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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo | Curso de Design
AUT2514 - Legislação, normas e ética profissional | Profa. Cyntia Malaguti
Alunos Ana Carolina Guedes
Carlos Henrique Leite
Eduardo Camillo K. Ferreira
Gustavo Angeluzzi
_____________________________________________________________________________
Design e Ética
DESIGN, ÉTICA DE VALORES E DOIS ESTUDOS DE CASO
Proposta
O presente trabalho consiste em um entendimento do conceito de ética, uma breve abordagem da ética
de valores aristotélica e da ética utilitarista kantiana, a fim de promover um debate sobre o modo como
se entende essa disciplina do ponto de vista filosófico, e suas implicações junto ao design.
Contempla ainda um breve estudo de caso, para uma aplicação pontual dos conceitos acima
comentados, e como a ética de valores aristotélica pode apliar e facilitar o modo de atuação do designer
junto a si, aos demais profissionais e à sociedade em geral.
A Ética na filosofia grega
Na história da filosofia, foram diversas as pessoas que abordaram o tema da ética sob diversos pontos,
cada um de maneira característica de seu período histórico e influenciado pelas correntes de
pensamento daqueles que as formularam.
Encontramos um princípio de discussão ética desde os sofistas, mas quem realmente começa a
apresentar algo mais paupável, ou uma conceituação mais madura da disciplina, foi apenas em
Sócrates, seguido por seu discípulo Platão, e de Aristóteles, aluno do segundo. A concepção que ambos
adotam para a ética se difere diametralmente dos pontos apontados pelos sofistas, e também do que
viria posteriormente na filosofia moderna, em especial com Kant. Focaremos, no entanto, na abordagem
dada por Aristóteles, para posteriormente contrapô-la à abordagem de Kant, e no que isso influencia o
modo de entender a ética hoje em dia.
Aristóteles pautava sua discussão em um ponto bastante específico para delinear sua teoría ética: de
que o homem busca incessantemente a felicidade, e que a ética está justamente na busca da felicidade
através do bem. Nas palavras do próprio filósofo, o homem encontra a felicidade ao “agir com vistas ao
bem” (“tou kalou heneka”). Júlio Lemos, em seu ensaio sobre o tema para a revista cultural
Dicta&Contradicta, afirma que esse ponto defendido por Aristóteles apoia-se em especial na busca do
bem através das virtudes do homem. No entanto, um debate conceitual sobre o tema se mostra quase
sempre frustrado, pois, como comenta o autor, “(...) só se pode saber o que é um homem virtuoso
observando e convivendo ativamente com um deles; só assim podemos apreender o que é a virtude e,
portanto, o que é o bem. Aquilo que é evidente – ex videntia, que está „à vista‟ – não pode ser
transmitido ou definido por palavras: cada qual tem de descobri-lo por si mesmo” (pg. 99). Àssim, logo se
percebe que, para este filósofo, a ética é muito mais uma conduta de vida do que um conjunto de regras
propriamente ditas. Como coloca Maria Cecília Leonel, num outro ensaio sobre o tema para a mesma
revista, “é a pergunta socrática – „Como viver?‟ – que, de fato, inaugura na Grécia do século V a.C. a
investigação de questões humanas” (pg. 94). Essa busca do “como viver” conduzirá tanto Platão quanto
Aristóteles nas suas buscas pela ética e pelo sentido das ações.
Ao colocar a busca pela felicidade como base para a ética, Aristóteles evidencia o fato de que o homem,
em seu “estado bruto”, está sempre inclinado a buscar em suas soluções corriqueiras para os problemas
gerais de sua vida a resposta que possa melhor lhe proporcionar a felicidade, embora nem sempre a
encontre naquilo que venha a fazer. Atitudes erradas podem, a princípio, promover a satisfação, mas
não a felicidade. “Ser feliz, em suma, é viver e agir bem, é realizar-se como ser humano” (pg. 95), como
nos coloca Maria Cecília. Julio Lemos confirma ainda esse ponto ao final de seu artigo ao acrescentar: “a
palavra „felicidade‟ desgastou-se, obviamente, com o tempo, mas sabemos muito bem, embora
confusamente, o que ela quer dizer: viver à altura das potencialidades humanas, buscando a excelência
em tudo que fazemos, sem esquecer da nossa fragilidade” (pg. 102). E é aqui que encontramos um
ponto fulcral para o entendimento dessa proposta de ética do ponto de vista aristotélico: as
potencialidades humanas são justamente as virtudes. Um homem virtuoso procura sempre agir no
equilíbrio, da melhor forma possível, buscando justamente na virtude a justificativa para suas ações (“é
justo que se faça isso? “; ou “é prudente determinada ação?”, etc.), e na busca pela virtude, a ação em
vista ao bem se faz como por inércia: o correto caminhar na virtude traz necessariamente o bem, e ,com
o bem, a felicidade.
Nas citações anteriores verificamos muito claramente essa inclinação da virtude: tanto na sentença de
Maria Cecília (“é realizar-se como ser humano”), quanto na frase de Julio Lemos (“viver à altura das
potencialidades humanas”). A virtude que Aristóteles nos impele a buscar é o que torna o homem
verdadeiramente homem, é aquilo que o caracteriza como tal, e é o que socialmente acaba melhor
servindo para a prosperidade. É fácil aqui encontrar pessoas que relativizem (ou ao menos tentem
relativizar) os conceitos de virtude, bem, e felicidade. No entanto, na prática, o que se mostra é que,
quando na presença de uma pessoa virtuosa, é evidente a “superioridade” da humanidade daquela
pessoa, inclusive em suas decisões e na orientação para essas. É difícil discordar e justificar apenas
com base em pontos de vista culturais, que a mulher seja inferior ao homem, e, portanto, deva ser
submissa aos seus desejos. Não há como justificar tal proposição se nos basearmos nos pontos
propostos por Aristóteles. Se a busca pela felicidade passa pela busca pela virtude, a justiça é uma
delas, bem como a humildade (reconhecer-se pelo que se é, diferente da visão comum de que humilde é
aquele que é simples e ingênuo), e necessariamente, ao combinar-se ambas, nasce a igualdade entre
homens.
Um ponto que se mostra bastante interessante aqui é que, já que estamos a falar de virtudes, estamos
também a falar de ordem. Ordenar, segundo o dicionário Michaelis, é:
sf (lat ordine)
1. Boa disposição das coisas, cada uma no lugar que lhe corresponde; disposição das coisas cujo
arranjo se subordina a um princípio útil, agradável ou harmonioso.
2. Lugar ou categoria que ocupam entre si as pessoas ou as obras.
3. Natureza, modo de ser, espécie.
O dicionário apresenta outras definições, mas estas já nos servem ao debate. Ordem seria colocar as
coisas no seu determinado lugar, segundo seu valor intrínseco. Biologicamente, a ordem natural que
uma planta ocupa está diretamente ligada à sua atuação. Há também a ordem desta numa cadeia
alimentar. Já quando falamos de bem e felicidade, encontramos também um ordenamento natural de
possibilidades de ação, que podem estar mais ao topo (traz mais felicidade), ou mais abaixo (traz menos
felicidade, ou até a infelicidade). Um assassinato, por exemplo, embora seja a busca da felicidade por
parte daquele que mata (imagina ele que extinguir a vida de alguém lhe será um bem), o que acontece é
uma satisfação imediata, e não uma ação que traz realmente um bem, e, portanto, a virtude, e assim, a
felicidade.
Julio Lemos nos apresenta, assim, uma ordenação de valores de ação: “o kalón [o bem], o útil e o
prazeroso. Ela nos leva a uma importante conclusão: agir com vistas ao kalón [ao bem] não é agir em
função do prazer, e nem agir em função da utilidade, mas sim agir em função do bem inerente à própria
ação moral” (pg. 101).
A ética utilitarista contraposta à ética de valores e suas consequências práticas
É aqui que fazemos uma ponte para a ética concebida na filosofia moderna. A partir de Descarte, a
filosofia muda seu eixo, saindo da busca pela verdade para a busca da certeza (de onde nasce a
pretensa verdade apodídica cartesiana “Penso logo existo”, e todo o nominalismo decorrente dessa
simples sentença). Ao se buscar a certeza, busca-se também modos de comprová-la na realidade, e daí
nasce o positivismo de Comté. O que não puder sem comprovado e verificado de modo científico,
podemos dizer, deixa de ser uma certeza, e assim, deixa de ser relevante. Como a virtude e o bem são
objetos subjetivos do conhecimento, não é possível sua verificação e, dessa forma, são descartados
como parâmetros para uma ética de verdade. Partindo dessa conclusão, encontramos em Kant uma
proposta de ética, que veio a ser chamada de ética utilitarista, que é justamente o segundo ponto da
hierarquia de ações que Julio Lemos apresentou.
A ética passa a ser pautada pela utilidade e conveniência de determinadas ações a um conjunto de
indivíduos, independente de suas intenções, passando a ser um constructo de regras e deveres a serem
obedecidos pelas pessoas. Para os filosofos gregos, um homem que salva uma pessoa pelo simples
motivo de ser um bem salvá-la age de maneira melhor do que aquele que a salva para obter o
reconhecimento dos demais. Já na ética utilitarista, salvar não é necessariamente importante, mas matar
pode ser errado. O problema é que ambos modos de agir demonstram claramente uma divisão entre si,
divisão essa que acarreta difetentes ação a cada momento da vida. Enquanto o que busca o bem
sempre o buscará; o que busca o simples cumprimento de obrigações poderá superpor-se a algo bom
em prol da utilidade de outra ação. Podemos inclusive dizer que a famosa máxima maquiavélica “os fins
justificam os meios” está intrinsecamente ligada a isso. Do utilitarismo ético chega-se à convenção do
correto, e disso para o totalitarismo é apenas um passo. A ética da virtude não corre o risco de cair
nesse buraco, já que totalitarismo e justiça de modo algum se combinam.
No texto de Ana Luisa Escorel podemos observar essa ética utilitarista em ação: “talvez se possa
considerar ética profissional o conjunto de noções de caráter normativo que, com níveis distintos de
abrangência, se organiza como os círculos concêntricos que se formam à flor d‟água, a partir de uma
pedrinha ou de um graveto lançados. Num primeiro nível, no círculo mais próximo do centro, estariam as
questões pessoais, relativas aos compromissos do profissional consigo mesmo. Num segundo nível,
num círculo já mais afastado do ponto de origem, estariam as questões relativas à prática do ofício e às
obrigações com os pares. Finalmente, num terceiro nível, e portanto num círculo ainda mais distante,
estaria tudo o que diz respeito aos deveres sociais e às obrigações do profissional para com seu
semelhante, seu tempo e a sociedade em que vive” (pg. 91).
O caráter normativo das ações propostas pela autora revelam essa convencionalidade do modus
operantis que devemos nos submeter (a ética dos deveres de Kant), e a consequência desse modo de
agir pode ou não estar associada ao bem, e, se estiver, é por mera coinscidência, e não por motivo final.
A consequência para isso está em que, ao se asumir um conjunto de regras como meio de balizamento
para a atuação, e estando o ego como primeiro nível dos “circulos concêntrucos”, acontecerá
inevitavelmente aquilo que observamos na justiça e nas suas leis: a busca de brechas e interpretações
esguias para a satisfação de um desejo próprio. Já a ética volta ao bem não busca brechas, mas apenas
a atenção imediata àquilo que se deve ou não fazer, muitas vezes independente de uma utilidade
momentânea prazeirosa ou vantajosa.
Mesmo os problemas abordados pela autora já evidenciam que são antes decorrência desse modo de
ver a ética do que decorrentes do modelo econônimo vigente, ou coisa que o valha. Ana Luisa coloca
que: “não é razoável que continue se ocupando primordialmente com a solução de problemas que
beneficiam pequenos grupos, quando cerca de metade da população brasileira é analfabeta de fato. Não
é razoável que concentre sua atenção em sistemas de sinalização dos shopping centers que têm
multiplicado, quando os hospitais populares não contam com o mínimo de qualidade, na interface com
seus pacientes” (pg. 94). O que a autora chama à atenção é o desequilíbrio entre a satisfação egóica em
detrimento da necessidade de determinadas ações, mas não percebe que essa possibilidade nasce
justamente da escolha de um modo de viver decorrente de uma ética utilitarista, que caracteriza segundo
suas próprias regras o que é permitido e o que não é permitido. Observe bem que não tocamos nessa
dualidade em momento algum nas palavras “certo” e “errado”, pois aqui elas são completamente
relativizáveis; se não há bem, não há ordenação hierárquica de ações; se não há ordem, não há certo e
errado, mas apenas a convenção, e assim possibilita a busca por falhas e brechas nas suas regras.
Estudos de casos relacionados a design
Os estudos de caso que aqui se delinearão tentarão ser vistos sob as duas óticas: sob a ética utilitarista,
que é a vigente atualmente, portanto, não pode ser simplesmente descartada; e sob a visão da ética de
valores, que, como tentamos demonstrar acima, seria a opção talvez mais acertada quando se fala de
ética.
1. estudo de caso nº1: ética do profissional do designer com o próprio campo de atuação
Para estas análise foram utilizados como leitura e serão objetos de comparação e análise os seguintes
texto: Código de Ética ADP, O efeito multiplicado do design, de Ana Luisa Escorel e Designer não é
personal trainer, de Adélia Borges. Iremos considerar o nome do indivíduo como Utópio e o nome da
empresa como Lucro Certo para resguardar os direitos e privacidade dos citados.
Utópio foi convidado para trabalhar na área de desenvolvimento de produto na indústria Lucro Certo com
a promessa de desenvolver luminárias LED. A Lucro Certo discursa que deseja ser líder nesse segmento
de atuação e para isso precisa de uma profissional com conhecimento em desenvolvimento de produto.
Além disso diz querer ser referência de qualidade e inovação no mercado ainda nascente da tecnologia
LED. Utópio aceita a proposta sob a perspectiva de receber da empresa e o suporte material e financeiro
necessário para desenvolvimento dos nos produtos. No primeiro dia de trabalho conhece seus colegas,
também recém admitidos da área de engenharia e vendas, que entraram na empresa sob a mesma
perspectiva.
Após três meses depois de contratado, é convidado a participar de uma reunião com os diretores da
empresa. Durante a reunião o presidente da companhia apresenta um produto importado, de qualidade
questionável e diz que essa é a visão de inovação que a empresa tem e por isso quer um produto muito
próximo desse, uma cópia praticamente. Diz a Utópio que conta com ele para participar desse projeto e
que ele é peça essencial para o desenho (desenho como forma e estética do produto, desvinculadas de
qualquer outra questão relativa ao desenvolvimento de destes).
Utópio se sente incomodado com a proposta e questiona sobre a cópia do produto além de questionar
sobre a ausência de uma visão mais interdisciplinar das áreas de conhecimento da empresa; comercial,
industria, técnica, projeto etc... O presidente responde que não está entendendo exatamente o que está
sendo colocado e entrega o produto que em suas palavras deverá ser “desenvolvido”. O produto, tanto
para o engenheiro, companheiro de trabalho de Utópio, já demonstra suas fraquezas mesmo quando
inoperante. A cópia seria a reprodução de um erro e, além disso, seria a cópia de algo que alguém em
algum lugar desenvolveu. Utópio após mais dois meses tentando lutar contra a corrente percebe que ela
é mais forte, não deixa ser levado, nada para o lado e abandona o rio. Percebe que na Lucro Certo só
teria uma remuneração e nada mais. Conclui que a empresa tem uma visão míope o que a impede de
enxergar mais longe e a médio prazo e por isso decide então abandonar seu cargo de “designer”.
A história simplifcada da relação de trabalho entre Utópio e Lucro Certo, demonstra que as relações são
complexas e o hiposuficiente, no caso o Designer, fica a mercê do hipersuficiente, no caso a industria. E
se por questões financeiras Utópio não pudesse abandonar o emprego para o qual foi convidado e
tivesse que se sujeitar ao trabalho?
O Código de Ética da ADP estabelece diretrizes muito claras quanto à forma que o Designer deve se
portar no mercado de trabalho e Utópio sem conhecê-lo, mas por ter uma boa formação humanista
acaba por segui-lo (o que demonstra que mesmo ambas sendo opostas, a ética utilitarista muitas vezes
se aproxima da ética de valores, já que trabalha também com o bom senso, embora esse não seja
suficiente). No entanto, esse caráter utilitarista do código apresenta-se insuficiente para tratar de uma
realidade utilitarista (o que pode ser uma aparente contradição. Aparente pois, como colocado acima, a
busca por brechas na legislação, bem como a relativização dos conceitos de bom/ mau/ ordem/ certo/
errado acabam permitindo que ações individualistas e descabidas sejam tomadas como usual, e
consequência de ocasiões, quando na verdade é decorrência de um modelo inadequado de
entendimento do homem). Nesse ponto os dois outros textos ponderam a situação e, por experiência das
escritoras, demonstram uma leitura mais realista da contemporaneidade, mas em momento algum são
conformistas da situação. Mostram os fatos e demonstram como é difícil lidar com eles, como a visão
míope da maior parte do mercado, que segundo Adélia Borges, “gasta rios de dinheiro com milionárias
campanhas publicitárias, mas não criam canais para ouvir realmente as pessoas” (pg. 157).
Há alguns trechos no Código de Ética da ADP que dizem que “o designer se refere a um indivíduo que
pratica uma profissão intelectual, e não simplesmente oferece um negócio ou presta um serviço para as
empresas.”, assim como indica que “o designer deve oferecer-lhes o melhor de sua capacidade técnica e
profissional”. Mas aqui aparece uma pergunta: E quando os clientes que consomem nossos projetos
não querem comprar qualidade e trabalho intelectual e apenas nossa mão de obra e nos vemos com
reduzidas possibilidades de trabalho nessas condições? A resposta é difícil de ser encontrada, mas
inferimos do tom do questionamento que, sem uma inversão radical nos parâmetros sociais de atuação
ética, seria quase impossível lidar contra tal momento.
2. estudo de caso nº2: ética profissional do designer quanto à repercusão social
Um segundo caso para análise, mudamos o foco de análise, saindo da ética para com a profissão e
mirando na ética em relação à sociedade.
Um estudante da USP também chamado Utópio (não é a mesma pessoa do caso anterior, mas para
facilitar, reduziremos o número de personagens) consegue uma vaga para estagiar num grande
escritório de design gráfico e ambiental, conhecido pela qualidade de seus serviços. No entanto, logo
num dos primeiros trabalhos onde Utópio se vê envolvido, já encontra um grave problema ético.
O projeto tratava de auxiliar uma grande loja varejista de roupas, chamada Roupa-a-Prazo, que
reconheceu a fragilidade de seu sistema de sinalização e a sua comunicação e atratividade para com
seus clientes, e pede à empresa onde estagia Utópio que desenvolva um ambiente mais claro e de
comunicação mais eficaz, porém em uma visão mais detalhada, Utópio percebe que uma das diretrizes é
aumentar a circulação de clientes na área de crédito, criando um sistema que os induza a passarem
perto desta área com maior frequência.
Utópio, no entanto, havia vivenciado já o problema que esse endividamento causa: sua mãe esteve por
muitos momentos “atolada em dívidas” por causa de diversos crediários que abria ao mesmo tempo, e,
além disso, Utópio conhecia as estatísticas que tratavam do número de inadimplentes, de pessoas que
terminam com o nome sujo, etc. Em contrapartida, conhecia o peso que aquela empresa poderia trazer
ao seu currículo, que esse era um trabalho pontual, e que não seria uma constante projetos desse tipo.
Utópio sentiu que estaria usando sua força e potencial de trabalho para cada vez mais ajudar a máquina
de endividamento de pessoas simples. O caso termina com a saída imediata de Utópio da empresa, e a
análise aqui delineada pretenderá ponderar os porquês de o aluno ter agido dessa forma, e ter agido
corretamente.
O primeiro ponto diz respeito à ética de valores, mais especificamente com relação à busca pela justiça,
e que se sustenta sob dois pontos básicos:
1. Um pedido de sinalização que tenha como uma das conseqüências o endividamento evidencia o
foco da loja no lucro desmedido, perdendo o seu papel inicial de oferecimento de serviços e
produtos. O mal da atitude demonstra que há uma desordem de valores, sobrepondo a posse
individual da empresa ao bem estar de seus clientes, que possivelmente entrariam numa
situação delicada financeira. Pode-se confundir, aqui, o momento onde a loja errou: não foi no
oferecimento de crédito para suas compras, já que isso é uma possibilidade para facilitar a
aquisição de produtos por parte do comprador. O erro foi em criar um espaço que instigasse o
cliente a comprar pelo crédito da loja, o que demonstra uma intenção não de auxílio, mas de
quase coerção do cliente, já que campanhas servem não apenas para apresentação de algo,
mas para convencimento emocional e subjetivo sobre a “necessidade” da pessoa de ter aquilo.
2. O segundo ponto, também sobre justiça, é sobre a posição que Utópio estava ocupando: ele era
estudante da USP, ou seja, uma universidade pública sustentada por impostos dos
contrubuintes, inclusive aqueles que se veriam afetados pela campanha da qual participaria.
Dessa forma, seria uma espécie de “traição” a essas pessoas, que estavam investindo seu
dinheiro nele, e, de certa forma, esperam um retorno à sociedade da parte dele. Se participasse
desse projeto, estaria redirecionando esse retorno a uma única fonte de impostos, que é a loja, e
não a todas as pessoas. Se estudasse numa universidade particular, sustentada por ele mesmo,
essa justificativa não caberia, apenas a primeira. É apenas um agravante da situação.
Se, no entanto, observarmos esse caso pela ética utilitarista, perceberemos que há a possibilidade
de um entendimento diferente do caso, que poderia terminar de outra maneira.
1. O estudante estaria prestando um trabalho à empresa, e que ele apenas seguia ordens. No
escalão hierárquico, ele enquanto estagiário não teria o que fazer, e a culpa por uma eventual
falta de ética estaria sobre os chefes dele, que aceitaram tal serviço. E as pessoas que
eventualmente adquirissem os produtos por crédito e terminassem endividadas, estariam
fazendo tal ação partindo do seu próprio livre arbítrio, sem força superior de ninguém. Além
disso, não há lei que impessa uma empresa de divulgar um de seus serviços e redesenhar seus
espaços. Se não há lei, não esta errado. Resumindo, além de ele não estar errado, o problema
inexiste, não há ação ruim ou boa nesse projeto do escritório, apenas talvez uma irretidão de
intenção por parte da loja.
Conclusão
A partir da explicação dos conceitos e partidos que a ética pode apresentar, o grupo apresentou um
detalhamento comparativo entre a ética de valores e a ética utilitarista, propondo talvez uma revisão dos
valorem usuais que uma pessoa pode tomar para focar seu direcionamento profissional e, no fundo,
pessoal. Expôs-se também dois casos para análise, de forma a demonstrar a aplicabilidade e as
diferenças de abordagem que ambas éticas possibilitam no entendimento de um problema. Tentamos
claramente demonstrar a vantagem de uma abordagem ética pela virtude (Aristotélica) em detrimento da
ética dos deveres (ética Kantiana), esta última sendo a que vigora hoje tanto pelo aspecto legislativo
quanto pelo ético-pessoal na maioria dos ambientes.
Sendo assim, acredita-se que abrir esse debate seja importante para um direcionamento efetivo do
designer, de forma a cultivar verdadeiramente uma postura ética que não se deturpe pelo interesse
pessoal, ou pela pressão da cultura geral. Sendo esse debate efetivo, acreditamos que a tomada de
posturas, independente se o indivíduo for partidário de uma ou outra, a hora de escolhas éticas serão
mais facilmente solucionáveis.
Bibliografia
BORGES, Adélia – Designer não é personal trainer – São Paulo: Ed. Rosari
ESCOREL, Ana Luisa – O efeito multiplicador do design – São Paulo: Ed. Senca
Código de Ética da Associação de Designers de Produto (ADP)
LEMOS, Julio – Agir em vista ao bem? – in Dicta&Contradicta nº2 – São Paulo: IFE Instituto de
Formação e Educação, 2008
LEONEL GOMES, Maria Cecília – A antiga e a nova ética da virtude – in Dicta&Contradicta nº3 – São
Paulo: IFE Instituto de Formação e Educação, 2009