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DESENVOLVIMENTO DE UM MOTOR “HEAVY DUTY” A ETANOL E SEUS BENEFÍCIOS PARA O MEIO AMBIENTE Roberto F. Britto Jr., Celso Rabello, Eugênio P. D. Coelho, Marcelo Machado, Thaisa Tomita. VSE – Vale Soluções em Energia RESUMO O Brasil tem sido o líder nos últimos 30 anos no desenvolvimento e comercialização de veículos movidos a etanol, o que contribui de forma significativa para manter a matriz energética brasileira menos dependente dos combustíveis fósseis, mas seu uso foi restrito a veículos de pequeno porte com foco na substituição da gasolina. Considerando que a utilização de óleo diesel tem impacto significativo na emissão de gases de efeito estufa quando comparado a todo o ciclo de produção dos combustíveis renováveis, esses combustíveis têm sido o foco de estudos, aplicações, programas do governo federal e também do setor privado, como o biodiesel, diesel de cana de açúcar, mistura de diesel e etanol, etanol com aditivo para ciclo diesel e “Dual-Fuel” utilizando diesel-etanol. Este artigo irá detalhar os benefícios para o meio ambiente do desenvolvimento de um motor de alta eficiência alimentado com 100% de etanol hidratado, capaz de atingir até 42% a 1800 rpm de eficiência térmica funcionando em ciclo Otto, similar a um motor diesel. O motor foi desenvolvido a partir de um motor básico (long-block) de 12 litros de deslocamento volumétrico e alcançou pico de potência de 350 kW a 1800 rpm. Aplicabilidade Desenvolvimento de um motor a etanol para aplicações veiculares, agrícolas e industriais na faixa de potência de 350 kW.

DESENVOLVIMENTO DE UM MOTOR “HEAVY DUTY” A …aea.org.br/premio/downloads/2014/trabalhos/TB000243.pdf · • Deve-se considerar a obtenção do etanol a partir da hidrólise e

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DESENVOLVIMENTO DE UM MOTOR “HEAVY DUTY” A ETANOL E SEUS BENEFÍCIOS PARA O MEIO AMBIENTE

Roberto F. Britto Jr., Celso Rabello, Eugênio P. D. Coelho, Marcelo Machado, Thaisa Tomita.

VSE – Vale Soluções em Energia

RESUMO

O Brasil tem sido o líder nos últimos 30 anos no desenvolvimento e comercialização de veículos movidos a etanol, o que contribui de forma significativa para manter a matriz energética brasileira menos dependente dos combustíveis fósseis, mas seu uso foi restrito a veículos de pequeno porte com foco na substituição da gasolina. Considerando que a utilização de óleo diesel tem impacto significativo na emissão de gases de efeito estufa quando comparado a todo o ciclo de produção dos combustíveis renováveis, esses combustíveis têm sido o foco de estudos, aplicações, programas do governo federal e também do setor privado, como o biodiesel, diesel de cana de açúcar, mistura de diesel e etanol, etanol com aditivo para ciclo diesel e “Dual-Fuel” utilizando diesel-etanol.

Este artigo irá detalhar os benefícios para o meio ambiente do desenvolvimento de um motor de alta eficiência alimentado com 100% de etanol hidratado, capaz de atingir até 42% a 1800 rpm de eficiência térmica funcionando em ciclo Otto, similar a um motor diesel. O motor foi desenvolvido a partir de um motor básico (long-block) de 12 litros de deslocamento volumétrico e alcançou pico de potência de 350 kW a 1800 rpm.

Aplicabilidade

Desenvolvimento de um motor a etanol para aplicações veiculares, agrícolas e industriais na faixa de potência de 350 kW.

Objetivo

Ampliar a gama da utilização do etanol como fonte de energia para motores na faixa de potência de 350 kW como alternativa a substituição do óleo diesel.

Introdução

Com o foco na contribuição ao meio ambiente, reduzindo o impacto sobre a emissão de gases de efeito estufa, o uso de biocombustíveis está sendo escolhido como a principal alternativa aos combustíveis fósseis e sua dependência.

O etanol produzido a partir de cana-de-açúcar é o principal biocombustível utilizado no Brasil desde os anos 70, devido à crise do petróleo em todo o mundo. O fato de o Brasil ser um grande produtor de cana-de-açúcar tem alavancado o uso deste biocombustível, transformando a matriz energética do país, tornando-se um dos grandes consumidores menos dependentes de combustíveis fósseis.

O Brasil é o líder mundial em desenvolvimento e uso do etanol como combustível para motores do segmento automotivo, tendo aplicações de sua tecnologia já desenvolvidas para aeronaves, motores industriais e agrícolas.

Incentivos governamentais e legislações estão levando a indústria a investir continuamente no aumento do uso de biocombustíveis. A cidade de São Paulo já estabeleceu um limite para o transporte público substituir seus ônibus movidos a diesel por veículos movidos a combustíveis renováveis, sendo os motores a etanol uma alternativa eficaz para atender esta exigência.

Motores de veículos comerciais são principalmente alimentados por diesel que contribuem negativamente para o meio ambiente. Por esta razão diferentes soluções estão sendo estudadas. A indústria de motores de veículos pesados está concentrando seus esforços em encontrar alternativas para adaptar os biocombustíveis aos motores diesel.

As principais alternativas existentes são as tecnologias de:

• Diesel de cana: a partir de modificações genéticas em leveduras, consegue-se produzir o hidrocarboneto farneseno, ao invés de etanol, que pode ser usado em motores diesel sem modificações. Suas aplicações prometem muitas vantagens, incluindo menores emissões e melhor rendimento. Ainda depende de produção em grande escala para viabilidade comercial.

• Etanol aditivado: uma pequena quantidade de aditivo é adicionada ao etanol, aumentando seu número de cetano, possibilitando a queima por compressão (ciclo diesel). Pontos que devem ser levados em consideração desta alternativa são os impactos econômicos da adição do aditivo e a

necessidade de um controle de volume da mistura para garantir a eficiência do mesmo. E em alguns casos é realizado o aumento da taxa de compressão.

• Mistura de diesel e etanol: Uma porcentagem de etanol é misturada ao diesel para redução de emissões de particulado. Devido à adição de emulsificante, para estabilizar a mistura e aditivos como melhorador de cetano e anti-corrosão, tornam o custo da solução uma desvantagem comercial.

• Dual-Fuel: ao motor diesel original é acrescido um sistema de injeção de etanol para substituição parcial do diesel. Um dos objetivos desta solução é reduzir o uso do combustível fóssil, permitindo a reversibilidade imediata para a operação com 100% diesel.

• “Ottolização” para 100% etanol hidratado : a partir de um motor base diesel, são acrescidos os sistemas de injeção (injetores, galeria bombas e linhas de combustível), ignição (bobinas, velas e cabos de ignição), controle motor (ECU, sensores e chicote elétrico) e adequação da taxa de compressão. A principal vantagem desta solução é utilização de 100% do biocombustível padrão com a infra-estrutura de distribuição e comercialização já consolidada.

Portanto, a conversão de motores pesados para operar em ciclo Otto (ignição por centelha) usando etanol é uma alternativa valiosa e representa a extensão do conhecimento brasileiro substituindo o diesel, combustível fóssil, pelo etanol que é renovável e diminui a emissão dos gases de efeito estufa quando considerada a cadeia produtiva do etanol.

Este artigo irá descrever os desafios do desenvolvimento de um motor pesado movido a etanol, rodando em ciclo Otto atingindo eficiência energética equivalente a aplicações Diesel similares.

Aspectos ambientais

Os biocombustíveis provenientes da cana-de-açúcar vêm sendo visto como uma forma mais limpa de suprir as necessidades energéticas. Seus benefícios ambientais têm como base principal, o fato da quantidade de CO2 emitida durante a combustão do etanol no motor corresponder àquela que foi seqüestrada da atmosfera durante o crescimento das plantas, resultando em um ciclo de carbono (figura 1) [1].

Figura 1: Ciclo fechado do carbono de biocombustíveis (Souto, 2006), Política Nacional de biocombustíveis – Ministério de Minas e Energia.

Quando se analisa o impacto ambiental real dos combustíveis, é necessária a consideração de uma série de fatores adicionais, utilizando a ferramenta da análise do ciclo de vida.

Pesquisas utilizando a análise do ciclo de vida como ferramenta integral, como o estudo de Blottnitz e Curran (2006) apresentam uma avaliação de 47 estudos realizados nos últimos anos, que comparam o etanol com um combustível convencional, utilizando a análise do ciclo de vida. A maioria dos estudos analisados avalia a energia líquida necessária para a obtenção do biocombustível e a emissão de gases do efeito estufa (GEE) em todo o ciclo de vida do biocombustível. Embora existam diferenças nas considerações e nos limites adotados dos sistemas, é possível chegar às seguintes conclusões:

• Obter o etanol de culturas ricas em açucares em países tropicais é muito mais viável que a partir de grãos em regiões temperadas, mas tomando as devidas precauções no uso e na extensão de terras agrícolas a ser utilizada.

• Deve-se considerar a obtenção do etanol a partir da hidrólise e da fermentação de resíduos lignocelulósicos.

• Deve-se levar em consideração a aplicação do ciclo de vida para a avaliação da sustentabilidade dos biocombustíveis e que a mesma também apresenta limitações.

O potencial de substituição de energia fóssil em GJ/ha.a, em função do tipo de matéria prima empregada na produção de etanol é também um indicador de vantagens para se comparar uma fonte com relação à outra. Na figura 2, abaixo temos a eficiência energética na produção de bioetanol a partir de diferentes matérias primas e em diferentes regiões agrícolas do mundo (BLOTTNITZ e CURRAN, 2006).

Figura 2: Energia fóssil anual substituída para cada matéria prima (IFEU – Institute for Energy and Environmental Research em Heidelberg, Alemanha - reproduzido de

Cleaner Production, vol 15, edição 4, autores Harro Von Blottnitz e Mary Ann Curran.)

Verifica-se que o etanol produzido no Brasil com base na cana-de-açúcar é o biocombustível com maior substituição de energia fóssil por hectare, ou seja, um excelente biocombustível comparado com outros de diferentes origens.

A relação energia renovável/fóssil, que é calculada pela relação entre a quantidade de energia renovável obtida e a energia fóssil consumida em todo o ciclo de vida do biocombustível, por unidade de produto, busca avaliar o quanto um combustível é sustentável, assim quanto maior este valor, maior a sustentabilidade da produção do mesmo.

Em observação na tabela abaixo, verifica-se que o etanol produzido a partir de cana de açúcar no Brasil também apresenta a melhor relação energia renovável/fóssil para o caso da produção em grande escala, em comparação com outras matérias-primas utilizadas para se produzir o etanol.

Matéria -prima País Relação Energia Renovável/Fóssil Cana-de-açucar Brasil 7,9 Beterraba açucareira Inglaterra 2,0 Milho Estados Unidos 1,3 Melaço África do Sul 1,1 Palha de Trigo Inglaterra 5,2 Palha de milho Estados Unidos 5,2

Figura 3: Relação energia renovável/fóssil para diferentes matérias-primas utilizadas na produção de etanol (BLOTTNITZ e CURRAN, 2006). Reproduzido de Cleaner

Production, vol 15, edição número 4, autores: Harro Von Blottnitz e Mary Ann Curran.

A maioria das avaliações do impacto ambiental associado à produção de biocombustíveis concentra-se na determinação da redução na emissão de gases do efeito estufa, pela substituição de um combustível de origem fóssil por um de origem renovável (tabela 1) e neste caso verifica-se que o etanol de cana-de-açúcar é o biocombustível que proporciona maior redução.

Tabela 1: Estimativa do potencial de redução de GEE, para diferentes tipos de biocombustíveis (SACAR e KATHA, 2007). Bioenergy and sustainable development. The Annual Review of Environment and Resources.

Considera-se também a avaliação do efeito ambiental decorrente das mudanças no uso do solo para a implementação de cultivos com fins energéticos.

Righelato e Spracklen (2008) avaliaram a emissão cumulativa de carbono evitada pela produção de diferentes biocombustíveis, para um período de 30 anos, sem considerar as emissões de carbono decorrentes das mudanças no uso do solo. Os resultados são expressos em função da área requerida por cada cultivo (MgC/ha ano), apresentado na figura 4.

Figura 4: Emissões cumulativas de carbono evitadas pela produção de diferentes tipos de biocombustíveis a partir de diferentes matérias-primas (Adaptado de

RIGHELATO e SPRACKLEN, 2008)

Uma análise sobre a introdução da tecnologia dos carros chamados “flex” no Brasil, indica que em cinco anos de utilização desta tecnologia, evitou-se a emissão de 42,5 milhões de toneladas de CO2, comparando-se com o uso de gasolina, única e exclusivamente. Segundo artigo publicado pelo jornal O Estado de São Paulo, 9 de novembro de 2008 Infográfico Rubens Piava/AE, para cada 1000 litros de gasolina produzidos, são emitidos 2289 kg de CO2 na atmosfera e para cada 1000 litros de etanol produzidos são emitidos 260 kg de CO2 na atmosfera.

Na comparação de emissão de CO2 que sai pelo escapamento de um motor funcionando com etanol, não se deve observar grandes vantagens, apesar de menores emissões de CO e HC e potencial incremento de NOx, os motores tem maior consumo volumétrico, quando comparados com motores a gasolina ou mesmo a óleo diesel. Sendo assim, a grande vantagem do uso de motores a combustão com etanol sobre o clima, está parcialmente no que sai pelo escapamento quando comparado com emissões de motores Diesel, por não emitir chumbo, enxofre e materiais particulados, mas principalmente no fato de que o CO2 emitido pela cadeia de produção e consumo é constantemente reciclado, ou seja, é um combustível que tem menor impacto na produção dos gases de efeito estufa, quando comparados com combustíveis de origem fósseis em geral.

Na tabela 2, podemos verificar uma comparação do quanto se evita de gases do efeito estufa, analisando todo o balanço de emissões, de um veículo rodando com óleo diesel, gasolina e etanol e neste estudo também temos a comprovação dos benefícios do uso do etanol.

Tabela 2: Comparação da emissão de GEE- Fonte:Robert M. Boddey- Embrapa Agrobiologia, Seropédica, RJ [2].

Levando-se em consideração as emissões não controladas, o etanol, produz incremento das emissões de acetaldeído, que em função das condições meteorológicas pode causar irritação das mucosas, além de ter efeito mutagênico [3].

De qualquer maneira é evidente que a busca pelo aumento do uso dos biocombustíveis traz benefícios imediatos para sociedade como alternativa a substituição aos combustíveis fósseis, com impacto direto e positivo na redução dos gases que afetam o efeito estufa. Desta forma, diminuem-se os problemas gerados principalmente nos grandes centros urbanos, que hoje vivem as conseqüências da evolução humana e sua dependência da mobilidade automotora. Dentre as alternativas de bicombustíveis, o etanol da cana-de-açúcar se posiciona como a principal alternativa a continuar a ser explorada.

O Brasil, como país pioneiro do uso do etanol proveniente da cana-de-açúcar com seu programa pró-álcool, que na década de 70 gerou incentivos para o plantio, distribuição e consumo do etanol em substituição a gasolina para veículos automotores. Devido, principalmente, a crise do preço do petróleo e recentemente, movido pela produção dos veículos chamados “flex” (capazes de operar com gasolina e etanol e misturas quaisquer dos dois combustíveis), tem sempre sua comunidade científica e industrial focada na busca de alternativas para aumentar o uso de combustíveis renováveis e assim diminuir os impactos ambientais que os combustíveis fósseis comprovadamente causam ao meio ambiente.

Dentro deste enfoque, o desenvolvimento de um motor movido a etanol de grande porte, ou potência e torque capazes de movimentar veículos, como ônibus, caminhões, máquinas agrícolas, motogeradores, entre outros, vem em linha com o histórico do desenvolvimento brasileiro no uso de biocombustíveis e propiciando uma alternativa economicamente viável para atendimento a legislações específicas de grandes centros urbanos como São Paulo, que já vem colocando barreiras ao uso do óleo diesel como combustível, como foco principal em trazer benefícios ao meio ambiente.

“Ottolização” de um motor 12 litros para uso do eta nol

Visando mitigar os impactos ambientais através do uso de biocombustiveis, a “Ottolização” de um motor originalmente Diesel é uma excelente opção, principalmente quando o objetivo é queimar 100% etanol hidratado.

A maioria dos motores “heavy duty”, atualmente em produção, são concebidos para operação em ciclo Diesel, normalmente alimentados por óleo diesel e alguns adaptados para utilização de gás natural.

A seguir serão apontados os principais desafios de desenvolvimento de um motor de 12 litros de cilindrada (“heavy duty”) alimentado a etanol hidratado e funcionando em ciclo Otto, configurado para trabalhar, primeiramente, na aplicação grupo motogerador. Os desafios incluem também os esforços de engenharia para se obter os melhores resultados em termos de eficiência e emissões de poluentes.

Motor Base

O motor base Diesel selecionado para o projeto deveria atingir pelo menos 350kW a 1800 rpm abastecido com etanol hidratado, com eficiência energética em plena carga similar à versão Diesel. Uma das preocupações nesta seleção foi a geometria básica do motor, uma vez que quanto maior for o diâmetro dos cilindros, maior é a tendência a detonação e, conseqüentemente, limitando o avanço de ignição e a relação ar combustível ideais para maximização da eficiência. Baseado em estudos realizados na VSE, foi detectado que diâmetros de até 130 mm poderiam ser aceitos [4].

O motor escolhido teve sua unidade injetora substituída por uma vela de ignição e pistões com novo desenho de câmara de combustão para reduzir a taxa de compressão de 18:1 para 11:1. Este valor de taxa de compressão foi confirmado estar próximo do ideal, para cargas de 20 bar de BMEP (Brake Mean Effective Pressure), por meio de testes e ensaios no motor monocilíndrico de desenvolvimento. Além disso, foram levantados os coeficientes de swirl, tumble e fluxo (αk = razão entre o fluxo real e o fluxo teórico [5]). Desta forma, foi possível garantir que não ocorreria uma excessiva tendência a detonação, que certamente prejudicaria o consumo específico do motor aumentando as emissões de CO2.

A figura 5 apresenta os vetores de velocidade no interior do cilindro medidos na VSE utilizando a técnica de PIV (Particle Image Velocimetry).

Figura 5: Ilustração dos vetores velocidade de escoamento no cilindro.

Na tabela 3, são apresentadas as características técnicas do motor selecionado.

Tabela 3: Características técnicas do motor selecionado.

Cilindradas 11.7 l

Curso 154 mm

Diâmetro do cilindro 127 mm

Numero de cilindros 6 em linha

Taxa de compressão 11.0:1

Válvulas por cilindro 4

Válvulas de admissão 2

Válvulas de exaustão 2

Ordem de ignição 1-5-3-6-2-4

Para garantir robustez, os materiais e geometria de assento e sede das válvulas foram modificados e sua durabilidade foi validada em testes de alta severidade.

Sistema de injeção de combustível

Para atender a vazão de combustível requerida pelo motor foram utilizados 2 injetores por cilindro (um por duto de admissão), disponíveis no mercado brasileiro, para criar uma mistura ar-combustível mais homogênea.

A posição dos injetores foi estudada para otimizar a preparação da mistura ar combustível em um cabeçote cujos dutos foram desenhados para o motor

originalmente Diesel. Portanto, os injetores de etanol foram cuidadosamente posicionados para maximizar o volume do spray delimitado pela superfície do duto de admissão, como pode ser observado na figura 6.

Figura 6: Modelo 3D do spray de combustível, injetores, cabeçote, e dutos de admissão.

Visando garantir o funcionamento preciso do sistema de injeção, uma análise CFD (Computational Fluid Dynamics) foi feita para identificar o campo de pressão e a dispersão de injeção do combustível, entre os injetores e entre os cilindros.

E também, uma simulação unidimensional foi feita, para avaliar a performance da galeria de combustível com o efeito da pulsação da pressão, o qual poderia resultar em uma alta variação na injeção entre os ciclos dos injetores e entre os cilindros, podendo impactar as emissões e eficiência do motor. O resultado das duas análises foi uma variação máxima de 2,5% entre injetores e 0,19% entre os cilindros.

Turbocompressor

Foi necessário o desenvolvimento de um novo sistema de turbocompressor, projetado para um motor 12 litros, rodando 100% a etanol hidratado no ciclo Otto e que tivesse uma rápida resposta nos transientes de carga atendendo, também, a função de controle do motor. Para isso, além de um “matching” correto da turbina e compressor, foi requerida a introdução de uma válvula “waste gate” com o dimensionamento e configuração adequados para diminuir a contra-pressão que restringe a saída do gases de exaustão melhorando a eficiência do motor. A válvula “waste gate” foi importante, também, para o controle preciso do fluxo na turbina e, consequentemente, da pressão de admissão.

Sistema de Ignição

Para o projeto do sistema de ignição, os seguintes desafios foram alcançados:

• Bobina de ignição para trabalhar em regime de queima pobre, onde para isso o componente deveria atingir a energia de saída e duração de centelha adequadas para o motor alcançar os níveis de potência e eficiência térmica desejados;

• Especificação do grau térmico da vela mais adequado às condições de operação do motor através de testes termométricos e assim garantir um bom compromisso entre durabilidade e tendência a pré-ignição;

• Desenvolvimento dos cabos de vela, capazes de suportar a energia de saída da bobina, oferecendo baixa resistência e com a geometria adequada considerando a posição da vela no cabeçote.

Partida a frio

Devido a alta cilindrada do motor, dentro de 2 segundos de “cranking” o coletor de admissão apresenta valores de pressão absoluta baixos o suficiente para vaporização do etanol, permitindo a aplicação de uma calibração e estratégia de controle do motor para assegurar a partida a frio sem assistência até um limite mínimo de temperatura de 15°C. Abaixo desta temperatura, foi desenvolvido um sistema auxiliar para manter a temperatura da água e do óleo em condições de operação garantindo partidas a frio a temperaturas de até -5º C.

Outros componentes e sistemas

Além dos desenvolvimentos detalhados acima, os seguintes componentes e sistemas também foram desenvolvidos e dimensionados para possibilitarem a operação do motor em ciclo Otto utilizando etanol e visando alta eficiência:

- Corpo de borboleta;

- Sistema de arrefecimento;

- Sistema de ventilação fechada no carter (PCV- Positive Cranckcase Ventilation);

- Óleo lubrificante;

- Sensores para controle motor: pressões do turbo e de combustível.

Sistema de Controle do Motor

O grande objetivo do projeto de desenvolvimento deste motor foi o atendimento das metas de eficiência energética ou consumo de combustível. Motores operando a óleo diesel naturalmente consomem menos combustível devido à características termodinâmicas do Ciclo Diesel. Operando em ciclo Otto a eficiência energética do

motor seria consideravelmente menor se fossem utilizadas as técnicas habituais de operação de motores deste tipo. Para este projeto foi necessário o desenvolvimento de técnicas de calibração do motor em condições de queima pobre de combustível. Vários desafios técnicos apresentam-se quando se utiliza motores com este tipo de formação de mistura ar/combustível, entre eles a alta variabilidade cíclica, a tendência a detonação, o aumento no nível de emissões NOx, entre outros.

A VSE desenvolveu software e calibração do motor em seu próprio time de Engenharia para o atendimento deste projeto. Características intrínsecas ao funcionamento do motor tornaram necessária não só a modificação de parâmetros de funcionamento do mesmo como também a criação de funções de software específicas para o controle do motor na operação no regime de queima pobre de combustível.

Com a utilização destas novas funções de software e componentes desenhados especificamente para trabalhem com queima pobre foi possível ajustar o motor para trabalhar em um compromisso de alta eficiência, ausência de detonação e emissões de NOx controladas. Além disso, funções especiais de compensação da variação cíclica permitiram o funcionamento estável do motor, particularmente importante quando aplicado a um gerador de energia onde a freqüência da rede é dada pela velocidade do motor e conseqüentemente submetida a limites muito estreitos de variação impostos pela legislação vigente.

Resultados

O motor alimentado com 100% de etanol hidratado alcançou 42% a 1.800 rpm de eficiência energética, semelhante a eficiência de um motor Diesel, mas rodando em ciclo Otto. Neste cálculo de eficiência foi considerado um consumo específico de combustível de 356 g/kWh e um valor de poder calorífico inferior de 24,2 MJ/kg (medido em um calorímetro modelo C2000 IKA), ou seja, apesar da eficiência energética ser similar a do motor Diesel, o consumo volumétrico ainda é maior devido à menor energia química disponível no etanol. Em termos de desempenho foi obtido a potência de 350 kW a 1.800 rpm.

Abaixo são apresentadas as curvas de torque, potência e eficiência energética obtidas em dinamômetro, as quais evidenciam a possibilidade da utilização deste motor em aplicações veiculares e industriais.

Figura 7: Curvas de torque e potência em função de rotação.

Figura 8: Curva de eficiência energética em função de rotação.

Baseados em testes realizados nos laboratórios da VSE, foi possível enquadrar o motor na legislação de emissões da norma européia para motores fora de estrada definida pela diretiva 97/68-EC com a classificação “stage 3A”. Mesmo sendo enquadrado neste estágio foi verificada a possibilidade de melhoria dos níveis de emissões com ajustes de calibração e/ou acréscimo de pós tratamento.

CONCLUSÃO

Este projeto foi um excelente trabalho desenvolvido pela engenharia brasileira no intuito de propiciar mais uma alternativa tecnológica para viabilização da utilização do etanol em aplicações pesadas da área veicular, industrial e agrícola, onde o

diesel é largamente utilizado e trazendo os danos ambientais já conhecidos do combustível fóssil.

Desta maneira, a VSE acabou dando continuidade às ações iniciadas na década de 70, onde um dos objetivos do PROÁLCOOL era a substituição de diesel em motores pesados. Com a evolução tecnológica e a disponibilidade de sistemas de controle mais precisos foi possível suplantar as dificuldades que interromperam o desenvolvimento na época. Desta forma, foram obtidos resultados expressivos em termos de rendimento, performance e confiabilidade contribuindo positivamente para termos o meio ambiente mais sustentável.

Este desenvolvimento é também aplicável as modernas tecnologias que estão sendo introduzidas no mercado brasileiro, tal como a “hibridização” de veículos automotores, uma vez que este motor ottolizado pode ser desenvolvido para trabalhar na condição de máxima eficiência com etanol, combustível já amplamente disponível na rede de distribuição.

Aspectos econômicos ainda devem ser levados em consideração para ampliação do uso do etanol no mercado brasileiro em substituição ao diesel, já que este conta com uma série de incentivos tributários que favorecem seu uso.

Políticas especiais para uso de biocombustíveis, como a lei nº 14.933 que institui a Política de Mudança do Clima no Município de São Paulo [6] favorecem, além do benefício direto para o meio ambiente, a flexibilização da matriz energética brasileira. Apesar de valiosa para a sociedade, este tipo de iniciativa ainda é incipiente e precisa ser largamente expandida, uma vez que o custo futuro da não introdução imediata destas medidas será muito maior do que do que a vantagem econômica momentânea do uso do combustível fóssil.

REFERÊNCIAS

[1] LORA, Eduardo S. e VENTURINI, Osvaldo J. - Biocombustíveis: volume 1 e 2, Electo – Rio de Janeiro, 2012.

[2] BODDEY, Robert M. - Balanço Energético e Emissões de Gases de Efeito Estufa na Produção de Bioetanol da cana-de-açúcar em comparação com outros Bio-combustíveis - Embrapa Agrobiologia, Seropédica, RJ, 2010.

[3] GOLDENBERG, José. Energia e Desenvolvimento Sustentável - São Paulo: Blucher 2010- Série Sustentabilidade – Volume 4.

[4] Development of Heavy Duty Otto Cycle Engine Powered by Ethanol – SAE Congress – 2013-36-0324, Britto, Roberto F.; Coelho, Eugênio P. D.; Frederico, Sammi; Machado, Marcelo; Martinek, Daniel; Rabello, Celso; Tomita, Thaisa.

[5] Heywood, J. B. (1988). Internal Combustion Engines Fundamentals. McGraw-hill, New York;

[6] Política de Mudança do Clima no Município de São Paulo - disponível em http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/comite_do_clima/legislacao/leis/index.php?p=15115, acessado em 08/04/2014.