e formatos dosprodutos criados. anlogo ao papel que as palavras tmno desenvolvimento de ideias. Os Inuit tm algo como

    palavras diferentes para a neve. Pantone dita o nmero decores que podemos usar, a tcnica de usar Magic Markersugere formas aguadas; pastis, formas suaves; fome-cor,caixas onduladas; CAD, interseces complicadas,aberturas repetitivas e texturas. Voc pode enxergar

    um paralelo bvio entre os estilos modernos e osmdios do design.

    Sottsass afirmou que o design deveria ser umaatividade em tempo real. Somente o ato de desenhar, emoposio ao de construir modelos, pode oferecer aespontaneidade para que se acompanhe uma mente to

    prolfica, frtil e criativa. Sotsass em seu prefcio para amonografia de Penny Sparke, de , lamenta-se a respeitoda vida real: a labuta diria, a ansiedade, a confuso, asdesculpas de uma dor de cabea ou o rdio que no te deixatrabalhar em paz, os milhares de cartes cobertos com esboosque pareciam to brilhantes porque voc nunca se arriscou atermin-los... A despeito desta (irnica) melancolia, comdesigners com o Sottsass e os do grupo New American, ofuturo de design est assegurado.

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