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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE DESENHO INDUSTRIAL CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM ARTES GRÁFICAS CHRISTOPHER HAMMERSCHMIDT TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO CURITIBA 2010 DESENVOLVIMENTO DE FAMÍLIA TIPOGRÁFICA DIGITAL PARA APLICAÇÃO EM TÍTULOS E TEXTOS

Desenvolvimento de família tipográfica digital para aplicação em títulos e textos

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Este trabalho apresenta o projeto que resultou na criação da família de fontes digitais Myosotis. O objetivo da atividade consistiu em desenvolver uma família tipográfica que oferecesse os estilos básicos regular, itálico e bold (negrito), para a composição de textos extensos e títulos, tendo em vista a aplicação em projetos gráficos de livros e materiais publicitários, como folders e flyers. Para divulgar o resultado do trabalho, projetou-se também o type specimen referente à família Myosotis, em que se apresentam as características principais das fontes desenvolvidas, além de exemplos de aplicação de tais produtos. Este documento contempla a pesquisa teórica que embasou a atividade, bem como a descrição do processo de design das fontes e a apresentação dos resultados obtidos.

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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁDEPARTAMENTO ACADÊMICO DE DESENHO INDUSTRIALCURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM ARTES GRÁFICAS

CHRISTOPHER HAMMERSCHMIDT

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

CURITIBA2010

DESENVOLVIMENTO DE FAMÍLIA TIPOGRÁFICA DIGITALPARA APLICAÇÃO EM TÍTULOS E TEXTOS

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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁCAMPUS CURITIBA

DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE DESENHO INDUSTRIALCURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM ARTES GRÁFICAS

CHRISTOPHER HAMMERSCHMIDT

DESENVOLVIMENTO DE FAMÍLIA TIPOGRÁFICA DIGITAL PARA APLICAÇÃO EM TÍTULOS E TEXTOS

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

CURITIBA2010

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CHRISTOPHER HAMMERSCHMIDT

DESENVOLVIMENTO DE FAMÍLIA TIPOGRÁFICA DIGITAL PARA APLICAÇÃO EM TÍTULOS E TEXTOS

Trabalho de Conclusão de Curso de graduação

apresentado à disciplina de Trabalho de Diplomação

do Curso Superior de Tecnologia em Artes Gráficas

do Departamento Acadêmico de Desenho Industrial

– DADIN – da Universidade Tecnológica Federal do

Paraná, como requisito parcial para obtenção do

título de Tecnólogo.

Orientador: Prof. Dr. Antonio Martiniano Fontoura

CURITIBA2010

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TERMO DE APROVAÇÃO

CHRISTOPHER HAMMERSCHMIDT

“DESENVOLVIMENTO DE FAMÍLIA TIPOGRÁFICA DIGITAL PARA APLICAÇÃO EM TÍTULOS E TEXTOS”

Trabalho de graduação apresentado como requisito parcial para a disciplina de Trabalho de Diplomação do Curso Superior de Tecnologia em Artes Gráficas do Departamento de Desenho Industrial da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Antonio Martiniano Fontoura Departamento de Desenho Industrial, UTFPR

Banca examinadora: Prof. Antonio Martiniano Fontoura Departamento de Desenho Industrial, UTFPR

Profa. Ana Lúcia Santos Verdasca Guimarães Departamento de Desenho Industrial, UTFPR

Prof. Marcos Varassin Arantes Departamento de Desenho Industrial, UTFPR

Prof. Manoel Alexandre Schroeder Departamento de Desenho Industrial, UTFPR

Curitiba, 02 de dezembro de 2010.

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Dedico este trabalho a todos aqueles que se interessam pela arte do desenho das letras e sua aplicação.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço ao Prof. Dr. Antonio Martiniano Fontoura, por ter acreditado na realização deste projeto e pela valiosa orientação ao longo do período em que este trabalho se desenvolveu.

Gostaria de expressar minha gratidão, ainda, às professoras Alessandra Torres Bittencourt, por me fornecer as primeiras noções acerca do design de tipos, e Ana Lúcia Verdasca, pela paciência e pela ajuda com questionamentos e dúvidas nestes últimos anos. Agradeço a ambas pela visão crítica e por suas palavras de incentivo durante o desenvolvimento deste projeto.

À professora Daniela Fernanda Ferreira da Silva, agradeço por seus conselhos e suas orientações, desde o estágio supervisionado.

Aos demais professores, colegas e amigos do curso de Artes Gráficas da UTFPR, obrigado pela companhia, pelo apoio e pelos bons momentos vivenciados desde a entrada no curso superior até sua conclusão.

Por fim, um agradecimento muito especial à minha família, em especial aos meus pais, pela compreensão e pelo apoio, além de todo o suporte oferecido.

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The shapes of letters do not derive their beauty from any sensual or sentimental reminiscences. No one can say that the O’s roundness appeals to us only because it is like that of an apple or of a girl’s breast or of the full moon. Letters are things, not pictures of things. (GILL, Eric, 1940)

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RESUMO

HAMMERSCHMIDT, Christopher. Desenvolvimento de família tipográfica digital para aplicação em títulos e textos. 2010. 148 f. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Tecnologia em Artes Gráficas, Universidade Tencológica Federal do Paraná. Curitiba, 2010.

Este trabalho apresenta o projeto que resultou na criação da família de fontes digitais Myosotis. O objetivo da atividade consistiu em desenvolver uma família tipográfica que oferecesse os estilos básicos regular, itálico e bold (negrito), para a composição de textos extensos e títulos, tendo em vista a aplicação em projetos gráficos de livros e materiais publicitários, como folders e flyers. Para divulgar o resultado do trabalho, projetou-se também o type specimen referente à família Myosotis, em que se apresentam as características principais das fontes desenvolvidas, além de exemplos de aplicação de tais produtos. Este documento contempla a pesquisa teórica que embasou a atividade, bem como a descrição do processo de design das fontes e a apresentação dos resultados obtidos.

Palavras-chave: Tipografia. Design de tipos. Fontes tipográficas. Projeto tipográfico.

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ABSTRACT

HAMMERSCHMIDT, Christopher. Development of a digital type family for application in texts and captions. 2010. 148 f. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Tecnologia em Artes Gráficas, Universidade Tencológica Federal do Paraná. Curitiba, 2010.

This work presents the project that resulted in the creation of the digital type family Myosotis. The aim of this activity consisted on the development of a type family that could offer the basic styles regular, italic and bold, to the composition of long texts and captions, bearing in mind the application of these fonts in graphic projects for books and advertising materials, such as folders and flyers. To promote the result of this work it was also necessary to design the type specimen for Myosotis type family, on which are presented the main characteristics of the typefaces designed, beyond examples of application of such products. This document includes the theoretical research that based the activity, as well as the description of the design process for the typefaces and the presentation of the obtained results.

Keywords: Typography. Typeface design. Typographic project. Digital fonts.

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LISTA DE SIGLAS

DTP Desktop PublishingGX Graphic ExtensionOT OpenTypeOTF OpenType FontPC Personal ComputerPS PostScriptPS-1 PostScript Type 1T-1 Type 1TT TrueTypeTTO TrueType OpenUPM Units Per eMUTFPR Universidade Tecnológica Federal do Paraná

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Linhas estruturais do grid de uma fonte tipográfica 30Figura 2 – Arquétipos modernos das formas romanas 31Figura 3 – Elementos de anatomia dos tipos 33Figura 4 – Tipos de serifas 35Figura 5 – Comparações entre formas redondas, quadradas e triangulares 36Figura 6 – Compensações para balanceamento de traços horizontais e verticais 37Figura 7 – Ilusão de quebra entre traços oblíquos 38Figura 8 – Compensações de espessura em traços curvos 38Figura 9 – Correções em área de junção apertada 39Figura 10 – Correções na transição entre linhas retas e curvas 40Figura 11 – Serifas assimétricas 40Figura 12 – Espacejamento de entreletra 41Figura 13 – Espaços entre formas genéricas 42Figura 14 – Univers, de Adrian Frutiger 44Figura 15 – Matrizes diferentes do mesmo caractere foram utilizadas na Bíblia

de 42 linhas publicada por Gutenberg 51Figura 16 – Tipo romano gravado em 1469, por Nicolas Jenson 53Figura 17 – Itálica de Griffo, redesenhada por Francisco Lucas 53Figura 18 – Tipos impressos por Claude Garamond, extraídos da edição francesa

do livro Hypnerotomachia Poliphili, de 1546 54Figura 19 – Tipos impressos por Cristofell van Dijck, extraídos de um livro

publicado em 1689 54Figura 20 – A specimen, mostruário de fontes da fundição de William Caslon, 1728 56Figura 21 – Tipos gravados por John Baskerville, 1758 57Figura 22 – Página de livro impressa por Firmin Didot, 1801 57Figura 23 – Cartaz tipográfico de 1875 58Figura 24 – Primeiro tipo sem serifas, de William Caslon IV 59Figura 25 – Fonte Bell Centennial, projetada por Matthew Carter em 1978 62Figura 26 – Problemas técnicos do processo fotomecânico relacionados aos

efeitos de infrailuminação e sobreiluminação 63Figura 27 – Métodos para descrição de caracteres em meios digitais 65Figura 28 – Comparação entre curvas de uma fonte PS e de sua equivalente TT 66Figura 29 – Derivação de arquétipos das letras caixas-altas do alfabeto latino 73Figura 30 – Derivação de arquétipos das letras caixas-baixas do alfabeto latino 74Figura 31 – Derivação de arquétipos para algarismos 74Figura 32 – Método de Walter Tracy para espacejamento das caixas-altas 76

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Figura 33 – Método de Walter Tracy para espacejamento das caixas-baixas 77Figura 34 – Face de tipos Caecilia, de Peter Matthias Noordzij 80Figura 35 – Face de tipos Chaparral, de Carol Twombly 81Figura 36 – Face de tipos Joanna, de Eric Gill 81Figura 37 – Face de tipos Minion, de Robert Slimbach 81Figura 38 – Face de tipos Fairplex, de Zuzana Licko 82Figura 39 – Paleta de glifos definida para o projeto 84Figura 40 – Malha quadriculada definida a partir da estrutura do tipo 87Figura 41 – Construção das primeiras letras da fonte regular 87Figura 42 – Padrão de serifas da fonte regular 88Figura 43 – Comparação entre os desenhos das letras C, G, O e Q 88Figura 44 – Características de desenho dos glifos H, N, M, U 89Figura 45 – Características de desenho dos glifos B, R, P, E, F 89Figura 46 – Características de desenho dos glifos V, A, Y, W, X, Z, K 90Figura 47 – Compensação na zona de interseção dos traços oblíquos da letra X 90Figura 48 – Esquema para construção geométrica da estrutura da letra S 91Figura 49 – Solução desenvolvida para o desenho da letra S 91Figura 50 – Características de desenho dos glifos o, c, e 92Figura 51 – Características de desenho dos glifos n, h, m, u, r 93Figura 52 – Características de desenho dos glifos l, i, j, f, t 93Figura 53 – Características de desenho dos glifos p, b, q, d 94Figura 54 – Desenho do glifo a 94Figura 55 – Desenho da letra s 95Figura 56 – Desenho do glifo g 95Figura 57 – Características de desenho dos glifos v, w, y, x, z, k 96Figura 58 – Conjunto de algarismos desalinhados proporcionais 97Figura 59 – Primeiros diacríticos desenvolvidos 97Figura 60 – Símbolos básicos de pontuação desenvolvidos 98Figura 61 – Demais símbolos desenhados em Adobe Illustrator 98Figura 62 – Símbolos matemáticos da fonte regular 99Figura 63 – Ligaturas lexicais desenhadas em FontLab Studio 99Figura 64 – Ligaturas tipográficas desenhadas em FontLab Studio 99Figura 65 – Colunas compostas a partir de texto gerado automaticamente em

Adobe InDesign 100Figura 66 – Exemplo de texto gerado pela ferramenta Adhesiontext 101Figura 67 – Colunas compostas a partir de textos de Machado de Assis 101Figura 68 – Conjunto de algarismos alinhados proporcionais 102Figura 69 – Comparações entre algarismos proporcionais e tabulares 103Figura 70 – Conjuntos de símbolos monetários 103

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Figura 71 – Teste para avaliação de detalhes de desenho dos glifos - Folha 1 104Figura 72 – Teste para avaliação de detalhes de desenho dos glifos - Folha 2 105Figura 73 – Teste para avaliação de detalhes de desenho dos glifos - Folha 3 106Figura 74 – Comparações durante o espacejamento da fonte regular 107Figura 75 – Padrão de serifas da fonte itálica 109Figura 76 – Comparação entre o desenho final dos caracteres itálicos e seus

correspondentes na fonte regular submetidos a distorções de largura e inclinação 110

Figura 77 – Características dos glifos n, m, r, u, l, i, j, f, t da fonte itálica 111Figura 78 – Características dos glifos o, c, e da fonte itálica 111Figura 79 – Características dos glifos p, b, d, q, a, g, s da fonte itálica 111Figura 80 – Características dos glifos v, w, y, x, k, z da fonte itálica 112Figura 81 – Conjunto de versais da fonte itálica 113Figura 82 – Características de desenho dos glifos J e M 113Figura 83 – Conjunto de algarismos desalinhados proporcionais da fonte itálica 113Figura 84 – Primeiro teste para avaliação de detalhes de desenho dos glifos

básicos da fonte itálica 114Figura 85 – Comparação entre o caractere ampersand da fonte itálica e seu

correspondente na fonte regular 115Figura 86 – Segundo teste para avaliação de detalhes de desenho dos glifos

da fonte itálica - Folha 1 115Figura 87 – Segundo teste para avaliação de detalhes de desenho dos glifos

da fonte itálica - Folha 2 116Figura 88 – Teste para avaliação do comportamento das fontes regular e

itálica juntas 117Figura 89 – Comparações entre os pesos regular e bold nas 5 fontes definidas

como referências para o projeto 119Figura 90 – Comparação entre as serifas das fontes bold e regular 120Figura 91 – Características dos glifos o, c, e da fonte bold 120Figura 92 – Características dos glifos u, n, h, m da fonte bold 120Figura 93 – Características dos glifos b, p, d, q da fonte bold 121Figura 94 – Características dos glifos z, x, v, w, y, k da fonte bold 121Figura 95 – Parâmetros específicos para o desenho da letra s caixa-baixa

da fonte bold 122Figura 96 – Etapas do desenvolvimento da letra g caixa-baixa da fonte bold 122Figura 97 – Características do processo de desenho da letra a caixa-baixa

da fonte bold 123Figura 98 – Características dos glifos O, Q, C, G da fonte bold 123Figura 99 – Características dos glifos H, I, U, J, L, T, N, M da fonte bold 124

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Figura 100 – Características dos glifos P, B, R, E, F, D da fonte bold 124 Figura 101 – Características dos glifos V, A, Y, W, X, K, Z da fonte bold 124Figura 102 – Desenho da letra s bold 124Figura 103 – Primeira prova de impressão para conferir detalhes dos glifos

da fonte bold 125Figura 104 – Segunda prova para verificação de detalhes de desenho da

fonte bold - Folha 1 126Figura 105 – Segunda prova para verificação de detalhes de desenho da

fonte bold - Folha 2 127Figura 106 – Segunda prova para verificação de detalhes de desenho da

fonte bold - Folha 3 128Figura 107 – Blocos de texto impressos utilizando a fonte bold 129Figura 108 – Teste para avaliar os símbolos da fonte bold 130Figura 109 – Teste para julgar a fonte bold composta juntamente com os estilos

regular e itálico 131Figura 110 – Resultado final obtido para a fonte Myosotis regular 133Figura 111 – Resultado final obtido para a fonte Myosotis italic 134Figura 112 – Resultado final obtido para a fonte Myosotis bold 135Figura 113 – Diagrama esquemático para definição do layout das páginas no

specimen da família Myosotis 137Figura 114 – Grid para diagramação do specimen da família Myosotis 138Figura 115 – Paleta de cores do specimen da família Myosotis 138Figura 116 – Diagramação final do specimen da família Myosotis: capa e

quarta capa 139Figura 117 – Diagramação final do specimen da família Myosotis: p. 2-3 139Figura 118 – Diagramação final do specimen da família Myosotis: p. 4-5 140Figura 119 – Diagramação final do specimen da família Myosotis: p. 6-7 140Figura 120 – Diagramação final do specimen da família Myosotis: p. 8-9 141Figura 121 – Diagramação final do specimen da família Myosotis: p. 10-11 141Figura 122 – Diagramação final do specimen da família Myosotis: p. 12-13 142Figura 123 – Diagramação final do specimen da família Myosotis: p. 14-15 142

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 231.1 JUSTIFICATIVA 241.2 OBJETIVOS 241.2.1 Objetivo geral 241.2.2 Objetivos específicos 251.3 ESTRUTURA DO TRABALHO 252 TIPOGRAFIA: DEFINIÇÕES E CONCEITOS BÁSICOS 272.1 TIPOGRAFIA E DESIGN DE TIPOS 272.2 TIPO E FONTE TIPOGRÁFICA 282.3 GLIFOS E CARACTERES 282.4 ESTRUTURA E ANATOMIA DOS TIPOS 292.4.1 Linhas estruturais: o grid do tipo 292.4.2 Estrutura fundamental 302.4.3 Anatomia tipográfica 332.5 COMPENSAÇÕES E AJUSTES ÓPTICOS 362.5.1 Vértices e formas redondas 362.5.2 Traços verticais e horizontais 362.5.3 Traços diagonais 372.5.4 Traços curvos 382.5.5 Centro óptico e estrutura dos tipos 382.5.6 Junções apertadas 392.5.7 Transição entre linhas retas e curvas 392.5.8 Serifas estendidas 402.6 ENTRELETRA 412.7 KERNING 432.8 HINTING 432.9 ESTILOS 432.10 FAMÍLIAS TIPOGRÁFICAS 452.11 CARACTERÍSTICAS DAS FONTES PARA TEXTOS 452.12 LEGIBILIDADE E LEITURABILIDADE 463 EVOLUÇÃO DA LETRA IMPRESSA NA SOCIEDADE OCIDENTAL 493.1 DOS TIPOS MÓVEIS AOS MÉTODOS DE COMPOSIÇÃO A QUENTE 493.2 OS MÉTODOS FOTOGRÁFICOS E A TIPOGRAFIA BIDIMENSIONAL 603.3 TECNOLOGIAS DIGITAIS: A ANTIMATÉRIA TIPOGRÁFICA 634 NOTAS PARA UMA METODOLOGIA DO DESIGN DE TIPOS 694.1 PESQUISA E REFERÊNCIAS 69

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4.2 PRIMEIRAS DECISÕES 694.3 ESCOLHA DAS FERRAMENTAS 704.3.1 Instrumentos para desenho de tipos 704.3.2 Programas de edição de fontes 714.4 MÉTODO PARA DESENHO DE CARACTERES 724.5 MÉTODOS DE ESPACEJAMENTO 754.5.1 Método de Walter Tracy 754.5.2 Método de Miguel Sousa 774.6 AJUSTES DE KERNING 785 DESENVOLVIMENTO DA FAMÍLIA TIPOGRÁFICA 805.1 REFERÊNCIAS GRÁFICAS 805.2 REQUISITOS DE PROJETO 825.3 DEFINIÇÃO DA PALETA DE GLIFOS 835.4 DETERMINAÇÃO DAS LINHAS ESTRUTURAIS 855.5 DESENVOLVIMENTO DA FONTE REGULAR 855.5.1 Desenho dos glifos básicos 865.5.2 Complementos e edição da fonte digital 985.5.3 Testes, alterações nos desenhos e conclusão da paleta de glifos 1005.5.4 Espacejamento e ajustes de pares de kerning 1075.6 DESENVOLVIMENTO DA FONTE ITÁLICA 1085.6.1 Desenho dos glifos básicos 1085.6.2 Testes, alterações nos desenhos e conclusão da paleta de glifos 1135.6.3 Espacejamento e ajustes de pares de kerning 1165.7 DESENVOLVIMENTO DA FONTE BOLD 1185.7.1 Definições básicas 1185.7.2 Desenho dos primeiros glifos 1195.7.3 Testes, alterações nos desenhos e conclusão da paleta de glifos 1255.7.4 Espacejamento e ajustes de pares de kerning 1315.8 APRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA MYOSOTIS 1325.9 PROJETO GRÁFICO DO SPECIMEN 1366 CONCLUSÃO 143REFERÊNCIAS 145ANEXO – LISTA DE PARES QUE COMUMENTE EXIGEM AJUSTES DE KERNING 148

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INTRODUÇÃO1

A tipografia consiste num código gráfico que revela grande riqueza e alta complexidade. Uma das características mais marcantes da linguagem tipográfica reside no forte caráter funcional que lhe é próprio: mais que uma forma de auto-expressão ou manifestação estética, os atributos gráficos da tipografia têm por objetivo representar e fortalecer visualmente o conteúdo de uma determinada mensagem. “A tipografia existe para honrar seu conteúdo” (BRINGHURST, 2005, p. 23). Entretanto, além de transmitir ideias, a prática tipográfica apresenta a finalidade de conservar um discurso e uma linguagem. Atente-se para o poder que a tipografia possui ao conectar pessoas de diferentes lugares e até períodos históricos, sem que tais indivíduos precisem conhecer um ao outro ou estabelecer contato presencial (BRINGHURST, 2000). Dessa forma, pode-se concluir que a tarefa dos profissionais que criam fontes e famílias tipográficas, bem como dos encarregados de aplicá-las na composição de textos, implica uma grande responsabilidade.

Os sucessivos avanços técnicos e tecnológicos que a civilização ocidental experimentou desde o século XV impactaram de forma intensa o ofício da tipografia. Inicialmente marcadas por uma forte materialidade, característica dos tipos móveis, as técnicas de composição tipográfica sofreram, ao longo do tempo, intensas mudanças, acompanhadas pelo desenvolvimento de novos processos de impressão. O emprego de métodos fotográficos a partir de meados do século XX e, posteriormente, de computadores e técnicas digitais, teve como um dos principais legados algo que se pode definir como uma espécie de desmaterialização dos tipos. Ao se comparar a tipografia digital à tradicional atividade desenvolvida com os tipos móveis, percebe-se que, agora, os tipos parecem constituir imagens ao invés de objetos físicos (GAUDÊNCIO JÚNIOR, 2004).

Cabe ressaltar ainda que o desenvolvimento da informática e sua aplicação à atividade tipográfica não apenas trouxe essa redefinição de materialidade, mas, como efeito ainda mais notável, permitiu o acesso de um número cada vez maior de pessoas às técnicas de criação e manipulação de tipos. Em suma, a tipografia deixou de se vincular exclusivamente ao profissional capacitado para essa tarefa e se tornou acessível a qualquer pessoa capaz de utilizar um computador (GAUDÊNCIO JÚNIOR, 2004).

Uma prática relacionada ao âmbito tipográfico que sofreu intensas mudanças e um interessante crescimento com a informatização consiste no design de tipos – em inglês, type design ou typeface design. Fundamental para a composição de mensagens diversas, uma vez que provê a matéria-prima da linguagem escrita, tal atividade se viu fortemente impulsionada pelo uso das ferramentas digitais (GAUDÊNCIO JÚNIOR, 2004; LUPTON, 2006). Estas tornaram relativamente simples o processo de conversão

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de um conjunto de desenhos em uma fonte tipográfica. No entanto, as dificuldades envolvidas no processo de desenvolvimento de uma fonte ou família de tipos ainda se mostram diversas. Dependendo do uso a que se destina uma determinada fonte, tais fatores podem variar muito. Quando se trata de tipos voltados à composição de textos extensos, por exemplo, preocupações referentes a legibilidade e leiturabilidade permanecem como pontos centrais do design de tipos há séculos (FONTOURA, 2004).

Ao se analisar a cena tipográfica brasileira, constata-se um importante crescimento na atividade de design de fontes tipográficas. Entretanto, apesar dos esforços significativos por parte de designers brasileiros nessa área específica, não se pode considerar esgotado tal campo profissional, sendo que ele ainda pode render importantes e valiosas contribuições para o desenvolvimento da cultura tipográfica brasileira. O projeto de fontes para aplicação em textos longos – como os miolos de livros, com manchas tipográficas densas – constitui uma tendência relevante entre os designers de tipos brasileiros, embora as fontes display – para aplicação em tamanhos maiores – tenham raízes mais profundas na produção de faces tipográficas em nosso país.

JUSTIFICATIVA1.1

A falta de disciplinas específicas para abordar questões inerentes à tipografia no curso superior de Tecnologia em Artes Gráficas da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) torna a abordagem de tais conteúdos muitas vezes superficial e imprópria. O caso do design de tipos aparece como um ponto particularmente delicado: por se tratar de um ofício que exige altos níveis de especialização, trabalhos que busquem maior aprofundamento na área se mostram muito úteis, de modo a desenvolver o interesse despertado durante as aulas.

Não se pode considerar o estabelecimento de uma cultura tipográfica no país sem que se contemple o design de tipos. Como forma de complementar a formação universitária e buscar oferecer uma pesquisa capaz de contribuir para o desenvolvimento de tal atividade no Brasil, este trabalho se apresenta como um instrumento de grande interesse, tanto pessoal quanto coletivo.

OBJETIVOS1.2

Objetivo geral 1.2.1

O objetivo geral deste trabalho consiste em desenvolver uma família tipográfica com fontes em estilo regular, itálico e bold (negrito), considerando-se o desenho

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harmonioso e consistente dos caracteres, bem como o refinamento das formas para composição tanto de textos extensos como de títulos (blocos curtos de informação textual) em suportes impressos.

Objetivos específicos 1.2.2

Os objetivos específicos que permitirão o cumprimento do objetivo geral incluem os seguintes pontos:

identificar os princípios gerais do design de tipos;a) pesquisar a existência e a aplicabilidade de procedimentos metodológicos b) organizados para o design de uma fonte tipográfica voltada à composição de textos e títulos;definir um conjunto de caracteres a se desenvolver, considerando a possível c) aplicação das fontes à composição de textos em outras línguas modernas além do português;investigar precisamente o conceito de família tipográfica, de modo a distinguir d) as semelhanças e as diferenças entre fontes de uma mesma família; conhecer os aspectos técnicos relativos à produção de fontes tipográficas, e) tais como os programas de computador, os métodos de espacejamento de caracteres, as correções de pares de kerning, os ajustes de hinting e os formatos de arquivos finais mais apropriados;estabelecer critérios que permitam avaliar a legibilidade e a leiturabilidade f) das fontes desenvolvidas, seus atributos funcionais e estéticos;projetar o g) specimen para divulgação da família, baseado em exemplares deste tipo de material distribuídos por fundições tipográficas digitais.

ESTRUTURA DO TRABALHO1.3

Este estudo se organiza em seis capítulos. Na Introdução, apresentam-se as considerações iniciais acerca do tema e justifica-se a pertinência do trabalho para a conclusão do curso superior de Tecnologia em Artes Gráficas, além de se definirem os objetivos do trabalho.

O segundo capítulo, denominado Tipografia: definições e conceitos básicos, tem por objetivo fornecer as bases teóricas necessárias para a compreensão do conjunto do trabalho, por meio da definição de termos específicos da área e do estudo de anatomia tipográfica, estrutura dos tipos, compensações ópticas de

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desenho, questões técnicas, características de famílias tipográficas e fontes para textos, finalizando com uma discussão acerca de legibilidade e leiturabilidade.

O terceiro capítulo, intitulado Evolução da letra impressa na sociedade ocidental, apresenta um panorama histórico da atividade de design de tipos, com foco na relação entre desenvolvimento técnico e desenho dos caracteres tipográficos. Assim, busca-se compreender como as mudanças tecnológicas influenciaram o projeto de faces de tipos, da composição por tipos móveis até a tipografia digital.

No quarto capítulo, Notas para uma metodologia do design de tipos, encontram-se apontamentos e referências para estabelecer um procedimento organizado que oriente o projeto de uma fonte tipográfica digital. Neste capítulo, contemplam-se alternativas para o esboço de caracteres, avaliam-se programas para edição de fontes tipográficas e ainda se apresentam métodos para organizar a sequência de desenho de glifos e executar os ajustes de espacejamento e kerning da fonte.

O quinto capítulo, Desenvolvimento da família tipográfica, expõe as etapas do projeto que culminou na produção da família de tipos Myosotis e de seu specimen, desde a definição das linhas estruturais até a apresentação dos resultados.

Por fim, o sexto capítulo se dedica à Conclusão, onde se realiza um apanhado geral do trabalho e se avalia o cumprimento dos objetivos do projeto. Também se analisam alternativas para incrementar futuramente os resultados atingidos e obter, dessa maneira, um produto com padrão de qualidade mais elevado, com o intuito de comercializar as fontes tipográficas.

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TIPOGRAFIA: DEFINIÇÕES E CONCEITOS BÁSICOS2

A tipografia, considerada enquanto área do conhecimento, apresenta uma série de conceitos próprios, além de um vocabulário técnico específico. Definir, portanto, alguns dos termos inerentes a esta área se mostra imprescindível, uma vez que o vocabulário tipográfico permeia as considerações teóricas e práticas desenvolvidas durante este trabalho.

TIPOGRAFIA E DESIGN DE TIPOS2.1

A primeira tarefa importante consiste em definir a palavra tipografia. A este termo, cuja origem etimológica remonta a disseminação da imprensa por tipos móveis na Europa do século XV (FARIAS, 2001, p. 15), podem ser atribuídos significados diversos, como os que se encontram no Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa:

tipografia. [De tipo-! + -grafia.] S. f. 1. Arte que compreende as várias operações conducentes à impressão dos textos, desde a criação dos caracteres à sua composição e impressão, de modo que resulte num produto gráfico ao mesmo tempo adequado, legível e agradável. [Cf. imprensa (2).] 2. Tipologia (2). 3. Art. Graf. Restr. Sistema de imprimir com fôrmas em relevo; impressão tipográfica. [F. red., nessas acepç.: tipo.] 4. Estilo ou arranjo do texto tipográfico. 5. Estabelecimento tipográfico (FERREIRA, 2004, p. 1953).

Percebe-se, nas definições apresentadas, uma estreita ligação com o método de impressão tipográfica. Entretanto, pode-se definir tipografia como uma linguagem visual independente de processos de impressão:

Definiremos, assim, tipografia como o conjunto de práticas subjacentes à criação e utilização de símbolos visíveis relacionados aos caracteres ortográficos (letras) e para-ortográficos (tais como números e sinais de pontuação) para fins de reprodução, independentemente do modo como foram criados (a mão livre, por meios mecânicos) ou reproduzidos (impressos em papel, gravados em um documento digital). (FARIAS, 2001, p. 15)

Esta última definição expõe a tipografia mais propriamente como área do saber humano e, dessa maneira, mostra-se mais adequada aos propósitos deste trabalho.

Outro termo que merece atenção neste primeiro momento é design de tipos, também referido como type design ou ainda typeface design: trata-se do projeto de desenho e produção de faces e fontes tipográficas. Assim, a diferenciação entre tipografia e design de tipos se revela muito importante, já que os termos não são sinônimos: enquanto aquele abrange um campo amplo de estudo e prática, este se refere a uma atividade específica.

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TIPO E FONTE TIPOGRÁFICA2.2

Os termos da língua inglesa typeface e font representam conceitos distintos, cuja elucidação se faz necessária. O primeiro, traduzido como tipo ou face, refere-se ao design de um determinado alfabeto, ou seja, “às suas características técnicas de legibilidade, estéticas e/ou de aplicação” (LOPES, 2008). Já o segundo, que em português se traduz como fonte, tem origem no latim fundere (fundir) e se associa à técnica de confecção de tipos móveis em metal (FONTOURA, 2004, p. 33). Na linguagem tipográfica, a palavra fonte se refere à matriz de reprodução de uma face tipográfica.

Para tornar a diferenciação mais clara, a analogia de Florendo (2008 apud LOPES, 2008) se mostra particularmente adequada: segundo ele, o design de tipos está para o designer assim como a canção está para o compositor. Ela pode ser gravada em vinil, CD, mp3 ou outro tipo de tecnologia, mas a canção permanece essencialmente a mesma. O importante é que a música se ouça. Da mesma forma, uma face tipográfica pode ser gravada em metal, filme fotográfico ou convertida em arquivos digitais.

Conforme ressalta Esteves (2009), a palavra fonte diz respeito à procedência, ao tipo de tecnologia por meio da qual um conjunto de tipos pode ser utilizado:

O termo ‘fonte’ carrega em si muitos significados possíveis, mas me parece que na essência de todos eles está o mesmo – algo que se refere à procedência, àquilo que dá origem a outra coisa. [...] Nos tipos de metal – que existiram desde o século 15 – o termo ‘fonte’ passou a ser utilizado para se referir a um determinado número de pequenas peças em um determinado tamanho. [...] A essência do termo, que se refere à procedência, parece continuar a mesma. Uma fonte tipográfica [...] é hoje esse conjunto de parâmetros pré-determinados pelo designer de tipos e disponibilizados através de um arquivo para a utilização em outros projetos, por outros profissionais. É o que possibilita a escrita através de máquinas [...]

GLIFOS E CARACTERES2.3

Embora diferentes em essência, os termos glifo e caractere são facilmente confundidos. O conceito de glifo diz respeito à forma como um determinado caractere se manifesta dentro da fonte, ou seja, trata-se da “corporificação [...] uma encarnação conceitual e não material – do símbolo abstrato chamado ‘caractere’” (BRINGHURST, 2005, p. 357). Enquanto os glifos consistem em símbolos tipográficos, os caracteres se definem como símbolos textuais, sinais linguisticamente relevantes.

Assim, formas caudais como ! representam uma variante tipográfica do desenho convencional A. A fonte em questão possui, portanto, dois glifos (! e A) que representam o mesmo caractere (A). Em muitos casos, entretanto,

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observa-se a existência de um único glifo para cada caractere no contexto da fonte tipográfica.

Em decorrência da distinção entre glifos e caracteres, cabe ressaltar a diferença entre os termos paleta de glifos – que corresponde ao grupo formado pelos glifos de uma fonte – e conjunto de caracteres (character set) – referente à abrangência de sinais gráficos oferecidos pela fonte.

ESTRUTURA E ANATOMIA DOS TIPOS2.4

Linhas estruturais: o 2.4.1 grid do tipo

O grid de uma fonte tipográfica configura um instrumento organizador do espaço, servindo para uniformizar certos aspectos de proporção comuns entre os caracteres da fonte em geral. Tal estrutura se firma em linhas de referência que indicam padrões para definição do desenho de letras, números e demais glifos.

O elemento fundamental para estabelecer o grid do tipo consiste no eme, também denominado quadratim. Este pode ser determinado como “o quadrado que define o tamanho do tipo” (BRINGHURST, 2005, p. 356). O quadratim se caracteriza como uma medida variável, que se mantém proporcionalmente a mesma para qualquer tamanho em que a fonte seja empregada. Dessa maneira, um tipo de 12 pt possui um eme equivalente a 12 pt; um tipo de 60 pt, um eme de 60 pt (BRINGHURST, 2005, p. 32).

A partir do quadratim são definidas unidades para mensuração dos elementos estruturais do tipo:

“[...] unidade é uma subdivisão da largura do quadratim. O número de divisões muda conforme o sistema tipográfico utilizado. Um dos mais comuns é o sistema com 18 unidades. Podemos encontrar ainda quadratins com 4, 9, 32, 48, 54 e 64 unidades. Quanto maior o número de unidades maior precisão terá o sistema” (FONTOURA, 2004, p. 17).

Os softwares de edição de fontes digitais utilizam a denominação UPM, referente à expressão Units Per eM (unidades por eme) para se referir à unidade de divisão do quadratim. O programa FontLab Studio 5, um dos mais difundidos no mercado, permite que se divida o eme em até 10000 unidades. Entretanto, os valores padrão de UPM para fontes digitais variam entre 1000 unidades – para fontes PostScript – e 2048 unidades – para fontes TrueType (FONTLAB, 2006, p. 244).

A divisão do quadratim em unidades menores permite a definição de linhas estruturais que compõem o grid do tipo (Figura 1):

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Figura 1 – Linhas estruturais do grid de uma fonte tipográfica: a) linha de base; b) altura-x; c) altura de versal; d) altura de ascendentes; e) altura de descendentes

Fonte: O autor.

linha de base: caracterizada como a linha “onde todas as letras repousam” a) (BRINGHURST, 2005, p. 360), trata-se do “eixo mais estável ao longo de uma linha de texto, e é crucial para alinhar textos a imagens e a outros textos” (LUPTON, 2006, p. 35). Em programas de edição de fontes digitais, a coordenada vertical da linha de base determina a origem do sistema de unidades nessa direção;altura-x: também denominada olho médio (FONTOURA, 2004, p. 40), define-b) se como a distância entre a linha de base e a linha de referência delimitada pelo topo da letra x caixa-baixa (TRACY, 1986, p. 19), servindo como padrão para estabelecer a “altura das letras minúsculas sem extensores – a, c, e, m, n, o, r, s, u, v, w, x, z – e do torso das letras b, d, h, k, p, q, y” (BRINGHURST, 2005, p. 353);altura de versal: consiste na distância entre a linha de base e a linha que define c) o ponto superior das letras maiúsculas. Frequentemente se encontra situada abaixo da altura das ascendentes das letras minúsculas (BRINGHURST, 2005, p. 353);altura de ascendentes: trata-se da distância entre a linha de base e o topo d) das ascendentes das letras em caixa-baixa, ou seja, a parte das hastes que se estende além da altura-x. Situa-se geralmente um pouco acima da linha que define a altura de versal (TRACY, 1986, p. 13);altura de descendentes: configura-se como a distância entre a linha de base e) e a linha que define a extensão dos traços descendentes das letras.

Estrutura fundamental2.4.2

Pode-se compreender o alfabeto romano como um sistema de desenho de linhas. Cada letra possui uma estrutura arquetípica que evoluiu com o tempo,

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E F H I J L TA K M N V W X Y ZC D O S P U QB G R

Figura 2 – Arquétipos modernos das formas romanas. Cada grupo de letras é determinado pela estrutura dos caracteres

Fonte: Samara (2006, p. 15).

sofrendo alterações até se firmar como o padrão utilizado atualmente (SAMARA, 2006, p. 14). As formas das letras se mostram enraizadas na percepção ocidental, sendo possível afirmar que elas possuem identidades próprias, independentes de qualquer referencial pictórico.

“As formas das letras não devem sua beleza a qualquer reminiscência sensual ou sentimental. Não se pode dizer que as curvas da letra O nos atraem apenas porque elas se assemelham a uma maçã, aos seios de uma mulher ou à lua cheia. Letras são coisas, não figuras de coisas” (GILL, 1995, p. 94).

Ainda que as letras do alfabeto latino derivem de escritas pictográficas mais antigas, “a cultura ocidental evoluiu de tal modo que a imagem das letras é preeminente sobre suas origens pictóricas” (SAMARA, 2006, p. 14).

As vinte e seis letras do alfabeto romano em caixa-alta (também denominadas maiúsculas, capitais ou versais) compõem um sistema de formas inter-relacionadas, conforme se observa na Figura 2:

Cheng (2005, p. 20) sugere outras formas de divisão do alfabeto de versais, de acordo com a estrutura morfológica dos caracteres, tendo em vista o projeto de faces de tipos. A primeira considera os seguintes grupos:

O, Q, C, G, S: formas curvas;a) B, P, R, D, J, U: formas mistas curvas e quadradas (horizontais e verticais);b) E, F, L, H, I, T: formas quadradas;c)

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V, A, W, X: formas diagonais;d) M, N, K, Z, Y: formas mistas quadradas e diagonais.e)

Uma outra maneira de dividir as caixas-altas proposta por Cheng considera os quatro grupos a seguir:

E, F, H, B, P, R, S, K, X, Y: letras em dois níveis;a) L, T, X, K, Z, J: letras com formas abertas;b) M, W: letras extra-largas;c) I; J: letras extra-finas.d)

As letras em caixa-baixa (minúsculas) se desenvolveram mais tarde, entre os séculos VII e IX (SAMARA, 2006, p. 15), a partir do alfabeto original em caixa-alta. Ainda que represente um conjunto distinto, o alfabeto de caixas-baixas apresenta algumas formas idênticas às do alfabeto de letras capitais. As letras a, b, d, e, f, g, h, k, l, m, n, q, r, t, u e y constituem minúsculas com estruturas próprias, ao passo que as outras dez letras que integram este alfabeto têm suas formas adaptadas a partir das versais correspondentes (GILL, 2007, p. 61). De acordo com Samara (2006, p. 15), o desenho das caixas-baixas é mais complexo que o das caixas-altas, sendo caracterizado por uma maior ocorrência de traços curvos. Cheng (2005, p. 74) apresenta duas formas de divisão para as letras minúsculas, de acordo com a estrutura dos caracteres. A primeira discrimina oito grupos, conforme exposto a seguir:

o, c, e: formas curvas;a) b, d, p, q, g: formas mistas curvas e quadradas;b) a, s: formas mistas curvas e diagonais;c) i, l: formas verticais;d) f, t, j: formas verticais com gancho;e) n, h, m, u, r: formas ramificadas;f) v, w, y, x: formas diagonais;g) k, z: formas mistas diagonais e quadradas.h)

Cheng sugere também separar as letras de acordo com a presença de ascendentes ou descendentes:

b, d, h, f, l, k, t: letras com traços ascendentes;a) p, q, g, y: letras com traços descendentes.b)

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haste

barra cauda descendente

cabeça orelhaterminal bojo

serifa

ombro

perna

junção braço espinha

eixo

contraformaascendente apex

vertex

ligatura ditongo

bojo gancho abertura

lFigura 3 – Elementos de anatomia dos tiposFonte: Adaptado de Samara (2006, p. 16).

Anatomia tipográfica2.4.3

Com o intuito de compreender melhor a estrutura dos caracteres tipográficos, costuma-se dividi-los em componentes menores e analisá-los à semelhança do estudo de anatomia em seres humanos e animais. De fato, os nomes de alguns desses componentes tornam explícita tal similaridade, assim como se pode verificar na Figura 3:

Os principais elementos que compõem a anatomia dos tipos se encontram descritos a seguir:

hastes: também denominadas fustes ou troncos verticais (FONTOURA, 2004, a) p. 44), consistem nos traços de orientação vertical de maior peso na estrutura de um caractere;barras: constituem os elementos horizontais da estrutura dos tipos, muitas b) vezes servindo para conectar outros traços, como ocorre nas letras A e H. As barras cruzadas intersectam as hastes e permanecem livres em uma ou em ambas as extremidades, como ocorre nas letras F e t (CLAIR; BUSIC-SNYDER, 2009, p. 160). Podem também receber o nome de troncos horizontais (FONTOURA, 2004, p. 44);

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braços: são traços oblíquos situados na porção superior do tipo, como na c) letra K (FONTOURA, 2004, p. 44);pernas: assim como os braços, as pernas consistem em traços inclinados d) que se dirigem à parte externa do tipo. As pernas, contudo, se localizam na metade inferior do tipo, como ocorre nas letras R e K (CLAIR; BUSIC-SNYDER, 2009, p. 160; FONTOURA, 2004, p. 44);ascendentes: alguns caracteres apresentam traços que se estendem até e) a linha de altura das versais ou um pouco acima deste ponto. A parte da haste localizada acima da linha de altura-x se chama ascendente (TRACY, 1986, p. 13);descendentes: letras como j, p e q possuem traços que se projetam abaixo da f) linha de base. Essa porções dos tipos recebem o nome de descendentes. caudas: alguns traços, como a terminação inferior da letra Q, recebem o g) nome de rabos ou caudas.terminais: constituem a parte final de um traço. Lieberman (apud CLAIR; h) BUSIC-SNYDER, 2009, p. 161) discrimina as seguintes formas para terminais: retas, cortadas, agudas, graves, convexas, côncavas, ostentadas, em gancho, cônicas e pontiagudas; ombros: consistem em traços curvos que partem de uma haste e se conectam i) a outra, geralmente em direção à linha de base (NEDER, 2009);espinhas: recebem este nome as regiões de transição entre curvas de j) orientações opostas, como as que caracterizam a parte central da letra S;junções: tratam-se das regiões onde dois ou mais traços se encontram. O k) termo junção pode ser utilizado também para definir a transição entre um traço e a serifa correspondente (CLAIR; BUSIC-SNYDER, 2009, p. 160);serifas: são projeções horizontais que fluem a partir das hastes. Assim como l) aponta Neder (2009), há uma extensa variedade de serifas, entre as quais se pode destacar (Figura 4):

abruptas: serifas que se projetam de forma brusca a partir da haste; -adnatas: serifas que fluem suavemente da haste; -reflexivas: serifas cujo desenho revela influências caligráficas, com transição -suave a partir da haste e retrocessão do traço sobre si mesmo;quadradas: também denominadas egípcias ou - slab serifs, as serifas deste tipo apresentam traço pesado, com espessura geralmente igual ou próxima à da haste que lhe deu origem. Apresentam transições abruptas;Clarendon: variação das serifas quadradas, fluindo a partir da haste por -meio de um arco;triangulares ou em cunha: consistem em serifas retas com transições -inclinadas a partir da haste, com desenho similar à forma de uma cunha;

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Figura 4 – Tipos de serifasFonte: Adaptado de Neder (2009).

transitivas: serifas que fluem suavemente a partir das hastes, em sentido -unilateral, revelando influência caligráfica. As serifas transitivas se mostram comuns no desenho de itálicos;

orelha: traço na extremidade superior direita da letra g que se projeta a partir m) do bojo;cabeça: terminação superior de um traço, como na letra t;n) vértices: consistem nas zonas de encontro entre dois traços em ângulo. o) Segundo Clair e Busic-Snyder (2009, p. 162), pode-se discriminar três tipos de vértices:

apex - : trata-se do vértice localizado na porção superior do tipo, como ocorre na letra A;crotch - : denominação dos vértices definidos pelas junções nas partes internas dos tipos, como se observa nas letras K, M, N, X e Z;vertex - : trata-se do vértice localizado na região inferior do tipo. Um bom exemplo se encontra na letra V;

bojos: consistem em formas geralmente redondas ou elípticas que determinam p) a estrutura básica de letras como as versais C, G, O e as caixas-baixas b, c, e, o, p e d (BRINGHURST, 2005, p. 354). Também recebem o nome de barriga;eixo: define a inclinação da pena ou outro tipo de instrumento utilizado q) para desenhar os tipos (BRINGHURST, 2005, p. 355). A inclinação do eixo determina os traços grossos e finos do desenho dos caracteres. Existem faces tipográficas desprovidas de eixos, em que não há variação de espessura dos traços (contraste);contraformas: são os brancos internos dos tipos, particularmente as áreas r) fechadas. Pode-se encontrar referências à contraforma da letra e com o nome olho. Algumas áreas abertas, como os espaços entre as hastes nas letras H e n também podem ser consideradas contraformas (TRACY, 1986, p. 13);abertura: trata-se da abertura em letras como C, c, S, s, a, e (BRINGHURST, s) 2005, p. 352). De acordo com o estilo do tipo, as aberturas podem ser maiores ou menores.

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O H Ab)

a)

Figura 5 – Comparações entre formas redondas, quadradas e triangulares: a) Sem compensações, o círculo e o triângulo parecem um pouco menores que o quadrado; b) à esquerda: formas corrigidas, em comparação com o exemplo da Figura 5a; à direita: exemplo de compensações nas letras O, H, A

Fonte: Adaptado de Buggy (2007, p. 114-115).

COMPENSAÇÕES E AJUSTES ÓPTICOS2.5

As ilusões de óptica se mostram intimamente relacionadas ao design de tipos. Existem diferenças importantes entre as imagens impressas e as imagens percebidas pelo leitor. Assim, o designer deve prever “correções do desenho para que a letra percebida pareça estruturalmente correta ao leitor, o que conhecemos como compensação visual” (BUGGY, 2007, p. 108).

Vértices e formas redondas2.5.1

Desenhos com formas pontudas ou redondas parecem mais curtos quando comparados a formas quadradas ou retangulares apoiadas nas mesmas linhas de referência em suas extremidades superior e inferior (Figura 5a). Portanto, para que tais caracteres pareçam ter as mesmas dimensões de altura, necessita-se fazer compensações na estrutura dos desenhos (Figura 5b): os vértices e as curvas devem se estender um pouco além das linhas de referência (BUGGY, 2007, p. 111).

Traços verticais e horizontais2.5.2

Os significados atribuídos pelos seres humanos às linhas verticais e horizontais diferem notavelmente. De acordo com Frutiger (2007b, p. 9), tal diferença se deve a uma construção milenar baseada na percepção de fatos observáveis.

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a b

a a

Figura 6 – Compensações para balanceamento de traços horizontais e verticais

Fonte: Adaptado de Clair; Busic-Snyder (2009, p.156).

Enquanto a horizontal diz respeito a um âmbito de coisas concretas e manipuláveis, a vertical está relacionada a acontecimentos independentes da intervenção humana (FRUTIGER, 2007b, p. 9).

Dessa forma, o designer de tipos deve considerar que traços verticais e horizontais são percebidos de forma diferente pelo leitor. Linhas horizontais parecem mais pesadas que linhas verticais com a mesma espessura. Caso o efeito pretendido seja de uniformidade dos traços que compõem os tipos, deve-se, portanto, trabalhar as linhas horizontais um pouco mais finas que as linhas verticais (Figura 6).

Traços diagonais2.5.3

Os traços inclinados que divergem da orientação vertical ou horizontal precisam de compensações para que o desenho pareça equilibrado. De acordo com Buggy (2007), as linhas diagonais devem ser um pouco mais finas que as verticais para que aparentem ter a mesma espessura.

Outra consideração importante diz respeito ao cruzamento entre traços diagonais, como ocorre na letra x, tanto em caixa-baixa quanto em caixa-alta. As linhas cruzadas tendem a exibir um aspecto quebrado, como se houvesse problemas na continuidade do traço (BRIEM, 2003). A ilusão de quebra se torna mais forte em situações de alto contraste entre as linhas e ângulos muito fechados determinados pelos traços (CHENG, 2005, p. 56-57), conforme se observa na Figura 7. Para corrigir esse efeito indesejável, desloca-se levemente a parte inferior do traço mais fino na direção contrária ao fluxo natural desta linha (BRIEM, 2003). Não existe uma regra para definir o deslocamento necessário; deve-se observar o resultado e julgá-lo pela percepção visual.

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Figura 8 – Compensações de espessura em traços curvos: a) à esquerda, glifo referente à letra O da fonte Century Gothic Bold 80 pt; à direita, círculos concêntricos; b) resultados dos desenhos com correções ópticas (à esquerda) e sem compensações (à direita)

Fonte: Adaptado de Cheng (2005, p. 116).

11,1 pta) b)10,8 pt

10,8 pt

Figura 7 – Ilusão de quebra entre traços oblíquos. Conforme o contraste entre as linhas aumenta e o ângulo entre elas diminui, mais intenso o efeito

Fonte: Cheng (2005, p. 57).

Traços curvos2.5.4

Para que linhas retas e curvas pareçam ter a mesma espessura, estas geralmente são desenhadas mais grossas (Figura 8). A variação de espessura entre esses tipos de traços depende muito das características de estilo da fonte, sendo necessário fazer testes para decidir o incremento mais apropriado para as linhas curvas.

Centro óptico e estrutura dos tipos2.5.5

Para se estabelecer adequadamente a estrutura dos tipos, deve-se considerar a diferença entre centro óptico e centro geométrico de uma figura. O centro óptico da escala vertical se localiza ligeiramente acima do centro geométrico (BUGGY, 2007, p. 112). Trata-se de uma compensação óptica, cujo objetivo consiste em evitar ilusões que distorçam a percepção da estrutura das formas.

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Figura 9 – Correções em área de junção apertada: à esquerda, desenho da estrutura do tipo; ao centro, desenho sem compensação; à direita, desenho final com correções ópticas

Fonte: Adaptado de Briem (2003).

Caracteres como caixas-altas regulares (aquelas que apresentam as partes inferior e superior semelhantes em forma) e números devem utilizar o centro óptico como referência para definir as proporções dos desenhos. Caso o projeto se realize a partir do centro geométrico, a parte superior dos tipos tende a parecer maior que a porção inferior.

Junções apertadas2.5.6

O encontro de traços oblíquos tende a gerar áreas demasiadamente escuras, sobretudo em variações bold (negrito) ou mais pesadas. A Figura 9 exemplifica este problema, acompanhado de uma solução pertinente. “Junções apertadas ou de traços oblíquos devem ser suavemente abertas para que não pareçam pontos mais grossos no desenho dos caracteres” (WOOLTON, 1997 apud BUGGY, 2007, p. 117).

Transição entre linhas retas e curvas2.5.7

As áreas de conexão entre linhas retas e curvas parecem simples de se desenhar, mas exigem cuidado. “Um semicírculo e um retângulo [justapostos] criam o que Peter Karow chama de ‘bone effect’” (BRIEM, 2003). As linhas retas que conectam semicírculos tendem a parecer côncavas. Para corrigir este efeito, necessita-se alterar o desenho das curvas, tornando a transição suave (Figura 10).

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Figura 11 – Serifas assimétricas. As serifas de base são levemente alongandas na direção interna

Fonte: Adaptado de Caro (2007, p. 71).

a) b)

Figura 10 – Correções na transição entre linhas retas e curvas. Semicírculos justapostos a retângulos (a) geram transições abruptas, como indicado pelas setas; para solucionar o problema, deve-se suavizar as curvas (b)

Fonte: Adaptado de Briem (2003).

Serifas estendidas2.5.8

Alguns tipos aparentam maior estabilidade quando suas serifas de base são levemente alongadas na direção interna (Figura 11). Caro (2007, p. 71) salienta que

os desenhos das letras trabalham com a idéia de gravidade, seja com estabilidade, o mais comum, ou contrapondo-se a ela [...] As serifas também podem acentuar a estabilidade na letra. No r e no q, a serifa da base pode ser assimétrica, com a parte mais comprida para o lado de maior peso da letra. É como se a letra tendesse a cair para um lado e a serifa ajudasse no equilíbrio.

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a) b)

Figura 12 – Espacejamento de entreletra. Em a) se observam espaços matematicamente uniformes; em b) os espaços foram definidos opticamente para gerar uniformidade

Fonte: Adaptado de Samara (2006, p. 27).

ENTRELETRA2.6

O termo entreletra designa os espaços em branco existentes entre os tipos. Tais espaços se mostram vitais para criar uma textura uniforme de texto, de modo que a leitura corra fluentemente, minimizando as distrações do leitor (SAMARA, 2006, p. 26). Para que isso ocorra, as distâncias laterais em branco em cada tipo devem ser cuidadosamente definidas.

Os espaços entre caracteres dependem, basicamente, de três fatores: forma, peso e contraste (BUGGY, 2007, p. 143). Como regra geral, os espaços entre as letras devem ser iguais aos espaços internos de cada tipo (BRIEM, 2003). Dessa maneira, conclui-se que os espaços laterais devem variar significativamente de acordo com o caractere espacejado. A Figura 12 mostra a diferença entre uma palavra em que as letras receberam espaços laterais idênticos (a) e a mesma palavra, adequadamente espacejada (b).

O processo de definição dos espaços laterais dos glifos de uma fonte, comumente denominado fitting em inglês, consiste numa tarefa essencial, que muitos autores consideram tão importante quanto o desenho dos caracteres (VARGAS, 2007, p. 4; CHENG, 2005, p. 218). Os espaços entre os tipos devem variar de acordo com as características formais de cada glifo. De modo geral, observa-se que formas redondas e triangulares demandam menos espaço do que formas retangulares. Pela análise das interações expostas na Figura 13, verifica-se que as maiores distâncias necessárias para manter espaços opticamente equilibrados ocorrem entre formas retangulares (caracteres com extremidades compostas por linhas verticais). Aproximações entre formas curvas e retangulares

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a)

b)

Figura 13 – Espaços entre formas genéricas: a) distâncias iguais entre figuras; b) espacejamento opticamente balanceado

Fonte: Adaptado de Vargas (2007, p. 5).

ou entre duas curvas exigem distâncias mais apertadas, ao passo que formas triangulares requerem ainda menos espaço. Cabe observar que figuras triangulares cuja base se encontra na porção inferior da figura, sustentando a forma, requerem mais espaço que triângulos onde a base se encontra na parte superior, estando a figura sustentada por um dos vértices. A interação entre esses dois tipos de formas se revela especialmente crítica, normalmente requerendo espaços negativos para equilibrar a composição.

O espacejamento de glifos de uma fonte se baseia nos mesmos princípios apresentados para as formas geométricas. Entretanto, definir os espaços laterais para caracteres tipográficos se mostra um processo mais complexo. Extremidades com formas abertas geram maior dificuldade para se espacejar, pois “não há um limite claro entre o espaço que pertence à área interna do caractere e o espaço que pertence à área entre dois caracteres.”1 (SMEIJERS, 1996 apud VARGAS, 2007, p. 6). Deve-se considerar também a finalidade da face de tipos para que se possa definir mais adequadamente o espacejamento dos glifos. Assim, tipos projetados para uso em textos exigem espaços maiores que os necessários aos tipos display (CHENG, 2005, p. 218).

1 Tradução nossa.

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KERNING2.7

De acordo com Bringhurst (2005, p. 40), as formas do alfabeto latino geram inconsistências naturais no espacejamento dos tipos, sendo “pequenas irregularidades [...] essenciais à legibilidade dos tipos romanos.” Com o intuito de conferir maior consistência ao espacejamento de caracteres em uma fonte tipográfica, pode-se alterar os espaços entre pares de glifos específicos, prática conhecida como kerning. A aplicação deste recurso se destina à compensação do espacejamento de combinações críticas, tais como Ta, Te, To, Tu, Tr; casos em que caracteres com laterais salientes são sucedidos por marcas de pontuação, como F. e T.; combinações entre caracteres com traços oblíquos, como A,V, W, entre outros (BUGGY, 2007, p. 165).

HINTING2.8

Dispositivos de baixa resolução, como telas de computadores e impressoras de baixa qualidade utilizam contornos vetoriais de objetos para gerar imagens de cada glifo de uma fonte. Para isso, os vetores devem ser rasterizados, ou seja, convertidos em pixels, de acordo com qualidade do dispositivo de saída. Esse processo tende a gerar distorções nos desenhos originais.

Para garantir qualidade e minimizar erros de arredondamento, os dispositivos de rasterização de fontes utilizam algoritmos especiais que alteram ligeiramente as linhas dos desenhos para melhorar os resultados obtidos em dispositivos de média e baixa resolução. Esse processo é chamado gridfitting. Algoritmos que promovem o ajuste de contornos vetoriais a uma malha pixelada utilizam instruções especiais, chamadas hints, contidas no arquivo digital da fonte. O processo de especificação de hints recebe o nome de hinting (FONTLAB, 2006, p. 654). Com o crescimento e a popularização dos meios digitais, o trabalho de hinting se mostra cada vez mais essencial ao projeto de fontes tipográficas.

ESTILOS2.9

Muitos tipos são projetados com diferentes estilos, de modo a funcionarem como um sistema (Figura 14). A mudança de estilo pode ser útil em situações em que se necessite, por exemplo, criar ênfase ou discriminar níveis de hierarquia da informação. Regular, roman (romano) e normal são denominações geralmente utilizadas para identificar a face principal de uma família. A terminologia de estilos

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universunivers univers univers univers

universunivers univers univers univers

univers

universunivers univers

univers

univers univers univers univers univers

univers

55 56 57 58 5953

65

45 46 47 48 49

39

66 67 6863

75 7673

83

Figura 14 – Univers, de Adrian Frutiger. A família foi concebida como um sistema de vários estilos desde o início do projeto

Fonte: Frutiger (2007a, p. 105).

pode variar significativamente, de acordo com os padrões específicos empregados pelas fundições tipográficas.

O estilo itálico (italic), geralmente empregado para aplicar ênfase a uma palavra ou expressão, consiste numa variação do tipo normal, mas com alterações estruturais. Mais importante que a inclinação, a estrutura cursiva é o que define as fontes itálicas (BRINGHURST, 2005, p. 66). Por isso, os tipos itálicos devem ser desenhados a parte, como uma nova face de tipos.

Há estilos criados a partir de variações na espessura dos traços dos tipos, como thin, light, semibold, bold, extrabold, entre outros (FONTOURA, 2004, p. 34). Certos estilos, como condensed e extended, se devem a variações na largura dos glifos. Alguns são criados por meio de variações combinadas de largura, espessura e estrutura dos tipos: light condensed, bold extended, bold italic, entre outros. Existem ainda estilos em que os tipos são compostos de traços contornados, chamados outline; estilos cujo desenho simula o efeito de sombras, denominados shaded e os invertidos, que recebem o nome de reversed (FONTOURA, 2004, p. 34).

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FAMÍLIAS TIPOGRÁFICAS2.10

O conceito de família tipográfica se relaciona diretamente com a existência de diversos estilos de faces de tipos. Uma família consiste num grupo que inclui tipos em estilos diferentes, mas que compartilham características formais semelhantes, como desenho de serifas, traços, proporções e equilíbrio óptico (CLAIR; BUSIC-SNYDER, 2009, p. 361). As fontes pertencentes à mesma família recebem um nome em comum, “embora não sejam, necessariamente, criadas por um mesmo designer” (HASLAM, 2007, p. 90). As estruturas das famílias de tipos para textos podem variar muito. Uma família básica apresenta as variações romana, itálica e bold (negrito); outros estilos úteis incluem tipos light, demi-bold ou semi-bold, além das formas condensada e estendida (HASLAM, 2007, p. 91).

CARACTERÍSTICAS DAS FONTES PARA TEXTOS2.11

As fontes destinadas à composição de textos extensos seguem mais propriamente uma espécie de cânone de proporções e formas que as fontes display – criadas para uso em corpos maiores e blocos reduzidos de informação textual (JAMRA, 2003). Por isso, o projeto de fontes para textos não comporta revoluções na estrutura dos tipos; as novidades desenvolvidas pelo designer de tipos devem ser apenas perceptíveis (LOPEZ, 2000, p. 24). “Ofender” os leitores com distorções nas proporções básicas das letras ou mesmo atrair a atenção por meio de pequenas excentricidades pode gerar resistência não apenas ao tipo mas também à mensagem que ele codifica (CARTER, 1995, p. 174). Em vista disso, as fontes para composição de textos devem privilegiar atributos como clareza, consistência e equilíbrio – o que lhes confere certa neutralidade – em detrimento da afirmação de uma personalidade marcante (LOPEZ, 2000, p. 24).

Clair e Busic-Snyder (2009, p. 156-157) definem as fontes para textos como aquelas projetadas para uso em corpos na faixa de 4 a 14 pontos. Embora a prática mais adequada para ajuste de proporções deste tipo de fontes consista em desenvolver variações para cada corpo, tais refinamentos se tornaram pouco usuais com o fim da composição a quente e a ascensão do processo fotomecânico, posteriormente substituído por tecnologias digitais. Atualmente, um mesmo arquivo de fonte pode ser utilizado para compor textos em qualquer tamanho. Dessa forma, os ajustes necessários no design de fontes para textos constituem adaptações gerais, prevendo o uso não em apenas um corpo específico, mas em um determinado intervalo de tamanhos.

Com relação à estrutura, as fontes de texto revelam algumas características formais específicas, que visam a garantir legibilidade e leiturabilidade satisfatórias.

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Um dos atributos mais importantes reside na determinação das proporções entre altura-x, alturas de versais e de ascendentes, além da definição da linha das descendentes. Tracy (1986, p. 51) sugere que a relação entre altura-x e altura de ascendentes seja aproximadamente da ordem de 6 para 10, ou seja, 60%. Quanto ao comprimento dos traços descendentes, Jamra (1993, p. 4) atenta para a necessidade de diminuí-los em relação aos ascendentes; caso contrário, aqueles perecerão mais longos que estes.

Há ainda outros aspectos a se considerar para obter um resultado consistente no design de fontes para textos. O desenho das contraformas se mostra fundamental: espaços brancos muito pequenos podem entupir ou fechar no momento da impressão (CLAIR; BUSIC-SNYDER, 2009, p. 157), sobretudo quando se usam papéis muito absorventes, como os empregados na produção de jornais. Os padrões de serifas e espessuras de traços devem ser cuidadosamente trabalhados, assim como “nuances individuais ou idiossincrasias do design” (STRIZVER, [2008?]). O contraste entre os traços também influencia o comportamento das fontes em textos, embora haja controvérsias acerca da relação entre essa característica e a legibilidade: enquanto Weideman (1985 apud GAULTNEY, 2001) afirma que o alto contraste prejudica o reconhecimento de partes distintivas das letras, Tschichold (1970 apud GAULTNEY, 2001) acredita que o contraste se mostra essencial à legibilidade.

Além do desenho propriamente dito, os ajustes de espacejamento entre os glifos e a definição dos pares de kerning apresentam grande importância em uma fonte equilibrada para composição de textos. Estes aspectos, em conjunto com os demais citados, têm por objetivo estabelecer uma mancha tipográfica de coloração e textura uniformes, que não exponha ruídos nem tampouco se mostre monótona, o que acaba sendo igualmente incômodo (STRIZVER, [2008?]; LOPEZ, 2000, p. 25). A definição de uma paleta de glifos extensa se revela, ainda, essencial para a qualidade de fontes projetadas para grafar textos: “toda boa fonte de texto, [sic] deve possuir um completo conjunto de sinais alfabéticos, numéricos e acessórios, podendo chegar a mais de 200 caracteres” (LOPEZ, 2000, p. 25).

LEGIBILIDADE E LEITURABILIDADE2.12

O design de fontes tipográficas, principalmente aquelas projetadas para aplicação em textos extensos, deve considerar ainda dois conceitos relevantes: legibilidade e leiturabilidade. O primeiro, traduzido a partir da palavra inglesa legibility, descreve a qualidade de um símbolo em ser decifrável e reconhecível (TRACY, 1986, p. 31). Trata-se, portanto, de um atributo concernente à discussão da clareza com que os caracteres podem ser reconhecidos individualmente. Por outro lado, o conceito

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de leiturabilidade, do inglês readability, se refere à qualidade de conforto visual, “uma condição importante para a compreensão de longos trechos de texto” (TRACY, 1986, p. 31). Pode-se dizer que um tipo apresenta boa leiturabilidade quando se verifica que a leitura em blocos, como páginas de livro ou colunas de texto em jornais ou revistas, acontece sem grande dificuldade e de forma contínua.

Embora autores como Tracy (1986) defendam a discriminação entre ambos os conceitos, bem como o uso cuidadoso dos termos conforme exposto, parece não haver consenso quanto a tal questão. Farias (2001, p. 68) afirma que “muitos textos em inglês [...] tratam ambos os termos como sinônimos ou evitam o uso do termo ‘readability’” (grifo da autora). Ela ainda argumenta que há fatores externos, independentes do design dos tipos, que influenciam o cansaço do leitor e a forma como a leitura se desenvolve. Sobre o processo de leitura, Unger (2003) analisa:

O movimento dos olhos e o número de caracteres que podem ser cobertos a cada movimento foram estudados, assim como a velocidade de leitura em relação à quantidade de informação pesquisada e lembrada. Mediram-se as influências da cor do papel e da iluminação, bem como o tempo que alguém pode se manter completamente atento enquanto lê [...] Os resultados desse tipo de pesquisa são interessantes, mas oferecem uma noção unilateral do que vem a ser a leitura, [pois] dão a impressão de que pessoas leem como máquinas, que podem ser ligadas e desligadas à vontade e que a leitura se resume ao acúmulo de informações. [...] Há muitos modos diferentes de se ler, relacionados a objetivos de leitura bastante diversos.2

O autor atenta também para a sensação de afastamento que ocorre devido ao esforço de concentração na leitura, de modo a criar uma espécie de silêncio e se isolar do entorno. Não apenas o espaço ao redor parece se dissipar, mas o próprio objeto em que se foca a atenção do leitor. As marcas brancas e pretas do papel se dissolvem, convertendo-se em ideias ou mesmo em imagens. Para que isso ocorra, as formas básicas dos glifos da fonte não podem se afastar muito da estrutura arquetípica. Entretanto, Unger critica os defensores da “tipografia invisível”. Para ele, “ninguém escolhe uma face de tipos que não se parece com nada” (UNGER, 2003).

Outro ponto chave nas discussões sobre legibilidade e leiturabilidade consiste na familiarização do leitor com as formas dos caracteres. De acordo com Gill (2007, p. 44), “legibilidade, na prática, corresponde simplesmente àquilo a que se está acostumado”. Licko (1990) corrobora esta afirmação atestando que se lê melhor aquilo que se lê mais frequentemente. Já Mertens (1990), ao abordar este assunto, rejeita a noção de ilegibilidade: “letras são legíveis. Se determinadas coisas não são legíveis, então elas não são letras. Letras ilegíveis não existem. Ilegibilidade não existe”. Segundo o autor, toda estrutura representa um tipo de linguagem e, portanto, tudo é legível, seja em maior ou menor grau.

2 Tradução nossa.

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Pode-se descrever normas para a criação de um texto perfeito, a partir de definições de estilo e corpo de fonte, espacejamento, largura de coluna e outras variáveis. Contudo, nuances são possíveis e mesmo necessárias (MERTENS, 1990). Textos diferentes exigem abordagens diferentes. Uma face de tipos para composição de textos em jornais pode não se mostrar satisfatória para o design de livros. Tracy (1986, p. 32) explica que fontes para jornais são projetadas tendo em vista a produção por métodos de alta velocidade e devem se mostrar sóbrias, ao passo que tipos para livros geralmente utilizam características de refinamento e distinção. Legibilidade e leiturabilidade constituem aspectos funcionais de uma fonte tipográfica, mas uma face de tipos não se restringe à dimensão funcional (TRACY, 1986, p. 31).

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EVOLUÇÃO DA LETRA IMPRESSA NA SOCIEDADE OCIDENTAL3

O estudo da tipografia, tanto a partir de uma perspectiva histórica quanto de um panorama estético e projetual, não pode prescindir de considerações acerca da questão técnica. Conforme ressalta Rocha (2005, p. 14), “desde o início, a tipografia estabeleceu relações que, além dos aspectos estéticos e econômicos, priorizaram fundamentalmente as questões técnicas”. O presente trabalho não tem como objetivo principal descrever e investigar as técnicas de impressão e produção de tipos ao longo da História. Entretanto, um conhecimento básico acerca de tais questões se mostra essencial para um entendimento consistente da tipografia enquanto linguagem e, especificamente, da atividade do design de tipos – foco central do estudo. Desta forma, busca-se entender como a técnica de produção dos tipos, aliada aos processos de impressão, influenciou e continua influenciando o desenho e o projeto de faces e fontes tipográficas.

DOS TIPOS MÓVEIS AOS MÉTODOS DE COMPOSIÇÃO A QUENTE3.1

Ainda que a impressão por tipos móveis tenha se desenvolvido na China, por volta do ano 1040 (BRINGHURST, 2005, p. 133), sua disseminação pela Europa Ocidental data da metade do século XV, quando, entre as décadas de 1440 e 1450, Johannes Gutenberg imprimiu a Bíblia de 42 linhas em parceria com o ourives Johann Fust3. Diferentemente do que se observou na China, a impressão por meio de tipos móveis obteve um grande sucesso na Europa Ocidental. De acordo com Lupton (2006, p. 13), “enquanto o sistema de escrita chinês contém dezenas de milhares de caracteres distintos, o alfabeto latino traduz os sons da fala em um pequeno conjunto de sinais apropriados à mecanização”. A grande variedade de sinais gráficos utilizados pelas escritas orientais fazia com que a composição por tipos móveis não representasse vantagem muito significativa quando comparada ao entalhe de matrizes xilográficas com textos inteiros, prática esta que foi responsável

3 Definir com exatidão a data em que Gutenberg produziu a Bíblia de 42 linhas não se mostra uma tarefa simples. Encontram-se, em diversas obras que abordam a história da tipografia, informações diferentes acerca de tal acontecimento. De acordo com Horcades (2004, p. 49), a Bíblia de 42 linhas teria sido impressa em 1445; conforme Gaudêncio Júnior (2004, p.14), Gutenberg e Fust trabalharam juntos entre 1452 e 1455 para produzir tal obra; Rocha (2005, p. 14) apresenta a data de 1455; Clair e Busic-Snyder (2009, p. 56) sustentam que a impressão da Bíblia de 42 linhas de Gutenberg se deu entre os anos de 1450 e 1456; ao passo que Frutiger (2007a, p. 78) e Bringhurst (2005, p. 133), de maneira mais geral, sugerem que tal acontecimento se deu entre as décadas de 1440 e 1450.

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pela produção da maior parte do que era impresso na China até o fim do século XIX (BRINGHURST, 2005, p. 133).

A formação profissional de Gutenberg, um artesão e fundidor de metais, capacitou-o a desenvolver tipos metálicos que apresentavam boa durabilidade e resistência à pressão exercida pelas prensas de imprimir. Apesar da importância atribuída a tal trabalho, acredita-se que Gutenberg não tenha sido o pioneiro na atividade de impressão por tipos móveis na Europa Ocidental. “Alguns historiadores argumentam que Laurens Coster da Holanda desenvolveu a arte de imprimir um pouco antes ou ao mesmo tempo que Gutenberg” (CLAIR; BUSIC-SNYDER, 2009, p. 54, grifo das autoras). Haley (1992 apud GAUDÊNCIO JÚNIOR, 2004, p. 16), sustenta que “a maior contribuição de Gutenberg talvez seja o fato de que sua impressão alcançou um estado de eficiência técnica que não foi superado até o início do século XIX [...]”.

O processo de composição manual se caracterizou pelo uso de tipos confeccionados em metal ou madeira4. A produção de tipos metálicos consistia numa série de procedimentos que conjugavam a precisão técnica com o senso artístico e estético dos profissionais envolvidos. Tracy (1986, p. 33) aponta que quatro ofícios manuais eram exigidos para a confecção dos tipos metálicos: “o corte dos punções, a cunhagem das matrizes, a fundição dos tipos e o acabamento destes para uso dos impressores”.5 Os caracteres assim gravados se apresentavam invertidos (ilegíveis) e se organizavam individualmente em um bastão componedor, de modo a formar linhas de palavras com largura pré-ajustada (ROCHA, 2005). As linhas de tipos eram então fixadas em uma rama (espécie de moldura metálica usada para manter os tipos adequadamente posicionados) e, depois de receberem tinta, eram pressionadas contra o papel nas prensas tipográficas para produzir as páginas impressas (CLAIR; BUSIC-SNYDER, 2009).

Uma vez que o trabalho de produção de matrizes para impressão tipográfica consistia num procedimento essencialmente artesanal, o controle de todas as variáveis envolvidas no processo se mostrava uma tarefa árdua. Além das questões técnicas que escapavam ao controle de qualidade, os profissionais responsáveis pelo projeto de tipos para impressão costumavam criar variações nos desenhos de um mesmo caractere, visando à obtenção de um resultado mais dinâmico na composição da página impressa:

4 Os tipos entalhados em madeira se tornaram comuns no século XIX, para composição em corpos extensos (ou displays), sobretudo para anúncios: “Grandes variações de fontes extravagantes que tinham de 5 a 8 centímetros de altura tornaram-se uma norma, adequadas para espalhar as mensagens sobre as novas mercadorias. Esses enormes títulos eram talhados em madeira, material mais leve e menos dispendioso do que se fosse fundido em chumbo” (CLAIR; BUSIC-SNYDER, 2009, p. 78).

5 Tradução nossa.

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Figura 15 – Matrizes diferentes do mesmo caractere foram utilizadas na Bíblia de 42 linhas publicada por Gutenberg

Fonte: Rocha (2005, p. 26).

Francesco Griffo, Claude Garamond e Simon de Colines são apenas dois [sic] dos muitos mestres antigos que lapidavam múltiplas formas para suas letras. Algumas letras alternativas [...] eram usadas de modo seletivo nos inícios e nos finais das palavras, em contextos em que sua largura adicional era útil para a linha. Outras, mal diferindo entre si no limite do visível, podiam servir – e serviam – para avivar o texto aleatoriamente (BRINGHURST, 2005, p. 206).

A Figura 15 exemplifica as sutis diferenças entre as formas impressas de um mesmo caractere a partir de diferentes tipos produzidos por Johannes Gutenberg e utilizados na impressão da Bíblia de 42 linhas. Além do efeito de “avivar o texto”, tal prática tinha como finalidade aproximar a linguagem tipográfica da escrita manual desenvolvida pelos calígrafos. “Emulando a densa e escura escrita manual conhecida como letra gótica, ele [Gutenberg] reproduziu sua textura errática criando variações de cada letra, bem como inúmeras ligaturas” (LUPTON, 2006, p. 13). Dessa forma, o design dos primeiros tipos usados para impressão de textos na Europa Ocidental buscava adaptar a nova técnica ao padrão estético mais comum e aceito na época. Tendo em vista que tal padrão era ditado pela caligrafia, o papel dos instrumentos utilizados para produzir as matrizes em metal assumia uma importância secundária para o desenho das formas dos caracteres, já que, conforme aponta Gill (2007, p. 25),

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[o designer de tipos] não dizia: tal e tal ferramenta ou material naturalmente produz ou leva por si só à produção de tais e tais formas. Pelo contrário, ele dizia: letras são tais e tais formas; portanto, quaisquer que sejam as ferramentas que se deva usar, deve-se fazer essas formas tão bem quanto as ferramentas e os materiais permitirem”.6

Com a disseminação da tipografia pela Europa Ocidental no século XV, a linguagem do design de tipos teve que se adaptar às particularidades e preferências estéticas de cada região. Enquanto a tradição das letras góticas se manteve forte na Alemanha até o início do século XX, “na Itália do século XV, escritores e acadêmicos humanistas rejeitaram as escritas góticas em favor da lettera antica, um modo clássico de escrita manual com formas mais largas e abertas” (LUPTON, 2006, p. 15). As letras desenvolvidas durante esse período ficaram conhecidas como romanas (Figura 16); sua relevância é tal que muitas das fontes tipográficas em uso atualmente se baseiam, direta ou indiretamente, nos tipos criados nos séculos XV e XVI, sobretudo na Itália e na França. Alguns dos nomes desse período que mais se destacaram incluem: Nicolas Jenson que, segundo Horcades (2004, p. 54), foi o responsável por desenhar o primeiro alfabeto romano completo; Francesco Griffo, que desenvolveu tipos romanos e itálicos (Figura 17) – estes considerados os primeiros da História – para o célebre impressor Aldus Manutius; Claude Garamond (Figura 18), cujo trabalho permanece em uso até hoje, por meio de diversos revivals, como a Stempel Garamond (romana e itálica), a Linotype Granjon (apenas a versão romana), a Berthold Garamond (romana), a Adobe Garamond (romana) e a Legacy (itálica); Robert Granjon, autor de um vasto trabalho, que inclui “diversas romanas, itálicas, [...] diversas gregas, uma cirílica, algumas hebraicas e também as primeiras fontes árabes bem-sucedidas” (BRINGHURST, 2005, p. 371); entre outros. Albrecht Dürer, na Alemanha, também deixou um legado referente ao design de tipos, buscando a construção sistemática de alfabetos em estilo romano e gótico.

A partir do fim do século XVI, a Holanda começou a produzir tipos e livros para atender à demanda da classe média (HORCADES, 2004, p. 71). Essa abordagem mais comercial da produção de tipos fez com que as matrizes holandesas se espalhassem rapidamente pela Europa, abastecendo impressores em diversos países. O nome que mais se destacou entre os tipógrafos holandeses foi o de Cristofell van Dijck, cujo trabalho (Figura 19) mostra uma forte influência dos tipos de Garamond. De acordo com Horcades (2004, p. 71), “seus tipos foram aceitos em toda a Europa e, apesar de não serem especialmente refinados em seu desenho, apresentam bom padrão e ótima legibilidade”.

6 Tradução nossa.

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Figura 17 – Itálica de Griffo, redesenhada por Francisco Lucas: observa-se, além das letras em caixa alta e caixa baixa, desenhos alternativos, formas caudais e ligaturas

Fonte: Horcades (2004, p. 57).

Figura 16 – Tipo romano gravado em 1469, por Nicolas Jenson Fonte: Bringhurst (2005, p. 22).

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Figura 19 – Tipos impressos por Cristofell van Dijck, extraídos de um livro publicado em 1689

Fonte: Rocha (2005, p. 30).

Figura 18 – Tipos impressos por Claude Garamond, extraídos da edição francesa do livro Hypnerotomachia Poliphili, de 1546

Fonte: Rocha (2005, p. 30).

A análise das Figuras 18 e 19 torna explícita a influência de Garamond no trabalho desenvolvido por van Dijck. Além disso, percebe-se que os tipos produzidos por este se mostram mais limpos na impressão, com um desenho mais definido dos caracteres. Uma vez que o espaço de tempo que separa um trabalho do outro consiste em mais de um século, pode-se presumir que tal diferença se deva ao desenvolvimento de novos materiais e ao aperfeiçoamento da técnica de impressão. Essa busca por materiais capazes de permitir uma melhor qualidade na reprodução dos tipos se mostra constante ao longo da história da tipografia e, durante o século XVIII, se intensificou ainda mais:

no século XVIII, o design tipográfico impulsionou a evolução da técnica de impressão. Os artesãos responsáveis pelo desenvolvimento dos tipos buscavam a melhor reprodução de seu trabalho, e os tipos com grande contraste entre as hastes dos caracteres, com traços muito finos, só foram possíveis com o aprimoramento dos sistemas de impressão e da fabricação de papéis mais lisos e tintas com a viscosidade adequada (ROCHA, 2005, p. 14).

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Os tipos holandeses perderam a hegemonia na Europa com o desenvolvimento do trabalho de William Caslon (Figura 20) e, posteriormente, John Baskerville (Figura 21), na Inglaterra do século XVIII. Observa-se na Figura 20 uma grande variedade de caracteres, que incluem romanos, itálicos, florões, ornamentos, góticos, gregos, árabes, hebraicos, entre outros. Além de demonstrar a excelência do trabalho de Caslon, essa abordagem constitui um fator importante para o sucesso comercial dos tipos por ele desenvolvidos. Outro aspecto importante a se notar é o fato de que Caslon já aproveitava as possibilidades técnicas devidas a novos materiais e técnicas de impressão, explorando hastes mais finas e um contraste mais intenso no desenho dos tipos. Da mesma forma, Baskerville explorou fortes contrastes nos tipos e ênfase vertical no desenho das formas, estilo que ficou conhecido como transicional (HORCADES, 2004, p. 77) ou neoclássico (BRINGHURST, 2005, p.143).

A racionalização das formas tipográficas e o consequente afastamento do padrão caligráfico atingiu um panorama marcante no fim do século XVIII. Os dois nomes que mais se destacaram nesse período foram Giambattista Bodoni, na Itália, e a família Didot, na França. “Suas fontes, com eixos totalmente verticais, contraste extremo entre traços grossos e finos e serifas nítidas como lâminas, foram a porta de entrada para uma visão da tipografia desvinculada da caligrafia” (LUPTON, 2006, p. 17). A abordagem tipográfica praticada por Bodoni e Didot (Figura 22) se mostrou tão intensa a ponto de ser considerada abstrata e desumanizada. Bringhurst (2005, p. 146), que classifica esse estilo como romântico, avalia:

As letras românticas podem ser extraordinariamente belas, mas carecem do ritmo fluente e estável das formas renascentistas. É precisamente esse ritmo que convida o leitor a adentrar o texto e prosseguir na leitura. Já as formas estatuárias das letras românticas convidam o leitor, ao contrário, a contemplá-las de fora.

A composição tipográfica permaneceu essencialmente inalterada por um longo período de tempo. O início do século XIX testemunhou o aparecimento da litografia, que permitiu uma maior flexibilidade no desenho das letras e na forma de compor o espaço gráfico em geral. A atividade de lettering teve, com a impressão litográfica, uma potencialização nunca antes vista, permitindo novas abordagens gráficas, sobretudo no mercado publicitário. Conforme ressalta Gaudêncio Júnior (2004, p. 40), “cartazes, rótulos, revistas ilustradas e produtos direcionados à publicidade foram as principais mídias que encontraram na litografia o sistema ideal de impressão”. Apesar da grande revolução representada pela litografia para o mercado publicitário, esse processo de impressão não substituiu o uso de tipos móveis para impressão de materiais onde havia predominância de extensos blocos de texto em corpos (tamanho de letra) pequenos, como livros, revistas, entre outros.

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Figura 20 – A specimen, mostruário de fontes da fundição de William Caslon, 1728Fonte: Wikimedia Commons.

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Figura 22 – Página de livro impressa por Firmin Didot, 1801Fonte: Adaptado de Lupton (2006, p. 19).

Figura 21 – Tipos gravados por John Baskerville, 1758Fonte: Horcades (2004, p. 81).

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Figura 23 – Cartaz tipográfico de 1875. Observam-se, sobretudo na sexta linha, desenhos de tipos bastante detalhados. Também se percebe a marcante presença de tipos com serifa quadrada (slab serif) em várias linhas, como em “BELLE!”, além do tímido aparecimento de tipos sem serifas na segunda linha

Fonte: Adaptado de Lupton (2006, p. 23).

Uma alternativa ao emprego da litografia para composição de materiais publicitários, principalmente cartazes, consistiu no desenvolvimento dos tipos display em madeira (Figura 23). De tamanho muito superior aos tipos metálicos usados para composição de textos, as matrizes entalhadas em madeira permitiam aos designers criar formas mais detalhadas. A adoção de equipamentos como o pantógrafo e a fresa, em 1834, representou um grande avanço, pois permitia gerar diversas variações dos desenhos a partir de um original (LUPTON, 2006, p. 21).

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Figura 24 – Primeiro tipo sem serifas, de William Caslon IVFonte: Rocha (2005, p. 35).

Ainda no início século XIX, surgiram os tipos egípcios ou de serifas quadradas – slab serif, em inglês. Estes se caracterizaram por apresentar serifas grossas e pouco ou nenhum contraste entre as hastes. As variações geralmente incluíam desde tipos muitos condensados até formas bastante expandidas (ROCHA, 2005, p. 32).

Também nesse século apareceram os primeiros tipos sem serifas da história, lançados em 1816 por William Caslon IV (Figura 24). Posteriormente, outros tipos semelhantes foram lançados ainda no século XIX, como Akzidenz Grotesk, em 1896 (ROCHA, 2005, p. 32-33). Apesar do inicial fracasso, as fontes sem serifa se tornaram um grande sucesso no século XX, quando o paradigma funcionalista exigia certa neutralidade do design de tipos, característica que foi melhor incorporada pelos tipos sem serifas. O aspecto mais mecânico e com influências caligráficas reduzidas (ou até mesmo ausentes) se mostrou apropriado aos ideais dos designers modernistas. Pode-se considerar as fontes geométricas desprovidas de serifas – a exemplo da Futura, de Paul Renner e da Avant Garde, de Herb Lubalin – trabalhos exemplares do design de tipos na busca pela libertação do modelo caligráfico.

Uma importante mudança no cenário da tipografia se estabeleceu com o aparecimento de máquinas voltadas à mecanização do processo de composição dos tipos. Assim, na década de 1880, a linotipia – desenvolvida por Ottmar Mergenthaler – surgiu como uma alternativa à tradicional técnica de composição manual dos tipos móveis. A máquina Linotipo (em inglês, Linotype, de line of type) consiste num

complexo mecanismo [que] compõe uma linha de matrizes, justifica a linha fazendo deslizar cunhas pontiagudas nos espaços entre as palavras e então funde toda a linha na forma de uma única barra metálica pronta para a impressão tipográfica. (BRINGHURST, 2005, p. 152)

A Linotipo fundia basicamente linhas de letras em corpos pequenos. Conforme relata Rocha (2005, p. 20), “a composição mecânica aumentou a produtividade em até seis vezes, em relação à composição manual”. Uma vez que as linhas de tipos eram fundidas pela própria máquina, esse método ficou conhecido como composição a

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quente. Outro sistema similar bastante difundido no mundo foi a monotipia. Elaborada por John Bancroft em 1900, a máquina Monotipo “moldava letras individuais usando metal derretido em vez de estampá-las a frio. [...] Na verdade, trata-se de duas máquinas: um terminal e um dispositivo de saída” (BRINGHURST, 2005, p. 153).

Os métodos de composição a quente impuseram aos designers de tipos algumas peculiaridades e restrições. Tanto a Linotipo quanto a Monotipo utilizavam uma grade que dividia o eme em apenas 18 unidades, o que restringia o detalhamento possível no desenho dos caracteres. O kerning para a Linotipo também se mostrava problemático, pois não podia ser feito sem o emprego de matrizes especiais. A linotipia tinha como característica o uso casado de matrizes romanas e itálicas, o que implicava a confecção de matrizes com larguras iguais para esses dois estilos (cada letra romana deveria ter a mesma largura da itálica correspondente). Por outro lado, a monotipia tornou possível o kerning na composição a quente, além de permitir a confecção de tipos romanos e itálicos com larguras distintas. Apesar de tais restrições, várias fontes bem-sucedidas foram projetadas originalmente para os métodos de composição a quente, como Optima, de Hermann Zapf, Juliana, de Sem Hartz, Electra e Caledonia, de William Addison Dwiggins (BRINGHURST, 2005, p. 152-153).

OS MÉTODOS FOTOGRÁFICOS E A TIPOGRAFIA BIDIMENSIONAL3.2

As primeiras máquinas de composição tipográfica por meios fotográficos – processo denominado fototipia ou fotocomposição – foram projetadas e patenteadas durante a década de 1890. O uso desse tipo de equipamento a princípio se viu restrito à tarefa de compor títulos e manchetes. Embora a fotocomposição tenha sido aplicada comercialmente desde as décadas de 1920 e 1930, foi apenas a partir da década de 1960 que essa tecnologia dominou o mercado (BRINGHURST, 2005, p. 154).

Assim como a transição da caligrafia para a tipografia com os tipos móveis representou um marco e uma mudança na materialidade da escrita, a fotocomposição abandonou o legado escultórico dos tipos móveis, tornando a tipografia mais próxima à imagem fotográfica (GAUDÊNCIO JÚNIOR, 2004, p. 81). A fototipia, além de representar um grande avanço relativo à velocidade do trabalho, mostrou-se vantajosa também por consistir numa tecnologia compatível com a impressão offset. Antes da fotocomposição, adaptar a produção impressa por tipos móveis ao processo de impressão offset implicava um procedimento bastante trabalhoso:

Nos primórdios da impressão comercial em offset, a tipografia ainda era composta nas máquinas Linotype ou Monotype. As provas eram feitas em uma prensa tipográfica, depois recortadas, coladas e fotografadas. [...] Muitas das letras projetadas para impressão tridimensional ficavam mais fracas quando impressas em duas dimensões. Mas outras letras

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prosperaram: as geométricas, que evocavam mais o trabalho do desenhista que o do joalheiro, e as letras fluidas que lembravam o legado dos escribas (BRINGHURST, 2005, p. 154).

As máquinas fotocompositoras funcionavam a partir de princípios similares aos das máquinas fotográficas. Nelas, as letras e demais caracteres constituintes das fontes – que se encontram vazados num filme fotográfico – eram projetados sobre um papel ou filme fotossensível. Tal procedimento, conforme Gaudêncio Júnior (2004, p. 81), mostrou-se mais barato, flexível e prático do que os métodos de composição a quente. Com o auxílio de lentes, era possível alterar o tamanho dos caracteres sem a necessidade de uma fonte específica para cada corpo de letra, como acontecia na impressão tipográfica. Tracy (1986, p. 54-55) afirma que algumas fundições, como a Linotype, continuaram oferecendo ao mercado fontes com compensações ópticas e ajustes de proporções específicos para determinados corpos de caracteres. Entretanto, a escolha entre comprar mais de uma fonte ou adaptar uma grande variedade de tamanhos a partir de uma mesma matriz ficou a cargo dos designers e dos impressores. E, devido a uma questão econômica, muitos deles optaram pela alternativa menos dispendiosa, embora, do ponto de vista do refinamento tipográfico, tal prática se mostrasse mais pobre.

Os métodos de fotocomposição permitiram uma série de outras formas de se manipular uma mesma fonte, como a inclinação dos caracteres para gerar tipos oblíquos, que simulavam o efeito dos estilos itálicos – essa prática, diferentemente do redimensionamento de uma mesma fonte para se obter vários tamanhos de tipos, não alcançou o mesmo êxito –, a facilidade de compor formas condensadas ou expandidas fotograficamente, sobrepor caracteres, entre outras possibilidades.

Com a popularização da fototipia, houve um grande movimento de produção de novas fontes, “uma vez que foi eliminado o processo de intenso trabalho em talhar novos punções para cada tamanho de uma nova fonte” (CLAIR; BUSIC-SNYDER, 2009, p. 109). Entretanto, a questão da velocidade, fundamental para o sucesso da fotocomposição no mercado, apresentou consequências inevitáveis para a qualidade das fontes. Se, por um lado, a oferta de novos tipos para a tecnologia fotográfica se mostrou crescente, por outro, a qualidade de tais fontes revelou certas deficiências quando comparadas aos tipos móveis produzidos para composição manual. Bringhurst (2005, p. 155) aponta que as fontes para fotocomposição “não tinham ligaturas, algarismos de texto e versaletes. As fontes norte-americanas não tinham nem mesmo os mais simples caracteres acentuados”.

No que concerne aos aspectos técnicos da fotocomposição, esta tecnologia trouxe aos designers de tipos algumas novas atribuições. Devido às características físicas do processo fotográfico, surgiram certos problemas de reprodução dos tipos, de modo que a solução precisou ser pensada na fase de desenho dos caracteres.

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Figura 25 – A fonte Bell Centennial, projetada por Matthew Carter em 1978 para a empresa AT&T, faz uso intenso de ink traps

Fonte: Adaptado de Bell (2008).

A questão de entupimento de determinadas formas internas, comum na impressão tipográfica por tipos móveis, embora tivesse neste novo momento uma causa distinta, encontrou na aplicação dos ink traps (Figura 25), utilizados como refinamentos no design dos tipos metálicos, a solução técnica necessária. Ink traps consistem em compensações no desenho, de modo a tornar as junções das hastes mais claras, principalmente em regiões onde elas formam ângulos fechados, evitando, assim, o entupimento de áreas em branco. Trata-se de uma especialização do recurso utilizado para corrigir junções de traços, conforme apontado no item 1.5.6. Os fatores responsáveis pelo entupimento das contraformas são diversos. Na impressão tipográfica, a própria pressão que existe entre os tipos em relevo e o papel acaba por gerar borrões de tinta que, dependendo da forma gravada na matriz, acabam criando defeitos na reprodução dos tipos. Na fotocomposição, esse problema se deve aos efeitos de sobreiluminação e infrailuminação – provocados por iluminações muito rápidas, em flash (FRUTIGER, 2007a, p. 97). O tipo de papel usado para imprimir também exerce influência nessa questão: quanto mais áspero e absorvente, maior o ganho de ponto na impressão e, portanto, maior a necessidade de compensações no desenho das fontes.

A sobreiluminação dos caracteres também fazia com que os vértices retos se mostrassem arredondados, conforme se observa na Figura 26a. Por outro lado, detalhes nos desenhos e áreas muito pequenas sofriam com um problema de infrailuminação (Figura 26b) (FRUTIGER, 2007a, p. 96-97). A reprodução de traços finos apresentava dificuldades técnicas, sendo que algumas partes dos desenhos simplesmente desapareciam. Fontes como Bodoni e Didot, cujo uso de traços finos e grossos se faz intenso, constituíam escolhas problemáticas para a fototipia (Figura 26c). Frutiger (2007a, p. 96-97) afirma que os problemas de sobreiluminação e infrailuminação eram inevitáveis e, para adaptar designs de fontes ao sistema fotomecânico, mais do que redesenhar os caracteres, era necessário desenhar formas praticamente novas.

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Figura 26 – Problemas técnicos do processo fotomecânico relacionados aos efeitos de infrailuminação e sobreiluminação: a) à esquerda, o desenho do caractere conforme projetado pelo designer de tipos; ao centro, as distorções causadas no desenho durante o processo; à direita, as correções necessárias para que o resultado final atingido seja o mais próximo do planejado inicialmente; b) problemas de vértices arredondados e junções pouco definidas; c) fontes como Bodoni e Didot, acima, apresentavam falhas de reprodução conforme se observa abaixo

Fonte: Adaptado de Frutiger (2007, p. 96).

a) b) c)

O período de tempo em que as técnicas de fotocomposição dominaram o mercado se revela extremamente curto quando comparado à longa história dos tipos móveis na sociedade ocidental. Ainda no fim do século XX, o aparecimento dos sistemas digitais causou um forte impacto tanto para a composição tipográfica quanto para o design de tipos. Bringhurst (2005, p. 155) avalia que “no fim das contas, a inovação mais importante do período 1960-80 não foi a conversão das fontes para o filme ou para o metal, mas o advento dos computadores para editar, compor, corrigir o texto e comandar as últimas gerações das máquinas de composição”.Novamente, a migração tecnológica trouxe novas possibilidades e, junto com elas, consequências para as rotinas de trabalho.

TECNOLOGIAS DIGITAIS: A ANTIMATÉRIA TIPOGRÁFICA3.3

Diferentemente do que se observou nos métodos de produção e composição de tipos que antecederam as tecnologias digitais, os caracteres desenvolvidos para funcionar em computadores ou dispositivos afins não apresentam uma matriz física. Essa nova materialidade – ou falta de materialidade – dos tipos digitais os afasta ainda mais dos tradicionais tipos metálicos:

A chamada tecnologia digital constitui a primeira grande ameaça a desafiar os postulados da tipografia clássica, pois seu alcance é maior do que simplesmente discutir se determinada matriz é fiel aos princípios

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escultóricos do tipo em metal. No ambiente digital não existe matriz física, e as letras definitivamente deixaram de ser coisas para se tornarem imagens (GAUDÊNCIO JÚNIOR, 2004, p. 95-97).

Um dos impactos mais marcantes da implantação de tecnologias digitais na área do design de tipos, bem como do design gráfico em geral, consiste numa certa democratização do ofício. Conforme aponta Gaudêncio Júnior (2004, p. 94), “a tipografia escapa definitivamente do domínio do especialista para colocar-se à disposição de qualquer pessoa familiarizada com um computador”. Entretanto, essa abertura da tipografia a um público maior, composto por não especialistas, apresentou consequências graves, entre as quais muitos trabalhos de má qualidade (GAUDÊNCIO JÚNIOR, 2004, p. 95).

O uso de computadores como ferramentas práticas teve um primeiro grande impulso com o lançamento do Apple Macintosh em 1984 (GAUDÊNCIO JÚNIOR, 2004, p. 94), que “estabeleceu o padrão para a apresentação WYSIWYG (what you see is what you get – o que você vê é o que você obtém) e para a interface gráfica de uso fácil” (CLAIR; BUSIC-SNYDER, 2009, p. 129). A partir de então, tornou-se possível visualizar e alterar a composição de textos diretamente no computador. Os softwares automatizaram tarefas complexas, como os cálculos das relações entre “corpo de letra, quantidade de toques, comprimento de linha e outras complicadas variantes” (GAUDÊNCIO JÚNIOR, 2004, p. 94). O design de tipos também se viu impulsionado pelas facilidades proporcionadas pelas tecnologias digitais. “Recentemente, experimentamos uma invasão de novas fontes devido à simplicidade e ao baixo custo de criação nos computadores pessoais” (FONTOURA, 2004, p. 19).

Tecnicamente, o design de tipos para os meios digitais originou diversos desafios. As primeiras fontes desenvolvidas para computadores ou para impressoras matriciais eram compostas de pixels (abreviação do inglês picture elements) em uma grade cujo nível de detalhamento variava de acordo com o dispositivo de saída (Figura 27b). As chamadas fontes bitmap apresentavam problemas evidentes no processo de conversão de linhas curvas e diagonais, que mostravam um aspecto serrilhado. Como ressalta Tracy (1986, p. 44), depois de digitalizados por um scanner, os caracteres passavam por uma edição realizada por pessoas com “olhos educados”, de modo a excluir pixels indesejados em determinadas regiões e adicioná-los onde curvas ou traços diagonais precisassem de correção. Para reduzir tanto o tempo necessário ao processo quanto o volume de dados armazenados na memória dos computadores, criaram-se outros métodos de desenho para caracteres tipográficos. Um deles consistia em substituir a malha de pixels por um padrão composto de linhas verticais (Figura 27c). O tempo necessário para adaptar o desenho de um caractere a esse sistema era maior que aquele empregado para escanear as formas e traduzí-las em pixels. Entretanto, o novo

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Figura 27 – Métodos para descrição de caracteres em meios digitais: a) desenho da letra em sua forma natural, conforme projetada pelo designer de tipos; b) desenho convertido em pixels (os espaços em branco entre os elementos da grade são apenas um efeito para tornar a representação mais clara; na realidade, os pixels se encontram justapostos); c) padrão de linhas verticais (assim como no exemplo anterior, os elementos se encontram, na realidade, justapostos); d) representação através de vetores retilíneos

Fonte: Adaptado de Tracy (1986, p. 45).

a) b) c) d)

método reduzia ou até mesmo eliminava a etapa de edição e correções, além de ocupar muito menos espaço na memória da máquina (TRACY, 1986, p. 44). Outra forma de codificar caracteres tipográficos na forma de códigos para computador se baseou no uso de vetores, sendo apenas os pontos de junção armazenados na memória (Figura 27d).

A introdução da linguagem PostScript, na década de 1980, permitiu a substituição das fontes bitmap por fontes definidas por linhas de contorno escaláveis (BRINGHURST, 2005, p. 199). Diversos formatos de arquivo foram desenvolvidos com base na linguagem PostScript. De acordo com Bringhurst (2005, p. 200), o “único que prosperou foi uma versão inicial conhecida como Type One. As fontes PostScript são conseqüentemente designadas como PS, T-1 ou PS-1.” No início da década seguinte, o formato TrueType, também baseado em curvas escaláveis, foi lançado para Windows e Macintosh (CLAIR; BUSIC-SNYDER, 2009, p. 146). A partir desse formato, desenvolveram-se duas variações importantes: Graphic Extension (GX), editada em 1994 e TrueType Open (TTO), lançada em 1995 (BRINGHURST, 2005, p. 201). “Esses formatos são importantes, dada a sua habilidade de acomodar grandes conjuntos de caracteres aliada à substituição contextual automática de variantes e de ligaturas” (BRINGHURST, 2005, p. 201).

Os formatos PostScript e TrueType diferem fundamentalmente em dois aspectos: primeiro, no modo de trabalhar o processo de hinting; em segundo lugar, no método matemático de especificação das curvas (Figura 28) – enquanto o PS

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Figura 28 – Comparação entre curvas de uma fonte PS (a) e de sua equivalente TT (b): a codificação PS descreve o glifo por meio de 60 pontos, enquanto o método TT faz uso de 52 pontos

Fonte: Bringhurst (2005, p. 200).

utiliza curvas cúbicas (do tipo ax" + bx! + cx + d), o TT faz uso de curvas quadráticas (do tipo ax! + bx + c) (BRINGHURST, 2005, p. 199). Dessa maneira, ocorre que as fontes TrueType são descritas, em geral, por mais curvas que suas correspondentes PostScript, “mas essas curvas serão definidas por um número menor de pontos, e em termos matemáticos estes [pontos das curvas TT] serão normalmente mais simples de descrever” (BRINGHURST, 2005, p. 200). Assim como os tipos para fotocomposição, os formatos de fonte baseados no uso de vetores permitiram o uso de um mesmo arquivo para gerar textos em corpos de letra diversos.

O desenvolvimento do formato OpenType (OT ou OTF), realizado em conjunto pela Adobe e pela Microsoft (ROCHA, 2005, p. 23), consistiu num grande avanço técnico em relação aos formatos PostScript e TrueType. A inclusão de recursos programáveis nos arquivos de fontes, além do suporte a um número muito maior de caracteres, representou uma série de possibilidades a serem exploradas, tanto pelos designers de tipos, como pelos designers que utilizam as fontes para compor materiais gráficos e até mesmo pelos desenvolvedores de softwares, encarregados de tornar tais recursos acessíveis aos usuários dos programas.

As fontes OpenType podem ter seus glifos descritos por meio de curvas cúbicas (OpenType PS) ou quadráticas (OpenType TT). Os arquivos OpenType com núcleo TT apresentam características muito similares às fontes em formato TrueType: “do ponto de vista prático, qualquer fonte TrueType de PC é automaticamente uma fonte OpenType TT e vice-versa” (FONTLAB, 2006, p. 821). As fontes OpenType PS utilizam, para impressão, um método que converte os arquivos em formato Type 1,

a) b)

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o que as torna compatíveis com todos os dispositivos PostScript (FONTLAB, 2006, p. 821). Definir a aplicação de cada formato não se mostra uma tarefa simples. Enquanto os arquivos OpenType TT apresentam melhor compatibilidade com versões antigas do sistema operacional Windows, as fontes OpenType PS parecem ter alguma vantagem para a migração entre plataformas e trabalhos orientados em DTP (desktop publishing) (FONTLAB, 2006, p. 822). Por outro lado, o formato OpenType TT tende, ainda, a se mostrar mais satisfatório para exibição em tela, por causa de seu método específico de hinting.

Rápidos e sucessivos avanços tecnológicos marcaram a produção tipográfica das décadas de 1980 e 1990. Se o processo fotomecânico possibilitou distorções e maior liberdade para combinar e manipular os tipos, essas possibilidades foram potencializadas por meio das técnicas digitais. As fontes produzidas durante esse período apresentam várias linguagens próprias, tendo no experimentalismo uma característica recorrente. De acordo com Farias (2001, p. 29),

É muito problemático falar em ‘uma’ tipografia ‘pós-moderna’, uma vez que a única característica em comum nas tipografias experimentais das décadas de 80 e 90 parece ser a rejeição, em maior ou menor grau, ao paradigma racionalista estabelecido a partir da Bauhaus.

A exploração dos limites da legibilidade representou uma das questões mais importantes da tipografia do fim do século XX, tanto no que concerne ao uso dos tipos em layouts quanto no design de novas fontes. Farias (2001, p. 30-31) aponta que, nesse período, os designers estavam mais preocupados em tornar o papel do leitor algo mais ativo do que em prover uma leitura confortável e passiva das mensagens escritas. O enfoque da tipografia enquanto linguagem, por meio do questionamento das práticas tipográficas, também constituiu matéria para o trabalho de designers de tipos nas décadas de 1980 e 1990. Destacam-se, nesse contexto, os trabalhos desenvolvidos nas escolas de design americanas Cranbrook Academy of Art e CalArts, as experimentações publicadas em revistas como a californiana Emigre, além de projetos de designers e diretores de arte como Neville Brody, Terry Jones, David Carson, Jeffery Keedy, entre outros (FARIAS, 2001, p. 29-32).

Alguns designers de tipos, porém, buscaram abordagens mais funcionalistas para o desenvolvimento de seus trabalhos. Assim, a exploração das limitações e das técnicas disponíveis nos meios digitais serviu de embasamento para a criação de muitos tipos, entre os quais se destacam aqueles projetados por Zuzana Licko. Cofundadora da revista e fundição tipográfica digital Emigre, Licko buscou desenvolver fontes próprias para os meios digitais, em vez de simples adaptações de tipos originários de outras técnicas (FARIAS, 2001, p. 32-33). Dessa maneira, o trabalho desenvolvido por Licko revela uma interessante abordagem das técnicas

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digitais para design de tipos, oferecendo exemplos muito pertinentes para o entendimento da evolução tecnológica da tipografia digital e da forma como os designers lidaram com essas tecnologias.

A assimilação das técnicas disponíveis nos meios digitais não impediu ou mesmo freou as experimentações no campo tipográfico, mas, como efeito mais relevante, impulsionou o mercado e uma produção mais voltada a fins comerciais. O alcance cada vez maior de pessoas pela internet favoreceu o comércio de fontes, uma vez que simplificou o acesso a tais produtos: “A internet está repleta de informações e é o meio ambiente perfeito para a expansão desse mercado, já que a aquisição de novas fontes, gratuitas ou não, tem delivery fácil e imediato por meio de download” (ROCHA, 2005, p. 8). O número de fundições digitais cresceu significativamente, assim como a produção e a distribuição de fontes no mercado. “Estima-se que, em 1985, foram lançadas aproximadamente duzentas novas fontes. Com a introdução do computador, esse número saltou para a casa do milhar” (FONTOURA, 2004, p. 20). Embora a pirataria represente uma grande adversidade ao mercado de fontes tipográficas, o interesse de novos designers por este meio parece crescer com o tempo. O design de tipos experimenta, portanto, um período de valorização no contexto do design gráfico.

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NOTAS PARA UMA METODOLOGIA DO DESIGN DE TIPOS4

Não existe um único processo padrão para desenvolver projetos de design de tipos. A metodologia varia bastante de acordo com as preferências e os hábitos de trabalho de cada designer. Entretanto, pode-se estabelecer uma sequência lógica de atividades e passos fundamentais para organizar o procedimento, de modo a alcançar resultados concretos. Assim, as etapas listadas e analisadas a seguir consistem numa sugestão de metodologia para o desenho e a edição de fontes tipográficas.

PESQUISA E REFERÊNCIAS4.1

O desenho de uma face de tipos pode se originar de qualquer lugar. “Nem sempre o designer para e pensa ‘hoje vou começar a trabalhar numa fonte’” (EARLS, 2002, p. 146). A inspiração se encontra no mundo visual que nos rodeia. Rabiscos, rascunhos, fotografias e fontes de outros designers podem consistir em estímulos para um novo projeto.

Antes de se iniciar o trabalho propriamente dito, isto é, o desenho dos tipos, uma etapa de pesquisas se mostra importante. Selecionar faces tipográficas com características próximas às que pautarão o projeto de design, tomando-se o cuidado de não copiar o trabalho de outro profissional, ajuda a compreender melhor a lógica formal e estética do design. Caro (2007, p. 61) afirma que a comparação com fontes clássicas constitui um meio de “não perder a referência quanto às proporções, peso geral das letras, espessuras de haste. É importante partir dessas referências, para não ter de refazer a fonte por um problema no início do trabalho”.

A fase de pesquisas pode incluir também visitas a websites de fundições tipográficas. Investigar a produção de outros designers e conhecer as tendências do mercado pode se revelar uma estratégia útil e proveitosa.

PRIMEIRAS DECISÕES4.2

Conforme Earls (2002, p. 146), a primeira questão que envolve o projeto é “por que estou desenhando esta face de tipos?” Complementando a pergunta, pode-se indagar: para que (finalidade) criar novos tipos? As respostas servirão como um parâmetro fundamental no desenvolvimento do projeto. Dependendo da finalidade pretendida para o produto do trabalho, deve-se escolher um tipo de abordagem ou outro. Isso implica diferentes níveis de exigência de qualidade e refinamento durante o processo de design:

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Por exemplo, se você pretende experimentar o design de tipos apenas por diversão, criando uma fonte baseada em sua escrita manual ou uma fonte display de traços peculiares que será distribuída gratuitamente, pode seguir em frente e se divertir.Se a face de tipos que você está criando é um projeto sério, para uso extensivo e se você pretende ganhar dinheiro com isso, então ela lhe pagará dividendos pelo tempo dedicado ao projeto [...] [o design de tipos] pode ser uma tarefa extraordinariamente trabalhosa e intensa para os padrões de um profissional (EARLS, 2002, p. 147).

Definir, portanto, algumas diretrizes básicas no início do projeto se mostra uma etapa vital para o sucesso do trabalho.

ESCOLHA DAS FERRAMENTAS4.3

A escolha dos instrumentos utilizados para produzir uma face de tipos constitui um aspecto muito pessoal. Tanto no desenho dos caracteres quanto na edição dos glifos da fonte há várias opções. A decisão entre uma ferramenta ou outra depende dos métodos de trabalho de cada designer. A seguir são apresentadas algumas das alternativas disponíveis.

Instrumentos para desenho de tipos4.3.1

De acordo com Julien (2007), há basicamente três métodos para criar o desenho de uma face de tipos. O primeiro prevê desenhar os caracteres a mão sobre papel. Esta técnica se mostra bastante usual entre os designers de tipos, como Adrian Frutiger, que costuma desenhar todos os caracteres manualmente; outros preferem desenhar parte dos caracteres a mão, para ter a primeira ideia e depois trabalhar os demais no computador (CARO, 2007, p. 62). Feitos os desenhos em papel, necessita-se de um scanner para digitalizar os traços e depois manipulá-los através de um programa de edição de imagens. Os desenhos podem ser vetorizados em um programa específico para desenho vetorial e então exportados para um editor de fontes tipográficas digitais.

Outra alternativa para o desenho de caracteres consiste em desenvolver os vetores diretamente no computador, por meio de mesas digitalizadoras (tablets). Os programas gráficos para desenho vetorial permitem simular efeitos de traços de pincéis (brushes) entre uma variedade considerável de padrões. Assim, pode-se alterar facilmente o estilo do desenho de um alfabeto pela escolha de um padrão diferente para os traços dos tipos nas definições de brushes do programa. Apesar da praticidade oferecida pela tecnologia das mesas digitalizadoras, os resultados obtidos por este meio diferem consideravelmente dos mesmos desenhos traçados sobre papel (JULIEN, 2007).

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O terceiro método para criar desenhos de tipos compreende a geração dos vetores diretamente no programa editor de fontes. A vantagem desta técnica reside em eliminar algumas etapas de trabalho, citadas nos outros modelos apresentados; não há, por exemplo, a necessidade de digitalizar desenhos ou vetorizar imagens. Alguns designers preferem trabalhar segundo este último método, entre os quais se pode citar Zuzana Licko (LICKO, 2002).

Programas de edição de fontes4.3.2

O programa editor de fontes possui um papel de fundamental importância no processo de design de tipos. Através desta ferramenta o designer realmente constrói a fonte, transformando os desenhos dos glifos em um produto funcional. Existem algumas opções de programas que se destinam à produção fontes digitais:

FontLab Studio: considerado um dos programas tecnicamente mais avançados a) para edição de fontes digitais, oferece suporte a recursos OpenType e permite editar fontes com conjunto de caracteres japoneses (EARLS, 2002, p. 149). Trata-se, praticamente, do padrão do mercado (JULIEN, 2007). As licenças de uso para o programa são pagas e o software se encontra disponível para as plataformas PC e Mac;TypeTool: trata-se de uma ferramenta para iniciantes, uma espécie de versão b) simplificada do programa FontLab Studio (EARLS, 2002, p. 149);Fontographer: “o original rei dos programas de edição de fontes digitais” c) (JULIEN, 2007). Apesar da grande popularidade, o Fontographer passou por um período de aproximadamente 14 anos (entre 1996 e 2010) sem atualizações, até o lançamento da versão 5, em 17 de junho de 2010. O programa oferece “um pacote completo com suporte a recursos avançados e é mais barato que o FontLab [Studio]” (EARLS, 2002, p. 149);FontForge: aparentemente, apresenta os mesmos recursos que o FontLab d) Studio, com a característica de ser grátis e open-source. Apesar disso, sua aceitação pelos designers se mostra pouco significativa. Este programa funciona nas plataformas PC, Mac e Linux (JULIEN, 2007);FontCreator: disponível apenas para Windows, este programa se apresenta e) como o mais acessível entre os softwares com licenças pagas, embora trabalhe apenas com os formatos TrueType e OpenType – não há suporte para fontes Type 1 (JULIEN, 2007);DTL FontMaster: possui as mesmas funções que o FontLab Studio, além f) de outros recursos (JULIEN, 2007). O programa consiste em sete módulos,

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destinados a tarefas específicas do processo de edição de fontes digitais.7 Entretanto, o custo desta ferramenta se mostra muito alto: quase quatro vezes o preço do software FontLab Studio. Podem-se encontrar versões para as plataformas PC, Mac e Linux.

MÉTODO PARA DESENHO DE CARACTERES4.4

Com o objetivo de facilitar o processo de desenho dos tipos de uma face, deve-se organizá-los em grupos com características formais semelhantes, conforme exposto na seção 1.4.2. Os alfabetos em caixa-alta e em caixa-baixa, por apresentarem estruturas distintas, podem ser desenhados separadamente ou em conjunto. Ambos devem compartilhar atributos estéticos semelhantes, de modo a gerar consistência para o conjunto de glifos da fonte. Não há uma regra que determine o desenvolvimento de um alfabeto primeiro; pode-se iniciar o trabalho pelo conjunto de versais ou de caixas-baixas. O método de Karen Cheng (2005, p. 20) sugere que se comece a desenhar os tipos pelas caixas-altas, orientando-se por suas estruturas básicas. O processo de desenho se faz por meio de comparações entre os caracteres, de modo a compreender as semelhanças e as diferenças inerentes à figura de cada um.

Desenhar o alfabeto a partir de letras específicas ajuda a definir pontos chave do projeto. “A escola suíça de tipografia tradicionalmente recomenda iniciar o desenho de uma fonte pelos caracteres ‘O’, ‘H’, ‘n’ e ‘o’ ” (BUGGY, 2007, p. 136). Assim, pode-se definir, por meio de poucos caracteres, aspectos como: espessura das hastes, larguras das letras retangulares e redondas, padrão de serifas de base e topo, junções entre retas e curvas, altura de versais e de caixas-baixas; também já se estabelecem as proporções básicas dos espaços internos (contraformas). Após os quatro caracteres fundamentais, desenha-se então as letras p e h, que fornecem um modelo para ascendentes e descendentes dentro da fonte. Em seguida, deve-se determinar o padrão dos traços inclinados. Um ponto de partida útil se encontra na letra v, tanto em caixa-baixa quanto em caixa-alta. Por fim, há caracteres que não se encaixam nos modelos estruturais dos outros integrantes do alfabeto, como

7 Os sete módulos que compõem o DTL FontMaster são os seguintes: DTL BezierMaster, consiste num editor de curvas Bezier; DTL BlendMaster, ferramenta para interpolação de fontes; DTL ContourMaster, módulo para teste e correção de vetores; DTL DataMaster, destina-se a gerar e converter formatos de arquivos de fontes; DTL IkarusMaster, editor de arquivos no formato IK (formato de arquivos de fontes tipográficas); DTL KernMaster, utilizado para gerar pares de kerning; e DTL TraceMaster, ferramenta para vetorização automática (auto-tracing) (DUTCH TYPE LIBRARY, 2010).

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Figura 29 – Derivação de arquétipos das letras caixas-altas do alfabeto latinoFonte: Buggy (2007, p. 140-141).

O H V

N I B R F

G M L T E

P

Q C U

J D

A Y W

X Z

K

S

é o caso das letras a e g em caixa-baixa. Dessa forma, deve-se interpretá-los e desenvolver o desenho de modo que o sistema se mostre consistente (BUGGY, 2007, p. 137-138).

Depois de desenvolver os caracteres correspondentes às letras do alfabeto, necessita-se desenhar símbolos não alfabéticos, como numerais, marcas de pontuação e sinais diacríticos. Os tipos referentes aos algarismos podem seguir uma sequência lógica de construção similar à das letras, embora a estrutura dos numerais apresente uma lógica de derivação de formas ainda mais complexa de se definir. Os glifos que representam símbolos de pontuação e diacríticos exigem especial cuidado no processo de desenho, de modo a estabelecer harmonia com os caracteres alfabéticos e numéricos. A comparação se mostra novamente essencial para garantir um resultado satisfatório ao projeto da face de tipos.

Existem gráficos que estabelecem sequências lógicas para definir o desenho de caracteres tipográficos (Figuras 29, 30 e 31). Tais sequências se baseiam na verificação de estruturas comuns entre os tipos, passando de formas simples a desenhos gradativamente mais complexos, derivados de arquétipos similares. Embora isso possa sugerir que o desenho de caracteres tipográficos se fundamente numa espécie de procedimento “copiar e colar” de formas entre os tipos, deve-se considerar que tal prática não se mostra suficiente ou mesmo satisfatória. Ajustes manuais são necessários e até essenciais para preservar o ritmo das formas (BUGGY, 2007, p. 141).

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Figura 31 – Derivação de arquétipos para algarismos. As propostas a) e b) apresentam muitas semelhanças, divergindo quanto à escolha dos algarismos 3 ou 8 para originar o ramo central do gráfico

Fonte: Buggy (2007, p. 140).

0

2

1

4

3

8 6

9 57

0

2

1

4

8

3

6

9 5

7

a) b)

Figura 30 – Derivação de arquétipos das letras caixas-baixas do alfabeto latinoFonte: Buggy (2007, p. 140).

o h v

c n l b q d

e u m r i f g a

y w

x z

j t s k

p

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75

MÉTODOS DE ESPACEJAMENTO4.5

Embora o processo de definição de espaços laterais (sidebearings) entre os glifos de uma fonte se mostre “uma lenta e iterativa atividade, [...] trabalho melhor mensurado em meses – e, algumas vezes, até em anos – do que em horas ou dias” (CHENG, 2005, p. 218), existem métodos destinados a guiar essa tarefa. Tratam-se de orientações práticas que servem como parâmetros para definir o procedimento. O processo consiste numa “combinação de julgamentos razoáveis do olho e de aspectos de design dos glifos” (VARGAS, 2007, p. 4). De acordo com Tracy (1986, p. 72), o espacejamento de caracteres se executa melhor antes de os desenhos serem finalizados. Isso porque nem sempre os problemas de espaços irregulares podem alcançar soluções satisfatórias apenas pela alteração das distâncias laterais dos tipos. Em alguns casos, podem ser necessários ajustes nos desenhos dos caracteres. Por isso, Vargas (2007, p. 4) define o espacejamento como um processo que pode ser refinado posteriormente, mas que deve ser praticado desde o início da criação da face de tipos.

A seguir, encontram-se descritos os métodos de espacejamento de glifos elaborados por Walter Tracy e Miguel Sousa. Cada um apresenta abordagens diferentes para o mesmo problema e, portanto, ambos se mostram interessantes para investigação.

Método de Walter Tracy4.5.1

Este sistema trabalha o espacejamento de caixas-altas e caixas-baixas separadamente. Tracy (1986, p. 70-75) descreve primeiro o procedimento aplicado às versais: deve-se iniciar o trabalho pela definição dos espaços em ambos os lados da letra H, utilizando-se a sequência HHHH. O autor sugere acrescentar a cada lateral do caractere metade da distância entre as hastes verticais, de modo que, quando compostas lado a lado, as letras definam um ritmo constante. Entretanto, deve-se promover as correções necessárias e ajustar os espaços visualmente, testando as interações entre as formas. Uma vez que o espacejamento se mostre harmonioso após o primeiro passo, introduz-se a letra O no exercício. Com a composição HHOHH, determina-se o espaço necessário em cada uma das laterais da letra O em comparação com as linhas verticais da letra H. Acrescenta-se então mais uma letra O entre os pares de letras H, obtendo-se HHOOHH. Esta situação pode revelar a necessidade de alterar as métricas de espacejamento tanto para a letra O quanto para o H. Tendo definidos os espaços laterais para as letras O e H, seus valores são marcados como padrões, a partir dos quais se desenvolvem os ajustes referentes às

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a Igual às laterais da letra H

b Ligeiramente menor que a

c Cerca de metade de a

d Espaço mínimo

e Igual às laterais da letra O

deve ser espacejado visualmente, entre os padões

d dA a cB e cC a eD a cE a cFe bG a aI d

aJ adK a

dL b aMb bN

S

a eP e eQ adR d dT a bU

d dV d dW d dX d dY c cZ

Figura 32 – Método de Walter Tracy para espacejamento das caixas-altasFonte: Tracy (1986, p. 74).

O método para espacejamento de caixas-baixas se mostra fundamentalmente o mesmo que se aplica às caixas-altas, sendo agora os padrões para desenvolvimento do trabalho as letras n e o. Pode-se iniciar a definição dos espaços laterais acrescentando-se ao lado esquerdo da letra n metade da distância que se verifica entre as hastes verticais desta letra; o outro lado deve receber pouco menos espaço, pois o arco que define o ombro demanda uma distância menor para estabelecer equilíbrio óptico. Quando se compõe a sequência nnnn, observa-se um ritmo uniforme entre os traços de orientação vertical. Entretanto, tais espaços tendem a parecer muito grandes, necessitando de reduções. A análise e a experimentação consistem na melhor forma de se definir as distâncias adequadas.

Concluída esta primeira etapa, parte-se para o espacejamento da letra o, compondo as sequências nnonn, nnonon e nnoonn. Tendo os espaços laterais definidos para as duas primeiras letras, deve-se espacejar as demais de acordo com a Figura 33. Tracy (1986, p. 75) salienta que os espaços entre as letras não devem ser maiores que os espaços internos nas letras m ou n. Este método pode ser empregado também no espacejamento de tipos itálicos e bold, com os mesmos padrões e procedimentos.

demais letras do alfabeto. As laterais da letra O determinam as distâncias necessárias para espacejar as formas redondas, enquanto as laterais da letra H ditam o modelo para as letras que possuem extremidades em linhas retas verticais. As demais letras são espacejadas conforme a Figura 32.

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a Igual ao lado esquerdo da letra n

b Igual ao lado direito da letra n

c Ligeiramente maior que o lado

esquerdo da letra n

d Espaço mínimo

e Igual às laterais da letra o

f Ligeiramente menor que as

laterais da letra o

devem ser espacejados visualmente, entre os padões

a eb e fc e ad e fe c bh c aia aj c

dk c al a bm c ep e aqa dr

a f g s t z

b bu d dv d dw d dy

Figura 33 – Método de Walter Tracy para espacejamento das caixas-baixasFonte: Tracy (1986, p. 75).

Método de Miguel Sousa4.5.2

Trata-se de um sistema concebido para estabelecer espaços entre as letras caixas-baixas. O método prevê a divisão das 26 letras do alfabeto latino em três grupos (VARGAS, 2007, p. 10), organizados por semelhanças formais:

Primeiro grupo: b, d, h, i, l, m, n, o, p, q, u.a) Os espaços necessários em ambos os lados das letras deste grupo se relacionam a pelo menos um lado de outro elemento do mesmo grupo. As extremidades em forma de curvas recebem espaços similares àqueles definidos para a letra o; as laterais marcadas por linhas de orientação vertical recebem distâncias semelhantes às que se verificam em ambos os lados da letra l (caixa-baixa).Segundo grupo: a, c, e, f, j, k, r, t.b) Os caracteres deste grupo apresentam um lado com formas similares às extremidades das letras do primeiro grupo, além de um lado com características diferentes daquelas encontradas entre os elementos do primeiro grupo.Terceiro grupo: g, s, v, w, x, y, z.c) Este conjunto é composto de caracteres que não apresentam relações diretas de espacejamento com qualquer outro. De acordo com Vargas (2007, p. 10), Miguel Sousa alerta que a definição deste grupo depende do design da face tipográfica. Por exemplo, “caso o g não seja definido em estilo binocular [ g ], esta letra pode fazer parte de um dos grupos citados anteriormente” (VARGAS, 2007, p. 10).

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O procedimento utilizado para espacejar as letras se inicia de modo semelhante ao método de Walter Tracy. Primeiramente, definem-se as distâncias necessárias a ambas as laterais das letras n e o por meio da composição noonnon. Com os espaços determinados, deve-se atribuir valores aos sidebearings dos demais caracteres do primeiro grupo. Os ajustes e as correções se processam a partir de comparações com palavras formadas apenas pelas letras deste grupo. Vargas (2007, p. 10) sugere o uso da ferramenta adhesiontext8 para gerar palavras que contenham apenas as letras desejadas.

Em seguida, adicionam-se sequencialmente as letras do segundo grupo. Estas são espacejadas entre as letras do primeiro grupo, comparando seu comportamento num conjunto de palavras. Repete-se então o processo com os elementos do terceiro grupo. Cabe ressaltar que, conforme novas letras são introduzidas, pode se verificar a necessidade de alterar o espacejamento de letras previamente definidas.

Embora o método originalmente não trate o espacejamento de caixas-altas, Vargas (2007, p. 10) sugere a definição dos três grupos de caracteres da seguinte forma:

Primeiro grupo: B, D, E, F, H, I, N, O, Q.a) Segundo grupo: C, G, J, K, L, P, R.b) Terceiro grupo: A, M, S, T, U, V, W, X, Y, Z.c)

O procedimento para espacejar as letras ocorre do mesmo modo com se observou para as caixas-baixas. Desta vez, inicia-se o trabalho com as letras H e O sendo os padrões.

AJUSTES DE 4.6 KERNING

O ajuste de pares de kerning de uma fonte tipográfica pode ser considerado o segundo passo do que Cheng (2005, p. 216) define como um processo em duas partes para definição do espacejamento – a primeira etapa consiste na definição dos sidebearings. Assim, o kerning de uma fonte digital depende dos ajustes de espaços laterais dos glifos. Ainda que haja combinações naturalmente problemáticas, cuja adequação deva passar pelo processo de kerning, o número de pares para a correção desse tipo de problema séra menor no caso de um espacejamento consistente.

8 Trata-se de uma ferramenta online, desenvolvida por Miguel Sousa, capaz de gerar textos aleatórios em diversas línguas a partir de grupos de caracteres definidos pelo usuário. O adhesiontext se encontra disponível em <http://www.adhesiontext.com>.

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Recomenda-se que o número de pares de kerning de uma fonte digital não exceda a marca dos 3000, pois números muito elevados aumentam o tamanho do arquivo da fonte e podem até ultrapassar a capacidade de processamento de muitos programas para composição de textos (CHENG, 2005, p. 226).

A definição e o ajuste de pares de kerning constituem um processo bastante trabalhoso. A tecnologia OpenType permite, além da definição de pares individuais, o trabalho com kerning categorizado (class-based kerning). Deve-se definir conjuntos (classes) de glifos com formas laterais semelhantes e que necessitem dos mesmos níveis de correção de kerning. Dessa maneira, pode-se atribuir um único valor à classe completa (CHENG, 2005, p. 226). Tal recurso se mostra útil principalmente no caso de letras que recebem uma variedade grande de sinais diacríticos, como os glifos à, á, â, ã, ä, e å. Entretanto, deve-se tomar cuidado com algumas combinações: Ta e Tä, Ti e Tï, il e íl, i) e ï) podem exigir ajustes distintos (BRINGHURST, 2005, p. 222). Felizmente, o kerning categorizado permite que se trabalhe com exceções (CHENG, 2005, p. 226). Pode-se atribuir valores diferentes do padrão da classe a pares específicos dentro de um mesmo conjunto.

Para auxiliar a tarefa de definição dos pares de kerning de uma fonte, existem listas ou tabelas de pares de kerning. Como o nome descreve, trata-se de listas, por vezes organizadas sob a forma de tabelas, que apresentam combinações críticas para o espacejamento de glifos. Diferentemente dos métodos de espacejamento descritos anteriormente, as tabelas de kerning apenas mostram combinações problemáticas, sem apontar possíveis meios de solucionar as inconsistências nos espaços. A demanda de pares de kerning depende muito do design dos tipos, sendo que os ajustes devem respeitar o ritmo de espacejamento já definido para a fonte. O julgamento orientado por observações e comparações revela, portanto, papel fundamental nesse processo.

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DESENVOLVIMENTO DA FAMÍLIA TIPOGRÁFICA5

Por meio dos conteúdos abordados na fase de pesquisa teórica, pode-se obter o embasamento necessário para descrever o processo de desenvolvimento das atividades práticas do projeto. O trabalho de design de uma família de tipos exige atenção e tempo para executar os desenhos, editar os glifos da fonte e promover as correções necessárias à obtenção de resultados mais consistentes. As próximas seções se dedicam a relatar o processo que culminou na criação da família tipográfica Myosotis, desde as etapas iniciais do projeto até a edição final dos arquivos das fontes.

REFERÊNCIAS GRÁFICAS5.1

O primeiro passo para desenvolvimento do projeto contemplou a pesquisa de algumas faces de tipos com características consideradas interessantes, além de uma breve análise das fontes selecionadas antes de se iniciar os desenhos para a nova família de tipos. Como referência nesta etapa, utilizou-se o capítulo 11 do livro Elementos do estilo tipográfico (BRINGHURST, 2005, p. 229-314), sobretudo a seção 11.2, que trata de fontes serifadas para textos. Desta obra, selecionaram-se as seguintes faces de tipos:

Caecilia: face de tipos projetada pelo designer holandês Peter Matthias Noordzij a) e editada pela Linotype em 1991. Trata-se de uma fonte neo-humanista com serifas retangulares (BRINGHURST, 2005, p. 238), marcada por traços de espessura constante (Figura 34). O estilo itálico mantém as serifas retangulares e apresenta inclinação de apenas 5º;

Chaparral: projetada por Carol Twombly para a Adobe, foi concluída em 1997. b) Observa-se nesta fonte (Figura 35) um baixo contraste entre os traços que descrevem os glifos e, sobretudo, uma face “extraordinariamente limpa e aparentemente imperturbável” (BRINGHURST, 2005, p. 242). O livro O mundo codificado, uma seleção de textos de Vilém Flusser publicada em 2007,

abcëfghijõp !"# AQ abcèfghijôpFigura 34 – Face de tipos Caecilia, de Peter Matthias NoordzijFonte: Bringhurst (2005, p. 238).

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constitui um bom exemplo de aplicação do tipo Chaparral em textos extensos para leitura contínua;

abcëfghijõp !"# AQ abcèfghijôp

abcëfghijõp 123 AQ abcèfghijôp

Figura 35 – Face de tipos Chaparral, de Carol TwomblyFonte: Bringhurst (2005, p. 242).

Figura 36 – Face de tipos Joanna, de Eric GillFonte: Bringhurst (2005, p. 255).

Joanna: desenhada por Eric Gill para uso próprio, foi gravada pela Caslon c) Foundry, em Londres, em 1930 (BRINGHURST, 2005, p. 255) e posteriormente comercializada pela Monotype, empresa para a qual Gill havia trabalhado no desenvolvimento de outras duas faces de tipos – Perpetua e Gill Sans. Segundo Bringhurst (2005, p. 255), trata-se de “uma fonte de simplicidade espartana, com serifas chatas e muito pouco contraste” (Figura 36). A itálica exemplifica bem o conceito próprio de Gill acerca desse estilo, sem a presença de formas manuscritas; apesar da inclinação de apenas 3º, a itálica se mostra suficientemente distinta da romana pelo estreitamento das formas. O livro An essay on typography, de Eric Gill, faz uso desta fonte para composição de textos;

Minion: face de tipos projetada por Robert Slimbach e editada pela Adobe em d) 1989 (Figura 37). “A Minion é uma família de texto neo-humanista desenvolvida na íntegra, que, no sentido tipográfico, é especialmente econômica para se compor” (BRINGHURST, 2005, p. 259). Pela excelência do design desta face, a Minion foi escolhida como referência não apenas para os desenhos, mas também para as questões técnicas. O livro Elementos do estilo tipográfico, de Robert Bringhurst, utiliza esta fonte para compor o texto da obra.

abcëfghijõp !"# AQ abcèfghijôpFigura 37 – Face de tipos Minion, de Robert SlimbachFonte: Bringhurst (2005, p. 259).

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Embora não se encontre no livro de Robert Bringhurst, a face de tipos Fairplex (Figura 38), de autoria de Zuzana Licko, também serviu como referência no desenvolvimento do projeto. Esta família de fontes se caracteriza pelo baixo contraste de traços e apresenta serifas que derivam “principalmente de origens não tipográficas [...] [em contrapartida,] as formas estruturais são claramente reconhecíveis como sendo tradicionalmente tipográficas” (EMIGRE, 2002).

abcëfghijõp 123 AQ abcèfghijôpFigura 38 – Face de tipos Fairplex, de Zuzana LickoFonte: Adaptado de Bringhurst (2005).

REQUISITOS DE PROJETO5.2

Antes mesmo de se iniciar o desenho da família tipográfica, deve-se tomar algumas decisões que pautarão o projeto. Os requisitos inicialmente impostos para o desenvolvimento das fontes estão listados abaixo:

atender aos aspectos formais:a) altura-x em torno de 60% da altura de ascendentes; -altura de versais abaixo da altura de ascendentes; -extensão de descendentes levemente reduzida em comparação com as -ascendentes;evitar uso de contraformas ou aberturas muito pequenas; -apresentar baixo contraste entre traços finos e espessos; -evitar uso de traços, serifas ou detalhes muito finos; -

promover legibilidade e leiturabilidade satisfatórias em corpos de texto, b) principalmente na faixa entre 8 e 12 pt;as fontes devem apresentar bom desempenho para impressão de textos de c) livros e materiais publicitários como folders, flyers, entre outros;os estilos devem ser suficientemente diferentes, para que o leitor não os d) confunda, porém, sem perder a identidade e a coesão da família;o desenho das faces de tipos deve apresentar um caráter de originalidade, e) entretanto, sem prejudicar o aspecto funcional das fontes;as fontes devem permitir a composição de textos não apenas em língua f) portuguesa, mas também em outras línguas modernas.

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DEFINIÇÃO DA PALETA DE GLIFOS5.3

Uma vez determinadas as aplicações potenciais da família de fontes, pode-se definir uma paleta de glifos que atenda aos requisitos de projeto listados anteriormente. Fontes para texto precisam oferecer mais que as 26 letras do alfabeto latino em caixa-alta e caixa-baixa. A gama de caracteres em uma fonte de texto pode incluir alfabetos como o cirílico e o grego, complementos do alfabeto latino, sinais diacríticos, marcas de pontuação, numerais, símbolos matemáticos, monetários e tipográficos, ligaturas, entre outros. Assim, a delimitação da paleta de glifos deve considerar um conjunto de caracteres que se mostre suficiente, em consonância com o tempo disponível para o desenvolvimento do projeto.

Buscou-se, portanto, fontes de informação que pudessem guiar a escolha dos glifos contemplados pela família. Depois de consultar as páginas de codificação do Unicode,9 verificar as exigências de mapa de caracteres para participação em exposições e comparar os conjuntos de glifos que compõem fontes comercializadas por algumas fundições tipográficas, chegou-se a uma paleta composta por 266 glifos (Figura 39). Este conjunto atende às especificações de caracteres das páginas C0 Controls and Basic Latin e C1 Controls and Latin-1 Supplement (UNICODE, 2009); comporta também a lista completa de caracteres exigida na categoria de fontes para texto da exposição da Quarta Bienal de Tipografia Latinoamericana (TIPOS LATINOS, 2010) e ainda oferece alguns caracteres adicionais. Os glifos que integram a paleta definida para o projeto incluem:

Alfabeto latino básico, em caixa-baixa e versais;a) letras adicionais: b) thorn (caixa-alta #, caixa-baixa $) e eth (caixa-alta %, caixa-baixa &), letras básicas dos alfabetos anglo-saxão e islandês (BRINGHURST, 2005, p. 338, 348), o riscado (caixa-alta Ø, caixa-baixa ø), utilizado nos idiomas norueguês e dinamarquês (BRINGHURST, 2005, p. 342-343) e mi ('), letra grega que simboliza o prefixo micro;diacríticos: sinais gráficos que alteram a pronúncia de uma letra, como os c) acentos agudo, grave e circunflexo, trema, til, cedilha, entre outros;marcas de pontuação;d) numerais: estilos alinhado proporcional e tabular, e) oldstyle (ou desalinhado) tabular e proporcional;símbolos monetários: estilos alinhado e f) oldstyle;símbolos matemáticos;g)

9 “Projeto iniciado em 1988 com o objetivo de padronizar a codificação dos caracteres de todas as escritas do mundo” (BRINGHURST, 2005, p. 365).

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Space

No-break space

Soft hyphen

Figura 39 – Paleta de glifos definida para o projetoFonte: O autor.

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outros símbolos: incluem aspas, marcas tipográficas como as de parágrafo e h) de seção, adaga, entre outros;ligaturas: dividem-se em dois grupos, as ligaturas lexicais (Æ, æ, Œ, œ e ß), i) cujo uso se orienta por regras linguísticas, e as ligaturas tipográficas (!, ", #, $, %, & e '), cujo emprego se define de modo arbitrário.

DETERMINAÇÃO DAS LINHAS ESTRUTURAIS5.4

As posições das linhas estruturais do tipo precisam ser cuidadosamente planejadas antes de se iniciar o desenho dos glifos da fonte. Erros ou decisões inadequadas neste momento podem comprometer o resultado do trabalho ou exigir grandes esforços de alterações e correções. Considerando-se a pesquisa desenvolvida previamente, bem como os requisitos do projeto, o primeiro passo para a execução dos desenhos dos glifos da família tipográfica compreendeu a definição das linhas de altura-x, altura de versal, ascendentes e descendentes. Desse modo, definiu-se como 1000 o valor de UPM das fontes, um parâmetro que permite trabalhar com formatos finais de arquivos baseados em curvas TrueType ou PostScript. Estabeleceu-se a razão de 2/3 (aproximadamente 66,7%) entre altura-x e altura de versais, sendo a primeira situada a 440 unidades de distância da linha de base e a outra a 660 unidades. A linha de altura de ascendentes, localizada um pouco acima da altura de versais, definiu-se na marca de 708 unidades. Comparando-a com a altura-x, obtém-se uma razão de aproximadamente 62%, valor similar ao sugerido por Tracy (1986, p. 51) e muito próximo àquele que caracteriza a seção áurea (em torno de 61,8%). Por fim, fixou-se a linha de descendentes distando 244 unidades da linha de base. Tomou-se o cuidado de que as formas descendentes se apresentassem um pouco mais curtas que as ascendentes, cujo comprimento consiste em 268 unidades. Cabe ainda ressaltar que a distância total entre a linha de ascendentes e a linha de descendentes deve estar contida no eme, ou seja, deve medir no máximo 1000 unidades. Entretanto, uma pequena sobra na porção superior se mostra bastante útil, de modo a acomodar a base dos diacríticos situados sobre as caixas-altas. Assim, observa-se que entre a linha das ascendentes e a base das descendentes há 952 unidades, valor que permite uma sobra de 48 unidades para preencher o eme.

DESENVOLVIMENTO DA FONTE REGULAR5.5

O ponto de partida para se desenvolver a família tipográfica consistiu no desenho da face de tipos regular. A partir dos atributos estéticos e funcionais

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definidos para este estilo, criaram-se padrões para orientar a produção das fontes itálica e bold. O trabalho se iniciou com os desenhos das letras, primeiramente em caixa-alta e depois em caixa-baixa, ao que se seguiu a execução das formas dos algarismos, diacríticos, marcas de pontuação e demais símbolos integrantes da paleta de glifos. Os vetores foram então editados em um programa específico para criação de fontes tipográficas digitais.

Desenho dos glifos básicos5.5.1

Optou-se por trabalhar o desenho dos glifos diretamente em meio digital, utilizando-se para isso o programa Adobe Illustrator. A escolha desta ferramenta se justifica pela quantidade de recursos disponíveis para a edição de objetos vetoriais, além da precisão métrica, da capacidade de trabalhar com múltiplas camadas e da possibilidade de uso de cores para organizar os desenhos.

Com o objetivo de estabelecer um modelo de proporções e espessuras de traços para os glifos das fontes, criou-se uma malha de linhas de construção a partir da estrutura dos tipos. Dividiu-se a região compreendida entre a linha de base e a linha de altura de versais em 30 módulos de 22 unidades, replicando-se o mesmo padrão na horizontal, de modo a obter uma grade quadriculada, estendida pelo espaço total do eme (Figura 40). Após uma análise das fontes tomadas por referência, determinou-se a espessura para hastes verticas como a medida de 3,5 módulos (77 unidades) para caixas-altas e 3 módulos (66 unidades) para caixas-baixas. Essa diferença busca estabelecer equilíbrio entre os desenhos de letras maiúsculas e minúsculas: caso se trabalhe com traços de mesma espessura para ambas as formas, as versais tendem a parecer mais frágeis. Os traços curvos também receberam compensações, sendo a espessura máxima definida por 4 módulos (88 unidades) nas caixas-altas e 3,5 módulos (77 unidades) nas caixas-baixas. Esta prática se justifica pela constatação de que o traço consistente e paralelo da linha reta se mostra mais pesado que o traço variável dos arcos (CHENG, 2005, p. 28). Além disso, as formas curvas demandam adequações nas extremidades superior e inferior, para evitar a ilusão de encolhimento, conforme analisado na seção 1.5.1. Desse modo, determinou-se uma compensação de 11 unidades além das linhas de referência para traços curvos em versais e 8 unidades para caixas-baixas.

O método utilizado para desenhar os caracteres seguiu o procedimento descrito por Buggy (2007, p. 136-142) e apresentado no item 3.4 deste trabalho. Buscou-se respeitar as sequências de derivação de arquétipos conforme as Figuras 28 e 29, comparando sempre os resultados com as observações de Cheng (2005) acerca das estruturas dos tipos. O início das atividades se deu pelo desenho

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Figura 41 – Construção das primeiras letras da fonte regularFonte: O autor.

Figura 40 – Malha quadriculada definida a partir da estrutura do tipoFonte: O autor.

linha de base

linha de descendentes

linha de altura-x

linha de altura de ascendentes

linha de altura de versais

das quatro letras fundamentais – O, H, n, o –, definidas por meio de construções geométricas, conforme se observa na Figura 41. As serifas em estilo Clarendon, segundo a classificação apresentada por Neder (2009), possuem espessura de dois módulos (44 unidades) e remetem a características estéticas da fonte Fairplex (Figura 42). A estrutura dessas terminações foi definida de maneira que se evitasse a ocorrência de traços muito finos, capazes de gerar problemas para impressão dos tipos em corpos pequenos. Pode-se observar ainda que as serifas se projetam a partir da haste e se estendem a uma distância igual à espessura do traço que lhes dá origem. Quando necessário, um dos segmentos da serifa se alonga um pouco mais que o outro, para garantir equilíbrio ao desenho, conforme se verificou na seção 1.5.8.

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Figura 43 – Comparação entre os desenhos das letras C, G, O e Q

Fonte: O autor.

Figura 42 – Padrão de serifas da fonte regular. A face de tipos Fairplex, à direita, forneceu referências para definir as terminações das hastes

Fonte: O autor.

a a a

Tendo definidas as formas das quatro letras básicas conforme descrito, partiu-se para o desenvolvimento das demais letras do alfabeto latino. Optou-se por trabalhar primeiramente com as versais, por observar tal procedimento no método de Cheng (2005). Dessa maneira, as letras definidas predominantemente por formas curvas, C, G e Q, podem ser desenhadas a partir da letra O. Embora a estrutura dos glifos se mostre similar, deve-se atentar para diferenças sutis que caracterizam cada tipo (Figura 43), assim como aponta Cheng (2005, p. 32-35, 44-45).

C

G

Q

O

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89

Figura 45 – Características de desenho dos glifos B, R, P, E, F: a) comparação entre o tamanho dos arcos das letras B, R, P; b) comparação entre as posições das barras horizontais das letras E, F

Fonte: O autor.

Figura 44 – Características de desenho dos glifos H, N, M, UFonte: O autor.

A partir da letra H, determinaram-se os desenhos das letras N, M, U, J, I, L e T. Aplicou-se, de início, um padrão semisserifado para os glifos, com serifas geralmente unilaterais, pendendo para a região externa das letras, como se observa em H, N, M e U (Figura 44). Atentou-se também para as compensações entre traços inclinados, como exposto no item 1.5.6.

A combinação de características dos dois grupos de letras já apresentados fornece bases para um terceiro conjunto, formado pelas letras P, B, R, E, F, e D que, a exceção da última, apresentam formas compondo dois níveis estruturais. No caso das três primeiras letras, constata-se a interação entre formas curvas e retas, atributo que marca também a estrutura da letra D, justificando sua inclusão neste mesmo ramo do gráfico de derivação de arquétipos. Com relação ao processo de desenho de tais glifos, deve-se considerar a necessidade de estabelecer algumas compensações na estrutura dos tipos (CHENG, 2005): os arcos das letras B, P e R apresentam tamanhos diferentes (Figura 45a), assim como as barras das letras E e F, que se posicionam em alturas ligeiramente distintas (Figura 45b).

a) b)

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90

Figura 47 – Compensação na zona de interseção dos traços oblíquos da letra X

Fonte: O autor.

Figura 46 – Características de desenho dos glifos V, A, Y, W, X, Z, KFonte: O autor.

O conjunto das letras cujas estruturas apresentam predominância de traços inclinados agrupa V, A, Y, W, X, Z e K. Pode-se perceber o efeito marcante do padrão semisserifado escolhido para o projeto, bem como o uso intenso dos ink traps, conforme aponta a Figura 46. Observa-se também a compensação nos traços inclinados das letras A, V, W e X. A inclinação dos traços em A e V não é a mesma, pois a ênfase lateral das letras diverge, devido à direção dos vértices (SAMARA, 2006, p.18). Em W, os ângulos determinados com a vertical devem ser menores, para que a letra não se mostre muito larga, destoando do ritmo geral da face de tipos. Já na letra X, deve-se compensar a junção dos traços para evitar a ilusão de quebra (Figura 47), como se discutiu na seção 1.5.3.

O desenho da letra S finalizou o processo de desenvolvimento do alfabeto latino básico em caixa-alta. A construção da estrutura básica dessa letra pode ser feita por meio de elementos geométricos, de acordo com o método exposto por Cheng (2005, p. 46): primeiramente, desenham-se dois círculos de tamanhos iguais, posicionados um sobre o outro (Figura 48a); em seguida, amplia-se o círculo inferior e se aplicam as correções para que ambas as formas se estendam um pouco além das linhas de base e de altura de versais (Figura 48b); abrem-se então os contornos

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dos círculos, de modo a criar uma forma semelhante à da letra S (Figura 48c); por fim, deve-se suavizar a junção entre os dois arcos, de modo que a transição adquira o aspecto de uma espinha diagonal contínua (Figura 48d).

Figura 48 – Esquema para construção geométrica da estrutura da letra S: a) círculos idênticos posicionados um sobre o outro; b) círculo inferior expandido; c) formas abertas para criar a estrutura da letra S; d) espinha suavizada

Fonte: Cheng (2005, p. 46).

Figura 49 – Solução desenvolvida para o desenho da letra S. À esquerda, desenho estrutural; à direita, desenho finalizado

Fonte: O autor.

O desenho da espinha se mostra fundamental na letra S por se tratar da região onde se encontra a espessura máxima do traço. A Figura 49 apresenta a solução desenvolvida para o desenho desta letra.

Concluídos os desenhos das letras versais do alfabeto latino, iniciou-se o projeto para desenhar as caixas-baixas. Utilizou-se, para tanto, o mesmo método

a) b) c) d)

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empregado no desenvolvimento das caixas-altas, adotando-se a sequência de desenho de glifos apresentada no gráfico de derivação de arquétipos das caixas-baixas (Figura 30). Assim, a letra o serviu como modelo para o desenho tanto da letra c quanto da letra e (Figura 50).

Figura 50 – Características de desenho dos glifos o, c, eFonte: O autor.

Em seguida, desenvolveram-se os desenhos das letras h, m, u e r a partir da letra n (Figura 51). Pode-se definir como padrão para esta etapa tanto a letra n como a letra h, pois ambas possuem características formais semelhantes, divergindo basicamente pela presença da ascendente na letra h. Optou-se por desenhar primeiro a letra n devido às recomendações de Cheng (2005, p. 86) e Buggy (2007, p. 136), embora este último autor apresente um gráfico de derivação de arquétipos que utiliza a letra h como padrão ao invés da letra n.

Deve-se atentar, neste momento, a diferenças sutis que caracterizam o desenho dos glifos em questão. Enquanto a letra h apresenta uma contraforma levemente mais larga que a da letra n – compensação que ajuda a equilibrar o peso adicional gerado pela ascendente –, na letra m se verificam contraformas mais estreitas que as observadas na letra n. Pode-se ainda, de acordo com Cheng (2005, p. 86), suprimir a serifa de base da haste central da letra m em um ou ambos os lados, para evitar o acúmulo de peso nessa região. De modo similar, a serifa de base da haste direita das letras m, n e h pode ser eliminada na parte interna da letra.

O desenho da letra u se faz a partir da rotação da letra n em ângulo de 180°. Contudo, devem-se considerar alguns detalhes da construção de tal glifo. O arco da letra u se mostra mais rebaixado no lado esquerdo que o ombro da letra n de cabeça para baixo. As serifas precisam ser redesenhadas, apontando apenas para o lado esquerdo. Por fim, constata-se que o espaço entre as hastes da letra u se apresenta ligeiramente menor que a contraforma da letra n. Isso ocorre porque o espaço aberto na porção superior se revela mais ativo que o espaço branco aberto na linha de base.

A letra r apresenta estrutura semelhante à da letra n. Entretanto, a junção se posiciona um pouco mais abaixo, gerando, assim, uma penetração maior do branco na porção superior da letra. Isso evita o acúmulo de preto e ajuda a equilibrar o

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desenho. Em geral, a letra r exige uma largura reduzida, para evitar o excesso de branco abaixo do arco e buscar uma cor mais uniforme.

Figura 51 – Características de desenho dos glifos n, h, m, u, rFonte: O autor.

Figura 52 – Características de desenho dos glifos l, i, j, f, t: os arcos divergem entre si

Fonte: O autor.

A partir da estrutura da letra h se determinam os desenhos das letras l, i, j, f e t (Figura 52). As duas primeiras letras citadas apresentam características relativamente simples, porém, de fundamental importância. O glifo l pode ser desenhado a partir da haste esquerda da letra h, excluindo-se o arco e o traço vertical à direita dele proveniente. Para criar a letra i, basta rebaixar a parte superior da letra l e acrescentar o pingo. O caractere j contém, geralmente, um arco na porção inferior, elemento que auxilia o desenho da letra f, ainda que os elementos curvos desses dois glifos possam divergir bastante. A barra horizontal da caixa-baixa f provê uma importante referência para o desenho da letra t. Esta apresenta como peculiaridade a definição da cabeça, que se estende acima da altura-x, mas não alcança a linha de ascendentes.

Combinando-se elementos curvos – derivados da letra o – e retilíneos – provenientes das letras n ou l – obtêm-se os caracteres p, b, d e q. Todavia, conforme

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aponta Cheng (2005, p. 80), tais glifos não podem ser construídos pela simples sobreposição das letras l e o; tampouco constituem apenas versões rotacionadas ou espelhadas uns dos outros. Em virtude da inclinação do eixo, os arcos das letras d e q possuem pesos localizados em regiões diferentes do que se observa nas letras p e b. Os desenhos desenvolvidos para os glifos mencionados se apresentam na Figura 53.

Figura 53 – Características de desenho dos glifos p, b, q, d: em preto, desenhos dos glifos; à direita, comparações entre o desenho das letras b e d (contorno) com as letras q e p, respectivamente, rotacionadas em 180°

Fonte: O autor.

A construção das letras a, g e s apresenta dificuldade acentuada, uma vez que tais caracteres não derivam diretamente dos arquétipos de outras letras. Cheng (2005, p. 90) define a letra a como um glifo difícil de desenhar devido à complexa combinação entre arco e bojo. Este caractere possui um arco na parte superior semelhante ao ombro da letra n, elemento que auxilia o processo de desenho do novo glifo. A tarefa de desenhar a caixa-baixa a se mostrou bastante trabalhosa: produziram-se, ao todo, 12 formas diferentes para o mesmo glifo, conforme exposto na Figura 54.

Figura 54 – Desenho do glifo a: em preto, as 12 variações desenvolvidas; à direita, a comparação entre os contornos de cada desenho sobrepostos

Fonte: O autor.

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Figura 55 – Desenho da letra s: a) forma versal; b) caixa-alta em redução proporcional; c) desenho final da caixa-baixa; d) comparação entre caixa-alta reduzida (contorno) e caixa-baixa

Fonte: O autor.

Figura 56 – Desenho do glifo g: em preto, algumas variações desenvolvidas; à direita, a comparação entre os contornos de cada desenho sobrepostos

Fonte: O autor.

A letra s, embora careça de um referencial nas caixas-baixas para guiar o desenho, pode ser adaptada sem maiores problemas a partir da caixa-alta. Deve-se atentar ao comprimento do glifo, bem como para o espaço em branco no interior da letra, expandindo o caractere, se necessário (CHENG, 2005, p. 92). O resultado do processo de desenho deste glifo se observa na Figura 55.

O desenho da letra g apresenta quatro partes distintas: um bojo semelhante à letra o, que se conecta a um arco descendente por meio de uma ligação, além de uma orelha na região superior direita do bojo (CHENG, 2005, p. 94). O desenho do arco inferior apresenta características semelhantes às da espinha da letra s, podendo ser aberto ou fechado. Já a orelha, embora simples, deve ser cuidadosamente desenhada, de modo a evitar conflitos com as formas de outros caracteres compostos à direita da letra g. Trata-se de uma letra difícil de desenhar e que exigiu vários estágios até a conclusão (Figura 56).

a) b) c) d)

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Para finalizar o desenvolvimento das caixas-baixas, trabalhou-se com os desenhos das letras que apresentam traços oblíquos: v, w, y, x, z e k (Figura 57). As estruturas dos três primeiros glifos se mostram fortemente relacionadas; segundo Cheng, o desenho das letras v e w consiste numa tarefa simples, pois basta adaptar as formas versais. A letra y se obtém a partir da letra v, com a adição de uma cauda descendente. O desenho dos glifos x e z também se mostra relativamente simples, pois suas estruturas divergem pouco das formas em caixa-alta. Geralmente, modifica-se a inclinação dos traços oblíquos, para que os glifos não aparentem um aspecto condensado na caixa-baixa. A letra x minúscula, assim como a versal, necessita de compensação do desenho no local onde os traços se encontram. Para se desenhar a letra k, pode-se aproveitar a estrutura da caixa-alta, entretanto, com algumas modificações. Os ângulos dos traços e o tipo de junção presentes na versal ajudaram a definir um padrão, de modo a buscar consistência formal entre os alfabetos de caixas-altas e caixas-baixas. Como característica geral, as letras v, w, y, x, z e k reproduzem o padrão de serifas unilaterais voltadas à porção externa da letra e mostram o uso de ink traps nos encontros de traços oblíquos.

Figura 57 – Características de desenho dos glifos v, w, y, x, z, kFonte: O autor.

Uma vez concluídos os glifos referentes às letras do alfabeto latino em caixa-alta e caixa-baixa, teve início o projeto de desenho dos numerais (Figura 58). Adotou-se como padrão a forma desalinhada proporcional (proportional oldstyle). Assim, 0, 1 e 2 são definidos como formas médias – ou seja, sem ascendentes ou descendentes –, enquanto 3, 4, 5, 7 e 9 apresentam descendentes e 6 e 8 se caracterizam pela presença de ascendentes. Para evitar confusão entre letras e algarismos com formas semelhantes, estes foram desenhados ligeiramente maiores, conforme a orientação de Cheng (2005, p. 162). As formas ascendentes e descendetes dos numerais se mostram mais curtas que as presentes nos desenhos das letras, com objetivo de que os algarismos não se destaquem de modo acentuado do texto corrente.

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Em seguida, o projeto dos diacríticos consistiu no foco do trabalho. Para a compreensão da importância de tais símbolos, bem como de algumas características importantes de seu desenho, recorreu-se aos textos de Brezina (2009) e Cheng (2005). Pode-se considerar os sinais diacríticos como elementos inerentes aos glifos, tanto quanto hastes ou bojos, sendo, portanto, fundamental que o estilo gráfico de tais caracteres se mostre consistente com o conjunto da face de tipos (BREZINA, 2009). O desenho de letras acentuadas deve se adequar à textura visual dos demais glifos. Assim, tamanho e peso de diacríticos devem ser cuidadosamente projetados e verificados em testes, de acordo com a finalidade da fonte. Segundo Brezina (2009), em faces de tipos para composição de textos, os acentos devem se apresentar grandes, para que o leitor os reconheça sem dificuldades em tamanhos pequenos. A posição relativa entre os diacríticos e as letras por eles acentuadas, assim como a definição de espaços laterais, de modo a evitar colisões com outros caracteres, também revela grande pertinência e exige do designer cuidado. Por meio dessas considerações, desenhou-se o conjunto de diacríticos exposto na Figura 59. Utilizou-se o método de Cheng (2005) para guiar o processo.

Figura 58 – Conjunto de algarismos desalinhados proporcionaisFonte: O autor.

Figura 59 – Primeiros diacríticos desenvolvidosFonte: O autor.

Seguiu-se ao projeto de numerais e diacríticos o desenvolvimento dos símbolos de pontuação (Figura 60). Trata-se de um sistema tipográfico formado por caracteres de grande importância, que exigem o mesmo grau de atenção dedicado

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ao desenho das letras e demais glifos da fonte. Efetuou-se ainda o desenho de três símbolos comuns em fontes tipográficas: @ (arroba), & (ampersand ou e-comercial) e * (asterisco) – mostrados na Figura 61. Com isso, encerrou-se a etapa do projeto realizada no programa Adobe Illustrator. O complemento da paleta de glifos, bem como as correções de desenho e os ajustes dos espaços laterais, foram feitos por meio de um programa próprio para edição de fontes.

Figura 60 – Símbolos básicos de pontuação desenvolvidosFonte: O autor.

Figura 61 – Demais símbolos desenhados em Adobe Illustrator: os quatro primeiros da esquerda para a direita representam alternativas para o ampersand; da direita para a esquerda, observam-se asterisco e arroba, respectivamente

Fonte: O autor.

Complementos e edição da fonte digital5.5.2

Tendo concluído os vetores para um conjunto básico de glifos, decidiu-se migrar para o programa editor de fontes. Optou-se pelo software FontLab Studio por se tratar de um dos aplicativos mais aceitos no mercado, conforme se analisou no item 3.3.2. Este programa proporcionou maior agilidade no julgamento dos desenhos dos caracteres, uma vez que permitiu testar a composição dos glifos em tela, escrevendo palavras, frases ou simplesmente compondo sequências arbitrárias. O desenho dos caracteres necessários para completar a paleta de glifos se realizou diretamente por meio do editor de fontes, pois se considerou tal ferramenta apropriada para a tarefa,

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sendo possível adaptar os glifos faltantes a partir daqueles desenhados no programa de desenho vetorial. Esta atitude se justifica também pela vontade de agilizar o processo de desenho, eliminando a etapa de importação de vetores do software Adobe Illustrator para o FontLab Studio. Desse modo, a expansão do conjunto de caracteres da fonte regular se iniciou pela composição de diacríticos combinados a letras. Decidiu-se estabelecer formas de acentos diferentes para caixas-altas e caixas-baixas, como se observa nas fontes Chaparral e Minion. Também se trabalhou neste momento com os símbolos matemáticos previstos na paleta de glifos (Figura 62), ao que se seguiu o projeto de ligaturas – tanto lexicais (Figura 63) quanto tipográficas (Figura 64). Considerou-se necessário, ainda, expandir o conjunto de símbolos de pontuação antes de se poder testar a fonte fora do programa FontLab Studio. Os demais glifos se desenvolveram em seguida, com a ajuda de avaliações feitas a partir de provas impressas dos caracteres já desenhados.

Figura 62 – Símbolos matemáticos da fonte regularFonte: O autor.

Figura 63 – Ligaturas lexicais desenhadas em FontLab StudioFonte: O autor.

Figura 64 – Ligaturas tipográficas desenhadas em FontLab StudioFonte: O autor.

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Paralelamente ao desenho dos caracteres, definiram-se, de forma genérica, espaços laterais para os tipos, considerando as características de desenho de cada glifo. A princípio, não se utilizou qualquer método para espacejamento, mas buscou-se harmonizar as relações entre os glifos, de modo que os métodos descritos pudessem promover futuramente um refinamento ao trabalho.

Determinou-se, então, realizar testes para verificar o desempenho da fonte em textos, sobretudo impressos, de modo que se pudesse avaliar melhor os resultados parciais do projeto. Tal prática ajudou ainda a tomar decisões acerca de refinamentos e alterações nos desenhos.

Testes, alterações nos desenhos e conclusão da paleta de glifos5.5.3

Os primeiros testes de impressão contemplaram o uso da fonte regular em colunas de texto, variando-se o corpo da fonte na faixa entre 8 e 14 pt. Também se fizeram provas para avaliar o comportamento da fonte em corpos maiores, embora este tipo de aplicação tenha se mostrado bastante restrito, devido ao foco do trabalho. De início, foram compostos textos aleatórios, gerados automaticamente pelo programa Adobe InDesign (Figura 65). Recorreu-se, logo depois, à ferramenta Adhesiontext para gerar textos que se adequassem melhor ao objetivo dos testes (Figura 66). Todavia, constatou-se que, tanto os textos gerados em Adobe InDesign – em latim – quanto as sequências de palavras aleatórias fornecidas pelo Adhesiontext apresentavam dificuldades para testar a leitura contínua. Decidiu-se, portanto, utilizar textos em língua portuguesa, a maioria retirada de obras de Machado de Assis, para que se pudesse avaliar mais adequadamente o comportamento da fonte em corpos de texto (Figura 67).

Figura 65 – Colunas compostas a partir de texto gerado automaticamente em Adobe InDesignFonte: O autor.

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A análise das primeiras provas impressas ofereceu referências mais sólidas para o julgamento dos atributos de legibilidade e leiturabilidade da fonte. Por meio da observação crítica dos testes, aliada à comparação com as referências gráficas e à consideração das características próprias de fontes para textos, examinadas na seção 1.11, ponderou-se a realização de determinadas alterações no desenho da

Figura 66 – Exemplo de texto gerado pela ferramenta AdhesiontextFonte: O autor.

Figura 67 – Colunas compostas a partir de textos de Machado de AssisFonte: O autor.

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face de tipos. Decidiu-se alterar o padrão de serifas da fonte para um modelo mais convencional. Assim, letras como H, K, N, M, R e U receberam serifas bilaterais nas terminações das hastes em direção vertical. Caracteres como V, W, X e Y também foram providos de serifas bilaterais, localizadas nas terminações dos traços oblíquos, tanto na forma versal quanto em caixa-baixa. A letra A caixa-alta acompanhou tais alterações, incorporando serifas na base do tipo. De forma geral, as modificações no padrão de serifas afetaram mais as letras maiúsculas.

Outros glifos passaram por um processo de revisão e redefinição dos atributos formais, de acordo com o aspecto próprio de cada caractere. A letra K sofreu fortes mudanças na estrutura em caixa-alta e caixa-baixa, de modo a conectar o braço e a perna da letra com a haste vertical. Os arcos e as curvas foram completamente revistos em todo o conjunto de glifos criado até esse momento, sendo, em alguns casos, necessário testar diversas alterações até se obter uma forma final. Neste sentido, as letras a e g minúsculas se mostraram particularmente complexas. A letra f, que já havia sofrido mudanças antes das primeiras provas impressas, teve o desenho do arco reavaliado para não colidir com o pingo da letra i. Outra modificação importante consiste na redefinição da letra S, tanto versal como caixa-baixa. Alteraram-se os desenhos dessa letra, investindo-os de um leve movimento para a direita, conforme recomenda Tracy (1986, p. 57).

A expansão da paleta de glifos se deu em consonância com a realização de provas impressas. O desenho de numerais alinhados e, posteriormente, das variações tabulares, consistiu numa etapa importante do design da fonte. Os desenhos foram desenvolvidos a partir do conjunto de algarismos old style, sendo a alltura dos numerais alinhados definida um pouco abaixo da linha de altura de versais. A Figura 68 expõe o resultado obtido para o desenho dos algarismos alinhados proporcionais.

Figura 68 – Conjunto de algarismos alinhados proporcionaisFonte: O autor.

A tarefa fundamental que permeou o projeto de numerais tabulares consistiu no estabelecimento de espaços laterais que proporcionassem a todos os algarismos ocupar uma mesma largura. Assim, alguns caracteres necessitaram de modificações mais expressivas no desenho, ao passo que outros apenas requisitaram adaptações

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no espacejamento. Recorreu-se às observações de Cheng (2005, p. 163) para definir a largura padrão dos algarismos tabulares. Assim, determinou-se que tais caracteres deveriam ocupar um espaço equivalente a um ene (ou seja, a metade do eme – neste caso, 500 unidades), já considerando os espaços laterais. A Figura 69 apresenta comparações entre os conjuntos de algarismos proporcionais e tabulares.

Figura 69 – Comparações entre algarismos proporcionais (em cinza) e tabulares (contorno)

Fonte: O autor.

O desenvolvimento de desenhos de símbolos monetários sucedeu o projeto dos algarismos. Estes ofereceram bases para definir características importantes dos símbolos monetários, como a largura aproximada e a altura dos caracteres. Assim como os numerais, decidiu-se criar alternativas de símbolos monetários que se adaptassem aos conjuntos de figuras alinhadas e desalinhadas. Observam-se os resultados desta etapa do trabalho na Figura 70.

Figura 70 – Conjuntos de símbolos monetários: acima, formas alinhadas; abaixo, desenhos projetados para combinar com algarismos desalinhados

Fonte: O autor.

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O projeto da fonte regular continuou por meio de provas impressas e desenhos de novos tipos até a conclusão da paleta de glifos especificada inicialmente. Uma vez concluído o conjunto de caracteres necessário, realizou-se um teste em que se imprimiu a paleta de glifos em corpo 72 pt, com objetivo de analisar aspectos estruturais do desenho e apontar possíveis adequações. Para tanto, precisou-se de três folhas de tamanho A4, reproduzidas nas Figuras 71, 72 e 73. Com um lápis, fizeram-se anotações e esboços para indicar pontos em que o desenho dos glifos necessitasse de correções ou ajustes. Tanto este tipo de prova como aquele em que se avalia o comportamento da fonte em blocos de texto grafados em corpo de letra menor se mostram pertinentes, pois a análise de cada um permite uma visão complementar às observações do outro. Assim, pode-se obter um resultado com grau de refinamento superior e maior consistência.

Figura 71 – Teste para avaliação de detalhes de desenho dos glifos - Folha 1Imagem reduzida para 80% do tamanho original.Fonte: O autor.

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Figura 72 – Teste para avaliação de detalhes de desenho dos glifos - Folha 2Imagem reduzida para 80% do tamanho original.Fonte: O autor.

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Figura 73 – Teste para avaliação de detalhes de desenho dos glifos - Folha 3Imagem reduzida para 80% do tamanho original.Fonte: O autor.

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Espacejamento e ajustes de pares de 5.5.4 kerning

Concluídos os desenhos para todos os glifos integrantes da paleta da fonte, trabalhou-se o espacejamento dos tipos. Embora já se tivesse definido de forma genérica os espaços durante a fase de desenho, necessitava-se ainda refinar esse resultado, de modo a obter maior consistência para a fonte. Dessa maneira, utilizou-se o método de Walter Tracy, descrito na seção 3.5.1, para iniciar o processo de refinamento dos sidebearings da fonte regular. Simultaneamente, buscou-se comparar o desenvolvimento dos ajustes de espaços laterais com as fontes tomadas por referências, das quais a mais utilizada para tal finalidade foi a Chaparral, de Carol Twombly. A Figura 74 mostra como se deram tais comparações.

Figura 74 – Comparações durante o espacejamento da fonte regular: a janela acima se refere à fonte Myosotis, enquanto a outra, abaixo, diz respeito à Chaparral

Fonte: O autor.

Quando necessárias, alterações no desenho dos caracteres foram executadas, com o intuito de aperfeiçoar o espacejamento dos glifos. Finalizada a aplicação do método de Walter Tracy, empregou-se o método de Miguel Souza, buscando refinar ainda mais o resultado obtido para a fonte regular. Para ajustar os pares de kerning, utilizou-se a listagem oferecida por Cheng (2005, p. 227), reproduzida no Anexo. O espacejamento final e o kerning foram testados em provas impressas, juntamente com a fonte itálica.

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DESENVOLVIMENTO DA FONTE ITÁLICA5.6

O projeto de desenho da família tipográfica teve prosseguimento com a fonte itálica. Segundo Briem (2003), desenvolver uma face de tipos neste estilo é muito similar ao trabalho de criação de uma fonte romana (regular). Tracy (1986, p. 61) define a variação itálica como um tipo secundário, uma subdivisão do romano, já que ambos apresentam origens semelhantes. Entretanto, conforme observa Bringhurst (2005, p. 66), as fontes romanas e itálicas seguiram caminhos distintos até meados do século XVI. Não se constatava a presença de tipos romanos e itálicos num mesmo livro até então (BRINGHURST, 2005, p. 66), quando os itálicos passaram a ser utilizados como auxiliares das fontes romanas, para grafar palavras em línguas estrangeiras, imprimir ênfase a determinados termos, identificar títulos de outros trabalhos, entre diversas aplicações (TRACY, 1986, p. 61). De acordo com Frutiger (2007b, p. 150), “atualmente, o uso de uma escrita oblíqua para destacar um fragmento do texto é visto como norma”. Contudo, ainda que este autor considere a inclinação um atributo fundamental das escritas cursivas e, consequentemente, das fontes itálicas – derivadas desse padrão de escrita –, Bringhurst (2005, p. 66) se mostra enfático ao afirmar que “o que realmente as diferencia [as faces de tipo itálicas] é o seu fluxo, não sua inclinação. As itálicas têm uma estrutura mais cursiva que as romanas”. Tracy (1986, p. 61) acrescenta ainda que tal estilo se mostra “graciosamente estreito em forma”, sendo, portanto, mais econômico na composição de textos. Apesar das origens cursivas do estilo itálico, autores como Gill (2007, p. 38) criticam uma “qualidade excessivamente cursiva” no desenho dos glifos, defendendo um design mais próximo ao da fonte romana, de modo a obter um resultado mais harmônico. O conceito que Gill emprega para definir fontes itálicas aparece claramente expresso em suas faces de tipos, principalmente na família Joanna.

Desenho dos glifos básicos5.6.1

Assim como a fonte regular, a fonte itálica foi desenvolvida diretamente em meio digital. Todavia, optou-se por desenvolver os desenhos em FontLab Studio, por considerar este software capaz de efetuar as manipulações necessárias no desenho da fonte regular e gerar, assim, a itálica. Outra motivação para esta escolha consiste na agilização do processo.

Utilizaram-se, para a criação da face de tipos itálica, as mesmas definições de linhas estruturais, bem como a mesma relação de módulos desenvolvidos durante o trabalho com a fonte regular. Trata-se de uma escolha que visa a estabelecer consistência à família de tipos. Em seguida, determinaram-se a inclinação e o grau

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de estreitamento dos desenhos em relação às formas da fonte regular. Embora, como já se discutiu, não seja necessário imprimir inclinação ao design para definir os itálicos, a maioria das fontes neste estilo apresenta desenhos inclinados, inclusive as escolhidas como referências para este projeto. Assim, optou-se por definir uma inclinação de 12° para a face de tipos itálica, seguindo a recomendação de Frutiger (2007b, p. 150). Este autor também esclarece que “inclinações inferiores a 10° não são suficientes para que se note a diferença entre o cursivo e o vertical. Em ângulos superiores a 16°, a escrita parece estar caindo” (FRUTIGER, 2007b, p. 150). Com relação à escala horizontal, determinou-se que o itálico se mostrasse aproximadamente 10% mais estreito que o estilo regular. Isso ajuda a tornar a fonte mais compacta, economizando espaço, mas sem aparentar um aspecto excessivamente condensado.

Outra característica que ajuda a definir uma fonte itálica, diferenciando-a de sua companheira romana, consiste no desenho das serifas. Bringhurst (2005, p. 66, grifo do autor) avalia: “as serifas itálicas são normalmente transitivas: são traços diretos de entrada e saída [...] tendem portanto a inclinar-se em um ângulo que é natural da escrita, traçando o curso de uma letra a outra”. A partir dessas observações, definiu-se um padrão de serifas que, conquanto se relacione com o desenho da fonte regular, constitui um modelo mais fluido e próximo ao transitivo (Figura 75).

Figura 75 – Padrão de serifas da fonte itálica. À esquerda, observa-se como as serifas da fonte itálica se mostram mais fluidas que as da fonte regular, mostrada à direita

Fonte: O autor.

Definido o desenho das serifas, o procedimento para criar os glifos da fonte itálica seguiu aproximadamente a mesma sequência de desenvolvimento da fonte regular, com a diferença de que o trabalho no itálico se iniciou pelas letras caixas-baixas. Como referência para desenhar os caracteres itálicos, aplicou-se, aos glifos originários da fonte regular, um estreitamento para 90% da largura e, em seguida,

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uma inclinação de 12°, conforme padrão determinado para a fonte. A partir dessa deformação do desenho da fonte regular, traçaram-se as linhas dos glifos da itálica. A Figura 76 mostra como o desenho final dos caracteres itálicos difere dos desenhos manipulados para as quatro letras chave do gráfico de derivação de arquétipos de caixas-baixas.

Figura 76 – Comparação entre o desenho final dos caracteres itálicos e seus correspondentes na fonte regular submetidos a distorções de largura e inclinação: acima, cada par apresenta, à esquerda, o desenho final do caractere itálico, ao lado de seu correspondente na fonte regular distorcida; abaixo, observa-se a sobreposição das formas, sendo os itálicos finais apresentados em contorno

Fonte: O autor.

Após as quatro letras básicas, deu-se prosseguimento ao desenho da fonte itálica pelo ramo de arquétipos derivados da letra h. Além da alteração na estrutura e na aplicação das serifas, as junções receberam um tratamento diferente. As formas curvas nos caracteres itálicos fluem suavemente da haste, como um traço contínuo. Os ink traps foram acentuados, principalmente na letra r. A letra f teve sua haste alongada na porção inferior, constituindo uma descendente. O resultado obtido para os desenhos das letras deste conjunto se encontra na Figura 77.

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Figura 79 – Características dos glifos p, b, d, q, a, g, s da fonte itálicaFonte: O autor.

Figura 78 – Características dos glifos o, c, e da fonte itálicaFonte: O autor.

Figura 77 – Características dos glifos n, m, r, u, l, i, j, f, t da fonte itálicaFonte: O autor.

As letras com estrutura determinada por formas redondas compuseram o passo seguinte no processo de desenho da fonte itálica. A alteração mais importante nesse grupo diz respeito ao arco da letra e, que, diferentemente do que se observa na fonte regular, não apresenta uma barra horizontal reta, mas flui como um traço único e contínuo (Figura 78).

No ramo dos arquétipos derivados da letra p (Figura 79), as mudanças mais relevantes se encontram nas letras a e g: ambas sofreram fortes alterações estruturais, baseadas nos desenhos das fontes Joanna e Fairplex. As demais letras integrantes deste mesmo conjunto apenas exigiram o trabalho de redefinição de serifas, além dos ajustes nas curvas e na espessura dos traços a partir dos desenhos da fonte regular.

Page 106: Desenvolvimento de família tipográfica digital para aplicação em títulos e textos

112

Para finalizar o desenho das caixas-baixas itálicas, desenvolveram-se as letras com predominância de traços oblíquos. À exceção da letra z, todas apresentam formas curvas, incorporadas à estrutura de tais glifos para conferir harmonia com o caráter mais fluido da face de tipos itálica (Figura 80).

v w y x k zFigura 80 – Características dos glifos v, w, y, x, k, z da fonte itálicaFonte: O autor.

Depois de executar o desenho das caixas-baixas, passou-se ao projeto das versais itálicas (Figura 81). Diferentemente do que se pode constatar no conjunto de letras minúsculas, as caixas-altas em estilo itálico apresentam pouca ou nenhuma influência da escrita cursiva. Trata-se de uma herança histórica: “durante o primeiro quarto do século XVI, apenas a caixa-baixa era itálica; as versais eram romanas” (TRACY, 1986, p. 61). Assim, as letras maiúsculas inclinadas, feitas para harmonizar com as caixas-baixas itálicas, se desenvolveram depois. As fontes escolhidas como referências gráficas apresentam como padrão para versais itálicas letras inclinadas, mantendo o padrão de serifas e as formas básicas das romanas. Assim, o processo de desenho das caixas-altas para a fonte itálica se revelou algo relativamente simples, embora trabalhoso: necessitou-se estreitar as letras e, em seguida, incliná-las no mesmo ângulo das caixas-baixas; por fim, a correção das curvas finalizou o trabalho, consistindo na etapa que mais exigiu atenção e rigor na execução. Do conjunto de 26 letras do alfabeto latino, apenas duas receberam alterações na estrutura das versais itálicas: J e M (Figura 82). O gancho da letra J foi redesenhado, de modo a diminuir o peso de tal componente e adequá-lo mais eficientemente ao conjunto da face de tipos itálica. Já a letra M teve suas hastes externas levemente mais inclinadas, de modo a tornar a base um pouco mais larga. Tal característica se verifica, por exemplo, no itálico da família Minion.

Com a conclusão do alfabeto de caixas-altas, teve início o desenvolvimento dos numerais da fonte itálica. Trabalhou-se, a princípio, com o conjunto desalinhado proporcional (Figura 83). O processo de desenho se mostrou similar ao utilizado para a criação das letras versais: os glifos foram adaptados a partir da fonte regular, sem sofrer grandes alterações na estrutura, além das correções necessárias ao ajuste das curvas.

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113

Testes, alterações nos desenhos e conclusão da paleta de glifos5.6.2

A partir do conjunto básico de glifos composto pelas letras versais e caixas-baixas do alfabeto latino, aliadas aos algarismos desalinhados proporcionais, decidiu-

Figura 81 – Conjunto de versais da fonte itálicaFonte: O autor.

a) b)

Figura 82 – Características de desenho dos glifos J e M: a) comparação entre o glifo J da fonte itálica (contorno) e seu correspondente na fonte regular (em cinza), após estreitamento e inclinação; b) comparação entre a letra M itálica (contorno) e a regular distorcida (em cinza)

Fonte: O autor.

Figura 83 – Conjunto de algarismos desalinhados proporcionais da fonte itálica: ligeiramente maiores que a altura-x, mas com ascendentes e descendentes menores

Fonte: O autor.

Page 108: Desenvolvimento de família tipográfica digital para aplicação em títulos e textos

114

se executar a primeira prova de impressão da fonte itálica (Figura 84). Trata-se de um teste confeccionado para verificar as características do desenho em tamanhos grandes, em que se conferem atributos como suavidade das curvas, junções e proporções dos traços.

Figura 84 – Primeiro teste para avaliação de detalhes de desenho dos glifos básicos da fonte itálicaImagem reduzida para 55% do tamanho original.Fonte: O autor.

O teste impresso permitiu observar detalhes que necessitavam de alterações, bem como executá-las no retorno ao trabalho com o software para edição de fontes digitais. Em seguida, deu-se continuidade ao desenho dos caracteres da fonte itálica, até a conclusão da paleta de glifos. O procedimento geral para executar essa tarefa consistiu em aplicar as mesmas ações praticadas no desenvolvimento do alfabeto versal. Contudo, deve-se atentar para algumas exceções. O conjunto de símbolos matemáticos, assim como os símbolos de copyright (©), trade mark (™) e marca registrada (®) da fonte itálica foram reproduzidos a partir da fonte regular sem alterações, por se constatar que o mesmo ocorre em todas as faces de tipos que se adotou como referências, exceto a Fairplex. Outro glifo que recebeu atenção especial foi o ampersand. Ao invés de se adaptar o desenho da fonte regular, criou-se uma nova versão para tal caractere (Figura 85), embasado na observação de Bringhurst (2005, p. 89): “nas fontes itálicas, o símbolo [ampersand] é muitas vezes menos reprimido que nas romanas”.

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115

Com a paleta de glifos completa, executou-se um teste para analisar novamente detalhes de desenho da fonte itálica. Para isso, foram necessárias duas folhas de tamanho A4, que se encontram reproduzidas nas Figuras 86 e 87.

Figura 85 – Comparação entre o caractere ampersand da fonte itálica (à esquerda) e seu correspondente na fonte regular (à direita)

Fonte: O autor.

Figura 86 – Segundo teste para avaliação de detalhes de desenho dos glifos da fonte itálica - Folha 1Imagem reduzida para 55% do tamanho original.Fonte: O autor.

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116

Figura 87 – Segundo teste para avaliação de detalhes de desenho dos glifos da fonte itálica - Folha 2Imagem reduzida para 55% do tamanho original.Fonte: O autor.

Após os testes impressos para análise de detalhes de desenho da fonte itálica, fizeram-se provas para avaliar o comportamento desta face de tipos em conjunto com a fonte regular. Testou-se a composição em textos, simulando páginas de livros em que o estilo itálico foi empregado para investir certas palavras de ênfase. Também se utilizou a variação itálica para legendas e títulos. Um desses testes se encontra reproduzido na Figura 88.

Espacejamento e ajustes de pares de 5.6.3 kerning

O trabalho de espacejamento e ajustes de kerning seguiu basicamente o mesmo procedimento aplicado à fonte regular. Tomou-se o cuidado de comparar o andamento desta etapa não apenas com outras fontes, mas também com a própria face de tipos regular da família em desenvolvimento. Conforme atenta Briem (2003), deve-se ser cuidadoso ao espacejar o itálico, para que este estilo pareça equilibrado não apenas sozinho, mas também em harmonia com o romano. “Algumas vezes, ambos são utilizados até numa mesma palavra” (BRIEM, 2003). Por isso, a importância de um espacejamento consistente e que aproxime a fonte itálica da romana.

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Figura 88 – Teste para avaliação do comportamento das fontes regular e itálica juntas. O texto principal foi composto em 12/16 pt, a legenda em 9/12 pt e o título em versais 10/16 pt

Imagem reduzida para 88% do tamanho original.Fonte: O autor.

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DESENVOLVIMENTO DA FONTE 5.7 BOLD

Os tipos bold ou negritos surgiram, de acordo com Bringhurst (2005, p. 116), no século XIX. Já Tracy (1986, p. 65) os considera “uma criação do século XX”. Geralmente utilizadas como auxiliares das romanas, as faces de tipo bold podem ser empregadas na composição de títulos e subtítulos, em listas para destacar itens, para “engrossar a espessura de linhas que serão impressas com tinta pálida ou vazadas (em negativo) em um campo de cor” (BRINGHURST, 2005, p. 65), entre outras aplicações.

Definições básicas5.7.1

A primeira importante decisão que concerne ao projeto da face de tipos bold consiste na determinação da espessura dos traços. Definir a relação entre o peso da fonte bold e o peso da fonte regular não se mostra uma tarefa fácil. Briem (2003) explica a dificuldade de definir o peso negrito: “o que é exatamente uma [face de tipos] bold? Provavelmente, o que você disser que é, contanto que não seja mais clara que o peso regular. [O negrito] se mostra geralmente entre dois quintos e dois terços mais pesado [que o romano]”. Para Frutiger (2007b, p. 148), as hastes verticais devem apresentar espessura igual a 25% do valor da altura de versal em fontes semibold, enquanto, nas fontes bold, a relação é de 35%. A Figura 89 apresenta comparações feitas entre os pesos regular e bold nas cinco fontes adotadas como referências para o desenvolvimento do projeto. A análise dos dados expostos nesta figura corrobora as afirmações de Briem: o incremento do negrito varia entre 36,6% na fonte Caecilia e 113,9% na fonte Chaparral. Não existe, portanto, um valor padrão para definir a relação entre os pesos regular e bold. Assim, teve-se relativa liberdade na definição da espessura de traços para a fonte estilo negrito, sendo o valor final orientado pela relação de módulos que norteou a criação das fontes regular e itálica. Uma vez que a espessura de hastes nas caixas-baixas da face de tipos regular consiste em 3 módulos, a fonte bold usa um incremento de 2 módulos (66,7%), o que totaliza 5 módulos como espessura final. Trata-se de um valor intermediário entre as famílias Minion (62%) e Joanna (74,3%).

Frutiger (2007b, p. 149) atenta para o fato de que “as espessuras dos traços horizontais não seguem a mesma lógica [dos traços verticais]”. Isso ocorre porque existe um limite físico imposto ao desenho dos traços horizontais: “a regra das alturas absolutamente idênticas de todas as letras limita necessariamente a espessura dos três traços horizontais de um ‘E’ a um máximo que não pode ser ultrapassado” (FRUTIGER, 2007b, p. 149). Por outro lado, as variações em largura nas letras se mostram praticamente ilimitadas. Tendo em vista essas observações, o padrão

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de incremento para traços horizontais na fonte bold se definiu em 16 unidades (aproximadamente 3/4 de módulo).

Figura 89 – Comparações entre os pesos regular e bold nas 5 fontes definidas como referências para o projeto

Fonte: O autor.

Outra característica importante no desenho de faces de tipo bold diz respeito ao desenho das serifas. Segundo Briem (2003), estas podem ser encurtadas em relação à regular:

Trata-se de uma questão de gosto e, frequentemente, de conveniência. Hastes mais pesadas não são suficientes para, sozinhas, gerar um texto mais escuro e denso. Precisa-se aproximar as letras entre si. Nesse caso, serifas curtas são melhores que as longas.

Com base nesta afirmação, decidiu-se desenhar as serifas da fonte bold levemente mais curtas que as da fonte regular (Figura 90).

Desenho dos primeiros glifos5.7.2

Definidos os parâmetros básicos para o desenvolvimento da fonte bold, teve início a etapa de desenho dos glifos. Para orientar esta tarefa, optou-se por seguir os apontamentos de Briem (2003), que oferecem uma relação bastante completa de

iiCaecilia

Regular Bold Regular : Bold 1 : 1,366

Chaparral

Regular Bold Regular : Bold 1 : 2,139

ii

ii

Joanna

Regular Bold Regular : Bold 1 : 1,743

iiFairplex

Regular Bold Regular : Bold 1 : 2,046

Minion

Regular Bold Regular : Bold 1 : 1,620

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120

compensações e ajustes na adaptação de glifos de uma fonte regular para criar sua correspondente no estilo bold. Dessa maneira, as letras i e l consistiram no ponto de partida para o design dos caracteres da fonte negrito. Na sequência, definiu-se o aumento de espessura dos traços em relação ao estreitamento das contraformas, utilizando, como modelos, as letras u (contraforma definida por hastes retas) e o (contraforma delimitada por curvas). Com o objetivo de tornar a textura visual da fonte bold mais densa, as contraformas devem ser reduzidas, o que pode ser feito acrescentando o peso de forma desigual, com incrementos maiores na porção interna dos traços. A partir da letra o se desenharam as letras c e e (Figura 91), enquanto a letra u forneceu bases para definir as letras n, h e m (Figura 92). A combinação de formas retas e curvas dá origem às letras b, p, d e q (Figura 93).

Figura 90 – Comparação entre as serifas das fontes bold e regularFonte: O autor.

Figura 91 – Características dos glifos o, c, e da fonte bold Fonte: O autor.

Figura 92 – Características dos glifos u, n, h, m da fonte bold Fonte: O autor.

bold

regular

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121

Em seguida, o projeto continuou por meio do desenho das letras com ênfase nos traços oblíquos. De acordo com a sequência descrita por Briem (2003), trabalhou-se com os glifos z, x, v, w, y e k. Os ink traps marcam fortemente sua presença nos glifos v, w e y, como se pode notar na Figura 94. A letra x, graças ao maior contraste entre os traços da face bold, apresenta uma compensação mais explícita na região de cruzamento das linhas oblíquas do que se observa na fonte regular.

Figura 93 – Características dos glifos b, p, d, q da fonte bold Fonte: O autor.

Figura 94 – Características dos glifos z, x, v, w, y, k da fonte bold Fonte: O autor.

O próximo glifo a se desenvolver consiste na letra s caixa-baixa. Trata-se de um desenho trabalhoso. Briem (2003) afirma que “certas pessoas odeiam criar a letra s bold a partir do peso regular”. O método descrito por este autor para a criação do s minúsculo apresenta em detalhes os passos necessários para converter o glifo da fonte regular num caractere bold. Não obstante, o procedimento pode ser resumido através da definição de cinco parâmetros, que orientam o desenho dos traços (Figura 95):

largura total do glifo: as letras a) bold geralmente se mostram mais largas que suas correspondentes na fonte regular. Briem (2003) sugere um incremento de 20% na largura para a letra s na face bold;

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122

espessura da espinha: a região que concentra a maior parte do peso da letra b) s, principalmente no peso bold, consiste na espinha. A espessura do traço nesta área deve ser aproximadamente igual à espessura da haste das letras l e i (BRIEM, 2003);espessura dos traços curvos nas extremidades direita e esquerda: segundo c) Briem (2003), este atributo depende de uma questão de gosto;espessura das curvas superior e inferior;d) definição das serifas.e)

Figura 95 – Parâmetros específicos para o desenho da letra s caixa-baixa da fonte bold

Fonte: O autor.

Figura 96 – Etapas do desenvolvimento da letra g caixa-baixa da fonte bold Fonte: O autor.

Tendo definidos os cinco parâmetros, deve-se adequar o desenho do glifo da fonte regular para que respeite as relações de proporção estabelecidas. A região da espinha exige cuidado para as transições entre as curvas, de modo que o desenho aparente fluidez de formas.

Uma vez concluído o desenho da letra s, o desenvolvimento da letra g se mostrou relativamente simples. O arco superior exigiu um trabalho semelhante àquele aplicado na criação da letra o. Já a curva inferior, por sua semelhança com a espinha da letra s, pôde seguir um procedimento próximo ao que se utilizou para a definição do desenho de tal letra. A Figura 96 apresenta as etapas do trabalho de adaptação da letra g da fonte regular, culminando no glifo da fonte bold.

a) b) c) d) e)

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123

O último glifo cujo processo de criação Briem (2003) descreve consiste na letra a caixa-baixa (Figura 97). O procedimento não apresenta muitas diferenças para o trabalho já executado na adaptação da fonte regular para a bold. Tanto a haste quanto os arcos que compõem a estrutura do glifo apresentam paralelos em outros caracteres anteriormente definidos. O estreitamento da contraforma também constitui um detalhe a que se deve atentar durante o trabalho. Nesse sentido, a letra u se mostra uma boa referência para comparações.

Figura 97 – Características do processo de desenho da letra a caixa-baixa da fonte bold

Fonte: O autor.

Figura 98 – Características dos glifos O, Q, C, G da fonte bold Fonte: O autor.

Ainda que Briem (2003) não exponha um método para desenho das letras f, j, r e t, elas podem ser facilmente adaptadas a partir da fonte regular, levando-se em consideração os ajustes executados para gerar as demais letras minúsculas do alfabeto latino. Da mesma forma, o desenho do conjunto de versais não é contemplado por esse autor. Entretanto, a adaptação dos glifos pode se realizar sem grandes dificuldades, de modo análogo ao procedimento que se utilizou para produzir as caixas-baixas. Assim, adotando-se como referência a ordem definida pelo gráfico de derivação de arquétipos, tem-se a letra O como padrão para formas curvas (Figura 98); a letra H orienta o desenho das formas verticais e horizontais (Figura 99); a letra P dita um modelo para combinação de curvas e retas (Figura 100); e, finalmente, a letra V molda o padrão para traços oblíquos (Figura 101).

Page 118: Desenvolvimento de família tipográfica digital para aplicação em títulos e textos

124

A letra S, mesmo não pertencendo a qualquer um dos quatro ramos do gráfico, obtém-se sem maiores dificuldades a partir da caixa-baixa (Figura 102).

Figura 99 – Características dos glifos H, I, U, J, L, T, N, M da fonte bold Fonte: O autor.

Figura 100 – Características dos glifos P, B, R, E, F, D da fonte bold Fonte: O autor.

Figura 101 – Características dos glifos V, A, Y, W, X, K, Z da fonte bold Fonte: O autor.

Figura 102 – Desenho da letra s bold: a) caixa-baixa; b) caixa-baixa em aumento proporcional; c) desenho final da letra caixa-alta; d) comparação entre caixa-baixa aumentada (cinza) e caixa-alta

Fonte: O autor.

a) b) c) d)

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125

Testes, alterações nos desenhos e conclusão da paleta de glifos5.7.3

A primeira prova de impressão da fonte bold se realizou a partir da conclusão do conjunto de versais e caixas-baixas do alfabeto latino básico (Figura 103). Com o intuito de agilizar o processo de desenvolvimento desta face de tipos, decidiu-se iniciar os testes ainda com a paleta de glifos bastante limitada, para executar as correções de desenho paralelamente ao desenvolvimento dos novos glifos.

Figura 103 – Primeira prova de impressão para conferir detalhes dos glifos da fonte boldImagem reduzida para 55% do tamanho original.Fonte: O autor.

Dando continuidade ao processo de criação da fonte bold, trabalhou-se o desenho de algarismos nas variações alinhada e desalinhada proporcionais. A isso se seguiu a adaptação dos numerais às formas tabulares. As atividades focadas no desenho de novos glifos se estenderam até que se preenchesse completamente a paleta de glifos da face de tipos bold. Tendo alcançado esse objetivo, realizaram-se novos testes impressos para avaliar as características formais e o comportamento da fonte. Primeiramente, fez-se a impressão dos glifos da paleta em corpo display, para observar detalhes do desenho (Figuras 104, 105 e 106).

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Figura 104 – Segunda prova para verificação de detalhes de desenho da fonte bold - Folha 1Imagem reduzida para 80% do tamanho original.Fonte: O autor.

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Figura 105 – Segunda prova para verificação de detalhes de desenho da fonte bold - Folha 2Imagem reduzida para 80% do tamanho original.Fonte: O autor.

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Figura 106 – Segunda prova para verificação de detalhes de desenho da fonte bold - Folha 3Imagem reduzida para 80% do tamanho original.Fonte: O autor.

As provas impressas da fonte bold contemplaram ainda a aplicação da face de tipos tanto como um sistema independente quanto funcionando como auxiliar no conjunto da família tipográfica. No primeiro caso, realizaram-se testes em blocos de texto com o corpo de letra variando de 12 a 18 pt para avaliar o comportamento da fonte sem a influência de outras faces de tipos. Uma das folhas integrantes desta espécie de provas se encontra reproduzida na Figura 107. Também se julgou pertinente executar um teste em que se utilizassem ligaturas, símbolos matemáticos, monetários e outros (Figura 108) para avaliar a adequação de tais desenhos ao padrão das letras, complementando, assim, a prova de impressão da paleta de glifos, mostrada nas Figuras 103, 104 e 105. Por fim, testou-se o desempenho da fonte bold composta juntamente com as variações regular e itálica. Para isso, aproveitou-se o modelo de teste apresentado na Figura 88, que simula a diagramação de uma página de livro. A fonte bold foi utilizada para compor o título do texto, bem como para enfatizar algumas palavras, conforme se observa na Figura 109.

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Figura 107 – Blocos de texto impressos utilizando a fonte boldFonte: O autor.

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Figura 108 – Teste para avaliar os símbolos da fonte bold Fonte: O autor.

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Figura 109 – Teste para julgar a fonte bold composta juntamente com os estilos regular e itálicoImagem reduzida para 88% do tamanho original.Fonte: O autor.

Espacejamento e ajustes de pares de 5.7.4 kerning

O espacejamento da fonte bold se realizou de forma similar ao procedimento aplicado para a definição dos sidebearings das fontes regular e itálica. Durante o

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132

processo de espacejamento do peso negrito, compararam-se, frequentemente, os resultados parciais com a fonte regular, de modo a atingir consistência para a família tipográfica. Alguns glifos necessitaram de ajustes no desenho para que se pudesse obter espaços mais regulares nas composições de palavras. A adequação de pares de kerning se fez em seguida à determinação dos sidebearings e se executou com base na listagem de pares apresentada por Cheng (2005, p. 227), conforme o Anexo.

APRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA MYOSOTIS5.8

A família de tipos desenvolvida recebeu o nome Myosotis, que designa um gênero de plantas cujas flores são popularmente conhecidas como não-te-esqueças-de-mim – em inglês, forget-me-not. Optou-se por esta denominação por considerá-la muito rica em significados e referências para se explorar na criação de materiais que visem à divulgação da família de tipos. Segundo o Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, tais plantas apresentam “pequenas flores azuis, cuja beleza reside no conjunto” (FERREIRA, 1988, p. 435). Esta definição se mostra em perfeita consonância com o conceito de uma família de fontes para texto, conforme se discutiu no item 1.11: o objetivo dessas faces de tipos consiste em criar manchas de texto uniformes e que proporcionem uma leitura confortável; a beleza do trabalho aparece, portanto, mais propriamente no conjunto do que em glifos isolados. O paralelo entre as características da família tipográfica e as da planta se revela, assim, muito pertinente.

Embora a palavra miosótis se encontre dicionarizada na língua portuguesa, optou-se por seguir a grafia em latim que define o nome científico do gênero de tais plantas. Tal decisão se fundamenta em questões de cunho prático: o uso de um sinal diacrítico no nome do trabalho pode torná-lo estranho a pessoas que não tenham conhecimento da língua portuguesa, enquanto a denominação científica se mostra relativamente mais neutra e universal. Acredita-se que, dessa maneira, o nome da família tipográfica possa favorecer tanto a divulgação como a aceitação do produto no mercado internacional.

O resultado final obtido para as fontes integrantes da família Myosotis se apresenta nas Figuras 110 (Myosotis regular), 111 (Myosotis italic) e 112 (Myosotis bold). Os nomes das fontes preservam a denominação dos estilos na forma da língua inglesa, pois, como observa Caro (2007, p. 115) já estão “estabelecidos dessa forma pelo Mundo, buscando-se assim, maior universalidade do que em português”. Com relação aos aquivos digitais das fontes, optou-se pelo formato OpenType PS, por considerá-lo mais adequado a trabalhos cuja finalidade consiste na impressão de textos.

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Figura 110 – Resultado final obtido para a fonte Myosotis regular: paleta de glifos completaFonte: O autor.

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Figura 111 – Resultado final obtido para a fonte Myosotis italic: paleta de glifos completaFonte: O autor.

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Figura 112 – Resultado final obtido para a fonte Myosotis bold: paleta de glifos completaFonte: O autor.

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PROJETO GRÁFICO DO 5.9 SPECIMEN

Com o intuito de apresentar e divulgar mais adequadamente a família de tipos Myosotis, confeccionou-se um type specimen. Trata-se de um livreto que se destina a expor as características de desenho de uma ou mais faces de tipos, bem como sugerir aplicações para o produto, enaltecendo suas qualidades. Esse tipo de material se mostra importante na divulgação do trabalho desenvolvido pelas fundições tipográficas. Algumas dessas empresas oferecem catálogos e specimens gratuitamente, enquanto forma de expor seus produtos a potenciais compradores.

Como referências e modelos para o desenvolvimento do specimen de apresentação da família Myosotis, adotaram-se tanto materiais de natureza comercial quanto trabalhos desenvolvidos por alunos do programa Master of Arts in Typeface Design, da Universidade de Reading, na Inglaterra. No primeiro grupo, os exemplos mais importantes consistem nos specimens das fontes Mrs Eaves, de Zuzana Licko (EMIGRE, 2009) e Malaga, de Xavier Dupré (EMIGRE, 2007), além do catálogo de tipos da fundição holandesa Typotheque (TYPOTHEQUE, 2009). Entre os projetos acadêmicos, destacam-se os materiais referentes às fontes Skolar e Surat, de David Brezina (BREZINA, 2007), Yukatek, de Steve Ross (ROSS, 2010) e Quartzo, de Crystian Cruz (CRUZ, 2009).

O projeto do type specimen para a família Myosotis teve início por meio do planejamento do conteúdo. A análise das referências citadas permitiu definir os pontos fundamentais a se abordar nesta etapa do trabalho. Para auxiliar o processo, antes de se trabalhar as questões referentes ao layout do material gráfico, esboçou-se um diagrama esquemático, para marcar o conteúdo específico de cada página (Figura 113). Foram determinados o número e a localização de figuras, textos e exemplos de aplicações da família tipográfica. O projeto deste material precisou levar em consideração o fato de que o número final de páginas deveria constituir um múltiplo de 4, visando à produção de um livreto encadernado como lombada canoa. Com relação à escolha do formato de páginas, calculou-se o melhor aproveitamento de papel para o formato SRA3, padrão em copiadoras digitais. Assim, prevendo margens para sangria e marcas de impressão, definiu-se 145 ( 200 mm como o formato final do specimen. A opção por produzir este material em processo digital se deve principalmente à baixa tiragem prevista, apenas em caráter experimental.

Esclarecidos os detalhes técnicos fundamentais, projetou-se um sistema de grid tipográfico para orientar a diagramação das páginas do specimen (Figura 114). Julgou-se tal estrutura necessária ao estabelecimento de um padrão consistente para a disposição do conteúdo nas páginas ao longo do livreto. As margens externas mais largas têm por finalidade oferecer espaço para a composição de legendas e observações complementares ao texto.

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137

Figura 113 – Diagrama esquemático para definição do layout das páginas no specimen da família Myosotis

Fonte: O autor.

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138

Em seguida, determinou-se a paleta de cores do projeto (Figura 115). Esta consiste numa série de tons de azul, aos quais se integra o preto – utilizado principalmente em textos. A cor base para a definição da paleta consiste num azul claro (C 40%; M 20%), similar à cor das flores miosótis. Emprega-se também um tom mais claro e outros dois mais escuros, além do cyan 100% – este aplicado para compor informações de caráter secundário, buscando influenciar o mínimo possível na textura do texto principal, grafado em preto.

C 80%; M 50%

K 100%

C 40%; M 20% C 40%; M 20%; K 30% C 20%; M 10%

C 100%

Figura 115 – Paleta de cores do specimen da família MyosotisFonte: O autor.

Tendo concluído o planejamento do material gráfico, executou-se o trabalho de diagramação do specimen das fontes que compõem a família Myosotis. Pode-se observar o resultado final nas Figuras 116 - 123.

Figura 114 – Grid para diagramação do specimen da família MyosotisFonte: O autor

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139

Figura 116 – Diagramação final do specimen da família Myosotis: capa e quarta capaFonte: O autor

Figura 117 – Diagramação final do specimen da família Myosotis: p. 2-3Fonte: O autor.

Myosotis

Christopher Hammerschmidt

Italic & Bold

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140

Figura 118 – Diagramação final do specimen da família Myosotis: p. 4-5Fonte: O autor.

Figura 119 – Diagramação final do specimen da família Myosotis: p. 6-7Fonte: O autor.

Myosotis type specimen76

M Myosotis RegularMyosotis Regular 6/9 pt

Myosotis Regular 7/10 pt

Myosotis Regular 8/11 pt

Myosotis Regular 9/12 pt

Myosotis Regular 10/13 pt

Myosotis Regular 11/14 pt

Myosotis Regular 12/15 pt

Myosotis Regular13/16 pt

Myosotis Regular 14/17 pt

Myosotis type specimen54

bold

maior penetração do branco nas regiões

delimitadas por ângulos fechados

as serifas da fonte itálica apresentam curvas !uindo das hastes

junções suaves entre os traços na fonte itálica

itálica consistente com o da fonte regular

eixo tipográ"co da fonte

junções abruptas entre os traços na fonte regular

serifa unilateral

terminação em corte oblíquo, típico das fontes humanísticas

terminação consistente com o estilo das serifas

serifas bilaterais em estilo

eixo tipográ!co

Clarendoninclinado a 5°

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141

Figura 120 – Diagramação final do specimen da família Myosotis: p. 8-9Fonte: O autor.

Figura 121 – Diagramação final do specimen da família Myosotis: p: 10-11Fonte: O autor.

Myosotis type specimen1110

M Myosotis BoldMyosotis Bold 6/9 pt

Myosotis Bold 7/10 pt

Myosotis Bold 8/11 pt

Myosotis Bold 9/12 pt

Myosotis Bold 10/13 pt

Myosotis Bold 11/14 pt

Myosotis Bold12/15 pt

Myosotis Bold13/16 pt

Myosotis Bold 14/17 pt

Myosotis type specimen98

M Myosotis ItalicMyosotis Italic 6/9 pt

Myosotis Italic 7/10 pt

Myosotis Italic 8/11 pt

Myosotis Italic 9/12 pt

Myosotis Italic 10/13 pt

Myosotis Italic 11/14 pt

Myosotis Italic 12/15 pt

Myosotis Italic13/16 pt

Myosotis Italic 14/17 pt

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142

Figura 122 – Diagramação final do specimen da família Myosotis: p. 12-13Fonte: O autor.

Figura 123 – Diagramação final do specimen da família Myosotis: p. 14-15Fonte: O autor.

Créditos dos textos

Machado de Assis

páginas 7, 9 e 11: Memórias Póstumas de Brás Cubas | Capítulo XCVII · Suprimido

página 12: Quincas Borba | Capítulo VI

página 13: Dom Casmurro | Capítulo LXVI · Intimidade

páginas 14 e 15: A causa secreta

Myosotis Regular 36/42 pt

Myosotis type specimen1312

ao vencedor,

o que lhe é aprazível e vantajoso, e pelo

comemora e ama

UMA AÇÃO QUEvirtualmente a destrói.

AS BATATAS.

Capítulo LXVI

Intimidade

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143

CONCLUSÃO6

O trabalho realizado buscou, por meio da aliança entre uma pesquisa teórica e uma atividade prática, conhecer as características e as dificuldades que envolvem o design de tipos. O estudo da terminologia específica desta área se mostrou fundamental para a compreensão das obras de referência e, consequentemente, para o desenvolvimento da família de fontes tipográficas. A carga teórica da pesquisa, bem como as investigações sobre o desenvolvimento do design de tipos ao longo da história, ofereceu bases sólidas para o entendimento deste campo profissional. Percebeu-se, assim, a importância da relação entre o desenho de caracteres tipográficos e o desenvolvimento técnico e tecnológico da tipografia. A pesquisa revelou, ainda, que o processo de desenho de uma face de tipos não se resume a uma receita fixa. Ao invés disso, o procedimento pode variar de acordo com as preferências e os hábitos de trabalho de cada designer. Por isso, o capítulo referente à apresentação da metodologia buscou expor essa pluralidade de alternativas, o que influenciou a realização da atividade prática – fase durante a qual se necessitou adaptar a metodologia pesquisada de acordo com as características particulares do projeto. Finalizado o trabalho de desenho e edição da família de tipos Myosotis, projetou-se o specimen – material semelhante a um catálogo, cujo intuito reside em divulgar o trabalho, apresentando as potencialidades de aplicação das fontes tipográficas, de modo a exaltar as qualidades do produto.

Analisando-se o trabalho desenvolvido a partir dos objetivos traçados no projeto inicial, pode-se concluir que as metas estipuladas foram, enfim, cumpridas com êxito. Conseguiu-se obter uma visão mais completa acerca do design de tipos, identificando princípios, métodos e aspectos técnicos desta atividade. Percebeu-se a complexidade que envolve esta especialização profissional, bem como a experiência e a dedicação necessárias para alcançar resultados consistentes na área.

O refinamento e a melhoria constante constituíram preocupações perenes durante a relização da atividade prática, na busca de níveis de qualidade cada vez mais elevados para o produto final. Este cuidado fica claro na observação das diversas alternativas de desenho para determinados glifos e na realização de várias provas impressas para avaliar o desempenho das fontes. Tais provas se mostraram decisivas no julgamento dos atributos estéticos e funcionais da família de tipos. Por meio dos testes de impressão, pode-se obter noções mais exatas acerca da legibilidade e da leiturabilidade das fontes.

Com relação ao resultado do trabalho prático, conclui-se que a família de tipos Myosotis cumpre satisfatoriamente o propósito para o qual foi projetada. As provas de impressão em blocos de texto revelam uma textura uniforme de cinza e o desenho dos glifos não apresenta grandes dificuldades para que se reconheçam

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144

os caracteres por eles representados. As variações itálica e bold se mostram suficientemente semelhantes à regular para que as três fontes sejam compreendidas como integrantes de um mesmo sistema, sendo diferentes a ponto de não se confundirem entre si. A paleta de glifos determinada permite a composição de textos não apenas em língua portuguesa, mas também em algumas línguas estrangeiras, como inglês, espanhol, alemão, francês e italiano.

Embora os objetivos do trabalho tenham sido atingidos, pretende-se ainda elaborar refinamentos deste resultado, visando à futura comercialização do produto. Nesse sentido, deseja-se abordar aspectos como ampliação da paleta de glifos, de modo a contemplar os caracteres especificados na página de codificação Latin Extended-A do Unicode e desenhar versaletes (versais com altura reduzida, para combinar com a altura-x); criar novos estilos para a família, como o bold itálico e uma variação black, acompanhada de sua itálica; refinar os pares de kerning e desenvolver o hinting das fontes, de modo a melhorar o desempenho da família Myosotis em telas de baixa resolução. A especificação de instruções para rasterizar os vetores de fontes em dispositivos de resolução reduzida se mostra uma tarefa complexa, que demanda tempo e atenção especiais. Portanto, optou-se por não incluir este tipo de atividade no desenvolvimento da parte prática do Trabalho de Diplomação, focando nos demais aspectos pertinentes ao design da família tipográfica.

Por fim, espera-se que o presente estudo possa contribuir para o crescimento e a consolidação do design de fontes tipográficas destinadas à composição de textos no Brasil. Pretende-se ainda que este trabalho estimule outros estudantes a desenvolver projetos de conclusão de curso similares e que possam somar ao desenvolvimento desta área na UTFPR e, talvez, também em outras instituições de ensino superior no Paraná e em outros estados do país.

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145

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ANEXO – LISTA DE PARES QUE COMUMENTE EXIGEM AJUSTES DE KERNING

Caixa-alta – caixa-alta

AC AG AO AQ AT AU AV AW AYBA BE BL BP BR BU BV BW BYCA CO CRDA DD DE DI DL DM DN DO DP DR DUEC EO FA FC FG FOGE GO GR GUHOIC IG IOJA JOKOLC LG LO LT LU LV LW LYMC MG MONC NG NOOA OB OD OE OF OH OI OK OL OM ON OP OR OT OU OV OW OX OYPA PE PL PO PP PU PYQURC RG RT RU RV RW RYSI SM ST SUTA TC TOUA UC UG UO US VA VC VG VO VSWA WC WG WOYA YC YO YS

Caixa-alta – pontuação

apóstrofo – A’ L’ e ’Saspas – A” L”ponto – B. C. D. F. J. N. O. P. S. T. U. V. W. Y.vírgula – B, C, D, F, J, N, O, P, S, T, U, V, W, Y,ponto e vírgula – F; P; T; V; W; Y;dois pontos – F: P: T: V: W: Y:hífen – T- V- W- Y-

Caixa-alta – caixa-baixa

Ac Ad Ae Ag Ao Ap Aq At Au Av Aw AyBb Bi Bk Bl Br Bu ByCa CrDaEu EvFa Fe Ff Fi Fo Fr Ft Fu FyGuHe Ho Hu HyIc Id Iq Io ItJa Je Jo JuKe Ko Ku Kv Kw KyLu LyMa Mc Md Me MoNa Ne Ni No NuOa Ob Oh Ok OlPa Pe PoRd Re Ro Rt RuSi Sp SuTa Tc Te Ti To Tr Ts Tu Tw TyUa Ug Um Un Up UsVa Ve Vi Vo Vr Vu VyWa Wd We Wi Wm Wr Wt Wu WyXa Xe Xo Xu XyYd Ye Yi Yp Yu Yv

Caixa-baixa – caixa-baixa

ac ad ae ag ap af at au av aw ay apbl br bu by ca ch ckda dc de dg do dt du dv dw dyea ei el em en ep er et eu ev ew eyfa fe ff fi fl foga ge gh gl go gghc hd he hg ho hp ht hu hv hw hyic id ie ig io ip it iu ivja je jo juka kc kd ke kg kola lc ld le lf lg lo lp lq lu lv lw lyma mc md me mg mn mo mp mt mu mv mync nd ne ng no np nt nu nv nw nyob of oh oj ok ol om on op or ou ov ow ox oypa ph pi pl pp pu qura rd re rg rk rl rm rn ro rq rr rt rv rysh st suta td te toua uc ud ue ug uo up uq ut uv uw uyva vb vc vd ve vg vo vv vywa wx wd we wg wh woxa xe xoya yc yd ye yo

Caixa-baixa – pontuação

apóstrofo – f’ e ’s ’tponto – b. d. e. f. g. j. o. p. r. s. t. v. w. y.vírgula – b, d, e, f, g, j, o, p, r, s, t, v, w, y,hífen – r-

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