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Quinta-feira, 24 de outubro de 2013 | F1 Especial Resíduos urbanos Exemplo de Severino Lima ilustra a força da atividade de catador em Natal F4 Programas capacitam trabalhadores para mercado formal Cadeia de valor P arcerias público privadas (PPPs) podem ser uma das bases para solucionar um problema socioambiental comum aos países da América Latina, o mercado informal de resíduos sólidos, que envolve, apenas no vácuo da coleta sele- tiva de lixo escassamente reali- zada pelo poder público, um exército de 4 milhões de catado- res que, na grande maioria, tra- balham em condições precá- rias. É esse o caminho por onde seguem, com bons resultados em algumas experiências, pro- jetos que contemplam três fren- tes: organização dos trabalha- dores em associações, mudan- ças na legislação que ajudem a formalizar a rede de coleta e triagem dos materiais, e estímu- los ao mercado, para inserir a atividade dos catadores na ca- deia de valor da reciclagem. Em torno dessas questões or- bitaram os debates das reuniões anual da Aliança Global para a Reciclagem e Desenvolvimento Sustentável (Garsd) e do tercei- ro conselho consultivo da Ini- ciativa Regional para a Recicla- gem Inclusiva (IRR), segunda e terça-feira, em Washington, na sede do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), um Sergio Lamucci De Washington O avanço nos programas de re- ciclagem com a participação de ca- tadores caminha hoje com dinhei- ro e apoio do setor público, das empresas e de instituições multila- terais como o Banco Interamerica- no de Desenvolvimento (BID). Essa combinação de recursos e esforços ajuda a capacitar os trabalhadores, facilitar a sua organização em coo- perativas e contribui para que en- trem de modo formal na cadeia de reciclagem de resíduos sólidos. Em meados deste ano, teve iní- cio a terceira etapa do programa do governo federal chamado Cata- FOTOS: KEVIN WOLF/AP dos parceiros das ações, ao lado da Fundação Avina, do Fomin (fundo multilateral de investi- mentos do BID) e da Coca-Cola. “Os problemas do desenvolvi- mento são muito complexos e so- mente o governo, o banco ou o se- tor privado, sozinhos, não conse- guem resolver”, diz Fernando Ji- ménez-Ontiveros, vice-diretor do Fomin, que em 20 anos de opera- ção soma 1700 projetos apoiados em diferentes áreas. No campo dos resíduos sólidos, reforçado há dois anos com a IRR, ele defen- de a busca de modelos de negó- cios sustentáveis, “rentáveis não somente para os beneficiários, os catadores, mas para toda a ca- deia, inclusive para as finanças públicas, com o pagamento de impostos a partir da formaliza- ção da atividade”. A escolha de parceiros que aju- dem a multiplicar os projetos é estratégica. “Nesse tema, apren- demos que é importante traba- lhar primeiro com uma grande corporação, que pode atrair em- presas da cadeia de valor. Ao mes- mo tempo, se tivermos sucesso na iniciativa, é muito mais fácil con- vencer outras corporações”, diz Ontiveros. “A Coca-Cola é um par- ceiro fundamental precisamente para influir na cadeia de valor.” Mas a presença de uma multi- nacional também pode provocar resistências. Aí entra em cena a participação da sociedade civil, no caso a Fundação Avina e o pró- prio BID. “Isso dá uma tranquili- dade para esses coletivos que às vezes podem achar que existe problema na correlação de for- ças”, analisa Ontiveros. Para a fabricante de bebidas, a adesão à iniciativa, traduzida por apoio operacional e por parte dos US$ 8,4 milhões disponíveis para os três anos de operação inicial da IRR, está inserida nas metas so- cioambientais fixadas para 2020. Ao lado de objetivos como zerar a pegada hídrica da produção, a companhia quer avançar na sus- tentabilidade das embalagens, explica Rafael Fernández, vice- presidente de assuntos governa- mentais e comunicação da Coca- Cola na América Latina. “Acredi- tamos que podemos promover uma mudança positiva nas co- munidades e apoiamos concreta- mente essa mudança com os ca- tadores”, diz. O apoio a IRR é com- plementado por ações locais na área de resíduos. Um estudo feito pela Accentu- re em 15 países da região mostra a complexidade da tarefa. Não existem números oficiais confiá- veis, nem transparência em rela- ção a preços, diz Manuel Torres, executivo sênior da consultoria. “A captura de valor por parte dos atravessadores chega a 200% do preço pago aos catadores”, afir- ma. No retrato traçado — com as dimensões de regulação, organi- zação e mercado — o Brasil está na liderança. Não se trata de um ranking, mas de desempenho em determinados indicadores, res- salva o executivo. Na outra ponta estão Haiti, Nicarágua e Paraguai. A responsabilidade comparti- lhada pelos resíduos pós-consu- mo, introduzida pela Política Na- cional de Resíduos Sólidos (PNRS), é um diferencial impor- tante para o Brasil, citado como exemplo de sucesso em vários de- bates. Governos, empresas e cida- dãos devem ser envolvidos no processo de coleta, tratamento e reciclagem da fração seca do lixo. O azeite da engrenagem é a ga- rantia de compra, pela indústria, do material. Para Vitor Bicca, pre- sidente do Compromisso Empre- sarial pela Reciclagem (Cempre), pioneiro da aliança global de re- ciclagem (Garsd), esse é um pon- to fundamental na proposta que a entidade, junto com 22 associa- ções, apresentou ao governo no contexto de acordos setoriais pa- ra a logística reversa de embala- gens da PNRS. “Mesmo o modelo informal tem tido sucesso no país”, diz Bicca, citando estudo da consultoria LCA encomendado pelo Cempre que aponta taxa mé- dia de 65,3% de recuperação de embalagens descartadas. A cor- rente oficial não assegura que o material chegue ao reciclador, afirma. “No Brasil existem 800 ci- dades com coleta seletiva e é esse modelo complementar que pre- cisamos reforçar, com garantia de compra de matérias-primas para embalagem pela indústria.” É preciso, porém, ampliar o al- cance das iniciativas, avalia Hora- cio Terraza, especialista em água e saneamento do BID. Bons exem- plos precisam ser replicados. A si- tuação requer, diz, capacidade técnica e um sistema de tarifas para os resíduos recicláveis. Os projetos do Fomin são uma das facetas do trabalho do BID na área de resíduos sólidos, cujo portfólio de investimentos no campo soma US$ 305 milhões, traduzidos por empréstimos a se- te países. Estão em espera para aprovação US$ 401 milhões a se- rem alocados em outros seis paí- ses. Os projetos em cooperativas atingem US$ 10 milhões, em 11 nações, informa Terraza. forte — Negócios Sustentáveis em Redes Solidárias, para investir R$ 200 milhões em empreendi- mentos de catadores de materiais recicláveis. Segundo a coordena- dora do Comitê Interministerial de Inclusão Social e Econômica dos Catadores de Materiais Reci- cláveis da Secretaria-geral da Presi- dência da República, Daniela Go- mes Mettello, do total de recursos, R$ 30 milhões devem ser desem- bolsados em 2013 ano e R$ 100 mi- lhões no ano que vem. O objetivo do projeto é ajudar a estruturar re- des de cooperativas e associações para que possam prestar serviços de coleta seletiva para prefeituras, atuem no mercado de logística re- versa e na comercialização e bene- ficiamento de recicláveis. O presidente do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), Vitor Bicca, diz que o segmento depende menos de apoio financeiro do que há alguns anos. Nota que a inclusão dos cata- dores é política do governo, mas que há diferentes níveis de organi- zação das cooperativas. “Há algu- mas que já têm oportunidades de trabalhar dentro da cadeira pro- dutiva, enquanto outras ainda es- tão no começo dela, coletando ma- teriais recicláveis”. Bicca e Daniela participaram do evento sobre reci- clagem promovido pelo BID. Nesse cenário, há necessidade de iniciativas como as realizadas pelo governo para que os catado- res e as suas cooperativas ganhem independência. Bicca observa que ainda há muitos lixões no Brasil, e um grande desafio será capacitar os catadores que trabalham neles. Parte desses trabalhadores deverá se integrar a cooperativas e ser ab- sorvida pela seleta coletiva, en- quanto outros partirão para ou- tras funções. Segundo Daniela, ainda existem 2 mil lixões no país, que devem ser fechados até agosto de 2014, de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos. O apoio das empresas ocorre por meio da capacitação e infraes- trutura das organizações, com equipamentos e com gestão, e oportunidades de contratos de fornecimento de material, diz Bic- ca. “ As cooperativas podem ser os braços das empresas na coleta do material”. As organizações de cata- dores, nesse quadro, fazem parte do trabalho que normalmente se- ria feito pelo governo local na cole- ta seletiva. Hoje, dos mais de 5.500 municípios do Brasil, cerca de 800 realizam coleta seletiva, segundo dados do Cempre. A importância de garantir a in- clusão dos catadores está foco da ação do Fundo Multilateral de In- vestimento (Fomin) do BID. Desde 2008, o Fomin aprovou 19 opera- ções em 15 países, num total de US$ 14 milhões, dos quais US$ 5 milhões foram para o Brasil, como o projeto Catação. No centro das preocupações da instituição, está a melhora de renda e qualidade de vida dos catadores e de suas comu- nidades. Segundo a especialista- sênior do Fomin, Estrella Peinado- Vara, o fundo trabalha com o setor público e o setor privado, enfatiza ela. Os projetos financiados são de pequeno porte, para que possam ser replicados e ganhem escala. A questão econômica também importa. Segundo Bicca, o Brasil perde R$ 8 bilhões por ano por deixar de reciclar resíduos reci- cláveis encaminhados para ater- ros sanitários e lixões. Reunião na sede do BID discute modelo de coleta sustentável que beneficie os catadores. Por Célia Rosemblum , de Washington No Brasil existem 800 cidades com coleta seletiva e é esse modelo complementar que precisamos reforçar Victor Bicca Os problemas do desenvolvimento são complexos e somente o governo e o setor privado não conseguem resolvê-los Fernando Jimenez-Ontiveros Hoje há muitas entre as grandes cidades que já convivem com o esgotamento de espaço nos aterros sanitários Horacio Terraza

desenvolvimento são complexos e modelo complementar que ...file.abiplast.org.br/download/valor__especial_residuos_urbanos.pdf · da atividade de catador em Natal F4 Programas capacitam

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Page 1: desenvolvimento são complexos e modelo complementar que ...file.abiplast.org.br/download/valor__especial_residuos_urbanos.pdf · da atividade de catador em Natal F4 Programas capacitam

Jornal Valor --- Página 1 da edição "24/10/2013 1a CAD F" ---- Impressa por edazevedo às 23/10/2013@15:44:23

Enxerto

Jornal Valor Econômico - CAD F - ESPECIAIS - 24/10/2013 (15:44) - Página 1- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW

Quinta-feira, 24 de outubro de 2013 | F1

Es p e c i a lResíduos urbanos

Exemplo de SeverinoLima ilustra a forçada atividade decatador em Natal F4

Programas capacitam trabalhadores para mercado formal

Cadeia de valorP arcerias público privadas

(PPPs) podem ser umadas bases para solucionar

um problema socioambientalcomum aos países da AméricaLatina, o mercado informal deresíduos sólidos, que envolve,apenas no vácuo da coleta sele-tiva de lixo escassamente reali-zada pelo poder público, umexército de 4 milhões de catado-res que, na grande maioria, tra-balham em condições precá-rias. É esse o caminho por ondeseguem, com bons resultadosem algumas experiências, pro-jetos que contemplam três fren-tes: organização dos trabalha-dores em associações, mudan-ças na legislação que ajudem aformalizar a rede de coleta etriagem dos materiais, e estímu-los ao mercado, para inserir aatividade dos catadores na ca-deia de valor da reciclagem.

Em torno dessas questões or-bitaram os debates das reuniõesanual da Aliança Global para aReciclagem e DesenvolvimentoSustentável (Garsd) e do tercei-ro conselho consultivo da Ini-ciativa Regional para a Recicla-gem Inclusiva (IRR), segunda eterça-feira, em Washington, nasede do Banco Interamericanode Desenvolvimento (BID), um

Sergio LamucciDe Washington

O avanço nos programas de re-ciclagem com a participação de ca-tadores caminha hoje com dinhei-ro e apoio do setor público, dasempresas e de instituições multila-terais como o Banco Interamerica-no de Desenvolvimento (BID). Essacombinação de recursos e esforçosajuda a capacitar os trabalhadores,facilitar a sua organização em coo-perativas e contribui para que en-trem de modo formal na cadeia dereciclagem de resíduos sólidos.

Em meados deste ano, teve iní-cio a terceira etapa do programado governo federal chamado Cata-

FOTOS: KEVIN WOLF/AP

dos parceiros das ações, ao ladoda Fundação Avina, do Fomin(fundo multilateral de investi-mentos do BID) e da Coca-Cola.

“Os problemas do desenvolvi-mento são muito complexos e so-mente o governo, o banco ou o se-tor privado, sozinhos, não conse-guem resolver”, diz Fernando Ji-ménez-Ontiveros, vice-diretor doFomin, que em 20 anos de opera-ção soma 1700 projetos apoiadosem diferentes áreas. No campodos resíduos sólidos, reforçadohá dois anos com a IRR, ele defen-de a busca de modelos de negó-cios sustentáveis, “rentáveis nãosomente para os beneficiários, oscatadores, mas para toda a ca-deia, inclusive para as finançaspúblicas, com o pagamento deimpostos a partir da formaliza-ção da atividade”.

A escolha de parceiros que aju-dem a multiplicar os projetos éestratégica. “Nesse tema, apren-demos que é importante traba-lhar primeiro com uma grandecorporação, que pode atrair em-presas da cadeia de valor. Ao mes-mo tempo, se tivermos sucesso nainiciativa, é muito mais fácil con-vencer outras corporações”, dizOntiveros. “A Coca-Cola é um par-ceiro fundamental precisamentepara influir na cadeia de valor.”

Mas a presença de uma multi-nacional também pode provocarresistências. Aí entra em cena aparticipação da sociedade civil,no caso a Fundação Avina e o pró-prio BID. “Isso dá uma tranquili-dade para esses coletivos que àsvezes podem achar que existeproblema na correlação de for-ças”, analisa Ontiveros.

Para a fabricante de bebidas, aadesão à iniciativa, traduzida porapoio operacional e por parte dosUS$ 8,4 milhões disponíveis paraos três anos de operação inicial daIRR, está inserida nas metas so-cioambientais fixadas para 2020.Ao lado de objetivos como zerar apegada hídrica da produção, acompanhia quer avançar na sus-tentabilidade das embalagens,explica Rafael Fernández, vice-presidente de assuntos governa-mentais e comunicação da Coca-Cola na América Latina. “Acredi -tamos que podemos promoveruma mudança positiva nas co-munidades e apoiamos concreta-mente essa mudança com os ca-tadores”, diz. O apoio a IRR é com-plementado por ações locais naárea de resíduos.

Um estudo feito pela Accentu -re em 15 países da região mostraa complexidade da tarefa. Nãoexistem números oficiais confiá-

veis, nem transparência em rela-ção a preços, diz Manuel Torres,executivo sênior da consultoria.“A captura de valor por parte dosatravessadores chega a 200% dopreço pago aos catadores”, afir-ma. No retrato traçado — com asdimensões de regulação, organi-zação e mercado — o Brasil estána liderança. Não se trata de umranking, mas de desempenho emdeterminados indicadores, res-salva o executivo. Na outra pontaestão Haiti, Nicarágua e Paraguai.

A responsabilidade comparti-lhada pelos resíduos pós-consu-mo, introduzida pela Política Na-cional de Resíduos Sólidos(PNRS), é um diferencial impor-tante para o Brasil, citado comoexemplo de sucesso em vários de-bates. Governos, empresas e cida-dãos devem ser envolvidos noprocesso de coleta, tratamento ereciclagem da fração seca do lixo.

O azeite da engrenagem é a ga-rantia de compra, pela indústria,do material. Para Vitor Bicca, pre-sidente do Compromisso Empre-sarial pela Reciclagem (Cempre),pioneiro da aliança global de re-ciclagem (Garsd), esse é um pon-to fundamental na proposta quea entidade, junto com 22 associa-ções, apresentou ao governo nocontexto de acordos setoriais pa-

ra a logística reversa de embala-gens da PNRS. “Mesmo o modeloinformal tem tido sucesso nopaís”, diz Bicca, citando estudo daconsultoria LCA encomendadopelo Cempre que aponta taxa mé-dia de 65,3% de recuperação deembalagens descartadas. A cor-rente oficial não assegura que omaterial chegue ao reciclador,afirma. “No Brasil existem 800 ci-dades com coleta seletiva e é essemodelo complementar que pre-cisamos reforçar, com garantia decompra de matérias-primas paraembalagem pela indústria.”

É preciso, porém, ampliar o al-cance das iniciativas, avalia Hora-cio Terraza, especialista em água esaneamento do BID. Bons exem-plos precisam ser replicados. A si-tuação requer, diz, capacidadetécnica e um sistema de tarifaspara os resíduos recicláveis.

Os projetos do Fomin são umadas facetas do trabalho do BID naárea de resíduos sólidos, cujoportfólio de investimentos nocampo soma US$ 305 milhões,traduzidos por empréstimos a se-te países. Estão em espera paraaprovação US$ 401 milhões a se-rem alocados em outros seis paí-ses. Os projetos em cooperativasatingem US$ 10 milhões, em 11nações, informa Terraza.

forte — Negócios Sustentáveis emRedes Solidárias, para investirR$ 200 milhões em empreendi-mentos de catadores de materiaisrecicláveis. Segundo a coordena-dora do Comitê Interministerialde Inclusão Social e Econômicados Catadores de Materiais Reci-cláveis da Secretaria-geral da Presi-dência da República, Daniela Go-mes Mettello, do total de recursos,R$ 30 milhões devem ser desem-bolsados em 2013 ano e R$ 100 mi-lhões no ano que vem. O objetivodo projeto é ajudar a estruturar re-des de cooperativas e associaçõespara que possam prestar serviçosde coleta seletiva para prefeituras,atuem no mercado de logística re-

versa e na comercialização e bene-ficiamento de recicláveis.

O presidente do CompromissoEmpresarial para a Reciclagem(Cempre), Vitor Bicca, diz que osegmento depende menos deapoio financeiro do que há algunsanos. Nota que a inclusão dos cata-dores é política do governo, masque há diferentes níveis de organi-zação das cooperativas. “Há algu-mas que já têm oportunidades detrabalhar dentro da cadeira pro-dutiva, enquanto outras ainda es-tão no começo dela, coletando ma-teriais recicláveis”. Bicca e Danielaparticiparam do evento sobre reci-clagem promovido pelo BID.

Nesse cenário, há necessidade

de iniciativas como as realizadaspelo governo para que os catado-res e as suas cooperativas ganhemindependência. Bicca observa queainda há muitos lixões no Brasil, eum grande desafio será capacitaros catadores que trabalham neles.Parte desses trabalhadores deveráse integrar a cooperativas e ser ab-sorvida pela seleta coletiva, en-quanto outros partirão para ou-tras funções. Segundo Daniela,ainda existem 2 mil lixões no país,que devem ser fechados até agostode 2014, de acordo com a PolíticaNacional de Resíduos Sólidos.

O apoio das empresas ocorrepor meio da capacitação e infraes-trutura das organizações, com

equipamentos e com gestão, eoportunidades de contratos defornecimento de material, diz Bic-ca. “ As cooperativas podem ser osbraços das empresas na coleta domaterial”. As organizações de cata-dores, nesse quadro, fazem partedo trabalho que normalmente se-ria feito pelo governo local na cole-ta seletiva. Hoje, dos mais de 5.500municípios do Brasil, cerca de 800realizam coleta seletiva, segundodados do Cempre.

A importância de garantir a in-clusão dos catadores está foco daação do Fundo Multilateral de In-vestimento (Fomin) do BID. Desde2008, o Fomin aprovou 19 opera-ções em 15 países, num total de

US$ 14 milhões, dos quais US$ 5milhões foram para o Brasil, comoo projeto Catação. No centro daspreocupações da instituição, está amelhora de renda e qualidade devida dos catadores e de suas comu-nidades. Segundo a especialista-sênior do Fomin, Estrella Peinado-Vara, o fundo trabalha com o setorpúblico e o setor privado, enfatizaela. Os projetos financiados são depequeno porte, para que possamser replicados e ganhem escala.

A questão econômica tambémimporta. Segundo Bicca, o Brasilperde R$ 8 bilhões por ano pordeixar de reciclar resíduos reci-cláveis encaminhados para ater-ros sanitários e lixões.

Reunião nasede do BIDd i s c u temodelo dec o l et as u ste n t á ve lque beneficieos catadores.Por CéliaRo s e m b l u m ,deWa s h i n g to n

No Brasil existem 800cidades com coleta seletiva e é essemodelo complementar queprecisamos reforçarVictor Bicca

Os problemas dodesenvolvimento são complexos esomente o governo e o setor privadonão conseguem resolvê-losFernando Jimenez-Ontiveros

Hoje há muitas entre asgrandes cidades que já convivemcom o esgotamento de espaço nosaterros sanitáriosHoracio Terraza

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Jornal Valor --- Página 2 da edição "24/10/2013 1a CAD F" ---- Impressa por edazevedo às 23/10/2013@15:45:48

F2 | Valor | Quinta-feira, 24 de outubro de 20 1 3

Enxerto

Jornal Valor Econômico - CAD F - ESPECIAIS - 24/10/2013 (15:45) - Página 2- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW

Especial | Resíduos urbanos

Fontes: Cempre Review com dados IPEA, CEMPRE/Ciclosoft, IBGE, SNIS, LCA consultores, Banco Mundial

Lata cheiaIndicadores de geração, coleta e triagem de lixo

Os materiais mais descartados

População urbana (IBGE) (mil habitantes)

Número de cooperativas

Número de catadores em cooperativas

Total de resíduos sólidos coletados (toneladas/dia)

Fração seca reciclável (% total)

Fração molhada e outros (% total)

Triagem/Recuperação (fração seca) (t/dia)

Cooperativas

Outros canais de triagem

Percentual de triagem/recuperação total

165.018

1.175

30.390

173.703

31,9%

68,1%

14.909

2.329

12.580

26,9%

Perfil da triagem (2012) Geração per capita de resíduos no Brasil e no mundo - em quantidade (kg/dia)

0,6%

Alumínio

2,3%

Aço

2,4%

Vidro

13,1%

Papel,

papelão e

longa-vida

13,5%

Plástico

16,7%

Outros

51,4%

Matéria

orgânica

50

100

150

200

250

Evolução da média de custosda coleta seletiva (US$/t)

1994

240

702002 2012

212

OCDE

2,2

América Latina

1,1

1,11,1

1,03

Brasil

Europa e Ásia Central

África

0,65

Oriente médioSul asiático

0,45

Ásia oriental

0,95

Coleta Parceria entre empresas ajuda a reciclar 20%dos resíduos gerados na cidade de São Paulo

Entrega voluntáriaem ponto do varejoganha mais volume

KEVIN WOLF/AP

Fernando Von Zuben, diretor da Tetra Pak: “Com o aval do governo, as empresas vão se movimentar ainda mais”

Andrea VialliPara o Valor, de São Paulo

Convencer o consumidor a levarpara um supermercado o lixo reci-clável que acumulou em casa pare-cia uma ideia fadada ao insucesso,até bem pouco tempo atrás. Afinal,com o hábito de separar o lixo emcasa ainda pouco difundido entreos brasileiros, quem se daria a essetrabalho? Doze anos mais tarde, aaposta da rede varejista Pão deAçúcar em parceria com a fabri-cante de produtos de consumoUnilever de oferecer espaços naslojas para o descarte do materialreciclável se revelou certeira. E co-leciona números de envergadura:desde 2001, são 71 mil toneladasde materiais recolhidos e destina-dos a 38 cooperativas de recicla-gem. Só na cidade de São Paulo,20% do lixo reciclável que chega àscooperativas de catadores têm co-mo origem as lojas da rede varejis-ta que oferecem esse serviço.

O projeto começou em 2001,com 12 lojas em São Paulo ofere-cendo locais para que o consumi-dor descartasse resíduos comoplástico, papel, metal e vidro. Hojesão 126 lojas da bandeira Pão deAçúcar e outras 126 da bandeiraExtra, que passaram a oferecer ospontos de entrega voluntária em2007 — neste caso a indústria par-ceira é a P&G. Somando as duasbandeiras, o total de materiais re-colhidos chega a 82 mil toneladas.

“O volume recolhido nas lojasaumenta em média entre 15% e20% a cada ano, e mostra a crescen-te preocupação dos clientes com ar e c i c l a g e m”, afirma Antônio Salva-dor, vice-presidente de sustentabi-lidade do Pão de Açúcar. Outro be-nefício do programa é de carátersocial: a venda dos resíduos nas co-operativas gera 1,7 mil postos detrabalho diretos e beneficia 6,9 milpessoas indiretamente, segundoas empresas.

Os custos do programa, que in-

cluem a contratação de empresaspara realizar a logística dos resí-duos e o controle mensal dos volu-mes coletados, são divididos entreo varejista e as duas indústrias par-ceiras. O valor do investimentonão é revelado, mas, segundo asempresas, garante retorno emimagem e reputação. Segundo Sal-vador, esse perfil de consumidor —bem informado e atento a ques-tões ambientais e sociais — é cadavez mais presente nas lojas, apon-tam as pesquisas internas do gru-po varejista.

Para as empresas, a iniciativa foium primeiro passo para atender àsexigências com a Lei 12.305/10, daPolítica Nacional de Resíduos Sóli-dos, que prevê a responsabilidadecompartilhada — indústria, varejo,consumidores — para dar destina-ção final aos resíduos. “O consumi-dor já tem ciência do seu papelnessa cadeia, mas nem sempre eleé atendido pelos serviços públicosquando quer fazer a separação do

seu lixo. Por isso as estações de re-ciclagem fazem sentido”, diz Julia-na Marra, gerente de assuntos go-vernamentais da Unilever.

No contexto das negociaçõesde acordos setoriais para aumen-tar a reciclagem de embalagens,o Ministério do Meio Ambienteanalisa três propostas — das as-sociações de fabricantes de vidroe de fabricantes de latas de aço ea da chamada Coalizão — quereúne 22 associações, capitanea-das pelo Compromisso Empresa-rial para a Reciclagem - Cempre.Entre outros pontos, o projeto daCoalizão prevê intensificar a co-leta seletiva nas 12 cidades-sededa Copa de 2014, que juntas res-pondem por 38% dos resíduosgerados no Brasil e coloca como

meta aumentar a taxa de recicla-gem de embalagens em 20% até2015. Atualmente esse índice va-ria conforme o tipo de resíduo:pode chegar a 98%, no caso daslatas de alumínio, e fica em tornode 57% para as embalagens deplástico PET. Também prevê a ex-pansão dos postos de entrega vo-luntária (PEVs) em supermerca-dos e varejistas.

“Esperamos assinar o acordo se-torial de embalagens até o final doano. Com o aval do governo, as em-presas vão se movimentar aindamais”, afirma Fernando Von Zu-ben, diretor de meio ambiente dafabricante de embalagens longavida Tetra Pak, uma das compa-nhias que endossam a proposta dacoalizão e que vem desenvolvendo

um trabalho voltado ao treina-mento e profissionalização da ges-tão das cooperativas de catadores.

O programa “Cooperativa emA ç ã o” da empresa oferece treina-mento para 700 cooperativas emtodo o país, além de prever investi-mentos, para este ano, de € 1,2 mi-lhão só em equipamentos, comoprensas e caminhões, para ajudar aaumentar a produtividade. “Emmédia, os catadores conseguiramaumentar seu rendimento mensalde R$ 900 para R$ 1.300, e algunschegam a ganhar até R$ 2.000mensais com a reciclagem”, expli-ca. “O foco é educar o catador paraque ele se torne um fornecedor dematéria-prima para a indústria eajude a elevar os índices de recicla-g e m”, diz o executivo.

Índices altos de reciclagem contrastam com permanência de lixõesSergio AdeodatoPara o Valor, de São Paulo

A quantidade de lixões a céuaberto que poluem, causam doen-ças e espantam turistas em muitascidades brasileiras esconde umarealidade que parece paradoxal:apesar de quase 40% dos resíduosurbanos irem para esses vazadou-ros e outras áreas inadequadas e deapenas 14% dos municípios faze-rem a coleta seletiva, o país registrahoje índices de reciclagem que seaproximam, e às vezes até supe-ram, os de países ricos para o casode algumas embalagens, como la-tas de alumínio, caixas de suco eleite e garrafas PET.

Analistas costumam associar es-se quadro à situação de pobrezaque leva às ruas grandes contin-gentes de catadores em busca derenda. No entanto, com o cresci-mento econômico, novos hábitos

de consumo e inovação, ganhadestaque uma explicação mais re-lacionada às forças de mercado doque aos problemas sociais. “A cria-ção de demanda, com maior ab-sorção de materiais recicláveis pe-la indústria, é o principal fator quehoje influencia os índices”, diz Au-ri Marçon, presidente da Associa-ção Brasileira da Indústria do PET.

No Brasil, o setor recupera 58,9%das embalagens, o triplo do per-centual de duas décadas atrás, àfrente de países europeus como In-glaterra, Itália e Portugal. O índicebrasileiro é superior ao dobro doamericano. E alguns países desen-volvidos que reciclam mais, comoo Japão, com 80% de taxa, têm pou-cas indústrias recicladoras e sãoobrigados a exportar o resíduo pa-ra nações emergentes, principal-mente a China.

Hoje existem no país mais de400 recicladoras de PET, número

que nos últimos 15 anos teve au-mento expressivo no rastro do de-senvolvimento de novas aplica-ções industriais para o que antesera despejado em aterros. A histó-ria começou quando a Rhodia, tra-dicional fabricante de fibra de po-liéster que iniciava a produção dePET no Brasil, se preocupou com osreflexos de regulações sobre des-carte de embalagens que surgiamno exterior. O engenheiro José Tre-visan, responsável pelo primeiroprojeto de reciclagem na multina-cional, é hoje dono de três fábricasque consumem mais de 2,5 mil to-neladas de matéria-prima recicla-da, inclusive uma unidade queprocessa garrafas plásticas pós-consumo para produzir novas.

A atividade movimenta R$ 1,6bilhão por ano, tendo a indústriatêxtil como principal consumi-dor. No total, 30% do poliésterpara tecido vem de garrafas reci-

cladas e há potencial para esseconsumo dobrar. Diante da de-manda crescente, após oito anoso preço da matéria-prima reci-clada igualou-se ao da resina vir-gem proveniente do petróleo,antes 45% mais cara.

Antes mesmo de uma defini-ção sobre o modelo de logísticareversa de embalagens, exigên-cia da nova lei de resíduos aindaem negociação entre setor pro-dutivo e governo, 31% das emba-lagens longa vida são recicladasno Brasil. O índice cresce entre6% e 7% ao ano, situando-se aci-ma da média mundial, de 22%.Com as ações previstas na Políti-ca Nacional de Resíduos Sólidos,a expectativa é atingir 36% até2015. “Pode ser até maior, se asprefeituras efetivamente aumen-tarem a coleta seletiva”, afirmaFernando von Zuben, diretor demeio ambiente da Tetra Pak.

O crescimento tem como pilaro esforço de inovação empreen-dido nos últimos anos pelo fabri-cante no sentido de desenvolvera cadeia produtiva para viabili-zar novas aplicações. Hoje 20 fá-bricas produzem cerca de 100mil telhas por mês a partir damistura de plástico e alumínio,contidos na estrutura das caixasde suco e leite. O material é tam-bém utilizado para fazer pallets.As fibras de papel retiradas dasembalagens vão para fábricas depapelão e papel reciclado. O va-lor do papelão ondulado, empre-gado na fabricação de caixas, es-tá mais atrativo em função do au-mento da cotação da celulose nomercado internacional. A ten-dência faz melhorar os preçosdas embalagens longa vida pós-consumo, que passou de R$ 340para R$ 450 a tonelada.

O valor das commodities tam-

bém interfere na reciclagem daslatas de alumínio, a mais concor-rida embalagem entre os catado-res. O índice de reciclagem noBrasil é de 98,3%, o maior domundo. Com preço de US$ 1,8mil a tonelada, conforme cota-ção da Bolsa de Londres do dia 30de setembro, a venda da sucataapós o consumo das bebidas sus-tenta 130 mil famílias no Brasil.

“A maior parte do material é re-colhido por catadores e, sem eles,jamais atingiríamos esse índice”,diz Renault Castro, diretor executi-vo da Associação Brasileira dos Fa-bricantes de Latas de Alta Recicla-bilidade (Abralatas). “As condiçõesde trabalho e de vida dessas pes-soas preocupam”, ressalta o dire-tor. Para o setor produtivo há van-tagens ambientais e econômicas.O uso da sucata economiza 95% deenergia necessária à produção apartir do alumínio primário.

Implantação de plano nacional está atrasada nos municípiosAdauri AntunesPara o Valor, de São Paulo

Um dos mais audaciosos pro-gramas públicos do país, a PolíticaNacional de Resíduos Sólidos(PNRS), não deverá ser implantadaem todos os municípios brasilei-ros até agosto do próximo ano,conforme determinado na própriaLei 12.305/10. “Temos um balançonão muito positivo”, diz Zilda Ve-loso, diretora do Departamento deAmbiente Urbano (DAU) do Mi-nistério do Meio Ambiente(MMA), que cuida da PNRS no go-verno federal. Segundo ela, que ci-ta dados da Confederação Nacio-nal dos Municípios de abril desteano, pouco mais de 10% dos maisde 5 mil municípios do país já im-plantaram ou estão em fase de im-plantar seus planos locais.

Ela, porém, está otimista em

relação ao que pode acontecer apartir da realização, de hoje a do-mingo, em Brasília, da 4ª Confe-rência Nacional do Meio Am-biente (CNMA), que reunirá 1,3mil delegados. “Depois de reali-zadas as conferências estaduais,vamos discutir os avanços, diag-nosticar os problemas e traçarmetas para a implementaçãodessa política”, avalia Zilda.

Embora seja uma reivindica-ção de entidades nacionais deprefeitos, que poderão ser res-ponsabilizados se não implanta-rem a política, a prorrogação doprazo não é, segundo ela, a solu-ção. “Prorrogar o prazo seria umasituação muito desconfortávelpara o governo, que não temcompetência legal para discutiressa medida. A lei só pode sermodificada pelo Congresso.” Osmunicípios têm até agosto de

2014 para eliminar os lixões eimplantar aterros sanitários, quereceberão apenas rejeitos.

“Até agora foi feito bem menosdo que deveria ter sido feito”, ana-lisa o urbanista Nabil Bonduki, umdos idealizadores da PNRS, hojevereador pelo PT de São Paulo. “Ogoverno federal não abriu finan-ciamento para a área de resíduos”,aponta como um dos motivos doatraso da implantação. “Há, ainda,de maneira geral, falta de interessedos municípios em planejamento.Às vezes o município até tem o pla-no, mas não tem estratégia para al-cançar metas, como eliminar os li-xões. São pelo menos 4 mil municí-pios que ainda têm lixão”, afirma.

Integrante da bancada oposi-cionista na Câmara dos Deputa-dos, Arnaldo Jardim (PPS-SP) con-sidera natural que haja problemasna implantação da PNRS. Ele com-

para a situação aos atrasos na im-plantação da Lei Nacional de Sa-neamento, aprovada em 2007 eque deveria estar funcionando naprática em 2009, mas até hoje acu-mula pendências. Mesmo assimele é contra a prorrogação do pra-zo. “Minha disposição é buscar a ri-gorosa observância do prazo”, afir-ma o deputado.

De acordo com Zilda Veloso, oMMA abriu dois editais que ofere-ciam financiamento para os pla-nos municipais, mas houve poucaprocura. “Nossa expectativa era deque mais de 1 mil municípios nosprocurassem. Mas os que se inte-ressaram foram pouco mais dec e m .” Arnaldo Jardim diz que vaipropor repasses do orçamento fe-deral de 2014 “a fundo perdido”para que os municípios imple-mentem seus planos. “É precisotambém que o governo dê apoio

gerencial, na área de recursos hu-manos. Uma grande quantidadede municípios tem dificuldadecom quadros técnicos”, observa.

Outro problema, apontado pelaadvogada Juliana Oide Pestana, es-pecialista em direito ambiental, daDuarte Garcia, Caselli Guimarães eTerra Advogados, é o MMA não as-sumir a responsabilidade por ava-liar os planos elaborados, nem porfiscalizar sua aplicação. “O repasseda verba para iniciativas voltadasaos projetos não foi regulamenta-do em lei ou decreto e, para os mu-nicípios, a falta de regras claras naregulamentação pode ser prepon-derante para o insucesso de proje-tos. A maioria depende dos repas-ses da União e dos Estados paraaplicação dos planos municipais”,diagnostica.

Envolvido na implementaçãodo plano da capital paulista, Bon-

duki acredita que a questão econô-mica é que dá o ritmo ao debatenacional sobre o destino dos resí-duos sólidos. “A discussão, em re-sumo, é quem vai pagar essa conta.Quem vai pagar por esse serviço?”.Para ele, o modelo mais adequan-do à realidade brasileira é o com-partilhado, no qual a cadeia pro-dutiva tem participação decisivano tratamento dos resíduos.“Quem gera a embalagem tem quecontribuir para o sistema todo”,defende. O MMA, segundo ZildaVeloso, já fez um acordo com osprodutores de embalagens plásti-cas de óleos lubrificantes e até ofim do ano deve fechar outros trêscom produtores de lâmpadas, ele-troeletrônicos e embalagens emgeral. Há negociações do MMA pa-ra, em 2014, fechar acordos tam-bém com os setores de pneus, pi-lhas, baterias e óleos lubrificantes.

Page 3: desenvolvimento são complexos e modelo complementar que ...file.abiplast.org.br/download/valor__especial_residuos_urbanos.pdf · da atividade de catador em Natal F4 Programas capacitam

Jornal Valor --- Página 4 da edição "24/10/2013 1a CAD F" ---- Impressa por edazevedo às 23/10/2013@15:47:58

F4 | Valor | Quinta-feira, 24 de outubro de 20 1 3

Enxerto

Jornal Valor Econômico - CAD F - ESPECIAIS - 24/10/2013 (15:47) - Página 4- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW

Especial | Resíduos urbanos

Fontes: Cempre Review com dados Ipea, Cempre/Ciclosoft, IBGE, SNIS, LCA consultores, Banco Mundial. * Em R$ milhões; ** Preços de 2011

Trabalho conjuntoProjeções para a produtividade e faturamento das cooperativas com ampliação da coleta seletiva nas cidades-sede da Copa

Produtividade em cooperativasEm t/cooperativa/dia

2010 2012 20140

1

2

3

4

5

2,62,9

4,0

Produtividade dos catadoresEm kg/catador/dia

2010 2012 20140

20

40

60

80

100

52,457,8

79,3

Faturamento das cooperativas e atacadistas

Coleta e triagem

Total

R$ 712,3milhões

Cooperativas

R$ 56,4milhões

Outros canais

R$ 656milhões

Por material - R$ milhões, preços de 2011

Metais

Aço

Alumínio

Papel e papelão

Plástico

PET

Outros

Vidro

227

32

195

264

201

101

100

21

Geração de renda nas cidades-sede da Copa 2010-2014

Faturamento cooperativas*

Faturamento outros canais de triagem*

Custo de operação*

Receita líquida cooperativas*

Número de catadores

Rendimento do catador ligado à cooperativa (R$)

Dados

56,4

656

11,2

45,2

7.363

511,5

2010

231,5

871,4

50,9

180,7

22.089

681,6

2014 Crescimento

311%

33%

354%

300%

200%

33%

Tra ba l h o Categoria passou a servalorizada e a ter acesso a recursos

Catador éreconhec idopor serviçoambiental

KEVIN WOLF/AP

Severino Lima Junior: “Mobilizei os catadores e saímos vitoriosos na busca de um modelo de trabalho mais digno”

Sergio AdeodatoPara o Valor, De São Paulo

O nome dele é Severino e a his-tória de vida que o levou a parti-cipar dos momentos decisivossobre a gestão de resíduos nopaís, sentando-se à mesa com oalto escalão do governo e execu-tivos de grandes empresas, co-meçou com a venda de picolé pa-ra catadores no lixão de Natal,Rio Grande do Norte. Aos 12anos, o menino descobriu queganharia mais dinheiro fazendoo mesmo que seus amigos debairro, garimpando materiais re-cicláveis. Drogas e violência fo-ram ameaças constantes, até aprefeitura decidir dar fim ao li-xão. Qual o destino daqueles jo-vens e suas famílias? De onde re-tirariam a renda?

“Diante do futuro incerto,mobilizei os catadores e saímosvitoriosos na busca de um mo-delo de trabalho mais digno,sem abandonar os resíduos”,conta Severino Lima, um dosprimeiros catadores do país a sereunir com o Ministério Públicoe a frequentar gabinetes de pre-feitos. Na virada para o séculoXXI, já adulto e cheio de planosajudou a estruturar uma asso-

ciação local e tornou-se um dosmentores do Movimento Nacio-nal dos Catadores de MateriaisRecicláveis (MNCR), criado em2001. Desde então, a vida mu-dou bastante para quem tinhavergonha de falar sobre o ofíciode catador na escola.

Severino viajou para conhecera reciclagem em outras partes domundo e começou frequentar se-minários e reuniões que iriamdecidir o futuro da gestão do lixono país, durante as negociaçõespara a Política Nacional de Resí-duos Sólidos, aprovada em 2010.“Passamos a ser mais valorizadose poucos de nós acreditavam quechegaríamos a esse ponto”, diz. Apartir de sua liderança, a cidadede Natal começou a remunerarcooperativas de catadores pelacoleta seletiva nas residências.

O exemplo ilustra o fortaleci-mento da atividade, que começa aser beneficiada pelos serviços quepresta ao ambiente. A partir danova lei de resíduos, que dá prio-ridade à participação das coope-rativas na coleta e triagem dosmateriais, e das políticas de inclu-são social do governo federal, acategoria passou a ter voz ativa eacesso a recursos financeiros. “Tra -ta-se de um elo fundamental para

C o o p e ra t i v a sfazem coletaporta a portaAndrea VialliPara o Valor, de São Paulo

A desativação, em 2004, do anti-go lixão Cidade Nova, em Natal(RN), fez com que os mais de 400catadores que atuavam no localentrassem em desespero. O que oseles não poderiam imaginar é que,alguns anos depois, se tornariamprestadores de serviço à prefeiturada cidade e parte de uma das expe-riências de coleta seletiva maisbem-sucedidas do país.

A cidade investiu no treinamen-to dos antigos catadores do lixão.Duas cooperativas foram estrutu-radas e hoje, contratadas pela pre-feitura, são responsáveis por reali-zar a coleta seletiva porta a portaem 12 dos 36 bairros de Natal,além de separar os resíduos coleta-dos e vender os materiais direta-mente à indústria, eliminandoatravessadores — o que permiteum ganho mensal médio de R$800 para cada cooperado.

Duas cooperativas — Coocamare Coopcicla, que reúnem cerca de175 cooperados — prestam servi-ços de coleta seletiva, por inter-médio da Companhia de ServiçosUrbanos de Natal (Urbana). Se-gundo Josivan Cardoso Moreno,diretor de planejamento da Urba-na, os contratos foram firmadosindividualmente para cada coo-perativa no valor anual de R$ 1,17milhões e têm duração de dezanos. O valor é semelhante ao pa-go pela prefeitura às empresas decoleta de resíduos que vão para oaterro do município.

O modelo, implantado em2007, permitiu fez o volume de re-cicláveis recolhidos saltar de 68t/mês para atuais 300 t/mês. Aindaé pouco, perto do total 1200 tone-ladas de resíduos gerados diaria-mente, mas já ajuda a desafogar oaterro sanitário construído após ofechamento do lixão.

mudanças na gestão de resíduos epara a superação da pobreza”, res-salta Alfredo Albano Junior, dire-tor-executivo em exercício daFundação Banco do Brasil (FBB).Em dez anos, a instituição investiuR$ 100 milhões no fortalecimentodos catadores, juntamente com oMinistério do Trabalho e Empre-go, BNDES e Pe t r o b r a s .

No Programa Cataforte, o alvoinicial foi a capacitação e a com-pra de caminhões para cooperati-vas. Dos 140 veículos previstos,121 foram entregues até o mo-mento. “Os cooperados recebemassistência técnica para fazer umplano de logística e depois cami-nhar com as próprias pernas”, ex-plica o executivo. Pretende-se fixara figura do catador na cadeia dareciclagem e consolidar a forma-ção de redes de comercializaçãode materiais recicláveis para evitaratravessadores e melhorar preços.Mais R$ 203 milhões estão prome-tidos para uma nova etapa, pre-vendo estruturação de negócios eoperação de logística reversa.

Além da verba pública, há oinvestimento planejado pelo se-tor empresarial para aumentar ataxa de recuperação de embala-gens e outros materiais pós-con-sumo, conforme determina anova lei de resíduos. A propostaapresentada ao governo poruma coalização de associaçõesempresariais prevê investimen-tos para triplicar o número decooperativas de catadores, deforma a expandir a coleta seleti-va. O foco inicial seriam as 12 ci-dades que sediarão a Copa doMundo, onde está concentradagrande parte da população ur-bana e dos resíduos gerados nopaís. Estudo do CompromissoEmpresarial para Reciclagem(Cempre) indica que, nesse pe-ríodo, o faturamento total dascooperativas dessas capitais po-deria quadruplicar em relaçãoaos valores de 2010, passandode R$ 56,4 milhões para R$231,5 milhões. Hoje os sucatei-ros e aparistas, que comerciali-zam os resíduos recicláveis para

as indústrias, absorvem 90% dareceita com a triagem no Brasil.

Catadores, carroceiros, pape-leiros, coletores. Seja qual for onome dado a esses trabalhado-res bastante conhecidos nas ci-dades, o fato é que a gestão deresíduos depende cada vez maisdeles diante do avanço da urba-nização, da industrialização e doconsumo. Mesmo com o surgi-mento de processos automatiza-dos de coleta, o tradicional tra-balho dos “garimpeiros urba-nos” dificilmente pode ser subs-tituído em sua totalidade, noBrasil e em países com realidadesocial semelhante. Em territóriobrasileiro, eles somam cerca de 1milhão, sendo 20% organizadosem associações ou cooperativas.E já são reconhecidos como umacategoria profissional, apesar doestigma e preconceito aindaexistente em muitas cidades.“Temos uma cara e um nomecom sobrenome”, ilustra AlexCardoso, membro da coordena-ção nacional do MNCR.

Na Tailândia, sucata é vale-comprasDe São Paulo

Na Tailândia, uma das profis-sões mais rentáveis do futuro po-de ser revirar latas de lixo, comofazem tradicionalmente os sa-leng, catadores marginalizadospor décadas a fio, e a oportunida-de leva o nome de “0 Baht Shop”.

Enfrentando o desafio de nãoter nenhuma lei aplicada à gestãodo lixo no país, os tailandeses en-contraram uma alternativa à dis-posição dos resíduos nas calçadasou lixeiras — o que representa, se-gundo Yuthtapong Wattanalapa,da Tipmse, “um fardo” para as au-toridades — e apostaram numa

inovação social a partir de 2012, oconceito “0 Baht Shop”, lojas quetrocam gêneros de primeira neces-sidade por sucata reciclável.

Na rede de dez lojas apoiadaspela Tipmse e espalhadas por to-do o país — com previsão de se-rem 80 até o final de 2013 —, di-nheiro não entra: para adquirirarroz, macarrão, detergente, sa-bonete, ovos ou pasta de dente, épreciso pagar com material reci-clado— garrafas, latas, fardos depapel e papelão e lixo eletrônico.

Além de ajudar a construiruma percepção positiva da reci-clagem, a proposta oferece umaopção de renda para a população

carente, cerca de € 10 a 12 pordia, a quem se propõe a percorreras lixeiras das cidades e separar omaterial reciclável.

A Tailândia testemunha hojeuma revolução urbana: os 15,89milhões de toneladas de resíduosgerados em 2011, que seguiampara aterros ou eram incinera-dos, hoje são preferencialmentereciclados. Só Bangkok coletacerca de 8.500 t/dia. Atualmente,o país tem capacidade para apro-veitar 4,1 milhões de toneladasde resíduos, ou 26% do total, oque faz da Tailândia o país quemaior taxa de reciclagem entreos membros da GARSD. (MC)

Países estudam maneirade valorizar catadoresMarleine CohenDe São Paulo

Reunidos em torno da AliançaGlobal para a Reciclagem e o De-senvolvimento Sustentável(Garsd), rede de entidades empre-sariais que estuda e propõe arran-jos internacionais no âmbito dodesenvolvimento sustentável, cin-co países, além do Brasil, têm maispontos em comum do que o fatode serem “economias em desen-v o l v i m e n t o”. México, Colômbia,Peru, África do Sul e Tailândia en-frentam os desafios de implantarprojetos de gestão ambientalmen-te corretos de resíduos que tam-bém promovam a inclusão socialdos catadores. Para esses países,onde a coleta seletiva e a recicla-gem ainda são sinônimos de misé-ria e insalubridade, questões comoo direito ao trabalho legalmenteconstituído, a educação ambientaldas comunidades, a valorização dolixo e o mercado negro da sucataestão na ordem do dia

Na Colômbia, onde 53% do lixo écoletado por uma base de sucateirosinformais e apenas a capital Bogotáe Bucaramanga contam com siste-mas de reciclagem, a profissionali-zação da mão de obra ainda engati-nha. De acordo com Ricardo Valen-cia, diretor-executivo do Cempre co-lombiano, o país trabalha para au-mentar sua taxa de reciclagem in-clusiva, mediante aumento da capa-

cidade produtiva das organizaçõesde catadores e criação de contatosdiretos entre elas e a indústria. Nofim do processo, ao lado de uma am-pla reformulação da legislação quedisciplina a gestão dos resíduos sóli-dos no país, já em curso, e do esforçopara multiplicar os percentuais dereciclagem e reúso de materiais estáa emancipação social do trabalha-dor, que se espelha no modelo brasi-leiro: “O lixo é uma fonte de rendaque pode se estender a milhões defamílias”, diz Valencia.

No México, onde se produzem 40milhões de toneladas de resíduos só-lidos por ano, dos quais cerca de 85%são coletadas, 60% são enviadas paraaterros ou lixões e 12% são recicla-das, o Sustenta, fundado em 1996,defende o conceito de responsabili-dade compartilhada. “A sociedadetem de separar os resíduos, o gover-no precisa fazer com que a legislaçãotorne obrigatórias a coleta seletiva ea separação do lixo na origem e o se-tor privado deve gerir seu lixo de for-ma sustentável internamente”, diz odiretor Arturo Dávila Villarreal.

No Peru, onde, segundo HernánDiaz, gerente-geral do Reciclame,existem apenas oito aterros legaise somente 12% dos municípiosparticipam dos programas de ges-tão de resíduos incentivados me-diante bonificação pelo cumpri-mento de metas, o grande desafioainda não é a profissionalizaçãodos catadores: “Estamos em um es-

tágio anterior, de comunicar à so-ciedade a existência da reciclagem,seus benefícios e os danos ambien-tais causados pela má gestão dosresíduos sólidos”, afirma Diaz.

O país gera cerca de 23.260 to-neladas de resíduos sólidos pordia, dos quais apenas 14,7% são re-ciclados de formas distintas: pormeio da associação de catadoresformais ou informais, da máquinaadministrativa municipal ou demicroempresas. Os dejetos reco-lhidos vão em grande parte paraterrenos baldios e lixões.

Na África do Sul, a Petco, surgidaem 2004, já criou cerca de 25 miloportunidades de geração de rendana cadeia informal de manejo de re-síduos sólidos. O país produziu 108milhões de toneladas de lixo em2011, das quais 98 milhões foramdepositadas em aterros sanitários ecerca de 10% passaram por recicla-gem. “As cooperativas representam,hoje, o modelo mais bem-sucedidopara integrar os catadores informaissul-africanos à logística de gestão deresíduos” diz Cheri Scholtz, gerente-geral da Petco. Mas boas práticas au-mentaram as taxas de reúso e de re-ciclagem. Quem consome bebidasem garrafas de vidro retornáveis pa-ga uma taxa, que é devolvida quan-do a embalagem é entregue nos pos-tos oficiais. Da mesma forma, incideuma cobrança sobre o uso de sacosplásticos para compras, para desen-corajar o desperdício.

D I V U LG A Ç Ã O

Na Tailândia ainda não existe nenhuma lei que se aplique à coleta seletiva e à reciclagem de resíduos sólidos

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