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DESENVOLVIMENTISMO SOBRE RODAS: A EXPANSÃO DA MALHA RODOVIÁRIA E O OCASO DA FERROVIA
ROQUETTE, Maria Luiza Sapori Toledo, CARDOSO, Antônio Dimas, DANTAS, Laís Diniz Martins
Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4
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DESENVOLVIMENTISMO SOBRE RODAS: A EXPANSÃO DA MALHA
RODOVIÁRIA E O OCASO DA FERROVIA1
ROQUETTE, Maria Luiza Sapori Toledo Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de
Montes Claros - UNIMONTES Bolsista FAPEMIG
CARDOSO, Antônio Dimas
Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília, Professor efetivo da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES
DANTAS, Laís Diniz Martins Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade
Estadual de Montes Claros - UNIMONTES Bolsista CAPES
RESUMO A asserção da presente comunicação é tratar do campo teórico conceitual, com base em fontes bibliográficas, documentais e dados, na qual se propõe analisar, através de um resgate histórico, dentro
do século XX, a evolução dos transportes ferroviário e rodoviário no Estado de Minas Gerais, com
ênfase na mesorregião Norte Mineira, como indutores do desenvolvimentismo no contexto do milagre
econômico, buscando identificar a razão da predominância da opção rodoviária, pelo “Estado desenvolvimentista”, em detrimento do déficit de investimento público em ferrovia. Para tanto,
analisa-se o modelo econômico legitimado pelo Brasil - Capitalista – que possui como uma das suas
molas propulsoras os meios de transporte, responsáveis pela dinamização das diversas regiões do país, com destaque para as ferrovias e rodovias, como alternativas para se levar o “desenvolvimento” a todos
os cantos do Brasil, devido a sua extensão territorial e geografia específica.
Palavras-chave: Transporte. Desenvolvimentismo. Norte de Minas Gerais
ABSTRACT The assertion of this communication is to treat the conceptual theoretical field, based on sources
bibliographic, documentary and data, in which proposes to analyze, through a historical rescue, within
the twentieth century, the development of rail and road transport in the State of Minas Gerais, with emphasis on mesoregion Norte Mineira, developmentalism as inducers in the context of the economic
miracle, in order to identify the reason for the predominance of the road option, by the "developmental
state", over deficit public investment on the railroad. Therefore, it analyze the economic model legitimized by Brazil - Capitalist - which has as one of its thrusts the means of transport, responsible for
streamlining the various regions of the country, especially the railways and roads, as alternatives to lead
the "development" to all corners of Brazil, due to its territorial extension and specific geography.
Key-words: Transport. Developmentalism. North of Minas Gerais
1 Apoio financeiro: FAPEMIG
DESENVOLVIMENTISMO SOBRE RODAS: A EXPANSÃO DA MALHA RODOVIÁRIA E O OCASO DA FERROVIA
ROQUETTE, Maria Luiza Sapori Toledo, CARDOSO, Antônio Dimas, DANTAS, Laís Diniz Martins
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INTRODUÇÃO
O transporte tem papel de destaque na economia brasileira, responsável por gerar
empregos, reduzir as distancias, distribuição de mercadorias, e, por ser o Brasil, um país de
proporção continental, constitui em necessidade premente investimentos na infraestrutura para
ampliação e melhora de um sistema de transporte capaz de possibilitar o acesso e a conexão
entre as mais diversas regiões.
Na atualidade, apesar do discurso de retomada do desenvolvimento, o Estado perde a
capacidade de implementar programas estruturantes de aceleração do crescimento, mantendo
no sistema de transporte a referência de modernização do país, como ocorrera nos períodos
‘desenvolvimentistas’. Entrou em crise uma cultura de crescimento que catalisava no
rodoviarismo algo que nas décadas de 1950, 60, 70 e início de 1980 surgia como progresso e
desenvolvimento, ancorado na construção e expansão das obras rodoviárias. A política
rodoviária veio acompanhada de uma progressiva desativação de ramais e de estradas de ferro.
As rodovias cumpririam, então, o papel da integração, numa mobilidade mais veloz.
No entanto, a crise a partir dos anos 1980, esse ideário entra em crise, no que pese sua
ressonância nos discursos das lideranças políticas regionais.
Portanto, numa retrospectiva histórica, dentro do século XX, este trabalho busca
analisar os dois transportes ferroviário e o rodoviário, à luz do desenvolvimentismo.
Pretende-se comparar, principalmente, as expressões políticas dos dois sistemas de transporte
enquanto símbolos de progresso e modernidade, buscando identificar a razão da predominância
da opção rodoviária, pelo “Estado desenvolvimentista”, em detrimento do déficit de
investimento público em ferrovia.
Para tanto foi realizada uma revisão bibliográfica para entender as relações políticas e
econômicas da elite brasileira, mineira e norte-mineira, ao longo do século XX (1950 - 1990),
com o desenvolvimento da infraestrutura rodoviária em detrimento do transporte ferroviário no
estado e na região.
Também foram realizadas pesquisas de dados nos sítios eletrônicos do IBGE e IPEA
com o proposito de se analisar gráficos e tabelas no que dizem respeito ao aumento/diminuição
das ferrovias e das vias rodoviárias pavimentadas e não pavimentadas. Foi feita, ainda, pesquisa
documental em acervos públicos e particular em busca de fatos que resgatam a história da cidade
de Montes Claros e do Norte de Minas e que remontam o desenvolvimento da região.
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Assim, cumpre destacar que a presente comunicação é um recorte fruto da pesquisa, em
andamento, do projeto “trilhos urbanos” no qual todos os autores fazem parte e, da dissertação,
da segunda autora, “Entre vindas e idas: a sociabilidade em trânsito”, este último orientado pelo
professor Antônio Dimas Cardoso.
1. DA FERROVIA À RODOVIA
Os meios de transporte em constate evolução, ao longo do período moderno 2 ,
tornou-se um componente fundamental de desenvolvimento das sociedades, “centrais” e
“periféricas”, presente em toda política de governo, principalmente por interligar indivíduos,
produtos e serviços, num esforço de racionalização de espaço-tempo.
As primeiras tentativas de se desbravar e ligar o país, através do motor (a vapor, no
caso) e da aceleração, se efetivaram através das ferrovias durante o final do século XIX e nas
primeiras décadas do século XX.
Assim, no início do século XX, era na expansão da ferrovia que os esforços se
concentravam, tanto do setor púbico quanto do privado, com o fim de integrar e desbravar o
território brasileiro para dinamizar o escoamento da produção interna. Logo este modal
representava para o país e suas regiões, desde as mais povoadas, industrializadas até as mais
remotas, como é o caso do Norte de Minas Gerais, a ideia de progresso e civilização.
No período compreendido entre 1854 e 1920, antes de se cogitar a aplicação de
investimentos públicos na abertura de estradas, era no transporte ferroviário que estavam
centradas todas as atenções políticas e as intenções progressistas, rumo ao interior do Brasil, o
que marcou o auge da ferrovia brasileira. No início do século XX, a ferrovia representava a
aspiração da integração nacional, em conexão com o sistema hidroviário, o que corrobora com
o entendimento do autor Paulo Roberto, a seguir:
Aproximadamente entre 1870 e 1930, as ferrovias brasileiras desempenharam
um papel decisivo no escoamento de produtos agrícolas – sobretudo o café – do interior para os portos, articulando-se logisticamente com a navegação de
longo curso. Os investimentos e a operação eram privados e independentes
2 Segundo Giddens (1991) o período moderno (idade moderna) teve inicio na Europa no século XVIII, substituindo as sociedades tradicionais que eram baseadas na agricultura. Para o autor o processo de
modernização, o qual atualmente estamos vivendo, tem influência direta no poder administrativo, militar, no
capitalismo e na industrialização, sendo que os dois últimos representam modos de produção baseadas na indústria
em contrapartida das formas tradicionais de produção baseadas primariamente na agricultura.
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entre si, sendo implantadas com bitolas diferentes, não interligando os sistemas ferroviários regionais (RODRIGUES, 2000, p.41).
Logo, a expansão do sistema ferroviário no Brasil está diretamente ligada a
necessidade de se conectar e desbravar o interior do país, diferente do que aconteceu na Europa
onde a ferrovia surge a partir do progresso da industrialização para facilitar o tráfego. Aqui, a
indústria ainda era incipiente e a economia basicamente agrícola, surgindo a ferrovia para criar
o tráfego (SCHIVELBURSCH, 1986).
Diante da necessidade em interligar as regiões, para otimizar o trânsito de pessoas,
produtos e ampliar os mercados consumidores, principalmente nos sertões brasileiros, é que foi
inaugurada, em 1904, a Estrada de Ferro Central do Brasil em Curvelo e, logo em seguida, em
1911, foi a vez da estação ferroviária da cidade de Pirapora.
Mas foi somente no ano de 1926, que as atenções se voltaram à cidade norte-mineira
de Montes Claros, com a vinda do então Ministro da Viação, Francisco Sá, para a inauguração
do ramal ferroviário da cidade.
A população de Montes Claros e região, principalmente a elite sertaneja, festejou a
vinda do ramal ferroviário para a cidade, que era visto como a única solução civilizadora para
região. A inauguração do referido ramal significava, naquele momento, o progresso, a abertura
da cidade para o mundo e, por isso, foi com grande festa e alvoroço que a população recebeu a
grande novidade, conforme se depreende das noticias publicadas no jornal da cidade3.
Os trilhos transformaram Montes Claros em um importante centro de distribuição, de
pessoas e mercadorias o que beneficiava toda a região e também o Sul da Bahia, a partir de
então a cidade passou a ser reconhecida como polo regional.
Entretanto, com a crise do início dos anos 1930, o craque da bolsa de valores norte
americana e o declínio nos fluxos de exportação, a economia cafeeira desvalorizava junto com
as ferrovias, diante da dificuldade financeira para manutenção deste modal e da sua
insuficiência relativa para promover a unificação do mercado interno em virtude das diferentes
3 Conforme destaca o jornal local da época, Gazeta do Norte, na publicação de 01 de setembro de 1926: “Chegou
enfim, o grande dia... Montes Claros assignala hoje uma data imperecível, aquela que marca o acontecimento que
a integra no convívio da civilização.”. (C.f. Jornal Gazeta do Norte. “O maior dia de Montes Claros”. Nº 469, Ano
IX, 1º de setembro de 1926).
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bitolas4 implantadas nas diferentes regiões do país, além de existir uma forte tendência no país
para a industrialização, que, aos poucos, impulsionava o transporte rodoviário.
Segundo Rodrigues (2000), apesar da ferrovia desempenhar um papel importante para
o escoamento de produtos direcionados para exportação, a implantação de bitolas diferentes ao
logo das estradas de ferro causaram certo empecilho para efetivar de forma plena a interligação,
através do modal, as diversas regiões brasileiras, principalmente o interior. É este, também, o
entendimento do Josef Barat (1991), segundo o qual o sistema ferroviário não deu conta de
suprimir a necessidade efetiva de interligar todas as regiões do país, a seguir:
O entrelaçamento das atividades ferroviárias e portuárias à navegação deu
origem, forçosamente, a sistemas ferroviários isolados entre si e com características fundamentalmente regionais. A integração no sentido
longitudinal do território era, portanto, rarefeita (BARAT, 1991, p. 09).
Com o advento da Quarta República (1946-1964), agravou-se o caráter disfuncional
da malha ferroviária mineira, que, embora moderna pela sua base tecnológica, era inadequada
para instrumentalizar a correspondente modernização econômica e fomentar a industrialização
brasileira que neste momento tornou-se essencial para que não ficássemos tão a mercê da
economia internacional e desenvolvêssemos no território nacional os bens de consumos e não
mais importássemos os mesmos de outros países, como era costume. Logo, a rede rodoviária
passou a ganhar maior atenção dos investimentos e a ser mais utilizada pelos mineiros.
Outro ponto que precisa ser observado é que a malha ferroviária mineira pode ser vista
enquanto importante etapa de transferência de recursos públicos para capitais privados, embora
pouco tenha contribuído para o desenvolvimento de Minas. Ficou evidente, ainda, que os mais
de 8.000 km de trilhos assentados em Minas não promoveram a unidade do mercado mineiro,
uma vez que os centros servidos por ferrovias não dinamizaram suas relações comerciais
recíprocas, evidenciando, deste modo, a ineficiência da infraestrutura implantada na região
Norte do estado5, situação que se repetia no restante do país.
4 BITOLA: É a largura determinada pela distância medida entre as faces interiores das cabeças de dois carris (ou
trilhos) em uma via férrea. 5 Conforme noticiado pela impressa da região norte mineira, jornal Gazeta do Norte, com publicação em 8 de
fevereiro de 1953, ficava expressa a insatisfação dos norte mineiros no serviço prestado pela Companhia Central
do Brasil no transporte de gado. Segundo a referida reportagem o transporte estava sendo prestado da pior maneira possível, com atrasos, o que impossibilitava os criadores da região fazerem chegar o seu gado aos centros
produtores (C.f. Jornal Gazeta do Norte. “Completo memorial das reclamações dos mineiros serão apresentadas ao
novo diretor da Central do Brasil por iniciativa do representante da pecuária na COAP”. Nº 2.113, Ano XXXV, 8
de fevereiro de 1953).
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O sentido de penetração das vias férreas, quase que invariavelmente, partia do litoral
(Rio de Janeiro e São Paulo) para o território mineiro, criando, assim, uma tradição de trocas
entre os centros industriais e aqueles polos, não obtendo, portanto, o “progresso” desejado pela
população, que buscava alternativas para escoar suas mercadorias e conquistar novos mercados
e consumidores, fortalecendo e incentivando o transporte rodoviário de carga.
Logo, a gradativa substituição do transporte ferroviário pelo rodoviário se dá muito
mais em função da incapacidade das ferrovias, em que pese a sua forma de implantação, em
atender às necessidades econômicas dos mineiros, do que em relação a seus custos,
principalmente ao se considerar as regiões norte e nordeste do estado, onde os trilhos chegaram
de modo rarefeito, e, ainda, em virtude das condições climáticas destas regiões, que não
permitiram que estas atingissem um nível de “desenvolvimento/produção” que possa ser
chamado de polo econômico.
Por volta da década de 1950, a estrada de ferro já não mais inspirava o progresso como
outrora fizera. Apesar da malha ferroviária ter se expandido há pouco mais de duas décadas
para o sertão norte mineiro (inaugurada em Montes Claros em 1926), este modal, aos poucos,
foi perdendo a atenção do governo pela falta de investimentos em expansão e melhoria, e a dos
próprios usuários, que, seduzidos pela ideia de modernidade e velocidade, passaram a dar
preferência ao transporte rodoviário.
Contagiada pelas ideias desenvolvimentistas, modernizantes, a nova oligarquia
mineira dissemina para todos os cantos do estado tais ideais, que logo influencia toda a
população mineira, que passa a ver, na industrialização e no transporte rodoviário, a solução
para o atraso econômico no qual se encontrava Minas Gerais, principalmente quando
comparado ao Estado de São Paulo, que já tinha um bom desenvolvimento industrial e certa
independência do poder central brasileiro.
Importante esclarecer que essa “nova” oligarquia mineira era composta pelos
membros da mesma elite tradicional política que sempre esteve a frente do governo mineiro,
mas, a partir desse momento, travestida com uma nova roupagem e com um discurso diferente,
voltado para o desenvolvimento, com as mesmas intenções particulares, entre elas a de se
perpetuar no poder político e de se beneficiar da máquina estatal através dos laços
clientelísticos (DULCI, 1999).
No Brasil, a ênfase no transporte rodoviário está associada à implantação da indústria
automobilística no país e à mudança da capital para a região Centro-Oeste, que foram
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acompanhadas de um vasto programa de construção de rodovias. Diferentemente do que
ocorreu em outros países, esta ênfase traduziu-se não só na prioridade, mas na quase
exclusividade das políticas de transporte voltadas para o modal rodoviário, pelo menos até a
década de 1970, no chamado “milagre econômico”6.
Assim, o presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), o JK, que concebeu e
construiu a capital Brasília, foi o grande incentivador de rodovias. JK foi responsável pela
instalação de grandes fabricantes de automóveis no país (Volkswagen, Ford e General Motors
implantadas no Brasil durante seu governo) e uma condição crucial para a atração dessas
grandes plantas industriais multinacionais era, evidentemente, o apoio do governo à construção
de rodovias.
A partir dos anos 1950, em decorrência do crescimento da indústria automobilística,
um dos símbolos do capitalismo, o transporte rodoviário foi ganhando espaço e se tornando
hegemônico no país, superando rapidamente o transporte ferroviário no deslocamento de
pessoas e cargas. O transporte ferroviário passou ser visto como passado e o rodoviário como o
futuro promissor para o desenvolvimento, símbolo do progresso.
Assim se consolidou o sistema rodoviário nacional em detrimento dos outros modais,
conforme explica Josef Barat:
A rápida expansão das fronteiras agrícolas – com a incorporação de novas terras para o cultivo – e a implantação da indústria automobilística
consolidaram, por sua vez, o sistema rodoviário nacional, com as rodovias
assumindo o papel preponderante no deslocamento dos fluxos de transporte de média e longa distâncias (BARAT, 1991, p. 30).
O amplo apoio dado, principalmente, pelo governo de JK para proporcionar o
desenvolvimento do setor industrial na segunda metade do século XX é percebido na
concentração de recursos para ampliar e melhorar a infraestrutura rodoviária do país. A política
de Kubitschek trouxe ao imaginário popular a sensação de que a rodovia era um fator de
modernidade, enquanto a ferrovia tornou-se um ícone nostálgico do Brasil agrário, oriundo da
velha República.
Não se pode negar que os interesses na expansão rodoviária do país não se pautavam
apenas às intenções de integrar o espaço e de proporcionar o desenvolvimento regional, mas,
6 Vale esclarecer que os primeiros investimentos na infraestrutura rodoviária deram-se na década de 1920, no
governo de Washington Luís. Em 1926, foi construída a Rodovia Rio-São Paulo, a única pavimentada até 1940. Os
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também – e talvez até principalmente – em atender alguns interesses restritos, diferentes dos
que eram largamente difundidos pela elite política e econômica.
Assim, o Brasil levou em grande conta, como já foi dito acima, o interesse do capital
externo, que aqui contribuiu, injetando ativamente os seus recursos, o que, em contrapartida,
exigia o cumprimento das suas vontades de ampliar em todo país o seu mercado consumidor e
de replicar os seus ideais políticos e econômicos.
Neste cenário de mudanças e readequações, o caso do Norte de Minas Gerais possui
características distintas do restante do estado, uma vez que esta região não teve um processo de
“desenvolvimento” semelhante ao da região centro-sul do estado, que abriga a capital e os
parques industriais, ficando por muito tempo no “anonimato”, ou seja, sem acesso ao
desenvolvimento já usufruído em outras regiões do Estado, conforme observado por Dulci
(1999), tendo as asas do progresso pousado tardiamente na região.
Mesmo a região norte-mineira tendo uma participação expressiva na política estadual
e nacional, já que vários filhos da terra foram eleitos deputados e nomeados secretários de
Estado, como é o caso do ex-deputado Esteves Rodrigues, o sertão norte-mineiro demorou a
colher os benefícios da política nacional desenvolvimentista, já que as estradas da região eram
precárias7 e o sistema de energia elétrica deixava muito a desejar.
Com intenção de atrair a atenção dos governos Central e do Estado para as
necessidades do Norte de Minas Gerais, a elite e os políticos da região resolveram, na data de 03
de julho de 1957, fazer uma grande festa para comemorar o centenário de emancipação do
município de Montes Claros, data que até então tinha pouca relevância para a população, e a
inauguração do parque de Exposições da cidade (construído com ajuda de verbas públicas).
Tais comemorações tinham como finalidade demonstrar que a cidade de Montes
Claros era civilizada8, sem conflitos políticos e que estava apta para receber os investimentos
públicos estaduais e, consequentemente, os ventos modernizantes que sopravam por todo
estado mineiro, exceto para região norte-mineira, até então. Além de “(...) inserir Montes
governos Vargas e Gaspar Dutra prosseguiram os investimentos rodoviários, mas foi a partir de JK que os esforços
em se priorizar o modelo rodoviarista se tornaram mais fortes e efetivos. 7 Reportagem publicada pelo jornal da região, Gazeta do Norte, no ano de 1953, o que demonstra o descaso do
poder público com as estradas no norte de Minas Gerais. Transcrevo aqui uma parte da mesma: “A estrada ligando
essa cidade a Virgem da Lapa e Arassuaí vai aos poucos se acabando com a absoluta falta de conserva pelos
poderes públicos”. (C.f. Jornal Gazeta do Norte. “De Gão Mogol. Está se acabando a estrada para Virgem da Lapa – Arassuaí – A prefeitura em regime de falência.”. Nº 2.129, Ano XXXV, 03 de maio de 1953). 8 Segundo historiadores, por causa das brigas políticas pelo controle do poder, que existiam na cidade, Montes
Claros era reconhecida nacionalmente como uma cidade violenta, terra de jagunços acostumada a resolver as suas
diferenças políticas através da força (PEREIRA, 2002).
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Claros dentro do contexto do Brasil novo e industrializado: como uma nova cidade e com uma
nova política, melhorar a imagem de Montes Claros em âmbito estadual e nacional.”
(PEREIRA, p. 61, 2002).
Assim, segmentos organizados da sociedade montesclarense, provocada pela elite
econômica e politica da cidade e região, se uniram no intuito de “organizar” a cidade e
promover a união dos cidadãos e partidos políticos, almejando atrair para região os benefícios
da modernidade e do progresso.
Apesar da cidade de Montes Claros ter sido prestigiada com a visita de figuras
políticas ilustres da época, como a do então Presidente da República Juscelino Kubistchek, que,
em seu discurso, fez várias promessas para a melhoria da infraestrutura da cidade, a região só
foi se beneficiar com os ventos do progresso, passando a ser reconhecida economicamente, com
a sua inclusão na área de atuação da SUDENE.
Com o apoio financeiro da SUDENE, a região norte mineira pode então começar a
vivenciar os benefícios do anunciado progresso, através de ações do governo Estadual que
concorreram para a melhora do fornecimento de energia elétrica e da abertura e pavimentação
asfáltica das estradas da região.
Desta forma, a partir de então, em decorrência da ideia desenvolvimentista que visava
incentivar a industrialização, da região e, assim, por meio das verbas e incentivos do estado e do
governo federal foram realizadas obras para melhoria da infraestrutura em transportes, voltados
para a difusão e desenvolvimento do transporte rodoviário, em detrimento da ferrovia,
acompanhando o que já acontecia no restante do Brasil. Com isso, aquele modal rapidamente
tornou-se hegemônico na região norte-mineira.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Não se pode negar que a expansão e a consequente dependência do Brasil pelo
transporte rodoviário, seja de pessoas ou mercadorias, são consequências das políticas
desenvolvimentistas, que tinham como fim o de fomentar a industrialização, a integração do
mercado interno e a urbanização brasileira, ocorridas entre as décadas de 1950 a 1980.
Entretanto, vale destacar que, até a década de 1950, o Brasil se caracterizava como um
país de economia basicamente primária, baseada no sistema primário exportador que se
encontrava a mercê, totalmente vulnerável, das mudanças econômicas (crises) dos países que
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importavam os seus bens primários, bem como as oscilações dos preços internacionais
(HAFFNER, p.19, 2002).
Diante dessa situação que se encontrava o Brasil, era necessário e urgente que o Estado
investisse na indústria interna, na produção dos bens que até então eram importados pelo país,
com a finalidade de proporcionar o desenvolvimento para dentro e, com isso, possibilitar a
expansão da economia. (...) “A função principal dos transportes era a de promover o
escoamento dos fluxos de produção agropecuária e extrativa do interior para o litoral”
(BARAT, 1991, p.09).
Junto com a ideia de industrialização alentava-se também a perspectiva de
modernização, de progresso, e, para se atingir tal ideal e atrair as indústrias, seria necessário que
o país investisse na ampliação e melhora da infraestrutura dos transportes que ainda era
precária. Tal intenção levou o governo, com ajuda do capital externo, a focar apenas no
melhoramento do transporte rodoviário em detrimento do transporte ferroviário.
Com isso, o transporte ferroviário foi perdendo sua hegemonia, cedendo lugar ao
transporte rodoviário.
Estudo realizado pela CEDEPLAR (2012) mostra que se buscou fazer a modernização
sob o domínio do modelo ferroviário, com os trilhos para fora e “desprezo” pela integração do
mercado interno, ou seja, os objetivos estavam voltados para os grandes centros exportadores,
e, por esse motivo, a expansão dos trilhos para o interior mineiro foi fracamente incentivado.
De acordo com Silva Junior (2011), já o modal rodoviário apresentou, entre outras
vantagens, o transporte porta a porta, que, com grande flexibilidade, passou a atender à
demanda exigida. Outra facilidade encontrada no transporte rodoviário é que, pelas suas
características específicas, oferece maior velocidade e rapidez, além de possuir maior
regularidade nos seus deslocamentos, estando submetido a menores danos e/ou prejuízos.
Ainda, segundo o mesmo autor, é preciso destacar que não foi apenas o investimento
rodoviário ou, em outras palavras, o sucateamento das ferrovias e/ou hidrovias que levaram o
transporte rodoviário a ser predominante, mas a conjugação dos dois fatores, pois, nos
momentos de abrupta decadência dos ramos não rodoviários, houve injeções de capitais que
não foram suficientes para a retomada de crescimento destas atividades.
“A rápida ampliação da infraestrutura rodoviária explica-se pelo menor custo de
implantação por quilômetro e menor prazo de maturação do que o correspondente na malha
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ferroviária.” (RODRIGUES, 2000, p. 33), o que, justifica, sob a análise de um ponto, a
expansão rodoviária no país.
Conforme Barat (1991) explicita, os investimentos na indústria automobilística, o
custo relativamente baixo do petróleo, a maior rapidez para efetivação de uma rodovia,
associada a necessidade de se interligar e ampliar as fronteiras de produção primária às regiões
onde se concentravam o maior desenvolvimento industrial, fizeram com que as soluções
rodoviárias fossem levadas em conta em detrimento dos outros modais.
Após a década de 1950, praticamente não houve mais investimentos para a expansão
ferroviária na região norte-mineira, o que deu maior vasão à ampliação rodoviária, que foi
impulsionada pelos investimentos públicos em infraestrutura, com a pavimentação de vias,
tornando, deste modo, o fluxo migratório de pessoas, bens e ideias, entre o sertão e as capitais
brasileiras, mais acelerado e, consequentemente, intenso.
Assim, o Brasil, no auge da expansão industrial e da efetiva institucionalização do
transporte rodoviário, associou-se ao chamado “desenvolvimentismo”.
Desenvolvimentismo que é entendido como qualquer tipo de política econômica
baseada na meta do crescimento da produção industrial e da infraestrutura, com a participação
ativa do Estado. Segundo José Maria Dias Pereira:
“As ideias-força do desenvolvimentismo eram: 1) a industrialização é a via da
superação da pobreza e do subdesenvolvimento; 2) um país não consegue industrializar-se só através dos impulsos do mercado, sendo necessária a
intervenção do Estado (intervencionismo); 3) o planejamento estatal é que
deve definir a expansão desejada dos setores econômicos e os instrumentos necessários; 4) a participação do Estado na economia é benéfica, captando
recursos e investindo onde o investimento privado for insuficiente.”
(Cf.PEREIRA, J.p. ,2011).
Fonseca afirma que, no Brasil, o desenvolvimentismo tomou corpo principalmente
inspirado nas teorias cepalinas da dependência9, sendo que, “numa primeira aproximação
conceitual, é uma resposta para superar o subdesenvolvimento” (FONSECA, 2014, p. 44).
9 CEPAL – Comissão Econômica para América Latina e o Caribe. “(...) trata-se de um órgão internacional criado
pelas Nações Unidas, após a II Guerra Mundial, exatamente no ano de 1948, com o objetivo de promover o
desenvolvimento latino-americano. (...) as bases da teoria da CEPAL estavam fundamentadas na necessidade da participação decisiva do Estado no processo de desenvolvimento, este desenvolveria um papel fundamental na
industrialização periférica. Todo o aparelho burocrático ficaria à disposição deste objetivo e o bem maior a ser
alcançado seria o desenvolvimento, que se obteria via planejamento econômico.” (Cf. HAFFNER,2002, p.19 e
21).
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Então, através das políticas desenvolvimentistas, que culminaram na criação da
SUDENE, sob a inspiração teórica e direção administrativa de Celso Furtado, fruto das ideias
cepalinas, onde se buscava uma maior autonomia nacional condicionada ao incremento da
economia interna, foi que ocorreram incentivos maciços ao desenvolvimento do transporte
rodoviário, principalmente no sertão norte-mineiro, em detrimento do transporte ferroviário,
sob o escopo de ser aquele primeiro que traria maior desenvolvimento (econômico) a estas
regiões sertanejas até então “esquecidas”, interligando-as, de uma vez por todas, ao restante do
país, através da construção e pavimentação das estradas de acesso, que até então, final da
década de 1960, eram precárias, conforme entendimento do historiador Laurindo Pereira
(2007) a seguir:
Alguns fatos marcaram o ano de 1965, transformando-o, talvez, no marco cronológico do início efetivo da Era SUDENE no Norte de Minas. O mais
significativo foi a realização, no mês de fevereiro, da Reunião do Conselho
Deliberativo da SUDENE em Montes Claros. A reunião contou com a participação dos prefeitos da região, do Governador de Minas, José
Magalhães Pinto, seis governadores de Estados nordestinos e do
Vice-Presidente da República, José Maria Alkimin (PEREIRA, 2007, p.52).
Em função da política desenvolvimentista, com ênfase no crescimento econômico do
Brasil a qualquer custo, que amadureceu durante o período militar, denominado de “milagre
econômico brasileiro”, é que foram feitos os maiores investimentos para a ascendência da
indústria nacional e da infraestrutura rodoviária do país, com destaque para a grande aplicação
de capital na indústria automobilística e para a criação, expansão e pavimentação das estradas
de rolagem em todo país, sob o escopo da necessidade de se interligar e conectar todas as
regiões, o que levou ao enorme crescimento do transporte rodoviário em detrimento dos outros
modais.
Assim, na fase do chamado “milagre brasileiro”, nas décadas de 1960 e 1970, no auge
do regime militar, período em que o Brasil experimentou altas taxas de crescimento às custas de
forte endividamento interno e externo, com o favorecimento de empresas privadas e
multinacionais, a construção e asfaltamento de novas rodovias alcançaram o seu ápice enquanto
símbolo de desenvolvimento, cruciais para a expansão e consolidação industrial,
principalmente em regiões como o norte de Minas Gerais, com a cidade-polo Montes Claros
sendo considerada pelos organismos oficiais como principal referência geográfica do “segundo
grande entroncamento rodoviário do país” (SUDENE, 1982).
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Assim, o período de maior crescimento industrial (1950 – 1975)
caracterizou-se por uma ampliação da infra-estrutura rodoviária, tendo em
vista seu menor custo de construção por quilometro, os menores prazos de manutenção e retornos dos investimentos e a sua maior adequação ao
atendimento dos fluxos de mercadorias territorialmente dispersos (BARAT,
1991, p. 91).
Vale destacar que, inspirado pelo “boom” do milagre brasileiro, os ares do progresso
chegam à região norte-mineira que, em 1972, foi beneficiada com a inauguração da
pavimentação asfáltica entre as cidades de Montes Claros e Corinto, que interligou a região à
capital mineira, Belo Horizonte, através da BR-040, o que fez predominar o modal rodoviário
em detrimento do ferroviário que teve o transporte de pessoas desativado no ano de 1996, e, que
atualmente (2015), só efetua, de modo rarefeito, o transporte cargas.
Desta forma, além do incremento na infraestrutura rodoviária, o auge da expansão
industrial no Norte de Minas Gerais também acontece na década de 1970, mais especificamente
no ano de 1975. Atraídas pelos incentivos fiscais e creditícios ofertados pela SUDENE, muitas
indústrias foram abertas no distrito industrial de Montes Claros, onde se concentrou a maior
parte dos projetos industriais, pela localização da cidade e pelo fácil acesso às principais
capitais brasileiras. A cidade, então, diante deste cenário econômico, se consolida como polo
econômico de toda região norte mineira, concentrando aqui, em exclusividade, serviços úteis
para população regional.
3. RESULTADOS ALCANÇADOS
De acordo com o quadro 01 fica clara a retração das ferrovias, decorrente da falta de
incentivo financeiro público e privado para a manutenção e expansão deste modal, sendo este
último dado demonstrado pelo quadro 02. Enquanto que, o modal rodoviário, com a
implementação de novas rodovias e injeção de investimentos no setor, evoluiu gradativamente
no decorrer da segunda metade do século XX, o modal ferroviário, ao contrários, se estagna e
até retrai.
Quadro 1 - Extensão da rede ferroviária e rodoviária nacional anual de 1950 - 2000
ANO FERROVIA (km) ESTRADA (Km)
1950 36.681 302.147
1960 38.287 476.938
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1970 31.848 1.039.779
1980 29.659 1.382.890
1990 30.129 1.495.192
2000 29.060 1.579.129 Fonte: IPEADATA. Disponível em: <www.ipeadata.gov.br>. Acesso em 26/11/2015
Quadro 2 – Investimentos realizados no transporte ferroviário em R$ (mil) – 1956 - 2000
ANOS VALORES R$ (MIL)
1956 4,7850
1960 5,0559
1970 2,4310
1980 1,7408
1990 18
2000 665.043 Fonte: IPEADATA. Disponível em: <www.ipeadata.gov.br>. Acesso em 26/11/2015
Já o quadro 03, representa o aumento gradativo do número de estradas abertas, a partir
da segunda metade do século XX em todo país.
Entretanto, vale destacar que antes do boom do “milagre brasileiro”, até as décadas de
1960 e 1970, as estradas existentes no país, em sua grande maioria, eram sem pavimento, ou
seja, as rodovias representavam uma quantidade irrisória de quilômetros, levando-se em conta a
extensão do território nacional.
Quadro 3 - Extensão da rede rodoviária nacional de 1955 - 2000
ANOS PAVIMENTADA
(Km)
NÃO
PAVIMENTADA
(Km)
TOTAL (Km)
1955 3.133 456.581 459.714
1960 13.357 463.581 476.938
1970 49.263 990.516 1.039.779
1980 79.422 1.280.578 1.360.000
1990 139.415 1.355.777 1.465.192
2000 164.997 1.414.132 1.579.129 Fonte: IPEADATA. Disponível em: <www.ipeadata.gov.br>. Acesso em 26/11/2015
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (2011) mostram que,
desde 1960 até a atualidade, o setor rodoviário responde por aproximadamente 60% do total de
cargas transportadas no país. Excluindo-se o transporte de minério de ferro, que é feito
predominantemente por ferrovia, as rodovias respondem por mais de 70% dos bens
movimentados.
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Os números apresentados pelo quadro 04 demonstram os efeitos da politica
desenvolvimentista que se pautou pelo melhoramento e crescimento do setor rodoviário em
detrimento dos outros setores. É crescente, no decorrer das décadas de 1953 até 1983, o número
de passageiros que foram transportados através das rodovias em detrimento dos outros modais.
Quadro 4 – Passageiros transportados, por tipo de transporte. Números relativos (%)– 1953-1983
ANOS RODOVIÁRIO FERROVIÁRIO AÉREO HIDROVIÁRIO
1953 65,6 27,9 6,4 0,1
1963 80,5 15,5 3,9 0,1
1973 95,0 2,7 2,3 0,0
1983 95,0 2,8 2,2 ------- Fonte: Estatísticas históricas do Brasil: séries econômicas, demográficas e sociais de 1550 a 1988. 2.ed. rev. e
atual. do v.3 de Séries estatísticas retrospectivas. Rio de Janeiro: IBGE, 1990
Não se pode negar que, a conexão entre as várias regiões do país e do Estado de Minas
Gerais ocasionada pela abertura e pavimentação de estradas, fez melhorar o fluxo comercial, a
troca de mercadoras e de pessoas entre as mais diversas localidades, e, induziu, também, o
crescimento da população nas cidades. Segundo o livro de estatísticas do século XX do IBGE
(2006), a parcela urbana brasileira saltou de 31,2% em 1940 para 67,6% em 1980.
Quadro 5 – População de Montes Claros 1950-1980
1950 % 1960 % 1970 % 1980 %
Rural 30.424 58,09 62.885 59,33 31.332 26,89 25.427 14,34
Suburbana _ _ _ _ _ _ _ _
Urbana 21.943 41,90 43.097 40,66 85.174 73,11 151.881 85,66
Total 52.367 100 105.982 100 116.486 100 177.308 100 Fonte: IBGE – Censo demográfico de 1950 – 1980
Desta forma, conforme o quadro 05, a população urbana da cidade de Montes
Claros, foi aumentando conforme as melhorias na infraestrutura viária iam se efetivando.
Assim, a população urbana da cidade em 1940, que era de 15.316 pessoas, aumentou para
21.943 em 1950 e, em 1960, já era de 43.097 pessoas (PEREIRA, 2002).
CONSIDERAÇÔES FINAIS
Constata-se pelo estudo realizado que nenhum sistema de transporte, por si só, é
autossuficiente e a melhor maneira de transportar pessoas e coisas é utilizar todos os modos de
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transportes de forma integrada, aproveitando as qualidades intrínsecas de cada modelo
existente.
Embora se deve destacar que, a inauguração da pavimentação asfáltica entre as
cidades de Montes Claros e Corinto, que foram interligadas com a BR-040, já na década de
1970, otimizou o intercambio dos norte-mineiros com a capital, encurtando, assim, as
distâncias de um local a outro. As viagens de Montes Claros a Belo Horizonte passaram a ser
realizadas, em média, pelo transporte coletivo (ônibus de passageiros), com sete (7) horas de
duração, diminuindo pela metade o tempo da viagem antes realizada através do trem de ferro
(que era de 14 horas).
Assim, observou-se que no caso específico do Norte de Minas Gerais, verifica-se que,
embora os custos de manutenção do modal rodoviário sejam significativos, a incapacidade da
rede ferroviária em atender as necessidades de circulação/escoamento de mercadorias e pessoas
na região, dado à sua grande extensão territorial, este modelo chegou (décadas de 1970 e 1980)
como “solução” para os problemas de transporte, e/ou como a opção mais adequada para
atender e interligar toda a região.
Considerando que a região não conta com abundância de rios navegáveis para o
transporte de cargas e nem infraestrutura em aeroportos, sendo este último de custo
incompatível para a economia financeira desta região, o modal rodoviário acabou despontando
como a opção mais viável.
Não se pode negar, conforme os resultados apresentados, que a opção do Brasil, a
partir da década de 1950, foi pelo investimento e crescimento (apenas) do sistema rodoviário
em detrimento dos outros modais, o que gerou bons frutos para a região norte mineira quando
esta, com o advento da pavimentação asfáltica rodoviária, principalmente na década de 1970 e
1980, se interligou de forma efetiva com o país, atraiu investimentos e transformou Montes
Claros no segundo entroncamento rodoviário do Brasil e polo econômico da região.
É preciso considerar, ainda neste contexto, que o fato do transporte ferroviário ser um
meio mais atrativo para a condução de grandes quantidades de produtos, o transporte rodoviário
se tornou opção mais sugestiva para o escoamento das mercadorias produzidas de pequeno e
médio porte nas regiões norte e nordeste do estado, por permitir o acesso à regiões distantes,
onde os trilhos não chegavam.
O processo de desenvolvimento proposto pela ferrovia no Norte do Estado de Minas
Gerais não foi homogêneo em todos os povoados por onde passou, de modo que em alguns
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lugares a construção dos trilhos e a chegada das locomotivas se tornaram apenas local de
passagem, o que não proporcionou uma efetiva integração da região.
Entretanto, o sistema rodoviário brasileiro, que teve seu auge na década de 1970
(período do “milagre econômico”), encontra-se, atualmente (2015), saturado (quando utilizado
de forma isolada, sem a interconexão com outros modais), apesar de ainda inflamar discursos
políticos que associam o progresso ao asfalto.
Diante das inovações tecnológicas (internet, celular, carros mais potentes, trens bala,
etc..) cresce a necessidade, cada vez maior, pela otimização da velocidade, da economia (tempo
e dinheiro) além da preservação do meio ambiente e, é, por isso, que se torna necessária a
interconexão entre os diversos modais, já que o transporte rodoviário sozinho não consegue
satisfazer esse conjunto de imperativos.
Assim, no caso do Norte de Minas Gerais, apesar dos investimentos voltados apenas
ao modal rodoviário ter rendido bons frutos para região, principalmente nas décadas de 1970 e
1980, a restruturação e modernização, principalmente, do sistema ferroviário, seria primordial
para interligar os modais e, assim, otimizar os fluxos de mercadorias e pessoas.
Desta forma, apesar dos investimentos realizados no transporte rodoviário, verifica-se
que as carências vão além da abertura e pavimentação de estradas ou rodovias e/ou expansão da
rede ferroviária, torna-se necessário e urgente investimentos na integração dos transportes
(ferroviário, rodoviário, hidroviário, aéreo) com o fim de se melhorar o ir e vir da população e a
distribuição da produção com a consequente dinamização da economia, nacional e regional.
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