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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO E DESIGN GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO DESENHO URBANO E PAISAGEM CULTURAL: PLANO DE REABILITAÇÃO URBANA PARA O PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO DE ARAGUARI LUCAS MARTINS DE OLIVEIRA ORIENTADOR: DR. GLAUCO COCOZZA UBERLÂNDIA, JANEIRO DE 2013

Desenho urbano e paisagem cultural

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Plano de reabilitação urbana para o patrimônio ferroviário de Araguari - MG, Brasil.

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO E DESIGN

    GRADUAO EM ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAO

    DESENHO URBANO E PAISAGEM CULTURAL: PLANO DE REABILITAO URBANA PARA O PATRIMNIO FERROVIRIO DE ARAGUARI

    LUCAS MARTINS DE OLIVEIRA ORIENTADOR: DR. GLAUCO COCOZZA

    UBERLNDIA, JANEIRO DE 2013

  • I

    Ao meu pai, Valdivino Alves de Oliveira, telegrafista da RFFSA.

    (1942-2003)

  • II

    AGRADECIMENTOS

    A minha famlia, em especial a minha me Maria Eunice;

    Ao Alexandre;

    Miki; Karine; Aos amigos e colegas de percurso;

    Ao professor Glauco;

    s professoras Maria de Lourdes, Maria Eliza e Claudia Reis, pelas contribuies durante o curso e neste trabalho;

    Ao colegiado do curso de Arquitetura e Urbanismo da FAUeD.

  • III

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Localizao do municpio de Araguari. Fonte: IBGE, 2012. .......................................... 4 Figura 2: Evoluo da malha urbana inicial de Araguari 1840-1895. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. ............................................................................................................................................. 7 Figura 3: Planta Geral da Cidade de Araguari 1948. Destaque para o ptio da EFG e incio da faixa de domnio da linha frrea. Fonte: Arquivo Histrico e Museu Dr. Calil Porto. Adaptao: OLIVEIRA, L. M. de. ...................................................................................................................... 9 Figura 4: Recorte do traado atual da rea planejada. Destaque para o ptio da EFG e incio da faixa de domnio da linha frrea. Fonte do mapa: PMA. Adaptao: OLIVEIRA, L. M. de......... 10 Figura 5: Indicao da Vila Amorim no mapa de 1948. Fonte: PMA. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. ........................................................................................................................................... 12 Figura 6: Permetro urbano atual de Araguari destaque para o ptio da EFG e entorno da faixa de domnio da linha frrea desativada. Fonte do mapa: PMA. Adaptao: OLIVEIRA, L. M. de. ................................................................................................................................................ 13 Figura 7: Evoluo da ocupao do sistema ferrovirio da EFG. Foto: GoogleEarth. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. Colaborao: G. Chaves. ...................................................... 16 Figura 8: Vista area da cidade em 1950 destaque para os Ptios Ferrovirios. Foto: Arquivo Histrico e Museu Dr. Calil Porto. Adaptao: OLIVEIRA, L. M. de. .......................................... 17 Figura 9: Vista area da cidade atual com o Ptio Ferrovirio j inserido cidade. Foto: SILVA JNIOR, J. Adaptao: OLIVEIRA, L. M. de. ............................................................................. 17 Figura 10: Jquei Clube (atual Parque de Exposies) e 2 Batalho Ferrovirio (atual 11 BEC) - Final da dcada de 60 e, direita, linha frrea da EFG. Fonte: Arquivo Histrico e Museu Dr. Calil Porto. Adaptao: OLIVEIRA, L. M. de. ............................................................ 19 Figura 11: Atual regio de entorno do leito de trilho. Encontro com trilhos em uso. Foto: SILVA JNIOR, J. Adaptao: OLIVEIRA, L. M. de. ............................................................................. 20 Figura 12: Principais equipamentos no entorno dos trilhos. Foto: GoogleEarth. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. .................................................................................................................... 21 Figura 13: Retificao da linha frrea, desativao das antigas estruturas e construo de novas instalaes no espao urbano. Fonte do mapa base: PMA. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. Colaborao: CHAVES, G. H. ............................................................................................... 22 Figura 14: Tipologia comercial e residencial do primeiro perodo de ocupao. Pedra comemorativa em homenagem a abertura da Av. Batalho Mau sobre o ptio da CMEF. Pavimentao asfltica sobre as ruas de pedras. Fotos: CHAVES, G. H., SCHMIT, J.; Megaminas. ................................................................................................................................. 24 Figura 15: Praa Gaioso Neves - Relao entre o palco proporcionado pelo prtico frontal e escadarias e espao livre da praa. Fotos: PMA e Correio de Araguari. ................................... 27 Figura 16: Restante das edificaes j restauradas ou readaptadas. Armazm de Mercadorias. Foto: SCHMIT, J.; Oficina dos Revistadores. Foto: Correio de Araguari. Escola Profissional e Tipografia. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. ....................................................................................... 28 Figura 17: Edificaes ainda no readaptadas e sem destinao definida. Almoxarifado; Oficina da Via Permanente; Carpintaria; Oficina de Locomoo e Oficina Diesel. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. ........................................................................................................................................... 29 Figura 18: Interior das edificaes ainda no readaptadas: Oficinas de Locomoo; Oficina Diesel e Almoxarifado. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. .................................................................... 29 Figura 19: Deposio de entulhos e estacionamentos improvisados no ptio. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.; CHAVES, G. H. ........................................................................................................... 30 Figura 20: Vista area atual implantao geral do Ptio Ferrovirio. Foto: VIEIRA, H. .......... 30 Figura 21: Estado de conservao da faixa de domnio ao longo do leito de trilho desativado na rea urbana. Fotos: SCHMIT, J.; CHAVES, G. H. ...................................................................... 32

  • IV

    Figura 22: Delimitao da rea de estudo para o diagnstico urbano. Foto: GoogleEarth. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de................................................................................................. 36 Figura 23: Zoneamento e sistema virio 2007. Fonte: PMA. Adaptao: OLIVEIRA, L. M. de. 38 Figura 24: Sistema Virio 2004 Destaque para o prolongamento da Av. Batalho Mau sobre o ptio ferrovirio e faixa de domnio da EFG. Fonte: PMA. Adaptao: OLIVEIRA, L. M. de. . 40 Figura 25: Tipologias edilcias no entorno do Ptio Ferrovirio. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. .... 45 Figura 26: Eixo de centralidade Sen. Melo Viana/Cel. J. F. Alves. Casa da Cultura e Conservatrio Estadual de Msica. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. ................................................ 45 Figura 27: Tipologias edilcias no entorno do leito de trilho. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. .......... 46 Figura 28: Eixo de centralidade Prof L. Naves/J. Arajo, 11 BEC, CAIC e Parque de Explosies. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de; CHAVES, G. H. ......................................................... 47 Figura 29: Mapa de uso e ocupao do solo da rea em estudo. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. ................................................................................................................................................ 48 Figura 30: P dos Ferrovirios, resduo na rua Jaime Arajo, canteiro central Av. Mato Grosso e P. Rondon Pacheco. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. ..................................................................... 50 Figura 31: Mapa da anlise da imagem mental. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. ................... 53 Figura 32: Mapa topogrfico, do tecido urbano e de massas arbreas da rea em estudo. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de................................................................................................. 57 Figura 33: Mapa de cheios e vazios da rea em estudo. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. ..... 59 Figura 34: Perfil da rea em estudo. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. ..................................... 60 Figura 35: Afastamentos e contiguidade das edificaes. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. ............. 60 Figura 36: Postes telegrficos, ponto de taxi e bancos na P. dos Ferrovirios . Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. .................................................................................................................... 61 Figura 37: Croqui da conformao topogrfica cncava. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. ..... 64 Figura 38: Implantao da infraestrutura ferroviria em Piracicaba. Fonte do mapa base: PMP. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de................................................................................................. 71 Figura 39: Pontilho sob via em rea central. Leito de trilho em nvel na regio perifrica de Piracicaba. Fotos: FIORINI, L. C. ................................................................................................ 71 Figura 40: Estao Piracicaba da Cia. Paulista antes da restaurao. Estao depois da restaurao. Plataforma em restaurao em 2005. Construo da plataforma de passageiros em 1922. Fotos: PMP; MARTINS, F. .......................................................................................... 73 Figura 41: Centro Cultural e de Lazer Estao Paulista. Fotos: PMP; JARDIM, N. ................... 73 Figura 42: Implantao geral do Centro Cultural e de Lazer Estao Paulista. Foto: GoogleEarth. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. ......................................................................... 74 Figura 43: Implantao atual do ptio ferrovirio da EFNOB em Campo Grande. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. .................................................................................................................... 76 Figura 44: Estao de Passageiros e Armazm de Cargas depois da restaurao em 2004 e Rotunda ainda no restaurada. Fotos: PMCG. Feirona instalada em rea do ptio. Fotos: SANTOS, R. ................................................................................................................................ 76 Figura 45: Implantao geral do projeto (montagem original). Fonte: PMCG ............................ 77 Figura 46: Perspectivas do projeto e obras de implantao da Orla Ferroviria - ainda no concluida. Fonte: PMCG ............................................................................................................. 78 Figura 47: Perspectivas do projeto e implantao e vista geral - Orla Morena. Fonte: PMCG. . 80 Figura 48: Proposta de implantao dos projetos de requalificao das reas ferrovirias na rea central de Campo Grande (montagem original). Fonte: PMCG ......................................... 81 Figura 49: Proposta de Implantao do Parque Esplanada (indicaes originais) e perspectivas do projeto. Fonte: PMCG ............................................................................................................ 82 Figura 50: Porto de Montreal Sculos XIX e XX. Fotos: Societ Du Vieux Port de Montral. 85 Figura 51: Esquema ilustrando a relao entre a cidade antiga, o eixo linear da orla beira rio e os cais. Fonte: Peter Rose + Partners. ....................................................................................... 85 Figura 52: Concepo do projeto e maquetes da proposta para a revitalizao do Vieux-Port de Montral. Fonte: Peter Rose + Partners. .................................................................................... 86 Figura 53: Cortes esquemticos do projeto. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. ......................... 86

  • V

    Figura 54: Vistas gerais do Vieux-Port, instalao artstica, equipamentos sanitrios em containers adaptados, placas de borracha na passagem sobre a linha frrea e caminhos internos do Parc des Quais du Vieux Port. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. .................................... 88 Figura 55: Tour de Lhorloge e nova marina. Fotos: PICARD, C.; LESAN, I. .......................... 88 Figura 56: Mobilirio informativo do Parc des Quais du Vieux Port. Foto: OLIVEIRA, L. M. de. 89 Figura 57: Linha frrea elevada em uso meados do Sculo XX. Fonte: Friends of the High Line. ............................................................................................................................................. 91 Figura 58: Implantao geral da linha frrea elevada. Fonte: MIT. ............................................ 91 Figura 59: Solues projetuais para a incorporao da linha frrea ao projeto. Fotos: DALTON, J.; ROTHWELL, A. ...................................................................................................................... 92 Figura 60: Cortes esquemticos do projeto. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. ......................... 92 Figura 61: Espaos de lazer e permanncia possibilidades de apropriao. Fonte: Friends of the High Line. .............................................................................................................................. 93 Figura 62: Insero urbana da interveno. Fonte: Friends of the High Line. ............................ 93 Figura 63: Foto area com a localizao das regies de interveno. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. ......................................................................................................................................... 101 Figura 64: Anlise do entorno da rea do Parque. Foto: Googleearth. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. ......................................................................................................................................... 120 Figura 65: Diagnstico das preexistncias da rea do Parque. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. ................................................................................................................................................... 121 Figura 66: Fotos da rea de projeto. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de. ............................................ 122 Figura 67: Estudo preliminar apresentado no iTFG, antes do refinamento programtico e conceitual. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. ........................................................................... 123 Figura 68: Croqui conceitual para a elaborao do projeto. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. 124 Figura 69: Zoneamento espacializao. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. .......................... 126 Figura 70: Logomarca da RFFSA. Autor: STEAGALL-COND, C. thesignstudio.blogspot.com.br/2009/04/rffsa.html ..................................................................... 128

  • VI

    LISTA DE SIGLAS

    11 BEC 11 Batalho de Engenharia e Construo AFA Associao dos Ferrovirios de Araguari ASCAMARA Associao dos Catadores de Materiais Reciclveis de Araguari ASPCA Associao dos Servidores Pblicos Civis de Araguari BID Banco Interamericano de Desenvolvimento CMEF Companhia Mogiana de Estradas de Ferro EFG Estrada de Ferro Gois FAEC Fundao Araguarina de Educao e Cultura IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica PMA Prefeitura Municipal de Araguari PMCG Prefeitura Municipal de Campo Grande PMP Prefeitura Municipal de Piracicaba RFFSA Rede Ferroviria Federal S. A.

  • VII

    SUMRIO

    APRESENTAO ........................................................................................................ 1 INTRODUO ............................................................................................................. 2 CAPTULO 1: A CIDADE DE ARAGUARI ................................................................... 4

    1.1 CARACTERSTICAS GERAIS DO MUNICPIO ................................................... 4 1.2 A FORMAO DO ESPAO URBANO .............................................................. 5

    1.2.1 Ncleo urbano inicial ..................................................................................... 5 1.2.2 A Expanso urbana em traado planejado.................................................... 7 1.2.3 A desconsiderao do planejado e a conformao urbana atual ................ 11

    CAPTULO 2: A CONFORMAO E A CONFIGURAO ATUAL DA REA EM ESTUDO ..................................................................................................................... 14

    2.1 A IMPLANTAO E AS TRANSFORMAES NA INFRAESTRUTURA FERROVIRIA DA EFG .......................................................................................... 14 2.2 AS TRANSFORMAES NA PAISAGEM DO LUGAR ..................................... 23 2.3 O PROCESSO DE TOMBAMENTO E A GESTO PBLICA ............................ 24

    CAPTULO 3: DIAGNSTICO DA REA DE ESTUDO ............................................. 35 4. 1 ANLISE FUNCIONAL ..................................................................................... 37

    4.1.1 Operativa .................................................................................................... 37 4.2.1 Relacional ................................................................................................... 51 4.1.3 Diretrizes da Anlise Funcional ................................................................... 52

    4.2 ANLISE TOPOCEPTIVA ................................................................................. 52 4.2.1 Imagem mental ........................................................................................... 52 4.2.2 Representao geomtrica secundria ....................................................... 55 4.2.3 Diretrizes da Anlise Topoceptiva ............................................................... 62

    4.3 ANLISE BIOCLIMTICA ................................................................................. 63 4.3.1 Caractersticas da forma urbana condicionantes do clima urbano .............. 63 4.3.2 Expectativas de conforto em regies de clima tropical de altitude ............... 65 4.3. Diretrizes da Anlise Bioclimtica ................................................................. 66

    CAPTULO 4: REFERNCIAS PROJETUAIS ........................................................... 69 3.1 AS PRTICAS DE GESTO EM PATRIMNIOS FERROVIRIOS NO BRASIL ................................................................................................................................ 69

    3.1.1 Centro Cultural e de Lazer Estao Paulista, Piracicaba, SP. ..................... 70 3.1.2 Orla Ferroviria, Orla Morena e Parque Esplanada, Campo Grande, MS. .. 75

    3.2 REFERNCIAS INTERNACIONAIS EM INTERVENES EM PATRIMNIOS URBANOS .............................................................................................................. 84

    3.2.1 Parc des Quais du Vieux Port, Montreal, Canad. ...................................... 84

  • VIII

    3.2.2 High Line Park, Nova Iorque, EUA. ............................................................. 90 3.3 CONSIDERAES FINAIS SOBRE AS ANLISES REALIZADAS .................. 93

    CAPTULO 5: O PLANO DE REABILITAO URBANA .......................................... 95 5.1 MATRIZES PROJETUAIS ................................................................................. 97

    5.1.1 Matriz Ocupao ......................................................................................... 97 5.1.2 Matriz Circulao ........................................................................................ 98 5.1.3 Matriz Ambiental ......................................................................................... 99

    5.2 REGIES DE INTERVENO ......................................................................... 99 5.2.1 Estudo preliminar de interveno .............................................................. 102 5.2.2 Regio de Interveno 1: Centro Administrativo e Cultural de Araguari .... 103 5.2.3 Regio de Interveno 2: Rua Margem dos trilhos .................................... 108 5.2.4 Regio de Interveno 3: Rua Professora Lourdes Naves ........................ 111 5.2.5 Regio de Interveno 4: Fbrica Desativada ........................................... 113 5.2.6 Regio de Interveno 5: Avenida Marechal Rondon ............................... 115

    5.3 CONSIDERAES FINAIS SOBRE O PLANO DE REABILITAO .............. 118 CAPTULO 6: PARQUE URBANO DA BIFURCAO ............................................ 119

    6.1 ANLISE DA REA E ENTORNO................................................................... 119 6.2 PROCESSO PROJETUAL .............................................................................. 122 6.3 PROGRAMA DEFINITIVO .............................................................................. 124 6.4 MEMORIAL DE PROJETO.............................................................................. 125 6.5 CONSIDERAES FINAIS SOBRE O PARQUE DA BIFURCAO .............. 131

    REFERNCIAS ........................................................................................................ 132

  • 1

    APRESENTAO

    A ideia de interveno urbana apresentada se originou em 2009, a partir das apreenses cotidianas do espao urbano de Araguari, que se desenvolveu e se clarificou durante o perodo de formao terica e conceitual no curso de graduao em Arquitetura e Urbanismo. A busca por informaes e a construo das primeiras anlises, inicialmente a respeito da faixa de domnio da linha frrea desativada, deram incio a um ensaio crtico sobre o tema, mostrando o potencial de qualificao urbana exercido pela rea. Este foi publicado na revista Minha Cidade (n 120.02 de 2010) e tambm apresentado no 3 Encontro de Preservao Ferroviria de Araguari, promovido pela FAEC/PMA em 2010. A partir das observaes acerca dos trilhos desativados, percebe-se que inevitvel sua qualificao sem que haja uma atuao decisiva no ptio ferrovirio, tambm desativado e ainda mais despercebido pela populao em geral devido sua caracterstica urbana introspectiva.

    Este trabalho se organiza em cinco etapas, divididas em seis captulos. Nos captulos 1 e 2 apresenta-se a cidade e o processo de conformao do objeto de trabalho (ptio ferrovirio e faixa de domnio da linha frrea da antiga EFG). No captulo 3 apresenta-se o diagnstico da rea de estudo, realizado segundo metodologia estabelecida por KOHLSDORF (1996). No captulo 4 desenvolvem-se anlises de referncias projetuais nacionais e internacionais realizadas a partir da dcada de 1980, quando se volta o olhar para o patrimnio industrial e ferrovirio: Centro Cultural e de Lazer Estao Paulista em Piracicaba (SP), Orla Ferroviria, Orla Morena e Parque Esplanada em Campo Grande (MS), Parc des Quais du Vieux Port em Montreal (Canad ) e High Line Park em Nova Iorque (EUA). No captulo 5 apresenta-se as diretrizes para o Plano de Reabilitao Urbana. Ao final, o captulo 6 apresenta o anteprojeto para a primeira etapa de implantao do Plano, o Parque Urbano da Bifurcao.

  • 2

    INTRODUO

    A partir da segunda metade do sculo XX o interior brasileiro vivenciou um rpido processo de urbanizao, causado pela expanso dos setores agropecurio, comercial e industrial e pela modernizao das infraestruturas de comunicao e transporte. Nas cidades, esta nova configurao econmica refletiu na necessidade de uma reorganizao espacial das atividades de comrcio e servios, redefinindo funes e significados de alguns equipamentos e espaos urbanos antes essenciais ao seu funcionamento.

    reas significativas, antes economicamente produtivas, tornaram-se ociosas, terrain vagues1 em meio ao espao urbano consolidado, gerando incompreenso e at mesmo rejeio da sociedade. Podem-se citar como exemplos indstrias, armazns, reas porturias, ptios ferrovirios e linhas frreas desativadas. O planejamento urbano das cidades brasileiras, que abertamente privilegia o interesse do capital em detrimento ao pblico, no acompanhou estas transformaes e se omitiu em buscar solues que devolvessem a funo social a estes espaos.

    As reas desativadas do sistema ferrovirio em Araguari, MG, formadas pelo ptio ferrovirio e faixa de domnio do leito de trilhos da antiga Estrada de Ferro Gois, so exemplos para esta situao. So reas carregadas de valor cultural, exemplares arquitetnicos significativos e, devido sua posio privilegiada e influncia no espao urbano, potencializam a realizao de uma interveno urbana transformadora.

    Entretanto, sua reabilitao esbarra no desinteresse da gesto pblica que, apesar de reconhec-las enquanto reas especiais, age de forma letrgica e descoordenada. Repensar o significado destas reas uma oportunidade para se avaliar a maneira pela qual a cidade construda na atualidade, permitindo analisar as prticas atuais de planejamento e gesto da paisagem e apresentar propostas que se contrape ao modo vigente de planejar a cidade.

    1 Termo proposto por Sol-Morales (2002) para reas ou territrios indefinidos, ambguos,

    vazios, sem delimitaes claras; vagos, improdutivos e, em muitos casos, obsoletos, mas, sobretudo, so reas com dupla condio. So os territrios da ausncia, do encontro do passado com o presente, e o seu contraponto mais instigante: so reservas de futuro.

  • 3

    Intervenes em reas urbanas estratgicas como estas reclamam a elaborao de estudos aprofundados sobre suas especificidades materiais e imateriais. So projetos amplos, integrados e em longo prazo, que envolvem a participao de diversas esferas da administrao pblica, de diferentes reas do conhecimento. So compostos por projetos arquitetnicos, paisagsticos e urbansticos, que se inter-relacionam buscando um objetivo comum: a restaurao da paisagem cultural, entendida como representao viva da evoluo da sociedade e dos estabelecimentos humanos ao longo do tempo.

    O objetivo deste trabalho apresentar a recuperao urbanstica das reas ferrovirias da EFG em Araguari, formadas pelo ptio ferrovirio e faixa de domnio do leito de trilho desativado, entendidos como espaos pblicos estruturadores na configurao dos sistemas de espaos livres da cidade2. O projeto volta-se para a reordenao dos espaos exteriores, no qual se aprofundam as questes que envolvem a relao entre a paisagem cultural e o desenho urbano.

    2 Compreende-se como sistemas de espaos livres os elementos e as relaes que organizam e estruturam o conjunto de todos os espaos livres de um determinado recorte urbano. Ver: QUEIROGA et al. Notas gerais sobre os sistemas de espaos livres da cidade brasileira. In: Sistemas de espaos livres: conceitos conflitos e paisagens. FAUUSP, 2012. p. 11-20.

  • CAPTULO 1: A CIDADE DE ARAGUARI

    1.1 CARACTERSTICAS GERAIS DO MUNICPIO

    O municpio de Araguari localizaporo norte da microrregio do Tringulo Mineiro e Alto Sua populao atual de 110em rea urbana. A prestao de servios e a atividade base de sua economia, que totaliza um PIB colocao entre os 853 ndice de Desenvolvimento H(0,42) indica uma grande disparidade de renda2012).

    Figura 1: Localizao do municpio de Araguari. Fonte: IBGE, 2012.

    A infraestrutura de servios nmeros populacionais em que est inserida, a classifica como complementaridade com a cidade de Uberlndia, de 30 km, inibe sua influncia regional, se comparado a outras cidades de

    A CIDADE DE ARAGUARI

    CARACTERSTICAS GERAIS DO MUNICPIO

    O municpio de Araguari localiza-se no estado de Minas Gerais e microrregio do Tringulo Mineiro e Alto Paranaba

    o atual de 110.983 habitantes, sendo 94% destes A prestao de servios e a atividade agroindustrial formam a

    , que totaliza um PIB anual de R$ 1,8 bilhes853 municpios mineiros). A cidade apresenta um elevado

    ndice de Desenvolvimento Humano (0,815), entretanto o baixo grande disparidade de renda entre seus habitantes

    : Localizao do municpio de Araguari. Fonte: IBGE, 2012.

    infraestrutura de servios de mdia complexidade, o porte econmico e os nmeros populacionais que a cidade apresenta, somada dinmica regional

    a classifica como uma cidade mdia. A forte relao de complementaridade com a cidade de Uberlndia, centro regional

    , inibe sua influncia regional, se comparado a outras cidades de

    4

    se no estado de Minas Gerais e insere-se na Paranaba (Figura 01). % destes localizados

    industrial formam a R$ 1,8 bilhes (19

    cidade apresenta um elevado no (0,815), entretanto o baixo ndice de Gini

    entre seus habitantes (IBGE,

    : Localizao do municpio de Araguari. Fonte: IBGE, 2012.

    de mdia complexidade, o porte econmico e os dinmica regional

    forte relao de regional distante cerca

    , inibe sua influncia regional, se comparado a outras cidades de

  • 5

    mesmo porte na regio3. O clima do municpio classificado como Tropical de Altitude. Sua topografia pouco acidentada, com uma altitude mdia de 921 m. Ocupa uma rea de 2.774 km, sendo que o permetro urbano ocupa 12,7% desta. geograficamente limitada pelo encontro dos vales dos rios Paranaba e Araguari, sendo 52% de sua rea remanescente do Bioma Cerrado e 48% do Bioma Mata Atlntica, onde se insere o aglomerado urbano (IBGE, 2012).

    1.2 A FORMAO DO ESPAO URBANO

    1.2.1 Ncleo urbano inicial

    O municpio de Araguari se originou da delimitao de um espao religioso, no diferente de grande parte dos demais municpios da regio. Na primeira metade do sculo XIX (os primeiros registros datam de 1823), uma rea localizada entre duas sesmarias recm demarcadas foi doada igreja catlica como patrimnio da Freguesia do Brejo Alegre, sob a invocao do Senhor Bom Jesus da Cana Verde do Brejo Alegre. Uma associao direta entre a religio, caracterstica cultural, e o curso dgua que daria suporte a fixao da populao naquele local. A Freguesia foi criada em 02 de abril de 1840 e elevada a categoria de cidade, com o nome modificado para Araguary, em 28 de agosto de 1888 (NAVES e RIOS, 1988, p. 18). As primeiras construes se concentraram voltadas para o adro da igreja catlica Matriz, implantado prximo margem do crrego Brejo Alegre. Este adro assumiu o papel de primeiro espao pblico gerador do traado inicial. A partir dele, definiram-se as principais direes de crescimento urbano. A influncia do traado colonial portugus, apesar de tardio, foi significativa nesse perodo (final do sculo XIX). A primeira via estabelecida foi a rua Direita, que se desenvolveu em torno da mesma cota topogrfica, paralela ao crrego, a fim de facilitar sua implantao e sua utilizao. O fato de se desenvolver em nvel tem como resultado seu carter no retilneo. Teixeira (2004, p. 58), ao

    3 O papel regional de Araguari e sua classificao como cidade mdia foram apresentados na

    dissertao de Flvia de Arajo - (Re)configuraes espaciais na cidade mdia: a anlise de Araguari no Tringulo Mineiro (MG), IG, UFU, 2010

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    discorrer sobre os modelos urbanos portugueses da cidade brasileira, afirma que: as ruas tinham de ser tortas, na sua projeo horizontal, para poderem ser direitas no seu perfil.

    Na margem oposta, alinhada com igreja Matriz, foi construda a capela do Rosrio (os primeiros registros datam de 1864), mais simples em ornamentos e caractersticas construtivas. Aps a ocupao destes espaos iniciais, desenvolveram-se outras ruas paralelas primeira via longitudinal rua Direita, e de outras travessas, perpendiculares a estas. Surge, ento, mais uma via longitudinal a uma cota mais baixa rua do Brejo, mais prxima do fundo de vale e outra via longitudinal a uma cota superior rua do Comrcio.

    A cidade se expandiu lentamente, de acordo com as caractersticas fsicas do stio, paralela ao curso dgua e explorando as particularidades topogrficas para reforar sua organizao funcional e seus elementos estruturantes, resultando em um traado com menor rigor geomtrico. O crrego Brejo Alegre no se configurou totalmente como uma barreira fsica, podendo ser entendido como condio fundamental para a existncia e estruturao do ncleo urbano inicial de Araguari.

    A atuao do poder pblico que mais se aproxima de um possvel planejamento urbano foi a criao do cargo de alinhador, pela Cmara Municipal, j em 1884. Sua funo era fiscalizar o alinhamento das construes voltadas para as vias, garantindo assim a continuidade destas, como tambm a demarcao de novas vias quando necessrio. Apesar de no seguir um projeto predefinido, possvel identificar a ideia de plano que parte das particularidades geogrficas e tira partido delas, seja para destacar os edifcios religiosos ou manter a ocupao urbana prxima ao curso dgua.

    Cabe destacar que neste perodo, no ano de 1889, foi aprovada e demarcada a rea que seria o primeiro, e ainda nico, parque urbano da cidade, o Parque Municipal, atual Bosque John Kennedy. Aps diversas subtraes que resultaram na rea atual, a qualificao e abertura ao pblico somente ocorreu em 1925.

    No arquivo pblico municipal (Arquivo Histrico e Museu Dr. Calil Porto) inexistem mapas que retratam este perodo, apenas descries dos

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    arruamentos obtidas em leituras das atas da Cmara Municipal. Caso tenham sido confeccionados, acredita-se que foram perdidos em um incndio que ocorreu na antiga biblioteca pblica da cidade Biblioteca Pio XII no ano de 1959. Diante das descries, possvel visualizar a malha apresentada na Figura 02.

    Figura 2: Evoluo da malha urbana inicial de Araguari 1840-1895. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de.

    1.2.2 A Expanso urbana em traado planejado

    O final do sculo XIX e o incio do sculo XX reservaram Araguari dois acontecimentos importantes, que mudariam sua economia e seu espao urbano. Sendo eles: a chegada da linha frrea da empresa paulista Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, que se originava na cidade de Campinas (SP), e o incio das obras da linha frrea da empresa Estrada de Ferro Gois.

    A Cia. Mogiana, em busca de expanso territorial e novos mercados, j havia se estabelecido na cidade de Uberaba, e iniciava um novo perodo de obras com a inteno de alcanar o territrio goiano. No ano de 1896 a empresa inaugurou sua estao em Araguari. A Estrada de Ferro Gois foi criada no ano

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    de 1906 com a inteno de ligar Araguari cidade de Vila Boa de Gois, hoje cidade de Gois. A inteno inicial era que a linha frrea se iniciasse na cidade goiana de Catalo, a partir do encontro com a ferrovia Mogiana. Entretanto, devido dificuldade financeira que atingiu a Cia. Mogiana, esta inteno no se concretizou, cabendo aos planejadores do traado da EFG alterar o ponto inicial da linha frrea para a cidade de Araguari. A Estrada de Ferro Gois iniciaria seu traado em Minas Gerais. A inaugurao do primeiro trecho Araguari - Catalo ocorreu no ano de 1911 e em 1952 a ferrovia alcanou a nova capital do estado, Goinia, no tendo mais motivo para chegar cidade de Gois, como na inteno inicial.

    Importantes estudos que discorrem sobre as transformaes socioeconmicas causadas pela presena destas ferrovias no espao urbano de Araguari j foram publicados, principalmente no campo da Geografia4, cabendo a este trabalho destacar a principal transformao que determinou o futuro do espao urbano da cidade e deu origem rea em estudo a expanso urbana projetada pelo engenheiro da Cia. Mogiana, Achilles Vidulich5. No ano de 1895, Vidulich, responsvel pela obra do trecho Uberabinha (Uberlndia)-Araguari da Cia. Mogiana, ofereceu Cmara Municipal de Araguari um projeto de expanso da malha urbana para a cidade. O Arquivo Pblico Municipal, novamente, no tem o projeto dessa data, somente informaes sobre a ata de sua aprovao. O mapa que mais se aproxima deste a Planta Geral de Cidade de Araguari, de 1948 (Figura 03). Inexistem trabalhos que se propuseram a elaborar uma anlise deste projeto. O projeto de expanso urbana props uma costura da malha inicial da cidade com uma malha ortogonal, de quadras com dimenses em mdia 100x100m, que ocupou a bacia do Crrego Brejo Alegre e a rea alm trilhos, situando o sistema ferrovirio no centro geogrfico da cidade. Esta malha contornada por um conjunto de quatro avenidas com 50m de largura, que fariam as

    4 Destaca-se o Mestrado de Fbio Barbosa Ferrovia e organizao do espao urbano em

    Araguari-MG (1896-1978), UFF, 2008. 5 Foi o engenheiro chefe da Cia. Mogiana para a construo de trechos ferrovirios.

    Erroneamente, a historiografia produzida sobre Araguari divulga o nome Achilies Widulick, entretanto, pesquisas preliminares indicam que a escrita correta Achilles Vidulich.

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    ligaes norte, sul, leste e oeste da cidade, formando um contorno virio que estruturaria seu crescimento futuro.

    Neste projeto destaca-se, tambm, a distribuio dos espaos pblicos na regio central. Sete praas formadas a partir da quadra ortogonal da malha so pulverizadas, espaadas em torno de trs quadras uma da outra. Entretanto, a qualificao destas avenidas e praas ocorreu de forma gradativa e lenta. Como ponto negativo do projeto, percebe-se a desconsiderao do Crrego Brejo Alegre, j indiciando que seu futuro seria a canalizao e o aterramento. Se comparado o projeto de expanso urbana com o executado, percebe-se que parte do proposto por Vidulich foi modificado ou descartado. (Figura 04)

    Figura 3: Planta Geral da Cidade de Araguari 1948. Destaque para o ptio da EFG e incio da faixa de domnio da linha frrea. Fonte: Arquivo Histrico e Museu Dr. Calil Porto. Adaptao:

    OLIVEIRA, L. M. de.

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    Figura 4: Recorte do traado atual da rea planejada. Destaque para o ptio da EFG e incio da faixa de domnio da linha frrea. Fonte do mapa: PMA. Adaptao: OLIVEIRA, L. M. de.

    No cabe a este trabalho se aprofundar na leitura desse projeto de expanso urbana, entretanto algumas consideraes so necessrias para possveis desenvolvimentos futuros. O projeto de Vidulich para Araguari, elaborado no ano de 1895, mesmo em sua escala modesta, ilustra a racionalizao das intervenes de ocupao territorial no Brasil neste perodo. Sua contemporaneidade com o projeto de Aaro Reis para Belo Horizonte (elaborado entre 1984 e 1897), mostra o credenciamento tcnico dos engenheiros da Cia. Mogiana, no caso de Vidulich, para a modernizao das cidades que se instalavam. Era fundamental para estes engenheiros a negao das estruturas coloniais e a imposio da tcnica, representada pela ferrovia e pela racionalizao do crescimento urbano.

    Apesar de o plano de expanso urbana de Araguari ter uma preocupao basicamente viria, no se isenta das questes urbansticas quando pr-

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    determina quadras especficas para a implantao de praas e evidencia, tambm, uma preocupao sanitarista quando facilita a circulao de ar, a entrada de luz solar e assenta a malha sob a bacia do crrego existente, direcionando para este todo o escoamento pluvial e de esgoto.

    Ainda no se sabe por que a Cia. Mogiana dedicou um projeto de expanso urbana de maiores dimenses para Araguari, comparado s outras cidades onde se implantava e existem poucas informaes a respeito de Achilles Vidulich. Fica ainda a principal dvida, j que no se tem o projeto original de 1895, se o plano apresentado no mapa de 1948 o mesmo por ele projetado, o que desconstruiria parte do raciocnio acima apresentado. De qualquer maneira, sabe-se que em 1948 havia um plano de expanso urbana para a cidade que merece ser melhor estudado.

    Para este trabalho, o que importante destacar deste perodo o surgimento da rea de interveno proposta, formada pelo ptio ferrovirio da Estrada de Ferro Gois, e o leito de trilho que dela se originou e seguia em direo ao estado de Gois.

    1.2.3 A desconsiderao do planejado e a conformao urbana atual

    Pode-se afirmar que na primeira metade do sculo XX existia na cidade um crescimento dentro do espao planejado e um crescimento no espao no planejado. A existncia da Vila Amorim, indicada no mapa de 1948, mostra a presena de uma ocupao improvisada ao longo dos acessos estrada do Pau Furado, principal acesso da cidade (Figura 5). O no cadastramento de seu traado no mapa, apenas a indicao em texto, representa a falta de reconhecimento desta poro como parte da cidade legal, o que resultou em uma malha irregular. Na atualidade a Vila Amorim configura o bairro Amorim, e continua sendo a principal regio de acesso cidade, pela BR-050.

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    Figura 5: Indicao da Vila Amorim no mapa de 1948. Fonte: PMA. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de.

    Acredita-se que na dcada de 1950 teve incio a implantao de um loteamento com traado diferente do indicado no mapa de 1948. Como ainda no foram desenvolvidos estudos sobre este assunto, no possvel indicar com preciso esta rea, mas pode-se afirmar que onde hoje o bairro Industririos. A partir da, iniciou-se uma srie de desconsideraes ao plano de expanso urbana, causada pela falta de controle do crescimento urbano ou mesmo desconsiderao da legislao urbanstica.

    De forma geral, a ocupao da periferia de Araguari, no diferente das outras cidades brasileiras, foi caracterizada pela implantao de loteamentos com desenhos variados, ocupaes irregulares, implantao de grandes equipamentos urbanos e especulao de grandes glebas urbanas. Como resultado, tem-se a conformao de um espao perifrico sem coeso e rarefeito.

    Nestes loteamentos perifricos, muitas vezes o nico espao pblico a rua, j que parte deles foi implantada antes da lei federal 6766/796, como ocorre em

    6 Lei que regulamenta o parcelamento do solo urbano nas cidades. Determina que os novos

    parcelamentos tenham uma regulamentao que define o papel do espao livre pblico. Na prtica, apenas um elemento para a aprovao da gleba perante os rgos municipais.

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    grande parte do entorno da rea em estudo. Dos poucos espaos pblicos pr-determinados, muitos foram invadidos ou cedidos implantao de equipamentos institucionais.

    O Plano Diretor indica que o crescimento futuro da cidade deve-se concentrar ao longo do vale do Crrego Brejo Alegre, devido s facilidades de abastecimento de gua e drenagem. Por isso existe ainda a grande rea no ocupada na direo leste e nordeste do permetro urbano. Desta maneira, a estruturao viria da cidade seria formada pelo cruzamento das avenidas Mato Grosso (sentido leste-oeste) e Minas Gerais (sentido norte-sul). A figura 6 mostra a configurao urbana atual.

    Figura 6: Permetro urbano atual de Araguari destaque para o ptio da EFG e entorno da faixa de domnio da linha frrea desativada. Fonte do mapa: PMA. Adaptao: OLIVEIRA, L. M.

    de.

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    CAPTULO 2: A CONFORMAO E A CONFIGURAO ATUAL DA REA EM ESTUDO

    2.1 A IMPLANTAO E AS TRANSFORMAES NA INFRAESTRUTURA FERROVIRIA DA EFG

    Em 1906, ano de criao da EFG, iniciaram-se as obras de implantao dos primeiros equipamentos que conformam o ptio ferrovirio. Em 1909 iniciaram-se as obras de construo da linha frrea. A escolha do stio para o ptio ferrovirio deve-se proximidade com o final da linha da Cia. Mogiana e sua topografia pouco inclinada, prximo ao divisor das bacias dos crregos Brejo Alegre e dos Verdes. A primeira construo do ptio ferrovirio foi o Armazm de Mercadorias, que tambm abrigou provisoriamente a estao de passageiros.

    Os principais edifcios do ptio ferrovirio foram implantados na sequncia a seguir: em 1922 o edifcio do Almoxarifado; 1928 a Estao de Passageiros definitiva; 1942 a Escola Profissional; 1944 as oficinas Diesel e de Locomoo. Em rea externa ao ptio, em seu entorno, foram implantadas em 1945 a Vila Ferroviria com 25 casas7; 1953 a Associao Beneficente dos Funcionrios da EFG Gois Atltica, a Cooperativa de Consumo de Produtos e Servios e o Hospital Ferrovirio. Grande parte destas edificaes, inclusive a Estao de Passageiros, foi projetada pelos prprios engenheiros da empresa: destacam-se Gaioso Neves e Luis Shinoor. Reformas, ampliaes e construes anexas foram feitas at a dcada de 1980, enquanto o ptio ainda era utilizado. Em 1954 a sede da Estrada de Ferro Gois foi transferida para Goinia, ficando em Araguari as atividades de manuteno8. Em 1957 a EFG foi incorporada RFFSA Rede Ferroviria Federal S.A. Esta, a partir de 1996 entrou em

    7 A Vila Ferroviria foi estudada no Trabalho Final de Graduao em Geografia de Alexandre

    de Souza - A Formao da Vila Ferroviria da Estrada de Ferro Gois na cidade de Araguari MG, IG-UFU, 2009. 8 O processo de transferncia da sede da EFG, suas causas e consequncias

    socioeconmicas em Araguari foram apresentados na dissertao de Mestrado de Paulo C. Jnior - A transferncia de sede da Gois para Goinia: 1954, UFG, 1998.

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    liquidao e a superintendncia regional onde est inserida Araguari foi concedida FCA Ferrovia Centro Atlntica.

    No incio da dcada de 1960 o 2 Batalho Ferrovirio, atual 11 Batalho de Engenharia e Construo (unidade militar de engenharia), construiu um edifcio voltado para a P. Gaioso Neves, para abrigar provisoriamente suas instalaes, enquanto sua sede permanente era implantada. Na dcada de 1970 uma rea do Ptio localizada entre a Oficina de Locomoo e o Bairro Gois passou a ser gerenciada pela mesma instituio para a instalao de uma fbrica de artefatos pr-moldados em concreto. Na dcada de 1990, outra rea, localizada entre a Escola Profissional e o Bairro Gois, foi destinada implantao da sede da AFA - Associao dos Ferrovirios de Araguari. Atualmente ambas as reas esto em atividade. A Prefeitura Municipal tem a propriedade de uma pequena rea do Ptio e afirma que negocia a propriedade do restante, que est sob responsabilidade da SPU - Secretaria do Patrimnio da Unio.

    A atual configurao do ptio ferrovirio da EFG em Araguari alcana uma rea de 86.570m. Se acrescentadas a rea do Hospital Ferrovirio e as reas cedidas para a fbrica de pr-moldados e AFA chega-se a 123.670 m. Como um todo, o ptio caracteriza-se como um conjunto arquitetnico e paisagstico composto por elementos construdos em diferentes pocas, com tipologias construtivas distintas e cuja composio espacial originada das relaes produtivas que ali se desenvolveram. A figura 7 mostra a configurao atual da infraestrutura ferroviria da EFG.

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    Figura 7: Evoluo da ocupao do sistema ferrovirio da EFG. Foto: GoogleEarth. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de. Colaborao: G. Chaves.

    As figuras 8 e 9 mostram dois recortes temporais do processo de transformao do ptio ferrovirio e seu entorno. Na dcada de 1950, observa-se o ptio da Cia. Mogiana ( direita) e, implantado em sua continuidade, o ptio da EFG, j com os edifcios de maior destaque construdos, a Vila Ferroviria e o trecho inicial do leito de trilho em rea urbana. Nota-se a consolidao da Av. Mato Grosso e de algumas praas presentes no projeto de expanso, ainda grandes espaos sem qualificao. Nos dias atuais percebe-se o Ptio j totalmente inserido no espao urbano.

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    Figura 8: Vista area da cidade em 1950 destaque para os Ptios Ferrovirios. Foto: Arquivo Histrico e Museu Dr. Calil Porto. Adaptao: OLIVEIRA, L. M. de.

    Figura 9: Vista area da cidade atual com o Ptio Ferrovirio j inserido cidade. Foto: SILVA JNIOR, J. Adaptao: OLIVEIRA, L. M. de.

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    O ptio da EFG localiza-se dentro da rea contornada pelas Avenidas projetadas no final do sculo XIX. Ao sair dos limites do ptio, a linha frrea cruza a Avenida Mato Grosso, e inicia um percurso onde novos assentamentos foram implantados em suas margens, repetindo o traado quadrangular ortogonal originado no centro da cidade, posteriormente com traado retangular, propiciando lotes de menores dimenses. A forma curva do traado do trilho no foi levada em considerao na implantao destes loteamentos ortogonais, ocorrendo em alguns casos o estrangulamento do leito de trilho no interior de algumas quadras. Ao longo da antiga estrada para Amanhece (distrito distante 10 km) desenvolveu-se um eixo de centralidade, dotado de pequenos estabelecimentos comerciais e de servios que atendem a populao local e rural. Atualmente denominada rua Jaime Arajo, pode ser classificada como um eixo de centralidade local em desenvolvimento. Estes assentamentos iniciais foram unificados no Plano Diretor de 2004 e no presente configuram o bairro Santa Terezinha.

    No ano de 1926, em um descampado s margens do leito de trilho foi implantada a primeira pista de aterrissagem da cidade, em rea onde posteriormente foram construdas as instalaes que deram suporte indstria de processamento de ossos Guida & Boaventura Ltda. e em outro momento fbrica de cortias Corkisol9, hoje em grande parte demolida, e com sua rea sub-judice por conta de aes trabalhistas10. Em 1943, s margens da estrada do Pica Pau e distante cerca de 1 km do Ptio Ferrovirio, foi inaugurado o Jquei Clube de Araguari (atual Parque de Exposies Rondon Pacheco e sede da Secretaria da Agricultura11). No ano de 1965, em uma rea denominada Pasto do Amparo, localizada entre o Jquei Clube e o Ptio, foi instalada a sede do 2 Batalho Ferrovirio (atual 11 Batalho de Engenharia e Construo). A implantao destes equipamentos em grandes reas muradas configura hoje um enclave urbano para a regio, entre os bairros Sta. Teresinha, Santiago e Miranda.

    9 A requalificao desta rea industrial foi objeto de estudo de Trabalho Final de Graduao em

    Arquitetura e Urbanismo de Leandro Santos, FAUeD-UFU, 2008. 10

    Aguarda deciso judicial. Glucio Chaves. www.efgoyaz.blogspot.com.br/2009/09/sobre-hiperbole.html 11

    A requalificao deste parque foi objeto de estudo de Trabalho Final de Graduao em Arquitetura e Urbanismo de Murilo Pereira, FAUeD-UFU, 2010.

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    Na continuidade das margens da linha frrea, em rea urbana menos densa e ainda no consolidada, na dcada de 1990 foi instalado o CAIC (Centro de Atendimento Integral Criana)12. Percorridos os 2,5km de extenso de leito de trilho, chega-se ao trecho atualmente em uso. As figuras 10 e 11 mostram dois momentos da evoluo urbana desta regio dcada de 1960 e dias atuais - e a figura 12 a foto area indicando a implantao dos equipamentos citados.

    Figura 10: Jquei Clube (atual Parque de Exposies) e 2 Batalho Ferrovirio (atual 11 BEC) - Final da dcada de 60 e, direita, linha frrea da EFG. Fonte: Arquivo Histrico e

    Museu Dr. Calil Porto. Adaptao: OLIVEIRA, L. M. de.

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    Unidade de Araguari do PRONAICA Programa Nacional de Ateno Integral Criana e ao Adolescente.

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    Figura 11: Atual regio de entorno do leito de trilho. Encontro com trilhos em uso. Foto: SILVA JNIOR, J. Adaptao: OLIVEIRA, L. M. de.

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    Figura 12: Principais equipamentos no entorno dos trilhos. Foto: GoogleEarth. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de.

    Em 1976 foi inaugurada a retificao da linha frrea EF-050 (trecho Araguari-Uberlndia) e a nova estao ferroviria, desativando parcialmente a ferrovia na rea urbana de Araguari e os antigos ptios ferrovirios da EFG e da Cia. Mogiana (Figura13). O transporte de passageiros foi extinto em 1997, permanecendo o transporte de cargas. O trecho de trilho e o ptio da Cia. Mogiana foram demolidos em 1980, durante o governo Fausto Fernandes de Melo (1977-1983). A rea do ptio foi entregue ao mercado imobilirio e parcelada e a faixa de domnio do leito de trilho deu lugar a Avenida Batalho

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    Mau13. J o ptio da EFG e a linha frrea foram mantidos. At 2005 as antigas oficinas eram eventualmente utilizadas pela Ferrovia Centro-Atlntica.

    Figura 13: Retificao da linha frrea, desativao das antigas estruturas e construo de novas instalaes no espao urbano. Fonte do mapa base: PMA. Elaborao: OLIVEIRA, L. M.

    de. Colaborao: CHAVES, G. H.

    13

    O processo de desativao e a demolio do conjunto arquitetnico da Cia. Mogiana em Araguari foram aprofundados no artigo de Alexandre de Souza e Beatriz Soares - A demolio do Conjunto da Estao da antiga Companhia Mogiana de Estradas de Ferro em Araguari. Observatorium. Uberlndia, v. 2, n. 5, 2010.

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    2.2 AS TRANSFORMAES NA PAISAGEM DO LUGAR

    No primeiro momento de sua ocupao (entre sculos XIX-XX), a paisagem compreendida pela regio entre o primeiro ncleo urbano e o sistema ferrovirio (face oeste da bacia do crrego Brejo Alegre) foi marcada pela homogeneidade dos padres morfolgicos, diretamente ligados ao ciclo de desenvolvimento que a cidade vivia. Destacam-se a homogeneidade do traado ortogonal, do parcelamento e da declividade constante, que reforaram a similaridade nas formas de apropriao e ocupao dos lotes, basicamente residenciais.

    A regio foi predominantemente habitada por uma sociedade operria e de classe mdia, como os funcionrios das empresas ferrovirias, comerciantes e prestadores de servios diretamente envolvidos no meio (hotelaria, alimentao, entre outros), que reproduziam um padro de construo ecltico em sintonia com os centros de poder e conferiam um sentido de progresso quela rea, que se destacava na cidade.

    O declnio do sistema ferrovirio refletiu diretamente na quase estagnao das substituies edilcias da regio, mantendo at os dias atuais muitos exemplares arquitetnicos daquele primeiro momento, a maioria j readaptados, mas mantendo as principais caractersticas de sua implantao, como a fachada frontal alinhada ao limite do lote, a presena de alpendres e a repetio dos repertrios de ornamentao.

    A demolio do ptio da CMEF nos anos 1980 e o parcelamento de sua rea voltado para a classe mdia/alta promoveu um contraste na paisagem do lugar. Seguindo uma nova legislao urbana, as novas edificaes chamam a ateno pelo afastamento frontal, pela implantao no lote e pelo padro arquitetnico caracterstico dos anos 1980 e 90.

    Nos dias atuais a regio entre o centro da cidade e o antigo sistema ferrovirio passa por um novo processo de transformao causado pelo transbordamento dos equipamentos comerciais e de servios, antes exclusivos regio central, para suas bordas. A pavimentao das antigas ruas de pedras por asfalto (um dos elementos que ainda marcava a distino entre estas reas) contribuiu

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    significativamente para uma mudana na percepo da paisagem. A figura 14 ilustra as transformaes comentadas.

    Figura 14: Tipologia comercial e residencial do primeiro perodo de ocupao. Pedra comemorativa em homenagem a abertura da Av. Batalho Mau sobre o ptio da CMEF.

    Pavimentao asfltica sobre as ruas de pedras. Fotos: CHAVES, G. H., SCHMIT, J.; Megaminas.

    2.3 O PROCESSO DE TOMBAMENTO E A GESTO PBLICA

    A partir da desativao de suas funes originais na dcada de 70 o patrimnio ferrovirio da Estrada de Ferro Gois iniciou um processo de degradao causada pela falta de manuteno, vandalismo e apropriaes irregulares. No final do sculo XX o Governo Municipal assistiu a esta degradao abdicando-se de encontrar solues para a questo. Neste mesmo perodo, as prticas patrimoniais no Brasil voltaram-se para a preservao do patrimnio industrial, e viram nas reas ferrovirias do interior do pas um amplo campo de atuao. Em 1989 o conjunto arquitetnico e paisagstico (ptio ferrovirio) teve o tombamento municipal aprovado e em 2008 o tombamento estadual definitivo decretado pelo IEPHA - Instituto Estadual do Patrimnio Histrico e Artstico de

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    Minas Gerais (Estao de Passageiros tombamento integral e demais edificaes fachada e volumetria). O Processo de Tombamento do Conjunto Paisagstico e Arquitetnico pelo IEPHA, no item 4 do Dossi Tcnico, dispe sobre as diretrizes para intervenes:

    1- A rea correspondente ao Conjunto Arquitetnico e Paisagstico tombado dever ser compreendida como preferencialmente sem parcelamentos. Um espao to generoso no centro de Araguari tende a sofrer presses urbansticas para atender a demandas diversas (trnsito, imobilirias), mas sua fora e relevncia guardam sintonia com a configurao em conjunto.

    2- Nos espaos livres entre os diversos edifcios que compem o conjunto arquitetnico e paisagstico, dever-se- evitar a edificao de quaisquer elementos que interfiram no dilogo entre as partes. Assim, marcos comemorativos, elementos construdos ou de estaturia devem ser evitados. Dessa maneira a leitura das construes, de todos os pontos do terreno, torna-se mais correta, e a sua percepo frui de maneira mais harmoniosa.

    3- Arruamentos internos e estacionamentos devero ser evitados no espao do conjunto, impedindo, assim, que o conflito entre pedestres e veculos se instale, e que causa prejuzos enormes para todos. Os deslocamentos na rea interna do conjunto devero sempre se dar por pedestrianismo. Assim, um caminhar tranquilo e sem transtornos favorecer a devida apropriao da rea por todos que queiram usufru-la. (IEPHA, 2008, p. 61)

    As discusses sobre o tombamento municipal, ainda na dcada de 1980, j incluam questionamentos sobre o que fazer com o conjunto arquitetnico. Atravs de uma deciso voltada principalmente por preocupaes funcionais, a Prefeitura decidiu que o conjunto arquitetnico seria readequado para dar lugar as atividades do poder executivo municipal, j que a cidade no possua um espao prprio capaz de acomodar sua estrutura administrativa, poupando, assim, uma verba significativa que era direcionada ao pagamento de aluguis de imveis, grande parte localizados na regio central da cidade.

    O ptio ferrovirio foi renomeado Centro Administrativo e Cultural de Araguari, uma associao entre o patrimnio cultural ferrovirio e as novas atividades administrativas. Esta deciso, apesar de direcionar investimentos para a

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    qualificao da rea, vem sendo conduzida atravs de intervenes pontuais e isoladas e sem um plano de restauro urbano que vise a valorizao das articulaes e relaes intrnsecas entre os edifcios e uma insero urbana harmnica para o conjunto. Rufinoni (2009) afirma:

    A preservao e a restaurao de reas estratgicas como stios industriais reclamam a elaborao de estudos aprofundados sobre suas especificidades materiais e imateriais, sua dinmica evolutiva e integrao com o tecido urbano envoltrio, fundamentos que deveriam respaldar aes conscientes de tutela e de interveno. (RUFINONI, 2009, p. 147)

    O primeiro imvel readaptado foi o edifcio da Telegrafia (ainda no final da dcada de 1990) que abrigou at o incio dos anos 2000 a sede da SAE-Superintendncia de gua e Esgoto. Em 2006 a Estao Ferroviria foi entregue restaurada, agora renomeada para Palcio dos Ferrovirios e abrigando a sede do Poder Executivo.

    A Praa Gaioso Neves, que assegura o vazio necessrio para o destaque do edifcio da Estao, foi readequada e comumente utilizada para manifestaes artsticas, culturais e polticas, que se aproveitam do palco proporcionado pelo prtico frontal e escadarias do edifcio (Figura 15). Gradativamente, alguns imveis com caractersticas funcionais mais compatveis no interior do Ptio foram readequados para abrigar as secretarias municipais. A Escola Profissional foi adaptada para abrigar as Secretarias de Desenvolvimento Econmico e Turismo e a Tipografia adaptada para abrigar a Secretaria de Obras. Recentemente, o Armazm de Mercadorias foi restaurado para abrigar a Secretaria de Educao. Atualmente est em obras a readequao do pequeno edifcio da Oficina dos Revistadores para a implantao do CPD Centro de Processamento de Dados da Prefeitura Municipal (Figura 16).

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    Figura 15: Praa Gaioso Neves - Relao entre o palco proporcionado pelo prtico frontal e escadarias e espao livre da praa. Fotos: PMA e Correio de Araguari.

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    Figura 16: Restante das edificaes j restauradas ou readaptadas. Armazm de Mercadorias. Foto: SCHMIT, J.; Oficina dos Revistadores. Foto: Correio de Araguari. Escola Profissional e

    Tipografia. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.

    Das 17 Secretarias do Municpio, 12 j tem suas sedes instaladas nos imveis do Ptio Ferrovirio14. As outras edificaes do conjunto ainda esto sem destinaes definidas (Figura 17). Em 2010 a Prefeitura noticiou que as Oficinas de Locomoo seriam restauradas para abrigar o Museu Ferrovirio de Araguari15. Entretanto, ainda nada do anunciado foi apresentado. Na verdade, percebe-se que a Prefeitura ainda no sabe o que fazer com as Oficinas. So grandes estruturas que precisam ser adaptadas a usos compatveis e que correspondam s demandas locais da sociedade. At o momento, os edifcios que receberam maiores investimentos foram os que esto voltados para fora do ptio (Estao e Armazm de Mercadorias), justamente as edificaes visveis cidade. Os edifcios das Oficinas, o Almoxarifado e a Carpintaria so utilizados como depsitos de entulhos, mobilirio de trnsito, pneus e lixo eletrnico (Figura 14 Levantamento realizado dia 15 de junho de 2012 no site da Prefeitura Municipal. www.araguari.mg.gov.br 15

    SPU e IPHAN vo ceder dois galpes para a Prefeitura de Araguari, Jornal Correio de Araguari, 11 nov. 2010.

  • 29

    18). Com as reocupaes, aumenta a demanda por estacionamentos, que hoje so improvisados em meio ao espao livre do ptio (Figura 19). A figura 20 apresenta a vista area atual do ptio.

    Figura 17: Edificaes ainda no readaptadas e sem destinao definida. Almoxarifado; Oficina da Via Permanente; Carpintaria; Oficina de Locomoo e Oficina Diesel. Fotos: OLIVEIRA, L.

    M. de.

    Figura 18: Interior das edificaes ainda no readaptadas: Oficinas de Locomoo; Oficina Diesel e Almoxarifado. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.

  • 30

    Figura 19: Deposio de entulhos e estacionamentos improvisados no ptio. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.; CHAVES, G. H.

    Figura 20: Vista area atual implantao geral do Ptio Ferrovirio. Foto: VIEIRA, H.

  • 31

    Percebe-se que o processo de reocupao do Ptio Ferrovirio, assim como as readequaes arquitetnicas pontuais, ocorrem sem planejamento e critrios tcnicos de restauro definidos, e claramente desrespeitando as recomendaes do tombamento. A manuteno e as intervenes realizadas, tanto nas edificaes como no espao livre do Ptio, que deveriam ficar a cargo, ou ao menos serem avaliadas pela Diviso de Patrimnio Histrico16, esto sob responsabilidade da Secretaria de Obras, que, visivelmente, no tem qualificao tcnica para atuar em uma rea urbana tombada. O ex-prefeito (1963-67 e 1993-96) e Secretrio de Obras, Servios Urbanos e Desenvolvimento Econmico e Turismo (2010-2011), Miguel Domingos de Oliveira, afirmou que no havia necessidade do tombamento de todo conjunto arquitetnico, pois alega que as Oficinas no podem ser chamadas de patrimnio histrico. Quanto aos antigos trilhos, segundo ele no h necessidade de serem preservados, j que no so utilizados. O secretrio concluiu afirmando que o tombamento realizado pelo IEPHA deveria ser revisto, queiram ou no queiram, para o benefcio da cidade17.

    Sobre a faixa de domnio da linha frrea desativada, em 2012 seu tombamento foi aprovado pelo Conselho Deliberativo Municipal do Patrimnio Histrico e Cultural. O inventrio de proteo realizado pela Diviso de Patrimnio Histrico da FAEC justifica:

    Hoje a linha frrea se apresenta como um elo centro e arredores, rico em histria, com grande potencial de uso turstico cultural e ambiental. Um pedao da histria do Estado de Gois. Um link entre o passado, presente e futuro, envolvendo vrias pessoas e regies, presente na paisagem urbana de Araguari por mais de um sculo. Este leito ferrovirio para a Estao da Gois o mesmo que um crrego para uma nascente, uma continuidade que se relaciona, um atribuindo sentido ao outro, aferindo sentido aos remanescentes ferrovirios e presente na identidade cultural do araguarino. (FAEC, 2011, p.2)

    16

    A Diviso de Patrimnio Histrico ligada FAEC - Fundao Araguarina de Educao e Cultura. 17 OLIVEIRA, Lucas. Estrada de Ferro Goyaz em Araguari. A preservao da memria ferroviria e o potencial de uso pblico do leito dos antigos trilhos. Minha Cidade, So Paulo, 10.120, 2010

  • 32

    Apesar de no decretado pelo prefeito Marcos Coelho (2008-2012), o carter deliberativo do Conselho assegura a validade do tombamento. Tal medida se contrape a forte presso, tanto de setores civis como internos Prefeitura e ao poder Legislativo, para sua retirada e a transformao de avenida em seu espao. Segundo o arquiteto e urbanista Alessandre de Campos (servidor municipal), tambm no existem projetos nem inteno da Prefeitura Municipal para a qualificao do leito de trilho18, que se encontra em estado de abandono e j sofre depredaes e subtraes de seus elementos em alguns pontos. (Figura 21).

    Figura 21: Estado de conservao da faixa de domnio ao longo do leito de trilho desativado na rea urbana. Fotos: SCHMIT, J.; CHAVES, G. H.

    O inventrio de proteo do leito de trilho no item 18 dispe sobre as medidas de conservao:

    Realizar um projeto de requalificao urbana tendo os trilhos como elemento principal de um parque linear. Fiscalizar invases e usos adversos ao ferrovirio. Retomada do uso com finalidades tursticas, que demandaria a manuteno dos trilhos e dormentes. (FAEC, 2011, p.4)

    Repensar um novo carter para o patrimnio ferrovirio de Araguari e sua reinsero no espao urbano envolve uma conciliao entre as divergentes opinies apresentadas pelos agentes pblicos que atuam na cidade. Uma 18 Entrevista cedida ao autor dia 13/10/2011.

  • 33

    gesto pblica coordenada fundamental para a elaborao de um planejamento eficiente. Uma notcia vinculada em um peridico local19 ilustra a descoordenao na atuao das Secretarias Municiais de Araguari quando se refere a intervenes urbanas. Ao noticiar as prioridades governamentais para o ano de 2012, a matria lista a atribuio de caber a cada Secretaria. A Secretaria de Obras ficar responsvel pelo calamento com bloquetes e iluminao do ptio do fundo do Palcio dos Ferrovirios. A Secretaria de Esportes responsvel pela revitalizao do Campo do Cometa e reforma das seis quadras situadas em Av. Mato Grosso, Av. Cel. Belchior de Godoy, [...]. A Secretaria de Educao responsvel pela instalao do Campus da UFU. A Secretaria de Servios Urbanos responsvel pelo trmino da reforma da P. Manoel Bonito, construo de 25 rotatrias (paisagismo), trmino da reforma da P. Getlio Vargas, reforma da Praa da Repblica, reforma do Mercado Municipal, implantao de abrigos em pontos de nibus. A Secretaria de Meio Ambiente responsvel pelo incio das obras/implantao do Parque Linear, ajardinamento de avenidas (arborizao), obra/recuperao da nascente do Crrego Dmasus, concluso das obras de revitalizao do Bosque John Kennedy. Ao todo so cinco Secretarias atuando na concepo e execuo de intervenes paisagsticas de forma desconexa, responsveis por projetos urbanos que em muitas vezes se complementam e necessitam de uma maior integrao. A pluralidade excessiva de agentes atuando sobre estes espaos, sem um dilogo e articulao, acaba inviabilizando, atrasando e impossibilitando a produo de espaos que atendam as reais demandas.

    Cabe destacar uma das prioridades da Secretaria de Obras: calamento com bloquetes e iluminao do ptio do fundo do Palcio dos Ferrovirios. Esta ser a primeira interveno da Prefeitura em uma rea livre do Ptio Ferrovirio, no entanto, no parte de um projeto de interveno geral e servir para atender parte da demanda por estacionamentos. Interessante, tambm, a forma como a notcia refere-se ao Ptio Ferrovirio, como o ptio do fundo do Palcio dos Ferrovirios. Ilustra a incompreenso que a

    19

    Prefeito Marcos Coelho estabelece prioridades governamentais para cumprimento imediato. Jornal Correio de Araguari, 14/02/2012.

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    administrao municipal e a sociedade ainda mantm em relao ao seu significado, dimenso, carter urbano com potencial estruturador e valor histrico e cultural.

    Sem um projeto que compreenda a estrutura ferroviria tombada como um grande conjunto (ptio e leito de trilhos), estas aes pontuais fazem com que o espao ferrovirio perca suas principais caractersticas de conexo e continuidade urbana, impossibilitando futuras intervenes para uma cidade mais coesa.

    Sendo assim, a atuao descoordenada do poder pblico responsvel, provocada pela carncia de uma equipe tcnica qualificada e inexistncia de um plano de atuao, coloca em risco a requalificao do patrimnio ferrovirio de Araguari e compromete sua consequente apropriao pblica. Como um espao pblico de significado cultural de abrangncia regional, em face preocupante situao que se encontra seu gerenciamento, urgente uma investigao que apresente orientaes capazes de melhor reintegr-lo cidade.

  • 35

    CAPTULO 3: DIAGNSTICO DA REA DE ESTUDO

    A partir da formao histrica do lugar delimitou-se a rea que ser estudada para elaborao do diagnstico urbano. Entende-se que devem ser aprofundadas no s as caractersticas prprias ao patrimnio urbano, mas tambm as caractersticas socioeconmicas e culturais da populao prxima, os condicionantes fsicos do espao urbano, bem como as relaes existentes e potenciais entre o patrimnio e a cidade.

    Foi considerada a rea obtida pela implementao de um raio de 150 metros a partir do permetro de tombamento proposto pelo IEPHA para o ptio ferrovirio e o mesmo para a linha frrea, at o seu encontro com a ferrovia em uso. Acrescentou-se a rua Jaime Arajo devido a sua caracterstica morfolgica fortemente ligada a linha frrea e o entorno do CAIC devido a sua representatividade institucional. Desta maneira, permite-se uma leitura urbana satisfatria do entorno, sem perder o foco do objeto de trabalho. Vale ressaltar que a partir desta rea de estudo ser recortada a rea para a elaborao do Plano, que ser apresentada no Captulo 5, p. 100. A figura 22 apresenta a rea em estudo, assim como as informaes cartogrficas relevantes para a compreenso do texto.

    A anlise da rea de estudo baseia-se na teoria de anlise da forma urbana, proposta por KOHLSDORF (1996), organizado de acordo com os aspectos funcionais, topoceptivos e bioclimticos20. O diagnstico busca a compreenso das complexas relaes que definem a paisagem do lugar e deve levar sempre em conta o objetivo final, neste caso, o Plano de Reabilitao Urbanstica. Portanto, foram abordados os critrios que melhor contriburam com diretrizes que se aplicam interveno proposta.

    20

    Acrescentam-se como referncias as anlises baseadas nesta metodologia, elaboradas por Elaine Calderari (2006) e Karine Oliveira (2010) para seus respectivos Trabalhos Finais de Graduao em Arquitetura e Urbanismo - FAUeD.

  • 36

    Figura 22: Delimitao da rea de estudo para o diagnstico urbano. Foto: GoogleEarth. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de..

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    4. 1 ANLISE FUNCIONAL

    4.1.1 Operativa

    Lei de Parcelamento, Uso e Ocupao do Solo

    A LUOS de Araguari, de 2007, no artigo 11, define como rea de relevncia cultural, histrica, paisagstica, urbanstica, arquitetnica e ambiental da paisagem urbana a rea do complexo da Estrada de Ferro Gois e do espao visual proporcionado pelo Palcio dos Ferrovirios em direo a Rua Joaquim Anbal e vice-versa. O artigo 12 declara estas reas como de interesse de desenvolvimento turstico, podendo ser recuperadas atravs de operaes urbanas consorciadas, conforme Artigos 32 a 34 do Estatuto da Cidade.

    O artigo 93, item I delimita a rea tombada do ptio ferrovirio como ZPPC Zona de Preservao ao Patrimnio Cultural.

    Todo projeto de construo ou reforma a ser realizado nesta rea ou em seu entorno imediato est sujeito aprovao pelo Conselho Deliberativo Municipal do Patrimnio Histrico, segundo legislao especfica. (LUOS-PMA, 2007)

    O entorno do leito de trilho desativado considerado ZR1 Zona Residencial 1, que se caracteriza pelo uso residencial unifamiliar ou multifamiliar e tambm autorizadas as atividades de comrcio e servios locais no poluentes, segundo o artigo 74 (Figura 23).

  • 38

    Figura 23: Zoneamento e sistema virio 2007. Fonte: PMA. Adaptao: OLIVEIRA, L. M. de.

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    Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano

    O PDU de Araguari foi elaborado em 2004 pela Empresa Jnior da FAGEN - Faculdade de Gesto e Negcios da Universidade Federal de Uberlndia. Sobre a rea em estudo, o texto aborda no artigo 17, item I: garantir a aquisio do restante do complexo da Rede Ferroviria Federal, transformando-o em centro histrico, conciliando com a atividade administrativa municipal. E desenvolve o tema na Seo IV:

    DO CENTRO ADMINISTRATIVO MUNICIPAL, artigo 32 O Poder Executivo viabilizar a aquisio do complexo da Rede Ferroviria Federal S/A RFFSA, garantindo a adequao para a instalao do Centro Administrativo Municipal, visando:

    I- Centralizar as atividades administrativas, promovendo a reduo das fases sequenciais dos processos administrativos, a integrao dos diversos rgos pblicos e disponibilizando o atendimento adequado aos cidados;

    II- Implementar, modernizar e centralizar o sistema de informao municipal, garantindo um processo permanente de integrao entre a sociedade e o Poder Pblico;

    III- Construir novo prdio para instalao da sede do Poder Legislativo Municipal, dentro da realidade exigida pelo Municpio, permitindo melhores condies de trabalho para os edis e maior participao da populao em geral. (PDU, 2004)

    Quanto ao item III, pode-se entender que a nova sede do Poder Legislativo deva ser implantada dentro da rea tombada. Entretanto, a Cmara Municipal divulgou que a rea disponibilizada para este edifcio encontra-se na Av. Joaquim Anbal, cerca de 300 m da antiga Estao21.

    Em relao aos trilhos, o artigo 33, item XII afirma:

    exigir das empresas que exploram o servio de transporte ferrovirio no Municpio que, no prazo mximo de trs anos, seja feita a retirada total do trfego de trem da rea urbana que d acesso s antigas instalaes da extinta Rede Ferroviria Federal. (PDU, 2004)

    21

    Cmara Municipal de Araguari, requerimento n 1694 de 13/09/2011.

  • 40

    O artigo pede a retirada do trfego dos trilhos que do acesso ao antigo ptio ferrovirio, o que realmente aconteceu, mas no especifica se os trilhos devem ser retirados ou no, nem a destinao final para a rea (faixa de domnio). O PDU de 2004 apresentou quatro mapas: Zoneamento Ambiental, Sistema Virio, Delineamento dos Bairros e reas de Urbanizao. Em 2007 a legislao urbanstica passou por uma reviso e foram apresentados os novos mapas para a Lei do Sistema Virio e Lei de Parcelamento, Uso e Ocupao do Solo, que incorporou os mapas de Zoneamento Ambiental e reas de Urbanizao apresentados em 2004. Cabe destacar que o mapa do Sistema Virio de 2004 ignorou a rea tombada do Ptio Ferrovirio e projetou a extenso da Av. Batalho Mau, ocupando parte do ptio e a faixa de domnio da linha frrea em direo a MG 414 (Figura 24).

    Figura 24: Sistema Virio 2004 Destaque para o prolongamento da Av. Batalho Mau sobre o ptio ferrovirio e faixa de domnio da EFG. Fonte: PMA. Adaptao: OLIVEIRA, L. M. de.

  • 41

    Alm das diretrizes gerais, como o fortalecimento da identidade do Municpio, ampliao da oferta de espaos pblicos qualificados e promoo da preservao do patrimnio cultural, paisagstico e arquitetnico, o PDU no v o ptio ferrovirio, assim como o leito de trilho desativado, como reas com potencial de uso pblico, muito menos, aborda a necessidade elaborao de um plano de restauro urbano.

    Lei do Sistema Virio

    A Lei do Sistema Virio de 2007 determina o planejamento, hierarquizao e dimensionamento do sistema virio da cidade. Para a rea de estudo, a Lei apresentou a hierarquia das vias existentes e tentou corrigiu o equivoco apresentado em 2004, entretanto, o mapa no claro quanto proteo da rea tombada. No artigo 14 a lei estabelece a necessidade de alargamento da rua dos Portadores e do trecho de via da P. Gaioso Neves rua da Glria, justamente as vias que delimitam a rea do ptio. Percebe-se que a inteno da Prefeitura continuou sendo utilizar a rea do ptio para promover a ligao entre as Avenidas Batalho Mau e Mato Grosso.

    Quanto ao leito de trilho desativado, o trecho de 600m que este se localiza paralelo Av. Marechal Rondon considerado como Via Arterial Secundria, podendo ser futuramente interpretado como rea para o alargamento da avenida. Os 1,9 km restantes so classificados como vias locais. (Figura 23 p. 39).

    Cdigo Ambiental de Araguari

    O CAA, de 2007, regulamenta as aes do municpio na conservao e recuperao ambiental e estabelece normas para o controle do Patrimnio Ambiental. Para este trabalho, a anlise do CAA importante para perceber a postura da Administrao Municipal frente aos espaos livres urbanos.

    Percebe-se que o CAA foca sua atuao em reas de recursos naturais, como nascentes, cursos dgua e reservas nativas. Apesar de abordar o planejamento da paisagem urbana no captulo III, faz apenas recomendaes como no artigo 161:

  • 42

    conservar e preservar os stios significativos (espaos, bens e imveis, pblicos ou privados, de interesse paisagstico, cultural, turstico, arquitetnico, ambiental ou de consagrao popular, tombados ou no). (CAA-PMA, 2007)

    A partir das descries, o Ptio Ferrovirio e o leito de trilho desativado podem ser entendidos como stios significativos para conservao e preservao.

    O captulo IV, artigo 165, trata da criao do Sistema de reas Verdes, que: compreende toda rea de interesse ambiental ou paisagstico, de domnio pblico ou privado e abranger: praas, parques urbanos e reas verdes; canteiros; arborizao de vias pblicas; unidades de conservao; parques lineares; reas arborizadas de clubes esportivos sociais, de chcaras urbanas e de condomnios fechados; remanescentes de vegetao; APPs e Reservas Legais, e por fim, outras reas cuja preservao ou recuperao venha a ser justificadas pela SEMAM Secretaria do Meio Ambiente. (CAA-PMA, 2007)

    Percebe-se que o CAA, ao utilizar o termo reas verdes, exclui do conjunto todo o sistema virio (vias e passeios), e no entende que este parte integrante dos sistemas de espaos livres urbanos, conectando praas, parques, canteiros, e demais reas livres, pavimentadas ou no, pblicas ou privadas. Faltou ao CAA a elaborao de um mapa apresentando as reas identificadas como Patrimnio Ambiental assim como os stios significativos na rea urbana.

    Requerimentos da Cmara Municipal

    A leitura dos requerimentos propostos pelos vereadores ao longo de um ano22 foi inserida neste tpico a fim de perceber a postura do Poder Legislativo Municipal frente rea de preservao cultural do Ptio Ferrovirio e o leito de trilho desativado.

    A nica citao a respeito da rea do conjunto tombado foi encontrada no requerimento n 841 de 26/04/2011 que solicitava recursos para a restaurao do Hospital Ferrovirio. Quanto linha frrea desativada, o requerimento n

    22 Requerimentos publicados entre 26/04/2011 e 17/04/2012 no site www.camaraaraguari.mg.gov.br

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    1996 de 18/10/2011 solicitava iniciar o projeto de retirada dos trilhos desativados. Entretanto, nenhuma informao sobre a destinao futura da rea foi solicitada. O requerimento n 1770 de 27/09/2011 solicita a demolio do restante das construes em runas da Indstria Corkisol, implantada s margens da linha frrea.

    Quanto s melhorias urbansticas para as reas que envolvem o leito de trilho, o requerimento n 1500 de 23/08/2011 solicitava a implantao de uma academia ao ar livre na P. Srgio Pacheco, o requerimento n 2035 de 25/10/2011 solicitava a construo de meio fio e canteiro central na Av. Marechal Rondon e o requerimento 2256 de 22/11/2011 solicitava a construo de uma passarela no viaduto sobre a linha frrea, que liga a Av. Mal. Rondon MG 414, este ltimo atendido em 2012.

    A leitura dos requerimentos no acrescentou informaes respeito de demandas especficas sobre a rea tombada, entretanto mostrou algumas expectativas da sociedade, principalmente em relao Av. Mal. Rondon, via de ligao entre a periferia contnua e descontnua (devido a barreira proporcionada pelos trilhos em uso e vazios urbanos) e acesso cidade em constante aumento de trfego, principalmente devido ao adensamento populacional vivenciado no bairro Vieno e ao aumento do escoamento da produo agropecuria. Soma-se as perspectivas futuras de pavimentao do restante da MG 414, ligando o distrito de Amanhece cidade de Anhanguera, GO, e cidades prximas.

    Caractersticas Socioeconmicas

    Para as anlises socioeconmicas foram utilizados os dados dos setores censitrios presentes na rea em estudo, disponibilizados pelo IBGE (2010). Os setores censitrios so reas demarcadas pelo IBGE que possuem em torno de 250 a 350 domiclios e no fazem referncia as delimitaes dos bairros.

    Vivem na rea compreendida pelos setores censitrios 13.629 habitantes (13,15% da populao total do distrito sede), sendo 48% do sexo masculino e 52% feminino. Grande parte destes tem entre 20 e 64 anos de idade. A rea

  • 44

    possui 4773 domiclios, o que resulta numa ocupao mdia entre dois e trs moradores por domiclio. A renda mdia de 63,9% dos domiclios varia entre dois a cinco salrios mnimos. No foram disponibilizados dados referentes escolaridade.

    Uso e ocupao do solo

    O ptio ferrovirio localiza-se oficialmente no Bairro Gois, em seu limite com o Centro, em rea urbana consolidada. O uso residencial unifamiliar de classe mdia predominante em seu entorno, sendo marcante a presena de edifcios eclticos conservados ou adaptados aos usos atuais (Figura 25). O eixo de centralidade exercido pelas Avenidas Cel. Jos F. Alves e Sen. Melo Viana (ligao centro - MG 223 e MG 413) contribui para a concentrao de equipamentos comerciais e de servios de baixa e mdia complexidade, caracterstica das subcentralidades em cidades mdias. Destacam-se a presena de alguns edifcios mistos de dois pavimentos, com comrcio ou servios no trreo e apartamentos residenciais ou salas comerciais no pavimento superior.

    As atividades institucionais prximas, alm das prprias edificaes de uso administrativo do ptio, atuam como referncia urbana e geradores de movimento, como SAE Superintendncia de gua e Esgoto na Av. Hugo Alessi, o Conservatrio Estadual de Msica na P. da Constituio e a Casa da Cultura na Av. Cel. Jos F. Alves (Figura 26). Quase todas estas atividades ocorrem em perodo diurno, com exceo dos estabelecimentos do ramo de alimentao, como pastelarias, lancherias, pamonharias e pizzarias, que funcionam no perodo noturno. O antigo Pronto-Socorro Municipal, localizado na mesma praa, era um grande ponto de convergncia de toda populao e funcionava em perodo integral, entretanto foi realocado para outra rea da cidade, e o antigo edifcio foi demolido para a construo de uma Unidade de Pronto Atendimento UPA.

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    Figura 25: Tipologias edilcias no entorno do Ptio Ferrovirio. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.

    Figura 26: Eixo de centralidade Sen. Melo Viana/Cel. J. F. Alves. Casa da Cultura e Conservatrio Estadual de Msica. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.

    O leito de trilho, que inicia seu percurso no ptio ferrovirio, segue em direo periferia da cidade, contornando os limites leste e nordeste do Bairro Santa Terezinha e fazendo limite com os Bairros Miranda, Santiago, Palmeiras do

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    Imprio e Independncia, encontrando neste ltimo com os trilhos atualmente em atividade. Estes dois ltimos ainda no totalmente consolidados, com baixa densidade de ocupao. O uso do solo no entorno do leito de trilho notadamente residencial unifamiliar de classe baixa, com algumas concentraes de residncias de classe mdia ou alta, como a Vila Militar e o entorno na praa Srgio Pacheco (no Bairro Santiago) (Figura 27). Como um todo, ao longo das margens do leito de trilho percebe-se uma ambincia pacata e os principais pontos de encontros da regio concentram-se no eixo de centralidade exercido pelas ruas Prof Lourdes Naves, Jaime Arajo e Av. Mal. Rondon (ligao centro MG 414), onde se localizam comrcios e servios de pequena e mdia complexidade e poucos edifcios mistos de dois pavimentos. O 11 BEC, localizado na rua Prof Lourdes Naves o grande ponto de referncia e atrao da regio, com destaque tambm, para o CAIC Centro de Atendimento Integral Criana, na Rua Dr. Augusto Carpaneda e, com um uso espordico e subutilizado, o Parque de Exposies. (Figura 28). A Figura 29 mostra o Mapa de Uso e Ocupao da rea em estudo.

    Figura 27: Tipologias edilcias no entorno do leito de trilho. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.

  • 47

    Figura 28: Eixo de centralidade Prof L. Naves/J. Arajo, 11 BEC, CAIC e Parque de Explosies. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de; CHAVES, G. H.

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    Figura 29: Mapa de uso e ocupao do solo da rea em estudo. Elaborao: OLIVEIRA, L. M. de.

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    Espaos Livres Pblicos

    Os espaos livres pblicos da rea so classificados por vias de trfego, passeios, praas e espaos livres virios (reas residuais, canteiros e rotatrias). Na regio de entorno do ptio ferrovirio grande parte das vias tem pavimentao asfltica e o restante possui pavimentao em pedras. Ao longo das margens do leito de trilho no Bairro Sta. Terezinha e nos bairros Palmeiras do Imprio e Independncia algumas vias locais ainda no foram pavimentadas.

    As vias com maior trfego de veculos so aquelas j citadas como acessos cidade, historicamente utilizadas como ligao centro-periferia e urbano-rural, resultando em eixos de centralidade em desenvolvimento. Tambm so importantes eixos de ligaes as Avenidas Mato Grosso (liga a cidade no sentido oeste-leste23) e Batalho Mau (ligao oeste-sul). Os passeios no entorno do ptio ferrovirio possuem pavimentao diversa, com predomnio de cimentados moldado in loco e com larguras que variam entre 1,5 e 2,5 metros e no esto de acordo com as normas de acessibilidade em vigor. Ao longo das margens do leito de trilho comum a presena de passeios ainda no minimamente qualificados.

    O traado da regio caracterizado pela costura de tecidos ortogonais, originados das fases de crescimento urbano vivenciado na rea. Como resultado dessa costura, frequente em toda rea de estudo a presena de praas triangulares, de diferentes tamanhos, originalmente reas residuais dos parcelamentos, algumas oficialmente nomeadas como praas e outras no. As mais significativas e melhor qualificadas so a Praa Gaioso Neves (que emoldura a antiga estao ferroviria), a Praa da Constituio (que emoldurava a estao de passageiros da Ferrovia Mogiana) e a Praa dos Ferrovirios. As praas triangulares restantes na rea possuem pouca ou nenhuma qualificao paisagstica. O mobilirio urbano existente (bancos,

    23

    No existe oficialmente uma subdiviso da cidade em zonas geogrficas, neste trabalho o zoneamento foi utilizado para uma melhor compreenso do texto.

  • 50

    lixeiras, pontos de nibus, placas de sinalizaes, cabines telefnicas) ainda , em grande parte, precrio. (Figura 30).

    Figura 30: P dos Ferrovirios, resduo na rua Jaime Arajo, canteiro central Av. Mato Grosso e P. Rondon Pacheco. Fotos: OLIVEIRA, L. M. de.

    Infraestrutura

    Os dados do IBGE (2010) referentes aos setores censitrios mostram que a rea em estudo conta com quase 100% de rede de abastecimento de gua e apenas seis poos artesianos privados. Em relao ao esgoto, 73% dos domiclios esto ligados rede e 27% possuem fossa (sptica ou rudimentar). Toda a gua fornecida em Araguari captada nos lenis subterrneos, por intermdio de 114 poos semi-artesianos distribudos em 9 reas de captao (baterias)24, sendo 2 destas presentes na rea de estudo (Ftima e Independncia). O tratamento da gua feito atravs de desinfeco com cloro. As reas de captao deveriam ser tratadas como reas de preservao permanente, entretanto no passam por nenhum controle sanitrio25. O esgoto

    24

    SAE. www.saearaguari.com.br/desenv/aguaesgoto.php 25

    CAMPOS, Alessandre. www.olhar-urbano.blogspot.com.br/2009/11/agua-sae.html

  • 51

    coletado direcionado para o interceptor tronco da bacia do Crrego Brejo Alegre, sem tratamento algum.

    A drenagem pluvial subterrnea se concentra no entorno de ptio ferrovirio e parte do leito de trilhos, com pontos de captao na Av. Mato Grosso e Esprito Santo. Grande parte da drenagem direcionada, por gravidade, para o Crrego Brejo Alegre. A coleta de lixo atende 100% da rea. No foram encontrados dados relativos a problemas no fornecimento de energia e telefonia.

    4.2.1 Relacional

    A rea em estudo possui poucas relaes entre seus espaos funcionais, se comparado ao perodo em que o sistema ferrovirio ainda estava em funcionamento, no qual os hotis e penses se relacionavam com a estao de passageiros, a vila ferroviria se relacionava com as funes produtivas, escola, hospital e centro recreativo, entre outras relaes possveis. Com a implantao do Centro Administrativo em andamento, percebe-se o incremento de atividades como despachantes, copiadoras e lanchonetes prximos s entradas do ptio, na Av. Cel. Jos F.