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Destaque 5 - Valor Legal

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dois pontos

Não importam as circunstân-cias, as pessoas envolvidas,

ou quaisquer outros fatores: valores éticos (entenda-se por ética a manei-ra como você se relaciona com os valores e padrões estabelecidos pela sociedade na qual um indivíduo está inserido) têm de ser respeitados, especialmente em relação a outros indivíduos (para que eles não sejam prejudicados, tanto moral quanto fi sicamente). Tais valores podem ser um tanto subjetivos, é verdade, mas, em suma, aquelas regras sociais esta-belecidas tanto na Constituição Fe-deral quanto na Declaração Univer-sal dos Direitos Humanos, da ONU, têm de ser respeitadas à risca.Subjetivamente falando, esses valo-res, somados à ideologia inerente a cada um, têm de ser seguidos, mes-mo que seja dissonante em relação à opinião pública (no entanto, ela não é necessariamente a voz da socieda-de, de modo geral). Isso pode pare-cer contraditório, mas você vai en-tender logo: por exemplo, no fi lme “Uma lição de amor” (“I am Sam”, nos EUA), Sam Dawson (persona-gem de Sean Penn) corre sério risco de perder a guarda da fi lha (inter-pretada pela então pequena Dakota Fanning), pelo fato de ele ter defi ci-ência mental; entretanto, a advogada

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VALOR LEGALDr. Airton Trevisan, ex-presidente da OAB Guarulhos,

fala sobre ética na profissão e na vidaPor Amauri Eugênio Jr. Foto Lucas Dantas

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Rita Harrison Williams (Michelle Pfeifer) decide defender Dawson, tanto pelo fato de o caso em questão ser difícil quan-to por valores inerentes ao ser dela.Pois bem, Dr. Airton Trevisan, advogado há 27 anos e ex-presi-dente da OAB Guarulhos por dois mandatos e vice-presidente por um, em entrevista à revista Alpha, fala sobre valores pes-soais, em âmbitos profissional e pessoal. Boa leitura.

AP: Como você classifica a época em que você esteve na pre-sidência da OAB?AT: A época em que estive à frente da OAB foi bastante en-riquecedora. Uma coisa é ser advogado das causas dos clien-tes; outra coisa é ser advogado de outros advogados e da sociedade civil. A OAB não cuida somente da relação dos ad-vogados com as organizações instituídas, mas representá-la perante a outros órgãos e esferas civis. De modo geral, foi um período muito bom e enriquecedor. Este período também foi bom para que eu pudesse conhecer as relações do poder, bem como a forma que são tratadas as questões relaciona-das aos direitos humanos e ao meio ambiente. Enquanto há instituições que cuidam exclusivamente de regulamentar e fiscalizar o exercício de uma profissão, a OAB representa, em primeiro lugar, os interesses sociais (tais como o meio ambiente, os direitos humanos, o respeito à Constituição) e, posterirormente, a regulamentação e fiscalização dos advo-gados; e tudo isso enriquece, em âmbito pessoal. Logo, você sai do casulo (em relação à vida, em âmbitos pessoal e fami-liar), e se dedica às questões pessoais (socialmente falando), de modo geral. Vários foram os projetos criados pela OAB perante a sociedade e perante aos advogados (foi possível estabelecer a criação de outra relação, mais respeitosa entre os advogados e outros ‘atores’ do executivo, legislativo e do judiciário; assim como o estabelecimento de melhores con-dições de trabalho e de estrutura para os advogados); para a sociedade (como, por exemplo, o projeto “OAB vai à escola”, criado com o objetivo de se falar sobre Direito nas escolas públicas; além de propiciar a interação social com autori-dades policiais e exercer certo controle para não ocorrerem desvios nessas instituições, para coibir o abuso de poder, por exemplo). Há muitos anos, dentro da PM [Polícia Militar], havia grupo de extermínio formado por (maus) policiais; e, conforme foi assumida outra relação com autoridades desta

classe, houve redução dos casos relacionados a abusos de po-der. É importante sempre termos em mente a separação en-tre as pessoas e as Instituições que elas representam, ou seja, o fato de haver um mau policial não implica em que seja má a Instituição que ele representa, assim como o fato de haver um mau advogado não implica em ser má toda a classe.

AP: Como você vê a criação da Comissão da Verdade?AT: Eu sou contrário à criação da Comissão da Verdade, pois houve anistia, em caráter bilateral e em âmbito nacional. Se ela for criada com a finalidade de se descobrirem paradeiros de desaparecidos (durante o Regime Militar), a sua criação é válida. É bom lembrar que a a força que se opunha à ditadura e pegou em armas para fazê-lo também cometeu crimes; e eles ocorreram em caráter bilateral (um segmento - o Regime Mi-litar - para defender o status quo inerente ao governo; do outro lado, a luta armada, que se valia desses artifícios para combater a ditadura). Os abusos foram cometidos de ambos os lados, tal qual em uma guerra. A ditadura acabou, e o Brasil precisa encontrar o caminho de paz. A Comissão da Verdade, se tiver como finalidade descobrir os paradeiros de desaparecidos da-quele período, é válida, pois esse é um direito inalienável dos parentes; no entanto, ao julgar os culpados daquele período, a anistia deveria ser revogada e, então, serem julgados os culpa-dos de ambos os lados.

AP: Como valores pessoais (subjetivos) podem ajudar ao indivíduo a não tomar decisões eticamente questionáveis, em casos nos quais sua conduta será, moralmente falando, posta à prova?AT: Para que não ocorram desvios de conduta. Os valores pessoais são fundamentais para que as pessoas tenham valores éticos médios. Toda pessoa se acha portadora de bom senso e, a partir dele, age como bem entender. Dessa maneira, a cons-trução ética de uma personalidade pode ajudar a um indiví-duo a não cometer abusos ou desvios éticos. Por exemplo, ao ser realizada a defesa de criminoso, defende-se que a pessoa tenha condenação justa pelo crime cometido; logo, isso diz respeito à legalidade das coisas. Isso transparece que o advoga-do tem valor ético e, assim, defende a pena justa. É necessário que se tenha formação justa para que o indivíduo não se deixe levar por aspectos e valores duvidosos.

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dois pontos

“Minha mãe era uma mulher sábia,

sem ter sabedoria acadêmica!

AP: Você citou o princípio de defesa para que o criminoso receba pena justa. Recentemente, quanto ao caso do moto-rista que atropelou um grupo de ciclistas em Porto Alegre, um estudante de Direito pediu Habeas Corpus para ele, ao se basear na presunção de inocência. Como essa atitude pode ser interpretada?AT: O conceito de presunção de inocência é aplicado em fa-vor de qualquer pessoa, até em prova em contrário. O motoris-ta, deliberadamente, atropelou os ciclistas. O estudante de Di-reito não está errado. Pode fi car provado que ele estava fugindo de alguém; ou que era mentira (neste caso, especifi camente, o motorista atropelou, de fato, os ciclistas). A questão de fundo é a seguinte: todos têm direito à defesa, mas para que possam ser absolvidos justamente. O clamor popular não é um bom conselheiro. Pessoas têm direito a julgamento justo pois, se ela tiver de ser condenada a 12 anos, não pode ser condenada a 13 anos, por exemplo. Na dúvida, pode haver absolvição.

AP: Os livros “1984” (de George Orwell) e “Admirável mundo novo” (de Aldous Huxley) abordam sociedades nas quais valores morais são colocados em segundo plano, e pes-soas que tentam viver de acordo com suas crenças e ideolo-gias, diferentes das estabelecidas pelo senso comum, não são vistas com bons olhos. Analogicamente falando, fatos como esse ocorrem com qual fr equência em nosso cotidiano?AT: Na história de “1984”, o que prevalece é o senso médio. Pessoas que fujam desse senso fi cam à margem da sociedade (não me refi ro a “bandidos”, mas a pessoas que agem fora do senso médio estabelecido pela sociedade). Os exemplos des-ses livros traduzem, com estereótipos, o que acontece. A gran-de difi culdade é sair de uma sociedade extremamente atrasada, com inúmeras feridas para serem fechadas (escravidão que se encerrou há 122 anos; o fato de a mulher ter fi cado por muito tempo sem direito ao voto, de ir à escola); e cheia de confl itos. O golpe de 1964 acabou por impedir que a sociedade cresces-se e discutisse seus problemas; e atrasou por 25 anos esse pro-cesso [após o golpe militar de 1964, as primeiras eleições dire-tas, com voto popular, ocorreram em 1989]. O avanço nesse aspecto, em nível razoável, se deu por meio da Constituição Federal de 1988; por meio da qual se iniciaram as discussões sobre as minorias [étnicas, sociais, sexuais, religiosas etc], vistas com muito mais atenção na sociedade contemporânea.

AP: Em algum caso que, por exemplo, for confl itante com suas crenças ideológicas e morais, mas, por algum motivo você estiver inserido no contexto em questão, o que fazer para não trair a si mesmo?AT: É necessário pesar o que é mais importante no momen-to em questão. Nos deparamos com situações em que valores pessoais são questionados. Aprendemos e praticamos que não se pode matar, mas como agir com ameaças de morte a nós e aos nossos fi lhos? Como fazer? É necessário pesar em favor ao que for menos pesado ao consciente mas, também, pesar aos valores inerentes a nós.

AP: Você já vivenciou algum fato confl itante com os valores inerentes ao seu ser? O que você fez para lidar com eles?AT: Enquanto advogado, você se depara com a questão dos va-lores pessoais e dos valores que são representados (nem sempre se está no lado eticamente correto). Enquanto solucionador de confl itos, procuro ao máximo fazer com que aquele confl ito se resolva, tenha fi m e, junto com ele, tenham fi m os meus confl itos internos. É necessário que seja tomada a decisão mais justa em confl itos. Caso houvesse decisões ofensivas a valores inerentes a mim, eu me retiraria e não iria ferir os meus valores.

AP: Para você, quais são os valores mais importantes a se-rem seguidos, tanto profi ssional como pessoalmente?AT: De forma geral, os valores mais importantes são a hones-tidade e o compromisso com a verdade. São esses os valores que têm de ser respeitados, tanto profi ssional quanto pessoal-mente. É necessário ser agente de resolução de confl itos.

“Os valores pessoais são

fundamentais para que as pessoas

tenham valores éticos médios.

Toda pessoa se acha portadora

de bom senso e, a partir dele,

age como bem entender. Dessa

maneira, a construção ética de uma

personalidade pode ajudar a um

indivíduo a não cometer abusos.”