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Ficha Técnica Estatuto Editorial Subscrições Contactos Assinaturas Publicidade Local Regional Entrevista Cultura Desporto Opinião Canto da Escola Tempestade junto à costa de Belle-Île (Théodore Gudin - 1851) Cultura > Sabor da Vida Deste lado do esplendor 07/12/2012, 16:26 “Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do mundo…” Alberto Caeiro in O guardador de rebanhos Estive lá pouco tempo depois do acontecido. No Guincho. A olhar para o mar e a ver Bernardo Sassetti, de cabelos ao vento, no cimo daquele enorme rochedo donde caiu. Estive lá. Numa tarde de sol que, já quase rasante, bebia a espuma das ondas. É impressionante aquele mar. Não pelo que aconteceu, mas sim por esse salto mortal não acontecer todos os dias. Há ali uma força telúrica - tudo é grande, belo, irresistível. Há o mar que brama com fome de corpos, de vidas. Um bramido insaciável, contínuo e urrante, tornado apoteose de uma grande sinfonia. De um concerto para piano e orquestra. Um piano tocado com força e com raiva, com a fúria de viver do Bernardo. Acompanhado por todos os instrumentos das gigantescas ondas daquele mar, batendo nas escarpas, desfazendo-se em montanhas de espuma. Um êxtase. Uma loucura. Um mar que tem uma força indomável e um bramir sensual, de desejo, de posse. Para se resistir àquele mar, àquela voz que nos chama pelo nome, é preciso pedir que nos amarrem ao mastro grande do navio. Enquanto é tempo. Ainda “deste lado da ressurreição’’. Vi agora o filme. Mas não é do filme que eu quero falar. Quero falar do que senti. Do que lá está. Daquela beleza ímpar. Daquelas imagens fabulosas. E do miolo. Do miolo da alma. Mas também do miolo do mar e do miolo da serra. Do mar do Guincho, da serra de Sintra. Que envolve, em belíssimos enquadramentos, o Convento dos Capuchos, apertado nos verdes e na trama de todos os troncos. E há as pedras. As pedras que vêm do princípio, de quando foram separadas das águas. Sem idade, sem tempo, como memória. As pedras, cá fora, na envolvência do eremitério, e lá dentro, no minúsculo espaço das celas escavadas na rocha. Há o calvário na sombra da cruz que abre os braços ao mundo, e o simbolismo das portas fechadas. Delimitando um espaço íntimo onde ninguém entra. E as pedras têm inscrições, grafismos, imagens. E há um silêncio sepulcral. Como o do fundo do mar. O silêncio das almas, a confusão do espírito. Não há música nem vozes de pássaros. Há o arrepio da flagelação, da corda presa na mão, da violência com que castiga e submete o corpo. Mas há também a dúvida, a incerteza, e uma voz que sacode Rafael, o rapaz apaixonado pelo mar, pelas suas profundezas e pelas alturas das ondas que o envolvem no surf, a voz suave do monge que lhe diz “quando sabemos o que temos de fazer, encontramos sempre razões para o não fazer – as razões não são de Deus, são do Diabo.” e acrescenta: Há tanta gente lá fora que precisa de ti… à tua espera.” Daquele lado há a perturbação, “a ausência daqueles que chamamos, a procura de sentido’’, diz Joaquim Sapinho, o realizador. E eu vi nas suas imagens, a vertigem da morte e do sobrenatural. À luz das velas no convento, no fundo do mar no Guincho. Mas o que sobressai daquilo tudo é a ressurreição. Vista deste lado. Do lado da vida. Da esperança. Do encontro. A alegria do procurar e do achar. Do fundir-se na luz do sol, na espuma do mar. Nos braços da coisa amada. Mas também do som. Das palavras murmuradas. Do silêncio do espaço conventual. Do fragor da fúria das ondas. Previsão do Tempo Informação temporariamente indisponível Fórum Não existem tópicos novos. Ver Fórum Área do Subscritor: e-mail •••••••• > Diretor: José Gonçalo Nobre Duarte da Silva | Última Atualização: 07-12-2012 Rec. password Novo registo Pesquisa: > Edição Nas nuvens Ver Galeria Multimédia

DESTE LADO DO ESPLENDOR

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Jornal de Monchique, 07/12/2012

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Tempestade junto à costa de Belle-Île (Théodore Gudin - 1851)

Cultura > Sabor da Vida

Deste lado do esplendor

07/12/2012, 16:26

“Sinto-me nascido a cadamomento

Para a eterna novidade domundo…”

Alberto Caeiro in O guardadorde rebanhos

Estive lá pouco tempo depoisdo acontecido. No Guincho. Aolhar para o mar e a verBernardo Sassetti, de cabelosao vento, no cimo daqueleenorme rochedo donde caiu. Estive lá. Numa tarde de sol que, já quase rasante, bebia a espuma das ondas. Éimpressionante aquele mar. Não pelo que aconteceu, mas sim por esse salto mortal não acontecer todos osdias. Há ali uma força telúrica - tudo é grande, belo, irresistível. Há o mar que brama com fome de corpos, devidas. Um bramido insaciável, contínuo e urrante, tornado apoteose de uma grande sinfonia. De um concertopara piano e orquestra. Um piano tocado com força e com raiva, com a fúria de viver do Bernardo.Acompanhado por todos os instrumentos das gigantescas ondas daquele mar, batendo nas escarpas,desfazendo-se em montanhas de espuma. Um êxtase. Uma loucura. Um mar que tem uma força indomável eum bramir sensual, de desejo, de posse. Para se resistir àquele mar, àquela voz que nos chama pelo nome, épreciso pedir que nos amarrem ao mastro grande do navio. Enquanto é tempo. Ainda “deste lado daressurreição’’.

Vi agora o filme. Mas não é do filme que eu quero falar. Quero falar do que senti. Do que lá está. Daquelabeleza ímpar. Daquelas imagens fabulosas. E do miolo. Do miolo da alma. Mas também do miolo do mar edo miolo da serra. Do mar do Guincho, da serra de Sintra. Que envolve, em belíssimos enquadramentos, oConvento dos Capuchos, apertado nos verdes e na trama de todos os troncos. E há as pedras. As pedras quevêm do princípio, de quando foram separadas das águas. Sem idade, sem tempo, como memória. As pedras,cá fora, na envolvência do eremitério, e lá dentro, no minúsculo espaço das celas escavadas na rocha. Há ocalvário na sombra da cruz que abre os braços ao mundo, e o simbolismo das portas fechadas. Delimitandoum espaço íntimo onde ninguém entra. E as pedras têm inscrições, grafismos, imagens. E há um silênciosepulcral. Como o do fundo do mar. O silêncio das almas, a confusão do espírito. Não há música nem vozesde pássaros. Há o arrepio da flagelação, da corda presa na mão, da violência com que castiga e submete ocorpo. Mas há também a dúvida, a incerteza, e uma voz que sacode Rafael, o rapaz apaixonado pelo mar,pelas suas profundezas e pelas alturas das ondas que o envolvem no surf, a voz suave do monge que lhe diz“quando sabemos o que temos de fazer, encontramos sempre razões para o não fazer – as razões não são deDeus, são do Diabo.” e acrescenta: Há tanta gente lá fora que precisa de ti… à tua espera.” Daquele lado há aperturbação, “a ausência daqueles que chamamos, a procura de sentido’’, diz Joaquim Sapinho, o realizador.E eu vi nas suas imagens, a vertigem da morte e do sobrenatural. À luz das velas no convento, no fundo domar no Guincho. Mas o que sobressai daquilo tudo é a ressurreição. Vista deste lado. Do lado da vida. Daesperança. Do encontro. A alegria do procurar e do achar. Do fundir-se na luz do sol, na espuma do mar. Nosbraços da coisa amada. Mas também do som. Das palavras murmuradas. Do silêncio do espaço conventual.Do fragor da fúria das ondas.

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Muito subtilmente, deste lado da ressurreição é também um filme político, social. Da nossa vivência. Daausteridade e da crise. Do “refundar” para trazer à tona dos dias e dos comportamentos a luz da esperança. Eestá lá tudo, o espiritual e o material. O agora e o sempre. A busca e o encontro.

Não é a história contada que me interessa – é a respiração, o Ruhá (espírito) das imagens. É a beleza. É oencontro do homem consigo próprio. É o voltar.

Talvez por tudo isto alguém tivesse dito que este trabalho de Joaquim Sapinho é uma delicadíssima peça deartesanato, que se confronta com a massificação dos outros filmes consumistas em exibição nos centroscomerciais.

Por alguma razão “Deste lado da ressurreição’’, depois de ter corrido mundo, foi considerado por um comitéinternacional um dos dez melhores filmes de 2011. E em Nova Iorque, o melhor.

Também na Gulbenkian está (e vai estar até 27 de janeiro de 2013), o que já se diz ser a melhor exposição de2012 – “As idades do mar”. São mais de uma centena de preciosíssimas obras de grandes mestres da pinturaeuropeia concebidas nestes últimos quatro séculos. Os nomes representados são muitos, mas basta mencionarGuardi, Turner, Claude Monet, Edouard Manet, Amadeo de Sousa-Cardozo, Vieira da Silva, AntónioCarneiro e João Vaz.

É uma exposição a que Maria João Fernandes, crítica de arte, chama “Esplendor do mar”, seduzida por todose por cada um daqueles quadros, por as mil e uma visões daquele mar, que diz ter “cintilações coloridas,reflexos, exaltações da luz, da alma e do olhar” e ser “amoroso, fascinante, na eterna metamorfose da suabeleza (…) Perturbador no mistério da sua profundidade insondável (…) espelho do visível e do invisível.Mar da alma e mar dos sentidos, domínio encantado, musical e extraordinário reduto de todos os sonhos (…)viagem do espírito em busca da sua origem maravilhosa.”

E num texto que escreveu para o catálogo, Eduardo Lourenço diz que “Na evocação de Pessoa, o Marprimordial povoado de medos, tinha ainda corais e praias e arvoredos.” E, referenciando Turner, acrescenta:“o mar conhece com Turner, um esplendor absoluto. É, ao mesmo tempo, a realidade natural de dramáticaforça e inigualável fascínio.”

Para mim, o percorrer a exposição foi um deslumbramento.

Naquele imenso espaço, sentimo-nos tocados pelos mais belos momentos do mar. Das várias idades do mar.Cada quadro é um arrebatamento que absorvemos com todos os sentidos. Tateando com o olhar o fabulosoefeito do aprisionamento da luz. A luz na água. A luz no espaço. A luz nos corpos nus ou nas pregas dosvestidos. A luz e o som das tempestades, dos naufrágios, do fragor das ondas e do estilhaçar das quilhas. Aluz do sol poente mirando-se nas velas. A luz das velas que se mira nas águas. Um milagre da criação. Dohomem. Do artista.

“Deste lado da ressurreição” tem tudo a ver com “As idades do mar”: deste lado há o hoje, o agora. Do outrohá a rota do tempo, o rolar dos séculos. Com pesos muito diferentes mas com o denominador comum de umdeus –“o Mar”.

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