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DESTINAÇÃO DO IMÓVEL Filadelfo Azevedo

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DESTINAÇÃO DO IMÓVEL

Filadelfo Azevedo

DESTINAÇÃO DO IMÓVEL

Filadelfo Azevedo

CAPÍTULO I – Natureza do imóvel

1- Conceito de direito real

2- Função jurídica da coisa

3- Conceito de imóvel

4- Divisão dos imóveis

5- Acessão

6- Autonomia

CAPÍTULO II – Dependência entre imóveis, anterior à sua utilização

7 – Utilização compulsória

8 – Subordinação natural e legal

CAPÍTULO III – Dependência entre imóveis, posterior à sua utilização

9 – Exploração

10 – Preeminência do solo

11 – Divisibilidade do imóvel

12 – Dependência recíproca

13 – Influência da destinação

CAPÍTULO IV – Servidão por destino do proprietário

14 – Posição do problema

15 – Direito anterior

16 – Histórico

17 – Sistema do Código Civil

18 – Diversidade de titulares

19 – Presunção de plenitude do domínio

20 – Ampliação dos direitos reais

21 – Título

22 – Registro

23 – Direito estrangeiro e direito brasileiro

24 – Jurisprudência

25 – Servidões descontínuas aparentes

26 – Jurisprudência

CAPÍTULO V – Propriedade por andares ou apartamentos

27 – Histórico e atualidade

28 – Construção jurídica

CAPÍTULO VI – Vizinhança

29 – Restrições à propriedade

30 – Alcance das restrições

31 – Fórmula do Código Civil

32 – Discussão jurídica

33 – Critérios de aplicação

34 – Sanções

35 – Jurisprudência estrangeira

36 – Jurisprudência nacional

CAPÍTULO VII – Locação

37 – Critério da destinação

38 – Obrigações do locador

39 – Jurisprudência

40 – Obrigação do locatário

41 – Jurisprudência

42 – Perturbações dos vizinhos

43 – Perturbações aos vizinhos

CONCLUSÃO

44 - Proposições

CAPÍTULO I

NATUREZA DO IMÓVEL

1 – Bacon, ao assentar as bases da moderna indução, preconizou a tortura da

natureza, pelos processos experimentais, que desenvolveu na sua Instauratio magna.

Na ordem conceitual, têm os juristas e filósofos usados de análogos processos de

tortura, ao analisar os elementos constitutivos do direito.

A essa dissecação anatômica tem resistido o elemento sujeito, dada a persistência de

opiniões, respeitáveis, no sentido de negar a sua revelação em alguns casos.

Pacífica é, porém, a asserção de que a coisa não pode assumir a função de sujeito,

afora certas extravagâncias de atribuí-la a animais e plantas.

O Código Civil Português dispôs no art. 369:

“Coisa diz-se em direito tudo aquilo que carece de personalidade”.

Mesmo apreciada como objeto de direito, a coisa tem descido a um plano inferior;

na conceituação dos direitos reais, por exemplo, a opinião de que consistem na submissão

direta da coisa ao poder da pessoa, como relação entre esta e aquela, tem cedido a passo à

concepção do vínculo universal entre um sujeito ativo, determinado, e todos os outros

sujeitos passivos, obrigados a respeitá-los:

“Il diritto subbietivo è sempre potere giuridico e un potere giuridico non è

concepibile se non di fronte ad altri soggetti, perchè esso in fondo non è, da parte del

soggetto, che una facoltà di pretendere, o un insieme di pretese, e le pretese non possono

affermarsi se non di fronte ad altri soggetti simili a lui. Perció il diritto subbiettivo é

sempre in tutto le sue manifestazioni, un rapporto fra uomini, imposto e autorizzato e

tutelato dalla norma” – (VINCENZO MICELI – Il concetto della proprietá – 1927, pág. 108).

COGLIOLO mostra que, falando propriamente, os objetos materiais não são capazes

de direito; o vínculo entre a pessoa e a coisa é um fato econômico e social que só se torna

jurídico pelos efeitos que o direito assegura (Filosofia del Diritto Privato,pág. 162).

Já o nosso JOSÉ DE ALENCAR (A propriedade) dizia:

“O direito é sempre pessoal, porque ele não pode existir senão de pessoa a

pessoa; não amputem no direito real o paciente da relação e não desfigurem no direito

pessoal a obrigação e todos participarão da mesma natureza” – (pág. 43).

2 – Fora, porém, de qualquer dúvida, é a impossibilidade de se formar a relação

jurídica entre coisas.

A função dos bens é, antes, de conteúdo do direito, formado entre seus donos, ou

entre estes, e terceiros.

Mas, nem por isso, pela inferioridade do seu papel no conceito da relação jurídica,

perde o estudo das coisas qualquer importância na técnica do direito.

O seu modo de ser e a dependência física que podem ter, reciprocamente

consideradas, hão de repercutir na formação e modificação do direito, afetando o poder do

sujeito.

Atingido o bem, direta ou indiretamente, como conteúdo, incidência ou mero

veículo, o direito não pode fazer tábula rasa da sua constituição e natureza: há de

conformar a atuação do sujeito ao modo de ser, natural ou artificial, das coisas, atendendo

aos fins de sua utilização.

Assim, se desinteressa o jurista dos bens, que não ensejam um resultado qualquer à

ação do homem.

ALEXANDRE GOROVTSEFF pretende ainda aprofundar e ampliar a noção:

“Por ma part, je me serais permis de proposer, pour la deuxième de ces

notions, c‟est-à-dire pour les points d‟attachesur lesquels porte l‟action du véritable objet

en Droit – la liberté naturelle du sujet, la denomination de sub-stratum, qui me semple le

mieux convenir pour exprimer l‟idée qui se trouve à la base même de tous les

raisonnements présentés plus haut. Ainsi, par exemple, pour le droit portant sur une chose,

c‟est bien la liberté naturelle du co-sujet qui fait l‟objet de ce droit; et quant à la chose

elle-même c‟est justement par le terme de sub-stratum, que pourrait être définie d‟une

manière adéquate, sa situation dans le monde des notions juridiciques dont il s‟agit – Tout

pareillement la créance fait, elle aussi, le sub-stratum du droit correspondant, dont l‟objet

est, comme toujours, la liberté naturelle du co-sujet” – (Etudes de Principiologie du droit,

1928, pág. 38).

3 – Sistematizar a influência que a utilização das coisas exerce na formação do

direito, será o nosso escopo, no presente trabalho.

A extensão do assunto obriga-nos, porém, a fazer, desde logo, um cerceamento da

matéria: limitar-nos-emos à apreciação dos imóveis, onde mais saliente se manifesta a

influência de sua natureza e utilização.

Abandonaremos, assim, as classificações, que interessam primordialmente, aos

móveis, como as relativas ao consumo e à troca.

Também não nos interessará a divisão das coisas em singulares e coletivas,

justamente porque, em relação à terra, a noção é, em regra, inútil.

De fato, a singularização da terra é obra arbitrária do homem, em face da

continuidade do solo; vários terrenos contíguos podem reunir-se, formando um todo, e este

pode ser repartido para constituir novas unidades – só os móveis oferecem individualidade

distinta no espaço:

“Per i terreni, data la continuitá materiale del suolo, l‟unità delle varie

parti è data dalla volontà dell‟uomo più che della natura. Invece le cose mobili in generale,

si presentano como unità naturalmente limitate nell‟estensione”- (COVIELLO – Manuale di

diritto civile italiano – Parte generale – 4a ed., § 81).

O art. 1689 do nosso Código Civil1 ainda o demonstra.

Tratando-se, ademais, de estudo com caráter objetivo, experimental, em quanto

compatível com a matéria, afastaremos tudo quanto não coincidir com a natureza corporal

do imóvel.

1 Art. 1922 do Novo Código Civil de 2002.

Não nos preocupamos, portanto, com os chamados imóveis por objeto ou por

determinação da lei, criação arbitrária, exigida por circunstâncias estranhas ao ponto de

vista em que nos colocamos.

4 – Pretendendo versar o assunto preferencialmente em face do direito nacional,

tomaremos como ponto de referência a técnica do nosso Código Civil, fazendo, todavia, o

estudo comparativo, que se tornar mister.

A duas classificações teremos de nos apoiar – em quanto ao conceito de imobilidade

e em quanto à dependência recíproca.

O Código separou, em capítulos diversos, a apreciação dos bens considerados em si

mesmos e reciprocamente; mas, o rigor da lógica talvez não autorizasse a distinção, pois a

dependência se insinua na própria fixação do caráter imobiliário.

Os imóveis não podem ser concebidos isoladamente, mas sempre em relação com

os vizinhos, com os quais estão natural e continuamente em contato:

“Solo le cose mobili sono nella loro estrinseca sussistenza cosi isolate, che

può benissimo usare di una di esse senza perciò influire sulle altre; la natura stessa le ha

constituite enti individuale. Rispetto alle cose immobili invece non è di regola la natura,

ma è l‟uomo (ossia la volontà, il diritto) che ne ha formato un individuo, ossia speciale

oggetto di proprietà. La distinzione e separazione di un fondo da un altro, sia pur fatta

palese con segui estrinseci (fossi, muri, siepi e cosi via) non riesci a togliere il rapporto

naturale di connessione e di reciproca dependenza. É quasi impossibile di usare

isolatamente per sé stesso: la natura medesima ha quindi in certo modo indicato un

rapporto di mutuo servizio e di mutua tolleranza, che rende inescogitabile l‟applicazione

del principio dell‟isolamento di fatto e di diritto” – (C. FERRINI – Servitù prediale – 2a ed. –

pág. 130).

A elaboração do texto, na parte relativa à classificação dos bens, foi muito agitada:

CLOVIS BEVILAQUA, explicando sistemas até então dotados, manifestou sua preferência

pelo de TEIXEIRA DE FREITAS, modificado.

A nós nos pareceria, entretanto, preferível o seu sufrágio integral. De fato, assaz

defeituoso, como reconhecia o notável codificador, é o sistema franco-italiano, que

considera no mesmo plano – imóveis por natureza – o solo (fonds de terre, terreni) e os

edifícios, como ainda moinhos, frutos, canos e até animais; e, dos imóveis por destino, faz

longa e arbitrária enumeração.

O Código português distingue os prédios em rústicos e urbanos, consistindo aqueles

no solo e estes nos edifícios que lhe estão incorporados (art. 374).

O alemão se orienta pelo critério econômico, distinguindo as partes integrantes, das

dependências e embora o principal seja o terreno, a terra, o solo (§ 94), a ele se unem as

construções e produtos, formando um todo, economicamente considerado.

O suíço enumera como imóveis, além dos direitos registrados, apenas os bien-fonds

e as minas (art. 655) e o argentino se aproxima da construção integral de TEIXEIRA DE

FREITAS.

Vejamos o Esboço:

“Art. 396 – O solo unicamente é imóvel por natureza, a saber, o agregado de

suas partes sólidas, e fluídas, não suscetíveis de movimento, que formam sua superfície e

sua profundidade e altura perpendiculares”.

Em seguida, cogitava da acessão, dividida em original e acidental, esta em relação

ao solo ou aos seus acessórios.

A propósito de emenda, de DUARTE DE AZEVEDO, propugnando pela fórmula de

FREITAS, disse o relator da Câmara, AZEVEDO MARQUES:

“No primeiro tipo de imóveis eu consignaria somente o solo, que o é por

excelência e somente pela natureza” – (Trabalhos de Código, v. 3, página 42).

Essa é também a lição de EDUARDO ESPINOLA:

“... o bem imóvel por excelência é o solo” – (Breves anotações, pág. 155).

Nas Pandectas francesas se encontra:

“Le sol, les fonds de terre, les tréfonds voilá les veritables immeubles par

nature. On ne considère ni l‟utilité qu‟on retire ni le mode de culture ou d‟exploitation. La

terre, inculte ou couverte de produits, conserve son caractère essentiel; c‟est toujours un

immeuble” – (v. 13, pág. 48).

Ainda COVIELLO:

“Tale (immobili) a dir vero, non sono che i soli terreni sebbene la legge

consideri como immobili per natura gli edifici, gli alberi ecc” (op. cit, § 75),

e ERNESTO DE LA VILLE:

“Il vero e solo immobile naturale è la terra, gli altri sono artificiali, perchè

formati dalla mano dell‟uomo. Giammai avvenne che una qualsiasi fabbrica, od anche un

semplice muro a secco, sia stato fornito dalla natura in un momento primitivo. É dunque

una finzione giuridica chiamar le fabbriche immobili per natura” – (Trattato della servitù

prediali – 1906 – pág. 34).

Somente o artificialismo justifica a técnica do moderno direito russo que,

assentando a nacionalização da terra e suprimindo a distinção entre bens móveis e imóveis,

só considera as concessões, sob forma de usufruto, urbano ou rural, ou de direito de

construção, de sorte que:

“Le droit au terrain est ici une véritable dépendance juridique du bâtiment

et la loi soviétique purrait être formulèe comme suit – la propriété du dessous comporte

l‟usufruit du sol”- (ELIACHEVITCH, TAGER et NOLDE – Traité de droit civil et commercial

des soviets – Paris – 1930, t. III, § 111).

5 – O que, porém, de mais defeituoso consideramos no Código é o art. 61, inútil e

até contraditório, a despeito de sua elaboração haver sido também muito castigada.

A princípio, eram considerados acessório do solo o espaço aéreo, os produtos

orgânicos, o subsolo, com os minerais, e as obras.

DUARTE DE AZEVEDO e ANDRADE FIGUEIRA impugnaram a qualificação de

acessórios para o espaço aéreo e o subsolo, acrescentando que, por dispositivo anterior, já

constituíam eles partes integrantes do solo e não meros acidentes.

Foram suprimidas as referências a tais situações.

FERREIRA COELHO opina que resultou dissonância, porque, com a atual redação do

art. 432, passaram, de novo, o subsolo e o espaço aéreo e acessórios.

Mas, assim, não deve ser entendido o preceito, como demonstrou exaustivamente

SÁ PEREIRA, na interessante análise do art. 5263.

Tão pouco, a superfície se poderia considerara acessório do solo, e, assim, foi

destacada no segundo texto do Código (decreto n. 3725 de 1919), embora deixando ainda

lugar a dúvidas.

Deve concluir-se, ao revés, pela inutilidade do art. 61, eis que bastantes são as

regras dos arts. 43 e 594.

Com efeito, o melhor sistema seria o de conceituar como imóvel per se apenas o

solo, compreendendo o espaço aéreo e o subsolo, salvo as minas, como no Código Civil

suíço, assim entendido por abalizado comentador:

“Les bien fonds – ce sont lá les immeubles par excellence, consistant en une

partie geometriquement limitée du sol, de la superface terrestre; et ces immeubles

comprennent leur parties integrantes, mais non les accessoires, qui restent des meubles,

bien qu‟ils suivent le sort juridique de la chose principale” – (ROSSEL et MENTHA – manuel

du Droit Civil Suisse – v. 2, § 1228).

Os demais elementos decorreriam de mera acessão, originária ou artificial; para dar-

lhes o caráter imobiliário, aí estaria o art. 595.

2 Art. 79 do Novo Código Civil de 2002.

3 Art. 1230 do Novo Código Civil de 2002.

4 Arts. 79 e 92 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.

Mas, considerá-los todos imóveis, como faz o art. 436, e, depois, chamá-los de

acessórios, no art. 61, é que nos parece algo contraditório, tanto mais quanto a acessão

intelectual, com grande latitude que se lhe deu, sem dependência de fim econômico, mas

ampliada ao aformoseamento e à comodidade, ficará em plano superior à física, pela regra

exclusio alterius.

Assim, o art. 61, exige a circunstância da aderência para as obras, que serão

imóveis, mas acessoriamente; o que, entretanto, for empregado de modo intencional, sem

aderência, será imóvel principalmente, privilegiando-se o que COLIN et CAPITANT chamam

o destino suntuário (Cours elementaire de droit civil – 4a etc., v. 1, pág. 688), ou melhor,

segundo a nossa técnica, voluptuário.

A teoria da acessão é, pois, algo indecisa no Código: os acessórios que, pelo art.

437, têm caráter principal, considerados imóveis por destino, voltam, pelo art. 61, à

categoria secundária de simples dependência do solo: minerais, produtos orgânicos e obras

aderentes, além das bem-feitorias, qualquer que seja o seu valor.

Nos arts. 810 e 8118 confirma-se o último princípio, em quanto aos acessórios,

acessões, melhoramentos ou construções, já destacada, porém, a figura autônoma da mina.

Os imóveis por destino não têm, portanto, autonomia, nem são diversos dos por

natureza, a que aderem.

Não se pode deixar de concluir, pois, que a técnica é defeituosa: um dos textos é

supérfluo – ou se dá autonomia a certos acessórios, considerando-os imóveis por destino,

ou se os mantêm em mera subordinação, mas, para tal, já bastaria o preceito genérico do

art. 599.

Qual a vantagem, portanto, da classe dos imóveis por destino, se continuam sujeitos

à regra de predomínio do principal?

MAURICE PICARD opina, aliás, pela supressão da acessão intelectual

“... source de difficultés constantes et, peut-être, la creation la plus inutile

du droit moderne”- (PLANIOL et RIPERT – Traité de Droit Civil, v. 6, § 77).

5 Art. 92 do Novo Código Civil de 2002.

6 Art. 79 do Novo Código Civil de 2002.

7 Art. 79 do Novo Código Civil de 2002.

8 Arts. 1473 e 1474 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.

9 Art. 92 do Novo Código Civil de 2002.

Nenhum daqueles elementos pode existir sem o solo, que é o principal:

“Les parties intégrantes soni des choses qui, au point de vue économique et

juridique, ne présentent pas les qualités d‟objets indépendants, mais qui sont absorbées par

un autre objet, la chose principale. Les constructions et les végétaux sont, par exemple, des

parties intégrantes du sol, les matériaux le sont du bâtiment” – (C. WIELAND – Les droits

réels dans le Code Civil Suisse – v. 1 – pág. 28).

Assim o Código Brasileiro vem a incidir no mesmo defeito da orientação franco-

italiana, de enumerar como imóveis, indistintamente, terras e edifícios.

Não em si mesmas, mas só reciprocamente consideradas poderiam ser declaradas

imóveis as construções e plantações em geral.

O edifício que se junta ao solo perde sua individualidade, formando com este um só

todo e não mero acessório, que conserva sua individualidade.

Outros dispositivos do Código desautorizam, aliás, uma construção rigorosa: ao

lado dos que são corolários do art. 5910

, v. g. os arts. 810, 81111

, empregando os termos

acessórios e acessões, 864, 86812

, falando já em acrescidos, 872 e 170613

, encontram-se

outros dele destoantes; assim,

- o art. 170814

, n. I faz caducar o legado, quando a modificação da coisa

importa em supressão da forma ou mudança de denominação e JOÃO LUIZ

ALVES o aplica ao caso de construção em terreno vago (Cod. Civil, 2a ed.,

página 1240);

- o art. 168915

exclui do legado de imóvel as novas aquisições, ainda que

contíguas, fórmula trazida do Código Português, pela Comissão revisora e

bem inferior.

10

Art. 92 do Novo Código Civil de 2002. 11

Arts. 1473 e 1474 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 12

Arts. 233 e 237 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 13

Arts. 241 e 1937 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 14

Art. 1939 do Novo Código Civil de 2002. 15

Art. 1922 do Novo Código Civil de 2002.

Em verdade, porém, no sistema brasileiro só é imóvel, principalmente, o solo, com a

compreensão fixada nos artigos 43, n. 1 e 52616

; muito superior é, portanto, a técnica dos

Códigos alemão e suíço, que o dizem expressamente, embora sem abandonar, quando

necessário, o critério econômico, que os informa.

O elemento histórico ainda elucida:

“É per questa ragione che I Romani non hanno tecnicamente usato la

espressione res immobiles nelle loro prime leggi, ma si sono invece serviti dell‟altra res

soli” – (VITTORIO SCIALOJA – Teoria della proprietà nel diritto romano – 1928 – v. I –

página 61).

6 – Acabamos de ver que o principal, no imóvel, é o solo.

Mas, essa substância só, em abstrato, poderia ser considerada absolutamente

independente, sem acessórios – o solo despido, nu.

À superfície, elemento preponderante, como ficou evidenciado pela correção do

texto, operada pela lei 3725, de 1919, por sugestão de EPITÁCIO PESSOA, se ligam as

adjacências e acessórios naturais: o espaço aéreo e o subsolo, as árvores e os frutos

pendentes (art. 43, n. 117

) ou os produtos orgânicos da superfície e os minerais contidos no

subsolo (art. 61, ns. I e II).

Nem a superfície pura, simples expressão geométrica, poderia interessar ao Direito:

“I terreni però non debbono riguardarsi come nuda superficie geometrica,

ma come formanti una cosa sola con ciò che sta sotto il suolo e con lo spazio che si troba

al di sopra” (COVIELLO – op. cit., § 75).

Mas, já em relação às minas, o art. 810 n. VI18

antecipou a construção de sua

autonomia, consagrada expressamente nas leis ns. 2933 de 1915, anterior, apenas

aparentemente, ao texto do Código, e 4265 de 1921.

Os princípios desta merecem recordados:

16

Art. 79 e 1230 do Novo Código Civil de 2002. 17

Art. 79 do Novo Código Civil de 2002. 18

Art. 1473 do Novo Código Civil de 2002.

“Art. 5 – A mina constitui propriedade imóvel, acessória, do solo, mas

distinta dele.

Parágrafo único. – São consideradas parte integrante da mina as coisas destinadas

permanentemente à sua exploração, tais como servidões, obras de arte, construções

subterrâneas e superficiais, máquinas e instrumentos, animais e veículos empregados no

serviço da mina, o material do custeio e as provisões em depósito.

Art. 6 – É permitido ao proprietário separar a mina do solo para o fim de a

arrendar, hipotecar ou alienar, e pode fazê-lo com relação à propriedade do solo, reservando

para si a da mina”.

Reconhecida essa dualidade de imóveis superpostos, destacada expressamente, para

permitir o conteúdo separado de direito em relação ao solo e à mina, passamos a apreciar o

comportamento das coisas, seu destino, sua utilização.

O aspecto fundamental da utilidade, além da regra do art. 69, ficou consagrado no

art. 52619

, ao restringir a amplitude da propriedade imóvel acima e abaixo da superfície, sob

a medida do interesse.

E só na medida do interesse, que possam despertar, qualquer que ele seja, há de

preocupar ao direito a existência dos bens.

Sem nos desviarmos, para tender a outros pontos curiosos, qual a crítica da fórmula

do art. 526, já magistralmente feita por SÁ PEREIRA (Manual Lacerda – vol. 8, págs. 46 e

47) vamos apreciar o imóvel nos dois momentos:

- anterior e posterior à sua utilização pelo homem.

E os destacaremos, apenas como preliminar necessária ao estudo do modo de ser

dos imóveis, em relação a outros bens da mesma natureza, com que venham a ter contato,

próximo ou remoto, e os de caráter móvel, que a eles vão aderindo.

19

Art. 1230 do Novo Código Civil de 2002.

CAPÍTULO II

DEPENDÊNCIA ENTRE IMÓVEIS, ANTERIOR À SUA UTILIZAÇÃO

7 – Objetar-se-á, logo, que o imóvel antes de sua utilização não deve interessar ao

direito – está exatamente na situação das coisas ditas inapropriáveis, que escapam à atuação

jurídica.

Bem conhecida é, porém, a evolução do conceito de propriedade.

Apreciemo-lo rapidamente, sem tocar nos extremos do comunismo:

“Le sol est propriété de l‟Etat et ne peut être objet de commerce privé. La

possession sur le sol n‟est admise que sur la base de droits de jouissance” – (Cod. Civ. da

Rússia, 1923, art. 21).

e do fascismo, em cujo programa, concretizado na Carta del Lavoro, se encontra:

“Lo Stato riconosce la funzione sociale della proprietà privada; la quale è

insieme un diritto ed un dovere. Essa è la forma di amministrazione che la società ha

storicamente delegata a gl‟individui per l‟incremento del patrimonio stesso”.

O Estado corporativo, declara a proposição VII da Carta, considera a iniciativa

privada no campo da produção como o instrumento mais eficaz e mais útil ao interesse da

nação, mas:

“... l‟organizzazione privata della produzione è una funzione d‟interesse

Nazionale; e perciò l‟organizzatore dell‟impresa è responsabile dell‟indirizzo della

produzione di fronte allo Stato, il quale può intervenire nella produzione economica

quando manchi o sia insufficiente l‟iniziativa privata, o quando siano in gioco interessi

politici dello Stato. E l‟intervento può assumere la forma di controllo,

dell‟incoraggiamento, della gestione diretta” (propos. IX) – (LUIGI MASUCCI –Il contenuto

della proprietà di fronte al nuovo diritto pubblico – 1931 – pág. 38).

A Constituição alemã (art. 153, III) já declara que a propriedade obriga; seu uso

deve ser, ao mesmo tempo, um serviço prestado ao interesse geral; a cultura e a valorização

do solo são obrigações do proprietário para com a comunidade (art. 155).

Vejamos agora a opinião de um jurista filósofo, com orientação bem equilibrada:

“Ció posto, è facile comprendere che il diritto di proprietà si deve intendere,

quale un potere sulla cosa, e, in pari tempo, quale un dovere di usarla secondo una bene

intesa utilità individuale e sociale. Il potere deve certamente avere un carattere esclusivo.

Ma, sotto un altro aspetto, questo potere non può essere infeso in modo assoluto ed essere

quindi abandonatto interamente all‟arbitrio del soggeto, poichè allora la proprietà

assumerebbe quel carattere individualistico, che non si trovarebbe più in armonia con le

esigenze sociali, che lo giustificano, ne col principio etico, che ne costituisce il fondamento

primo. Onde questo diritto implica limiti numerosi, che vanno anzi crescendo con lo

sviluppo della cooperazione e della solidarietà sociale; limiti che possono perfino

determinare il modo come quel potere dovrà essere esercitato nell‟utilizzazione della cosa”

– (VICENZO MICELLI – op. cit. – págs. 102 e 298).

A de outro:

“Quando il potere sociale convenne di assicurare e fareassicurare la vostra

proprietà, credete voi che lo abbia fatto e lo faccia per i vostri begli occhi? Sapete voi che

sempre in questa protezione sta sottintesa la clausola che soddisfatti i vostri bisogni, sia

col godere, sia col contratare, voi non togliate ad altri quei beneficii che la natura

comporta ai vostri consociati?” – (ROMAGNOZI – Della ragione civile della acque nella

rurale economia – página 82).

E o nosso SÁ PEREIRA, na sua frase elegante:

“Para que, portanto, a propriedade, com aqueles caracteres, pudesse ser

socialmente exercida, ajuntou-se a cada um deles um temperamento especial: ao seu

absolutismo, as limitações; ao seu exclusivismo, as servidões, e à sua perpetuidade, a

expropriação” – (Decisões e julgados – pág. 283).

A aplicação que mais nos interessa, no momento, é a do problema da exploração da

terra.

Considerando a faculdade do proprietário deixar inculta a terra, de não beneficiá-la,

MASUCCI a equipara a uma subtração das vantagens da coisa ao patrimônio nacional, a um

abuso social, se não também jurídico, pois o Estado não reconhece a propriedade como

domínio absoluto da pessoa sobre a coisa, mas a regula como a mais útil das funções

sociais.

O único título legítimo sobre qualquer meio de produção e troca é o trabalho:

“Solo il lavoro è padrone della sostanza resa massimamente fruttuosa e

massimamente profittevole all‟economia generale. Cosi il dovere sociale del proprietario,

in precedenza fondato essenzialmente su concetti etici e di convenienza soziale ed

economica, si converte in dovere giuridico.

Un nuovo ed unico principio domina la vita dei singoli e del tutto sociale:

La solidarietà” – (Op. cit., pags. 39 e segs.).

MICELLI também, na sua serenidade, chega a conclusões idênticas, reputando abuso,

contrário ao interesse público e ao privado, a não utilização da coisa, segundo sua natureza.

Se se tratasse da exclusiva conveniência do dono ainda se poderia excluir a ingerência da

norma jurídica, mas sobreleva a da coletividade, e uma vez que as coisas são limitadas,

quem não usa delas, ou, o que é pior, as destrói, não faz mais do que subtraí-las a outros,

que melhor as poderiam utilizar, impedindo ainda que o bem possa contribuir, embora

indiretamente, para a prosperidade comum.

Nenhum motivo justificaria essa subtração, e o direito não pode tutelar poderes

inativos, que impedem à propriedade de preencher suas funções.

O desperdício de riqueza não se harmoniza nem com os fins individuais, nem com

os sociais, justificativos do instituto da propriedade – complemento da personalidade e

instrumento de prosperidade econômica:

“Infatti, con questo abuso, la personalità, anzi che innalzarsi si abbassa e si

corrompe, perchè la proprietà serve allora ad alimentare i capricci, i disordini della

condotta”- (Op. cit., pág. 272 e seguintes).

BIAGIO BRUGI ainda observa:

“Nei periodi di floridezza d‟un popolo la proprietà inerte è un assurdo

economico, se non giuridico: - quando o per l‟una o per l‟altra ragione, si aggravi il

pericolo di tale inerzia, non possono mancare leggi speciali che, direttamente o

indirettamente, tentano di porvi rimedio” – (Della proprietà – v. I, pág. 112).

N. STOLFI, resumindo o que, nesse sentido, se fizera antigamente, recorda que, a

acreditar-se em Herodiano, o imperador Pertinax (192-193) dispôs que as terras incultas,

pertencentes a quem quer que fosse, deveriam passar a quem as ocupasse e cultivasse, além

da isenção de imposto por dez anos. Mas, se dúvida houvesse, por falta de referência nos

livros jurídicos a essas normas, incontestável seria o reconhecimento de análogas, adotadas

entre 337 e 444, por CONSTANTINO, THEODÓSIO e VALENTIANO e recolhidas no Cod. 1 XI

tit. 58, sob a rubrica: De omni agro deserto et quando sterilis, ecc.

De fato, o princípio do trabalho, que instruía a especificação dos móveis, foi

aplicado aos imóveis estéreis e abandonados, quando beneficiados pelos cultivadores; e não

só sobre as terras do Príncipe, mas também sobre as particulares, se estabeleceu que

qualquer poderia, por próprio arbítrio, apossar-se de prédios abandonados e cultivá-los

“facendosi soltanto salvo al proprietario di rivendicarli nello spazio di due

anni, previa restituzione al coltivatore delle spese per i miglioramenti compiuti, e passati

due anni o sei mesi soltanto se il fondo fosse stato aggiudicato (Cod. l. 1-57-Cost. 7), il

dominio del coltivatore diventava irrevocabile” – (Diritto civile – v. II – parte I, § 289).

SCIALOJA (op. cit.,pag. 314) considerada apenas a sanção indireta pela inscrição, por

parte do censor, do proprietário inativo entre os aerarios, segundo ainda referia AULO

GELLIO nas Noites áticas.

E hoje?

Muito menos.

O próprio MASUCCI, embriagado pelo sistema fascista, apenas exibe uma

mesquinha prova em favor da tese de que o proprietário

“assenteista e tecnicamente impreparato e sprovvisto di mezzi idonei al

pregresso agricolo, non è più ammissibile”.

Vale a pena inseri-la como foi transcrita da folha de anúncios legais da Província de

Rovigo (28 de Outubro de 1928):

“Il Presidente della Federazione dei sindicati fascisti degli agricoltori della

provincia di Rovigo è incaricato nell‟interesse e per conto del proprietario negligente

dell‟amministrazione e conduzione del fondo A., di proprietà del S. P., con facoltà di

adottare tutti i provvedimenti che riterrà necessari al fine della maggiore produzione del

fondo stesso con l‟obbligo di rendere il conto economico e finanziario per l‟anno colonico

1928-29, con diritto a ripetere dal condutore che subentrasse il rimborso delle somme

erogate per la conduzione, che non trovasse capienza nel reddito ricebuto”.

Ainda não foi também transformado em lei o projeto de reforma do instituto da

desapropriação na Itália, orientado pelo seguinte princípio:

“L „indenittà che concede all‟espropriato, è istituto sui generis di diritto

pubblico, non confundibile nè con la contraprestazione in senso civilistico, nè col prezzo

più o meno giusto. La Relazione la definisce un equivalente economico determinato non

della volontà degli interessati, ma dalla funzione delle leggi economiche combinate col

principio di solidarietà” – (MASUCCI – op. cit., pag. 81).

Na Bélgica, a lei de 8 de Agosto de 1922 permitiu

“... la remise d‟office en état d‟exploitation agricole par le soins du

Ministère de l‟Agriculture des terres laissées à l‟abandon, sans que le consentementdes

propriétaires interessés soit requis à cette fin” – (PIERRE DE HARVEN – Mouvements

generaux du droit civil belge conteporain – 1928 – pag. 117).

Na Rússia o direito novo prevê como causas de municipalização dos prédios

urbanos o abandono e a má gestão; em compensação, diante da ruína iminente dos bens

municipalizados, os devolve à iniciativa particular, com obrigação de reparar e reservar

10% da superfície útil aos órgãos administrativos do Estado (ELIANOVITCH – op. cit., §§ 84

e 85).

Mais energia tem sido a aplicação de tais conceitos ao caso especial das minas; fácil

é antever que todos esses autores excluem-se da compreensão do imóvel.

Curiosos são preceitos dos arts. 27, 31 e 29 da nossa lei mineira que, a despeito dos

textos constitucionais, atribuem, no caso de inércia do dono do solo, a terceiros, a pesquisa,

a lavra e até a propriedade da mina.

“... mandando o juiz lavrar para o manifestante o título de descobridor, que

desde então lhe assegura o direito à metade da propriedade da mina”.

Não conhecemos, entretanto, caso de sua aplicação.

LEON DUGUIT, justificando suas idéias sobre a função social da propriedade (Les

transformations generales du droit privé, 2a ed., pag. 164), destinada a responder às

necessidades econômicas, reconhecera que, afora o caso das colônias e das minas, a lei não

exigia a exploração da propriedade, embora acrescentando que a obrigação surgiria, quando

as contingências a reclamassem, e ninguém a contestaria, tal o espírito da época; mais

tarde, considerou realizada sua profecia com a legislação da guerra e suas conseqüências

(Trailé de droit constitutionnel – v. III, pag. 618).

Mas, enquanto a organização social ou jurídica não impuser a utilização

compulsória, especialmente de caráter econômico, da terra, há de a lei reconhecer um

mínimo de exercício do direito de propriedade.

DE HARVEN considera que as restrições existentes constituem simples começo de

evolução – são manifestações excepcionais e passageiras, que deixam íntegro o direito

subjetivo.

Circunstâncias várias podem também adiar o exercício do gozo e uso do bem.

Afora o caso de abandono, que não se presume, a lei assegura o domínio, que se

adquire, transmite e extingue, independentemente da exploração da coisa.

Esse fato incontestado: o imóvel sujeito ao domínio, sem aproveitamento atual.

Mas, mesmo nesse estado, sem dúvida provisório, ausente qualquer destino, terá o

solo, com seus acessórios naturais, dependência física com outros bens. Pouco importa que

tal estado, pode-se dizer virgem, seja originário ou conseqüente à resolução de cessar

qualquer exploração imediata da coisa.

8 – Tomando, assim, o imóvel no seu estado de pré-utilização, ainda que conteúdo

de propriedade, vamos apreciar a atuação do postulado, de que o acessório segue o

principal.

Afora a acessão natural originária, considerada, embora, em um certo tempo, como

os produtos do subsolo e as árvores e frutos nativos, pode a coisa, estaticamente, influenciar

para a aquisição de direitos.

Independente do destino, que possa vir a ter, à coisa se agregam adjacências, cuja

propriedade é adquirida pelo titular do solo, por força do modo denominado acessão.

O Código Civil disciplina os casos de aluvião, avulsão, abandono de alveo e

formação de ilhas.

Manifesta-se o princípio da acessão natural, ainda que não originária, como fato

ocorrido entre coisas, segundo critério exclusivo da aderência (art. 543), independente de

atuação do homem (art. 6420

).

No ponto de vista em que nos colocamos, nenhum interesse tem, a distinção entre o

principal e o que acresce naturalmente, assimilando-se àquele.

20

Art. 97 do Novo Código Civil de 2002.

A situação material das coisas, independente de destino ou utilização especial,

repercute, portanto, na órbita jurídica, determinando a criação ou a ampliação de direitos.

Assim, a contigüidade dos imóveis, insistimos, constitui fato que acarreta

importantes conseqüências jurídicas:

“L‟état naturel du sol engendre une sorte d‟amenagement normal entre les

propriétés” – (LABBÉ in SIREY – 1872 – I, pag. 354).

No estado natural os imóveis não são independentes, pois, destacando-se

arbitrariamente de um todo, entram em relação com os que estiverem próximos, contíguos

ou não.

Reduzida, mesmo, a utilização do imóvel ao mínimo, necessário apenas excluir a

intenção de abandono, como a visita, guarda, vigilância, conservação precária, sua própria

natureza exige ainda a disciplina jurídica para prover a sua interdependência, em relação

com outros no mesmo estado, ou já utilizados.

A ordem natural estabelece dependências mais ou menos íntimas entre os imóveis,

destacados pela sujeição ao domínio, nem este se poderia verificar isoladamente.

Como a vida é impossível, separada da dos semelhantes, a propriedade da terra não

se compreende sem relação alguma com os vizinhos.

Daí, as servidões, utilidades inerentes à própria situação das coisas, denominadas,

por certas legislações, naturais, por outras, legais.

É conhecida a controvérsia no direito francês, sobre a distinção das duas espécies e

a solução do código italiano de resumi-las em forma única.

Preferiríamos o termo naturais, dado que a proteção legal é imposta por

contingências da natureza e o legislador não poderia desconhecê-las, senão por ato

arbitrário, contrariando a função social, a que deve servir.

E, quando as desconhecesse, não poderia ser obedecido, porque os golpes artificiais

não modificam a essência das coisas.

Já DEMOLOMBE dizia:

“La vérité est que les servitudes qui dérivent de la situation des lieux ont,

avant tout, pour cause la disposition des terrains, la conformation des propriétés, et

qu‟elles sont écrites, pour ainsi dire sur le sol, tel que Dieu lui-même l‟a fait comme, par

exemple, la charge pour le fonds inférieur de recevoir les eaux qui découlent du fonds

supérieur. Ces servitudes lá, la loi ne les établit pas; elles existent naturellement, par la

force même des choses, avec un caractère de perpétuité et d‟universalité qui fait qu‟on les

retrouve les mêmes dans tous les temps et dans tous le pays” – (Traité des servitudes – v. I

– pág. 11).

E BIAGIO BRUGI:

“La divisione dei fondi non rompe la coesione fisica del suolo, nè la

colonna d‟aria soprastante; quindi restano necessariamente delle relazioni fra coloro che

hanno fondi tra loro contigui e isieme connessi come prima della divisione” – (Riv. de Dir.

Comm. de SRAFFA e VIVANTE – 1926 – II – página 229).

FERRINI, rejeitando a noção de servidão, considera, entretanto:

“Cosi non si può dire limitata la proprietà di un fondo inferiore perchè vi si

scaricano naturaliter le acque dai fondi superiori. Falsi quindi e inopportuna per

esprimere una siffata condizione di cose è la locuzione di servitù naturale, non trattandosi

nè di servitù, nè tampoco di limitazione del dominio; ma vega l‟osservazione che la

condizione è connaturale alla proprietà del predio cosi situato e questo hanno voluto

significare i Romani com quelle frasi, che furono causa di tanti guai della naturalis

servitus o del natura servire” – (op. cit., pag. 12).

Pela técnica do nosso Código, as servidões naturais e as que a lei estabeleceu,

independente mesmo de exigência física das coisas, foram rotuladas como direitos de

vizinhança.

Veremos, todavia, que a disciplina desses direitos é semelhante à das servidões,

chamadas, em outras técnicas, servidões convencionais; vários dispositivos do nosso

Código, mal colocados em um outro dos capítulos, denunciam a aproximação natural dos

institutos.

No direito anglo-americano são chamados natural rights:

“The right which an owner of land has in reference to the use of other land,

in the absense of any grant or stipulation in that regard, are know as natural rights. They

owe their existence to the fact that, without them, a landowner might be, in part of wholly,

deprived of the use and enjoyement of his land. A violation of one of these rights constitues

nuisance. Other rights in this respect can exist only by contract or grant” – (H. T. TIFFANY,

- Real property - § 295).

No estudo desses direitos de vizinhança manifestam-se outras tantas influências das

coisas entre si, mesmo no estado primitivo, a que nos vimos referindo.

O escoamento das águas, em seu curso natural, é a constatação flagrante e mais

típica da obediência da lei a um fenômeno natural.

Mas, estabelecem-se outras dependências, verdadeiras obrigações propter rem,

como a de limitar os imóveis, fixando-se regras para sua demarcação (Cod., arts. 569 a

57121

), inclusive em relação a árvores (arts. 556 a 55822

) e a de dar passagem (arts. 55923

a

562).

O nosso LAFAYETTE ensinava:

“Há outras que, suposto se não possam considerar efeitos necessários da

natureza, são todavia indispensáveis para o conveniente aproveitamento das riquezas e

utilidades do prédio. A lei as cria e estabelece como providências de interesse comum. O

característico das servidões legais está nisto, que elas são ônus impostos pela lei a um

prédio em favor de outro, sem necessidade do consentimento do dono do serviente” –

(Direito das Coisas, § 120).

21

Arts. 1297 e 1297, §§ 1o e 2

o do Novo Código Civil de 2002.

22 Arts. 1282 e 1283 do Novo Código Civil de 2002.

23 Art. 1285 do Novo Código Civil de 2002.

É certo que essas outras restrições interessam fundamentalmente à utilização da

coisa, mas algumas são indispensáveis ainda no período de inércia do proprietário, pois não

se compreenderia um domínio em coisa inacessível ou sem limites, ainda que aproximados.

CAPÍTULO III

DEPENDÊNCIA ENTRE IMÓVEIS, POSTERIOR A SUA UTILIZAÇÃO

9 – Quando, porém, o homem transforma a mera possibilidade em fato, quando a

utilização in potentia se torna in actu, avultam de importância os reflexos da influência do

destino das coisas, em si ou na sua reciprocidade.

Não perderemos tempo em discriminar todos os aspectos possíveis dessa utilização,

econômica ou não – extrativa, industrial, comercial, de abrigo ou de mero recreio:

“Il concetto di utilità, in materia di servitù, deve essere inteso in senso lato

si da comprendere anche quello dell‟amenità. Nel concetto dell‟amenità rientra più

particolarmente cio che riflette l‟abbellimento, il piacere, la ricreazione dello spirito, il

soddisfacimento del nostro senso artistico e per sino qualsivoglia predilezione fondata

sulla nostra immaginazione o per alimentare il senso volubile delle nostre passioni e delle

nostre bizzarrie”- (A. BUTERA – Delle servitù – pag. 134 - § 41).

A intervenção do homem, em vária escala, é exigida para o aproveitamento

econômico do solo, sob qualquer aspecto.

Ele o vai explorar, ou retirando apenas os produtos naturais, minerais ou vegetais,

ou empregando maior atividade para a geração de frutos.

De qualquer forma, dá um destino útil ao imóvel e, mesmo na indústria meramente

extrativa, tem necessidade de acrescentar alguma coisa ao solo, ao menos para depósito,

abrigo de pessoal, etc.

Nos demais casos de exploração agrícola, industrial, comercial, vai praticar, em

maior escala, a acessão artificial.

10 – É chegado, pois, o ponto de aprofundar o estudo da regra de subordinação do

acessório ao principal.

A utilização do solo determina, como vimos, o reconhecimento da classe dos

imóveis por destino.

Verificamos, também, que decorre do sistema da nossa lei, salvo a exceção das

minas, a preeminência do solo sobre todas as acessões naturais e artificiais, constituindo,

pois, a terra, rigorosamente, a substância do imóvel.

Confira-se o conceito clássico de substância, ainda dominante, como, há pouco,

recordava AUGUSTO ETCHEVERRY in Revite de Philosophie – 1930 – pag. 185:

“Secundum quod supponitur accidentibus dicitur substantia” - (S. THOMAZ

– Summa theol. – I – 9. 29 a 2).

“Losque nous concevons la substance, nous concevons seulement une chose

qui existe en telle façon qu‟elle n‟a besoin que de soi même pour exister”- (DESCARTES –

Princ., § 51).

“Par substance j‟entends ce qui est en soit et est conçu par soi, i. e., ce dont

le concept n‟a pas besoin du concept d‟une autre chose dont il doive être formé” –

(SPINOZA – Ethique – I, déf. 3).

Mas, esse verdadeiro postulado inscrito no art. 59 do Código Civil24

tem uma

grande repercussão no campo econômico, a que o direito está jungido.

Por isso, o legislador teve o cuidado de admitir exceções, como em relação a certos

móveis: os arts. 62 e 61225

, por exemplo, invertem o princípio, em atenção a razões de

ordem intelectual, artística e, sobretudo, econômica:

“E avendo dimostrato che la preeminenza non può fondarsi sopra la natura

specifica di forma e materia, il criterio che si apresenta più naturale è quello del valore

rispettivo che può avere l‟uno e l‟altro elemento, intendendo il valore non nel senso stretto

di valore economico, ma in un senso generico, tanto da comprendere ogni specie di valore,

che possa essere utile alla società, quindi valore estetico, scientifico ece” – (VINCENZO

MICELLI – op. cit., pag. 246).

Em relação, porém, aos imóveis, a regra é mais dura, já o assinalava JOSÉ DE

ALENCAR:

24

Art. 92 do Novo Código Civil de 2002. 25

Art. 1270 do Novo Código Civil de 2002.

“O solo exerce na jurisprudência um direito de acessão irresistível;

enterrem-se de boa fé capitais enormes em um brejo desprezado, erijam-se aí palácios e

construções suntuosas; tudo isso que vale mil vezes mais do que o primitivo solo, não é

senão uma dependência dele. Assim, inverteu-se a significação da palavra e os princípios

para manter um privilégio odioso em favor da propriedade territorial” (op. cit., pag. 136).

O caráter subalterno, que a lei atribui à acessão artificial é irrecusável: a prova

evidente está nas disposições dos arts. 545 e 549 do Código Civil26

, que, repelindo a regra

anterior (LAFAYETTE, Direito das coisas, § 40, PEDRO CALMON – Direito de propriedade,

pag. 173) faz ceder, em qualquer caso, ao chão, as construções e plantações, sem a menor

consideração pelo valor econômico, assim, inteiramente abandonado.

Por amor à técnica, a uma lógica rigorosa, o codificador, despoticamente, sujeito ao

principal, imóvel, todo e qualquer acessório, sem atenção ao critério econômico.

Acabamos de ver que nem assim escapou à pecha de contraditório, desde que, para

os móveis, adotou, excepcionalmente, embora, norma diversa; pouco importa que, forçando

a ordem natural, tenha aparentemente respeitado o princípio, fazendo do acessório principal

e vice-versa.

O Código suíço obedeceu, antes, ao princípio econômico, fazendo ceder em certos

casos a propriedade ao edifício (art. 67327

), regra que se aplica também à hipótese de

invasão de área, empiètement, em que o invasor, diante da inércia do invadido, pode

reclamar a propriedade do solo ou a constituição da servidão (art. 67428

):

“Cette disposition de notre loi été, en effet, edictée en vue du bien general,

afin d‟empêcher que des valeurs economiques ne soient detruites sans profit aucun” –

(ROSSEL et MENTHA, op. cit., página 347).

26

Arts. 1253 e 1257 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 27

Revogado pela Lei n. 9610, de 19/02/1998. 28

Art. 1225 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.

O Código alemão, em caso análogo, estabelece uma renda em favor do

prejudicado, com caráter real, devidamente transcrita, se não preferir o dono do solo vender

a parte invadida (arts. 912 a 915).

A regra imanente, instruída pelo princípio econômico, é tão forte que o Supremo

Tribunal Federal chegou a aplicar o direito anterior a um caso ocorrido na vigência do

Código Civil: o da Vila Militar, construída em Quitaúna, São Paulo (Pandectas Brasileiras,

vol. VII, 2a parte, pág. 697).

11 – Logo adiante, vê-se, porém, que o princípio econômico, assim repelido

arbitrariamente, voltou a prevalecer, abrindo brecha na regra fundamental do art. 5929

.

Enfrentando o problema da divisão dos imóveis, surgiu a impossibilidade de

manter a coerência.

A utilização da coisa vem a preponderar, encarando-se, então, o seu destino, no

qual sobreleva o aspecto econômico.

Apreciando o art. 52, assento principal da matéria apura-se que o critério da

divisibilidade joga com o da substância da coisa, isto é, ao principal que é, no imóvel, o

solo.

O egrégio CLÓVIS BEVILAQUA chama a atenção do intérprete, a quem aconselha a

dar largueza ao texto para não abranger

“somente indivisibilidade material”.

FERREIRA COELHO acha impossível aceitar o conselho contra a clareza da história da

lei, evidente

“a vontade do legislador, que repeliu a indivisibilidade por diminuição do

valor ou por dano causado”.

Mas, nem a vontade do legislador é despótica, nem ela se verificou na espécie. O

projeto primitivo havia indicado como caso de indivisibilidade,

29

Art. 92 do Novo Código Civil de 2002.

“o fracionamento, que determinasse uma considerável diminuição do seu

valor”.

e a Comissão Revisora preferiu a fórmula:

“os bens que não se podem partir sem dano”.

Após a revisão de CARNEIRO RIBEIRO, é que apareceu essa noção, perigosa na lei, de

substância, que há de ser considerada

“tanto no sentido próprio como no econômico” – (CLÓVIS BEVILAQUA, Cod.

Civ. Com.,v. I, pág. 274).

O acórdão de 16 de Dezembro de 1921 da Corte Paulista chegara a assentar que não

há, na lei ou na doutrina, presunção de indivisibilidade das casas de moradia (Rev. dos

Tribs., v. 41, pág. 43); no mesmo sentido, o constante da citada Revista v. 46, pág. 408.

Mas, outros preceitos, formadores do sistema legal, afastam a rígida conclusão,

assim extraída.

O critério filosófico de substância é temperado pelo da comodidade, tomado em

sentido amplo e visando, antes de tudo, evitar destruição de riqueza:

“Si deve quindi prescindere del tutto da applicazione fisiche o chimiche, ma

curarsi solo di quelle sociali ed economiche, per cui si considerano le cose como

appartenenti a determinate categorie; tra le caratteristiche che devono conservarsi per

potersi parlare di vera divisione giuridica in parti, è anche quella del valore” – (V.

SCIALOJA – op. cit., pag. 77).

É assim que a divisibilidade, em se tratando de imóveis já utilizados, vai atender,

em preferência, ao acessório – o edifício, a plantação, enfim, à espécie de exploração

preferida.

Vemo-lo nos arts. 293, 570, 632, 1728 e 177730

.

O art. 172831

é particularmente interessante, porque estabelece um critério

quantitativo para atribuição da coisa ao herdeiro ou ao legatário.

O antigo privilégio das fábricas de açúcar era assaz expressivo para demonstrar a

preeminência do acessório sobre o principal, em atenção à utilidade da coisa.

Analogamente, o Tribunal do Pará decidiu que:

“Compreende-se bem que um seringal com o seu único barracão ou casa de

moradia, com o seu porto de embarque, a sua ponte e as suas estradas de seringueiras

espalhadas irregularmente, aqui e ali, por todo o terreno, dificilmente poderá ser dividido

entre os condôminos sem prejuízo, sem dano material e econômico, porquanto não se deve

atender isoladamente à divisibilidade física do terreno, mas à organização econômica do

estabelecimento industrial” – (EMMANOEL SODRÉ – Jurisprudência do Tribunal do Pará –

1919 – pág. 115).

Ainda a utilização da coisa vai atuar nos limites, na composse, no compáscuo, na

meação de paredes, mas sempre com predomínio do acessório sobre o principal.

Mais precisos e úteis são os dispositivos dos Códigos italiano (art. 683), alemão

(art. 753) e suíço (arts. 620 e 625), principalmente estes, informados pela regra da unidade

econômica.

Entre nós, é ainda digno de registro o preceito da lei de minas:

“Art. 10 – No caso de condomínio de imóvel que tenha de ser partilhado,

dividido e demarcado em quinhões, as minas nele existentes, enquanto não forem

registradas, serão havidas como indivisíveis materialmente. Os direitos de condomínio na

propriedade dessas minas só serão realizadas na divisão proporcional dos lucros

provenientes da mineração, ou no rateio do resultado da sua venda”.

30

Os arts. 570, 632, 1728 e 1777, correspondem, respectivamente, aos arts. 1298, 1322, 1968 e 2019 do Novo

Código Civil de 2002. 31

Art. 1968 do Novo Código Civil de 2002.

12 – Utilizado o imóvel de qualquer maneira, crescem as relações de sua

dependência com os vizinhos.

Ainda como direitos de vizinhança, o codificador incluiu, não apenas servidões

naturais, irrecusáveis em face dos fenômenos físicos, mas outras, que retira à estipulação

das partes, investindo de força obrigatória, a revelia do seu consentimento.

Atendem à utilização, real ou presumida, dos imóveis.

São direitos reais, restrições à propriedade e até novos acessórios, ligados à

substância, como tudo consta do Código Civil, na seção respectiva.

A lei de minas desenvolveu o princípio, criando uma outra série de servidões

legais, que importam algumas em verdadeira desapropriação do solo, em benefício do

subsolo:

“Art. 42 – Para as pesquisas e lavra das minas instituem-se na propriedade

ou propriedades vizinhas as servidões de solo e subsolo.

§ 1o – Na superfície pode o pesquisador ou explorador ocupar nas

propriedades vizinhas o terreno necessário para: construção das oficinas, de obras

acessórias e de moradias de operários; abertura de vias de comunicação e de transportes de

qualquer natureza; condução de aguadas necessárias à alimentação dos operários e ao

serviço necessário da mina; transporte de energia elétrica em condutores aéreos ou

subterrâneos; e escoamento das águas da mina e das oficinas de tratamento do minério.

§ 2o – No subsolo instituem-se as servidões de passagem do pessoal e

material, de condutos de ventilação, de energia elétrica e de escoamento de águas para

minas vizinhas”.

Em muitos países há outras servidões legais, visando a melhor utilização do bem,

como a de eletroduto: servidão legal de transporte, à distância, da energia hidrelétrica, nas

condições mais econômicas, consistindo em apoio, passagem de cabos, canalizações nos

terrenos não construídos e abertos e desgalhamento de árvores. (Leis francesas de 15 de

Junho de 1906, 27 de Fevereiro e de 13 de Julho de 1925), sendo que a mais suscetível de

provocar dificuldades é a resultante do direito “d‟établir à demeure des canalisations

souterraines, ou des supports pour conducteurs aériens, sur des terrains privés non bâtis,

qui ne sont pas fermés de murs ou de clôtures équivalentes”, conforme salienta ACHILLE

MESTRE (Distribuition d‟énergie électrique – pag. 16).

E as aplicações variam sobremaneira:

“E cosi per fermarci al tema che forma oggetto della nostra trattazione,

l‟imposizione della servitù di passaggio o di appoggio avviene in modo differente e dà

luogo a un regolamento giuridico ben diverso secondo che trattisi di fili telefonici e

telegrafici o di condutture per la transmissione a distanza delle correnti elettriche ad uso

industriale”- (G. PULVIRENTI - Delle servitù – pag. 462, § 559).

SACERDOTTI mostra como se tem ampliado o instituto do trânsito forçado, na

Itália; aos casos de passagem e aqueduto, acresceram, depois do Código, os relativos a

passagem ferroviária, telegráfica, de energia elétrica e funicular aéreo. (Riv. di Dir. Com. –

1908 – 1 – pag. 329).

Curiosa é extensão dessas normas jurídicas, atendendo à destinação da coisa; na

Revue trimestrielle de Droit Civil encontra-se, por exemplo:

“Partant de la considération fondamentale que la loi accorde, au propriétaire

d‟un fonds enclavé le droit de réclamer un passage sur le fonds d‟autrui, la Cour de

Cassation décide que „ces mots, pris en eux-même, n‟excluent pas la faculté pour le juge de

décider que le droit de passage s‟exercera au-dessus du sol par le moyen d‟un câble

aérien, dès l‟instant du moins que ce mode d‟exercice de la servitude apparaît tout à la

fois, comme le plus approprié, suivant les pratiques régionales, aux besoins de

l‟exploitation et le moins dommageable à la propriété assujettie” – (1930 – pag. 416).

Também obedecendo à utilização dos imóveis, na sua divisão, pode o juiz criar

servidões, recíprocas ou não, entres as glebas autônomas, o que adiante abordaremos.

PLANIOL distingue as servidões mútuas das que não tem caráter de reciprocidade,

contestando a AUBRY et RAU e a outros, que desconheciam o caráter de servidão no

primeiro caso (op. cit., § 2909).

O Código incluiu como direito de vizinhança preceitos sobre construções e

plantações, chaminés, goteiras e até a entrada no prédio alheio.

Da infração tolerada de algumas daquelas restrições, redunda, até, por um

fenômeno curioso, a inversão dos papéis, passando a serviente a coisa, em benefício da qual

foi a regra estabelecida:

“Passado o prazo de ano e dia, depois de concluída a obra, está, definitivamente,

adquirido o direito de a ter, onde se acha, e o dono dela poderá segurá-la pela ação

confessória, ou defendê-la pelos interditos ou exceções competentes. Esse direito é uma

verdadeira servidão, adquirida pela posse e o decurso do tempo, e cujo título é a concessão

presumida do vizinho (usucapião)” – (CLÓVIS BEVILAQUA, op. cit., § 2909).

Adquirem-se, assim, verdadeiras servidões, que se tornam acessórios, inerentes à

natureza do imóvel, seus modos de ser, invocáveis erga omnes. Constituem-se

independentes de titulo, decorrendo de mera aparência, como as goteiras e os vãos abertos

sobre o vizinho, fora das bases legais.

Afora as limitações expressas, o Código ainda legitima a atividade do legislador

municipal, além das disposições dos regulamentos sanitários, ressalva a aplicação das

posturas.

Tais restrições não só interessam precipuamente ao bem comum, ao interesse

social, à segurança e saúde públicas como atendem, em certos casos, à utilização do imóvel,

em consideração aos vizinhos.

Mas, a lei permite ainda, por acordo, o aumento das utilidades, o desequilíbrio das

relações normais, dando-se a um mais do que a outro:

“Ecco perchè accanto al sistema del libero regolamento dei rapporti di

vicinato sotto l‟aspetto di servitù convenzionali (art. 616) si pone il sistema del

regolamento legale, per mezzo di restrizioni imposte dalla legge alla proprietà

immobiliare: il primo ha per iscopo l‟auento individuale dell‟utilità, della comodità; il

secondo ha per iscopo invece la garenzia di ciò che è generalmente necessario e

indispensabile” – (SORGE VADALÁ – Rapporti di vicinato – 1909 – pág. 91).

São as servidões, chamadas convencionais, classe, aliás, a única assim

considerada pelo Código Brasileiro, ou melhor, voluntária, porque também adquiríveis por

usucapião e perdíveis por não uso.

Sempre a consideração do destino da coisa a nortear a norma positiva...

13 – Prosseguindo na análise do destino natural ou artificial dos imóveis,

chegaremos a transcender dos próprios direitos reais, atravessando a zona fronteiriça, e

atingindo o das obrigações.

Já vimos, aliás, que a classifica divisão não é irredutível, surgindo, na prática, os

casos fronteiriços – retenção, direitos intelectuais, privilégios, títulos ao portador,

obrigações propter rem.

Por outro lado, também observamos que o direito de propriedade se vem

mitigando, pela prevalência do aspecto social, e temperando, pela repulsa ao abuso da face

individual, para ser afinal apreciado como direito e como dever.

Os arts. 160, 524 e 526 do Código Civil32

já são assaz eloqüentes; a autonomia

das minas, a navegação aérea, as aplicações da eletricidade, por sua vez, vão restringindo o

aparente absolutismo do domínio, reduzido ainda a seus devidos termos pelos direitos de

vizinhança, que se ampliam cada vez mais, desenvolvendo, aliás, o velho summum jus

summa injuria.

Os reflexos da utilização das coisas aparecem em todos os cantos da lei, mesmo

consideradas isoladamente.

Assim se encontra o direito de preempção, pelo qual o Poder Público é obrigado a

devolver o imóvel desapropriado, mediante, é claro, a restituição do preço, se não tiver ele

o destino, que motivou a medida excepcional (Código, art. 115033

), regra mantida no

próprio projeto da lei fascista sobre desapropriação. (MASUCCI – op. cit., pag. 82).

O destino especial do imóvel para domicílio é o punctum saliens de instituição do

bem de família (Cod., art. 7034

), dele decorrendo todos os privilégios outorgados.

32

Art. 188, 1228 e 1230 do Novo Código Civil de 2002. 33

Art. 519 do Novo Código Civil de 2002. 34

Art. 1711 do Novo Código Civil de 2002.

A disciplina do usufruto obedece, precipuamente, à utilização, real ou presumida,

do imóvel – os arts. 724 a 727 do Código35

giram em seu derredor; do mesmo modo, em

relação ao uso e à habitação.

A enfiteuse visa a destinação e a utilização da coisa (Cod., art. 680).

Até a tolerância de 1/20, quanto à falta na extensão do imóvel vendido, decorre do

seu destino presumido, entendendo-se que essa diferença não o impede, nem prejudica.

No art. 172836

prevalece o critério da tolerância da quarta parte para que o legado

seja cumprido em espécie.

A teoria dos vícios redibitórios se desenvolve a cerca do

“uso a que a coisa é destinada”

ao lado da diminuição do valor; analogamente, a da evicção.

A exploração de uma estrada de ferro não pode ser embaraçada de qualquer forma

pelos credores hipotecários (Cod., art. 85337

).

E, assim, poderíamos apontar muitas outras manifestações semelhantes.

Examinaremos, porém, a seguir, os casos em que o destino mais decisivamente

influi na formação do direito.

35

Art. 1399 e 1392 do Novo Código Civil de 2002. 36

Art. 1968 do Novo Código Civil de 2002. 37

Art. 1503 do Novo Código Civil de 2002.

CAPÍTULO IV

SERVIDÃO POR DESTINO DO PROPRIETÁRIO

14 – Apreciamos a influência recíproca que sofrem os imóveis; pode, entretanto,

a dependência verificar-se entre coisas pertencentes ao mesmo proprietário, contíguas, mas

destacadas pela sua exploração.

Firmado, por destino, o nexo entre dois imóveis e adaptadas as suas utilidades,

resulta um perfeito equilíbrio.

Antes da separação, pelo princípio clássico de que não é possível res sua propria

servire, em geral se repele a noção de servidão.

Aliás, admitido o conceito moderno de direito real, relação entre sujeito ativo e

terceiros ou a sociedade, não repugnaria a repulsa ao brocardo tradicional.

Mas, se não se forma relação jurídica, subsiste a natural, que o direito não pode

desconhecer, atingindo, através das pessoas, as coisas direta ou indiretamente.

Em todo o caso, destacando-se os titulares, de modo que as coisas ligadas passem

à sujeição de dois domínios, que se observa, então, no campo do direito?

Se, nos títulos de separação, a situação é regulada pelos interessados, tollitur

quaestio.

Mas, se o ato é silencioso a tal respeito, ou se apenas contém a declaração habitual

de que o imóvel é transmitido livre de quaisquer ônus, convém saber o que resta dessa

serventia, quando, ao menos, aparente.

Surge o problema da servidão por destino do proprietário:

“La caratteristica della costituzione della servitù per destinazione del padre

di famiglia consiste in cio che dessa scaturisce da un fatto, non da una dichiarazione di

volontà, e tanto meno da un atto scritto, che è con la medesima incompatibile. Sorprende

perciò il Codice civile del Basso Canadá, il quale dispone: „En fait de servitude la

destination du père de famile vaut titre, mais seulement lorsqu‟elle est par écrit, et que la

nature, l‟étendue et la situation en sont specifiées” (art. 551).

“Perciò la dichiarazione che il fondo si vende libero e franco da qualsiasi

servitù non impedisce che abbia luogo quella dovuta alla destinazione del padre di

famiglia, per la ragione che la medesima nasce quando i due fondi appartengono a

proprietari diversi, e non prima, dappoiche la servitù è un diritto costituito sulla cosa

altrui e nulli res sua servit” – (A. BUTERA – op. cit., pag. 535, § 207).

“In massima é razionale ammettere che una clausola generale di esenzione

da ogni servitù è insufficiente per escludere l‟applicazione dell‟art. 694, il cui testo si

riferisce ad una convenzione precisa sulla servitù litigiosa; la clausola generale

d‟esenzione non é del resto che una formula di stile; non é una convenzione delle parti

contraenti” – (BAUDRY LACANTINERIE et CHARVEAU – Les biens, ed. italiana, pag. 877, §

1124).

15 – No direito anterior, era admitido, com alguma hesitação da doutrina, esse

modo constitutivo de servidão.

Uma vista segura sobre o assunto encontra-se na coletânea, publicada em 1916, na

Bahia, em que homenagem ao professor e magistrado FELINTO BASTOS, por ocasião de seu

jubileu: o Desembargador AMANCIO DE SOUZA escreveu, a propósito, interessante trabalho,

no qual trouxe à colação dois pareceres, contraditório, firmados em 1865 por TEIXEIRA DE

FREITAS e ZACARIAS DE GÓES, acompanhados, aliás, das suas fotografias.

Tratava-se do escoamento de águas pluviais entre dois prédios, anteriormente

pertencentes ao mesmo proprietário.

TEIXIERA DE FREITAS admitia a existência da servidão, ao passo que ZACARIAS a

repelia, entendendo que não havia tempo para a prescrição aquisitiva, uma vez que antes

não existia, em face da regra nemini sua res servil.

ZACARIAS escudava-se no Direito Romano e TEIXEIRA DE FREITAS na prática das

nações cultas.

AMANCIO DE SOUZA, tomando decisivamente o partido de TEIXEIRA DE FREITAS,

mostrou a adoção do instituto em quase todos os Códigos modernos: francês, italiano,

espanhol, português, chileno, argentino, etc, recordou as lições de vários tratadistas.

Também consignaram expressamente os codificadores da Áustria, Holanda,

Romênia, Uruguai e México.

Finalmente, assinalou no nosso direito a opinião favorável, manifestada por

ALMEIDA E SOUZA, CORREA TELLES, BORGES CARNEIRO, LAFAYETTE e LACERDA DE

ALMEIDA, que, convém recordar:

“O destino que o dono de dois prédios deu a um deles em utilidade do outro,

vale por título constituinte da servidão, quando esta é contínua e aparente.

“Portanto, se o sobredito dono aliena um dos prédios, e nada se estipula

acerca de uma tal servidão, subsiste ela” – (CORREA TELLES, Digesto Português – v. III - §§

449 e 450).

“Esta destinação do pai de família produz aqueles efeitos que largamente

demonstrou CASTILL; e, supostos os efeitos desta destinação, cessa aquela regra – res mea

mihi non servit - ; porque quem compra ou vende, quando não há outra expressão, olha a

coisa no estado presente” – (ALMEIDA E SOUZA, - Tratado das águas - § 103).

“Se o uso que fazia o dono dos dois prédios era fixo e inseparável, como nas

servidões permanentes, fica criada a servidão ainda que se não fizesse menção no contrato

ou testamento” - (BORGES CARNEIRO – Direito Civil, vol. IV, pág. 250).

“Se o senhor dos dois prédios estabelece sobre umas serventias visíveis em

favor do outro, e posteriormente aliena um deles ou um e outro passam por sucessão a

pertencer a donos diversos, as serventias estabelecidas assumem a natureza de servidões;

salvo cláusula expressa em contrário” – (LAFAYETTE – op. cit., § 133).

“Por destinação do proprietário constitui-se servidão, quando o dono dos

dois prédios vizinhos estabelece de um para o outro alguma serventia de caráter aparente e

contínuo, de modo que, se permanece ao tempo em que venha por ventura alienar um deles

ou passem por sucessão a donos diversos, assume a serventia verdadeira natureza de

servidão e se presume estabelecida; a menos que outra coisa não determine a vontade

expressa das partes” – (LACERDA DE ALMEIDA – Direito das Coisas – pág. 49).

E, mais, AGUIAR E SOUZA no Tratado das Servidões

“Por destinação do proprietário, também se constituem as servidões” – (pág.

165, § 280).

Não contente com isso, o jurista baiano abordou a espécie em face do próprio

Direito Romano para mostrar que, pelo menos, duvidosa era a firmação de sua repulsa pela

servidão por destino do proprietário.

Os pandectistas se digladiam na tortura dos textos para afirmar o recebimento ou o

repúdio da animi destinatio, em matéria de servidões.

Ao lado de passagens que, a rigor, aplicam as conseqüências do nemini sua res

servil, outras deixa entrever a criação da servidão por destino dado pelo pai de família,

destacando-se o fragmento 46 do Dig., 1. 18, tit. 1:

“Si aquaeductus debeatur praedio et jus aquae transit ad emptorem etiam

nihil dictum sit, sicut et ipsae fistulae per quas aqua ducit”.

O monografista baiano abonou-se ainda em DEMOLOMBE, SACCHI, HULOT e

GARCIA DEL CORRAL.

As opiniões de ROMAGNOSI e RICCOBONO, que consideram o princípio,

exclusivamente criado pelos interpretadores, forçando o direito romano puro, opôs as de

SALA-CONTARINI, em monografia especial sobre o assunto, TARTUFARI e SIMONCELLI.

16 – Posteriormente, a discussão se reacendeu, entre nós, no mesmo terreno,

entre CLÓVIS BEVILAQUA e ALFREDO BERNARDES.

BEVILAQUA (Rev. Forense, v. 43, pág. 331), entendia que, no silêncio do Direito

Romano, não podiam os doutores importar das nações cultas a destinação do pai de família;

fundava sua asserção nos textos, que só referiam aos outros modos constitutivos de

servidão: pactos, usucapião, determinação da lei ou do juiz e testamento, acentuando a

omissão em GIRARD, BONJEAN, CUGI, DERNBURG e WINDSCHEID. Salientava, ademais, que

os nossos compiladores não incluíram o destino do proprietário: TEIXEIRA DE FREITAS e

CARLOS DE CARVALHO.

É certo que T. DE FREITAS, a despeito de haver, em 1865, opinado favoravelmente,

como vimos, à servidão por destino do pai de família, silenciou na Consolidação e, no seu

comentário ao art. 947, em 1875 (3a edição), veio a opinar diversamente.

ALFREDO BERNARDES (Rev. de Direito, v. 78, pág. 71), aprofundando o assunto,

invocou VAN WETTER e as passagens referidas por CICERO em De officiis e De oratore,

para legitimar a construção de BARTHOLO, apoiado e textos de SCOEVOLA, MINUCIO e

JULIANO, além de outros passos do Digesto, a propósito de aqueduto, passagem sem

encravamento, compáscuo e até de oneris ferendi.

Encareceu, afinal, a contribuição valiosa de SALA-CONTARINI, na prova do

reconhecimento pelo Direito Romano da constituição tácita das servidões, decorrente da

inerência real, o que legitima, assim, a construção Bartholiana; esta foi decisivamente

sufragada pelo uso das nações modernas, de acordo com a boa razão e a necessidade

jurídica, derivada da qualidade dos imóveis.

Já vimos que, a despeito da hesitação de TEIXEIRA DE FREITAS, grande corrente de

escritores, reinícolas e nacionais, encapara esse uso, também prestigiado pela

jurisprudência.

A questão do Direito Romano, pelo menos controvertida, não tem, agora, maior

interesse.

Entretanto, não custa apelar, de novo, para a lição das autoridades, algumas das

quais invocadas pela corrente desfavorável ao instituto.

Vejamos a opinião autorizada de BONFANTE:

“In ordine alle servitù prediali, specie al passagio, é riconosciuta, massimè

negli atti di ultima volontà, per es quando due fondi contigui vengano a essere devoluti a

diversi legatari, ovvero l‟uno all‟erede, l‟altro al legatario, la constituzione tacita, ipso

jure della servitù – In simili casi la volontà è presunta sulla base non solo, della necessità,

ma dello stato precedente di servizio mantenuto tra i due fondi dal proprietario anteriore,

che li teneva entrambi: con che per la prima volta fa il suo ingresso nel diritto la

constitzione delle servitù per destinazione del padre di famiglia” – (Ist. di Dir. Romano §

106).

E a de WINDSCHEID:

“Una riserva di questa specie pue essere fatta anche tacitamente – cf. 1.36,

37 de S. P. U. 8. 2. (Diritto delle Pandette – trad. FADDA e BENSA - § 212).

Da mesma forma, DERNBURG (Pandectas, § 251, 3) declara que o alienante pode

reservar para si, no prédio alienado, um usufruto ou uma servidão predial em favor de outro

fundo, que ele conserva. Em nota ao citado parágrafo, adverte DERNBURG que a reserva e a

concessão da servidão são possíveis mesmo tacitamente.

Ou melhor:

“La costituzione avviene o indipendentemente, ovvero mediante negozio

accessorio all‟atto di un‟alienazione. Tali negozi accessorii sono ora riserve, ora

concessioni di servitù da parte dell‟alienante. Questi può, cioè, riservarsi sul fondo, ch‟egli

aliena, un usufrutto od una servitù prediale in favore di un altro fondo, che egli conserva;

può inoltre gravare con una servitù prediale un fondo che egli conserva, a vantaggio di un

altro, ch‟egli aliena, all‟atto dell‟alienazione di questo – F. 6 pr., D. communia

praediorum, 8, 4. La riserva e la concessione sono possibili anche tacitamente” –

(DERNBURG – Diritti Reali – trad. CICALA – pag. 357).

E VAN WETTER:

“La consentemente des parties sur l‟établissement de la servitude n‟est

soumis à aucune solémnité spéciale. Il peut aussi être tacite; c‟est ainsi que, dans la cas où

le propriétaire de deux fonds en aliène un, on doit admettre une constitution tacite de

servitude toutes les fois qu‟au moment où les deux fonds sont separées il existe entre eux un

signe apparent de servitude. Les parties on dû vouloir accepter la situation faite aux

immeuble par le signe apparent de servitude, c‟est-a-dire constituer un servitude

proprement dite – qui tacet, cum loqui potuit et debuit, consentire videtur” – (Pandectas, v.

2, § 228).

SALA-CONTARINI no magistral estudo La destinazione del padre di famiglia come

mezzo costitutivo di servitù prediali nel diritto romano, 1895, concluiu que, perante o

direito romano justianeu era possível, também, a constituição tácita das servidões prediais,

resultante, nas disposições de última vontade, e, às vezes, em estipulações contratuais, de

um determinado estado de serventia material entre dois prédios (inerência real),

estabelecido pelo proprietário de ambos, para perdurar, ainda mesmo depois de separados,

com o caráter de servidão, desde que, nos atos de aquisição não tivesse havido disposição

em contrário. Sua monografia despertou novo movimento doutrinário, que, entretanto,

deixou o problema indeciso, como se vê na nota a do § 684 da tradução italiana das

Pandectas de GLUCK (v. 8, pág. 360).

ALESSANDRO SACCHI concluiu:

“Ma da tutti i frammenti citati risulta che, in diritto romano, non s‟intese il

bisogno di costruire una vera e completa teoria della destinazione, ma solo una più

generica del‟interpretazione della volontà” – (Servitù prediale – Turim – 1902 – v. I, pág.

634).

FERRINI, ainda que reconhecendo a repulsa do direito clássico, admite, em face do

direito justianeu, a constituição tácita das servidões (Manuale di Pandette – 3a. ed. – 1908 -

§ 384), maximé em caso de sucessão (GLUCK, op. cit., v. 7, pág. 65).

A. BUTERA, que cita o Código Brasileiro como dos raros a desconhecer a servidão

por destino do proprietário ensina que ela

“... non fu ignota al Diritto romano. MARCELLO nel fr. 10 Dig. de serv.

praed. urb., VIII, 2, fa il caso che due edifici, appartenenti al de cuius, passino, l‟uno,

all‟erede e, l‟altro, al legatario, senza alcuna disposizione relativa ad eventuale servitù

esistente tra i medesimi (pag. 514). Non mancano tuttavia autorevoli scrittori i quali

ritengono che la costituzione della servitù per destinazione del padre di famiglia sia

estranea alle fonti romane; ma le argomentazioni tratte dalle fonti non sono punto

convincenti (pág. 516). Concesso pure che i giureconsulti romani abbiano ignorato la

destinazione del padre di famiglia come modo di acquisto delle servitù prediale, dessa trae

indubbiamente origine da BARTOLO se non addirittura da ACCURSIO” – (op. cit., pag. 517,

nt. 1).

JACQUES LATREILLE (De la destination du pére de famille – 1885 – pag. 39), após

examinar todos os textos onde se encontram aplicações esparsas do instituto ainda não

sistematizado, mostra que até o seu nome remonta ao Direito Romano, encontrando-se, em

quanto à compreensão dos acessórios das coisas vendidas ou legadas, a expressão, que

chegou até nós, de imóveis por destino:

“Si quidem apparet voluntas patris-familiae, cui potius agro destinaverat,

ejus esse instrumentum” – (Dig. 1. 33, tit. 7, fr. 12, § 14).

Mas, interessa-nos, sobretudo, o problema contemporâneo, pois MENDES

PIMENTEL observa:

“O direito romano só é subsidiário do nosso, se for conforme à boa razão (lei

de 18 de agosto de 1769, § 9, Alv. de 30 de Janeiro de 1802, tit. 1, § 3) e o critério para

conhecer a boa razão é ver se as leis romanas se fundam, ou não, em alguma razão peculiar

ao povo romano, como a sua religião, costumes e circunstâncias do tempo, e se tem sido ou

não admitidas no uso moderno das nações civilizadas – (lei de 28 de agosto de 1772)” –

(Rev. Forensa, - v. 11, pág. 420).

E JAIR LINS especialmente:

“Não se pode e não se deve, portanto, estudar a questão à luz dos princípios

romanos, mas, sim à luz do direito francês, pois foi graças ao direito costumeiro francês que

se ampliou o conceito jurídico das servidões, graças a ele foi que se criaram as chamadas

servidões legais e naturais que não existiam no direito romano, como se vê da lição de

BUSATTI, Delle origine delle servitù legali e naturali, - (Rev. Forense – v. 35 – pág. 414).

17 – O Código Civil silenciou a respeito.

Teria isso importado na exclusão do instituto ou é possível matê-lo em face do art.

7 da Lei de Introdução que, para resolver casos omissos, apela, afinal, para os princípios

gerais de direito, com a amplitude que, insuspeitadamente, lhes atribui CLÓVIS BEVILAQUA?

Já aludimos ao notável parecer de ALFREDO BERNARDES.

Também JAIR LINS (loc. cit.) se manifestou, considerando o ponto omisso e,

portanto, suprimível pelos subsídios da legislação comparada, conforme os conselhos do

próprio codificador; assim o instituto pode ser recebido à conta daqueles princípio gerais de

direito, a que se refere o texto nacional, diante unânime prática estrangeira, que o consagra

mesmo nos casos, raros, de ausência de disposição expressa.

Insuspeitamente, acetuam FADDA e BENSA:

“Non dobbiamo sforzare i nostri rapporti attuali nella cerchia di ferro delle

norme romane (nota C às Pandectas de WINDSCHEID – pág. 591).

Participando desse modo de ver, vemo-nos forçados à ingente tarefa de criticar os

argumentos opostos pelos adversários.

O egrégio codificador, no aludido parecer, subscrito também por CARVALHO

MOURÃO e HEITOR DE SOUZA, no mesmo sentido de outro produzido por MIRANDA

VALVERDE, aduziu para, excluí-lo, os seguintes argumentos:

I – o conceito de servidão exige a diversidade de donos (Cod. Civil, art. 69538

);

II – as servidões não se presumem (idem, art. 696);

III – a exigência da transcrição abrange todos os direitos reais (idem, art. 67639

).

Examinemo-los, com a devida vênia, de autoridades tão conspícuas.

18 – O primeiro argumento prova de mais, porquanto gira em torno de um

conceito, também sufragado por quase todas as legislações, que reconhecem o destino do

pai de família e, ao revés, repelido pelo direito suíço, que, entretanto, sob certo aspecto,

exclui esse destino.

38

Art. 1378 do Novo Código Civil de 2002. 39

Art. 1227 do Novo Código Civil de 2002.

Mas, ainda que exigindo a dualidade de pessoas para satisfazer à exigência da

regra nemini sua res servit, não se pode desconhecer o fato da inerência, que apaga a face

pessoal do problema.

CLOVIS BEVILAQUA o reconhece de certa forma:

“Sendo um direito real, a servidão predial adere, permanentemente, aos

prédios, gravando o serviente, favorecendo o dominante, e os acompanha em todas as

mutações, por que passem, de uns para outros donos. É aos prédios que elas se referem e

não aos proprietários” – (op. cit., v. 3, pág. 238).

Ainda mais explícitos são COLIN ET CAPITANT:

“Nous avons dit que les servitudes sont établies au profit d‟un fonds. Elles

constituent un rapport entre deux fonds. Il faut bien s‟entendre sur le sens de cette formule.

Elle n‟empêche point que la servitude, comme tout autre droit, ne profile, en réalité, á des

personnes humaines, ni même qu‟elle ne puisse s‟analyser comme conférant a un certain

pouvoir de commandement a l‟égard d‟un autre individu. Ce que l‟on veut dire, quand on

affirme que la servitude est établic, non au profit d‟une personne, mais á celui d‟un fonds

c‟est que les personnes sont indifférentes, et que le rapport de droit continuera a subsister,

même quand les propriétaires auront changé.

Nemini res sua servit, disaient les jurisconsultes romains. On verra

cependant plus loin que la destination du pére de famille apporte un tempérament á cette

derniére règle. (op. cit. pág. 834)”.

Praticamente, a serventia se estabelece entre dois prédio e a relação natural se

opera entre eles.

ALFREDO BERNARDES explica:

“A servidão, assim constituída tacitamente, é um acessório, ou antes uma

qualidade dos imóveis contíguos (VAN WETTER, op. cit. § 228, nota 22, pág. 217), e com

eles se transmite por uma necessidade jurídica, quando em virtude do testamento ou do

contrato passam a pertencer a proprietários diferentes.

Reunidos sob o domínio de um mesmo proprietário se as servidões reais ou

aparentes, demonstrando uma causa contínua e permanente entre os dois imóveis contíguos,

não revestem o caráter de servidões, no sentido técnico, é, por simples sutileza jurídica, que

desaparece, quando os ditos imóveis vêm a separar-se, como bem observa o referido SALA-

CONTARINI em sua monografia citada. (loc. cit.).”

Em quanto são do mesmo dono, quase desaparece a possibilidade de surgir

controvérsia. Entretanto, os escritores especialistas no assunto mostram a possibilidade da

servidão entre um imóvel pertencente a A e outro em que A é simples condômino, ou

quando um dos prédios do mesmo dono estiver sujeito a usufruto ou enfiteuse (BAUDRY ET

CHAUVEAH, op. cit., § 1116 – MAURICE PICARD, op. cit., § 889 – BUTERA, op. cit. §§ 54 e

374-5, Cod. Civ. alemão art. 1009).

BUTERA, no livro de homenagem a ASCOLI (1931 – pág. 305 e segs.) aprecia o

caso resolvido por JULIANO no fr. 31. Dig. 8, 3 e consistente na servidão de tomada d‟água

no primeiro prédio em favor de terceiro, mantida por aqueduto através do segundo;

passando o primeiro e o terceiro ao mesmo proprietário, que depois vendeu o último, a

servidão permaneceu. Esse caso de quiescenza foi decidido pelo princípio da destinação,

ainda que assim não denominado, e com prejuízo para a regra nemini sua res servit, que o

comentador se esforça, entretanto, por salvar em explicação subtil: considera o primeiro e o

segundo imóveis como um só, em estado de comunhão entre o beneficiado e estranho, e os

submete à servidão em favor do terceiro!

WINDSCHEID (Pandectas, §§ 200, nt. 3 e 201, nt. 1), admite a servidão sobre a res

nullius e TEIXEIRA DE ABREU (op. cit. 1895 – t. I - § 47), embora a combatendo, reconhece

que praticamente os efeitos são os mesmos, a título de ocupação, como face da propriedade.

PONTES DE MIRANDA, igualmente, sustenta a possibilidade da servidão recair

sobre res nullius (Manual LACERDA, v. 16, parte 1a , pág. 146).

A realidade viva e indisfarçável das coisas encontra barreiras na teoria, que

restringe a relação jurídica a pessoas, mas, por outro lado, tal relação é afetada pela

natureza daquelas.

Pouco importa que se chame mera serventia a essa dependência entre imóveis do

mesmo dono: - quando, com a separação da propriedade, o problema vem despertar meio

interesse por parte da norma jurídica, ela é recebida e batizada com o nome de servidão.

Foi para melhor atender à natureza das coisas, que o Código Civil Suíço rompeu

com a velha regra e desrespeitou a técnica tradicional.

Recebeu, assim, a primeira noção comum, v. g., no nosso Código, art. 69540

, 1a

parte:

“Impõe-se a servidão predial a um prédio em favor de outro”,

a abandonou a segunda, da diversidade de titulares, para consagra a regra:

“Art. 733 – Le propriétaire de deux fonds a le droit de grever l‟un de

servitudes en faveur de l‟autre”.

Justificam-no os seus mais notáveis comentadores:

“La servitude sur son prope fonds devient une servitude ordinaire dès le

moment de son établissement. Comme telle, elle ne constitue pas seulement une limitation

des droits du proprietaire, mais encore des autres droits réels etablis posterieurement sur

l‟immeuble (droits de gage ou servitudes) (C. WIELAND – op. cit. – pág. 493).

Descendo à aplicação prática, WIELAND formula o exemplo de um proprietário,

que loteia um terreno e grava cada parcela de servidões, tendentes a regular a construção de

bungalows ou de habitações operárias, sob determinadas condições ou de impedir a

instalação de comércio. Ao invés de transcrever a servidão a propósito de cada alienação de

lote, correndo o risco de esquecimento ou equívocos, o dono, pela norma especial e com

grande economia, estabelece logo a servidão entre os seus diversos lotes:

40

Art. 1378 do Novo Código Civil de 2002.

“Nous retrouvons, mais sous une autre forme, la destination du père de

famille, de la législation française. De là, l‟adage romains: nemini res sua servit. C‟est la

vérité même. Seulement, en prévision d‟une division possible des fonds, il peut être trés

utile au propriétaire de les grever auparavant de servitudes, afin de les transmettre en cet

état. Ce procédé est beaucoup plus simple que la constitution de servitudes au moment de

la division ou de l‟aliénation”- ( ROSSEL et MENTHA, op. cit., v. III, pág. 13).

Não pretendemos que esse preceito excepcional prevaleça entre nós como

princípio geral de direito, eis que contraria texto expresso da lei, mas reivindicamos, com

aquele caráter, o geral de todas as legislações que, diante da diversificação do titulares,

atribui à mera serventia o título de servidão, já sem a peia do nulli sua res servit.

É que a inerência material não pode ser suprimida pelo arbítrio da lei e, muito

menos, por sua omissão.

Dir-se-á também que o art. 71041

firma a extinção da servidão no caso de reunião

dos prédios, sob o domínio de uma só pessoa.

Mas, essa é ainda a regra de todos os Códigos, que admitem expressamente as

servidões por destino do proprietário e decorre como corolário da exigência de diversidade

de titulares.

Se a confusão desaparece, com efeitos ex tunc, apenas a técnica varia – ao invés

de renascer a servidão, ela se constitui, de novo, pelo mesmo destino.

BUTERA ensina:

“Definitivamente estinta la servitù dessa non rinasce con la posteriore

divisione dei fondi, ma deve essere costituita ex novo. Solamente nei casi previsti dall‟art.

2017, Codice civile, le servitù estintesi per confuzione, rinascono ministerio legis. Tale

rinascita, in sostanza, è una imposizione ex novo delle servitù, stabilita dal legislatore per

motivi di evidente equita verso il terzo possessore, che ha sofferto l‟evizione dell‟immobile

acquistato” – (Op. cit., § 370).

41

Art. 1389 do Novo Código Civil de 2002.

Apenas o Códigio Civil suíço, coerentemente, exige cancelamento para que se

opera a extinção do ônus, no caso de confusão:

“De même qu‟un propriétaire peut établir des servitudes entre des fonds qui

lui appartiennent, de même peut-il laisser subsister, s‟il lui convient, les servitudes

constitués entre des fonds qui, appartenant auparavant à des propriétaires distincts, se

trouvent réunis dans sa main, art. 735. La servitude subsiste comme droit réel tant que la

radiation n‟a pas eu lieu. Le propriétaire des fonds actuellement réunis n‟a d‟ailleurs le

droit de faire radier les servitudes que si les fonds ne sont pas grevés de gages

immobiliers; dans le cas contraire il doit obtenir l‟assentiment des créanciers garantis,

lesquels peuvent avoir le plus grand intérêt au mantien de la servitude” – (ROSSEL et

MENTHA – v. III – op. cit., pag. 14).

19 – Em quanto ao segundo argumento, convém, de início, salientar que o

Código não fixou os modos constitutivos das servidões; apenas excluiu as presunções,

como também o fazem, em regra, os similares estrangeiros, v. g., o argentino (art. 3044),

que admite a destinação.

Trata-se, aliás, de um preceito escusado, como demonstrou EPITÁCIO PESSOA:

“Art. 696 – A servidão não se presume: reputa-se, na dúvida, não existir.

Suprimam-se as palavras reputa-se, na dúvida, não existir, que são

perfeitamente dispensáveis. Desde que se não pode presumir a servidão, é claro que, não

sendo provada, é considerar como inexistente. Aliás, todo o artigo é inútil. O domínio

presume-se ilimitado, como declara o art. 52742

. Logo é indispensável fazer a prova dos

ônus reais, que pretendam limitá-lo. Mas não convém suprimir todo o artigo, porque

teríamos então que alterar em grande parte a numeração e as remissões” – (Parecer in

diário do Congresso Nacional, de 21 de Setembro de 1917, pág. 2527).

Não constitui mera presunção a existência real, visível, aparente e contínua, ou

mesmo só aparente, da serventia, da inerência.

42

Art. 1231 do Novo Código Civil de 2002.

Nem tal regra implica com os títulos de constituição do ônus; o Código, só no

artigo seguinte, é que se refere a este assunto, restringindo à transcrição o meio de adquirir

servidões não aparentes.

O histórico da elaboração da lei n. 4827, de 1924, sobre os registros públicos é

assaz eloqüente.

No projeto dizia-se:

“XI, dos títulos das servidões não aparentes para a sua constituição, bem

assim a averbação, na transcrição, do cancelamento dessas servidões” - (Código Civil, arts.

697 e 70843

)”.

O Senado apoiou a seguinte sugestão do Instituto da Ordem dos Advogados

Brasileiros:

“Convém suprimir a expressão não aparentes, porque parecerá que só tais

servidões são adquiríveis pela transcrição, meio comum a todas; o que o artigo 69744

quer

dizer é que essas não admitem o usucapião, como os demais”.

A Câmara, entretanto, não percebeu a sensatez da observação, aliás

excelentemente desenvolvida pelo egrégio CLÓVIS BEVILAQUA (op. cit., v. 3, pág. 24),

dizendo apenas:

“Quanto à emenda n. 20, porque ela suprime o vocábulo aparente, que o

Código emprega em seu art. 696” – (PHILADELPHO AZEVEDO – Registros Públicos, pág.

124).

Adiante, no art. 69845

, o Código disciplina a constituição, por força de usucapião,

no qual o registro é meramente declaratório; entretanto, o art. 50946

aparenta restringir a

43

Art. 1378 e 1387 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.. 44

Art. 1378 do Novo Código Civil de 2002. 45

Art. 1379 do Novo Código Civil de 2002. 46

Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.

regra para efeito de excluir do usucapião também as servidões descontínuas, retirando-lhes,

ao menos, a proteção possessória, salvo em havendo referência nos títulos.

Mas, ainda aí, parece dispensar o registro, pois, se existir a transcrição, será

acusado examinar o título de aquisição e, até, rebuscar o do anterior possuidor, tendo este

termo substituindo o de proprietário, inscrito no art. 490 do Cod. Civil português, de onde

o texto é originário.

Bem apreciados esses dispositivos, nada se encontrará, que impeça a constituição

de servidão por destino do proprietário nos casos de aparência e continuidade ou mesmo de

simples aparência.

20 – O último argumento deriva do art. 67647

, que exige a transcrição dos direitos

reais sobre imóveis, salvo os casos expressos, previstos no Código, ligando-se ainda ao

problema da extensão daqueles direitos.

O direito anterior era mais rigoroso:

“a lei não reconhece outros ônus reais senão ...” – (dec. n. 370, de 1890, art.

238).

e, nada obstante, jurista do tomo de LAFAYETE e LACERDA DE ALMEIDA admitia a

existência da servidão por destino.

Por mais rigorosa que seja, a lei não pode contrariar a natureza das coisas: PONTES

DE MIRANDA se refere, por exemplo, à propriedade superficiária dos coqueiros, no Norte do

país, (Fontes e evolução do Direito Civil Brasileiro, - pág. 420), e aqui mesmo, em Niterói,

são respeitados os arrendamentos perpétuos dos terrenos, onde os locatários construíram os

edifícios da rua, que acompanha toda a Praia, sem existência de aforamento.

Ainda há pouca, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro promoveu a opinião

de grande número de juristas par saber se seu direito à zona privilegiada tinha caráter real.

Afirmativamente, responderam todos, entre os quais CLÓVIS BEVILAQUA, de cujo

parecer, tomamos a liberdade de extrair alguns trechos:

47

Art. 1227 do Novo Código Civil de 2002.

“Não é enfiteuse, nem servidão, nem usufruto, com alguns propuseram por

sentir que havia nesse direito expressão correspondente ao vínculo real. Mas os fatos

resistiram a essas tentativas de classificação, e patenteou-se a impossibilidade de enquadrar

o privilégio em qualquer dessas formas jurídicas.

O direito não organiza quadros para dentro deles meter a vida; esta é que

oferece os dados para as construções jurídicas.

Formando um todo com o domínio da estrada, tem o privilégio de zona a

mesma natureza jurídica do domínio: é direito real. O direito de A sobre a zona privilegiada

é real; é a parte componente da propriedade da estrada de ferro da sua concessão” – (Rev.

de Dir. Público e Administrativo, v. 17, pág. 45 e segs.).

LACERDA DE ALMEIDA doutrinou:

“O Código, pois, não esgotou nem poderia esgotar as inúmeras modalidades,

as variadíssimas figuras dos direitos reais. Não o poderia jamais. O Código tem as pernas

curtas; a doutrina e mais que a doutrina dos fatos, fonte da doutrina, precedem-nos na

carreira, vão na dianteira e com muita luz... O que os néscios atribuem à evolução, capa e

valhamento da ignorância, não é mais que a sucessão dos fatos inobservados a princípio,

gerando o costume depois e que afinal após longo percurso no tempo são alcançados pelos

estudiosos, logo em seguida pela jurisprudência e afinal pelo legislador, que como o dono

da casa é o último a enxergar o que nela se passa” – (Rev. cit., v. 17 – pág. 502).

Passíveis de controvérsias são também os casos de retenção, de jus sepulchri, de

direito a lugar nos teatros, etc.

A atividade moderna faz surgir nova situação, a que a lei tem de emprestar o

caráter real para melhor assegurar os interesses em jogo.

FADDA e BENSA advertem:

“Teniamo solo a ricordare che il numero dei diritti reali inmobiliari, como

notanno, non può riternersi limitato dalla enumerazione contenuta nell‟art. 415, cod. civ.”

– (Op. cit., pág. 597).

Assim, a obrigação de construir certas regras em lotes vendidos com essa

restrição, a de fazer o arruamento em determinadas bases, a que decorre da irrigação, por

força da açudagem, etc.

BONNECASE invoca recente julgado da Corte de Cassação considerando

constitutiva de servidão a cláusula do cahier des charges que vedava aos compradores de

lotes a exploração de carreiras, caieiras, etc, em proveito dos outros lotes, assim

aumentados em seu valor venal; outro aresto ordenou a demolição de imóvel construído em

Paris por contravenção à cláusula particularmente severa, iserida no ato de venda do terreno

e interpretada como instituindo servidão válida (Suppl. au Traité de Dr. civ. de BAUDRY-

LACANTINERIE – v. 5, pág. 424).

Também BIAGIO BRUGI entende que, se se admite o veto ao exercício de certa

indústria como envolvendo servidão destinada a evitar concorrência, não se pode recusá-la

em favor de um prédio, quando a cláusula proíbe a edificação próxima, a fim de garantir

um espaço livre (Rev. di Dir. Comm. – 1926 – II – pág. 151).

FULVIO MAROI, assim, comenta a jurisprudência italiana, a esse respeito, na Revue

trimestrielle de droit civil:

“La Cour supreme, avec une décision du 13 mai 1927, a dit qu‟il s‟agissait

d‟une véritable et propre servitude en faveur du surplus de terrain restê dans la propriété

du vendeur. Contrairement à la jurisprudence de la Cour suprême, des cours d‟appel, en

face du pacte contenant des limitations d‟usage imposées a l‟acquéreur, le traduisent par

une obligation personelle. A mon avis, le lien imposé a un fonds, quand il est destiné à

accroître valeur économique d‟un autre fonds, à cause des attributs de plus grande

commodité ou de bon ton qu‟il lui assure, peut bien constituer le contenu d‟une servitude. Il

faut considérer comme normal que la volonté des parties entend ramener l‟obligation

relative à des modalités déterminées de construction ou d‟usage comme inhérent au fonds

et qu‟elle entend donner la vie à une véritable servitude, laquelle peut se réclamer tantôt de

la servitus non aedificandi, tantôt de la servitus prospectus, ou enfin de la servitude altius

non tollendi, avec cela de particulier que la servitude assume un caractère réciproque. On

explique ainsi facilement que les acquéreurs de lots de date antérieure peuvent imposer le

respect du lien aux acquéreus des lots de date postérieure” – (1931, página 1003).

Já se entendeu que o compromisso de não dar bailes em prédio contíguo à igreja

constitui servidão, porque interessa ao fundo e não às pessoas (Cod. Civ. francês – art.

686), e, assim também, a cláusula inserida no ato da venda de terreno, impondo ao

vendedor não vender ou alugar, todo ou parte dele, para usinas ou certo gênero de

comércio, de tal modo que as casas –

“ne pourront jamais être occupées que bourgeoisement” – (MAURICE

PICARD – op. cit., § 945).

Mais interessante é o caso decidido pelo Tribunal de Milão a 27 de Maio de 1930:

a vendedora, ao alienar o terreno, exonera o comprador de qualquer responsabilidade pela

desvalorização que derivasse para as áreas vizinhas, da mesma proprietária, decorrentes de

construção de estabelecimento industrial; a Corte desconheceu a servidão, mas considerou

limitação convencional da propriedade, vinculando os herdeiros e gli aventi causa.

O comentador censurou, porém, a solução dada, achando mais correto reconhecer

francamente a servidão do que admitir uma obrigação pessoal oponível aos adquirentes, a

título singular:

“Se l‟utilità dell‟industria impiantata stabilmente nel fondo è utilità del

fondo, al pari d‟una utilità di carattere agricolo, edilizio o minerario, nulla impedisce che

sui vicini venga stabilita una servitù avente per oggeto la tolleranza dei danni derivanti

dall‟esercizio industriale, e ciò anche se le possibilità di sfruttamento e il valore

commerciale del fondo servente ne risultino notevolmente diminutti. Ciò posto, no c‟e

dubio che una servitù siffata possa essere constituita mediante un titulo.

Quindi, anche a prescindere dall‟esistenza d‟un titolo costitutivo di servitù,

se alcuno costruisce sul suo fondo uno stabilimento industriale e poi vende le aree

circostanti, o più ancora, parte dello stabilimento stesso, l‟acquirente rimane investito d‟un

diritto di proprietà limitato – come diceva la Corte di Cassazione - e precisamente d‟un

diritto di proprietà limitato dall‟onere di subire le eventuali immissioni e le conseguenze

dannose derivanti dall‟esercizio industriale, nello stato di fatto costituito dall‟originario

unico proprietario d‟entrambi i fondi. Posto, dunque, che si tratta di servitù continua ed

apparente, ne consegue che essa potrà essere acquisitata anche per usucapione” -

(ARISTIDE FOÁ – Riv. Dir. Comm., II, 1932 – pág. 102).

WIELAND entende, ao revés, que a obrigação de tolerar o incômodo não pode ser

objeto de servidão (op. cit., pág. 480).

Entre nós, um caso curioso foi julgado em São Paulo: A vendera lotes para uma

rua projetada com 16 metros de largura e, depois, alienou o restante do terreno, sem

restrições, a B, que reduziu a passagem dos outros compradores a 5 metros; estes

reclamaram, alegando servidão: o Tribunal, a princípio, entendeu, que, não ficando os

prédios encravados, tinham seus donos mero direito de indenização contra o vendedor pela

desvalorização da propriedade (Rev. dos Tribunais – v. 60 – pág. 460).

No julgamento dos embargos, porém, por voto do Presidente, decidiu que havia

servidão recíproca entre os lotes e, sendo aparente, fora adquirida por destino do anterior

proprietário, que vendera os lotes (Rev. cit., vs. 66, pág. 351 e 72, pág. 129).

Agora mesmo, a Prefeitura do Distrito Federal estabeleceu cláusulas curiosíssimas

para a venda de lotes de terreno na área proveniente do desmonte do morro do Castelo

(decreto n. 3837, de 9 de Abril de 1932):

“Art. 8o – As construções nas áreas arrematadas destinar-se-ão

exclusivamente: nos pavimentos superiores, a habitações particulares, escritórios e

comércio de luxo: e, nos pavimentos térreos e sobrelojas, a restaurantes, cafés, casas de

moda e demais negócios que não sejam defesos na referida zona.

Art. 9o – As construções deverão obedecer às disposições do presente

decreto e regulamentos. § 1o – As construções de uma quadra obedecerão ao mesmo partido

arquitetônico, tendo a mesma altura, podendo apenas um edifício ser construído em cada

lote. § 4o – Sem prejuízo de quaisquer outras multas ou penalidades em que incorrerem o

arrematante ou o seu sucessor, senão a estes cobradas as multas, além de ficarem ambos,

obrigados a cumprir com o determinado na respectiva escritura, sendo o antecessor (por si

ou seus herdeiros) responsável pelas multas, caso, na alienação intervivos ou em legado,

não tiver ficado estipulada expressamente a obrigação em que fica o sucessor de cumprir o

determinado na escritura.

Art. 10 – As áreas ou pátios internos figurados nas plantas poderão ser

ajardinados, ou para servidão perpétua de passagem, luz e ar dos lotes da quadra, sendo

permitido, nos destinados a logradouros públicos, o estacionamento de veículos

particulares.

Art. 11 – As passagens das vias públicas para as áreas destinadas a

logradouros públicos ou a servidão dos lotes da quadra, ficam constituídas, em servidão de

trânsito (inclusive de veículos) para o ditos imóveis, e, assim, serão adquiridas com tal

encargo, podendo ser edificadas a partir do primeiro andar, como também ficam

constituídas em servidão de luz, vista e passagem para o pavimento térreo dos imóveis

contíguos, que poderão aí abrir portas ou janelas, e ter vitrinas.

Art. 12 - Nas vias públicas onde a construção dos pavimentos térreos deve

deixar espaço para galerias, o solo sob essas galerias, pertencerá ao arrematante que poderá

edificar, a partir do primeiro andar. Essas galerias são destinadas à servidão pública de

trânsito para pedestres. Parágrafo único – Serão gratuitas todas as servidões a que se

referem os artigos 10 e 11.

Art. 13 – Quando os lates em torno de um pátio pertencerem a um único

proprietário, não serão aplicáveis as disposições deste decreto, relativas a tais pátios, se

quiser adquirir o pátio para construção de cinema, teatro ou salão de festas. § 2o – A

qualquer tempo poderá o dito pátio ser adquirido pelo mesmo preço por quem se torne

único possuidor de todos os prédios contíguos ou por empresa ou firma constituída pelos

proprietários de todos esses lotes”.

Poderíamos chegar, até, a certos casos de servidões pessoais, reconhecidas no

estrangeiro, como a caça, a pesca e os exercícios de tiro na propriedade alheia (v.g. Cods.

suíço, art. 781 e alemão, art. 1090); aliás, aqui, se verificou também, um caso, decidido

pelo Tribunal de São Paulo, como envolvendo uma servidão pessoal de caráter irregular, e

incessível – trata-se do direito de navegar com um bote em represa de Light and Power,

reservado na escritura de doação do terreno, necessário à construção da represa (Rev. dos

Tribunais, vs. 53, pág. 245 – 59, pág. 299 – 62, pág. 606 e 72, pág. 393).

Na Itália, em face do art. 476 do Código Civil, que regula os direito de usufruto,

uso e habitação primacialmente pelo título de constituição, a doutrina admite a constituição

das servidões pessoais irregulares, mas como

“diritti limitati di usufrutto, ciò che como si disse, corrisponde appunto al

concetto che delle servitù irregulari ebbe il CUJACIO” – (LANDO LANDUCCI, Servitù, 1926,

pág. 13).

Aliás, as categorias jurídicas, mesmo sob a concepção antiga, não são irredutíveis,

como compartimentos estanques; bem conhecida é a tradicional controvérsia sobre o

caráter da própria locação, quando oponível a terceiros.

A este respeito, apenas recordaremos as lições de WIELAND:

“Les droits personnels peuvent être inscrits au registre foncier et diviennent

ainsi opposables à tout droit postérieurement acquis, en d‟autres termes, l‟annotation au

registre foncier déploie des effets réels. Elle assure la réalisation d‟un droit personnel

comme s‟il était réel. C‟est ainsi, par exemplo, que l‟annotation du bail assure les droits du

bailleur contre un acquéreur subséquent de l‟immeuble, bien que le contrat ne confère des

droits qu‟à l‟égard du bailleur” – (op. cit., v. II, pág. 491).

FADDA e BENSA:

“Di fronte a tutto ciò, dovendo interpretare il nostro diritto positivo, se non

possiamo affermare como indiscutibile il carattere reale delle locazioni ultra-nevennali

transcritte, dobbiamo pero propendere a riconoscerlo” – (Op. cit., pág. 596).

MAURICE PICARD:

“Ce qui est vrai c‟est qu‟il n‟y a pas d‟opposition telle entre les deux

catégories de droits que l‟on ne puisse concevoir soit une pénétration réciproque de leurs

effets, soit une catégorie intermédiaire de droits à opposabilité restreinte, dont le droit du

preneur à bail est le meilleur exemple” – (op. cit., página 47).

e BERNARD PERREAU:

“Il nous paraît donc certain que le preneur à bail n‟a pas de droit réel. Tout

ce que l‟on peut dire c‟est que la distinction présentée autrefois entre le droit réel et le

droit personnel tend à s‟affaiblir lorsqu‟on analyse le droit réel comme comportant une

obligation passive universelle. On conçoit alors qu‟il y ait entre les droits opposables aux

débiteurs seuls et les droits à opposabilité absolue une catégorie intermédiaire de droits

opposables à un groupe de personnes déterminées. Le droit du preneur, opposable à

l‟acquéreur et aux créanciers hypothécaires, ferait partie de cette catégorie” – (Traité

pratique de droit civil français – t. X - § 548).

21 – Quando se quisesse, todavia, aplicar, rigorosamente o art. 67648

, do Código

Civil, mal ajustável às servidões, em face do que dispõem os arts. 697 e 50949

, como já

vimos, teríamos de concluir ser a questão do registro diversa da do título – a transcrição,

mesmo na ausência de título escrito, poderia ser feita sem dificuldade intransponível.

O título da servidão não deve, mesmo, ser entendido na acepção de escrito feito

pelas partes, pois pode revestir várias formas, até a sentença do juiz, nas ações divisórias:

“Não se limitam as partilhas ao retalhamento de quinhões, mediante os

requisitos mencionados, mas devem também instituir as indispensáveis servidões e atender

particularmente às vantagens que auferia o prédio comum com as servidões que nele

existiam (decreto n. 720, de 1890, art. 65). Instituindo servidões, o juiz cria direito para

aparte, excedendo, assim, por faculdade legal, a sua missão normal que consiste em declara

direitos preexistentes. Conservando as servidões já existentes e, porventura, ainda úteis ao

48

Art. 1227 do Novo Código Civil de 2002. 49

Arts. 1378 e 1213 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.

prédio, o juiz evita ônus futuros para as propriedades desmembradas e litigos que, da

privação delas, podiam originar-se” – (WHITAKER, Terras, § 225).

Quanto ao alcance desse ato, há, porém, discordância:

“Ma, bene riflttendo, non è il giudice che dà luogo alla servitù, ma la

convenzione racchiusa nei patti della vendita o della divisione; per modo che il magistrato

interviene in questa convenzione pel semplice scopo di omologare la divisione e la

espropriazione” – (FRANCESCO DE FILIPIS – Corso di diritto civile – v. III - § 552).

Já TEIXEIRA DE ABREU (op. cit., v. II, pág. 5) entende que a origem dessas servidões

é exclusivamente a lei, procedendo o juiz a mera declaração.

O verdadeiro sentido da expressão título é reconhecido nemine discrepante, maximé

em quanto a servidões:

“Le titre a ici le sens d‟acte juridique (negotium), et non pas d‟écrit ou acte

probatoire (instrumentum); quand on dit qu‟une servitude est établie par titre, on fait

allusion à son mode de création et non à sa preuve. Un écrit peut bien servir à demontrer,

à établir en justice l „existence d‟une servitude; il n‟en est pas l‟acte créateur. Dans l‟art.

690, le titre est donc ce qui sert à constituer la servitude, indépendamment de toute

difficulté relative à la preuve” – (PLANIOL – op. cit., § 2937).

“Il vocabolo titolo è dunque preso in senso lato, nel senso cioè di una

causa efficiente del diritto, di fatto generatore delle servitù. Secondo tale dotrina, lo scritto

non è il titolo, ma l‟atto impiegato per conservare la prova della servitù. Qualunque genere

di prova à ammissible per dimostrarne l‟esistenza nel rapporto delle parti contraenti”- (A.

BUTERA – op. cit., § 156).

“Titulo é o fundamento do direito. Em relação ao domínio, é o fato jurídico,

pelo qual a propriedade se adquire ou transfere, como a venda, a troca, a dação em

pagamento, a doação, o legado” – (CLOVIS BEVILAQUA – op. cit., v. 3 – pág. 87).

Na hipótese em debate reside o título na aparência, no destino, na inerência real,

denunciando, mesmo, para alguns, uma convenção tácita.

COLIN et CAPITANT, por exemplo, afirmam que não é propriamente a destinação do

pai de família o ato gerador da servidão; o que lhe dá nascimento é o acordo tácito das

partes, não sendo exato dizer com o Código de Napoleão que a destinação vale título. Na

origem da servidão, há um título, mas com a particularidade de ser tácito, oculto e, por isso

mesmo, dispensado de transcrição (Op. cit., pág. 979).

Já, diversamente, pensa A. BUTERA, para quem a constituição segunda na vontade

do proprietário dos dois prédios, na intenção única do pai de família no momento em que

criou o estado das coisas, que, mais tarde, constituirá a servidão e nunca em uma convenção

tácita (op. cit., § 199).

Entretanto, PICARD insiste:

“En déclarant que la destination du père de famille vaut titre, l‟art. 692

semble la considérer comme un mode de constitution des servitudes distinct du titre. Rien

pourtant ne serait plus contraire à sa véritable nature, car elle n‟est, au fond, qu‟une

modalité de la constitution par titre. Elle est, en effet, fondée sur cette supposition qu‟au

moment de le séparation du fonds il y a eu convention tacite entre les parties que l‟état de

fait établi par le père de famile serait maintenu, et la loi voit en elle un moyen d‟établir

l‟existence de cette convention. Elle se ramène donc à un procédé de preuve de l‟existence

d‟un titre constitutif de la servitude” – (op. cit., § 966).

Como quer que seja, na hipótese, exclui-se normalmente a existência de título

formalizado.

22 – Pouco importa, pois, o registro, aspecto sucessivo do problema, bastando

recordar que o Código suíço, permitindo a servidão sobre a própria coisa, exige, entretanto,

a inscrição.

Existindo o título materializado na inerência, ficará o interessado habilitado a

promover sua transcrição, exatamente como o dono do prédio serviente, também por ato

unilateral, pode cancelar as servidões, mediante a prova da sua extinção, em certos casos

(Cod., arts. 708, 710 e 71150

).

50

Arts. 1387, 1389, I, II e III e 1389 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.

Ora, do não uso ou da supressão de obras, não se tem prova pré-constituída; há de se

encontrar uma forma para verificação do fato, a fim de ser exibida ao oficial:

“Voici des cas où l‟extinction de la servitude, ou sa réduction, peut être

obtenue, à raison des circonstances, au moyen d‟une action en justice, si le proprietaire du

fonds dominant n‟y consent pas lui-même amiablement” – (ROSSEL et MENTHA – op. cit., v.

III, pág. 15).

Do mesmo modo, se poderia proceder em quanto à criação do vínculo por destino

do proprietário:

“Colui che invoca la destinazione del padre di famiglia, come titolo

costitutivo della servitù prediale, è tenuto a dimostrare le condizioni, dal cui concorso

risulta l‟acquisto del diritto. A tal fine è ammesso qualunque genere di prova, e, quindi,

anche la prova testimoniale, l‟interrogatorio, il giuramento e le presunzioni. Con gli stessi

mezzi si dimostra del pari che i fondi, attualmente divisi, sono stati posseduti dallo stesso

proprietario. Non si oppone a tale prova l‟art. 1314, Codice Civile. Ora, i fatti meteriali,

sebbeno producano consegueze giuridiche, non sono convenzioni, e perciò possono

dimostrarsi con qualunque mezzo. Non deve percio seguirsi la dottrina di qualche solitario

scrittore, il quale a tal fine richiede la prova scritta, come se si dovesse provare una

convenzione traslativa di proprietà, in cui il titolare avesse partecipato come contraente” -

(A. BUTERA – op. cit., § 208).

Mas, a questão do registro, orientado pelo escopo principal da propriedade, perde de

interesse diante da própria evidência, que ninguém pode desconhecer.

Todas as legislações se desapegam do registro nesse caso.

Na França:

“Le servitù acquistate per destinazione del padre di famiglia o per

prescrizione sono opponibili ai terzi indipendentemente dalla transcrizione. L‟art. 2-1o

della legge del 23 marzo 1855 non contempla che la transcrizone dell‟atto costitutivo della

servitù, del titolo scritto: ora qui non si ha titolo” – (BAUDRY – LACANTINERIE et CHAVEAU

– op. cit., § 1125).

Na Itália:

“La destinazione del padre di famiglia ch‟`r un modo speciale d‟acquisto

delle servitù continue ed apparenti, non è sottoposta a transcrizione, poichè essa

costituisce un fatto, non già un atto. Basta il fatto che due fondi, attualmente appartenenti a

proprietari diversi, siano stati un giorno posseduti dallo stesso proprietario e che questi

pose e lascio le cose nello stato dal quale risulta la servitù, perchè questa s‟intenda

stabilita attivamente e passivamente a favore e sopra ciascuno de fond separati, se non via

sia stata alcuna disposizione contraria dell‟anticoe commune proprietario. E quegli stessi

scrittori che vollero sottoposto a pubblicità tale modo d‟acquisto, pensarone si trattasse di

convenzione tacita. Ma questo concetto è falso” – (COVIELLO – Della trascrizione, v. I - §

132).

Nos mesmos termos RICCI (Corso di diritto civile – v. II, § 455).

Em Portugal, segundo DIAS FERREIRA (Cod. Civ. port. anotado, v. 2, pág. 418) e,

em virtude do disposto no decreto de 30 de Junho de 1870, o registro das servidões

aparentes é facultativo; esse egrégio comentador invoca a esse respeito as considerações

feitas pelo exímio jurisconsulto, DIAS DE OLIVEIRA, em lúcido e substancioso artigo, e que

considera tão peremptórias que não admitem réplica:

“Que de mandem registrar as servidões não aparentes para terem efeito

contra terceiros, é justo, e todos o compreendem; mas quanto às servidões aparentes, às que

por sua natureza se acham registradas nos prédios dominantes e servientes, por forma que

ninguém pode ignorar a sua existência, porque estão patentes a todos que acerca de tais

prédios quiserem fazer transações, onde está a justificação desta restrição ao direito de

propriedade? As portas, as janelas, os aquedutos subterrâneos, são servidões por tal forma

inscritas nos prédios, a que respeitam, ou sejam públicos ou particulares, que não vemos

justificação possível do legislador, que as manda ainda assim inscrever num livro imenso,

que de certo lhes não há de dar maior publicidade do que a que tiram da sua própria

natureza.

Terão todos os proprietários de prédios com portas, ou janelas sobre a via pública,

ou sobre prédios particulares de sofrer o dispendioso encargo de um registro inútil só

porque o legislador teve o capricho de o mandar fazer? Não se acham todas estas servidões

bem autenticamente registradas nesses prédios para que ninguém possa ignorá-las, e ser

enganado nas transações que celebrar?”

É o seguinte o sistema atual do código do Registro Predial Português:

“Art. 180 – Estão sujeitos ao registro:

n. 2 - os ônus reais.

§ 1o – Pode também ter lugar o registro do domínio e o das servidões

aparentes.

§ 2o – Só se reputam ônus reais para os efeitos do n. 2 deste artigo:

1o – A servidão não aparente e o compáscuo;

2o – o uso, a habitação e o usufruto.

Art. 278 – Nenhum ato ou contrato sujeito a registro pode ser invocado em

juízo senão depois de registrado.

Excetuam-se:

5o – As servidões aparentes”.

PEDRO PITTA, comentando esses textos, diz:

“Embora possam também ser registradas, as servidões produzem efeito em

relação a terceiros, mesmo que o seu registro não tenha sido efetuado. O que bem se

compreende. O registro dá conhecimento do estado em que, juridicamente, se encontra o

prédio, sob o ponto de vista dos seus direitos e encargos. E a servidão aparente, mostrando-

se por si própria, conhece-se independentemente de estar, ou não registrada.” - (Novo

Código Reg. Predial, 1929, pág. 326).

Para ver como a artificialidade nada pode contra a inerência material, visível, basta

invocar o exemplo suíço: o Código Civil permite a servidão sobre a própria coisa, mas,

acima de tudo, coloca o registro, aplicável àquele caso e até à extinção do ônus pela reunião

dos dois prédios, sob o mesmo proprietário.

Entretanto, as lacunas deixadas ao rigor do registro são, na própria Suíça,

numerosas.

Vejamos, por exemplo, a crítica de ROSSEL et MENTHA:

“En vérité, on semblait ne concevoir ces empiètements que comme

servitudes foncières. Mais, ce qui est bizarre, ce sont là des servitudes qui peuvent exister

sans inscription au registre foncie, puisque cette inscription n‟est que facultative, et peu

conciliable avec la rigueur mathématique du registre, foncier; mais nous ne sommes pas

fâches de voir cette rigueur fléchir ici. La protection de la propriété foncière pour que la

démolition de l‟immeuble pût être exigée, sans compter que l‟intéret du tiers acquéreur

n‟est pas lésé, à l‟ordinaire, attendu qu‟il a pu se renseigner sur l‟existence de

l‟empiètement. Nous trouvons donc, un sens très rationnel a notre alinèa et nous

regretterions qu‟on ne vît dans ce texte qu‟une inadvertance à corriger par la doctrine et la

jurisprudence. Il nous parait, tout bien considérée, que, sans l‟avoir dit en termes exprès, le

code, par l‟inscription simplement facultative des servitudes d‟empiètement, consacre

l‟acquisition, à titre de droits réels, de ces servitudes continues et apparentes par la simple

destination du père de famille, institution hautemente recommandable” – (op. cit., pág. 347

e sergs.).

Ainda, a propósito das canalizações:

“Ces installations (dérivant du droit de voisinage), sont, à la requête de

l‟ayant droit, inscrites à ses frais au registre foncier; inscription facultative d‟ailleurs, car

le texte allemand porte si l‟ayant droit le requiert, en sorte que le defaut d‟inscription ne

les empêche pas d‟être opposables aux tiers” – (op. cit., pág. 371).

E WIELAND:

“C‟est porquoi l‟art. 676 prévoir la constitution d‟une servitude sans

inscription au registre foncier, pourvu que la conduite soit apparente (conduites à haute

tension ou autre conduites aériennes)” – (op. cit., pág. 274).

Ora, a aplicação do registro nunca poderia ser, entre nós, feita com maior exigência

do que na Suíça.

O § 5o do art. 6

o da lei n. 1237, de 1864 e o art. 274 do regulamento n. 3453, de

1865, exigindo registro para todos os ônus reais, dispunham que as servidões adquiridas por

prescrição seriam transcritas por meio de justificação julgada por sentença, ou de outro

qualquer ato judicial declaratório.

O art. 249 do decreto 370, de 2 de Maio de 1890 exigiu, porém, a sentença proferida

em ação confessória, ou interdito possessório.

Mas, o Código Civil, como vimos, a despeito de regra do art. 67651

, só exige

transcrição para as servidões não aparentes, servindo de título, no caso de usucapião, a

sentença que o julgar consumado.

A lei sobre registros públicos, n. 4827, de 1924, ainda tornou mais explícita a regra,

só cogitando, como há pouco observamos documentadamente, do registro das servidões

não aparentes (art. 5o, b n. VII).

No conflito entre o preceito geral e o especial há de prevalecer este, de modo, pelo

menos, a invalidar o argumento, derivado do art. 676.

23 – Contestados os argumento aduzidos contra a servidão por destino do pai de

família, vejamos a realidade dos fatos.

Os diretos de vizinhança são, incontestavelmente, de caráter real, transformando-se,

em certos casos, como já vimos, em verdadeiras servidões.

Modernamente, as servidões não mais se consideram como parcelas destacadas de

faculdades do domínio, que não se fraciona – são modos de ser da própria coisa:

51

Art. 1227 de Novo Código Civil de 2002.

“Spesso si considera la servitù come una parte costitutiva della proprietà,

separata. Ma si tratta solo di una limitazione della proprietà, no già di un distacco di una

parte constitutiva della proprietà” – (DERNBURG – op. cit., p/ag. 269).

A propriedade não é a soma, mas a unidade dos poderes que a constituem; a

separação a favor de outrem de uma faculdade não constitui detração dominical, porque não

compreende uma quota parte do inteiro, mas um poder singular; a diferença entre o

conteúdo da servidão e o da propriedade não é só quantitativa, mas também, qualitativa:

“Tutto ciò vale a mostrare come sia completamente errata la dotrina, che

ravvisa nella servitù una frazione di proprietà e sia del pari inesatta la terminologia che

chiama questi onero diritti reali frazionari. A parte il riflesso che una o più facoltà della

proprietà non sono frazioni di questa, nè è vero che sempre si stacchi una facoltà, nè quel

che si toglie era, in quella figura giuridica, presso il proprietario” – (A. BUTERA – op. cit.,

págs. 16 e segs.).

Só os modernos Códigos destacam, ainda os direitos de vizinhança das servidões,

pois os antigos os incluíam entre estas com caráter, embora, de naturais ou legais.

O nosso, que distingue os institutos, deixou escapar algumas incoerências; assim, os

arts. 562 e 568, no capítulo dos direitos de vizinhança, se referem à servidão e o artigo

70652

, entre as servidões que são apenas voluntárias ou por ato do homem, permite, em

certo caso, a ampliação compulsória.

Outros preceitos relativos ao assento (assiette) do gravame e à sua extinção, são

aplicáveis, indiferentemente, a servidões e a direitos de vizinhança.

Ora, em relação a estes, não exige o Código qualquer registro; sua constituição

opera-se ex vi legis, ou pela inércia do vizinho – a publicidade decorre da aparência, da

visibilidade.

Imaginemos, assim, o caso do indivíduo, que faz duas casas, abrindo janelas, sem

distância legal, ou deixando goteiras e as aliena, mais tarde, a pessoas diversas; ou ainda, o

52

Art. 1385, § 3o do Novo Código Civil de 2002.

de ser vendido um prédio com toda a extensão do terreno, que abrange a parede, onde apóia

o vizinho, do mesmo proprietário.

Acaso, se admitirá que um novo dono possa exigir o fechamento da janela, ou o

isolamento da construção contígua?

Não encontraríamos justificação para atos, verdadeiramente abusivos, como seriam

esses.

No caso da reciprocidade de janelas, haveria até dificuldade em verificar qual o

prejudicado.

Ora, se assim é, em relação aos direitos de vizinhança, porque não o será

relativamente às servidões, que, no fundo, têm a mesma ou aproximada natureza?

A lei, queira ou não, há de atender à necessidade dos fatos, à situação e à inerência.

Porque, por exemplo, um aqueduto pode ser alcançado compulsoriamente pela

condição de vizinhança e outro, já existente entre prédios, antes de um só dono, deve ser

suprimido pela separação dos fundos, ao mesmo sob a exigência de reparação pecuniária,

omitida por ocasião da venda?

Entre nós, não há, sequer, a servidão legal de eletroduto, reconhecida em quase

todos os países por elementares razões de utilidade social; muito menos, a de passagem de

outras canalizações de água, luz, gás, esgotos, telefone, etc.

Se um proprietário constrói um grupo de casas, atravessadas todas, menos a última,

por canalizações desse gênero, pode, quando passarem a dono diferentes, cada um destes

exigir a retirada desses elementos indispensáveis à utilização dos outros?

Admiti-lo, sob fundamento de que os romanos não reconheciam a inerência real ou

que a publicidade da dependência não se aperfeiçoou pelo registro, é aplicar o direito com

farisaísmo incompatível com seu conceito atual.

Não reconhece ainda o próprio Código Civil, no art. 70753

, a influência decisiva do

destino para restringir o princípio da indivisibilidade das servidões?

Eis as razões que nos levam, convencidamente, a concluir pela persistência entre

nós da animi destinatio, preferindo, assim, o parecer do eminente ALFREDO BERNARDES,

sem embargo de profundo respeito pela opinião de seus doutos antagonistas.

53

Art. 1386 do Novo Código Civil de 2002.

O amor à lógica não pode justificar o abuso de direito, com destruição de riqueza, e

a publicidade de fato é suficiente para denunciar ao adquirente a reserva.

As vantagens do instituto tornam-no indispensável à vida atual:

“De fecundíssimos resultados práticos, assenta o art. 2274 do nosso Código

Civil numa presunção que os fatos inteiramente justificam e as necessidades sociais

urgentemente reclamam. Bem andou, pois, o legislador português em perfilhar uma

doutrina, que se não tem a seu favor a tradição romana, como alguns pretendem, pode

invocar como testemunho da sua racionalidade a quase unânime opinião dos modernos

códigos e a tradição que da Idade Média vem, até hoje, avigorando-se cada vez mais” –

(TEIXEIRA DE ABREU – Das Servidões, v. II, pág. 134).

ALESSANDRO SACCHI diz que a destinação do pai de família é um fator de primeira

importância na formação e na evolução dos institutos jurídicos (op. cit., pág. 613).

Na própria Alemanha, onde a destinação do pai de família não se encontra no

Código, esse modo de constituir servidão pode ser a condição tácita de um contrato de

alienação, segundo ensina M. S. V. SHERER, em seu trabalho diferencial entre os Códigos

de Napoleão e de Guilherme II (2a ed., 1927, § 51).

E mais, segundo informam os comentários de RAOUL DE LA GRASSERIE e do Comité

de Legislation étrangere de Paris – 1906 – a destinação do pai de família ou qualquer coisa

de análogo é admitida, senão em matéria de servidão, na de propriedade, quando dois

prédios separados por fosso, cerca ou outro intervalo comum, mas tendo um só proprietário,

vêm a cair em diferentes mãos; em conseqüência da venda, tais fossos e cercas tornam-se

comuns.

É fácil, porém, demonstrar que nem a rigidez do princípio da inscrição no registro

exclui, na Alemanha, a influência necessária das coisas, constituindo-se servidões por

destino do pai de família, exatamente como nos demais países a despeito do subsídio em

contrário que poderiam trazer os trabalhos preparatórios do Código.

Assim, , em ACHILLES-GREIFF (op. cit., pág. 587) se encontram referência aos

julgados, que admitiram a constituição tácita de servidão na venda de um, entre vários

prédios, servindo uns aos fins dos outros:

“Dir Verpflichtung zur Bestellung einer Grunddienstbarkeit kann

stillchweigend, z. B., beim Verkauf eines von mehreren Grundstücken, von denen das eine

den Zwecken des anderen dient, ubernommen werden”.

No cometário elaborado por Juízes do Supremo Tribunal alemão –

Reichgerichtsraten – (3a ed. 1921 – v. II – pág. 344) se confirma que

“die Einigung kann auch stillschweigend erfolgen”

embora se considere que o aperfeiçoamento da servidão, assim constituída, dependa

do registro; entretanto, as decisões citadas, contraditoriamente, são em maior número no

sentido da dispensa do registro.

Ainda os comentadores acrescentam que, em certos casos, em que o uso de um

prédio é necessário ao outro, v. g. represa e desvio ferroviário para fábrica, a vontade das

partes para constituição da servidão deve ser presumida do ato de alienação, podendo ser

compelida a outra parte a fazer o registro (wozu er dem anderen Teil angehalten werden

kann).

Também, na Suíça, onde o princípio da divisibilidade de donos foi posto de lado, a

doutrina censura, neste caso, a exigência do registro; atém das observações há pouco

invocadas, ROSSEL et MENTHA chegam a aconselhar uma solução indireta.

“C‟est là, ne faut pas se le dissimuler, un très grave inconvénient du

système; car un état de fait subsistan depuis longtemps, et auquel des intérêtes très

considérables peuvent être attachés, est par cela seul éminemment respectable; il y a là,

semble-t‟il, une nécessité primordiale, contre laquelle la perfection mathématique et

quelque peu artificielle du registre foncier ne devrait pas prévaloir. Le remède , que le

sustème même nous refuse, se trouverait-il peut-être dans la règle de l‟art. 2, suivant lequel

l‟abus manifeste d‟un droit n‟est pas protégé par la loi? On pourrait dire qu‟un état de fait,

qui ne constituerait une servitude que par l‟effet d‟une inscription correspondante, ne

saurait exister comme servitude, quelque temps qu‟il ait duré, faute de l‟inscription

nécessaire; mais que, ce nonobstant, le voisin doit continuer à le souffrir et n‟en peut

réclamer la suppression parce qu‟en le faisant, ce à quoi le raisonnement purl‟autoriserait

à la rigueur, il commettrait un abus du droit. Au lieu donc d‟obtenir directementune

véritable servitude par la prescription acquisitive, on obtiendrait indirectement le même

résultat par le maintien d‟un état de fait qui ne cesserait pas d‟être, à prendre strictement

les choses, irrégulier. Il n‟est guere possible, néanmoins, d‟introduire dans le systèje du

registre foncier la douplesse qui lui manque, par l‟application de l‟abus du droit: sit ut

est... (op. cit., pág. 292).

No direito anglo-americano também prevalece a servidão por destino, denominada

easement by implication.

Assim, em Bouvier‟s Law Dictionary and concise Encyclopedia se mostra, à luz de

múltiplos julgados, que, nos Estados Unidos, se tem apenas mitigado a regra do direito

comum inglês com a nova exigência de que a serventia, para ser mantida, deve ser

necessária ao uso e gozo do prédio dominante, ao passo que na Inglaterra subsiste em

qualquer caso a título de servidão.

Fácil é verificar a aproximação desses princípios aos das demais legislações:

“One of the essential feature of an casement is that it is a right or interest in

the land of another; a man cannot have an easement in his own property. But while this is

true, it has been held that the owner of an entire tract of land, or of two or more adjoining

parcels, may so employ a part the roof as to create a seeming servitude, or as it is

sometimes termed, a quasi easement in favour of another portion to which the use becomes

appurtenant. When the quasi-dominant tenement is conveyed whithout an express reference

in the deed to the servitude, the quasi easement is occasionally held to have been impliedly

granted, and at other times not to have passed, depending upon the nature and character of

the use imposed upon the quasi servient tenement, by involsing the presumption that the

parties contracted with reference to the conditions of the property at the time of the sale,

and that thegranter intended to convey a right to use the quasi easement, and that he

grantee reasonably expected to take and hold such right (Rul. case law – v. IX, pág. 754).

Entre os casos leadings é apontado o de SPENCER v. KILMER – 151 N. York – 390: o

réu, em vastas terras que possuía e Saratoga, tinha dois viveiros de peixes, cuja água era

alimentada por uma nascente e conduzida por telhas, visivelmente: vendendo parte das

terras onde se achavam os viveiros, cortou ele o conduto da água, secando-os.

A Corte decidiu:

“When the owner of a traet of land conveys a distinct part of it to another,

he impledly grants all those apparent and visible casements which at the time of the grant

were in use by the owner for the benefit of the part so granted, and which are essential to a

reasonable use and enjoyment of the estate conveyed. The rule is not limited to continuous

easements or to eases where the use is absolutely necessary to the enjoyment of thing

grantd. It applies to those artificial arrangements which openly exist at the time of the sale,

and materially affect the value of the thing granted, or where the owner of land has, by any

artificial arrangement, effected an advantage for one portion, to the burdening of the other,

upon a severance of the ownership, the holders of tho two portions take them respectively

charged with the servitude and entitled to the benefit oponly and visibly attached at the

time of the conveyance of the portion first granted”.

Diante do exposto, não é exagerado concluir que só argumentos muito poderosos

poderiam autorizar, entre nós, a repulsa a tão proveitoso instituto de caráter universal; força

é, ainda, convir que os aduzidos até agora, em contrário, não oferecem a consistência

necessária, de tal forma que nos animamos a considerar vitoriosa a corrente nacional,

favorável à destinação do pai de família.

24 – Curioso é ver como a força invencível da conveniência social leva os tribunais

a com elas conformar, forçando o círculo que uma lógica rigorosa e excessiva levanta, em

vão, sob pretexto de obediência ao sistema legal. O que se observa na Alemanha e na Suíça,

também aqui acontece.

Antes do Código Civil, a jurisprudência era pacífica em favor da destinação do pai

de família, como constitutiva de servidão.

Apontaremos, apenas, dois acórdãos unânimes da Corte de Apelaçào, deste Distrito,

de 3 de Agosto de 1905 e 22 de Julho de 1908, em que se reconheceu:

“serventia de passagem estabelecida pelo dono dos prédios, que se constituiu

servidão, ex-vi da verba testamentária a fls. 10, legando-os separadamente aos litigantes

sem disposição expressa em contrário; a servidão por destino do proprietário subsiste para

iludir o direito de liberdade do prédio serviente, objeto do presente petitório” – (O Direito,

v. 107, pág. 103).

Depois do Código encontramos apenas uma decisão genérica em contrário: foi

proferida, justamente, na causa, que originou os pareceres contraditórios de CLÓVIS

BEVILAQUA e ALFREDO BERNARDES, antes apreciados.

A 2a Câmara da Corte de Apelação, em 6 de Setembro de 1926, pelos votos dos

Desembargadores ALFREDO RUSSEL, relator, SARAIVA JÚNIOR e SOUZA GOMES, reformou a

sentença do então juiz CESARIO PEREIRA para decidir, invocando os mesmos argumentos,

que já tivemos ocasião de debater:

“Controvertida no Direito Romano e no nosso antigo direito a constituição

das servidões contínuas e aparentes por destinação do proprietário, repele esse modo de

constituí-las o nosso Código Civil em vigor, conforme a lição do seu autor, a pág. 241 do

vol. 3o do seu Código Civil comentado. Silenciou o Código no seu art. 676

54 sobre a

constituição das servidões por destinação do proprietário e, assim sendo, pelos princípios

gerais, a que se refere o art. 6 da Introdução, que deles se deduzem, não há como dizer-se

que no nosso direito é permitida a constituição das servidões por destinação do proprietário.

O contrário não se poderia mesmo inferir dos termos do art. 69755

que tem por fim

especialmente a proibição da constituição das servidões não aparentes por outro meio que

não seja a transcrição no registro de imóveis e do qual não se pode tirar outra conseqüência

senão a de impedir que servidões não aparentes se estabeleçam por usucapião nos termos

54

Art. 1227 do Novo Código Civil de 2002. 55

Art. 1378 do Novo Código Civil de 2002.

do art. 55056

do Código, que admite como meio de adquirir a propriedade imóvel” – (Rev.

de Dir., v. 82 – pág. 417).

Tratava-se, é bom salientar, de passagem.

Entretanto, o acórdão unânime da Corte Plena, de 22 de Novembro de 1923,

relatado pelo Desembargador SÁ PEREIRA, havia, assim, consagrado o instituto:

“Está provado dos autos que o sítio pertencente aos autores era parte

integrante de um todo indiviso, uma vez que pertencia a um só proprietário, e que a

servidão ora reclamada versa sobre um caminho que servia à propriedade. Durante a

existência desse proprietário único, de servidão não se podia cogitar porque ela pressupõe a

existência de dois proprietários de fundos diferentes, donde o princípio – nemini res sua

servit.

Falecendo esse proprietário, o fundo se repartiu por proprietários diversos,

por força da sucessão hereditária, e nestas condições é claro que, uma vez que os autores

foram aquinhoados na verba testamentária com o sítio de que se trata sem restrição

nenhuma, lícito não era aos réus, ora embargados, privarem-se do caminho que punha o

fundo integral em comunicação com a estrada real ou via pública” – (Rev. de Dir., v. 74 –

pág. 405).”

Mais ainda, a 28 de Outubro de 1926, simultaneamente com a decisão da 2a, a 5

a

Câmara da mesma Corte, pelos votos dos Desembargadores ELVIRO CARRILHO, CARVALHO

E MELLO e OVIDIO ROMEIRO estabeleceu que, vendendo o dono dos dois prédios, com

serventia comum, um deles, sem ressalva, converte-se a serventia em servidão, maximé na

hipótese dos autos, em que vendera o prédio n. 48, com cinco metros de terreno na frente,

dimensão que abrangia toda a parede divisória dos dois imóveis, de modo a operar-se

perfeita servidão de travejamento pelo dono antigo, em favor do prédio n. 46” – (Arch.

Jud., v. 2 – pág. 296).

Eis o balanço da jurisprudência local.

Mais significativa, porém, é a análise dos julgados das cortes estaduais, onde vão ter

os litígios verificados no interior do país.

56

Art. 1238 do Novo Código Civil de 2002.

Apreciaremos, apenas, os arestos de São Paulo e Minas Gerais, onde, aliás, não se

encontram exceções ao princípio, ao menos em quanto a servidões aparentes e contínuas.

Assim, a Relação de Minas, no acórdão de 11 de Outubro de 1922 (Rev. Forense, v.

40, pág. 296), pelo voto dos Desembargadores PEDRO DRUMMOND, expressamente admitiu

a constituição da servidão por destino do proprietário e até concedeu proteção possessória

ao caminho, salientando, todavia, o relator, tratar-se de direito ajuizado depois, mas

adquirido antes do Código; a decisão foi confirmada em grão de embargos (Rev. cit., v. 41,

pág. 87).

Ainda o caminho adquirido por destino do proprietário foi reconhecido, em ação

negatória, por acórdão de 6 de Dezembro de 1922, subscrito pelos Desembargadores

ALFREDO LUIZ, BARCELLOS CORREA e PEDRO VIANNA (Rev. cit., v. 40, pág. 369).

Os acórdãos de 3 de Novembro de 1923 e de 30 de Janeiro de 1924 reconheceram a

existência de servidão de águas para acionar máquina agrícola, em virtude de destinaçào do

proprietário (Rev. For., v. 42, pág. 373).

Outras decisões, de 3 de Outubro de 1923 e de 6 de Fevereiro de 1924, redigidas

pelo Desembargador TITO FULGENCIO, admitiram servidão de caminho por destino do

proprietário, mesmo no silêncio das folhas de pagamento feitas na ação divisória, pois

nestar só constam, em regra, as servidões instituídas pelo juiz e não as preexistentes;

assinaram, porém, vencidos, os Desembargadores BARCELOS CORREA e OLIVEIRA

ANDRADE, invocando o art. 50957

do Código Civil e, já agora, a inexistência da destinação

do pai de família (Rev. cit., v. 42, pág. 405).

No acórdão de 18 de Fevereiro de 1925 ainda foi mantida velha servidào de trânsito,

a despeito do voto do Desembargador OLIVEIRA ANDRADE, estribado no então recente

parecer de CLÓVIS BEVILAQUA, contrário ao destino do proprietário; mas, esse mesmo

magistrado reconhecia que, se o interessado tivesse posse longa, nada inibiria que

transcrevesse o usucapião para, com esse título, pleitear o reconhecimento de seu direito

(Rev. cit., v. 44, pág. 489).

Decidiu o acórdão de 13 de janeiro de 1926, contra o caminho, mas acentuando que

não se tratava, na espécie, de servidão não aparente – altius non tollendi (Rev. cit., v. 48,

pág. 86).

57

Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.

Em desempate, o Presidente RAFAEL MAGALHÃES proferiu, aos 10 de Junho de

1925, brilahnte voto favorável à destinação do proprietário, mesmo em relação a servidões

descontínuas, mas aparentes (Rev. cit., v. 53, pág. 46), o que nos leva a transcrevê-lo:

“Tenho sempre julgado, como juiz, de 1a e 2

a instância, que, na prática do

nosso direito, a destinação do proprietário vale título a respeito das servidões aparentes.

Quem adquire um imóvel, adquire-o cum conditione, cum omni causa, quer dizer, com

todos os predicados e vantagens a ele aderentes, com todas as utilidades visíveis e

permanentes que influem no cômputo do seu preço. Por exemplo, se o imóvel goza de

serventia de janela, de esgoto ou de rego de água sobre o prédio vizinho, por vontade do

dono, essa regalia constitui-lhe uma aparência ponderável, um característico que faz que ele

seja precisamente o que é, um atributo que lhe dá o valor de estimação, que talvez por outra

forma ele não tivesse. Nada, portanto, mais conforme ao senso jurídico do que presumir

que a serventia visível, atribuída pelo proprietário com caráter permanente a prédio seu

sobre outro prédio igualmente seu, vai, pelo acordo tácito das partes, com o prédio

beneficiado para o poder do adquirente a quem foi deparado no momento da estipulação”.

Em São Paulo, a orientação é a mesma:

Pelo voto dos Ministros SORIANO DE SOUZA, MORAES MELLO e OCTAVIANO VIEIRA

o Tribunal, aos 5 de Março de 1920, admitiu expressamente a constituição de caminho por

serventia do pai de família, mesmo omitida qualquer referência na folha de pagamento

extraída na divisória, pela razão já exposta (Rev. dos Tribunais, v. 33, pág. 427).

Aos 8 de Junho de 1920 nova decisão foi tomada no mesmo sentido (Rev. cit., v. 34,

pág. 403); a 2 de Julho ainda de 1920, outra vez institiu o Tribunal, acentuando que, no

título de venda, nenhuma cláusula constava em contrário à servidào aparente (Rev. cit., v.

35, pág. 133).

Ainda, analogamente, nos acórdãos de 1 de Julho de 1921 (Rev. cit., v. 38, pág.

470).

O aresto de 29 de Agosto de 1924 reconheceu a servidão de trânsito adquirida por

destino do pai de família (Rev. cit., v. 51, pág. 474); o mesmo, em quanto a servidão de

água, embora se tratasse de um prédio só, posteriormente, dividido (ac. de 5 de Maio de

1925 – Rev. cit. , v. 54, pág. 322).

De novo, a 1 de Outubro de 1926, julgado unânime afirmou a existência da

destinação por mera aparência, em servidão de caminho (Rev. cit., v. 61, pág. 359), sendo

desprezados os embargos a 10 de Fevereiro de 1928, com voto explícito do Ministro

AFONSO DE CARVALHO (Rev. cit., v. 65, pág. 408).

Ainda por destino do proprietário foi reconhecida servidão de trânsito, análoga ao

caso dos lotes vendidos com frente para a rua, e já mencionado (Rev. cit., v. 80, pág. 144 –

ac. de 28 de Julho de 1931).

O caso mais típico é, porém, o verificado entre os filhos de um capitalista, que dele

herdaram prédios contíguos: em sentença de 25 de Março de 1922 o juiz MACEDO COUTO,

assim, reconheceu a servidão, considerando:

“... que, o Código Civil, em o art. 70758

, preceitua: “As servidões prediais

são indivisíveis. Subsistem, no caso de partilha, em benefício de cada um dos quinhões do

prédio dominante e continuam a gravar cada um dos do prédio serviente, salvo se, por

natureza ou destino, só se aplicarem a certa parte de um ou de outro”; que, portanto, é

incontroverso que o Código Civil Brasileiro cogita explicitamente da constituição de

servidão por destino ou destinação do proprietário, o que, aliás, sempre foi pacífico na

doutrina, na codificação dos Estados policiados e na jurisprudência; que ficou concludente

provado que ao tempo da fatura do inventário e partilha dos bens do finado F., pai dos

litigantes, já o sobrado partilhado a R., tinha as cinco janelas, abertas por aquele

proprietário, deitando para o outro prédio térreo de sua propriedade, situado na mesma rua e

adjudicado a A.” (Rev. dos Tribs., v. 44, pág. 230).

Na assentada do julgamento da apelação no Tribunal, o Ministro COSTA E SILVA,

pronunciou o seguinte e notável voto:

“Segundo a melhor lição, não conheceram os romanos a destinatio patris

familias como fonte de servidões. Foram os glosadores da Idade Média, que traçaram os

58

Art. 1386 do Novo Código Civil de 2002.

lineamentos desse instituto jurídico. Foi BARTOLO, o insigne mestre do stadium generale de

Bolonha, quem lhe deu a sua organização mais acabada, quem tirou, para repetir a

eloquente frase do tradutor italiano de GLUCK, dalla materia rude e informe la figura

completa dell‟istituto, como l‟artista tra dal marmor l‟imagine vegheggiata nella

mente.Essa doutrina, como várias outras, mercê de circunstâncias que seria inoportuno

enumerar, se espalhou rapidamente, recebendo nos costumes da cidade de Paris, redigidos

em 1510, o nome que ainda hoje conserva na ciência do Direito Civil. Consagrado no

direito costumeiro francês, acolhido no Código Napoleônico, esse instituto se nos depara na

quase unanimidade das legislações da moderna idade. Na península ibérica, encontramo-lo,

desde os tempos mais remotos. Vemo-lo no Libro Septenario de Affonso, o Sabio. E, como

esse código vigorou em Portugal, a despeito da porfiada oposição que lhe moveram a

nobreza e o clero, é muito provável que esse instituto tenha existido no velho reino desde

essa época longínqua. Certo é que os jurisconsultos portugueses, os de data mais antiga, são

poucos explícitos. Os mais recentes, como LOBÃO, COELHO DA ROCHA e BORGES

CARNEIRO, se externaram franca e positivamente pela admissão da destinatio patris

familias. Antes da vigência do Código Civil, pode-se asseverar, sem temor de incidir em

erro, a doutrina e a jurisprudência, em nosso país, reconheciam na destinação do

proprietário um título constitutivo de servidões contínuas e aparentes.

Rompeu o Código Civil semelhante tradição? Como é sabido, o legislador brasileiro

evitou indicar quais os títulos constitutivos das servidões. Entregou essa tarefa às

cogitações da doutrina. Ora, princípio dominante na legislação dos povos policiados

modernos, fruto de longa evolução, é o que de que a destinação do proprietário é um dos

meios de constituição das servidões contínuas e aparentes. Aduziu-se, para demonstrar a

inconciliabilidade desse princípio com o Código Civil, o artigo em que este declara que as

servidões não se presumem. O argumento é facilmente confutável. A regra exarada nesse

texto não é nova: veio do direito anterior. Jamais foi reputado obstáculo à aceitação daquele

instituto. Cumpre ainda ponderar que, se muitos pensam que esse instituto se funda em uma

presunção, uma tal construção não é absolutamente pacífica. As teorias da “inerência real”

de ROMAGNOSI, da “necessidade jurídica” de TARTUFARI, provam a verdade desse asserto”.

De tudo isto, concluiu o Sr. COSTA E SILVA, como era de esperar, que o legislador

do Código Civil brasileiro, não teve em mente excluir a destinação do proprietário como

título constitutivo das servidões; não pensou em se colocar em antagonismo com as

legislações mais adiantadas do mundo (Rev. cit., v. 44, pág. 226).

No segundo acórdão, de 24 de Abril de 1923, foram os embargos rejeitados apenas

contra um voto; o relator, Ministro POLYCARPO DE AZEVEDO, assim manifestou:

“É certo que o Código não fez a enumeração dos modos pelos quais as

servidões se constituem. Mas desta falta de enumeração não se pode em absoluto inferir

que a destinação do proprietário deixou de ser um dos modos pelos quais se pode constituir

a servidão. Nem dos princípios consagrados pelo dito Código, e, segndo os quais a servidão

predial, que não se presume, se impõe a um prédio em favor de outro, pertencente a diverso

dono, se pode concluir que o nosso direito novo aboliu a destinação do proprietário como

meio de constituir servidão; porquanto estes princípios já vigoravam no antigo direito e,

apesar disto, a destinação do proprietário era modo de constituir servidão. Nada impede,

pois, que em nosso atual direito se tenha como certo e incontestável o princípio de que as

servidões se podem constituir pelos mesmos modos e por todas as formas admitidas no

direito anterior, inclusive a destinação do proprietário” – (Rev. cit., v. 46, página 362).

O Supremo Tribunal Federal não conheceu do recurso extraordinário, interposto

nesse pleito, com fundamento na falta de aplicação dos arts. 696 e 71059

do Código Civil

(Rev. do S. T. Federal, v. 60, pág. 85).

Diante do que expusemos, não é possível ter mais dúvidas sobre a legitimidade da

servidão por destino do proprietário, em face do direito civil vigente no Brasil.

25 – Resta-nos, porém, apreciar a extensão do instituto: não há hesitações em

quanto à exigência da condição de aparência para que a servidão se constitua per se, mas,

elas surgem em quanto à circunstância da continuidade.

59

Art. 1389 do Novo Código Civil de 2002.

É uma questão tormentosa: os arts. 692 e 694 do Código Civil francês exigem e

dispensam, contraditoriamente, a continuidade, pondo, assim, em prova a sagacidade dos

comentadores.

BAUDRY LACANTINERIE et CHAVEAU (Op. cit., §§ 1121 e 1124) apontam todas as

opiniões formadas em torno desses textos, aqueles em sistema com o artigo 690 sobre o

usucapião, e este dispensando a exigência da continuidade; afora as soluções, que

suprimem um dos textos para prevalência exclusiva do outro, nada menos de cinco outras

foram propostas.

Restaram duas, abraçadas, respectivamente, pelas jurisprudências belga e francesa.

A desta, mais acatada, consiste em fixar uma presunção, pela mera aparência, no

caso de servidão contínua e exigir prova de ausência de reserva no título aquisitivo, no de

descontínua. A distinção, aliás, só tem efeito prático em uma hipótese: de haver sido o

prédio dominante adquirido por usucapião, caso em que o adquirente não pode exibir um

ato escrito.

JACQUES LATREILLE censura acremente essa jurisprudência, considerando ridícula a

exigência do papier muet; aprofundando o elemento histórico, considerou que esses

dispositivos provieram de fontes diversas e se referem, um aos casos de divisão de prédio

único, e outro ao de separação de prédios já distintos, embora, ligados a um só titular.

Na Itália, a contradição é diversa e se estende ao usucapião: a seguir ao art. 630, que

o exclui, o de n. 631 se refere ao início da prescrição de servidões negativas que, segundo

os tratadistas, são sempre não aparentes:

“Quando infatti si consideri che le servitù negative, consistendo in una

facoltà di divieto, sono sempre non apparenti, l‟antinomia tra questa dispozioni che,

fissando al dies contradictionis il momento iniziale del possesso utile all‟usucapione, la

presuppone usucapibili, e la norma generale dell‟art. 630, che esclude dall‟usucapione

tutte le servitù non apparenti siano continue o discontinue, ne risulta gravissima, anzi

addirittura insanabile, secondo alcuni scrittori, i quali perciò son giunti alla conclusione

che quelle speciale comma dell‟art. 631 debba riternersi come non scritto” – (R.

RUGGIERO – Inst. de dir. civiel – 5a ed., v. I, pág. 672).

No Digesto italiano (v. 21, pág. 158) se pode ver, entretanto, o longo dissídio

travado a respeito e resumido pelo autor do verbo – servitù prediale – ERNESTO

FORTUNATO, que mostra haver a mais larga corrente se formado no sentido de restringir o

art. 631 ao usucapião ordinário, aplicável a toda espécie de servidão (§§ 37 e 48); nos

mesmos termos, opinaram os professores CICAGLIONE ainda no Digesto (V. servitù § 166,

pág. 65) e BUTERA (op. cit., § 194).

Em quanto à destinação do pai de família, doutrina ERNESTO DE LA VILLE:

“Questa dispozione (art. 630) non è contraria all‟ammissibilità della

discontinue apparenti tra quelle stabilite per destinazione del padre di famiglia. Siamo

sempre alla interpretazione della parola “titolo”, anche delle servitù per destinazione; il

titolo loro sta nella legge. Il compratore non poteva inannarsi, lo stato dei luoghi si

manifestava con evidenza agli occhi suoi; ha comprato a minor prezzo per questa

considerazione mentale; non ha potuto pensare che il venditore abbia voluto far perdere

pregi e valore al suo palazzo con la soppressione di buoni ed abbondanti mezzi di

comunizazione con lo esterno” – (op. cit., pág. 558 e segs.).

Mas, na França, como, em regra, na Itália, só as servidões contínuas a aparentes se

podem adquirir por usucapião.

Entre nós a tortura para o intérprete é maior – o usucapião atinge a todas as

servidões aparentes, contínuas ou não (art. 69860

) embora o art. 50961

retire a proteção

possessória, em regra, às descontínuas.

As conseqüências são da maior relevância, porque as soluções excluem ou incluem

uma servidão importantíssima – a de passagem.

No direito anterior a destinação abrangia toda a classe das aparentes, conforme

salientou RAFAEL MAGALHÃES no voto há pouco invocado, abonando-se em LAFAYETTE e

LOBÃO.

JAIR LINS entende que, em face do Código Civil:

60

Art. 1379 do Novo Código Civil de 2002. 61

Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.

“Para que, seja admitida a constituição de servidão por destinação do pai de

família, é essencial que se trate de uma servidão contínua e aparente” – (Rev. For., v. 35,

pág. 416).

Entendemos, ao revés, que também as descontínuas aparentes podem ser

constituídas por destino.

Já tivemos ocasião de criticar o art. 69862

do Código Civil, que traz em seu bojo

uma contradição indestrutível – a exigência de prazos diversos para o mesmo caso de

prescrição sem justo título (Registros Públicos - § 141).

Quando da elaboração da lei de registros públicos, número 4.827, de 1924,

apresentamos, com apoio do Instituto dos Advogados, emendas no sentido da reforma do

texto.

O relator do projeto, senador MARCILIO DE LACERDA, recusou a sugestão, preferindo

que o Congresso desse a interpretação autêntica do Código no novo texto, que veio, afinal,

a constituir o n. 8 da letra b do art. 5o da lei 4827, assim redigido:

“... da sentença declaratória da posso incontestada e contínua de uma

servidão aparente por dez ou vinte anos, nos termos do art. 55163

do Código Civil, para

servir de título aquisitivo” – (Código Civil, artigo 698).

Nestas condições, o usucapião, de qualquer servidão aparente se operará, sem título,

pelo simples decurso de 10 anos, entre presentes, segundo aquele parecer, informativo da

lei:

“Diante dessa contradição entre dois textos da mesma lei, cabe ao Poder

Legislativo dar-lhes uma interpretação autêntica, afima de dirimir definitivamente a

questão. Para isso, tem dois caminhos a seguir: equipara o usucapião das servidões ao dos

imóveis, dispensando a sentença declaratória do art. 698 e exigindo o justo título e aboa fé,

de acordo, com o art. 551. Ou, ao contrário, dispensar o justo título, no primeiro caso, afim

62

Art. 1379 do Novo Código Civil de 2002. 63

Art. 1242 do Novo Código Civil de 2002.

de que o possuidor de uma servidão aparente, incontestada e contínua, durante 10 anos,

entre presente, e 20, entre ausentes, possa registrá-la em seu nome, servindo-lhe o título a

sentença que julgar provados esses requisitos. A segunda solução parece-nos mais

consentânea com o espírito do art. 69864

, de cuja leitura atenta se depreende que a remissão

por ele feita ao 55165

tem por fim apenas indicar o modo de contar dos dois prazos (10 e 20

anos), e não exigir, como requisito para o usucapião das servidões, o justo título ali

estabelecido para o dos imóveis, conforme faz crer o parágrafo único, que só admite a

aquisição sem título, depois de 30 anos. E é de supor que esse adendo tenha sido adotado

pela comissão revisora, no propósito de conciliar a teoria por ela aceita no princípio do

artigo, com a consagrada no projeto primitivo, sem perceber, todavia, que os dois

dispositivos se repeliam. A interpretação adequada à primeira hipótese dá-no-la a emenda

do Instituto à alínea XI, em quanto que este dispositivo da proposição da Câmara traduz a

segunda‟ – (Parecer da Comissão de Justiça do Senado in FILADELFO AZEVEDO, op. cit.,

pág. 118).

Já vimos que perante as outras legislações existe a correlação entre os dois meios –

usucapião e destino, - no excluir as servidões descontínuas (ainda o Cód. argentino, artigo

3031); entre nós, coerentemente, o sistema se há de se formar com a inclusão destas, se

aparentes.

Se a constituição de qualquer servidão aparente independe de transcrição, não há

motivo para excluí-la quando criada por destino, uma vez que é admissível quando decorre

apenas do tempo.

Dir-se-á, porém, o art. 50966

, em má hora importado do Código Civil português,

exclui da proteção possessória as servidões aparentes descontínuas. A contradição, e grave,

não poderá, porém, ser solvida, em detrimento da sua criação pelo decurso do tempo ou da

inerência real.

O remédio será reconhecer o efeito da quase posse por 10 ou 20 anos para o

usucapião, mas até que se verifique o lapso não gozará o quase-possuidor dos interditos em

defesa da servidão.

64

Art. 1379 do Novo Código Civil de 2002. 65

Art. 1242 do Novo Código Civil de 2002. 66

Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.

É um sistema defeituoso, mas só a modificação do texto corrigirá o pis aller.

Poderá, porém, alegar-se ainda que o art. 69867

não abrange as servidões

descontínuas, porque exige a posse contínua; entretanto, é sabido que os dois requisito não

coincidem.

Se a posse alcança dois fins principais - a proteção dos interditos e o usucapião

(ASTOLPHO REZENDE – Manual do Cód. Civil, v. 7, pág. 200), a continuidade tem que ser

entendida da mesma maneira:

“Para ser contínua não é, porém, indispensável que a posse se manifeste por

atos incessantes e que o possuidor esteja em contato constante com a coisa; isto seria quase

materialmente impossível. Basta que ela se manifeste por atos tão freqüentes e tão

regulares, quanto o comporte a natureza da coisa possuída” – (Op. cit., pág. 373).

RAVIART (Actions possessoires et bornage - § 89, 3 a

ed.) mostra que a posse de

uma servidão de passagem será contínua quando os fatos de trânsito não se tenham

verificado, senão a intervalos grandes.

Mas, ninguém melhor do que ROBERTO RUGGIERO esclareceu o assunto:

“Il criterio, su cui posa la distinzione, è adunque la continuità o meno

del‟esercizio indipendentementeda un fatto attuale dell‟uomo, non la continuità del

possesso che è concetto del tutto diverso, potendo ben esservi ad es. possesso continuo di

una servitù discontinua. Richiede infatti la legge, perchè una servitù possa dirsi continua

ch‟essa ne la sua funzione od esercizio non abbia d‟uopo del fatto attuale dell‟uomo, donde

si trae che duplice è l‟elemento della discontinuità: la necessità d‟un tal fatto e l‟attualità

sua” – (op. cit., pág. 667).

Por isso, TITO FULGÊNCIO, apreciando o art. 50968

, observou:

67

Art. 1379 do Novo Código Civil de 2002. 68

Art 1213 do Novo Código Civil de 2002.

“Quem se ativer à materialidade do texto, ao fetichismo da expressão verbal,

chegará fatalmente a esta conclusão: se o título destas servidões de caminho não for um

documento, um ato formal escrito e emanado do próprio possuidor ou de quem este houve o

prédio serviente, não há proteger a posse de tais servidões. Entretanto, estas servidões

podem ser estabelecidas, e as mais das vezes o são, contra a vontade do possuidor do prédio

serviente, em virtude de sentença, que é transcrita, proferida em juízo divisório ou no juízo

de reclamação de passagem ou saída e benefício de prédio encravado, ou por usucapião,

que tem por título a transcrição, e por disposição de última vontade” – (Da posse, pág.

216).

No próprio direito português, DIAS FERREIRA, após, assim, comentar o art. 490,

fonte do nosso:

“A posse destas servidões pode ainda hoje se questionar. A conclusão, que

resulta do artigo, é que só pode questionar-se em ação ordinária, e não com o uso dos

remédios possessórios, salvo a hipótese especial do final do artigo. A doutrina do artigo

490 é conseqüência lógica do princípio estabelecido no art. 2273, de que as servidões

contínuas não aparentes, e as descontínuas aparentes ou não aparentes, não podem adquirir-

se pela simples posse, sem contrato que conste de título, não bastando a prova testemunhal”

(op. cit., v. 2, pág. 41).

esclarece, a propósito do art. 2274:

“Pelo direito francês, Código Civil, este modo de constituir servidão

(destinação) só pode aplicar-se às servidões contínuas aparentes. Porém, a redação do artigo

do nosso código, que teve por fonte o artigo 540 do projeto de Código Civil Espanhol, não

comporta, a exclusão das servidões descontínuas aparentes, nem por isso há contradição

com o disposto no artigo antecedente, porque, não podendo constituir-se servidão

descontínua aparente sem título, aqui o título é sinal aparente permanente, posto pelo dono

dos prédios; e esta mesma opinião é sustentada por GOYENA, em nota ao referido artigo do

projeto de Código Civil Espanhol” - (Op. cit., v. 5, pág. 56).

E CLÓVIS BEVILAQUA funda a regra do art. 50969

, não na impossibilidade da posse

contínua, mas na probabilidade de confusão com atos meramente tolerados (Op. cit., v. 3,

pág. 37), sendo certo que o nosso sistema não exigia a conseqüência lógica, a qual alude o

abalizado comentador português.

Ainda perante legislações, que excluem o usucapião das servidões de caminho,

autoridades conspícuas lhes atribuem a defesa possessória, maximé quando há esbulho

(CAREOS BISOCCHI – Diritto di passgio in Enciclopedia Giuridica Italiana, v. 13 pág. 659,

A. BUTERA – op. cit., § 284, R. RUGGIERO – op. cit. – p‟gs. 788 e 794).

Curioso, é, porém, que maioria dos tratadistas censura a exclusão das servidões

descontínuas aparentes, opinando pela conveniência de se lhes estender o usucapião:

“L‟utilité de la règle qui écarte la prescription pour les servitudes

discontinues est fort contestable. Il aurait bien mieux valu laisser la prescription des

servitudes sous l‟empire des principes généraux; leus acquisition eût été public et

suffisamment fréquent pour constituer une possession continue, et le fait de les exercer par

tolérance, quand il eût été démontré, en eût empêche à tout jamais la prescription” –

(PLANIOL – op. cit., pág. 927; MAURICE PICARD, op. cit., § 956).

TEIXEIRA DE ABREU também se insurge contra essa regra, entendendo improcedente

a alegação de que podem confundir os atos de posse com os de mera tolerância e alude aos

sofismas que usam os tribunais, para iludi-la, alterando, às vezes, a própria natureza da

servidào para considerá-las indevidamente contínuas (op. cit., tit. II, pág. 87).

O despotismo do legislador francês, forçando à necessidade social, produziu uma

circunstância inesperada: a lei nega o usucapião da servidão de passagem, mas a

jurisprudência dá mais: o usucapião do próprio terreno, por onde se estabelece o caminho.

MAURICE PICARD, por exemplo, explica:

“On a jula décision de la loi trop rigoreuse pour certains propriétaires,

réelement pourvus de servitudes dont les titres ne se retrouvent pas; cet inconvénient se

69

Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.

rencontre surtout pour les droits de passage, dont l‟orgine est souvent fort ancienne et

inconnue. La jurisprudence a trouvé un moyen ingénieux d‟eviter aux proprietaires la

déchéance de droits très légitimes: ne pouvant reconnaître un droit de servitude par

prescription à celui qui passe depuis plus de trente ans sur le fonds d‟autrui, elle le

reconnaît propriétaire du terrain utilisé par lui comme allée ou comme sentier; la loi

l‟empêche d‟acquérir une servitude; elle ne l‟empêche pas d‟acquérir la propriété. Le

propriétaire du fonds traversé est loin d‟y gagner; la protection excessive que la loi lui

accorde se retourne contre lui” – (op. cit., § 957).

No direito anglo-americano se estende também, em certos casos, a criação por

destino às descontínuas aparentes:

“Whether a right of way is continuous is a matter on which there has been

considerable difference of opinion, and while some cases seem to regard it as necessarily

discontinuos, because not constantly exercised, other cases regard it as continuous if there

is a clearly-defined road over the servient tenement, evidently intented for the use of the

dominant tenement” – (H. T. TIFFANY – Real property, § 317 – pág. 708);

“The requirement that the quasi casement must be continuous seems,

however, technical and arbitrary. Under the theories which are employed to justify the

creation of easements by implication, it would seem to follow logically that a descontinuous

quasi easement, when evidenced in a substantial manner, should pass by implied grant.

Accordingly, in many jurisdictions an exception to the rule is recognized where the quasi

casement consists of a formed or an inclosed road or way, the court holding that such a

right may pass by implied grant even though not a strict way of necessity – (Rul. Case Law

– vol. cit., pág. 762).

Entre nós o direito anterior admitia a prescrição aquisitiva do caminho, como se

pode ver em JOSÉ MENDES (Servidões de caminho - §§ 23 a 26); perante o Código, a

solução é a mesma, como também já vimos, pela lição de TITO FULGÊNCIO.

Ainda CLÓVIS BEVILAQUA doutrinou, em parecer:

“Logo o usucapião de trânsito reclamado pelos autores não encontra

impedimento no art. 562; antes, por inferência a contrario sensu, nele se apóia. O artigo,

realmente, prevê uma hipótese – a de atravessadouros que não se dirigem a lugares públicos

– e declara que não constituem servidões. O caso em exame é o contrário da hipótese

prevista pelo artigo: é caminho que vai ter a lugar público. Evidentemente, a provisão do

artigo não se opõe ao direito dos autores.

Afastado o art. 562, ficam para dominar a matéria os arts. 698 e 69770

. O

primeiro estabelece a regra de que as servidões se adquirem por usucapião quer ordinário,

de 10 ou 20 anos, quer extraordinário, de 30. O segundo exclui dessa regra geral as

servidões não aparentes. A servidão de trânsito é aparente, assinala-se pelo caminho aberto

através das terras servientes.

Conseqüentemente, entra no preceito geral do art. 69871

; adquire-se por

usucapião, que se consuma em 30 anos, quando o possuidos não tiver título” - (Rev. dos

Tribunais, v. 62, pág. 16).

Logo, a nosso ver, caberá também a constituição pelo chamado destino do

proprietário, ainda mais fundadamente do que em Portugal, onde o art. 49072

do Código

Civil só entrava o usucapião; aqui, nem este modo constitutivo, vimos, é prejudicado pela

infeliz adoção daquele preceito (art. 50973

).

Afastando os casos especiais de passagem forçada (artigo 55974

) e de

atravessadoiros que não se dirigirem a lugares públicos (art. 562), entendemos que o

sistema da nossa lei, consagra, a despeito da regra imperfeita e contraditória do art. 509, a

aquisição da servidão de caminho, não só pelo decurso de tempo ainda que sem título,

conforme o caso, como pela destinação do antigo proprietário.

Vejamos a jurisprudência.

70

Arts. 1378 e 1379 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 71

Art. 1379 do Novo Código Civil de 2002. 72

Art. 1201 do Novo Código Civil de 2002. 73

Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002. 74

Art. 1285 do Novo Código Civil de 2002.

26 – Quando, no n. 24, fizemos o recenseamento dos julgados sobre destinação do

pai de família, verificamos que em nenhum caso foi ela recusada, em se tratando de

servidão contínua e aparente.

Ao contrário, enumeramos grande número de decisões, consagrando o instituto,

mesmo em relação a servidões aparentes e descontínuas.

Entretanto, o art. 50975

do Cód. Civil tem constituído uma tortura para os

magistrados, premidos entre a sua letra e as necessidades sociais.

Acabamos de enunciar a maneira de conciliar os textos, mas forçoso é confessar a

incerteza da jurisprudência, em quanto à proteção possessória das servidões.

O Tribunal de São Paulo considerou, por exemplo, em acórdão de 18 de Fevereiro

de 1919, que a servidão de escoamento de águas, obtidas artificialmente, por ser contínua e

aparente, dispensava transcrição para valer contra o adquirente do prédio serviente (Rev.

dos Tribs., v. 29, pág. 199).

Também no mesmo sentido, foi defendida a posse de servidão de eletroduto por

sentença do então juiz JULIO DE FARIA (Rev. cit., v. 32, pág. 81); o Tribunal, entretanto,

entendeu, várias vezes, que a colocação de postes e passagem dos fios constituía servidão

sui generis, só por título constituível (Rev. cit., v. 33, pág. 207), acentuando, mesmo, sua

impossibilidade por falta de prédio dominante (Rev. cit., vs. 36, pág. 315; 37, pág. 83).

Aliás, o juiz federal em Minas, COELHO JÚNIOR, mostrou que, entre nós, a servidão

de eletroducto é sempre convencional, não tendo o caráter legal ou de direito de vizinhança

como em outros países, v. g. na Suíça.

Já em 8 de Agosto de 1924 e 14 de Maio de 1926, ainda que considerando servidão

sui generis ou direito real irregular, o tribunal de São Paulo lhe assegurou, porém, a quese

posse (Rev. cit., vs. 41, pág. 105 e 58, pág. 394).

Em decisão unânime ainda esse Tribunal protegeu possessoriamente a servidão de

caminho, sem se ater à regra do art. 509 do Código Civil (Rev. cit., v. 56, pág. 488); outras

se lhe seguiram (Rev. cit., v. 60, pág. 533, etc.).

Em 26 de Julho de 1927 negando-a, porém, em falta de título (Rev. cit., v. 63, pág.

72), e ainda, aos 6 de Setembro de 1930, mesmo em caso anterior ao Código Civil (Rev.

cit., v. 68, pág. 269), mas, afinal, prevaleceu a proteção (Rev. cit., v. 78, pág. 274).

75

Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.

Reconheceu também a posse de uma servidão de navegação nas represas da Light

em São Paulo (Rev. cit., v. 76, pág. 91).

Por outro lado, já observamos as hesitações da Relação de Minas, o que deu lugar à

crítica de AURELIANO GUIMARÃES:

“E, se se trata duma ação confessória, nada mais lógico do que admitir-se

que a prova de sua posse da servidão, por mais de trinta anos, continuadamente,

pacificamente, supra o título e a boa fé (que se presumem), e dê-lhe o direito de reclamar a

aquisição da mesma por usucapião, da mesma forma que numa ação de reivindicação pode

um das partes pedir o reconhecimento do domínio em seu favor, mediante a prova do

usucapião. A servidão de caminho, que é aparente, se bem que descontínua, difere da de

trânsito, que é descontínua e não aparente, e pode ser adquirida por usucapião. Temos como

certo que o art. 50976

do Cód. Civil só se aplica às servidões não aparentes. Quanto às

aparentes, salvo melhor juízo, estamos convencido de que podem ser adquiridas por

usucapião e gozam do interdito de manutenção” – (Rev. cit., v. 70, pág. 697).

Ninguém, porém, apreciou o problema com melhor visão do que o saudoso

Desembargador VARVALHO DRUMMOND em voto notável, proferido na Corte Mineira, e do

que não nos podemos furtar a transcrever os principais tópicos, a despeito de sua extensão:

“A exegese do art. 509 do Cód. Civil tem, a par do interesse técnico, alcance

econômico, que não passará despercebido ao Tribunal. Num sertão de analfabetos, privado

de vias públicas de comunicação, e no qual as servidões de trânsito se constituem

exclusivamente pelo exercício da quase – posse, – seria verdadeira calamidade negar sem

descrime a proteção legal a toda e qualquer servidão de passagem não titulada. Se o

proprietário de um prédio abre, através de outro, e com paciência do possuidor deste, uma

estrada de construção pesada, com aterros, bueiros, pontilhões, e dela usa seguidamente e

sem oposição qualquer, por dez, vinte, quarenta anos, – não poderá, acaso, se segurar contra

a moléstia que à sua quase posse lhe cause o dono do prédio serviente, porque sua servidão,

que não é titulada, é servidão de passagem, e esta é da espécie das descontínuass?

76

Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.

Formular a pergunta é respondê-la sem hesitação: não, não é possível que o

legislador, que a essa quase posse atribui o efeito do usucapião lhe negue a proteção dos

interditos; seria imputar ao Código uma contradição que repugna ao senso inexperto de um

primeiro anista Direito Civil. Propomo-nos a demonstrar que a servidão de trânsito pode ser

contínua ou descontínua: é contínua se, para exercê-la, o possuidor do prédio dominante faz

no serviente obras visíveis e permanentes, nas quais concretiza o seu direito de passar

através do prédio alheio; é descontínua se esse direito só se exterioriza com o ato humano

de transitar pelo prédio serviente, no qual não existe sinal algum de materialização do

direito de trânsito.

Os civilistas pátrios copiaram as definições dos Códigos francês e italiano. E

não tiveram que distinguir o assunto, de que ora nos ocupamos, porque o interdito tui

possidetis protegia a quase posse das servidões, qualquer que fosse a sua natureza –

contínuas ou descontínuas, afirmativas ou negativas, aparentes ou não aparentes. No direito

francês, no italiano e no português, há coerência e sinergia nos preceitos; a servidão

contínua não aparente, e a servidão descontínua aparente ou não aparente – não podem ser

adquiridas por prescrição.

No nosso direito, é muito mais fácil defender a protegibilidade possessória

da servidão aparente de caminho. Ora, ninguém nega que é aparente a servidão de

passagem que se manifesta por obras visíveis e permanentes. Ninguém, portanto, recusará

prescrição aquisitiva à servidão de trânsito assim caracterizada. Mas, se é elementar que a

posse jurídica é a base fundamental da prescrição aquisitiva, sine possessione usucapio

contingere non potest – como então, recusar proteção a um estado de fato, ao qual atribui a

lei máxima conseqüência? Não será monstruosidade ter direito à servidão e não ter ação

para proteger-lhe a incolumidade? Não contrariará isso o canon fundamental do artigo 75

C. C.?

Não: não é possível que o Código tenha dado a ação de usucapião ao

proprietário do prédio dominante que, há trinta anos, mantém caminho vivo no serviente, e

ao mesmo tempo lhe tenha recusado a ação de manutenção para repelir a moléstia a essa

quase posse trintenária. E a servidão de sacada, terraço ou balcão? Não se contesta que seja

contínua. Não se ignora que se a adquire por prescrição de um ano (C. C. art. 57677

).

77

Art. 1302 do Novo Código Civil de 2002.

Entretanto, ainda ninguém exigiu que o dono do prédio dominante ficasse trezentos e

sessenta e cinco dias de olhos arregalados para o fundo do vizinho...

O fato atual do homem, quando existem obras visíveis e permanentes, (o

passar pelo caminho construído, o devassar, do balcão ou varanda, o fundo alheio) é

exercido concorrente do direito, não despoja aqueles sinais do seu caráter de concretização

do direito, de exercício de direito. Quando, portanto, o exercício se compõe de obras

visíveis e permanentes e de fato atual do homem, a servidão tem o caráter de continuidade.

Qual, então, o fato atual do homem que caracteriza a servidão descontínua? Evidentemente,

o que é desacompanhado de obras visíveis e permanentes; o que, só por si, constitui o

exercício da servidão?

E nem com isso se suprime a classe das servidões aparentes descontínuas. O

conceito da aparência não se confunde com o de permanência. Exemplo de servidão

aparente descontínua: canalização de água estival por meio de condutores ou tubos

portáteis, que se retiram na estação invernal. É bem diversa da de aqueduto, construído

sobre muralhas, pontilhões, aterros, etc. Essa explicação de CALDARELLA, é vazada na letra

do Código Italiano (art. 619). Mais, se atendermos a que essa técnica, é a mesma das outras

legislações e a seguida por todos os nossos civilistas, e se tivermos em conta que nosso

Código se absteve de definições, que ele julgou prudente abandonar à doutrina – parece

que, lógica, jurídica e convinhável à nossa situação social e econômica, merece recebida

para inteligência do art. 50978

C. C.” (Rev. Forense, v. 46 – págs. 293 a 304).

Ainda a propósito da continuidade, ARISTIDE FOÁ, comentando a decisão que

aludimos no n. 20, sobre a servidão de tolerar os incômodos da indústria já estabelecida em

terreno contíguo ao adquirido do mesmo dono, sustentou que ela se poderia constituir, em

falta de cláusula expressa, por destinação, sendo aparente e contínua.

Aparente, em face da própria indústria, francamente caracterizada, já que a lei não

exige que as obras visíveis devam necessariamente existir no prédio serviente. E contínua

porque, embora o exercício industrial se concretize em fato do homem, esse fato não tem

por fim o exercício da servidão, que se desenvolve inteiramente no âmbito do prédio

78

Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.

dominante e cujas conseqüências se propagam ao serviente por efeito de forças naturais,

independentes da atividade humana:

“L‟esercizio della servitù – cosi nel caso nostro come in quello della servitù

di scarico come nella servitù d‟acquedotto espressamente preveduta dalla legge – non „si

esaurisce‟ nel fatto dell‟uomo, ma ad esso in certo senso cronologicamente succede; e cosi,

la servitù continue, la servitus fumi immittendi; riguardo a quest‟ultima, il COVIELLO (Le

servitù prediali, pág. 235) distingue secondo che esista o meno un fumaiolo; tale criterio

però mi sembrerebbe rilevante per classificare la servitù tra le apparenti o le non

apparenti, piuttosto che al fine della continuità o discontinuità, identica essendo nell‟un

caso e nell‟altro la funzione e la portala del fatto dell‟uomo”- (Rev. cit.).

Não vai de nossa parte adesão a todos os conceitos expendidos pelo douto

magistrado mineiro, nem às observações do artista italiano, mas servem-nos para mais

corroborar a convicção de que o caminho pode ser adquirido por destino de proprietário,

sem que o disposto no art. 50979

venha a criar qualquer entrave.

79

Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.

CAPÍTULO V

PROPRIEDADE POR ANDARES OU APARTAMENTOS

27 – Já apreciamos, perfunctoriamente, o caso da divisibilidade, em que se há de

atender, de preferência, à utilização da coisa e afastar o brocardo de sujeição do acessório,

prevalecendo, inversamente, este sobre a substância, que é o solo.

É interessante observar, de início, o que se passa na communio pro divisio, de que o

professor FRANCISCO MORATO nos dá a seguinte noção:

“Costuma-se distinguir a comunhão em communio pro divisio e communio

pro indiviso.PATERNÓ aceita a distinção, apenas para exprimir o modo entre os condôminos

avençado e estabelecido para o gozo da coisa comum. Assim que, se os consortes acordam

uma divisão provisória, para melhor gozo e aproveitamento da compropriedade, ter-se-á aí

uma figura de communio pro diviso.

Este estado de fato, embora modifique o limite no gozo dos direitos dos

condôminos, deixa, todavia, íntegros e inalterados os direitos de todos sobre a coisa em sua

integridade e em cada uma de suas moléculas, até que se apurem e concretizem

definitivamente em divisão regular; o que quer dizer, como observa VITALEVI, que na

hipótese há somente um conceito impróprio, simples aparência de comunhão e nada mais”

– (Da prescrição nas ações divisórias, pág. 20).

Na Rev. dos Tribunais, v. 51, pág. 98, encontra-se um acórdão do Tribunal de São

Paulo, de 1922, reconhecendo as conseqüências da communio pro diviso, de acordo com

LACERDA DE ALMEIDA (Terras indivisas, n. 65): preferência para localização de cada gleba

na partilha, percepção dos frutos, sem colação, e até usucapião extraordinário (MORATO –

op. cit., pág. 110).

A hipótese de maior interesse é, porém, a da divisão dos imóveis urbanos por planos

horizontais.

ROBERT BERNARD (Le propriétaire d‟appartement 1929 – págs. 16-22) esclarece

que a instituição apareceu consagrada no Baixo Império, nas províncias orientais,

invocando um ato duplamente milenar de venda do rés-do-chão, com reserva do sobrado,

ao tempo de IMMEREUM, rei de Sippar.

STANISLAS PINELÉS, professor em Viena, produziu notável ensaio, traduzido para o

francês pelo professor NICOLAS HERZEN, de Lausanne (Questions de Droit Romain – 1911),

sobre a communio pro divisio em direito romano, francês, russo, germânico, escocês e

muçulmano; atribui a um erro de SAVIGNY, sempre repetido, a alegada repulsa do direito

romano pela copropriedade dos andares, demonstrando a tese oposta com argumentos de

erudição pouco vulgar, e o uso imemorial desse sistema de habitação, salvo na Germânia

(págs. 13 a 32).

Parece, pois, que ao pé da letra não pode ser entendido o passo do Evangelho de

SÃO MATHEUS: omnis civitas vel domus divisa contra se non stabit (XII, 25).

Os códigos francês e italiano regulam a espécie, respectivamente, nos arts. 664 e

562 a 564, incluídos no capítulo das servidões legais; na Bélgica a lei de 8 de Julho de 1924

substituiu o texto primitivo, similar ao francês: na Holanda o instituto é disciplinado nos

arts. 758 a 766 do Código Civil e na Espanha pelos arts. 395 a 396.

Ao revés, o alemão (art. 1014 e intr., 131 e 182) e o suíço (art. 765) proscreveram

expressamente essa espécie de condomínio; entretanto, reconhecera o direito de superfície,

e a ordenança sobre o registro predial de 22 de Fevereiro de 1910, na Suíça, permite que as

leis cantonais consignem a inscrição dos direitos sobre andares, como direito de

propriedade sobre o solo, em favor de um dos interessados, e como charge foncière para os

outros (art. 114).

Na Alemanha, mesmo, era a propriedade dos andares – Stockwerkseigentum –

admitida, antes do B. G. B, em várias regiões do Sul, devido, talvez, à influência do direito

francês; no comentário, elaborado a princípio, sob a direção de A. ACHILLES e depois sob a

de GREIFF (13a ed. 1930), se encontram referências no badische Landrecht – art. 664, como

às leis de Essen e da Baviera (pág. 1214).

BUTERA acaba de afirmar que a Ordenança alemã de 15 de Janeiro de 1919, atenuou

esse repúdio, admitindo, as propriedade, separadas, da construção e do solo; mas esse texto,

como se vê da obra de ACHILLES, alterando o direito de superfície, manteve,

expressamente, o art. 1014 do Código:

“Die Beschäukung des Erbbaurechts auf ein Teil eines Gebäudes,

insbesondere ein Stockwerk ist unzulässig”.

Na Finlândia (Annuaire de legislation etrangère – 1926, pág. 126) e, sobretudo, nos

Estados unidos, o mesmo resultado se obtém com a constituição de sociedades anônimas,

em que cada acionista desfruta uma parte do building.

Na Norte América são mais comuns essas cooperatives apartments, mas é admitida

a divisão dos prédios:

“A building may not only, by force of an agreement to that effect, belong to a

person other than the owner of the land, but parts of a building may belong to different

persons, as when upper floor belongs to one, and the lower to another or separate rooms,

or even parts of rooms, belong to different persons” – (H. TIFFANY, op. cit., § 242, pág.

554).

O Código Argentino veda esse fracionamento (artigo n. 2617).

A Ordenação do 1. 1o. tit. 68, § 34, dispunha:

“E se huma casa fôr de dois senhorios, de maneira que de hum delles seja o

sotão, e de outro o sobrado, não poderá aquelle, cujo fôr o sobrado, fazer janella sobre o

portal daquelle, cujo fôr o sotão, ou logea, nem outro edifícil algum”.

Esse dispositivo foi consolidado por TEIXEIRA DE FREITAS (art. 946) e CARLOS DE

CARVALHO (art. 612) nos seguintes termos:

“Se uma casa for de dois donos, pertencendo a um as lojas, e ao outro o

sobrado, não pode o dono do sobrado fazer janela ou outra obra sobre o portal das lojas”.

Discutia-se, entretanto, no direito anterior, se o texto autorizava a alienação de

andares de prédio, formando uma perfeita communio pro divisio, sem a contingência da

extinção, a qualquer momento, por vontade de um dos compartes.

AFFONSO PENNA JÚNIOR, em razões publicadas na Revista Forense (v. 29, pág. 37),

opunha-se à divisão de casa por planos horizontes, entendendo que a hipótese prevista na

Ordenação era somente de uso dos andares, pois a separação da propriedade fora repelida

por CLÓVIS BEVILAQUA, CARLOS DE CARVALHO e RIBAS.

Entretanto, a Relação de Minas, em dois acórdãos de 1917 (Rev. cit., v. 29, págs. 58

e 61), homologou a divisão da casa por andares, desprezando a solução da venda para

distribuição do preço; o Desembargador HERMENEGILDO DE BARROS acentuou, ainda, que o

art. 63280

do Código Civil não se refere à divisão incômoda, mas só à indivisibilidade.

O nosso Código silenciou a respeito, mas com o desenvolvimento das modernas

construções de grande número de andares, o Congresso nacional cogitou de regular o

assunto por uma lei especial, que veio a ser promulgada, sob o n. 5481, aos 25 de Junho de

1928.

Como subsídio de sua elaboração, apenas se encontram dois discursos dos Srs.

FRANCISCO MORATO e JOÃO MANGABEIRA, respectivamente, de ataque e defesa ao projeto.

Sem embargo de defeitos de técnica, essa lei regulou minudentemente as diversas

relações entre os condomínios, ao permitir a alienação por andares dos edifícios, que

tiverem mais de cinco e forem construídos de cimento armado ou outro material

incombustível.

A contrario sensu, proibiu a alienação parcial, fora dessas condições essenciais.

Nada obstará, tão pouco, a que o edifício seja logo construído por um grupo de

pessoas, a cada qual caberá um andar.

Após a apreciação da doutrina estrangeira, algo diremos sobre a lei nacional.

ROBERT BERNARD, partidário entusiasta da fragmentação dos edifícios, recorda a

expansão que esse velho costume, de Auxerre e outras províncias, consagrado no Código,

teve no Paris de após-guerra e advoga a reforma do texto legal, sustentando que, longe de

ser um nid à procés ou mater rixarum, a divisão das casas por apartamento é uma

singularidade jurídica, que se tornou

“... l‟un des traits marquants de l‟economie foncière urbaine” (op. cit., pág. 1).

80

Art. 1322 do Novo Código Civil de 2002.

JULLIOT refere que em Corte, Corsega, há a casa chamada oitocentos donos (op.

cit., pág. 26).

28 – Os escritores, que têm versado o assunto, entre as diversas soluções propostas,

preferem, em maioria, ver, nesse caso, ao lado da propriedade dos andares, uma comunhão

nas partes, que interessam a todos.

PERETTI-GRIVA (Il regime della proprietà delle case divise frá più condomini –

1928, pág. 3) só admite a conceituação da communio pro diviso, com restrições, pois as

coisas indivisas ficam ligadas, de fato e de direito, às divisas, por um vínculo propter rem.

Partindo do princípio de que o regime normal é o da propriedade exclusiva, não só

ele, como PULVIRENTI, COVIELLO e CHIRONI condieram que as paredes mestras, o teto e o

solo não são comuns, salvo disposição em do título: pertencem, respectivamente, ao dono

de cada andar ao do último andar e ao do térreo; a jurisprudência italiana, é, entretanto,

contrária, ao menos em quanto à última conclusão, como se pode ver no resumo feito por

RICARDO AMATI na Riv. di Dir. Comm. 1927 – I, pág. 333 e segs.

CONTARDO FERRINI também considera que:

“Il proprietario di ogni plano ha un diritto esclusivo sulle parti che lo

constituicono, compresi i muri maestri, i pavimenti, le volte, i solai e i soffitti, per tutti; il

suolo a il sottosuolo pel proprietario del piano terreno; il tetto e lo spazio sovrastante per

il proprietario dell‟ultimo piano. Diritto assoluto di proprietá; quindi la libera disposizione

dei muri maestri in tutti del suolo e dal sottosuolo nel proprietario del piano terreno del

tetto e dello spazio sovrastante nel proprietario dell‟ultimo piano. Unico limite per tutti:

che non ne derivi danno al valore della proprietà degli altri” – (op. cit., pág. 606).

Mas PERETTI-GRIVA, exímio especialista, reconhece que:

“Potranno insomma disporne come di cosa propria, salvo il limite di non

pregiudicare la solidità dell‟edificio e anche di non turbare la linea architetonica o

comunque l‟estetica dell‟edificio, quando questo sia si tal natura da meritare un riguardo

del genere. Non si può disconoscere che, ai giorni nostri, sia normale per una casa aver

l‟impianto, ove possible, di acqua potabile, la comunicazione telefonica, la fognatura, e

che, conseguentemente, quando un condomino di una casa divisa in piani od alloggi voglia

fornirse di questi accessorii, abbia diritto di rifarsi alla servitus oneris ferendi, imponendo,

per titolo di situazione dei luoghi i relativi pesi, e sulla cosa comune, e, quando non se ne

possa prescindere, anche sulla parte di proprietà esclusiva di altro condomino” – (pág.

84).

COLIN et CAPITANT (op. cit., pág. 777) abordam a questão da propriedade por

andares, como um dos casos de indivisão perpétua, ao lado da meação dos tapumes em

geral e dos pátios, fossas e poços, comuns a várias propriedades, recordando a sua origem

nos costumes de Auxerre, (art. 116) usada, como era, em Grenoble, Rennes, Nantes e até

em Lyon e a vantagem de facilitar o acesso à propriedade urbana, bem superior aos

inconvenientes, que derivam de contestações freqüentes, cujo temor levou alguns códigos a

excluir o instituto.

Tendo, porém o Código francês apenas determinado o modo de repartir as despesas

de construção e reparação, o mais tem de correr à conta da doutrina e da jurisprudência; por

isso, entendem que a natureza predominante do direito dos condôminos é de propriedade

exclusiva de cada andar e indivisão para as partes do imóvel, que servem a todos, como as

paredes mestras, o teto, a escada, a porta de entrada, ascensor, etc, e bem assim o solo.

CH. JULLIOT (Traité de la propriété des maison par étages et par appartements – 2a

ed. – 1927 – pág. 71) faz uma restrição em quanto à escada, que considera objeto de

servidão em favor dos proprietários dos planos superiores.

Para BUTERA, em sua recentíssima obra – La comproprità di case per piani – 1932,

- os proprietários têm, antes, um direito absoluto sobre o andar e um direito de

copropriedade sobre os acessórios conexos e indispensáveis (§ 28).

É o conúbio das comunhões pro-diviso e pro-indiviso, ainda que não se possa

reconhecer, mesmo em relação a cada andar, uma propriedade plena com a mesma latitude

da que sujeita um edifício isolado:

“Ma non perchè il proprietario di un piano sia padrone assoluto dei

pavimenti, delle volte, dei solai, ecc. e quindi abbia il diritto di goderne in modo exclusivo

può egli,per questo fatto, fare a suo capriccio tutto ciò che gli talenta‟ (ENRICO DE BONO –

Manuale per la ripartizione delle spese di fabbricati in condominio – pág. 180).

As limitações avultam, quantitativa e qualitativamente, porque os indissolúveis

liames entre as diversas propriedades tornam-se particulares sensíveis às modalidades de

exercícios do domínio de cada um.

São prédio independentes, mas apertados de todos os lados por direito de meação,

afogados em uma comunhão geral; constituem uma espécie de promiscuidade jurídica,

onde os direitos de vizinhança são agravados.

Assim, a Corte de Apelação de Turim, em decisão de 15 de Maio de 1925, negou ao

condomínio o direito de colocar um aparelho radiotelefônico, pois se:

“... la luce elettrica, il riscaldamento col gaz ad uso di cucina, il telefono,

nello stato attuale di vita sociale ed economica, meglio che utilita, costituivano vere

necessità di un alloggio civile, tale carattere non si poteve invece attribuire all‟apparechio

radio-telefonico, e che pertanto non poteva, per questo, nel silenzio del contratto,

riconoscersi al conduttore di un apartamento il diritto all‟impiante sul riflesso che, anche

nel silenzio del contratto, debba ritenersi consentito di introdurre le utilità divantate ormai

di uso comune”.

Parece, porém, que esses juízes não escapam à pecha de retrógrados...

Em caso análogo, o Tribunal de Bruxelas permitiu ao locatário a instalação de rádio,

como respondendo à necessidade da vida moderna e conseqüência do progresso (PERREAU

– op. cit., § 578).

Ainda que sem lugar as preferências da doutrina, há também a opinião que vê, na

hipótese, várias propriedades, sujeitas a recíprocas servidões, até pelo motivo da colocação

do instituto, na Franca, e na Itália, no capítulo das servidões legais.

Nos Estados Unidos a doutrina é a seguinte:

“In cases in which separate floors of a building belong to different persons,

there is a right of support for the upper floor or floors from the lowes part of the building

and this right the owner of the latter can in no way impair, there being an implieid gram ot

this effect in the conveyance of such upper floor or floors” – (H. TIFFANY – Real property -

§ 311, pág. 691).

A concepção de ROBERT BERNARD é, porém, sem dúvida, a mais interessante:

“La division a porté, non sur la maison dans son ensemble, mais sur

l‟espace habitable enfermé dans ses murs. L‟étage, l‟appartement, domaine privatif de

chacun des propriétaire, ne se compose en comme, que d‟un cube d‟air, d‟une tranche

d‟espace, dont il a la jouissance exclusive et perpétuelle, ainsi que de la face intérieure des

murs et armatures de planchers qui la délimitent. Toute la construction et son

amenagement intérieur destiné à l‟usage commun, sont restés indivis comme le sol, et c‟est

à titre de copropriétaires que les intéressés en font usage. Sans dote peut-on hésiter un

instant à faire du sol, des murs et du toit, qui matériellement constituent tout l‟immeuble,

de simples accessoires de ces fractions de l‟espace intérieur que sont les étages, les

appartements. Mais puisque cependant, la distribution de ces choses entre des droits

diffferents et les necessités du commerce juridique contraignent à établir entre elles une

espèce de hièrarchie, il faut bien reconnaître que ce sont ces espaces isolés, qui renferment

toute l‟utilité de l‟immeuble et à l‟existence ou à la jouissance desquels tout le reste est

consacré, qui constituent le principal” – (pág. 100).

Praticamente, todas as construções se aproximam, eis que prevalece sempre o

destino recíproco das partes da coisa comum, prestigiado, de qualquer forma, pela lei.

É o mesmo princípio, que instrui as comunhões definitivas, visando certa utilidade:

a meiação dos muros, o compáscuo, a copropriedade de pátios, áreas, etc.

De fato, se verifica um complexo de serventias, aparentes, para as quais a lei,

prescindindo do registro, não exige qualquer forma especial de publicidade.

Os textos legais por mais especiosos que sejam, hão de ser aplicados, segundo a

verificação da animi destinatio, pois todas as partes do imóvel cujo regime foi omitido,

seguirão o seu destino normal – ninguém pode usá-las fora da destinação.

Não de pode, pois, deixar de reconhecer a analogia desse instituto com o da

servidão por destino do pai de família.

Além do que é necessário, pode, ainda, o proprietário ter estabelecido serventias

supérfluas em favor de determinado andar; a alienação de outros planos, sem cláusula

expressa, ensejaria, por ventura, aos novos donos o direito de reclamar contra a persistência

daqueles ônus, mesmo sob a alegação de falta de registro?

Evidentemente, não.

A natureza e o destino da obra estão fixados patentemente e nenhum terceiro pode

ignorar, exigindo melhor publicidade, aliás, irrealizável.

MAURICE PICARD, que também repele a teoria da servidão recíproca, em quanto à

indivisão forçada das casas, separadas horizontalmente, reconhece que os condomínios

podem estabelecer

“... certaines charges comme des servitudes crées sur les appartements”-

(op. cit., § 325).

E PERETTI-GRIVA;

“Naturalmente, quando una determinata zona fosse stata assegnata ad uno

dei compartecipi, i diritti, su tale zona riconosciuti a favore di alcuno degli altri

proprietarii o a favore di tutti gli altri proprietarii, dovrebbero considerarsi come diritti di

servitù‟ – (op. cit., pág. 7).

A nossa lei postula a propriedade autônoma de cada apartamento, contendo, pelo

menos, três peças e estabelece a meiação de paredes, soalhos e tetos dos apartamentos.

Silencia sobre o telhado e as paredes mestras, que devem também ser comuns,

atenta a obrigação, que corre a todos, de concorrer para as obras, que interessarem a essas

partes.

Nada disso impede, portanto, a criação de servidões em favor de determinados

andares ou apartamentos.

Finalmente, considera o terreno coisa inalienável e indivisível, o que terá de ser

entendido em termos, porque a inalienabilidade só subsistirá enquanto o edifício

permanecer, ou for reconstruído, por proprietários fracionados, desaparecendo quando se

reunirem todos os apartamentos no domínio de um só.

Devemos ainda consignar, a título de curiosidade, a seguinte cláusula inserida no

edital de venda dos terrenos do Castello:

“Art. 29 – Quando os lotes de uma quadra pertencerem a mais de um

proprietário, estes formarão uma associação e elegerão, entre si, um representante, que

apresentará ao Interventor os estatutos da associação e assinará na Prefeitura e Saúde

Pública o termo de responsabilidade pela construção, conservação de calçamentos,

iluminação, limpeza, disposição e utilização da área interna de servidão perpétua”.

Trata-se de uma adaptação de institutos americanos e alemães de legitimidade

duvidosa, maximé com caráter obrigatório e de aprovação de estatutos por autoridade

municipal, incompetente para modificar o nosso direito substantivo.

CAPÍTULO VI

VIZINHANÇA

29 – Onde, porém, o destino especial do imóvel assume particular importância é na

sua exploração, pelo proprietário ou por aqueles, que dele têm o uso, permanente ou

transitório:

“I limiti alla proprietà privata nascono dal fatto più generale dei limiti che

la società ha posto a tutte le azioni dell‟individuo. Quali debbono essere questi limiti non

dice il diritto; sorgono da bisogni economici e morali del popolo, si fondano su criterii di

oppotuna politica e di saggio governo, e il diritto non li crea: li registra, li applica, li

coordina, li veste di norme giuridiche. Si prendano in esame i limiti che un popolo

qualunque ha posto alla proprietà, e si vedrà che ognuno di essi è fondato sopra una

ragione estranea al diritto, e derivante invece da altre considerazioni economiche,

agricole, estetiche, morali, e persino da arbitrii di principi e di assemblee o da fallaci

speranze di rimediare a mali sociali aventi una causa più profunda che non l‟abuso

individuale della proprietà” – (COGLIOLO – op. cit., pág. 188 e segs.).

Nesse campo entrelaçam-se os direito reais e obrigacionais, de tal maneira que as

regras escapam a essas categorias, envolvendo-as.

Definindo o alcance da propriedade, o Código Civil estabelece, nos arts. 57281

e

578, que o direito de construir encontra ainda limites nas regras administrativas, ou,

melhor, nas posturas municipais e nos regulamentos de higiene. Essas regras de caráter

local são, assim, encampadas e sublimadas, passando à categoria de direito substantivo.

Por outro lado, o dano, que das obras pode resultar, deve ser indenizado, e, até,

prevenido pelas regras, aliás redundantes, dos arts. 529 e 55582

.

81

Art. 1299 do Novo Código Civil de 2002. 82

Arts. 1281 e 1280 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.

Ainda o art. 152883

reitera a responsabilidade pelos danos decorrentes da ruída do

edifício e o art. 1529, fixa a do habitante, em quanto à queda prejudicial de coisas laçadas

ou caídas em lugar indevido.

Envolvendo, porém, todos os casos, há, sobretudo, a regra do artigo 554:

“O proprietário ou inquilino de um prédio tem o direito de impedir que o

mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que

o habitam”.

Adiante, apreciaremos, detidamente, o alcance desse princípio básico.

30 – Por ora, vamos salientar, que as restrições ao uso da coisa podem ser

distribuídas em duas classes – as que interessam à coletividade em geral, ao bem público,

como os preceitos relativos ao zoneamento, arquitetura, alinhamento, estética, prevenção de

incêndio, higiene, etc, e os que resguardam, especialmente, o interesse, próximo, do

vizinho:

COLIN et CAPITANT consideram três grupos, dos quais o terceiro não interessa

diretamente ao assunto deste trabalho:

“I – Restrictions d‟ordre administratif, apportées par la loi au droit du

propriétaire, dans un intérêt public.

II – Restrictions d‟ordre civil établies par la loi à raison du voisinage des

fonds.

III – Restrictions d‟ordre contractuel, résultant d‟une clause d‟inaliénabilité

imposée au propriétaire par celui dont il tient la chose” (op. cit., pág. 744).

Em quanto às primeiras restrições sobreleva o bem público, interessando ao direito

administrativo, ao chamado poder de polícia.

SÁ DE PEREIRA ensina que

83

Art. 937 do Novo Código Civil de 2002.

“... além das funções de governo, de direção e comando, o Estado exerce

funções tutelares de polícia, que entram na esfera especial do direito administrativo. Nos

povos modernos essa tutela se especializa numa polícia de segurança, numa polícia de

higiene e até numa polícia de estética, não só para o resguardo de monumentos e obras de

arte, como para conservação das paisagens naturais” – (Decisões e Julgados, pág. 283).

As medidas de ordem administrativa decorrem de origens muito diversas, cujas

principais são:

- motivos de interesse geral, como a desapropriação,

- motivos de segurança e saúde pública,

- motivos de economia social, como a propriedade mineira e regime de águas,

- interesses de defesa nacional,

- interesses fiscais.

Como observa BRUGI, leis especiais regulam também o patrimônio artístico

nacional, o benefício de certos terrenos, etc, restringindo o uso ad libitum, que o

proprietário poderia fazer da coisa ou a sua própria comercialidade, como em relação a

animais atingidos por moléstias contagiosas, indicadas nos regulamentos sanitários, e as

sementes ou plantas, atacadas de certas pragas – (Della proprietà, v. 1, pág. 156).

Em pareceres publicados na Revista dos Tribunais, v. 64, pág. 188 e v. 65, pág. 275,

MARIO S. OLIVEIRA e JOÃO DE LIMA PEREIRA versaram a questão estética, como limitação

de ordem pública de propriedade, invocando a lei estrangeira – quanto à altura máxima de

construções para garantia de um panorama, ou exigência e tamanho dos lotes para

construção de um só edifício, de acordo com certas regras, e lembrando que até a

desapropriação pode ser decretada, tendo em vista a decoração de uma localidade (Cod.

civ., art. 590, § 2, n. III).

MENDES PIMENTEL opinou, entretanto, de modo diverso em erudito parecer, no qual

invoca copiosa lição estrangeira, especialmente a norte-americana:

“Mas, o poder de polícia, exercitado pelo município, pelo Estado ou pela

União, não é discricionário, arbitrário, caprichoso; está sujeito aos princípios

constitucionais e às leis e regras jurídicas que deles promanam. O conceito fundamental é o

de que a intervenção só é admissível quando haja um interesse público a harmonizar

imprescindivelmente com o interesse privado.

A altura máxima dos edifícios levantados no alinhamento, entende com a segurança

dos mesmos e com a higiene das vias públicas (insolação, iluminação e ventilação). E é por

isso que em toda a parte se tem como legítima a proibição de excederem as construções

uma determinada altura. Mas o que se procura saber é se a administração municipal pode

impor uma altura mínima aos edifícios, isto é, se pode proibir construções de um só, de

dois, de três pavimentos.

Parece-me que não pode. Esta restrição à propriedade particular não é conseqüência

da necessidade inelutável de harmonizar os fins sociais com os interesses individuais.Nem

a segurança pública, nem a higiene pública, nem a comodidade pública é lesada pelo fato

de, em certas partes de uma cidade, se não levantarem edifícios grandiosos ou

monumentais. Desde que a construção de um só pavimento obedeça às exigências

regulamentares, não é lícito impedi-la fundado em considerações de mera estética ou

embelezamento da cidade” – (Rev. Forense – v. 58, pág. 17).

As segundas restrições, ainda que também dependentes, às vezes, de regras da

mesma natureza, das que justificam as primeiras, atendem, precipuamente, à situação dos

vizinhos, decorrendo da inter-dependência do uso de coisas próximas.

As limitações, ligadas ao interesse dos fundos vizinhos, compreendem, segundo,

ainda, COLIN et CAPITANT, três categorias:

- as que impõe aos proprietários uma abstenção (servidões legais e naturais),

- as que obrigam a certas prestações ativas (idem, quanto à demarcação e

fechamento),

- as que decorrem da jurisprudência que impõe aos proprietários a obrigação

geral de não causar prejuízo a seus vizinhos.

Estas, que, entre nós, não são apenas filhas da jurisprudência, mas encontram

expressa proteção legal, é que, no momento, mais nos irão preocupar.

Contudo, devemos recordar que o Código, desenvolvendo uma boa parte daquelas

restrições, rotuladas em outros, mais antigos, como servidões naturais e legais, sob a

rubrica dos direitos de vizinhança, sucessivamente, disciplinou as questões sobre árvores

limítrofes, passagem forçada, águas, limites, construção e tapagem.

O seu estado pormenorizado não teria originalidade e alongaria, em demasia, este

trabalho. Convém, apenas, salientar os pontos em que os preceitos administrativos o

completaram e desenvolveram.

Assim, no vigente regulamento de Saúde Pública, aprovado pelo decreto n. 16300,

de 31 de Dezembro de 1923, encontram-se preceitos especiais sobre a construção de fornos

(arts. 782 a 785), estábulos (art. 905), indústrias nocivas ou incômodas (art. 1045) etc, e nas

posturas do Distrito Federal (decreto municipal n. 2087, de 19 de Janeiro de 1925) regras

minuciosas sobre altura dos prédios, existência de áreas, chaminés, galinheiros, cautelas

especiais para construção dos teatros, casas de diversões, circos, garagens, cocheiras, casas

de saúde, fábricas, etc. Disposições similares são encontradas nos Códigos de posturas de

quase todos os municípios da República.

A lei n. 4265, de 15 de Janeiro de 1921, sobre minas, estabeleceu restrições

especiais:

“Art. 49 – No caso em que as águas dos mananciais, dos córregos, ou dos

rios forem poluídas por efeito da mineração, suscitando reclamações dos proprietários e

povos vizinhos, o Governo, ouvidas as repartições competentes, providenciará por

instruções e medidas que forem necessárias para evitar os males públicos, tendo em vista,

quanto possível, as condições econômicas da lavra da mina.

Art. 72 – O Governo fiscalizará por suas autoridades técnicas ou por pessoas

competentes todos os serviços de pesquisa e lavra de minas, fazendo cumprir os

regulamentos de:

I – Proteção dos operários;

II – Conservação e segurança das construções e trabalhos;

III – Precaução contra perigos às propriedades vizinhas; e proteção de bem estar

público.”

Por hora, bastará atender o que muitos desses preceitos de ordem administrativa

interessam também aos ocupantes.

O dono e o inquilino ficam, assim, colocados na mesma linha em relação ao uso

nocivo da propriedade, e submetidos à ação de direitos reais, atropelando-se, destarte, a

distinção clássica.

É sempre a influência da coisa sobre a regra jurídica, visando-se, precipuamente, a

sua utilização sem se cogitar da essência do domínio.

PLANIOL considera as obrigações de vizinhança semi-reais (op. cit., § 2368);

MAURICE PICARD classifica-as de propter rem (op. cit., § 430), noção que J. BONNECASE

assim desenvolve:

“Il existe dans notre Droit positif actuel, sous le nom d‟obligations réelles

ou propter rem, des obligations entièrement distinctes: d‟une part, des obligations

personelles ou abligations proprement dites, d‟autre part, des droits réels. Ces obligations

consistent essentiellement dans la nécessité pour le débiteur d‟accomplir un acte positif,

exclusivament à raison et dans la mesure d‟une chose qu‟il détient, les dites obligations se

transmettant, en conséquence, ipso jure aux détenteurs sucessifs de la chose, sans qu‟en

aucun cas elles se transforment soit en droits réels, soit en obligations personelles. Il y a

lieu de terminer notre démonstration en faveur de l‟obligation réelle représentative d‟une

troisième proposition, que l‟obligation propter rem se distingue radicalement de la notion

de servitude avec laquelle on a essayé de l‟indentifier‟ – (op. cit., pág. 420).

BIAGIO BRUGI também opina:

“A me sembra che quest‟idea di obbligazioni nascenti dal puro fatto della

vicinanza (la frase è del PLANIOL) e sempre da me sostenuta trionferà sul concetto di

servitù legale. Malgrado ciò, l‟obbligazione reciproca dei vicini non può assumere in tutti i

casi una figura cosi precisa como sarebbe quella di diritti e doveri nascenti da un contratto

da un quasi-contratto, secondo l‟idea stessa del POTHIER” – (op. cit., pág. 186).

Já anteriormente se reconhecia, por exemplo, a possibilidade do embargo de obra

nova ser promovido pro e contra o inquilino.

CORREA TELLES, a propósito do dano infecto, admitia o seu cabimento nos casos

seguintes:

“1o – se o vizinho fizer na sua casa tamanho fogo que seja para temer um

incêndio;

2o – se fizer forno em tal sítio, ou com tais materiais, que haja o mesmo

perigo;

3o – aquele que tiver o seu gado infeccionado com doença contagiosa, pode

ser obrigado a retirá-lo para onde se não possa pagar aos gados dos vizinhos, ou dar

caução, etc.‟ (Doutrina das ações, art. 470).

Examinando os vários preceitos enfeixados sob a rubrica – direitos de vizinhança,

Nachbarrecht, na técnica alemã, vemos que eles envolvem indiferentemente interesses de

donos e habitantes. Em certos casos, a estes atinge diretamente a regra, como a que permite

a entrada e uso temporário na casa alheia para concerta e limpeza do edifício contíguo.

O incômodo sofre-o, em regra, o habitante e não o dono.

Também a ele se pode referir a face ativa, como demonstrou interessante decisão a

respeito da passagem momentânea, que a jurisprudência francesa admite, sob o nome de

tour de l‟échelle:

“Basta ver que o Código, (no parágrafo único, do art. 58784

), estende as suas

disposições à limpeza ou reparação dos esgotos e aparelhos higiênicos, poços e fontes já

existentes, para se concluir que o inquilino pode usar de ação para entrar no prédio alheio, a

fim de realizar essas obras, que a eles muitas vezes, e não ao proprietário, são impostas nos

regulamentos sanitários e nas posturas municipais. Em se tratando mesmo de reconstrução

quantas vezes, sobretudo na zona comercial, o arrendatário não se obriga a construir de

novo o prédio arrendado? A preliminar da falta dos documentos instrumentários da ação

com a inicial que a propõe é, de todo improcedente, pois que a ação não se funda no

domínio e pela mesma razão é improcedente a defesa que se funde em não tê-lo aprovado o

autor” – (Rev. de Direito, v. 62, pág. 311).

84

Art. 1313 do Novo Código Civil de 2002.

ROSSEL et MENTHA observam que a utilidade do art. 679 do Código suíço está em

permitir aos locatários, diretamente, ação contra proprietário vizinho, que excede seu

direito e, assim, as relações de vizinhança protegem, não só os donos, como os habitantes;

por outro lado, se o locatário abusa de seu direito em detrimento do vizinho, o dispositivo

poderá ser invocado contra ele, embora o proprietário seja sempre responsável (op. cit.,

pág. 353).

A questão é ainda mais complexa, bastante recordar a ponderação de DEMOGUE:

“La conclusion qui dégàge est donc trés large et elle dépasse beaucoup le

théorie de la propriété à laquelle on la rattache. Elle la dépasse si bien que la

jurisprudence tient compte du dommage causé par une peronne non sur son terrain, mais

sur la voie publique: en y faisant stationner trop longtemps des voitures, en y construisant

une marquise, etc. C‟est un pas important vers la théorie objective de la responsabilité.

Quiconque pour son utilité cause à autrui un dommage excessif en doit indemnité

pécuniaire. La théorie se dégage beaucoup de l‟idée de propriété. Le voisinage n‟est qu‟un

fait: il n‟a pas besoin d‟être immédiat: une usine peut gêner à plusieurs centaines de

métres” – (op. cit., § 738).

31 – Há pouco recordávamos a fórmula mater do artigo 554, que governa as

relações de vizinhança e demanda apreciação mais detida: a falta de estudos especializados

sobre o assunto poderia até autorizar a conclusão de que o texto se adiantou

demasiadamente ao meio.

Não há, porém, como se negar caloroso aplausos aos termos felizes, em que foi

vazada, tanto no estender a proteção aos ocupantes, como no colocar a prevenção ao lado

da repressão.

Os textos casuísticos de outras legislações (v. g. arts. 906 e 679, respectivamente,

dos Códigos alemão e suíço) são evidentemente inferiores ao nacional, que, pela sua

elasticidade, permite variada aplicação, adaptável a cada caso e segundo razoável arbítrio

judicial.

Na França, e mesmo, na Itália, a matéria tem sido, sobretudo, obra de construção

dos Tribunais.

Na sua origem, o art. 554 se desdobrava em vários dispositivos, reunidos, afinal, na

fórmula elegante, em que só se poderia desejar a substituição do termo inquilino por

habitante.

Eis os textos dos projetos:

Primitivo:

“Art. 640 – O proprietário ou habitante de um prédio tem o direito de

reclamar a proteção da polícia e da justiça pública, quando o proprietário ou habitante do

prédio vizinho, usa dele de modo comprometedor para a saúde ou para a segurança das

pessoas ou mesmo dos animais aí estabelecidos.

Art. 641 – O simples fato de usar alguém da sua casa ou de seu terreno de

modo desagradável ao vizinho, não o autoriza a usar do recurso conferido pelo artigo

antecedente, enquanto não houver excesso ou propósito de molestar.

Art. 642 – As disposições dos dois artigos anteriores são aplicáveis entre

quaisquer habitantes do mesmo prédio, sejam ou não os próprios donos.

Art. 643 – O recurso à justiça pública é também concedido ao proprietário

ou habitante de um prédio rústico ou urbano, quando o aproveitamento dele é

impossibilitado pelo uso que do prédio vizinho fazem os que o ocupam.

Revisto:

“Art. 648 – O dono ou morador de um prédio tem o direito de impedir que o

mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, sossego e saúde dos que

habitam o mesmo prédio e dos animais que nele se acham.

Parágrafo único. – O simples fato, porém, de usar alguém do seu prédio de

modo lícito, mas inconveniente, para o vizinho, não dá a este o direito de obstar aquele o

uso de sua propriedade, como lhe convenha.

Art. 649 – O disposto no artigo antecedente é aplicável, em identidade de

circunstâncias, ao caso de diversos moradores do mesmo prédio.

Art. 650 – De igual direito goza o proprietário quando não possa aproveitar

seu prédio pelo uso nocivo que do prédio vizinho façam os que o ocupam, ou prejudicando-

lhe a cultura, ou danificando os objetos de uso indispensável à habitação.

Art. 651 – O proprietário tem o direito de exigir do dono do prédio vizinho a

respectiva demolição ou reparação, quando este ameace ruína, e que preste caução pelo

dano iminente”.

Assim, com a substituição no texto vigente, se atingiriam todos os casos fora da

propriedade e se conjugariam os seus termos com os do arts. 152885

e 1529, referentes,

exatamente, ao dono e ao habitante, no fixarem a responsabilidade delitual pela ruína do

edifício ou queda de objetos.

32 – Antes de cuidar da aplicação que pode ter o salutar princípio, não seria

demasiado indagar do fundamento dessas limitações ao uso das coisas e da conseqüente

responsabilidade civil, quando desatendidas.

Entre nós está firmada a responsabilidade legal, sendo excessivo apurar as noções

para fixar o fundamento; assim também nos países em que a regra tem a mesma expressão

obrigatória.

Mas, onde existe apenas a construção dos tribunais, a doutrina investiga para firmar

o seu alicerce.

Não resistimos ao desejo de reproduzir esse debate, aliás de sumo interesse para

guiar o intérprete na dedução dos corolários a extrair dos termos amplos, em que foi a regra

legal vazada.

Defluindo do caráter sagrado que, na Grécia e em Roma, se atribuía aos confinia, a

primitiva construção se desenvolveu em torno das imissões que deveriam ser reprimidas,

quando danosas.

BONFANTE, esclarecendo que, dada a contigüidade dos prédios, é comum e, mesmo,

inevitável que facere in suo se torne, por propagação espontânea, um facere in alieno,

deixando, assim, de ser um jure uti, mostra o que existia no Direito Romano, onde

predominava a teoria das imissões:

85

Art. 937 do Novo Código Civil de 2002.

“ Ma quelche più importa al nostro tema gli è che precisamente sul terreno dei

rapporti di vincinanza il diritto romano aveva creato una generale responsabilità senza

colpa. Questa reponsabilità senza colpa era sancita dalla stipulatio damni non facti (più

tecnicamente cautio damni infecti), la quale si poteva esigere non solo per l‟edificio che

minaccia ruina (vitio aedium), ma per qualunque attività del vicino nell‟esercizio legitimo

del dua diritto (vitio operis), sia sul suo fondo (facere in suo), sia sul mio fondo, por

esempio, a titolo di servitù (facere in alieno), sia sul suolo pubblico (facere in pubblico)” –

(Scritti giuridici – Proprietá e servitù – pág. 831).

Não admitiu, porém, a solução de VON IHERING, substituindo a imissão pela

influência, direta ou indireta, abstraído o elemento corporal, que aquela encerra, porque, se

uma pecava por falta, outra peca por excesso e pode conduzir a resultados aberrantes em

algumas aplicações.

Na Idade Média dominou a teoria da repressão aos atos emulativos, como ainda

salientou BONFANTE em nota à tradução do Tratado de BAUDRY LACANTINERIE et

CHAVEAU:

“Il divieto degli atti emulativi spunta già nella glossa e nelle opere di CINO DA

PISTOIA E DI BARTOLO: via nei secoli successivi la teoria assunse contorni precisi e sicuri,è

fissata da BALDO E PAULO DI CASTRO, riprodotta da GIASONE DEL MAINO ED ALESSANDRO

DA IMOLA, e diviene un ius receptum nel diritto comune, scendendo già sino al POTHIER.

Rari scrittori ne rimasero immuni: ALBERICO DA ROSATE tra gli antichi, il quale proclamó

contro CINO la liberta di azione del proprietario, il MOLINA, il quale chiariamente disse

che chi edifica ed emulazione non pecca contra giustitiz, ma contra carità, ed i migliori

autori della scuola francese e olandese, CUIACIO, DONELLO, VOET, i quali non toccano

neppure di siffatta pretesa limitazione della proprieta privata‟ – (op. cit., pág. 947).

SORGE VADALÁ recorda que SALICETO sustentava ser, por exemplo, proibido:

“... aprir finestre ad emulazione, come per veder monaci o monache, o la bella

moglie o la graziosa figlia del vicino; e ciò per argomento tratto dal famoso fr. 3 de oper.

publ. 50, 10” – (op. cit.,pág. 135).

A propósito de atos emulativos, BIAGIO BRUGI considera:

“Ma ne viene pur l‟altra importantíssima conseguenza che non si può in alcuna

guisa obiettare a noi che manchi per ora della nostra legge un esplicito divieto degli atti di

emulazione, perchè il limite è piuttosto nel diritto stesso come necessaria consizione del

suo riconoscimento, anzi del suo carattere di diritto. E vero che in questi casi la

giurisprudenza, paurosa presso di noi del giudice legislatore del singolo caso, si aiuta con

sforzate interpretazioni di articoli del Codice e persino con una finzione di colpa” – (op.

cit., pág. 305 e 321).

FERRINI (op. cit., § 96) e com ele CHIRONI e GIANTURCO entendem que, perante o

direito positivo italiano, o juiz não pode entrar em apreciações subjetivas para considerar o

ânimo emulativo, desaprovando, assim, a jurisprudência o seu país.

O próprio BONFANTE não se aparta, quase sempre, da noção de culpa, que se deve

presumir, ao menos a levíssima da lei Aquilia, nos estabelecimentos industriais; e a

encontra com esse grão até nos danos praticados pela multidão atraída por um espetáculo de

aviação, pelos quais é responsável o empresário (op. cit., pág. 851).

Mas, MAURICE PICARD esclarece que se trata apenas de saber se o autor danoso

deve ser declarado responsável, a despeito da máxima neminem laedit qui suo jure utitur e

em que fundamento deve repousar a responsabilidade.

Desdobrando a resposta, afirma que o proprietário, além da responsabilidade

comum, quando tiver incorrido em culpa, pode ser responsável sem que haja cometido

qualquer falta censurável e somente porque fez de seu direito um uso excepcional ou

anormal, acarretando prejuízo para o vizinho.

SORGE VADALÁ, diante da realidade, indaga, porém, em que momento o direito de

propriedade deixa de ser legítimo, considerando que:

“Il carattere lecito od illecito degli attacchi non può essere aprezzato che secondo

un principio obiettivo, onde l‟errore su cui si fonda principalmente la teoria suddetta è

quelle di dare una espressione subbiettiva ed una distinzione obbiettiva” – (op. cit., pág.

144).

A fórmula do abuso de direito, em correlação com a dos atos emulativos e

rejuvenescendo o summum jus summa injuria, tem sido muito invocada.

COLIN et CAPITANT, por exemplo, pronunciando-se sobre o assunto, salientam que

os tribunais não se embaraçam nos casos concretos, com justificações doutrinárias e

motivam as decisões com vagas considerações de equidade; entretanto, destacam como

sistemas principais:

- o do quase contrato de vizinhança, segundo as idéias de POTHIER e as

alusões contidas nos arts. 651 e 1370 do Código Civil francês, embora

considere esses textos estranhos ao assunto e a teoria insuficiente, pois o

direito envolve sempre um atentado à liberdade de outrem e a vida social

exige cada vez mais o prejuízo recíproco.

- outro, o do delito ou quase-delito, decorrente da aplicação dos princípios

gerais, contidos no arts. 1382 e 1383; mas aí se exige culpa, e muitas

vezes, os tribunais, censuram casos de uso atento e diligente de uma

indústria apenas pelos inconvenientes que dela derivam inevitavelmente.

Por isso, invocam a noção do abuso de direito, eis que este deve ser exercido sem

excesso;

“... d‟après leur destination naturelle et d‟une façon normale”.

Haverá abuso quando essa medida, no estado geral dos costumes e das relações

sociais, for ultrapassada.

Assim exemplificam: se levanto um edifício e tiro a vista do vizinho, uso de meu

direito, mas se em terreno nu ergo um muro altíssimo, já o uso é anormal.

Também MICELI:

“Poichè anche operando entro i confini del proprio fondo, il proprietario può fare

cosa contraria al fini di giustizia e di solidarietà sociale, se usa del suo potere sulla cosa

contrariamente ai fini del diritto, i quali vogliano che ogni ne usi per utilizzarla e non per

transformarla in un strumento di danno per i vicini. In altri termini, il potere giuridico

sulla cosa è accordato al proprietario, non per abusarne a danno altrui” – (op. cit., § 76).

Mas, a noção de abuso de direito é ainda flutuante.

Para uns, esse abuso se caracteriza pela ausência de motivos legítimos (JOSSERAND),

ou, além do dolo, pela negligência e imprudência (CAPITANT); segundo SALEILLES, a

fórmula legítima o conceituaria no exercício anormal de direito, contrário à sua destinação

econômica ou social, reprovado pela consciência pública, excedendo seu conteúdo, dado

que todo direito é relativo e não os há absolutos, nem mesmo a propriedade.

Diferentes não são as fórmulas de GENY e de CHARMONT.

É forçoso, porém, afastar a apreciação íntima da atitude do agente, prescindir da

análise volitiva, havendo que atender, apenas, às regras de harmonia social.

Além da resistência de PLANIOL e DUGUIT, outros ainda não se renderam à teoria do

abuso: PIERRE DE HARVEN – Mouvements generaux du droit civil belge (1928 – pág. 291),

por exemplo, critica seu patrício CAMPION, no ampliar demasiadamente o instituto, com a

noção vaga de utilidade social – charge fois que l‟intérêt social lésé par cet exercice

apparaîtra comme plus considerable que l‟intérêt social s‟attachant à l‟intangibilité de

cette faculté – embora termine propondo a seguinte fórmula:

“... l‟exercice des droits civils, sans intérêt legitime et à des fins contraires à leur

destination, n‟est pas protegé par la loi”.

HENRI et LÉON MAZEAUD (Traité de la responsabilité civile 1931 – t. I – pág. 475)

rejeitam qualquer critério finalista, apegados, como estão, à noção de culpa, a que procuram

ligar todas as hipóteses; reconhecem, assim, que os casos de abuso pelo exercício de

atividade cautelosa do direito, mas incômoda a terceiro, são afinal envolventes de culpa,

porque... negligente é o proprietário que deveria renunciar à indústria, só exercitável em

prejuízo dos vizinhos.

Também outro jurista belga JOSEPH RUTSAERT (Le fondement de la responsabilitè

civile extra-contractuelle- Paris, Bruxelas - 1930 – pág. 46) se mostra adverso à doutrina do

abuso, considerando suficiente para exemplificar a reparação a noção de culpa.

Duvidamos, porém, dessa apregoada suoplesse da noção de culpa.

A esse propósito também tivemos ocasião de nos pronunciar, contribuindo para um

Dicionário jurídico que o Instituto da Ordem dos Advoagados Brasileiros tem em

elaboração:

“A tendência socializadora do direito, vencendo paulatinamente, a corrente

individualista, ingressou no Código Civil Brasileiro pelo argumento a contrario sensu,

deixando à doutrina e à jurisprudência a conceituação do abuso, consistente no uso irregular

do direito.

Não exigiu expressamente os elementos do intencional prejuízo do ofendido, nem

da má-fé no seu exercício, como fizeram outros códigos; assim se deve conciliar o fim anti-

social com ausência de interesse moral ou econômico por parte do autor” – (Boletim do

Instituto, v. 8, pág. 395).

PONTES DE MIRANDA,vendo na regra do art. 152886

um caso de abuso de direito,

considera que

“No direito brasileiro adotou-se fórmula que, a despeito de um tanto misteriosa, na

aparência, sem que, na essência, o seja é a que mais corresponde aos modernos reclamos do

sentimento e da mentalidade liberal e democrática em sua vigente conciliação com o

capitalismo” – (Manual, LACERDA, V. 16, PÁG. 224).

As fórmulas dos Códigos alemão e suíço não mais satisfazem; eis as mais

modernas:

86

Art. 937 do Novo Código Civil de 2002.

“Les droits civils sont protégés par la loi, sauf dans les cas où ils sont exercés dans

un sens contraire à leur destination économique” – (Código Civil da Rússia Soviética – art.

1o ).

“Doit reparation qui a causé un dommage à autrui en excédant dans l‟exercise de

son droit des limites fixées par la bonne foi ou par le but en vue duquel ce droit lui a été

conféré” – (Código franco-italiano de obrigações, art. 74).

MAURICE PICARD, além dos casos de culpa, distingue os de abuso manifesto de

direito (envie de nuire, malice et intention usurpative, etc), e os de exercício legítimo, mas

excepcional ou anormal de direito. Referindo-se à ruptura do equilíbrio de interesses, após

1804, com o desenvolvimento da indústria, considera característicos e ponto de partida da

jurisprudência os males resultantes de vizinhança de estabelecimento industrial.

A despeito de todas as cautelas para poupar incômodos aos vizinhos, são inevitáveis

os inconvenientes de imissão corporal de odores, fumaças, etc; no mesmo sentido os

rumores, os inconvenientes morais, a vizinhança de hospitais e escolas, a exploração de

estradas de ferro e de minas, o aumento exagerado de tapumes, etc.

Desconhecendo, porém, uma obrigação geral e vaga de vizinhança, e vendo,

estreitamente, o abuso de direito, sob a condição de malícia conjugada com a ausência de

interesse, incapaz, portanto, de abranger os casos de exploração de teatros, hospitais ou

minas, o tratadista francês repele a fórmula do abuso, preferindo a seguinte:

“... quiconque n‟use pas de sa propriété dans les conditions habituelles de son

epoque et de la situation de son immeuble doit reparer le dommage qu‟il cause, car, en

faisant de sa propriété un usage exceptionnel, il a detruit la rapport d‟équilibre qui existait

entre les fonds naturels”.

VADALÁ, após salientar a insuficiência das teorias de imissão corporal e dos atos de

emulação, rejeita também as que giram em torno da culpa estrita, apreciando, a seguir,

todas as soluções posteriores: de PROUDHON, que distingue entre dano efetivo e privação de

vantagem; de DEMOLOMBE, da preocupação; de CHAUVEAU, proposta também por

LAURENT, AUBRY et RAU e BIANCHI, em torno da gravidade do incômodo – e a do abuso de

direito (RICCI, etc); combate, ainda, as da culpa pela infração de obrigações de vizinhança

(PLANIOL), ou de quase contrato (POTHIER) ou da lei (CAPITANT), para, assim, concluir:

“Noi affermiamo dunque che nei rapporti di vicinato si puô essere responsabili

quand‟anche si eserciti un diritto.

“Chi non usa della sua proprietà nel modo ordinario di coltivazione, secondo le

condizioni mormali della situazione dell‟immobile e gli ussi del tempo e del luogo, è

responsabile dei manni e delle molestie che produce alle persone o alle cose vicino”.

É o critério de uso anormal, apresentado sob vários matizes, como se vê das

conclusões de RIPERT:

“Quiconque n‟use pas de sa propriété dans les conditions normales de son époque

et de la situation de son immeuble, doit réparar le dommage qu‟il cause, ou n‟a droit à

aucune indemnité pour celui qu‟il subit. C‟est parce que l‟on exerce un droit celui que l‟on

recueille des bénéfices;‟or on doit supporter les pertes, c‟est-à-dire réparer le dommage,

parce que l‟on profite des avantages; donc c‟est parce que l‟on exerce un droit qu‟on doir

réparer le dommage causé” – (Op. cit., pág. 338).

FERRINI:

“Il concetto determinante, è quello dell‟equilibrio dei domini. Entro questi limiti è

datto a tutti i proprietari di fare i medesimi atti e di esercitare in modo a un dipresso

uguale il loro diritto... Quando i due esercizi siano incompatibile, prevale quello che

risponde alla comune destinazione dei predii” – (op. cit.).

VON IHERING:

“Nul ne doit souffrir de la part de ses voisins des atteientes indirectes qui causent

du dommage à la personne ou à la chose ou qui gênent la personne en excédant la mesure

ordinaire de ce qui est supportable” – (Oeuvres Choisies – 1893 – t. II – pág. 142).

COVIELLO:

“... chi esercita un diritto od una attività lecita deve supportarne le conseguenze

dannose che ricadono sul patrimonio altrui, allo stesso modo che le avrebbe soportate se

avessero colpito direttamente il proprio.”

GIORGI:

“Stiamo fermi ai principii, se non vogliamo aberrare: e i principii ci diranno, che

nella società civile niun diritto può coesistere accanto agli altri, senza rimanere dentro i

limiti rigorosamente impostigli dalla necessità della convivenza” – (Teoria delle

obligazioni – v. 5, § 422).

MICELLI:

“Il criterio dell‟uso normal della cosa, che va prendendo sempre più piede presso i

giuristi, è quello che si fonda sul principio che il proprietario non deve proporsi, nell‟uso

della cosa di volere ottenere da essa le utilità che non può conseguire se non a danno del

vicino.

Se non che questo criterio, cosi formulato, ha carattere troppo vago e

ocorreprecisarlo in qualche modo, quantunque non sia possibile di precisarlo in modo

completo. E a precisarlo non vale certo in vecchio principio della non immissione. Invece

un criterio di maggior precisione può essere offerto dalla principale destinazione della

cosa, quella più conforme alla natura di essa” – (op. cit., § 74).

Nos Estados Unidos vigora a mesma doutrina:

“Is is a general principle of law that every person may make such use as he will on

his own property, provided he uses it in such manner as not injure others. This principle,

which has been expressed in the Latin phrase, Sic utere tuo ut non alienum laedas, is

applicable to adjoining landowners, and governs in determining their rights, duties an

liabilities in respect to each other. But it is not to be inferred from this statement of the rule

that the law forbidas any and all uses of property which may cause loss, dammage or

inconvenience. Every person is entitled to make a reasonable use of his property and if in

so doing he causes dammage, to others, it is a case of damnum obsque injuria, and no

liability attaches therefor” – Ruling Case Law, - v. 1, pág. 371).

P. ESMEIN observa, porém, que a fórmula do uso anormal é sem grande valor

prático

“... et en definitive la même à laquelle on en arrive lorsqu‟on cherche à définir le

caractère illicite, condition de la faute” – (Traité de PLANIOL et RIPERT – vol. 6 - § 574).

Outros consideram uma aplicação da teoria dos riscos criados, consequentes ao

aumento dos lucros com a exploração da propriedade, consistindo a culpa no fato de impor

aos vizinhos incômodo excepcional sem reparar o prejuízo causado, pois, em certos casos,

o direito de propriedade não pode ser exercido sem a reparação do dano e a culpa reside na

recusa a essa indenização:

“L‟acte reste permis, parce qu‟il est socialement ultile, mais comme il a pour

conséquence une sorte d‟expropriation du droit d‟autrui, il entraine obligation de

reparation” – (PICARD, op. cit., § 460).

RENÉ DEMOGUE apresenta, nesse sentido, algo de original:

“L‟exploitation d‟un immeuble peut causer préjudice aux voisins sans qu‟on puissse

reprocher à l‟exploitant aucun manque de précautions.

Les auteurs évitent de parler de faute, ils parlent d‟une atteinte au droit. Le

propriétaire dans certains cas ne peut exploiter son terrain qu‟en modifiant ce fonds

commum des agréments du quartier: air salubre, tranquilité, etc. Il ne fait rien d‟illicite.

Mais il se livre forcément à une sorte d‟expropriation de ses voisins, en leur procurant un

air vicié, en leur enlevant leur tranquillité.

Techniquement, les solutions reçues nous apparaissent comme le droit pour un seul

de s‟emparer des avantages communs aux immeubles voisins moyennant indemnité. Ce

droit de nuire au voisin moyennant indemnité est dans le courant de nos lois modernes‟ –

(Traité des obligations, v. 4 - § 721).

BONFANTE volta à carga para mostrar que se, em certos casos, prescinde-se do dano

e da culpa, vaga é a tese do uso anormal da propriedade, propondo, em substituição, a teoria

da necessidade, que chega a filiar ao direito Justianeu. Assenta como conceito básico a

diferença entre a esfera interna e a externa da propriedade, sendo a lesão daquela de

natureza jurídica e a desta de mero interesse, dano não jurídico.

E exemplifica:

“La fertilità di una terra, l‟abbondanza di prodotti, la solidità e la bellezza di un

fabbricato sono certamente qualità di pregio. Ma bem più di rilievo sono precisamente le

condizione esterne, la sua posizione, la sua prossimità alle strade e alle linee di

comunicazione in generale, ai corsi d‟acqua, l‟esterno affluire nel mio fondo, l‟amenità del

paesaggio intorno ad esse a l‟aria salubre che mi proviene dai boschi che lo circondano, il

bem prospetto, se si tratta di un edifizio; e similmente il trovarsi l‟edifizio in un gran

centro, in una contrada signorite, ovvero in un piccolo centro, in un misero quartiere” –

(op. cit., pág. 802).

para concluir que o proprietário deve tolerar as imissões, que são obra da natureza

ou da verdadeira necessidade, isto é, absoluta e geral, equiparável, assim, à natureza;

inversamente, poderá irradiar fora de sua atividade, quando dependa das forças naturais que

agem no prédio ou das leis da necessidade:

“La necessità – la vera necessità – è limite a qualunque diritto subbiettivo. La legge

positiva può mal disciplinare, ma non può infringere la coesistenza. Non si ha un immittere

o un facere illecito quando siamo entro la sfera delle generali e assolute necessità sociali:

ecco il nostro pensiero” – (op. cit., pág. 813).

Aplicando o princípio, entende, assim, que dar bailes não corresponde às

necessidades do consórcio humano, nem aos usos de um apartamento moderno de

habitação – o repouso seguro, na própria casa, é uma necessidade mais absoluta que o

exercício físico, a instrução ou o deleite.

Entretanto, a melhor prova da não receptividade de sua doutrina está na aplicação

por ele feita ao caso do meretrício:

“Certo un simile vicinato non é bello: ed è assai meno, tollerabile che non il

vicinato di un opificio e piu triste che non quello di un camposanto. Ma ci dobbiamo noi

ribellare contro il pure e semplice vicinato? Alle condizione esterne noi non abbiamo alcun

diritto; i riguardi igienici, che pur fanno desiderabile la conservazione di certe condizione

esterne, l‟igiene stessa dello spirito, come nel caso presente, sono condizioni che debbono

essere tutelato dallo Stato. É lo Stato i il Comune che deve impedire o limitare i grattacieli

ed esser severo con le case di tolleranza” – (op. cit., pág. 866).

A Corte de Apelação de Brescia, em julgado de 21 de Janeiro de 1931, rejeitou essa

fórmula da necessidade:

“... perchè lascia perto il campo alle più opposte soluzioni che attengono al vario

modo di concepire la necessità, da cui non si potrebbe escludere il concetto della utilità

sociale essenzialmente connesa al progredire della industrie nella società moderna

spiccatamente industriale”- (Riv. di Dir. Com. 1932 – II, pág. 92).

PIETRO DRAGO propôs, entretanto, a consertar a teoria, ajuntando ao elemento

necessidade, um outro, a da inevitabilidade da moléstia; só, diante do concurso dos dois se

poderá considerar a imissão como lícita (Riv. di Dir. Civile, - 1930 – pág. 558).

Rejeitando, as explicações do abuso de direito e do uso anormal, DUGUIT vê nas

limitações apenas o elemento social, o interesse coletivo, pois os atos, que não procurarem

um fim de utilidade coletiva, serão contrários à lei da propriedade e poderão ensejar a

repressão ou a reparação (op. cit., pág. 166).

Outros propendem mais claramente para as obrigações legais, substitutivas do

quase-contrato de vizinhança, desenvolvido por POTHIER.

Assim, RENÉ DEMOGUE, coerentemente:

“Nous parlons daonc de quase-contrat dans un sens très different de M. CAPITANT

qui vise obligation de ne pas léser le voisin, tandis que nous parlons du droit de léser

moyennant indemnité” – (op. cit., pág. 421).

Quando a lei é expressa, não há como recusar a legitimidade da obrigação legal,

mas, quando silenciosa, é preciso ir mais longe para fundá-la até nos princípios gerais de

direito; é o que reconheceu BIAGIO BRUGI, criticando um aresto, com a costumada maestria:

“Ma non si deve ripetere qui, coi postglossatori:cum sine lege loquimur

erubescimus. Si ricorre al rifugium prccatorum dei principii generali di diritto. Il giudice

non lo dice; ma lo pensa, e si sente sicuro. Ora l‟ordine giuridico è tessuto di questi

principii generali; è impossibile, per esempio, che uno di questi principii non suoni press‟á

poco cosi: ogni diritto è una combinazione di facoltà che non possono essere esercitate con

danno altrui. In moltissimi casi, per non dire in tutti, manca ogni intenzione, di nuocere ad

altri. E, se non erro, la dottrina dei rapporti di vicinanza tende a fare a meno di questo

concetto, qui fuor di luogo, di colpa. Basta che il giudice si senta autorizzato da un

principio generale di diritto a decidere opportunamente e, ripetere volentieri, a guisa

d‟arbitro le questioni di vicinanza” (Riv. Dir. Com. – 1926 – II – pág. 228).

Todo o esforço de dialética, todo o luxo de erudição com que esses notáveis

jurisperitos cristalizaram seu pensamento, seria dispensável, em face do nosso direito, que

bem facilita a tarefa do intérprete.

Por um lado, a teoria do abuso de direito se casa perfeitamente com a do seu

exercício ou irregular, na forma negativa do art. 16087

, n. I – sem exigência de má fé ou de

propósitos emulativos ou vexatórios.

Por outro lado, as obrigações se vizinhança têm caráter rigorosamente legal e

nitidamente propter rem.

As várias correntes convergem para o mesmo ponto, ficando a aplicação da regra a

cada caso ao arbítrio judicial.

Mas é essa justamente a conclusão a que chegam todos os partidários das diversas

correntes, sem embargo do protesto de BONFANTE, que vê acima da questão de fato “il

criterio sicuro e constante delle necessità”.

33 – Mas, tal critério de necessidade é que não existe, senão joeirado nos fatos.

Assim, BAUDRY et CHAUVEAH observam:

“L‟applicazione à anzitutto restrittiva nel senso che la lesione deve presentare una

certa gravità; in altri termini il vicino non potrebbe lamentarsi degli inconvenienti abituali,

inevitabile, dei piccoli incomodi inseparabili dai rapporti di vicinanza; le necesità della

vita comune impongono certi usi suscettibili di cagionare disturbo, ma ciascuno deve

sopportare questi inconvenienti reciproci; sino al momento in cui essi non sorpassino la

misura normale ed abituali degli incomodi inerenti al vicinato, non potrebbe essere accolta

l‟azione di danni interessi” – (op. cit., § 220).

MICELI aprecia, minudentemente, o grão de sensibilidade ou tolerabilidade média

em um certo ambiente, pois a convivência impõe sacrifícios recíprocos pela inevitável

repercussão das ações humanas na atividade alheia. E, suportando-a, acaba o homem por se

habituar, de modo a não sentir ou sentir com menor intensidade os inconvenientes da

vizinhança:

“Cosi chi vive in una campagna isolata, trova insopportabili tutti i fastidi, che

procura la vita citadina con i rumori delle carrozze, dei tram, degli automobili; con gli

87

Art. 188 do Novo Código Civil de 2002.

scuotimenti, che producono i veicoli pesanti, il vociari delle folle, le indiscrezioni e i pochi

riguardi dei vicini, e via discorrendo. Ma colui che fin dalla infanzia vissuto in una grande

città, non fa che poco o punto caso di tutte queste cose” – (op. cit., § 75).

ROSSEL et MENTHA, acentuando a dificuldade da tradução do texto alemão, que não

corresponde, exatamente, à expressão excesso, consideram a delicadeza da apreciação

judicial no estabelecer o justo equilíbrio dos interesses em conflito:

“Au reste, on tablera non point sur les impressions subjectives des personnes

molestées, mais sur l‟impressionnabilité d‟un homme normal, sauf certaines exceptions qui

vont de soi: l‟auteur de l‟excès a construit ou acheté, pour se livrer à une industrie

bruyante, une maison voisine d‟un hôpital, d‟une clinique, etc.” – (op. cit., pág. 364).

Mas a BIAGIO BRUGI cabe a exaltação entusiástica, da função do juiz, soberano na

auscultação dos fatos:

“Nel diritto vigente, l‟officium iudicis si è già guadagnato una cerchia

notevolissima in uno dei più difficili aspetti della proprietà cioè nel combinare fra loro due

principii che sembrano inconciliabili, come questi:Nemo damnum facit qui iure suo utilitur,

e l‟altro che “ogni violazione di diritti del vicino costituisce un atto illecito”. Un‟altra

ragione che la giustifica fu già veduta dai nostri antichi: non si possono vincolare a norma

di legge de più diverse e mutabili circostanze di fatto. Per quelle relazione sarebbero

veramente utili i Codici ridotti a massime generali. Quanto più cresce il numero dei casi

non precisamente regolati dalla legge, di tanto aumenta la potestà del giudice” – (op. cit.,

pág. 190).

Expondo os princípios que devem nortear o arbítrio judicial, SORGE VADALÁ toma

em consideração as condições de tempo e lugar, os costumes e, principalmente, a natureza

dos prédios contíguos, afastando quaisquer apreciações pessoais sobre os vizinhos; em

suma, deve-se preferir, quanto às ofensas à pessoa, o critério da impressionalidade comum

e quanto às coisas a maneira ordinária de utilizá-las.

E, assim, exemplifica os casos de receptividade pessoal e real:

“Il fumo o il rumore ad es. che sarebbero semplicemente molesti per uno dei vicini,

sono invece nocevoli alla salute di un altro; un terzo invece provvisto di nervi più solidi o

di una sensibilità meno pronunciata non ne sente alcun disturbo. Il piano forte che il mio

vicino suona più o meno bene potrà essere di diletto, a me, che adoro la musica, ma potrà

arrecare un grave incommodo alla mia vicina che soffre d‟isterismo. Ciò in quanto alla

recettività personale. Recettività reale: può darsi il caso ad es. che vicino ad un

proprietario che possiede una serra di piante venga a dimorare un industriale che

stabilisce un latro forno; il calore che si sviluppa da questo alto forno giuverà senza

dubbio alle piante della serra che ne hanno un gran bisogno per vivere. Ma se invece di

essere una serra è una ghiacciaia vicina all‟altro forno, il calore di questo senza alcun

dubbio sarà dannoso alla ghiacciaia” – (op. cit., pág. 222).

Na Alemanha não é outra a intepretação do gozo anormal, segundo a expressão do

código - unwesentliche Beeinträchtigung; todos os comentadores, v. g. – ACHILLES-GREIFF

(op. cit., pág. 521) e os Reichsgerichtsräten (op. cit., pág. 173, e segs.), mostram que o

critério da normalidade não pode ser subjetivo, mas sim objetivo, considerando-se um

homem de mediano senso – Durschschnittsmenschen, e atendendo-se, também, à situação

do lugar e às particularidades de cada caso, confiadas ao arbítrio judicial; esclarecem,

ainda, que as necessidades ou exigências de doentes e nervosos não podem ser tomadas em

consideração.

Entre os múltiplos julgados referidos encontra-se, por exemplo, o que, considerando

normal o ruído da passagem de tramways nas ruas, reputou, ao revés, abusivo o decorrente

de um depósito de carris onde, até alta madrugada, havia grande barulho com o seu

movimento de lavagem; em quanto à preocupação, também foi decidido que quem instala

uma lavanderia em bairro industrial não se pode queixar da fuligem, vinda das fábricas

próximas.

Praticamente, os tribunais franceses têm também suprimido a falta de regras

análogas aos dos Códigos alemão e suíço, por construção em torno do prejuízo excedente

da medida de obrigações ordinárias de vizinhança, que, aliás, por si só, já traz

inconvenientes habituais inevitáveis; a soma dos incômodos que os vizinhos devem

suportar vária segunda a situação dos imóveis: tal parece suportável em bairro industrial ou

em rua de comércio, mas dará lugar a reparação se o proprietário, que o suporta, reside em

quarteirão pacífico, burguesmente habitado.

O critério prático, várias vezes invocado é, justamente, o da preocupação, que

outros qualificam com a exigência da generalização.

ROSSEL et MENTHA assim o focalizam:

“Il existe, pour ainsi dire, une sorte de servitude implicite en vertu de laquelle le

caractère bien établi d‟un quartier ne doit pas être brutalement anéanti par l‟entreprise ou

les fantasies d‟un propriétaire; mais ce sont sans doute les seuls avantages matériels, la

tranquilité (ainsi, on ne peut laisser un chien pendan la nuit, aboyer à la lune ou aux

passants, au lieu de le rentrer dans la maison), le bon air, qui doivent être respectés, non

pas des avantages purement esthétiques auxquels on n‟est sensible que par réflexion ou par

association d‟idées; des rentiers devraient subir sans murmurer l‟établissement au milieu

d‟eux d‟un commerce, d‟un atelier non bruyant ni incommodant, mais qui, apportant dans

leur existence placide l‟animation du travail, détruirait la symétrie de leur noble oisiveté,

et produirait un contraste pénible pour leur goût” – (op. cit., pág. 364).

Mas, nem com esse tempramente, BONFANTE admite o critério da procupação,

reconhecendo, embora, o favor com que recebem os tribunais; a coerência com o seu

sistema distintivo de condições externas e internas, leva-o a concluir:

“A noi sembra che sia da ripudiare ogni efficacia a questo criterio trasportato qui a

torto dalla materia del conflitto dei diritti, e che esso, nonostante le corrette apparenze,

sia illogico e iniquo nel nostro campo. Nessuna prevenzione dà diritto a considerare come

estabili e appropriarsi, in un certo senso, le condizioni che sono al di fuori del nostro

dominio” (op. cit., pág. 860).

Em seu apoio, a Corte de Brescia decidiu:

“Ma l‟elemento della preesistenza non deve ritenersi cosi assorbenti da escludere

senz‟altro la colpa dell‟industriale, quante volte si dimostri che egli, pur potendo con mezzi

tecnici a sua disposizione e che gli sarebbe agevole procurarsi senza eccessivo dispendio,

ridurre al minimo le molestie, persista in quel sistema d‟esercizio rivelatosi dannoso” –

(Riv. Dir. Com., 1932, pág. 98).

É preciso, porém, com SORGE VADALÁ, distinguir, previamente, os casos de

vizinhança anormal, onde o elemento altura entra como agravante; são os de exploração de

minas e de co-propriedade dos planos separados, ampliando-se os inconvenientes comuns

da vizinhança.

Nos demais casos, o especialista italiano ainda distingue o uso anormal por conduta

do proprietário, v. g., violação dos regulamentos e negligência, do uso por si mesmo

anormal, em que inclui os estabelecimentos industriais, ferrovias, teatros, casas de

tolerância, bailes públicos, animais selvagens, acidentes, como incêndio e ruína e, afinal, os

atos exagerados da vida comum.

Entre os últimos invoca dois exemplos típicos: o da manutenção de aves domésticas

em quantidade excessiva, de modo que o barulho venha a impedir o sono dos vizinhos e o

da existência de apiário junto a uma fábrica de açúcar, prejudicada pelo furto que sofria,

por parte das abelhas em número extraordinário, alimentando-se a sua custa.

34 – A repressão dos incômodos da vizinhança se opera por dois meios: ou o

impedimento de funcionar, ou a reparação dos prejuízos.

DEMOGUE, quanto à indenização, esclarece que é caracterizadamente pessoal, pois

se o imóvel muda de ocupantes, o novo só pode agir pelo dano que sofreu e não pelo

acontecido ao anterior, a menos que a ação não lhe tenha sido cedida com a coisa.

Em quanto, porém, ao interdito, condiciona:

“S‟il s‟agit d‟un établissement incommode ou insalubre, alors même qu‟il est

régulièrement autorisé, les tribunaux sont compétents pour ordonner des travaux propres à

faire cesser le prêjudice, pourvu qu‟il ne se mettent pas en opposition avec les mesures

prescrites par l‟autorité administrative dans un intérêt général; c‟est ainsi qu‟ils ne

peuvent en ordonner la fermeture” – (op. cit., § 708).

A propósito dessa autorização para o funcionamento, concedida pelo Poder Público,

surgem, aliás, algumas dificuldades, pois se o ato, mesmo autorizado, causa prejuízo aos

vizinhos, é sempre injusto, reconhece-o CHIRONI (Colpa extra-contrattuale, v. 2, § 423 bis).

Por isso, BRUGI observa que a licença administrativa só implica com as relações

entre Estado e os industriais, devendo, porém, trazer, implícita ou explicitamente, a

cláusula de reserva dos direitos de terceiros.

Entretanto, com DEMOGUE, pensam também MAURICE PICARD (op. cit., §§ 413 e

462) e COLIN et CAPITANT, embora ressalvem estes a distinção das esferas do direito

administrativo e do civil, refletida na diversidade e duplicidade de sanções:

“1o – la sanction Publique, c‟est-à-dire une penalité, généralement une amende, s‟il

a enfreint des réglements administratifs en ouvrant son usine sans autorisation; 2º - la

sanction civile, c‟est-à-dire des dommages-interêts envers le voisin lésé. L‟autorisation

qu‟il a obtenu le met à l‟abri de la première sanction, mais non de la seconde” – (op. cit.,

pág. 762).

A propósito dessa autorização para o funcionamento, concedida pelo Poder Público,

surgem, aliás, algumas dificuldades, pois se o ato, mesmo autorizado, causa prejuízo aos

vizinhos, é sempre injusto, reconhece-o CHIRONI (Colpa extra-contrattuale, v. 2, § 423 bis).

Por isso, BRUGI observa que a licença administrativa só implica com as relações

entre o Estado e os industriais, devendo, porém, trazer, implícita ou explicitamente, a

cláusula de reserva dos direitos de terceiros.

Entretanto, com DEMOGUE, pensam também MAURICE PICARD (op. cit.,§§ 413 e

462) e COLIN et CAPITANT, embora resalvem estes a distinção das esferas do direito

administrativo e do civil, refletida na diversidade e duplicidade de sanções:

“1o – la sanction Publique, c‟est-à-dire une pénalité, généralement une amende, s‟il

a enfreint des règlements administratifs en ouvrant son usine sans autorisation; 2º - la

sanction civile, c‟est-à-dire des dommages-interêts envers le voisin lésé. L‟autorisation

qu‟il a obtenu le met à l‟abri de la première sanction, mais non de la seconde” – (op. cit.,

pág. 762).

Entre nós, a solução há de ser mais ampla, cabendo ao judiciário apreciar se a

autorização administrativa foi regularmente concedida a impor o veto ao funcionamento

prejudicial.

Não só isso é conseqüência da interdependência dos poderes, como decorre dos

termos do art. 554 do Código Civil, em sua função preventiva, cuja falta, na Itália,

BONFANTE tanto deplora, considerando que o instituto do dano infecto, como o delinearam

os romanos, sem dependência de culpa, foi mutilado no direito moderno, especialmente no

italiano.

PONTES DE MIRANDA, assim, doutrina:

“Ainda quando tenha havido autorização administrativa, regular ou não regular,

pode o ofendendo ou ofendido pedir que se lhe evitem ou reparem os danos” – (op. cit.,

pág. 300).

No n. 20 já tivemos oportunidade de apreciar o valor das convenções de renúncia a

qualquer oposição aos incômodos da má vizinhança, principalmente em quanto às

conseqüências para os futuros adquirentes, que não se houverem expressamente

conformado com a restrição.

35 – A despeito do interesse no recordar as linhas mestras da jurisprudência

estrangeira, aplicando a doutrina, na delimitação dos contornos do uso nocivo da

propriedade, somos forçados a resumir a exposição dos casos encontradiços nos arquivos

de julgados e nas revistas técnicas.

Relembraremos, apenas, as hipóteses mais curiosas de proteção à segurança, ao

sossego e à saúde dos vizinhos.

As queimadas, a poluição de águas, os rumores excessivos, a fumaça, os odores,

enfim quaisquer imissões prejudiciais aos vizinhos devem ser evitadas; quando não,

ensejam a reparação do dano e, conforme o caso, até a paralisação da atividade prejudicial.

A instalação de escolas, salões de bailes, cabarets, a cultura de abelhas, os

estábulos, a retenção de indivíduos portadores de moléstias contagiosas, são outros tantos

casos considerados de uso nocivo da propriedade:

“Le droit à la vie, inscrit dans le Code viendrait tout naturellement limiter le droit

de propriété. Il expliquerait qu‟un proprietaire ne peut, de sa maison, si elle est située en

pleine ville, faire un hospice de tuberculeux” – (GASTON MORIN – L‟abus du droit in Rev.

de Metaphysique et de morale – 1929 – pág. 278).

Outras vezes, não se pode falar em imissões reais, mas em prejuízos de ordem

moral, como a instalação do meretrício.

Entretanto, já verificamos a impossibilidade de se estabelecer um critério definitivo:

tudo depende das condições de cada caso e, por isso, encarecemos a fórmula do nosso

Código, em face dos textos italiano (art. 462), argentino (arts. 2652 – 2655), alemão (art.

906) e suíço (art. 684).

Vimos também que, com certa cautela, pode constituir a preocupação critério para

conciliar os interesses: assim, se um indivíduo habitar um bairro industrial, terá que sofrer

os incômodos da vizinhança turbulenta, mas se esta pretender aboletar-se em bairro

residencial terá que suportar as conseqüências do abuso.

Vicini ut fratres esse debent.

Citaremos, entretanto, alguns casos mais curiosos, a fim de compará-los com o que

há feito entre nós.

BIAGIO BRUGI, por exemplo, critica severamente uma decisão italiana, absolvendo o

proprietário, que deixara uma casa abandonada, assim transformada em valhacouto de

malfeitores, prejudicial aos vizinhos (op. cit., págs. 282 e 296).

WIELAND formula a seguinte hipótese:

“Par contre, le voisin n‟est pas tenu de supporter le bruit inutile, fait dans un but

d‟amusement, comme par exemple les exercices musicaux exagérés, provenant d‟un local

dont les fenêtres demeurent ouvertes (on ne voit pas pourquoi de tels actes vexatoires

jouiraient d‟un privilège, comme certains auteurs le pensent, v. g. COSACK, KOBER, pas

plus que le bruit permis par manque d‟égard pour les voisins tel que les aboiements)” –

(op. cit., pág. 322).

DEMOGUE destaca recente e interessantíssima decisão do Tribunal de Arras:

“Une personne a chez elle un appareil pour recevoir les auditions

radiotélephoniques et un hôtelier voisin a un phonographe éléctrique qui rend impossible

toute récepton utilisable des émissions radiotéléphoniques. Cet inconvénient pourrait être

évité en remplaçant le moteur de l‟appareil électrique par un moteur électriquement

silencieux. En ce cas, l‟hôtelier peut être condamné sous une astreinte à exécuter ce

changement el il encourt en outre des dommges-intérêts. Il y a avait faute à employer un

moteur nuisible au voisin quand il en existe de non nuisible. Or, une personne qui a chez

elle une installation nuisible aux voisins parce qu‟elle est défectueuse, en est responsable”

– (Rev. trim., 1930, - pág. 369).

Encontramos ainda muitos casos curiosos na jurisprudência dos Estados Unidos:

“The operations of an amusement pavilion at a place devoted to summer cottages,

from 8 in the morning until 11 ou 12 at night, with box-ball, alleys and dancing to jazz

music, in such manner that the noise from the music the laughter, applause, and

announcements on the dance floor, and the noise and lightsfrom the automobiles as the

guests depart, interfere with ordinary conversation, and disturb the rest and sleep in

neighbouring cottages, decreasing their desirability, is held to be a nuisance in Phelps v.

Winch, 309 111.158, 140 N. E. 847” – (Case and Comment – v. 30, pág. 54).

“Maintaining an operating room in a hospital in such proximity to a neighboring

dwelling that the cries of pain emitted by the patients destroy the peace and comfort of its

occupants and injure their helth is in Kester v. Hmeopathic Medical & Surgical Hospital

245, pag. 326, 91 Atl. 659, to be a nuisance – (Case and Comment – v. 21, pág. 760).

E também da Inglaterra:

“Is one who causes a crowd to collect, to the annoyance of his neighbors,

answerable therefor? This question was involved in Lyon, Sons & Co. v. Gulliver (1914) 1

Ch. 631, Where it was held that the assemblage of persons before the doors of a theater

giving both a morning and a afternoon performance, awaiting the opening, which

assemblage has the effect, while not wholly obstructing acess to a shop near by, to render it

less convenient to intendig customers who must either elbow their way through the queue

or pass around the end of it and back on the inside, way be enjoined as an actionable

nuisance: and that the failure of the police to prevent the obstruction by regulating the

crowd and keeping gaps for the passage of the public through the queue does not afford a

good defense” – (Case and comment, v. 21, págs. 164-5).

O articulista observa que PHILLIMORE dissentiu desta conclusão, entendendo que o

comerciante tem o direito de tornar suas vitrines as mais atrativas que for possível, assim

como o empresário teatral, não podendo, assim, serem responsáveis pelo acúmulo de

pessoas atraídas – a indébita obstrução dos passeios caberia à polícia prevenir.

36 – Entre nós, algumas disposições de leis especiais regulam aspectos da

vizinhança, além dos já referidos, como interessando geralmente à coletividade.

Em relação a estradas de ferro:

“Art. 11 – A estrada de ferro responderá por todos os danos que o estudo,

construção e conservação de suas linhas causarem aos proprietários confinantes.

Art 154 – A menos de 50 metros de distância de cada trilho exterior de estrada de

ferro servida por locomotivas a vapor ninguém poderá depositar materiais de fácil

combustão nem construir casas cobertas de sapé, folhas de palmeira, etc. As casas que já

existirem, assim cobertas serão reformadas ou removidas pela estrada ou por conta desta.

Os explosivos não poderão ser depositados a menos de 30 metros da linha de

qualquer estrada de ferro.

Art. 155 – Todavia, a estrada de ferro, será obrigada a indenização, se ficar provado

que o incêndio foi produzido por brasas ou por estopa incendiada, atiradas pelo pessoal da

locomotiva, ou que esta não tinha o necessário aparelho favilivoro de tipo aprovado pela

fiscalização e em bom estado de funcionamento” – (Decreto n. 15673, de 7 de Setembro de

1922).

E às minas:

“Art. 48 – Correm por conta do proprietário da mina os danos causados a terceiros,

tanto pelos trabalhos superficiais como pelos subterrâneos”.

Vejamos, porém, os dados da jurisprudência, aliás bem escassos para a fórmula

adiantada do Código Civil:

O tribunal do Paraná, em acórdão de 30 de Outubro de 1925, confirmou a sentença

do juiz de Tomazina, que condenou um fazendeiro a ressarcir os prejuízos causados na

propriedade alheia em virtude de queimada feita, mas decisão girou em torno da noção de

culpa, por falta de aviso ao vizinho e execução do aceiro em condições diversas das

prescritas na postura municipal. (Rev. de Dir., v. 80, pág. 423).

Também os tribunais de Minas (Rev. Forense, v. 56, pág. 73) e de São Paulo (Rev.

dos Tribunais, v. 33, pág. 497 e v. 61, pág. 344) julgaram no mesmo sentido, exigindo ulpa

em quanto à reparação dos prejuízos decorrentes da queimada.

Uma sentença do juiz A. WHITACKER isentou a empresa ferroviária de indenizar as

consequências de incêndio por desprendimento de fagulhas de locomotivas, em face do art.

26 do decreto n. 2681, de 1912, que, consignando a responsabilidade das estradas de ferro

pelos danos que exploração da linha causar aos proprietários marginais, excetuou o caso de

infração de disposições legais ou regulamentares, relativas a edificações, plantações,

escavações, depósitos de materiais ou guardas de gado à beira da estrada; e o texto

regulamentar acima reproduzido exigia a distância de 50 metros para a ereção de casas de

sapé, depósitos de inflamáveis, etc. (Rev. dos Tribs., v. 40, pág. 28).

Em São Paulo o Tribunal atendeu aos inconvenientes do uso de águas próximas:

“Construindo um açude nas divisas da propriedade do apelado, com a sua, obrigou-

se o apelante a transferi-lo para outro local, na hipótese de se verificarem casso de

impaludismo. Tais casos foram verificados, e, segundo o laudo dos peritos da vistoria, a

situação do açude pode ser prejudicial aos habitantes da fazenda do apelado, trazendo-lhes

moléstias, como maleita, febres palustres, etc. Ainda que o apelante limpasse sempre o

açude, desde que houvesse casos de febres no local, estava já justificada a ação do autor,

reclamando a remoção do mesmo açude” – (Rev. dos Tribs., v. 62, pág. 396).

O acórdão mineiro de 3 de Outubro de 1917 decidiu também interessante litígio da

mesma natureza: J. alegava posse da servidão de uma aguada, que corria em frente à porta

da sua casa e que, a partir de certo tempo, dentro dos seus domínios, entrou a turbar essa

posse, desviando a água do seu velho leito, represando-a e sobre ela construindo um

mangueiro para porcos, causando-lhe dois prejuízos: conspurcou-lhe a água, única de que

dispunha para beber e encharcou-lhe com a represa um trecho de terreno onde havia uma

ponte, que, por isso, ficou arruinada, em prejuízo também do trânsito público.

A Corte deu provimento à apelação do autor para julgar procedente o seu pedido, já

recebido na segunda parte, também no tocante à proibição de conspurcarem os réus as

águas supérfluas, de que aquele se servia, pois o direito dos proprietários superiores às

águas particulares que lhes atravessarem as herdades e enquanto lhes não transcenderem as

fronteiras, é limitado pela obrigação de não corromperem as águas sobejantes, de maneira a

ficarem imprestáveis e até daninhas às herdades subjacentes que tem direito a elas, segundo

até a resolução de 17 de agosto de 1775.

Estas sobras, é intuitivo, haviam de chegar – a essa herdade – prestadias ou úteis

para que a servidão instituída em seu benefício se não convertesse em pesado ônus, qual

seria o receber águas infectas, alteradas, poluídas e insalubres.

É por isso que a servidão legal outorgada aos proprietários inferiores deve ser

assistida pela ação competente para impedir que o benefício redunde em desfavor pela

poluição das águas, pouco importante que os réus tivessem retirado os porcos

temporariamente do mangueiro.

Concluiu, afirmando que:

“A manutenção dessa obra e afirmação que fazem os réus do seu direito de

conservarem o cevadouro aí e de nele reterem os seus suínos é uma ameaça constante aos

interesses jurídicos dos autores, a pureza das águas da sua servidão, que a ação visa

proteger” – (Rev. Forense, v. 29, pág. 178).

Mais tarde, a Relação de Minas atenuou os efeitos da proibição, recusando-se a

prestar a medida preventiva, sob o fundamento de que qualquer alteração que pudessem

posteriormente sofrer as águas, tornando-se impróprias para o uso a que se destinam, por

culpa dos proprietários superiores, seria um dano que teriam de ressarcir, ou mesmo um

crime por que teriam de responder (art. 162 do C. P.), mas nunca ofensa à servidão que

impedisse a construção da casa ou determinasse a sua demolição.

Se assim não fora, estariam os apelantes privados de construir em qualquer parte do

seu terreno a cavaleiro do dito rego, sem licença dos apelados, porque de qualquer ponto

nessas condições poderiam vir ao rego os detritos de sua cozinha ou outras impurezas à

mercê das águas e dos ventos.

Assim,

“Não constituindo a construção dos apelantes, por si só, ou por si mesma, ofensa

alguma à servidão dos apelados, improcedente não pode deixar de ser ação proposta” –

(Rev. Forense, v. 46, pág. 297).

O art. 554 foi aplicado em São Paulo, pelo juiz LEME DA SILVA, com apoio do

Tribunal, na hipótese de instalação de máquinas em um sobrado, ameaçando o sossego dos

vizinhos e até a segurança do prédio contíguo, cujo telhado estava na iminência de correr.

Observando que bastaria terem os réus assentado os maquinismos no pavimento térreo

sobre base de cimento, sem qualquer ligação com o prédio confinante e em ponto afastado,

quando possível, da parede divisória, a sentença concluiu:

“Essas precauções eram tão necessárias quanto é certo que os réus, quando

iniciaram a montagem do maquinismo, os autores já estavam instalados no prédio vizinho

com a sua modesta hospedaria. Nestes termos é bem de ver que os réus não deveriam omitir

a prática das cautelas retro preconizadas, afim de não inutilizarem o comércio dos autores.

A inobservância dos preceitos administrativos atinentes ao funcionamento de indústrias

ruidosas no centro da cidade (artigos já citados do código de construções) importa em

reconhecer que os réus fazem mau uso da propriedade. Em conseqüência, assiste aos

autores o direito de impedirem esse mau uso” – (Rev. dos Tribs.,, v. 76, pág. 343).

O caso mais interessante dos nossos anais judiciários é, porém, o que foi decidido

pelo juiz de São Paulo, ADRIANO DE OLIVEIRA, em ação proposta por um advogado contra

comerciantes de fonógrafos e aparelhos de rádio para compeli-los à indenização

correspondente aos danos e prejuízos que as vendas e rumores intensos, contínuos e

alarmantemente incomodativos lhe causaram à saúde e ao seu trabalho de advogado com

escritório próximo, bem como ao sossego seu e ao sossego e trabalho da vizinhança, pelo

abuso da exploração comercial, afim de que pusessem as suas casas em ordem, com as

obras e instalações indispensáveis a impedir a propagação dos sons, tornados assim

rumores nocivos e danosos.

A parte expositiva da sentença esteia-se em excelente documentação, que passamos

a reproduzir:

“... a conceituação doutrinária do abuso do direito que a lei nova brasileira, do

Código, inscreveu dedutivamente no art. 16088

, n. I, deriva-se para acepções várias.

Consubstanciando essas modalidades, podemos, de um modo geral, indicá-las na teoria

subjetiva e no conceito objetivo.

SOURDAT, CHARMONT, DEMOLOMBE, BAUDRY LACANTINERIE, inscrevem-se em

corrente, segundo a qual o abuso se resume na intenção de prejudicar, excludente de

qualquer outra intenção, como, por exemplo, o proveito para o agente; é o dispositivo do

Código alemão, concepção que PLANIOL também adota.

88

Art. 188 do Novo Código Civil de 2002.

SALLEILES e JOSSERAND são da teoria objetiva, segundo a qual o exercício do

próprio direito não exclui a responsabilidade, pois que o abuso nasce desse exercício e lhe é

inerente. A verdadeira fórmula, diz SALEILLES, seria aquela que visse o abuso do direito no

exercício anormal dele, contrário a destinação econômica e social do direito subjetivo.

JOSSERAND funda-o na legitimidade do motivo, enumerando, entre os ilegítimos, a fraude

contra a lei. Além desses motivos, diz esse escritor, motivos que supõem no agente, a

consciência do prejuízo causado, existem motivos simplesmente culposos, como o daquele

que escolhe, dentre os diversos modos de utilização do direito, o que lesa interesses

legítimos.

CAMPION, tratadista moderno, consultando a doutrina e jurisprudência, alia a esses

dois critérios de apreciação aplicados, o de “desvio da finalidade do direito exercido”, e

conclui por uma fórmula feliz: os três critérios se confundem em um só, verdadeiro: a

ruptura de equilíbrio dos interesses à vista, isto é, presentes. O fim da lei, diz ele, citando

DEMOLOBE, é a melhor e a mais exata ordem possível, de todos os interesses dos que vivem

em sociedade, e dos da coletividade ante os quais cedem os dos particulares: e, acrescenta,

a conservação do equilíbrio entre os interesses coletivos e os particulares, será obtida pela

teoria ampla do abuso dos direitos.

Identicamente se exprime BARDESCO, quando diz: o direito destina-se a alcançar o

bem geral, ao mesmo tempo que a satisfação dos interesses individuais; o abuso do direito,

que é o seu exercício anti-social, gera a responsabilidade.

A lei brasileira filia-se à teoria de SALILLES; o exercício irregular anormal do

direito, constitui o abuso. O Cód. português ilide a responsabilidade por prejuízos àqueles

que, em conformidade com a lei, exercem o próprio direito.

A municipalidade de São Paulo, promulgando a sua conhecida lei, não fez mais do

que antecipar o que já se fez no Rio e o que já se tem feito na Alemanha, nos Estados

Unidos e na França, em Paris, onde, ainda a 20 de Fevereiro último, uma comissão de

Touring Club de França, elaborou uma lei de bem viver, autorizada e aprovada pelo Chefe

de Polícia, ato esse cujo art. 2o, n. 11 e art. 1

o, proibindo todos os ruídos causados sem

necessidade, devidos à falta de precauções e de natureza a perturbar o repouso e a

tranqüilidade dos habitantes, destaca, principalmente, as publicidades ou reclamos por

gritos ou cantos, ou emprego, em fins, industrial, comercial ou privado, de fonógrafos, alto-

falantes e outros processos sonoros, salvo especial autorização – reafirmando no art. 3o a

proibição aos fonógrafos, alto-falantes e instrumentos de música, conforme e a hora e lugar.

Claro que as leis contra o ruído, contra o barulho não pretende, para os grandes

centros, para as cidades chamadas tentaculares, atacadas do mal do ruído inútil, a paz dos

campos, o silêncio dos bairros ou o sossego das aldeias; o que pretendem é evitar a

propagação lesiva do som, prevenindo o abuso, regulamentado o modus vivendi e

conciliando os interesses; é o sossego, ou silêncio relativo.

Esse o objetivo, como o foi da Comissão de diminuição do ruído, de Nova York,

que apresentou conclusão positiva sobre a influência maléfica dos ruídos e rumores,

refutando o erro de que o indivíduo pode facilmente adaptar-se à ação contínua deles.

Reprovam as ditas leis o ruído abusivo, regulamentando, para que se não torne tal, o

produzido pelos estabelecimentos quais os dos réus. Se os réus têm direito à propriedade e

ao uso desta e à liberdade de comércio e anúncios e à propaganda, têm, entretanto, as

restrições de que falamos, a bem do interesse coletivo”.

Reconhecendo, embora, que os exames periciais não conduziram à dedução de que

os réus, usando do seu direito, o fizessem nos limites e termos da lei e sem excesso, isto é,

com a moderação visada pela regulamentação, concluiu a sentença, entretanto,

desfavoravelmente ao pleiteante, por falta de prova do prejuízo, à vista das seguintes

circunstâncias: - a mudança de escritório, com as conseqüentes despesas seria mera

possibilidade de fato não realizado, - as ponderações sobre a saúde do autor não foram

além de generalidades científicas, enumeradas no laudo por peritos médicos: - o autor

advogou em causa própria.

Assim, nem mesmo aceitou a solução de adiar a liquidação dos prejuízos para a

execução, preferindo o douto magistrado concluir:

“... o procedimento dos réus, contrário à regulamentação municipal, envolve matéria

de exclusiva competência da Câmara; o autor, pelo alegado abuso de direito, pleiteou

indenização; restringindo-se, como se deve restringir, o pedido ao que, individual e

propriamente, diz respeito ao autor e ao “seu interesse” somente, verifica-se que esse

interesse não pode e não pode ter uma constatação real e concreta, que legitime a sanção

civil” – (Rev. dos Tribs., v. 79, pág. 673).

É com verdadeira mágoa, que deparamos com esse desfecho, tão destoante do brilho

dos consideranda expostos: é sempre a timidez na aplicação da sanção, o apego ao rigor da

prova, em matéria extremamente difícil de liquidação precisa.

É a impunidade dos transgressores da lei, diante da inércia do poder público e em

detrimento dos beneficiados!

Não poderemos dilatar o âmbito desse trabalho para apreciar outro problema

conexo, qual o da indenização do dano moral, de suma importância na espécie, mas, já o

abordamos, de outra feita (FILADELFO AZEVEDO – Dir. moral do escritor – 1930 – págs.

198 e 219), e não há senão manter as conclusões então apresentadas à colenda Congregação

da Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro.

CAPÍTULO VII

LOCAÇÃO

37 – A apreciação dos aspectos decorrentes da destinação do imóvel, força-nos, de

novo, a transpor os limites das categorias jurídicas, para observar, em sistema, o dispositivo

do art. 554 do Código Civil, com os princípios que regem as relações obrigacionais, stricto

sensu.

Aquele artigo refere-se, já dissemos reiteradamente, também ao inquilino; ainda

quando o destino da coisa estiver ligado a uma relação contratual, como a locação,

continuará a ter atuação direta, principalmente nos casos de uso presumido.

Em suma,

“Toute difficulté relative à l‟usus du domaine commum doit donc être soumise, tout

d‟abord, à l‟épreuve de la question essentielle, qui domine toute activité individuelle sur ce

domaine: L‟acte litigieux est-il ou non conforme à la destination de la chose sur laquelle il

s‟exerce?” – (ROBERT BERNARD – op. cit., pág. 169).

LUIGI ABELLO chega a afirmar:

“L‟oggetto della locazione non è la cosa, ma l‟uso od il godimento suo: a questo

perciò conviene sem pre aver riguardo e ad esse è necessario sempre coordinare le

disposizioni tutte che, a meglio assicurarlo, e garantirlo, limitano la disponibilità della

cosa” – (Tratatto della locazione – pág. 363).

A exploração do imóvel assume particular importância no próprio conceito da

locação, pois, abandonando a velha distinção, consagrada ainda na maioria das legislações,

os Códigos suíço e alemão assentam a diferença entre a locação de prédios urbanos e

rústicos – não na situação, mas na matéria, na substância – um implica apenas o jus utendi e

o outro se estende ao jus fruendi, à exploração da coisa, com influência maior do elemento

pessoal, em quanto à cessão e sublocação e a passagem das obrigações aos herdeiros:

“Pour le bail à ferme, le concept d‟exploitation et pour le bail à loyer, celui le

l‟occupation traduisent le plus exactement la réalité économique. Ils sont à la fois de signe

distinctif des deux categories de baux et le principe de leur autonomie” – (P. VOIRIN – in.

Rev. trim. cit., 1930 – pág. 291).

Nos princípios que regem o contrato de locação, vamos encontrar a correlação a

princípio apontada:

Assim, o locador é obrigado:

- a entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças, em estado de

servir ao uso a que se destina e a mantê-la nesse estado, etc. – a garantir-

lhe o uso pacífico da coisa (Cod., art. 118989

).

A responsabilidade pelos vícios e defeitos anteriores, estabelecida, de modo geral,

no art. 110190

, é reiterada no art. 119191

, tomando maior extensão, aplicável que é aos fatos

ocorridos posteriormente, como, aliás, de modo mais expressivo, estatuem os códigos

alemão (art. 537) e suíço (art. 255). A regra genérica dos vícios redibitórios tem aplicação

mais extensa e rigorosa na espécie locação; fixado o destino da coisa alugada, a natureza

sucessiva dos direitos derivados desse contrato exige a constância da proteção até o seu

termo.

Por su vez, o locatário é obrigado:

- a servir-se da coisa para os usos convencionados ou presumidos, conforme a

natureza dela e as circunstâncias, etc. (Cód., art. 119292

, n. II).

Se a empregar em uso diverso do ajustado ou do a que se destina, pagará perdas e

danos, além de se rescindir o contrato (Cod. , art. 119393

).

Ainda o art. 1204, repete que, durante a locação, o senhorio não pode mudar a

forma nem o destino do prédio alugado.

89

Art. 566 do Novo Código Civil de 2002. 90

Art. 441 do Novo Código Civil de 2002. 91

Art. 568 do Novo Código Civil de 2002. 92

Art. 569 do Novo Código Civil de 2002. 93

Art. 570 do Novo Código Civil de 2002.

Interessam ainda ao destino da coisa os preceitos, que determinam a conciliação de

interesses, no caso de substituição de inquilinos de prédios rústicos (art. 1215, e excluem da

redução do aluguel, no de malogro da colheita (art. 1214), embora neste a regra jurídica,

por circunstâncias estranhas, contrarie a ordem natural dos fatos e tenha alterado o direito

anterior (Ord., 1. 4. tit. 27, M. I. CARVALHO DE MENDONÇA – Contratos, v. 2, § 193).

Também, regulando o contrato de comodato, o legislador atendeu ao destino da

coisa, não podendo o comodatário usá-la, senão de acordo com o contrato ou a natureza

dela (Cod. arts. 1250 e 125194

).

Conjugando, pois, esses dispositivos com o do art. 554 do Código, teremos

destacado o papel importante reservado ao destino da coisa, quer o decorrente da vontade

das partes, quer o defluente da sua própria natureza.

Qualquer que seja ele, deve atender à segurança, ao sossego e à saúde dos vizinhos,

podendo, contudo, a convenção melhor precisar os seus contornos, proibindo, por exemplo,

determinados gêneros de exploração comercial, a mantença de animais, o uso de fonógrafos

e aparelhos de rádio, as alterações de estética, etc.

Por outro lado, o locatário pode reclamar ao locador, fundado em tudo que

prejudique o destino convencional ou presumido, da coisa locada.

No exercício desses direitos, podem surgir situações, que reclamem a intervenção

da regra jurídica:

- entre proprietário vizinhos,

- entre proprietário e seu inquilino,

- entre proprietário e inquilino vizinho,

- entre inquilinos vizinhos,

- entre proprietário ou inquilinos e terceiros.

Ainda outras distinções podem ser estabelecidas:

- entre inquilinos de casas vizinhas pertencentes a um só dono ou co-

inquilinos da mesma casa,

- entre inquilinos e prepostos do proprietário, como os porteiros.

Entre proprietários e seus inquilinos é também destacável o caso especial de residir

aquele no prédio alugado.

94

Arts. 581 e 582 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.

Os tratadistas, ao apreciarem o contrato de locação de coisas, se demoram em

investigar todas as hipóteses acima formuladas, e ainda outras, que delas se aproximam,

como, por exemplo, a atividade do proprietário em quanto possa prejudicar o inquilino,

ensejando concorrência, isto é, alugando parte do mesmo imóvel, ou outro vizinho, de sua

propriedade, para gênero de comércio, semelhante ao do anterior inquilino.

Ultrapassaríamos os contornos delineados, se descêssemos a miudear todas essas

situações, apreciando o grão de responsabilidade a atribuir a cada um dos interessados

nesses conflitos: por outro lado, não haveria maior originalidade nessa análise.

Apenas salientaremos, em síntese, a discriminação da responsabilidade, girando em

torno da distinção estabelecida pela doutrina e destacada no nosso Código (arts. 1191 e

119295

, n. III), entre turbações de fato e de direito.

38 – Recordaremos, assim, somente, os pontos mais salientes para, ainda uma vez,

apanhar em flagrante a influência da destinação do imóvel e, em seguida, fazer o balanço

do que aqui pode ser apresentado.

ABELLO, por exemplo, explanando o conteúdo das obrigações atribuídas ao locador,

mostra que

“... sono informati tutti al criterio de la destinazione della cosa stessa. Quando il

conduttore ha enunciato lo scopo per cui addiviene alla locazione il locatore è tenuto a

garantire che la cosa locata sia adatta allo scopo medesimo” – (op. cit., pág. 359).

Apoiando-se na jurisprudência de seu país, abalizado tratadista invoca como caso

típico de rescisão contratual por imprestabilidade coisa em atingir o destino esperado o de

aluguel de prédio para ambulatório médico cirúrgico, cuja abertura não foi autorizada pela

administração municipal.

São comuníssimos, na prática alienígena, os pleitos decorrentes de insalubridade,

falta d‟água, esgoto, ou elemento indispensável ao uso da coisa, existência anterior de

destino prejudicial à saúde ou à reputação dos habitantes, como o alcouce e o hospital, e até

se serem as casas consideradas mal assombradas.

95

Arts. 568 e 569 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.

GUERIN ET HERVÉ (Les responsabilités du propriétaire d‟immeuble – pág. 77)

referem, mesmo, o caso de prédio construído de tal forma que toda conversa era ouvida nos

compartimentos próximos.

Entre os vícios da coisa locada enumeram BAUDRY LACANTINERIE et WAHL, ainda,

os defeitos de construção, o excesso de calor, a falta d‟água potável para o homem ou para

o gado, a umidade, as infiltrações, a inundação, as moléstias contagiosas anteriores que hão

contaminado o imóvel, que todos impedem ou tornam incômodo o seu uso.

Garantindo o uso pacífico da coisa durante a locação, não pode também o locador

praticar turbações de fato ou de direito, nem mudar a forma da coisa, locada, o que se

manifesta de variados modos, inclusive no ponto de vista moral, (l‟affectation) como a

locação de parte do imóvel para casas de tolerância ou tavolagem, ou estabelecimentos

rumorosos (escola, restanrante, circo, casa de fonógrafos) ou perigosos (pólvora,

inflamáveis, etc.), como explicam BAUDRY LACANTINERIE et WAHL (Contrat de louage – v.

I, §§ 481 e segs.) e B. PERREAU (op. cit., § 514).

FUBBINI esclarece:

“Non potrebbe il locatore transformare in cantiere, in cinematografo il cortile,

quando cio portasse danno ai conduttori della casa da lui affittata; cosi ancora il

conduttore che avesse da lui locato un appartamento con vista in un giardino, avrebbe

diritto a considerare violato il disposto dell‟art. 1579, qualora il locatore, costruendo un

edifizio nel giardino stesso, lo privasse della vista per tutta la durata del contratto di

locazione. Non é il fatto stesso della costruzione che importi come necessaria conseguenza

il risarcimento di danni, o la risoluzione della locazione, ma bensi unicamente la

privazione di un‟utilità qualsiasi a danno del godimento del conduttore (Il contratto di

locazione di cose – v. II – pág. 98).

Decidiu-se, entretanto, nos Estados Unidos:

“The question was presented in Holden V. Tidwell, 37 Okla. 553, 133, Pac. 54,

which holds that an assignee of a lease in which there is no covenant for quiet enjoyment,

except that implied in law, is not evicted by the act of another erecting a building on the

adjoining lot, and in the couse of its construction closing the windows in a party wall so as

to cut off the light and ventilation formerly enjoyed by the tenant” (Case and comment – v.

21 – pág. 245).

Se o locador é proprietário ou habitante do prédio vizinho tem também de, no seu

uso, respeitar as garantias a que está obrigado não agindo de modo a prejudicar o do prédio

locado.

Até o fato de terceiros prevalece a garantia contra os vícios na hipótese de privação

de ar e luz pelo levantamento de alto edifício no vizinho, ou por trabalhos públicos, que

alterem o nível da rua e tornem difícil o acesso ao prédio e escura e úmida a habitação –

(PLANIOL – op. cit., v. III, - § 1687).

Examinando especialmente o caso de morte do anterior locatário por moléstia

contagiosa, ABELLO não o considera vício, mas, dada a natureza transitória do incômodo,

mera degradação ou gasto, que deve ser reparado; entretanto, a Corte de Cassação de

Nápoles decidiu:

“La morte del precedente inquilino per tuberculosi costituisce un vizio della cosa

locata che dà adito alla risoluzione del contratto di locazione; l‟ignoranza da parte del

conduttore di tale decesso costituisce legittimo fondamento di un‟azione di nullità per

errore” - (Rev. Dir. Com., 1910, II, pág. 1025).

Também contamina o prédio a preexistência da má fama, salvo sua localização ou

qualidade das pessoas que o vão habitar, na mesma plana de moralidade.

Se a estadia no prédio é gravemente prejudicial à saúde, os arts. 544 do Código

Alemão e 354 do suíço, autorizam expressamente o locatário a rescindir o contrato

“... même s‟il avait connu ces defauts lors de la conclusion du bail ou renoncé à

s‟en prevaloir”.

Mais interessante é o caso das casas infestadas de espíritos, que FUBINI aprecia com

cautela:

“Solo nel caso in cui i fenomeni attenessere alla casa locata e si verificassero

sempre, qualunque fussero li inquilini, potrebbe parlarsi di un vizio della cosa. Ben dice il

SIMONCELLI che occorre che la credenza della apparizioni sia concretata in qualche cosa

di oggettivo, ma d‟altra parte non crediamo coll‟illustre civilista che basti la fama a dare

tale consistenza ogettiva al vizio, perchè, senza fatti concreti ed accetabili, il godimento del

conduttore non è punto minacciato (op. cit., pág. 119).

E MARIO D‟AMELIO, em estudo especial, reconhece também ser a casa mal

assombrada motivo para rescisão do contrato, embora salientando a dificuldade da prova,

maximé quando entre os habitantes da casa não se encontarem medium ou freqüentador de

sessões espíritas (Riv. Dir. Com., 1910, I – pág. 221).

Nestas condições, o pretor de Pomigliano fez resolver uma locação com aplauso do

arestista:

“Nel caso deciso dalla sentenza, non si tratta di fenimeni spiritici che turbano il

godimento della cosa; ma di una casa diffamata, perchè l‟opinione pubblica nel piccolo

paesetto la riteneva visitata dagli spiriti. Se questa voce pubblica rendesse molesta

l‟abitazione all locatario, è una questione di puro fatto, nella quale la questione spiritica

entra soltanto di riflesso”.

Sob o título de Law and Apparitions escreveu, nos Estados Unidos, W. W.

ACKERLY, advogado na Virgínia, interessante artigo, do qual extraímos este passo:

“But, as to the right of the tenant to have his contract annulled, the authorities are

not exactly in accord. The cases are generally settled, it is stated, in accordance with the

suggestion of ALPHENUS who says, in brief, tha the fezr must be genuine, and that reason

for no ordinary dread must exist. Hence, AUNAUT FERTON in his Customal of Gurgandly,

advises that “legitimate dread of phantasmes, which trouble men‟s rest and make night

hideous”, is good reason for leaving a house, and delining to pay the rent after the day of

departure. The Parliament of Grenada in on or two cases has recided in favour of the

tenant and against the landlord of houses where spectres rackted. And in an Irish case

decided in 1890 the tenant was allowed to give up the house withot paying his rent” –

(Case and Comment., v. 21, pág. 457).

Tão pouco, pode o locador, como já vimos, estabelecer ou permitir que outrem

estabeleça na casa locada uma indústria rumorosa, incômoda, insalubre ou imoral, e, até,

segundo ABELLO, comércio idêntico ao do locatário, fazendo-lhe concorrência prejudicial;

geralmente não se reconhece, entretanto, responsabilidade pelo fato do locador, salvo

cláusula em contrário, alugar parte do imóvel para o mesmo gênero de negócio do locatário.

Voltamos, portanto, à situação apreciada no capítulo anterior, em quanto aos

incômodos decorrentes da má vizinhança; FUBBINI, porém, observa que as conseqüências

devem ser, na locação, mais rigorosas:

“Infatti nel caso nostro gli è sole al contenuto dell‟obbligazione del locatore in

rapporto al godimento concesso al conduttore che conviene aver riguardo e non a criteri

che si applicano solo quando il rapporto verta tra persone non legate da alcun vincolo

contratuale. E che differenza profunda debbe intercedere tra le due ipotesi è dimostrato dal

fatto stesso che, mentre ardua è la ricerca dei giuristi per sapere quale sia la natura

dell‟elemento colposo, che da vita alla lesione da reprimersi del diritto altrui, qui non vi

può essere dubbio di sorta sulla natura di tale elemento insito nella violazione dei diritti

concessi al conduttore” (op. cit., pág. 465).

Na prática americana encontram-se casos como este:

“A property owner who negligently permits the system for draining the roof of the

entire building to become clogged so that water injures the property of a tenant of a single

storeroom in the building is held to be liable for the injury thereby inflicted in Longbotham

v. Takeoka, 115 or. 608, 239 Pac. 105, annotated in 43 A. L. R. 1285, on liability of the

landlord for damage to the property of a tenant due to defective condition of foundation,

walls or roof of building intended for the use of different tenants” – Case and Comment., v.

32 – pág. 112).

A gravidade das turbações praticadas pelo locador justifica até o exercício das ações

de denúncia de obra nova e de dano infecto contra ele por parte do locatário; assim observa

FUBBINI:

“E noto come scopo dell‟azione di danno temuto sia la tutela non solo della

propriétà minacciata, ma della sicurezza stessa delle persone abitanti il fondo, quindi nulla

di più evidente che il locatore, tenuto a garantire il pacifico possesso, possa venir azionato,

onde venga rimoso ogni pericolo di danno. La gravità della minaccia e l‟impossibilità di

ottenere coll‟azione derivante dal contratto una sufficiente od almeno un‟abbastanza

pronta tutela, sono sufficienti motivi per farci ammettere come tale azione spetti al

conduttore” – (op. cit., v. II, pág. 101).

39 – Nos nossos anais judiciários encontra-se pouca coisa em relação à matéria.

A 1a Câmara da Corte de Apelação, em acórdão de 23 de Setembro de 1918

redigido pelo Desembargador SÁ DE PEREIRA e contra o voto do Desembargador MACHADO

GUIMARÃES, obedeceu à seguinte motivação, no caso de haver um dos condomínios,

proprietário do terreno contíguo a prédio já arrendado para negócio de pensão, o alugado

para garage, atentando contra o uso pacífico do primeiro locatário, uma vez que, não se

garantindo os moradores e hóspedes a calma, a seguranção e o repouso, seria impossível a

exploração da pensão:

“A incompatibilidade entre os dois estabelecimentos é uma questão de fato provada

abundantemente nos autos, e, além disso, resulta do simples raciocínio, pois não se

compreende que possa medrar uma pensão de primeira ordem, que, pelo local de escolha

em que está situada, deve ser procurada por gente habituada ao conforto e habilitada a

procurá-lo, se o lado se estabelece uma garage pública; este raciocínio mais fortemente se

impõe se atendermos a que não se trata propriamente de uma garage, que traz à idéia um

estabelecimento com automóveis próprios, cuja locação explora, mas de uma remise, onde

qualquer motorista pode, mediante pagamento, depositar o seu carro e seus utensílios, óleos

e ferramentas, entrando e saindo a qualquer hora do dia e da noite, procedendo à sua

lavagem, naturalmente em trajos não convenientes à proteção da decência, todos em

comum, falando, chalaceando, e quantas vezes brigando, trocando injúrias ou simplesmente

fazendo algazarra, quando não sejam frases chulas ou obscenas; semelhante situação não

precisa ser prevenida no contrato para rescindi-lo, pois que a lei a previne, autorizando a

rescisão “caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava” (Cód. Civil. art. 119096

);

que a objeção baseada em ter sido o ato que autoriza a rescisão, praticado por um

condomínio, em prédio exclusivamente seu, não na pode estender aos demais que a

ignoravam, nem o poderiam praticar, não tem o valor que lhe dão esses condomínios, pois o

que há a verificar é se esse ato justifica ou não a rescisão; que, se o justifica, não se

compreenderia uma rescisão em parte, de modo a se dividir a locação numa parte válida, - a

de certos condomínios, e em outra irrita, a do que dera causa à rescisão; que, na hipótese, o

condomínio, único proprietário do prédio vizinho, que deu causa à rescisão, responde pelo

prejuízo, aos demais, - regra consagrada no art. 62797

do Código Civil, mas isto é questão

entre eles, com a qual nada tem o locatário”- (Rev. Dir., vol. 52, pág. 142).

Em quanto à falta d‟água decidiu a 3a Câmara da Corte de Apelação ser

insubsistente a alegação do dono de que o inquilino devia reclamar à Inspetoria, uma vez

provado que os prédios vizinhos eram abastecidos daquele líquido, sendo forçoso concluir

que o defeito se encontrava nos encanamentos do prédio de que se trata, ou seja, para além

do registro de entrada, até aonde vai a ação da Inspetoria de Águas, que, sabiamente, não

atende a reclamações fora desses termos. Improcedia também a alegação do locador, de

que, pagando, como pagava, a taxa respectiva, ao inquilino reclamante corria pedir

providência para o fornecimento da água; assim não podia ser, uma vez que o locador

estava obrigado a entregar a coisa alugada em estado de servir ao uso a que se destina e a

mantê-la nesse estado:

“Não há, portanto, como responsabilizar o inquilino por aluguéis posteriores à

época em que, justificadamente, premido por angustiosa situação, teve de deixar o prédio”

– (Arq. Jud., v. 8, pág. 232).

96

Art. 567 do Novo Código Civil de 2002. 97

Art. 1319 do Novo Código Civil de 2002.

40 – Passando à outra face do problema, isto é, ao uso pelo locatório, doutrinam

todos que deve obedecer aos termos do contrato ou à destinação da coisa, concorrendo para

fixá-la as condições de ambiente de ambiente e costumes locais.

Assim, a natureza urbana ou rústica e o fim de habitação ou de comércio influem

para fixação do destino.

Enfim:

“Conferiscono in particolare a fissare siffatta destinazione in ogni specie di

contratto locatizio la considerazione dello stato sociale ad economico delle persone

contraenti, dello stesso prezzo pattuito nel contrattoe la determinazione che

precedentemente constasse essersi fatta, ove i termini della locazione non mostrino

l‟intenzione nelle parti di mutare l‟antica destinazione della cosa” – (ABELLO – op. cit.,

pág. 499).

Mas, a primeira circunstância a apreciar é antiga destinação, que atua como

principal subsídio: assim, o locatário de prédio, sempre adaptado a residência particular,

não pode convertê-lo em albergue; também a profissão do locatário deve influir para

conhecer-se a intenção de modificar o antigo uso, salvo se foi indicada, incidentemente,

para simples identificação do contratante.

Em falta de cláusula expressa, entende-se contrariar o destino, o exercício da

prostituição, a conservação de um louco perigoso, a indústria prejudicial, a provocação

freqüente de rixas, o abuso no gasto da água paga pelo locador, os rumores excessivos; por

todos as conseqüência danosas responde ainda o locatário regressivamente, se há ação de

vizinhos contra o locador.

Perante a lei, a consideração do destino é de tal modo decisiva que sua alteração,

mesmo sem acarretar dano, constitui infração contratual.

FUBBINI assim o afirma:

“Gli è perciò che, anche allorquando il conduttore riuscisse a dimostrare che non

solo la proprietà non risenti danno dalla mutata destinazione, ma ebbe ad acquistar

pregio, potrebbe sottarsi alle conseguenze della sua violazione contrattuale” – (op. cit.,

pág. 298).

Melhor o explicam ainda BAUDRY et WAHL:

“L‟obbligazione d‟usare della cosa locata secondo la sua destinazione è distinta da

quella di usarne da buon padre di famiglia. Può infatti darsi il caso che il conduttore usi

della cosa locata da buon padre di famiglia, senza usarne secondo il suo scopo; per

esempio, se il locatorio di una casa destinada ad abitazioni la usa per un commercio

rimunerativo. In senso inverso, puô darsi che il conduttore usi della cosa secondo il suo

scopo e non da buon padre di famiglia; per esempio, se il fittaiuolo di una propriétà rustica

esaurisca le terre facendo mancare loro i concimi necessari. Donde viene che, se il

conduttore non usa della cosa da boun padre di famiglia, anche se ne usa secondo lo

scopo, egli non adempie ai suoi obbighi” – (op. cit., § 715).

Entre nós, J. O. LIMA PEREIRA escreveu:

“Empregar a coisa para os usos convencionados ou presumidos nada mais é do que

empregá-la de conformidade com o seu destino, que significa „o objeto, o fim para que se

reserva ou se designa alguma coisa‟ – (CANDIDO DE FIGUEIREDO, Dicionário da Língua

Portuguesa). Declarado ou não, o destino da coisa, em princípio conforma-se com a

natureza.

Em todo o caso, a vontade das partes é soberana, e nada impede, portanto, que por

convenção expressa, se dê à coisa alugada destino diferente daquele que decorre da sua

natureza.

Silenciando, porém, o contrato, a presunção da lei é que a coisa deve ser usada de

conformidade com o seu destino natural ou presumido, segundo as circunstâncias sob a

influência das quais o contrato se realizou” – (Rev. Jurídica, v. 15, pág. 18).

Em parecer publicado na Revista Forense, (v. 43, pág. 507) JAIRD LINS considerou

que a tirada de lenha, para venda, além das necessidades do próprio consumo, do mato,

nunca especialmente destinado a essa forma de exploração agrícola, salvo autorização

expressa no contrato, é vedada a locatário, porque as árvores não se consideram frutos da

propriedade, mas, apenas, simples produtos, que se não renovam periodicamente;

derrubando mato, o locatário, abusa, pois, de seu direito, desfalcando, na própria

substância, a coisa locada e tornando impossível sua devolução, findo o prazo contratual,

no mesmo estado e com a mesma capacidade produtiva em que a recebeu.

41 – Entre os nossos julgados encontram-se os seguintes, mais interessantes:

“A responsabilidade da apelante ficou evidenciada, por haver mal usado da coisa

locada, havendo imprudência em armazenar grande quantidade de inflamáveis no barracão

vistoriado, dada a sua proximidade de outras habitações e falta de aparelhagem.

O art. 119298

do Código Civil proíbe ao locatário usar a coisa locada para fins

diversos do contrato ou estranhos à finalidade presumível da coisa segundo a sua natureza”

– (Rev. dos Trib. , v. 79, pág. 151).

“E fora de dúvida que o réu, como locatário, embora só de uma parte do prédio,

podia se utilizar do quintal para o uso comum e indispensável à serventia da parte do prédio

alugado.

Mas o réu ampliou o seu direito a ponto de estabelecer um jogo de bolas no referido

quintal, com acesso a qualquer pessoa, de sorte que se formava grande aglomeração no

quintal impedindo o autor e a sua família de se utilizarem da parte dos fundos em que

habitavam” – (Rev. cit., v. 50, pág. 66).

A utilização para o meretrício, não sendo, em regra, de destino normal do imóvel

locado deve ser recusada ao locatário, salvo cláusula explícita do contrato.

Entre nós, a Ord. do 1. 4 tit. 24, autorizava a rescisão antecipada do arrendamento

de casa, entre outros casos, no do inquilino dar-lhe um destino ilícito, tal como o de

prostíbulo (M. I. CARVALHO DE MENDONÇA, op. cit., § 190).

98

Art. 569 do Novo Código Civil de 2002.

Entretanto, a jurisprudência sempre entendeu que se a casa estava situada na zona

destinada ao meretrício, pela autoridade pública, ou como tal conhecida, não se justificava a

concessão do despejo, pois os escrúpulos do proprietário, em regram, encobriam a avidez

de obter melhores lucros do novo arrendamento, que, certamente, estaria jungido ao mesmo

fim ilícito (v. g. Rev. do S. T. Federal, v. 72, pág. 174).

42 – Em quanto às perturbações dos vizinhos, entende-se, geralmente, que pode o

locatário reclamar do seu locador, se este tiver meio de impedi-las, reconhecendo-se,

porém, que sempre em relação ao uso anormal do imóvel contíguo podem pleitear

diretamente os locatários contra os ocupantes daquela.

Conforme a lição de PLANIOL;

“Le locataire que souffrirait d‟un métier incommode ou insalubre exercé dans son

voisinage, trouve dans les règles du droit commun, en matière administrative aussi bien

qu‟en matière civile ou pénale, le moyen de faire cesser, s‟il a lieu, cette incommodité” –

(op. cit., § 1685).

O concurso eletivo de ações que cabe ao locatário é assim explicado por ABELLO:

“I principii della colpa contrattuale, coll‟indurre preciso obbligo di rispondenza nel

locatore, possono, anche nelle molestie di fatto, per cui v‟ha azione diretta contro i terzi,

facoltizzare il conduttore ad agire contro il locatore, precisamente come nelle molestie di

diritto possono i principii della colpa aquiliana originare nel conduttore il diritto d‟agire

direttamente contro i terzi molestanti, oltre che contro il locatore coll‟actio conducti” –

(op. cit., pág. 443).

Por sua vez, o locador, qualquer que seja o êxito da ação do locatário, está livre de

acionar o turbador pelo dano, direto ou indireto, causado à propriedade.

Mas, tudo depende das circunstâncias de cada caso, pois o locador tem, em regra,

um interesse permanente e o locatário transeunte. Às vezes, porém a situação se inverte: o

locador pode, expirado o arrendamento, pretender fundar uma indústria, indiferente aos

incômodos da má vizinhança, e o locatário pode conformar-se com os inconvenientes do

mau uso, que, entretanto, constituem séria ameaça à própria substância do imóvel.

Os escopos diversos das ações de um e outro, não trazem, pois, embaraços

recíprocos; a aquiescência de qualquer deles não impede ao outro o exercício dos remédios

que lhe assistem, falhando, assim, muitas vezes, o critério clássico da distinção entre

turbações de fato e de direito, segundo a qual estas, envolvendo pretensão jurídica sobre a

coisa, devem ser combatidas diretamente pelo locador, que responderá ao locatário pelos

prejuízos.

Entretanto a Corte de Apelação de Turim, estribada nessa distinção, decidiu:

“Perciò il conduttore non può agire contro un tipografo vicino pel disturbo che

deriva dal rumore delle macchine, nemmeno allo scopo limitato del risarcimento dei danni.

Egli deve invece rivolgersi al locatore affinchè questo gli garantisca il pacifico uso dei

locali affittati”- (Riv. Dir. Com., 1917, II, pág. 52).

BONFANTE emite, porém, opinião contrária:

“Ma se l‟inquilino avanza reclamo sulla base dei rapporti di vicinanza, allora egli

può querelarsi indipendentemente cosi contro il locatore proprietario dell‟edifizi, che

affitta i locali sottostanti ad uso di garage per automobile, come contro l‟esercente lo

stabilimento finitimo, da cui proviene l‟altra fonte di rumore, o il proprietario dello stabile,

in cui esse alla sua volta ha sede‟ – (op. cit., pág. 873).

Na mesma corrente de idéias, como ABELLO e PERREAU, concedem ao locatário

contra terceiros ações específicas – nunciação e dano infecto, porque não têm um caráter

propriamente petitório ou possessório, revestindo, ao contrário, a natureza de medidas

extraordinárias e preliminares, legitimadas por qualquer espécie de posse.

43 – Inversamente, sofrem os locatários as conseqüências de seus atos prejudiciais

aos vizinhos, como ensina DEMOGUE:

“Elles peuvent être exercées contre le propriétaire, l‟usufruitier, le possesseur

actuel de l‟immeuble pour les obliger a le modifier et à le mettre en harmonie avec les

règles lègales. On peut même forcer le locataire à subir les travaux nécessaires à cet effet.

Tandis que les premières personnes sesont obligées de faire des travaux, lui les subira

seulement. Ce sera le cas si une construction de four, âtre a été faite sans précaution. Mais

les possesseurs, usufruitiers, propriétaires de l‟immeuble seront responsables de

l‟indemnité de façon solidaire dans la mesure ou ils ont profité de l‟ouvrage

dommageable” – (op. cit., § 704).

ROSSEL et MENTHA (op. cit., pág. 353), ressalvando sempre a responsabilidade do

dono, decorrente apenas dos deveres ligados à propriedade, e não da culpa, consideram

insubsistentes para elidi-la as alegações de velhice, moléstia, ausência ou incapacidade,

como justificativas do não exercício da necessária vigilância.

Os co-inquilinos, como os inquilinos de casas vizinhas, pertencentes ao mesmo

dono, são considerados terceiros, pouco importando que o ofensor ou o prejudicado

derivem seus direitos da mesma ou diferente pessoa.

As turbações entre co-inquilinos são consideradas ou não de direito, para regular a

responsabilidade do locador, se ultrapassam, ou não, os limites da convenção ou destinação

normal da coisa locada; exemplificando, entendem BAUDRY et WAHL que o exercício da

prostituição e a introdução de um animal perigoso são turbações de direito.

Da mesma forma, se o locatário pretende usar da coisa de acordo com a locação,

fundando indústria ou insatalando marquise na loja, em detrimento dos ocupantes do andar

superior. Nesses casos, o proprietário é responsável, considerado infrator da própria

obrigação.

Se, porém, o locatário, não alega o exercício de um direito e acarreta prejuízos por

culpa acidental, como se deixa abertas as torneiras inundando o andar de baixo ou sacode

tapetes na janela do vizinho, queima materiais com fumaça ou odor incômodos, o

proprietário não é responsável, porque:

“... il n‟existe contre lui aucun principe d‟action; il n‟a contrevenu à aucune

obligation née du bail, il n‟a commis aucune faute, et d‟autre parte ses locataires ne sont ni

ses préposées ni ses élèves: ce sont des citoyens indépendants, qui doivent seuls porter la

responsabilité de leurs actes” - (PLANIOL, op. cit., § 1648).

PERREAU (op. cit., § 526) censura decisões em contrário, fundadas na

responsabilidade do locador por má escolha de seus inquilinos.

Nos Estados Unidos prevalece a mesma conclusão:

“As the duty of landlord with respect to the portion of the premises, remaining

under his control, and which is used in commun by his tenants, is only to keep them

reasonably safe in all respects, a landlord of premises the rooms in which are separately

let to different tenants in not liable for injuries to the wife of a tenant who falls off a flight

of steps leading from the street to the front door, by reason of the absence at the sides of

any protection other than a coping about 8 inches high”- LUCY v. BAWDEN (1914) K. B.

318 (Case and comment – v. 21 – pág. 164).

Entretanto, a regra cede, quando o locador permite a moléstia ou, conhecendo-a, não

a impede, tendo meios de impedir.

DEMOGUE considera, porém, excessiva a conclusão nesse último caso, salvo se o

locador, arrendando o prédio para indústria, não cuidou de compelir o locatário a tomar as

cautelas necessárias.

Sistematizando a matéria, FUBBINI chega às seguintes conclusões:

“1o - Il locatore non risponde per le malefatte del conduttore, non essendo suo

rappresentante neppure relativamente all‟esercizio del godimento, che rientra

nell‟economia del conduttore stesso.

2o – Il locatore risponde verso i terzi quando contrattualmente abbia concesso

quell‟uso da ciu provenne danno.

3o – Il locatore risponde dei danni che per la cattiva disposizione della cosa o per

difetti della cosa stessa siano stati causati a terzi” – (op. cit., pág. 797).

Acordemente os tribunais decidem:

“Il proprietario di un edifizio, in cui si esercita clandestinamente il meretricio,

risponde tanto per la culpa in committendo, quando abbia autorizzato l‟inquilino

all‟esercizio medesimo, quanto per la culpa in omittendo, quando tale esercizio non abbia

impedito” – (Cass. de Fireuze – Riv. Dir. Com. – 1913 – II – 613).

De todo o exposto se conclui que o elemento decisivo para a discriminação da

responsabilidade deriva da destinação da coisa, que se há de apurar precipuamente.

CONCLUSÃO

44 – Concluindo, assentamos as seguintes proposições:

1o – o destino das coisas, natural ou artificial, material ou intelectual, influi

decisivamente na constituição da regra jurídica;

2o – assim, a lei atende, por maneiras diversas, à dependência entre imóveis, antes

ou depois de sua exploração;

3o – por igual, a utilização das coisas é protegida pela lei, principalmente em

atenção aos interesses de ordem econômica, e, secundariamente, a preocupações de moral,

de estética, e de comunidade;

4o – o modo de ser das coisas e sua dependência recíproca influem no exercício, não

só de direitos reais, como no dos pessoais;

5o – deve ser reconhecida, entre nós, a constituição de servidões por destino do

proprietário;

6o – esse modo constitutivo aplica-se às servidões aparentes, contínuas ou

descontínuas;

7o – particularmente, em relação aos imóveis, a utilização respectiva é regulada sob

a inspiração do interesse coletivo e, ainda, tendo em vista a saúde, a segurança e o sossego

dos vizinhos;

8o – esse princípio apresenta aplicações significativas, especialmente nas relações

decorrentes do contrato de locação.