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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS DEPARTAMENTO DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E EDUCAÇÃO Sistema de Produção Agropecuário Brasileiro: Características e Desempenho Professor José Giacomo Baccarin Texto para Discentes de Graduação da Disciplina Desenvolvimento Agroindustrial e Política Agrícola, Departamento de Economia, Administração e Educação

DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA AGROPECUÁRIO ... · Web viewA base tradicional da produção agropecuária, caracterizada pelo uso intensivo de trabalho e de tração animal, pela adubação

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO

FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E EDUCAÇÃO

Sistema de Produção Agropecuário Brasileiro:

Características e Desempenho

Professor José Giacomo Baccarin

Texto para Discentes de Graduação da Disciplina

Desenvolvimento Agroindustrial e Política Agrícola,

Departamento de Economia, Administração e Educação

Jaboticabal, SP

Fevereiro de 2019

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SUMÁRIO

1 – Introdução 41.1 – O Sistema de Produção Agropecuário Brasileiro Contemporâneo 61.2 – Objetivos e Organização do Trabalho 72 – O Mercado Mundial de Produtos Agropecuários 82.1 – Protecionismo e Efeitos no Comércio Internacional Agropecuário 82.1.1 – Componentes Tradicionais do Protecionismo Agropecuário 92.1.2 - Negociações Internacionais e Implicações no Protecionismo Agropecuário 102.1.3 - Nível e Características Recentes do Protecionismo Agropecuário 122.2 – Consumo Alimentar: a Convivência da Desnutrição com a Hipernutrição 132.2.1 – As Metas de Universalização do Direito Humano à Alimentação 132.2.2 - Indicadores e Situação Atual da Desnutrição 152.2.3 - Causas e Enfretamento da Desnutrição 162.3 - Consumo, Produção e Preços de Alimentos 172.4 – Recursos Naturais, Tecnologia e Produtividade Agropecuária 182.5 – Expansão e Mudanças no Comércio de Produtos Agropecuários 203 – Abordagens e Componentes do Sistema de Produção Agropecuário 223.1 - Constituição do sistema de Produção Agropecuário 223.2 - Os Segmentos do sistema de Produção Modernizada Agropecuário 253.2.1 - Serviços e Insumos para Agropecuária 253.2.2 - Agroindústria e Indústria Alimentícia 293.2.3 - Os Supermercados e a Distribuição de alimentos 323.2.4 - O Padrão Contemporâneo de Consumo Alimentar 333.3 - Análise de Cadeias Agroindustriais Específicas 373.4 - O Sistema Nacional de Produção Agropecuária 394 – Fases Recentes da Política Agropecuária Brasileira 414.1 – Especificidades da Estrutura Produtiva e Políticas Agropecuárias 414.2 – A Modernização Conservadora da Agricultura Brasileira 454.2.1 – A Taxação da Agricultura e a Preocupação com o Abastecimento Alimentar 454.2.2 - A Questão Agrária 464.2.3 - Opção pela Transformação Tecnológica e Fortalecimento das Relações Agroindustriais 47

4.3 - Crise e Transição dos Anos 1980 504.4 - As Reformas Liberalizantes dos Anos 1990 514.4.1 - A Abertura Externa 514.4.2 - Extinção de Órgãos Públicos e Desregulamentação de Cadeias Agroindustriais 524.4.3 - A Redução dos Gastos Orçamentários 534.4.4 - O Duplo Comando Institucional 544.5 - Sofisticação dos Instrumentos de Política Agrícola após 2003 555 - As Políticas Agropecuárias do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento 565.1 - Política Nacional de Crédito Rural 565.1.1 - Condições, Modalidades e Programas do Crédito Rural 575.1.2 - Características Distributivas do Crédito Rural 595.1.3 - Títulos Privados para Financiamento do Agronegócio 605.2 - As Alterações nos Preços Mínimos 615.2.1 - Antigos e Novos Instrumentos da PGPM 625.2.2 - Execução Recente da PGPM 635.3 - Risco Agropecuário, Zoneamento Ambiental e Seguro Rural 645.4 - A Rede de Pesquisa Agropecuária no Brasil 65

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5.5 - A Política de Defesa Sanitária 666 - A Política Fundiária e da Agricultura Familiar 686.1 - Situação Produtiva e Social da Agricultura Familiar 686.2 - A Política Fundiária 706.2.1 - Reforma Agrária e Colonização 716.3 - Políticas para Agricultura Familiar 726.3.1 - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar 736.3.2 - Programas de Compras Institucionais 746.3.3 - Outros Programas para Agricultura Familiar 747 – Mudanças na Estrutura Agrária 757.1 – Estrutura Fundiária 757.2 - Uso da Terra 777.3 – Tecnificação e Acesso a Políticas Públicas 787.4 – Ocupação Agropecuária 797.5 – Diferenças Regionais 808 – Macroeconomia, Disponibilidade de Alimentos e Desempenho Agropecuário 818.1 – Preços do Sistema de Produção Agropecuário e Inflação Brasileira 828.1.1 – Relação de Troca Agropecuária 828.1.2 – Alimentos e Inflação 838.2 – Produto Interno Bruto Agropecuário e do Agronegócio 848.3 – O Sistema de Produção Agropecuário e a Balança Comercial 848.4 – Disponibilidade e Consumo de Alimentos 869 - Produtividade e Desempenho das Principais Atividades Agropecuárias e Florestais 899.1 - Uso de Insumos e Produtividade Agropecuária 899.2 - Desempenho das Atividades Agrícolas 919.2.1 - Lavouras com Maior Valor da Produção 919.2.2 - Produção de Grãos 929.2.3 - Abastecimento Interno e Inserção Externa de Produtos Selecionados 939.3 - Desempenho de Atividades Florestais 959.4 - Desempenho de Atividades Pecuárias 979.4.1 - Consumo de Proteínas Animais 979.4.2 - Rebanho, Produção e Produtividade 989.4.3 - Participação no Comércio Mundial 98Bibliografia 99

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1 – IntroduçãoNo processo de desenvolvimento econômico ocorrem mudanças na forma de se produzir

e na destinação/venda dos produtos agropecuários, como resultado da crescente integração técnica-econômica e subordinação do setor primário aos setores urbano-industriais. Atividades, conhecimentos e fatores de produção, antes disponíveis na própria unidade produtiva agropecuária, sofrem transformações ou são substituídos por outros que precisam ser adquiridos externamente àquela unidade, em grande parte dos setores de serviço e industrial. Por sua vez, o produto agropecuário tende a chegar ao consumidor após uma série de transformações industriais e da incorporação de atividades terciárias.

A base tradicional da produção agropecuária, caracterizada pelo uso intensivo de trabalho e de tração animal, pela adubação orgânica, rotação de culturas ou utilização extensiva da terra e por variedades de plantas e raças não modificadas geneticamente, vai se alterando, através do uso de tração mecânica, adubação química, agrotóxicos e medicamentos veterinários, ração animal e outros insumos modernos, bem como de plantas e animais geneticamente melhorados.

O estabelecimento agropecuário tende a se especializar e aumentar sua dependência, sob o ponto produtivo e tecnológico, especialmente de ramos industriais. Os agricultores passam a adquirir de outras empresas - industriais, de serviços ou mesmo de outros ramos agropecuários – insumos biológicos (sementes, mudas, sêmen, embriões, alevinos, matrizes), químicos (combustíveis, adubos, agrotóxicos, rações, vacinas, medicamentos) e mecânicos (tratores, colhedoras, outras máquinas e equipamentos). Ao mesmo tempo, o conhecimento prático, rotineiro e secular do agricultor perde importância em relação às novas informações técnicas e de mercado vindas de empresas e instituições de pesquisa, de disseminação de conhecimento, fornecedoras de insumos ou de processamento dos produtos agropecuários1.

Nesse processo de mudanças da forma de se produzir, chamado de modernização agropecuária, ocorre aumento da produtividade do trabalho, decorrente, em primeiro lugar, da elevação da produção por área ou unidade animal, provocada, em especial, pela tecnologia químico-biológica. Segundo, porque a mecanização (e herbicidas) diminui a necessidade de pessoas ocupadas, além de estimular a concentração da posse da terra, em detrimento da agricultura familiar. Isto, mais a redução de atividades não essencialmente agrícolas nos estabelecimentos agropecuários, leva à queda da ocupação agrícola e da população rural.

A modernização agropecuária guarda estreita relação com interesses de crescimento e de rentabilidade de empresas privadas que aumentam as vendas de seus insumos ou máquinas ou ainda daquelas que processam/comercializam produtos de origem agropecuária, à medida que passam a contar com maior oferta de matéria-prima. Para os agricultores, ela pode servir como mecanismo de diferenciação, com alguns ascendendo socialmente e outros sendo excluídos, especialmente os que já dispunham de pequenas áreas de terra. Um dos resultados do processo, normalmente, é o aumento da área média e da concentração da posse da terra.

Além dos interesses privados, a modernização agropecuária costuma ser estimulada por políticas públicas, através de ações nas áreas da pesquisa, extensão rural, infraestrutura, crédito subsidiado, seguro rural, garantia de preços e renda, entre outras.

Quanto às modificações constatadas na destinação dos produtos agropecuários, uma é a diminuição da produção para subsistência de agricultores e empregados rurais. O uso da terra e da força de trabalho para tal fim passa a ser comparado, cada vez mais, com o provável retorno a

1 Não se conclua daí que no próprio setor agropecuário, ao longo do tempo, não se tenham gerados novos conhecimentos e técnicas que aumentassem sua produtividade. Há vários exemplos que contradizem essa impressão, nas práticas de rotação de cultura e de adubação verde, preparo do solo, aprimoramento fenotípico de raças e variedades de plantas, melhor utilização de animais de tração etc. Contudo, isso não pode ser comparado, em intensidade e ritmo, às mudanças abruptas e profundas provocadas na base técnica agropecuária pelo desenvolvimento da genética vegetal e animal e pela utilização dos insumos industriais e de serviços. Uma importante publicação que mostra a evolução histórica da tecnologia agrícola no decorrer dos séculos é a de Mazoyer e Roudart (2010).

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ser obtido na produção direcionada ao mercado, levando o estabelecimento agropecuário e mesmo regiões a se especializarem em um ou poucos produtos de maior retorno econômico, conformando, frequentemente, áreas marcadas pela monocultura. Ao mesmo tempo, a ampliação do alcance geográfico dos mercados permite que os gêneros para alimentação e atendimento de outras necessidades fundamentais sejam obtidos fora da unidade agrícola.

A agroindústria artesanal rural (tecidos e roupas, artigos de couro, de madeira, de bebidas e alimentos etc.), de pequena escala e com baixa produtividade do trabalho, de maneira geral, é suplantada pela produção em larga escala e com alto índice de automação das agroindústrias modernas, que não se caracterizam por serem simples desdobramento da produção primária. Pelo contrário, com seu perfil normalmente oligopolístico, exercem forte influência sobre a produção e os preços primários, exigindo o fornecimento regular, sob certos parâmetros de qualidade, de grandes quantidades de matéria-prima para transformação industrial.

A expansão da agroindústria moderna e da indústria alimentícia, que, constantemente, lança novos produtos, faz com que o consumo final dos alimentos ocorra quase sempre após os produtos agropecuários sofrerem uma, duas ou mais transformações industriais. Este fato pode ser ilustrado ao se considerar o consumo per capita de açúcar no Brasil, que está próximo a 65 Kg/habitante/ano. O seu consumo direto vem diminuindo, o que é compensado pelo aumento do consumo indireto, nos refrigerantes, sucos, pães, doces, confeitos etc. Algo semelhante ocorre com a farinha de trigo, cada vez mais consumida já transformada industrialmente em pão, macarrão e biscoito, especialmente.

A cadeia produtiva de alimentos conta também com canais de distribuição (transporte, armazenamento), de propaganda e marketing e de comércio no atacado e no varejo. Neste segmento, ganham importância os supermercados, que absorvem parcela considerável do varejo, substituindo equipamentos tradicionais, como açougues, padarias, quitandas, feiras livres e empórios, estendem sua ação ao atacado e tendem a se concentrar em imensas redes. Com isso, adquirem grande poder na negociação de preços e qualidade das mercadorias de seus fornecedores, sejam atacadistas, da indústria alimentícia ou empresas agropecuárias.

No final da cadeia produtiva, no caso dos alimentos, percebe-se a conformação de um padrão de consumo contemporâneo, com algumas características básicas. Entre elas, o aumento do consumo fora de casa em relação ao doméstico. A dieta alimentar se diversifica, com expansão do consumo de frutas e verduras, enquanto outros produtos in natura (cereais e legumes) ou com baixo grau de processamento, que constituíam fontes tradicionais de carboidratos e proteínas (arroz, feijão e mandioca, no exemplo brasileiro) são substituídos por proteínas de origem animal e produtos industrializados. Além de serem baratos e em número cada vez maior, os alimentos devem ser práticos, com embalagens adaptadas a famílias pequenas, facilmente manipuláveis, exigindo pouco tempo para seu preparo doméstico. A questão nutricional fica, muitas vezes, subjugada pela noção de saciedade e apelo ao consumismo, levando à ingestão deficiente de alguns micronutrientes e acima do necessário de carboidratos, açúcares, sal e gorduras. Daí advém uma série de problemas de saúde pública.

Diante da maior integração técnico-econômica com outros setores, tem-se procurado analisar a produção agropecuária modernizada como parte de um sistema produtivo amplo, que sofre fortes influências de ramos industriais e serviços, fornecedores de insumos ou compradores de seus produtos, bem como do mercado consumidor, além de ser afetado por políticas públicas específicas. Este sistema será denominado de Sistema de Produção Modernizada Agropecuário, ou mais simplesmente, de Sistema de Produção Agropecuário (SPA).

Como não poderia deixar de ser, essa análise sistêmica é diferenciada entre autores e escolas de pensamento, o que começa a ser revelado ao se considerar as inúmeras denominações que recebe, tais como agribusiness, agronegócio, complexo agroindustrial, cadeia agroalimentar ou agroindustrial, sistema de produção agroalimentar etc. A abrangência ou extensão conferida ao sistema é variável entre as diferentes interpretações, assim como o grau de interdependência

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presumido entre seus agentes econômicos e sociais e o poder de cada um de influenciar preços, quantidades e características dos produtos, promover transformações e ditar o dinamismo sistêmico.

Do ponto de vista da sociedade, o SPA pode ser avaliado sob diferentes aspectos. Um diz respeito à sua capacidade de atender às necessidades sociais da produção, especialmente, de alimentos, mas também de produtos têxteis, móveis, papel e agroenergia. Estritamente, quanto à Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), pode-se refletir sobre a eventual responsabilidade do SPA tanto em relação à desnutrição, que continua atingindo parcela considerável da população mundial, quanto ao crescimento dos seus índices de sobrepeso e obesidade.

Outro questionamento, que revela crescente importância, diz respeito aos impactos ambientais da agricultura moderna, com sua base química, que pode contaminar o solo, água e os alimentos, e com seu crescimento sobre áreas antes ocupadas com reservas vegetais naturais. O balanço de emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) pelas atividades agrícolas é outro tema cada vez mais presente na agenda ambiental.

Sob o ponto de vista social, questiona-se a capacidade da agricultura moderna de gerar ocupações, proteger a saúde dos agricultores e trabalhadores e garantir a sobrevivência da pequena produção ou da agricultura familiar.

1.1 – O Sistema de Produção Agropecuário Brasileiro ContemporâneoO objeto de análise deste trabalho é o Sistema de Produção Agropecuário Brasileiro,

considerando-se suas transformações tecnológicas, aceleradas a partir de 1965, e seu desempenho econômico e social, especialmente após 1990. Aquela data marca a implantação do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), seguido por outras políticas, que fortaleceram a modernização agropecuária, enquanto 1990 confirma a opção política pela aplicação de amplo processo de liberalização/desregulamentação da agricultura brasileira, caracterizado pela redução das barreiras comerciais, extinção de órgãos públicos, diminuição do alcance de políticas agrícolas, gastos orçamentários e intervenção direta governamental nos mercados agropecuários.

A tendência de redução do papel do Estado foi, em parte, amenizada a partir de 1996, quando o agravamento da situação social e a pressão de movimentos sociais levaram à criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), na área de crédito rural, e de um ministério, especificamente voltados para a agricultura familiar.

Desde então e até 2016, conformou-se uma situação peculiar na política agropecuária brasileira, com a convivência do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), instituição secular e com foco em políticas da agricultura empresarial, com o contemporâneo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que incorporou o já existente Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e se dedicava aos assentamentos e demais políticas para a agricultura familiar. Em 2016, este arranjo foi desfeito e o MDA foi extinto.

Nos quase 30 anos decorridos após 1990 pode-se destacar uma ação governamental mais ampla no período 2003 a 2014. Para a chamada agricultura empresarial, observou-se recuperação dos gastos de crédito rural, ampliação do alcance do seguro rural e aprovação de normas legais que proporcionaram maior sofisticação nos instrumentos privados de financiamento do agronegócio. Especificamente para a agricultura familiar, ampliaram-se os gastos com o PRONAF, foram criados o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PRONATER) e programas de compras públicas de produtos agrícolas, como o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), de 2003, e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), de 2009.

Contudo, em termos de comércio exterior, nenhuma medida posterior contrapôs a abertura comercial estabelecida no início dos anos 1990. A isto se somam os baixos gastos orçamentários destinados à agricultura brasileira, fazendo com que o seu atual nível de protecionismo público seja reduzido em relação a outros países, com as transferências

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orçamentárias e dos consumidores não ultrapassando a 5% da renda bruta obtida na agropecuária nacional. Já entre os países desenvolvidos, essas transferências mais a proteção comercial, costumeiramente, suplantam 30% da receita bruta obtida pelo conjunto de seus agricultores (RODRIGUES, 2006).

Mesmo assim, sob o ponto de vista produtivo, o Sistema de Produção Agropecuário Brasileiro vem apresentando números favoráveis, em termos de crescimento da produção, da produtividade da terra e dos rebanhos e das exportações agropecuária. O Brasil se transformou, no século XXI, em um dos maiores exportadores mundiais de produtos de origem agropecuária, com destaque para a soja e seus derivados (farelo e óleo), açúcar e etanol de cana-de-açúcar, café, suco de laranja, milho, celulose, carne bovina e de frango e outros.

Em termos de estrutura agrária e das questões sociais, contudo, os resultados não foram positivos. Manteve-se alto nível de concentração da posse e propriedade da terra e grande parte dos agricultores continuou excluída dos benefícios da política agrícola e da modernização. Quanto ao trabalho agropecuário, as pesquisas específicas desenvolvidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a ocupação agropecuária vem caindo em termos absolutos e proporcionalmente aos setores industriais e de serviços no Brasil.

Relativamente à questão de SAN, o Brasil conseguiu sair, em 2015, do chamado Mapa da Fome da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e, ao mesmo tempo, se agravaram os indicadores de sobrepeso ou obesidade na sua população, inclusive entre crianças e adolescentes.

1.2 – Objetivos e Organização do TrabalhoNa análise do desempenho recente (pós 1990) do SPA Brasileiro, pretende-se detalhar

alguns resultados econômicos e sociais alcançados e discorrer sobre suas causas, com destaque para a política agrícola. Será levado em conta o relativamente alto nível de participação que o país conquistou no mercado agrícola mundial, através da exportação de ampla gama de produtos, alguns não tipicamente tropicais. Considerar-se-á também a produção agropecuária como integrante de um sistema produtivo, com forte presença de ramos industriais e de serviços.

Logo após esta introdução, o segundo capítulo será dedicado às questões do mercado mundial agrícola, como barreiras e negociações comerciais entre as nações; disponibilidade de alimentos e índices de desnutrição dos diversos continentes; evolução da produção, tecnologia, produtividade e participação no comércio internacional agropecuário dessas regiões.

O terceiro capítulo, baseado no caso brasileiro, tratará das visões que analisam a produção agropecuária como integrante de um sistema produtivo. Será abordada sua formação histórica, confrontados conceitos como do agronegócio, complexos agroindustriais e cadeias agroalimentares e descritas algumas das características estruturais e econômicas dos segmentos do moderno sistema de produção agropecuário.

Adiante, uma série de capítulos tratará da evolução recente da política agrícola brasileira. No capítulo quatro, de caráter mais geral, serão abordadas fases da política agrícola brasileira: a) a opção, evidenciada a partir de 1964, por políticas de modernização da base técnica, sem maiores alterações na estrutura fundiária; b) a decisão pela diminuição da intervenção pública e pela liberalização dos mercados agropecuários após 1990; c) a sofisticação da política agropecuária, em especial para a agricultura familiar, e a internacionalização da produção agropecuária brasileira, entre 2003 e 2014. O capítulo cinco tratará do conjunto de políticas executadas pelo MAPA, com destaque para o crédito rural e preço mínimo. O capítulo seis abordará as políticas públicas de reforma agrária e para a agricultura familiar.

A partir daí, inicia-se a análise de indicadores de estrutura e desempenho do SPA Brasileiro, com destaque para o período após 1990. Nos capítulos sete, oito e nove serão tratados três temas: a) estrutura agrária, envolvendo a distribuição da posse e da propriedade da terra, utilização da terra, nível tecnológico dos estabelecimentos agropecuários e emprego/ocupação

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agropecuária; b) relação do desempenho agropecuário com indicadores macroeconômicos (PIB, preços relativos e inflação, Balança Comercial) e SAN (disponibilidade de alimentos); c) uso de insumos modernos, área cultivada, tamanho dos rebanhos, produção, produtividade e competitividade externa da agropecuária como um todo e de suas principais cadeias produtivas.

2 – O Mercado Mundial de Produtos AgropecuáriosJulga-se oportuno afirmar, de início, que existe grande heterogeneidade entre continentes

e nações quanto às políticas agropecuárias empregadas e à estrutura e desempenho produtivo agropecuário. Em relação ao primeiro ponto, entende-se que o desenvolvimento da agricultura é influenciado por políticas públicas diferenciadas que afetam sua tecnologia e nível de produção, a protegem contra concorrência externa e garantem preço e renda aos agricultores, o que se pode chamar de Protecionismo Agropecuário. Seu grau é variável entre os países, tendendo a ser mais elevado entre os desenvolvidos, que possuem maior capacidade financeira de bancar os gastos com políticas agrícolas.

Quanto ao segundo ponto, deve ser considerada a diversidade existente na estrutura agrária (distribuição da posse e propriedade da terra), disponibilidade de recursos naturais (terra e água, em especial), nível tecnológico, importância econômica e crescimento da agricultura, quantidade de pessoas moradoras do meio rural ou que dependem da renda agropecuária, nível de pobreza dos agricultores2.

Especificamente, ao se pensar na tecnologia agropecuária e integração intersetorial, pode-se considerar que haja tendência de expansão do sistema formado em torno da agricultura modernizada, fortemente integrada aos setores urbano-industriais, com alta tecnologia (biológica, química e mecânica) e produtividade e que, muitas vezes, resulta no crescimento do tamanho médio dos estabelecimentos agropecuários. Contudo, essa situação está muito longe de ser generalizada, sendo que no outro extremo constata-se a existência da agricultura de pequena escala, voltada para a subsistência da família do agricultor e assentada em métodos tradicionais de cultivo, que continua predominando em vastas regiões, especialmente nos países menos desenvolvidos. Como não poderia deixar de ser, entre os dois extremos há uma série de situações intermediárias.

Além disso, atualmente, constata-se o fortalecimento de movimentos que apregoam a necessidade do desenvolvimento de tecnologias alternativas, com fundamentação agroecológica ou orgânica, e que questionam, entre outros, a base química da modernização agrícola ou da chamada revolução verde e se posicionam contra a transgenia. Há movimentos também em favor da aproximação entre agricultor e consumidor, no sentido de diminuir intermediários nas cadeias agropecuárias e elevar o consumo de produtos in natura.

Começa-se o capítulo com a discussão sobre motivos, instrumentos e negociações diplomáticas relacionados com o protecionismo agropecuário. Após, realizam-se análises comparativas entre agrupamentos de nações de diversas variáveis, começando pelo nível de consumo alimentar e índices de desnutrição e hipernutrição, passando pelos indicadores de produção, uso de recursos naturais, tecnologia e produtividade e terminando com a participação no comércio internacional agropecuário.

2.1 – Protecionismo e Efeitos no Comércio Internacional AgropecuárioPor uma série de razões políticas e econômicas, nas últimas décadas observou-se que os

fluxos econômicos internacionais, financeiros, produtivos e comerciais, se expandiram acima do

2 Consulte-se a publicação “El estado mundial de la agricultura y la alimentación 2017 - aprovechar los sistemas alimentarios para lograr una transformación rural inclusiva” da FAO (2017), em que se analisam a situação estrutural e o desempenho econômico da agricultura dos diversos países do mundo.

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crescimento da produção econômica mundial. Isto revela maior integração econômica entre os países e diminuição de práticas protecionistas à produção interna, embora elas ainda mantenham importância, em especial as direcionadas à agricultura.

O protecionismo agropecuário costuma ser justificado sob os mais diversos argumentos. Alguns mais tradicionais, como os que, partindo da essencialidade da alimentação, apregoam a necessidade de autossuficiência nacional da produção, garantindo a segurança e a soberania alimentar e evitando problemas sociais e geopolíticos. A segurança alimentar está associada ao direito do ser humano de ter acesso à alimentação, enquanto a soberania alimentar (na concepção aqui utilizada) diz respeito à capacidade de determinado país em produzir no seu território a comida necessária para sua população.

Em decorrência da natureza de sua produção e mercado, entende-se que, de maneira geral, a produção agropecuária fica sujeita a maiores riscos climáticos e sanitários, convive com forte instabilidade de preços e proporciona menor rentabilidade aos investimentos, o que justificaria a aplicação de um conjunto de políticas públicas específicas ao setor, nas áreas de crédito, seguro e preço mínimo, por exemplo. Este ponto será aprofundado mais adiante, no capítulo quatro.

O protecionismo agropecuário pode ser justificado também sob o ponto de vista social, na medida em que beneficie agricultores familiares de pequeno porte, proporcione oportunidades de ocupação agropecuária e ajude no combate da pobreza e extrema pobreza de determinado país. Os níveis de pobreza sempre são proporcionalmente mais altos no meio rural do que no urbano e em vários países isto também ocorre em termos absolutos (FAO, 2017).

Mais recentemente, especialmente na Europa, passou a se difundir a tese de que se deva preservar o estabelecimento agropecuário em face à sua Multifuncionalidade ou às múltiplas funções que exerce, tais como: produção, geração de emprego, desenvolvimento regional, ocupação territorial, preservação da paisagem, do meio ambiente e de tradições históricas e culturais.

Leve-se em conta também que existem países que impõem barreiras à importação de produtos agropecuários de terceiros, com base em argumentos sanitários e ecológicos. Sem desprezar o mérito e mesmo a necessidade de se considerarem tais temas no comércio externo, não deixa de ser verdade que, muitas vezes, sob a justificativa de se preservar a saúde da população, a sanidade de rebanho e plantações ou os recursos naturais, se escamoteiam interesses comerciais.

O protecionismo agropecuário de determinado país tende a dificultar o acesso a seu mercado interno, gerar, através de medidas de estímulo à renda e produção, excesso produtivo, passível de ser destinado ao mercado externo, através da concessão de subsídios, podendo aviltar os preços internacionais. Ou seja, as medidas protecionistas de alguns países podem prejudicar os interesses socioeconômicos de outros e gerarem conflitos diplomáticos. Estes conflitos se refletem nas rodadas multilaterais do comércio internacional, sendo que o embate entre protecionismo e liberalismo agrícola permanece como um dos pontos mais importantes (e de difícil acordo) nas negociações patrocinadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

2.1.1 – Componentes Tradicionais do Protecionismo Agropecuário Por volta dos meados dos anos 1990, o protecionismo agropecuário podia ser entendido

como composto de três conjuntos de medidas:a) Barreira Tarifária e não Tarifária às Importações Agropecuárias - a barreira tarifária

consiste no estabelecimento por determinado país de taxação ad valorem ou em valor fixo (tarifa específica) à importação de produtos agropecuários de outros países. No entendimento aqui estabelecido, barreira não tarifária consistia na fixação de proibições administrativas à importação de determinado produto, que podia ser total ou parcial. Neste caso, o país importador estabelecia uma cota de importação, normalmente distribuída entre seus aliados políticos.

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b) Políticas de Apoio Interno - há um conjunto de políticas públicas que implicam em gastos orçamentários e que beneficiam a produção agrícola ou a renda do agricultor de determinado país. Entre elas, estão aquelas que se caracterizam pela sua natureza ampla, não se destinando a segmentos específicos, englobando serviços gerais prestados pelo governo, como pesquisa agropecuária, extensão rural, defesa e inspeção sanitária, classificação de produtos, divulgação de informações de mercado, educação rural, infraestrutura, manutenção de estoques públicos para segurança alimentar, programas internos de ajuda alimentar, programas de seguro agropecuário, de ajustamento estrutural, ambientais e de apoio ao desenvolvimento regional. Considera-se, com alguma imprecisão, que este conjunto de medidas causa distorção nula ou desprezível nos mercados agrícolas internacionais, fato que levou a serem chamadas de políticas de caixa verde.

Existem também políticas que provocam distorções nos mercados, como as de sustentação de preços (preço mínimo) ou de redução subsidiada de custos de produção (subsídio a juros do crédito ou a preço de insumos) ou comercialização (subsídio ao transporte da produção agrícola). Entende-se que estas medidas, ao garantirem uma oferta adicional, afetam o interesse de outros países e, portanto, deveriam ser controladas pelos órgãos internacionais ligados ao comércio agrícola. Elas receberam a denominação de políticas de caixa amarela.

Por fim, alguns países podem desvincular, em parte, as transferências monetárias a seus agricultores da produção obtida. Para tanto, podem ser instituídas políticas que compõem a caixa azul e consistem em pagamentos para que o agricultor deixe parte da área agrícola sem produção (set aside) ou mantenha o tamanho do rebanho (BRASIL/MRE, 2006). Também podem ser incluídos neste caso, pagamentos aos agricultores associados a prestação de serviços ambientais, adoção de práticas de bem estar animal, à sua permanência na agricultura etc.

c) Subsídios à Exportação Agropecuária - os subsídios à exportação são caracterizados quando há complementação governamental aos valores recebidos pelos exportadores no mercado internacional, como resultado de medidas de apoio interno (estabelecimento de preço mínimo) a produtos que depois são exportados (por preço inferior ao preço mínimo), da venda externa de produtos de estoques públicos a preços inferiores aos de mercado interno, de subsídios ao custo de comercialização para exportação e de subsídios a produtos agrícolas (matéria-prima) incorporados em produtos para exportação. Em suma, exporta-se o excesso produtivo interno por um preço inferior àquele garantido ao agricultor do próprio país.

A execução do protecionismo agrícola beneficia os agricultores, empregados agrícolas e regiões agrícolas que o pratica. Traz também um custo orçamentário, que pode ser confrontado com outros possíveis gastos públicos e é suportado mais facilmente pelos países com maiores orçamentos, justamente os desenvolvidos. Especialmente as barreiras tarifárias e não tarifárias fazem com que o preço interno fique acima do preço internacional do produto, prejudicando os consumidores do país protecionista. É comum que os agricultores consigam se organizar e reivindicar de maneira mais efetiva para que se adotem medidas protecionistas, suplantando os interesses difusos dos consumidores, que desejariam que as barreiras às importações se reduzissem.

Outro ponto a considerar sobre o protecionismo é que seu nível é afetado pela conjuntura agropecuária. Em momentos em que os mercados agrícolas estão com preços favoráveis aos agricultores, estes diminuem suas pressões em favor de medidas protecionistas. O inverso também é verdadeiro.

2.1.2 - Negociações Internacionais e Implicações no Protecionismo Agropecuário Após a Segunda Guerra Mundial, diversos países montaram sofisticados sistemas de

proteção a suas agriculturas. Isto pode ser visualizado, por exemplo, nas diversas edições da Farm Bill, nome genérico da Lei Agrícola dos Estados Unidos da América (EUA), e da Política Agrícola Comunitária (PAC), que diz respeito à agricultura da União Europeia. Na virada das

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décadas de 1980 e 1990, o protecionismo agropecuário tinha alcançado valores expressivos, como pode ser visto na citação abaixo:

“Os países da Organização Econômica para Cooperação e Desenvolvimento – OECD (...) gastaram em 1988 US$ 300 bilhões com subsídios e programas de apoio à agricultura, correspondendo a 3% do consumo e 10% da poupança dos países membros nesse mesmo ano. Em 1991 esses gastos se elevaram para US$ 322 bilhões, dos quais US$ 54 bilhões foram gastos pelos EUA, US$ 66 bilhões pelo Japão e US$ 11 bilhões pelo Canadá.” (MORAES, 1996: 25). Quase todo o restante foi gasto na Europa.

Entre 1947 e 1994, as discussões multilaterais (envolvendo grande parte dos países do mundo) sobre o comércio internacional deram-se no âmbito da instituição chamada Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). Em 1986, o GATT deu início a sua oitava rodada de negociações, chamada Rodada Uruguai, que se encerrou em 1994. A principal deliberação foi a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), estrutura permanente e com maior poder de elaboração de normas e julgamento de contenciosos comerciais do que o GATT.

A Ata Final da Rodada Uruguai também contemplava 15 acordos, podendo-se destacar três com consequências para o comércio agrícola mundial. Um deles foi o Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT) que delibera sobre a adoção pelos países de normas, regulamentos técnicos e procedimento de avaliação de conformidade para os produtos no comércio internacional. Outro foi o Acordo sobre Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS) com o objetivo de harmonização entre os países das medidas que visem à proteção à saúde de pessoas, plantas e animais, procurando evitar seu uso indevido como barreira ao comércio internacional (INMETRO, 2009).

Contudo, no que diz respeito ao objeto aqui analisado, o mais importante foi justamente o Acordo sobre Agricultura (AsA). De acordo com o nível de desenvolvimento do país, previa-se que o protecionismo agropecuário sofresse alterações e fosse diminuído em três áreas: acesso ao mercado (barreiras tarifárias e não tarifárias), políticas de apoio interno e subsídios às exportações3.

Estabeleceu-se que o AsA deveria ser implementado em prazo máximo de 10 anos, a partir de 1995. Simplificadamente, dever-se-iam reduzir os valores das tarifas de importação, substituir barreiras não tarifárias por tarifas, diminuir o volume financeiro da chamada Medida Global de Apoio (MGA ou MAS), relacionada com as políticas da caixa amarela, bem como abaixar os subsídios à exportação.

Não se pode deixar de destacar que a proposta de redução do protecionismo agropecuário revelava-se inédita. Até então, havia se avançado, ainda no âmbito do GATT, na diminuição exclusivamente do protecionismo industrial.

As maiores reduções deveriam se dar nos países desenvolvidos, que dispendiam cerca de 90% dos US$ 197,7 bilhões declarados pelos países como fazendo parte da MGA (COELHO & WERNECK, 2004), e eram responsáveis, em especial os da Europa, por mais de 90% dos gastos relativos aos subsídios à exportação de produtos agropecuários (CONTINI, 2004).

Havia um entendimento de que as mudanças liberalizantes do AsA eram insuficientes e se planejava que no século XXI se firmasse um novo acordo entre os países para redução mais significativa do protecionismo agropecuário. Em 2001, iniciou-se uma nova rodada de negociações multilaterais, denominada de Rodada de Desenvolvimento de Doha (Qatar), tendo como um dos objetivos o estabelecimento de novo acordo sobre o protecionismo agropecuário, em substituição ao AsA. Até o presente momento não se conseguiu atingir tal intento, embora venha se verificando queda no nível de protecionismo dos países desenvolvidos e algumas alterações qualitativas, como se verá a seguir. Ao mesmo tempo, vem crescendo o nível de protecionismo dos países em desenvolvimento, embora ele continue abaixo do observado nos desenvolvidos (OCDE & FAO, 2017). 2.1.3 - Nível e Características Recentes do Protecionismo Agropecuário

3 Para maiores detalhes sobre as deliberações do AsA consulte-se Baccarin (2011, pag. 27 e seguintes).

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Desde 1987, a OCDE mede o nível de protecionismo agropecuário através de vários indicadores, entre eles o Subsídio Equivalente ao Produtor (PSE). Ele estima o valor monetário das transferências de consumidores e contribuintes, decorrentes da aplicação de políticas públicas de apoio à agropecuária.

“A transferência de renda dos consumidores aos produtores ocorre quando determinadas políticas de suporte de preço desconectam os preços domésticos dos preços internacionais, resultando em preços aos consumidores superiores aos vigentes na ausência dessas políticas. As transferências dos contribuintes ocorrem quando o governo implementa políticas agrárias que implicam gastos orçamentários, como pagamentos diretos, subsídios na compra de insumos, entre outros.” (BERALDO, 2000, pag. 42)

Entre 1986 e 88, o PSE de todos os países da OCDE (em sua maior parte, desenvolvidos) registrou média anual de US$ 242,9 bilhões, equivalentes a 37% da Receita Bruta Agropecuária (% PSE). Respectivamente, esses valores passaram para US$ 254,2 bilhões e 30%, no triênio 2002-04, e US$ 246,3 bilhões e 22%, no triênio 2008-10 (OCDE, 2005, 2013). A queda mais significativa no porcentual do que no valor absoluto do PSE, entre os triênios 2002-04 e 2008-10, se deveu, em grande parte, ao aumento da renda agrícola decorrente da elevação de preços de seus principais produtos.

No triênio 2014-2016, o % PSE no conjunto dos países da OCDE estava na casa dos 18%, continuando sua trajetória de queda, portanto. Podiam-se constatar diferentes situações, com valor muito baixo na Nova Zelândia e Austrália (1% a 2%), médio nos EUA e Canadá (9%), alto na União Europeia (20%) e muito alto, entre 47% e 60%, no Japão, Coreia do Sul, Islândia, Suíça e Noruega (OCDE, 2017). Ainda a OCDE (2017) informa que o % PSE dos países em desenvolvimento tem aumentado no presente século, embora continue relativamente baixo.

A queda da % PSE nos países desenvolvidos veio acompanhada de alteração no tipo de gastos. Caiu a participação de políticas de sustentação de preços de produtos e de subsídios aos insumos, que passaram de 91% do PSE, em 1986-88, para 62%, em 2014-16 (OCDE, 2005, 2017). Concomitantemente, aumentou a importância dos gastos menos distorcivos ao comércio, como os ligados à restrição do uso de fatores, manutenção da área plantada ou do tamanho do rebanho, adoção de práticas preservacionistas e de bem estar animal ou que mantêm o valor recebido pelo agricultor no ano corrente igual ao dos anos anteriores.

Outra mudança recente a se destacar é a proibição dos subsídios à exportação de produtos agropecuários desde 2013.

Quanto às tarifas médias de importação de produtos agropecuários, entre 2007 e 2015, elas se reduziram de 16,4% para 14,3% nos países em desenvolvimento, e mais fortemente, de 22,8% para 16,7%, nos desenvolvidos (FAO, 2017a). Contudo, ainda continuam bem mais altas que as tarifas médias de importação de produtos industriais, na casa dos 5%.

As barreiras não tarifárias administrativas foram substituídas por tarifas, normalmente muito altas, impedindo a importação. Por determinação da OMC, nestes casos, os países importadores têm que garantir acesso mínimo de 5% a seu mercado, cobrando tarifas menores e distribuindo, de acordo com interesses econômicos e políticos, cotas de importação com tarifas reduzidas (TRQ). As cotas de importação, portanto, mudaram de forma, mas continuaram existindo. Em 2005, elas alcançaram 28% dos produtos agrícolas importados pelos países da OCDE (AKSOY, 2005). As tarifas extra cotas mostram-se proibitivas, bem acima das praticadas nas cotas, como no caso da importação de carne bovina pela UE, através da Cota Hilton4.

Outras duas práticas comuns no comércio mundial agrícola são a escalada e os picos tarifários. A primeira é resultante da cobrança de tarifas relativamente mais altas dos produtos com maior grau de processamento de uma cadeia produtiva. A FAO demonstra que as tarifas médias praticadas no comércio internacional nas cadeias do cacau e do café são mais baixas para os produtos primários (amêndoa de cacau, café em grão), intermediárias para produtos com

4 Na safra 2015/2016, as tarifas de importação no âmbito da cota Hilton eram de 20% ad valorem. Extra cota se cobrava uma tarifa de 12,8% ad valorem mais 303,4 euros por 100 Kg de carne (CANAL RURAL, 2018).

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pequeno grau de processamento (manteiga de cacau, café torrado e moído) e altas para produtos com maior grau de processamento (chocolate, bebidas prontas derivadas do café) (FAO, 2017a). Algo semelhante acontece com soja e cadeia têxtil, em que os países praticam tarifas maiores para roupas, intermediárias para tecidos e bem menores para as fibras agropecuárias (algodão, linho, seda, lã). A escalada tarifária dificulta aos países exportadores de matérias-primas, normalmente em desenvolvimento, que as processem em seu próprio território e vendam produtos mais elaborados.

Para alguns produtos considerados sensíveis, muitos dos quais sofreram processo de tarificação, as tarifas de importação situavam-se muito acima da tarifa média, não sendo raro ultrapassarem a 100% (ICONE, 2007). Isto é chamado de pico tarifário e é praticado, por exemplo, pela UE na importação de carne bovina extra cota Hilton, conforme citação anterior.

É comum também as exportações agrícolas serem afetadas por um tipo de barreira não tarifária chamada de barreira técnica. Na definição do INMETRO (2009):

“Barreiras Técnicas às Exportações são barreiras comerciais derivadas da utilização de normas ou regulamentos técnicos não transparentes ou que não se baseiam em normas internacionalmente aceitas ou, ainda, decorrentes de adoção de procedimentos de avaliação de conformidade não transparentes e/ou demasiadamente dispendiosos, bem como de inspeções excessivamente rigorosas.”

As exigências exageradas das normas e fiscalização, muitas vezes, são usadas de maneira oportunista na tentativa de encobrir disputas comerciais ou limitar a importação de produtos de determinados países.

Embora possa se dizer que o protecionismo agropecuário dos países desenvolvidos tenha diminuído nas últimas três décadas, ele continua bem maior do que o observado no caso dos produtos industrializados. Países, como o Brasil e Argentina, que apresentam custos de produção agropecuários relativamente baixos e tem se revelado grandes exportadores de produtos de origem agropecuária, acabam por serem prejudicados por tal situação.

2.2 – Consumo Alimentar: a Convivência da Desnutrição com a Hipernutrição Nas últimas décadas os índices de sobrepeso e obesidade5 têm aumentado nos países

desenvolvidos, mas também nos em desenvolvimento, ultrapassando, em 2012, a casa de 1,4 bilhão de adultos, ficando acima do número de pessoas desnutridas e se constituindo em um dos cinco principais fatores de risco de morte no mundo (FAO, 2012). O sedentarismo e a dieta desbalanceada fazem com que aumente a incidência de várias doenças não transmissíveis, como diabetes, alguns tipos de canceres, problemas cardiovasculares etc., com implicações evidentes na saúde individual, mas também nos sistemas públicos e privados de saúde, cujos gastos são pressionados.

A questão do sobrepeso e obesidade será retomada adiante, mas desde já se pode refletir sobre até que ponto a produção agropecuária, a indústria de alimentação e o comércio de alimentos a influenciam. Nesta seção vai-se tratar com mais detalhes da desnutrição que, apesar dos avanços verificados nas últimas décadas, ainda se revela bastante importante, alcançando 815 milhões de pessoas ou 11% da população mundial, em 2016 (FAO et al, 2017).

2.2.1 – As Metas de Universalização do Direito Humano à AlimentaçãoNa década de 1990 foram estabelecidas duas metas para diminuição da desnutrição no

mundo. Em 1996, a FAO promoveu em Roma (Itália) a Cúpula Mundial sobre Alimentação, na qual os representantes de mais de 180 países se comprometeram a reduzir pela metade o número absoluto de pessoas famintas em seu território, entre 1990 e 2015.

Em 2000, entre os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), firmados no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), foi estabelecida a meta de redução pela metade da proporção da população desnutrida, entre 1990 e 2015 (ONU, 2007). Com a 5 Sobrepeso e obesidade são definidos pelo Índice de Massa Corporal, divisão do peso da pessoa, em Kg, pelo quadrado da altura, em metro. Se esta razão estiver entre 25 e 30, a pessoa tem sobrepeso, acima 30, obesidade.

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população mundial em crescimento, esta meta era menos ambiciosa do que a da FAO, de redução do número absoluto de desnutridos.

Transcorridos os 25 anos previstos nas duas metas citadas, os números apontam que ambas não foram atingidas, com frustração maior no caso da proposta na Cúpula Mundial sobre Alimentação. Especificamente para os países em desenvolvimento, os dados mostram que no triênio 1990-92, a média anual de desnutridos era de 990,7 milhões de pessoas, 23,3% de sua população total, valores que passaram para 779,9 milhões e 12,9%, em 2014-16 (FAO, 2015).

Mais recentemente, em setembro de 2015, os estados membros da ONU aprovaram a Agenda 2030, contendo 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que se desdobram em 169 metas. O segundo objetivo (ODS 2) propõe, até 2030, acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável, de acordo com as especificações contidas no Quadro 2.1.Quadro 2.1 - Metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 2, da ONU.2.1. até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano;2.2. até 2030, acabar com todas as formas de desnutrição, incluindo atingir até 2025 as metas acordadas internacionalmente sobre desnutrição crônica e desnutrição em crianças menores de cinco anos de idade, e atender às necessidades nutricionais dos adolescentes, mulheres grávidas e lactantes e pessoas idosas;2.3. até 2030, dobrar a produtividade agrícola e a renda dos pequenos produtores de alimentos, particularmente das mulheres, povos indígenas, agricultores familiares, pastores e pescadores, inclusive por meio de acesso seguro e igual à terra, outros recursos produtivos e insumos, conhecimento, serviços financeiros, mercados e oportunidades de agregação de valor e de emprego não-agrícola;2.4. até 2030, garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos e implementar práticas agrícolas resilientes, que aumentem a produtividade e a produção, que ajudem a manter os ecossistemas, que fortaleçam a capacidade de adaptação às alterações climáticas, às condições meteorológicas extremas, secas, inundações e outros desastres, e que melhorem progressivamente a qualidade da terra e do solo;2.5. até 2020, manter a diversidade genética de sementes, plantas cultivadas, animais de criação e domesticados e suas respectivas espécies selvagens, inclusive por meio de bancos de sementes e plantas diversificados e bem geridos em nível nacional, regional e internacional, e garantir o acesso e a repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados, como acordado internacionalmente;2.a. aumentar o investimento, inclusive via o reforço da cooperação internacional, em infraestrutura rural, pesquisa e extensão de serviços agrícolas, desenvolvimento de tecnologia, e os bancos de genes de plantas e animais, para aumentar a capacidade de produção agrícola nos países em desenvolvimento, em particular nos países menos desenvolvidos;2.b. corrigir e prevenir as restrições ao comércio e distorções nos mercados agrícolas mundiais, incluindo a eliminação paralela de todas as formas de subsídios à exportação e todas as medidas de exportação com efeito equivalente, de acordo com o mandato da Rodada de Desenvolvimento de Doha;2.c. adotar medidas para garantir o funcionamento adequado dos mercados de commodities de alimentos e seus derivados, e facilitar o acesso oportuno à informação de mercado, inclusive sobre as reservas de alimentos, a fim de ajudar a limitar a volatilidade extrema dos preços dos alimentos.Fonte: ONU (2015).

São metas mais ambiciosas e amplas que as estabelecidas na década de 1990, com a incorporação, no que diz respeito à produção agrícola, de ações em favor da preservação ambiental e da diversidade genética e do aumento da produtividade da terra e dos rebanhos. Fala-se em adoção de um conjunto de políticas públicas e em controles sobre os mercados de commodities, inclusive em âmbito internacional.2.2.2 - Indicadores e Situação Atual da Desnutrição

Em sua última publicação sobre o estado de segurança alimentar e nutricional no mundo, a FAO apresenta dados de vários indicadores relacionados à desnutrição (FAO et al, 2017). Aqui

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se abordará três deles, começando pela estimativa da própria FAO do número de subnutridos em determinado país ou região. Neste caso, leva-se em conta a disponibilidade e distribuição de alimentos entre a população. Para dado ano, com informações de produção, sua finalidade (alimentar ou não), exportação, importação, variação de estoques e perdas, estima-se a disponibilidade total de alimentos, em quilocalorias (Kcal), e a disponibilidade média diária por habitante (Kcal/pessoa/dia-Kpd). Através de outros indicadores, como a distribuição de renda, se constrói a curva de distribuição de alimentos entre a população. Levando-se em conta a composição etária e de gênero da população se estabelece o consumo mínimo necessário, usualmente entre 1.800 e 2.000 Kpd. Juntando-se esta informação à curva de distribuição de alimentos, obtém-se a porcentagem de pessoas desnutridas ou que consomem abaixo do necessário em termos de calorias. A quem analisa a agricultura, o critério da FAO tem a grande vantagem de associar o consumo de alimentos à sua disponibilidade, para a qual a produção e o comércio internacional agropecuário têm contribuição preponderante.

O Gráfico 2.1 revela que, após vários anos de queda, o número de desnutridos e sua porcentagem em relação à população total mundial cresceram em 2016. Neste ano, a pior situação continuava sendo a da África, com 20% de desnutridos, seguido da Ásia, com 11,7%, Oceania, com 6,8%, América Latina e Caribe, com 6,6%. Na América do Norte e na Europa, a desnutrição atingia menos que 2,5% da população, abaixo da margem de erro considerada nas estimativas da FAO (FAO et al, 2017).Gráfico 2.1 - Número e porcentagem de desnutridos no mundo, entre 2000 e 2016.

Fonte: FAO et al (2017).Outros critérios têm natureza clínica, entre eles os que se baseiam no peso e na altura das

pessoas. Em 2016, foi estimado que 155 milhões de crianças abaixo de 5 anos sofriam de desnutrição crônica, ou seja, não apresentavam a altura adequada para idade. Isto correspondia a 22,9% do total de crianças, valor menor que os 29,5%, de 2007. Já a desnutrição aguda (relacionada ao baixo peso) atingia 7,7% das crianças em todo o mundo, em 2016 (FAO et al, 2017). Estes dois indicadores não pioraram em 2016, ao contrário do cálculo de desnutrição baseado na disponibilidade de alimentos.2.2.3 - Causas e Enfrentamento da Desnutrição

Dando um passo adiante, podem-se discutidas as causas da desnutrição. Há sempre os que apregoam que a humanidade, diante do crescimento populacional, não consegue produzir

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alimentos suficientes para todos. Isto não encontra respaldo ao se analisar a disponibilidade de alimentos no mundo; ela era de 2.597 Kpd, em 1990-92, aumentou para 2.710 Kpd, em 2000-02, para 2.840 Kpd, em 2010-12, e alcançou 2.903 Kpd, em 2014, valores acima do mínimo julgado necessário ao ser humano (FAO, 2013, 2015a). Ou seja, na média, há alimentos suficientes para todos e a disponibilidade por pessoa continua se elevando.

Ao proceder-se uma análise mais desagregada, se percebe, pela Tabela 2.1, que a disponibilidade média aumentou em todas os agrupamentos de países em desenvolvimento e se manteve constante apenas para o conjunto dos países desenvolvidos, onde ela já era bastante alta no início do período.Tabela 2.1 – Disponibilidade média de alimentos em Kcal/pessoa/dia e sua variação entre 2000-02 e 2010-12, no mundo e em algumas regiões.

Região Kcal/pessoa/dia Variação2000-02 2010-12 Absoluta Porcentual

Países Desenvolvidos 3.370 3.370 0 0,0Países em Desenvolvimento 2.550 2.720 170 6,7África 2.410 2.530 120 5,0América Latina e Caribe 2.820 2.960 140 5,0Ásia 2.550 2.730 180 7,1Oceania 2.430 2.550 120 4,9Mundo 2.710 2.840 130 4,8Fonte: FAO, 2013.

Alguns países convivem com disponibilidade bastante baixa e ficam mais sujeitos ao aumento dos índices de desnutrição, em anos marcados por problemas climáticos que afetem a produção agropecuária, por exemplo. No triênio 2010-12, verificava-se que em 20 países, a maior parte na África, a disponibilidade de alimentos era inferior a 2.200 Kpd (FAO, 2013).

Não se devem desconsiderar problemas conjunturais, como secas ou desastres naturais (terremotos, furacões, maremotos), como uma das causas da desnutrição. Também se deve levar em conta os efeitos negativos provocados na produção agrícola e no emprego, renda e nutrição das pessoas pelos conflitos militares internos e entre nações, ainda muito comuns em países da África e da Ásia. Para a FAO, o aumento de conflitos a partir de 2010, associado à manutenção dos preços de alimentos em patamar relativamente alto (adiante se volta a este ponto), pode ser elencado como uma das causas do aumento da desnutrição no mundo em 2016 (FAO, 2017).

Ainda que não se desconsidere tais razões ou situações específicas de países ou algumas de suas regiões internas, pode-se assumir que há alimentos suficientes para todos no mundo. E que, portanto, a desnutrição, de maneira geral, está associada ao fato de que a distribuição dos alimentos disponíveis encontra barreiras econômico-sociais, impedindo que se atendam todos os habitantes do planeta. Milhões de pessoas não conseguem acessar seu quinhão alimentar por não terem renda suficiente para tanto, porque vivem em países com renda per capita muito baixa e/ou com alta concentração de renda.

A partir desse diagnóstico, a FAO entende que o principal mecanismo de combate à fome devam ser as políticas de incentivo a investimento e crescimento econômico, especialmente as voltadas para agricultura, onde são maiores os níveis de pobreza e desnutrição. Ressalte-se que nos países que apresentam altos índices de desnutrição, a agricultura tende a ter um peso muito grande em suas economias.

Além disso, a FAO recomenda que sejam implantadas ações de proteção social que proporcionem, imediatamente, aumento do acesso à alimentação pelas famílias mais pobres. Pode ser citado, como exemplo, o “food stamp”, criado na década de 1930 e que atendia, em 2001, 10 milhões de norte-americanos, que recebiam tickets para aquisição de alimentos (BICKEL & ANDREW, 2002). Outro exemplo é o Programa Bolsa Família, que suplementa a

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renda de cerca de 12 milhões de famílias pobres no Brasil. Tais ações ou similares se tornam mais necessárias em conjunturas econômicas adversas, com índices de desemprego aumentando.

Pode-se pensar também na distribuição de alimentos, de onde eles estão sobrando para os lugares que sentem sua falta. Tem-se denominado de Ajuda Alimentar as doações de alimentos de países desenvolvidos e instituições multilaterais aos países mais pobres ou em situação de emergência. Tais doações ficam sujeitas ao interesse político do doador e tendem a diminuir quando os preços de mercado se elevam, como nas duas décadas iniciais do século XXI. Além disso, a ajuda alimentar pode prejudicar as exportações de países em desenvolvimento e os mercados internos dos países receptores. Desde que se tenha potencial produtivo, seria desejável substituir a doação internacional de alimentos pela doação em dinheiro para que os desnutridos adquiram localmente os alimentos necessários. Entende-se que a Ajuda Alimentar deveria ser empregada apenas em situações emergenciais, de catástrofes naturais ou guerra, quando os mercados não funcionam adequadamente.

2.3 - Consumo, Produção e Preços de AlimentosConforme Gráfico 2.2, entre 1961 e 2002, ainda que com muitas flutuações, foi

observada uma queda de quase 50% nos preços reais dos alimentos (FAO, 2017b), decorrente, especialmente, de avanços tecnológicos, que resultaram em redução no custo unitário de produção, permitindo que a produção aumentasse, mesmo com preços em queda. Também o forte protecionismo agropecuário, associado aos estímulos à produção nos países desenvolvidos, contribuiu para este aumento produtivo.Gráfico 2.2 - Variação nominal e real do Índice FAO de Preços de Alimentos, 1961 a 2017.

Fonte: FAO (2017b).Ao contrário, no presente século, tem se observado tendência de aumento real de preços

de alimentos, que atingiram valores bastante altos em 2012. Os últimos anos revelam preços menores que em 2012, mas ainda maiores que os do início do século. Alguns poderiam supor que tal fato teria decorrido da oferta de alimentos não ter acompanhado o crescimento populacional.

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Os números não confirmam esta suposição. Assim, entre 1991-2000, a produção total do setor agropecuário mundial aumentou 2,5% ao ano e a produção per capita elevou-se em 1,0% a. a., enquanto de 2001-2010, esses valores foram, respectivamente, de 2,6% e 1,4% a. a. (FAO, 2012a). Também, como já visto, a disponibilidade de alimentos cresceu 4,8% no mundo, entre os triênios 2000-02 e 2010-12 (FAO, 2013). Esses dois crescimentos têm sido mais expressivos nos países em desenvolvimento do que nos desenvolvidos.

O que aparenta ter acontecido, de fato, é que o crescimento da oferta de alimentos não foi suficiente para atender o crescimento da demanda de alimentos, daí derivando pressões altistas em seus preços. Entre os problemas na oferta, podem ser elencados a elevação do custo de produção decorrente do encarecimento do petróleo e derivados, pelo menos até 2013, a maior destinação de área agrícola para produção de biocombustíveis, as mudanças no protecionismo agrícola dos países desenvolvidos, que se mostra menos vinculado à produção, a diminuição na taxa de crescimento da produtividade da terra agropecuária.

Do lado da demanda, deve-se destacar o crescimento da renda em países muito populosos, como China e Índia, pressionando para cima o consumo per capita e total de alimentos, ao que se associa a maior presença de proteínas animais na dieta da população mundial, exigindo maior produção de grãos para compor as rações, especialmente milho e soja. Estima-se que sejam necessários oito quilos de grãos para se produzir um quilo de carne (MALUF & SPERANZA, 2013).

Aparentemente, os preços de alimentos continuarão, nos próximos anos, em patamar mais alto do que o observado no início do presente século. Ao menos que se consiga crescimento mais robusto da sua oferta, dando conta não apenas do crescimento populacional, mas também da renda das pessoas e de suas mudanças de hábitos alimentares. Há potencial tecnológico para expansão da oferta agrícola, mas isto pode ser atrapalhado pelas mudanças climáticas que o mundo está enfrentando.

O acréscimo da produção agropecuária necessário para se evitar pressões altistas nos preços dos alimentos poderia ser menor se houvesse redução na sua perda e desperdício. A FAO estima que no mundo, se perdem (ou não são consumidos) 30% da produção dos cereais, entre 40 e 50% dos tubérculos, frutas e hortaliças, 20% das oleaginosas e 30% do pescado. Nos países mais ricos os desperdícios ocorrem especialmente no consumo e nos países mais pobres as perdas são maiores nas fases iniciais e medianas das cadeias produtivas, como na colheita e no transporte de grãos (FAO, 2012a).

Ao se fazer uma análise por tipo de produtos, os de origem agrícola apresentaram menor expansão da produção do que os de origem animal, o que está de acordo com a maior incorporação de proteína animal no consumo alimentar contemporâneo. Dentre os produtos agrícolas, especialmente as frutas e verduras se destacaram, com taxas expressivas de expansão em sua produção, embora sua importância absoluta continue reduzida. Já entre os produtos animais, merece destaque o crescimento da produção de carne de frango, de lácteos e da aquicultura, enquanto a produção de carne suína e bovina mostraram tendência de estagnação (FAO, 2013a).

2.4 – Recursos Naturais, Tecnologia e Produtividade AgropecuáriaA terra e a água doce podem ter seu uso potencializado pela tecnologia. O uso de adubos,

sementes e raças melhoradas, rotação de culturas, conservação de solo etc. fazem com que o rendimento por área aumente. Sistemas de irrigação, construção de canais e dutos, plantio em épocas mais adequadas, decorrente de maior conhecimento do clima etc. permitem melhor aproveitamento da água. Contudo, a disponibilidade desses dois recursos naturais ainda é um fator a considerar quando se analisa a capacidade produtiva agrícola de determinada região.

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A Tabela 2.2 mostra que a terra usada para os cultivos temporários e permanentes6 ocupava tão somente 11,7% da superfície terrestre em 2009. Outros 25,9% eram compostos de pastagens cultivadas e naturais (pradarias), parte dos quais pode ter seu uso intensificado por cultivos temporários e permanentes ou por substituição de pastagens naturais por cultivadas. As áreas de florestas apresentam dificuldades de se transformarem em áreas cultivadas, em parte por que são bastante inóspitas, como as da Europa, na grande maioria, constituídas por florestas na região muito fria da Rússia, em parte por questões preservacionistas, como as da Floresta Amazônica, que representa a maior parte da reserva florestal da América. Nas outras formas de uso computam-se áreas ocupadas por cidades, infraestrutura e não propícias a agricultura, como cordilheiras, geleiras e desertos, entre eles o do Saara, que toma boa parte da África.Tabela 2.2 – Uso da superfície terrestre nos diversos continentes do mundo, 2009.

Continente Participação Porcentual na Área Total Área Total milhões haCTP PP Florestas Outras

África 8,5 30,7 22,9 39,3 2.965América 9,9 20,8 40,5 28,9 3.889Ásia 17,6 35,3 19,1 28,0 3.094Europa 13,3 8,1 45,5 33,1 2.207Oceania 5,9 43,9 22,7 27,5 849Mundo 11,7 25,9 31,1 31,7 13.003Fonte: FAO, 2013a. CTP - cultivos temporários e permanentes, PP - pradarias e pastagens.

Especificando a análise para os continentes, percebe-se que a possibilidade de expansão da área com cultivos temporários e permanentes é menor na Europa e na Ásia. No caso europeu essa área já é maior que a área com pradarias e pastagens e no caso da Ásia, embora haja alto porcentual de pradarias e pastagens, elas se revelam pouco propícias para as atividades agrícolas, estando muito concentradas em regiões montanhosas e frias da China e da Mongólia. A Oceania apresenta baixo uso de sua área pelos cultivos temporários e permanentes, mas possui área total relativamente pequena. Portanto, as maiores possibilidades de expansão, relativa e absoluta, da área com cultivos temporários e permanentes estão localizadas na África e na América.

Quanto à água, deve-se levar em conta tanto o regime de chuvas quanto sua disponibilidade para irrigação. No primeiro caso, muitos cientistas estão prevendo alterações na quantidade e na distribuição no ano da precipitação, podendo mudar significativamente a situação de algumas regiões com altas produções agrícolas. Quanto ao segundo, entre as regiões em desenvolvimento, a Ásia é a que mais usa métodos de irrigação e a água disponível, tendo, portanto, menor potencial de crescimento. Em princípio, haveria maiores possibilidades de aumento da área irrigada na América Latina e Caribe e na África (FAO, 2005). Contudo, não se deve esquecer que os outros usos, industriais e domésticos, pressionam também a disponibilidade de água, bem como se deve considerar os custos para implantação de sistemas de irrigação e a distância que as fontes de água doce podem apresentar das áreas em que se pratica agricultura. Tipicamente, este é o caso brasileiro, com grande disponibilidade de água na Região Amazônica, justamente onde é menos expressiva a atividade agrícola.

Porque há limites no uso dos fatores naturais e por questões de custo de produção, o crescimento da produção agropecuária tende a depender cada vez mais do uso de tecnologias químico-biológicas e mecânicas. Considerando-se seu uso como uma síntese da tecnologia químico-biológica, observa-se que a quantidade de fertilizantes por área com cultivos temporários no mundo passou de 98 Kg/ha, em 2002, para 117 Kg/ha, em 2009. Neste ano, a África registrava um consumo de menos de 20 Kg/ha, enquanto a Ásia consumia próximo a 200

6 Nos cultivos temporários são registradas as culturas agrícolas temporárias, com ciclo de produção de até um ano, as pastagens temporárias, as terras para horticultura e as mantidas temporariamente em pousio. Nos cultivos permanentes se computam culturas agrícolas com ciclo de vida plurianuais, como café, cacau, seringueira, árvores frutíferas, videiras etc. e não se consideram plantios para lenha e madeira (FAO, 2005b).

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Kg/ha, mais do que o dobro do constatado nos países desenvolvidos, revelando o uso intensivo da terra nesse continente (FAO, 2013a).

O último dado agregado por regiões do uso de tratores agrícolas apresentado pela FAO é relativo ao ano de 2003. No conjunto dos países desenvolvidos estavam disponíveis 41,6 tratores por mil ha de terras com cultivos temporários, enquanto nos países em desenvolvimento essa disponibilidade era de apenas 9,2 tratores. Entre esses últimos países, a América Latina dispunha de um número relativamente maior de tratores, enquanto na África ele era de apenas 1,1 trator por mil ha, confirmando o baixo nível tecnológico de sua agricultura (FAO, 2005).

Há diversas formas de se medir produtividade na agricultura. A mais geral e sintética é a Produtividade Total dos Fatores (PTF), que compara a variação na produção agropecuária geral com a variação no total de fatores produtivos (trabalho, terra e capital). Entre 1991-2000, a PTF nos países desenvolvidos cresceu a uma taxa anual de 2,23% e nos países em desenvolvimento 2,22%. Já entre 2001-09 a taxa de crescimento nos países em desenvolvimento praticamente se manteve, registrando o valor de 2,21% a. a., enquanto nos países desenvolvidos ela se elevou para 2,44% a. a. (FAO, 2012a). Tal crescimento muito provavelmente decorreu da diminuição do número de pessoas ocupadas na agricultura, o que se registra, de forma crescente, desde a década de 1980 no conjunto dos países desenvolvidos.

O aumento do rendimento por área ou por unidade animal tem sido o grande responsável pelo aumento da produção agropecuária mundial e isto deverá continuar sendo a realidade das próximas décadas. Como exemplo, pode ser tomar o milho, para qual se projeta que o crescimento da produção por área será responsável por 90% e a expansão da área por apenas 10% do aumento de produção da lavoura no mundo, entre 2016 e 2026 (OCDE & FAO, 2017).

E tal fato poderia ser ainda mais fortalecido, sem necessidade de uma nova revolução tecnológica. Na Ásia Oriental, onde se situa a China, o rendimento efetivo dos cultivos ultrapassa a 80% do rendimento econômico potencial, valor mais alto entre todas as regiões e que dificilmente pode ser aumentado. Para o conjunto dos países desenvolvidos, essa relação situa-se entre 60% e 70%. Em algumas regiões dos países em desenvolvimento, como a Ásia Central, América Central e Caribe e África Subsaariana, esse valor está próximo a 30% e, em princípio, com possibilidades de ser aumentado significativamente (FAO, 2012a).

2.5 – Expansão e Mudanças no Comércio de Produtos AgropecuáriosA partir de 1980 as exportações totais e agrícolas no mundo cresceram em ritmo mais

acelerado que, respectivamente, a produção total e a produção agrícola mundial. Isso revela que houve maior integração entre as economias dos diferentes países.

Na década de 1980, enquanto o valor real (descontada a inflação) das exportações agrícolas dos países desenvolvidos expandiu-se a taxa anual de 4,2%, o dos países em desenvolvimento cresceu a taxa bem menor, de 2,1% a. a. Na década de 1990, tal situação mudou, com os valores respectivos crescendo a taxas de 2,0% a. a. e 3,0% a. a. (FAO, 2005). Em parte, este resultado pode ser atribuído às já citadas diminuição e mudanças na composição do protecionismo agropecuário dos países desenvolvidos, após a Rodada Uruguai.

O valor real das exportações agrícolas mundiais cresceu relativamente menos na década de 1990, com taxa de 2,4% a.a., do que na década de 1980, 3,4% a.a. (FAO, 2005). Muito provavelmente, esse fato não esteve associado à diminuição da taxa de crescimento da quantidade exportada, mas à redução de preços agropecuários verificada no final dos anos 1990. Na década de 2000, por sua vez, quando esses preços se elevaram, o valor real das exportações agropecuárias cresceu a taxa de 8,3% a. a. Em valores absolutos passou de US$ 403,0 bilhões, em 2000, para US$ 818,0 bilhões, em 2010, 103,0% a mais (FAO, 2012a).

Na Tabela 2.3 percebe-se que quase todas as regiões dos países desenvolvidos (América do Norte, Europa Ocidental e Oceania) perderam importância nas exportações mundiais na década de 2000, com exceção do açúcar e derivados e dos lácteos no caso da América do Norte.

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É importante se dizer que os EUA continuam sendo o maior exportador agropecuário mundial, com destaque nos cereais, oleaginosas e carnes.Tabela 2.3 – Quantidade em milhões de toneladas e participação das regiões nas exportações mundiais de cereais, oleaginosas, açúcar, carnes e lácteos, 2000 e 2010.

Região Cereais Oleaginosas Açúcar e der. Carnes Lácteos2000 2010 2000 2010 2000 2010 2000 2010 2000 2010

África 2,125 3,621 1,090 1,374 4,478 3,506 0,118 0,189 0,357 0,4590,8% 1,1% 1,6% 1,1% 8,7% 4,8% 0,5% 0,5% 0,5% 0,4%

América Latina e Caribe

26,031 43,688 18,652 46,264 16,436 36,000 2,424 7,840 2,066 3,6209,5% 12,9% 27,5% 38,1% 32,0% 49,2% 10,0% 19,8% 2,8% 3,5%

América do Norte

110,243 109,730 33,840 55,533 1,552 3,704 5,881 8,029 3,544 8,44940,4% 32,3% 50,0% 45,7% 3,0% 5,1% 24,1% 20,3% 4,9% 8,1%

Ásia 39,207 44,071 1,856 1,993 10,588 12,428 2,568 3,736 1,984 5,76214,4% 13,0% 2,7% 1,6% 20,6% 17,0% 10,5% 9,5% 2,7% 5,5%

Europa Ocidental

66,393 71,613 5,737 7,612 11,847 10,513 10,115 15,025 46,639 59,21924,3% 21,1% 8,5% 6,3% 23,1% 14,4% 41,5% 38,0% 64,0% 56,9%

Europa Oriental 7,226 46,756 4,135 7,462 1,745 3,311 0,794 2,187 4,033 8,4512,6% 13,8% 6,1% 6,1% 3,4% 4,5% 3,3% 5,5% 5,5% 8,1%

Oceania 21,886 20,368 2,430 1,331 4,668 3,660 2,459 2,523 14,238 18,1838,0% 6,0% 3,6% 1,1% 9,1% 5,0% 10,1% 6,4% 19,5% 17,5%

Mundo 273,088 339,846 67,741 121,569 51,314 73,122 24,359 39,530 72,861 104,142100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: FAO, 2013a.A Europa Oriental, onde se situam a Rússia e a Ucrânia, aumentou sua participação nas

exportações mundiais, com destaque para o grande crescimento no caso dos cereais. Mas sua participação continuava bem menor que a da América do Norte e da Europa Ocidental, em 2010.

Entre as regiões dos países em desenvolvimento, tanto a África quanto a Ásia perderam participação no comércio mundial, com exceção nos cereais na África e nos lácteos na Ásia. Por sua vez, a América Latina e Caribe aumentou sua presença nas exportações agropecuárias mundiais, revelando grande participação em 2010, especialmente nos casos do açúcar e derivados, carnes e oleaginosas, com destaque para a soja. Entre os países dessa região, os maiores exportadores são a Argentina e, especialmente, o Brasil. A Argentina tem mostrado muito dinamismo no caso dos cereais (trigo, em especial), de oleaginosas (soja, particularmente) e de lácteos. Já o dinamismo do Brasil é maior em oleaginosas (soja), açúcar e derivados e carnes, sendo que no caso de lácteos o País apresenta saldo negativo na balança comercial, ainda que pequeno.

Outro comentário a partir dos dados da Tabela 2.3 é que eles permitem calcular que a expansão da quantidade exportada em milhões de toneladas, entre 2000 e 2010, de cereais foi de 24,4%, das oleaginosas, de 79,5%, do açúcar e derivados, de 42,5%, das carnes, de 62,3% e dos lácteos, a expansão foi de 42,9%. Todas essas taxas de crescimento ficaram abaixo do aumento do valor em dólares das exportações agropecuárias, no mesmo período, que, como já visto, foi de 103,0%. Evidencia-se, assim, o importante papel que teve a elevação dos preços para o aumento da renda obtida nas exportações agropecuárias.

A Ásia e a África são as regiões com maiores saldos negativos no comércio de produtos agropecuários e se projeta que tal fato se agrave nos próximos anos, com a Ásia, muito provavelmente, tendo maiores dificuldades de reverter tal situação, levando-se em conta a relação entre sua população e a área e água disponível para as atividades agropecuárias. A América do Sul, com destaque à Argentina e, particularmente, ao Brasil, que já apresenta o maior saldo positivo nas exportações agropecuárias, deverá aumentá-lo nos próximos anos, conforme aponta o Gráfico 2.3.

Um aspecto importante a destacar no comércio mundial de produtos agrícolas é que os integrantes das etapas de processamento e distribuição das cadeias alimentares vêm se beneficiando mais que os produtores agrícolas. Nesse sentido, a FAO (2013a) estima que, nos

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anos recentes a participação dos produtores primários caiu em torno de 10% no valor de produção final das cadeias agropecuárias mundiais, enquanto a participação das companhias processadoras e distribuidoras nos países consumidores aumentou em 75%. Seria importante para países como Argentina e Brasil, portanto, avançarem no grau de processamento de suas exportações agropecuárias, fato que é dificultado pelas barreiras existentes no comércio agrícola, entre elas a escalada tarifária.Gráfico 2.3 - Saldo comercial agropecuário de diversas regiões do mundo, constatado até 2014 e projetado para 2024.

Fonte: FAO, 2015b.

3 – Abordagens e Componentes do Sistema de Produção AgropecuárioA intenção desse capítulo não é de promover um debate teórico aprofundado do tema,

mas discutir, a partir de diferentes análises e autores, o emprego da abordagem sistêmica da produção agropecuária sobre quatro perspectivas. A primeira, que permita preliminar e sintético entendimento das transformações capitalistas que levaram à formação do sistema de produção agropecuária modernizada (SPA). A segunda, com caráter bastante descritivo e geral, que aponte características econômicas estruturais e comportamentais dos diversos integrantes ou segmentos desse sistema. A terceira, que especifique a análise para determinada cadeia agropecuária, discorrendo-se sobre a capacidade de organização e de coordenação e o grau de interação econômica entre seus componentes. Por fim, discute-se a pertinência de se tomar como nível de agregação o país ou o sistema nacional de produção agropecuário. Em todas essas perspectivas, o caso brasileiro será usado como exemplo.

3.1 - Constituição do Sistema de Produção AgropecuárioPara essa seção usaram-se, especialmente, os trabalhos de Kageyama et al (1990) e de

Szmrecsányi (1990). Considera-se a existência de uma pretérita unidade agropecuária denominada de Complexo Rural que, após uma série de transformações, passa a constituir um modelo contemporâneo chamado de Complexo Agroindustrial, conforme a Figura 3.1.

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Como exemplos do Complexo Rural, podem ser consideradas as grandes fazendas cafeeiras ou canavieiras no Brasil do século XIX, em que se explorava um produto principal, café ou açúcar, responsável pela quase totalidade da receita monetária do estabelecimento agropecuário ou unidade agropecuária (UA). Sua venda ocorria externamente, em grande parte, e os mercados caracterizavam-se por ofertarem produtos com pequena diferenciação7. É importante salientar o papel que os agentes comerciais (corretores) ocupavam na venda do produto principal, além de não raramente financiarem as necessidades de capital de giro dos grandes fazendeiros.Figura 3.1 – Do Complexo Rural ao Complexo Agroindustrial

UA – unidade agropecuáriaAs UAs tendiam à autossuficiência8, com os fatores produtivos, como animais de tração,

adubos orgânicos, ferramentas e equipamentos, sementes, mudas e raças sendo obtidos em sua própria área. A tecnologia era simples, com mudanças pequenas ao longo do tempo e baseada na exploração à exaustão da terra, dando caráter nômade à agricultura.7 Além do grande estabelecimento rural cujo objetivo principal era produzir para o mercado internacional, havia alguns outros tipos de estabelecimentos, como os de pequenos agricultores independentes, explorando produtos de subsistência ou voltados para o atendimento do mercado local (HOFFMANN, 2007). Também se constatava a presença de estabelecimentos de maior porte, muitas vezes com natureza nômade, que exploravam especialmente atividades pecuárias, fornecendo animais de tração, carne e couro aos grandes estabelecimentos exportadores. 8 “A verdade é que, pelo menos na província do Rio de Janeiro, e em geral no Vale do Paraíba, as fazendas de café seguiram quase sempre à risca os moldes tradicionais da lavoura açucareira, constituindo cada qual uma unidade tanto quanto possível suficiente. Há notícia de fazendeiro fluminense que se gabava de só ter de comprar ferro, sal, pólvora e chumbo, pois o mais davam suas terras.” (HOLANDA, 1963:166)

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Ainda no interior da UA, nas entrelinhas da lavoura principal, em áreas menos produtivas ou nos quintais das casas dos empregados, ocorria a produção de gêneros alimentícios para a subsistência de seus moradores, com eventual sobra sendo comercializada em mercados regionais. Atividades acessórias, de carpinteiros, ferreiros, pedreiros, seleiros também se desenvolviam na UA.

Quanto à agroindústria rural, ela se caracterizava por ser de pequeno porte e artesanal, apresentando-se, no mais das vezes, como simples extensão da produção primária e voltada para o atendimento das necessidades de consumo dos moradores locais. Situação diferenciada constatava-se nas fazendas canavieiras, em que o engenho, movido manualmente ou com tração animal, além da aguardente e da rapadura, fornecia o açúcar, que era comercializado e representava o produto principal do estabelecimento agropecuário.

A desagregação ou desparecimento do Complexo Rural foi se dando ao longo de várias décadas, à medida que se intensificavam as transformações da economia nacional, fruto da industrialização e do predomínio do setor urbano-industrial. Neste processo, verificaram-se modernização e ganho de escala produtiva, aumento da produtividade do trabalho, mudanças qualitativas no mercado de trabalho, com avanço de relações assalariadas, ampliação do número de bens e serviços ofertados, fortalecimento da urbanização e mercado interno, inclusive de produtos primários, mercantilização e elevação do preço da terra, tanto urbana quanto rural, ampliação territorial dos mercados.

Para os propósitos desse trabalho, o interesse é destacar as consequências na estrutura do estabelecimento agropecuário, especificamente as seguintes mudanças: especialização de atividades, modernização da base técnica e aprofundamento das relações com outros ramos e setores econômicos.

Com o tempo, a produção voltada para o mercado foi suplantando a simples produção de subsistência, que cada vez mais perdia sentido, à medida que a racionalidade de valorização do capital tornava-se predominante, a terra encarecia e os mercados agropecuários se desenvolviam. A partir daí, procurava-se extrair a maior rentabilidade possível da terra, através da exploração daquelas atividades que apresentassem melhores perspectivas de mercado. Dito de outra forma mostrava-se irracional “desperdiçar” esse recurso natural, bem como força de trabalho, em atividades que não resultassem, ainda que como expectativa, em alto retorno financeiro. Uma das derivações disso é que os estabelecimentos (e mesmo suas regiões) foram se especializando na produção de um ou poucos produtos agropecuários.

O fato de não ser preciso produzir alimentos no interior dos estabelecimentos agropecuários, ou em sua região, decorreu da possibilidade deles serem trazidos, em condições aceitáveis de custo, de outras regiões. Com o aprimoramento dos veículos e meios de transporte, o que reduz seu custo médio, os mercados dos produtos básicos da alimentação aumentaram sua amplitude geográfica. Exemplo característico se verifica na produção de arroz. Antes disseminado pelos estabelecimentos do Brasil, hoje se observa grande concentração de sua produção, com uso de alta tecnologia, inclusive irrigação, no Rio Grande do Sul e sudeste catarinense, de onde é transportada para abastecer grande parte do território nacional. Também a produção do leite, anteriormente presente em quase todos os estabelecimentos agropecuários, hoje se mostra mais concentrada em estabelecimentos e regiões especializadas.

Ao mesmo tempo, atividades de apoio ou acessórias, produção de insumos e pequenas agroindústrias se deslocaram do interior do estabelecimento rural, que foi se especializando em atividades essencialmente agropecuárias. Na verdade, não foi um simples deslocamento, mas uma substituição por outros produtos ou processos em maior escala, modernos e mais dinâmicos.

Assim, a aquisição de tratores fez diminuir o número de trabalhadores rurais e substituiu a tração animal. A terra e os rebanhos tiveram sua produtividade aumentada, com o emprego de tecnologias químicas (adubos, agrotóxicos, medicamentos, rações) e biológicas (sementes, mudas, raças e linhagens melhoradas). O ritmo intenso de surgimento de novas técnicas foi

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obrigando o agricultor a se manter atualizado e buscar informações recentes, deixando de depender apenas da experiência própria adquirida ao longo dos anos. A base técnica da produção se transformou, ocorrendo a modernização da produção agropecuária, que eleva a dependência da compra de insumos industriais e de serviços.

Para Kageyama et al (1990), a modernização da agropecuária brasileira acentuou-se, entrando em fase chamada de industrialização da agricultura, após a instalação em território nacional dos ramos produtores de máquinas e insumos químicos para a agropecuária, que antes eram totalmente importados. Nesse sentido, os autores destacam a importância do Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitschek (1956-1960) e do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) no Governo Ernesto Geisel (1974-1979), que incentivaram a instalação e o desenvolvimento no Brasil de empresas produtoras de tratores, colhedoras, fertilizantes e agrotóxicos.

A maior importância da compra de insumos industriais e serviços pode ser evidenciada pela análise de custos de produção da agricultura contemporânea. Na safra 2011/12, para a produção de milho não transgênico, com rendimento de 7.800 Kg/ha, estimou-se um custo operacional/ha (incluindo remuneração da administração e capital e gastos pós-colheita) de R$ 1.953,79, sendo R$ 1.242,20 (63,6%) destinados à compra de insumos químico-biológicos: adubos (R$ 849,90), sementes (R$ 210,00) e agrotóxicos (R$ 182,30) (Informa Economics FNP, 2011). Na produção de leite, em estabelecimento com produção média de 2.978 litros diários, em 2012, estimou-se que os gastos com concentrado, medicamentos, hormônios e inseminação representavam 49,2% do custo variável e dispêndios com energia, combustível e transporte mais 7,8% (Informa Economics FNP, 2013).

No caso das agroindústrias, elas deixaram de ser artesanais e subsidiárias à produção agropecuária. Constituíram, praticamente, um novo ramo econômico, aumentaram seu tamanho, processando grande volume da produção primária e ganhando poder de mercado, o que lhes permite influenciar decisivamente no preço e na qualidade da matéria prima utilizada. O grau de processamento dos alimentos cresceu e surgiram centenas de novos produtos na indústria alimentícia. Até chegar ao consumidor final, os produtos agropecuários passaram a sofrer uma série de transformações industriais e de serviços, com perda de importância do consumo de produtos agropecuários in natura.

Em síntese, pode-se dizer que ocorreu aprofundamento das relações inter setoriais a montante e a jusante da agricultura, formando-se novo complexo ou sistema produtivo em que a atividade primária deixou de ser o polo dinâmico9, em termos tecnológicos e, até certo ponto, produtivos. Julga-se importante essa última relativização, posto que convém não esquecer que interesses econômicos dos próprios agricultores os estimulam a procurarem se diferenciar e transformar sua base produtiva. Além disso, é oportuno se afirmar que várias transformações do SPA ocorreram a partir da aplicação de políticas públicas (pesquisa e crédito, especialmente), sobre as quais as organizações de agricultores costumam exercer pressão considerável.

3.2 – Os Segmentos do Sistema de Produção Modernizada AgropecuárioOs diversos componentes do SPA são indicados na definição de agribusiness de Davis e

Goldberg, formulada nos anos 1950 e citada em Ramos (2007:40): “agribusiness é a soma total das operações de produção e distribuição de suprimentos agrícolas; as operações de produção nas unidades agrícolas; e o armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos com eles.”

9 “A partir da constituição dos Complexos Agroindustriais o desenvolvimento da agricultura passa a depender da dinâmica da indústria: não se pode mais falar da agricultura como um ‘grande setor’ na economia (como na divisão tradicional agricultura-indústria-serviços), por que grande parte das atividades agrícolas integrou-se profundamente na matriz de relações interindustriais, sendo seu funcionamento determinado de forma conjunta.” (KAGEYAMA et al, 1990:13)

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A Figura 3.2 apresenta um esquema do sistema de produção agropecuário atual, iniciando-se pelo segmento dos fornecedores de serviços, insumos mecânicos e químico-biológicos, indo até o mercado consumidor de produtos de origem primária, que serão descritos a seguir. Não será abordada, neste momento, a produção agropecuária, especificamente tratada mais adiante, em outros capítulos deste trabalho.

3.2.1 - Serviços e Insumos para AgropecuáriaEntre os serviços usados pela agropecuária, podem-se destacar os que afetam as decisões

e a forma de produzir, como as informações das condições dos mercados, de preços de insumos e produtos, e as tecnológicas. Neste caso, há uma etapa de pesquisa e outra de disseminação ou extensão do conhecimento relativo a processos produtivos e produtos. De maneira geral, os agricultores não desenvolvem novas tecnologias, mas as obtêm junto a empresas públicas e privadas especializadas.

Muitas vezes, a inovação tecnológica está associada à relação de compra e venda de um fator de produção, adubo, agrotóxico, ração, semente e linhagem melhorada, máquina agrícola. Pode acontecer também de se vincular a um contrato de fornecimento de matéria prima, em que as condições de produção primária são fixadas pela agroindústria.

A seguir se apresentam características estruturais e comportamentais dos principais ramos econômicos fornecedores de insumos químico-biológicos e mecânicos para a agropecuária brasileira.

a) Agrotóxicos: o Brasil está entre os cinco maiores mercados de agrotóxicos do mundo. Mais de 70% dos princípios ativos, produtos intermediários e mesmo produtos formulados usados no País são importados. Em 2010, a comercialização de agrotóxicos no Brasil gerou uma renda de US$ 7,3 bilhões, alcançando em 2014, US$ 12,2 bilhões. Em 2016, os herbicidas e fungicidas responderam, cada um, por 33% da venda de agrotóxicos no País, os inseticidas por 29% e outros, por 5%. A cultura da soja, em 2016, consumiu 56% dos agrotóxicos no Brasil, seguida pelo milho e cana-de-açúcar, com 10% cada, e algodão, com 5%, com os restantes 19% usados pelas demais atividades agropecuárias e florestais (ABRAPA, 2017).

Trata-se de um ramo que dispende próximo a 12% da receita bruta de suas empresas com pesquisa e desenvolvimento (ABRAPA, 2017) e em que a obtenção de um novo produto é muito demorada. Estima-se que, em média, sejam necessários dez anos de pesquisa, envolvendo 140 mil moléculas, com custo de US$ 250 milhões, para que se obtenha um único produto comercial (ANDEF, 2018). Até por essa razão, a concentração industrial é bastante elevada e está se acentuando. Nos últimos anos ocorreram a compra da Syngenta pela ChemChina e da Monsanto

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pela Bayer e a fusão da Dow AgroSciences e DuPont. No Brasil, estima-se que as 10 maiores empresas controlam 87% do mercado.

A representação social das grandes empresas é feita pelo Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (SINDIVEG), com 37 filiadas, e pela Associação Nacional de Defesa Vegetal (ANDEF), com 13 associadas, justamente as maiores empresas do setor.

Praticamente todas as grandes empresas do ramo de agrotóxicos, a partir da década de 1990, passaram a se diversificar e fortalecer suas atividades na produção de sementes melhoradas, muitas vezes geneticamente modificadas (transgênicas). Com isso aproveitam as relações comerciais já estabelecidas com os agricultores, que compram agrotóxicos e sementes no mesmo período do ano. Também se explora um segmento altamente promissor e que apresenta sinergia com os produtos tradicionais das empresas de agrotóxicos. Como se verá logo adiante, a comercialização do material transgênico, na grande maioria dos casos, garante mercado para os agrotóxicos.

Exemplo típico dessa diversificação é dado pela Monsanto, que iniciou suas pesquisas com biotecnologia na década de 1980. Entre 1995 e 2009, adquiriu uma série de empresas de sementes melhoradas: Calgene, Asgrow, Monsoy, Dekalb, Agroceres, Seminis, Emergent Genetics, American Seeds, Agroeste, Delta & Pine, MDM Sementes de Algodão, produtoras de sementes de algodão, frutas, hortaliças, milho, sorgo e soja. Em 2008, adquiriu a Alellyx e a CanaVialis, duas empresas brasileiras dedicadas ao melhoramento genético da cana-de-açúcar, empresas estas que, posteriormente, foram revendidas.

O caso de sinergia mais destacado se deu com a comercialização de sementes de soja transgênicas denominadas RR (Roundup Ready), comercializadas pela Monsoy e que, ao contrário das variedades convencionais, se mostra tolerante a herbicida à base de glifosato, como o Roundup, produto de ponta da Monsanto. Mais recentemente, a Monsoy passou a comercializar a variedade de soja Intacta RR2 Pro, resistente ao glifosato e a alguns tipos de insetos (MONSANTO, 2013).

A área plantada com sementes transgênicas no mundo passou de 1,7 milhão ha, em 1996, para 185,1 milhões ha, em 2016. Deste total, a soja representava 50%, milho, 32%, algodão, 12% e canola, 5%, com outras culturas tendo importância bastante reduzida. Nos EUA estavam plantados 72,9 milhões ha com transgênicos, seguidos pelo Brasil, com 49,1 milhões ha. Nestes dois países, mais Argentina, Canadá e Índia, estavam plantados 91% da área dos transgênicos no mundo, em 2016, mostrando também forte concentração. Ressalte-se que a grande maioria dos países europeus não apresenta o plantio de transgênico em sua área (ISAAA, 2016).

Em 2016, a venda mundial de sementes transgênicas alcançou US$ 15,8 bilhões, correspondente a 35% da venda total de sementes melhoradas no mundo. Nesse mesmo ano, 47% das sementes transgênicas vendidas garantiam resistência a herbicidas e 41%, resistência conjunta a herbicidas e insetos e outras características (ISAAA, 2016).

b) Fertilizantes: em 2006 foram consumidos 20.981,7 mil t de fertilizantes no Brasil, valor que passou para 34.083,4 mil t, em 2016 (MAPA, 2017). As culturas que mais utilizaram fertilizantes no País, em 2015, foram soja (42,5%), milho (15,7%), cana-de-açúcar (13,0%) e café (5,5%) (BRASIL/MAPA, 2017a).

Atrás da China, Índia e Estados Unidos, o Brasil aparece como o quarto maior consumidor de fertilizantes. Constata-se grande dependência da importação, sendo que, em 2012, foram produzidos no Brasil 9,7 milhões de toneladas de fertilizantes intermediários, 33,2% do total consumido, e importados 19,5 milhões de toneladas, 66,8% do total consumido. Em 2016, estes porcentuais foram de, respectivamente, 26,5% e 73,5%. Aliás, desde o início da década de 1990, a participação das importações de fertilizantes no consumo nacional está aumentando, sendo muito alta no caso de potássicos, alta para os nitrogenados e intermediária nos fosfatados. Para esses dois últimos há possibilidades maiores de se aumentar, nos próximos anos, a produção nacional.

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Apesar de existirem 92 empresas associadas à Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA), o setor mostra-se altamente concentrado. Em 1995, as seis maiores empresas controlavam 48% do mercado de NPK (nitrogênio, fósforo e potássio) brasileiro, valor que passou para 86%, em 2008 (HERINGER, 2013). Além da Yara, outras grandes empresas na área de fertilizantes são Heringer, Fertipar e Mosaic.

c) Medicamentos Veterinários: Esse ramo tem apresentado taxa média de crescimento anual de 8,5%, entre 2002 e 2016. Seu faturamento passou de R$ 2,5 bilhões, em 2008, para R$ 5,0 bilhões, em 2012. Neste ano, os ruminantes consumiram 55% dos medicamentos veterinários, aves, 14%, suínos, 11%, cães e gatos, 18% e equinos consumiram 2%. A bovinocultura é a atividade pecuária que mais consome medicamentos veterinários, mas, assim, como no caso de rações, o maior crescimento de consumo tem se dado no segmento de animais de companhia ou pet (SINDAN, 2018).

Sua principal entidade representativa é o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Saúde Animal (SINDAN), com 86 empresas associadas em 2018. Observa-se grande concentração industrial neste ramo, sendo que, entre julho de 2004 e junho de 2005, as suas dez maiores empresas auferiram 64,4% do faturamento bruto setorial (CAPANEMA et al, 2007).

d) Rações e Suprimentos Minerais: em 2008 foram vendidos 58,7 milhões t de rações e 2,1 milhões t de sal mineral para alimentação animal no Brasil, valores que passaram para, respectivamente, 67,2 milhões t e 2,8 milhões t, em 2016. Neste ano, a avicultura de corte foi responsável por 47,8% do consumo de rações no Brasil, a suinocultura por 24,4%, a avicultura de postura por 8,5%, a bovinocultura de leite por 8,4%, a bovinocultura de corte por 3,8% e cães e gatos por 3,7%. Este último segmento e as atividades aquícolas são os que têm apresentado maior crescimento no consumo de rações no Brasil (SINDIRAÇÕES, 2013, 2017).

A indústria de rações usa grande quantidade de alguns produtos agrícolas brasileiros, sendo que, em 2012, consumiu 52,2% da safra de milho e 44,5% da produção de farelo de soja (SINDIRAÇÕES, 2013).

O Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (SINDIRAÇÕES) conta com 134 associados, responsáveis por 80% da produção de ração no Brasil (SINDIRAÇÕES, 2017).

e) Sementes e Mudas: existe número expressivo de empresas produtoras de sementes, grande parte das quais é associada à Associação Brasileira de Sementes e Mudas (ABRASEM). Na safra 2006/07, elas comercializaram 1.803 mil toneladas de sementes, com a comercialização de sementes de soja somando R$ 2,36 bilhões, 43% do total, e as de milho, R$ 2.20 bilhões, 39% do total (BRASIL/MAPA, 2010). Na safra 2014/15, o mercado de sementes no Brasil atingiu R$ 10 bilhões, mantendo-se o amplo predomínio das sementes de soja e milho, cujas vendas representaram, cada uma, 37%, do total (ABRASEM, 2015).

Estimava-se que a demanda potencial de sementes melhoradas, em 2007/08, fosse de 3.025 mil t, para uma demanda efetiva de 1.598 mil t, ou 52,8% do potencial. Algumas culturas se destacavam pelo grande uso de sementes melhoradas, como o sorgo, com 88% da área plantada com esse tipo de sementes, o milho, com 83%, e o trigo, com 72%. No caso da soja, essa participação era de 61%, do arroz irrigado, de 51% e do algodão, de 44%. Já no caso do feijão, apenas 11% da área plantada se dava com sementes melhoradas (BRASIL/MAPA, 2010).

Nas pesquisas ligadas ao melhoramento genético de plantas ainda é expressiva a participação do poder público. Por exemplo, na cana-de-açúcar, a RIDESA (Rede Interuniversitária de Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro), originária do extinto Planalsucar (Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-Açúcar) e ligada a universidades públicas federais, detinha 28 cultivares registrados, enquanto o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), do Governo do Estado de São Paulo, detinha mais oito, o que somadas representam 40% dos cultivares de cana-de-açúcar registrados no Serviço Nacional de Proteção de Cultivares, em 2010 (BRASIL/MAPA, 2010a). Há também participação importante no

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desenvolvimento de novos cultivares de uma empresa privada nacional, o Centro Tecnológico Canavieiro (CTC), que recebe aporte financeiro das usinas de açúcar e etanol.

Algo semelhante acontece na lavoura cafeeira, que passou a contar, a partir de 1997, com o Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café e com participação de mais de uma dezena de instituições públicas de pesquisa. Entre elas, podem-se destacar o IAC, no qual iniciaram as pesquisas genéticas do café, e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), com projeção mais recente. Há também participação significativa da Fundação Procafé, instituição privada bancada por diversos sindicatos e cooperativas do ramo cafeeiro (CONSÓRCIO PESQUISA CAFÉ, 2018).

Das 1.658 cultivares registradas de todas as lavouras no Brasil, em 2010, as empresas públicas nacionais detinham 30%, as empresas privadas nacionais, 40% e as empresas estrangeiras detinham 30% (BRASIL/MAPA, 2011). Isso não quer dizer que em termos de área cultivada a participação de empresas públicas no fornecimento de cultivares melhorados, atualmente, seja tão expressiva. Desde a aprovação da Lei Federal no. 9.456/1997, conhecida como Lei de Proteção de Cultivares e, especialmente, com o advento da transgenia, essa participação vem caindo, em algumas culturas de forma contundente, como no caso da soja.

Como destacam Salles-Filho e Bin (2014, pag. 432), a perda de importância de empresas públicas na geração de tecnologia é um fenômeno mundial: “A assunção da pesquisa privada nas chamadas ciências da vida aplicadas à agricultura e pecuária, especialmente em melhoramento, geração de variedades, atropelou, sem a menor cerimônia, mais de um século de tradição de pesquisa pública.”

f) Máquinas e Equipamentos: neste agrupamento observa-se a existência de número relativamente grande de empresas fornecedoras de implementos para a agricultura, como arados, grades, semeadoras, adubadoras e pulverizadoras e de máquinas e equipamentos para a pecuária. São 242 empresas desse tipo, muitas das quais de atuação regional, que fazem parte da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ, 2013).

Já no caso de tratores de roda apenas cinco empresas controlam o mercado brasileiro e nas colhedoras automotrizes de cereais e oleaginosas tão somente quatro empresas. Em 2012 foram produzidos 62.147 tratores de roda agrícolas no Brasil, com participação da AGCO de 34,1%, da Valtra de 22,7%, da CNH de 21,8%, da John Deere de 17,8% e da Agrale de 3,5%. A produção de colhedoras, em 2012, somou 7.471 unidades, 44,4% da CNH, 38,9% da John Deere, 12,5% da AGCO e 4,3% da Valtra (ANFAVEA, 2013).

A produção nacional de tratores de roda ou esteira, colhedoras, cultivadores motorizados e retroescavadeiras de uso agrícola passou de 61.026 unidades, em 2003, para 100.400 unidades, em 2013, aumento de 64,5%. Em 2016, em face à crise econômica, esta produção estava reduzida a 55.262 unidades (BRASIL/MAPA, 2017a). Assim como o restante da indústria automobilística, parte considerável da produção dessas máquinas se destina à exportação, com uma média de 19% da produção nacional sendo exportada, de 2010 a 2016 (BRASIL/MAPA, 2017a).

3.2.2 – Agroindústrias e Indústria AlimentíciaDos grandes cultivos brasileiros, apenas o feijão chega ao consumidor final sem sofrer

qualquer transformação industrial. Alguns passam por processamentos simples, como o arroz, que é descascado, tem o gérmen retirado e é polido ou o leite, que é pasteurizado ou uperizado, obtendo-se o chamado leite longa vida ou UHT. Outras transformações são mais significativas, como no caso da soja, consumida na forma de óleo refinado, margarina, creme, em mistura com suco de frutas etc.

É comum usar o termo Agroindústria para a empresa que faz o primeiro processamento dos produtos primários. São vários os exemplos: empresa de ração, frigorífico, laticínio, farinhas

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e óleos vegetais, café torrado e moído ou solúvel, açúcar e etanol, suco de frutas, manteiga de cacau, fios de algodão, serrarias, celulose. A seguir podem ocorrer, na mesma ou em empresa diversa, outras transformações que resultam em doces, confeitos, chocolates, refrigerantes, macarrão, bolachas, pães, margarinas, embutidos, queijos e derivados do leite, congelados e resfriados, móveis, sapatos e derivados do couro, papel, tecidos e roupas.

A participação dos produtos processados tende a aumentar nos diversos mercados. No caso dos alimentos, dados da Associação Brasileira de Indústria Alimentícia (ABIA) revelam que sua participação se elevou consideravelmente, em 1980, 56% dos alimentos consumidos no Brasil eram processados industrialmente, valor que alcançou 85%, em 2012 (ABIA, 2013). Pode ser que nos próximos anos, este crescimento seja contido diante da valorização do consumo de produtos in natura, frutas e verduras, observada junto a parcelas de consumidores, especialmente os de maior poder aquisitivo.

Parte considerável das empresas que processam matérias-primas de origem agropecuária integra a Indústria Alimentícia ou Divisão Fabricação de Produtos Alimentícios (na denominação técnica do IBGE). Em 2011, o IBGE estimava existirem no Brasil 41,7 mil empresas dedicadas à produção de alimentos, com valor adicionado de R$ 85,4 bilhões. Enquanto em 2007 essa divisão ocupava o segundo lugar entre as 29 divisões pertencentes às seções Indústria Extrativista e de Transformação, em 2011 ela atingiu a primeira colocação, representando 12,6% do valor adicionado das 29 seções citadas (IBGE, 2013). Muito provavelmente, tal crescimento esteve associado ao aumento dos preços de matérias primas agropecuárias e dos alimentos acima da taxa média de inflação da economia brasileira, além de outros fatores.

Para a ABIA, em 2012, existiam 32,1 mil empresas formalizadas de alimentos e bebidas no Brasil, com próximo a 95% delas se tratando de micro/pequena empresa. Nesse ano o faturamento líquido da Indústria Alimentícia somou R$ 353,9 bilhões, distribuídos, do maior para o menor faturamento, nos seguintes agrupamentos produtivos: derivados de carne; beneficiamento de café, chá e cereais; laticínios; açúcares; óleos e gorduras; diversos (salgadinhos, sorvetes, temperos); derivados do trigo; derivados de frutas e vegetais; chocolate, cacau e bolos; desidratados e supergelados e; conservas de pescado (ABIA, 2013).

As empresas da Indústria Alimentícia sabem que o consumo de alimentos, em termos relativos, tende a responder cada vez menos ao aumento da renda das pessoas. Assim, a elasticidade renda da demanda (ER) dos gastos com alimentação, bebidas e tabaco situava-se entre 0,25 e 0,35 ou menos nos países desenvolvidos e entre 0,60 e 0,70 nos em desenvolvimento (USDA, 2007). Esses valores eram mais baixos do que os verificados para outros tipos de gastos, como roupas e calçados, combustíveis, eletrônicos, automóveis, serviços domésticos, educação, saúde e recreação.

Para o Brasil, estudo de Hoffmann (2010), com dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE de 2008-09, aponta que a ER dos gastos da alimentação era de 0,538, superior apenas à ER dos gastos com fumo, de 0,388 e inferior as dos outros nove grupos de despesa, como transporte, com ER de 0,978, recreação e cultura, de 0,939 e educação, de 1,058.

Isso faz com que as empresas dos ramos alimentícios mantenham, no geral, políticas de redução de custos e preços, procurando aumentar sua participação no mercado, ao mesmo tempo, que tentam explorar aqueles tipos de alimentos com mercados mais promissores e dinâmicos, normalmente mais processados e com maior valor unitário. Neste sentido, o estudo citado de Hoffmann (2010) revela que a ER das despesas com leite de vaca no Brasil era de 0,393, enquanto que para os queijos era de 0,853 e iogurte, de 0,628.

Segundo Belik (2001), nas últimas décadas houve mudanças importantes na estratégia competitiva das empresas alimentícias. Na década de 1960, a competição se dava, basicamente, via preços ou redução de custos. Na de 1970, o atributo qualidade (não nutricional, necessariamente) ganhou relevância. A partir de 1980, acentuou-se a procura de maior variedade,

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com o lançamento frequente de novos produtos, tentando-se adaptar ao dinamismo e à segmentação do mercado consumidor, sem, contudo, abandonar as ações voltadas para redução dos custos produtivos e das melhorias qualitativas10.

Algumas estratégias de diversificação podem ser constatadas entre empresas brasileiras processadoras de produtos agropecuários. Por exemplo, muitas cooperativas agropecuárias iniciaram suas atividades como fornecedora de insumos químico-biológicos e assistência técnica aos agricultores e como atacadistas. Com o tempo, várias delas constituíram agroindústrias, passando a produzir, por exemplo, farelo e óleo bruto de soja, rações, derivados de milho e mandioca, fios de algodão. Outras, como a Itambé (MG) e COCAMAR (PR)11 foram adiante, desenvolvendo outras etapas industriais e fornecendo produtos prontos para o consumo final

A priorização e o avanço em direção à produção de bens com maior grau de elaboração e valor unitário constituem em importante estratégia de empresas líderes da Indústria Alimentícia, como no caso da Empresa Sadia que, em 2009, se juntou à Perdigão, formando a Brasil Foods (BRF). Em 2000, a Sadia apresentava a seguinte composição em suas vendas no mercado brasileiro: 29% eram originados da comercialização de carnes de aves e suínos, 11% de outros produtos (rações, inclusive) e 60% da venda dos industrializados (resfriados e congelados). Em 2008, os industrializados elevaram sua participação para 79%, em detrimento das carnes de aves, suínos e bovinos, com 15%, e outros, com 6% (SADIA, 2010).

Outro fato a ser destacado entre as processadoras de produtos de origem agropecuária é o crescimento do seu nível de concentração, em seus diversos ramos. Especificamente na Indústria Alimentícia, embora, como já visto, haja grande número de empresas, poucas delas tendem a controlar faixas expressivas do mercado, conforme se evidencia na citação a seguir.

“As dez maiores companhias do setor brasileiro de aves foram responsáveis (em 2004) por 50,4% da produção nacional, enquanto no caso de suínos, as dez maiores responderam por 40,9%. Nos segmentos de produtos congelados e resfriados, a concentração é maior, com os dois maiores produtores (Sadia e Perdigão) respondendo por 80,6% e 56,1% dos mercados, respectivamente. Em margarinas, as três maiores empresas (Sadia, Bunge e Unilever) responderam por 85,0% do mercado.” (SADIA, 2007, parênteses acrescentados na transcrição).

Dados de 2012, indicam que a BRF detinha 56,6% do mercado brasileiro de produtos processados, 68,3% dos congelados, 72,7% das massas, 64,6% das pizzas e 59,9% das margarinas (BRF, 2013).

Em outros ramos agroindustriais, inclusive não alimentícios, também se observa grande concentração de capital, como na produção de papel e celulose, de farinha de trigo, de óleo e farelo de soja, nos frigoríficos de bovinos e no de suco de laranja. Neste caso, após a saída da Empresa Cargil, em 2004, e a junção entre Citrosuco e Citrovita, em 2010, apenas três empresas, Cutrale, Coinbra e Citrosuco/Citrovita, passaram a controlar 85% do mercado brasileiro e 50% do mercado mundial de suco de laranja. No caso dos grãos, conforme Souza citado por Saes e Silveira (2014), em 2007, a comercialização de 80% da produção nacional estava concentrada em apenas quatro empresas, ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus.

A concentração industrial acaba refletindo não só nas relações comerciais entre empresas processadoras de produtos agropecuários e agricultores, mas na própria dinâmica agropecuária. “O importante a assinalar neste novo quadro é o caráter reflexo dos segmentos fornecedores de matérias primas diante do poder de mercado e das articulações das grandes empresas. Trata-se efetivamente de uma mudança do ambiente institucional criada por um campo organizacional

10 “O mercado alimentar é extremamente dinâmico e os hábitos de consumo estão sofrendo enormes variações que são ditadas pelo ambiente social e pelas características culturais da população. A manutenção e ampliação de fatias de mercado no consumo de alimentos é uma tarefa extremamente difícil e tem em conta a necessidade de atualizações produtivas permanentes.” (BELIK, 2001:34)11 A COCAMAR (PR) surgiu como atacadista de cafeicultores, com nome original de Cooperativa dos Cafeicultores de Maringá. Ampliou suas fontes de matéria primas, construiu agroindústrias e passou a produzir mercadorias para o consumo final, como óleos vegetais (soja, milho, canola e girassol), café torrado e moído, capuccino, álcool gel e líquido, maionese, atomatados, sucos de frutas e bebidas à base de soja (COCAMAR, 2010).

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bem definido em que a grande empresa oligopólica tem apontado o rumo do processo de reestruturação.” (BELIK, 2001:104).

3.2.3 – Os Supermercados e a Distribuição de AlimentosNa distribuição de produtos agropecuários e de alimentos constata-se a presença de

empresas transportadoras, de armazenamento, exportadoras (tradings), atacadistas públicas e privadas e da rede varejista. Os supermercados assumiram, nas últimas décadas, papel preponderante no varejo alimentício brasileiro, além de estender suas ações ao atacado. Enquanto em 1970 os estabelecimentos tradicionais (mercearias/empórios, quitandas, feiras livres, açougues, padarias) participavam de 70,7% das vendas varejistas de alimentos no Brasil e os de autosserviço (supermercados) de 29,3% (BELIK, 2001), em 2012 esses números eram, respectivamente, 7,5% e 92,5% (HILÁRIO, 2013). Essa é uma tendência observada no mundo inteiro.

Os supermercados centralizam em um mesmo local os serviços prestados por vários estabelecimentos tradicionais. Além disso, comercializam produtos não alimentícios, com destaque para artigos para a casa, roupas e calçados, produtos eletrônicos. Algumas empresas mantêm serviços de alimentação, contam com farmácia e postos de combustíveis em seu interior ou ao lado das lojas e oferecem outros serviços. Isso, junto com o autoatendimento, garante praticidade ao consumidor, complementada pela oferta de vagas de estacionamento, especialmente importante em grandes centros urbanos.

Entre as empresas de supermercados, verifica-se alto nível de concentração. Em 2012, os três maiores grupos em atuação no Brasil, Pão de Açúcar/Cassino, Walmart e Carrefour, foram responsáveis por 45,9% das vendas do setor varejista de alimentos no País, 22,9% concentradas no primeiro grupo. Essas três redes, de atuação mundial, procuram alcançar diferentes segmentos dos consumidores, através de várias marcas de lojas, desde aquelas que se caracterizam como lojas de proximidade, concorrendo com pequenos varejistas, até os grandes hipermercados, com comércio de diferentes tipos de produtos, além dos alimentícios, e oferecimento de alguns serviços. Também diferenciam suas lojas em termos do quesito de atração ao consumidor, com algumas priorizando o preço dos produtos e outras, em menor número, oferecendo produtos mais sofisticados e visando nichos de mercados, como os de alimentos orgânicos e funcionais.

As grandes redes de supermercados tendem a comprar suas mercadorias diretamente de empresas da Indústria Alimentícia ou de agricultores (no caso de FLV) e concentrar seu recebimento em equipamentos próprios, chamados de Centros de Compra e Distribuição, para posterior redistribuição às lojas de varejo. Dessa forma, racionalizam suas operações, diminuindo os gastos administrativos, aumentando o poder de barganha nos preços e o controle de qualidade e reduzindo os custos de transporte e estoques.

Absorvem, dessa forma, parte da atividade atacadista, diminuindo o espaço de atuação de outras empresas privadas ou públicas. Para Belik (2001), isso foi observado nas centrais públicas de abastecimento de hortifrutigranjeiros na França e no Brasil, em que se verificou a estagnação da rede CEASA/GEAGESP. “... entre 1985 e 1997 a movimentação anual de hortifrutigranjeiros se estagnou na CEAGESP. Há mais de 12 anos o volume comercializado no maior entreposto atacadista de alimentos da América Latina se encontra estacionado em algo em torno de 2,4 milhões de toneladas.” (BELIK, 2001:150)

Deve-se considerar também que as redes de supermercados não são simples intermediários entre a produção primária ou secundária e o consumidor final, mas exercem forte poder junto aos fornecedores12. Em primeiro lugar, praticamente impondo a pequeno número 12 “Como lembram alguns autores (...), o comércio varejista é ainda frequentemente considerado pelos economistas como um agente que serve de correia de transmissão neutra entre a etapa da produção e a de consumo. Nossa conclusão é diferente. A atividade comercial organizada em torno da grande distribuição foi, na realidade, uma mola propulsora na reestruturação de algumas funções produtivas e comerciais exercidas a montante.” (GREEN & SCHALLER, 2000:127)

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deles a obrigação de entrega, em prazo estipulado, de grandes quantidades de produtos com preços baixos e condizentes com suas agressivas políticas de redução de custos e ampliação de participação no mercado13. Segundo, exigindo novos atributos qualitativos no conteúdo, forma e apresentação dos produtos, facilitando sua operacionalidade e procurando atender a todos os segmentos e tendências do mercado consumidor.

Um exemplo é a exigência de embalagens com diversas marcas próprias da rede varejista e não de seu fornecedor. Nos países desenvolvidos, essas marcas próprias ultrapassavam 20% do total vendido nos supermercados (NEVES & MACHADO FILHO, 1996). No Brasil, o Pão de Açúcar afirma ter lançado novos 286 produtos com marcas próprias, em 2012, representando 7,8% do seu faturamento. Essas marcas, em grande parte, procuram atrair o consumidor pelo preço mais baixo, como é o caso da marca Bompreço do Walmart, mas há também marcas direcionadas para produtos diet, light, a base de soja e orgânicos, como a Qualitá do Pão de Açúcar, a Linha Viver Bem do Carrefour e a Linha Sentir Bem do Walmart (CARREFOUR, 2013; PÃO DE AÇÚCAR, 2013; WALMART, 2013).

No Carrefour, parte da comercialização de produtos, como FLV, carnes, peixes, arroz, feijão, palmito, sucos, café e ovos, é feita com o Selo Garantia de Origem Carrefour. Para tanto, a empresa garante acompanhar todas as etapas produtivas, desde o fornecimento de insumos agropecuários até a venda ao consumidor, procurando-se evitar a presença excessiva de contaminantes químicos.

Essas e outras iniciativas não afetam, mas sim complementam a estratégia geral dos supermercados de ofertar produtos de consumo de massa, apresentados em embalagens vistosas, de fácil manuseio e compatíveis com o consumo individual ou de pequenas famílias, com margens de comercialização e preços os mais reduzidos possíveis, especialmente para os produtos alimentícios.

3.2.4 – O Padrão Contemporâneo de Consumo AlimentarA alimentação ou o padrão de consumo de alimentos de determinada sociedade tem

múltiplos determinantes, sendo afetado por fatores econômicos, sociais, políticos, históricos e culturais14. Assume-se que, atualmente, a tendência principal é de se disseminar entre os países o padrão de consumo agroindustrial ou ocidental, homogeneizando as características de alimentos no mundo todo (OLIVEIRA & THÉBAUD-MONY, 1996). Contudo, é importante que se leve em conta que a renda da pessoa ou família afeta a diversidade de produtos em sua cesta de alimentos e que continuam existindo (resistindo) diversos hábitos alimentares regionais, ao mesmo tempo, que aumentam as reações, por razões sociais, culturais, ambientais e de saúde pública, ao padrão predominante.

O padrão de consumo agroindustrial apresenta, como características básicas, o crescimento das refeições realizadas fora do domicílio, o aumento da diversidade de produtos na cesta de alimentos, destacando-se a ampliação do uso de proteínas animais15 e a predominância de alimentos industrializados. Estes atraem os consumidores com apelos de preço, de saciedade mais que de nutrição, de afirmação social e de praticidade na apresentação e preparo. 13 “Para simplificar las operaciones, la mayor parte de los supermercados prefieren trabajar com un número limitado de proveedores que tienen recursos suficientes para cumplir sus requisitos de calidad y plazos de entrega.” (FAO, 2005:35)14 “Independentemente da óbvia necessidade de se manter a saúde física, considerações relacionadas com a etnicidade, status e prestígio, capacidade econômica, aceitação dentro de grupos sociais ou religiosos particulares, esnobismo alimentar, pressão publicitária e ajustes psicológicos, são todos eles aspectos da cultura que desempenham papéis importantes na determinação das preferências alimentares.” (Shack citado por BLEIL, 1998:5) 15 “De hecho, com el crecimiento económico a largo prazo em todo el mundo desde princípios de la década de 1960, el aumento del consumo de alimentos de origem animal há superado notablemente el crecimiento del consumo de otros importantes grupos de alimentos. El consumo de leche por persona há sido casi el doble em los países em desarollo, el consumo de carne y pescado se há triplicado y el consumo de huevos se há multiplicado por cinco.” (FAO, 2012:18).

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O desenvolvimento de tal padrão de consumo está ligado a fatores como a disseminação da produção em massa, a urbanização, a maior presença da mulher no mercado de trabalho, a diminuição do tamanho das famílias, a evolução das formas de distribuição e os gastos com propaganda e marketing.

A generalização da produção em massa aumenta a produtividade do trabalho e rebaixa os custos unitários, o que junto ao crescimento das relações assalariadas e do rendimento médio dos trabalhadores, amplia o mercado consumidor dos produtos e serviços. Especificamente, as transformações técnicas e a elevação da escala produtiva provocam queda nos custos das diversas etapas da cadeia alimentar: produção de insumos, produção primária, transformação agroindustrial e distribuição. Adicionado aos frequentes lançamentos de produtos pela Indústria Alimentícia, isso vai ampliando (massificando) e diversificando o consumo de alimentos.

A urbanização tem o significado de afastar parcela considerável dos consumidores da produção direta de alimentos e criar imensos mercados de consumo geograficamente concentrados. Além disso, especialmente nas grandes cidades, fica limitado o retorno para a casa nos horários de almoço, ganhando importância as refeições fora do domicílio, em refeitórios industriais, no próprio local de trabalho, ou em bares e restaurantes. Estes atraem também os chamados consumidores solitários, pela sociabilidade que oferecem e por eventuais vantagens de custo e de conforto em relação à confecção doméstica da própria refeição.

Uma expressão moderna desse fenômeno são as redes de fast food ou refeições rápidas, em que a racionalidade da escala, da redução de custos e da diminuição do tempo de preparo e da refeição sobrepujam o valor nutritivo e o prazer de uma refeição demorada. O típico cardápio fast food é composto por pão, hamburger, batata frita, refrigerante, sorvete e torta, ricos em carboidratos, gorduras e açúcar. Alternativamente, no Brasil desenvolveu-se o self servisse ou comida por quilo, onde também não se perde tempo e há redução dos custos operacionais, mas que possibilita (se este for o desejo do consumidor) a montagem de refeição mais equilibrada, com maior presença de fibras, vitaminas e sais minerais.

O número reduzido, quando não unitário, de membros das famílias estimula o oferecimento de embalagens com porções menores. A disseminação do trabalho feminino e o ritmo intenso da sociedade moderna limitam o tempo disponível para o preparo doméstico das refeições. Desta maneira, ganham espaço os produtos fatiados ou picados, os congelados, os temperos, molhos e sucos prontos, os embutidos, o leite longa vida, carnes temperadas e empanadas, produtos instantâneos ou misturados, os prontos e adequados para consumo em trânsito ou em frente à televisão ou ao computador doméstico. A economia de tempo no preparo dos alimentos se soma à economia de tempo nas compras em supermercados que, como já visto, concentram no mesmo local todos os produtos alimentícios, além de outros.

Mesmo porque novos produtos são frequentemente lançados, o consumo dos alimentos é estimulado por imensos gastos publicitários e promocionais16, que, no mais das vezes, não valorizam suas qualidades intrínsecas (muitas vezes, de pequena monta) e procuram atingir, especialmente, os jovens, que tendem a incorporar mais facilmente novos hábitos alimentares (BLEIL, 1998).

Além do consumo de massa, estimulado pelo barateamento dos alimentos e refeições, observa-se a exploração dos chamados nichos de mercado, voltados para consumidores de maior poder aquisitivo, e em que são valorizados atributos qualitativos ligados ao paladar, forma de produção ou origem do produto. Exemplo típico é do mercado cafeeiro, em que ao consumo do café torrado e moído tradicional, ainda amplamente predominante, se junta o consumo de cafés especiais, com grão e bebida de melhor qualidade, sabor mais específico e marcados pela origem em determinada região. No mesmo sentido, alguns grupos de consumidores demandam FLV exóticas e carnes com cortes especiais e texturas diferenciadas.

16 “(...) a indústria de alimentos constitui-se no setor de maior investimento em promoção de vendas e propaganda (...).” (FARINA, 1997: 173)

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Deve-se levar em conta que o padrão de consumo agroindustrial apresenta gradação entre categorias sociais e países, de acordo com o nível de renda e de desenvolvimento. O crescimento econômico e da renda média da população resulta em aumento do consumo per capita, até determinado limite, e torna mais variada a composição da dieta alimentar, com perda de importância de fontes de carboidratos e proteínas vegetais (no Brasil, mandioca, arroz e feijão) e crescimento do consumo de carnes, laticínios, frutas e verduras17 e açúcar. O grau de processamento dos produtos também cresce18.

A diversificação no consumo alimentar de acordo com a renda é assim expressa pela FAO (2017, pag. 34, traduzido do espanhol):

“Os dados existentes em nível mundial sugerem que o aumento da renda familiar vem acompanhado de maior variedade na dieta. Quanto maior o rendimento, maiores as porcentagens de gastos destinadas a alimentos não básicos, como os de origem animal, os azeites vegetais, as frutas e hortaliças e os alimentos processados que podem conter altos níveis de gordura, açúcar e sal. O consumo de carne, pescado e produtos lácteos aumenta significativamente com o aumento da renda o consumo de frutas e hortaliças também aumenta, mas de forma menos acentuada, e o consumo de cereais e legumes decresce.”

Parte de tais fatos pode ser visualizada nos Gráficos 3.1 e 3.2.Gráfico 3.1- Relação entre PIB per capita e quantidade de calorias provenientes de alimentos básicos, países em desenvolvimento, 2010.

Fonte: FAO (2017).Pode-se destacar também que, apesar do avanço do modelo agroindustrial, mantêm-se

diferenças entre países, com alguns se destacando por tentarem manter seus tradicionais padrões de consumo. Ao mesmo tempo, pode-se perceber que algumas regiões apresentam dietas que se distinguem por serem mais saudáveis, elevando a expectativa de vida de suas populações. São os casos da dieta do Mediterrâneo, caracterizada pelo consumo de grãos integrais, de azeite de oliva, de peixe e pouca carne vermelha, e da dieta do Japão, baseada em peixe, vegetais, 17 Em diversos países, os menores valores de elasticidade renda da demanda são constatados para cereais e pães e óleos e gorduras, valores intermediários para frutas e verduras e valores mais altos para carnes e laticínios (USDA, 2007).18 “Segundo estudos da Unilever, até aproximadamente US$ 5 mil de renda per capita anual, a demanda por alimentos de uma população se resume a cereais e produtos in natura. A partir desta faixa de renda tem início a demanda por produtos básicos de mercearia. Os produtos congelados passam a fazer parte da dieta das famílias com renda per capita a partir de US$ 10 mil. Finalmente, os produtos pré-preparados, variedades de marca e produtos frescos modernos só deverão entrar na cesta de consumo de compradores com renda per capita acima de US$ 15 mil anuais.” (BELIK, 2001:45)

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derivados de soja e pequena ingestão de açúcar. No Brasil, o tradicional feijão com arroz é bem avaliado pelos nutricionistas, embora venha perdendo espaço no consumo nacional há algumas décadas (SCHLINDWEIN & KASSOUF, 2007).Gráfico 3.2 - Relação entre PIB per capita e quantidade de calorias provenientes de alimentos de origem animal, países em desenvolvimento, 2010.

Fonte: FAO (2017).O grande mérito associado ao padrão de consumo agroindustrial é o aumento

considerável da disponibilidade de alimentos no mundo, embora, como já visto no capítulo dois, em vários países a desnutrição continue atingindo grande parcela da população. Contudo, é importante que se considerem críticas que dizem respeito à qualidade deste padrão de consumo.

São claras as evidências que parte significativa da população consome quantidades de alimentos acima do necessário e de forma desequilibrada, com excesso de gorduras, açúcares e carboidratos e, muitas vezes, insuficiência de vitaminas, sais minerais e fibras. O sedentarismo é o ingrediente adicional que leva ao aumento do número de pessoas com sobrepeso ou obesidade, inclusive em crianças e adolescentes, e de problemas de saúde decorrentes, como os cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de cânceres. Nos EUA, por exemplo, a obesidade atinge mais de 30% da população.

Como reação, já há algum tempo, observam-se ações voltadas para a ingestão de alimentos mais saudáveis nos diversos segmentos do sistema de produção agropecuário. Desta forma, passaram a se criar raças de animais com menor teor de gordura, as chamadas carnes brancas se valorizaram, gorduras animais foram substituídas por óleos vegetais, desenvolveram-se as linhas diet e light. Vem crescendo, em substituição aos refrigerantes, o consumo de bebidas mais naturais, como água mineral, sucos de frutas e chás, bem como o de vegetais frescos ou in natura. Neste caso, é comum que sejam minimamente processados, ou seja, higienizados, descascados, cortados e embalados de maneira a facilitar o consumo final.

A valorização da forma física, as preocupações sociais, com o meio ambiente e doenças estimulam parcela da sociedade a exigir alimentos com maior valor nutricional e sem contaminantes e aditivos químicos. Isso repercute nas políticas públicas, verificando-se a elaboração de propostas de maior regulamentação e controle no consumo alimentício. Nesse sentido, por exemplo, observam-se ações visando o controle da quantidade de sal e de gorduras trans nos produtos processados ou de maior fiscalização sobre a propaganda de alimentos.

Alguns movimentos sociais apresentam questionamento mais profundo sobre as bases do padrão de consumo agroindustrial, resultando na formação de mercados específicos. Ente eles citem-se o Comércio Justo e Solidário (Fair Trade), o de alimentos funcionais e o de produtos

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orgânicos. Neste caso, há uma mudança radical na forma de produção agropecuária, não se usando, por exemplo, agrotóxicos, fertilizantes químicos nem sementes transgênicas.

A área agropecuária mundial com produtos orgânicos passou de 11,0 milhões ha, em 1999, para 37,2 milhões ha, em 2011, envolvendo 1,8 milhão de agricultores. Neste ano, a venda de alimentos e bebidas orgânicas atingiu US$ 63 bilhões, 90% na América do Norte e Europa (FAO, 2013b).

Contudo, nas regiões em desenvolvimento também se observa forte crescimento do mercado orgânico, que não arrefece nem em períodos de crise econômica. No Brasil, o Censo Agropecuário de 2006 revelou que, dos 5.175.489 estabelecimentos agropecuários, 90.497 ou 1,8% produziam organicamente (IBGE, 2009).

3.3 – Análise de Cadeias Agroindustriais EspecíficasMuitas vezes há interesse em analisar a estrutura e o desempenho da cadeia agroindustrial

de determinado produto agropecuário. Verificar quais são as características e a interação entre os seus componentes, como pactuam suas relações comerciais, como se mobilizam politicamente em torno de causas comuns ou de conflitos internos, qual a capacidade de se transmitir estímulos e informações ao longo da cadeia.

Para isso, uma opção é partir do nível de agregação que considere todos os agentes econômicos mundialmente envolvidos. Por exemplo, a cadeia mundial do café era composta, em 2004, por 25 milhões de agricultores e trabalhadores, quatro empresas internacionais (Neumann, Volcafe, ECOM e Dreyfus) controlavam 39% do comércio internacional, três outras (Philip Morris, Nestlé, Sara Lee) detinham 45% da torrefação, 30 redes de supermercados comercializavam 33% do café no varejo e existiam 500 milhões de consumidores (FAO, 2005a). Nessa simples descrição já se revela o grande poder de interferência dos atacadistas e torrefadoras, talvez superior ao da própria Organização Internacional do Café, que congrega representantes governamentais dos países produtores.

Outra possibilidade é desenvolver o encadeamento produtivo a partir da base territorial de determinado país. Assim, por exemplo, se poderia considerar a cadeia cafeeira brasileira, a colombiana ou a vietnamita. Isso possibilita abordar a interação entre os agentes internos, a estrutura produtiva e a formulação da política nacional, que resultam na sua maior ou menor competitividade no mercado mundial.

Níveis mais específicos de agregação podem ser considerados. Continuando com o exemplo do café, já se comentou a significativa segmentação em seu mercado consumidor, com a presença, ao lado do tradicional e majoritário café torrado e moído, de novos produtos, como café solúvel, grão para expresso, café especial ou gourmet, descafeinizado, aromatizado, orgânico, café em lata, cappuccino, balas de café, o que pode estar associado à conformação de diferentes sistemas produtivos a partir da lavoura cafeeira19.

Um tema que tem merecido atenção é a possibilidade de se constituir, a partir de iniciativas privadas ou governamentais, estruturas organizacionais compostas pelos diversos integrantes de determinada cadeia agroindustrial, com capacidade de formulação de propostas de políticas setoriais e de coordenação das ações intracadeia que, independente das disputas comerciais internas, levem a melhores resultados econômicos para todos.

Ortega (2005) mostra que na Europa foram constituídas estruturas desse tipo, chamadas de Organizações Interprofissionais. Através da coordenação vertical de ramos agrários e agroindustriais, elas fazem a representação política de diversas cadeias produtivas, mediando junto aos órgãos públicos a formulação de políticas e a obtenção de recursos orçamentários específicos.

19 Junto com a produção do café commodity (indiferenciado), Saes & Farina (1999) apontavam a produção no Brasil do café orgânico, daquele destinado a Empresa Illycafé, do Café do Cerrado (MG) e do café despolpado.

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Para o Brasil, a implantação, na década de 1990, de “Câmaras Setoriais Agroindustriais”, tanto pelo Governo de São Paulo como pelo Federal, foi marcada por dificuldades de coordenação e continuidade (TAKAGI, 2004). No presente século, o MAPA tem promovido a criação de novas Câmaras Setoriais, com representantes dos fornecedores de insumos, agricultores e agroindústrias de várias cadeias. Em agosto de 2013, estavam registradas junto ao MAPA 28 câmaras desse tipo, além de oito câmaras temáticas (BRASIL/MAPA, 2013).

Procurando-se exemplificar ações públicas ou de determinados segmentos privados que acabam repercutindo em toda cadeia, mais uma vez pode-se considerar a lavoura cafeeira. Em 1989, a Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), diante da queda de seu consumo, criou o Programa de Auto Fiscalização da Indústria do Café, que concede o Selo de Pureza ABIC às empresas cujo produto torrado e moído não contenha impurezas. Com isso, conseguiu-se reduzir o índice de fraudes de 30%, em 1989, para menos de 5%, em 2005.

Adicionalmente, com recursos privados e do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (FUNCAFÉ) desenvolveu-se campanha procurando desvincular o consumo do café de problemas de saúde. Sem que se desprezem outros fatores, como a queda de preço ao consumidor, essas ações contribuíram para que o consumo brasileiro de café passasse de 6,7 milhões de sacos, em 1986, para 14,9 milhões de sacos, em 2004, dobrando o consumo per capita.

Mais recentemente, em 2004, iniciou-se o Programa de Qualidade do Café, que registra na embalagem a qualidade e o tipo de grão empregado para obtenção do café torrado e moído, classificando-o em três tipos: tradicional, superior e gourmet. Em 2007, outro programa, o Café Sustentáveis do Brasil, começou a vigorar, procurando-se, via ações de rastreabilidade, demonstrar que o café consumido no final da cadeia foi obtido levando-se em conta questões de sustentabilidade: econômica, social e ambiental. O consumo de café no mercado interno continuou se expandindo, atingindo 20,3 milhões de sacos, em 2012 (ABIC, 2013).

Outra experiência, esta sob patrocínio público do MAPA, foi a implantação no País, em 2003, da rastreabilidade da carne bovina ou, oficialmente, do Serviço de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos (SISBOV), que sofreu reformulações posteriores. A intenção da rastreabilidade é conseguir identificar, a partir do produto de consumo final, o estabelecimento em que se produziu a matéria prima agropecuária ou mesmo a origem dos insumos usados para sua produção. Tal prática passou a ser uma exigência para o Brasil exportar a carne bovina para alguns países, como a União Europeia e, para que se efetive, necessita que haja ação coordenada de todos os agentes da cadeia da bovinocultura.

Um aspecto que tem sido estudado nas cadeias agroindustriais é a interação econômica que se estabelece entre empresas agropecuárias e agroindústrias. A operação de compra e venda de matéria prima agrícola entre elas pode ocorrer, em um extremo, em mercados tipo “spot”, sem o estabelecimento de contratos prévios, o que promove insegurança quanto ao recebimento de matéria prima. Em outro extremo, ocorre a integração vertical da atividade primária pela agroindústria, que garante o recebimento da matéria prima, mas que desvia a atenção gerencial e recursos produtivos e financeiros para atividades não prioritárias à empresa. No Brasil, isso é muito disseminado na ramo sucroalcooleiro, com próximo a 60% da cana-de-açúcar moída pelas usinas vindo de canaviais próprios, e vem se ampliando na agroindústria citrícola, por exemplo.

Entre os extremos, observa-se a celebração de diferentes contratos, alguns mais simples, tratando apenas de preços e prazos de entrega da matéria-prima, outros mais abrangentes, envolvendo condições da produção. Neste caso, pode-se citar como exemplo, o relacionamento entre frigoríficos (integradores) e avicultores (integrados). Os primeiros fornecem pintinhos, ração, medicamentos e assistência técnica para os segundos administrarem a criação dos animais em suas próprias instalações. Também avaliam sua eficiência produtiva e, ao receberem os animais para abate, remuneram o trabalho dos avicultores na sua engorda.

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Para Chaddad et al (2006) os contratos e a integração vertical tendem a predominar em relação aos mercados “spot”20. Este costuma ser usado de forma complementar, se fortalecendo em momentos de demanda muito aquecida.

Outro ponto importante a ser considerado é que, por razões administrativas ou tecnológicas, tem-se observado que várias agroindústrias estimulam a concentração de seus fornecedores de matérias primas. Por exemplo, na cadeia do leite, visando maior qualidade do produto, foi estabelecida a obrigação legal de instalação de tanques de resfriamento nos estabelecimentos rurais, o que fez com que muitos pequenos pecuaristas, diante da incapacidade de bancar o investimento, abandonassem a atividade. A indústria do suco tem priorizado receber laranja de médios e grandes produtores, que entregam volumes maiores de matéria prima e diminuem custos administrativos. Os dois maiores frigoríficos de aves do Brasil, Sadia e Perdigão, que integram a Empresa BRF, ambos de origem catarinense, no processo de direcionamento de parte dos novos investimentos para o Centro-Oeste, passaram a estabelecer contratos com integrados de maior porte21.

A atuação de grandes agroindústrias provocam efeitos administrativos e tecnológicos na produção primária que lhe fornece matéria prima. Tomando por base o oeste de Santa Catarina, Miele & Miranda (2013) descrevem como as grandes empresas produtoras de carne e derivados influenciam a criação e engorda de suínos pelos agricultores locais (algo semelhante acontece na avicultura de corte). Através de contratos, os agricultores recebem dos frigoríficos um pacote tecnológico, composto por informações e produtos genéticos, nutricionais, sanitários e de gestão, se prontificando a entregar os animais para o abate em alguns meses. Na remuneração, além dos descontos dos produtos e serviços antecipados, aplicam-se diferenciais de pagamento, de acordo com quesitos qualitativos da carne fornecida. Tal arranjo tem resultado na melhoria de indicadores técnicos, como redução da taxa de conversão e teor de gordura dos animais e aumento do número de crias por fêmea suína. A agroindústria garante o fornecimento de sua matéria prima principal, através de contrato e não a produzindo diretamente. Contudo, estimula diferenciação entre seus agricultores contratados, levando a exclusão de alguns e a sobrevivência de suinocultores de porte médio e grande.

3.4 – O Sistema Nacional de Produção AgropecuáriaNo Brasil convencionou-se denominar de Agronegócio o agrupamento nacional das

atividades agropecuárias, bem como industriais e de serviços que se encadeiam a seu montante e a jusante. Tome-se a seguinte definição: “O Agronegócio envolve todas as cadeias produtivas desde a produção e distribuição de insumos até a comercialização de alimentos, fibras e energia. Ou seja, é um conjunto de atividades que está intimamente ligado a todos os setores da economia e da sociedade.” (ABAGRP, 2007)

Uma definição tão ampla apresenta pouca operacionalidade, seja ao se considerar a capacidade de mobilização de seus agentes em torno de ações conjuntas ou de reivindicação de políticas públicas, seja ao se tomar como unidade para análise econômica. Neste sentido,

20 “O relacionamento entre produtores agrícolas e demais participantes do sistema agroalimentar ocorre cada vez mais através de arranjos contratuais. Nos Estados Unidos, por exemplo, o porcentual do valor bruto da produção agrícola comercializado através de contratos e integração vertical – ou seja, fora dos mercados abertos – subiu de 28% em 1991, para 33% em 2003 (Macdonald & Korb, 2006). Apesar da não disponibilidade de estatísticas no Brasil, o uso de contratos na agricultura tem se tornado cada vez mais comum (Zylbersztayn, 2005). Os sistemas agroindustriais do frango de corte, do suco de laranja, do tomate para uso industrial e do açúcar e álcool são exemplos onde predominam os arranjos contratuais entre produtores e a indústria”. (CHADDAD et al, 2006: 33)21 Em 2003, a Perdigão produziu, em Videira (SC), 146.158 t de frango, mantendo contratos com 600 integrados. No mesmo ano, a produção da empresa em Rio Verde (GO) foi de 171.470 t de frango, com apenas 78 integrados, que dispunham de galpões para alojamento de aves maiores, mais automatizados e com menores custos médios. Ou seja, na região tradicional, em que a concentração fundiária é menor e se utiliza, basicamente, mão-de-obra familiar, a produção média/integrado foi de 243,6 t, enquanto na região de expansão, com grande emprego da mão-de-obra assalariada, este valor foi de 2.198,3 t, reduzindo-se custos de transporte e administrativos (FRANÇA, 2005).

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entende-se que seria obtida maior precisão, ao se considerar o Agronegócio como composto pelas atividades agropecuárias modernizadas, por aquelas que lhes fornecem insumos e serviços específicos e pelas agroindústrias, atacadistas e exportadores de produtos agropecuários.

Tal agrupamento, com frequência, se mobiliza em torno de políticas de interesse comum como concessão de crédito, renegociação da dívida agrícola, política cambial, posição brasileira nas negociações do comércio internacional, legislação e liberação de produtos geneticamente modificados, legislação ambiental e outras. Embora se constatem divergência em torno de alguns pontos, de fato se consegue formular agenda relativamente comum e abrangente.

A Associação Brasileira de Agribusiness (ABAG), constituída em 1993, tem atuado no sentido de procurar representar politicamente os interesses patronais privados do Agronegócio Brasileiro, embora pretendesse também ter papel mais efetivo na coordenação das cadeias produtivas. “Enfim, sua atuação mais relevante é como entidade que exerce lobby sobre as instâncias políticas, isso porque, na condição de associação que pretendia coordenar as diferentes cadeias agroindústrias, ela não conseguiu o êxito que esperava.” (ORTEGA, 2005:102)

A consideração do Agronegócio como unidade de análise econômica revela sua razão, ao se abordar a competitividade do SPA Brasileiro na agricultura mundial. O Brasil, num prazo de 40 a 50 anos, deixou de ser um exportador de produto agrícola tropical (café, especialmente), baseado em vantagens naturais de clima e terra. Transformou-se no segundo maior exportador de produtos de origem agropecuária (semimanufaturados e manufaturados, em parte), com destaque em várias cadeias, como da soja, milho, cana-de-açúcar, café, laranja, papel e celulose, carne de frango e bovina. Entre os produtos principais, apenas no trigo mantém-se grande dependência das importações.

Tal desempenho não encontra sua explicação principal na disponibilidade de recursos naturais. Por exemplo, o avanço da área agrícola sobre os cerrados deveu-se menos à disponibilidade de suas terras e mais ao desenvolvimento de pesquisas agronômicas, seja as que permitiram o manejo mais adequado de seu solo, com graves deficiências químicas, seja as que resultaram na obtenção de novas variedades e cultivares adaptadas às suas condições climáticas.

Ao mesmo tempo, estabeleceu-se no Brasil uma estrutura agroindustrial complexa, muito dinâmica quanto à implantação de novas tecnologias, transformação e diversificação de produtos de origem agropecuária e redução dos seus custos unitários.

Por sua vez, o Estado manteve papel fundamental na geração de novos conhecimentos, através da pesquisa agropecuária, e na integração dos segmentos do SPA, especialmente via política de crédito rural subsidiado e vinculado à compra dos chamados insumos modernos, bem como dos créditos agroindustriais.

Com todas essas transformações, conseguiu-se fazer com que o Agronegócio Brasileiro apresentasse alta competitividade sistêmica em relação a outros sistemas nacionais, fato que se expressa em várias cadeias produtivas e que depende da integração ou interdependência de seus vários segmentos. Portanto, julga-se que há justificativa econômica ao tomar o Agronegócio Brasileiro como objeto de análise.

A partir disso, uma questão que sempre se debate é qual a participação efetiva do Agronegócio no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Para se estabelecer esse cálculo existe, em primeiro lugar, uma dificuldade conceitual, que diz respeito à sua delimitação ou quais ramos econômicos deveriam ser considerados. Por exemplo, nas indústrias a montante da agropecuária deve-se contabilizar apenas a primeira transformação, como abate, corte e frigorificação de bovinos, ou a segunda, como curtimento de couro, ou ainda a terceira, como fabricação de calçados? Outra questão, deve-se considerar ou não o comércio varejista? A segunda dificuldade de delimitação do Agronegócio tem natureza estatística e está relacionada aos problemas de se separar a parte correspondente ao Agronegócio em atividades que também usam matérias primas industriais, como a indústria moveleira e a têxtil (BACHA, 2004).

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Uma das primeiras estimativas da abrangência do Agronegócio Brasileiro foi feita por Nunes e Contini (2001) que, a partir da Matriz de Insumo-Produto do Brasil de 1996, calcularam que o Agronegócio ou Complexo Agroindustrial correspondia a 20,6% do PIB nacional. Desse total, os insumos e bens de produção representavam 4,6% do valor do Agronegócio, as atividades agropecuárias, 42,3% e a agroindústria e serviços a jusante, 53,1%. Neste segmento foram incluídas também indústrias de segunda e demais transformações de produtos primários, como a de calçados e a de móveis, e considerou-se o valor adicionado no comércio de produtos de origem agropecuária.

O Centro de Estudos Avançados de Economia Aplicada (CEPEA) da ESALQ/USP, a partir de um convênio com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), divulga regularmente sua estimativa do PIB do Agronegócio. Em 2015, estimou-se que o PIB do Agronegócio alcançou R$ 1.267,2 bilhões, correspondente a 21,5% do PIB Brasileiro, sendo 14,7% originários das cadeias agrícolas e 6,8% das pecuárias. Quanto a seus segmentos, os insumos agropecuários tinham participação no PIB do Agronegócio de 11,9%, as atividades agropecuárias, de 29,8%, as indústrias processadoras de produtos agropecuários, de 27,5% e os serviços (transporte, comércio e outros), de 30,8% (CEPEA, 2016).

4 – Fases Recentes da Política Agropecuária BrasileiraAs diversas políticas macroeconômicas, fiscal, tributária, monetária, de rendas, comercial

e cambial, formuladas para o conjunto da economia, provocam efeitos sobre a estrutura e o desempenho do setor primário. Além disso, por diferentes razões, entre elas as características próprias do setor, é comum que se desenvolvam políticas específicas para as atividades agropecuárias. É este grupo de políticas, particularmente sua aplicação ao Brasil, que será analisado no presente e nos dois capítulos seguintes.

Neste capítulo quatro abordam-se a orientação e as características gerais da política agropecuária brasileira, considerando-se quatro períodos: 1965 a 1980, 1981 a 1989, 1990 a 2002 e 2003 a 2014. O capítulo cinco será dedicado ao estudo das políticas voltadas com mais ênfase para a chamada agricultura empresarial, patronal ou o agronegócio, enquanto o capítulo seis tratará das políticas para a agricultura familiar e da reforma agrária.

Antes disto tudo, contudo, julga-se oportuno, em complementação ao comentado no item 2.1 desse trabalho, discorrer sobre especificidades do setor agropecuário, relacionando-as com a formulação e as características das suas diversas políticas setoriais.

4.1 – Especificidades da Estrutura Produtiva e Políticas AgropecuáriasTentando-se evitar qualquer visão determinista e reconhecendo-se as importantes

mudanças tecnológicas e nos mecanismos privados de comercialização que vêm acontecendo, ainda é necessário levar em conta que a produção agropecuária apresenta especificidades, como: i) sua dependência às condições naturais (insolação, temperatura, água e terra) e ao ciclo biológico de plantas e animais e sua interação com outros seres vivos, ii) características próprias de grande parte de seus mercados e produtos, entre elas a essencialidade dos alimentos, iii) a forma como são gerados e difundidos os conhecimentos tecnológicos e iv) a maneira como é apropriada a terra agrícola. Junto com outros determinantes, tais especificidades influenciaram na formulação e aplicação de políticas setoriais agropecuárias.

O ciclo de vida de plantas e animais faz com que haja um intervalo de tempo considerável, de meses, às vezes de anos (para culturas permanentes e grandes animais), entre o plantio ou início da criação e a colheita ou obtenção dos produtos pecuários. Ao mesmo tempo,

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as condições climáticas de diversas regiões levam à diminuição do volume produzido de produtos pecuários, como o leite, em determinado período do ano, mais seco e frio. Já o cultivo, especialmente das grandes culturas agrícolas anuais, tende a se concentrar em poucos meses, nos mais quentes e chuvosos. Com isto, a produção agropecuária tende a apresentar caráter sazonal, ou não ser constante, ao longo de determinado ano.

Várias técnicas, como irrigação, plasticultura, melhoramento genético de plantas e animais, estabulação, arraçoamento e outras podem contribuir para diminuir essa sazonalidade. A maior integração de mercados de diferentes países, com as estações de inverno e verão alternadas, também pode agir naquele sentido, tornando mais homogênea a oferta agrícola ao longo do ano. Contudo, o caso da criação de frango de granja, que, em princípio, pode se iniciar a qualquer dia e que, portanto, resultaria no mesmo volume produtivo todos os dias do ano, ainda aparece mais como uma exceção, do que como regra da exploração agropecuária22. Além disso, não se deve esquecer que aquelas técnicas implicam em aumento dos custos produtivos, nem sempre amortizados pelos ganhos na produção e renda agropecuária. O transporte de produtos agropecuários entre regiões distantes também encarece os seus custos, o que pode dificultar a integração de mercados com climas diferenciados.

Por sua vez, o armazenamento dos produtos agropecuários, que poderia distribuir a produção ao longo do ano e diminuir sua sazonalidade, é dificultado pela perecibilidade de grande parte deles e/ou pelo seu custo elevado, especialmente para aqueles produtos que exigem equipamentos específicos para refrigeração ou congelamento.

Deve-se levar em conta também os maiores riscos climáticos (chuva e temperatura excessiva ou reduzida) e sanitários (desenvolvimento de doenças ou pragas sem métodos de controle sob o domínio dos agricultores) a que estão sujeitas as atividades agropecuárias e que podem comprometer, significativamente, seu volume produzido.

Sob o ponto de vista econômico e da gestão agropecuária esses fatos fazem com que os gastos correntes sejam realizados sem a obtenção concomitante de receitas produtivas, que se efetivarão somente após alguns meses ou anos. Ao mesmo tempo, iniciado o ciclo produtivo, as possibilidades de ajuste na produção são limitadas (pode-se aumentar ou diminuir o uso de adubos ou rações, por exemplo) e sua interrupção completa ou aumento de escala (tamanho da área ou número de animais) deve esperar um novo ciclo produtivo. Outrossim, as ocorrências climáticas e sanitárias inesperadas podem afetar consideravelmente a rentabilidade da atividade agropecuária.

Outro ponto a considerar é que, diferentemente de boa parte dos produtos industriais, os mercados agropecuários, no geral, produzem bens indiferenciados e são mais atomizados, sendo que o empresário individual tem participação diminuta na quantidade total produzida e não se constitui num formador, mas sim num tomador de preços. Somada às dificuldades de ajuste imediato da produção e de armazenamento, essa característica implica que as flutuações dos preços agropecuários tendam a ser mais comuns e bruscas, muitas vezes com quedas para valores abaixo dos custos médios de produção23.

Juntando-se a instabilidade de preços e maiores riscos climáticos e sanitários ao fato de que a demanda de produtos primários, em função de sua baixa ER, cresce em ritmo relativamente mais lento que a dos industriais e de serviços, isso leva muitos analistas a considerarem que a rentabilidade média agrícola, ao longo dos anos, seria menor que a do restante da economia.

22 Lembre-se que a criação de frango de granja é muito dependente da oferta de milho e soja (transformada em farelo), usados na formulação de suas rações. Os preços do milho e do farelo tendem a variar ao longo de determinado ano, com implicações no custo de produção do frango, o que pode afetar seu nível de produção.23 Nos mercados industriais, especialmente os oligopolizados, os preços são mais rígidos (fix prices) e o ajuste de curto prazo a uma conjuntura adversa se faz, num primeiro instante, pelo aumento de estoque e, logo a seguir, pela diminuição da produção. Para os produtos agropecuários, o ajuste no curto prazo dá-se, normalmente, via variação do preço de mercado (flex prices).

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Por outro lado, pensando nas necessidades dos consumidores, deve-se considerar que a agropecuária é fundamental para garantir o fornecimento dos bens econômicos mais essenciais para as pessoas, que são os alimentos. A insuficiência de sua oferta pode provocar efeitos negativos nos índices de inflação e na segurança alimentar e nutricional da população.

Diante desses fatos, é comum que um conjunto de políticas públicas seja instituído com os objetivos básicos de propiciar maior rentabilidade, diminuir riscos e instabilidade de preços e produção e assegurar oferta adequada de produtos primários.

Uma delas é o seguro rural, que estabelece compensação financeira em relação às perdas decorrentes de problemas climáticos ou sanitários, quando os mesmos não podem ser previstos e evitados através de tratos culturais corretos. Outra, o zoneamento ambiental, indica os locais e épocas mais adequados de plantio agrícola, procurando diminuir as perdas originadas dos riscos climáticos e apontando solos e topografias mais aptos às diversas culturas.

Em ambos os casos, o interesse de participação da iniciativa privada é reduzido. No caso do seguro, porque a abrangência dos sinistros tende a ser muito grande, atingindo centenas ou milhares de agricultores de uma mesma região, o que eleva em demasia o valor de seu prêmio. Por isso, é comum os governos adotarem políticas de subvenção total ou parcial do prêmio do seguro rural. Quanto ao zoneamento, seu estabelecimento envolve gastos consideráveis, não amortizáveis privadamente, pois suas informações acabam por serem disseminadas “livremente”, prescindindo de remuneração por parte do agricultor.

Outra política largamente utilizada é o crédito rural, para o qual normalmente se estabelecem taxas de juros abaixo das de mercado, quando não negativas. Tal política apresenta três modalidades: i) crédito de custeio, que garante capital de giro para a realização das despesas correntes até que se efetive a colheita ou venda dos produtos, ii) crédito de investimento, que proporciona recursos para aquisição de veículos, máquinas e equipamentos, animais, implantação de culturas permanentes, benfeitorias, construções rurais e melhorias duradouras nas condições de exploração da terra e compra de áreas agrícolas (crédito fundiário), iii) crédito de comercialização, que possibilita ao agricultor antecipar recursos financeiros mediante a promessa de entrega futura da safra ou de seu correspondente em dinheiro, ou que permite a retenção da safra, à espera da recuperação dos preços de mercado.

É relativamente comum também o estabelecimento da política de preço mínimo, em que se procura assegurar, via crédito de comercialização, subvenção ao preço ou compra governamental, que o agricultor receba pelo seu produto preço acima do vigente no mercado e que cubra os custos operacionais médios ou que lhe assegure determinado nível de renda.

Um dos possíveis resultados dessa política é a elevação dos níveis de estoques públicos e privados de produtos agrícolas. Comumente, parte desses estoques (aliás, de todo estoque, não apenas daquele derivado da política de preço mínimo), chamada de passagem, serve para redistribuir a produção ao longo do ano, garantindo o abastecimento nos meses de entressafra. Além disso, os estoques podem ser usados em situações de emergência, como nas catástrofes naturais, ou para comporem cestas alimentares destinadas aos setores mais pobres da população ou ainda reforçarem o abastecimento do mercado, quando constatados movimentos altistas de preços. Neste caso, pode-se fixar um preço de liberação, em percentual acima do preço mínimo, a partir do qual os estoques começariam a serem desovados24.

A política de preço mínimo é mais efetiva em mercados nacionais fechados à concorrência externa. Em mercados abertos, se o preço internacional estiver acima do preço mínimo, este não faz sentido, pelo menos como garantia de rentabilidade aos agricultores. Se

24 A experiência de vários países mostra que estoques públicos, com frequência, se avolumam acima da capacidade de absorção dos mercados. Na história brasileira, na década de 1930, decidiu-se por queimar ou jogar ao mar milhões de sacas de café, estocadas em armazéns públicos e que não encontravam mercado consumidor. Nas décadas de 1980 e 1990, vários países desenvolvidos escoaram seus estoques excessivos de produtos agrícolas via exportação subsidiada, resultando em redução de preços internacionais e prejuízos a outros países exportadores.

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estiver abaixo, o consumo interno poderá ser atendido com a importação de produtos de outros países, em detrimento da produção local. A abertura comercial, aliás, faz com que os estoques públicos de alimentos percam muito do seu significado, dado que eventual escassez interna de determinado produto pode, em princípio, ser suprida pela importação.

A administração de estoques faz parte do que se costuma denominar de política de abastecimento alimentar, em que o atendimento das necessidades dos consumidores constitui-se no objetivo primordial. Neste caso, outras ações governamentais podem ser implantadas, como o desenvolvimento de rede pública varejista de alimentos ou de entrepostos públicos atacadistas de hortigranjeiros. Sem falar das políticas de (ou tentativa de) controle de preços e de restrição à exportação de produtos considerados essenciais.

No aspecto qualitativo, ganham cada vez mais importância as ações públicas ligadas à defesa sanitária de animais e vegetais, com a preocupação de se evitar a propagação de pragas e doenças e se garantir a inocuidade e padronização dos alimentos. Por um lado, isto decorre da necessidade de se garantir maior nível de produção e, por outro, da elevação das exigências dos consumidores quanto à qualidade dos produtos primários. Além disso, não se deve esquecer que as questões sanitárias, justificadamente ou não, têm se constituído em importante barreira no comércio internacional agropecuário.

Quanto à geração de tecnologia ou política de pesquisa agropecuária, deve-se considerar que os agricultores, individualmente, encontram dificuldades de mobilizarem recursos para tal fim. Empresas públicas e privadas, especialmente as fornecedoras de insumos, atuam nessa área, bem como na sua difusão, através de ações de ATER.

É importante se dizer que parte das novas informações tecnológicas fica disponível gratuitamente a todos os interessados, o que afasta empresas privadas do seu desenvolvimento. Mesmo quando é possível a remuneração privada, há os que defendem que ela não ocorra ou que seja bastante limitada, dada a essencialidade dos alimentos25.

O último ponto a ser destacado nessa seção é a ação governamental em relação à apropriação privada ou ao monopólio da terra agrícola. Costuma-se desenvolver uma série de regulamentações públicas, de preservação de nascentes e cursos d’água, do solo e da vegetação nativa nas propriedades privadas. Também é muito comum o estabelecimento de tributação territorial. Mais episodicamente, com motivações históricas, sociais ou econômicas, ocorrem ações de desapropriação (mais raramente, de expropriação) e de redistribuição da posse e propriedade da terra, denominadas de política de reforma agrária e de assentamento rural.

Antes de se seguir adiante, deve-se afirmar que vários outros fatores influenciam nos tipos e no volume de recursos despendidos com as políticas agropecuárias. Um deles é a situação fiscal do país e as possibilidades de se alocarem recursos orçamentários em favor da agricultura. Outro é o grau de organização e mobilização das associações de agricultores que resulta na maior ou menor capacidade de influenciarem nas decisões governamentais.

4.2 – A Modernização Conservadora da Agricultura BrasileiraNo período que se estende do final da Segunda Guerra Mundial a 1980, a economia

brasileira apresentou altas taxas de crescimento, com variação média do PIB de 7,1% ao ano. Conforme concepção nacional-desenvolvimentista, as ações governamentais procuraram tornar mais complexa e integrada a estrutura produtiva brasileira, com clara priorização ao setor industrial, cuja dependência à importação, inicialmente, era muito grande, especialmente de bens de consumo durável e de capital. Isto foi importante determinante na aplicação de algumas

25 Na discussão e aprovação, em 25 de abril de 1997, da Lei das Cultivares no Brasil, que permite a cobrança de royalties sobre novas variedades de plantas, evidenciaram-se duas posições. Os contrários argumentavam que não se deviam privatizar conhecimentos relacionados com seres vivos. Os favoráveis afirmavam que, apenas através da remuneração, a iniciativa privada investiria recursos no desenvolvimento tecnológico de novas cultivares, complementando a escassa disponibilidade de recursos orçamentários para a área.

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políticas macroeconômicas com efeitos na renda agropecuária, tanto no que se refere à sua taxação quanto no que diz respeito aos controles dos preços agropecuários.

Em termos de políticas específicas, após 1965, tornou-se clara a opção governamental de não alterar, de forma geral, a estrutura fundiária brasileira, ao mesmo tempo, em que se formulavam e aplicavam políticas de incentivo á modernização tecnológica agropecuária.

4.2.1 – A Taxação da Agricultura e a Preocupação com o Abastecimento AlimentarFoi comum que se implantassem, após a Segunda Guerra Mundial, instrumentos de

políticas públicas em detrimento dos interesses agrícolas e em apoio ao esforço industrializante. Nesse sentido, as exportações agrícolas sofreram penalizações, via política cambial e comercial (DELGADO, 2001). Houve tendência de se manter a taxa de câmbio real valorizada, afetando negativamente a renda dos ramos exportadores (agrícolas, de maneira geral) e barateando o custo de obtenção de moeda estrangeira e, portanto, facilitando a importação de máquinas e equipamentos necessários para a montagem do parque industrial brasileiro. Adicionalmente, de forma constante, ocorria a cobrança de imposto sobre a exportação de produtos agrícolas, obtendo-se assim parte dos recursos necessários aos investimentos em infraestrutura e à concessão de subsídios e incentivos aos ramos industriais considerados prioritários.

É importante se ressaltar que, até 1964, o café representava próximo a 56% das exportações brasileiras, agrícolas e industriais. Em 1970, sua participação ainda era muito alta, na casa dos 36%, tendo-se reduzido para 14%, em 1980 (BACHA, 2004). Ou seja, a taxação tinha uma incidência muito concentrada em um único produto agrícola. Perceba-se que, à época, o Brasil, praticamente, monopolizava a produção e exportação de café e, através do manejo da produção nacional e estoques, conseguia manter patamares relativamente altos (ou evitar quedas mais acentuadas, em períodos desfavoráveis) nos preços internacionais, compensando, até certo ponto, as perdas de renda originadas da valorização cambial e do imposto de exportação.

Ainda de acordo com o esforço industrializante, especialmente a partir do final dos anos 1960, adotaram-se políticas restritivas (proibições, quotas e exigências de licença prévia) à exportação de produtos agropecuários não processados, como carne, soja e algodão. Além disso, as políticas creditícia e tributária favoreciam a exportação de produtos manufaturados, com isenções de impostos, como o Imposto de Renda sobre o Lucro, o Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e o Imposto sobre Produto Industrializado. Em determinados períodos, chegou a se conceder incentivos fiscais (crédito prêmio) à circulação interna desses produtos, com desconto no seu recolhimento em valor correspondente à isenção obtida na exportação. Tais benefícios não contemplavam os produtos básicos (soja em grãos, por exemplo) e semimanufaturados (açúcar demerara, por exemplo) de origem primária (BACHA, 2004)26.

Com essas medidas procurava-se assegurar maior disponibilidade de matérias primas para as agroindústrias e garantir o abastecimento do mercado interno com alimentos básicos, de forma a amenizar pressões inflacionárias e sobre os salários urbanos, não colocando em risco a rentabilidade dos ramos industriais.

Neste sentido, foi comum também a adoção de políticas de congelamento de preços de produtos considerados essenciais (com pequena efetividade, diga-se de passagem) e a criação de órgãos públicos para atuar na comercialização de produtos alimentícios. Entre eles, a Companhia Brasileira de Alimentos (COBAL), que administrava uma cadeia de supermercados públicos,

26 O resultado de tal política fica evidenciado na seguinte citação: “... As exportações de produtos agrícolas não processados eram tributáveis em 13%. Entretanto, a adição de valor, na etapa industrial, transformava esse tributo em um subsídio, que atingiu o nível de 10,5% para o açúcar refinado, 23,8% para o suco de laranja, 25,1% para óleos vegetais (inclusive de soja) e 31,6% para carne processada e produtos pesqueiros. O algodão foi prejudicado, uma vez que os produtores foram forçados a pagar um imposto de 13% sobre suas vendas do produto não processado. Os industriais têxteis, entretanto, após adquirirem sua matéria-prima abaixo dos preços externos, ganhavam um subsídio de 50% em suas exportações.” (Goldin e Rezende, citados por BACHA, 2004:159)

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com atuação no comércio varejista de alimentos, e gerenciava a rede das Centrais de Abastecimento (CEASA), especializada no atacado de hortigranjeiros.

4.2.2 – A Questão AgráriaOutra questão muito importante debatida em todo o período ora analisado, girava em

torno da estrutura fundiária e efetiva capacidade do setor agrícola nacional em cumprir suas funções no processo de industrialização e de desenvolvimento brasileiro27. Particularmente, na virada da década de 1950 para 1960, este fato ganhou maior relevância, com acirramento tanto do debate acadêmico como de suas repercussões políticas e administrativas.

As diversas análises de então eram consensuais ao diagnosticarem o baixo nível de desenvolvimento tecnológico do setor primário, mas divergiam quanto ao ritmo de crescimento da produção agropecuária brasileira. Parte dos analistas entendia que a agricultura conseguia fornecer alimentos e outros produtos suficientes para o setor urbano-industrial. Outra parte, contudo, diagnosticava que a agricultura não respondia adequadamente aos estímulos de preços do mercado interno, mantendo-se relativamente estagnada e provocando constantes crises de abastecimento alimentar no meio urbano, pressionando a inflação e os salários.

Para muitos analistas, essa estagnação agrícola teria como causa básica a estrutura fundiária forjada ao longo da história brasileira, em que predominaram as ações governamentais favoráveis ao desenvolvimento das grandes propriedades. No Brasil Colônia isto se evidenciou na implantação das capitanias hereditárias e nas doações das sesmarias, imensas porções de terras destinadas aos nobres portugueses. Os milhares de pequenos agricultores de subsistência que conseguiram se estabelecer, o fizeram, no mais das vezes, através da posse da terra, sobre a qual não dispunham de nenhuma garantia jurídica.

Durante o Império, foi aprovada a Lei de Terras em 1850, pela qual se estabelecia que o acesso à terra devoluta só se daria através da sua compra, dificultando e tornando ilegítima a sua simples posse. Procurava-se garantir, ao dificultar o acesso à terra, maior oferta de trabalhadores para as grandes propriedades, o que se tornava cada vez mais importante à medida que aumentavam as pressões internacionais pelo fim da escravidão no Brasil.

Substancialmente, nada de novo foi acrescido nas legislações iniciais da República28, mantendo-se as restrições de acesso a terra para pequenos agricultores e fazendo com que as levas de imigrantes que aportavam no Brasil se transformassem, em sua grande maioria, em empregados, sob o regime de colonato, especialmente das fazendas cafeeiras.

Em poucas regiões, principalmente localizadas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Espírito Santo, permitiu-se que a colonização se desse com a implantação de pequenas propriedades.

Como resultado desse processo, consolidou-se uma estrutura fundiária caracterizada pelo predomínio dos latifúndios, no mais das vezes voltados à exploração de produtos de exportação. Além disso, apresentavam baixo nível tecnológico, exploravam extensivamente e mantinham alta ociosidade da terra e, ao se dedicarem primordialmente aos produtos de exportação, relegavam ao segundo plano a produção voltada para o abastecimento do mercado interno.

27 Com uma visão funcionalista, a literatura clássica atribui os seguintes papéis ao setor agrícola no desenvolvimento econômico: fornecer mão-de-obra, matéria-prima, alimentos e capital ao setor urbano-industrial, ser mercado consumidor (de bens de consumo e produção) para produtos industriais, exportar produtos e obter receitas cambiais, para equilibrar as contas externas e, mais especificamente, permitir a importação de máquinas e equipamentos. 28 “A constituição de 1891 revogou apenas parte dos dispositivos da Lei de Terras, ao passar para os estados a propriedade das áreas devolutas – exceto as situadas em áreas de fronteira ou segurança, e junto às estradas de ferro federais. Ela manteve, no entanto, em toda sua plenitude, o direito de propriedade privada da terra, somente ressalvando as desapropriações por necessidade (ou utilidade) pública, sempre mediante prévia indenização a ‘preços justos’ e em dinheiro. Da mesma forma, o Código Civil de 1916 nada mudou de essencial na legislação fundiária.” (SZMRECSÁNYI, 1990:94)

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No outro extremo da estrutura agrária, constatava-se a existência de milhares de minifúndios, também com baixo nível tecnológico, dedicados à produção de subsistência e com reduzida capacidade de oferta para o mercado. Junto com os assalariados e outras categorias de empregados rurais, os minifundistas constituíam camada social sem maiores direitos sociais29 e bastante empobrecida, resultando em baixa demanda por bens industriais.

Diante dessa situação, vários intelectuais e movimentos políticos defendiam, no início dos anos 1960, a realização de ampla Reforma Agrária. Entendiam que isso aumentaria a renda da população rural, melhorando seu padrão de consumo, e traria maior dinamismo ao setor, que se modernizaria, com crescimento das compras de fertilizantes e tratores, por exemplo, e ofertaria maior quantidade de produtos básicos ao setor urbano.

Fazendo-se uma análise puramente produtivista, verifica-se que os dados disponíveis não comprovam a tese da estagnação da produção agropecuária brasileira. Entre 1947 e 1980, o PIB Agrícola cresceu a taxa média de 4,3% a. a., sendo que, especificamente, entre 1955 e 1962 esse crescimento foi de 4,5% a. a. (SERRA, 1982), abaixo da economia como um todo, mas ainda em nível alto. Mesmo a produção primária direcionada ao mercado interno, após a crise cafeeira de 1929/30, apresentou altas taxas de crescimento, com destaque para produtos como algodão, milho e arroz, não podendo se afirmar que o abastecimento nacional estivesse permanentemente comprometido ao longo de todo o período após 1945.

Não se conclua dessa afirmação que a Reforma Agrária devesse ser, necessariamente, descartada. Sua realização, ainda que pudesse não ser imprescindível para o aumento da produção agropecuária, poderia trazer benefícios sociais consideráveis, ao promover a redistribuição do patrimônio e renda no País e aumentar o consumo de alimentos de outros bens de consumo não duráveis e de bens duráveis. Contudo, na prática, não se conseguiu viabilizar sua realização nos conturbados e politizados três primeiros anos da década de 1960.

4.2.3 – Opção pela Transformação Tecnológica e Fortalecimento das Relações AgroindustriaisCom a ascensão do militarismo em 1964, a Reforma Agrária recebeu tratamento

aparentemente dúbio. Por um lado, elaborou-se extensa e avançada legislação sobre a posse da terra e a reforma agrária, o Estatuto da Terra. Aprovado em 1964, ele possibilitava que a desapropriação da terra por interesse social ocorresse, de forma inédita na histórica brasileira, através de pagamento com Título da Dívida Agrária (TDA), em substituição ao pagamento prévio em dinheiro, previsto desde a Constituição de 1891.

Entretanto, com o tempo verificou-se que o Estatuto da Terra teve pouco efeito prático em termos da realização de uma ampla e efetiva política de reforma agrária. A opção clara dos governos militares foi a manutenção da estrutura fundiária e promoção de transformações técnicas na agricultura, caracterizando-se o processo de Modernização Conservadora. Nem mesmo a criação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em 1970, veio contrariar essa orientação, já que este novo órgão passou a cuidar, basicamente, das ações de colonização na região de fronteira agrícola, especialmente na Amazônia.

Para estimular a Modernização Conservadora duas políticas públicas tiveram maior importância, a pesquisa agropecuária e o crédito rural. Este ganhou maior institucionalidade e abrangência com a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural, pela Lei 4.829/1965 (LEITE, 2001). Mais adiante, a Lei 5.851/1972 criou a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), que começou a funcionar em 1973. Reforçaram-se as ações na geração de tecnologias agropecuárias ligadas à genética vegetal e animal, ocupação de solo (em especial, dos Cerrados), época de plantio, tratos culturais e outras. Especificamente na genética vegetal, as instituições públicas ocuparam papel relevante no fornecimento de variedades melhoradas, especialmente de cana-de-açúcar, arroz, feijão, algodão, café e soja. Esta é uma cultura originária

29 A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi implantada para os trabalhadores urbanos no Brasil na década de 1940. Somente em 1963, ela foi estendida ao setor rural, após a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural.

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de região de clima temperado da China e, com melhoramento genético, avançou sobre regiões de clima tropical, nos cerrados do Centro-Oeste e Nordeste e em áreas amazônicas.

Para destacar a importância do crédito rural, pode-se observar o Gráfico 4.1, que apresenta a evolução do volume financeiro aplicado, entre 1969 e 2015. Percebe-se que na década de 1970, seus recursos aumentaram um pouco mais que cinco vezes.Gráfico 4.1 - Evolução do volume de crédito rural no Brasil, em bilhões de reais, 1969 a 2015.

19691971

19731975

19771979

19811983

19851987

19891991

19931995

19971999

20012003

20052007

20092011

20132015

0.0

20.0

40.0

60.080.0

100.0

120.0140.0

160.0

180.0

200.0

36.6

184.8

42.2 41.4

184.3

Fonte: BCB, 2013, Freitas e Santos (2017). Valores corrigidos pelo INPC para dezembro 2015.Os recursos aplicados em crédito rural deveriam vir de percentual mínimo e obrigatório,

chamado de exigibilidade, sobre os depósitos à vista dos bancos comerciais, públicos e privados, inicialmente fixado em 10%. À medida que esta fonte se mostrasse insuficiente, diante da demanda por crédito, o Tesouro Nacional (TN) se comprometia a ofertar o restante, de forma que a conta do crédito rural, no início de determinada safra, era uma conta em aberto.

As taxas de juros nos contratos foram estabelecidas, sistematicamente, abaixo da inflação, caracterizando-se o subsídio na concessão de crédito rural. Isso servia de compensação à orientação geral já comentada, de se implantar políticas favoráveis ao setor industrial30.

Pelo fato do crédito ser concedido por intermédio de agências dos bancos comerciais, houve estímulo à sua concentração junto aos grandes agricultores. Afinal, eram estes que garantiam aos bancos maior reciprocidade, nos saldos em conta corrente, nas aplicações financeiras, na aquisição de seguros e em outras operações bancárias. Além disso, a efetivação de contratos de maior valor e em menor número contribuía para redução dos custos administrativos dos bancos.

Outra característica do crédito rural era a sua vinculação à modernização da agricultura. Os créditos de custeio chegaram a exigir formalmente que se gastasse um mínimo (15%) na compra dos insumos modernos, adubos, agrotóxicos, sementes melhoradas, produtos veterinários, rações etc. Os créditos de investimento permitiam que, entre outros, se adquirissem os tratores e colhedoras agrícolas. Assim, na década de 1970, 67% dos fertilizantes, de 55% a 85% dos agrotóxicos e 90% dos tratores foram comercializados no Brasil através de contratos de crédito rural. Ressalte-se que, nem antes nem depois, foram vendidos tantos tratores no País como na década de 1970.

Por sua vez, os créditos rurais de comercialização, em grande parte, foram direcionados para atacadistas, entre eles as cooperativas de cereais e oleaginosas, e para as agroindústrias. Como se verá adiante, o crédito de comercialização é a modalidade que apresenta o maior valor

30 “... mas essa penalização (da agricultura) foi consideravelmente compensada nos anos 70 pela política de crédito rural subsidiado, especialmente para os setores capitalistas e para os interesses agrários voltados para a exportação.” (DELGADO, 2001:48)

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médio dos contratos, indicando seu direcionamento para grandes tomadores de financiamento agropecuário.

Além de políticas agrícolas específicas, o SPA Brasileiro beneficiou-se de ações públicas em favor das indústrias. Assim, as agroindústrias, entre 1969 e 1977, puderam acessar recursos creditícios relativamente baratos do Fundo Geral para a Agricultura e Indústria – FUNAGRI e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES (LEITE, 2001).

Alguns ramos agroindustriais foram contemplados com políticas próprias. A de papel e celulose se beneficiou de incentivos fiscais para reflorestamento e créditos para expansão de sua estrutura produtiva. A política de subsídio ao consumo de derivados de trigo estimulou o crescimento dos moinhos de farinha de trigo. A agroindústria sucroalcooleira foi favorecida com diversos programas, entre eles o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), criado em 1975.

Na outra ponta da cadeia agroindustrial, a montante da agropecuária, também se incentivou o desenvolvimento de ramos industriais. O Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitschek, de 1956-1960, promoveu a instalação da indústria automobilística no Brasil, permitindo a produção de tratores agrícolas, a partir de 1960. O II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), de 1974 a 1979, renovou incentivos à produção de tratores e possibilitou a grande expansão da produção nacional de colhedoras.

Na produção de fertilizantes, o Estado concedeu incentivos à iniciativa privada e atuou com empresário. Entre 1955 e 1965, foram implantadas 15 novas empresas de fertilizantes no Brasil; entre 1965 e 1973, outras 20 e; entre 1974 e 1983, 68 novas empresas se instalaram. Quanto aos defensivos, o II PND colaborou para que grande número de produtos finais passasse a ser produzido internamente, embora continuasse acentuada a dependência na importação de princípios ativos (KAGEYAMA et al, 1990).

Assim, pode-se dizer que diversas políticas públicas ajudaram a consolidar o SPA Brasileiro. Especificamente, o crédito rural subsidiado foi fundamental para o fortalecimento das relações intersetoriais da agropecuária brasileira. À montante com a indústria de insumos químico, biológicos e mecânicos que, através dos créditos de custeio e investimento, vendiam seus produtos. À jusante com os atacadistas e as agroindústrias que recebiam crédito de comercialização e contavam com grande quantidade de matéria-prima resultante da modernização agropecuária. Os agricultores, em especial médios e grandes, também foram beneficiados, sendo que, entre 1979 e 1980, o volume de subsídio recebido através do crédito rural representou cerca de 25% do PIB Agropecuário no Brasil (BACHA, 2004).

A aceleração da inflação e a não correção, em valores correspondentes, das taxas de juros do crédito rural, fizeram com que sua taxa de subsídio crescesse no final da década de 1970, suplantando 30% ao ano em 1980, estimulando o aumento de sua demanda. Ao mesmo tempo, pelo lado da oferta de crédito rural, percebia-se que os depósitos à vista diminuíram em favor de aplicações, como a caderneta de poupança, que protegiam os correntistas contra a perda de valor da moeda. Dessa forma, mesmo se aumentando o valor da exigibilidade, que chegou a 40%, os volumes aportados pelo TN necessitavam ser cada vez maiores, pressionando as finanças públicas e colocando em risco a continuidade da política de crédito rural.

4.3 – Crise e Transição dos Anos 1980A década de 1980 foi marcada por resultados macroeconômicos muito desfavoráveis. O

crescimento da economia, com exceção do período 1984-1986, foi baixo e, em alguns anos, negativo. A inflação disparou, chegando a ultrapassar a 1.000% a. a. Ocorreram desequilíbrios nas contas externas e grave crise nas finanças públicas, com aumento da dívida pública e gastos anuais para sua rolagem. Na tentativa de ajuste, foram cortados investimentos da administração direta e empresas estatais e os subsídios públicos passaram a ser mais fiscalizados e limitados.

Algumas estimativas, como a de Langoni citado por BRAGA (1984), indicavam que os subsídios atingiram, em 1980, 7,6% do PIB. Pouco mais da metade deste valor era proveniente

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de subsídios creditícios (taxas de juros nos empréstimos oficiais abaixo da taxa de mercado), em grande parte, direcionados ao setor agropecuário. Embora possa haver exagero nessa estimativa, o certo é que, a partir daí, foram adotadas medidas administrativas para redução do volume e percentual dos subsídios.

No caso do crédito rural, a prática anterior de “conta em aberto” foi sendo restringida ao longo dos anos 1980, até que passasse a se estabelecer, previamente, o volume de recursos a ser aplicado em determinado ano agrícola. Isso se tornou mais efetivo com o fim, em 1986, da chamada conta movimento (administrada pelo Banco do Brasil e suprida com emissão monetária a descoberto) e com a obrigatoriedade de se registrarem, a partir de 1988, no Orçamento Geral da União, os dispêndios previstos com crédito rural.

Ao mesmo tempo, para diminuir a importância dos aportes do TN, criaram-se novas fontes de recursos, como a poupança rural e a obrigação de aplicação de determinada porcentagem de alguns fundos constitucionais. Isto, junto com o maior controle na execução dos gastos, fez com que a participação do TN na oferta de crédito rural caísse de 64,8%, em 1985, para 26,7%, em 1990 (LEITE, 2001).

Em termos de volume de crédito, como mostra o Gráfico 4.1, verificou-se tendência de queda durante os anos 1980, com exceção do triênio 1985-87, de forma que em 1990 seu valor representava menos que 25% do aplicado em 1980. Desde 1980, diminuíram os créditos de investimento e comercialização e, a partir de 1984, também os de custeio (REZENDE, 2003).

Ainda em 1984, os contratos de crédito rural deixaram de ser subsidiados, pelo menos em relação à inflação, passando a exigir o pagamento de taxa de juros de 3 a 5% a. a., além da correção monetária (correspondente à inflação).

Ao mesmo tempo, a Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) passou a ter maior importância, pelo menos por um período da década de 1980. Sua criação havia se dado em 1945 e seu gerenciamento ficava a cargo da Comissão para Financiamento da Produção (CFP), órgão constituído em 1943 (WEDEKIN, 2005). Em 1966, o Decreto Lei 79/66 promovera reformulação profunda na PGPM, mas foi somente na década de 1980 que ela ganhou maior relevância, no que se refere à quantidade da produção agrícola beneficiada.

Sua execução então se fazia ou via compra governamental, através do mecanismo da Aquisição do Governo Federal (AGF), com recursos provenientes do TN. Ou via crédito de comercialização, através do Empréstimo do Governo Federal (EGF), com recursos do SNCR. Os preços mínimos cumpriram, nos anos 1980, importante papel na formação de expectativas pelos agricultores e na tentativa de direcionamento da produção para esta ou aquela cultura, julgada prioritária pelas autoridades governamentais, inclusive para a tentativa de controle da inflação.

Os principais produtos atendidos pela PGPM foram algodão, soja, arroz, feijão e milho. Os dois primeiros utilizaram, especialmente, dos EGF, com maior intensidade no quinquênio 1980-84, quando os créditos de comercialização contemplaram 71,1% da produção do algodão e 44,0% da soja (LEITE, 2001). Para o arroz, feijão e milho foram usadas também as AGF, especialmente de 1985 a 1987 (REZENDE, 2003). Neste triênio, as aquisições públicas de cereais e oleaginosas superaram, em termos líquidos, 30 milhões de toneladas, contra 1,5 milhão nos 10 anos anteriores (BUAINAIN, 1999).

Concomitantemente, os estoques públicos mostravam-se cada vez maiores, trazendo aumento dos gastos orçamentários e problemas gerenciais, evidenciados na deterioração de parte do produto armazenado. Em sequência, já a partir de 1988, constatou-se clara mudança, com redução das ações públicas na PGPM. Em 1990, a cultura mais beneficiada foi a do arroz, contemplada com volumes de EGF e AGF correspondentes a tão somente 6,3% da sua produção, bem inferior ao que tinha se verificado entre 1985 e 1987 (REZENDE, 2003).

No balanço da década de 1980, o Programa Abastecimento, em que são contabilizados os gastos com a PGPM, representou a maior parte dos gastos com a Função Agricultura. “Em média, na década de 1980, cerca de 70% dos recursos da Função Agricultura foram aplicados

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neste programa (Abastecimento), o qual contém, como principais componentes, a Conta Trigo, Preços Mínimos, Estoques Reguladores, Açúcar e Álcool e Café.” (GASQUES & VILLA VERDE, 1992:358)

Quanto à estrutura fundiária, no processo de redemocratização e instalação da Nova República, foi proposto o Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária (I PNRA). Sua versão inicial, elaborada pelo então criado Ministério de Reforma e do Desenvolvimento Agrário era bem mais ousada que aquela que acabou sendo aprovada pelo Governo José Sarney, em 10 de outubro de 1985. Nesta não se declaravam as áreas prioritárias para reforma agrária, embora se mantivesse a meta de se beneficiar 1,4 milhão de famílias entre 1985/1989 (GRAZIANO DA SILVA, 1985). Ao bem da verdade, diga-se que tal meta ficou bem distante de ser atingida.

Em relação ao crescimento, nos anos de 1980 o dinamismo da economia e agricultura foi menor em comparação à década de 1970. A produção industrial ficou praticamente estagnada, crescendo tão somente 3%, entre 1980 e 1990, enquanto a produção agrícola crescia 28% (FGV, 1993). Além da maior essencialidade dos bens agrícolas (os de base alimentar, especialmente), cujo consumo tende a cair relativamente menos em épocas recessivas, outros fatores contribuíram para esse resultado. Os efeitos da modernização da sua base técnica se fizeram sentir nos ganhos de produtividade das atividades agropecuárias. A PGPM colaborou para o crescimento da produção direcionada ao abastecimento do mercado interno. Por fim, a moeda nacional permaneceu relativamente desvalorizada, entre 1980 e 1988, estimulando as exportações de produtos de origem agropecuária. Neste sentido, destaque-se o aumento da participação brasileira no mercado de soja em grãos e de seus derivados.

4.4 – As Reformas Liberalizantes dos Anos 1990As reformas liberais deram o tom da política econômica brasileira a partir dos anos 1990

(ou final dos 1980), de acordo com a concepção dos governantes de então de que o Estado deveria ter atuação de natureza regulatória (mínima, se possível) e menos de planejamento, de produção e de intervenção. A década de 1990 foi a das privatizações e concessões do patrimônio público, de abertura financeira e comercial e facilitação a investimentos diretos estrangeiros. Em relação ao SPA, as mudanças levaram à maior exposição da produção nacional à concorrência externa e menor presença pública nos mercados de produtos e insumos.

4.4.1 – A Abertura ExternaO viés ante exportador de produtos primários (não processados) foi, aos poucos, sendo

abandonado, de forma que em 1990 deixou-se de se cobrar o imposto de exportação e se eliminaram o sistema de cotas e a necessidade de licença prévia na exportação de produtos agrícolas (DIAS & AMARAL, 1999). Tal orientação foi reforçada em 1996, com aprovação de nova legislação (Lei Kandir) que eximia os produtos básicos e semimanufaturados, quando exportados, do recolhimento do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cuja alíquota estava na casa dos 13% (HELFAND & REZENDE, 2001). Afirme-se que essa isenção, até então, era verificada apenas para os produtos manufaturados.

Nas importações, além da extinção de barreiras não tarifárias, estabeleceu-se, em 1991, cronograma de redução da tarifa média para produtos, insumos e equipamentos agrícolas, de 32,2% para 14,2%, em três anos. Um dos produtos mais atingido foi o algodão, cuja tarifa reduziu-se a zero, o mesmo acontecendo com tecidos e roupas, debilitando a cadeia têxtil nacional. Além do algodão, outros dois produtos de grande expressão muito afetados pela abertura comercial foram o trigo e o leite. Suas produções nacionais diminuíram e, pelo menos até 1997, suas importações aumentaram consideravelmente.

Entre os insumos, “no caso dos fertilizantes químicos importados, em especial, os nitrogenados, as tarifas foram significativamente reduzidas, ao contrário do que ocorreu com

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tratores, cuja tarifa procurava defender a indústria nacional, que apresentava ociosidade após a queda do crédito para investimento.” (GASQUES et al, 2004)

A menor proteção em relação à importação de insumos, junto com a valorização cambial, teve efeito imediato ao reduzir seus preços internos e contribuir para aumento da relação de troca (preços recebidos versus pagos) do setor agrícola nos anos 199031. Ao longo prazo, tal fato colaborou para que se elevasse a dependência nacional à importação de defensivos e fertilizantes. Neste caso, além da redução da proteção tarifária, houve privatizações de empresas públicas de fertilizantes e não se reeditaram os incentivos à produção nacional, como os contidos no Plano de Metas e no II PND. “Em 1990, a produção nacional de fertilizantes representou 57% do consumo desse produto. Em 1999 e em 2001, essas percentagens foram 42,6% e 34,1%, respectivamente.” (BACHA, 2004: 99).

As mudanças nas relações externas também contaram com a formação, em 1991, do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), envolvendo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Com várias exceções, foram zeradas as tarifas de importação intrabloco e se instituiu a Política de Tarifa Externa Comum (TEC). Com o MERCOSUL, houve aumento de importações de produtos como o leite e o trigo do Uruguai e, especialmente, da Argentina.

Outrossim, coerentemente com a abertura comercial, o Brasil adotou a defesa de maior liberalismo no âmbito das negociações multilaterais do comércio internacional, tanto na Rodada Uruguai do GATT, como no Mandato Doha da OMC, conforme já discutido anteriormente.

4.4.2 – Extinção de Órgãos Públicos e Desregulamentação de Cadeias AgroindustriaisOutro aspecto das reformas liberalizantes foi a desregulamentação daquelas cadeias

produtivas com forte intervenção pública. Entre elas, a cadeia leiteira, em que o Governo abandonou as políticas anteriores de fixação de preços para produtores e consumidores.

Na triticultura, seu mercado era altamente regulamentado desde 1967, com os objetivos de se tentar alcançar a autossuficiência nacional e controlar preços internos. Além da fixação dos preços da cadeia, o Governo Federal concedia subsídios a agricultores, moinhos e consumidores e detinha o monopólio de importações. O alto comprometimento fiscal com essa política fez com que, a partir de 1987, os repasses governamentais diminuíssem consideravelmente e, de 1990 em diante, os seus preços e importações fossem liberados.

Na cadeia sucroalcooleira, em 1989, eliminou-se o monopólio público na exportação do açúcar e, em 1990, parou de se exigir licença prévia para exportação de etanol e açúcar e extinguiu-se o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), autarquia federal que gerenciava a política setorial desde 1933. Com isto, deixou-se de fixar cotas de produção para as usinas e estados canavieiros. Ao longo da década de 1990, procedeu-se tumultuado processo de liberação de preços setoriais, encerrado tão somente em 1999.

Na cafeicultura, através da cobrança de imposto de exportação (que atingira 50% do preço do produto na década de 1970 e início de 1980) vinha se financiando o Instituto Brasileiro do Café (IBC), permitindo a execução de política de preços mínimos e de estoques reguladores, entre outras ações. A queda dos preços internacionais do café, no final dos anos 1980, praticamente zerou o imposto de exportação e, em 1990, foi extinto o IBC, diminuindo acentuadamente a intervenção pública no mercado nacional e internacional do café. No lugar do IBC foi criado o Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (FUNCAFÉ), que passou a administrar os estoques públicos remanescentes de café, fonte primária de recursos de programas creditícios e outros direcionados aos cafeicultores.

Conforme Wedekin (2005), ainda em 1990, houve fusão da CFP, da Companhia Brasileira de Armazenamento (Cibrazem) e da COBAL, dando origem à Companhia Nacional de

31 Helfand & Rezende (2001) informam que da primeira metade de 1992 até a segunda metade de 1994, os preços reais de fertilizantes, pesticidas e serviços de trator caíram mais de 30%. Em parte, isto se deveu à redução dos preços do petróleo, em parte à diminuição da proteção tarifária.

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Abastecimento (CONAB), empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Procurava-se maior racionalidade e, como se verá no próximo capítulo, a partir daí, a intervenção pública nos mercados agropecuários, via preços mínimos, manteve-se em nível consideravelmente reduzido quanto aos recursos despendidos.

A estrutura federal de ATER foi também desmontada em 1990, com a extinção do SIBRATER (Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural) e da EMBRATER (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural). As empresas públicas estaduais (EMATER e correlatas como a CATI – Coordenadoria de Assistência Técnica Integral, em São Paulo) continuaram prestando serviços na área, mas de maneira mais precária, pois deixaram de contar com recursos federais que garantiram, na década de 1980, cerca de 40% dos gastos com ATER nos estados, ultrapassando 80% naqueles mais pobres (ASBRAER, 2007).

No crédito rural, conforme mostra o Gráfico 4.1, a tendência, ao longo da década de 1990, foi a de manter o volume de recursos, ao mesmo tempo, que se procurou criar mecanismos novos para participação não subsidiada da iniciativa privada em sua oferta. Destaque-se que 1994 fugiu do padrão da década, com maior volume do crédito rural, na esteira da monetização da economia e do aumento da demanda de alimentos decorrentes do controle inflacionário. Por sua vez, 1995 e 1996 registraram volume de crédito muito reduzido, diante da crise enfrentada pela agricultura, em grande parte provocada pela extrema valorização da moeda nacional e as consequências negativas nas exportações agropecuárias.

Na pesquisa, até certo ponto, preservaram-se os recursos da EMBRAPA, após 1990, o que pode ser entendido como a exceção nos cortes de gastos da política agrícola brasileira no período aqui considerado.

4.4.3 – A Redução dos Gastos OrçamentáriosA análise dos gastos orçamentários confirma a diminuição da importância da ação

pública direta na agricultura brasileira. Esses gastos são registrados, conforme Lei 9.811/1999, na Função Agricultura e Função Organização Agrária32, que contemplam ações dirigidas à produção vegetal e animal, defesa sanitária, abastecimento, pesquisa, extensão rural, irrigação, reforma agrária e colonização, entre outras. Em 2010, a União era responsável por próximo a 71% dos gastos em agricultura e organização agrária, os estados por 20% e os municípios por 9% (GASQUES & BASTOS, 2014).

Na Tabela 4.1, referente apenas aos gastos federais, percebe-se que o período 1985-89 registrou os maiores dispêndios, com média anual de R$ 31.640 milhões, representando 6,6% do gasto total da União. A partir de 1990, houve tendência de queda nos gastos com agricultura e organização agrária, com o mínimo sendo atingido entre 2003 e 2006, com valor de R$ 17.399 milhões, correspondentes a apenas 1,8% da despesa global da União. Daí por diante, observou-se recuperação nos gastos com política agrícola e agrária, alcançando-se R$ 23.927 milhões no triênio 2011-13, ao mesmo tempo em que a queda porcentual continuava, até 1,3%, entre 2011 e 2013. Acontece que, entre 2000 e 2013, enquanto os gastos totais da União aumentaram 7,8% a. a., os com agricultura cresceram a taxa anual de 3,9% (GASQUES & BASTOS, 2014).Tabela 4.1 – Médias anuais das despesas com Função Agricultura e Organização Agrária, em milhões de reais, e participação no gasto global da União, de 1980 a 2013.

Período Agricultura(1)

Organização Agrária (2) (1) + (2) % Gasto

Global1980-84 13.320 199 13.518 5,61985-89 29.624 2.015 31.640 6,61990-94 26.535 1.862 28.396 3,01995-98 23.145 5.063 28.208 3,6

32 Os gastos orçamentários são classificados em quatro categorias: função (a mais geral), subfunção, programa e ação (a mais específica).

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1999-02 15.086 3.078 18.164 2,02003-06 12.795 4.605 17.399 1,82007-10 15.579 5.830 21.409 1,32011-13 17.839 6.087 23.927 1,3

Fonte: GASQUES (2013), GASQUES & BASTOS (2014).Especificando-se mais os gastos com agricultura, é possível determinar que, entre 2001-

05, as principais subfunções da Função Agricultura foram a administração geral, a promoção da produção vegetal, o abastecimento e outros encargos especiais. Esta, isoladamente, representou cerca de 40% dos gastos da Função Agricultura, contemplando, especialmente, as subvenções econômicas referentes à equalização de taxas de juros e outros encargos financeiros das operações de crédito rural, inclusive as da agricultura familiar. Já na Função Organização Agrária, os principais gastos se deram nas subfunções administração geral, reforma agrária e outros encargos especiais, em que se contabilizam o crédito para implantação de projetos de assentamento e o fundiário (GASQUES et al, 2006).

Os níveis reduzidos dos gastos orçamentários, somados à pequena proteção tarifária, fazem com que o protecionismo agropecuário no Brasil seja relativamente pequeno, de acordo com os critérios estabelecidos pela OCDE. “O apoio ao produtor no Brasil, medido pelo PSE, apresentou uma média de 3% do valor da receita bruta da agricultura entre 2002 e 2004 – uma taxa de apoio comparável à da Nova Zelândia (2%) e Austrália (4%) e bem abaixo da média de 30% da OCDE.” (OCDE, 2005)

4.4.4. – O Duplo Comando InstitucionalVoltando à Tabela 4.1, observa-se que os gastos com Organização Agrária, vinculados à

reforma agrária, atingiram valor relativamente alto no quadriênio 1995-98, com média anual de R$ 5.063 milhões. Depois, declinaram de 1999 a 2002, quando atingiram o mínimo de R$ 3.078 milhões. Os valores dos períodos posteriores foram maiores, com o ápice sendo registrado entre 2011-13, com média anual de gasto em organização agrária de R$ 6.087 milhões.

O aumento em 1995-98 veio como reação governamental à queda da renda agropecuária, associada à valorização cambial, e ao crescimento das mobilizações sociais favoráveis à reforma agrária33. O número de conflitos fundiários havia aumentado, ganhando destaques os episódios de Eldorado dos Carajás (PA) e Corumbiara (RO) que resultaram na morte de 29 trabalhadores sem terra em conflitos com a Polícia Militar. Logo após, o Decreto s/n. de 29/4/1996 nomeou o Ministro Extraordinário da Política Fundiária, revelando a intenção governamental de atuar mais especificamente na questão fundiária e da agricultura familiar. Nesse sentido, o Decreto 1.946 de 28/1/1996, instituiu o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), com objetivo de propiciar crédito rural em condições mais vantajosas aos agricultores familiares.

Em 1999, as Medidas Provisórias MP 1911-12 e MP 1911-14 fizeram com que o Ministério da Política Fundiária passasse da condição de extraordinário para ordinário, recebendo a nova denominação de Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Resultante desses acontecimentos passou a se observar um duplo comando institucional na Política Agrícola Brasileira. Enquanto o MDA, ao qual o INCRA ficou subordinado, assumiu a função de formular e implementar as políticas para a reforma agrária e a agricultura familiar, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), instituição criada ainda no Século XIX, manteve-se vinculado às políticas voltadas para a agricultura empresarial.

4.5 – Sofisticação dos Instrumentos de Política Agrícola após 2003

33 “... a questão agrária voltou à cena em 1995, através da atuação de movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, ou mesmo na disputa pelo projeto de ‘agricultura familiar’ encampado pelo movimento sindical. Ambas as investidas exigiram reações por parte do Estado, quer em programas específicos de atuação, quer no reaparelhamento burocrático.” (LEITE, 2001:10)

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Apesar do baixo nível de protecionismo, a agricultura brasileira tem aumentado sua participação no mercado internacional, fato mais evidente no presente século. O período favorável dos preços internacionais agropecuários, após 2002, foi muito bem aproveitado pelo Brasil, em relação a outras nações, de forma que as exportações agrícolas nacionais registraram crescimento em relação às mundiais. Em 1990, as exportações agrícolas brasileiras representavam 2,6% das exportações agrícolas mundiais (PINAZZA et al, 2001), passando para 3,4%, na média do triênio 1999-2001 e alcançando 6,5%, em 2012 (FAO, 2011, 2015a).

O crescimento recente das exportações agropecuárias veio acompanhado pelo aumento do volume de crédito rural no Brasil, que atingiu R$ 184,3 bilhões, em 2014, conforme mostra o Gráfico 4.1. Ao mesmo tempo, após 2003, observou-se maior sofisticação dos instrumentos de política agrícola, tratada com mais detalhes nos dois próximos capítulos. Desde já, destaquem-se a criação do programa de subvenção ao seguro rural e novos tipos de títulos para financiamento, especialmente para grandes empresas dos segmentos do SPA.

Para a agricultura familiar, observou-se a instituição de novos programas, nos campos da ATER e preço mínimo, e aumento da dotação do Pronaf. Em 2002, os agricultores familiares no Brasil haviam recebido R$ 4,9 bilhões de crédito rural, valor que passou para R$ 24,7 bilhões, em 2014. O Gráfico 4.2 deixa claro o crescimento praticamente contínuo do volume financeiro do Pronaf, após 2002, enquanto no número de contratos, seu aumento muito forte entre 2002 e 2006, se amenizou nos anos seguintes, ainda que no período todo revelasse expansão.Gráfico 4.2 – Índices de valor, número e valor médio dos contratos Pronaf, Brasil, 1999 a 2014.

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 20140.0

50.0

100.0

150.0

200.0

250.0

300.0

350.0

400.0

450.0

500.0

Recursos

Contratos

Valor Médio

Fonte: BCB (2017).Contudo, em 2016, as políticas agrícolas passaram a enfrentar um ambiente

governamental mais hostil à intervenção pública. Ainda é cedo para analisar totalmente as mudanças, mas uma delas foi determinada desde o início, a extinção do MDA. Suas atribuições foram assumidas, em sua grande maioria, pela Casa Civil da Presidência da República e, em parte menos significativa, pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que passou a ser denominado Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Isto foi estabelecido pelo Decreto Presidencial no. 8.865 de setembro de 2016, que também determinou que o INCRA passasse a se subordinar à Casa Civil (BRASIL, 2016).

5 – As Políticas Agropecuárias do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

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São analisadas seis diferentes políticas agropecuárias gerenciadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e órgãos públicos a ele ligados, como a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Duas delas merecem maior ênfase, a Política Nacional de Crédito Rural e a Política de Garantia de Preço Mínimo (PGPM), que representaram 78% dos gastos do Governo Federal com as funções Agricultura e Organização Agrária, entre 2000 e 2015 (SANTOS & FREITAS, 2017). Nesta conta estão excluídos os gastos com pessoal ou administrativos e não se contabilizam os dispêndios da Embrapa, por ser empresa pública.

Também são abordadas a Política de Zoneamento Ambiental, Seguro Rural, Pesquisa Agropecuária e Defesa Sanitária. Essa relação não esgota todas as políticas agropecuárias, ficando de fora, por exemplo, a Política de Assistência Técnica e Extensão Rural, que se analisará no capítulo seguinte, junto com outras políticas para a Agricultura Familiar.

Anualmente, entre maio e junho, o MAPA divulga o Plano Agrícola e Pecuário (PAP) com validade para o novo ano agrícola, que se inicia em 1 de julho e se estende até o 30 de junho do ano seguinte. Neste documento, além de análise de conjuntura e apresentação de objetivos mais gerais, são registrados os valores a serem empregados e as condições dos principais instrumentos de política agrícola.

5.1 – Política Nacional de Crédito RuralO MAPA e os ministérios econômico-orçamentários (Fazenda e Planejamento) ocupam

importante papel na formulação das diretrizes e dos programas de crédito rural. Já a execução da política de crédito rural é feita através do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), cujos órgãos básicos são o Banco Central do Brasil, que exerce a função de controlador, o Banco do Brasil S.A., o Banco da Amazônia S.A. e o Banco do Nordeste S.A., sendo que estes três fornecem crédito aos agricultores (BCB, 2007). Além disso, o Sistema é composto por órgãos vinculados e articulados. Entre os primeiros, que também fornecem crédito aos agricultores, estão o BNDES, agências de fomento, bancos estaduais, bancos privados, Caixa Econômica Federal, cooperativas de crédito rural e sociedades de crédito, financiamento e investimento. Os articulados são órgãos oficiais de fomento regional e entidades de assistência técnica, com serviços conjugados à concessão de crédito rural.

O principal documento normativo do crédito rural é o Manual de Crédito Rural (MCR), editado pelo Banco Central, que mantém atualizadas as informações dos tipos de crédito rural, documentos necessários para acessar o programa, prazos de pagamentos, encargos financeiros, garantias etc (BCB, 2018).

A importância da política de crédito rural evidencia-se na informação de Guedes Pinto (2010), ao estimar que o financiamento da agricultura modernizada brasileira depende em 1/3 de recursos próprios dos agricultores, 1/3 do que se pode chamar de ações privadas e 1/3 da política oficial de crédito rural. Entre as ações privadas, estão os financiamentos realizados por empresas que fornecem insumos no início da safra ou do ciclo pecuário para posterior pagamento ao seu final, bem como os feitos por agroindústrias, que antecipam recursos aos agricultores a serem descontados quando da entrega da matéria prima agropecuária.

Apesar de ser uma política pública, a maior parte dos recursos do crédito rural não se origina do Tesouro Nacional, como era comum no final dos anos 1970 e início da década de 1980. Atualmente, predominam recursos bancários, seja do chamado recurso obrigatório ou exigibilidade dos depósitos à vista, na casa dos 34%, seja de porcentual dos depósitos em poupança rural, em valor de 65%. Todos os bancos comerciais, públicos e privados, são obrigados a cumprir a exigibilidade sobre depósitos à vista. Por sua vez, a poupança rural, basicamente, é específica dos bancos federais acima citados, com destaque ao Banco do Brasil, e bancos cooperativos.

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Em 2016, os recursos da exigibilidade e poupança rural somaram 62% do total de crédito rural. Também importantes se mostraram os recursos do BNDES, com participação de 11% e fundos constitucionais, que proporcionaram 7% do crédito fornecido (BRASIL/MAPA, 2017a). Seja qual for a origem do recurso de crédito rural oficial, em sua grande maioria, ele tem que ser aplicado com taxas de juros fixadas pelo Governo Federal.

Os agentes financeiros do crédito rural, normalmente, concedem recursos para custeio, comercialização ou investimento. No caso do BNDES os financiamentos são destinados exclusivamente a investimentos agropecuários e custeios a eles associados. Já os recursos da poupança rural devem ser aplicados em operações de comercialização, beneficiamento ou industrialização de produtos de origem agropecuária ou insumos usados naquela atividade ou ainda na aquisição da Cédula de Produto Rural (CPR), que também é um instrumento de comercialização agropecuária.

No caso específico do BNDES, deve-se destacar também seu papel no financiamento da agroindústria, que não é contabilizado nos recursos do crédito rural. Citem-se, neste caso, os financiamentos destinados a frigoríficos, laticínios, usinas de açúcar e etanol, fábricas de papel e celulose. Entre 1990 e 2002, os empréstimos do BNDES para a agropecuária somaram R$ 27,6 bilhões e para agroindústria R$ 22,6 bilhões (REZENDE, 2003:213).

Uma observação final dessa seção diz respeito ao papel que empresas do agronegócio cumprem na concessão de crédito rural oficial. Indústrias e cooperativas assumem, muitas vezes, a função de intermediário ou avalista na concessão de crédito para os agricultores. As empresas de tratores e colhedoras costumam ter financeiras para venda a prazo de seus produtos, as quais repassam recursos de crédito rural, neste caso de investimento. No financiamento de insumos químicos e biológicos (custeio), as cooperativas fazem esse tipo de intermediação e indústrias chegam a avalizá-lo junto aos bancos.

Na outra ponta da cadeia, agroindústrias como as do leite, aves e suínos também assumem o papel de avalista, especialmente nos créditos de investimentos, ou utilizam parte dos recursos dos financiamentos agroindustriais para custear a produção de matéria-prima pelo seus fornecedores integrados. Outra operação são os descontos pelas agroindústrias de Notas Promissórias e Duplicatas Rurais com recursos de crédito rural para pagamento das compras feitas aos produtores. Tais operações aumentam a dependência dos agricultores a ramos industriais e de serviços ligados à agropecuária e diminuem os riscos dos bancos nas operações de crédito rural.

5.1.1 – Condições, Modalidades e Programas do Crédito RuralA maior parte das informações desta seção foi obtida do MCR (BCB, 2018) e do PAP

2017/18 (BRASIL/MAPA, 2017b). Para fins de crédito rural, os agricultores, de acordo com a renda bruta anual, são classificados em pequeno produtor - renda até R$ 360 mil; médio produtor - renda até R$ 1.760 mil e; grande produtor - renda acima de R$ 1.760 mil. No caso do pequeno produtor, ele pode optar por acessar os créditos do Pronaf, cujas condições serão tratadas no capítulo seguinte. Os recursos tomados pelo médio produtor para custeio e investimento são enquadrados no Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp).

As garantias oferecidas aos bancos nos contratos de crédito rural podem ser: o próprio resultado da exploração agropecuária (colheita de determinado grão, p. ex.); o bem financiado (colhedora, p. ex.); a hipoteca da terra; um aval ou fiança. Os bancos e cooperativas de crédito são os responsáveis pela aprovação do crédito rural a determinado agricultor e, comumente, se elabora um projeto técnico sobre a viabilidade financeira do empreendimento a ser financiado.

O Quadro 5.1 apresenta algumas condições de crédito rural no Brasil, vigentes na safra 2017/18. Está computado apenas o crédito para a chamada agricultura empresarial (não o Pronaf), com R$ 154,4 bilhões previstos para serem concedidos com juros controlados e os

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demais R$ 34,0 bilhões, com juros “livres” ou de mercado. Quase 80% dos recursos devem ser usados em operações de custeio e comercialização.Quadro 5.1 – Condições do crédito rural no Brasil para safra 2017/18.

Tipo de Crédito Recursos(R$ bilhões)

Taxa de Juros(% a.a.)

Limite/Produtor(R$ milhões)

PrazoMáximo

Custeio 150,2 7,5 a 8,5 1,5 a 3,0 14 mesesComercialização 8,5 a 12,75 1,5 a 4,5 14 mesesInvestimento 38,2 6,5 a 10,5 - 7 a 15 anosTotal 188,4 - - -Fonte: BRASIL/MAPA, 2017b.

No crédito de custeio prevê-se uma taxa de juros de 7,5% a. a., para médios produtores, e 8,5% a.a., para grandes produtores. Os limites de financiamento estão estabelecidos em R$ 1,5 milhão para médios e R$ 3,0 milhões para grandes agricultores, com prazo máximo de 14 meses, em poucos casos de dois anos.

Na comercialização, além da retenção da safra e compra antecipada de produtos dos agricultores por atacadistas/integradores, está previsto que se financiem gastos de custeio para a industrialização de matéria prima agropecuária, como a transformação de amendoim em doces e óleo. O agricultor, individualmente, pode tomar até R$ 1,5 milhão para custeio da industrialização, com juros de 9,0% a.a., e até R$ 4,5 milhões para estocagem de produtos agrícolas, com juros de 8,5% a.a. Para as cooperativas, as taxas de juros para estas respectivas operações são as mesmas, mas o limite de financiamento é muito maior, de R$ 400 milhões. As cooperativas também podem tomar crédito de comercialização para repasse (adiantamento) aos seus cooperados que lhes entregarão futuramente sua produção para a venda, com taxas de juros de 9,0% a.a. Operação semelhante pode ser feita pelas integradoras, com juros de 12,75% a.a., sujeito a limite de R$ 400 milhões por integradora e desde que respeitado o limite por integrado de R$ 200 mil na avicultura e R$ 150 mil na suinocultura.

Quanto ao crédito de investimento, merece ser destacado o pagamento em parcelas em prazo relativamente longo, pois sua amortização total costuma se concretizar apenas após várias safras. Neste tipo de crédito também é comum que se espere alguns anos para que o agricultor realize o primeiro pagamento, chamado de período de carência, com duração padrão de três anos.

O PAP 2017/186 prevê vários programas de financiamento, incorporando variáveis sociais, ambientais, tecnológicas e econômicas. A seguir vários deles são descritos brevemente:

Programa de Modernização da Agricultura e Conservação dos Recursos Naturais (Moderagro) - financia itens da produção, beneficiamento, industrialização, acondicionamento e armazenamento de produtos da apicultura, aquicultura, avicultura, chinchilicultura, cunicultura, floricultura, fruticultura, palmáceas, olivicultura, produção de nozes, horticultura, ovino-caprinocultura, pecuária leiteira, pesca, ranicultura, sericicultura e suinocultura, ações relacionadas à defesa animal e à implantação de sistema de rastreabilidade animal para alimentação humana. Também apoia a recuperação dos solos por meio do financiamento para aquisição, transporte, aplicação e incorporação de corretivos agrícolas. Os limites de financiamento são de R$ 880 mil (individual) e R$ 2,64 milhões (crédito coletivo), com taxa de juros de 8,5% a.a.

Programa de Incentivo à Irrigação e à Produção em Ambiente Protegido (Modeinfra) - financia itens de sistema de irrigação, incluindo infraestrutura elétrica e equipamentos e instalações para proteção da olericultura, floricultura, cafeicultura e de mudas de espécies florestais. A taxa de juro é de 7,5% a.a. e os limites de financiamento são de R$ 2,2 milhões para crédito individual e de R$ 6,6 milhões para crédito coletivo.

Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras (Moderfrota) - financia tratores, colhedoras, implementos associados, pulverizadores auto propelidos e equipamentos para preparo, secagem e beneficiamento de café.

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Podem ser equipamentos e máquinas usadas, desde que revisados por concessionário autorizado e com idade máxima de 10 anos. A taxa de juros é de 7,5% a.a. para produtores com renda bruta anual de até R$ 90 milhões e de 10,5% a.a. para os demais. Até 90% do valor do bem pode ser financiado, com reembolso máximo de sete anos para itens novos e quatro para usados.

Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica na Produção Agropecuária (INOVAGRO) – apoia investimentos necessários à incorporação de inovação tecnológica, visando ao amento de produtividade, adoção de boas práticas agropecuárias e gestão dos estabelecimentos agropecuários e inserção competitiva dos agricultores nos diferentes mercados consumidores. Financiam-se estruturas para a implantação de cultivos protegidos, serviços de agricultura de precisão, automação e adequação de instalações para os setores de avicultura, suinocultura e bovinocultura leiteira, softwares para o gerenciamento da propriedade rural, consultorias para a formação e capacitação técnica e gerencial das atividades produtivas, além de outros itens. A taxa de juros é de 6,5% a.a., com prazo de reembolso de até 10 anos.

Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA) - financia investimentos para ampliação ou construção de novos armazéns, com taxa de juros de 6,5% a.a., prazo de reembolso de até 15 anos e limite de financiamento de até 100% do valor do projeto.

Programa para Redução da Emissão de Gases de Efeito Estufa na Agricultura (ABC) – financia a recuperação de áreas de pastagens degradadas, implantação e ampliação de sistemas de integração lavoura-pecuária-florestas, correção e adubação de solos, implantação de práticas conservacionistas de solos, implantação e manutenção de florestas comerciais e culturas de dendê, açaí, nogueiras e oliveiras, implantação de agricultura orgânica, recomposição de áreas de preservação permanente ou reserva legal e outras práticas que envolvem produção sustentável e diminuem a emissão de gases causadores do efeito estufa. A taxa de juros é de 7,5% a.a. e os limites de financiamento são de R$ 2,2 milhões ou R$ 5 milhões para plantio de florestas.

5.1.2 – Características Distributivas do Crédito RuralO Quadro 5.2 apresenta características distributivas do total de crédito rural (empresarial

e familiar) efetivamente aplicado e registrado no SNCR, em 2012. Neste ano, para 2.646.731 contratos, foram usados R$ 114,85 bilhões em crédito rural, com 67,5% destinados à atividade agrícola e 32,5% à pecuária. Os contratos agrícolas, de maior valor médio, representaram 53,1% do valor total dos contratos e os pecuários, 46,9%.

A maior parte dos recursos do crédito rural foi destinada ao custeio agropecuário, vindo a seguir investimento e, depois, comercialização. Os preços agropecuários em 2012, de forma geral, estavam em níveis favoráveis, o que estimula crédito de investimento e desestimula o de comercialização. Outro ponto a registrar é o relativamente pequeno número de contratos de comercialização, que são destinados, em sua grande maioria, às cooperativas e agroindústrias e não aos agricultores.

Entre as regiões, o Sul é que absorveu o maior volume financeiro de crédito, 37,1% do total, vindo logo a seguir o Sudeste, com 29,3%. O Centro-Oeste ficou em posição intermediária, com 21,1%, e os menores volumes foram constatados no Nordeste e Norte. Quanto ao número de contratos, o maior percentual foi verificado também no Sul, com 36,7%, seguido de perto pelo Nordeste, com 33,5%. O contrato médio do Centro-Oeste foi o maior, na casa dos R$ 146,6 mil e o do Nordeste o menor, ficando próximo a R$ 11,0 mil.Quadro 5.2 – Características distributivas do crédito rural no Brasil, critérios diversos, 2012.

Critério deDistribuição

Valor ContratosR$ milhões % Número %

Por AtividadeAgrícola 77.542,20 67,5 1.405.181 53,1Pecuária 37.304,10 32,5 1.241.550 46,9Por Finalidade

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Custeio 62.949,25 54,8 1.159.134 43,8Comercialização 16.840,96 14,7 45.031 1,7Investimento 35.056,09 30,5 1.442.566 54,5Por RegiãoNorte 4.604,82 4,0 148.562 5,6Nordeste 9.717,11 8,5 885.345 33,5Sudeste 33.667,16 29,3 476.856 18,0Sul 42.635,76 37,1 970.754 36,7Centro-Oeste 24.221,45 21,1 165.214 6,2Por Faixa de Contrato0 a 60.000 reais 22.920,86 20,0 2.340.493 88,460.000 a 150.000 reais 16.839,96 14,7 172.657 6,5150.000 a 300.000 reais 17.030,11 14,8 77.109 2,9acima de 300.000 reais 58.055,37 50,6 56.472 2,1Por Agente FinanceiroBancos Oficiais Federais 62.186,16 54,1 2.060.618 77,9Bancos Oficiais Estaduais 4.000,98 3,5 49.862 1,9Bancos Privados 37.346,16 32,5 209.545 7,9Cooperativas de Crédito 11.313,00 9,9 326.706 12,3Total de Crédito 114.846,30 100,0 2.646.731 100,0Fonte: BCB, 2013.

A ampla maioria (88,4%) do número de contratos de crédito rural era de até R$ 60 mil, absorvendo 20,0% do valor financiado. Nesta faixa concentravam-se todos os créditos destinados à agricultura familiar. Na outra ponta, contratos acima de R$ 300 mil, representavam apenas 2,1% do número de contratos e acessavam 50,6% de seu volume.

Quanto aos agentes financeiros, os bancos oficiais federais, em especial o Banco do Brasil, foram responsáveis pela distribuição de 54,1% dos recursos de crédito rural e 77,9% do número de contratos, seguido pelos bancos privados, com participação de 32,5% nos recursos e de apenas 7,9% no número dos contratos. A participação relativamente maior dos bancos federais no número do que no valor dos contratos, em grande parte, deve-se ao fato deles administrarem os créditos do Pronaf.

5.1.3 – Títulos Privados para Financiamento do AgronegócioNa década de 1990, fortaleceu a decisão do Governo Federal de diminuir o aporte de

recursos orçamentários em favor do crédito rural. Os formuladores da política também pretenderam estimular o desenvolvimento de mecanismos privados não compulsórios (ou obrigatórios) que pudessem ocupar papel predominante na oferta de crédito rural. Neste sentido, em 1994, foi aprovada a lei de criação da Cédula de Produto Rural (CPR) que, com aval do Banco do Brasil, possibilita ao agricultor (ou cooperativa) emissor antecipar recursos financeiros com a promessa de entrega futura da safra, com taxas de juros estabelecidas pelo mercado. Em 1995, Resolução do Banco Central instituiu a chamada “63 Caipira”, isentando do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) os recursos externos destinados a financiar o setor agrícola Por fim, em 2000, foi autorizado o funcionamento da CPR Financeira, que permite que seu pagamento seja feito em dinheiro em lugar da produção (REZENDE, 2003).

Os resultados alcançados não foram expressivos e no presente século novas iniciativas foram tomadas visando à ampliação da participação de fontes privadas no crédito rural. A Lei n. 11.076 (Lei dos Novos Títulos Agrícolas), de dezembro de 2004, e a Instrução Normativa 422 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) permitiram a criação de novos títulos de crédito e de refinanciamento do agronegócio (BRASIL/MAPA, 2007a).

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Os títulos de refinanciamento criados foram as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), os Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA) e o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Seus mecanismos de funcionamento podem ser encontrados no Plano Agrícola e Pecuário 2012/13 (BRASIL/MAPA, 2012), sendo que a intenção básica era constituir mercado secundário a partir dos títulos de dívida rural já existentes (CPR, Nota Promissória Rural, Duplicata Rural etc.) e que atraísse investidores urbanos para financiar a agricultura.

Criou-se também a Nota Comercial do Agronegócio (NCA) ou Agrinote que pode ser emitida por empresas do agronegócio organizadas sob a forma de sociedade anônima (o que já era permitido anteriormente), limitada ou cooperativa (permitido através da Instrução Normativa 422 da CVM). O lastro para emissão da Agrinote pode ser a produção realizada ou a realizar ou mesmo a própria reputação da empresa.

Adicionalmente, foram remodelados os “títulos gêmeos” denominados de Certificado de Depósito Agropecuário (CDA) e Warrant Agropecuário (WA), destinados a produtos armazenados. Ao depositar sua produção em determinado armazém, o agricultor recebe do armazenador o título CDA-WA, que é registrado em entidade de registro e liquidação de títulos. Após, o agricultor pode vender o CDA-WA, o que equivale à venda da mercadoria, ou vender apenas o WA para obter empréstimo bancário. Nas negociações secundárias desses títulos, diferentemente do que ocorria até 2004, não há incidência de ICMS. O imposto só é cobrado quando o produto estocado for destinado ao processamento ou exportação, ou seja, deixar o armazém onde está depositado.

Esses títulos vêm apresentando crescimento considerável, sendo que, enquanto em 2005 haviam movimentado R$ 196 milhões, em 2009 atingiram a cifra de R$ 64.950 milhões (WEDEKIN, 2010). É importante perceber que esses títulos não se destinam apenas ao financiamento dos agricultores, mas também a outras empresas do agronegócio.

5.2 – As Alterações nos Preços MínimosA fixação do preço mínimo serve para operações de compra, subvenção ou financiamento

da comercialização de produtos agropecuários contemplados pela política do Governo Federal. Sob o ponto de vista do agricultor, o preço mínimo asseguraria o recebimento de determinado nível de renda, diminuindo os efeitos negativos da instabilidade de preços agropecuários34, especialmente naqueles anos em que ocorre queda considerável em seu valor. Por outro lado, devido aos estoques reguladores que podem se formar em sua execução, a política de preço mínimo poderia atender aos consumidores naqueles anos em que a produção se mostre pequena, pressionando o preço para cima. Além disso, o anúncio prévio do preço mínimo poderia servir para que a produção se elevasse em relação à projetada, inicialmente, pelo mercado. No Brasil, a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) ocupa papel importante na execução da PGPM, sendo responsável pela análise técnica que leva à fixação de seus valores e pelo gerenciamento dos estoques públicos de alimentos, entre outras funções.

Concomitantemente ao processo de abertura comercial, a partir de 1990, evidenciou-se que o Governo Federal pretendeu diminuir sua intervenção direta nos mercados, com a criação de novos instrumentos de preços mínimos, diminuição de gastos e manutenção de menores estoques públicos de produtos agropecuários. A seguir analisam-se as mudanças nos instrumentos e depois a execução recente da PGPM no Brasil.

5.2.1 – Antigos e Novos Instrumentos da PGPM

34 Há algumas décadas, se verifica o desenvolvimento de mecanismos privados com o objetivo de trazer maior previsibilidade aos preços agropecuários, para agricultores, atacadistas, agroindústrias e exportadores. Constituem-se os chamados mercados futuros e de opções, que no Brasil são coordenados pela Bolsa de Mercadorias e Futuros – BM&F (MARQUES, 2005). Embora reconhecendo sua importância, este tema não será aqui tratado.

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Como já abordado no capítulo anterior, os instrumentos tradicionais (que ainda se encontram em vigor) para a execução da PGPM no Brasil são a AGF e o EGF, conforme descrição do Quadro 5.3. Existia também a EGF com opção de venda (EGF-COV), que permitia a transformação do crédito de comercialização em compra governamental.Quadro 5.3 – Instrumentos tradicionais e novos de apoio à comercialização agropecuária em vigência no Brasil, em 2017.

I – INSTRUMENTOS TRADICIONAISPreço Mínimo de Garantia – preços fixados para compra ou financiamento através de programas oficiais, contemplando 39 tipos de produtos e 12 tipos de sementes.Aquisição do Governo Federal (AGF) – em situação de preço baixo, permite ao Governo comprar de produtor rural ou cooperativa produto agrícola pelo valor do preço mínimo. Da agricultura familiar e para estoques estratégicos pode-se comprar a preço de mercado.Empréstimo do Governo Federal (EGF) – concedido a agricultores, cooperativas e agroindústrias, com base no preço mínimo, permitindo estocagem e melhor distribuição da oferta durante o ano.

II – INSTRUMENTOS CRIADOS A PARTIR DE 1992Prêmio de Escoamento de Produto (PEP) – Por meio de leilão, o Governo Federal concede subvenção, equivalente à diferença entre preço mínimo e de mercado (equalização de preços) a um agente econômico que se compromete a pagar ao agricultor o preço mínimo. Operação semelhante pode ser feita a partir de estoque público, através do instrumento denominado de Valor de Escoamento de Produto (VEP).Prêmio Equalizador Pago ao Produtor (PEPRO) – consiste no pagamento ao agricultor ou cooperativa da diferença entre o preço de mercado e o preço de referência definido pelo Governo. As operações são conduzidas por leilões públicos.Contrato de Opção de Venda – título do Governo ofertado em leilão a agricultores e cooperativas. Seu comprador assegura o direito (não a obrigação) de entregar ao Governo a quantidade de produto contratada, no seu vencimento, a determinado preço (preço de exercício) e sob certas especificações. Também através de leilão, o Governo pode Recomprar o Contrato de Opção de Venda ou Repassar o Contrato para outro agente privado, mediante subvenção (diferença entre preço de exercício e o vigente no mercado), evitando a formação de estoques públicos.Contratos Privados de Opção de Venda e Prêmio de Risco de Opção Privada (PROP) – o Governo, através de leilão, oferta um Prêmio de Risco de Opção Privada, para que agentes privados o adquiram e lancem Contratos Privados de Opção de Venda destinados a agricultores ou cooperativas, que passam a ter garantia de receber um determinado preço de exercício. Através do Prêmio, o risco do preço de exercício superar o preço de mercado é assumido (até determinado limite) pelo Governo.Linha Especial de Crédito à Comercialização (LEC) – semelhante ao EGF, mas com a permissão ao Governo de arbitrar preço diferente do preço mínimo. Permite o financiamento de carrego de estoque quando o valor do preço mínimo estiver defasado.Fonte: BRASIL/MAPA, 2017b.

A partir da aprovação da Lei n. 8.427/1992, tornou-se possível o exercício da equalização de preços, ao invés de se arcar com o preço total dos produtos beneficiados pela PGPM. A equalização é, justamente, o pagamento pelo Governo Federal da diferença entre o preço mínimo e o de mercado.

De 1992 a 1999, foram criados quatro novos instrumentos de preço mínimo, baseados na equalização de preços, quais sejam: Contrato de Opção de Venda, Prêmio de Escoamento de Produto (PEP), Valor de Escoamento de Produto (VEP) e Prêmio Equalizador Pago ao Produtor (PEPRO), descritos no Quadro 5.3. Outras mudanças importantes, ocorridas em 1996, foram o impedimento de prorrogação do EGF de uma para outra safra e a extinção do EGF-COV.

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Mais recentemente, instituiu-se, em 2003, a Linha Especial de Crédito à Comercialização (LEC), que permite desvincular o financiamento de comercialização do valor legal do preço mínimo, tal fato podendo ser entendido como aprimoramento do EGF. Em seguida, no ano de 2004, foram criados o Contrato Privado de Opção de Venda e o Prêmio de Risco de Opção Privada (PROP), que se baseiam na equalização de preços. Estes novos instrumentos também estão descritos no Quadro 5.3.

5.2.2 – Execução Recente da PGPMInicialmente, é importante informar que nesta seção não se analisa a execução de garantia

de preços aos agricultores via crédito de comercialização, com o uso do EGF e LEC, cujos valores são contabilizados no SNCR. Apresenta-se a execução da PGPM com efeitos diretos sobre os gastos do Tesouro Nacional, via AGF ou instrumentos de equalização de preços.

Como já comentado, no período de 1985-87, as AGF atingiram volumes recordes, com a aquisição de média anual de 9,4 milhões t de produtos agropecuários, em época em que a safra brasileira de grãos estava próxima a 55 milhões t. No triênio 2000-02, aquela média tinha caído para 736,7 mil t, para uma safra aproximada de 90 milhões t (CONAB, 2007).

Em anos mais recentes, de 2003 a 2012, observa-se na Tabela 5.1 que as operações de AGF, na média, continuaram em patamares baixos. Constata-se que em anos de queda da renda agropecuária, como 2005, 2006 e 2009, as compras governamentais foram mais significativas do que nos outros anos, em que os preços agropecuários foram mais favoráveis aos agricultores, contudo, sem se aproximar dos valores vigentes no triênio 1985-87.Tabela 5.1 – Quantidade de produtos agropecuários beneficiados por AGF e instrumentos novos, em mil toneladas, Brasil, 2003 a 2012.

Ano AGF Instrumentos Novos* Total2003 - 2.253 2.2532004 283 1.815 2.0982005 1.690 3.445 5.1352006 2.581 19.134 21.7152007 373 12.460 12.8332008 188 4.066 4.2542009 1.149 14.750 15.8992010 874 14.972 15.8462011 432 2.709 3.1412012 446 1.797 2.243

* Soma do Contrato de Opção, PEP, PROP e PEPRO.Fonte: BRASIL/MAPA, 2010, 2013, GASQUES, 2014.

Já os instrumentos novos ganharam grande projeção entre 2006 e 2010, situando-se, com exceção de 2008, entre 12 milhões e 20 milhões t de produtos agropecuários.

Considerando-se a soma dos instrumentos antigos e novos, no quadriênio 2006-10 foi contemplada com a PGPM no Brasil uma média anual de 14.109,4 mil t, o que significa menos de 10% da safra brasileira de grãos. Nos anos de 2011 e 2012, os gastos com preços mínimos voltaram a diminuir, em grande parte devido à recuperação dos preços das commodities agrícolas.

Seja por que o alcance da PGPM, em termos de porcentual da safra beneficiada, tem se revelado pequeno, seja por que predominam os novos instrumentos, que não preveem que haja aquisição de produtos pelo Governo Federal, isto faz com que os estoques reguladores dos produtos agrícolas permaneçam em nível bastante reduzido. No início do Século XXI, os estoques dos principais produtos agrícolas não ultrapassavam 5% dos respectivos consumos anuais (VILLA VERDE, 2001). Dados da safra 2006/07 indicam que foram produzidas 131,4 milhões t de grãos (CONAB, 2008), sendo que os estoques públicos (arroz, farináceos, feijão,

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milho e trigo) não superavam 3,7 milhões t (BRASIL/MAPA, 2008). Esta queda continuou em anos mais recentes, trazendo os estoques públicos de alimentos no Brasil para porcentual próximo de zero.

5.3 – Risco Agropecuário, Zoneamento Ambiental e Seguro RuralA escolha da época mais adequada para o plantio e a celebração do seguro rural são

práticas que visam preservar a produção agropecuária dos riscos associados à ocorrência de eventos adversos e aleatórios de origem sanitária ou climática (mais fortemente) e que tragam prejuízos econômicos aos agricultores.

Para reduzir os riscos climáticos incidentes sobre a atividade agrícola, desde 1996, o MAPA divulga o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), indicando para cada município os períodos mais recomendados para plantio de diversas variedades de lavouras. Além de dados acumulados do clima local, são consideradas informações de altitude, longitude e latitude, tipo de solo e características das variedades. Na safra 2017/18, 24 unidades da federação foram contempladas com tal política, envolvendo 20 lavouras anuais, 25 permanentes e o consórcio milho/braquiária (BRASIL/MAPA, 2017b). Suas informações estão disponíveis no Painel de Indicação de Riscos, no endereço http://indicadores.agricultura.gov.br/zarc/index.htm.

Além de trazer maior segurança à atividade agrícola, a adequação ao calendário do ZARC é obrigatória para o agricultor utilizar-se do programa oficial de seguro rural, chamado de Programa de Garantia de Atividade Agropecuária (PROAGRO).

Os valores porcentuais do prêmio do seguro rural estão no Quadro 5.4. Nas atividades pecuárias a taxa de participação é de 1,2% sobre o total segurado. Para as agrícolas, ela varia entre 1,7% e 11,7%, de acordo com o tipo da cultura e técnica de cultivo. Lavouras irrigadas pagam menos, as que usam plantio direto recolhem valores intermediários e as de sequeiro ficam sujeitas a taxas mais altas.Quadro 5.4 – Taxa de participação (prêmio) do Seguro Rural para atividades agropecuárias e técnicas de cultivo.Custeio pecuário de diversos rebanhos - 1,2%Custeio de culturas permanentes - cana-de-açúcar: 2,3%, café: 4,7%, banana, caju, maçã, uva e outros: 3,5%.Custeio de lavouras irrigadas - cevada e trigo: 2,0%, demais lavoura, inclusive arroz: 1,7%.Custeio de lavouras de sequeiro - algodão, mamona, mandioca, milho e soja: 3,9%, arroz e feijão: 6,7%, sorgo: 5,5%, cevada e trigo: 5,0%, centeio e triticale: 11,7%, outros: 9,4%.Custeio de lavouras com técnica de plantio direto - milho e soja: 2,9%, feijão: 5,7%, cevada e trigo de sequeiro: 4,0%.Fonte: BRASIL/MAPA (2007b).

Quando de sua criação, na década de 1970, o PROAGRO cobria apenas as operações de custeio pecuário e agrícola realizadas com recursos da SNCR. Na década de 1990 tornou-se possível utilizar o PROAGRO também em operações realizadas com recursos do próprio agropecuarista. O alto custo do seu prêmio e o desinteresse das seguradoras privadas, contudo, fazia com que menos de 1% da área plantada no Brasil fosse atendido pelo seguro rural, com forte concentração no estado de São Paulo e Região Sul.

Visando ampliar o alcance do seguro rural, aprovou-se a Lei 10.823/2003, que permitiu, através do Decreto 5.121/2004, a criação do Programa de Subvenção ao Prêmio de Seguro Rural. Na safra 2017/18, estava previsto que o Governo Federal subsidiasse entre 35% e 45% do valor do prêmio do seguro rural contratado junto a onze seguradoras privadas credenciadas junto ao MAPA. Por ano, cada agricultor pode receber um valor máximo de subvenção de R$ 72.000,00 para atividades agrícolas ou R$ 24.000,00 para atividades pecuárias, aquícolas ou florestais.

O crescimento do seguro rural subvencionado se revelou muito significativo até 2014. Assim, em 2005, primeiro ano de sua vigência, apenas 68.148 hectares de quatro atividades

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agrícolas foram contempladas, com importância segurada de R$ 126,6 milhões, valor de prêmio pago de R$ 8,7 milhões e subvenção pública federal de R$ 2,3 milhões. Em 2014, ano de máxima aplicação da subvenção do seguro rural, que alcançou R$ 693,5 milhões, foram contempladas atividades florestais, três pecuárias e 50 lavouras. Ainda em 2014, 117,6 mil apólices de seguro rural subvencionado foram assinadas, contemplando 77,2 mil agricultores e uma área de 9,9 milhões ha (BRASIL/MAPA, 2015).

Para o período 2006 a 2015, há disponibilidade de alguns indicadores de desempenho da subvenção do seguro rural no Brasil. Nesses 10 anos, o valor anual médio do prêmio arrecadado foi de R$ 508,1 milhões, 55% dos quais provenientes da subvenção do Governo Federal. Em média, as seguradoras indenizaram os agricultores em R$ 292,3 milhões/ano, o que representa pouco acima da subvenção média recebida, no valor de R$ 279,5 milhões/ano. Em média, a indenização representou 57,5% do valor do prêmio arrecadado (BRASIL/MAPA, 2016).

Quanto ao alcance do Programa, entre as safras de 2008/09 e 2015/16, a participação na área segurada na área plantada com grãos foi de 10,6%. Individualmente, no trigo observou-se que 24,9% de sua área plantada foram beneficiados com a subvenção ao seguro, na soja, 12,8% e no milho, apenas 6,5%. Entre as frutas, merece destacar a participação de 60,9% da área segurada na área plantada com uva e de 84,4% com maçã (BRASIL/MAPA, 2016).

5.4 – A Rede de Pesquisa Agropecuária no BrasilDesde o final do Século XIX, quando foram criados institutos de pesquisa em alguns

estados brasileiros, como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) em São Paulo, observam-se ações públicas em favor do desenvolvimento tecnológico da agricultura brasileira. Contudo, apenas com a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1973, a pesquisa pública agropecuária ganhou maior abrangência geográfica, sistematicidade orçamentária e de planejamento.

Em 1992, foi instituído o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA), procurando concatenar as ações de pesquisa e desenvolvimento agropecuário das diversas instituições existentes na área. Este sistema é coordenado pela Embrapa e dele também fazem parte 16 Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária (OEPA), universidades e institutos de pesquisa de âmbito federal e estadual, fundações e empresas privadas.

A Embrapa conta com 46 Centros de Pesquisa espalhados pelo País, alguns com caráter temático, outros com base na região em que estão instalados. Seu orçamento, em 2014, somou R$ 2,78 bilhões e R$ 2,91 bilhões, em 2015, sendo que mais de 90% desses valores são provenientes do Tesouro Nacional (EMBRAPA, 2017).

As pesquisas da Embrapa abrangem várias áreas e atividades agropecuárias. Duas merecem especial destaque, as que possibilitaram a ocupação agrícola das terras do Cerrado, principal região de expansão recente da agropecuária brasileira, e aquelas que resultam no melhoramento genético de plantas.

Em agosto de 2010, a Embrapa era detentora de 24,2% das 1.387 cultivares registradas de todas as lavouras no Brasil (BRASIL/MAPA, 2010a), o que não guardava, necessariamente, correspondência com a porcentagem de área plantada com essas cultivares. O Gráfico 5.1 mostra o número de cultivares desenvolvidas pela Embrapa para uma série de lavouras.

Em 2015, estimava-se que 42% da área cultivada com feijão no Brasil usavam cultivares desenvolvidas pela Embrapa, no arroz esse valor era de 49%, 14% no sorgo e 13% no trigo. No milho, a genética desenvolvida pela Embrapa nunca alcançou maior importância, enquanto no algodão e na soja ela decaiu nos últimos anos, com o advento da transgenia. Variedades e cultivares de soja da Embrapa, no começo deste século, representavam próximo a 40% da área cultivada no Brasil, valor que não passava de 6%, em 2015 (EMBRAPA, 2015).Gráfico 5.1 - Cultivares Embrapa registradas com mais de 10 cultivares por espécie.

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Fonte: EMBRAPA (2017, Pag. 54).No café e cana-de-açúcar, a quase totalidade de cultivares hoje usada no Brasil originou-

se de pesquisa de empresas públicas, não necessariamente da Embrapa. Como já afirmado anteriormente, no café, em 1997, foi criado o Consórcio de Pesquisa do Café, associação de vários órgãos públicos dedicados ao aprimoramento da cultura e que tem a Embrapa Café como sua coordenação. Na cana-de-açúcar, uma associação de universidades públicas federais, a RIDESA (Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento Sucroenergético) é a principal responsável pelas variedades cultivadas no País, seguida pelo CTC (Centro Tecnológico Canavieiro), instituição privada de capital nacional, e pelo IAC.

Outro aspecto a ser destacado, diz respeito ao chamado retorno social da pesquisa. Em estimativa própria, a Embrapa calcula que cada R$ 1,00 empregado em seu orçamento resultou em R$ 8,53, em 2014, R$ 9,23, em 2015 e R$ 11,23, em 2016, em ganhos para a sociedade brasileira, através do uso de tecnologias desenvolvidas pela Empresa (EMBRAPA, 2015, 2017).

5.5 – A Política de Defesa SanitáriaA Política de Defesa Sanitária tem como o objetivo garantir a sanidade agropecuária

através de ações de saúde, sanidade, inspeção, fiscalização, educação e vigilância de animais, vegetais, insumos e produtos de origem animal e vegetal.

Considerando-se o conceito de sistema de produção agropecuária, pode-se dizer que a defesa sanitária atua à montante da produção agropecuária, através de atividades relativas à fiscalização dos insumos e dos serviços usados nas atividades agropecuárias. Age na própria agropecuária ou produção primária, através da vigilância e defesa sanitária vegetal e da vigilância e defesa sanitária animal. Finalmente, implementa ações à jusante da agropecuária, através da inspeção e classificação de produtos de origem vegetal, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico e da inspeção e classificação de produtos de origem animal, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico.

Pode-se especificar ainda mais essas ações, de acordo com BRASIL/MAPA (2005). Assim a fiscalização de insumos agrícolas envolveria a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins; a fiscalização higiênico-sanitária da prestação de serviços agrícolas; a inspeção e fiscalização da produção, certificação e da comercialização de sementes e mudas; a fiscalização da produção e da comercialização de fertilizantes, corretivos e inoculantes. Por sua vez a fiscalização de insumos pecuários envolveria a inspeção e fiscalização de produtos de uso veterinários; fiscalização higiênico-sanitária da prestação de serviços pecuários; inspeção e fiscalização dos produtos destinados à alimentação animal.

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Quanto à sanidade vegetal as ações seriam: vigilância fitossanitária, inclusive a definição de requisitos fitossanitários no trânsito de plantas, produtos e derivados de origem vegetal e materiais de uso agrícola; prevenção e controle de pragas e doenças, com destaque para definição de requisitos fitossanitários necessários na importação e exportação de agrotóxicos, de sementes e mudas e de produtos vegetais destinados à alimentação animal; fiscalização do trânsito de vegetais, partes de vegetais, seus produtos, subprodutos e derivados, incluindo a exportação e importação; promoção de campanhas de educação fitossanitária.

Na saúde animal as ações envolveriam: vigilância zoossanitária, especialmente a definição de requisitos sanitários a serem observados no trânsito de animais, produtos e derivados de origem animal, bem como materiais de uso na veterinária; profilaxia e combate às doenças dos animais, estudando-se a definição dos requisitos exigidos para produtos biológicos; fiscalização do trânsito de animais, de produtos veterinários, de materiais de multiplicação animal, de produtos destinados à alimentação animal, produtos e derivados de origem animal, incluindo a aplicação de requisitos sanitários para importação e exportação; promoção de campanhas zoossanitárias.

A inspeção de produtos de origem vegetal contempla ações de fiscalização e inspeção higiênico-sanitária e tecnológica de produtos vegetais e seus derivados, incluindo bebidas, vinagres, vinhos e derivados; fiscalização da classificação de produtos vegetais e seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico. Na área animal as ações seriam de inspeção e fiscalização sanitária e industrial de produtos de origem animal.

As atividades de defesa sanitária no Brasil todo fazem parte do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA), que se articula com o Sistema Único de Saúde nas questões relativas à saúde pública. O SUASA é subdividido em Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal, Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal, Sistema Brasileiro de Inspeção e Fiscalização de Insumos Agrícolas e Sistema Brasileiro de Inspeção e Fiscalização de Insumos Pecuários. Os estados, o Distrito Federal e os municípios podem aderir a esses sistemas ou não, mantendo sistemas próprios. Nesse caso as inspeções e fiscalizações estaduais e municipais de produtos de origem vegetal e animal e de insumos agropecuários são reconhecidas apenas na sua área territorial.

Historicamente, o MAPA vem mantendo atuação mais significativa na inspeção dos produtos de origem animal do que vegetal. Existe certa indefinição entre o MAPA e a Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA), órgão do Ministério da Saúde, em relação as suas atribuições relativas à sanidade dos alimentos.

Os gastos orçamentários federais com a defesa sanitária vegetal passaram de R$ 25,7 milhões, em 2003, para R$ 42,0 milhões, em 2008, enquanto os da defesa sanitária animal passavam de R$ 73,0 milhões para R$ 137,2 milhões, crescimentos de, respectivamente, 63,3% e 87,9% (GASQUES, 2009). Apesar disso, levando-se em conta as dimensões do Brasil pode-se supor que esses gastos ainda sejam insuficientes.

6 – A Política Fundiária e da Agricultura FamiliarComo já se afirmou, no processo histórico de ocupação do meio rural brasileiro a

prioridade foi dada à implantação de grandes propriedades que, em um primeiro momento, usaram a força de trabalho escrava e, posteriormente, a força de trabalho assalariada. Com exceção de algumas regiões, basicamente nos estados do Sul e Espírito Santo, os pequenos estabelecimentos rurais, baseados no trabalho de agricultores familiares, não contaram com o favorecimento de políticas oficiais e seu desenvolvimento ocorreu, muitas vezes, em terras de fronteira, marginais e de pior qualidade ou esgotadas pela exploração das grandes culturas de exportação ou ainda como resultado da divisão de grandes propriedades, nos momentos de crise agrícola ou nas partilhas de heranças.

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Também já se afirmou que, a partir de 1996, com o agravamento da situação social e dos conflitos fundiários, foi instituída uma série de normas legais e órgãos públicos para tratar especificamente da questão da agricultura familiar, reforma agrária e assentamentos rurais. Nesse intento, foram criados o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), ao qual o já existente Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) passou a se subordinar, e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), para a concessão de crédito com juros menores do que os da agricultura empresarial. Mais recentemente, a especificidade da agricultura familiar foi formalmente reconhecida pelo Congresso Nacional, ao aprovar a Lei 11.326/06 que estabelece a Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais35.

Nos últimos anos, o fortalecimento institucional das políticas voltadas para a agricultura familiar sofreu um revés, com a extinção do MDA. Entre 2016 e 2017, suas atribuições e estrutura passaram a compor a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAFDA), vinculada à Casa Civil da Presidência da República, à qual passou a se subordinar também o INCRA.

Antes da descrição das políticas para a agricultura familiar, será feita breve caracterização dessa categoria social que, na média, aufere baixo rendimento e apresenta importante diferenciação interna.

6.1 – Situação Produtiva e Social da Agricultura FamiliarDe maneira geral, as condições de vida e trabalho da população rural e pessoas ocupadas

na agropecuária são mais precárias que, respectivamente, as da população urbana e ocupados na indústria e setor terciário. Del Grossi (2008) mostra que, em 2006, a remuneração das pessoas ocupadas na agricultura era equivalente a 78,3% da remuneração dos ocupados em atividades não agrícolas, entre os moradores da zona rural, e equivalente a 68,0%, para os moradores da zona urbana. Também a mortalidade infantil, incidência de doenças, falta de assistência médica, condições precárias de moradia, analfabetismo e desnutrição continuam sendo relativamente maiores no meio rural.

Entre as categorias sociais ocupadas na agropecuária, as condições mais precárias atingem empregados permanentes e temporários e grande parte dos agricultores familiares. Estes se caracterizam por explorarem pequena área de terra, terem a produção agropecuária como importante fonte de sua renda ou consumo, dirigirem e executarem, junto com membros da família, a maior parte das tarefas do estabelecimento rural.

Dados do Censo Agropecuário 2006 apontam a existência de 4.367.902 estabelecimentos da agricultura familiar, o que representava 84,4% do total de 5.175.489 estabelecimentos agropecuários brasileiros. Ao mesmo tempo, os estabelecimentos familiares ocupavam 24,3% da área total dos estabelecimentos, eram responsáveis por 74,4% do total de pessoas ocupadas e geravam 38,0% do valor bruto da produção dos estabelecimentos (IBGE, 2009).

Praticamente metade dos estabelecimentos da agricultura familiar estava localizada no Nordeste, seguida pelo Sul, com 19%, Sudeste, 16%, Norte, 10% e Centro-Oeste, com apenas 5% (IBGE, 2009).

Considerando-se as principais lavouras, os estabelecimentos familiares produziam 87% da produção nacional de mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo e 16% da soja. Também produziam 58% do leite e detinham 59% do plantel dos suínos, 50% do plantel de aves e 30% dos bovinos (IBGE, 2009).

35 “A Lei 11.326/06 reconhece agricultura familiar como segmento produtivo e dá reconhecimento legal para ampliação das políticas públicas específicas, como crédito, formação profissional, seguro, assistência técnica, comercialização – além de garantir acesso a direitos sociais, como é o caso dos benefícios da previdência social. Prevê, também, a descentralização – com participação de municípios, estados, governo federal e agricultores familiares – no desenvolvimento e gestão das políticas.” (IICA/NEAD/INCRA/MDA, 2007:39).

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Há nítida diferenciação entre os agricultores familiares. Guanzirolli et al (2010) estimam que, em 2006, os agricultores familiares com renda superior a três vezes o valor anualizado da diária regional (ou seja, os mais ricos) representavam 9,0% do total de agricultores familiares. Os que contavam com renda entre metade e três vezes o valor anualizado da diária regional eram 33,2% e os que percebiam menos que metade daquele valor eram 57,6% do total de agricultores familiares. Enquanto o primeiro grupo era responsável por 67,8% do Valor Bruto da Produção da agricultura familiar, o segundo tinha participação de 21,0% e o terceiro, de apenas 11,2%.

Existem agricultores familiares que usam tecnologias modernas, com atividades econômicas integradas ao mercado, embora sujeitos, normalmente, a condições menos favoráveis em relação aos preços pagos e recebidos pelos grandes agricultores. Existem também os que praticam agricultura de subsistência, vivem em condições de pobreza e comumente têm parte significativa dos rendimentos oriunda de transferências públicas (aposentadorias, pensões, programas de suplementação de renda), de emprego, temporário muitas vezes, de membros da família em outros setores econômicos ou estabelecimentos agropecuários.

No Nordeste, estudos apontam a predominância de agricultores familiares empobrecidos, o que se associa às restrições edafoclimáticas de grande parte de sua área. Os agricultores familiares do Sul apresentam renda média mais alta, são mais tecnificados e vinculados aos mercados de commodities. Mas, há também nesta região parcela significativa de agricultores familiares empobrecidos, que segundo Gazolla et al (2017), em 2006, representavam 30% dos estabelecimentos agropecuários do Paraná, enquanto entre os agricultores familiares situados acima da linha da pobreza esta participação era de 52%.

Ainda Gazolla et al (2017) relacionam a condição de pobreza de parcela dos agricultores familiares paranaenses aos seguintes fatores: deterem pequena porção de terra; baixo nível de tecnificação agropecuária; presença relativamente alta de idosos e pessoas com baixo grau de escolarização; não receberem assistência técnica e extensão rural; não integrarem organizações sociais, como associações e cooperativas; obterem baixo nível de produção agropecuária e da mesma ser fortemente vinculada ao auto consumo; a renda familiar depender majoritariamente de rendimentos não agropecuários.

Pode-se dizer que o debate sobre a agricultura familiar envolve vários aspectos. Um deles diz respeito à sua viabilidade econômica em face à eventual ocorrência de economias de escala nas atividades agropecuárias. Por um lado, o desenvolvimento da tecnologia mecânica, que resulta na adoção de máquinas e equipamentos cada vez com maior capacidade operativa, e o maior poder de negociação de preços de insumos e produtos, muitas vezes, contribuem para que as grandes explorações agropecuárias apresentem menores custos médios de seus produtos e, portanto, maior competitividade. Por outro lado, pelo menos em algumas atividades agropecuárias, mantêm-se especificidades que limitam a organização produtiva aos moldes das linhas de produção constatadas no setor industrial e exigem manejo mais condizente com as características da agricultura familiar.

Além disso, as diversas práticas do associativismo e o tipo de tecnologia gerado nos institutos de pesquisa podem contribuir para maior viabilidade da pequena produção agropecuária. Como exemplos, pode-se citar a tecnologia da produção orgânica e sistemas produtivos que integrem uma série de atividades agrícolas e pecuárias em áreas de pequena extensão e que consigam manter ocupada a força de trabalho familiar durante todo o ano agrícola. Outras inovações produtivas, como o desenvolvimento de máquinas menores, mudanças nos mecanismos de comercialização, como a criação de mercados institucionais e estímulo a circuitos curtos de produção, e alterações na legislação sanitária e disponibilidade de tecnologia em benefício da agroindústria artesanal, seriam ações em favor do fortalecimento da agricultura familiar.

Outro debate diz respeito às ações públicas direcionadas aos diversos segmentos de agricultores familiares. Para aqueles muito pobres, é necessário se considerar a aplicação de

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políticas e programas além dos especificamente agrícolas, de concessão de documentos, na área de suplementação de renda, do acesso ao ensino e à saúde. Para o conjunto dos agricultores familiares, pode-se pensar em políticas agropecuárias diferenciadas, no campo da pesquisa, assistência técnica, crédito rural, acesso ao mercado e outras.

Além disso, é comum que se desenvolvam políticas direcionadas a aumentar o acesso à terra para trabalhadores e agricultores sem ou com insuficiente dotação desse recurso natural. Seriam as chamadas políticas fundiárias, de crédito fundiário, reforma agrária e colonização.

6.2 – A Política FundiáriaO INCRA é o principal responsável pela execução da Política Fundiária no País. Suas

ações, basicamente, envolvem três diferentes áreas: regularização fundiária (ou ordenamento territorial), crédito fundiário e reforma agrária/colonização e assentamento rural. Em todas interfere na distribuição da propriedade da terra ou sobre o imóvel rural.

Imóvel rural pode ser definido como a propriedade rural pública ou privada de área contínua e registrada em cartório. Distingue-se do conceito usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos levantamentos censitários, de estabelecimento agropecuário, que é a unidade rural de exploração econômica, que pode ser feita por proprietário ou não proprietário da terra. Em suma, imóvel é conceito de propriedade e estabelecimento, conceito de exploração econômica.

No início do século XXI, estimava-se que mais da metade do território nacional e de um milhão de agricultores não tinham suas áreas cadastradas no INCRA. Isso contribuía para a ocorrência de inúmeros conflitos fundiários, em especial nas regiões de fronteira, em que havia dúvidas e contestações jurídicas quanto à posse e propriedade da terra. Nessas regiões, milhares de posseiros exploravam áreas rurais, muitas vezes para subsistência, sem possuírem título de propriedade ou outro instrumento jurídico que lhes desse garantia sobre a terra. Ao mesmo tempo, observava-se a prática da grilagem, em que se forjavam documentos de propriedade, normalmente de grandes áreas, que na verdade seriam públicas ou devolutas ou que estavam ocupadas por posseiros. Desde 2003, visando melhorar o ordenamento territorial, desenvolve-se um programa para implantação de cadastros georreferenciados de imóveis rurais no Brasil ou para que se obtenha o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR).

A Política Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), com recursos do Fundo de Terras e Reforma Agrária, financia a compra de terra agrícola e despesas complementares para se iniciar a produção em áreas não passíveis de desapropriação. Esta política que, tradicionalmente, era executada pelo INCRA, a partir de 2016 passou a ser executada pela SEAFDA. Possui três linhas de financiamento (BRASIL/SEAFDA, 2018):

a) PNCF Social - destinada a famílias da região da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) e estados do Norte, prevendo financiamento de até R$ 140 mil para compra do imóvel e investimento em infraestrutura, mais recursos de R$ 7,5 mil para Ater, por cinco anos, com parcelas anuais de R$ 1,5 mil; prazo máximo de 25 anos, com três de carência, taxa de juros de 0,5% a.a., bônus de adimplência de 40%;

b) PNCF Mais - atende agricultores sem terra ou com pouca terra (meeiros e arrendatários assalariados, diaristas etc.) que estão nas demais regiões (S, SE, N e CO), exceto em áreas da Sudene. As condições são semelhantes às da linha anterior, exceto taxa de juros, que é de 2,5% a.a., e bônus de adimplência, de 20%;

c) PNCF Empreendedor – linha com risco bancário, cuja regulamentação será definida pelo agente financeiro que aderir a operacionalização da mesma. 

6.2.1 – Reforma Agrária e ColonizaçãoOutra importante política executada pelo INCRA é a Política Nacional da Reforma

Agrária (PNRA). Contempla arrecadação ou desapropriação de terras, seguidas de sua divisão,

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distribuição e aplicação de uma série de ações complementares para garantir a exploração econômica dos lotes e melhoria da condição de vida dos assentados. Em novembro de 2003, o Governo Federal anunciou a implementação do II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA), com a meta de se assentarem 200 mil famílias de trabalhadores sem terra por ano.

A fundamentação legal da reforma agrária é dada pela Constituição Federal de 1988 que, à semelhança ao Estatuto da Terra de 1964, assegura o direito à propriedade privada da terra, desde que cumprida sua função social, que deveria ser aferida pelo seu “aproveitamento racional e adequado”, “preservação ambiental” e “bem estar nas relações de trabalho”. A Lei 8.629/93 regulamentou os dispositivos constitucionais, em especial o “aproveitamento racional e adequado”, que passou a se medido por dois indicadores, o Grau de Utilização da Terra (GUT) e o Grau de Eficiência na Exploração (GEE) (DELGADO, 2005).

O GUT é calculado através da divisão da área efetivamente utilizada pela área explorável do imóvel. O GEE, relacionado com indicadores de produtividade, é assim obtido: divide-se a quantidade colhida de cada produto pelo índice de rendimento regional considerado adequado pelo INCRA; após, divide-se o número de unidades animais do rebanho pelo índice de lotação animal regional do INCRA e, por fim; divide-se a soma desses itens pela área efetivamente utilizada e multiplica-se por 100 (INCRA, 2007).

Corriqueiramente, a propriedade da terra é tributada através do Imposto Territorial Rural (ITR), cuja receita representa menos que 0,2% da arrecadação federal. Pode também sofrer sanção de desapropriação ao ser considerada improdutiva, por apresentar GUT menor que 80% ou GEE menor que 100%. Neste caso, a indenização governamental ao proprietário desapropriado é feita em dinheiro para as benfeitorias e através de Título de Dívida Agrária (TDA) para a terra nua. O TDA rende correção monetária mais juros de 3 a 6% a.a., tem prazo de resgate entre cinco e vinte anos, podendo ser resgatado gradativamente a partir do segundo ano, sendo permitida sua negociação em mercado secundário (INCRA/SP, 2005).

A arrecadação de terras, por sua vez, diz respeito à transformação jurídica de terras devolutas (terras públicas sem registro de imóveis) em terras para assentamentos. Neste caso, rigorosamente, está se promovendo colonização de terras e não reforma agrária, que é precedida da desapropriação.

Os passos seguintes à desapropriação ou arrecadação são: divisão da área em lotes pequenos, que sejam maiores que um módulo fiscal (com algumas exceções) e menores que quatro módulos fiscais (vide definição mais adiante), seleção de famílias beneficiadas e seu assentamento nos lotes. Por um período de tempo, os assentados deveriam ser assistidos por políticas específicas até alcançarem estágio de desenvolvimento que lhes possibilitassem maior autonomia e estabilidade. A partir daí, poderia ocorrer sua emancipação, com o recebimento do título de propriedade da terra.

Na Tabela 6.1 observa-se que até 2012 foram assentadas no Brasil 1.258.205 famílias em área de 87.892,2 mil hectares. Após 1995 há clara expansão inicial, mais do que dobrando, entre 1995 e 1998, o número de famílias assentadas. Depois de 1998, o número de famílias assentadas reduziu-se fortemente até o mínimo de 36.301, em 2003. Daí em diante, coincidindo com o anúncio do II PNRA, a área destinada a assentamentos manteve-se em patamares relativamente altos até 2009. Daí por diante, há evidente esvaziamento do número de famílias e da área destinada a assentamentos rurais no Brasil.

É importante salientar que a maior parte dos assentamentos vem sendo realizada na Região Norte36, assumindo características mais de colonização do que de reforma agrária

36 De 2003 a 2006 foram assentadas 187.724 famílias em uma área de 27,6 milhões de hectares na Região Norte, 116.817 famílias em 2,8 milhões de hectares no Nordeste e 53.321 famílias em 1,0 milhão de hectares no Centro-Oeste. Já no Sudeste 13.825 famílias foram assentadas em 281,6 mil hectares e no Sul 9.722 famílias em 106,2 mil hectares (IICA/NEAD/INCRA/MDA, 2007).

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propriamente dita e servindo como tentativa para enfrentamento da grilagem de terras devolutas e violência nas disputas pela posse da terra na fronteira agrícola.Tabela 6.1- Famílias contempladas e área de assentamentos rurais no Brasil, até 2016.

Ano Famílias Área (mil ha) Ano Famílias Área (mil ha)Até 1994 58.317 16.290.069 2006 136.358 9.402,1

1995 42.912 2.544,7 2007 67.535 5.747,11996 62.044 2.451,4 2008 70.157 4.143,21997 81.944 3.455,1 2009 55.498 4.633,81998 101.094 2.802,1 2010 39.479 1.878,01999 85.226 2.109,4 2011 22.021 1.902,92000 60.521 2.158,7 2012 23.075 322,32001 63.477 1.837,9 2013 não disp. 315,62002 43.486 2.501,3 2014 não disp. 415,42003 36.301 4.573,2 2015 não disp. 206,52004 81.254 3.511,4 2016 não disp. 27,42005 127.506 14.193,1 Total até 2012 1.258.205 87.892,2

Fonte: INCRA, 2018. Um problema recorrente nos assentamentos rurais diz respeito à sua continuidade ao

longo dos anos, dada a precariedade das condições de vida dos assentados e dificuldades de se mostrarem economicamente viáveis. Neste sentido, o INCRA procura ofertar serviços complementares, como investimentos em estradas rurais, implantação de unidades de abastecimento de água e instalação de energia elétrica e auxílio para instalação e construção de moradias. Na área educacional desenvolve-se o Programa Nacional de Educação e Reforma Agrária (Pronera), que atende especialmente as necessidades de alfabetização de jovens e adultos e do ensino fundamental, mas também permite acesso ao ensino médio e superior. Há também o Programa Nacional de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária (ATES), com objetivo de levar conhecimentos técnicos para fortalecer a produção dos assentamentos.

6.3 – Políticas para Agricultura FamiliarPara ser considerado familiar, o agricultor tem que se enquadrar nos seguintes critérios:

a) possuir, a qualquer título, área de até quatro módulos fiscais; b) utilizar, no mínimo, metade da força de trabalho familiar no processo produtivo e de geração de renda; c) auferir, no mínimo, metade da renda familiar de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;d) ser a gestão do estabelecimento ou empreendimento estritamente familiar (BRASIL/ SEAFDA, 2017). Além disso, a renda anual da família não pode ultrapassar R$ 360 mil.

O módulo fiscal citado, expresso em hectares, é definido pelo INCRA para cada município brasileiro e constitui a menor unidade de exploração agropecuária que permite o sustento de uma família37. Imóvel rural abaixo de um módulo fiscal é chamado de minifúndio, de um a quatro módulos, pequena propriedade, de quatro a 15 módulos, média propriedade e acima de 15 módulos fiscais tem-se a grande propriedade.

O reconhecimento público da condição familiar do agricultor é realizado por órgãos de ATER ou sindicados que emitem um documento chamado de Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP).

Enquanto o MAPA divulga o Plano Agrícola e Pecuário, para a agricultura familiar é divulgado o Plano Safra da Agricultura Familiar, que contém os principais programas, suas condições e previsão de recursos a serem aplicados. O programa mais importante é o Pronaf, que fornece crédito rural a diversas faixas e condições de agricultores familiares. Além disso, podem-

37 Além do módulo fiscal, existe também o módulo rural. Enquanto o primeiro diz respeito às condições médias de um município, o módulo rural é específico para determinado imóvel rural, que pode ter produtividade acima da média do município em que está situado.

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se destacar programas de comercialização, seguro rural e assistência técnica e extensão rural. O último Plano Safra divulgado foi o de 2017, para o quadriênio 2017-2020.

6.3.1 – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura FamiliarJá foi apresentada, no capítulo 5, a evolução do número de contratos e valor financiado

do Pronaf no Brasil. A Tabela 6.2 mostra sua distribuição entre as regiões brasileiras. Para o Sul foram destinados pouco mais da metade dos recursos no quadriênio 2011/2014, 9% a menos do recebido entre 1999/2012. De acordo com o Censo Agropecuário, nesta região obtinha-se 40,0% da renda bruta da agricultura familiar em 2006 (IBGE, 2009). Tabela 6.2 – Participação porcentual das regiões geográficas brasileira no valor monetário e número de contratos de créditos do Pronaf, médias quadrienais de 1999 a 2014.Ano Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Valor Contr. Valor Contr. Valor Contr. Valor Contr. Valor Contr.1999/ 2002 3,7 3,2 12,7 22,8 17,1 11,6 59,7 58,8 6,9 3,7

2003/ 2006 6,5 3,8 20,1 47,1 19,3 12,8 46,6 32,7 7,5 3,5

2007/ 2010 6,1 5,5 14,1 42,0 22,6 15,7 51,1 33,7 6,2 3,2

2011/2014 7,3 5,7 13,8 44,5 21,6 15,2 50,7 31,6 6,7 3,0

Fonte: BCB (2017).No Sudeste foi constatada tendência de crescimento na participação dos recursos do

Pronaf, que está próxima à sua participação na renda bruta da agricultura familiar de 2006, de 22,5%. Já no Nordeste, inicialmente, houve crescimento de sua participação nos recursos do Pronaf, atingindo o valor de 20,1% no quadriênio 2003/06, mas isto foi quase que integralmente revertido nos quadriênios seguintes. Esta região vem recebendo recursos do Pronaf em valor relativamente menor que sua participação na renda bruta da agricultura familiar brasileira, que foi de 22,8%, em 2006 (IBGE, 2009).

O Pronaf é executado por três bancos federais (do Brasil, do Nordeste e da Amazônia), pelo Banco Regional de Brasília e por cooperativas de crédito. Decorrente da diversidade da agricultura familiar, desde seu início, o Pronaf se subdivide em diferentes modalidades, conforme pode ser visualizado na Cartilha do Plano Safra da Agricultura Familiar 2017-2020 (BRASIL/SEAFDA, 2017, pags. 14-16). Em relação à chamada agricultura empresarial, os limites de financiamento e juros do Pronaf são menores e, em alguns casos, se prevê bônus de adimplência ou desconto de parte da parcela devida, se seu pagamento for realizado até a data prevista no contrato.

As duas linhas mais importantes do Pronaf são o Pronaf Custeio e o Pronaf Investimento (Mais Alimentos). Do primeiro, na safra de 2017/18, o agricultor familiar pode tomar emprestado até R$ 250 mil por ano, com juros, na maior parte dos casos, de 2,5% a.a., ou 5,5% a.a., para um grupo pequeno de atividades agropecuárias. No Pronaf Investimento está previsto taxa de juros de 2,5% a.a. para financiamentos até R$ 16,5 mil e de 5,5% a.a., para financiamentos até R$ 165 mil (em alguns casos R$ 330 mil).

Existe uma linha do Pronaf destinada a agricultores familiares muito pobres, chamada Microcrédito Produtivo Grupo B. Podem ser financiados pequenos investimentos de até R$ 5 mil, inclusive para atividades não agrícolas, com juros de 0,5% a.a. e bônus de adimplência entre 25% e 40%.

Para as agroindústrias, podem ser obtidos financiamentos para beneficiamento/ industrialização, bem como para investimento (instalação ou ampliação). Neste caso, os juros

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previstos são de 5,5% a.a., com limite de R$ 165 mil para agricultor familiar individual e mais altos para empreendimentos familiares rurais e cooperativas.

6.3.2 – Programas de Compras InstitucionaisEm 2003 foi criado o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), autorizando a

CONAB e outros órgãos públicos a realizarem, por um preço previamente fixado, compra direta de alimentos ou financiamentos de estoques pelos agricultores familiares em limite inicial de R$ 2.500,00 por ano por agricultor. Esse valor foi elevado, em 2006, para R$ 3.500,00 e na safra 2013/14 estava vigorando o valor de R$ 8.000,00 por ano por agricultor.

Após a aquisição, os alimentos são destinados a estoques governamentais e para programas institucionais, como a distribuição de leite no Semiárido Brasileiro, doações de cestas de alimentos ou para alimentação escolar. Os governos estaduais ou prefeituras municipais podem executar o PAA através de termos de cooperação com o Governo Federal, que lhes repassa recursos. Podem também, através da modalidade PAA Institucional, usarem recursos próprios para execução do Programa na abrangência de seus territórios. Tal iniciativa pode ser tomada também por órgãos públicos que não sejam da administração direta e comprem alimentos, por exemplo, para fornecimento de refeições a seus funcionários.

Sob o ponto de vista do agricultor familiar, o PAA pode se entendido como uma política de preço mínimo. Além do seu efeito na renda dos agricultores diretamente beneficiados, o PAA, ao permitir canal alternativo de venda, poderia servir como balizador de preços oferecidos por atacadistas e comerciantes a produtos da agricultura familiar.

Outra iniciativa direcionada à compra de produtos originários da agricultura familiar foi a aprovação da Lei 11.947/2009, que regulamenta a Política Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Ela determina, em seu Artigo 14, que no mínimo 30% dos recursos da alimentação escolar repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para estados e municípios devam ser destinados à compra de produtos da agricultura familiar, até um limite anual de R$ 20.000,00 por agricultor e por entidade executora do PNAE. Nestas compras, realizadas através de chamadas púbicas, os preços dos produtos a serem adquiridos devem ser previamente fixados e não serem objeto de disputa entre os agricultores que se propõem a serem seus fornecedores.

6.3.3 - Outros Programas para Agricultura FamiliarNa safra 2004/05 começou a vigorar o Seguro da Agricultura Familiar (SEAF) para os

créditos de custeio do Pronaf. “O SEAF garante 100% de cobertura para o financiamento do PRONAF e 65% da renda líquida esperada, em casos de secas, geadas, chuva de granizo, tromba d’água, vendaval e as geradas por doença fúngica ou praga sem método difundido de combate, controle ou profilaxia, no custeio de culturas com Zoneamento Agrícolas.” (BRASIL/MDA, 2007) O prêmio do SEAF varia de 2% a 4%, podendo ser acionado quando as perdas ultrapassarem 30% da produção esperada. Na safra 2010/11 tornou-se possível o seguro de clima para operações de investimento. “O agricultor que tem operações de investimento e realiza o plantio de culturas que se enquadram no SEAF pode segurar o valor das prestações de investimento com o pagamento de um adicional de (...) 2% sobre o valor das prestações. A adesão ao seguro de investimento é opcional”. (BRASIL/MDA, 2010)

Na safra 2006/07 passou a funcionar o Programa de Garantia de Preços para a Agricultura Familiar que objetiva a proteção contra queda de preços no período de colheita. Essa garantia deve ser acionada quando o preço de mercado, por ocasião da venda da produção, for menor que o preço de referência, definido previamente, sendo que essa diferença é descontada no pagamento do financiamento de custeio ou investimento do Pronaf. Na safra 2013/14 estavam sendo contemplados 49 produtos agropecuários com esse programa.

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Na área de assistência técnica e extensão rural, o Decreto 4.739 de junho de 2003 deliberou que sua coordenação nacional passaria a ser exercida pela Secretaria de Agricultura Familiar do MDA. A partir daí, elaboraram-se a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER), em 2004, e o Programa de Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PRONATER), em 2005, e se constituiu o Comitê de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER). Já o Decreto 25, de março de 2006 definiu a implementação e estabeleceu as diretrizes do Sistema Brasileiro Descentralizado de Assistência Técnica e Extensão Rural (SIBRATER). Por fim, em 2010 foi aprovada a Lei 12.188 que instituiu a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (PNATER) e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (PRONATER).

Previu-se que, a partir da safra 2010/2011, a contratação das entidades que prestam serviços de assistência técnica e extensão rural se daria por meio de chamada pública. Em 2003/04 foram disponibilizados R$ 46 milhões para assistência técnica e extensão rural e na safra 2013/14 estavam previstos R$ 830 milhões (BRASIL/MDA, 2013).

7 – Mudanças na Estrutura AgráriaA partir deste capítulo, a preocupação básica é abordar os principais resultados sociais e

econômicos alcançados pelo SPA de 1990 (em alguns casos, 1980) em diante, apresentando-se uma série de indicadores e analisando seus condicionantes.

Especificamente para este capítulo a análise é baseada, quase que totalmente, nos dados das últimas edições do Censo Agropecuário no Brasil, cujo levantamento fica a cargo do IBGE. O último Censo foi realizado em 2007, com base nas informações de 2006, doze anos atrás, defasagem esta que não pode ser desconsiderada.

Para caracterização da estrutura agrária brasileira são considerados os seguintes indicadores: distribuição da posse (dos estabelecimentos agropecuários) e propriedade (dos imóveis rurais) da terra, uso da terra, acesso às tecnologias e políticas públicas e nível e composição da ocupação agropecuária. De forma complementar, a análise é desagregada para as grandes regiões geográficas, com intuito de se mostrar algumas de suas diferenças.

7.1 – Estrutura FundiáriaComo já visto, a formação histórica da agricultura brasileira, de maneira geral, resultou

em altos índices de concentração da posse e propriedade da terra. A modernização tecnológica não alterou, significativamente, esses indicadores, tendo mesmo se verificado o aumento do tamanho médio de estabelecimentos agropecuários em atividades como o cultivo de grãos no Centro-Oeste e cana-de-açúcar em São Paulo.

A Tabela 7.1 apresenta indicadores da distribuição da posse da terra no Brasil, entre 1980 e 2006. Preliminarmente, pode-se comentar que a área total levantada em 1995/96 e 2006 se mostrou menor que nos Censos de 1980 e 1985, o que não deixa de surpreender diante do fato do País ainda manter fronteira agrícola que está sendo ocupada com atividade agropecuária. Sem entrar em maiores detalhes, uma parte daquela queda é atribuída às mudanças metodológicas no período base e de coleta entre as diversas edições do Censo. Tabela 7.1 – Distribuição da terra entre estabelecimentos agropecuários, Brasil, 1980 a 2006.

Indicador Ano1980 1985 1995/96 2006

No. Estabelecimento 5.151.155 5.793.004 4.859.865 5.175.636Área Total (mil ha) 364.854 374.925 353.611 333.680Área Média (ha) 70,8 64,7 72,8 64,5

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Área Mediana (ha) 9,7 8,4 10,1 9,750- (cinquoenta menos) 2,4 2,3 2,3 2,35+ (cinco mais) 69,3 69,0 68,8 69,3Índice de Gini 0,857 0,857 0,856 0,854

Fonte: HOFFMANN & GRAZIANO DA SILVA (1998), HOFFMANN & NEY (2010), IBGE (2009).Entre 1980 e 1985, o número de estabelecimentos agropecuários cresceu relativamente

mais do que a área total, com a área média diminuindo. Esse aumento se deu, basicamente, no Nordeste e esteve associado à crise econômica e grande desemprego industrial no período, o que fez com que se reduzisse e até invertesse o fluxo migratório do Nordeste para o Centro-Sul.

Por sua vez, o decréscimo no número e na área dos estabelecimentos entre 1985 e 1995/96, pelo menos em parte, está associado a problemas metodológicos. Já o acréscimo no número de estabelecimentos entre 1995/96 e 2006 pode estar captando o aumento dos assentamentos rurais e expansão de pequenas chácaras e sítios de recreio (HOFFMANN & NEY, 2010). Para esse último período, até onde se sabe, é difícil encontrar explicação para a queda na área dos estabelecimentos.

Os diversos indicadores apontam para alta concentração da posse da terra. Assim, a área média mostrou-se cerca de sete vezes superior a área mediana, fazendo com que a participação dos 50% menores estabelecimentos na área total se resumisse a 2,3% ou 2,4%. Enquanto isso, a participação dos 5% maiores era de cerca de 69,0%. O Índice de Gini38 confirma a alta concentração, mostrando-se superior a 0,85 em todo o período analisado.

Em relação às propriedades rurais podem-se usar informações cadastrais do INCRA. Em 2003, estavam cadastrados 4.238.447 imóveis rurais no Brasil, ocupando área de 420,3 milhões ha, pouco menos da metade do território nacional, com área média de 99,2 ha (DIEESE/NEAD, 2006). Dados mais recentes, de 2012, encontram-se na Tabela 7.2. Em relação a 2003, cresceu em 1,26 milhão o número de imóveis e em 185,04 milhões ha a área cadastrada. Percebe-se também que os imóveis até 50 ha eram a grande maioria em número e ocupavam pequena porcentagem da terra, enquanto os imóveis acima de 1.000 ha, ainda que representassem apenas 1,5% do número, ocupavam mais da metade da área dos imóveis. Portanto, como na posse da terra, registra-se alto índice de concentração das propriedades rurais no Brasil.Tabela 7.2 – Distribuição da terra no Brasil entre imóveis rurais de diferentes tamanhos, 2012.

Estrato de Área (ha)

Quantidade de Imóveis Área Total ÁreaMédia (ha)Número % Mil ha %

Até 10 1.874.939 34,1 8.834,6 1,5 4,710-50 2.252.028 41,0 52.771,7 8,7 23,450-100 611.745 11,1 42.414,5 7,0 69,3100-500 593.026 10,8 122.332,2 20,2 206,3500-1.000 85.436 1,6 59.425,6 9,8 695,6Mais 1.000 81.331 1,5 319.609,2 52,8 3.929,7Total 5.498.505 100,0 605.387,7 100,0 110,1

Fonte: INCRA (2013a).Dados de 2014 apontam a existência de 5.766.542 imóveis e 681,9 milhões ha de área

cadastrados junto ao INCRA, valores 5,0% e 12,6% maiores, respectivamente, do que os de 2012 (INCRA, 2018a). A área média dos imóveis, em 2016, era de 118,2 ha, portanto, dando continuidade à trajetória de crescimento verificada entre 2003 e 2012.

7.2 - Uso da TerraAo considerar-se o conceito de área trabalhada, resultado da soma da área de lavouras

permanentes e temporárias, pastagens plantadas e matas reflorestadas, observa-se, conforme Tabela 7.3, que houve melhoria do nível de utilização da terra no Brasil, entre 1980 e 2006. De 38 O Índice de Gini quando zero revela perfeita distribuição da variável, quando um indica concentração extrema.

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1980 a 1995/96 isso se deveu, basicamente, à ampliação da área com pastagens plantadas, indicando melhoria tecnológica na exploração pecuária. De 1995/96 a 2006 foi mais importante o crescimento da área com lavouras.Tabela 7.3 – Utilização da terra dos estabelecimentos agropecuários no Brasil, em milhões ha, 1980 a 2006.

Categoria Ano1980 1985 1995/96 2006

Lavouras 49,1 (13,5) 52,1 (13,9) 41,8 (11,8) 59,8 (18,1) Permanentes 10,4 9,9 7,5 11,6 Temporárias 38,6 42,2 34,3 48,2Pastagens 174,5 (47,8) 179,2 (47,8) 177,7 (50,2) 158,8 (48,1) Naturais 113,9 105,1 78,0 57,3 Plantadas 60,6 74,1 99,7 101,4Matas 88,2 (24,2) 89,0 (23,7) 94,3 (26,7) 98,5 (29,9) Naturais 83,2 83,0 88,9 94,0 Reflorestadas 5,0 6,0 5,4 4,5Área não Utilizada 33,4 (9,1) 35,2 (9,4) 24,7 (7,0) 6,8 (2,1)Área Inaproveitável 19,7 (5,4) 19,4 (5,2) 15,1 (4,2) 6,1 (1,8)Total 364,9 374,9 353,6 329,9Área Trabalhada 114,7 (31,4) 132,2 (35,3) 146,9 (41,5) 165,7 (50,2)

Fonte: IBGE (1984, 1991, 1998, 2009). Número entre parênteses indica porcentagem do total.Área Trabalhada = Área de Lavouras + Pastagens Plantadas + Matas Reflorestadas.

Tal crescimento, de fato, pode estar superestimado, posto que o registro de apenas 41,8 milhões ha de área de lavouras em 1995/96, abaixo daquela constatada nos dois censos anteriores, pode se dever ao período de coleta dos dados censitários, que levou a sua subestimativa em 1995/96.

Em 2006, 48,1% da área dos estabelecimentos agropecuários estavam ocupados com pastagens, a maior parte plantada, 18,1% com lavouras e 29,9% com matas, sendo que a grande maioria eram matas naturais. Estes dados apontam que há possibilidade de expansão da área de lavouras, sem que se aumente a área total dos estabelecimentos, ocupando novas áreas de vegetação natural, ou se reduzam suas áreas internas de matas naturais. Para tanto, seria necessário ocupar áreas de pastagens naturais ou de pastagens plantadas, mas em condições degradadas.

O aumento da produção sem provocar maiores danos ambientais, especificamente nas áreas com vegetação natural, tem sido incorporado em estratégias privadas e públicas, ainda que possa se considerar as ações e resultados alcançados insuficientes. Até 2004, o desmatamento da floresta amazônica e dos cerrados vinha crescendo. Neste ano foram desmatados 277,7 mil ha na Amazônia e 312,9 mil ha no Cerrado, valores que caíram, respectivamente, para 50,1 mil ha e 94,8 mil ha, em 2014 (BRASIL/MMA, 2018). Nos anos mais recentes, contudo, evidências iniciais indicam que o desmatamento voltou a aumentar.

7.3 – Tecnificação e Acesso a Políticas PúblicasA modernização da agricultura brasileira levou à maior incorporação de tecnologias

mecânicas e químico-biológicas. A Tabela 7.4 mostra que, entre 1980 e 1995/96, o número de tratores na agricultura brasileira aumentou em 259 mil ou 47,5%. Para efeitos comparativos, na década de 1970, quando o volume de crédito rural foi muito mais expressivo, o número de tratores havia crescido 379 mil ou 228%.Tabela 7.4 – Uso de tratores nos estabelecimentos agropecuários brasileiros, 1980 a 2006.

Indicador Ano1980 1985 1995/96 2006

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1.000 tratores 545 652 804 821Estabelecimento com trator (%) 7,0 7,2 9,5 10,2Área/trator (ha) 682 575 440 395

Fonte: IBGE (1984, 1991, 1998, 2009).Já entre 1995/96 a 2006 constatou-se pequeno aumento no número de tratores, na casa de

16 mil unidades, o que não parece condizente com as informações de venda de tratores, que se verá no capítulo 9. Embora com leve melhoria em relação a 1995/96, observa-se que, em 2006, apenas 10,2% dos estabelecimentos rurais possuíam tratores, revelando que a sua grande maioria estava excluída do uso dessa tecnologia ou dependia do seu aluguel junto a terceiros. É importante levar em conta que tratores são bens de capital ou investimento, com preços relativamente altos em face à renda de grande parte dos agricultores brasileiros.

O emprego de tecnologia químico-biológica, composta por bens de custeio, de maneira geral, se mostrou mais generalizado que a mecânica, como revela a Tabela 7.5. Não se encontrou maiores explicações para a queda no número de estabelecimentos que usavam fertilizantes (químicos, orgânicos, adubação verde) e agrotóxicos, em 2006, relativamente a 1995/96. De maneira geral, o uso de tecnologia químico/biológica estava muito longe de se generalizar entre os estabelecimentos agropecuários brasileiros.Tabela 7.5 – Proporção de estabelecimentos rurais com uso de tecnologias químico-biológicas no Brasil, 1980 a 2006.

Tipo de Tecnologia Ano1980 1985 1995/96 2006

Fertilizantes 26,1 31,6 38,2 35,5Calcário 5,4 5,8 12,0 15,8Agrotóxicos 38,4 33,5 35,3 30,0Defensivos Animais 42,6 37,4 50,3 51,1

Fonte: IBGE (1984, 1991, 1998, 2009).Em relação a outras tecnologias e acesso a políticas públicas, a Tabela 7.6 revela que a

prática de conservação de solo ampliou significativamente entre 1980 e 2006, mas ainda 2/3 dos estabelecimentos agropecuários no Brasil não a adotavam neste último ano. A porcentagem de estabelecimentos com uso de irrigação, embora tenha crescido, ainda mostrava valor muito pequeno em 2006.Tabela 7.6 – Proporção de estabelecimentos rurais com uso de tecnologias ou contemplados com políticas públicas no Brasil, 1980 a 2006.

Tipo de Tecnologia ouPolítica Pública

Ano1980 1985 1995/96 2006

Conservação do Solo 13,0 12,6 29,6 33,0Irrigação 3,6 4,1 5,9 6,3Energia Elétrica 10,4 16,9 40,0 68,1Assistência Técnica - 10,7 19,5 24,0Crédito Rural 21,0 12,6 5,3 15,1

Fonte: IBGE (1984, 1991, 1998, 2009).Entre 1980 e 2006, aumentou em mais de seis vezes a porcentagem de estabelecimentos

com uso de energia elétrica. Considerando-se dados de outra fonte (BRASIL/MME, 2010:72), fica-se sabendo que o consumo de energia elétrica pela agropecuária foi de 573 mil tep (toneladas equivalente de petróleo), em 1990, o que representava próximo a 9,5% do consumo total pelos setores econômicos. Em 1996, esse valor tinha se ampliado para 847 mil tep, 11,6% do consumo total, alcançando 1.349 mil tep, 15,1% do consumo total de energia elétrica, em 2009.

Ainda a Tabela 7.6 revela que a porcentagem de estabelecimentos rurais contemplados com assistência técnica aumentou entre 1985 e 2006, embora mostrasse valor ainda muito baixo

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nesse último ano. É importante se dizer que, enquanto em 1985, 52,7% da assistência técnica recebida eram provenientes de instituições públicas, em 2006 esse valor tinha se reduzido para 39,5%. Neste último ano, a assistência técnica também provinha do próprio estabelecimento (em 20,1% dos casos), cooperativas (18,1%), empresas integradoras (12,3%) e outras fontes (9,7%).

Acompanhando a diminuição do volume de crédito destinado à agricultura brasileira, caracterizado em capítulo anterior, observa-se forte redução na porcentagem de estabelecimentos agropecuários que usaram esse recurso entre 1980 e 1995/96. Como já visto, os anos de 1995 e 1996 foram aqueles em que se registraram os menores valores de crédito rural na década de 1990, o que deve ter subestimado esse indicador em relação ao restante da década. De 1995/96 a 2006 aumentou significativamente o número de estabelecimentos agropecuários com acesso a crédito rural, embora a grande maioria continue excluída desta política pública. Esse crescimento recente está associado à criação do Pronaf, em 1996, e à recuperação do volume de crédito rural observada na década inicial do Século XXI, conforme já comentado anteriormente.

7.4 – Ocupação AgropecuáriaOs dados da Tabela 7.7 indicam que, entre 1980 e 1985, o número de pessoas ocupadas

na agricultura brasileira cresceu 10,5%, entre 1985 e 1995/96 apresentou queda de 23,4% e, entre 1995/96 e 2006, queda menor, de 9,5%. O crescimento no primeiro quinquênio, em grande parte no Nordeste, decorreu do baixo dinamismo do setor urbano-industrial no período. Relevando a questão metodológica, de mudanças no levantamento dos dados censitários, o decréscimo da ocupação entre 1985 e 1995/96 se deveu ao não crescimento da área com lavouras e, especialmente, à continuidade da modernização tecnológica, particularmente o uso de tração mecânica.Tabela 7.7 – Crescimento relativo da ocupação agrícola, entre 1980 e 2006, grandes regiões brasileiras.

Região Crescimento Porcentual1980/1985 1985/1996 1996/2006

Norte 39,1 (24,2) (10,9)Nordeste 11,9 (21,4) (6,6)Sudeste 9,9 (27,4) (10,3)Sul 2,2 (24,7) (16,1)Centro Oeste (7,3) (18,3) (5,1)Brasil 10,5 (23,4) (9,5)Fonte: IBGE (1984, 1991, 1998, 2009). Números entre parênteses são negativos.

Para o período 1995/96 a 2006, como já visto, a área de lavouras apresentou expansão e cresceu o número de assentados, o que teria efeito positivo sobre a ocupação agrícola. Contudo, deve-se considerar que grande parte do aumento da área de lavouras se deveu à expansão do cultivo de soja, que usa poucos trabalhadores por área, e houve intensificação da colheita mecânica em culturas importantes, como cana-de-açúcar, café e algodão. No balanço, houve redução no número de pessoas ocupadas na agricultura brasileira, entre 1995/96 e 2006, embora em taxa menor do que o constatado de 1985 a 1995/96.

No caso da ocupação há outra fonte de dados, que é a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), realizada anualmente pelo IBGE39. Com base no trabalho de Balsadi (2006) podem-se analisar alguns resultados de 1992 e 2004. Em 1992, o setor primário foi responsável por 28,6% da ocupação total no Brasil, contra 22,0% da indústria e 49,4% do terciário. Estes valores, em 2004, passaram para de 21,0%, 20,9% e 58,5%, respectivamente. Ou

39 Devem-se tomar cuidados na comparação entre Censo Agropecuário e PNAD. Além desta ser amostral, o número de pessoas ocupadas na agropecuária do Censo é informado pelo responsável pelo estabelecimento rural, enquanto na PNAD são as famílias, inclusive urbanas, que informam se sua ocupação predominante é na agricultura. Outra diferença é que até 2004, a PNAD não pesquisava o Norte rural.

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seja, a ocupação agrícola apresentou grande perda de importância, a indústria pequena perda e cresceu a importância da ocupação terciária.

Os dados da PNAD de 2013 revelam que a participação da agricultura na ocupação no Brasil era de 17,2%, mantendo-se, portanto, a tendência de perda de participação na ocupação total. Enquanto isto, a indústria registrou participação de 21,7%, praticamente a mesma de 2004, e cresceu a participação na ocupação dos serviços, que atingiu 61,2% (IBGE, 2013a). Estas mudanças de participação dos setores no número de pessoas ocupadas no Brasil se assemelham ao que acontece em outras economias. Quanto às categorias de ocupação, em 2004, os Empregados representavam 28,7% das pessoas ocupadas na agricultura brasileira e os Empregadores, apenas 3,1%. Já as seguintes categorias: Trabalhador por Conta Própria, Membros não Remunerados da Família e Trabalhadores na Produção para o Próprio Consumo, que, grosso modo, constituem os agricultores familiares, tinham participação de 68,1% na ocupação agropecuária brasileira. Este número guarda proximidade com a participação de 74,4% da agricultura familiar na ocupação agrícola brasileira, apontada pelo Censo Agropecuário de 2006 (IBGE, 2009).

Em relação aos Empregados Agrícolas, observa-se pela Tabela 7.8 que a zona urbana ganhou importância em relação à zona rural como local de moradia, entre 1992 e 2004. Ao mesmo tempo, aumentou a precariedade do vínculo empregatício, com o decréscimo do número de empregados permanentes e o crescimento dos empregados temporários.Tabela 7.8 – Classificação dos Empregados Agrícolas, por local de moradia e vínculo empregatício, Brasil, 1992 e 2004.

Ano Local de Moradia Tipo de VínculoRural Urbano Permanente Temporário

1992 2.924.347 1.897.369 2.637.485 2.184.2312004 2.491.616 1.959.335 2.103.361 2.347.590

Fonte: BALSADI (2006).

7.5 – Diferenças RegionaisComo se sabe, a agricultura brasileira não é homogênea entre estabelecimentos de

diferentes tamanhos nem entre suas grandes regiões, conforme evidenciam as Tabelas 7.9 e 7.10. O Nordeste tinha grande importância no número de estabelecimentos e pessoas ocupadas e a menor área média dos estabelecimentos entre as regiões. Por sua vez, o Sul, em que a área média dos estabelecimentos também era pequena, gerava mais renda por área, seguido pela região Sudeste.

O Centro Oeste se caracterizava por ter a maior participação na área dos estabelecimentos e a menor no número de pessoas ocupadas, que na média auferem renda maior do que nas outras regiões, ainda que seus níveis de tecnificação (números de tratores e gasto com adubos) sejam relativamente baixos. Fazendo uma comparação destes dois indicadores entre as regiões, percebe-se que há maior modernização tecnológica nas agriculturas do Sul e Sudeste e menor no Norte.Tabela 7.9 - Valores absolutos e percentuais da importância das Grandes Regiões em variáveis diversas da estrutura agrária brasileira, 2006.

Região ÁreaEstab.

NúmeroEstab.

Pessoas Ocupadas

Renda Bruta

Número Tratores

GastosAdubos

Norte 55.536 476 1.656 7.760 26.868 60017% 9% 10% 5% 3% 3%

Nordeste 76.074 2.454 7.699 24.494 62.444 2.89123% 47% 46% 17% 8% 13%

Sudeste 54.938 922 3.283 47.948 256.912 6.59416% 18% 20% 33% 31% 30%

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Sul 41.781 1.006 2.920 38.081 347.008 6.05913% 19% 18% 26% 42% 27%

C. Oeste 105.351 317 1.010 27.119 127.486 6.01432% 6% 6% 19% 16% 27%

Brasil 333.680 5.176 16.567 145.401 820.718 22.158100% 100% 100% 100% 100% 100%

Fonte: IBGE (2009). Obs.: Área em mil hectares, número de estabelecimentos em mil unidades, pessoas ocupadas em mil, renda bruta e gastos com adubos em milhões de reais.Tabela 7.10 - Valores médios de variáveis diversas da estrutura agrária brasileira, Grandes Regiões do Brasil, 2006.

Região ÁreaMédia (ha)

PessoasPor Área

Renda por Pessoa R$

Renda por Área R$

Tratores por mil ha

Gastos Adubo/ha

Norte 116,7 29,8 4.687,0 139,7 0,5 10,8Nordeste 31,0 101,2 3.181,6 322,0 0,8 38,0Sudeste 59,6 59,8 14.605,1 872,8 4,7 120,0Sul 41,5 69,9 13.039,6 911,4 8,3 145,0C. Oeste 331,8 9,6 26.853,5 257,4 1,2 57,1Brasil 64,5 49,7 8.776,3 435,7 2,5 66,4Fonte: IBGE (2009).

8 – Macroeconomia, Disponibilidade de Alimentos e Desempenho AgropecuárioAo enfocar o desempenho do agronegócio e agropecuária após 1990, um ponto que

chama atenção é o aumento de sua internacionalização, relacionado com o processo de abertura comercial e importância crescente do País no comércio mundial agropecuário. Contini (2014) informa que o grau de abertura do agronegócio brasileiro - exportação/PIB setorial - passou de 3,4%, na média do quinquênio 1991-95, para 17,5%, entre 2006-10. E, como afirmado no final do capítulo 4, a participação brasileira nas exportações agropecuárias mundiais passou de 2,6%, em 1990, para 6,5%, em 2012. Dessa forma, além dos fatores de natureza interna, deve-se levar em conta aqueles ligados ao comércio internacional, na tentativa de mais bem compreender o desempenho agropecuário brasileiro no período recente.

Do lado da oferta, pode-se considerar como variáveis condicionantes desse desempenho a disponibilidade dos fatores naturais (especialmente, terra agricultável), aumento do uso de insumos modernos, novas tecnologias e ganhos de produtividade, assim como a evolução dos preços pagos pela agricultura, que influenciam o seu custo de produção.

Do lado da demanda, fatores a serem considerados são o crescimento do PIB ou Renda Nacional, os preços reais dos alimentos, elasticidade renda da demanda de produtos alimentícios e distribuição de renda, especialmente a participação dos menores rendimentos na renda nacional. Sabe-se que esta participação, entre outros fatores, é influenciada pela taxa de inflação, programas de suplementação de renda e níveis de salário e emprego.

E dado o processo de abertura comercial, ganharam importância a concorrência de outros países à produção nacional e evolução do comércio e preços internacionais. Por sua vez, o nível da taxa de câmbio ou grau de valorização da moeda nacional influencia no valor das exportações do agronegócio e preços de insumos com grande dependência à importação, como agrotóxicos e fertilizantes.

Além de sofrer influência, o desempenho do setor agrícola também causa efeitos nas variáveis macroeconômicas. Viu-se no capítulo anterior que a agropecuária, entre 1992 e 2013,

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contribuiu, proporcionalmente, menos que a indústria e serviços na geração de ocupação no Brasil. Neste capítulo será analisada a influência da agropecuária e SPA na Inflação, PIB, Balança Comercial e Disponibilidade de Alimentos no País.

8.1 – Preços do Sistema de Produção Agropecuário e Inflação BrasileiraReafirmando algo óbvio, os preços dos produtos agropecuários podem ser analisados sob

dois pontos de vista ou interesses: dos agricultores e consumidores. Para os primeiros, eles servem como indicadores da renda obtida na atividade primária. Para os consumidores, especialmente os mais pobres, os preços dos produtos primários e alimentos derivados são importantes pelos efeitos no custo de vida e poder de compra dos rendimentos recebidos.

8.1.1 – Relação de Troca AgropecuáriaPara se ter uma noção aproximada da rentabilidade das atividades agropecuárias é

comum se comparar o Índice de Preços Recebidos (IPR) com o Índice de Preços Pagos (IPP) pelos agricultores, sendo que sua divisão é chamada de Relação de Troca da Agricultura (RTA). A Fundação Getúlio Vargas (RJ), ao estimar a Relação de Trocas da Agricultura Brasileira, mede o IPR a partir dos preços e quantidades produzidas de 30 produtos agrícolas40 e o IPP através de despesas com sementes, fertilizantes, agrotóxicos, serviços, combustíveis e mão-de-obra. A evolução da RTA, para o período 2000 a 2016, é apresentada no Gráfico 8.1.Gráfico 8.1 – Relação de Troca da Agricultura, Brasil, 2000 a 2016, base 2000 = 100.

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 201680.0

90.0

100.0

110.0

120.0

130.0

140.0

150.0

160.0

RTA

Fonte: FGV, Conjuntura Econômica, diversos números.Em todo o período, a RTA cresceu 51,8%, indicando que os preços evoluíram

favoravelmente aos agricultores, como se pode ver na linha de tendência. Este comportamento favorável se fortaleceu após 2009. Em cinco anos observou-se que a RTA esteve abaixo do valor de 2000, de 2004 a 2006 e 2008 a 2009. A explicação básica para a RTA se mostrar favorável aos agricultores foi o aumento dos preços internacionais de alimentos no século XXI, o que foi reforçado a partir de 2009, quando a moeda nacional apresentou tendência de desvalorização perante ao dólar.

8.1.2 – Alimentos e InflaçãoPela sua essencialidade e efeitos sociais, é muito comum que se compare a evolução dos

preços de alimentos com a inflação como um todo. Estudo de Mendonça de Barros et al, citado

40 Os produtos são: algodão em caroço, amendoim, arroz, banana, batata inglesa, cacau, café, cana-de-açúcar, cebola, coco-da-baía, feijão, fumo, juta, laranja, malva, mamona, mandioca, milho, pimenta-do-reino, sisal, soja, tomate, trigo, boi gordo, suíno para corte, frango/galinha de corte, leite, lã, ovos e mel de abelha (FGV, 2007).

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por Farina e Nunes (2002), estimou que os preços reais de uma cesta de alimentos no varejo41 reduziram-se em média 5,2% a.a., entre 1975 e 2000. Outro estudo, de Castro e Magalhães (2006), para o período janeiro de 1986 a setembro de 1996, mostra que os preços reais da alimentação reduziram-se em mais de 30% e os de vestuário (que usa, muitas vezes, o algodão) caíram em mais de 40%, enquanto cresciam os preços da habitação, transporte e assistência à saúde. Já Farina e Nunes (2002), para o período agosto de 1994 a fevereiro de 2002, calcularam queda real de 20% no preço da alimentação como um todo e 15% na alimentação fora do lar. Ou seja, todos os estudos apontam para queda dos preços reais dos alimentos no Brasil nas últimas décadas do século XX, coincidindo com a redução de 50% dos preços reais alimentícios no mundo, entre início da década de 1960 e início do século XXI, conforme já foi visto anteriormente.

Para Mendonça de Barros et al, citado por Farina e Nunes (2002), as principais causas do barateamento dos alimentos no Brasil foram a redução das margens nos segmentos do sistema agroindustrial e da carga tributária e, especialmente, os ganhos de produtividade agropecuária, que permitiram que, mesmo com diminuição dos preços recebidos, não houvesse queda de oferta de produtos agropecuários. Já para o período de 1994 a 2002, Farina & Nunes (2002) consideram que ganhos de produtividade e redução de margens na indústria de alimentação e distribuição de alimentos (especialmente, nos supermercados) tiveram importância mais decisiva do que os acontecimentos na agropecuária na redução dos preços dos alimentos.

No presente século a situação se reverteu, como mostra o Gráfico 8.2, que compara o Índice de Preço de Alimentação e Bebidas (IPAB) com o Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE42. Observa-se que até 2006, nos dois anos iniciais, o IPAB foi maior que o IPCA, o contrário acontecendo nos quatro anos seguintes. De 2001 a 2006, enquanto o IPAB subia 50,9%, o IPCA subia 55,3%.

Contudo, de 2007 a 2016, apenas em 2009 o IPAB foi menor que o IPCA. Entre 2007 e 2016, enquanto o IPCA aumentava 82,6%, o IPAB crescia 135,4%, constituindo-se em um dos principais fatores de pressão inflacionária no Brasil. Este recente aumento real do preço da alimentação no Brasil está associado à elevação dos preços recebidos pelos agricultores brasileiros, o que, de maneira geral, não pode ser atribuído à deficiência da produção agropecuária nacional, com algumas exceções como no caso do feijão. O que de fato ocorreu foi a elevação das cotações internacionais das commodities agropecuárias, acentuada a partir de 2006, o que acaba sendo transmitido para os mercados domésticos brasileiros, dado o crescimento do nível de internacionalização de sua agricultura.

Gráfico 8.2 – Índice de Preços de Alimentação e Bebidas e Índice de Preços ao Consumidor Amplo, Brasil, 2001 a 2016.

41 Consideraram-se 17 alimentos componentes da cesta: açúcar, alface, arroz, banana, batata, café, carne bovina, carne de frango, cebola, cenoura, feijão, laranja, leite, mamão, óleo de soja, ovo e tomate.42 O IPCA é composto por nove grupos de despesas. Além de Alimentação e Bebidas, fazem parte do IPCA: Habitação, Artigos de Residência, Vestuário, Transportes, Saúde e Cuidados Pessoais, Despesas Pessoais, Educação e Comunicação.

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2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 20160

5

10

15

20

25

IPAB IPCA

Fonte: IBGE, 2018.

8.2 – Produto Interno Bruto Agropecuário e do AgronegócioNo período 1945 a 1980, a economia brasileira registrou um dos maiores crescimentos do

PIB em termos mundiais, na média acima de 7,0% a.a., sendo que a indústria tendeu a crescer em ritmo duas vezes superior ao da agricultura. Como se sabe, a década de 1980 foi de muita instabilidade e de baixo crescimento econômico, com a indústria mantendo-se praticamente estagnada e a agricultura crescendo próximo a 30%.

Já entre 1990 e 2012, a média de crescimento anual da agricultura alcançou 3,3%, superior ao da economia como um todo, que foi de 2,6%. Entre 1990 e 2000, essa diferença foi maior, com a agricultura crescendo, em média, 3,1% a.a. e a economia toda, 1,9% a.a. Entre 2001 e 2012, enquanto a agricultura se expandia a taxa de 3,5% a.a., a economia crescia 3,3% a.a. (IPEA, 2013).

Em termos históricos, em princípio, não deixa de ser surpreendente, em um período relativamente longo, de 23 anos, a agricultura crescer em ritmo mais intenso que a indústria e os serviços. Contudo, tal fato, entre outras razões, pode ser explicado pela elevação da competitividade internacional, que resultou no crescimento das exportações de produtos de origem agropecuária, em ritmo maior que o das exportações brasileiras como um todo.

É sempre interessante diferenciar o PIB Agropecuário do PIB do Agronegócio (ou SPA brasileiro). Entre 1995 a 2011, o PIB agropecuário situou-se entre 5,3% e 7,4% e o do agronegócio, entre 21,8% e 26,5% do PIB brasileiro (CEPEA, 2013).

8.3 – O Sistema de Produção Agropecuário e a Balança ComercialA abertura comercial, com reduções de barreiras tarifárias e não tarifárias, tanto nas

exportações quanto nas importações, fez com que o nível de preços internacionais e a taxa de câmbio ampliassem sua influência na determinação do saldo da Balança Comercial brasileira e do agronegócio pós 1990.

No Gráfico 8.3 observam-se fortes flutuações no saldo comercial brasileiro, com momentos de crescimento e decréscimo e, em alguns anos, valores negativos, com as importações superando as exportações. Os períodos mais desfavoráveis foram de 1995 a 1999 e 2008 a 2014, que, com alguma defasagem, coincidiram com fases de valorização da moeda nacional.Gráfico 8.3 - Saldo Balança Comercial do Brasil e do Agronegócio Brasileiro, 1990 a 2016.

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19901991

19921993

19941995

19961997

19981999

20002001

20022003

20042005

20062007

20082009

20102011

20122013

20142015

2016

-20

0

20

40

60

80

100

BrasilAgro

Bilhões $

Fonte: FGV (2013), BRASIL/MAPA (2018).Antes de analisar o saldo do agronegócio deve-se fazer uma consideração de método.

Está-se considerando o conceito usado pelo MAPA, que não incorpora exportações e importações de parte dos insumos agropecuários, em que o Brasil é deficitário, em especial, nos defensivos e fertilizantes. Além disso, agregam-se vários níveis de transformação industrial de produtos agropecuários, chegando-se, por exemplo, a calçados e vestuário. Uma estimativa alternativa do saldo do agronegócio é feita pelo Instituto de Economia Agrícola, que, entre outras diferenças, incorpora o comércio externo de insumos agropecuários43 (IEA, 2010).

Relevada essa questão, observa-se que o saldo do agronegócio foi menos afetado pelas mudanças cambiais e tendeu a apresentar constante crescimento em todo o período, mais acelerado a partir de 2000. Isto parece estar associado menos a fatores conjunturais e mais a uma questão estrutural, o aumento da competitividade externa da agricultura brasileira. Nos anos do presente século, somou-se a esta competitividade a elevação expressiva dos preços internacionais das commodities agrícolas.

Ao tomar grupos de produtos do agronegócio brasileiro, conforme estabelecido no Sistema AgroStat do MAPA, pode-se observar na Tabela 8.1 que, em 2016, 18 agrupamentos apresentaram saldos comerciais positivos, nove deles acima de US$ 1,0 bilhão e sete, negativos, apenas um acima de US$ 1,0 bilhão.

O nível de agregação desses agrupamentos deixa de revelar a importância de algumas cadeias no comércio exterior. Por exemplo, é necessário desagregar o grupo Cereais, farinhas e preparações para saber que o Brasil apresentou saldo positivo de US$ 3.246,1 milhões na cadeia do milho e negativo de US$ 1.300,1 milhões na do trigo. Entre as Carnes, os grandes destaques são a avicultura e bovinocultura, esta também predominante no agrupamento Couros, produtos de couro e peleteria. No agrupamento Sucos, o grande predomínio é do suco de laranja. Ao se desagregar os agrupamentos Hortícolas, leguminosas, raízes, tubérculos e Produtos oleaginosos (exclui a soja), se perceberia que azeitona e azeite de oliva, batata, alho e feijão tiveram saldos negativos expressivos em 2016, respectivamente de US$ 394,8 milhões, US$ 359,4 milhões, US$ 332,3 milhões e US$ 260,2 milhões.

Outro comentário é que em alguns agrupamentos tanto exportações quanto importações são expressivas. Nos Produtos florestais, o grande destaque nas exportações é a celulose e o Brasil importa alguns tipos de papel e borracha in natura. No grupo Frutas (inclui nozes e castanhas), as exportações são marcadas pelas frutas tropicais e importações pelas de clima

43 Em 2008, o IEA estimou um saldo do agronegócio de US$ 49,8 bilhões, US$ 10,2 bilhões menor que MAPA (IEA, 2010).

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temperado, como a pera. Nas Fibras e produtos têxteis predomina a cadeia da cotonicultura, com suas exportações marcadas por produtos básicos e importações por produtos têxteis processados.Tabela 8.1 – Exportação, importação e saldo comercial de agrupamentos de produtos de origem primária, em milhões de dólares, em ordem decrescente de saldo, Brasil, 2016.

Cadeia/Agrupamento Exportação Importação SaldoComplexo soja 25.418,6 163,8 25.254,8Carnes 14.210,7 393,3 13.817,4Complexo sucroalcooleiro 11.343,7 435,8 10.907,9Produtos florestais 10.239,9 1.464,8 8.775,1Café 5.471,9 61,0 5.410,9Couros, produtos de couro e peleteria 2.502,6 121,5 2.381,1Sucos 2.105,2 26,9 2.078,3Fumo e seus produtos 2.123,4 72,5 2.050,9Cereais, farinhas e preparações 4.251,7 3.133,2 1.118,5Fibras e produtos têxteis 1.685,0 705,3 979,7Demais produtos de origem vegetal 1.094,0 558,6 535,4Demais produtos de origem animal 630,1 248,0 382,1Chá, mate e especiarias 372,5 49,5 323,0Animais vivos (exceto pescados) 283,8 12,9 270,8Produtos alimentícios diversos 539,9 335,0 204,9Frutas (inclui nozes e castanhas) 852,0 736,2 115,8Produtos apícolas 96,6 0,2 96,4Cacau e seus produtos 390,0 349,0 41,0Plantas vivas e produtos de floricultura 13,2 31,7 (18,5)Rações para animais 225,1 249,3 (24,2)Bebidas 324,4 486,2 (161,7)Lácteos 167,9 658,4 (490,5)Produtos oleaginosos (exclui soja) 250,9 823,1 (572,2)Pescados 236,2 1.156,7 (920,5)Hortícolas, leguminosas, raízes, tubérculos 105,3 1.354,6 (1.249,3)Total 84.934,6 13.627,5 71.307,1Fonte: BRASIL/MAPA, 2018. Valores entre parênteses são negativos.

Outro comentário é que em alguns agrupamentos tanto exportações quanto importações são expressivas. Nos Produtos florestais, o grande destaque nas exportações é a celulose e o Brasil importa alguns tipos de papel e borracha in natura. No grupo Frutas (inclui nozes e castanhas), as exportações são marcadas pelas frutas tropicais e importações pelas de clima temperado, como a pera. Nas Fibras e produtos têxteis predomina a cadeia da cotonicultura, com suas exportações marcadas por produtos básicos e importações por produtos têxteis processados.

8.4 – Disponibilidade e Consumo de Alimentos

Viu-se no capítulo 2 que, através de informações de produção, saldo comercial, perdas e destino dos produtos agropecuários (alimentar ou não), a FAO calcula a disponibilidade média de alimentos para a população, podendo-se considerá-la como estimativa indireta do consumo de alimentos.

Para o Brasil, a disponibilidade média de alimentos passou de 2.756 Kcal/capita/dia, em 1990, para 2.879 Kpd, em 2000, alcançando 3.302 Kpd, em 2014 (FAO, 2015a). Observe-se que

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o maior crescimento se deu no presente século, em que as exportações agropecuárias brasileiras cresceram fortemente e as importações se estagnaram. Como se calcula que o consumo mínimo no Brasil deveria ficar próximo a 2.060 Kpd, a atual disponibilidade de alimentos seria mais do que suficiente para garantir quantidade de alimentos adequada a todos, se sua distribuição fosse feita de forma equitativa.

Entretanto, à semelhança da renda, o acesso a alimentos é muito concentrado no Brasil, fazendo com que importante parcela da população continue sofrendo problemas de desnutrição, ainda que em queda em relação a 1990. Nos critérios da FAO, na média do triênio 1990-92 o número de desnutridos no Brasil era de 23 milhões de pessoas ou 14,9% da população, reduzindo-se para 13 milhões de pessoas ou 6,9% da população brasileira, no triênio 2010-12 (FAO, 2012). No levantamento de 2014-2016, foi constatado que o Brasil deixou o chamado Mapa da Fome, ou seja, apresentou índices de desnutrição muito baixos (FAO, 2015)

Outra medida do consumo alimentar, esta mais direta, é obtida nos dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), do IBGE. Neste caso se levantam informações sobre gasto monetário e não monetário com refeições no e fora do domicílio e se especificam quantidades e tipos de alimentos consumidos nos domicílios44.

Comparando-se a POF de 2002-03 com a de 2008-09, as duas últimas realizadas, percebe-se que a alimentação fora de casa passou de 24,1% do total gasto com alimentação (incluindo alimentação no domicílio), em 2002-03, para 31,1%, em 2008-09. Nesta última data o gasto médio familiar com alimentação alcançou R$ 421,72, sendo R$ 290,39 com alimentação no domicílio e o restante fora do domicílio (IBGE, 2007, 2010).

Transformando-se os alimentos adquiridos para refeições no domicílio em quilocalorias, estima-se que o seu consumo médio nacional era de 1.791,3 Kpd, em 2002-03, passando para 1.610,5 Kpd, em 2008-09 (IBGE, 2007, 2010a). Nesta data, o consumo domiciliar de alimentos no meio urbano alcançava 1.536,1 Kpd e no meio rural, 1.972,8 Kpd. Não se pode concluir daí que o consumo médio de alimentos no Brasil estaria abaixo do mínimo necessário (2.060 Kpd), nem que ele venha caindo, posto que não se está contabilizando o consumo fora do domicílio, que ganhou importância entre as duas datas consideradas. Também não se pode estabelecer que o consumo de alimentos no meio rural é maior que no meio urbano, posto que o consumo fora do domicílio é mais significativo na área urbana.

Em termos qualitativos, a composição da dieta média do brasileiro, medida através da POF, tem-se mostrada adequada quanto aos macronutrientes, exceto pelo consumo excessivo de açúcar45. Contudo, está se observando aumento de consumo de lipídeos (gorduras), podendo já ter ultrapassado o valor máximo recomendado, o que não pode ser comprovado por falta de uma POF mais recente. Quanto aos micronutrientes, observam-se maiores inadequações nutricionais, podendo-se citar o excesso de consumo de sódio e a baixa ingestão de cálcio, entre outros (IBGE, 2010).

Quanto aos grupos de alimentos, seu consumo domiciliar indicava que, em 2008-09, as frutas, verduras e legumes correspondiam a apenas 2,8% das calorias totais, cerca de um terço do

44 Embora seja medida mais direta do que a da FAO, nem todo consumo de alimentos é captado pela POF. Ficam de fora, por exemplo, a alimentação escolar ou propiciada pelas empresas nos restaurantes industriais.45 “A participação relativa de macronutrientes indica que 59% das calorias totais disponíveis para consumo nos domicílios brasileiros provêm de carboidratos, 12,0% de proteínas e 29,0% de lipídios, o que evidenciaria adequação da dieta às recomendações nutricionais: entre 55% e 75% para calorias de carboidratos, entre 10% e 15% para calorias proteicas e entre 15% e 30% para calorias lipídicas. Uma proporção de mais de 50% de proteínas de origem animal (de maior valor biológico) e um teor de ácidos graxos saturados (associados a doenças cardiovasculares e ao diabetes) inferior ao limite máximo recomendado de 10% das calorias totais são igualmente evidências de adequação nutricional da disponibilidade domiciliar média de alimentos no Brasil. A única evidência de desequilíbrio vem do excesso relativo da fração de açúcares livres: 16,4% das calorias totais contra um máximo de 10% fixado pelas recomendações nutricionais.” (IBGE, 2010). Esses dados devem ser analisados com muito cuidado, posto que grupos de indivíduos podem apresentar, destoando da média, dietas muito inadequadas, para mais ou para menos.

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recomendável pela Organização Mundial de Saúde (IBGE, 2010). Também o consumo de leite se revelava baixo, especialmente entre os jovens, que consumiam grande quantidade de refrigerantes e refrescos açucarados.

Outra observação é que os alimentos tempo intensivos têm sido substituídos por os poupadores de tempo. Considerando-se POF 2002-03, Schlindwein & Kassouf (2007: pag. 458) apontam para importante mudança no padrão de consumo alimentar brasileiro nos últimos anos. “Houve uma redução na aquisição domiciliar per capita de feijão, arroz, batata, carnes e farinha de trigo, que fazem parte de uma cesta de alimentos bastante popular nos lares brasileiros, e um aumento na aquisição de alimentos prontos ou semiprontos, pães, iogurtes, refrigerantes e sucos, e alimentação fora de casa.” Entre a POF de 2002-03 e a de 2008-09, tal tendência continuou, com exceção das carnes, cujo consumo doméstico voltou a subir.

A quantidade e o tipo de alimentos consumidos refletem em indicadores do estado nutricional da população. A desnutrição infantil, medida pela deficiência de peso ou altura, registrou diminuição na POF 2008-09, dando continuidade a uma tendência observada desde os anos 1970. Atualmente, a desnutrição na infância está concentrada em famílias com baixo rendimento e é mais significativa na Região Norte. Por sua vez, a Região Nordeste apresentou grande progresso nesse quesito, sendo que seus índices de desnutrição infantil estão muito próximos aos constatados na Região Sudeste.

Por outro lado, os indicadores de sobrepeso e obesidade vêm se elevando fortemente em crianças, adolescentes e adultos. A Tabela 8.2 mostra que, em relação à população adulta, ocorreu queda no déficit de peso em mulheres e homens, de 1974-75 em diante. Já o excesso de peso e obesidade vêm crescendo continuamente entre os homens. Entre as mulheres, observa-se que, a partir de patamar inicial mais alto, o excesso de peso e obesidade cresceram, de 1974-75 a 1989, e depois se estabilizaram até 2002-03, mas voltaram a aumentar no período mais recente. Particularmente, a obesidade atingia, em 2008-09, próximo a 15% da população adulta no País, valor muito alto.Tabela 8.2 – Prevalência de déficit de peso, excesso de peso e obesidade na população com 20 ou mais anos de idade, por sexo, Brasil, 1974-75, 1989, 2002-03 e 2008-09.

Gênero - Manifestação Peso

Período1974-75 1989 2002-03 2008-09

MasculinoDéficit de Peso 7,2 3,8 2,8 1,8Excesso de Peso 18,6 29,5 41,0 50,1Obesidade 2,8 5,1 8,8 12,5FemininoDéficit de Peso 10,2 5,8 5,4 3,6Excesso de Peso 28,6 40,7 39,2 48,0Obesidade 7,8 12,8 12,7 16,9Fonte: IBGE, 2007, 2010a.

9 – Produtividade e Desempenho das Principais Atividades Agropecuárias e FlorestaisViu-se no capítulo anterior que o agronegócio brasileiro tem proporcionado saldos

comerciais crescentes a partir de 1990. Ao mesmo tempo, com exceção de alguns anos e

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produtos, não se observou, entre 1990 e 2016, crises ou problemas relevantes de abastecimento interno de produtos agropecuários, com sua disponibilidade aumentando no período.

A garantia do abastecimento interno, em parte menos significativa, se deveu à maior facilidade de importação, decorrente da abertura comercial, e que tornou possível o suprimento, por exemplo, do consumo de algodão, trigo e leite, em meados da década de 1990, quando a produção nacional mostrou-se insuficiente. Além disso, como será visto neste capítulo, ocorreram importantes ganhos de produtividade e produção das atividades agropecuárias brasileiras, após 1990, fazendo com que, de maneira geral, os crescentes saldos comerciais, especialmente no Século XXI, não comprometessem o abastecimento interno.

Por outro lado, não se deve deixar de considerar que a maior abertura comercial aumentou a influência dos preços internacionais de commodities, em crescimento na maior parte do século XXI, nos preços nacionais agropecuários e, por consequência, nos preços dos alimentos, que passaram a exercer importante pressão inflacionária, após 2007, como também se viu no capítulo anterior.

9.1 – Uso de Insumos e Produtividade AgropecuáriaO maior número e melhorias qualitativas de máquinas e equipamentos, bem como dos

chamados insumos modernos, impactam na produtividade do trabalho, terra e rebanho. O Gráfico 9.1 mostra a evolução do uso de máquinas agrícolas, fertilizantes e rações, entre 1990 e 2015, pela agricultura brasileira.Gráfico 9.1 - Índices de venda interna de máquinas agrícolas e fertilizantes e produção de rações, Brasil, 1990 a 2015.

19901992

19941996

19982000

20022004

20062008

20102012

20140

50

100

150

200

250

300

350

400

450

500

MáquinasAdubosRações

Anos

Índi

ce

Fonte: ANDA (2013), ANFAVEA (2013), BRASIL/MAPA (2007a), BRASIL/MAPA (2017a), PINAZZA et al (2001), SINDIRACOES (2013), UBABEF (2010). Máquinas são: cultivadores motorizados, tratores de rodas e esteira, colhedoras e retroescavadeiras para uso agrícola.

Em termos aproximados, pode-se dizer que as rações, saindo de um patamar de 14,8 milhões t, tiveram sua produção aumentada em torno de 4,5 vezes no período considerado, as vendas de fertilizantes, saindo de um patamar de 8,2 milhões t, cresceram entre 3,5 e 4,0 vezes. No caso de tratores, a venda de 28.204 unidades, em 1990, parece ter aumentado em torno de 2,5 a 3,0 vezes, pelo menos até 2014.

Por serem bens de investimento, que não precisam ser adquiridos todos os anos e têm custos relativamente altos, as máquinas apresentaram fortes flutuações em suas vendas, com

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quedas acentuadas em momentos de crise ou baixa dos preços agropecuários, como em 1995 e 1996, 2005 e 2006 e 2014 e 2015.

Na década de 1990, na verdade, a tendência de vendas de máquinas parece ser de estagnação, com exceção de 1994, em que houve forte crescimento em seu valor. Após 2000, a tendência de crescimento se estabeleceu, podendo-se destacar dois motivos para este desempenho. Um deles foi a criação de programas públicos de crédito para compra de máquinas, Moderfrota, em 2000, e o Pronaf Mais Alimentos, em 2008. Outro foi a elevação da área plantada e produção agropecuária observada no presente século.

Quanto aos fertilizantes e rações, as flutuações anuais em suas vendas foram bem menos intensas e, no caso das rações, o crescimento de sua produção se associou, especialmente, a expansão da avicultura de corte, ainda que não se deva desprezar o aumento de seu consumo por outras atividades pecuárias.

O aumento do uso de máquinas e insumos modernos (não apenas os considerados no Gráfico 9.1) veio acompanhado de aprimoramentos qualitativos, de diversos tipos. As sementes geneticamente melhoradas de última geração, ainda que usadas na mesma quantidade que as antigas, resultam em produção maior por área. De forma semelhante, o uso de raça de frango melhorada, resulta em consumo menor de ração e abate em menor tempo, fato potencializado pela melhoria nutricional das rações. As mudanças técnicas de máquinas e equipamentos, entre elas os controles eletrônicos e computacionais, trazem redução em seus custos horários e maior eficiência produtiva. A maior precisão na realização de tratos culturais, como o plantio em data mais apropriada, muitas vezes sequer resulta em maiores custos para os agricultores, mas traz ganhos produtivos. Ao mesmo tempo, a literatura tem destacado que a maior escolaridade e qualificação profissional e o acesso a informações técnicas pelos trabalhadores e agricultores tende a resultar em emprego mais eficiente dos fatores de produção.

Um conceito que capta os efeitos quantitativos e qualitativos dos fatores sobre a produção é a Produtividade Total dos Fatores (PTF), obtida pela divisão de um índice de produtos por um índice de insumos agropecuários. Gasques et al (2016), avaliaram a evolução temporal da PTF da agropecuária brasileira, medindo a produção através da soma da receita (produção física vezes preços) de 64 lavouras e 9 atividades pecuárias. Já o índice de insumos foi calculado usando-se as despesas com terra (fator terra), pessoal ocupado (fator trabalho), fertilizantes e defensivos e o estoque de máquinas e equipamentos (medido monetariamente), esses três últimos componentes do fator capital46. Seus resultados são registrados na Tabela 9.1.Tabela 9.1 – Taxas anuais de crescimento da Produção, de Insumos e Produtividade do Trabalho, Terra e Total dos Fatores, Brasil, 1975 a 2014.

Item Período1975-2014 1975-79 1980-89 1990-99 2000-14

Produto Agropecuário 3,83 4,35 3,38 3,02 4,51Insumos Totais 0,29 1,14 1,08 0,03 0,46Produto por Pessoa Ocupada 4,20 4,29 2,74 3,28 5,32Produto por Hectare 3,85 3,57 3,07 3,36 4,70Produtividade Total Fatores 3,53 3,18 2,28 2,98 4,03Fonte: GASQUES et al (2016).

Entre 1975-2014, o uso de insumos cresceu 0,29% a.a., contra crescimento de 3,83% a. a. do produto agropecuário, fazendo com que a PTF crescesse 3,53% a. a., revelando a pequena dependência do crescimento da agropecuária brasileira a fatores extensivos. Neste mesmo período, houve queda de 0,18% a.a. na quantidade de terras e de 0,77% a.a. no pessoal ocupado, enquanto o capital expandia-se a 1,42% a.a. (GASQUES et al, 2014). Os dados da Tabela 9.1 revelam o alto crescimento da taxa de produção/ha e o ainda maior crescimento da taxa de

46 Algumas despesas importantes foram desconsideradas, como as rações, sementes e combustíveis. Contudo, tal omissão não traz maiores vieses aos resultados, já que se mediu a evolução temporal e não um ponto da PTF.

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produção/pessoa ocupada. Ao se considerar os subperíodos, percebe-se que a taxa anual de PTF alcançou 4,03% a.a., entre 2000 e 2014.

Citando outros autores, Gasques et al (2012) mostram que o crescimento da PTF no Brasil tem sido dos mais altos do mundo47. Entre as causas do crescimento da PTF no mundo, a literatura aponta os investimentos em pesquisa e desenvolvimento, políticas de extensão rural, educação, obras de infraestrutura e programas governamentais. Para o Brasil é destacado, além da extensão rural, o papel da pesquisa agropecuária, por exemplo, no melhoramento genético vegetal e animal. Estimativas feitas por Gasques et al (2012) apontam que o aumento de 1% no gasto com pesquisa agropecuária tende a resultar em crescimento de 0,35% da PTF, em 10 anos, ao passo que o aumento de 1% nos desembolsos de crédito rural tem um impacto menor, de 0,25%.

9.2 – Desempenho de Atividades AgrícolasO Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o principal órgão encarregado

de levantamentos sistemáticos da produção agrícola no Brasil, através de três pesquisas que consideram o ano civil e não o ano safra. Uma delas é o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), que, mensalmente, renova a estimativa anual de área plantada, produção e rendimento por área de 35 culturas temporárias ou permanentes48. Outra é a Produção Agrícola Municipal (PAM), que, em levantamento anual, estima área plantada e colhida, produção, rendimento médio e valor da produção anuais de 29 culturas temporárias e 33 permanentes49. A terceira é a Pesquisa de Estoques, que levanta informações para cada semestre, sobre volume e distribuição geográfica de estoques dos seguintes produtos: algodão, arroz, café, feijão, milho, soja e trigo.

9.2.1 – Lavouras com Maior Valor da ProduçãoA Tabela 9.2 apresenta dados de área colhida e valor da produção daquelas atividades

agrícolas brasileiras que, em 2016, alcançaram valor da produção acima de R$ 2,0 bilhões e que, em conjunto, representaram 93,1% do valor total da produção das culturas levantadas pela PAM. A cultura com maior valor da produção foi a soja, com participação de 33,0% no valor da produção total, seguida pela cana-de-açúcar, com 16,3% e milho, com participação no valor da produção total de 11,9%.

Algumas olerícolas, como batata inglesa, tomate, abacaxi e uva, obtiveram alto valor da produção em áreas relativamente reduzidas, com valor da produção médio acima de R$ 20.000/ha. Ao contrário, a maioria dos grãos (soja, milho, arroz, feijão, e trigo) e o cacau registraram relativamente baixo valor da produção por área, menos que R$ 5.000/ha. A cana-de-açúcar, mandioca e algodão tiveram renda bruta entre R$ 5.000/ha e R$ 10.000/ha, enquanto no café, laranja, banana e fumo a renda bruta esteve entre R$ 10.000/ha e R$ 20.000/ha.Tabela 9.2 – Área e valor da produção de culturas agrícolas brasileiras com valor da produção acima de R$ 2,0 bilhões, em 2016.

CulturaÁrea Colhida

(ha)Valor da Produção

Mil Reais % Total Reais/ha

47 Estudo de Fuglie et al (2012) mostra que, entre 2001 e 2009, enquanto a PTF crescia a taxa anual de 2,21% nos países desenvolvidos e 2,44% nos em desenvolvimento, no Brasil ela se expandia a 4,04% ao ano.48 São elas: abacaxi, algodão arbóreo (em caroço), algodão herbáceo (em caroço), alho, amendoim, arroz, aveia, banana, batata-inglesa, cacau (em amêndoa), café (beneficiado), cana-de-açúcar, castanha de caju, cebola, centeio, cevada, coco-da-baía, feijão, fumo, guaraná, juta (fibra), laranja, maçã, malva (fibra), mamona, mandioca, milho, pimenta-do-reino, rami (fibra), sisal ou agave (fibra), soja, sorgo, tomate, trigo e uva (IBGE, 2002).49 Além das culturas da LSPA, são consideradas: batata-doce, ervilha, fava, linho (semente), melancia, melão, abacate, azeitona, borracha (látex coagulado), caqui, chá-da-índia (folha verde), dendê (coco), erva-mate (folha verde), figo, goiaba, limão, mamão, manga, maracujá, marmelo, noz (fruto seco), palmito, pera, pêssego, tangerina, tungue (fruto seco), urucum (semente) (IBGE, 2002).

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Soja 33.153.679 104.898.732 33,0 3.164Cana-de-açúcar 10.226.205 51.600.903 16,3 5.046Milho 14.958.862 37.668.722 11,9 2.518Café 1.994.761 21.360.915 6,7 10.709Mandioca 1.406.258 10.320.963 3,3 7.339Feijão 2.584.170 9.740.089 3,1 3.769Arroz 1.943.938 8.725.929 2,7 4.489Laranja 658.945 8.380.099 2,6 12.717Banana 469.711 8.313.352 2,6 17.699Algodão 996.188 6.909.528 2,2 6.936Batata inglesa 129.842 5.880.194 1,9 45.287Fumo 375.622 5.720.751 1,8 15.230Tomate 63.980 5.475.452 1,7 85.581Trigo 2.166.170 4.032.961 1,3 1.862Abacaxi 68.699 2.420.673 0,8 35.236Uva 76.997 2.127.602 0,7 27.632Cacau 720.053 2.007.079 0,6 2.787Demais 3.297.334 21.871.558 6,9 6.633Total 75.291.414 317.455.502 100,0 -Fonte: IBGE, 2018a.

9.2.2 – Produção de GrãosUm indicador bastante utilizado para medir o desempenho agrícola é a produção de

grãos, que no Brasil engloba as seguintes culturas: algodão, amendoim, arroz, aveia, canola ou colza, centeio, cevada, feijão, girassol, mamona, milho, soja, sorgo, trigo e triticale. O IBGE divulga, regularmente, sua estimativa para produção, área colhida e rendimento médio de grãos para determinado ano civil. A CONAB faz o mesmo, tomando como base o ano safra50, e a partir de seus dados foram construídos os gráficos os Gráficos 9.2 e 9.3.

Verifica-se que por praticamente 20 anos, entre 1980 e 2000, não houve maiores alterações na área plantada com grãos no Brasil, registrando-se leve queda em seu valor. Neste século, a área colhida de grãos aumentou pouco acima de 20 milhões ha, ainda que no triênio 2007/08 a 2009/10 houvesse estagnação. Por sua vez, a produção não parou de apresentar tendência de crescimento, passando de 50,2 milhões t, no triênio 1980/81 a 1982/83, para 88,6 milhões t, entre 1998/99 a 2000/01, para então mais que duplicar até o triênio 2013/14 a 2015/16.

A elevação maior da produção do que da área aponta que houve crescimento da produção de grãos por área no Brasil, de 1.270 kg/ha, no início, para 3.393 kg/ha, no final do período. Os números permitem calcular que da expansão da produção de 145,8 milhões t, entre o triênio inicial e final, 84% se deveram ao crescimento da produtividade por área e 16% ao crescimento da área colhida. Isto é um indicador de que o crescimento da produção agrícola no Brasil tem dependido muito mais da incorporação de tecnologias do que da disponibilidade de recursos naturais, em especial a terra. Gráfico 9.2 - Produção, em milhões t, e área colhida, em milhões ha, de grãos no Brasil, médias trienais entre 1980/81 e 2015/16.

50 Basicamente, a principal diferença entre a produção de grãos estimada pela CONAB e IBGE se refere à produção do trigo e outras culturas de inverno. Por exemplo, a previsão da safra de grãos do IBGE para 2016 indicava a produção de trigo neste ano, enquanto a previsão da CONAB para 2015/16 indicava a produção de trigo de 2015.

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0.0

50.0

100.0

150.0

200.0

250.0

50.2 54.867.6 61.5

75.1 76.288.6

113.0123.0

142.8

172.5

196.0

39.6 40.1 42.4 38.4 37.8 36.2 37.5 43.9 47.7 47.5 51.4 57.8

Produção

Área

Fonte: CONAB (2018). Gráfico 9.3 - Produção por área de grãos, Kg/ha, Brasil, médias trienais de 1980/81 a 2015/16.

1981/82

1984/85

1987/88

1990/91

1993/94

1996/97

1999/00

2002/03

2005/06

2008/09

2011/12

2014/15

-

500

1,000

1,500

2,000

2,500

3,000

3,500

4,000

1,270 1,371 1,595 1,600

1,988 2,107

2,360 2,573 2,583

3,007

3,351 3,393

Produção por Área

Fonte: CONAB (2018).O crescimento da produção por área tem sido observado também quando se desagregam

mais os dados, ou seja, para culturas específicas. Entre 1990 e 2012, culturas como o arroz, feijão, café e laranja tiveram sua área plantada reduzida no País, enquanto suas produções aumentavam. No caso do café, enquanto sua área caía 27% naqueles 22 anos, sua produção aumentava em 107% (IBGE, 2018).

9.2.3 – Abastecimento Interno e Inserção Externa de Produtos SelecionadosConsiderando-se os seguintes produtos: açúcar, algodão, arroz, café, feijão, mandioca,

milho, soja e trigo, Baccarin et al (2012) estimaram que, entre 2000 e 2010, todos eles tiveram taxa de aumento da produção nacional acima da população brasileira. Ao se estimar o aumento médio do consumo destes produtos, incorporando também a variação da renda nacional e a ER da demanda dos gastos com alimentação, os autores verificaram que arroz, feijão e mandioca

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tiveram um crescimento, em princípio insuficiente. Contudo, é importante se afirmar que, conforme Hoffmann (2010), a ER da demanda destes três produtos tem se mostrado negativa ou de pequeno valor.

Através do Gráfico 9.4 faz-se uma estimativa de quanto a produção nacional de alguns grãos tem se mostrado suficiente para atender o consumo nacional, desde 1990. Observa-se que, inicialmente, arroz, feijão, milho e algodão tinham sua produção interna próxima ao consumo nacional. Os quatro produtos foram afetados pela abertura comercial, mais fortemente o algodão, que em meados da década de 1990 teve sua produção nacional reduzida a pouco menos da metade do consumo nacional. Em todo o período, a tendência foi do arroz e feijão registrarem produção igual ou pouco abaixo do consumo nacional.Gráfico 9.4 – Participação porcentual da produção nacional no consumo interno de grãos selecionados, Brasil, 1990 a 2016, médias trienais.

1990/92 1993/95 1996/98 1999/01 2002/04 2005/07 2008/10 2011/13 2014/160.00

50.00

100.00

150.00

200.00

250.00

ArrozFeijãoAlgodãoMilhoTrigo

Fonte: CONAB (2018). Indicadores da Agropecuária, diversos números.No caso do algodão e milho, a produção interna no século XXI tem se mostrado superior

ao consumo nacional, levando o País a exportar ambos os produtos. As exportações de milho foram estimuladas, entre outras razões, pelo uso do cereal como matéria-prima de etanol pelos EUA, com consequente elevação de seus preços internacionais. Para o algodão, é possível que, diante da maior importação de produtos têxteis pelo Brasil, seu consumo nacional venha caindo nos últimos triênios, sobrando mais produção para exportação.

O impacto negativo inicial da abertura comercial na produção interna de algodão e a recuperação da competividade internacional da lavoura no século XXI vieram acompanhados de profundas mudanças na sua estrutura produtiva. Este produto deixou de ser uma cultura típica de agricultores familiares, com baixo nível de mecanização na colheita e muito presente no norte paranaense e em regiões paulistas, para se transformar em cultura de larga escala, totalmente mecanizada, com pequena quantidade de emprego gerada/ha, e com forte participação dos estados do Centro-Oeste e sudoeste da Bahia.

Por sua vez, a produção nacional de trigo, inicialmente, já se mostrava bem distante do consumo nacional. Este fato foi agravado com a desregulamentação setorial e pela constituição do MERCOSUL, sendo que no triênio 1999/2001 a produção nacional representou tão somente 21,9% do consumo interno. Houve melhora nos triênios posteriores, mas o Brasil está muito longe da autossuficiência do produto.

Quanto à soja e seus derivados, observa-se no Gráfico 9.5 que sempre a produção nacional foi mais que suficiente para atender o mercado interno e gerar saldos exportadores. Em

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todo o período, o excesso da produção nacional de farelo de soja destinado à exportação apresentou tendência de diminuição, em termos relativos, o mesmo acontecendo para o óleo de soja, a partir do triênio 2005/2007. Em princípio, isto não significaria algo desfavorável ao País, à medida que poderia indicar elevação do consumo nacional de farelo para atender a demanda de rações pela pecuária e o de óleo para atender o Programa Biodiesel, implantado em 2005.Gráfico 9.5 – Participação porcentual da produção nacional no consumo interno de soja e derivados, Brasil, 1990 a 2016, médias trienais.

1990/92 1993/95 1996/98 1999/01 2002/04 2005/07 2008/10 2011/13 2014/160.00

50.00

100.00

150.00

200.00

250.00

300.00

350.00

400.00

Soja GrãoSoja FareloSoja Óelo

Fonte: CONAB (2018). Indicadores da Agropecuária, diversos números.Contudo, o aumento da soja em grão dirigida à exportação indica que o Brasil perde

oportunidade de fortalecer estrutura e economicamente esta cadeia, o que ocorreria se pelo menos parte dos grãos exportados fosse, antes, transformada em farelo e óleo e, então, destinada a outros países. Para Santos et al (2016), a queda das exportações de produtos de maior valor agregado, como óleo e farelo e ampliação das exportações de soja in natura decorreram dos efeitos da Lei Kandir, do interesse da China em importação soja em grão e da prática de escalada tarifária no mercado internacional.

9.3 – Desempenho das Atividades FlorestaisOutra atividade econômica do setor primário é a exploração das florestas, naturais e

plantadas. O IBGE realiza, anualmente, a pesquisa Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (PEVS), que estima quantidade e valor da produção anuais das atividades de exploração dos recursos florestais naturais, que compõem o extrativismo vegetal, bem como da exploração de maciços florestais plantados, a silvicultura. A partir de 2014, a PEVS passou a estimar também a área plantada das atividades da silvicultura. Os produtos do extrativismo vegetal são divididos em 10 grupos: alimentícios; aromáticos, medicinais, tóxicos e corantes; borrachas; carvão vegetal, lenha e madeira em tora; oleaginosas; pinheiro brasileiro e; tanantes. Os principais produtos da silvicultura são carvão vegetal, lenha, madeira em tora para papel e celulose, madeiras em tora para outras finalidades, além de outros produtos (IBGE, 2016).

Pela Tabela 9.3, observa-se que o crescimento da exploração das atividades florestais, entre 1994 e 2016, praticamente se concentrou na silvicultura, que no último ano passou a representar mais que 3/4 do valor da produção deste agrupamento econômico, contra pouco mais de 1/4, em 1994.Tabela 9.3 – Valor dos produtos da extração vegetal e silvicultura, segundo os principais produtos, Brasil, 1994 e 2016.

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Principais ProdutosValor Produção (Mil R$) Participação (%)

1994 2016 1994 2016Total 4.143.710 18.499.546 100,0 100,0Extrativismo Vegetal 3.038.107 4.426.293 73,3 23,9 Madeiras, lenha e carvão 2.753.771 2.859.332 66,5 15,5 Alimentícios 159.882 1.123.235 3,9 6,1 Outros produtos 124.455 443.724 3,0 2,4Silvicultura 1.105.603 14.073.253 26,7 76,1 Carvão vegetal 219.300 2.467.451 5,3 13,3 Lenha 161.051 2.242.119 3,9 12,1 Madeira p/ papel e celulose 438.630 5.214.359 10,6 28,2 Madeira para outros fins 273.461 3.822.283 6,6 20,7 Outros produtos 13.161 327.041 0,3 1,8Fonte: IBGE (2016).

No extrativismo vegetal, a exploração de árvores nativas para madeiras, lenha e carvão continuava sendo, em 2016, o principal objeto de exploração econômica, mas a exploração de produtos alimentícios apresentou grande crescimento, entre 1994 e 2016, com destaque para o açaí, erva mate e castanha do Pará.

A extração de madeira natural é muito combatida por motivos ambientais, o que não impediu a diminuição da cobertura florestal no Brasil em 15,7%, entre 1990 e 2005, contra queda de 0,3% no mundo todo (BRASIL/MAPA, 2007b). A principal causa do desmatamento foi a expansão da área agropecuária e não da própria exploração da madeira. Mais recentemente, o Brasil tem conseguido reduzir o desmatamento da floresta amazônica e dos cerrados, que caiu, como já visto, de 590,6 mil ha, em 2004, para 144,9 mil ha, em 2014 (BRASIL/MMA, 2018).

Quanto à silvicultura, a Tabela 9.3 mostra que a mesma gerou R$ 14,07 bilhões, em 2016. Ela constitui importante fonte de energia, como lenha e carvão vegetal, especialmente para atividades siderúrgicas. Muito importante ainda são os usos para fabricação de celulose e papel e na construção civil e indústria moveleira (outros fins). Dos 10,02 milhões ha de maciços florestais plantados, em 2016, 7,54 milhões ha (75,2%) eram de eucalipto e 2,08 milhões ha (20,7%), de pinus (IBGE, 2016).

Conforme Tabela 9.4, o saldo comercial dos produtos florestais passou de US$ 2.625,7 milhões, no quadriênio 1997/2001, para US$ 7.981,0 milhões, em 2013/16, crescimento de 205,1%. As exportações cresceram 166,2% em todo o período e as importações também cresceram, em 79,3%, embora no último quadriênio (2013/2016) tenham se mostrado inferiores em relação ao quadriênio imediatamente anterior.Tabela 9.4 – Valor das exportações, importações e saldo comercial dos produtos florestais, Brasil, em milhões de dólares, médias quadrienais, 1997-2016.

PeríodoExportação Importação SaldoValor Índice Valor Índice Valor Índice

1997/2000 3.786,3 100,0 1.170,6 100,0 2.615,7 100,02001/2004 5.120,6 135,2 883,9 75,5 4.236,7 162,02005/2008 8.306,3 219,4 1.837,6 157,0 6.467,4 247,32009/2012 8.802,2 232,5 2.708,6 231,4 6.093,7 233,02013/2016 10.079,8 266,2 2.098,8 179,3 7.981,0 305,1

Fonte: BRASIL/MAPA, 2018.Os principais produtos de origem florestal exportados pelo Brasil têm sido celulose,

madeira e suas obras e papel, com participações respectivas de 54,4%, 27,2% e 18,3%, em 2016, nos US$ 10,2 bilhões exportados. Dos US$ 1,5 bilhão importado, destacaram-se papel

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(participação de 50,6%), borracha in natura (22,0%) e celulose (19,1%) (BRASIL/MAPA, 2018).

9.4 – Desempenho das Atividades PecuáriasO IBGE faz cinco pesquisas da pecuária brasileira. A mais abrangente é a Pesquisa

Pecuária Municipal, realizada anualmente e que estima o efetivo dos diversos rebanhos (bovinos, suínos, aves etc.) em 31 de dezembro e levanta informações da produção (quantidade produzida e preço recebido) do leite, lã, ovos de galinha e codorna, produtos da aquicultura, mel e casulos de bicho da seda. Outro levantamento é a Pesquisa de Produção de Ovos de Galinha, feita a cada trimestre e que fornece dados mensais da produção e do efetivo de galinhas poedeiras. A Pesquisa Trimestral de Abates de Animais, com coleta semelhante à anterior, fornece dados dos abates de bovinos, suínos e aves, enquanto a Pesquisa Trimestral do Leite traz informações sobre a quantidade de leite cru ou resfriado adquirida pelas empresas beneficiadoras. Já a Pesquisa Trimestral do Couro informa a quantidade de couro cru adquirida e curtida mensalmente e o estoque de couro cru no final do trimestre.

De acordo com o valor bruto da produção obtido em 2016, as cinco principais atividades pecuárias brasileiras foram bovinocultura de corte, que auferiu R$ 80,0 bilhões, avicultura de corte, R$ 51,7 bilhões, bovinocultura de leite, R$ 33,0 bilhões, suinocultura, com R$ 16,9 bilhões e avicultura de postura, que teve receita de R$ 10,3 bilhões (CONAB, 2017).

9.4.1 –Consumo de Proteínas Animais A Tabela 9.5 apresenta a evolução do consumo per capita anual das principais fontes de

proteínas animais no Brasil. O consumo de ovos mais do que dobrou no período, com aumento muito concentrado no século XXI. Já o consumo de leite apresentou crescimento de 76,8%, entre 1990 e 2015.Tabela 9.5 – Consumo per capita de fontes de proteínas animais, Brasil, anos selecionados de 1990 a 2015.

AnoCarnes (Kg) Leite

(litro)Ovos

(Unidade)Suína Frango Bovina Total1990 7,2 14,2 36,1 57,5 106,3 89,01995 9,2 23,3 39,3 71,8 122,5 101,02000 14,2 29,9 35,8 79,9 120,9 94,02005 11,4 35,5 40,1 87,0 141,2 119,62010 14,1 44,5 37,3 95,9 166,5 148,02015 15,6 45,6 33,0 94,2 187,9 191,0

Var. Tota1% 116,7 221,1 -8,6 63,8 76,8 114,6Fonte: ABPA (2017), CONAB (2008, 2013), EMBRAPA (2017).

O consumo per capita anual das três carnes consideradas passou de 57,5 Kg, em 1990, para 94,2 Kg, em 2015, aumento de 63,8%. Especificamente, o maior crescimento deu-se na carne de frango, 221,1%, superando a carne bovina, cujo consumo, praticamente, ficou estável no período, apresentando queda nos últimos cinco anos. Já o consumo da carne suína, embora com crescimento de 116,7% manteve-se em patamar de cerca de 1/3 das outras carnes.

O aumento do consumo de carne de frango tem como uma de suas prováveis causas, a valorização das chamadas carnes brancas, com menores restrições médicas, junto aos consumidores. Outra razão, possivelmente mais importante, foram o ganho de produtividade e a redução de custos da avicultura, que resultaram em crescimento da produção e redução de preços maiores que os da bovinocultura e suinocultura. Os preços recebidos pelos pecuaristas brasileiros no triênio 2003-2005 foram 43,5% menores do que os do triênio 1990-92 para carne de frango, 35,5% menores para a bovina e 34,4% menores a suína (BRASIL/MAPA, 2007a). Para um

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período mais longo, a Embrapa (2017) aponta que o Kg da carne de frango, que custava R$ 16,00, em 1974, estava custando apenas R$ 6,08, em 2017.

9.4.2 –Rebanho, Produção e ProdutividadeA Tabela 9.6 traz indicadores de evolução do rebanho e produção das três principais

atividades pecuárias brasileiras. O crescimento do rebanho e produção da avicultura mostra-se bem superior ao verificado na bovinocultura e suinocultura. A produção de carne de frango aumentou em 497,6%, entre 1990 e 2015, ao mesmo tempo em que a carne bovina cresceu 200,7% e a suína, 250,1%. O aumento da produção de leite e ovos foi menor, respectivamente, de 123,0% e 69,4%. Como se verá a seguir, enquanto parte considerável das carnes é vendida no exterior, o mesmo não acontece com leite e ovos.Tabela 9.6 – Evolução do rebanho e produção de atividades pecuárias, Brasil, 1990 a 2015, anos selecionados.

AnoBovinocultura Avicultura Suinocultura

Rebanho Carne Leite Rebanho Carne Ovos Rebanho Carne1990 147.102 2.836 14.484 546.236 2.267 2.051 33.623 1.0501995 161.228 3.707 16.474 729.531 4.050 2.359 36.062 1.4702000 169.876 3.900 19.767 842.740 5.977 2.516 31.562 2.5562005 207.157 6.346 24.621 999.041 9.348 2.773 34.064 2.7082010 209.541 8.782 30.715 1.238.913 12.312 3.247 38.957 3.2382011 212.815 8.448 32.096 1.268.209 12.863 3.394 39.307 3.3982012 211.279 8.752 32.304 1.245.269 12.645 3.474 38.796 3.4832013 211.764 9.602 34.255 1.246.638 12.663 3.614 36.744 3.4222014 212.366 9.107 35.124 1.320.749 12.946 3.732 37.930 3.6272015 215.221 8.528 34.610 1.326.453 13.547 3.768 39.795 3.676

Var. % 46,3 200,7 139,0 142,8 497,6 83,7 18,4 250,1Fonte: CONAB (2013, 2017), IBGE (2016a), PINAZZA et al (2001). Unidades: rebanhos em mil cabeças, carnes mil toneladas de frango e mil t equivalente carcaça de bovinos e suínos, leite milhões litros, ovos em milhão de dúzias.

De forma geral, o crescimento da produção dos produtos pecuários foi superior ao dos produtos agrícolas. Pelo lado da demanda, como vários estudos mostram, isto está relacionado ao fato da ER da demanda de alimentos de origem animal ser maior que os de origem vegetal.

Além disso, como na agricultura, os índices de produtividade da pecuária tiveram melhorias significativas. Basta verificar que os rebanhos de aves, bovino e suíno cresceram, entre 1990 e 2015, respectivamente, 142,8%, 46,3% e 18,4%, todos abaixo das respectivas produções pecuárias. Apenas a produção de ovos cresceu abaixo do rebanho de aves. Contudo, ao se considerar apenas o rebanho de poedeiras, observa-se que seu aumento foi de 27,2%, inferior ao aumento da produção de ovos.

9.4.3 – Participação no Comércio MundialO comércio pecuário internacional é muito influenciado por questões sanitárias.

Frequentemente, países impõem barreiras à importação em função da incidência de doenças nos rebanhos ou suposta deficiência na defesa sanitária dos países exportadores. Historicamente, o Brasil tem sido afetado por esse fato, o que não impediu, como mostra a Tabela 9.7, que se expandisse consideravelmente a importância dos saldos exportadores.Tabela 9.7 – Valor do saldo comercial e sua participação na produção interna, em mil toneladas, de carne de frango, bovina e suína, Brasil, 1990 a 2015, anos selecionados.

Ano Carne de Frango Carne Bovina Carne Suína

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Saldo % Produção Saldo % Produção Saldo % Produção1990 299 13,2 (6) 0,0 0 0,01995 429 10,6 23 0,6 31 2,12000 907 15,2 540 13,8 141 5,52005 2.762 29,5 1.871 29,5 621 22,92010 3.628 29,5 1.197 13,6 530 16,42011 3.747 29,1 1.058 12,5 505 14,92012 3.739 29,6 1.194 13,6 564 16,22013 3.888 30,7 1.459 15,2 501 14,62014 3.992 30,8 1.484 16,3 475 13,12015 4.221 31,4 1.314 15,4 526 14,3

Fonte: CONAB (2008, 2013, 2017), IBGE (2016a), PINAZZA et al (2001).Para a carne suína, no final do período analisado, o comércio externo representava

próximo a 14% da produção interna, para a carne de frango, próximo a 31%, e para a carne bovina, próximo a 15%, depois de atingir 29,5%, em 2007.

No caso de ovos de galinha, o mercado externo não tem se revelado importante. Em 2006, as exportações representaram 1,4% da produção nacional, em 2008, 3,5% e, em 2016, esse valor caiu, não passando de 0,4% (ABPA, 2017; BRASIL/MAPA, 2010b).

No mercado de leite e derivados, o Brasil chegou a ser o terceiro importador mundial na década de 1990. Como mostra a Tabela 9.8, essa situação tendeu a se reverter até meados da década de 2000, com obtenção de pequeno saldo comercial positivo. Contudo, os anos mais recentes passaram a mostrar saldos negativos novamente, ainda que de pequena expressão.Tabela 9.8 – Comércio externo da cadeia leiteira, milhões de dólares, Brasil, 1997 a 2015, anos selecionados.

Ano Exportação Importação Saldo Comercial1997 10,7 459,2 (448,5)2000 15,5 376,3 (360,8)2005 150,6 121,3 29,32010 156,5 336,1 (179,7)2011 121,8 616,1 (494,3)2012 119,6 638,3 (518,9)2013 117,0 595,2 (478,2)2014 345,4 448,1 (102,7)2015 319,2 419,3 (100,1)

Fonte: BRASIL/MAPA (2018).

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