9
57 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(Suplemento):57-65, 2002 ARTIGO ARTICLE Desigualdades raciais no Brasil: síntese de indicadores e desafios no campo das políticas públicas Racial inequalities in Brazil: a synthesis of social indicators and challenges for public policies 1 Centro de Estudos Afro-Brasileiros, Instituto de Humanidades, Universidade Cândido Mendes. Praça Pio X 7, 7 o andar, Rio de Janeiro, RJ 20040-020, Brasil. [email protected] Rosana Heringer 1 Abstract This article aims to systematize and analyze social data that reveal the dimension of racial inequalities in Brazil. The point of departure is that racial inequalities affect the capacity for integration of Blacks into Brazilian society and jeopardize the proposal to build a democratic society with equal opportunities for all. Such inequalities are present at different moments in the individual life cycle, beginning in childhood and continuing through school years, in access to urban infrastructure, and crystallizing in the labor market, consequently determining the in- come and living conditions of Afro-Brazilians as a whole. The article also analyzes the main po- sitions in the political debate on racial inequalities in Brazil, identifying recent initiatives by both the Brazilian government and civil society to deal with racial discrimination and racial in- equalities. The article concludes by identifying key challenges for health policy-makers in this context. Key words Blacks; Racial Discrimination; Racial Inequality; Public Policy; Social Indicators Resumo Este artigo pretende sistematizar e analisar indicadores que revelam a dimensão das desigualdades raciais no Brasil. Parte-se do princípio de que as desigualdades raciais, ao afeta- rem a capacidade de inserção dos negros na sociedade brasileira, comprometem o projeto de construção de um país democrático e com oportunidades iguais para todos. Essas desigualdades estão presentes em diferentes momentos do ciclo de vida do indivíduo, desde a infância, passan- do pelo acesso à educação, à infra-estrutura urbana e cristalizando-se no mercado de trabalho e, por conseqüência, no valor dos rendimentos obtidos e nas condições de vida como um todo. Tam- bém serão apresentadas as principais vertentes do atual debate político sobre desigualdades ra- ciais no Brasil, identificando as iniciativas por parte do Estado brasileiro e da sociedade civil destinadas a enfrentar a discriminação e as desigualdades raciais. Finalmente, pretende-se apon- tar alguns desafios colocados para os formuladores de políticas de saúde a partir deste quadro. Palavras-chave Negros; Discriminação Racial; Desigualdade Social; Política Social; Indicadores Sociais

Desigualdades raciais no brasil

Embed Size (px)

DESCRIPTION

 

Citation preview

Page 1: Desigualdades raciais no brasil

57

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(Suplemento):57-65, 2002

ARTIGO ARTICLE

Desigualdades raciais no Brasil: síntese de indicadores e desafios no campo das políticas públicas

Racial inequalities in Brazil: a synthesis of socialindicators and challenges for public policies

1 Centro de Estudos Afro-Brasileiros, Instituto de Humanidades,Universidade CândidoMendes. Praça Pio X 7,7o andar, Rio de Janeiro, RJ20040-020, [email protected]

Rosana Heringer 1

Abstract This article aims to systematize and analyze social data that reveal the dimension ofracial inequalities in Brazil. The point of departure is that racial inequalities affect the capacityfor integration of Blacks into Brazilian society and jeopardize the proposal to build a democraticsociety with equal opportunities for all. Such inequalities are present at different moments in theindividual life cycle, beginning in childhood and continuing through school years, in access tourban infrastructure, and crystallizing in the labor market, consequently determining the in-come and living conditions of Afro-Brazilians as a whole. The article also analyzes the main po-sitions in the political debate on racial inequalities in Brazil, identifying recent initiatives byboth the Brazilian government and civil society to deal with racial discrimination and racial in-equalities. The article concludes by identifying key challenges for health policy-makers in thiscontext.Key words Blacks; Racial Discrimination; Racial Inequality; Public Policy; Social Indicators

Resumo Este artigo pretende sistematizar e analisar indicadores que revelam a dimensão dasdesigualdades raciais no Brasil. Parte-se do princípio de que as desigualdades raciais, ao afeta-rem a capacidade de inserção dos negros na sociedade brasileira, comprometem o projeto deconstrução de um país democrático e com oportunidades iguais para todos. Essas desigualdadesestão presentes em diferentes momentos do ciclo de vida do indivíduo, desde a infância, passan-do pelo acesso à educação, à infra-estrutura urbana e cristalizando-se no mercado de trabalho e,por conseqüência, no valor dos rendimentos obtidos e nas condições de vida como um todo. Tam-bém serão apresentadas as principais vertentes do atual debate político sobre desigualdades ra-ciais no Brasil, identificando as iniciativas por parte do Estado brasileiro e da sociedade civildestinadas a enfrentar a discriminação e as desigualdades raciais. Finalmente, pretende-se apon-tar alguns desafios colocados para os formuladores de políticas de saúde a partir deste quadro.Palavras-chave Negros; Discriminação Racial; Desigualdade Social; Política Social; IndicadoresSociais

Page 2: Desigualdades raciais no brasil

HERINGER, R.58

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(Suplemento):57-65, 2002

Introdução

O Brasil encontra-se entre as maiores econo-mias do mundo e foi considerado, ao longo devárias décadas, o país da “democracia racial”.Entretanto, embora nunca tenha se consolida-do no país um regime de segregação racial le-gal e formal, a realidade brasileira é outra. Asdistinções e desigualdades raciais são contun-dentes, facilmente visíveis e de graves conse-qüências para a população afro-brasileira e pa-ra o país como um todo. A literatura é pródigaem trabalhos que demonstram, ao longo de dé-cadas, a presença e a persistência das desigual-dades raciais a da situação subalterna do negrona sociedade brasileira (Fernandes, 1978; Gui-marães, 1999, 2002; Hasenbalg & Silva, 1988,1992, 1999).

Este artigo pretende sistematizar e analisarindicadores que revelam a dimensão das desi-gualdades raciais no Brasil. Também serão apre-sentadas as principais vertentes do atual deba-te político sobre desigualdades raciais no Bra-sil, identificando as iniciativas por parte do Es-tado brasileiro e da sociedade civil destinadasa enfrentar a discriminação e as desigualdadesraciais. Finalmente, pretende-se apontar al-guns desafios colocados para os formuladoresde políticas de saúde a partir deste quadro,bem como serão identificadas algumas lacunasde conhecimento e necessidades de investiga-ção neste campo de intervenção e avaliação depolíticas públicas.

As informações apresentadas praticamentefalam por si mesmas. As desigualdades são gra-ves e, ao afetarem a capacidade de inserção dosnegros na sociedade brasileira, comprometemo projeto de construção de um país democráticoe com oportunidades iguais para todos. Apre-sentam-se em diferentes momentos do ciclo devida do indivíduo, desde a saúde na infância,passando pelo acesso à educação e cristalizan-do-se no mercado de trabalho e, por conse-qüência, no valor dos rendimentos obtidos enas condições de vida como um todo. Está pre-sente na diferença entre brancos e negros emtermos de acesso à justiça. Esperamos que asinformações e análises aqui contidas sirvam desubsídio para uma reflexão profunda sobre asdesigualdades raciais no Brasil, levando à su-gestão e à adoção de medidas que venham abeneficiar, em curto prazo, a população negrado Brasil.

Contextualização histórica e distribuição da população por cor

O Brasil foi o último país do mundo a abolir otrabalho escravo de pessoas de origem africa-na, em 1888, após ter recebido, ao longo demais de três séculos, cerca de quatro milhõesde africanos como escravos (Heringer et al.,1989; IBGE, 1987). Embora nenhuma forma desegregação tenha sido imposta após a abolição,os ex-escravos tornaram-se, de maneira geral,marginalizados em relação ao sistema econô-mico vigente. Além disso, o governo brasileiroiniciou, na segunda metade do século XIX, oestímulo à imigração européia, numa tentativaexplícita de “branquear” a população nacional.Milhões de imigrantes europeus entraram nopaís durante as últimas décadas do século XIXe no início do século XX. Essa força de trabalhofoi contratada preferencialmente tanto na agri-cultura como na indústria que estava sendoimplantada nas principais cidades.

Durante a década de 1930, quando o paísiniciava sua industrialização e, ao mesmo tem-po, seus intelectuais debatiam em torno da de-finição de uma identidade nacional, havia umainterpretação que ganhou força no meio inte-lectual brasileiro, que assinalava “a idéia deque o Brasil era uma sociedade sem ‘linha decor’, ou seja, uma sociedade sem barreiras legaisque impedissem a ascensão social de pessoas decor a cargos oficiais ou a posições de riqueza eprestígio” (Guimarães, 2002:139), sintetizadana concepção de uma democracia racial. A ori-gem precisa desta expressão não está totalmen-te esclarecida. Como afirma Guimarães (2002:139), “na literatura acadêmica especializada, ouso primeiro parece caber a Charles Wagley: ‘OBrasil é renomado mundialmente por sua de-mocracia racial’, escrevia Wagley, em 1952...”.No lugar de nos envergonharmos de nossamaioria negra e mestiça, devíamos nos orgu-lhar e admirar isto como um sinal de nossa to-lerância e integração racial. Afinal, nós nãopossuíamos uma segregação legal como nosEstados Unidos e na África do Sul e éramos ca-pazes de conviver bem com todas as raças. De-pois da Segunda Guerra Mundial, a Organiza-ção das Nações Unidas para a Educação, Ciên-cia e Cultura (UNESCO) financiou um extensoprojeto de pesquisa sobre o Brasil. SegundoMaio (1999:143-144), “a ‘opção Brasil’ guardaíntima relação com o contexto internacional daépoca. (...) A controvertida crença numa demo-cracia racial à brasileira, que teve no sociólogoGilberto Freyre a mais refinada interpretação,tornou-se assim um dos principais alicercesideológicos da integração racial e do desenvol-

Page 3: Desigualdades raciais no brasil

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(Suplemento):57-65, 2002

vimento do país e foi suficientemente substanti-va para atrair a atenção internacional”.

O Projeto Unesco constituiu-se num im-portante marco do estudo sobre relações ra-ciais no Brasil e no processo de institucionali-zação das Ciências Sociais de uma forma geral.Alguns autores afirmam que o Projeto Unescofrustrou suas expectativas iniciais ao ter identi-ficado o preconceito racial persistente no país,que era com freqüência descrito como “paraísoracial” (Skidmore, 1976; Winant, 1994). Maio(1999), entretanto, afirma que embora houves-se por parte da Unesco “uma imagem positivado país em matéria racial”, o projeto “desenvol-veu-se de forma mais complexa”, resultandonuma visão mais contrastante do cenário racialbrasileiro. Maio (1999:151) reproduz uma de-claração do principal idealizador do ProjetoUnesco, Alfred Métraux, na qual ele considerao Brasil “um exemplo de país onde as relaçõesentre as raças são relativamente harmoniosas,todavia registra que ‘seria uma exagero [...] afir-mar que o preconceito racial é ignorado”.

Durante os anos 60 e 70, a ditadura militarsuprimiu muitas formas de liberdade intelec-tual e atividade política, dificultando a organi-zação dos movimentos sociais e, entre eles, domovimento negro. Isto não impediu, porém,que florescessem várias formas de resistênciacultural negra, principalmente nos grandes cen-tros urbanos. O Censo Nacional de 1970 não in-cluiu o quesito sobre raça ou cor em seus for-mulários. No fim dos anos 70, uma variedadede movimentos sociais começou a se reorgani-zar, buscando melhorar as condições sociaisdo país (Hanchard, 2001). Entre eles, grupos re-feridos genericamente como Movimento Negroestavam decididos a combater a discriminaçãoracial no Brasil. O primeiro governo civil foieleito indiretamente em 1985. Os anos 80 fo-ram marcados por importantes avanços, emtermos de democratização política, culminan-do com a promulgação de uma nova Constitui-ção em 1988.

Neste período, estudiosos começaram, maisuma vez, a examinar a “questão racial”, contri-buindo para a construção de uma rede com-posta por intelectuais, ativistas e agências decooperação internacional que favoreceram ainserção da questão racial na agenda públicanacional (Bourdieu & Wacquant, 2002). Mili-tantes denunciaram as desigualdades raciais etentavam entender por que o mito da demo-cracia racial ainda estava vivo e era aceito demaneira geral. Em um país com enormes desi-gualdades sócio-econômicas, era difícil para osnegros compreender que suas condições de vi-da precárias eram resultantes também da dis-

DESIGUALDADES RACIAIS NO BRASIL 59

criminação racial. Isto começou a mudar devi-do à crescente visibilidade de um ativo Movi-mento Negro, à presença de um pequeno gru-po de intelectuais negros e de artistas que fre-qüentemente levantavam o assunto e, também,à intenção governamental de fazer algo em re-lação ao assunto, criando agências específicaspara cuidar da cultura negra, da situação dosdescendentes dos antigos escravos e da legisla-ção anti-racista.

Critérios de classificação racial

O censo brasileiro pede às pessoas que se clas-sifiquem dentro de uma das cinco categoriasseguintes: branco, preto, pardo, indígena ouamarelo (oriental). Pretos e pardos constituem45% de toda população e 98.7% da populaçãonão-branca (IBGE, 1996).

No Brasil, o conceito de raça encontra-semais relacionado à cor da pele e traços faciaisdo que à ancestralidade. Isso levou alguns es-tudiosos a analisar a classificação racial brasi-leira não enquanto grupos raciais, mas simgrupos de cor (Degler, 1991).

Outra característica da classificação brasi-leira se relaciona ao nosso passado e ao mitoda democracia racial. Como Guimarães expli-ca: “a especificidade do racismo brasileiro, oudo racismo latino-americano em geral, vem dofato de que a nacionalidade brasileira não foiformada, ou ‘imaginada’, para usar a metáforade Anderson, como uma comunidade de indiví-duos etnicamente dissimilares, vindos de todasas partes da Europa, como ocorreu nos EUA. OBrasil é um amálgama de mestiços de diferentesorigens raciais e étnicas, cuja raça e etnicidadeforam perdidas, a fim de ganhar a nacionalida-de brasileira” (Guimarães, 1995:215).

Para propósitos estatísticos, considerando-se que a flexibilidade da classificação de cor noBrasil torna difícil diferenciar ambos os grupos,e também a proximidade em termos de indica-dores sócio-econômicos entre os dois grupos,pesquisadores como Nelson do Valle Silva eCarlos Hasenbalg, seguidos por vários outros,consideram geralmente pretos e pardos juntos,como uma única categoria. Assume-se que amaioria dos pardos possui ascendência africa-na. Neste texto, as palavras negros e afro-brasi-leiros são usadas alternadamente, significandoaqueles que se classificam como pretos e par-dos nas pesquisas do IBGE.

A partir dos dados mais recentes disponí-veis na Tabela 1, podemos observar que a po-pulação brasileira compõe-se de 54% de bran-cos e 45,3% de negros, segundo a auto-declara-ção dos informantes. A distribuição regional

Page 4: Desigualdades raciais no brasil

HERINGER, R.60

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(Suplemento):57-65, 2002

apresenta-se bastante diferenciada, com gran-de concentração da população afro-brasileiranas regiões Nordeste e Norte. O sul do país pos-sui população majoritariamente branca e a Re-gião Centro-Oeste apresenta uma distribuiçãoequilibrada entre brancos e negros, similar àdistribuição nacional.

Infra-estrutura urbana e habitação

É de conhecimento geral a estreita relação en-tre as condições de saúde e o acesso à infra-es-trutura básica em termos de serviços públicos,tais como saneamento, coleta de lixo e acesso àeletricidade, entre outros. Os dados disponí-veis na Tabela 2, para 1999, revelam que bran-cos e negros no Brasil têm um acesso desiguala estes serviços.

Outros indicadores de condições de vida eacesso a serviços disponíveis para o ano de1999, citados por Henriques (2001), revelammais aspectos da desigualdade entre negros ebrancos no que diz respeito à infra-estruturaurbana. Ainda que este quadro tenha melhora-do para o conjunto do país ao longo da década,as diferenças entre negros e brancos permane-cem, conforme pudemos ver anteriormente. Se-gundo o IBGE (1999), 15,2% dos brancos vivemem domicílios sem coleta de lixo, enquanto30,3% dos negros encontram-se nesta situação.

Analisando este e outros indicadores habi-tacionais numa série histórica (1992-1999),Henriques (2001:18), afirma que os dados indi-cam “uma trajetória de aumento das diferençasentre brancos e negros, sobretudo nos indicado-res de acesso à coleta de lixo, escoamento sani-tário, acesso à energia elétrica e abastecimentode água”.

Baseados nesses e em outros dados, os pes-quisadores Wânia Sant’Anna & Marcelo Paixão(1997), utilizaram o Índice de Desenvolvimen-to Humano (IDH), usado pelo Programa das Na-ções Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),para calcular a qualidade de vida relativa dapopulação afro-brasileira (pretos e pardos). OIDH do conjunto da população brasileira erade 0,796 (para um máximo de 1,000). Para osafro-brasileiros, o IDH era 0,573.

“O IDH para os afro-brasileiros é pior do queo dos países latino-americanos, exceto Nicará-gua, que vem logo atrás com 0,568. (...) Umatriste situação para o paraíso da democracia ra-cial...” (Sant’Anna & Paixão, 1997:33).

Acesso à educação

O acesso à educação é geralmente apresentadopelos estudiosos como um dos principais fato-res associados ao alcance de melhores oportu-nidades no mercado de trabalho e, conseqüen-temente, um melhor rendimento. Para um gran-de contingente da população, o aumento daescolaridade é visto como o principal caminhode mobilidade social ascendente dos indiví-duos. Diante deste quadro, ganha ainda maisimportância a análise das oportunidades edu-cacionais de brancos e negros no Brasil, e, prin-cipalmente, sobre a relação entre este desem-penho e a alocação dos dois grupos no merca-do de trabalho, como veremos mais adiante.

Uma primeira constatação é a baixa escola-ridade da população brasileira como um todo,já que a média do país é de apenas 5,7 anos deestudo. Supondo que não haja repetência, istoequivaleria apenas à conclusão da 5a série doensino básico. Um outro aspecto a se levar emconta é a diferença em termos de anos de estu-do entre negros e brancos. Estes últimos pos-suem em média dois anos de estudo a mais doque os negros.

A Tabela 3 demonstra não a média, mas osanos de estudo efetivamente cursados pelaspessoas de 15 anos ou mais. Em primeiro lugar,se comparamos a situação de 1988 e 1996 veri-ficamos que houve um aumento da escolarida-de dos brasileiros no período. Entretanto, estaampliação do acesso à escola não se traduziunuma diminuição das desigualdades raciais, jáque a proporção de negros entre as pessoascom 12 anos ou mais de estudo (equivalenteaos que concluíram o ensino médio e possuemcurso superior) é de apenas 2,8%, quase quatrovezes menos do que os brancos na mesma faixa(10,9%). Por outro lado, a proporção de negrosentre aqueles sem instrução ou com menos deum ano de estudo continua em 1996 a ser maisdo dobro da proporção de brancos nesta faixa.

A permanência deste padrão de desigual-dade educacional entre negros e brancos en-contra-se igualmente explicitada no trabalhorealizado por Ricardo Henriques (2001:27), on-de ele demonstra que “um jovem branco de 25anos tem, em média, mais 2,3 anos de estudoque um jovem negro da mesma idade, e essa in-tensidade da discriminação racial é a mesmavivida pelos pais desses jovens – e a mesma ob-servada entre seus avós. (...) A escolaridade mé-dia de ambas as raças cresce ao longo do século,mas o padrão de discriminação racial, expressopelo diferencial nos anos de escolaridade entrebrancos e negros [2,3 anos em média], mantém-se absolutamente estável entre as gerações”.

Page 5: Desigualdades raciais no brasil

DESIGUALDADES RACIAIS NO BRASIL 61

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(Suplemento):57-65, 2002

Este quadro geral da situação educacionaldos negros no Brasil, representa uma das prin-cipais dificuldades a serem enfrentadas a fimde gerar maior igualdade de oportunidades en-tre brancos e negros no país. Atenta a este ce-nário, a presidente do Instituto Nacional de Es-tudos e Pesquisas Educacionais (INEP), ligadoao Ministério da Educação, afirmou em artigorecente que a população negra continua apre-sentando um nível de escolaridade mais baixo.Esta é uma das prioridades para uma políticade eqüidade e integração socioeconômicas querequer uma ação mais afirmativa do poder pú-blico e da sociedade (Castro, 1998).

Mercado de trabalho e distribuição de renda

“Mais de um século depois da abolição da escra-vidão, o trabalho manual continua a ser o lugarreservado para os afro-brasileiros. Em oposiçãoao que afirmaram as teorias sobre moderniza-ção, a estrutura de transição fornecida pelo rá-pido crescimento econômico nas últimas déca-das não parece ter contribuído para diminuirde maneira significativa a distância existenteentre os grupos raciais presentes na população”(Hasenbalg, 1996:15).

Os negros brasileiros têm feito pouco pro-gresso na conquista de profissões de maior pres-tígio social, no estabelecimento de seus pró-prios negócios e na ocupação de posições depoder político. Eles ainda concentram-se ematividades manuais que exigem pouca qualifi-cação e escolaridade formal. As desvantagensacumuladas através da história brasileira tor-naram o sucesso difícil para a população afro-brasileira (Lima, 1999).

Tabela 1

Distribuição da população por cor ou raça*, 1999.

%Branca Preta Parda Amarela e

indígena**

Brasil 54,0 5,4 39,9 0,6

Região Norte urbana*** 28,4 2,3 68,3 1,0

Região Nordeste 29,7 5,6 64,5 0,2

Região Sudeste 64,0 6,7 28,4 0,8

Região Sul 83,6 3,0 12,6 0,7

Região Centro-Oeste 46,2 3,5 49,4 0,8

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE, 2000).* exclusive as pessoas que não declararam sua cor.** o dado disponível na Síntese de Indicadores Sociais não desagregou estas duas categorias (nota da autora).*** exclusive a população da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.

Tabela 2

Domicílios por condição de saneamento segundo a cor do chefe, 1999.

%Água canalizada e rede Esgoto e fossa séptica

geral de distribuiçãoBranca Preta e parda Branca Preta e parda

Brasil 82,8 67,2 62,7 39,6

Região Norte urbana* 68,6 57,5 19,2 12,7

Região Nordeste 66,7 55,1 28,7 19,8

Região Sudeste 90,0 82,5 83,9 71,0

Região Sul 79,8 77,3 46,4 34,0

Região Centro-Oeste 75,2 66,4 38,7 31,3

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE, 2000).* exclusive a população da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.

Tabela 3

Anos de estudo por cor, com 15 anos de idade e mais. Brasil, 1988 e 1996.

Anos de estudos 1988 1996Cor Total Cor Total

Brancos Pretos Pardos Brancos Pretos Pardos

Sem instrução/ 17,9 34,5 34,2 24,9 11,8 26,2 23,4 16,7Menos de 1 ano

1-3 anos 22,3 26,9 27,0 24,3 13,3 18,5 19,5 15,9

4-8 anos 40,0 31,4 29,8 35,5 43,8 41,3 40,7 42,4

9-11 anos 12,6 5,9 7,3 10,3 20,3 11,2 13,3 17,2

12 anos e + 7,3 1,2 1,6 4,9 10,9 2,4 2,8 7,5

Sem declaração – – – – 0,3 0,3 0,3 0,3

Fonte: Hasenbalg & Silva (1999).

Page 6: Desigualdades raciais no brasil

HERINGER, R.62

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(Suplemento):57-65, 2002

Informações recentes, obtidas a partir depesquisa específica realizada em seis regiõesmetropolitanas do país, indicam que a desi-gualdade racial está presente nos mais varia-dos indicadores associados ao desempenho debrancos e negros no mercado de trabalho. NaRegião Metropolitana de São Paulo, a maior ci-dade brasileira, a taxa de desemprego entre oshomens negros é de 20,9%, enquanto esta taxaé de 13,8% entre os brancos (INSPIR/DIEESE/AFL-CIO, 1999). O valor do salário médio diáriode negros e brancos também revela grandes dis-paridades. Em São Paulo, os negros ganham emmédia R$2,94 por dia, enquanto os brancos re-cebem R$5,50 (INSPIR/DIEESE/AFL-CIO, 1999).

Como afirma o relatório sobre desigualda-des raciais no mercado de trabalho, “é precisoque o Estado invista em políticas públicas e im-plemente de fato a Convenção 111 da OIT, in-vertendo a lógica da estrutura de oportunida-des, que está profundamente marcada por prá-ticas violadoras de direitos e de discriminaçõesbaseadas na raça e no sexo” (INSPIR/DIEESE/AFL-CIO, 1999:8). A pesquisa revela que ape-nas 1,9% dos negros ocupados em São Paulosão empregadores, em comparação aos 7,2% debrancos nesta posição, enquanto mais da me-tade das mulheres negras (56,3%) estão ocupa-das como domésticas ou mensalistas (INSPIR/DIEESE/AFL-CIO, 1999).

O quadro de desigualdade entre negros ebrancos está relacionado tanto a fatores estru-turais quanto à discriminação. Entre os fatoresestruturais, sem dúvida o mais significativo é ocomponente educacional. Ao se situarem nosgrupos com menor acesso à educação formal,os negros também ocupam postos de menorprestígio no mercado de trabalho. A Tabela 4demonstra que, enquanto 32,8% dos brancosocupados na Região Metropolitana de São Pau-lo possuem grau de escolaridade até o 1o grauincompleto (ensino fundamental), cerca de54% dos negros estão nesta posição. A situaçãose inverte quando analisamos a faixa equiva-lente ao ensino médio e ao ensino superior.Neste último grupo a proporção de brancosequivale a quase cinco vezes a dos negros.

No que diz respeito ao rendimento, negrose brancos também possuem situações desi-guais. Ainda no caso da Região Metropolitanade São Paulo, apenas 5,3% dos negros ocupa-dos recebem mais de 10 salários mínimos.

Esse fato poderia ser interpretado – e emmuitos casos o é – como decorrente somentedo menor grau de instrução dos negros. Entre-tanto, mesmo quando se encontram em iguaiscondições de escolaridade, negros e brancospossuem rendimentos diferenciados. Essa si-

tuação se agrava principalmente nos gruposcom grau de instrução mais elevado. Tal fatopode ser atribuído à ausência, entre os negros,de redes pessoais que permitam maior acessoa melhores oportunidades de emprego. Tam-bém pode ser atribuído à sub-remuneração e àsub-utilização de mão-de-obra negra qualifi-cada, decorrente da discriminação racial.

Este quadro apresentado para a Região Me-tropolitana de São Paulo não se constitui numcaso isolado. Ao contrário, reproduz-se em to-do o país, provavelmente de formas mais acen-tuadas em regiões com menor circulação de ri-queza e atividade econômica menos dinâmica.

O perfil de distribuição de renda aqui apre-sentado é consistente com a composição racialda pobreza, tal como apresentada por Henri-ques (2001). O autor aponta que, em 1999, osnegros constituíam 45% da população e totali-zavam 64% dos pobres (e 69% dos indigentes).Inversamente, os brancos eram 54% da popula-ção, e totalizavam apenas 36% dos pobres e31% dos indigentes.

Estratégias de combate às desigualdades raciais no Brasil

Políticas públicas de combate às desigualdades raciais

Como resultado das constantes reivindicaçõesdo Movimento Negro, o governo brasileiro temse mostrado mais sensível à questão da discri-minação racial no país. No conteúdo do Déci-mo Relatório Relativo à Convenção Internacio-nal sobre a Eliminação do Todas as Formas deDiscriminação Racial (MJ/MRE, 1996), enviadopelo governo brasileiro às Nações Unidas, re-conhece-se a existência de práticas discrimi-natórias que repercutem em todas as instân-cias sociais, incluindo-se aí desde relações in-terpessoais até indicadores de qualidade de vi-da da população. Apesar do racismo ser defini-do como crime (Lei n. 7.716 de 5 de janeiro de1989), persiste uma relação causal entre cor edesigualdades.

No âmbito governamental, porém, as ini-ciativas de combate às desigualdades raciaisainda têm um alcance limitado e podem sermais facilmente identificadas nos documentose recomendações do que por meio de ações prá-ticas. O Programa Nacional de Direitos Huma-nos (MJ, 1998), por exemplo, dedica uma seçãointeira à apresentação de propostas relaciona-das ao tema das desigualdades raciais, resul-tantes em grande medida dos trabalhos do GTI(Grupo de Trabalho Interministerial para Valo-

Page 7: Desigualdades raciais no brasil

DESIGUALDADES RACIAIS NO BRASIL 63

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(Suplemento):57-65, 2002

rização da População Negra), criado após a mo-bilização das organizações do movimento ne-gro por ocasião da celebração dos 300 anos deZumbi dos Palmares, em 1995.

Em julho de 1996, o governo federal organi-zou a conferência Multiculturalismo e Racis-mo: O Papel da Ação Afirmativa nos EstadosDemocráticos Contemporâneos (Grin, 2001).Em seu discurso de abertura, o Presidente Fer-nando Henrique Cardoso declarou: “Devemos,pois, buscar soluções que não sejam pura e sim-plesmente a repetição ou a cópia de outras solu-ções imaginadas para situações em que tambémhá discriminação e o preconceito, mas em con-texto diferente do nosso. É melhor, portanto, bus-carmos uma solução mais imaginativa” (Sou-za, 1997:15).

Após a conferência, começaram os traba-lhos do GTI, seguindo as recomendações le-vantadas durante o encontro. Várias medidaspropostas envolviam algum tipo de programade ação afirmativa, que deveria ser desenhadopara promover o acesso de mais negros a em-pregos e educação.

O documento Construindo a DemocraciaRacial (Presidência da República, 1998:39),apresenta os “planos de ação que estão sendoou serão desenvolvidos” em termos de políticaspúblicas. Este documento, juntamente com oPlano Nacional de Direitos Humanos, expressaas diretrizes governamentais para o combateàs desigualdades raciais no Brasil.

De maneira geral, acreditamos que o Esta-do brasileiro, nas suas diversas instâncias, ain-da não demonstrou o comprometimento ne-cessário com a diminuição das desigualdadesraciais. Mesmo nos programas que já vêm sen-do implementados, é possível identificar a in-

suficiência de recursos materiais e humanosque garantam o bom andamento dos mesmos.Constata-se, também, a descontinuidade deprogramas e a falta de sensibilidade de muitostécnicos e funcionários para incorporar o com-bate às desigualdades e à discriminação racialno seu cotidiano de trabalho.

A sociedade civil e o combate às desigualdades raciais

Assistimos ao longo dos últimos anos a prolife-ração de variadas iniciativas relacionadas aoenfrentamento das desigualdades raciais noBrasil. Muitas delas nem sempre utilizam estaterminologia, mas colocam entre seus objetivosa promoção da população afro-brasileira. É di-fícil enquadrá-las em uma única classificação,dada a diversidade de atividades desenvolvidas.

Na tentativa de agrupá-las, podemos desta-car os seguintes tipos de organizações: ativida-des comunitárias, geralmente em favelas oubairros de periferia, destinadas à promoção so-cial de crianças e jovens, por meio de reforçoescolar, de atividades profissionalizantes e deeducação voltadas para o exercício da cidada-nia; atividades de apoio e estímulo a microem-presários afro-brasileiros: esta atividade envol-ve treinamento em conhecimentos ligados àadministração empresarial e qualificação pro-fissional; estímulo e ampliação do acesso deafro-brasileiros ao ensino superior: esta ativi-dade se dá principalmente servindo-se da or-ganização de cursos preparatórios (pré-vesti-bular) para o exame de admissão às universi-dades brasileiras (Maggie, 2001).

Estas são, entre outras, algumas das inicia-tivas que ilustram a existência de uma mobili-

Tabela 4

Distribuição dos ocupados por nível de instrução segundo raça e sexo. Região Metropolitana de São Paulo, 1998.

Nível de instrução Raça TotalNegra1 Não-negra1

Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total

Analfabeto 5,9 6,0 6,0 2,8 2,5 2,7 3,7 3,6 3,7

1o Grau incompleto 56,7 50,4 54,0 35,4 29,0 32,8 41,8 35,8 39,3

1o Grau completo 13,6 12,8 13,3 12,5 10,4 11,7 12,9 11,2 12,2

2o Grau incompleto 7,1 7,5 7,3 7,4 7,2 7,3 7,3 7,3 7,3

2o Grau completo 12,2 16,6 14,1 19,4 23,5 21,1 17,2 21,3 18,9

3o Grau 4,4 6,5 5,3 22,5 27,4 24,5 17,1 20,7 18,6

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

1 Raça negra = pretos e pardos; raça não-negra = brancos e amarelos.Fonte: Pesquisa de Emprego e Desemprego – Região Metropolitana de São Paulo (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos/Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados) <http://www.dieese.org.br/ped/ped.html>.

Page 8: Desigualdades raciais no brasil

HERINGER, R.64

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(Suplemento):57-65, 2002

zação de diferentes setores da sociedade nosentido da adoção de políticas de promoção daigualdade.

O Brasil passou por um grande processo demudanças ao longo dos últimos anos, no quediz respeito às relações raciais. A percepção dopaís como uma democracia racial é cada vezmenos consensual, e hoje diferentes setores dasociedade têm sua agenda política marcadapelo debate sobre o racismo como elementoconstitutivo de nossa sociedade. Embora aindaesteja também presente a auto-imagem doBrasil como um país homogêneo e indiferen-ciado, encontra-se progressivamente maiorabertura a experiências que procuram benefi-ciar grupos específicos, historicamente commenor acesso a oportunidades. Isso já é umarealidade no que diz respeito a grupos minori-tários tais como os portadores de deficiência,idosos, homossexuais, portadores de vírus HIV,e também com relação às mulheres, que ao lon-go da última década foram capazes de garantirmaior acesso a espaços de poder e melhoresposições no mercado de trabalho. O quadroainda não está equilibrado, mas é possível ob-servar um avanço em relação à preocupaçãoem torná-lo mais justo. No que diz respeito àsdesigualdades advindas das diferenças étnicase raciais, o quadro apresenta-se mais tímido,porém já podem ser detectadas transforma-ções no que diz respeito a uma maior freqüên-cia e aceitação de programas que procurematuar neste campo.

Apesar destas e de outras iniciativas, é difí-cil afirmar que a sociedade brasileira possuium compromisso com a diminuição das desi-gualdades raciais. A maioria das pessoas sim-plesmente se recusa a levar raça em conta,quando são consideradas as causas da pobrezae da falta de oportunidades. Entretanto, existea percepção de que a maioria dos pretos e par-dos são pobres, e de que a maioria dos pobressão pretos e pardos. Essa percepção pode trans-formar-se em um ponto de partida para sugerira adoção de medidas específicas a alguns grupos.

O debate sobre ação afirmativa no Brasil ébastante recente, datando dos últimos cincoanos (Heringer, 1995). De uma maneira geral, omovimento negro brasileiro tem sido o respon-sável pela introdução desse tema no debatepúblico do país. Freqüentemente o assunto éalvo de muitas críticas e resistências à sua in-corporação. As críticas mais comuns destacamque políticas específicas trariam conflito e di-visionismo a um país onde as relações raciaisseriam harmônicas. As críticas relacionam-setambém à inadequação de políticas deste tipo,uma vez que a situação desvantajosa da popu-

lação negra estaria associada ao seu baixo graude escolaridade. Portanto, uma melhoria geraldas políticas educacionais traria os benefíciosesperados à população afro-brasileira.

Em pouco mais de dois anos, o quadro pas-sou por grandes transformações. O assunto ga-nhou importância no debate político no Brasil,especialmente em 2001, devido ao processopreparatório da Conferencia Mundial contra oRacismo (CMR). Além da mobilização do mo-vimento negro, um aspecto importante desseprocesso foi o posicionamento público de al-guns representantes do governo, especialmen-te do IPEA (Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada, vinculado ao Ministério do Planeja-mento). O IPEA divulgou indicadores que reve-laram a dimensão das desigualdades raciais noBrasil (Henriques, 2001). Não se tratava maisde um pequeno grupo de ativistas denuncian-do a histórica desigualdade de oportunidadesentre brancos e negros: o Estado brasileiroadotou um discurso anti-racista, trazendo o te-ma para o centro da agenda política.

O debate público intensificou-se durante aCMR, quando foi divulgado o relatório oficialdo governo brasileiro, incluindo a recomenda-ção da adoção de cotas para estudantes negrosnas universidades públicas.

Durante os últimos meses de 2001 e o pri-meiro semestre de 2002, ainda sob o “calor” dosresultados da conferência de Durban, outrossetores do governo federal, alguns governos es-taduais e municipais lançaram publicamenteprogramas e ou projetos de lei especificamentedestinados a beneficiar os afro-brasileiros.

Um dos principais fatores que influencia-rão o sucesso de nossos programas de ação afir-mativa, é sem dúvida, a existência de um con-senso cada vez maior sobre a necessidade depolíticas deste tipo. O compromisso da socie-dade (brancos e negros) com a execução destaspolíticas será proporcional ao sucesso que asmesmas possam vir a ter.

Ao adotar qualquer tipo de programa deação afirmativa no Brasil, nós devemos evitar asuspeita de padrões reduzidos ao empregar ouselecionar, e buscar um forte apoio da opiniãopública. Este não poder ser visto apenas comoum “tema negro”, mas um meio de se buscaruma sociedade mais justa e igualitária.

Page 9: Desigualdades raciais no brasil

DESIGUALDADES RACIAIS NO BRASIL 65

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(Suplemento):57-65, 2002

Referências

BOURDIEU, P. & WACQUANT, L., 2002. Sobre as arti-manhas da razão imperialista. Estudos Afro-Asiá-ticos, 24:15-34.

CASTRO, M. H. G., 1998. Avaliação do sistema educa-cional brasileiro: Tendências e perspectivas. En-saio: Avaliação de Políticas Públicas em Educa-ção, 6:303-364.

DEGLER, C. N., 1991. Neither Black nor White. Madi-son: University of Wisconsin Press.

FERNANDES, F., 1978. A Integração do Negro na So-ciedade de Classes. São Paulo: Ática.

GRIN, M., 2001. Esse ainda obscuro objeto de desejo:Políticas de ação afirmativas e ajustes normati-vos. O seminário de Brasília. Novos Estudos CE-BRAP, 59:172-192.

GUIMARÃES, A. S. A., 1995. Racism and anti-racismin Brazil: A postmodern perspective. In: Racismand Anti-Racism in World Perspective (B. Bowser,ed.), pp. 208-226, London: Sage.

GUIMARÃES, A. S. A., 1999. Racismo e Anti-Racismono Brasil. São Paulo: Editora 34.

GUIMARÃES, A. S. A., 2002. Classes, Raças e Democra-cia. São Paulo: Editora 34.

HANCHARD, M., 2001. Orfeu e o Poder: MovimentoNegro no Rio de Janeiro e em São Paulo. Rio deJaneiro: EDUERJ.

HASENBALG, C., 1996. Os Números da Cor. Rio deJaneiro: Centro de Estudos Afro-Asiáticos.

HASENBALG, C. & SILVA, N. V., 1988. Estrutura Social,Mobilidade e Raça. São Paulo: Vértice.

HASENBALG, C. & SILVA, N. V., 1992. Relações Raciaisno Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro: RioFundo.

HASENBALG, C. & SILVA, N. V., 1999. Educação e dife-renças raciais na mobilidade ocupacional no Bra-sil. In: Cor e Estratificação Social (C. Hasenbalg,N. V. Silva & M. Lima, org.), pp. 217-230, Rio deJaneiro: Contracapa.

HENRIQUES, R., 2001. Desigualdade Racial no Brasil:Evolução das Condições de Vida na Década de 90.Texto para Discussão 807. Rio de Janeiro: Institu-to de Pesquisa Econômica Aplicada.

HERINGER, R., 1995. Introduction to the analysis ofracism and anti-racism in Brazil. In: Racism andAnti-Racism in World Perspective (B. Bowser, ed.),pp. 203-207, London: Sage.

HERINGER, R. (org.), 1999a. A Cor da Desigualdade:Desigualdades Raciais no Mercado de Trabalho eAção Afirmativa no Brasil. Rio de Janeiro: Institu-to de Estudos Raciais e Étnicos/Instituto de Filo-sofia e Ciências Sociais, Universidade Federal doRio de Janeiro.

HERINGER, R., 1999b. Addressing Race Inequalities inBrazil: Lessons from the United States. WorkingPaper Series 237. Washington, DC: Latin Ameri-can Program, Woodrow Wilson International Cen-ter for Scholars.

HERINGER, R., 2000. Desigualdades Raciais no Brasil.Brasília: Escritório Nacional Zumbi dos Palmares.

HERINGER, R., 2001. Mapeamento de ações e discur-sos de combate às desigualdades raciais no Bra-sil. Estudos Afro-Asiáticos, 23:291-334.

HERINGER, R., no prelo. The Challenge of Practice:Affirmative Action and Diversity Programs in Brazil

and the U.S. Washington, DC: Woodrow WilsonInternational Center for Scholars.

HERINGER, R.; SANT’ANNA, W.; MARTINS, S. & OLI-VEIRA, S., 1989. Negros no Brasil: Dados da Rea-lidade. Petrópolis: Editora Vozes/Instituto Brasi-leiro de Análises Sociais e Econômicas.

IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística), 1987. Estatísticas Históricas do Brasil.Rio de Janeiro: IBGE.

IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística), 1996. Contagem da População. Rio deJaneiro: IBGE.

IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística), 1999. Pesquisa Nacional por Amostrade Domicílio 1999: Síntese dos Indicadores So-ciais. <http://www.ibge.gov.br>.

INSPIR (Instituto Sindical Interamericano pela Igual-dade Racial)/DIEESE (Departamento Intersindi-cal de Estatística e Estudos Socioeconômicos)/AFL-CIO (American Federation of Labor and Con-gress of Industrial Organization), 1999. Mapa daPopulação Negra no Mercado de Trabalho. SãoPaulo: INSPIR.

LIMA, M., 1999. O quadro atual das desigualdades. In:Cor e Estratificação Social (C. Hasenbalg, N. V. Sil-va & M. Lima, org.), pp. 231-240, Rio de Janeiro:Contracapa.

MAGGIE, Y., 2001. Os novos bacharéis: A experiênciado pré-vestibular para negros e carentes. NovosEstudos CEBRAP, 59:193-202.

MAIO, M. C., 1999. O Projeto Unesco e a agenda dasciências sociais no Brasil dos anos 40 e 50. RevistaBrasileira de Ciências Sociais, 14:141-158.

MJ (Ministério da Justiça), 1998. Programa Nacionalde Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Nacio-nal dos Direitos Humanos, MJ.

MJ (Ministério da Justiça)/MRE (Ministério das Re-lações Exteriores), 1996. Décimo Relatório Perió-dico Relativo à Convenção Internacional sobre aEliminação de Todas as Formas de DiscriminaçãoRacial. Brasília: FUNAG/MJ.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1998. Construindo aDemocracia Racial. Brasília: Presidência da Repú-blica.

SANT’ANNA, W. & PAIXÃO, M., 1997. Desenvolvimen-to humano e população afrodescendente noBrasil: Uma questão de raça. Proposta, 73:20-37.

SKIDMORE, T., 1976. Preto no Branco: Raça e Nacio-nalidade no Pensamento Brasileiro. São Paulo:Paz e Terra.

SOUZA, J. (org.), 1997. Multiculturalismo e Racismo:Uma Comparação Brasil-Estados Unidos. Brasília:Paralelo 15.

WINANT, H., 1994. Racial Conditions: Politics, Theory,Comparisons. Minneapolis: University of Min-nesota Press.

Recebido em 24 de abril de 2002Versão final reapresentada em 10 de outubro de 2002Aprovado em 30 de outubro de 2002