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I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015
Desigualdade e democracia na América Latina: o papel da inércia na construção de uma
cultura política democrática
Marcello Baquero 1
Jennifer Azambuja de Morais 2
Resumo
Neste trabalho, problematizamos o processo de construção democrática na América Latina. Por meio
do desenvolvimento do conceito de inércia democrática, buscamos colocar em perspectiva a
compreensão contemporânea sobre democracia. Priorizamos, especificamente, a análise de três
dimensões conceituais: (1) cultura política e instituições políticas, pontualmente partidos políticos,
(2) desenvolvimento econômico e (3) investimentos sociais, cujo entrelaçamento desemboca no que
denominamos de democracia inercial. Argumentamos que este tipo de democracia, típica de países
que estão em processo de construção da democracia num sentido amplo, tem limitado e, em alguns
casos, até prejudicado esse objetivo. Partimos do pressuposto de que a manutenção de uma
democracia com as características de inércia, deriva de uma estratégia da elite política dirigente que
muda procedimentos econômicos e políticos, além de instituições, sem alterar a essência de uma
práxis política e econômica que não proporcionam bases sólidas de transformação social permanente.
Palavras-chave: Democracia Inercial; América Latina; Cultura Política.
Introdução
O estudo da relação entre desigualdade e fortalecimento democrático, além da dimensão
formal, na região latino-americana não é simples e não se enquadra pacificamente em modelos que
não levam em conta as peculiaridades do contexto estudado. Nos países latino-americanos existe um
processo simultâneo que combina a situação econômica e política, não permitindo afirmar com
certeza a relação causal para fortalecer a democracia na sua dimensão substantiva. Enquanto alguns
fatores, tais como capital humano, democracia e o estado de direito, produzem riqueza econômica,
também é possível que a causalidade seja na direção oposta ou que essas duas dimensões sejam
intervenientes. Tal situação deriva da complexidade da relação entre economia e política em
sociedades hibridas. Por exemplo, enquanto elevados níveis de educação num país pode gerar riqueza,
essa riqueza também pode produzir níveis elevados de educação. Igualmente, uma forma democrática
1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS. E-mail: [email protected] 2 Doutoranda em Ciência Política da UFRGS. E-mail: [email protected]
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de governo pode fomentar o crescimento econômico como também é possível que a riqueza
possibilite que países se tornem democráticos.
Atribuir, portanto, à democracia latino-americana contemporânea o status de consolidação está
longe de refletir as exigências que envolvem a construção de uma cultura política democrática. Os
avanços formais evoluem paralelamente com clientelismo, patrimonialismo, corrupção
institucionalizada e impunidade. Embora o processo de democratização formal seja fundamental,
dadas as características dos países desta Região, ele tem se mostrado insuficiente para mitigar ou
erradicar a desigualdade social, econômica e política. Frequentemente, o projeto e as dinâmicas da
construção democrática são constrangidos pelas condições de desigualdade existentes, as quais, em
termos práticos, resultam não apenas da regressão na luta contra a desigualdade, mas em reforço da
estrutura de desigualdade existente, comprometendo não só a qualidade, mas, fundamentalmente, o
fortalecimento da democracia. Com base nessas afirmações este trabalho busca problematizar a
relação assimétrica entre desenvolvimento econômico, cultura política e o surgimento de uma
democracia inercial.
O significado de democracia inercial
Presentemente, existe um conjunto de modelos de democracia. Na sua maioria esses modelos
postulam a necessidade de tornar as democracias contemporâneas mais eficientes, participativas e
responsivas. O que não está claro é como alcançar esses objetivos por meio de modelos não ocidentais
de democracia, uma vez que os vários modelos sinalizam caminhos diferentes e às vezes
contraditórios. Essas divergências sugerem que se pense a construção democrática em termos de
regiões específicas e não na aplicação de um modelo universal. Esse esforço poderá gerar subsídios
práticos para revitalizar a aparente estagnação democrática de países que enfrentam obstáculos de
toda ordem em virtude de assimetrias entre desenvolvimento econômico e político. Neste trabalho,
pretendemos examinar o processo de inércia que historicamente tem limitado e adiado avanços
substantivos da democracia.
As razões para o descontentamento das pessoas com a democracia são muitas e têm sido
pesquisadas a partir de diferentes enfoques. No caso pontual da região latino-americana, as
preocupações recaem sobre o agravamento das condições de qualidade de vida e bem-estar da
população, bem como a dificuldade em manter e promover o progresso social equitativo. Vários
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autores têm apontado para o paradoxo da persistência da democracia eleitoral com elevados níveis de
desigualdade socioeconômica, exclusão social, violência, crime organizado, além de choques e crises
econômicas recorrentes (HAGOPIAN e MAINWARING, 2005; SMITH, 2005). Isso demonstra que,
embora tenha se avançado na compreensão sobre a questão da qualidade da democracia, ainda
existem lacunas importantes que precisam ser explicadas. Não existe um consenso entre
pesquisadores, por exemplo, em relação às condições ou características centrais para construir e
fortalecer um sistema democrático. Há divergências em relação ao papel que a cultura, as instituições,
a história, a economia e os legados autoritários desempenham na solidificação, ou não, da democracia.
Três razões importantes podem ser apontadas para explicar a situação paradoxal dessa
Região em termos de deficiências no avanço democrático: (a) a fragilidade das novas e das já
existentes instituições democráticas em gerar condições de igualdade efetivas; (b) a apropriação do
processo político por certos grupos e setores privados em detrimento do interesse geral; e (c) o peso
de algumas instituições informais e, consequentemente, suas práticas, que, em alguns casos, têm
freado o progresso democrático e o estabelecimento de níveis de igualdade social. Aliado a esses
fatores, cabe destacar, que a política e a democracia, propriamente dita, tendem a desapontar
segmentos importantes da sociedade que ficam à margem dos benefícios de políticas públicas, por
ser um resultado de processo de decisões coletivas com base num conjunto múltiplo e competitivo de
interesses e opiniões (STOKER, 2006).
Tal situação deixa, em aberto, muitas questões que suscitam um campo amplo para outras
explicações com vistas a melhor compreender os dilemas e obstáculos do desenvolvimento
democrático na América Latina. É dentro desse espírito que propomos o conceito de “democracia
inercial” para a democracia latino-americana. Como ponto de partida, argumentamos que o que se
observa na América Latina, do ponto de vista de mudanças, segue um padrão onde mudanças
econômicas, políticas e sociais ocorrem dentro de uma continuidade de um modelo político que não
se altera significativamente, independente da ideologia do governo incumbente, uma vez que
coexistem de forma inercial com ingredientes preexistentes. Tal situação possibilita que as políticas
sociais e econômicas sigam um padrão que pouco se modifica. Se num contexto de mudanças as
coisas precisam mudar para que fiquem iguais, então se pode esperar que num contexto de
(re)democratização com inércia as instituições mudem, sem no entanto, alterar, numa direção
positiva, as normas, valores e crenças normativas da população em relação à democracia.
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Do ponto de vista de uma democracia inercial pode-se compreender o porquê, em alguns
casos, países emergentes com crescimento econômico positivo não conseguem transformar esses
recursos em investimentos sociais sólidos, produzindo frustração nos cidadãos a qual se materializa
em desconfiança nas instituições políticas e na política em geral. É fundamental, portanto,
problematizar como o crescimento econômico com estagnação (ou aumentos nominais) em
investimentos sociais, associados a uma percepção negativa, hostil e de desconfiança nas instituições
políticas, por parte dos cidadãos, produzem desconfiança institucional, contribuindo para criar uma
“inércia democrática”.
Argumentamos que essa situação foi gerada pela lógica de natureza convencional
(institucional), subjacente ao pensamento político hegemônico, o qual não se direciona para a
promoção da estabilidade política dos países em desenvolvimento, pois negligencia os interesses
majoritários, favorecendo o atendimento dos interesses das elites e grupos poderosos. Contribui, nesse
sentido, para manter a maioria dos cidadãos numa situação de desempoderamento político. O
resultado é a vulnerabilidade política dos cidadãos à soberania doméstica do Estado, suas instituições
e seus representantes, uma vez que os governos não adotam os mecanismos necessários para fomentar
a constituição de uma democracia substantiva, que se desenvolva paralelamente com os avanços
formais e procedimentais. Na Figura 1, apresentamos as dimensões conceituais que contribuem para
a constituição de uma sociedade onde prevalece a inércia democrática.
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Figura 1 – Modelo de democracia inercial na América Latina
Fonte: Elaboração própria.
O modelo acima não é linear e sim de efeitos recíprocos. O ponto de partida é a critica ao
pensamento hegemônico que passou a aceitar sem maiores questionamentos a ideia de que, em virtude
da racionalidade subjacente dos atores sociais num sistema político, os avanços formais e
institucionais acarretariam automaticamente na solução de problemas socioeconômicos e políticos.
Não haveria, assim, grandes preocupações com o processo de politização ou estruturação de uma
cultura política, na medida em que os procedimentos institucionais seriam suficientes para catalisar
uma cultura política democrática.
Propomos que tal raciocínio negligência o processo adverso que ocorre entre
desenvolvimento de procedimentos democráticos formais, concomitante com uma memória
catalisada pelos próprios gestores públicos e assimilada pela população, de manter uma prática
política com base em práticas tradicionais e ultrapassadas. Tal assimetria prejudica o
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desenvolvimento de uma sociedade democrática em virtude de produzir efeitos contraditórios aos
esperados pela democracia representativa, ou seja, materializa efeitos de imobilidade ou resistência
às mudanças propostas pelos órgãos públicos, uma vez que não há reação quando estão em contato
um com o outro – procedimentos formais e cultura política. A inércia democrática gera, assim, um
movimento de reprodução de práticas políticas de tal forma que padrões de comportamento negativo
do passado se (re)atualizam no presente. Ou seja, a memória do passado age como fator estruturante
na constituição de um tipo de cultura política, neste caso, pouco afeita a se envolver em assuntos de
natureza política.
Uma democracia inercial apresenta as seguintes características:
1. Eventualmente aumenta o grau de competitividade de um país no mercado
internacional face ao crescimento econômico moderado e aumento da capacidade de arrecadação de
impostos;
2. Uma vez estabelecidos padrões de desigualdade e despolitização dos cidadãos,
materializam-se atitudes e comportamentos que resistem a mudanças impostas pelo contexto
hegemônico da política;
3. Produz uma perda progressiva de valores democráticos;
4. Ativa uma “memória simbólica” de um passado melhor;
5. Propicia o reaparecimento de práticas políticas que erodem princípios democráticos;
6. Gera o surgimento de uma cultura política híbrida;
7. Institucionaliza relações terciárias (Estado-cidadão) ao invés de relações secundárias
(partidos políticos);
8. Produz instituições deficientes e descontextualizadas que privilegiam a desigualdade
econômica e política desembocando numa inércia democrática.
A democracia inercial, portanto, se refere a uma situação na qual os vícios de um passado
autoritário, que afetavam negativamente os princípios democráticos não são eliminados no novo
contexto de democratização, com consequências deletérias para o desenvolvimento econômico e
político e a construção de uma cultura política participativa. Exemplos desses vícios são: clientelismo,
paternalismo, privatismo, corrupção e patrimonialismo. Tais elementos produzem um efeito
contaminado na democracia contemporânea. Assim, é possível ter estabilidade governamental com a
ausência de estabilidade democrática. As conquistas formais da democracia, nesse contexto, não
eliminam práticas políticas negativas corrosivas, e a desigualdade social e econômica são
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reproduzidas em novos cenários tecnológicos (por exemplo, o analfabetismo tradicional é substituído
por analfabetismo digital).
Metodologia
Utilizamos três dimensões conceptuais para identificar uma democracia inercial: a dimensão
econômica, a dimensão de investimentos sociais e a dimensão da cultura política. As diferentes
variáveis incluídas em cada unidade medida são indicadores quantitativos que provêm de várias
fontes: dados agregados secundários e dados de pesquisa tipo survey. Abaixo apresento as medidas
das três unidades de análise.
Dimensão Econômica:
- Indice de Gini: O Índice de GINI mede a extensão na qual a distribuição de renda ou gastos com
consumo de indivíduos ou famílias em uma economia se desvia de uma distribuição perfeitamente
igual.
- Produto Interno Bruto (PIB): Porcentagem anual de crescimento do PIB a preços de mercado
baseados na moeda local constante.
- Capacidade de arrecadação de impostos: A taxa total de impostos mede a quantidade de impostos
e contribuições obrigatórias pagáveis por empresas após contabilização para deduções permitidas e
isenções como uma parte dos lucros comercias
- Exportação de commodities: As exportações de bens e serviços representam o valor de todos os
bens e outros serviços de mercado fornecidos para o resto do mundo
Dimensão de investimentos sociais
- Investimentos em segurança: % do PIB.
- Investimentos em saúde: % do PIB.
- Investimentos em educação: % do PIB.
Dimensão de desconfiança política
- Desconfiança no Congresso
- Desconfiança nos partidos políticos
- Desconfiança no governo
- Desconfiança nos governos locais
- Desconfiança no Presidente
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- Desconfiança na administração pública
- Desconfiança na democracia
- Desconfiança no judiciário
A moldura teórica
A distância entre o ideal e a realidade da democracia em países com experiências recentes
de democratização tem gerado questionamentos sobre seu futuro. Num sentido amplo, as
preocupações emanam da ausência de explicações consistentes a respeito de: Quais as razões que
explicam a diferença em termos de prosperidade democrática entre as nações industrializadas e em
desenvolvimento ou emergentes? Até que ponto as normas socioculturais desempenham papel
significativo na manutenção dessas diferenças? As instituições limitam ou promovem a democracia
nas nações redemocratizadas?
Numa análise retrospectiva se constata que muitas das democracias da terceira onda
(HUNTINGTON, 2000) surgiram com condições iniciais complexas e desafiadoras, sendo as mais
significativas: a expansão da pobreza e da desigualdade, a dependência econômica num pequeno
número de commodities, os elevados níveis de fragmentação política, a falta de efetividade das
instituições políticas em prover uma medição política e a continuação de práticas de corrupção.
Quando as condições iniciais da construção democrática são adversas, uma das principais
consequências é a centralização do poder político-econômico. No entanto, independente dos
constrangimentos que potencialmente limitam o avanço democrático, há um consenso de que os
benefícios da democracia e a coexistência democrática superam significativamente os custos, assim,
a expansão da democracia deve ser promovida e não desencorajada (FUKUYAMA e MCFAUL,
2007).
Se normativamente tal desiderato é um imperativo, na prática o caminho para assegurar tal
requisito está longe de ser um fato materializado. A história tem se encarregado de mostrar que, apesar
da democracia ter persistido por mais de dois séculos, ainda não há consenso sobre seu significado.
Para Dahl (2000), por exemplo, a própria longevidade da democracia tem contribuído para produzir
confusão e discordâncias, pois esse termo tem significado diferentes coisas para diferentes pessoas
em diferentes épocas e lugares.
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Da mesma forma que a maioria dos conceitos na ciência política, o conceito de democracia
sofre de polissemia por ser uma forma difícil de governo para se identificar, estabelecer, manter e
funcionar. Esses obstáculos, segundo Alexander e Sztompa (1990), não têm permitido que se
estabeleça um consenso sobre o significado atual de “progresso democrático”. Pensamos que a
dificuldade em defini-la e colocá-la em prática tem produzido desafios constantes na sua
operacionalização, principalmente nas novas democracias, uma vez que, mesmo que esses países
continuem a mostrar uma prevalência formal e procedimental da democracia, há também
possibilidades de uma estagnação nesse processo, levando na pior das hipóteses, a uma regressão
institucional. Nas condições atuais das democracias em desenvolvimento parece razoável esperar que,
nos próximos anos, alguns países continuem sendo democracias frágeis e inertes.
O perigo imediato, portanto, não se refere a um colapso da democracia, já que há um
consenso de que a prevalência da democracia é inevitável, marcando uma era de prosperidade e de
direitos humanos. Esse consenso é construído com base nos estudos de Inglehart e Welzel (2005),
para quem os aspectos dominantes contemporâneos da democracia são compostos por valores
culturais, de independência, de individualidade, de liberdade e de valores e méritos de sucesso
individual. Esses valores se fortaleceram ainda mais em decorrência da ideia proposta por Fukuyama
(1992) sobre o fim da história e o fim do último homem e a hegemonia da democracia liberal.
Por não haver um modelo universal de democracia, a maior parte dos países se localiza
dentro de um campo amplo de diversos tipos de democracias políticas ou poliárquias, onde
prevalecem carências e deficiências em vários dos seus atributos, principalmente de natureza
substantiva o que as tornam democracias limitadas e incompletas que requerem outras formas de
estudo além da tradicional democracia-autoritarismo. Por exemplo, a despeito de estudos e pesquisas
que têm avaliado o papel da dimensão econômica na construção democrática, continua a existir
dúvidas sobre o impacto do agravamento das condições econômico-sociais na estagnação da
democracia. Um fato incontestável diz respeito à insatisfação da população com os governos de
plantão quando o Estado se mostra incapaz de dar respostas consistentes para a melhoria do seu bem-
estar e qualidade de vida.
Tal situação é observável nas democracias da terceira onda, onde as vicissitudes da
democracia e da participação política estão vinculadas ao desempenho deficiente das instituições
convencionais de mediação e representação política, bem como à existência de desigualdades sociais.
No caso da América Latina, considerada uma região mais democrática do que outras partes do mundo,
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incluindo a Ásia, nenhuma nação apresenta uma história ininterrupta de governos democráticos,
(talvez, a exceção seja a Costa Rica) e desvios nesses países em termos de governos autoritários,
supressão de direitos humanos e civis têm se materializado em ações estatais de natureza violenta
(FUKUYAMA, 2008).
A questão central, portanto, se refere a se as democracias podem ser reduzidas meramente a
regras eleitorais. Taapagera (2003), por exemplo, coloca em dúvida o efeito causal de arranjos
eleitorais em outras características do sistema político. Por sua vez, Cranenburgh (2006), em estudo
realizado na África, defende que a cultura política e o comportamento das elites devem ser
consideradas variáveis importantes em sistemas de um partido dominante. Spinner (2007, p. 24), na
sua análise da União Soviética, constatou que “a cultura política da elite não era consensualista, apesar
da presença de um cenário institucional de consenso democrático”. Para ele as instituições são
moldadas pelas memórias coletivas de conjunturas históricas impactantes.
No caso da América Latina, Jose Nun (1993) apontava, há três décadas, que a ênfase em
regras e procedimentos não levava em conta as configurações das relações de poder e negligenciava
as variadas formas de como os atores interpretam as regras, negociam em torno delas e as aplicam
em função de recursos de poder os quais são distribuídos de forma desigual. Nesse sentido, as
transições democráticas tinham uma familiaridade com o paradigma teórico democrático, ou seja, se
assemelhavam a democracias e apresentavam elementos das democracias, porém não o eram.
Sociedades com essas características, segundo Baloyra (1993), podiam ser mais adequadamente
caracterizadas como regimes de “despotismo autoritário”, pois misturavam procedimentos eleitorais
com autoritarismo.
A história tem demonstrado que quando a democracia é reduzida a aspectos meramente
formais, as pessoas internalizam “rituais democráticos” a serem cumpridos. Do ponto de vista dos
eleitores, a participação eleitoral se constitui no procedimento adequado e único na escolha de seus
representantes num ambiente competitivo entre partidos. As elites dirigentes, por sua vez, negociam
o estabelecimento das regras e procedimentos para se manterem ou conquistarem o poder com base
nas relações de poder existentes (político, militar e econômico). Estabeleciam-se também os assuntos
que podiam ser legitimamente apresentados e discutidos e quais não podiam, ou seja, as elites
definiam o que era ou não considerado democrático. A consequência não podia ser outra senão o
enraizamento de atitudes e comportamentos conflitivos entre Estado e sociedade.
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Embora do ponto de vista formal eleições tenham se tornado uma pratica padronizada
globalmente e o direito ao voto tenha sido promovido pela comunidade internacional, pelos
movimentos populares e saudado, como um sinal de legitimidade dos governos eleitos, tais fatores
estão longe de garantirem uma democracia plena. A institucionalização da política eleitoral não tem
catalisado, necessariamente, a consolidação da estabilidade política ou econômica. Os mecanismos
formais da política eleitoral têm se enraizado de forma duradoura, no entanto a interseção entre
construção democrática e credibilidade institucional tem se tornado um dos principais desafios para
os cientistas políticos explicarem.
Outro fator, para melhor compreender o papel das instituições no processo democrático em
países emergentes, diz respeito à premissa central que considera que as mesmas já nascem com poder
institucional e que as regras são estáveis e obedecidas. Tal pressuposto não parece ser o mais
apropriado para o contexto das democracias da terceira onda, tendo em vista a fragilidade institucional
histórica desses países. Por exemplo, ao analisar o contexto latino-americano, Weyland (2008)
argumenta que modelos que utilizam a teoria do equilíbrio pontual (punctuated equilibrium) são
insuficientes, pois esta Região se caracteriza por ser uma área onde mudanças institucionais são
descontinuadas. Caso típico seria a previsão de alguns autores que, após a transição política, ocorreria
uma institucionalização perversa fruto da influência das Forças Armadas na política, determinando
um tipo de democracia tutelada (VALENZUELA, 1992), o que não se confirmou. Nessa perspectiva,
a teoria de equilíbrio pontual não produziu uma continuidade institucional.
A alternativa para esse dilema proposta por Chang (2000), e com a qual nos concordamos, é
aprender com a história. Os países em desenvolvimento podem aprender das experiências dos países
desenvolvidos sem ter que pagar os custos envolvidos no desenvolvimento de novas instituições. Este
processo é fundamental, pois uma vez estabelecidas, pode se tornar bastante difícil mudar o
funcionamento das instituições. Nesse sentido, a abordagem institucionalista padeceria do mesmo
problema da abordagem da cultura política, qual seja mudar os valores e normas dos cidadãos a curto
e médio prazo. Em face desse obstáculo, o desafio da construção democrática nos países emergentes
é como conciliar um desenvolvimento paralelo entre instituições e valores políticos. Quando esses
dois aspectos se movimentam em direções opostas, o resultado, em nossa opinião é a inércia
democrática.
A presença da inércia impacta o papel que as instituições têm no processo de garantir
estabilidade política. Por exemplo, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, a cultura política
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prioriza o consenso e o compromisso com a governabilidade por parte dos cidadãos que foram
socializados dentro dos parâmetros de respeito à lei e à autoridade (seja no sentido contratualista ou
comunitário). O mesmo não pode se dizer da América Latina, onde os conflitos sociais têm sido mais
severos e a habilidade de grupos sociais no uso de instituições formais para resolver, mediar ou
mitigar esses conflitos tem sido pouco eficiente. Enquanto que reformas das instituições formais
podem aliviar alguns tipos de disfunções políticas, as raízes causais da instabilidade política e
governança frágil provavelmente existem nos níveis mais profundos da estrutura social ou da cultura
política.
A importância estratégica da cultura política na promoção da estabilidade política e
socioeconômica de um país, segundo Nye, (2015) depende, dentre outros fatores, da existência de um
poder macio (soft power) que resulta da cultura, dos valores políticos e da política externa.
Igualmente, conhecimento e capital humano possibilitam a uma economia manter as taxas de
crescimento que são independentes do nível de riqueza que já existe.
Os dois primeiros fatores – cultura e valores políticos – são produzidos, preponderantemente,
pela sociedade civil e pelas instituições que transmitem esses valores, normas e crenças sobre o
mundo político, estruturando, dessa maneira, um determinado tipo de cultura política. Embora possa
ser argumentado que crenças, atitudes e comportamentos são conjunturais ou cíclicos, no caso da
América Latina, algumas características são estruturais e exercem uma influência decisiva na
manutenção de determinados traços da personalidade política dessas nações, que sem ser
deterministas da estrutura política, auxiliam na sua manutenção.
Um fenômeno universal?
A situação da perda de credibilidade das instituições políticas não é privilégio das democracias
emergentes. Dalton, Scarrow e Cain (2004) mostraram preocupação com as dúvidas dos cidadãos de
democracias industriais a respeito do funcionamento eficiente dos governos democráticos com base,
unicamente, nos princípios e instituições do governo representativo. Pesquisas têm mostrado
recorrentemente (Latinobarômetro, Pesquisa Mundial de Valores) que na maioria desses países, os
cidadãos tornaram-se céticos em relação a políticos, partidos políticos e instituições políticas. Para os
autores, esses sinais apontam para a institucionalização da insatisfação com as instituições e a
democracia representativa.
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A ineficiência da democracia representativa contemporânea, inclusive nos países
considerados consolidados, é ilustrada pelos Estados Unidos. A percepção dos cidadãos nesse país
sobre sua democracia é de que não se constitui uma verdadeira democracia porque consideram que o
processo de tomada de decisões tem sido usurpado por várias gerações de autoridades eleitas que
agem em benefício próprio. O resultado dessa usurpação tem se manifestado na estagnação da
economia, no desemprego, na queda de salários e poder aquisitivo (ROSEFIELDE e MILLS, 2010).
Na mesma direção, Unger (2002) argumenta que a despeito dos Estados Unidos ser uma
nação hegemônica com um senso de sucesso em relação aos outros países desenvolvidos, os cidadãos
se sentem excluídos, parte de uma maioria fragmentada e marginalizada, sem poder para reformar as
bases coletivas dos problemas coletivos que enfrentam. Ao mesmo tempo, consideram que a sua
mobilidade social está bloqueada para eles e seus filhos no que é supostamente uma sociedade sem
classes. Eles acreditam que os gestores públicos e os grandes negócios estão juntos numa conspiração
predatória. Se sentem desacorçoados em relação à política e aos políticos, e buscam uma escapatória
individual desse predicamento social.
Para Lynn (2014), atualmente, os Estados Unidos se constitui na maior democracia desigual
entre os países desenvolvidos, pois detém a maior concentração de renda no topo social. A
desigualdade medida em termos de concentração de renda no topo coloca os Estados Unidos lado a
lado, do ponto de vista da desigualdade, com América Latina. Segundo a autora, o país enfrenta o
maior desafio de exclusão social desde a Grande Depressão de 1929. As políticas públicas e o gasto
social não têm sido suficientes para aliviar a pobreza e a desigualdade das pessoas menos
aquinhoadas. Nessa perspectiva, destaca a importância de entender uma relação que tradicionalmente
foi negligenciada pelos estudos na América Latina, e que coloca no centro do debate da desigualdade,
à relação entre economia e política.
Percepção semelhante é a de Roselfilde e Mills (2010), para quem o país tem ingressado
numa época de paralisia política, crise e declínio. Para eles o governo federal norte-americano tem se
degenerado num sistema de consenso que controla a população. Nesse cenário, onde representantes
eleitos avarentos controlam os serviços e recursos públicos para seus próprios benefícios, a
democracia se torna sem substância, sendo seus representantes adjetivados como “politarcas”, e o
sistema que eles desenham e controlam em colaboração com os grandes negócios (big bussiness) e a
“grande advocacia social” é referido como uma politocracia (politocracy).
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Esse modelo postula que os políticos atuais, junto com os grandes negócios e a advocacia
social, coletivamente determinam a agenda nacional e doutrinam o povo de tal forma que lhes permite
não somente supertributar, mas usufruir via controle monetário e fiscal, da inflação, de subsídios, de
preferencias e de gastos com recursos arrecadados de impostos. Tal situação se aplica tanto interna
quanto externamente, tendo como resultado a diminuição da competitividade, eficiência e potencial
de crescimento. Igualmente, coloca a macroeconomia num estado de desiquilíbrio perpetuo, resultado
de gastos deficitários permanentes, aumento da dívida interna, criação excessiva de crédito e
regulações financeiras frágeis. A vitalidade econômica, a ineficiência governamental, o desperdício,
a fraude, o abuso e a corrupção são consequências correlatas de um sistema politárquico.
Some-se a isso a construção de um panorama no imaginário coletivo da população norte-
americana de que a democracia e suas instituições podem sanar todos os problemas, apesar de um
considerável ceticismo com a política. Essa percepção é tributária da tradição Jeffersoniana que
postula que a desconfiança e ceticismo em relação às instituições políticas podem ser salutares, pois,
quando se examina o cenário político constitucional, as atitudes são preponderantemente positivas
(cerca de 90% dos norte-americanos consideram seu país o melhor lugar para se viver e a democracia
a melhor forma de governo). Uma percentagem reduzida considera que o governo é ineficiente,
justificando sua derrocada.
Os dados empíricos
A seguir apresentamos a evolução dos indicadores das dimensões conceituais utilizadas,
tentando identificar o ponto de saturação entre economia e democracia, ou seja, onde passam a se
movimentar em direções opostas. Iniciamos com a análise do índice de desigualdade existente na
América Latina (GINI)
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Gráfico 1 – Índice de GINI na América Latina 1996-2010
Fonte: Banco Mundial, 1990-2010.
Tabela 1 – Índice de Gini (1996 a 2010)
País Média Desvio padrão Curva normal
Teste Skewness
ARGENTINA 49,572667 2,9279673 0,15
BOLIVIA 58,367778 1,9897285 1,466
BRASIL 58,235385 2,1209377 -0,483
COLOMBIA 54,036667 1,6470782 -0,824
COSTA RICA 57,897692 1,3152323 0,328
CHILE 48,407143 1,8333426 -0,179
ECUADOR 53,441 3,3869896 0,608
SALVADOR 55,956667 1,7568001 1,438
GUATEMALA 57,181538 2,3218378 -0,182
HONDURAS 48,87 1,8296174 0,296
MÉXICO 42,923333 2,387935 -0,257
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NICARAGUA 55,408 2,2241892 -0,522
PANAMA 50,956429 5,4607841 -2,057
PARAGUAY 54,454167 2,1766758 -0,16
PERÚ 50,245833 2,8189052 -0,027
URUGUAY 45,595714 1,6044588 -0,823
VENEZUELA 47,73625 1,4112906 -1,286
América Latina 52,38394383
Fonte: Banco Mundial, 1990 a 2010.
Um sistema político dificilmente pode ser considerado democrático quando a maioria dos
cidadãos convivem com profundas desigualdades de todo tipo e sem perspectivas futuras de uma
melhoria estrutural. Para Altimir (1994) há um movimento perverso de reciprocidade causal na qual
a desigualdade aumenta a pobreza e esta, por sua vez, expande as desigualdades, possibilitando que
o crescimento econômico e a crescente pobreza se tornem compatíveis. A evolução do índice de
desigualdade, medido pelo GINI e apresentado no Gráfico 1, mostra que no período 1996-2010, não
houve uma redução significativa da desigualdade, se mantendo na média de 52 pontos.
Nesse cenário, cabe perguntar: quais são as possibilidades de fortalecimento democrático
quando cerca da metade da população está fora dos benefícios gerados pelo desenvolvimento? O
conflito latente que se gesta entre as classes mais abastadas (que se sentem ameaçadas pela
possibilidade de mobilidade social generalizada) e as classes mais pobres (que responsabilizam os
que se localizam no topo da hierarquia social) é inevitável. Tal situação é agravada pela magnitude
dos investimentos sociais como pode ser visto no próximo Gráfico.
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Gráfico 2 – Investimentos na educação na América Latina (1999-2010)
Fonte: Banco Mundial, 1990 a 2010.
Tabela 2 – Investimento em Educação (1996 a 2010)
País Média Desvio padrão Curva normal
Teste Skewness
ARGENTINA 4,592225 0,7878356 0,499
BOLIVIA 6,259693 0,9979745 0,451
BRASIL 4,654013 0,737373 0,249
COLOMBIA 4,130013 0,382082 0,469
COSTA RICA 4,866628 0,5880229 0,949
CHILE 3,571215 0,4402531 -0,013
ECUADOR 1,988542 1,3342795 1,519
SALVADOR 2,983093 0,5480383 0,616
GUATEMALA 2,71481 0,6578161 -2,002
HONDURAS
MÉXICO 4,932572 0,3428013 -0,841
NICARAGUA 2,923022 0,8662603 1,793
PANAMA 4,344801 0,4160422 0,284
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PARAGUAY 4,01803 0,4001423 -0,075
PERÚ 2,879386 0,2444277 0,349
URUGUAY 2,535746 0,2950655 -0,224
VENEZUELA 4,723687 1,8629318 1,731
América Latina 3,974141
Fonte: Banco Mundial, 1990 a 2010.
Não se pode deixar de reconhecer o impacto favorável dos esforços da política fiscal em
matéria de educação. De fato, provavelmente esse investimento tenha sido a contribuição mais
importante da política social na redução da desigualdade. A ampliação dos novos esquemas de
transferências, também tem contribuído para a melhoria distributiva, porém seu impacto tem sido
menor do que se sugere em alguns estudos recentes. Domínguez (2008), por exemplo, argumenta que
a insuficiência de investimentos na formação de recursos humanos qualificados tem gerado uma
moldura institucional adversa ao crescimento econômico. Nesse cenário, apesar das iniciativas das
autoridades responsáveis no sentido de introduzir novas medidas para romper com a inércia, elas têm
sido ineficazes, contribuindo para o aprofundamento da mesma.
No gráfico 2, se constata que a despesa com educação de 1999 a 2007 oscilou pouco,
experimentando um aumento que pode ser considerado significativo somente a partir de 2007 até
2009, e caindo a partir desse ano, resultado da crise mundial de 2008, que teve início nos EUA.
Na Figura 2, apresentamos um resumo comparativo dos conceitos que levam a
institucionalização de uma democracia inercial na América Latina.
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Figura 2 – Análise comparativa das dimensões da democracia inercial
Fonte: Banco Mundial (1990-2010), Cepal (1990-2012) e Latinobarômetro (1996-2010).
Os dados da Figura 2, indicam que nos últimos 23 anos (1990-2013), as economias latino-
americanas se encontram em situação de instabilidade macroeconômica, crescimento estagnado,
investimentos sociais insuficientes e um crescimento da desconfiança dos cidadãos nas instituições
da democracia representativa.
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Temos, assim, mais dois elementos que tipificam a democracia inercial latino-americana; (1)
políticas econômicas que não favorecem as massas excluídas e que mantém o desemprego inalterado
e estagnado, e (2) a estagnação da renda média anual dos latino-americanos, produzindo uma queda
na qualidade de vida.
Algumas considerações finais
Nas conclusões que se seguem tentamos coordenar os diferentes conceitos e os argumentos
que constituem a gramática do que chamamos de democracia inercial. A tentativa é desafiar
gramáticas existentes em virtude das novas demandas democráticas. Neste trabalho, consideramos as
preocupações teóricas tradicionais, tanto na sua dimensão da retórica quanto na dimensão das práticas
e sua influência na estruturação de um tipo específico de cultura política na América Latina, tentando
ir além.
Nosso objetivo é tentar redefinir os parâmetros do debate sobre democracia na América
Latina, questionando determinadas generalizações que buscam se assentar como teoremas universais
e que têm e são aceitos como tais. O resultado tem sido uma distorção permanente da história dos
nossos países que são geralmente explicados por meio de uma epistemologia alheia a nossa realidade,
atrasando, portanto, o fortalecimento democrático na sua dimensão substantiva.
Um dos pontos principais do nosso argumento é de que a correlação entre fatores
econômicos, investimentos sociais e tipo de cultura política, quando assimetricamente relacionados,
produzem um tipo específico de democracia, não contemplado por teorias anteriores. Os teóricos da
transição proporcionaram o ponto de partida sobre este tema ao identificar a necessidade de
reconceitualizar e reterritorializar a evolução democrática de diferentes países com características
variadas e distintas. Para Carrothers (2008) não há uma sequência linear de estágios – do colapso a
consolidação democrática – que todos países atravessam no seu caminho para a democracia, após
regimes autoritários. Pelo contrário, o autor argumenta que muitos países engajados em transições
democráticas estavam, de fato, situados numa zona cinzenta, da qual não havia certeza se a curto
prazo – ou se de fato – emergiriam como democracias liberais.
O dilema que América Latina enfrenta para fortalecer a democracia na sua dimensão
substantiva reside em desenvolver esforços que nos mostrem outros caminhos a serem seguidos para
alcançar esse objetivo.
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