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DESTINAÇÃO DO IMÓVEL
Filadelfo Azevedo
CAPÍTULO I – Natureza do imóvel
1- Conceito de direito real
2- Função jurídica da coisa
3- Conceito de imóvel
4- Divisão dos imóveis
5- Acessão
6- Autonomia
CAPÍTULO II – Dependência entre imóveis, anterior à sua utilização
7 – Utilização compulsória
8 – Subordinação natural e legal
CAPÍTULO III – Dependência entre imóveis, posterior à sua utilização
9 – Exploração
10 – Preeminência do solo
11 – Divisibilidade do imóvel
12 – Dependência recíproca
13 – Influência da destinação
CAPÍTULO IV – Servidão por destino do proprietário
14 – Posição do problema
15 – Direito anterior
16 – Histórico
17 – Sistema do Código Civil
18 – Diversidade de titulares
19 – Presunção de plenitude do domínio
20 – Ampliação dos direitos reais
21 – Título
22 – Registro
23 – Direito estrangeiro e direito brasileiro
24 – Jurisprudência
25 – Servidões descontínuas aparentes
26 – Jurisprudência
CAPÍTULO V – Propriedade por andares ou apartamentos
27 – Histórico e atualidade
28 – Construção jurídica
CAPÍTULO VI – Vizinhança
29 – Restrições à propriedade
30 – Alcance das restrições
31 – Fórmula do Código Civil
32 – Discussão jurídica
33 – Critérios de aplicação
34 – Sanções
35 – Jurisprudência estrangeira
36 – Jurisprudência nacional
CAPÍTULO VII – Locação
37 – Critério da destinação
38 – Obrigações do locador
39 – Jurisprudência
40 – Obrigação do locatário
41 – Jurisprudência
42 – Perturbações dos vizinhos
43 – Perturbações aos vizinhos
CONCLUSÃO
44 - Proposições
CAPÍTULO I
NATUREZA DO IMÓVEL
1 – Bacon, ao assentar as bases da moderna indução, preconizou a tortura da
natureza, pelos processos experimentais, que desenvolveu na sua Instauratio magna.
Na ordem conceitual, têm os juristas e filósofos usados de análogos processos de
tortura, ao analisar os elementos constitutivos do direito.
A essa dissecação anatômica tem resistido o elemento sujeito, dada a persistência de
opiniões, respeitáveis, no sentido de negar a sua revelação em alguns casos.
Pacífica é, porém, a asserção de que a coisa não pode assumir a função de sujeito,
afora certas extravagâncias de atribuí-la a animais e plantas.
O Código Civil Português dispôs no art. 369:
“Coisa diz-se em direito tudo aquilo que carece de personalidade”.
Mesmo apreciada como objeto de direito, a coisa tem descido a um plano inferior;
na conceituação dos direitos reais, por exemplo, a opinião de que consistem na submissão
direta da coisa ao poder da pessoa, como relação entre esta e aquela, tem cedido a passo à
concepção do vínculo universal entre um sujeito ativo, determinado, e todos os outros
sujeitos passivos, obrigados a respeitá-los:
“Il diritto subbietivo è sempre potere giuridico e un potere giuridico non è
concepibile se non di fronte ad altri soggetti, perchè esso in fondo non è, da parte del
soggetto, che una facoltà di pretendere, o un insieme di pretese, e le pretese non possono
affermarsi se non di fronte ad altri soggetti simili a lui. Perció il diritto subbiettivo é
sempre in tutto le sue manifestazioni, un rapporto fra uomini, imposto e autorizzato e
tutelato dalla norma” – (VINCENZO MICELI – Il concetto della proprietá – 1927, pág. 108).
COGLIOLO mostra que, falando propriamente, os objetos materiais não são capazes
de direito; o vínculo entre a pessoa e a coisa é um fato econômico e social que só se torna
jurídico pelos efeitos que o direito assegura (Filosofia del Diritto Privato,pág. 162).
Já o nosso JOSÉ DE ALENCAR (A propriedade) dizia:
“O direito é sempre pessoal, porque ele não pode existir senão de pessoa a
pessoa; não amputem no direito real o paciente da relação e não desfigurem no direito
pessoal a obrigação e todos participarão da mesma natureza” – (pág. 43).
2 – Fora, porém, de qualquer dúvida, é a impossibilidade de se formar a relação
jurídica entre coisas.
A função dos bens é, antes, de conteúdo do direito, formado entre seus donos, ou
entre estes, e terceiros.
Mas, nem por isso, pela inferioridade do seu papel no conceito da relação jurídica,
perde o estudo das coisas qualquer importância na técnica do direito.
O seu modo de ser e a dependência física que podem ter, reciprocamente
consideradas, hão de repercutir na formação e modificação do direito, afetando o poder do
sujeito.
Atingido o bem, direta ou indiretamente, como conteúdo, incidência ou mero
veículo, o direito não pode fazer tábula rasa da sua constituição e natureza: há de
conformar a atuação do sujeito ao modo de ser, natural ou artificial, das coisas, atendendo
aos fins de sua utilização.
Assim, se desinteressa o jurista dos bens, que não ensejam um resultado qualquer à
ação do homem.
ALEXANDRE GOROVTSEFF pretende ainda aprofundar e ampliar a noção:
“Por ma part, je me serais permis de proposer, pour la deuxième de ces
notions, c‟est-à-dire pour les points d‟attachesur lesquels porte l‟action du véritable objet
en Droit – la liberté naturelle du sujet, la denomination de sub-stratum, qui me semple le
mieux convenir pour exprimer l‟idée qui se trouve à la base même de tous les
raisonnements présentés plus haut. Ainsi, par exemple, pour le droit portant sur une chose,
c‟est bien la liberté naturelle du co-sujet qui fait l‟objet de ce droit; et quant à la chose
elle-même c‟est justement par le terme de sub-stratum, que pourrait être définie d‟une
manière adéquate, sa situation dans le monde des notions juridiciques dont il s‟agit – Tout
pareillement la créance fait, elle aussi, le sub-stratum du droit correspondant, dont l‟objet
est, comme toujours, la liberté naturelle du co-sujet” – (Etudes de Principiologie du droit,
1928, pág. 38).
3 – Sistematizar a influência que a utilização das coisas exerce na formação do
direito, será o nosso escopo, no presente trabalho.
A extensão do assunto obriga-nos, porém, a fazer, desde logo, um cerceamento da
matéria: limitar-nos-emos à apreciação dos imóveis, onde mais saliente se manifesta a
influência de sua natureza e utilização.
Abandonaremos, assim, as classificações, que interessam primordialmente, aos
móveis, como as relativas ao consumo e à troca.
Também não nos interessará a divisão das coisas em singulares e coletivas,
justamente porque, em relação à terra, a noção é, em regra, inútil.
De fato, a singularização da terra é obra arbitrária do homem, em face da
continuidade do solo; vários terrenos contíguos podem reunir-se, formando um todo, e este
pode ser repartido para constituir novas unidades – só os móveis oferecem individualidade
distinta no espaço:
“Per i terreni, data la continuitá materiale del suolo, l‟unità delle varie
parti è data dalla volontà dell‟uomo più che della natura. Invece le cose mobili in generale,
si presentano como unità naturalmente limitate nell‟estensione”- (COVIELLO – Manuale di
diritto civile italiano – Parte generale – 4a ed., § 81).
O art. 1689 do nosso Código Civil1 ainda o demonstra.
Tratando-se, ademais, de estudo com caráter objetivo, experimental, em quanto
compatível com a matéria, afastaremos tudo quanto não coincidir com a natureza corporal
do imóvel.
1 Art. 1922 do Novo Código Civil de 2002.
Não nos preocupamos, portanto, com os chamados imóveis por objeto ou por
determinação da lei, criação arbitrária, exigida por circunstâncias estranhas ao ponto de
vista em que nos colocamos.
4 – Pretendendo versar o assunto preferencialmente em face do direito nacional,
tomaremos como ponto de referência a técnica do nosso Código Civil, fazendo, todavia, o
estudo comparativo, que se tornar mister.
A duas classificações teremos de nos apoiar – em quanto ao conceito de imobilidade
e em quanto à dependência recíproca.
O Código separou, em capítulos diversos, a apreciação dos bens considerados em si
mesmos e reciprocamente; mas, o rigor da lógica talvez não autorizasse a distinção, pois a
dependência se insinua na própria fixação do caráter imobiliário.
Os imóveis não podem ser concebidos isoladamente, mas sempre em relação com
os vizinhos, com os quais estão natural e continuamente em contato:
“Solo le cose mobili sono nella loro estrinseca sussistenza cosi isolate, che
può benissimo usare di una di esse senza perciò influire sulle altre; la natura stessa le ha
constituite enti individuale. Rispetto alle cose immobili invece non è di regola la natura,
ma è l‟uomo (ossia la volontà, il diritto) che ne ha formato un individuo, ossia speciale
oggetto di proprietà. La distinzione e separazione di un fondo da un altro, sia pur fatta
palese con segui estrinseci (fossi, muri, siepi e cosi via) non riesci a togliere il rapporto
naturale di connessione e di reciproca dependenza. É quasi impossibile di usare
isolatamente per sé stesso: la natura medesima ha quindi in certo modo indicato un
rapporto di mutuo servizio e di mutua tolleranza, che rende inescogitabile l‟applicazione
del principio dell‟isolamento di fatto e di diritto” – (C. FERRINI – Servitù prediale – 2a ed. –
pág. 130).
A elaboração do texto, na parte relativa à classificação dos bens, foi muito agitada:
CLOVIS BEVILAQUA, explicando sistemas até então dotados, manifestou sua preferência
pelo de TEIXEIRA DE FREITAS, modificado.
A nós nos pareceria, entretanto, preferível o seu sufrágio integral. De fato, assaz
defeituoso, como reconhecia o notável codificador, é o sistema franco-italiano, que
considera no mesmo plano – imóveis por natureza – o solo (fonds de terre, terreni) e os
edifícios, como ainda moinhos, frutos, canos e até animais; e, dos imóveis por destino, faz
longa e arbitrária enumeração.
O Código português distingue os prédios em rústicos e urbanos, consistindo aqueles
no solo e estes nos edifícios que lhe estão incorporados (art. 374).
O alemão se orienta pelo critério econômico, distinguindo as partes integrantes, das
dependências e embora o principal seja o terreno, a terra, o solo (§ 94), a ele se unem as
construções e produtos, formando um todo, economicamente considerado.
O suíço enumera como imóveis, além dos direitos registrados, apenas os bien-fonds
e as minas (art. 655) e o argentino se aproxima da construção integral de TEIXEIRA DE
FREITAS.
Vejamos o Esboço:
“Art. 396 – O solo unicamente é imóvel por natureza, a saber, o agregado de
suas partes sólidas, e fluídas, não suscetíveis de movimento, que formam sua superfície e
sua profundidade e altura perpendiculares”.
Em seguida, cogitava da acessão, dividida em original e acidental, esta em relação
ao solo ou aos seus acessórios.
A propósito de emenda, de DUARTE DE AZEVEDO, propugnando pela fórmula de
FREITAS, disse o relator da Câmara, AZEVEDO MARQUES:
“No primeiro tipo de imóveis eu consignaria somente o solo, que o é por
excelência e somente pela natureza” – (Trabalhos de Código, v. 3, página 42).
Essa é também a lição de EDUARDO ESPINOLA:
“... o bem imóvel por excelência é o solo” – (Breves anotações, pág. 155).
Nas Pandectas francesas se encontra:
“Le sol, les fonds de terre, les tréfonds voilá les veritables immeubles par
nature. On ne considère ni l‟utilité qu‟on retire ni le mode de culture ou d‟exploitation. La
terre, inculte ou couverte de produits, conserve son caractère essentiel; c‟est toujours un
immeuble” – (v. 13, pág. 48).
Ainda COVIELLO:
“Tale (immobili) a dir vero, non sono che i soli terreni sebbene la legge
consideri como immobili per natura gli edifici, gli alberi ecc” (op. cit, § 75),
e ERNESTO DE LA VILLE:
“Il vero e solo immobile naturale è la terra, gli altri sono artificiali, perchè
formati dalla mano dell‟uomo. Giammai avvenne che una qualsiasi fabbrica, od anche un
semplice muro a secco, sia stato fornito dalla natura in un momento primitivo. É dunque
una finzione giuridica chiamar le fabbriche immobili per natura” – (Trattato della servitù
prediali – 1906 – pág. 34).
Somente o artificialismo justifica a técnica do moderno direito russo que,
assentando a nacionalização da terra e suprimindo a distinção entre bens móveis e imóveis,
só considera as concessões, sob forma de usufruto, urbano ou rural, ou de direito de
construção, de sorte que:
“Le droit au terrain est ici une véritable dépendance juridique du bâtiment
et la loi soviétique purrait être formulèe comme suit – la propriété du dessous comporte
l‟usufruit du sol”- (ELIACHEVITCH, TAGER et NOLDE – Traité de droit civil et commercial
des soviets – Paris – 1930, t. III, § 111).
5 – O que, porém, de mais defeituoso consideramos no Código é o art. 61, inútil e
até contraditório, a despeito de sua elaboração haver sido também muito castigada.
A princípio, eram considerados acessório do solo o espaço aéreo, os produtos
orgânicos, o subsolo, com os minerais, e as obras.
DUARTE DE AZEVEDO e ANDRADE FIGUEIRA impugnaram a qualificação de
acessórios para o espaço aéreo e o subsolo, acrescentando que, por dispositivo anterior, já
constituíam eles partes integrantes do solo e não meros acidentes.
Foram suprimidas as referências a tais situações.
FERREIRA COELHO opina que resultou dissonância, porque, com a atual redação do
art. 432, passaram, de novo, o subsolo e o espaço aéreo e acessórios.
Mas, assim, não deve ser entendido o preceito, como demonstrou exaustivamente
SÁ PEREIRA, na interessante análise do art. 5263.
Tão pouco, a superfície se poderia considerara acessório do solo, e, assim, foi
destacada no segundo texto do Código (decreto n. 3725 de 1919), embora deixando ainda
lugar a dúvidas.
Deve concluir-se, ao revés, pela inutilidade do art. 61, eis que bastantes são as
regras dos arts. 43 e 594.
Com efeito, o melhor sistema seria o de conceituar como imóvel per se apenas o
solo, compreendendo o espaço aéreo e o subsolo, salvo as minas, como no Código Civil
suíço, assim entendido por abalizado comentador:
“Les bien fonds – ce sont lá les immeubles par excellence, consistant en une
partie geometriquement limitée du sol, de la superface terrestre; et ces immeubles
comprennent leur parties integrantes, mais non les accessoires, qui restent des meubles,
bien qu‟ils suivent le sort juridique de la chose principale” – (ROSSEL et MENTHA – manuel
du Droit Civil Suisse – v. 2, § 1228).
Os demais elementos decorreriam de mera acessão, originária ou artificial; para dar-
lhes o caráter imobiliário, aí estaria o art. 595.
2 Art. 79 do Novo Código Civil de 2002.
3 Art. 1230 do Novo Código Civil de 2002.
4 Arts. 79 e 92 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.
Mas, considerá-los todos imóveis, como faz o art. 436, e, depois, chamá-los de
acessórios, no art. 61, é que nos parece algo contraditório, tanto mais quanto a acessão
intelectual, com grande latitude que se lhe deu, sem dependência de fim econômico, mas
ampliada ao aformoseamento e à comodidade, ficará em plano superior à física, pela regra
exclusio alterius.
Assim, o art. 61, exige a circunstância da aderência para as obras, que serão
imóveis, mas acessoriamente; o que, entretanto, for empregado de modo intencional, sem
aderência, será imóvel principalmente, privilegiando-se o que COLIN et CAPITANT chamam
o destino suntuário (Cours elementaire de droit civil – 4a etc., v. 1, pág. 688), ou melhor,
segundo a nossa técnica, voluptuário.
A teoria da acessão é, pois, algo indecisa no Código: os acessórios que, pelo art.
437, têm caráter principal, considerados imóveis por destino, voltam, pelo art. 61, à
categoria secundária de simples dependência do solo: minerais, produtos orgânicos e obras
aderentes, além das bem-feitorias, qualquer que seja o seu valor.
Nos arts. 810 e 8118 confirma-se o último princípio, em quanto aos acessórios,
acessões, melhoramentos ou construções, já destacada, porém, a figura autônoma da mina.
Os imóveis por destino não têm, portanto, autonomia, nem são diversos dos por
natureza, a que aderem.
Não se pode deixar de concluir, pois, que a técnica é defeituosa: um dos textos é
supérfluo – ou se dá autonomia a certos acessórios, considerando-os imóveis por destino,
ou se os mantêm em mera subordinação, mas, para tal, já bastaria o preceito genérico do
art. 599.
Qual a vantagem, portanto, da classe dos imóveis por destino, se continuam sujeitos
à regra de predomínio do principal?
MAURICE PICARD opina, aliás, pela supressão da acessão intelectual
“... source de difficultés constantes et, peut-être, la creation la plus inutile
du droit moderne”- (PLANIOL et RIPERT – Traité de Droit Civil, v. 6, § 77).
5 Art. 92 do Novo Código Civil de 2002.
6 Art. 79 do Novo Código Civil de 2002.
7 Art. 79 do Novo Código Civil de 2002.
8 Arts. 1473 e 1474 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.
9 Art. 92 do Novo Código Civil de 2002.
Nenhum daqueles elementos pode existir sem o solo, que é o principal:
“Les parties intégrantes soni des choses qui, au point de vue économique et
juridique, ne présentent pas les qualités d‟objets indépendants, mais qui sont absorbées par
un autre objet, la chose principale. Les constructions et les végétaux sont, par exemple, des
parties intégrantes du sol, les matériaux le sont du bâtiment” – (C. WIELAND – Les droits
réels dans le Code Civil Suisse – v. 1 – pág. 28).
Assim o Código Brasileiro vem a incidir no mesmo defeito da orientação franco-
italiana, de enumerar como imóveis, indistintamente, terras e edifícios.
Não em si mesmas, mas só reciprocamente consideradas poderiam ser declaradas
imóveis as construções e plantações em geral.
O edifício que se junta ao solo perde sua individualidade, formando com este um só
todo e não mero acessório, que conserva sua individualidade.
Outros dispositivos do Código desautorizam, aliás, uma construção rigorosa: ao
lado dos que são corolários do art. 5910
, v. g. os arts. 810, 81111
, empregando os termos
acessórios e acessões, 864, 86812
, falando já em acrescidos, 872 e 170613
, encontram-se
outros dele destoantes; assim,
- o art. 170814
, n. I faz caducar o legado, quando a modificação da coisa
importa em supressão da forma ou mudança de denominação e JOÃO LUIZ
ALVES o aplica ao caso de construção em terreno vago (Cod. Civil, 2a ed.,
página 1240);
- o art. 168915
exclui do legado de imóvel as novas aquisições, ainda que
contíguas, fórmula trazida do Código Português, pela Comissão revisora e
bem inferior.
10
Art. 92 do Novo Código Civil de 2002. 11
Arts. 1473 e 1474 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 12
Arts. 233 e 237 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 13
Arts. 241 e 1937 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 14
Art. 1939 do Novo Código Civil de 2002. 15
Art. 1922 do Novo Código Civil de 2002.
Em verdade, porém, no sistema brasileiro só é imóvel, principalmente, o solo, com a
compreensão fixada nos artigos 43, n. 1 e 52616
; muito superior é, portanto, a técnica dos
Códigos alemão e suíço, que o dizem expressamente, embora sem abandonar, quando
necessário, o critério econômico, que os informa.
O elemento histórico ainda elucida:
“É per questa ragione che I Romani non hanno tecnicamente usato la
espressione res immobiles nelle loro prime leggi, ma si sono invece serviti dell‟altra res
soli” – (VITTORIO SCIALOJA – Teoria della proprietà nel diritto romano – 1928 – v. I –
página 61).
6 – Acabamos de ver que o principal, no imóvel, é o solo.
Mas, essa substância só, em abstrato, poderia ser considerada absolutamente
independente, sem acessórios – o solo despido, nu.
À superfície, elemento preponderante, como ficou evidenciado pela correção do
texto, operada pela lei 3725, de 1919, por sugestão de EPITÁCIO PESSOA, se ligam as
adjacências e acessórios naturais: o espaço aéreo e o subsolo, as árvores e os frutos
pendentes (art. 43, n. 117
) ou os produtos orgânicos da superfície e os minerais contidos no
subsolo (art. 61, ns. I e II).
Nem a superfície pura, simples expressão geométrica, poderia interessar ao Direito:
“I terreni però non debbono riguardarsi come nuda superficie geometrica,
ma come formanti una cosa sola con ciò che sta sotto il suolo e con lo spazio che si troba
al di sopra” (COVIELLO – op. cit., § 75).
Mas, já em relação às minas, o art. 810 n. VI18
antecipou a construção de sua
autonomia, consagrada expressamente nas leis ns. 2933 de 1915, anterior, apenas
aparentemente, ao texto do Código, e 4265 de 1921.
Os princípios desta merecem recordados:
16
Art. 79 e 1230 do Novo Código Civil de 2002. 17
Art. 79 do Novo Código Civil de 2002. 18
Art. 1473 do Novo Código Civil de 2002.
“Art. 5 – A mina constitui propriedade imóvel, acessória, do solo, mas
distinta dele.
Parágrafo único. – São consideradas parte integrante da mina as coisas destinadas
permanentemente à sua exploração, tais como servidões, obras de arte, construções
subterrâneas e superficiais, máquinas e instrumentos, animais e veículos empregados no
serviço da mina, o material do custeio e as provisões em depósito.
Art. 6 – É permitido ao proprietário separar a mina do solo para o fim de a
arrendar, hipotecar ou alienar, e pode fazê-lo com relação à propriedade do solo, reservando
para si a da mina”.
Reconhecida essa dualidade de imóveis superpostos, destacada expressamente, para
permitir o conteúdo separado de direito em relação ao solo e à mina, passamos a apreciar o
comportamento das coisas, seu destino, sua utilização.
O aspecto fundamental da utilidade, além da regra do art. 69, ficou consagrado no
art. 52619
, ao restringir a amplitude da propriedade imóvel acima e abaixo da superfície, sob
a medida do interesse.
E só na medida do interesse, que possam despertar, qualquer que ele seja, há de
preocupar ao direito a existência dos bens.
Sem nos desviarmos, para tender a outros pontos curiosos, qual a crítica da fórmula
do art. 526, já magistralmente feita por SÁ PEREIRA (Manual Lacerda – vol. 8, págs. 46 e
47) vamos apreciar o imóvel nos dois momentos:
- anterior e posterior à sua utilização pelo homem.
E os destacaremos, apenas como preliminar necessária ao estudo do modo de ser
dos imóveis, em relação a outros bens da mesma natureza, com que venham a ter contato,
próximo ou remoto, e os de caráter móvel, que a eles vão aderindo.
19
Art. 1230 do Novo Código Civil de 2002.
CAPÍTULO II
DEPENDÊNCIA ENTRE IMÓVEIS, ANTERIOR À SUA UTILIZAÇÃO
7 – Objetar-se-á, logo, que o imóvel antes de sua utilização não deve interessar ao
direito – está exatamente na situação das coisas ditas inapropriáveis, que escapam à atuação
jurídica.
Bem conhecida é, porém, a evolução do conceito de propriedade.
Apreciemo-lo rapidamente, sem tocar nos extremos do comunismo:
“Le sol est propriété de l‟Etat et ne peut être objet de commerce privé. La
possession sur le sol n‟est admise que sur la base de droits de jouissance” – (Cod. Civ. da
Rússia, 1923, art. 21).
e do fascismo, em cujo programa, concretizado na Carta del Lavoro, se encontra:
“Lo Stato riconosce la funzione sociale della proprietà privada; la quale è
insieme un diritto ed un dovere. Essa è la forma di amministrazione che la società ha
storicamente delegata a gl‟individui per l‟incremento del patrimonio stesso”.
O Estado corporativo, declara a proposição VII da Carta, considera a iniciativa
privada no campo da produção como o instrumento mais eficaz e mais útil ao interesse da
nação, mas:
“... l‟organizzazione privata della produzione è una funzione d‟interesse
Nazionale; e perciò l‟organizzatore dell‟impresa è responsabile dell‟indirizzo della
produzione di fronte allo Stato, il quale può intervenire nella produzione economica
quando manchi o sia insufficiente l‟iniziativa privata, o quando siano in gioco interessi
politici dello Stato. E l‟intervento può assumere la forma di controllo,
dell‟incoraggiamento, della gestione diretta” (propos. IX) – (LUIGI MASUCCI –Il contenuto
della proprietà di fronte al nuovo diritto pubblico – 1931 – pág. 38).
A Constituição alemã (art. 153, III) já declara que a propriedade obriga; seu uso
deve ser, ao mesmo tempo, um serviço prestado ao interesse geral; a cultura e a valorização
do solo são obrigações do proprietário para com a comunidade (art. 155).
Vejamos agora a opinião de um jurista filósofo, com orientação bem equilibrada:
“Ció posto, è facile comprendere che il diritto di proprietà si deve intendere,
quale un potere sulla cosa, e, in pari tempo, quale un dovere di usarla secondo una bene
intesa utilità individuale e sociale. Il potere deve certamente avere un carattere esclusivo.
Ma, sotto un altro aspetto, questo potere non può essere infeso in modo assoluto ed essere
quindi abandonatto interamente all‟arbitrio del soggeto, poichè allora la proprietà
assumerebbe quel carattere individualistico, che non si trovarebbe più in armonia con le
esigenze sociali, che lo giustificano, ne col principio etico, che ne costituisce il fondamento
primo. Onde questo diritto implica limiti numerosi, che vanno anzi crescendo con lo
sviluppo della cooperazione e della solidarietà sociale; limiti che possono perfino
determinare il modo come quel potere dovrà essere esercitato nell‟utilizzazione della cosa”
– (VICENZO MICELLI – op. cit. – págs. 102 e 298).
A de outro:
“Quando il potere sociale convenne di assicurare e fareassicurare la vostra
proprietà, credete voi che lo abbia fatto e lo faccia per i vostri begli occhi? Sapete voi che
sempre in questa protezione sta sottintesa la clausola che soddisfatti i vostri bisogni, sia
col godere, sia col contratare, voi non togliate ad altri quei beneficii che la natura
comporta ai vostri consociati?” – (ROMAGNOZI – Della ragione civile della acque nella
rurale economia – página 82).
E o nosso SÁ PEREIRA, na sua frase elegante:
“Para que, portanto, a propriedade, com aqueles caracteres, pudesse ser
socialmente exercida, ajuntou-se a cada um deles um temperamento especial: ao seu
absolutismo, as limitações; ao seu exclusivismo, as servidões, e à sua perpetuidade, a
expropriação” – (Decisões e julgados – pág. 283).
A aplicação que mais nos interessa, no momento, é a do problema da exploração da
terra.
Considerando a faculdade do proprietário deixar inculta a terra, de não beneficiá-la,
MASUCCI a equipara a uma subtração das vantagens da coisa ao patrimônio nacional, a um
abuso social, se não também jurídico, pois o Estado não reconhece a propriedade como
domínio absoluto da pessoa sobre a coisa, mas a regula como a mais útil das funções
sociais.
O único título legítimo sobre qualquer meio de produção e troca é o trabalho:
“Solo il lavoro è padrone della sostanza resa massimamente fruttuosa e
massimamente profittevole all‟economia generale. Cosi il dovere sociale del proprietario,
in precedenza fondato essenzialmente su concetti etici e di convenienza soziale ed
economica, si converte in dovere giuridico.
Un nuovo ed unico principio domina la vita dei singoli e del tutto sociale:
La solidarietà” – (Op. cit., pags. 39 e segs.).
MICELLI também, na sua serenidade, chega a conclusões idênticas, reputando abuso,
contrário ao interesse público e ao privado, a não utilização da coisa, segundo sua natureza.
Se se tratasse da exclusiva conveniência do dono ainda se poderia excluir a ingerência da
norma jurídica, mas sobreleva a da coletividade, e uma vez que as coisas são limitadas,
quem não usa delas, ou, o que é pior, as destrói, não faz mais do que subtraí-las a outros,
que melhor as poderiam utilizar, impedindo ainda que o bem possa contribuir, embora
indiretamente, para a prosperidade comum.
Nenhum motivo justificaria essa subtração, e o direito não pode tutelar poderes
inativos, que impedem à propriedade de preencher suas funções.
O desperdício de riqueza não se harmoniza nem com os fins individuais, nem com
os sociais, justificativos do instituto da propriedade – complemento da personalidade e
instrumento de prosperidade econômica:
“Infatti, con questo abuso, la personalità, anzi che innalzarsi si abbassa e si
corrompe, perchè la proprietà serve allora ad alimentare i capricci, i disordini della
condotta”- (Op. cit., pág. 272 e seguintes).
BIAGIO BRUGI ainda observa:
“Nei periodi di floridezza d‟un popolo la proprietà inerte è un assurdo
economico, se non giuridico: - quando o per l‟una o per l‟altra ragione, si aggravi il
pericolo di tale inerzia, non possono mancare leggi speciali che, direttamente o
indirettamente, tentano di porvi rimedio” – (Della proprietà – v. I, pág. 112).
N. STOLFI, resumindo o que, nesse sentido, se fizera antigamente, recorda que, a
acreditar-se em Herodiano, o imperador Pertinax (192-193) dispôs que as terras incultas,
pertencentes a quem quer que fosse, deveriam passar a quem as ocupasse e cultivasse, além
da isenção de imposto por dez anos. Mas, se dúvida houvesse, por falta de referência nos
livros jurídicos a essas normas, incontestável seria o reconhecimento de análogas, adotadas
entre 337 e 444, por CONSTANTINO, THEODÓSIO e VALENTIANO e recolhidas no Cod. 1 XI
tit. 58, sob a rubrica: De omni agro deserto et quando sterilis, ecc.
De fato, o princípio do trabalho, que instruía a especificação dos móveis, foi
aplicado aos imóveis estéreis e abandonados, quando beneficiados pelos cultivadores; e não
só sobre as terras do Príncipe, mas também sobre as particulares, se estabeleceu que
qualquer poderia, por próprio arbítrio, apossar-se de prédios abandonados e cultivá-los
“facendosi soltanto salvo al proprietario di rivendicarli nello spazio di due
anni, previa restituzione al coltivatore delle spese per i miglioramenti compiuti, e passati
due anni o sei mesi soltanto se il fondo fosse stato aggiudicato (Cod. l. 1-57-Cost. 7), il
dominio del coltivatore diventava irrevocabile” – (Diritto civile – v. II – parte I, § 289).
SCIALOJA (op. cit.,pag. 314) considerada apenas a sanção indireta pela inscrição, por
parte do censor, do proprietário inativo entre os aerarios, segundo ainda referia AULO
GELLIO nas Noites áticas.
E hoje?
Muito menos.
O próprio MASUCCI, embriagado pelo sistema fascista, apenas exibe uma
mesquinha prova em favor da tese de que o proprietário
“assenteista e tecnicamente impreparato e sprovvisto di mezzi idonei al
pregresso agricolo, non è più ammissibile”.
Vale a pena inseri-la como foi transcrita da folha de anúncios legais da Província de
Rovigo (28 de Outubro de 1928):
“Il Presidente della Federazione dei sindicati fascisti degli agricoltori della
provincia di Rovigo è incaricato nell‟interesse e per conto del proprietario negligente
dell‟amministrazione e conduzione del fondo A., di proprietà del S. P., con facoltà di
adottare tutti i provvedimenti che riterrà necessari al fine della maggiore produzione del
fondo stesso con l‟obbligo di rendere il conto economico e finanziario per l‟anno colonico
1928-29, con diritto a ripetere dal condutore che subentrasse il rimborso delle somme
erogate per la conduzione, che non trovasse capienza nel reddito ricebuto”.
Ainda não foi também transformado em lei o projeto de reforma do instituto da
desapropriação na Itália, orientado pelo seguinte princípio:
“L „indenittà che concede all‟espropriato, è istituto sui generis di diritto
pubblico, non confundibile nè con la contraprestazione in senso civilistico, nè col prezzo
più o meno giusto. La Relazione la definisce un equivalente economico determinato non
della volontà degli interessati, ma dalla funzione delle leggi economiche combinate col
principio di solidarietà” – (MASUCCI – op. cit., pag. 81).
Na Bélgica, a lei de 8 de Agosto de 1922 permitiu
“... la remise d‟office en état d‟exploitation agricole par le soins du
Ministère de l‟Agriculture des terres laissées à l‟abandon, sans que le consentementdes
propriétaires interessés soit requis à cette fin” – (PIERRE DE HARVEN – Mouvements
generaux du droit civil belge conteporain – 1928 – pag. 117).
Na Rússia o direito novo prevê como causas de municipalização dos prédios
urbanos o abandono e a má gestão; em compensação, diante da ruína iminente dos bens
municipalizados, os devolve à iniciativa particular, com obrigação de reparar e reservar
10% da superfície útil aos órgãos administrativos do Estado (ELIANOVITCH – op. cit., §§ 84
e 85).
Mais energia tem sido a aplicação de tais conceitos ao caso especial das minas; fácil
é antever que todos esses autores excluem-se da compreensão do imóvel.
Curiosos são preceitos dos arts. 27, 31 e 29 da nossa lei mineira que, a despeito dos
textos constitucionais, atribuem, no caso de inércia do dono do solo, a terceiros, a pesquisa,
a lavra e até a propriedade da mina.
“... mandando o juiz lavrar para o manifestante o título de descobridor, que
desde então lhe assegura o direito à metade da propriedade da mina”.
Não conhecemos, entretanto, caso de sua aplicação.
LEON DUGUIT, justificando suas idéias sobre a função social da propriedade (Les
transformations generales du droit privé, 2a ed., pag. 164), destinada a responder às
necessidades econômicas, reconhecera que, afora o caso das colônias e das minas, a lei não
exigia a exploração da propriedade, embora acrescentando que a obrigação surgiria, quando
as contingências a reclamassem, e ninguém a contestaria, tal o espírito da época; mais
tarde, considerou realizada sua profecia com a legislação da guerra e suas conseqüências
(Trailé de droit constitutionnel – v. III, pag. 618).
Mas, enquanto a organização social ou jurídica não impuser a utilização
compulsória, especialmente de caráter econômico, da terra, há de a lei reconhecer um
mínimo de exercício do direito de propriedade.
DE HARVEN considera que as restrições existentes constituem simples começo de
evolução – são manifestações excepcionais e passageiras, que deixam íntegro o direito
subjetivo.
Circunstâncias várias podem também adiar o exercício do gozo e uso do bem.
Afora o caso de abandono, que não se presume, a lei assegura o domínio, que se
adquire, transmite e extingue, independentemente da exploração da coisa.
Esse fato incontestado: o imóvel sujeito ao domínio, sem aproveitamento atual.
Mas, mesmo nesse estado, sem dúvida provisório, ausente qualquer destino, terá o
solo, com seus acessórios naturais, dependência física com outros bens. Pouco importa que
tal estado, pode-se dizer virgem, seja originário ou conseqüente à resolução de cessar
qualquer exploração imediata da coisa.
8 – Tomando, assim, o imóvel no seu estado de pré-utilização, ainda que conteúdo
de propriedade, vamos apreciar a atuação do postulado, de que o acessório segue o
principal.
Afora a acessão natural originária, considerada, embora, em um certo tempo, como
os produtos do subsolo e as árvores e frutos nativos, pode a coisa, estaticamente, influenciar
para a aquisição de direitos.
Independente do destino, que possa vir a ter, à coisa se agregam adjacências, cuja
propriedade é adquirida pelo titular do solo, por força do modo denominado acessão.
O Código Civil disciplina os casos de aluvião, avulsão, abandono de alveo e
formação de ilhas.
Manifesta-se o princípio da acessão natural, ainda que não originária, como fato
ocorrido entre coisas, segundo critério exclusivo da aderência (art. 543), independente de
atuação do homem (art. 6420
).
No ponto de vista em que nos colocamos, nenhum interesse tem, a distinção entre o
principal e o que acresce naturalmente, assimilando-se àquele.
20
Art. 97 do Novo Código Civil de 2002.
A situação material das coisas, independente de destino ou utilização especial,
repercute, portanto, na órbita jurídica, determinando a criação ou a ampliação de direitos.
Assim, a contigüidade dos imóveis, insistimos, constitui fato que acarreta
importantes conseqüências jurídicas:
“L‟état naturel du sol engendre une sorte d‟amenagement normal entre les
propriétés” – (LABBÉ in SIREY – 1872 – I, pag. 354).
No estado natural os imóveis não são independentes, pois, destacando-se
arbitrariamente de um todo, entram em relação com os que estiverem próximos, contíguos
ou não.
Reduzida, mesmo, a utilização do imóvel ao mínimo, necessário apenas excluir a
intenção de abandono, como a visita, guarda, vigilância, conservação precária, sua própria
natureza exige ainda a disciplina jurídica para prover a sua interdependência, em relação
com outros no mesmo estado, ou já utilizados.
A ordem natural estabelece dependências mais ou menos íntimas entre os imóveis,
destacados pela sujeição ao domínio, nem este se poderia verificar isoladamente.
Como a vida é impossível, separada da dos semelhantes, a propriedade da terra não
se compreende sem relação alguma com os vizinhos.
Daí, as servidões, utilidades inerentes à própria situação das coisas, denominadas,
por certas legislações, naturais, por outras, legais.
É conhecida a controvérsia no direito francês, sobre a distinção das duas espécies e
a solução do código italiano de resumi-las em forma única.
Preferiríamos o termo naturais, dado que a proteção legal é imposta por
contingências da natureza e o legislador não poderia desconhecê-las, senão por ato
arbitrário, contrariando a função social, a que deve servir.
E, quando as desconhecesse, não poderia ser obedecido, porque os golpes artificiais
não modificam a essência das coisas.
Já DEMOLOMBE dizia:
“La vérité est que les servitudes qui dérivent de la situation des lieux ont,
avant tout, pour cause la disposition des terrains, la conformation des propriétés, et
qu‟elles sont écrites, pour ainsi dire sur le sol, tel que Dieu lui-même l‟a fait comme, par
exemple, la charge pour le fonds inférieur de recevoir les eaux qui découlent du fonds
supérieur. Ces servitudes lá, la loi ne les établit pas; elles existent naturellement, par la
force même des choses, avec un caractère de perpétuité et d‟universalité qui fait qu‟on les
retrouve les mêmes dans tous les temps et dans tous le pays” – (Traité des servitudes – v. I
– pág. 11).
E BIAGIO BRUGI:
“La divisione dei fondi non rompe la coesione fisica del suolo, nè la
colonna d‟aria soprastante; quindi restano necessariamente delle relazioni fra coloro che
hanno fondi tra loro contigui e isieme connessi come prima della divisione” – (Riv. de Dir.
Comm. de SRAFFA e VIVANTE – 1926 – II – página 229).
FERRINI, rejeitando a noção de servidão, considera, entretanto:
“Cosi non si può dire limitata la proprietà di un fondo inferiore perchè vi si
scaricano naturaliter le acque dai fondi superiori. Falsi quindi e inopportuna per
esprimere una siffata condizione di cose è la locuzione di servitù naturale, non trattandosi
nè di servitù, nè tampoco di limitazione del dominio; ma vega l‟osservazione che la
condizione è connaturale alla proprietà del predio cosi situato e questo hanno voluto
significare i Romani com quelle frasi, che furono causa di tanti guai della naturalis
servitus o del natura servire” – (op. cit., pag. 12).
Pela técnica do nosso Código, as servidões naturais e as que a lei estabeleceu,
independente mesmo de exigência física das coisas, foram rotuladas como direitos de
vizinhança.
Veremos, todavia, que a disciplina desses direitos é semelhante à das servidões,
chamadas, em outras técnicas, servidões convencionais; vários dispositivos do nosso
Código, mal colocados em um outro dos capítulos, denunciam a aproximação natural dos
institutos.
No direito anglo-americano são chamados natural rights:
“The right which an owner of land has in reference to the use of other land,
in the absense of any grant or stipulation in that regard, are know as natural rights. They
owe their existence to the fact that, without them, a landowner might be, in part of wholly,
deprived of the use and enjoyement of his land. A violation of one of these rights constitues
nuisance. Other rights in this respect can exist only by contract or grant” – (H. T. TIFFANY,
- Real property - § 295).
No estudo desses direitos de vizinhança manifestam-se outras tantas influências das
coisas entre si, mesmo no estado primitivo, a que nos vimos referindo.
O escoamento das águas, em seu curso natural, é a constatação flagrante e mais
típica da obediência da lei a um fenômeno natural.
Mas, estabelecem-se outras dependências, verdadeiras obrigações propter rem,
como a de limitar os imóveis, fixando-se regras para sua demarcação (Cod., arts. 569 a
57121
), inclusive em relação a árvores (arts. 556 a 55822
) e a de dar passagem (arts. 55923
a
562).
O nosso LAFAYETTE ensinava:
“Há outras que, suposto se não possam considerar efeitos necessários da
natureza, são todavia indispensáveis para o conveniente aproveitamento das riquezas e
utilidades do prédio. A lei as cria e estabelece como providências de interesse comum. O
característico das servidões legais está nisto, que elas são ônus impostos pela lei a um
prédio em favor de outro, sem necessidade do consentimento do dono do serviente” –
(Direito das Coisas, § 120).
21
Arts. 1297 e 1297, §§ 1o e 2
o do Novo Código Civil de 2002.
22 Arts. 1282 e 1283 do Novo Código Civil de 2002.
23 Art. 1285 do Novo Código Civil de 2002.
É certo que essas outras restrições interessam fundamentalmente à utilização da
coisa, mas algumas são indispensáveis ainda no período de inércia do proprietário, pois não
se compreenderia um domínio em coisa inacessível ou sem limites, ainda que aproximados.
CAPÍTULO III
DEPENDÊNCIA ENTRE IMÓVEIS, POSTERIOR A SUA UTILIZAÇÃO
9 – Quando, porém, o homem transforma a mera possibilidade em fato, quando a
utilização in potentia se torna in actu, avultam de importância os reflexos da influência do
destino das coisas, em si ou na sua reciprocidade.
Não perderemos tempo em discriminar todos os aspectos possíveis dessa utilização,
econômica ou não – extrativa, industrial, comercial, de abrigo ou de mero recreio:
“Il concetto di utilità, in materia di servitù, deve essere inteso in senso lato
si da comprendere anche quello dell‟amenità. Nel concetto dell‟amenità rientra più
particolarmente cio che riflette l‟abbellimento, il piacere, la ricreazione dello spirito, il
soddisfacimento del nostro senso artistico e per sino qualsivoglia predilezione fondata
sulla nostra immaginazione o per alimentare il senso volubile delle nostre passioni e delle
nostre bizzarrie”- (A. BUTERA – Delle servitù – pag. 134 - § 41).
A intervenção do homem, em vária escala, é exigida para o aproveitamento
econômico do solo, sob qualquer aspecto.
Ele o vai explorar, ou retirando apenas os produtos naturais, minerais ou vegetais,
ou empregando maior atividade para a geração de frutos.
De qualquer forma, dá um destino útil ao imóvel e, mesmo na indústria meramente
extrativa, tem necessidade de acrescentar alguma coisa ao solo, ao menos para depósito,
abrigo de pessoal, etc.
Nos demais casos de exploração agrícola, industrial, comercial, vai praticar, em
maior escala, a acessão artificial.
10 – É chegado, pois, o ponto de aprofundar o estudo da regra de subordinação do
acessório ao principal.
A utilização do solo determina, como vimos, o reconhecimento da classe dos
imóveis por destino.
Verificamos, também, que decorre do sistema da nossa lei, salvo a exceção das
minas, a preeminência do solo sobre todas as acessões naturais e artificiais, constituindo,
pois, a terra, rigorosamente, a substância do imóvel.
Confira-se o conceito clássico de substância, ainda dominante, como, há pouco,
recordava AUGUSTO ETCHEVERRY in Revite de Philosophie – 1930 – pag. 185:
“Secundum quod supponitur accidentibus dicitur substantia” - (S. THOMAZ
– Summa theol. – I – 9. 29 a 2).
“Losque nous concevons la substance, nous concevons seulement une chose
qui existe en telle façon qu‟elle n‟a besoin que de soi même pour exister”- (DESCARTES –
Princ., § 51).
“Par substance j‟entends ce qui est en soit et est conçu par soi, i. e., ce dont
le concept n‟a pas besoin du concept d‟une autre chose dont il doive être formé” –
(SPINOZA – Ethique – I, déf. 3).
Mas, esse verdadeiro postulado inscrito no art. 59 do Código Civil24
tem uma
grande repercussão no campo econômico, a que o direito está jungido.
Por isso, o legislador teve o cuidado de admitir exceções, como em relação a certos
móveis: os arts. 62 e 61225
, por exemplo, invertem o princípio, em atenção a razões de
ordem intelectual, artística e, sobretudo, econômica:
“E avendo dimostrato che la preeminenza non può fondarsi sopra la natura
specifica di forma e materia, il criterio che si apresenta più naturale è quello del valore
rispettivo che può avere l‟uno e l‟altro elemento, intendendo il valore non nel senso stretto
di valore economico, ma in un senso generico, tanto da comprendere ogni specie di valore,
che possa essere utile alla società, quindi valore estetico, scientifico ece” – (VINCENZO
MICELLI – op. cit., pag. 246).
Em relação, porém, aos imóveis, a regra é mais dura, já o assinalava JOSÉ DE
ALENCAR:
24
Art. 92 do Novo Código Civil de 2002. 25
Art. 1270 do Novo Código Civil de 2002.
“O solo exerce na jurisprudência um direito de acessão irresistível;
enterrem-se de boa fé capitais enormes em um brejo desprezado, erijam-se aí palácios e
construções suntuosas; tudo isso que vale mil vezes mais do que o primitivo solo, não é
senão uma dependência dele. Assim, inverteu-se a significação da palavra e os princípios
para manter um privilégio odioso em favor da propriedade territorial” (op. cit., pag. 136).
O caráter subalterno, que a lei atribui à acessão artificial é irrecusável: a prova
evidente está nas disposições dos arts. 545 e 549 do Código Civil26
, que, repelindo a regra
anterior (LAFAYETTE, Direito das coisas, § 40, PEDRO CALMON – Direito de propriedade,
pag. 173) faz ceder, em qualquer caso, ao chão, as construções e plantações, sem a menor
consideração pelo valor econômico, assim, inteiramente abandonado.
Por amor à técnica, a uma lógica rigorosa, o codificador, despoticamente, sujeito ao
principal, imóvel, todo e qualquer acessório, sem atenção ao critério econômico.
Acabamos de ver que nem assim escapou à pecha de contraditório, desde que, para
os móveis, adotou, excepcionalmente, embora, norma diversa; pouco importa que, forçando
a ordem natural, tenha aparentemente respeitado o princípio, fazendo do acessório principal
e vice-versa.
O Código suíço obedeceu, antes, ao princípio econômico, fazendo ceder em certos
casos a propriedade ao edifício (art. 67327
), regra que se aplica também à hipótese de
invasão de área, empiètement, em que o invasor, diante da inércia do invadido, pode
reclamar a propriedade do solo ou a constituição da servidão (art. 67428
):
“Cette disposition de notre loi été, en effet, edictée en vue du bien general,
afin d‟empêcher que des valeurs economiques ne soient detruites sans profit aucun” –
(ROSSEL et MENTHA, op. cit., página 347).
26
Arts. 1253 e 1257 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 27
Revogado pela Lei n. 9610, de 19/02/1998. 28
Art. 1225 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.
O Código alemão, em caso análogo, estabelece uma renda em favor do
prejudicado, com caráter real, devidamente transcrita, se não preferir o dono do solo vender
a parte invadida (arts. 912 a 915).
A regra imanente, instruída pelo princípio econômico, é tão forte que o Supremo
Tribunal Federal chegou a aplicar o direito anterior a um caso ocorrido na vigência do
Código Civil: o da Vila Militar, construída em Quitaúna, São Paulo (Pandectas Brasileiras,
vol. VII, 2a parte, pág. 697).
11 – Logo adiante, vê-se, porém, que o princípio econômico, assim repelido
arbitrariamente, voltou a prevalecer, abrindo brecha na regra fundamental do art. 5929
.
Enfrentando o problema da divisão dos imóveis, surgiu a impossibilidade de
manter a coerência.
A utilização da coisa vem a preponderar, encarando-se, então, o seu destino, no
qual sobreleva o aspecto econômico.
Apreciando o art. 52, assento principal da matéria apura-se que o critério da
divisibilidade joga com o da substância da coisa, isto é, ao principal que é, no imóvel, o
solo.
O egrégio CLÓVIS BEVILAQUA chama a atenção do intérprete, a quem aconselha a
dar largueza ao texto para não abranger
“somente indivisibilidade material”.
FERREIRA COELHO acha impossível aceitar o conselho contra a clareza da história da
lei, evidente
“a vontade do legislador, que repeliu a indivisibilidade por diminuição do
valor ou por dano causado”.
Mas, nem a vontade do legislador é despótica, nem ela se verificou na espécie. O
projeto primitivo havia indicado como caso de indivisibilidade,
29
Art. 92 do Novo Código Civil de 2002.
“o fracionamento, que determinasse uma considerável diminuição do seu
valor”.
e a Comissão Revisora preferiu a fórmula:
“os bens que não se podem partir sem dano”.
Após a revisão de CARNEIRO RIBEIRO, é que apareceu essa noção, perigosa na lei, de
substância, que há de ser considerada
“tanto no sentido próprio como no econômico” – (CLÓVIS BEVILAQUA, Cod.
Civ. Com.,v. I, pág. 274).
O acórdão de 16 de Dezembro de 1921 da Corte Paulista chegara a assentar que não
há, na lei ou na doutrina, presunção de indivisibilidade das casas de moradia (Rev. dos
Tribs., v. 41, pág. 43); no mesmo sentido, o constante da citada Revista v. 46, pág. 408.
Mas, outros preceitos, formadores do sistema legal, afastam a rígida conclusão,
assim extraída.
O critério filosófico de substância é temperado pelo da comodidade, tomado em
sentido amplo e visando, antes de tudo, evitar destruição de riqueza:
“Si deve quindi prescindere del tutto da applicazione fisiche o chimiche, ma
curarsi solo di quelle sociali ed economiche, per cui si considerano le cose como
appartenenti a determinate categorie; tra le caratteristiche che devono conservarsi per
potersi parlare di vera divisione giuridica in parti, è anche quella del valore” – (V.
SCIALOJA – op. cit., pag. 77).
É assim que a divisibilidade, em se tratando de imóveis já utilizados, vai atender,
em preferência, ao acessório – o edifício, a plantação, enfim, à espécie de exploração
preferida.
Vemo-lo nos arts. 293, 570, 632, 1728 e 177730
.
O art. 172831
é particularmente interessante, porque estabelece um critério
quantitativo para atribuição da coisa ao herdeiro ou ao legatário.
O antigo privilégio das fábricas de açúcar era assaz expressivo para demonstrar a
preeminência do acessório sobre o principal, em atenção à utilidade da coisa.
Analogamente, o Tribunal do Pará decidiu que:
“Compreende-se bem que um seringal com o seu único barracão ou casa de
moradia, com o seu porto de embarque, a sua ponte e as suas estradas de seringueiras
espalhadas irregularmente, aqui e ali, por todo o terreno, dificilmente poderá ser dividido
entre os condôminos sem prejuízo, sem dano material e econômico, porquanto não se deve
atender isoladamente à divisibilidade física do terreno, mas à organização econômica do
estabelecimento industrial” – (EMMANOEL SODRÉ – Jurisprudência do Tribunal do Pará –
1919 – pág. 115).
Ainda a utilização da coisa vai atuar nos limites, na composse, no compáscuo, na
meação de paredes, mas sempre com predomínio do acessório sobre o principal.
Mais precisos e úteis são os dispositivos dos Códigos italiano (art. 683), alemão
(art. 753) e suíço (arts. 620 e 625), principalmente estes, informados pela regra da unidade
econômica.
Entre nós, é ainda digno de registro o preceito da lei de minas:
“Art. 10 – No caso de condomínio de imóvel que tenha de ser partilhado,
dividido e demarcado em quinhões, as minas nele existentes, enquanto não forem
registradas, serão havidas como indivisíveis materialmente. Os direitos de condomínio na
propriedade dessas minas só serão realizadas na divisão proporcional dos lucros
provenientes da mineração, ou no rateio do resultado da sua venda”.
30
Os arts. 570, 632, 1728 e 1777, correspondem, respectivamente, aos arts. 1298, 1322, 1968 e 2019 do Novo
Código Civil de 2002. 31
Art. 1968 do Novo Código Civil de 2002.
12 – Utilizado o imóvel de qualquer maneira, crescem as relações de sua
dependência com os vizinhos.
Ainda como direitos de vizinhança, o codificador incluiu, não apenas servidões
naturais, irrecusáveis em face dos fenômenos físicos, mas outras, que retira à estipulação
das partes, investindo de força obrigatória, a revelia do seu consentimento.
Atendem à utilização, real ou presumida, dos imóveis.
São direitos reais, restrições à propriedade e até novos acessórios, ligados à
substância, como tudo consta do Código Civil, na seção respectiva.
A lei de minas desenvolveu o princípio, criando uma outra série de servidões
legais, que importam algumas em verdadeira desapropriação do solo, em benefício do
subsolo:
“Art. 42 – Para as pesquisas e lavra das minas instituem-se na propriedade
ou propriedades vizinhas as servidões de solo e subsolo.
§ 1o – Na superfície pode o pesquisador ou explorador ocupar nas
propriedades vizinhas o terreno necessário para: construção das oficinas, de obras
acessórias e de moradias de operários; abertura de vias de comunicação e de transportes de
qualquer natureza; condução de aguadas necessárias à alimentação dos operários e ao
serviço necessário da mina; transporte de energia elétrica em condutores aéreos ou
subterrâneos; e escoamento das águas da mina e das oficinas de tratamento do minério.
§ 2o – No subsolo instituem-se as servidões de passagem do pessoal e
material, de condutos de ventilação, de energia elétrica e de escoamento de águas para
minas vizinhas”.
Em muitos países há outras servidões legais, visando a melhor utilização do bem,
como a de eletroduto: servidão legal de transporte, à distância, da energia hidrelétrica, nas
condições mais econômicas, consistindo em apoio, passagem de cabos, canalizações nos
terrenos não construídos e abertos e desgalhamento de árvores. (Leis francesas de 15 de
Junho de 1906, 27 de Fevereiro e de 13 de Julho de 1925), sendo que a mais suscetível de
provocar dificuldades é a resultante do direito “d‟établir à demeure des canalisations
souterraines, ou des supports pour conducteurs aériens, sur des terrains privés non bâtis,
qui ne sont pas fermés de murs ou de clôtures équivalentes”, conforme salienta ACHILLE
MESTRE (Distribuition d‟énergie électrique – pag. 16).
E as aplicações variam sobremaneira:
“E cosi per fermarci al tema che forma oggetto della nostra trattazione,
l‟imposizione della servitù di passaggio o di appoggio avviene in modo differente e dà
luogo a un regolamento giuridico ben diverso secondo che trattisi di fili telefonici e
telegrafici o di condutture per la transmissione a distanza delle correnti elettriche ad uso
industriale”- (G. PULVIRENTI - Delle servitù – pag. 462, § 559).
SACERDOTTI mostra como se tem ampliado o instituto do trânsito forçado, na
Itália; aos casos de passagem e aqueduto, acresceram, depois do Código, os relativos a
passagem ferroviária, telegráfica, de energia elétrica e funicular aéreo. (Riv. di Dir. Com. –
1908 – 1 – pag. 329).
Curiosa é extensão dessas normas jurídicas, atendendo à destinação da coisa; na
Revue trimestrielle de Droit Civil encontra-se, por exemplo:
“Partant de la considération fondamentale que la loi accorde, au propriétaire
d‟un fonds enclavé le droit de réclamer un passage sur le fonds d‟autrui, la Cour de
Cassation décide que „ces mots, pris en eux-même, n‟excluent pas la faculté pour le juge de
décider que le droit de passage s‟exercera au-dessus du sol par le moyen d‟un câble
aérien, dès l‟instant du moins que ce mode d‟exercice de la servitude apparaît tout à la
fois, comme le plus approprié, suivant les pratiques régionales, aux besoins de
l‟exploitation et le moins dommageable à la propriété assujettie” – (1930 – pag. 416).
Também obedecendo à utilização dos imóveis, na sua divisão, pode o juiz criar
servidões, recíprocas ou não, entres as glebas autônomas, o que adiante abordaremos.
PLANIOL distingue as servidões mútuas das que não tem caráter de reciprocidade,
contestando a AUBRY et RAU e a outros, que desconheciam o caráter de servidão no
primeiro caso (op. cit., § 2909).
O Código incluiu como direito de vizinhança preceitos sobre construções e
plantações, chaminés, goteiras e até a entrada no prédio alheio.
Da infração tolerada de algumas daquelas restrições, redunda, até, por um
fenômeno curioso, a inversão dos papéis, passando a serviente a coisa, em benefício da qual
foi a regra estabelecida:
“Passado o prazo de ano e dia, depois de concluída a obra, está, definitivamente,
adquirido o direito de a ter, onde se acha, e o dono dela poderá segurá-la pela ação
confessória, ou defendê-la pelos interditos ou exceções competentes. Esse direito é uma
verdadeira servidão, adquirida pela posse e o decurso do tempo, e cujo título é a concessão
presumida do vizinho (usucapião)” – (CLÓVIS BEVILAQUA, op. cit., § 2909).
Adquirem-se, assim, verdadeiras servidões, que se tornam acessórios, inerentes à
natureza do imóvel, seus modos de ser, invocáveis erga omnes. Constituem-se
independentes de titulo, decorrendo de mera aparência, como as goteiras e os vãos abertos
sobre o vizinho, fora das bases legais.
Afora as limitações expressas, o Código ainda legitima a atividade do legislador
municipal, além das disposições dos regulamentos sanitários, ressalva a aplicação das
posturas.
Tais restrições não só interessam precipuamente ao bem comum, ao interesse
social, à segurança e saúde públicas como atendem, em certos casos, à utilização do imóvel,
em consideração aos vizinhos.
Mas, a lei permite ainda, por acordo, o aumento das utilidades, o desequilíbrio das
relações normais, dando-se a um mais do que a outro:
“Ecco perchè accanto al sistema del libero regolamento dei rapporti di
vicinato sotto l‟aspetto di servitù convenzionali (art. 616) si pone il sistema del
regolamento legale, per mezzo di restrizioni imposte dalla legge alla proprietà
immobiliare: il primo ha per iscopo l‟auento individuale dell‟utilità, della comodità; il
secondo ha per iscopo invece la garenzia di ciò che è generalmente necessario e
indispensabile” – (SORGE VADALÁ – Rapporti di vicinato – 1909 – pág. 91).
São as servidões, chamadas convencionais, classe, aliás, a única assim
considerada pelo Código Brasileiro, ou melhor, voluntária, porque também adquiríveis por
usucapião e perdíveis por não uso.
Sempre a consideração do destino da coisa a nortear a norma positiva...
13 – Prosseguindo na análise do destino natural ou artificial dos imóveis,
chegaremos a transcender dos próprios direitos reais, atravessando a zona fronteiriça, e
atingindo o das obrigações.
Já vimos, aliás, que a classifica divisão não é irredutível, surgindo, na prática, os
casos fronteiriços – retenção, direitos intelectuais, privilégios, títulos ao portador,
obrigações propter rem.
Por outro lado, também observamos que o direito de propriedade se vem
mitigando, pela prevalência do aspecto social, e temperando, pela repulsa ao abuso da face
individual, para ser afinal apreciado como direito e como dever.
Os arts. 160, 524 e 526 do Código Civil32
já são assaz eloqüentes; a autonomia
das minas, a navegação aérea, as aplicações da eletricidade, por sua vez, vão restringindo o
aparente absolutismo do domínio, reduzido ainda a seus devidos termos pelos direitos de
vizinhança, que se ampliam cada vez mais, desenvolvendo, aliás, o velho summum jus
summa injuria.
Os reflexos da utilização das coisas aparecem em todos os cantos da lei, mesmo
consideradas isoladamente.
Assim se encontra o direito de preempção, pelo qual o Poder Público é obrigado a
devolver o imóvel desapropriado, mediante, é claro, a restituição do preço, se não tiver ele
o destino, que motivou a medida excepcional (Código, art. 115033
), regra mantida no
próprio projeto da lei fascista sobre desapropriação. (MASUCCI – op. cit., pag. 82).
O destino especial do imóvel para domicílio é o punctum saliens de instituição do
bem de família (Cod., art. 7034
), dele decorrendo todos os privilégios outorgados.
32
Art. 188, 1228 e 1230 do Novo Código Civil de 2002. 33
Art. 519 do Novo Código Civil de 2002. 34
Art. 1711 do Novo Código Civil de 2002.
A disciplina do usufruto obedece, precipuamente, à utilização, real ou presumida,
do imóvel – os arts. 724 a 727 do Código35
giram em seu derredor; do mesmo modo, em
relação ao uso e à habitação.
A enfiteuse visa a destinação e a utilização da coisa (Cod., art. 680).
Até a tolerância de 1/20, quanto à falta na extensão do imóvel vendido, decorre do
seu destino presumido, entendendo-se que essa diferença não o impede, nem prejudica.
No art. 172836
prevalece o critério da tolerância da quarta parte para que o legado
seja cumprido em espécie.
A teoria dos vícios redibitórios se desenvolve a cerca do
“uso a que a coisa é destinada”
ao lado da diminuição do valor; analogamente, a da evicção.
A exploração de uma estrada de ferro não pode ser embaraçada de qualquer forma
pelos credores hipotecários (Cod., art. 85337
).
E, assim, poderíamos apontar muitas outras manifestações semelhantes.
Examinaremos, porém, a seguir, os casos em que o destino mais decisivamente
influi na formação do direito.
35
Art. 1399 e 1392 do Novo Código Civil de 2002. 36
Art. 1968 do Novo Código Civil de 2002. 37
Art. 1503 do Novo Código Civil de 2002.
CAPÍTULO IV
SERVIDÃO POR DESTINO DO PROPRIETÁRIO
14 – Apreciamos a influência recíproca que sofrem os imóveis; pode, entretanto,
a dependência verificar-se entre coisas pertencentes ao mesmo proprietário, contíguas, mas
destacadas pela sua exploração.
Firmado, por destino, o nexo entre dois imóveis e adaptadas as suas utilidades,
resulta um perfeito equilíbrio.
Antes da separação, pelo princípio clássico de que não é possível res sua propria
servire, em geral se repele a noção de servidão.
Aliás, admitido o conceito moderno de direito real, relação entre sujeito ativo e
terceiros ou a sociedade, não repugnaria a repulsa ao brocardo tradicional.
Mas, se não se forma relação jurídica, subsiste a natural, que o direito não pode
desconhecer, atingindo, através das pessoas, as coisas direta ou indiretamente.
Em todo o caso, destacando-se os titulares, de modo que as coisas ligadas passem
à sujeição de dois domínios, que se observa, então, no campo do direito?
Se, nos títulos de separação, a situação é regulada pelos interessados, tollitur
quaestio.
Mas, se o ato é silencioso a tal respeito, ou se apenas contém a declaração habitual
de que o imóvel é transmitido livre de quaisquer ônus, convém saber o que resta dessa
serventia, quando, ao menos, aparente.
Surge o problema da servidão por destino do proprietário:
“La caratteristica della costituzione della servitù per destinazione del padre
di famiglia consiste in cio che dessa scaturisce da un fatto, non da una dichiarazione di
volontà, e tanto meno da un atto scritto, che è con la medesima incompatibile. Sorprende
perciò il Codice civile del Basso Canadá, il quale dispone: „En fait de servitude la
destination du père de famile vaut titre, mais seulement lorsqu‟elle est par écrit, et que la
nature, l‟étendue et la situation en sont specifiées” (art. 551).
“Perciò la dichiarazione che il fondo si vende libero e franco da qualsiasi
servitù non impedisce che abbia luogo quella dovuta alla destinazione del padre di
famiglia, per la ragione che la medesima nasce quando i due fondi appartengono a
proprietari diversi, e non prima, dappoiche la servitù è un diritto costituito sulla cosa
altrui e nulli res sua servit” – (A. BUTERA – op. cit., pag. 535, § 207).
“In massima é razionale ammettere che una clausola generale di esenzione
da ogni servitù è insufficiente per escludere l‟applicazione dell‟art. 694, il cui testo si
riferisce ad una convenzione precisa sulla servitù litigiosa; la clausola generale
d‟esenzione non é del resto che una formula di stile; non é una convenzione delle parti
contraenti” – (BAUDRY LACANTINERIE et CHARVEAU – Les biens, ed. italiana, pag. 877, §
1124).
15 – No direito anterior, era admitido, com alguma hesitação da doutrina, esse
modo constitutivo de servidão.
Uma vista segura sobre o assunto encontra-se na coletânea, publicada em 1916, na
Bahia, em que homenagem ao professor e magistrado FELINTO BASTOS, por ocasião de seu
jubileu: o Desembargador AMANCIO DE SOUZA escreveu, a propósito, interessante trabalho,
no qual trouxe à colação dois pareceres, contraditório, firmados em 1865 por TEIXEIRA DE
FREITAS e ZACARIAS DE GÓES, acompanhados, aliás, das suas fotografias.
Tratava-se do escoamento de águas pluviais entre dois prédios, anteriormente
pertencentes ao mesmo proprietário.
TEIXIERA DE FREITAS admitia a existência da servidão, ao passo que ZACARIAS a
repelia, entendendo que não havia tempo para a prescrição aquisitiva, uma vez que antes
não existia, em face da regra nemini sua res servil.
ZACARIAS escudava-se no Direito Romano e TEIXEIRA DE FREITAS na prática das
nações cultas.
AMANCIO DE SOUZA, tomando decisivamente o partido de TEIXEIRA DE FREITAS,
mostrou a adoção do instituto em quase todos os Códigos modernos: francês, italiano,
espanhol, português, chileno, argentino, etc, recordou as lições de vários tratadistas.
Também consignaram expressamente os codificadores da Áustria, Holanda,
Romênia, Uruguai e México.
Finalmente, assinalou no nosso direito a opinião favorável, manifestada por
ALMEIDA E SOUZA, CORREA TELLES, BORGES CARNEIRO, LAFAYETTE e LACERDA DE
ALMEIDA, que, convém recordar:
“O destino que o dono de dois prédios deu a um deles em utilidade do outro,
vale por título constituinte da servidão, quando esta é contínua e aparente.
“Portanto, se o sobredito dono aliena um dos prédios, e nada se estipula
acerca de uma tal servidão, subsiste ela” – (CORREA TELLES, Digesto Português – v. III - §§
449 e 450).
“Esta destinação do pai de família produz aqueles efeitos que largamente
demonstrou CASTILL; e, supostos os efeitos desta destinação, cessa aquela regra – res mea
mihi non servit - ; porque quem compra ou vende, quando não há outra expressão, olha a
coisa no estado presente” – (ALMEIDA E SOUZA, - Tratado das águas - § 103).
“Se o uso que fazia o dono dos dois prédios era fixo e inseparável, como nas
servidões permanentes, fica criada a servidão ainda que se não fizesse menção no contrato
ou testamento” - (BORGES CARNEIRO – Direito Civil, vol. IV, pág. 250).
“Se o senhor dos dois prédios estabelece sobre umas serventias visíveis em
favor do outro, e posteriormente aliena um deles ou um e outro passam por sucessão a
pertencer a donos diversos, as serventias estabelecidas assumem a natureza de servidões;
salvo cláusula expressa em contrário” – (LAFAYETTE – op. cit., § 133).
“Por destinação do proprietário constitui-se servidão, quando o dono dos
dois prédios vizinhos estabelece de um para o outro alguma serventia de caráter aparente e
contínuo, de modo que, se permanece ao tempo em que venha por ventura alienar um deles
ou passem por sucessão a donos diversos, assume a serventia verdadeira natureza de
servidão e se presume estabelecida; a menos que outra coisa não determine a vontade
expressa das partes” – (LACERDA DE ALMEIDA – Direito das Coisas – pág. 49).
E, mais, AGUIAR E SOUZA no Tratado das Servidões
“Por destinação do proprietário, também se constituem as servidões” – (pág.
165, § 280).
Não contente com isso, o jurista baiano abordou a espécie em face do próprio
Direito Romano para mostrar que, pelo menos, duvidosa era a firmação de sua repulsa pela
servidão por destino do proprietário.
Os pandectistas se digladiam na tortura dos textos para afirmar o recebimento ou o
repúdio da animi destinatio, em matéria de servidões.
Ao lado de passagens que, a rigor, aplicam as conseqüências do nemini sua res
servil, outras deixa entrever a criação da servidão por destino dado pelo pai de família,
destacando-se o fragmento 46 do Dig., 1. 18, tit. 1:
“Si aquaeductus debeatur praedio et jus aquae transit ad emptorem etiam
nihil dictum sit, sicut et ipsae fistulae per quas aqua ducit”.
O monografista baiano abonou-se ainda em DEMOLOMBE, SACCHI, HULOT e
GARCIA DEL CORRAL.
As opiniões de ROMAGNOSI e RICCOBONO, que consideram o princípio,
exclusivamente criado pelos interpretadores, forçando o direito romano puro, opôs as de
SALA-CONTARINI, em monografia especial sobre o assunto, TARTUFARI e SIMONCELLI.
16 – Posteriormente, a discussão se reacendeu, entre nós, no mesmo terreno,
entre CLÓVIS BEVILAQUA e ALFREDO BERNARDES.
BEVILAQUA (Rev. Forense, v. 43, pág. 331), entendia que, no silêncio do Direito
Romano, não podiam os doutores importar das nações cultas a destinação do pai de família;
fundava sua asserção nos textos, que só referiam aos outros modos constitutivos de
servidão: pactos, usucapião, determinação da lei ou do juiz e testamento, acentuando a
omissão em GIRARD, BONJEAN, CUGI, DERNBURG e WINDSCHEID. Salientava, ademais, que
os nossos compiladores não incluíram o destino do proprietário: TEIXEIRA DE FREITAS e
CARLOS DE CARVALHO.
É certo que T. DE FREITAS, a despeito de haver, em 1865, opinado favoravelmente,
como vimos, à servidão por destino do pai de família, silenciou na Consolidação e, no seu
comentário ao art. 947, em 1875 (3a edição), veio a opinar diversamente.
ALFREDO BERNARDES (Rev. de Direito, v. 78, pág. 71), aprofundando o assunto,
invocou VAN WETTER e as passagens referidas por CICERO em De officiis e De oratore,
para legitimar a construção de BARTHOLO, apoiado e textos de SCOEVOLA, MINUCIO e
JULIANO, além de outros passos do Digesto, a propósito de aqueduto, passagem sem
encravamento, compáscuo e até de oneris ferendi.
Encareceu, afinal, a contribuição valiosa de SALA-CONTARINI, na prova do
reconhecimento pelo Direito Romano da constituição tácita das servidões, decorrente da
inerência real, o que legitima, assim, a construção Bartholiana; esta foi decisivamente
sufragada pelo uso das nações modernas, de acordo com a boa razão e a necessidade
jurídica, derivada da qualidade dos imóveis.
Já vimos que, a despeito da hesitação de TEIXEIRA DE FREITAS, grande corrente de
escritores, reinícolas e nacionais, encapara esse uso, também prestigiado pela
jurisprudência.
A questão do Direito Romano, pelo menos controvertida, não tem, agora, maior
interesse.
Entretanto, não custa apelar, de novo, para a lição das autoridades, algumas das
quais invocadas pela corrente desfavorável ao instituto.
Vejamos a opinião autorizada de BONFANTE:
“In ordine alle servitù prediali, specie al passagio, é riconosciuta, massimè
negli atti di ultima volontà, per es quando due fondi contigui vengano a essere devoluti a
diversi legatari, ovvero l‟uno all‟erede, l‟altro al legatario, la constituzione tacita, ipso
jure della servitù – In simili casi la volontà è presunta sulla base non solo, della necessità,
ma dello stato precedente di servizio mantenuto tra i due fondi dal proprietario anteriore,
che li teneva entrambi: con che per la prima volta fa il suo ingresso nel diritto la
constitzione delle servitù per destinazione del padre di famiglia” – (Ist. di Dir. Romano §
106).
E a de WINDSCHEID:
“Una riserva di questa specie pue essere fatta anche tacitamente – cf. 1.36,
37 de S. P. U. 8. 2. (Diritto delle Pandette – trad. FADDA e BENSA - § 212).
Da mesma forma, DERNBURG (Pandectas, § 251, 3) declara que o alienante pode
reservar para si, no prédio alienado, um usufruto ou uma servidão predial em favor de outro
fundo, que ele conserva. Em nota ao citado parágrafo, adverte DERNBURG que a reserva e a
concessão da servidão são possíveis mesmo tacitamente.
Ou melhor:
“La costituzione avviene o indipendentemente, ovvero mediante negozio
accessorio all‟atto di un‟alienazione. Tali negozi accessorii sono ora riserve, ora
concessioni di servitù da parte dell‟alienante. Questi può, cioè, riservarsi sul fondo, ch‟egli
aliena, un usufrutto od una servitù prediale in favore di un altro fondo, che egli conserva;
può inoltre gravare con una servitù prediale un fondo che egli conserva, a vantaggio di un
altro, ch‟egli aliena, all‟atto dell‟alienazione di questo – F. 6 pr., D. communia
praediorum, 8, 4. La riserva e la concessione sono possibili anche tacitamente” –
(DERNBURG – Diritti Reali – trad. CICALA – pag. 357).
E VAN WETTER:
“La consentemente des parties sur l‟établissement de la servitude n‟est
soumis à aucune solémnité spéciale. Il peut aussi être tacite; c‟est ainsi que, dans la cas où
le propriétaire de deux fonds en aliène un, on doit admettre une constitution tacite de
servitude toutes les fois qu‟au moment où les deux fonds sont separées il existe entre eux un
signe apparent de servitude. Les parties on dû vouloir accepter la situation faite aux
immeuble par le signe apparent de servitude, c‟est-a-dire constituer un servitude
proprement dite – qui tacet, cum loqui potuit et debuit, consentire videtur” – (Pandectas, v.
2, § 228).
SALA-CONTARINI no magistral estudo La destinazione del padre di famiglia come
mezzo costitutivo di servitù prediali nel diritto romano, 1895, concluiu que, perante o
direito romano justianeu era possível, também, a constituição tácita das servidões prediais,
resultante, nas disposições de última vontade, e, às vezes, em estipulações contratuais, de
um determinado estado de serventia material entre dois prédios (inerência real),
estabelecido pelo proprietário de ambos, para perdurar, ainda mesmo depois de separados,
com o caráter de servidão, desde que, nos atos de aquisição não tivesse havido disposição
em contrário. Sua monografia despertou novo movimento doutrinário, que, entretanto,
deixou o problema indeciso, como se vê na nota a do § 684 da tradução italiana das
Pandectas de GLUCK (v. 8, pág. 360).
ALESSANDRO SACCHI concluiu:
“Ma da tutti i frammenti citati risulta che, in diritto romano, non s‟intese il
bisogno di costruire una vera e completa teoria della destinazione, ma solo una più
generica del‟interpretazione della volontà” – (Servitù prediale – Turim – 1902 – v. I, pág.
634).
FERRINI, ainda que reconhecendo a repulsa do direito clássico, admite, em face do
direito justianeu, a constituição tácita das servidões (Manuale di Pandette – 3a. ed. – 1908 -
§ 384), maximé em caso de sucessão (GLUCK, op. cit., v. 7, pág. 65).
A. BUTERA, que cita o Código Brasileiro como dos raros a desconhecer a servidão
por destino do proprietário ensina que ela
“... non fu ignota al Diritto romano. MARCELLO nel fr. 10 Dig. de serv.
praed. urb., VIII, 2, fa il caso che due edifici, appartenenti al de cuius, passino, l‟uno,
all‟erede e, l‟altro, al legatario, senza alcuna disposizione relativa ad eventuale servitù
esistente tra i medesimi (pag. 514). Non mancano tuttavia autorevoli scrittori i quali
ritengono che la costituzione della servitù per destinazione del padre di famiglia sia
estranea alle fonti romane; ma le argomentazioni tratte dalle fonti non sono punto
convincenti (pág. 516). Concesso pure che i giureconsulti romani abbiano ignorato la
destinazione del padre di famiglia come modo di acquisto delle servitù prediale, dessa trae
indubbiamente origine da BARTOLO se non addirittura da ACCURSIO” – (op. cit., pag. 517,
nt. 1).
JACQUES LATREILLE (De la destination du pére de famille – 1885 – pag. 39), após
examinar todos os textos onde se encontram aplicações esparsas do instituto ainda não
sistematizado, mostra que até o seu nome remonta ao Direito Romano, encontrando-se, em
quanto à compreensão dos acessórios das coisas vendidas ou legadas, a expressão, que
chegou até nós, de imóveis por destino:
“Si quidem apparet voluntas patris-familiae, cui potius agro destinaverat,
ejus esse instrumentum” – (Dig. 1. 33, tit. 7, fr. 12, § 14).
Mas, interessa-nos, sobretudo, o problema contemporâneo, pois MENDES
PIMENTEL observa:
“O direito romano só é subsidiário do nosso, se for conforme à boa razão (lei
de 18 de agosto de 1769, § 9, Alv. de 30 de Janeiro de 1802, tit. 1, § 3) e o critério para
conhecer a boa razão é ver se as leis romanas se fundam, ou não, em alguma razão peculiar
ao povo romano, como a sua religião, costumes e circunstâncias do tempo, e se tem sido ou
não admitidas no uso moderno das nações civilizadas – (lei de 28 de agosto de 1772)” –
(Rev. Forensa, - v. 11, pág. 420).
E JAIR LINS especialmente:
“Não se pode e não se deve, portanto, estudar a questão à luz dos princípios
romanos, mas, sim à luz do direito francês, pois foi graças ao direito costumeiro francês que
se ampliou o conceito jurídico das servidões, graças a ele foi que se criaram as chamadas
servidões legais e naturais que não existiam no direito romano, como se vê da lição de
BUSATTI, Delle origine delle servitù legali e naturali, - (Rev. Forense – v. 35 – pág. 414).
17 – O Código Civil silenciou a respeito.
Teria isso importado na exclusão do instituto ou é possível matê-lo em face do art.
7 da Lei de Introdução que, para resolver casos omissos, apela, afinal, para os princípios
gerais de direito, com a amplitude que, insuspeitadamente, lhes atribui CLÓVIS BEVILAQUA?
Já aludimos ao notável parecer de ALFREDO BERNARDES.
Também JAIR LINS (loc. cit.) se manifestou, considerando o ponto omisso e,
portanto, suprimível pelos subsídios da legislação comparada, conforme os conselhos do
próprio codificador; assim o instituto pode ser recebido à conta daqueles princípio gerais de
direito, a que se refere o texto nacional, diante unânime prática estrangeira, que o consagra
mesmo nos casos, raros, de ausência de disposição expressa.
Insuspeitamente, acetuam FADDA e BENSA:
“Non dobbiamo sforzare i nostri rapporti attuali nella cerchia di ferro delle
norme romane (nota C às Pandectas de WINDSCHEID – pág. 591).
Participando desse modo de ver, vemo-nos forçados à ingente tarefa de criticar os
argumentos opostos pelos adversários.
O egrégio codificador, no aludido parecer, subscrito também por CARVALHO
MOURÃO e HEITOR DE SOUZA, no mesmo sentido de outro produzido por MIRANDA
VALVERDE, aduziu para, excluí-lo, os seguintes argumentos:
I – o conceito de servidão exige a diversidade de donos (Cod. Civil, art. 69538
);
II – as servidões não se presumem (idem, art. 696);
III – a exigência da transcrição abrange todos os direitos reais (idem, art. 67639
).
Examinemo-los, com a devida vênia, de autoridades tão conspícuas.
18 – O primeiro argumento prova de mais, porquanto gira em torno de um
conceito, também sufragado por quase todas as legislações, que reconhecem o destino do
pai de família e, ao revés, repelido pelo direito suíço, que, entretanto, sob certo aspecto,
exclui esse destino.
38
Art. 1378 do Novo Código Civil de 2002. 39
Art. 1227 do Novo Código Civil de 2002.
Mas, ainda que exigindo a dualidade de pessoas para satisfazer à exigência da
regra nemini sua res servit, não se pode desconhecer o fato da inerência, que apaga a face
pessoal do problema.
CLOVIS BEVILAQUA o reconhece de certa forma:
“Sendo um direito real, a servidão predial adere, permanentemente, aos
prédios, gravando o serviente, favorecendo o dominante, e os acompanha em todas as
mutações, por que passem, de uns para outros donos. É aos prédios que elas se referem e
não aos proprietários” – (op. cit., v. 3, pág. 238).
Ainda mais explícitos são COLIN ET CAPITANT:
“Nous avons dit que les servitudes sont établies au profit d‟un fonds. Elles
constituent un rapport entre deux fonds. Il faut bien s‟entendre sur le sens de cette formule.
Elle n‟empêche point que la servitude, comme tout autre droit, ne profile, en réalité, á des
personnes humaines, ni même qu‟elle ne puisse s‟analyser comme conférant a un certain
pouvoir de commandement a l‟égard d‟un autre individu. Ce que l‟on veut dire, quand on
affirme que la servitude est établic, non au profit d‟une personne, mais á celui d‟un fonds
c‟est que les personnes sont indifférentes, et que le rapport de droit continuera a subsister,
même quand les propriétaires auront changé.
Nemini res sua servit, disaient les jurisconsultes romains. On verra
cependant plus loin que la destination du pére de famille apporte un tempérament á cette
derniére règle. (op. cit. pág. 834)”.
Praticamente, a serventia se estabelece entre dois prédio e a relação natural se
opera entre eles.
ALFREDO BERNARDES explica:
“A servidão, assim constituída tacitamente, é um acessório, ou antes uma
qualidade dos imóveis contíguos (VAN WETTER, op. cit. § 228, nota 22, pág. 217), e com
eles se transmite por uma necessidade jurídica, quando em virtude do testamento ou do
contrato passam a pertencer a proprietários diferentes.
Reunidos sob o domínio de um mesmo proprietário se as servidões reais ou
aparentes, demonstrando uma causa contínua e permanente entre os dois imóveis contíguos,
não revestem o caráter de servidões, no sentido técnico, é, por simples sutileza jurídica, que
desaparece, quando os ditos imóveis vêm a separar-se, como bem observa o referido SALA-
CONTARINI em sua monografia citada. (loc. cit.).”
Em quanto são do mesmo dono, quase desaparece a possibilidade de surgir
controvérsia. Entretanto, os escritores especialistas no assunto mostram a possibilidade da
servidão entre um imóvel pertencente a A e outro em que A é simples condômino, ou
quando um dos prédios do mesmo dono estiver sujeito a usufruto ou enfiteuse (BAUDRY ET
CHAUVEAH, op. cit., § 1116 – MAURICE PICARD, op. cit., § 889 – BUTERA, op. cit. §§ 54 e
374-5, Cod. Civ. alemão art. 1009).
BUTERA, no livro de homenagem a ASCOLI (1931 – pág. 305 e segs.) aprecia o
caso resolvido por JULIANO no fr. 31. Dig. 8, 3 e consistente na servidão de tomada d‟água
no primeiro prédio em favor de terceiro, mantida por aqueduto através do segundo;
passando o primeiro e o terceiro ao mesmo proprietário, que depois vendeu o último, a
servidão permaneceu. Esse caso de quiescenza foi decidido pelo princípio da destinação,
ainda que assim não denominado, e com prejuízo para a regra nemini sua res servit, que o
comentador se esforça, entretanto, por salvar em explicação subtil: considera o primeiro e o
segundo imóveis como um só, em estado de comunhão entre o beneficiado e estranho, e os
submete à servidão em favor do terceiro!
WINDSCHEID (Pandectas, §§ 200, nt. 3 e 201, nt. 1), admite a servidão sobre a res
nullius e TEIXEIRA DE ABREU (op. cit. 1895 – t. I - § 47), embora a combatendo, reconhece
que praticamente os efeitos são os mesmos, a título de ocupação, como face da propriedade.
PONTES DE MIRANDA, igualmente, sustenta a possibilidade da servidão recair
sobre res nullius (Manual LACERDA, v. 16, parte 1a , pág. 146).
A realidade viva e indisfarçável das coisas encontra barreiras na teoria, que
restringe a relação jurídica a pessoas, mas, por outro lado, tal relação é afetada pela
natureza daquelas.
Pouco importa que se chame mera serventia a essa dependência entre imóveis do
mesmo dono: - quando, com a separação da propriedade, o problema vem despertar meio
interesse por parte da norma jurídica, ela é recebida e batizada com o nome de servidão.
Foi para melhor atender à natureza das coisas, que o Código Civil Suíço rompeu
com a velha regra e desrespeitou a técnica tradicional.
Recebeu, assim, a primeira noção comum, v. g., no nosso Código, art. 69540
, 1a
parte:
“Impõe-se a servidão predial a um prédio em favor de outro”,
a abandonou a segunda, da diversidade de titulares, para consagra a regra:
“Art. 733 – Le propriétaire de deux fonds a le droit de grever l‟un de
servitudes en faveur de l‟autre”.
Justificam-no os seus mais notáveis comentadores:
“La servitude sur son prope fonds devient une servitude ordinaire dès le
moment de son établissement. Comme telle, elle ne constitue pas seulement une limitation
des droits du proprietaire, mais encore des autres droits réels etablis posterieurement sur
l‟immeuble (droits de gage ou servitudes) (C. WIELAND – op. cit. – pág. 493).
Descendo à aplicação prática, WIELAND formula o exemplo de um proprietário,
que loteia um terreno e grava cada parcela de servidões, tendentes a regular a construção de
bungalows ou de habitações operárias, sob determinadas condições ou de impedir a
instalação de comércio. Ao invés de transcrever a servidão a propósito de cada alienação de
lote, correndo o risco de esquecimento ou equívocos, o dono, pela norma especial e com
grande economia, estabelece logo a servidão entre os seus diversos lotes:
40
Art. 1378 do Novo Código Civil de 2002.
“Nous retrouvons, mais sous une autre forme, la destination du père de
famille, de la législation française. De là, l‟adage romains: nemini res sua servit. C‟est la
vérité même. Seulement, en prévision d‟une division possible des fonds, il peut être trés
utile au propriétaire de les grever auparavant de servitudes, afin de les transmettre en cet
état. Ce procédé est beaucoup plus simple que la constitution de servitudes au moment de
la division ou de l‟aliénation”- ( ROSSEL et MENTHA, op. cit., v. III, pág. 13).
Não pretendemos que esse preceito excepcional prevaleça entre nós como
princípio geral de direito, eis que contraria texto expresso da lei, mas reivindicamos, com
aquele caráter, o geral de todas as legislações que, diante da diversificação do titulares,
atribui à mera serventia o título de servidão, já sem a peia do nulli sua res servit.
É que a inerência material não pode ser suprimida pelo arbítrio da lei e, muito
menos, por sua omissão.
Dir-se-á também que o art. 71041
firma a extinção da servidão no caso de reunião
dos prédios, sob o domínio de uma só pessoa.
Mas, essa é ainda a regra de todos os Códigos, que admitem expressamente as
servidões por destino do proprietário e decorre como corolário da exigência de diversidade
de titulares.
Se a confusão desaparece, com efeitos ex tunc, apenas a técnica varia – ao invés
de renascer a servidão, ela se constitui, de novo, pelo mesmo destino.
BUTERA ensina:
“Definitivamente estinta la servitù dessa non rinasce con la posteriore
divisione dei fondi, ma deve essere costituita ex novo. Solamente nei casi previsti dall‟art.
2017, Codice civile, le servitù estintesi per confuzione, rinascono ministerio legis. Tale
rinascita, in sostanza, è una imposizione ex novo delle servitù, stabilita dal legislatore per
motivi di evidente equita verso il terzo possessore, che ha sofferto l‟evizione dell‟immobile
acquistato” – (Op. cit., § 370).
41
Art. 1389 do Novo Código Civil de 2002.
Apenas o Códigio Civil suíço, coerentemente, exige cancelamento para que se
opera a extinção do ônus, no caso de confusão:
“De même qu‟un propriétaire peut établir des servitudes entre des fonds qui
lui appartiennent, de même peut-il laisser subsister, s‟il lui convient, les servitudes
constitués entre des fonds qui, appartenant auparavant à des propriétaires distincts, se
trouvent réunis dans sa main, art. 735. La servitude subsiste comme droit réel tant que la
radiation n‟a pas eu lieu. Le propriétaire des fonds actuellement réunis n‟a d‟ailleurs le
droit de faire radier les servitudes que si les fonds ne sont pas grevés de gages
immobiliers; dans le cas contraire il doit obtenir l‟assentiment des créanciers garantis,
lesquels peuvent avoir le plus grand intérêt au mantien de la servitude” – (ROSSEL et
MENTHA – v. III – op. cit., pag. 14).
19 – Em quanto ao segundo argumento, convém, de início, salientar que o
Código não fixou os modos constitutivos das servidões; apenas excluiu as presunções,
como também o fazem, em regra, os similares estrangeiros, v. g., o argentino (art. 3044),
que admite a destinação.
Trata-se, aliás, de um preceito escusado, como demonstrou EPITÁCIO PESSOA:
“Art. 696 – A servidão não se presume: reputa-se, na dúvida, não existir.
Suprimam-se as palavras reputa-se, na dúvida, não existir, que são
perfeitamente dispensáveis. Desde que se não pode presumir a servidão, é claro que, não
sendo provada, é considerar como inexistente. Aliás, todo o artigo é inútil. O domínio
presume-se ilimitado, como declara o art. 52742
. Logo é indispensável fazer a prova dos
ônus reais, que pretendam limitá-lo. Mas não convém suprimir todo o artigo, porque
teríamos então que alterar em grande parte a numeração e as remissões” – (Parecer in
diário do Congresso Nacional, de 21 de Setembro de 1917, pág. 2527).
Não constitui mera presunção a existência real, visível, aparente e contínua, ou
mesmo só aparente, da serventia, da inerência.
42
Art. 1231 do Novo Código Civil de 2002.
Nem tal regra implica com os títulos de constituição do ônus; o Código, só no
artigo seguinte, é que se refere a este assunto, restringindo à transcrição o meio de adquirir
servidões não aparentes.
O histórico da elaboração da lei n. 4827, de 1924, sobre os registros públicos é
assaz eloqüente.
No projeto dizia-se:
“XI, dos títulos das servidões não aparentes para a sua constituição, bem
assim a averbação, na transcrição, do cancelamento dessas servidões” - (Código Civil, arts.
697 e 70843
)”.
O Senado apoiou a seguinte sugestão do Instituto da Ordem dos Advogados
Brasileiros:
“Convém suprimir a expressão não aparentes, porque parecerá que só tais
servidões são adquiríveis pela transcrição, meio comum a todas; o que o artigo 69744
quer
dizer é que essas não admitem o usucapião, como os demais”.
A Câmara, entretanto, não percebeu a sensatez da observação, aliás
excelentemente desenvolvida pelo egrégio CLÓVIS BEVILAQUA (op. cit., v. 3, pág. 24),
dizendo apenas:
“Quanto à emenda n. 20, porque ela suprime o vocábulo aparente, que o
Código emprega em seu art. 696” – (PHILADELPHO AZEVEDO – Registros Públicos, pág.
124).
Adiante, no art. 69845
, o Código disciplina a constituição, por força de usucapião,
no qual o registro é meramente declaratório; entretanto, o art. 50946
aparenta restringir a
43
Art. 1378 e 1387 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.. 44
Art. 1378 do Novo Código Civil de 2002. 45
Art. 1379 do Novo Código Civil de 2002. 46
Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.
regra para efeito de excluir do usucapião também as servidões descontínuas, retirando-lhes,
ao menos, a proteção possessória, salvo em havendo referência nos títulos.
Mas, ainda aí, parece dispensar o registro, pois, se existir a transcrição, será
acusado examinar o título de aquisição e, até, rebuscar o do anterior possuidor, tendo este
termo substituindo o de proprietário, inscrito no art. 490 do Cod. Civil português, de onde
o texto é originário.
Bem apreciados esses dispositivos, nada se encontrará, que impeça a constituição
de servidão por destino do proprietário nos casos de aparência e continuidade ou mesmo de
simples aparência.
20 – O último argumento deriva do art. 67647
, que exige a transcrição dos direitos
reais sobre imóveis, salvo os casos expressos, previstos no Código, ligando-se ainda ao
problema da extensão daqueles direitos.
O direito anterior era mais rigoroso:
“a lei não reconhece outros ônus reais senão ...” – (dec. n. 370, de 1890, art.
238).
e, nada obstante, jurista do tomo de LAFAYETE e LACERDA DE ALMEIDA admitia a
existência da servidão por destino.
Por mais rigorosa que seja, a lei não pode contrariar a natureza das coisas: PONTES
DE MIRANDA se refere, por exemplo, à propriedade superficiária dos coqueiros, no Norte do
país, (Fontes e evolução do Direito Civil Brasileiro, - pág. 420), e aqui mesmo, em Niterói,
são respeitados os arrendamentos perpétuos dos terrenos, onde os locatários construíram os
edifícios da rua, que acompanha toda a Praia, sem existência de aforamento.
Ainda há pouca, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro promoveu a opinião
de grande número de juristas par saber se seu direito à zona privilegiada tinha caráter real.
Afirmativamente, responderam todos, entre os quais CLÓVIS BEVILAQUA, de cujo
parecer, tomamos a liberdade de extrair alguns trechos:
47
Art. 1227 do Novo Código Civil de 2002.
“Não é enfiteuse, nem servidão, nem usufruto, com alguns propuseram por
sentir que havia nesse direito expressão correspondente ao vínculo real. Mas os fatos
resistiram a essas tentativas de classificação, e patenteou-se a impossibilidade de enquadrar
o privilégio em qualquer dessas formas jurídicas.
O direito não organiza quadros para dentro deles meter a vida; esta é que
oferece os dados para as construções jurídicas.
Formando um todo com o domínio da estrada, tem o privilégio de zona a
mesma natureza jurídica do domínio: é direito real. O direito de A sobre a zona privilegiada
é real; é a parte componente da propriedade da estrada de ferro da sua concessão” – (Rev.
de Dir. Público e Administrativo, v. 17, pág. 45 e segs.).
LACERDA DE ALMEIDA doutrinou:
“O Código, pois, não esgotou nem poderia esgotar as inúmeras modalidades,
as variadíssimas figuras dos direitos reais. Não o poderia jamais. O Código tem as pernas
curtas; a doutrina e mais que a doutrina dos fatos, fonte da doutrina, precedem-nos na
carreira, vão na dianteira e com muita luz... O que os néscios atribuem à evolução, capa e
valhamento da ignorância, não é mais que a sucessão dos fatos inobservados a princípio,
gerando o costume depois e que afinal após longo percurso no tempo são alcançados pelos
estudiosos, logo em seguida pela jurisprudência e afinal pelo legislador, que como o dono
da casa é o último a enxergar o que nela se passa” – (Rev. cit., v. 17 – pág. 502).
Passíveis de controvérsias são também os casos de retenção, de jus sepulchri, de
direito a lugar nos teatros, etc.
A atividade moderna faz surgir nova situação, a que a lei tem de emprestar o
caráter real para melhor assegurar os interesses em jogo.
FADDA e BENSA advertem:
“Teniamo solo a ricordare che il numero dei diritti reali inmobiliari, como
notanno, non può riternersi limitato dalla enumerazione contenuta nell‟art. 415, cod. civ.”
– (Op. cit., pág. 597).
Assim, a obrigação de construir certas regras em lotes vendidos com essa
restrição, a de fazer o arruamento em determinadas bases, a que decorre da irrigação, por
força da açudagem, etc.
BONNECASE invoca recente julgado da Corte de Cassação considerando
constitutiva de servidão a cláusula do cahier des charges que vedava aos compradores de
lotes a exploração de carreiras, caieiras, etc, em proveito dos outros lotes, assim
aumentados em seu valor venal; outro aresto ordenou a demolição de imóvel construído em
Paris por contravenção à cláusula particularmente severa, iserida no ato de venda do terreno
e interpretada como instituindo servidão válida (Suppl. au Traité de Dr. civ. de BAUDRY-
LACANTINERIE – v. 5, pág. 424).
Também BIAGIO BRUGI entende que, se se admite o veto ao exercício de certa
indústria como envolvendo servidão destinada a evitar concorrência, não se pode recusá-la
em favor de um prédio, quando a cláusula proíbe a edificação próxima, a fim de garantir
um espaço livre (Rev. di Dir. Comm. – 1926 – II – pág. 151).
FULVIO MAROI, assim, comenta a jurisprudência italiana, a esse respeito, na Revue
trimestrielle de droit civil:
“La Cour supreme, avec une décision du 13 mai 1927, a dit qu‟il s‟agissait
d‟une véritable et propre servitude en faveur du surplus de terrain restê dans la propriété
du vendeur. Contrairement à la jurisprudence de la Cour suprême, des cours d‟appel, en
face du pacte contenant des limitations d‟usage imposées a l‟acquéreur, le traduisent par
une obligation personelle. A mon avis, le lien imposé a un fonds, quand il est destiné à
accroître valeur économique d‟un autre fonds, à cause des attributs de plus grande
commodité ou de bon ton qu‟il lui assure, peut bien constituer le contenu d‟une servitude. Il
faut considérer comme normal que la volonté des parties entend ramener l‟obligation
relative à des modalités déterminées de construction ou d‟usage comme inhérent au fonds
et qu‟elle entend donner la vie à une véritable servitude, laquelle peut se réclamer tantôt de
la servitus non aedificandi, tantôt de la servitus prospectus, ou enfin de la servitude altius
non tollendi, avec cela de particulier que la servitude assume un caractère réciproque. On
explique ainsi facilement que les acquéreurs de lots de date antérieure peuvent imposer le
respect du lien aux acquéreus des lots de date postérieure” – (1931, página 1003).
Já se entendeu que o compromisso de não dar bailes em prédio contíguo à igreja
constitui servidão, porque interessa ao fundo e não às pessoas (Cod. Civ. francês – art.
686), e, assim também, a cláusula inserida no ato da venda de terreno, impondo ao
vendedor não vender ou alugar, todo ou parte dele, para usinas ou certo gênero de
comércio, de tal modo que as casas –
“ne pourront jamais être occupées que bourgeoisement” – (MAURICE
PICARD – op. cit., § 945).
Mais interessante é o caso decidido pelo Tribunal de Milão a 27 de Maio de 1930:
a vendedora, ao alienar o terreno, exonera o comprador de qualquer responsabilidade pela
desvalorização que derivasse para as áreas vizinhas, da mesma proprietária, decorrentes de
construção de estabelecimento industrial; a Corte desconheceu a servidão, mas considerou
limitação convencional da propriedade, vinculando os herdeiros e gli aventi causa.
O comentador censurou, porém, a solução dada, achando mais correto reconhecer
francamente a servidão do que admitir uma obrigação pessoal oponível aos adquirentes, a
título singular:
“Se l‟utilità dell‟industria impiantata stabilmente nel fondo è utilità del
fondo, al pari d‟una utilità di carattere agricolo, edilizio o minerario, nulla impedisce che
sui vicini venga stabilita una servitù avente per oggeto la tolleranza dei danni derivanti
dall‟esercizio industriale, e ciò anche se le possibilità di sfruttamento e il valore
commerciale del fondo servente ne risultino notevolmente diminutti. Ciò posto, no c‟e
dubio che una servitù siffata possa essere constituita mediante un titulo.
Quindi, anche a prescindere dall‟esistenza d‟un titolo costitutivo di servitù,
se alcuno costruisce sul suo fondo uno stabilimento industriale e poi vende le aree
circostanti, o più ancora, parte dello stabilimento stesso, l‟acquirente rimane investito d‟un
diritto di proprietà limitato – come diceva la Corte di Cassazione - e precisamente d‟un
diritto di proprietà limitato dall‟onere di subire le eventuali immissioni e le conseguenze
dannose derivanti dall‟esercizio industriale, nello stato di fatto costituito dall‟originario
unico proprietario d‟entrambi i fondi. Posto, dunque, che si tratta di servitù continua ed
apparente, ne consegue che essa potrà essere acquisitata anche per usucapione” -
(ARISTIDE FOÁ – Riv. Dir. Comm., II, 1932 – pág. 102).
WIELAND entende, ao revés, que a obrigação de tolerar o incômodo não pode ser
objeto de servidão (op. cit., pág. 480).
Entre nós, um caso curioso foi julgado em São Paulo: A vendera lotes para uma
rua projetada com 16 metros de largura e, depois, alienou o restante do terreno, sem
restrições, a B, que reduziu a passagem dos outros compradores a 5 metros; estes
reclamaram, alegando servidão: o Tribunal, a princípio, entendeu, que, não ficando os
prédios encravados, tinham seus donos mero direito de indenização contra o vendedor pela
desvalorização da propriedade (Rev. dos Tribunais – v. 60 – pág. 460).
No julgamento dos embargos, porém, por voto do Presidente, decidiu que havia
servidão recíproca entre os lotes e, sendo aparente, fora adquirida por destino do anterior
proprietário, que vendera os lotes (Rev. cit., vs. 66, pág. 351 e 72, pág. 129).
Agora mesmo, a Prefeitura do Distrito Federal estabeleceu cláusulas curiosíssimas
para a venda de lotes de terreno na área proveniente do desmonte do morro do Castelo
(decreto n. 3837, de 9 de Abril de 1932):
“Art. 8o – As construções nas áreas arrematadas destinar-se-ão
exclusivamente: nos pavimentos superiores, a habitações particulares, escritórios e
comércio de luxo: e, nos pavimentos térreos e sobrelojas, a restaurantes, cafés, casas de
moda e demais negócios que não sejam defesos na referida zona.
Art. 9o – As construções deverão obedecer às disposições do presente
decreto e regulamentos. § 1o – As construções de uma quadra obedecerão ao mesmo partido
arquitetônico, tendo a mesma altura, podendo apenas um edifício ser construído em cada
lote. § 4o – Sem prejuízo de quaisquer outras multas ou penalidades em que incorrerem o
arrematante ou o seu sucessor, senão a estes cobradas as multas, além de ficarem ambos,
obrigados a cumprir com o determinado na respectiva escritura, sendo o antecessor (por si
ou seus herdeiros) responsável pelas multas, caso, na alienação intervivos ou em legado,
não tiver ficado estipulada expressamente a obrigação em que fica o sucessor de cumprir o
determinado na escritura.
Art. 10 – As áreas ou pátios internos figurados nas plantas poderão ser
ajardinados, ou para servidão perpétua de passagem, luz e ar dos lotes da quadra, sendo
permitido, nos destinados a logradouros públicos, o estacionamento de veículos
particulares.
Art. 11 – As passagens das vias públicas para as áreas destinadas a
logradouros públicos ou a servidão dos lotes da quadra, ficam constituídas, em servidão de
trânsito (inclusive de veículos) para o ditos imóveis, e, assim, serão adquiridas com tal
encargo, podendo ser edificadas a partir do primeiro andar, como também ficam
constituídas em servidão de luz, vista e passagem para o pavimento térreo dos imóveis
contíguos, que poderão aí abrir portas ou janelas, e ter vitrinas.
Art. 12 - Nas vias públicas onde a construção dos pavimentos térreos deve
deixar espaço para galerias, o solo sob essas galerias, pertencerá ao arrematante que poderá
edificar, a partir do primeiro andar. Essas galerias são destinadas à servidão pública de
trânsito para pedestres. Parágrafo único – Serão gratuitas todas as servidões a que se
referem os artigos 10 e 11.
Art. 13 – Quando os lates em torno de um pátio pertencerem a um único
proprietário, não serão aplicáveis as disposições deste decreto, relativas a tais pátios, se
quiser adquirir o pátio para construção de cinema, teatro ou salão de festas. § 2o – A
qualquer tempo poderá o dito pátio ser adquirido pelo mesmo preço por quem se torne
único possuidor de todos os prédios contíguos ou por empresa ou firma constituída pelos
proprietários de todos esses lotes”.
Poderíamos chegar, até, a certos casos de servidões pessoais, reconhecidas no
estrangeiro, como a caça, a pesca e os exercícios de tiro na propriedade alheia (v.g. Cods.
suíço, art. 781 e alemão, art. 1090); aliás, aqui, se verificou também, um caso, decidido
pelo Tribunal de São Paulo, como envolvendo uma servidão pessoal de caráter irregular, e
incessível – trata-se do direito de navegar com um bote em represa de Light and Power,
reservado na escritura de doação do terreno, necessário à construção da represa (Rev. dos
Tribunais, vs. 53, pág. 245 – 59, pág. 299 – 62, pág. 606 e 72, pág. 393).
Na Itália, em face do art. 476 do Código Civil, que regula os direito de usufruto,
uso e habitação primacialmente pelo título de constituição, a doutrina admite a constituição
das servidões pessoais irregulares, mas como
“diritti limitati di usufrutto, ciò che como si disse, corrisponde appunto al
concetto che delle servitù irregulari ebbe il CUJACIO” – (LANDO LANDUCCI, Servitù, 1926,
pág. 13).
Aliás, as categorias jurídicas, mesmo sob a concepção antiga, não são irredutíveis,
como compartimentos estanques; bem conhecida é a tradicional controvérsia sobre o
caráter da própria locação, quando oponível a terceiros.
A este respeito, apenas recordaremos as lições de WIELAND:
“Les droits personnels peuvent être inscrits au registre foncier et diviennent
ainsi opposables à tout droit postérieurement acquis, en d‟autres termes, l‟annotation au
registre foncier déploie des effets réels. Elle assure la réalisation d‟un droit personnel
comme s‟il était réel. C‟est ainsi, par exemplo, que l‟annotation du bail assure les droits du
bailleur contre un acquéreur subséquent de l‟immeuble, bien que le contrat ne confère des
droits qu‟à l‟égard du bailleur” – (op. cit., v. II, pág. 491).
FADDA e BENSA:
“Di fronte a tutto ciò, dovendo interpretare il nostro diritto positivo, se non
possiamo affermare como indiscutibile il carattere reale delle locazioni ultra-nevennali
transcritte, dobbiamo pero propendere a riconoscerlo” – (Op. cit., pág. 596).
MAURICE PICARD:
“Ce qui est vrai c‟est qu‟il n‟y a pas d‟opposition telle entre les deux
catégories de droits que l‟on ne puisse concevoir soit une pénétration réciproque de leurs
effets, soit une catégorie intermédiaire de droits à opposabilité restreinte, dont le droit du
preneur à bail est le meilleur exemple” – (op. cit., página 47).
e BERNARD PERREAU:
“Il nous paraît donc certain que le preneur à bail n‟a pas de droit réel. Tout
ce que l‟on peut dire c‟est que la distinction présentée autrefois entre le droit réel et le
droit personnel tend à s‟affaiblir lorsqu‟on analyse le droit réel comme comportant une
obligation passive universelle. On conçoit alors qu‟il y ait entre les droits opposables aux
débiteurs seuls et les droits à opposabilité absolue une catégorie intermédiaire de droits
opposables à un groupe de personnes déterminées. Le droit du preneur, opposable à
l‟acquéreur et aux créanciers hypothécaires, ferait partie de cette catégorie” – (Traité
pratique de droit civil français – t. X - § 548).
21 – Quando se quisesse, todavia, aplicar, rigorosamente o art. 67648
, do Código
Civil, mal ajustável às servidões, em face do que dispõem os arts. 697 e 50949
, como já
vimos, teríamos de concluir ser a questão do registro diversa da do título – a transcrição,
mesmo na ausência de título escrito, poderia ser feita sem dificuldade intransponível.
O título da servidão não deve, mesmo, ser entendido na acepção de escrito feito
pelas partes, pois pode revestir várias formas, até a sentença do juiz, nas ações divisórias:
“Não se limitam as partilhas ao retalhamento de quinhões, mediante os
requisitos mencionados, mas devem também instituir as indispensáveis servidões e atender
particularmente às vantagens que auferia o prédio comum com as servidões que nele
existiam (decreto n. 720, de 1890, art. 65). Instituindo servidões, o juiz cria direito para
aparte, excedendo, assim, por faculdade legal, a sua missão normal que consiste em declara
direitos preexistentes. Conservando as servidões já existentes e, porventura, ainda úteis ao
48
Art. 1227 do Novo Código Civil de 2002. 49
Arts. 1378 e 1213 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.
prédio, o juiz evita ônus futuros para as propriedades desmembradas e litigos que, da
privação delas, podiam originar-se” – (WHITAKER, Terras, § 225).
Quanto ao alcance desse ato, há, porém, discordância:
“Ma, bene riflttendo, non è il giudice che dà luogo alla servitù, ma la
convenzione racchiusa nei patti della vendita o della divisione; per modo che il magistrato
interviene in questa convenzione pel semplice scopo di omologare la divisione e la
espropriazione” – (FRANCESCO DE FILIPIS – Corso di diritto civile – v. III - § 552).
Já TEIXEIRA DE ABREU (op. cit., v. II, pág. 5) entende que a origem dessas servidões
é exclusivamente a lei, procedendo o juiz a mera declaração.
O verdadeiro sentido da expressão título é reconhecido nemine discrepante, maximé
em quanto a servidões:
“Le titre a ici le sens d‟acte juridique (negotium), et non pas d‟écrit ou acte
probatoire (instrumentum); quand on dit qu‟une servitude est établie par titre, on fait
allusion à son mode de création et non à sa preuve. Un écrit peut bien servir à demontrer,
à établir en justice l „existence d‟une servitude; il n‟en est pas l‟acte créateur. Dans l‟art.
690, le titre est donc ce qui sert à constituer la servitude, indépendamment de toute
difficulté relative à la preuve” – (PLANIOL – op. cit., § 2937).
“Il vocabolo titolo è dunque preso in senso lato, nel senso cioè di una
causa efficiente del diritto, di fatto generatore delle servitù. Secondo tale dotrina, lo scritto
non è il titolo, ma l‟atto impiegato per conservare la prova della servitù. Qualunque genere
di prova à ammissible per dimostrarne l‟esistenza nel rapporto delle parti contraenti”- (A.
BUTERA – op. cit., § 156).
“Titulo é o fundamento do direito. Em relação ao domínio, é o fato jurídico,
pelo qual a propriedade se adquire ou transfere, como a venda, a troca, a dação em
pagamento, a doação, o legado” – (CLOVIS BEVILAQUA – op. cit., v. 3 – pág. 87).
Na hipótese em debate reside o título na aparência, no destino, na inerência real,
denunciando, mesmo, para alguns, uma convenção tácita.
COLIN et CAPITANT, por exemplo, afirmam que não é propriamente a destinação do
pai de família o ato gerador da servidão; o que lhe dá nascimento é o acordo tácito das
partes, não sendo exato dizer com o Código de Napoleão que a destinação vale título. Na
origem da servidão, há um título, mas com a particularidade de ser tácito, oculto e, por isso
mesmo, dispensado de transcrição (Op. cit., pág. 979).
Já, diversamente, pensa A. BUTERA, para quem a constituição segunda na vontade
do proprietário dos dois prédios, na intenção única do pai de família no momento em que
criou o estado das coisas, que, mais tarde, constituirá a servidão e nunca em uma convenção
tácita (op. cit., § 199).
Entretanto, PICARD insiste:
“En déclarant que la destination du père de famille vaut titre, l‟art. 692
semble la considérer comme un mode de constitution des servitudes distinct du titre. Rien
pourtant ne serait plus contraire à sa véritable nature, car elle n‟est, au fond, qu‟une
modalité de la constitution par titre. Elle est, en effet, fondée sur cette supposition qu‟au
moment de le séparation du fonds il y a eu convention tacite entre les parties que l‟état de
fait établi par le père de famile serait maintenu, et la loi voit en elle un moyen d‟établir
l‟existence de cette convention. Elle se ramène donc à un procédé de preuve de l‟existence
d‟un titre constitutif de la servitude” – (op. cit., § 966).
Como quer que seja, na hipótese, exclui-se normalmente a existência de título
formalizado.
22 – Pouco importa, pois, o registro, aspecto sucessivo do problema, bastando
recordar que o Código suíço, permitindo a servidão sobre a própria coisa, exige, entretanto,
a inscrição.
Existindo o título materializado na inerência, ficará o interessado habilitado a
promover sua transcrição, exatamente como o dono do prédio serviente, também por ato
unilateral, pode cancelar as servidões, mediante a prova da sua extinção, em certos casos
(Cod., arts. 708, 710 e 71150
).
50
Arts. 1387, 1389, I, II e III e 1389 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.
Ora, do não uso ou da supressão de obras, não se tem prova pré-constituída; há de se
encontrar uma forma para verificação do fato, a fim de ser exibida ao oficial:
“Voici des cas où l‟extinction de la servitude, ou sa réduction, peut être
obtenue, à raison des circonstances, au moyen d‟une action en justice, si le proprietaire du
fonds dominant n‟y consent pas lui-même amiablement” – (ROSSEL et MENTHA – op. cit., v.
III, pág. 15).
Do mesmo modo, se poderia proceder em quanto à criação do vínculo por destino
do proprietário:
“Colui che invoca la destinazione del padre di famiglia, come titolo
costitutivo della servitù prediale, è tenuto a dimostrare le condizioni, dal cui concorso
risulta l‟acquisto del diritto. A tal fine è ammesso qualunque genere di prova, e, quindi,
anche la prova testimoniale, l‟interrogatorio, il giuramento e le presunzioni. Con gli stessi
mezzi si dimostra del pari che i fondi, attualmente divisi, sono stati posseduti dallo stesso
proprietario. Non si oppone a tale prova l‟art. 1314, Codice Civile. Ora, i fatti meteriali,
sebbeno producano consegueze giuridiche, non sono convenzioni, e perciò possono
dimostrarsi con qualunque mezzo. Non deve percio seguirsi la dottrina di qualche solitario
scrittore, il quale a tal fine richiede la prova scritta, come se si dovesse provare una
convenzione traslativa di proprietà, in cui il titolare avesse partecipato come contraente” -
(A. BUTERA – op. cit., § 208).
Mas, a questão do registro, orientado pelo escopo principal da propriedade, perde de
interesse diante da própria evidência, que ninguém pode desconhecer.
Todas as legislações se desapegam do registro nesse caso.
Na França:
“Le servitù acquistate per destinazione del padre di famiglia o per
prescrizione sono opponibili ai terzi indipendentemente dalla transcrizione. L‟art. 2-1o
della legge del 23 marzo 1855 non contempla che la transcrizone dell‟atto costitutivo della
servitù, del titolo scritto: ora qui non si ha titolo” – (BAUDRY – LACANTINERIE et CHAVEAU
– op. cit., § 1125).
Na Itália:
“La destinazione del padre di famiglia ch‟`r un modo speciale d‟acquisto
delle servitù continue ed apparenti, non è sottoposta a transcrizione, poichè essa
costituisce un fatto, non già un atto. Basta il fatto che due fondi, attualmente appartenenti a
proprietari diversi, siano stati un giorno posseduti dallo stesso proprietario e che questi
pose e lascio le cose nello stato dal quale risulta la servitù, perchè questa s‟intenda
stabilita attivamente e passivamente a favore e sopra ciascuno de fond separati, se non via
sia stata alcuna disposizione contraria dell‟anticoe commune proprietario. E quegli stessi
scrittori che vollero sottoposto a pubblicità tale modo d‟acquisto, pensarone si trattasse di
convenzione tacita. Ma questo concetto è falso” – (COVIELLO – Della trascrizione, v. I - §
132).
Nos mesmos termos RICCI (Corso di diritto civile – v. II, § 455).
Em Portugal, segundo DIAS FERREIRA (Cod. Civ. port. anotado, v. 2, pág. 418) e,
em virtude do disposto no decreto de 30 de Junho de 1870, o registro das servidões
aparentes é facultativo; esse egrégio comentador invoca a esse respeito as considerações
feitas pelo exímio jurisconsulto, DIAS DE OLIVEIRA, em lúcido e substancioso artigo, e que
considera tão peremptórias que não admitem réplica:
“Que de mandem registrar as servidões não aparentes para terem efeito
contra terceiros, é justo, e todos o compreendem; mas quanto às servidões aparentes, às que
por sua natureza se acham registradas nos prédios dominantes e servientes, por forma que
ninguém pode ignorar a sua existência, porque estão patentes a todos que acerca de tais
prédios quiserem fazer transações, onde está a justificação desta restrição ao direito de
propriedade? As portas, as janelas, os aquedutos subterrâneos, são servidões por tal forma
inscritas nos prédios, a que respeitam, ou sejam públicos ou particulares, que não vemos
justificação possível do legislador, que as manda ainda assim inscrever num livro imenso,
que de certo lhes não há de dar maior publicidade do que a que tiram da sua própria
natureza.
Terão todos os proprietários de prédios com portas, ou janelas sobre a via pública,
ou sobre prédios particulares de sofrer o dispendioso encargo de um registro inútil só
porque o legislador teve o capricho de o mandar fazer? Não se acham todas estas servidões
bem autenticamente registradas nesses prédios para que ninguém possa ignorá-las, e ser
enganado nas transações que celebrar?”
É o seguinte o sistema atual do código do Registro Predial Português:
“Art. 180 – Estão sujeitos ao registro:
n. 2 - os ônus reais.
§ 1o – Pode também ter lugar o registro do domínio e o das servidões
aparentes.
§ 2o – Só se reputam ônus reais para os efeitos do n. 2 deste artigo:
1o – A servidão não aparente e o compáscuo;
2o – o uso, a habitação e o usufruto.
Art. 278 – Nenhum ato ou contrato sujeito a registro pode ser invocado em
juízo senão depois de registrado.
Excetuam-se:
5o – As servidões aparentes”.
PEDRO PITTA, comentando esses textos, diz:
“Embora possam também ser registradas, as servidões produzem efeito em
relação a terceiros, mesmo que o seu registro não tenha sido efetuado. O que bem se
compreende. O registro dá conhecimento do estado em que, juridicamente, se encontra o
prédio, sob o ponto de vista dos seus direitos e encargos. E a servidão aparente, mostrando-
se por si própria, conhece-se independentemente de estar, ou não registrada.” - (Novo
Código Reg. Predial, 1929, pág. 326).
Para ver como a artificialidade nada pode contra a inerência material, visível, basta
invocar o exemplo suíço: o Código Civil permite a servidão sobre a própria coisa, mas,
acima de tudo, coloca o registro, aplicável àquele caso e até à extinção do ônus pela reunião
dos dois prédios, sob o mesmo proprietário.
Entretanto, as lacunas deixadas ao rigor do registro são, na própria Suíça,
numerosas.
Vejamos, por exemplo, a crítica de ROSSEL et MENTHA:
“En vérité, on semblait ne concevoir ces empiètements que comme
servitudes foncières. Mais, ce qui est bizarre, ce sont là des servitudes qui peuvent exister
sans inscription au registre foncie, puisque cette inscription n‟est que facultative, et peu
conciliable avec la rigueur mathématique du registre, foncier; mais nous ne sommes pas
fâches de voir cette rigueur fléchir ici. La protection de la propriété foncière pour que la
démolition de l‟immeuble pût être exigée, sans compter que l‟intéret du tiers acquéreur
n‟est pas lésé, à l‟ordinaire, attendu qu‟il a pu se renseigner sur l‟existence de
l‟empiètement. Nous trouvons donc, un sens très rationnel a notre alinèa et nous
regretterions qu‟on ne vît dans ce texte qu‟une inadvertance à corriger par la doctrine et la
jurisprudence. Il nous parait, tout bien considérée, que, sans l‟avoir dit en termes exprès, le
code, par l‟inscription simplement facultative des servitudes d‟empiètement, consacre
l‟acquisition, à titre de droits réels, de ces servitudes continues et apparentes par la simple
destination du père de famille, institution hautemente recommandable” – (op. cit., pág. 347
e sergs.).
Ainda, a propósito das canalizações:
“Ces installations (dérivant du droit de voisinage), sont, à la requête de
l‟ayant droit, inscrites à ses frais au registre foncier; inscription facultative d‟ailleurs, car
le texte allemand porte si l‟ayant droit le requiert, en sorte que le defaut d‟inscription ne
les empêche pas d‟être opposables aux tiers” – (op. cit., pág. 371).
E WIELAND:
“C‟est porquoi l‟art. 676 prévoir la constitution d‟une servitude sans
inscription au registre foncier, pourvu que la conduite soit apparente (conduites à haute
tension ou autre conduites aériennes)” – (op. cit., pág. 274).
Ora, a aplicação do registro nunca poderia ser, entre nós, feita com maior exigência
do que na Suíça.
O § 5o do art. 6
o da lei n. 1237, de 1864 e o art. 274 do regulamento n. 3453, de
1865, exigindo registro para todos os ônus reais, dispunham que as servidões adquiridas por
prescrição seriam transcritas por meio de justificação julgada por sentença, ou de outro
qualquer ato judicial declaratório.
O art. 249 do decreto 370, de 2 de Maio de 1890 exigiu, porém, a sentença proferida
em ação confessória, ou interdito possessório.
Mas, o Código Civil, como vimos, a despeito de regra do art. 67651
, só exige
transcrição para as servidões não aparentes, servindo de título, no caso de usucapião, a
sentença que o julgar consumado.
A lei sobre registros públicos, n. 4827, de 1924, ainda tornou mais explícita a regra,
só cogitando, como há pouco observamos documentadamente, do registro das servidões
não aparentes (art. 5o, b n. VII).
No conflito entre o preceito geral e o especial há de prevalecer este, de modo, pelo
menos, a invalidar o argumento, derivado do art. 676.
23 – Contestados os argumento aduzidos contra a servidão por destino do pai de
família, vejamos a realidade dos fatos.
Os diretos de vizinhança são, incontestavelmente, de caráter real, transformando-se,
em certos casos, como já vimos, em verdadeiras servidões.
Modernamente, as servidões não mais se consideram como parcelas destacadas de
faculdades do domínio, que não se fraciona – são modos de ser da própria coisa:
51
Art. 1227 de Novo Código Civil de 2002.
“Spesso si considera la servitù come una parte costitutiva della proprietà,
separata. Ma si tratta solo di una limitazione della proprietà, no già di un distacco di una
parte constitutiva della proprietà” – (DERNBURG – op. cit., p/ag. 269).
A propriedade não é a soma, mas a unidade dos poderes que a constituem; a
separação a favor de outrem de uma faculdade não constitui detração dominical, porque não
compreende uma quota parte do inteiro, mas um poder singular; a diferença entre o
conteúdo da servidão e o da propriedade não é só quantitativa, mas também, qualitativa:
“Tutto ciò vale a mostrare come sia completamente errata la dotrina, che
ravvisa nella servitù una frazione di proprietà e sia del pari inesatta la terminologia che
chiama questi onero diritti reali frazionari. A parte il riflesso che una o più facoltà della
proprietà non sono frazioni di questa, nè è vero che sempre si stacchi una facoltà, nè quel
che si toglie era, in quella figura giuridica, presso il proprietario” – (A. BUTERA – op. cit.,
págs. 16 e segs.).
Só os modernos Códigos destacam, ainda os direitos de vizinhança das servidões,
pois os antigos os incluíam entre estas com caráter, embora, de naturais ou legais.
O nosso, que distingue os institutos, deixou escapar algumas incoerências; assim, os
arts. 562 e 568, no capítulo dos direitos de vizinhança, se referem à servidão e o artigo
70652
, entre as servidões que são apenas voluntárias ou por ato do homem, permite, em
certo caso, a ampliação compulsória.
Outros preceitos relativos ao assento (assiette) do gravame e à sua extinção, são
aplicáveis, indiferentemente, a servidões e a direitos de vizinhança.
Ora, em relação a estes, não exige o Código qualquer registro; sua constituição
opera-se ex vi legis, ou pela inércia do vizinho – a publicidade decorre da aparência, da
visibilidade.
Imaginemos, assim, o caso do indivíduo, que faz duas casas, abrindo janelas, sem
distância legal, ou deixando goteiras e as aliena, mais tarde, a pessoas diversas; ou ainda, o
52
Art. 1385, § 3o do Novo Código Civil de 2002.
de ser vendido um prédio com toda a extensão do terreno, que abrange a parede, onde apóia
o vizinho, do mesmo proprietário.
Acaso, se admitirá que um novo dono possa exigir o fechamento da janela, ou o
isolamento da construção contígua?
Não encontraríamos justificação para atos, verdadeiramente abusivos, como seriam
esses.
No caso da reciprocidade de janelas, haveria até dificuldade em verificar qual o
prejudicado.
Ora, se assim é, em relação aos direitos de vizinhança, porque não o será
relativamente às servidões, que, no fundo, têm a mesma ou aproximada natureza?
A lei, queira ou não, há de atender à necessidade dos fatos, à situação e à inerência.
Porque, por exemplo, um aqueduto pode ser alcançado compulsoriamente pela
condição de vizinhança e outro, já existente entre prédios, antes de um só dono, deve ser
suprimido pela separação dos fundos, ao mesmo sob a exigência de reparação pecuniária,
omitida por ocasião da venda?
Entre nós, não há, sequer, a servidão legal de eletroduto, reconhecida em quase
todos os países por elementares razões de utilidade social; muito menos, a de passagem de
outras canalizações de água, luz, gás, esgotos, telefone, etc.
Se um proprietário constrói um grupo de casas, atravessadas todas, menos a última,
por canalizações desse gênero, pode, quando passarem a dono diferentes, cada um destes
exigir a retirada desses elementos indispensáveis à utilização dos outros?
Admiti-lo, sob fundamento de que os romanos não reconheciam a inerência real ou
que a publicidade da dependência não se aperfeiçoou pelo registro, é aplicar o direito com
farisaísmo incompatível com seu conceito atual.
Não reconhece ainda o próprio Código Civil, no art. 70753
, a influência decisiva do
destino para restringir o princípio da indivisibilidade das servidões?
Eis as razões que nos levam, convencidamente, a concluir pela persistência entre
nós da animi destinatio, preferindo, assim, o parecer do eminente ALFREDO BERNARDES,
sem embargo de profundo respeito pela opinião de seus doutos antagonistas.
53
Art. 1386 do Novo Código Civil de 2002.
O amor à lógica não pode justificar o abuso de direito, com destruição de riqueza, e
a publicidade de fato é suficiente para denunciar ao adquirente a reserva.
As vantagens do instituto tornam-no indispensável à vida atual:
“De fecundíssimos resultados práticos, assenta o art. 2274 do nosso Código
Civil numa presunção que os fatos inteiramente justificam e as necessidades sociais
urgentemente reclamam. Bem andou, pois, o legislador português em perfilhar uma
doutrina, que se não tem a seu favor a tradição romana, como alguns pretendem, pode
invocar como testemunho da sua racionalidade a quase unânime opinião dos modernos
códigos e a tradição que da Idade Média vem, até hoje, avigorando-se cada vez mais” –
(TEIXEIRA DE ABREU – Das Servidões, v. II, pág. 134).
ALESSANDRO SACCHI diz que a destinação do pai de família é um fator de primeira
importância na formação e na evolução dos institutos jurídicos (op. cit., pág. 613).
Na própria Alemanha, onde a destinação do pai de família não se encontra no
Código, esse modo de constituir servidão pode ser a condição tácita de um contrato de
alienação, segundo ensina M. S. V. SHERER, em seu trabalho diferencial entre os Códigos
de Napoleão e de Guilherme II (2a ed., 1927, § 51).
E mais, segundo informam os comentários de RAOUL DE LA GRASSERIE e do Comité
de Legislation étrangere de Paris – 1906 – a destinação do pai de família ou qualquer coisa
de análogo é admitida, senão em matéria de servidão, na de propriedade, quando dois
prédios separados por fosso, cerca ou outro intervalo comum, mas tendo um só proprietário,
vêm a cair em diferentes mãos; em conseqüência da venda, tais fossos e cercas tornam-se
comuns.
É fácil, porém, demonstrar que nem a rigidez do princípio da inscrição no registro
exclui, na Alemanha, a influência necessária das coisas, constituindo-se servidões por
destino do pai de família, exatamente como nos demais países a despeito do subsídio em
contrário que poderiam trazer os trabalhos preparatórios do Código.
Assim, , em ACHILLES-GREIFF (op. cit., pág. 587) se encontram referência aos
julgados, que admitiram a constituição tácita de servidão na venda de um, entre vários
prédios, servindo uns aos fins dos outros:
“Dir Verpflichtung zur Bestellung einer Grunddienstbarkeit kann
stillchweigend, z. B., beim Verkauf eines von mehreren Grundstücken, von denen das eine
den Zwecken des anderen dient, ubernommen werden”.
No cometário elaborado por Juízes do Supremo Tribunal alemão –
Reichgerichtsraten – (3a ed. 1921 – v. II – pág. 344) se confirma que
“die Einigung kann auch stillschweigend erfolgen”
embora se considere que o aperfeiçoamento da servidão, assim constituída, dependa
do registro; entretanto, as decisões citadas, contraditoriamente, são em maior número no
sentido da dispensa do registro.
Ainda os comentadores acrescentam que, em certos casos, em que o uso de um
prédio é necessário ao outro, v. g. represa e desvio ferroviário para fábrica, a vontade das
partes para constituição da servidão deve ser presumida do ato de alienação, podendo ser
compelida a outra parte a fazer o registro (wozu er dem anderen Teil angehalten werden
kann).
Também, na Suíça, onde o princípio da divisibilidade de donos foi posto de lado, a
doutrina censura, neste caso, a exigência do registro; atém das observações há pouco
invocadas, ROSSEL et MENTHA chegam a aconselhar uma solução indireta.
“C‟est là, ne faut pas se le dissimuler, un très grave inconvénient du
système; car un état de fait subsistan depuis longtemps, et auquel des intérêtes très
considérables peuvent être attachés, est par cela seul éminemment respectable; il y a là,
semble-t‟il, une nécessité primordiale, contre laquelle la perfection mathématique et
quelque peu artificielle du registre foncier ne devrait pas prévaloir. Le remède , que le
sustème même nous refuse, se trouverait-il peut-être dans la règle de l‟art. 2, suivant lequel
l‟abus manifeste d‟un droit n‟est pas protégé par la loi? On pourrait dire qu‟un état de fait,
qui ne constituerait une servitude que par l‟effet d‟une inscription correspondante, ne
saurait exister comme servitude, quelque temps qu‟il ait duré, faute de l‟inscription
nécessaire; mais que, ce nonobstant, le voisin doit continuer à le souffrir et n‟en peut
réclamer la suppression parce qu‟en le faisant, ce à quoi le raisonnement purl‟autoriserait
à la rigueur, il commettrait un abus du droit. Au lieu donc d‟obtenir directementune
véritable servitude par la prescription acquisitive, on obtiendrait indirectement le même
résultat par le maintien d‟un état de fait qui ne cesserait pas d‟être, à prendre strictement
les choses, irrégulier. Il n‟est guere possible, néanmoins, d‟introduire dans le systèje du
registre foncier la douplesse qui lui manque, par l‟application de l‟abus du droit: sit ut
est... (op. cit., pág. 292).
No direito anglo-americano também prevalece a servidão por destino, denominada
easement by implication.
Assim, em Bouvier‟s Law Dictionary and concise Encyclopedia se mostra, à luz de
múltiplos julgados, que, nos Estados Unidos, se tem apenas mitigado a regra do direito
comum inglês com a nova exigência de que a serventia, para ser mantida, deve ser
necessária ao uso e gozo do prédio dominante, ao passo que na Inglaterra subsiste em
qualquer caso a título de servidão.
Fácil é verificar a aproximação desses princípios aos das demais legislações:
“One of the essential feature of an casement is that it is a right or interest in
the land of another; a man cannot have an easement in his own property. But while this is
true, it has been held that the owner of an entire tract of land, or of two or more adjoining
parcels, may so employ a part the roof as to create a seeming servitude, or as it is
sometimes termed, a quasi easement in favour of another portion to which the use becomes
appurtenant. When the quasi-dominant tenement is conveyed whithout an express reference
in the deed to the servitude, the quasi easement is occasionally held to have been impliedly
granted, and at other times not to have passed, depending upon the nature and character of
the use imposed upon the quasi servient tenement, by involsing the presumption that the
parties contracted with reference to the conditions of the property at the time of the sale,
and that thegranter intended to convey a right to use the quasi easement, and that he
grantee reasonably expected to take and hold such right (Rul. case law – v. IX, pág. 754).
Entre os casos leadings é apontado o de SPENCER v. KILMER – 151 N. York – 390: o
réu, em vastas terras que possuía e Saratoga, tinha dois viveiros de peixes, cuja água era
alimentada por uma nascente e conduzida por telhas, visivelmente: vendendo parte das
terras onde se achavam os viveiros, cortou ele o conduto da água, secando-os.
A Corte decidiu:
“When the owner of a traet of land conveys a distinct part of it to another,
he impledly grants all those apparent and visible casements which at the time of the grant
were in use by the owner for the benefit of the part so granted, and which are essential to a
reasonable use and enjoyment of the estate conveyed. The rule is not limited to continuous
easements or to eases where the use is absolutely necessary to the enjoyment of thing
grantd. It applies to those artificial arrangements which openly exist at the time of the sale,
and materially affect the value of the thing granted, or where the owner of land has, by any
artificial arrangement, effected an advantage for one portion, to the burdening of the other,
upon a severance of the ownership, the holders of tho two portions take them respectively
charged with the servitude and entitled to the benefit oponly and visibly attached at the
time of the conveyance of the portion first granted”.
Diante do exposto, não é exagerado concluir que só argumentos muito poderosos
poderiam autorizar, entre nós, a repulsa a tão proveitoso instituto de caráter universal; força
é, ainda, convir que os aduzidos até agora, em contrário, não oferecem a consistência
necessária, de tal forma que nos animamos a considerar vitoriosa a corrente nacional,
favorável à destinação do pai de família.
24 – Curioso é ver como a força invencível da conveniência social leva os tribunais
a com elas conformar, forçando o círculo que uma lógica rigorosa e excessiva levanta, em
vão, sob pretexto de obediência ao sistema legal. O que se observa na Alemanha e na Suíça,
também aqui acontece.
Antes do Código Civil, a jurisprudência era pacífica em favor da destinação do pai
de família, como constitutiva de servidão.
Apontaremos, apenas, dois acórdãos unânimes da Corte de Apelaçào, deste Distrito,
de 3 de Agosto de 1905 e 22 de Julho de 1908, em que se reconheceu:
“serventia de passagem estabelecida pelo dono dos prédios, que se constituiu
servidão, ex-vi da verba testamentária a fls. 10, legando-os separadamente aos litigantes
sem disposição expressa em contrário; a servidão por destino do proprietário subsiste para
iludir o direito de liberdade do prédio serviente, objeto do presente petitório” – (O Direito,
v. 107, pág. 103).
Depois do Código encontramos apenas uma decisão genérica em contrário: foi
proferida, justamente, na causa, que originou os pareceres contraditórios de CLÓVIS
BEVILAQUA e ALFREDO BERNARDES, antes apreciados.
A 2a Câmara da Corte de Apelação, em 6 de Setembro de 1926, pelos votos dos
Desembargadores ALFREDO RUSSEL, relator, SARAIVA JÚNIOR e SOUZA GOMES, reformou a
sentença do então juiz CESARIO PEREIRA para decidir, invocando os mesmos argumentos,
que já tivemos ocasião de debater:
“Controvertida no Direito Romano e no nosso antigo direito a constituição
das servidões contínuas e aparentes por destinação do proprietário, repele esse modo de
constituí-las o nosso Código Civil em vigor, conforme a lição do seu autor, a pág. 241 do
vol. 3o do seu Código Civil comentado. Silenciou o Código no seu art. 676
54 sobre a
constituição das servidões por destinação do proprietário e, assim sendo, pelos princípios
gerais, a que se refere o art. 6 da Introdução, que deles se deduzem, não há como dizer-se
que no nosso direito é permitida a constituição das servidões por destinação do proprietário.
O contrário não se poderia mesmo inferir dos termos do art. 69755
que tem por fim
especialmente a proibição da constituição das servidões não aparentes por outro meio que
não seja a transcrição no registro de imóveis e do qual não se pode tirar outra conseqüência
senão a de impedir que servidões não aparentes se estabeleçam por usucapião nos termos
54
Art. 1227 do Novo Código Civil de 2002. 55
Art. 1378 do Novo Código Civil de 2002.
do art. 55056
do Código, que admite como meio de adquirir a propriedade imóvel” – (Rev.
de Dir., v. 82 – pág. 417).
Tratava-se, é bom salientar, de passagem.
Entretanto, o acórdão unânime da Corte Plena, de 22 de Novembro de 1923,
relatado pelo Desembargador SÁ PEREIRA, havia, assim, consagrado o instituto:
“Está provado dos autos que o sítio pertencente aos autores era parte
integrante de um todo indiviso, uma vez que pertencia a um só proprietário, e que a
servidão ora reclamada versa sobre um caminho que servia à propriedade. Durante a
existência desse proprietário único, de servidão não se podia cogitar porque ela pressupõe a
existência de dois proprietários de fundos diferentes, donde o princípio – nemini res sua
servit.
Falecendo esse proprietário, o fundo se repartiu por proprietários diversos,
por força da sucessão hereditária, e nestas condições é claro que, uma vez que os autores
foram aquinhoados na verba testamentária com o sítio de que se trata sem restrição
nenhuma, lícito não era aos réus, ora embargados, privarem-se do caminho que punha o
fundo integral em comunicação com a estrada real ou via pública” – (Rev. de Dir., v. 74 –
pág. 405).”
Mais ainda, a 28 de Outubro de 1926, simultaneamente com a decisão da 2a, a 5
a
Câmara da mesma Corte, pelos votos dos Desembargadores ELVIRO CARRILHO, CARVALHO
E MELLO e OVIDIO ROMEIRO estabeleceu que, vendendo o dono dos dois prédios, com
serventia comum, um deles, sem ressalva, converte-se a serventia em servidão, maximé na
hipótese dos autos, em que vendera o prédio n. 48, com cinco metros de terreno na frente,
dimensão que abrangia toda a parede divisória dos dois imóveis, de modo a operar-se
perfeita servidão de travejamento pelo dono antigo, em favor do prédio n. 46” – (Arch.
Jud., v. 2 – pág. 296).
Eis o balanço da jurisprudência local.
Mais significativa, porém, é a análise dos julgados das cortes estaduais, onde vão ter
os litígios verificados no interior do país.
56
Art. 1238 do Novo Código Civil de 2002.
Apreciaremos, apenas, os arestos de São Paulo e Minas Gerais, onde, aliás, não se
encontram exceções ao princípio, ao menos em quanto a servidões aparentes e contínuas.
Assim, a Relação de Minas, no acórdão de 11 de Outubro de 1922 (Rev. Forense, v.
40, pág. 296), pelo voto dos Desembargadores PEDRO DRUMMOND, expressamente admitiu
a constituição da servidão por destino do proprietário e até concedeu proteção possessória
ao caminho, salientando, todavia, o relator, tratar-se de direito ajuizado depois, mas
adquirido antes do Código; a decisão foi confirmada em grão de embargos (Rev. cit., v. 41,
pág. 87).
Ainda o caminho adquirido por destino do proprietário foi reconhecido, em ação
negatória, por acórdão de 6 de Dezembro de 1922, subscrito pelos Desembargadores
ALFREDO LUIZ, BARCELLOS CORREA e PEDRO VIANNA (Rev. cit., v. 40, pág. 369).
Os acórdãos de 3 de Novembro de 1923 e de 30 de Janeiro de 1924 reconheceram a
existência de servidão de águas para acionar máquina agrícola, em virtude de destinaçào do
proprietário (Rev. For., v. 42, pág. 373).
Outras decisões, de 3 de Outubro de 1923 e de 6 de Fevereiro de 1924, redigidas
pelo Desembargador TITO FULGENCIO, admitiram servidão de caminho por destino do
proprietário, mesmo no silêncio das folhas de pagamento feitas na ação divisória, pois
nestar só constam, em regra, as servidões instituídas pelo juiz e não as preexistentes;
assinaram, porém, vencidos, os Desembargadores BARCELOS CORREA e OLIVEIRA
ANDRADE, invocando o art. 50957
do Código Civil e, já agora, a inexistência da destinação
do pai de família (Rev. cit., v. 42, pág. 405).
No acórdão de 18 de Fevereiro de 1925 ainda foi mantida velha servidào de trânsito,
a despeito do voto do Desembargador OLIVEIRA ANDRADE, estribado no então recente
parecer de CLÓVIS BEVILAQUA, contrário ao destino do proprietário; mas, esse mesmo
magistrado reconhecia que, se o interessado tivesse posse longa, nada inibiria que
transcrevesse o usucapião para, com esse título, pleitear o reconhecimento de seu direito
(Rev. cit., v. 44, pág. 489).
Decidiu o acórdão de 13 de janeiro de 1926, contra o caminho, mas acentuando que
não se tratava, na espécie, de servidão não aparente – altius non tollendi (Rev. cit., v. 48,
pág. 86).
57
Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.
Em desempate, o Presidente RAFAEL MAGALHÃES proferiu, aos 10 de Junho de
1925, brilahnte voto favorável à destinação do proprietário, mesmo em relação a servidões
descontínuas, mas aparentes (Rev. cit., v. 53, pág. 46), o que nos leva a transcrevê-lo:
“Tenho sempre julgado, como juiz, de 1a e 2
a instância, que, na prática do
nosso direito, a destinação do proprietário vale título a respeito das servidões aparentes.
Quem adquire um imóvel, adquire-o cum conditione, cum omni causa, quer dizer, com
todos os predicados e vantagens a ele aderentes, com todas as utilidades visíveis e
permanentes que influem no cômputo do seu preço. Por exemplo, se o imóvel goza de
serventia de janela, de esgoto ou de rego de água sobre o prédio vizinho, por vontade do
dono, essa regalia constitui-lhe uma aparência ponderável, um característico que faz que ele
seja precisamente o que é, um atributo que lhe dá o valor de estimação, que talvez por outra
forma ele não tivesse. Nada, portanto, mais conforme ao senso jurídico do que presumir
que a serventia visível, atribuída pelo proprietário com caráter permanente a prédio seu
sobre outro prédio igualmente seu, vai, pelo acordo tácito das partes, com o prédio
beneficiado para o poder do adquirente a quem foi deparado no momento da estipulação”.
Em São Paulo, a orientação é a mesma:
Pelo voto dos Ministros SORIANO DE SOUZA, MORAES MELLO e OCTAVIANO VIEIRA
o Tribunal, aos 5 de Março de 1920, admitiu expressamente a constituição de caminho por
serventia do pai de família, mesmo omitida qualquer referência na folha de pagamento
extraída na divisória, pela razão já exposta (Rev. dos Tribunais, v. 33, pág. 427).
Aos 8 de Junho de 1920 nova decisão foi tomada no mesmo sentido (Rev. cit., v. 34,
pág. 403); a 2 de Julho ainda de 1920, outra vez institiu o Tribunal, acentuando que, no
título de venda, nenhuma cláusula constava em contrário à servidào aparente (Rev. cit., v.
35, pág. 133).
Ainda, analogamente, nos acórdãos de 1 de Julho de 1921 (Rev. cit., v. 38, pág.
470).
O aresto de 29 de Agosto de 1924 reconheceu a servidão de trânsito adquirida por
destino do pai de família (Rev. cit., v. 51, pág. 474); o mesmo, em quanto a servidão de
água, embora se tratasse de um prédio só, posteriormente, dividido (ac. de 5 de Maio de
1925 – Rev. cit. , v. 54, pág. 322).
De novo, a 1 de Outubro de 1926, julgado unânime afirmou a existência da
destinação por mera aparência, em servidão de caminho (Rev. cit., v. 61, pág. 359), sendo
desprezados os embargos a 10 de Fevereiro de 1928, com voto explícito do Ministro
AFONSO DE CARVALHO (Rev. cit., v. 65, pág. 408).
Ainda por destino do proprietário foi reconhecida servidão de trânsito, análoga ao
caso dos lotes vendidos com frente para a rua, e já mencionado (Rev. cit., v. 80, pág. 144 –
ac. de 28 de Julho de 1931).
O caso mais típico é, porém, o verificado entre os filhos de um capitalista, que dele
herdaram prédios contíguos: em sentença de 25 de Março de 1922 o juiz MACEDO COUTO,
assim, reconheceu a servidão, considerando:
“... que, o Código Civil, em o art. 70758
, preceitua: “As servidões prediais
são indivisíveis. Subsistem, no caso de partilha, em benefício de cada um dos quinhões do
prédio dominante e continuam a gravar cada um dos do prédio serviente, salvo se, por
natureza ou destino, só se aplicarem a certa parte de um ou de outro”; que, portanto, é
incontroverso que o Código Civil Brasileiro cogita explicitamente da constituição de
servidão por destino ou destinação do proprietário, o que, aliás, sempre foi pacífico na
doutrina, na codificação dos Estados policiados e na jurisprudência; que ficou concludente
provado que ao tempo da fatura do inventário e partilha dos bens do finado F., pai dos
litigantes, já o sobrado partilhado a R., tinha as cinco janelas, abertas por aquele
proprietário, deitando para o outro prédio térreo de sua propriedade, situado na mesma rua e
adjudicado a A.” (Rev. dos Tribs., v. 44, pág. 230).
Na assentada do julgamento da apelação no Tribunal, o Ministro COSTA E SILVA,
pronunciou o seguinte e notável voto:
“Segundo a melhor lição, não conheceram os romanos a destinatio patris
familias como fonte de servidões. Foram os glosadores da Idade Média, que traçaram os
58
Art. 1386 do Novo Código Civil de 2002.
lineamentos desse instituto jurídico. Foi BARTOLO, o insigne mestre do stadium generale de
Bolonha, quem lhe deu a sua organização mais acabada, quem tirou, para repetir a
eloquente frase do tradutor italiano de GLUCK, dalla materia rude e informe la figura
completa dell‟istituto, como l‟artista tra dal marmor l‟imagine vegheggiata nella
mente.Essa doutrina, como várias outras, mercê de circunstâncias que seria inoportuno
enumerar, se espalhou rapidamente, recebendo nos costumes da cidade de Paris, redigidos
em 1510, o nome que ainda hoje conserva na ciência do Direito Civil. Consagrado no
direito costumeiro francês, acolhido no Código Napoleônico, esse instituto se nos depara na
quase unanimidade das legislações da moderna idade. Na península ibérica, encontramo-lo,
desde os tempos mais remotos. Vemo-lo no Libro Septenario de Affonso, o Sabio. E, como
esse código vigorou em Portugal, a despeito da porfiada oposição que lhe moveram a
nobreza e o clero, é muito provável que esse instituto tenha existido no velho reino desde
essa época longínqua. Certo é que os jurisconsultos portugueses, os de data mais antiga, são
poucos explícitos. Os mais recentes, como LOBÃO, COELHO DA ROCHA e BORGES
CARNEIRO, se externaram franca e positivamente pela admissão da destinatio patris
familias. Antes da vigência do Código Civil, pode-se asseverar, sem temor de incidir em
erro, a doutrina e a jurisprudência, em nosso país, reconheciam na destinação do
proprietário um título constitutivo de servidões contínuas e aparentes.
Rompeu o Código Civil semelhante tradição? Como é sabido, o legislador brasileiro
evitou indicar quais os títulos constitutivos das servidões. Entregou essa tarefa às
cogitações da doutrina. Ora, princípio dominante na legislação dos povos policiados
modernos, fruto de longa evolução, é o que de que a destinação do proprietário é um dos
meios de constituição das servidões contínuas e aparentes. Aduziu-se, para demonstrar a
inconciliabilidade desse princípio com o Código Civil, o artigo em que este declara que as
servidões não se presumem. O argumento é facilmente confutável. A regra exarada nesse
texto não é nova: veio do direito anterior. Jamais foi reputado obstáculo à aceitação daquele
instituto. Cumpre ainda ponderar que, se muitos pensam que esse instituto se funda em uma
presunção, uma tal construção não é absolutamente pacífica. As teorias da “inerência real”
de ROMAGNOSI, da “necessidade jurídica” de TARTUFARI, provam a verdade desse asserto”.
De tudo isto, concluiu o Sr. COSTA E SILVA, como era de esperar, que o legislador
do Código Civil brasileiro, não teve em mente excluir a destinação do proprietário como
título constitutivo das servidões; não pensou em se colocar em antagonismo com as
legislações mais adiantadas do mundo (Rev. cit., v. 44, pág. 226).
No segundo acórdão, de 24 de Abril de 1923, foram os embargos rejeitados apenas
contra um voto; o relator, Ministro POLYCARPO DE AZEVEDO, assim manifestou:
“É certo que o Código não fez a enumeração dos modos pelos quais as
servidões se constituem. Mas desta falta de enumeração não se pode em absoluto inferir
que a destinação do proprietário deixou de ser um dos modos pelos quais se pode constituir
a servidão. Nem dos princípios consagrados pelo dito Código, e, segndo os quais a servidão
predial, que não se presume, se impõe a um prédio em favor de outro, pertencente a diverso
dono, se pode concluir que o nosso direito novo aboliu a destinação do proprietário como
meio de constituir servidão; porquanto estes princípios já vigoravam no antigo direito e,
apesar disto, a destinação do proprietário era modo de constituir servidão. Nada impede,
pois, que em nosso atual direito se tenha como certo e incontestável o princípio de que as
servidões se podem constituir pelos mesmos modos e por todas as formas admitidas no
direito anterior, inclusive a destinação do proprietário” – (Rev. cit., v. 46, página 362).
O Supremo Tribunal Federal não conheceu do recurso extraordinário, interposto
nesse pleito, com fundamento na falta de aplicação dos arts. 696 e 71059
do Código Civil
(Rev. do S. T. Federal, v. 60, pág. 85).
Diante do que expusemos, não é possível ter mais dúvidas sobre a legitimidade da
servidão por destino do proprietário, em face do direito civil vigente no Brasil.
25 – Resta-nos, porém, apreciar a extensão do instituto: não há hesitações em
quanto à exigência da condição de aparência para que a servidão se constitua per se, mas,
elas surgem em quanto à circunstância da continuidade.
59
Art. 1389 do Novo Código Civil de 2002.
É uma questão tormentosa: os arts. 692 e 694 do Código Civil francês exigem e
dispensam, contraditoriamente, a continuidade, pondo, assim, em prova a sagacidade dos
comentadores.
BAUDRY LACANTINERIE et CHAVEAU (Op. cit., §§ 1121 e 1124) apontam todas as
opiniões formadas em torno desses textos, aqueles em sistema com o artigo 690 sobre o
usucapião, e este dispensando a exigência da continuidade; afora as soluções, que
suprimem um dos textos para prevalência exclusiva do outro, nada menos de cinco outras
foram propostas.
Restaram duas, abraçadas, respectivamente, pelas jurisprudências belga e francesa.
A desta, mais acatada, consiste em fixar uma presunção, pela mera aparência, no
caso de servidão contínua e exigir prova de ausência de reserva no título aquisitivo, no de
descontínua. A distinção, aliás, só tem efeito prático em uma hipótese: de haver sido o
prédio dominante adquirido por usucapião, caso em que o adquirente não pode exibir um
ato escrito.
JACQUES LATREILLE censura acremente essa jurisprudência, considerando ridícula a
exigência do papier muet; aprofundando o elemento histórico, considerou que esses
dispositivos provieram de fontes diversas e se referem, um aos casos de divisão de prédio
único, e outro ao de separação de prédios já distintos, embora, ligados a um só titular.
Na Itália, a contradição é diversa e se estende ao usucapião: a seguir ao art. 630, que
o exclui, o de n. 631 se refere ao início da prescrição de servidões negativas que, segundo
os tratadistas, são sempre não aparentes:
“Quando infatti si consideri che le servitù negative, consistendo in una
facoltà di divieto, sono sempre non apparenti, l‟antinomia tra questa dispozioni che,
fissando al dies contradictionis il momento iniziale del possesso utile all‟usucapione, la
presuppone usucapibili, e la norma generale dell‟art. 630, che esclude dall‟usucapione
tutte le servitù non apparenti siano continue o discontinue, ne risulta gravissima, anzi
addirittura insanabile, secondo alcuni scrittori, i quali perciò son giunti alla conclusione
che quelle speciale comma dell‟art. 631 debba riternersi come non scritto” – (R.
RUGGIERO – Inst. de dir. civiel – 5a ed., v. I, pág. 672).
No Digesto italiano (v. 21, pág. 158) se pode ver, entretanto, o longo dissídio
travado a respeito e resumido pelo autor do verbo – servitù prediale – ERNESTO
FORTUNATO, que mostra haver a mais larga corrente se formado no sentido de restringir o
art. 631 ao usucapião ordinário, aplicável a toda espécie de servidão (§§ 37 e 48); nos
mesmos termos, opinaram os professores CICAGLIONE ainda no Digesto (V. servitù § 166,
pág. 65) e BUTERA (op. cit., § 194).
Em quanto à destinação do pai de família, doutrina ERNESTO DE LA VILLE:
“Questa dispozione (art. 630) non è contraria all‟ammissibilità della
discontinue apparenti tra quelle stabilite per destinazione del padre di famiglia. Siamo
sempre alla interpretazione della parola “titolo”, anche delle servitù per destinazione; il
titolo loro sta nella legge. Il compratore non poteva inannarsi, lo stato dei luoghi si
manifestava con evidenza agli occhi suoi; ha comprato a minor prezzo per questa
considerazione mentale; non ha potuto pensare che il venditore abbia voluto far perdere
pregi e valore al suo palazzo con la soppressione di buoni ed abbondanti mezzi di
comunizazione con lo esterno” – (op. cit., pág. 558 e segs.).
Mas, na França, como, em regra, na Itália, só as servidões contínuas a aparentes se
podem adquirir por usucapião.
Entre nós a tortura para o intérprete é maior – o usucapião atinge a todas as
servidões aparentes, contínuas ou não (art. 69860
) embora o art. 50961
retire a proteção
possessória, em regra, às descontínuas.
As conseqüências são da maior relevância, porque as soluções excluem ou incluem
uma servidão importantíssima – a de passagem.
No direito anterior a destinação abrangia toda a classe das aparentes, conforme
salientou RAFAEL MAGALHÃES no voto há pouco invocado, abonando-se em LAFAYETTE e
LOBÃO.
JAIR LINS entende que, em face do Código Civil:
60
Art. 1379 do Novo Código Civil de 2002. 61
Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.
“Para que, seja admitida a constituição de servidão por destinação do pai de
família, é essencial que se trate de uma servidão contínua e aparente” – (Rev. For., v. 35,
pág. 416).
Entendemos, ao revés, que também as descontínuas aparentes podem ser
constituídas por destino.
Já tivemos ocasião de criticar o art. 69862
do Código Civil, que traz em seu bojo
uma contradição indestrutível – a exigência de prazos diversos para o mesmo caso de
prescrição sem justo título (Registros Públicos - § 141).
Quando da elaboração da lei de registros públicos, número 4.827, de 1924,
apresentamos, com apoio do Instituto dos Advogados, emendas no sentido da reforma do
texto.
O relator do projeto, senador MARCILIO DE LACERDA, recusou a sugestão, preferindo
que o Congresso desse a interpretação autêntica do Código no novo texto, que veio, afinal,
a constituir o n. 8 da letra b do art. 5o da lei 4827, assim redigido:
“... da sentença declaratória da posso incontestada e contínua de uma
servidão aparente por dez ou vinte anos, nos termos do art. 55163
do Código Civil, para
servir de título aquisitivo” – (Código Civil, artigo 698).
Nestas condições, o usucapião, de qualquer servidão aparente se operará, sem título,
pelo simples decurso de 10 anos, entre presentes, segundo aquele parecer, informativo da
lei:
“Diante dessa contradição entre dois textos da mesma lei, cabe ao Poder
Legislativo dar-lhes uma interpretação autêntica, afima de dirimir definitivamente a
questão. Para isso, tem dois caminhos a seguir: equipara o usucapião das servidões ao dos
imóveis, dispensando a sentença declaratória do art. 698 e exigindo o justo título e aboa fé,
de acordo, com o art. 551. Ou, ao contrário, dispensar o justo título, no primeiro caso, afim
62
Art. 1379 do Novo Código Civil de 2002. 63
Art. 1242 do Novo Código Civil de 2002.
de que o possuidor de uma servidão aparente, incontestada e contínua, durante 10 anos,
entre presente, e 20, entre ausentes, possa registrá-la em seu nome, servindo-lhe o título a
sentença que julgar provados esses requisitos. A segunda solução parece-nos mais
consentânea com o espírito do art. 69864
, de cuja leitura atenta se depreende que a remissão
por ele feita ao 55165
tem por fim apenas indicar o modo de contar dos dois prazos (10 e 20
anos), e não exigir, como requisito para o usucapião das servidões, o justo título ali
estabelecido para o dos imóveis, conforme faz crer o parágrafo único, que só admite a
aquisição sem título, depois de 30 anos. E é de supor que esse adendo tenha sido adotado
pela comissão revisora, no propósito de conciliar a teoria por ela aceita no princípio do
artigo, com a consagrada no projeto primitivo, sem perceber, todavia, que os dois
dispositivos se repeliam. A interpretação adequada à primeira hipótese dá-no-la a emenda
do Instituto à alínea XI, em quanto que este dispositivo da proposição da Câmara traduz a
segunda‟ – (Parecer da Comissão de Justiça do Senado in FILADELFO AZEVEDO, op. cit.,
pág. 118).
Já vimos que perante as outras legislações existe a correlação entre os dois meios –
usucapião e destino, - no excluir as servidões descontínuas (ainda o Cód. argentino, artigo
3031); entre nós, coerentemente, o sistema se há de se formar com a inclusão destas, se
aparentes.
Se a constituição de qualquer servidão aparente independe de transcrição, não há
motivo para excluí-la quando criada por destino, uma vez que é admissível quando decorre
apenas do tempo.
Dir-se-á, porém, o art. 50966
, em má hora importado do Código Civil português,
exclui da proteção possessória as servidões aparentes descontínuas. A contradição, e grave,
não poderá, porém, ser solvida, em detrimento da sua criação pelo decurso do tempo ou da
inerência real.
O remédio será reconhecer o efeito da quase posse por 10 ou 20 anos para o
usucapião, mas até que se verifique o lapso não gozará o quase-possuidor dos interditos em
defesa da servidão.
64
Art. 1379 do Novo Código Civil de 2002. 65
Art. 1242 do Novo Código Civil de 2002. 66
Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.
É um sistema defeituoso, mas só a modificação do texto corrigirá o pis aller.
Poderá, porém, alegar-se ainda que o art. 69867
não abrange as servidões
descontínuas, porque exige a posse contínua; entretanto, é sabido que os dois requisito não
coincidem.
Se a posse alcança dois fins principais - a proteção dos interditos e o usucapião
(ASTOLPHO REZENDE – Manual do Cód. Civil, v. 7, pág. 200), a continuidade tem que ser
entendida da mesma maneira:
“Para ser contínua não é, porém, indispensável que a posse se manifeste por
atos incessantes e que o possuidor esteja em contato constante com a coisa; isto seria quase
materialmente impossível. Basta que ela se manifeste por atos tão freqüentes e tão
regulares, quanto o comporte a natureza da coisa possuída” – (Op. cit., pág. 373).
RAVIART (Actions possessoires et bornage - § 89, 3 a
ed.) mostra que a posse de
uma servidão de passagem será contínua quando os fatos de trânsito não se tenham
verificado, senão a intervalos grandes.
Mas, ninguém melhor do que ROBERTO RUGGIERO esclareceu o assunto:
“Il criterio, su cui posa la distinzione, è adunque la continuità o meno
del‟esercizio indipendentementeda un fatto attuale dell‟uomo, non la continuità del
possesso che è concetto del tutto diverso, potendo ben esservi ad es. possesso continuo di
una servitù discontinua. Richiede infatti la legge, perchè una servitù possa dirsi continua
ch‟essa ne la sua funzione od esercizio non abbia d‟uopo del fatto attuale dell‟uomo, donde
si trae che duplice è l‟elemento della discontinuità: la necessità d‟un tal fatto e l‟attualità
sua” – (op. cit., pág. 667).
Por isso, TITO FULGÊNCIO, apreciando o art. 50968
, observou:
67
Art. 1379 do Novo Código Civil de 2002. 68
Art 1213 do Novo Código Civil de 2002.
“Quem se ativer à materialidade do texto, ao fetichismo da expressão verbal,
chegará fatalmente a esta conclusão: se o título destas servidões de caminho não for um
documento, um ato formal escrito e emanado do próprio possuidor ou de quem este houve o
prédio serviente, não há proteger a posse de tais servidões. Entretanto, estas servidões
podem ser estabelecidas, e as mais das vezes o são, contra a vontade do possuidor do prédio
serviente, em virtude de sentença, que é transcrita, proferida em juízo divisório ou no juízo
de reclamação de passagem ou saída e benefício de prédio encravado, ou por usucapião,
que tem por título a transcrição, e por disposição de última vontade” – (Da posse, pág.
216).
No próprio direito português, DIAS FERREIRA, após, assim, comentar o art. 490,
fonte do nosso:
“A posse destas servidões pode ainda hoje se questionar. A conclusão, que
resulta do artigo, é que só pode questionar-se em ação ordinária, e não com o uso dos
remédios possessórios, salvo a hipótese especial do final do artigo. A doutrina do artigo
490 é conseqüência lógica do princípio estabelecido no art. 2273, de que as servidões
contínuas não aparentes, e as descontínuas aparentes ou não aparentes, não podem adquirir-
se pela simples posse, sem contrato que conste de título, não bastando a prova testemunhal”
(op. cit., v. 2, pág. 41).
esclarece, a propósito do art. 2274:
“Pelo direito francês, Código Civil, este modo de constituir servidão
(destinação) só pode aplicar-se às servidões contínuas aparentes. Porém, a redação do artigo
do nosso código, que teve por fonte o artigo 540 do projeto de Código Civil Espanhol, não
comporta, a exclusão das servidões descontínuas aparentes, nem por isso há contradição
com o disposto no artigo antecedente, porque, não podendo constituir-se servidão
descontínua aparente sem título, aqui o título é sinal aparente permanente, posto pelo dono
dos prédios; e esta mesma opinião é sustentada por GOYENA, em nota ao referido artigo do
projeto de Código Civil Espanhol” - (Op. cit., v. 5, pág. 56).
E CLÓVIS BEVILAQUA funda a regra do art. 50969
, não na impossibilidade da posse
contínua, mas na probabilidade de confusão com atos meramente tolerados (Op. cit., v. 3,
pág. 37), sendo certo que o nosso sistema não exigia a conseqüência lógica, a qual alude o
abalizado comentador português.
Ainda perante legislações, que excluem o usucapião das servidões de caminho,
autoridades conspícuas lhes atribuem a defesa possessória, maximé quando há esbulho
(CAREOS BISOCCHI – Diritto di passgio in Enciclopedia Giuridica Italiana, v. 13 pág. 659,
A. BUTERA – op. cit., § 284, R. RUGGIERO – op. cit. – p‟gs. 788 e 794).
Curioso, é, porém, que maioria dos tratadistas censura a exclusão das servidões
descontínuas aparentes, opinando pela conveniência de se lhes estender o usucapião:
“L‟utilité de la règle qui écarte la prescription pour les servitudes
discontinues est fort contestable. Il aurait bien mieux valu laisser la prescription des
servitudes sous l‟empire des principes généraux; leus acquisition eût été public et
suffisamment fréquent pour constituer une possession continue, et le fait de les exercer par
tolérance, quand il eût été démontré, en eût empêche à tout jamais la prescription” –
(PLANIOL – op. cit., pág. 927; MAURICE PICARD, op. cit., § 956).
TEIXEIRA DE ABREU também se insurge contra essa regra, entendendo improcedente
a alegação de que podem confundir os atos de posse com os de mera tolerância e alude aos
sofismas que usam os tribunais, para iludi-la, alterando, às vezes, a própria natureza da
servidào para considerá-las indevidamente contínuas (op. cit., tit. II, pág. 87).
O despotismo do legislador francês, forçando à necessidade social, produziu uma
circunstância inesperada: a lei nega o usucapião da servidão de passagem, mas a
jurisprudência dá mais: o usucapião do próprio terreno, por onde se estabelece o caminho.
MAURICE PICARD, por exemplo, explica:
“On a jula décision de la loi trop rigoreuse pour certains propriétaires,
réelement pourvus de servitudes dont les titres ne se retrouvent pas; cet inconvénient se
69
Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.
rencontre surtout pour les droits de passage, dont l‟orgine est souvent fort ancienne et
inconnue. La jurisprudence a trouvé un moyen ingénieux d‟eviter aux proprietaires la
déchéance de droits très légitimes: ne pouvant reconnaître un droit de servitude par
prescription à celui qui passe depuis plus de trente ans sur le fonds d‟autrui, elle le
reconnaît propriétaire du terrain utilisé par lui comme allée ou comme sentier; la loi
l‟empêche d‟acquérir une servitude; elle ne l‟empêche pas d‟acquérir la propriété. Le
propriétaire du fonds traversé est loin d‟y gagner; la protection excessive que la loi lui
accorde se retourne contre lui” – (op. cit., § 957).
No direito anglo-americano se estende também, em certos casos, a criação por
destino às descontínuas aparentes:
“Whether a right of way is continuous is a matter on which there has been
considerable difference of opinion, and while some cases seem to regard it as necessarily
discontinuos, because not constantly exercised, other cases regard it as continuous if there
is a clearly-defined road over the servient tenement, evidently intented for the use of the
dominant tenement” – (H. T. TIFFANY – Real property, § 317 – pág. 708);
“The requirement that the quasi casement must be continuous seems,
however, technical and arbitrary. Under the theories which are employed to justify the
creation of easements by implication, it would seem to follow logically that a descontinuous
quasi easement, when evidenced in a substantial manner, should pass by implied grant.
Accordingly, in many jurisdictions an exception to the rule is recognized where the quasi
casement consists of a formed or an inclosed road or way, the court holding that such a
right may pass by implied grant even though not a strict way of necessity – (Rul. Case Law
– vol. cit., pág. 762).
Entre nós o direito anterior admitia a prescrição aquisitiva do caminho, como se
pode ver em JOSÉ MENDES (Servidões de caminho - §§ 23 a 26); perante o Código, a
solução é a mesma, como também já vimos, pela lição de TITO FULGÊNCIO.
Ainda CLÓVIS BEVILAQUA doutrinou, em parecer:
“Logo o usucapião de trânsito reclamado pelos autores não encontra
impedimento no art. 562; antes, por inferência a contrario sensu, nele se apóia. O artigo,
realmente, prevê uma hipótese – a de atravessadouros que não se dirigem a lugares públicos
– e declara que não constituem servidões. O caso em exame é o contrário da hipótese
prevista pelo artigo: é caminho que vai ter a lugar público. Evidentemente, a provisão do
artigo não se opõe ao direito dos autores.
Afastado o art. 562, ficam para dominar a matéria os arts. 698 e 69770
. O
primeiro estabelece a regra de que as servidões se adquirem por usucapião quer ordinário,
de 10 ou 20 anos, quer extraordinário, de 30. O segundo exclui dessa regra geral as
servidões não aparentes. A servidão de trânsito é aparente, assinala-se pelo caminho aberto
através das terras servientes.
Conseqüentemente, entra no preceito geral do art. 69871
; adquire-se por
usucapião, que se consuma em 30 anos, quando o possuidos não tiver título” - (Rev. dos
Tribunais, v. 62, pág. 16).
Logo, a nosso ver, caberá também a constituição pelo chamado destino do
proprietário, ainda mais fundadamente do que em Portugal, onde o art. 49072
do Código
Civil só entrava o usucapião; aqui, nem este modo constitutivo, vimos, é prejudicado pela
infeliz adoção daquele preceito (art. 50973
).
Afastando os casos especiais de passagem forçada (artigo 55974
) e de
atravessadoiros que não se dirigirem a lugares públicos (art. 562), entendemos que o
sistema da nossa lei, consagra, a despeito da regra imperfeita e contraditória do art. 509, a
aquisição da servidão de caminho, não só pelo decurso de tempo ainda que sem título,
conforme o caso, como pela destinação do antigo proprietário.
Vejamos a jurisprudência.
70
Arts. 1378 e 1379 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente. 71
Art. 1379 do Novo Código Civil de 2002. 72
Art. 1201 do Novo Código Civil de 2002. 73
Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002. 74
Art. 1285 do Novo Código Civil de 2002.
26 – Quando, no n. 24, fizemos o recenseamento dos julgados sobre destinação do
pai de família, verificamos que em nenhum caso foi ela recusada, em se tratando de
servidão contínua e aparente.
Ao contrário, enumeramos grande número de decisões, consagrando o instituto,
mesmo em relação a servidões aparentes e descontínuas.
Entretanto, o art. 50975
do Cód. Civil tem constituído uma tortura para os
magistrados, premidos entre a sua letra e as necessidades sociais.
Acabamos de enunciar a maneira de conciliar os textos, mas forçoso é confessar a
incerteza da jurisprudência, em quanto à proteção possessória das servidões.
O Tribunal de São Paulo considerou, por exemplo, em acórdão de 18 de Fevereiro
de 1919, que a servidão de escoamento de águas, obtidas artificialmente, por ser contínua e
aparente, dispensava transcrição para valer contra o adquirente do prédio serviente (Rev.
dos Tribs., v. 29, pág. 199).
Também no mesmo sentido, foi defendida a posse de servidão de eletroduto por
sentença do então juiz JULIO DE FARIA (Rev. cit., v. 32, pág. 81); o Tribunal, entretanto,
entendeu, várias vezes, que a colocação de postes e passagem dos fios constituía servidão
sui generis, só por título constituível (Rev. cit., v. 33, pág. 207), acentuando, mesmo, sua
impossibilidade por falta de prédio dominante (Rev. cit., vs. 36, pág. 315; 37, pág. 83).
Aliás, o juiz federal em Minas, COELHO JÚNIOR, mostrou que, entre nós, a servidão
de eletroducto é sempre convencional, não tendo o caráter legal ou de direito de vizinhança
como em outros países, v. g. na Suíça.
Já em 8 de Agosto de 1924 e 14 de Maio de 1926, ainda que considerando servidão
sui generis ou direito real irregular, o tribunal de São Paulo lhe assegurou, porém, a quese
posse (Rev. cit., vs. 41, pág. 105 e 58, pág. 394).
Em decisão unânime ainda esse Tribunal protegeu possessoriamente a servidão de
caminho, sem se ater à regra do art. 509 do Código Civil (Rev. cit., v. 56, pág. 488); outras
se lhe seguiram (Rev. cit., v. 60, pág. 533, etc.).
Em 26 de Julho de 1927 negando-a, porém, em falta de título (Rev. cit., v. 63, pág.
72), e ainda, aos 6 de Setembro de 1930, mesmo em caso anterior ao Código Civil (Rev.
cit., v. 68, pág. 269), mas, afinal, prevaleceu a proteção (Rev. cit., v. 78, pág. 274).
75
Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.
Reconheceu também a posse de uma servidão de navegação nas represas da Light
em São Paulo (Rev. cit., v. 76, pág. 91).
Por outro lado, já observamos as hesitações da Relação de Minas, o que deu lugar à
crítica de AURELIANO GUIMARÃES:
“E, se se trata duma ação confessória, nada mais lógico do que admitir-se
que a prova de sua posse da servidão, por mais de trinta anos, continuadamente,
pacificamente, supra o título e a boa fé (que se presumem), e dê-lhe o direito de reclamar a
aquisição da mesma por usucapião, da mesma forma que numa ação de reivindicação pode
um das partes pedir o reconhecimento do domínio em seu favor, mediante a prova do
usucapião. A servidão de caminho, que é aparente, se bem que descontínua, difere da de
trânsito, que é descontínua e não aparente, e pode ser adquirida por usucapião. Temos como
certo que o art. 50976
do Cód. Civil só se aplica às servidões não aparentes. Quanto às
aparentes, salvo melhor juízo, estamos convencido de que podem ser adquiridas por
usucapião e gozam do interdito de manutenção” – (Rev. cit., v. 70, pág. 697).
Ninguém, porém, apreciou o problema com melhor visão do que o saudoso
Desembargador VARVALHO DRUMMOND em voto notável, proferido na Corte Mineira, e do
que não nos podemos furtar a transcrever os principais tópicos, a despeito de sua extensão:
“A exegese do art. 509 do Cód. Civil tem, a par do interesse técnico, alcance
econômico, que não passará despercebido ao Tribunal. Num sertão de analfabetos, privado
de vias públicas de comunicação, e no qual as servidões de trânsito se constituem
exclusivamente pelo exercício da quase – posse, – seria verdadeira calamidade negar sem
descrime a proteção legal a toda e qualquer servidão de passagem não titulada. Se o
proprietário de um prédio abre, através de outro, e com paciência do possuidor deste, uma
estrada de construção pesada, com aterros, bueiros, pontilhões, e dela usa seguidamente e
sem oposição qualquer, por dez, vinte, quarenta anos, – não poderá, acaso, se segurar contra
a moléstia que à sua quase posse lhe cause o dono do prédio serviente, porque sua servidão,
que não é titulada, é servidão de passagem, e esta é da espécie das descontínuass?
76
Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.
Formular a pergunta é respondê-la sem hesitação: não, não é possível que o
legislador, que a essa quase posse atribui o efeito do usucapião lhe negue a proteção dos
interditos; seria imputar ao Código uma contradição que repugna ao senso inexperto de um
primeiro anista Direito Civil. Propomo-nos a demonstrar que a servidão de trânsito pode ser
contínua ou descontínua: é contínua se, para exercê-la, o possuidor do prédio dominante faz
no serviente obras visíveis e permanentes, nas quais concretiza o seu direito de passar
através do prédio alheio; é descontínua se esse direito só se exterioriza com o ato humano
de transitar pelo prédio serviente, no qual não existe sinal algum de materialização do
direito de trânsito.
Os civilistas pátrios copiaram as definições dos Códigos francês e italiano. E
não tiveram que distinguir o assunto, de que ora nos ocupamos, porque o interdito tui
possidetis protegia a quase posse das servidões, qualquer que fosse a sua natureza –
contínuas ou descontínuas, afirmativas ou negativas, aparentes ou não aparentes. No direito
francês, no italiano e no português, há coerência e sinergia nos preceitos; a servidão
contínua não aparente, e a servidão descontínua aparente ou não aparente – não podem ser
adquiridas por prescrição.
No nosso direito, é muito mais fácil defender a protegibilidade possessória
da servidão aparente de caminho. Ora, ninguém nega que é aparente a servidão de
passagem que se manifesta por obras visíveis e permanentes. Ninguém, portanto, recusará
prescrição aquisitiva à servidão de trânsito assim caracterizada. Mas, se é elementar que a
posse jurídica é a base fundamental da prescrição aquisitiva, sine possessione usucapio
contingere non potest – como então, recusar proteção a um estado de fato, ao qual atribui a
lei máxima conseqüência? Não será monstruosidade ter direito à servidão e não ter ação
para proteger-lhe a incolumidade? Não contrariará isso o canon fundamental do artigo 75
C. C.?
Não: não é possível que o Código tenha dado a ação de usucapião ao
proprietário do prédio dominante que, há trinta anos, mantém caminho vivo no serviente, e
ao mesmo tempo lhe tenha recusado a ação de manutenção para repelir a moléstia a essa
quase posse trintenária. E a servidão de sacada, terraço ou balcão? Não se contesta que seja
contínua. Não se ignora que se a adquire por prescrição de um ano (C. C. art. 57677
).
77
Art. 1302 do Novo Código Civil de 2002.
Entretanto, ainda ninguém exigiu que o dono do prédio dominante ficasse trezentos e
sessenta e cinco dias de olhos arregalados para o fundo do vizinho...
O fato atual do homem, quando existem obras visíveis e permanentes, (o
passar pelo caminho construído, o devassar, do balcão ou varanda, o fundo alheio) é
exercido concorrente do direito, não despoja aqueles sinais do seu caráter de concretização
do direito, de exercício de direito. Quando, portanto, o exercício se compõe de obras
visíveis e permanentes e de fato atual do homem, a servidão tem o caráter de continuidade.
Qual, então, o fato atual do homem que caracteriza a servidão descontínua? Evidentemente,
o que é desacompanhado de obras visíveis e permanentes; o que, só por si, constitui o
exercício da servidão?
E nem com isso se suprime a classe das servidões aparentes descontínuas. O
conceito da aparência não se confunde com o de permanência. Exemplo de servidão
aparente descontínua: canalização de água estival por meio de condutores ou tubos
portáteis, que se retiram na estação invernal. É bem diversa da de aqueduto, construído
sobre muralhas, pontilhões, aterros, etc. Essa explicação de CALDARELLA, é vazada na letra
do Código Italiano (art. 619). Mais, se atendermos a que essa técnica, é a mesma das outras
legislações e a seguida por todos os nossos civilistas, e se tivermos em conta que nosso
Código se absteve de definições, que ele julgou prudente abandonar à doutrina – parece
que, lógica, jurídica e convinhável à nossa situação social e econômica, merece recebida
para inteligência do art. 50978
C. C.” (Rev. Forense, v. 46 – págs. 293 a 304).
Ainda a propósito da continuidade, ARISTIDE FOÁ, comentando a decisão que
aludimos no n. 20, sobre a servidão de tolerar os incômodos da indústria já estabelecida em
terreno contíguo ao adquirido do mesmo dono, sustentou que ela se poderia constituir, em
falta de cláusula expressa, por destinação, sendo aparente e contínua.
Aparente, em face da própria indústria, francamente caracterizada, já que a lei não
exige que as obras visíveis devam necessariamente existir no prédio serviente. E contínua
porque, embora o exercício industrial se concretize em fato do homem, esse fato não tem
por fim o exercício da servidão, que se desenvolve inteiramente no âmbito do prédio
78
Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.
dominante e cujas conseqüências se propagam ao serviente por efeito de forças naturais,
independentes da atividade humana:
“L‟esercizio della servitù – cosi nel caso nostro come in quello della servitù
di scarico come nella servitù d‟acquedotto espressamente preveduta dalla legge – non „si
esaurisce‟ nel fatto dell‟uomo, ma ad esso in certo senso cronologicamente succede; e cosi,
la servitù continue, la servitus fumi immittendi; riguardo a quest‟ultima, il COVIELLO (Le
servitù prediali, pág. 235) distingue secondo che esista o meno un fumaiolo; tale criterio
però mi sembrerebbe rilevante per classificare la servitù tra le apparenti o le non
apparenti, piuttosto che al fine della continuità o discontinuità, identica essendo nell‟un
caso e nell‟altro la funzione e la portala del fatto dell‟uomo”- (Rev. cit.).
Não vai de nossa parte adesão a todos os conceitos expendidos pelo douto
magistrado mineiro, nem às observações do artista italiano, mas servem-nos para mais
corroborar a convicção de que o caminho pode ser adquirido por destino de proprietário,
sem que o disposto no art. 50979
venha a criar qualquer entrave.
79
Art. 1213 do Novo Código Civil de 2002.
CAPÍTULO V
PROPRIEDADE POR ANDARES OU APARTAMENTOS
27 – Já apreciamos, perfunctoriamente, o caso da divisibilidade, em que se há de
atender, de preferência, à utilização da coisa e afastar o brocardo de sujeição do acessório,
prevalecendo, inversamente, este sobre a substância, que é o solo.
É interessante observar, de início, o que se passa na communio pro divisio, de que o
professor FRANCISCO MORATO nos dá a seguinte noção:
“Costuma-se distinguir a comunhão em communio pro divisio e communio
pro indiviso.PATERNÓ aceita a distinção, apenas para exprimir o modo entre os condôminos
avençado e estabelecido para o gozo da coisa comum. Assim que, se os consortes acordam
uma divisão provisória, para melhor gozo e aproveitamento da compropriedade, ter-se-á aí
uma figura de communio pro diviso.
Este estado de fato, embora modifique o limite no gozo dos direitos dos
condôminos, deixa, todavia, íntegros e inalterados os direitos de todos sobre a coisa em sua
integridade e em cada uma de suas moléculas, até que se apurem e concretizem
definitivamente em divisão regular; o que quer dizer, como observa VITALEVI, que na
hipótese há somente um conceito impróprio, simples aparência de comunhão e nada mais”
– (Da prescrição nas ações divisórias, pág. 20).
Na Rev. dos Tribunais, v. 51, pág. 98, encontra-se um acórdão do Tribunal de São
Paulo, de 1922, reconhecendo as conseqüências da communio pro diviso, de acordo com
LACERDA DE ALMEIDA (Terras indivisas, n. 65): preferência para localização de cada gleba
na partilha, percepção dos frutos, sem colação, e até usucapião extraordinário (MORATO –
op. cit., pág. 110).
A hipótese de maior interesse é, porém, a da divisão dos imóveis urbanos por planos
horizontais.
ROBERT BERNARD (Le propriétaire d‟appartement 1929 – págs. 16-22) esclarece
que a instituição apareceu consagrada no Baixo Império, nas províncias orientais,
invocando um ato duplamente milenar de venda do rés-do-chão, com reserva do sobrado,
ao tempo de IMMEREUM, rei de Sippar.
STANISLAS PINELÉS, professor em Viena, produziu notável ensaio, traduzido para o
francês pelo professor NICOLAS HERZEN, de Lausanne (Questions de Droit Romain – 1911),
sobre a communio pro divisio em direito romano, francês, russo, germânico, escocês e
muçulmano; atribui a um erro de SAVIGNY, sempre repetido, a alegada repulsa do direito
romano pela copropriedade dos andares, demonstrando a tese oposta com argumentos de
erudição pouco vulgar, e o uso imemorial desse sistema de habitação, salvo na Germânia
(págs. 13 a 32).
Parece, pois, que ao pé da letra não pode ser entendido o passo do Evangelho de
SÃO MATHEUS: omnis civitas vel domus divisa contra se non stabit (XII, 25).
Os códigos francês e italiano regulam a espécie, respectivamente, nos arts. 664 e
562 a 564, incluídos no capítulo das servidões legais; na Bélgica a lei de 8 de Julho de 1924
substituiu o texto primitivo, similar ao francês: na Holanda o instituto é disciplinado nos
arts. 758 a 766 do Código Civil e na Espanha pelos arts. 395 a 396.
Ao revés, o alemão (art. 1014 e intr., 131 e 182) e o suíço (art. 765) proscreveram
expressamente essa espécie de condomínio; entretanto, reconhecera o direito de superfície,
e a ordenança sobre o registro predial de 22 de Fevereiro de 1910, na Suíça, permite que as
leis cantonais consignem a inscrição dos direitos sobre andares, como direito de
propriedade sobre o solo, em favor de um dos interessados, e como charge foncière para os
outros (art. 114).
Na Alemanha, mesmo, era a propriedade dos andares – Stockwerkseigentum –
admitida, antes do B. G. B, em várias regiões do Sul, devido, talvez, à influência do direito
francês; no comentário, elaborado a princípio, sob a direção de A. ACHILLES e depois sob a
de GREIFF (13a ed. 1930), se encontram referências no badische Landrecht – art. 664, como
às leis de Essen e da Baviera (pág. 1214).
BUTERA acaba de afirmar que a Ordenança alemã de 15 de Janeiro de 1919, atenuou
esse repúdio, admitindo, as propriedade, separadas, da construção e do solo; mas esse texto,
como se vê da obra de ACHILLES, alterando o direito de superfície, manteve,
expressamente, o art. 1014 do Código:
“Die Beschäukung des Erbbaurechts auf ein Teil eines Gebäudes,
insbesondere ein Stockwerk ist unzulässig”.
Na Finlândia (Annuaire de legislation etrangère – 1926, pág. 126) e, sobretudo, nos
Estados unidos, o mesmo resultado se obtém com a constituição de sociedades anônimas,
em que cada acionista desfruta uma parte do building.
Na Norte América são mais comuns essas cooperatives apartments, mas é admitida
a divisão dos prédios:
“A building may not only, by force of an agreement to that effect, belong to a
person other than the owner of the land, but parts of a building may belong to different
persons, as when upper floor belongs to one, and the lower to another or separate rooms,
or even parts of rooms, belong to different persons” – (H. TIFFANY, op. cit., § 242, pág.
554).
O Código Argentino veda esse fracionamento (artigo n. 2617).
A Ordenação do 1. 1o. tit. 68, § 34, dispunha:
“E se huma casa fôr de dois senhorios, de maneira que de hum delles seja o
sotão, e de outro o sobrado, não poderá aquelle, cujo fôr o sobrado, fazer janella sobre o
portal daquelle, cujo fôr o sotão, ou logea, nem outro edifícil algum”.
Esse dispositivo foi consolidado por TEIXEIRA DE FREITAS (art. 946) e CARLOS DE
CARVALHO (art. 612) nos seguintes termos:
“Se uma casa for de dois donos, pertencendo a um as lojas, e ao outro o
sobrado, não pode o dono do sobrado fazer janela ou outra obra sobre o portal das lojas”.
Discutia-se, entretanto, no direito anterior, se o texto autorizava a alienação de
andares de prédio, formando uma perfeita communio pro divisio, sem a contingência da
extinção, a qualquer momento, por vontade de um dos compartes.
AFFONSO PENNA JÚNIOR, em razões publicadas na Revista Forense (v. 29, pág. 37),
opunha-se à divisão de casa por planos horizontes, entendendo que a hipótese prevista na
Ordenação era somente de uso dos andares, pois a separação da propriedade fora repelida
por CLÓVIS BEVILAQUA, CARLOS DE CARVALHO e RIBAS.
Entretanto, a Relação de Minas, em dois acórdãos de 1917 (Rev. cit., v. 29, págs. 58
e 61), homologou a divisão da casa por andares, desprezando a solução da venda para
distribuição do preço; o Desembargador HERMENEGILDO DE BARROS acentuou, ainda, que o
art. 63280
do Código Civil não se refere à divisão incômoda, mas só à indivisibilidade.
O nosso Código silenciou a respeito, mas com o desenvolvimento das modernas
construções de grande número de andares, o Congresso nacional cogitou de regular o
assunto por uma lei especial, que veio a ser promulgada, sob o n. 5481, aos 25 de Junho de
1928.
Como subsídio de sua elaboração, apenas se encontram dois discursos dos Srs.
FRANCISCO MORATO e JOÃO MANGABEIRA, respectivamente, de ataque e defesa ao projeto.
Sem embargo de defeitos de técnica, essa lei regulou minudentemente as diversas
relações entre os condomínios, ao permitir a alienação por andares dos edifícios, que
tiverem mais de cinco e forem construídos de cimento armado ou outro material
incombustível.
A contrario sensu, proibiu a alienação parcial, fora dessas condições essenciais.
Nada obstará, tão pouco, a que o edifício seja logo construído por um grupo de
pessoas, a cada qual caberá um andar.
Após a apreciação da doutrina estrangeira, algo diremos sobre a lei nacional.
ROBERT BERNARD, partidário entusiasta da fragmentação dos edifícios, recorda a
expansão que esse velho costume, de Auxerre e outras províncias, consagrado no Código,
teve no Paris de após-guerra e advoga a reforma do texto legal, sustentando que, longe de
ser um nid à procés ou mater rixarum, a divisão das casas por apartamento é uma
singularidade jurídica, que se tornou
“... l‟un des traits marquants de l‟economie foncière urbaine” (op. cit., pág. 1).
80
Art. 1322 do Novo Código Civil de 2002.
JULLIOT refere que em Corte, Corsega, há a casa chamada oitocentos donos (op.
cit., pág. 26).
28 – Os escritores, que têm versado o assunto, entre as diversas soluções propostas,
preferem, em maioria, ver, nesse caso, ao lado da propriedade dos andares, uma comunhão
nas partes, que interessam a todos.
PERETTI-GRIVA (Il regime della proprietà delle case divise frá più condomini –
1928, pág. 3) só admite a conceituação da communio pro diviso, com restrições, pois as
coisas indivisas ficam ligadas, de fato e de direito, às divisas, por um vínculo propter rem.
Partindo do princípio de que o regime normal é o da propriedade exclusiva, não só
ele, como PULVIRENTI, COVIELLO e CHIRONI condieram que as paredes mestras, o teto e o
solo não são comuns, salvo disposição em do título: pertencem, respectivamente, ao dono
de cada andar ao do último andar e ao do térreo; a jurisprudência italiana, é, entretanto,
contrária, ao menos em quanto à última conclusão, como se pode ver no resumo feito por
RICARDO AMATI na Riv. di Dir. Comm. 1927 – I, pág. 333 e segs.
CONTARDO FERRINI também considera que:
“Il proprietario di ogni plano ha un diritto esclusivo sulle parti che lo
constituicono, compresi i muri maestri, i pavimenti, le volte, i solai e i soffitti, per tutti; il
suolo a il sottosuolo pel proprietario del piano terreno; il tetto e lo spazio sovrastante per
il proprietario dell‟ultimo piano. Diritto assoluto di proprietá; quindi la libera disposizione
dei muri maestri in tutti del suolo e dal sottosuolo nel proprietario del piano terreno del
tetto e dello spazio sovrastante nel proprietario dell‟ultimo piano. Unico limite per tutti:
che non ne derivi danno al valore della proprietà degli altri” – (op. cit., pág. 606).
Mas PERETTI-GRIVA, exímio especialista, reconhece que:
“Potranno insomma disporne come di cosa propria, salvo il limite di non
pregiudicare la solidità dell‟edificio e anche di non turbare la linea architetonica o
comunque l‟estetica dell‟edificio, quando questo sia si tal natura da meritare un riguardo
del genere. Non si può disconoscere che, ai giorni nostri, sia normale per una casa aver
l‟impianto, ove possible, di acqua potabile, la comunicazione telefonica, la fognatura, e
che, conseguentemente, quando un condomino di una casa divisa in piani od alloggi voglia
fornirse di questi accessorii, abbia diritto di rifarsi alla servitus oneris ferendi, imponendo,
per titolo di situazione dei luoghi i relativi pesi, e sulla cosa comune, e, quando non se ne
possa prescindere, anche sulla parte di proprietà esclusiva di altro condomino” – (pág.
84).
COLIN et CAPITANT (op. cit., pág. 777) abordam a questão da propriedade por
andares, como um dos casos de indivisão perpétua, ao lado da meação dos tapumes em
geral e dos pátios, fossas e poços, comuns a várias propriedades, recordando a sua origem
nos costumes de Auxerre, (art. 116) usada, como era, em Grenoble, Rennes, Nantes e até
em Lyon e a vantagem de facilitar o acesso à propriedade urbana, bem superior aos
inconvenientes, que derivam de contestações freqüentes, cujo temor levou alguns códigos a
excluir o instituto.
Tendo, porém o Código francês apenas determinado o modo de repartir as despesas
de construção e reparação, o mais tem de correr à conta da doutrina e da jurisprudência; por
isso, entendem que a natureza predominante do direito dos condôminos é de propriedade
exclusiva de cada andar e indivisão para as partes do imóvel, que servem a todos, como as
paredes mestras, o teto, a escada, a porta de entrada, ascensor, etc, e bem assim o solo.
CH. JULLIOT (Traité de la propriété des maison par étages et par appartements – 2a
ed. – 1927 – pág. 71) faz uma restrição em quanto à escada, que considera objeto de
servidão em favor dos proprietários dos planos superiores.
Para BUTERA, em sua recentíssima obra – La comproprità di case per piani – 1932,
- os proprietários têm, antes, um direito absoluto sobre o andar e um direito de
copropriedade sobre os acessórios conexos e indispensáveis (§ 28).
É o conúbio das comunhões pro-diviso e pro-indiviso, ainda que não se possa
reconhecer, mesmo em relação a cada andar, uma propriedade plena com a mesma latitude
da que sujeita um edifício isolado:
“Ma non perchè il proprietario di un piano sia padrone assoluto dei
pavimenti, delle volte, dei solai, ecc. e quindi abbia il diritto di goderne in modo exclusivo
può egli,per questo fatto, fare a suo capriccio tutto ciò che gli talenta‟ (ENRICO DE BONO –
Manuale per la ripartizione delle spese di fabbricati in condominio – pág. 180).
As limitações avultam, quantitativa e qualitativamente, porque os indissolúveis
liames entre as diversas propriedades tornam-se particulares sensíveis às modalidades de
exercícios do domínio de cada um.
São prédio independentes, mas apertados de todos os lados por direito de meação,
afogados em uma comunhão geral; constituem uma espécie de promiscuidade jurídica,
onde os direitos de vizinhança são agravados.
Assim, a Corte de Apelação de Turim, em decisão de 15 de Maio de 1925, negou ao
condomínio o direito de colocar um aparelho radiotelefônico, pois se:
“... la luce elettrica, il riscaldamento col gaz ad uso di cucina, il telefono,
nello stato attuale di vita sociale ed economica, meglio che utilita, costituivano vere
necessità di un alloggio civile, tale carattere non si poteve invece attribuire all‟apparechio
radio-telefonico, e che pertanto non poteva, per questo, nel silenzio del contratto,
riconoscersi al conduttore di un apartamento il diritto all‟impiante sul riflesso che, anche
nel silenzio del contratto, debba ritenersi consentito di introdurre le utilità divantate ormai
di uso comune”.
Parece, porém, que esses juízes não escapam à pecha de retrógrados...
Em caso análogo, o Tribunal de Bruxelas permitiu ao locatário a instalação de rádio,
como respondendo à necessidade da vida moderna e conseqüência do progresso (PERREAU
– op. cit., § 578).
Ainda que sem lugar as preferências da doutrina, há também a opinião que vê, na
hipótese, várias propriedades, sujeitas a recíprocas servidões, até pelo motivo da colocação
do instituto, na Franca, e na Itália, no capítulo das servidões legais.
Nos Estados Unidos a doutrina é a seguinte:
“In cases in which separate floors of a building belong to different persons,
there is a right of support for the upper floor or floors from the lowes part of the building
and this right the owner of the latter can in no way impair, there being an implieid gram ot
this effect in the conveyance of such upper floor or floors” – (H. TIFFANY – Real property -
§ 311, pág. 691).
A concepção de ROBERT BERNARD é, porém, sem dúvida, a mais interessante:
“La division a porté, non sur la maison dans son ensemble, mais sur
l‟espace habitable enfermé dans ses murs. L‟étage, l‟appartement, domaine privatif de
chacun des propriétaire, ne se compose en comme, que d‟un cube d‟air, d‟une tranche
d‟espace, dont il a la jouissance exclusive et perpétuelle, ainsi que de la face intérieure des
murs et armatures de planchers qui la délimitent. Toute la construction et son
amenagement intérieur destiné à l‟usage commun, sont restés indivis comme le sol, et c‟est
à titre de copropriétaires que les intéressés en font usage. Sans dote peut-on hésiter un
instant à faire du sol, des murs et du toit, qui matériellement constituent tout l‟immeuble,
de simples accessoires de ces fractions de l‟espace intérieur que sont les étages, les
appartements. Mais puisque cependant, la distribution de ces choses entre des droits
diffferents et les necessités du commerce juridique contraignent à établir entre elles une
espèce de hièrarchie, il faut bien reconnaître que ce sont ces espaces isolés, qui renferment
toute l‟utilité de l‟immeuble et à l‟existence ou à la jouissance desquels tout le reste est
consacré, qui constituent le principal” – (pág. 100).
Praticamente, todas as construções se aproximam, eis que prevalece sempre o
destino recíproco das partes da coisa comum, prestigiado, de qualquer forma, pela lei.
É o mesmo princípio, que instrui as comunhões definitivas, visando certa utilidade:
a meiação dos muros, o compáscuo, a copropriedade de pátios, áreas, etc.
De fato, se verifica um complexo de serventias, aparentes, para as quais a lei,
prescindindo do registro, não exige qualquer forma especial de publicidade.
Os textos legais por mais especiosos que sejam, hão de ser aplicados, segundo a
verificação da animi destinatio, pois todas as partes do imóvel cujo regime foi omitido,
seguirão o seu destino normal – ninguém pode usá-las fora da destinação.
Não de pode, pois, deixar de reconhecer a analogia desse instituto com o da
servidão por destino do pai de família.
Além do que é necessário, pode, ainda, o proprietário ter estabelecido serventias
supérfluas em favor de determinado andar; a alienação de outros planos, sem cláusula
expressa, ensejaria, por ventura, aos novos donos o direito de reclamar contra a persistência
daqueles ônus, mesmo sob a alegação de falta de registro?
Evidentemente, não.
A natureza e o destino da obra estão fixados patentemente e nenhum terceiro pode
ignorar, exigindo melhor publicidade, aliás, irrealizável.
MAURICE PICARD, que também repele a teoria da servidão recíproca, em quanto à
indivisão forçada das casas, separadas horizontalmente, reconhece que os condomínios
podem estabelecer
“... certaines charges comme des servitudes crées sur les appartements”-
(op. cit., § 325).
E PERETTI-GRIVA;
“Naturalmente, quando una determinata zona fosse stata assegnata ad uno
dei compartecipi, i diritti, su tale zona riconosciuti a favore di alcuno degli altri
proprietarii o a favore di tutti gli altri proprietarii, dovrebbero considerarsi come diritti di
servitù‟ – (op. cit., pág. 7).
A nossa lei postula a propriedade autônoma de cada apartamento, contendo, pelo
menos, três peças e estabelece a meiação de paredes, soalhos e tetos dos apartamentos.
Silencia sobre o telhado e as paredes mestras, que devem também ser comuns,
atenta a obrigação, que corre a todos, de concorrer para as obras, que interessarem a essas
partes.
Nada disso impede, portanto, a criação de servidões em favor de determinados
andares ou apartamentos.
Finalmente, considera o terreno coisa inalienável e indivisível, o que terá de ser
entendido em termos, porque a inalienabilidade só subsistirá enquanto o edifício
permanecer, ou for reconstruído, por proprietários fracionados, desaparecendo quando se
reunirem todos os apartamentos no domínio de um só.
Devemos ainda consignar, a título de curiosidade, a seguinte cláusula inserida no
edital de venda dos terrenos do Castello:
“Art. 29 – Quando os lotes de uma quadra pertencerem a mais de um
proprietário, estes formarão uma associação e elegerão, entre si, um representante, que
apresentará ao Interventor os estatutos da associação e assinará na Prefeitura e Saúde
Pública o termo de responsabilidade pela construção, conservação de calçamentos,
iluminação, limpeza, disposição e utilização da área interna de servidão perpétua”.
Trata-se de uma adaptação de institutos americanos e alemães de legitimidade
duvidosa, maximé com caráter obrigatório e de aprovação de estatutos por autoridade
municipal, incompetente para modificar o nosso direito substantivo.
CAPÍTULO VI
VIZINHANÇA
29 – Onde, porém, o destino especial do imóvel assume particular importância é na
sua exploração, pelo proprietário ou por aqueles, que dele têm o uso, permanente ou
transitório:
“I limiti alla proprietà privata nascono dal fatto più generale dei limiti che
la società ha posto a tutte le azioni dell‟individuo. Quali debbono essere questi limiti non
dice il diritto; sorgono da bisogni economici e morali del popolo, si fondano su criterii di
oppotuna politica e di saggio governo, e il diritto non li crea: li registra, li applica, li
coordina, li veste di norme giuridiche. Si prendano in esame i limiti che un popolo
qualunque ha posto alla proprietà, e si vedrà che ognuno di essi è fondato sopra una
ragione estranea al diritto, e derivante invece da altre considerazioni economiche,
agricole, estetiche, morali, e persino da arbitrii di principi e di assemblee o da fallaci
speranze di rimediare a mali sociali aventi una causa più profunda che non l‟abuso
individuale della proprietà” – (COGLIOLO – op. cit., pág. 188 e segs.).
Nesse campo entrelaçam-se os direito reais e obrigacionais, de tal maneira que as
regras escapam a essas categorias, envolvendo-as.
Definindo o alcance da propriedade, o Código Civil estabelece, nos arts. 57281
e
578, que o direito de construir encontra ainda limites nas regras administrativas, ou,
melhor, nas posturas municipais e nos regulamentos de higiene. Essas regras de caráter
local são, assim, encampadas e sublimadas, passando à categoria de direito substantivo.
Por outro lado, o dano, que das obras pode resultar, deve ser indenizado, e, até,
prevenido pelas regras, aliás redundantes, dos arts. 529 e 55582
.
81
Art. 1299 do Novo Código Civil de 2002. 82
Arts. 1281 e 1280 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.
Ainda o art. 152883
reitera a responsabilidade pelos danos decorrentes da ruída do
edifício e o art. 1529, fixa a do habitante, em quanto à queda prejudicial de coisas laçadas
ou caídas em lugar indevido.
Envolvendo, porém, todos os casos, há, sobretudo, a regra do artigo 554:
“O proprietário ou inquilino de um prédio tem o direito de impedir que o
mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que
o habitam”.
Adiante, apreciaremos, detidamente, o alcance desse princípio básico.
30 – Por ora, vamos salientar, que as restrições ao uso da coisa podem ser
distribuídas em duas classes – as que interessam à coletividade em geral, ao bem público,
como os preceitos relativos ao zoneamento, arquitetura, alinhamento, estética, prevenção de
incêndio, higiene, etc, e os que resguardam, especialmente, o interesse, próximo, do
vizinho:
COLIN et CAPITANT consideram três grupos, dos quais o terceiro não interessa
diretamente ao assunto deste trabalho:
“I – Restrictions d‟ordre administratif, apportées par la loi au droit du
propriétaire, dans un intérêt public.
II – Restrictions d‟ordre civil établies par la loi à raison du voisinage des
fonds.
III – Restrictions d‟ordre contractuel, résultant d‟une clause d‟inaliénabilité
imposée au propriétaire par celui dont il tient la chose” (op. cit., pág. 744).
Em quanto às primeiras restrições sobreleva o bem público, interessando ao direito
administrativo, ao chamado poder de polícia.
SÁ DE PEREIRA ensina que
83
Art. 937 do Novo Código Civil de 2002.
“... além das funções de governo, de direção e comando, o Estado exerce
funções tutelares de polícia, que entram na esfera especial do direito administrativo. Nos
povos modernos essa tutela se especializa numa polícia de segurança, numa polícia de
higiene e até numa polícia de estética, não só para o resguardo de monumentos e obras de
arte, como para conservação das paisagens naturais” – (Decisões e Julgados, pág. 283).
As medidas de ordem administrativa decorrem de origens muito diversas, cujas
principais são:
- motivos de interesse geral, como a desapropriação,
- motivos de segurança e saúde pública,
- motivos de economia social, como a propriedade mineira e regime de águas,
- interesses de defesa nacional,
- interesses fiscais.
Como observa BRUGI, leis especiais regulam também o patrimônio artístico
nacional, o benefício de certos terrenos, etc, restringindo o uso ad libitum, que o
proprietário poderia fazer da coisa ou a sua própria comercialidade, como em relação a
animais atingidos por moléstias contagiosas, indicadas nos regulamentos sanitários, e as
sementes ou plantas, atacadas de certas pragas – (Della proprietà, v. 1, pág. 156).
Em pareceres publicados na Revista dos Tribunais, v. 64, pág. 188 e v. 65, pág. 275,
MARIO S. OLIVEIRA e JOÃO DE LIMA PEREIRA versaram a questão estética, como limitação
de ordem pública de propriedade, invocando a lei estrangeira – quanto à altura máxima de
construções para garantia de um panorama, ou exigência e tamanho dos lotes para
construção de um só edifício, de acordo com certas regras, e lembrando que até a
desapropriação pode ser decretada, tendo em vista a decoração de uma localidade (Cod.
civ., art. 590, § 2, n. III).
MENDES PIMENTEL opinou, entretanto, de modo diverso em erudito parecer, no qual
invoca copiosa lição estrangeira, especialmente a norte-americana:
“Mas, o poder de polícia, exercitado pelo município, pelo Estado ou pela
União, não é discricionário, arbitrário, caprichoso; está sujeito aos princípios
constitucionais e às leis e regras jurídicas que deles promanam. O conceito fundamental é o
de que a intervenção só é admissível quando haja um interesse público a harmonizar
imprescindivelmente com o interesse privado.
A altura máxima dos edifícios levantados no alinhamento, entende com a segurança
dos mesmos e com a higiene das vias públicas (insolação, iluminação e ventilação). E é por
isso que em toda a parte se tem como legítima a proibição de excederem as construções
uma determinada altura. Mas o que se procura saber é se a administração municipal pode
impor uma altura mínima aos edifícios, isto é, se pode proibir construções de um só, de
dois, de três pavimentos.
Parece-me que não pode. Esta restrição à propriedade particular não é conseqüência
da necessidade inelutável de harmonizar os fins sociais com os interesses individuais.Nem
a segurança pública, nem a higiene pública, nem a comodidade pública é lesada pelo fato
de, em certas partes de uma cidade, se não levantarem edifícios grandiosos ou
monumentais. Desde que a construção de um só pavimento obedeça às exigências
regulamentares, não é lícito impedi-la fundado em considerações de mera estética ou
embelezamento da cidade” – (Rev. Forense – v. 58, pág. 17).
As segundas restrições, ainda que também dependentes, às vezes, de regras da
mesma natureza, das que justificam as primeiras, atendem, precipuamente, à situação dos
vizinhos, decorrendo da inter-dependência do uso de coisas próximas.
As limitações, ligadas ao interesse dos fundos vizinhos, compreendem, segundo,
ainda, COLIN et CAPITANT, três categorias:
- as que impõe aos proprietários uma abstenção (servidões legais e naturais),
- as que obrigam a certas prestações ativas (idem, quanto à demarcação e
fechamento),
- as que decorrem da jurisprudência que impõe aos proprietários a obrigação
geral de não causar prejuízo a seus vizinhos.
Estas, que, entre nós, não são apenas filhas da jurisprudência, mas encontram
expressa proteção legal, é que, no momento, mais nos irão preocupar.
Contudo, devemos recordar que o Código, desenvolvendo uma boa parte daquelas
restrições, rotuladas em outros, mais antigos, como servidões naturais e legais, sob a
rubrica dos direitos de vizinhança, sucessivamente, disciplinou as questões sobre árvores
limítrofes, passagem forçada, águas, limites, construção e tapagem.
O seu estado pormenorizado não teria originalidade e alongaria, em demasia, este
trabalho. Convém, apenas, salientar os pontos em que os preceitos administrativos o
completaram e desenvolveram.
Assim, no vigente regulamento de Saúde Pública, aprovado pelo decreto n. 16300,
de 31 de Dezembro de 1923, encontram-se preceitos especiais sobre a construção de fornos
(arts. 782 a 785), estábulos (art. 905), indústrias nocivas ou incômodas (art. 1045) etc, e nas
posturas do Distrito Federal (decreto municipal n. 2087, de 19 de Janeiro de 1925) regras
minuciosas sobre altura dos prédios, existência de áreas, chaminés, galinheiros, cautelas
especiais para construção dos teatros, casas de diversões, circos, garagens, cocheiras, casas
de saúde, fábricas, etc. Disposições similares são encontradas nos Códigos de posturas de
quase todos os municípios da República.
A lei n. 4265, de 15 de Janeiro de 1921, sobre minas, estabeleceu restrições
especiais:
“Art. 49 – No caso em que as águas dos mananciais, dos córregos, ou dos
rios forem poluídas por efeito da mineração, suscitando reclamações dos proprietários e
povos vizinhos, o Governo, ouvidas as repartições competentes, providenciará por
instruções e medidas que forem necessárias para evitar os males públicos, tendo em vista,
quanto possível, as condições econômicas da lavra da mina.
Art. 72 – O Governo fiscalizará por suas autoridades técnicas ou por pessoas
competentes todos os serviços de pesquisa e lavra de minas, fazendo cumprir os
regulamentos de:
I – Proteção dos operários;
II – Conservação e segurança das construções e trabalhos;
III – Precaução contra perigos às propriedades vizinhas; e proteção de bem estar
público.”
Por hora, bastará atender o que muitos desses preceitos de ordem administrativa
interessam também aos ocupantes.
O dono e o inquilino ficam, assim, colocados na mesma linha em relação ao uso
nocivo da propriedade, e submetidos à ação de direitos reais, atropelando-se, destarte, a
distinção clássica.
É sempre a influência da coisa sobre a regra jurídica, visando-se, precipuamente, a
sua utilização sem se cogitar da essência do domínio.
PLANIOL considera as obrigações de vizinhança semi-reais (op. cit., § 2368);
MAURICE PICARD classifica-as de propter rem (op. cit., § 430), noção que J. BONNECASE
assim desenvolve:
“Il existe dans notre Droit positif actuel, sous le nom d‟obligations réelles
ou propter rem, des obligations entièrement distinctes: d‟une part, des obligations
personelles ou abligations proprement dites, d‟autre part, des droits réels. Ces obligations
consistent essentiellement dans la nécessité pour le débiteur d‟accomplir un acte positif,
exclusivament à raison et dans la mesure d‟une chose qu‟il détient, les dites obligations se
transmettant, en conséquence, ipso jure aux détenteurs sucessifs de la chose, sans qu‟en
aucun cas elles se transforment soit en droits réels, soit en obligations personelles. Il y a
lieu de terminer notre démonstration en faveur de l‟obligation réelle représentative d‟une
troisième proposition, que l‟obligation propter rem se distingue radicalement de la notion
de servitude avec laquelle on a essayé de l‟indentifier‟ – (op. cit., pág. 420).
BIAGIO BRUGI também opina:
“A me sembra che quest‟idea di obbligazioni nascenti dal puro fatto della
vicinanza (la frase è del PLANIOL) e sempre da me sostenuta trionferà sul concetto di
servitù legale. Malgrado ciò, l‟obbligazione reciproca dei vicini non può assumere in tutti i
casi una figura cosi precisa como sarebbe quella di diritti e doveri nascenti da un contratto
da un quasi-contratto, secondo l‟idea stessa del POTHIER” – (op. cit., pág. 186).
Já anteriormente se reconhecia, por exemplo, a possibilidade do embargo de obra
nova ser promovido pro e contra o inquilino.
CORREA TELLES, a propósito do dano infecto, admitia o seu cabimento nos casos
seguintes:
“1o – se o vizinho fizer na sua casa tamanho fogo que seja para temer um
incêndio;
2o – se fizer forno em tal sítio, ou com tais materiais, que haja o mesmo
perigo;
3o – aquele que tiver o seu gado infeccionado com doença contagiosa, pode
ser obrigado a retirá-lo para onde se não possa pagar aos gados dos vizinhos, ou dar
caução, etc.‟ (Doutrina das ações, art. 470).
Examinando os vários preceitos enfeixados sob a rubrica – direitos de vizinhança,
Nachbarrecht, na técnica alemã, vemos que eles envolvem indiferentemente interesses de
donos e habitantes. Em certos casos, a estes atinge diretamente a regra, como a que permite
a entrada e uso temporário na casa alheia para concerta e limpeza do edifício contíguo.
O incômodo sofre-o, em regra, o habitante e não o dono.
Também a ele se pode referir a face ativa, como demonstrou interessante decisão a
respeito da passagem momentânea, que a jurisprudência francesa admite, sob o nome de
tour de l‟échelle:
“Basta ver que o Código, (no parágrafo único, do art. 58784
), estende as suas
disposições à limpeza ou reparação dos esgotos e aparelhos higiênicos, poços e fontes já
existentes, para se concluir que o inquilino pode usar de ação para entrar no prédio alheio, a
fim de realizar essas obras, que a eles muitas vezes, e não ao proprietário, são impostas nos
regulamentos sanitários e nas posturas municipais. Em se tratando mesmo de reconstrução
quantas vezes, sobretudo na zona comercial, o arrendatário não se obriga a construir de
novo o prédio arrendado? A preliminar da falta dos documentos instrumentários da ação
com a inicial que a propõe é, de todo improcedente, pois que a ação não se funda no
domínio e pela mesma razão é improcedente a defesa que se funde em não tê-lo aprovado o
autor” – (Rev. de Direito, v. 62, pág. 311).
84
Art. 1313 do Novo Código Civil de 2002.
ROSSEL et MENTHA observam que a utilidade do art. 679 do Código suíço está em
permitir aos locatários, diretamente, ação contra proprietário vizinho, que excede seu
direito e, assim, as relações de vizinhança protegem, não só os donos, como os habitantes;
por outro lado, se o locatário abusa de seu direito em detrimento do vizinho, o dispositivo
poderá ser invocado contra ele, embora o proprietário seja sempre responsável (op. cit.,
pág. 353).
A questão é ainda mais complexa, bastante recordar a ponderação de DEMOGUE:
“La conclusion qui dégàge est donc trés large et elle dépasse beaucoup le
théorie de la propriété à laquelle on la rattache. Elle la dépasse si bien que la
jurisprudence tient compte du dommage causé par une peronne non sur son terrain, mais
sur la voie publique: en y faisant stationner trop longtemps des voitures, en y construisant
une marquise, etc. C‟est un pas important vers la théorie objective de la responsabilité.
Quiconque pour son utilité cause à autrui un dommage excessif en doit indemnité
pécuniaire. La théorie se dégage beaucoup de l‟idée de propriété. Le voisinage n‟est qu‟un
fait: il n‟a pas besoin d‟être immédiat: une usine peut gêner à plusieurs centaines de
métres” – (op. cit., § 738).
31 – Há pouco recordávamos a fórmula mater do artigo 554, que governa as
relações de vizinhança e demanda apreciação mais detida: a falta de estudos especializados
sobre o assunto poderia até autorizar a conclusão de que o texto se adiantou
demasiadamente ao meio.
Não há, porém, como se negar caloroso aplausos aos termos felizes, em que foi
vazada, tanto no estender a proteção aos ocupantes, como no colocar a prevenção ao lado
da repressão.
Os textos casuísticos de outras legislações (v. g. arts. 906 e 679, respectivamente,
dos Códigos alemão e suíço) são evidentemente inferiores ao nacional, que, pela sua
elasticidade, permite variada aplicação, adaptável a cada caso e segundo razoável arbítrio
judicial.
Na França, e mesmo, na Itália, a matéria tem sido, sobretudo, obra de construção
dos Tribunais.
Na sua origem, o art. 554 se desdobrava em vários dispositivos, reunidos, afinal, na
fórmula elegante, em que só se poderia desejar a substituição do termo inquilino por
habitante.
Eis os textos dos projetos:
Primitivo:
“Art. 640 – O proprietário ou habitante de um prédio tem o direito de
reclamar a proteção da polícia e da justiça pública, quando o proprietário ou habitante do
prédio vizinho, usa dele de modo comprometedor para a saúde ou para a segurança das
pessoas ou mesmo dos animais aí estabelecidos.
Art. 641 – O simples fato de usar alguém da sua casa ou de seu terreno de
modo desagradável ao vizinho, não o autoriza a usar do recurso conferido pelo artigo
antecedente, enquanto não houver excesso ou propósito de molestar.
Art. 642 – As disposições dos dois artigos anteriores são aplicáveis entre
quaisquer habitantes do mesmo prédio, sejam ou não os próprios donos.
Art. 643 – O recurso à justiça pública é também concedido ao proprietário
ou habitante de um prédio rústico ou urbano, quando o aproveitamento dele é
impossibilitado pelo uso que do prédio vizinho fazem os que o ocupam.
Revisto:
“Art. 648 – O dono ou morador de um prédio tem o direito de impedir que o
mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, sossego e saúde dos que
habitam o mesmo prédio e dos animais que nele se acham.
Parágrafo único. – O simples fato, porém, de usar alguém do seu prédio de
modo lícito, mas inconveniente, para o vizinho, não dá a este o direito de obstar aquele o
uso de sua propriedade, como lhe convenha.
Art. 649 – O disposto no artigo antecedente é aplicável, em identidade de
circunstâncias, ao caso de diversos moradores do mesmo prédio.
Art. 650 – De igual direito goza o proprietário quando não possa aproveitar
seu prédio pelo uso nocivo que do prédio vizinho façam os que o ocupam, ou prejudicando-
lhe a cultura, ou danificando os objetos de uso indispensável à habitação.
Art. 651 – O proprietário tem o direito de exigir do dono do prédio vizinho a
respectiva demolição ou reparação, quando este ameace ruína, e que preste caução pelo
dano iminente”.
Assim, com a substituição no texto vigente, se atingiriam todos os casos fora da
propriedade e se conjugariam os seus termos com os do arts. 152885
e 1529, referentes,
exatamente, ao dono e ao habitante, no fixarem a responsabilidade delitual pela ruína do
edifício ou queda de objetos.
32 – Antes de cuidar da aplicação que pode ter o salutar princípio, não seria
demasiado indagar do fundamento dessas limitações ao uso das coisas e da conseqüente
responsabilidade civil, quando desatendidas.
Entre nós está firmada a responsabilidade legal, sendo excessivo apurar as noções
para fixar o fundamento; assim também nos países em que a regra tem a mesma expressão
obrigatória.
Mas, onde existe apenas a construção dos tribunais, a doutrina investiga para firmar
o seu alicerce.
Não resistimos ao desejo de reproduzir esse debate, aliás de sumo interesse para
guiar o intérprete na dedução dos corolários a extrair dos termos amplos, em que foi a regra
legal vazada.
Defluindo do caráter sagrado que, na Grécia e em Roma, se atribuía aos confinia, a
primitiva construção se desenvolveu em torno das imissões que deveriam ser reprimidas,
quando danosas.
BONFANTE, esclarecendo que, dada a contigüidade dos prédios, é comum e, mesmo,
inevitável que facere in suo se torne, por propagação espontânea, um facere in alieno,
deixando, assim, de ser um jure uti, mostra o que existia no Direito Romano, onde
predominava a teoria das imissões:
85
Art. 937 do Novo Código Civil de 2002.
“ Ma quelche più importa al nostro tema gli è che precisamente sul terreno dei
rapporti di vincinanza il diritto romano aveva creato una generale responsabilità senza
colpa. Questa reponsabilità senza colpa era sancita dalla stipulatio damni non facti (più
tecnicamente cautio damni infecti), la quale si poteva esigere non solo per l‟edificio che
minaccia ruina (vitio aedium), ma per qualunque attività del vicino nell‟esercizio legitimo
del dua diritto (vitio operis), sia sul suo fondo (facere in suo), sia sul mio fondo, por
esempio, a titolo di servitù (facere in alieno), sia sul suolo pubblico (facere in pubblico)” –
(Scritti giuridici – Proprietá e servitù – pág. 831).
Não admitiu, porém, a solução de VON IHERING, substituindo a imissão pela
influência, direta ou indireta, abstraído o elemento corporal, que aquela encerra, porque, se
uma pecava por falta, outra peca por excesso e pode conduzir a resultados aberrantes em
algumas aplicações.
Na Idade Média dominou a teoria da repressão aos atos emulativos, como ainda
salientou BONFANTE em nota à tradução do Tratado de BAUDRY LACANTINERIE et
CHAVEAU:
“Il divieto degli atti emulativi spunta già nella glossa e nelle opere di CINO DA
PISTOIA E DI BARTOLO: via nei secoli successivi la teoria assunse contorni precisi e sicuri,è
fissata da BALDO E PAULO DI CASTRO, riprodotta da GIASONE DEL MAINO ED ALESSANDRO
DA IMOLA, e diviene un ius receptum nel diritto comune, scendendo già sino al POTHIER.
Rari scrittori ne rimasero immuni: ALBERICO DA ROSATE tra gli antichi, il quale proclamó
contro CINO la liberta di azione del proprietario, il MOLINA, il quale chiariamente disse
che chi edifica ed emulazione non pecca contra giustitiz, ma contra carità, ed i migliori
autori della scuola francese e olandese, CUIACIO, DONELLO, VOET, i quali non toccano
neppure di siffatta pretesa limitazione della proprieta privata‟ – (op. cit., pág. 947).
SORGE VADALÁ recorda que SALICETO sustentava ser, por exemplo, proibido:
“... aprir finestre ad emulazione, come per veder monaci o monache, o la bella
moglie o la graziosa figlia del vicino; e ciò per argomento tratto dal famoso fr. 3 de oper.
publ. 50, 10” – (op. cit.,pág. 135).
A propósito de atos emulativos, BIAGIO BRUGI considera:
“Ma ne viene pur l‟altra importantíssima conseguenza che non si può in alcuna
guisa obiettare a noi che manchi per ora della nostra legge un esplicito divieto degli atti di
emulazione, perchè il limite è piuttosto nel diritto stesso come necessaria consizione del
suo riconoscimento, anzi del suo carattere di diritto. E vero che in questi casi la
giurisprudenza, paurosa presso di noi del giudice legislatore del singolo caso, si aiuta con
sforzate interpretazioni di articoli del Codice e persino con una finzione di colpa” – (op.
cit., pág. 305 e 321).
FERRINI (op. cit., § 96) e com ele CHIRONI e GIANTURCO entendem que, perante o
direito positivo italiano, o juiz não pode entrar em apreciações subjetivas para considerar o
ânimo emulativo, desaprovando, assim, a jurisprudência o seu país.
O próprio BONFANTE não se aparta, quase sempre, da noção de culpa, que se deve
presumir, ao menos a levíssima da lei Aquilia, nos estabelecimentos industriais; e a
encontra com esse grão até nos danos praticados pela multidão atraída por um espetáculo de
aviação, pelos quais é responsável o empresário (op. cit., pág. 851).
Mas, MAURICE PICARD esclarece que se trata apenas de saber se o autor danoso
deve ser declarado responsável, a despeito da máxima neminem laedit qui suo jure utitur e
em que fundamento deve repousar a responsabilidade.
Desdobrando a resposta, afirma que o proprietário, além da responsabilidade
comum, quando tiver incorrido em culpa, pode ser responsável sem que haja cometido
qualquer falta censurável e somente porque fez de seu direito um uso excepcional ou
anormal, acarretando prejuízo para o vizinho.
SORGE VADALÁ, diante da realidade, indaga, porém, em que momento o direito de
propriedade deixa de ser legítimo, considerando que:
“Il carattere lecito od illecito degli attacchi non può essere aprezzato che secondo
un principio obiettivo, onde l‟errore su cui si fonda principalmente la teoria suddetta è
quelle di dare una espressione subbiettiva ed una distinzione obbiettiva” – (op. cit., pág.
144).
A fórmula do abuso de direito, em correlação com a dos atos emulativos e
rejuvenescendo o summum jus summa injuria, tem sido muito invocada.
COLIN et CAPITANT, por exemplo, pronunciando-se sobre o assunto, salientam que
os tribunais não se embaraçam nos casos concretos, com justificações doutrinárias e
motivam as decisões com vagas considerações de equidade; entretanto, destacam como
sistemas principais:
- o do quase contrato de vizinhança, segundo as idéias de POTHIER e as
alusões contidas nos arts. 651 e 1370 do Código Civil francês, embora
considere esses textos estranhos ao assunto e a teoria insuficiente, pois o
direito envolve sempre um atentado à liberdade de outrem e a vida social
exige cada vez mais o prejuízo recíproco.
- outro, o do delito ou quase-delito, decorrente da aplicação dos princípios
gerais, contidos no arts. 1382 e 1383; mas aí se exige culpa, e muitas
vezes, os tribunais, censuram casos de uso atento e diligente de uma
indústria apenas pelos inconvenientes que dela derivam inevitavelmente.
Por isso, invocam a noção do abuso de direito, eis que este deve ser exercido sem
excesso;
“... d‟après leur destination naturelle et d‟une façon normale”.
Haverá abuso quando essa medida, no estado geral dos costumes e das relações
sociais, for ultrapassada.
Assim exemplificam: se levanto um edifício e tiro a vista do vizinho, uso de meu
direito, mas se em terreno nu ergo um muro altíssimo, já o uso é anormal.
Também MICELI:
“Poichè anche operando entro i confini del proprio fondo, il proprietario può fare
cosa contraria al fini di giustizia e di solidarietà sociale, se usa del suo potere sulla cosa
contrariamente ai fini del diritto, i quali vogliano che ogni ne usi per utilizzarla e non per
transformarla in un strumento di danno per i vicini. In altri termini, il potere giuridico
sulla cosa è accordato al proprietario, non per abusarne a danno altrui” – (op. cit., § 76).
Mas, a noção de abuso de direito é ainda flutuante.
Para uns, esse abuso se caracteriza pela ausência de motivos legítimos (JOSSERAND),
ou, além do dolo, pela negligência e imprudência (CAPITANT); segundo SALEILLES, a
fórmula legítima o conceituaria no exercício anormal de direito, contrário à sua destinação
econômica ou social, reprovado pela consciência pública, excedendo seu conteúdo, dado
que todo direito é relativo e não os há absolutos, nem mesmo a propriedade.
Diferentes não são as fórmulas de GENY e de CHARMONT.
É forçoso, porém, afastar a apreciação íntima da atitude do agente, prescindir da
análise volitiva, havendo que atender, apenas, às regras de harmonia social.
Além da resistência de PLANIOL e DUGUIT, outros ainda não se renderam à teoria do
abuso: PIERRE DE HARVEN – Mouvements generaux du droit civil belge (1928 – pág. 291),
por exemplo, critica seu patrício CAMPION, no ampliar demasiadamente o instituto, com a
noção vaga de utilidade social – charge fois que l‟intérêt social lésé par cet exercice
apparaîtra comme plus considerable que l‟intérêt social s‟attachant à l‟intangibilité de
cette faculté – embora termine propondo a seguinte fórmula:
“... l‟exercice des droits civils, sans intérêt legitime et à des fins contraires à leur
destination, n‟est pas protegé par la loi”.
HENRI et LÉON MAZEAUD (Traité de la responsabilité civile 1931 – t. I – pág. 475)
rejeitam qualquer critério finalista, apegados, como estão, à noção de culpa, a que procuram
ligar todas as hipóteses; reconhecem, assim, que os casos de abuso pelo exercício de
atividade cautelosa do direito, mas incômoda a terceiro, são afinal envolventes de culpa,
porque... negligente é o proprietário que deveria renunciar à indústria, só exercitável em
prejuízo dos vizinhos.
Também outro jurista belga JOSEPH RUTSAERT (Le fondement de la responsabilitè
civile extra-contractuelle- Paris, Bruxelas - 1930 – pág. 46) se mostra adverso à doutrina do
abuso, considerando suficiente para exemplificar a reparação a noção de culpa.
Duvidamos, porém, dessa apregoada suoplesse da noção de culpa.
A esse propósito também tivemos ocasião de nos pronunciar, contribuindo para um
Dicionário jurídico que o Instituto da Ordem dos Advoagados Brasileiros tem em
elaboração:
“A tendência socializadora do direito, vencendo paulatinamente, a corrente
individualista, ingressou no Código Civil Brasileiro pelo argumento a contrario sensu,
deixando à doutrina e à jurisprudência a conceituação do abuso, consistente no uso irregular
do direito.
Não exigiu expressamente os elementos do intencional prejuízo do ofendido, nem
da má-fé no seu exercício, como fizeram outros códigos; assim se deve conciliar o fim anti-
social com ausência de interesse moral ou econômico por parte do autor” – (Boletim do
Instituto, v. 8, pág. 395).
PONTES DE MIRANDA,vendo na regra do art. 152886
um caso de abuso de direito,
considera que
“No direito brasileiro adotou-se fórmula que, a despeito de um tanto misteriosa, na
aparência, sem que, na essência, o seja é a que mais corresponde aos modernos reclamos do
sentimento e da mentalidade liberal e democrática em sua vigente conciliação com o
capitalismo” – (Manual, LACERDA, V. 16, PÁG. 224).
As fórmulas dos Códigos alemão e suíço não mais satisfazem; eis as mais
modernas:
86
Art. 937 do Novo Código Civil de 2002.
“Les droits civils sont protégés par la loi, sauf dans les cas où ils sont exercés dans
un sens contraire à leur destination économique” – (Código Civil da Rússia Soviética – art.
1o ).
“Doit reparation qui a causé un dommage à autrui en excédant dans l‟exercise de
son droit des limites fixées par la bonne foi ou par le but en vue duquel ce droit lui a été
conféré” – (Código franco-italiano de obrigações, art. 74).
MAURICE PICARD, além dos casos de culpa, distingue os de abuso manifesto de
direito (envie de nuire, malice et intention usurpative, etc), e os de exercício legítimo, mas
excepcional ou anormal de direito. Referindo-se à ruptura do equilíbrio de interesses, após
1804, com o desenvolvimento da indústria, considera característicos e ponto de partida da
jurisprudência os males resultantes de vizinhança de estabelecimento industrial.
A despeito de todas as cautelas para poupar incômodos aos vizinhos, são inevitáveis
os inconvenientes de imissão corporal de odores, fumaças, etc; no mesmo sentido os
rumores, os inconvenientes morais, a vizinhança de hospitais e escolas, a exploração de
estradas de ferro e de minas, o aumento exagerado de tapumes, etc.
Desconhecendo, porém, uma obrigação geral e vaga de vizinhança, e vendo,
estreitamente, o abuso de direito, sob a condição de malícia conjugada com a ausência de
interesse, incapaz, portanto, de abranger os casos de exploração de teatros, hospitais ou
minas, o tratadista francês repele a fórmula do abuso, preferindo a seguinte:
“... quiconque n‟use pas de sa propriété dans les conditions habituelles de son
epoque et de la situation de son immeuble doit reparer le dommage qu‟il cause, car, en
faisant de sa propriété un usage exceptionnel, il a detruit la rapport d‟équilibre qui existait
entre les fonds naturels”.
VADALÁ, após salientar a insuficiência das teorias de imissão corporal e dos atos de
emulação, rejeita também as que giram em torno da culpa estrita, apreciando, a seguir,
todas as soluções posteriores: de PROUDHON, que distingue entre dano efetivo e privação de
vantagem; de DEMOLOMBE, da preocupação; de CHAUVEAU, proposta também por
LAURENT, AUBRY et RAU e BIANCHI, em torno da gravidade do incômodo – e a do abuso de
direito (RICCI, etc); combate, ainda, as da culpa pela infração de obrigações de vizinhança
(PLANIOL), ou de quase contrato (POTHIER) ou da lei (CAPITANT), para, assim, concluir:
“Noi affermiamo dunque che nei rapporti di vicinato si puô essere responsabili
quand‟anche si eserciti un diritto.
“Chi non usa della sua proprietà nel modo ordinario di coltivazione, secondo le
condizioni mormali della situazione dell‟immobile e gli ussi del tempo e del luogo, è
responsabile dei manni e delle molestie che produce alle persone o alle cose vicino”.
É o critério de uso anormal, apresentado sob vários matizes, como se vê das
conclusões de RIPERT:
“Quiconque n‟use pas de sa propriété dans les conditions normales de son époque
et de la situation de son immeuble, doit réparar le dommage qu‟il cause, ou n‟a droit à
aucune indemnité pour celui qu‟il subit. C‟est parce que l‟on exerce un droit celui que l‟on
recueille des bénéfices;‟or on doit supporter les pertes, c‟est-à-dire réparer le dommage,
parce que l‟on profite des avantages; donc c‟est parce que l‟on exerce un droit qu‟on doir
réparer le dommage causé” – (Op. cit., pág. 338).
FERRINI:
“Il concetto determinante, è quello dell‟equilibrio dei domini. Entro questi limiti è
datto a tutti i proprietari di fare i medesimi atti e di esercitare in modo a un dipresso
uguale il loro diritto... Quando i due esercizi siano incompatibile, prevale quello che
risponde alla comune destinazione dei predii” – (op. cit.).
VON IHERING:
“Nul ne doit souffrir de la part de ses voisins des atteientes indirectes qui causent
du dommage à la personne ou à la chose ou qui gênent la personne en excédant la mesure
ordinaire de ce qui est supportable” – (Oeuvres Choisies – 1893 – t. II – pág. 142).
COVIELLO:
“... chi esercita un diritto od una attività lecita deve supportarne le conseguenze
dannose che ricadono sul patrimonio altrui, allo stesso modo che le avrebbe soportate se
avessero colpito direttamente il proprio.”
GIORGI:
“Stiamo fermi ai principii, se non vogliamo aberrare: e i principii ci diranno, che
nella società civile niun diritto può coesistere accanto agli altri, senza rimanere dentro i
limiti rigorosamente impostigli dalla necessità della convivenza” – (Teoria delle
obligazioni – v. 5, § 422).
MICELLI:
“Il criterio dell‟uso normal della cosa, che va prendendo sempre più piede presso i
giuristi, è quello che si fonda sul principio che il proprietario non deve proporsi, nell‟uso
della cosa di volere ottenere da essa le utilità che non può conseguire se non a danno del
vicino.
Se non che questo criterio, cosi formulato, ha carattere troppo vago e
ocorreprecisarlo in qualche modo, quantunque non sia possibile di precisarlo in modo
completo. E a precisarlo non vale certo in vecchio principio della non immissione. Invece
un criterio di maggior precisione può essere offerto dalla principale destinazione della
cosa, quella più conforme alla natura di essa” – (op. cit., § 74).
Nos Estados Unidos vigora a mesma doutrina:
“Is is a general principle of law that every person may make such use as he will on
his own property, provided he uses it in such manner as not injure others. This principle,
which has been expressed in the Latin phrase, Sic utere tuo ut non alienum laedas, is
applicable to adjoining landowners, and governs in determining their rights, duties an
liabilities in respect to each other. But it is not to be inferred from this statement of the rule
that the law forbidas any and all uses of property which may cause loss, dammage or
inconvenience. Every person is entitled to make a reasonable use of his property and if in
so doing he causes dammage, to others, it is a case of damnum obsque injuria, and no
liability attaches therefor” – Ruling Case Law, - v. 1, pág. 371).
P. ESMEIN observa, porém, que a fórmula do uso anormal é sem grande valor
prático
“... et en definitive la même à laquelle on en arrive lorsqu‟on cherche à définir le
caractère illicite, condition de la faute” – (Traité de PLANIOL et RIPERT – vol. 6 - § 574).
Outros consideram uma aplicação da teoria dos riscos criados, consequentes ao
aumento dos lucros com a exploração da propriedade, consistindo a culpa no fato de impor
aos vizinhos incômodo excepcional sem reparar o prejuízo causado, pois, em certos casos,
o direito de propriedade não pode ser exercido sem a reparação do dano e a culpa reside na
recusa a essa indenização:
“L‟acte reste permis, parce qu‟il est socialement ultile, mais comme il a pour
conséquence une sorte d‟expropriation du droit d‟autrui, il entraine obligation de
reparation” – (PICARD, op. cit., § 460).
RENÉ DEMOGUE apresenta, nesse sentido, algo de original:
“L‟exploitation d‟un immeuble peut causer préjudice aux voisins sans qu‟on puissse
reprocher à l‟exploitant aucun manque de précautions.
Les auteurs évitent de parler de faute, ils parlent d‟une atteinte au droit. Le
propriétaire dans certains cas ne peut exploiter son terrain qu‟en modifiant ce fonds
commum des agréments du quartier: air salubre, tranquilité, etc. Il ne fait rien d‟illicite.
Mais il se livre forcément à une sorte d‟expropriation de ses voisins, en leur procurant un
air vicié, en leur enlevant leur tranquillité.
Techniquement, les solutions reçues nous apparaissent comme le droit pour un seul
de s‟emparer des avantages communs aux immeubles voisins moyennant indemnité. Ce
droit de nuire au voisin moyennant indemnité est dans le courant de nos lois modernes‟ –
(Traité des obligations, v. 4 - § 721).
BONFANTE volta à carga para mostrar que se, em certos casos, prescinde-se do dano
e da culpa, vaga é a tese do uso anormal da propriedade, propondo, em substituição, a teoria
da necessidade, que chega a filiar ao direito Justianeu. Assenta como conceito básico a
diferença entre a esfera interna e a externa da propriedade, sendo a lesão daquela de
natureza jurídica e a desta de mero interesse, dano não jurídico.
E exemplifica:
“La fertilità di una terra, l‟abbondanza di prodotti, la solidità e la bellezza di un
fabbricato sono certamente qualità di pregio. Ma bem più di rilievo sono precisamente le
condizione esterne, la sua posizione, la sua prossimità alle strade e alle linee di
comunicazione in generale, ai corsi d‟acqua, l‟esterno affluire nel mio fondo, l‟amenità del
paesaggio intorno ad esse a l‟aria salubre che mi proviene dai boschi che lo circondano, il
bem prospetto, se si tratta di un edifizio; e similmente il trovarsi l‟edifizio in un gran
centro, in una contrada signorite, ovvero in un piccolo centro, in un misero quartiere” –
(op. cit., pág. 802).
para concluir que o proprietário deve tolerar as imissões, que são obra da natureza
ou da verdadeira necessidade, isto é, absoluta e geral, equiparável, assim, à natureza;
inversamente, poderá irradiar fora de sua atividade, quando dependa das forças naturais que
agem no prédio ou das leis da necessidade:
“La necessità – la vera necessità – è limite a qualunque diritto subbiettivo. La legge
positiva può mal disciplinare, ma non può infringere la coesistenza. Non si ha un immittere
o un facere illecito quando siamo entro la sfera delle generali e assolute necessità sociali:
ecco il nostro pensiero” – (op. cit., pág. 813).
Aplicando o princípio, entende, assim, que dar bailes não corresponde às
necessidades do consórcio humano, nem aos usos de um apartamento moderno de
habitação – o repouso seguro, na própria casa, é uma necessidade mais absoluta que o
exercício físico, a instrução ou o deleite.
Entretanto, a melhor prova da não receptividade de sua doutrina está na aplicação
por ele feita ao caso do meretrício:
“Certo un simile vicinato non é bello: ed è assai meno, tollerabile che non il
vicinato di un opificio e piu triste che non quello di un camposanto. Ma ci dobbiamo noi
ribellare contro il pure e semplice vicinato? Alle condizione esterne noi non abbiamo alcun
diritto; i riguardi igienici, che pur fanno desiderabile la conservazione di certe condizione
esterne, l‟igiene stessa dello spirito, come nel caso presente, sono condizioni che debbono
essere tutelato dallo Stato. É lo Stato i il Comune che deve impedire o limitare i grattacieli
ed esser severo con le case di tolleranza” – (op. cit., pág. 866).
A Corte de Apelação de Brescia, em julgado de 21 de Janeiro de 1931, rejeitou essa
fórmula da necessidade:
“... perchè lascia perto il campo alle più opposte soluzioni che attengono al vario
modo di concepire la necessità, da cui non si potrebbe escludere il concetto della utilità
sociale essenzialmente connesa al progredire della industrie nella società moderna
spiccatamente industriale”- (Riv. di Dir. Com. 1932 – II, pág. 92).
PIETRO DRAGO propôs, entretanto, a consertar a teoria, ajuntando ao elemento
necessidade, um outro, a da inevitabilidade da moléstia; só, diante do concurso dos dois se
poderá considerar a imissão como lícita (Riv. di Dir. Civile, - 1930 – pág. 558).
Rejeitando, as explicações do abuso de direito e do uso anormal, DUGUIT vê nas
limitações apenas o elemento social, o interesse coletivo, pois os atos, que não procurarem
um fim de utilidade coletiva, serão contrários à lei da propriedade e poderão ensejar a
repressão ou a reparação (op. cit., pág. 166).
Outros propendem mais claramente para as obrigações legais, substitutivas do
quase-contrato de vizinhança, desenvolvido por POTHIER.
Assim, RENÉ DEMOGUE, coerentemente:
“Nous parlons daonc de quase-contrat dans un sens très different de M. CAPITANT
qui vise obligation de ne pas léser le voisin, tandis que nous parlons du droit de léser
moyennant indemnité” – (op. cit., pág. 421).
Quando a lei é expressa, não há como recusar a legitimidade da obrigação legal,
mas, quando silenciosa, é preciso ir mais longe para fundá-la até nos princípios gerais de
direito; é o que reconheceu BIAGIO BRUGI, criticando um aresto, com a costumada maestria:
“Ma non si deve ripetere qui, coi postglossatori:cum sine lege loquimur
erubescimus. Si ricorre al rifugium prccatorum dei principii generali di diritto. Il giudice
non lo dice; ma lo pensa, e si sente sicuro. Ora l‟ordine giuridico è tessuto di questi
principii generali; è impossibile, per esempio, che uno di questi principii non suoni press‟á
poco cosi: ogni diritto è una combinazione di facoltà che non possono essere esercitate con
danno altrui. In moltissimi casi, per non dire in tutti, manca ogni intenzione, di nuocere ad
altri. E, se non erro, la dottrina dei rapporti di vicinanza tende a fare a meno di questo
concetto, qui fuor di luogo, di colpa. Basta che il giudice si senta autorizzato da un
principio generale di diritto a decidere opportunamente e, ripetere volentieri, a guisa
d‟arbitro le questioni di vicinanza” (Riv. Dir. Com. – 1926 – II – pág. 228).
Todo o esforço de dialética, todo o luxo de erudição com que esses notáveis
jurisperitos cristalizaram seu pensamento, seria dispensável, em face do nosso direito, que
bem facilita a tarefa do intérprete.
Por um lado, a teoria do abuso de direito se casa perfeitamente com a do seu
exercício ou irregular, na forma negativa do art. 16087
, n. I – sem exigência de má fé ou de
propósitos emulativos ou vexatórios.
Por outro lado, as obrigações se vizinhança têm caráter rigorosamente legal e
nitidamente propter rem.
As várias correntes convergem para o mesmo ponto, ficando a aplicação da regra a
cada caso ao arbítrio judicial.
Mas é essa justamente a conclusão a que chegam todos os partidários das diversas
correntes, sem embargo do protesto de BONFANTE, que vê acima da questão de fato “il
criterio sicuro e constante delle necessità”.
33 – Mas, tal critério de necessidade é que não existe, senão joeirado nos fatos.
Assim, BAUDRY et CHAUVEAH observam:
“L‟applicazione à anzitutto restrittiva nel senso che la lesione deve presentare una
certa gravità; in altri termini il vicino non potrebbe lamentarsi degli inconvenienti abituali,
inevitabile, dei piccoli incomodi inseparabili dai rapporti di vicinanza; le necesità della
vita comune impongono certi usi suscettibili di cagionare disturbo, ma ciascuno deve
sopportare questi inconvenienti reciproci; sino al momento in cui essi non sorpassino la
misura normale ed abituali degli incomodi inerenti al vicinato, non potrebbe essere accolta
l‟azione di danni interessi” – (op. cit., § 220).
MICELI aprecia, minudentemente, o grão de sensibilidade ou tolerabilidade média
em um certo ambiente, pois a convivência impõe sacrifícios recíprocos pela inevitável
repercussão das ações humanas na atividade alheia. E, suportando-a, acaba o homem por se
habituar, de modo a não sentir ou sentir com menor intensidade os inconvenientes da
vizinhança:
“Cosi chi vive in una campagna isolata, trova insopportabili tutti i fastidi, che
procura la vita citadina con i rumori delle carrozze, dei tram, degli automobili; con gli
87
Art. 188 do Novo Código Civil de 2002.
scuotimenti, che producono i veicoli pesanti, il vociari delle folle, le indiscrezioni e i pochi
riguardi dei vicini, e via discorrendo. Ma colui che fin dalla infanzia vissuto in una grande
città, non fa che poco o punto caso di tutte queste cose” – (op. cit., § 75).
ROSSEL et MENTHA, acentuando a dificuldade da tradução do texto alemão, que não
corresponde, exatamente, à expressão excesso, consideram a delicadeza da apreciação
judicial no estabelecer o justo equilíbrio dos interesses em conflito:
“Au reste, on tablera non point sur les impressions subjectives des personnes
molestées, mais sur l‟impressionnabilité d‟un homme normal, sauf certaines exceptions qui
vont de soi: l‟auteur de l‟excès a construit ou acheté, pour se livrer à une industrie
bruyante, une maison voisine d‟un hôpital, d‟une clinique, etc.” – (op. cit., pág. 364).
Mas a BIAGIO BRUGI cabe a exaltação entusiástica, da função do juiz, soberano na
auscultação dos fatos:
“Nel diritto vigente, l‟officium iudicis si è già guadagnato una cerchia
notevolissima in uno dei più difficili aspetti della proprietà cioè nel combinare fra loro due
principii che sembrano inconciliabili, come questi:Nemo damnum facit qui iure suo utilitur,
e l‟altro che “ogni violazione di diritti del vicino costituisce un atto illecito”. Un‟altra
ragione che la giustifica fu già veduta dai nostri antichi: non si possono vincolare a norma
di legge de più diverse e mutabili circostanze di fatto. Per quelle relazione sarebbero
veramente utili i Codici ridotti a massime generali. Quanto più cresce il numero dei casi
non precisamente regolati dalla legge, di tanto aumenta la potestà del giudice” – (op. cit.,
pág. 190).
Expondo os princípios que devem nortear o arbítrio judicial, SORGE VADALÁ toma
em consideração as condições de tempo e lugar, os costumes e, principalmente, a natureza
dos prédios contíguos, afastando quaisquer apreciações pessoais sobre os vizinhos; em
suma, deve-se preferir, quanto às ofensas à pessoa, o critério da impressionalidade comum
e quanto às coisas a maneira ordinária de utilizá-las.
E, assim, exemplifica os casos de receptividade pessoal e real:
“Il fumo o il rumore ad es. che sarebbero semplicemente molesti per uno dei vicini,
sono invece nocevoli alla salute di un altro; un terzo invece provvisto di nervi più solidi o
di una sensibilità meno pronunciata non ne sente alcun disturbo. Il piano forte che il mio
vicino suona più o meno bene potrà essere di diletto, a me, che adoro la musica, ma potrà
arrecare un grave incommodo alla mia vicina che soffre d‟isterismo. Ciò in quanto alla
recettività personale. Recettività reale: può darsi il caso ad es. che vicino ad un
proprietario che possiede una serra di piante venga a dimorare un industriale che
stabilisce un latro forno; il calore che si sviluppa da questo alto forno giuverà senza
dubbio alle piante della serra che ne hanno un gran bisogno per vivere. Ma se invece di
essere una serra è una ghiacciaia vicina all‟altro forno, il calore di questo senza alcun
dubbio sarà dannoso alla ghiacciaia” – (op. cit., pág. 222).
Na Alemanha não é outra a intepretação do gozo anormal, segundo a expressão do
código - unwesentliche Beeinträchtigung; todos os comentadores, v. g. – ACHILLES-GREIFF
(op. cit., pág. 521) e os Reichsgerichtsräten (op. cit., pág. 173, e segs.), mostram que o
critério da normalidade não pode ser subjetivo, mas sim objetivo, considerando-se um
homem de mediano senso – Durschschnittsmenschen, e atendendo-se, também, à situação
do lugar e às particularidades de cada caso, confiadas ao arbítrio judicial; esclarecem,
ainda, que as necessidades ou exigências de doentes e nervosos não podem ser tomadas em
consideração.
Entre os múltiplos julgados referidos encontra-se, por exemplo, o que, considerando
normal o ruído da passagem de tramways nas ruas, reputou, ao revés, abusivo o decorrente
de um depósito de carris onde, até alta madrugada, havia grande barulho com o seu
movimento de lavagem; em quanto à preocupação, também foi decidido que quem instala
uma lavanderia em bairro industrial não se pode queixar da fuligem, vinda das fábricas
próximas.
Praticamente, os tribunais franceses têm também suprimido a falta de regras
análogas aos dos Códigos alemão e suíço, por construção em torno do prejuízo excedente
da medida de obrigações ordinárias de vizinhança, que, aliás, por si só, já traz
inconvenientes habituais inevitáveis; a soma dos incômodos que os vizinhos devem
suportar vária segunda a situação dos imóveis: tal parece suportável em bairro industrial ou
em rua de comércio, mas dará lugar a reparação se o proprietário, que o suporta, reside em
quarteirão pacífico, burguesmente habitado.
O critério prático, várias vezes invocado é, justamente, o da preocupação, que
outros qualificam com a exigência da generalização.
ROSSEL et MENTHA assim o focalizam:
“Il existe, pour ainsi dire, une sorte de servitude implicite en vertu de laquelle le
caractère bien établi d‟un quartier ne doit pas être brutalement anéanti par l‟entreprise ou
les fantasies d‟un propriétaire; mais ce sont sans doute les seuls avantages matériels, la
tranquilité (ainsi, on ne peut laisser un chien pendan la nuit, aboyer à la lune ou aux
passants, au lieu de le rentrer dans la maison), le bon air, qui doivent être respectés, non
pas des avantages purement esthétiques auxquels on n‟est sensible que par réflexion ou par
association d‟idées; des rentiers devraient subir sans murmurer l‟établissement au milieu
d‟eux d‟un commerce, d‟un atelier non bruyant ni incommodant, mais qui, apportant dans
leur existence placide l‟animation du travail, détruirait la symétrie de leur noble oisiveté,
et produirait un contraste pénible pour leur goût” – (op. cit., pág. 364).
Mas, nem com esse tempramente, BONFANTE admite o critério da procupação,
reconhecendo, embora, o favor com que recebem os tribunais; a coerência com o seu
sistema distintivo de condições externas e internas, leva-o a concluir:
“A noi sembra che sia da ripudiare ogni efficacia a questo criterio trasportato qui a
torto dalla materia del conflitto dei diritti, e che esso, nonostante le corrette apparenze,
sia illogico e iniquo nel nostro campo. Nessuna prevenzione dà diritto a considerare come
estabili e appropriarsi, in un certo senso, le condizioni che sono al di fuori del nostro
dominio” (op. cit., pág. 860).
Em seu apoio, a Corte de Brescia decidiu:
“Ma l‟elemento della preesistenza non deve ritenersi cosi assorbenti da escludere
senz‟altro la colpa dell‟industriale, quante volte si dimostri che egli, pur potendo con mezzi
tecnici a sua disposizione e che gli sarebbe agevole procurarsi senza eccessivo dispendio,
ridurre al minimo le molestie, persista in quel sistema d‟esercizio rivelatosi dannoso” –
(Riv. Dir. Com., 1932, pág. 98).
É preciso, porém, com SORGE VADALÁ, distinguir, previamente, os casos de
vizinhança anormal, onde o elemento altura entra como agravante; são os de exploração de
minas e de co-propriedade dos planos separados, ampliando-se os inconvenientes comuns
da vizinhança.
Nos demais casos, o especialista italiano ainda distingue o uso anormal por conduta
do proprietário, v. g., violação dos regulamentos e negligência, do uso por si mesmo
anormal, em que inclui os estabelecimentos industriais, ferrovias, teatros, casas de
tolerância, bailes públicos, animais selvagens, acidentes, como incêndio e ruína e, afinal, os
atos exagerados da vida comum.
Entre os últimos invoca dois exemplos típicos: o da manutenção de aves domésticas
em quantidade excessiva, de modo que o barulho venha a impedir o sono dos vizinhos e o
da existência de apiário junto a uma fábrica de açúcar, prejudicada pelo furto que sofria,
por parte das abelhas em número extraordinário, alimentando-se a sua custa.
34 – A repressão dos incômodos da vizinhança se opera por dois meios: ou o
impedimento de funcionar, ou a reparação dos prejuízos.
DEMOGUE, quanto à indenização, esclarece que é caracterizadamente pessoal, pois
se o imóvel muda de ocupantes, o novo só pode agir pelo dano que sofreu e não pelo
acontecido ao anterior, a menos que a ação não lhe tenha sido cedida com a coisa.
Em quanto, porém, ao interdito, condiciona:
“S‟il s‟agit d‟un établissement incommode ou insalubre, alors même qu‟il est
régulièrement autorisé, les tribunaux sont compétents pour ordonner des travaux propres à
faire cesser le prêjudice, pourvu qu‟il ne se mettent pas en opposition avec les mesures
prescrites par l‟autorité administrative dans un intérêt général; c‟est ainsi qu‟ils ne
peuvent en ordonner la fermeture” – (op. cit., § 708).
A propósito dessa autorização para o funcionamento, concedida pelo Poder Público,
surgem, aliás, algumas dificuldades, pois se o ato, mesmo autorizado, causa prejuízo aos
vizinhos, é sempre injusto, reconhece-o CHIRONI (Colpa extra-contrattuale, v. 2, § 423 bis).
Por isso, BRUGI observa que a licença administrativa só implica com as relações
entre Estado e os industriais, devendo, porém, trazer, implícita ou explicitamente, a
cláusula de reserva dos direitos de terceiros.
Entretanto, com DEMOGUE, pensam também MAURICE PICARD (op. cit., §§ 413 e
462) e COLIN et CAPITANT, embora ressalvem estes a distinção das esferas do direito
administrativo e do civil, refletida na diversidade e duplicidade de sanções:
“1o – la sanction Publique, c‟est-à-dire une penalité, généralement une amende, s‟il
a enfreint des réglements administratifs en ouvrant son usine sans autorisation; 2º - la
sanction civile, c‟est-à-dire des dommages-interêts envers le voisin lésé. L‟autorisation
qu‟il a obtenu le met à l‟abri de la première sanction, mais non de la seconde” – (op. cit.,
pág. 762).
A propósito dessa autorização para o funcionamento, concedida pelo Poder Público,
surgem, aliás, algumas dificuldades, pois se o ato, mesmo autorizado, causa prejuízo aos
vizinhos, é sempre injusto, reconhece-o CHIRONI (Colpa extra-contrattuale, v. 2, § 423 bis).
Por isso, BRUGI observa que a licença administrativa só implica com as relações
entre o Estado e os industriais, devendo, porém, trazer, implícita ou explicitamente, a
cláusula de reserva dos direitos de terceiros.
Entretanto, com DEMOGUE, pensam também MAURICE PICARD (op. cit.,§§ 413 e
462) e COLIN et CAPITANT, embora resalvem estes a distinção das esferas do direito
administrativo e do civil, refletida na diversidade e duplicidade de sanções:
“1o – la sanction Publique, c‟est-à-dire une pénalité, généralement une amende, s‟il
a enfreint des règlements administratifs en ouvrant son usine sans autorisation; 2º - la
sanction civile, c‟est-à-dire des dommages-interêts envers le voisin lésé. L‟autorisation
qu‟il a obtenu le met à l‟abri de la première sanction, mais non de la seconde” – (op. cit.,
pág. 762).
Entre nós, a solução há de ser mais ampla, cabendo ao judiciário apreciar se a
autorização administrativa foi regularmente concedida a impor o veto ao funcionamento
prejudicial.
Não só isso é conseqüência da interdependência dos poderes, como decorre dos
termos do art. 554 do Código Civil, em sua função preventiva, cuja falta, na Itália,
BONFANTE tanto deplora, considerando que o instituto do dano infecto, como o delinearam
os romanos, sem dependência de culpa, foi mutilado no direito moderno, especialmente no
italiano.
PONTES DE MIRANDA, assim, doutrina:
“Ainda quando tenha havido autorização administrativa, regular ou não regular,
pode o ofendendo ou ofendido pedir que se lhe evitem ou reparem os danos” – (op. cit.,
pág. 300).
No n. 20 já tivemos oportunidade de apreciar o valor das convenções de renúncia a
qualquer oposição aos incômodos da má vizinhança, principalmente em quanto às
conseqüências para os futuros adquirentes, que não se houverem expressamente
conformado com a restrição.
35 – A despeito do interesse no recordar as linhas mestras da jurisprudência
estrangeira, aplicando a doutrina, na delimitação dos contornos do uso nocivo da
propriedade, somos forçados a resumir a exposição dos casos encontradiços nos arquivos
de julgados e nas revistas técnicas.
Relembraremos, apenas, as hipóteses mais curiosas de proteção à segurança, ao
sossego e à saúde dos vizinhos.
As queimadas, a poluição de águas, os rumores excessivos, a fumaça, os odores,
enfim quaisquer imissões prejudiciais aos vizinhos devem ser evitadas; quando não,
ensejam a reparação do dano e, conforme o caso, até a paralisação da atividade prejudicial.
A instalação de escolas, salões de bailes, cabarets, a cultura de abelhas, os
estábulos, a retenção de indivíduos portadores de moléstias contagiosas, são outros tantos
casos considerados de uso nocivo da propriedade:
“Le droit à la vie, inscrit dans le Code viendrait tout naturellement limiter le droit
de propriété. Il expliquerait qu‟un proprietaire ne peut, de sa maison, si elle est située en
pleine ville, faire un hospice de tuberculeux” – (GASTON MORIN – L‟abus du droit in Rev.
de Metaphysique et de morale – 1929 – pág. 278).
Outras vezes, não se pode falar em imissões reais, mas em prejuízos de ordem
moral, como a instalação do meretrício.
Entretanto, já verificamos a impossibilidade de se estabelecer um critério definitivo:
tudo depende das condições de cada caso e, por isso, encarecemos a fórmula do nosso
Código, em face dos textos italiano (art. 462), argentino (arts. 2652 – 2655), alemão (art.
906) e suíço (art. 684).
Vimos também que, com certa cautela, pode constituir a preocupação critério para
conciliar os interesses: assim, se um indivíduo habitar um bairro industrial, terá que sofrer
os incômodos da vizinhança turbulenta, mas se esta pretender aboletar-se em bairro
residencial terá que suportar as conseqüências do abuso.
Vicini ut fratres esse debent.
Citaremos, entretanto, alguns casos mais curiosos, a fim de compará-los com o que
há feito entre nós.
BIAGIO BRUGI, por exemplo, critica severamente uma decisão italiana, absolvendo o
proprietário, que deixara uma casa abandonada, assim transformada em valhacouto de
malfeitores, prejudicial aos vizinhos (op. cit., págs. 282 e 296).
WIELAND formula a seguinte hipótese:
“Par contre, le voisin n‟est pas tenu de supporter le bruit inutile, fait dans un but
d‟amusement, comme par exemple les exercices musicaux exagérés, provenant d‟un local
dont les fenêtres demeurent ouvertes (on ne voit pas pourquoi de tels actes vexatoires
jouiraient d‟un privilège, comme certains auteurs le pensent, v. g. COSACK, KOBER, pas
plus que le bruit permis par manque d‟égard pour les voisins tel que les aboiements)” –
(op. cit., pág. 322).
DEMOGUE destaca recente e interessantíssima decisão do Tribunal de Arras:
“Une personne a chez elle un appareil pour recevoir les auditions
radiotélephoniques et un hôtelier voisin a un phonographe éléctrique qui rend impossible
toute récepton utilisable des émissions radiotéléphoniques. Cet inconvénient pourrait être
évité en remplaçant le moteur de l‟appareil électrique par un moteur électriquement
silencieux. En ce cas, l‟hôtelier peut être condamné sous une astreinte à exécuter ce
changement el il encourt en outre des dommges-intérêts. Il y a avait faute à employer un
moteur nuisible au voisin quand il en existe de non nuisible. Or, une personne qui a chez
elle une installation nuisible aux voisins parce qu‟elle est défectueuse, en est responsable”
– (Rev. trim., 1930, - pág. 369).
Encontramos ainda muitos casos curiosos na jurisprudência dos Estados Unidos:
“The operations of an amusement pavilion at a place devoted to summer cottages,
from 8 in the morning until 11 ou 12 at night, with box-ball, alleys and dancing to jazz
music, in such manner that the noise from the music the laughter, applause, and
announcements on the dance floor, and the noise and lightsfrom the automobiles as the
guests depart, interfere with ordinary conversation, and disturb the rest and sleep in
neighbouring cottages, decreasing their desirability, is held to be a nuisance in Phelps v.
Winch, 309 111.158, 140 N. E. 847” – (Case and Comment – v. 30, pág. 54).
“Maintaining an operating room in a hospital in such proximity to a neighboring
dwelling that the cries of pain emitted by the patients destroy the peace and comfort of its
occupants and injure their helth is in Kester v. Hmeopathic Medical & Surgical Hospital
245, pag. 326, 91 Atl. 659, to be a nuisance – (Case and Comment – v. 21, pág. 760).
E também da Inglaterra:
“Is one who causes a crowd to collect, to the annoyance of his neighbors,
answerable therefor? This question was involved in Lyon, Sons & Co. v. Gulliver (1914) 1
Ch. 631, Where it was held that the assemblage of persons before the doors of a theater
giving both a morning and a afternoon performance, awaiting the opening, which
assemblage has the effect, while not wholly obstructing acess to a shop near by, to render it
less convenient to intendig customers who must either elbow their way through the queue
or pass around the end of it and back on the inside, way be enjoined as an actionable
nuisance: and that the failure of the police to prevent the obstruction by regulating the
crowd and keeping gaps for the passage of the public through the queue does not afford a
good defense” – (Case and comment, v. 21, págs. 164-5).
O articulista observa que PHILLIMORE dissentiu desta conclusão, entendendo que o
comerciante tem o direito de tornar suas vitrines as mais atrativas que for possível, assim
como o empresário teatral, não podendo, assim, serem responsáveis pelo acúmulo de
pessoas atraídas – a indébita obstrução dos passeios caberia à polícia prevenir.
36 – Entre nós, algumas disposições de leis especiais regulam aspectos da
vizinhança, além dos já referidos, como interessando geralmente à coletividade.
Em relação a estradas de ferro:
“Art. 11 – A estrada de ferro responderá por todos os danos que o estudo,
construção e conservação de suas linhas causarem aos proprietários confinantes.
Art 154 – A menos de 50 metros de distância de cada trilho exterior de estrada de
ferro servida por locomotivas a vapor ninguém poderá depositar materiais de fácil
combustão nem construir casas cobertas de sapé, folhas de palmeira, etc. As casas que já
existirem, assim cobertas serão reformadas ou removidas pela estrada ou por conta desta.
Os explosivos não poderão ser depositados a menos de 30 metros da linha de
qualquer estrada de ferro.
Art. 155 – Todavia, a estrada de ferro, será obrigada a indenização, se ficar provado
que o incêndio foi produzido por brasas ou por estopa incendiada, atiradas pelo pessoal da
locomotiva, ou que esta não tinha o necessário aparelho favilivoro de tipo aprovado pela
fiscalização e em bom estado de funcionamento” – (Decreto n. 15673, de 7 de Setembro de
1922).
E às minas:
“Art. 48 – Correm por conta do proprietário da mina os danos causados a terceiros,
tanto pelos trabalhos superficiais como pelos subterrâneos”.
Vejamos, porém, os dados da jurisprudência, aliás bem escassos para a fórmula
adiantada do Código Civil:
O tribunal do Paraná, em acórdão de 30 de Outubro de 1925, confirmou a sentença
do juiz de Tomazina, que condenou um fazendeiro a ressarcir os prejuízos causados na
propriedade alheia em virtude de queimada feita, mas decisão girou em torno da noção de
culpa, por falta de aviso ao vizinho e execução do aceiro em condições diversas das
prescritas na postura municipal. (Rev. de Dir., v. 80, pág. 423).
Também os tribunais de Minas (Rev. Forense, v. 56, pág. 73) e de São Paulo (Rev.
dos Tribunais, v. 33, pág. 497 e v. 61, pág. 344) julgaram no mesmo sentido, exigindo ulpa
em quanto à reparação dos prejuízos decorrentes da queimada.
Uma sentença do juiz A. WHITACKER isentou a empresa ferroviária de indenizar as
consequências de incêndio por desprendimento de fagulhas de locomotivas, em face do art.
26 do decreto n. 2681, de 1912, que, consignando a responsabilidade das estradas de ferro
pelos danos que exploração da linha causar aos proprietários marginais, excetuou o caso de
infração de disposições legais ou regulamentares, relativas a edificações, plantações,
escavações, depósitos de materiais ou guardas de gado à beira da estrada; e o texto
regulamentar acima reproduzido exigia a distância de 50 metros para a ereção de casas de
sapé, depósitos de inflamáveis, etc. (Rev. dos Tribs., v. 40, pág. 28).
Em São Paulo o Tribunal atendeu aos inconvenientes do uso de águas próximas:
“Construindo um açude nas divisas da propriedade do apelado, com a sua, obrigou-
se o apelante a transferi-lo para outro local, na hipótese de se verificarem casso de
impaludismo. Tais casos foram verificados, e, segundo o laudo dos peritos da vistoria, a
situação do açude pode ser prejudicial aos habitantes da fazenda do apelado, trazendo-lhes
moléstias, como maleita, febres palustres, etc. Ainda que o apelante limpasse sempre o
açude, desde que houvesse casos de febres no local, estava já justificada a ação do autor,
reclamando a remoção do mesmo açude” – (Rev. dos Tribs., v. 62, pág. 396).
O acórdão mineiro de 3 de Outubro de 1917 decidiu também interessante litígio da
mesma natureza: J. alegava posse da servidão de uma aguada, que corria em frente à porta
da sua casa e que, a partir de certo tempo, dentro dos seus domínios, entrou a turbar essa
posse, desviando a água do seu velho leito, represando-a e sobre ela construindo um
mangueiro para porcos, causando-lhe dois prejuízos: conspurcou-lhe a água, única de que
dispunha para beber e encharcou-lhe com a represa um trecho de terreno onde havia uma
ponte, que, por isso, ficou arruinada, em prejuízo também do trânsito público.
A Corte deu provimento à apelação do autor para julgar procedente o seu pedido, já
recebido na segunda parte, também no tocante à proibição de conspurcarem os réus as
águas supérfluas, de que aquele se servia, pois o direito dos proprietários superiores às
águas particulares que lhes atravessarem as herdades e enquanto lhes não transcenderem as
fronteiras, é limitado pela obrigação de não corromperem as águas sobejantes, de maneira a
ficarem imprestáveis e até daninhas às herdades subjacentes que tem direito a elas, segundo
até a resolução de 17 de agosto de 1775.
Estas sobras, é intuitivo, haviam de chegar – a essa herdade – prestadias ou úteis
para que a servidão instituída em seu benefício se não convertesse em pesado ônus, qual
seria o receber águas infectas, alteradas, poluídas e insalubres.
É por isso que a servidão legal outorgada aos proprietários inferiores deve ser
assistida pela ação competente para impedir que o benefício redunde em desfavor pela
poluição das águas, pouco importante que os réus tivessem retirado os porcos
temporariamente do mangueiro.
Concluiu, afirmando que:
“A manutenção dessa obra e afirmação que fazem os réus do seu direito de
conservarem o cevadouro aí e de nele reterem os seus suínos é uma ameaça constante aos
interesses jurídicos dos autores, a pureza das águas da sua servidão, que a ação visa
proteger” – (Rev. Forense, v. 29, pág. 178).
Mais tarde, a Relação de Minas atenuou os efeitos da proibição, recusando-se a
prestar a medida preventiva, sob o fundamento de que qualquer alteração que pudessem
posteriormente sofrer as águas, tornando-se impróprias para o uso a que se destinam, por
culpa dos proprietários superiores, seria um dano que teriam de ressarcir, ou mesmo um
crime por que teriam de responder (art. 162 do C. P.), mas nunca ofensa à servidão que
impedisse a construção da casa ou determinasse a sua demolição.
Se assim não fora, estariam os apelantes privados de construir em qualquer parte do
seu terreno a cavaleiro do dito rego, sem licença dos apelados, porque de qualquer ponto
nessas condições poderiam vir ao rego os detritos de sua cozinha ou outras impurezas à
mercê das águas e dos ventos.
Assim,
“Não constituindo a construção dos apelantes, por si só, ou por si mesma, ofensa
alguma à servidão dos apelados, improcedente não pode deixar de ser ação proposta” –
(Rev. Forense, v. 46, pág. 297).
O art. 554 foi aplicado em São Paulo, pelo juiz LEME DA SILVA, com apoio do
Tribunal, na hipótese de instalação de máquinas em um sobrado, ameaçando o sossego dos
vizinhos e até a segurança do prédio contíguo, cujo telhado estava na iminência de correr.
Observando que bastaria terem os réus assentado os maquinismos no pavimento térreo
sobre base de cimento, sem qualquer ligação com o prédio confinante e em ponto afastado,
quando possível, da parede divisória, a sentença concluiu:
“Essas precauções eram tão necessárias quanto é certo que os réus, quando
iniciaram a montagem do maquinismo, os autores já estavam instalados no prédio vizinho
com a sua modesta hospedaria. Nestes termos é bem de ver que os réus não deveriam omitir
a prática das cautelas retro preconizadas, afim de não inutilizarem o comércio dos autores.
A inobservância dos preceitos administrativos atinentes ao funcionamento de indústrias
ruidosas no centro da cidade (artigos já citados do código de construções) importa em
reconhecer que os réus fazem mau uso da propriedade. Em conseqüência, assiste aos
autores o direito de impedirem esse mau uso” – (Rev. dos Tribs.,, v. 76, pág. 343).
O caso mais interessante dos nossos anais judiciários é, porém, o que foi decidido
pelo juiz de São Paulo, ADRIANO DE OLIVEIRA, em ação proposta por um advogado contra
comerciantes de fonógrafos e aparelhos de rádio para compeli-los à indenização
correspondente aos danos e prejuízos que as vendas e rumores intensos, contínuos e
alarmantemente incomodativos lhe causaram à saúde e ao seu trabalho de advogado com
escritório próximo, bem como ao sossego seu e ao sossego e trabalho da vizinhança, pelo
abuso da exploração comercial, afim de que pusessem as suas casas em ordem, com as
obras e instalações indispensáveis a impedir a propagação dos sons, tornados assim
rumores nocivos e danosos.
A parte expositiva da sentença esteia-se em excelente documentação, que passamos
a reproduzir:
“... a conceituação doutrinária do abuso do direito que a lei nova brasileira, do
Código, inscreveu dedutivamente no art. 16088
, n. I, deriva-se para acepções várias.
Consubstanciando essas modalidades, podemos, de um modo geral, indicá-las na teoria
subjetiva e no conceito objetivo.
SOURDAT, CHARMONT, DEMOLOMBE, BAUDRY LACANTINERIE, inscrevem-se em
corrente, segundo a qual o abuso se resume na intenção de prejudicar, excludente de
qualquer outra intenção, como, por exemplo, o proveito para o agente; é o dispositivo do
Código alemão, concepção que PLANIOL também adota.
88
Art. 188 do Novo Código Civil de 2002.
SALLEILES e JOSSERAND são da teoria objetiva, segundo a qual o exercício do
próprio direito não exclui a responsabilidade, pois que o abuso nasce desse exercício e lhe é
inerente. A verdadeira fórmula, diz SALEILLES, seria aquela que visse o abuso do direito no
exercício anormal dele, contrário a destinação econômica e social do direito subjetivo.
JOSSERAND funda-o na legitimidade do motivo, enumerando, entre os ilegítimos, a fraude
contra a lei. Além desses motivos, diz esse escritor, motivos que supõem no agente, a
consciência do prejuízo causado, existem motivos simplesmente culposos, como o daquele
que escolhe, dentre os diversos modos de utilização do direito, o que lesa interesses
legítimos.
CAMPION, tratadista moderno, consultando a doutrina e jurisprudência, alia a esses
dois critérios de apreciação aplicados, o de “desvio da finalidade do direito exercido”, e
conclui por uma fórmula feliz: os três critérios se confundem em um só, verdadeiro: a
ruptura de equilíbrio dos interesses à vista, isto é, presentes. O fim da lei, diz ele, citando
DEMOLOBE, é a melhor e a mais exata ordem possível, de todos os interesses dos que vivem
em sociedade, e dos da coletividade ante os quais cedem os dos particulares: e, acrescenta,
a conservação do equilíbrio entre os interesses coletivos e os particulares, será obtida pela
teoria ampla do abuso dos direitos.
Identicamente se exprime BARDESCO, quando diz: o direito destina-se a alcançar o
bem geral, ao mesmo tempo que a satisfação dos interesses individuais; o abuso do direito,
que é o seu exercício anti-social, gera a responsabilidade.
A lei brasileira filia-se à teoria de SALILLES; o exercício irregular anormal do
direito, constitui o abuso. O Cód. português ilide a responsabilidade por prejuízos àqueles
que, em conformidade com a lei, exercem o próprio direito.
A municipalidade de São Paulo, promulgando a sua conhecida lei, não fez mais do
que antecipar o que já se fez no Rio e o que já se tem feito na Alemanha, nos Estados
Unidos e na França, em Paris, onde, ainda a 20 de Fevereiro último, uma comissão de
Touring Club de França, elaborou uma lei de bem viver, autorizada e aprovada pelo Chefe
de Polícia, ato esse cujo art. 2o, n. 11 e art. 1
o, proibindo todos os ruídos causados sem
necessidade, devidos à falta de precauções e de natureza a perturbar o repouso e a
tranqüilidade dos habitantes, destaca, principalmente, as publicidades ou reclamos por
gritos ou cantos, ou emprego, em fins, industrial, comercial ou privado, de fonógrafos, alto-
falantes e outros processos sonoros, salvo especial autorização – reafirmando no art. 3o a
proibição aos fonógrafos, alto-falantes e instrumentos de música, conforme e a hora e lugar.
Claro que as leis contra o ruído, contra o barulho não pretende, para os grandes
centros, para as cidades chamadas tentaculares, atacadas do mal do ruído inútil, a paz dos
campos, o silêncio dos bairros ou o sossego das aldeias; o que pretendem é evitar a
propagação lesiva do som, prevenindo o abuso, regulamentado o modus vivendi e
conciliando os interesses; é o sossego, ou silêncio relativo.
Esse o objetivo, como o foi da Comissão de diminuição do ruído, de Nova York,
que apresentou conclusão positiva sobre a influência maléfica dos ruídos e rumores,
refutando o erro de que o indivíduo pode facilmente adaptar-se à ação contínua deles.
Reprovam as ditas leis o ruído abusivo, regulamentando, para que se não torne tal, o
produzido pelos estabelecimentos quais os dos réus. Se os réus têm direito à propriedade e
ao uso desta e à liberdade de comércio e anúncios e à propaganda, têm, entretanto, as
restrições de que falamos, a bem do interesse coletivo”.
Reconhecendo, embora, que os exames periciais não conduziram à dedução de que
os réus, usando do seu direito, o fizessem nos limites e termos da lei e sem excesso, isto é,
com a moderação visada pela regulamentação, concluiu a sentença, entretanto,
desfavoravelmente ao pleiteante, por falta de prova do prejuízo, à vista das seguintes
circunstâncias: - a mudança de escritório, com as conseqüentes despesas seria mera
possibilidade de fato não realizado, - as ponderações sobre a saúde do autor não foram
além de generalidades científicas, enumeradas no laudo por peritos médicos: - o autor
advogou em causa própria.
Assim, nem mesmo aceitou a solução de adiar a liquidação dos prejuízos para a
execução, preferindo o douto magistrado concluir:
“... o procedimento dos réus, contrário à regulamentação municipal, envolve matéria
de exclusiva competência da Câmara; o autor, pelo alegado abuso de direito, pleiteou
indenização; restringindo-se, como se deve restringir, o pedido ao que, individual e
propriamente, diz respeito ao autor e ao “seu interesse” somente, verifica-se que esse
interesse não pode e não pode ter uma constatação real e concreta, que legitime a sanção
civil” – (Rev. dos Tribs., v. 79, pág. 673).
É com verdadeira mágoa, que deparamos com esse desfecho, tão destoante do brilho
dos consideranda expostos: é sempre a timidez na aplicação da sanção, o apego ao rigor da
prova, em matéria extremamente difícil de liquidação precisa.
É a impunidade dos transgressores da lei, diante da inércia do poder público e em
detrimento dos beneficiados!
Não poderemos dilatar o âmbito desse trabalho para apreciar outro problema
conexo, qual o da indenização do dano moral, de suma importância na espécie, mas, já o
abordamos, de outra feita (FILADELFO AZEVEDO – Dir. moral do escritor – 1930 – págs.
198 e 219), e não há senão manter as conclusões então apresentadas à colenda Congregação
da Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro.
CAPÍTULO VII
LOCAÇÃO
37 – A apreciação dos aspectos decorrentes da destinação do imóvel, força-nos, de
novo, a transpor os limites das categorias jurídicas, para observar, em sistema, o dispositivo
do art. 554 do Código Civil, com os princípios que regem as relações obrigacionais, stricto
sensu.
Aquele artigo refere-se, já dissemos reiteradamente, também ao inquilino; ainda
quando o destino da coisa estiver ligado a uma relação contratual, como a locação,
continuará a ter atuação direta, principalmente nos casos de uso presumido.
Em suma,
“Toute difficulté relative à l‟usus du domaine commum doit donc être soumise, tout
d‟abord, à l‟épreuve de la question essentielle, qui domine toute activité individuelle sur ce
domaine: L‟acte litigieux est-il ou non conforme à la destination de la chose sur laquelle il
s‟exerce?” – (ROBERT BERNARD – op. cit., pág. 169).
LUIGI ABELLO chega a afirmar:
“L‟oggetto della locazione non è la cosa, ma l‟uso od il godimento suo: a questo
perciò conviene sem pre aver riguardo e ad esse è necessario sempre coordinare le
disposizioni tutte che, a meglio assicurarlo, e garantirlo, limitano la disponibilità della
cosa” – (Tratatto della locazione – pág. 363).
A exploração do imóvel assume particular importância no próprio conceito da
locação, pois, abandonando a velha distinção, consagrada ainda na maioria das legislações,
os Códigos suíço e alemão assentam a diferença entre a locação de prédios urbanos e
rústicos – não na situação, mas na matéria, na substância – um implica apenas o jus utendi e
o outro se estende ao jus fruendi, à exploração da coisa, com influência maior do elemento
pessoal, em quanto à cessão e sublocação e a passagem das obrigações aos herdeiros:
“Pour le bail à ferme, le concept d‟exploitation et pour le bail à loyer, celui le
l‟occupation traduisent le plus exactement la réalité économique. Ils sont à la fois de signe
distinctif des deux categories de baux et le principe de leur autonomie” – (P. VOIRIN – in.
Rev. trim. cit., 1930 – pág. 291).
Nos princípios que regem o contrato de locação, vamos encontrar a correlação a
princípio apontada:
Assim, o locador é obrigado:
- a entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças, em estado de
servir ao uso a que se destina e a mantê-la nesse estado, etc. – a garantir-
lhe o uso pacífico da coisa (Cod., art. 118989
).
A responsabilidade pelos vícios e defeitos anteriores, estabelecida, de modo geral,
no art. 110190
, é reiterada no art. 119191
, tomando maior extensão, aplicável que é aos fatos
ocorridos posteriormente, como, aliás, de modo mais expressivo, estatuem os códigos
alemão (art. 537) e suíço (art. 255). A regra genérica dos vícios redibitórios tem aplicação
mais extensa e rigorosa na espécie locação; fixado o destino da coisa alugada, a natureza
sucessiva dos direitos derivados desse contrato exige a constância da proteção até o seu
termo.
Por su vez, o locatário é obrigado:
- a servir-se da coisa para os usos convencionados ou presumidos, conforme a
natureza dela e as circunstâncias, etc. (Cód., art. 119292
, n. II).
Se a empregar em uso diverso do ajustado ou do a que se destina, pagará perdas e
danos, além de se rescindir o contrato (Cod. , art. 119393
).
Ainda o art. 1204, repete que, durante a locação, o senhorio não pode mudar a
forma nem o destino do prédio alugado.
89
Art. 566 do Novo Código Civil de 2002. 90
Art. 441 do Novo Código Civil de 2002. 91
Art. 568 do Novo Código Civil de 2002. 92
Art. 569 do Novo Código Civil de 2002. 93
Art. 570 do Novo Código Civil de 2002.
Interessam ainda ao destino da coisa os preceitos, que determinam a conciliação de
interesses, no caso de substituição de inquilinos de prédios rústicos (art. 1215, e excluem da
redução do aluguel, no de malogro da colheita (art. 1214), embora neste a regra jurídica,
por circunstâncias estranhas, contrarie a ordem natural dos fatos e tenha alterado o direito
anterior (Ord., 1. 4. tit. 27, M. I. CARVALHO DE MENDONÇA – Contratos, v. 2, § 193).
Também, regulando o contrato de comodato, o legislador atendeu ao destino da
coisa, não podendo o comodatário usá-la, senão de acordo com o contrato ou a natureza
dela (Cod. arts. 1250 e 125194
).
Conjugando, pois, esses dispositivos com o do art. 554 do Código, teremos
destacado o papel importante reservado ao destino da coisa, quer o decorrente da vontade
das partes, quer o defluente da sua própria natureza.
Qualquer que seja ele, deve atender à segurança, ao sossego e à saúde dos vizinhos,
podendo, contudo, a convenção melhor precisar os seus contornos, proibindo, por exemplo,
determinados gêneros de exploração comercial, a mantença de animais, o uso de fonógrafos
e aparelhos de rádio, as alterações de estética, etc.
Por outro lado, o locatário pode reclamar ao locador, fundado em tudo que
prejudique o destino convencional ou presumido, da coisa locada.
No exercício desses direitos, podem surgir situações, que reclamem a intervenção
da regra jurídica:
- entre proprietário vizinhos,
- entre proprietário e seu inquilino,
- entre proprietário e inquilino vizinho,
- entre inquilinos vizinhos,
- entre proprietário ou inquilinos e terceiros.
Ainda outras distinções podem ser estabelecidas:
- entre inquilinos de casas vizinhas pertencentes a um só dono ou co-
inquilinos da mesma casa,
- entre inquilinos e prepostos do proprietário, como os porteiros.
Entre proprietários e seus inquilinos é também destacável o caso especial de residir
aquele no prédio alugado.
94
Arts. 581 e 582 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.
Os tratadistas, ao apreciarem o contrato de locação de coisas, se demoram em
investigar todas as hipóteses acima formuladas, e ainda outras, que delas se aproximam,
como, por exemplo, a atividade do proprietário em quanto possa prejudicar o inquilino,
ensejando concorrência, isto é, alugando parte do mesmo imóvel, ou outro vizinho, de sua
propriedade, para gênero de comércio, semelhante ao do anterior inquilino.
Ultrapassaríamos os contornos delineados, se descêssemos a miudear todas essas
situações, apreciando o grão de responsabilidade a atribuir a cada um dos interessados
nesses conflitos: por outro lado, não haveria maior originalidade nessa análise.
Apenas salientaremos, em síntese, a discriminação da responsabilidade, girando em
torno da distinção estabelecida pela doutrina e destacada no nosso Código (arts. 1191 e
119295
, n. III), entre turbações de fato e de direito.
38 – Recordaremos, assim, somente, os pontos mais salientes para, ainda uma vez,
apanhar em flagrante a influência da destinação do imóvel e, em seguida, fazer o balanço
do que aqui pode ser apresentado.
ABELLO, por exemplo, explanando o conteúdo das obrigações atribuídas ao locador,
mostra que
“... sono informati tutti al criterio de la destinazione della cosa stessa. Quando il
conduttore ha enunciato lo scopo per cui addiviene alla locazione il locatore è tenuto a
garantire che la cosa locata sia adatta allo scopo medesimo” – (op. cit., pág. 359).
Apoiando-se na jurisprudência de seu país, abalizado tratadista invoca como caso
típico de rescisão contratual por imprestabilidade coisa em atingir o destino esperado o de
aluguel de prédio para ambulatório médico cirúrgico, cuja abertura não foi autorizada pela
administração municipal.
São comuníssimos, na prática alienígena, os pleitos decorrentes de insalubridade,
falta d‟água, esgoto, ou elemento indispensável ao uso da coisa, existência anterior de
destino prejudicial à saúde ou à reputação dos habitantes, como o alcouce e o hospital, e até
se serem as casas consideradas mal assombradas.
95
Arts. 568 e 569 do Novo Código Civil de 2002, respectivamente.
GUERIN ET HERVÉ (Les responsabilités du propriétaire d‟immeuble – pág. 77)
referem, mesmo, o caso de prédio construído de tal forma que toda conversa era ouvida nos
compartimentos próximos.
Entre os vícios da coisa locada enumeram BAUDRY LACANTINERIE et WAHL, ainda,
os defeitos de construção, o excesso de calor, a falta d‟água potável para o homem ou para
o gado, a umidade, as infiltrações, a inundação, as moléstias contagiosas anteriores que hão
contaminado o imóvel, que todos impedem ou tornam incômodo o seu uso.
Garantindo o uso pacífico da coisa durante a locação, não pode também o locador
praticar turbações de fato ou de direito, nem mudar a forma da coisa, locada, o que se
manifesta de variados modos, inclusive no ponto de vista moral, (l‟affectation) como a
locação de parte do imóvel para casas de tolerância ou tavolagem, ou estabelecimentos
rumorosos (escola, restanrante, circo, casa de fonógrafos) ou perigosos (pólvora,
inflamáveis, etc.), como explicam BAUDRY LACANTINERIE et WAHL (Contrat de louage – v.
I, §§ 481 e segs.) e B. PERREAU (op. cit., § 514).
FUBBINI esclarece:
“Non potrebbe il locatore transformare in cantiere, in cinematografo il cortile,
quando cio portasse danno ai conduttori della casa da lui affittata; cosi ancora il
conduttore che avesse da lui locato un appartamento con vista in un giardino, avrebbe
diritto a considerare violato il disposto dell‟art. 1579, qualora il locatore, costruendo un
edifizio nel giardino stesso, lo privasse della vista per tutta la durata del contratto di
locazione. Non é il fatto stesso della costruzione che importi come necessaria conseguenza
il risarcimento di danni, o la risoluzione della locazione, ma bensi unicamente la
privazione di un‟utilità qualsiasi a danno del godimento del conduttore (Il contratto di
locazione di cose – v. II – pág. 98).
Decidiu-se, entretanto, nos Estados Unidos:
“The question was presented in Holden V. Tidwell, 37 Okla. 553, 133, Pac. 54,
which holds that an assignee of a lease in which there is no covenant for quiet enjoyment,
except that implied in law, is not evicted by the act of another erecting a building on the
adjoining lot, and in the couse of its construction closing the windows in a party wall so as
to cut off the light and ventilation formerly enjoyed by the tenant” (Case and comment – v.
21 – pág. 245).
Se o locador é proprietário ou habitante do prédio vizinho tem também de, no seu
uso, respeitar as garantias a que está obrigado não agindo de modo a prejudicar o do prédio
locado.
Até o fato de terceiros prevalece a garantia contra os vícios na hipótese de privação
de ar e luz pelo levantamento de alto edifício no vizinho, ou por trabalhos públicos, que
alterem o nível da rua e tornem difícil o acesso ao prédio e escura e úmida a habitação –
(PLANIOL – op. cit., v. III, - § 1687).
Examinando especialmente o caso de morte do anterior locatário por moléstia
contagiosa, ABELLO não o considera vício, mas, dada a natureza transitória do incômodo,
mera degradação ou gasto, que deve ser reparado; entretanto, a Corte de Cassação de
Nápoles decidiu:
“La morte del precedente inquilino per tuberculosi costituisce un vizio della cosa
locata che dà adito alla risoluzione del contratto di locazione; l‟ignoranza da parte del
conduttore di tale decesso costituisce legittimo fondamento di un‟azione di nullità per
errore” - (Rev. Dir. Com., 1910, II, pág. 1025).
Também contamina o prédio a preexistência da má fama, salvo sua localização ou
qualidade das pessoas que o vão habitar, na mesma plana de moralidade.
Se a estadia no prédio é gravemente prejudicial à saúde, os arts. 544 do Código
Alemão e 354 do suíço, autorizam expressamente o locatário a rescindir o contrato
“... même s‟il avait connu ces defauts lors de la conclusion du bail ou renoncé à
s‟en prevaloir”.
Mais interessante é o caso das casas infestadas de espíritos, que FUBINI aprecia com
cautela:
“Solo nel caso in cui i fenomeni attenessere alla casa locata e si verificassero
sempre, qualunque fussero li inquilini, potrebbe parlarsi di un vizio della cosa. Ben dice il
SIMONCELLI che occorre che la credenza della apparizioni sia concretata in qualche cosa
di oggettivo, ma d‟altra parte non crediamo coll‟illustre civilista che basti la fama a dare
tale consistenza ogettiva al vizio, perchè, senza fatti concreti ed accetabili, il godimento del
conduttore non è punto minacciato (op. cit., pág. 119).
E MARIO D‟AMELIO, em estudo especial, reconhece também ser a casa mal
assombrada motivo para rescisão do contrato, embora salientando a dificuldade da prova,
maximé quando entre os habitantes da casa não se encontarem medium ou freqüentador de
sessões espíritas (Riv. Dir. Com., 1910, I – pág. 221).
Nestas condições, o pretor de Pomigliano fez resolver uma locação com aplauso do
arestista:
“Nel caso deciso dalla sentenza, non si tratta di fenimeni spiritici che turbano il
godimento della cosa; ma di una casa diffamata, perchè l‟opinione pubblica nel piccolo
paesetto la riteneva visitata dagli spiriti. Se questa voce pubblica rendesse molesta
l‟abitazione all locatario, è una questione di puro fatto, nella quale la questione spiritica
entra soltanto di riflesso”.
Sob o título de Law and Apparitions escreveu, nos Estados Unidos, W. W.
ACKERLY, advogado na Virgínia, interessante artigo, do qual extraímos este passo:
“But, as to the right of the tenant to have his contract annulled, the authorities are
not exactly in accord. The cases are generally settled, it is stated, in accordance with the
suggestion of ALPHENUS who says, in brief, tha the fezr must be genuine, and that reason
for no ordinary dread must exist. Hence, AUNAUT FERTON in his Customal of Gurgandly,
advises that “legitimate dread of phantasmes, which trouble men‟s rest and make night
hideous”, is good reason for leaving a house, and delining to pay the rent after the day of
departure. The Parliament of Grenada in on or two cases has recided in favour of the
tenant and against the landlord of houses where spectres rackted. And in an Irish case
decided in 1890 the tenant was allowed to give up the house withot paying his rent” –
(Case and Comment., v. 21, pág. 457).
Tão pouco, pode o locador, como já vimos, estabelecer ou permitir que outrem
estabeleça na casa locada uma indústria rumorosa, incômoda, insalubre ou imoral, e, até,
segundo ABELLO, comércio idêntico ao do locatário, fazendo-lhe concorrência prejudicial;
geralmente não se reconhece, entretanto, responsabilidade pelo fato do locador, salvo
cláusula em contrário, alugar parte do imóvel para o mesmo gênero de negócio do locatário.
Voltamos, portanto, à situação apreciada no capítulo anterior, em quanto aos
incômodos decorrentes da má vizinhança; FUBBINI, porém, observa que as conseqüências
devem ser, na locação, mais rigorosas:
“Infatti nel caso nostro gli è sole al contenuto dell‟obbligazione del locatore in
rapporto al godimento concesso al conduttore che conviene aver riguardo e non a criteri
che si applicano solo quando il rapporto verta tra persone non legate da alcun vincolo
contratuale. E che differenza profunda debbe intercedere tra le due ipotesi è dimostrato dal
fatto stesso che, mentre ardua è la ricerca dei giuristi per sapere quale sia la natura
dell‟elemento colposo, che da vita alla lesione da reprimersi del diritto altrui, qui non vi
può essere dubbio di sorta sulla natura di tale elemento insito nella violazione dei diritti
concessi al conduttore” (op. cit., pág. 465).
Na prática americana encontram-se casos como este:
“A property owner who negligently permits the system for draining the roof of the
entire building to become clogged so that water injures the property of a tenant of a single
storeroom in the building is held to be liable for the injury thereby inflicted in Longbotham
v. Takeoka, 115 or. 608, 239 Pac. 105, annotated in 43 A. L. R. 1285, on liability of the
landlord for damage to the property of a tenant due to defective condition of foundation,
walls or roof of building intended for the use of different tenants” – Case and Comment., v.
32 – pág. 112).
A gravidade das turbações praticadas pelo locador justifica até o exercício das ações
de denúncia de obra nova e de dano infecto contra ele por parte do locatário; assim observa
FUBBINI:
“E noto come scopo dell‟azione di danno temuto sia la tutela non solo della
propriétà minacciata, ma della sicurezza stessa delle persone abitanti il fondo, quindi nulla
di più evidente che il locatore, tenuto a garantire il pacifico possesso, possa venir azionato,
onde venga rimoso ogni pericolo di danno. La gravità della minaccia e l‟impossibilità di
ottenere coll‟azione derivante dal contratto una sufficiente od almeno un‟abbastanza
pronta tutela, sono sufficienti motivi per farci ammettere come tale azione spetti al
conduttore” – (op. cit., v. II, pág. 101).
39 – Nos nossos anais judiciários encontra-se pouca coisa em relação à matéria.
A 1a Câmara da Corte de Apelação, em acórdão de 23 de Setembro de 1918
redigido pelo Desembargador SÁ DE PEREIRA e contra o voto do Desembargador MACHADO
GUIMARÃES, obedeceu à seguinte motivação, no caso de haver um dos condomínios,
proprietário do terreno contíguo a prédio já arrendado para negócio de pensão, o alugado
para garage, atentando contra o uso pacífico do primeiro locatário, uma vez que, não se
garantindo os moradores e hóspedes a calma, a seguranção e o repouso, seria impossível a
exploração da pensão:
“A incompatibilidade entre os dois estabelecimentos é uma questão de fato provada
abundantemente nos autos, e, além disso, resulta do simples raciocínio, pois não se
compreende que possa medrar uma pensão de primeira ordem, que, pelo local de escolha
em que está situada, deve ser procurada por gente habituada ao conforto e habilitada a
procurá-lo, se o lado se estabelece uma garage pública; este raciocínio mais fortemente se
impõe se atendermos a que não se trata propriamente de uma garage, que traz à idéia um
estabelecimento com automóveis próprios, cuja locação explora, mas de uma remise, onde
qualquer motorista pode, mediante pagamento, depositar o seu carro e seus utensílios, óleos
e ferramentas, entrando e saindo a qualquer hora do dia e da noite, procedendo à sua
lavagem, naturalmente em trajos não convenientes à proteção da decência, todos em
comum, falando, chalaceando, e quantas vezes brigando, trocando injúrias ou simplesmente
fazendo algazarra, quando não sejam frases chulas ou obscenas; semelhante situação não
precisa ser prevenida no contrato para rescindi-lo, pois que a lei a previne, autorizando a
rescisão “caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava” (Cód. Civil. art. 119096
);
que a objeção baseada em ter sido o ato que autoriza a rescisão, praticado por um
condomínio, em prédio exclusivamente seu, não na pode estender aos demais que a
ignoravam, nem o poderiam praticar, não tem o valor que lhe dão esses condomínios, pois o
que há a verificar é se esse ato justifica ou não a rescisão; que, se o justifica, não se
compreenderia uma rescisão em parte, de modo a se dividir a locação numa parte válida, - a
de certos condomínios, e em outra irrita, a do que dera causa à rescisão; que, na hipótese, o
condomínio, único proprietário do prédio vizinho, que deu causa à rescisão, responde pelo
prejuízo, aos demais, - regra consagrada no art. 62797
do Código Civil, mas isto é questão
entre eles, com a qual nada tem o locatário”- (Rev. Dir., vol. 52, pág. 142).
Em quanto à falta d‟água decidiu a 3a Câmara da Corte de Apelação ser
insubsistente a alegação do dono de que o inquilino devia reclamar à Inspetoria, uma vez
provado que os prédios vizinhos eram abastecidos daquele líquido, sendo forçoso concluir
que o defeito se encontrava nos encanamentos do prédio de que se trata, ou seja, para além
do registro de entrada, até aonde vai a ação da Inspetoria de Águas, que, sabiamente, não
atende a reclamações fora desses termos. Improcedia também a alegação do locador, de
que, pagando, como pagava, a taxa respectiva, ao inquilino reclamante corria pedir
providência para o fornecimento da água; assim não podia ser, uma vez que o locador
estava obrigado a entregar a coisa alugada em estado de servir ao uso a que se destina e a
mantê-la nesse estado:
“Não há, portanto, como responsabilizar o inquilino por aluguéis posteriores à
época em que, justificadamente, premido por angustiosa situação, teve de deixar o prédio”
– (Arq. Jud., v. 8, pág. 232).
96
Art. 567 do Novo Código Civil de 2002. 97
Art. 1319 do Novo Código Civil de 2002.
40 – Passando à outra face do problema, isto é, ao uso pelo locatório, doutrinam
todos que deve obedecer aos termos do contrato ou à destinação da coisa, concorrendo para
fixá-la as condições de ambiente de ambiente e costumes locais.
Assim, a natureza urbana ou rústica e o fim de habitação ou de comércio influem
para fixação do destino.
Enfim:
“Conferiscono in particolare a fissare siffatta destinazione in ogni specie di
contratto locatizio la considerazione dello stato sociale ad economico delle persone
contraenti, dello stesso prezzo pattuito nel contrattoe la determinazione che
precedentemente constasse essersi fatta, ove i termini della locazione non mostrino
l‟intenzione nelle parti di mutare l‟antica destinazione della cosa” – (ABELLO – op. cit.,
pág. 499).
Mas, a primeira circunstância a apreciar é antiga destinação, que atua como
principal subsídio: assim, o locatário de prédio, sempre adaptado a residência particular,
não pode convertê-lo em albergue; também a profissão do locatário deve influir para
conhecer-se a intenção de modificar o antigo uso, salvo se foi indicada, incidentemente,
para simples identificação do contratante.
Em falta de cláusula expressa, entende-se contrariar o destino, o exercício da
prostituição, a conservação de um louco perigoso, a indústria prejudicial, a provocação
freqüente de rixas, o abuso no gasto da água paga pelo locador, os rumores excessivos; por
todos as conseqüência danosas responde ainda o locatário regressivamente, se há ação de
vizinhos contra o locador.
Perante a lei, a consideração do destino é de tal modo decisiva que sua alteração,
mesmo sem acarretar dano, constitui infração contratual.
FUBBINI assim o afirma:
“Gli è perciò che, anche allorquando il conduttore riuscisse a dimostrare che non
solo la proprietà non risenti danno dalla mutata destinazione, ma ebbe ad acquistar
pregio, potrebbe sottarsi alle conseguenze della sua violazione contrattuale” – (op. cit.,
pág. 298).
Melhor o explicam ainda BAUDRY et WAHL:
“L‟obbligazione d‟usare della cosa locata secondo la sua destinazione è distinta da
quella di usarne da buon padre di famiglia. Può infatti darsi il caso che il conduttore usi
della cosa locata da buon padre di famiglia, senza usarne secondo il suo scopo; per
esempio, se il locatorio di una casa destinada ad abitazioni la usa per un commercio
rimunerativo. In senso inverso, puô darsi che il conduttore usi della cosa secondo il suo
scopo e non da buon padre di famiglia; per esempio, se il fittaiuolo di una propriétà rustica
esaurisca le terre facendo mancare loro i concimi necessari. Donde viene che, se il
conduttore non usa della cosa da boun padre di famiglia, anche se ne usa secondo lo
scopo, egli non adempie ai suoi obbighi” – (op. cit., § 715).
Entre nós, J. O. LIMA PEREIRA escreveu:
“Empregar a coisa para os usos convencionados ou presumidos nada mais é do que
empregá-la de conformidade com o seu destino, que significa „o objeto, o fim para que se
reserva ou se designa alguma coisa‟ – (CANDIDO DE FIGUEIREDO, Dicionário da Língua
Portuguesa). Declarado ou não, o destino da coisa, em princípio conforma-se com a
natureza.
Em todo o caso, a vontade das partes é soberana, e nada impede, portanto, que por
convenção expressa, se dê à coisa alugada destino diferente daquele que decorre da sua
natureza.
Silenciando, porém, o contrato, a presunção da lei é que a coisa deve ser usada de
conformidade com o seu destino natural ou presumido, segundo as circunstâncias sob a
influência das quais o contrato se realizou” – (Rev. Jurídica, v. 15, pág. 18).
Em parecer publicado na Revista Forense, (v. 43, pág. 507) JAIRD LINS considerou
que a tirada de lenha, para venda, além das necessidades do próprio consumo, do mato,
nunca especialmente destinado a essa forma de exploração agrícola, salvo autorização
expressa no contrato, é vedada a locatário, porque as árvores não se consideram frutos da
propriedade, mas, apenas, simples produtos, que se não renovam periodicamente;
derrubando mato, o locatário, abusa, pois, de seu direito, desfalcando, na própria
substância, a coisa locada e tornando impossível sua devolução, findo o prazo contratual,
no mesmo estado e com a mesma capacidade produtiva em que a recebeu.
41 – Entre os nossos julgados encontram-se os seguintes, mais interessantes:
“A responsabilidade da apelante ficou evidenciada, por haver mal usado da coisa
locada, havendo imprudência em armazenar grande quantidade de inflamáveis no barracão
vistoriado, dada a sua proximidade de outras habitações e falta de aparelhagem.
O art. 119298
do Código Civil proíbe ao locatário usar a coisa locada para fins
diversos do contrato ou estranhos à finalidade presumível da coisa segundo a sua natureza”
– (Rev. dos Trib. , v. 79, pág. 151).
“E fora de dúvida que o réu, como locatário, embora só de uma parte do prédio,
podia se utilizar do quintal para o uso comum e indispensável à serventia da parte do prédio
alugado.
Mas o réu ampliou o seu direito a ponto de estabelecer um jogo de bolas no referido
quintal, com acesso a qualquer pessoa, de sorte que se formava grande aglomeração no
quintal impedindo o autor e a sua família de se utilizarem da parte dos fundos em que
habitavam” – (Rev. cit., v. 50, pág. 66).
A utilização para o meretrício, não sendo, em regra, de destino normal do imóvel
locado deve ser recusada ao locatário, salvo cláusula explícita do contrato.
Entre nós, a Ord. do 1. 4 tit. 24, autorizava a rescisão antecipada do arrendamento
de casa, entre outros casos, no do inquilino dar-lhe um destino ilícito, tal como o de
prostíbulo (M. I. CARVALHO DE MENDONÇA, op. cit., § 190).
98
Art. 569 do Novo Código Civil de 2002.
Entretanto, a jurisprudência sempre entendeu que se a casa estava situada na zona
destinada ao meretrício, pela autoridade pública, ou como tal conhecida, não se justificava a
concessão do despejo, pois os escrúpulos do proprietário, em regram, encobriam a avidez
de obter melhores lucros do novo arrendamento, que, certamente, estaria jungido ao mesmo
fim ilícito (v. g. Rev. do S. T. Federal, v. 72, pág. 174).
42 – Em quanto às perturbações dos vizinhos, entende-se, geralmente, que pode o
locatário reclamar do seu locador, se este tiver meio de impedi-las, reconhecendo-se,
porém, que sempre em relação ao uso anormal do imóvel contíguo podem pleitear
diretamente os locatários contra os ocupantes daquela.
Conforme a lição de PLANIOL;
“Le locataire que souffrirait d‟un métier incommode ou insalubre exercé dans son
voisinage, trouve dans les règles du droit commun, en matière administrative aussi bien
qu‟en matière civile ou pénale, le moyen de faire cesser, s‟il a lieu, cette incommodité” –
(op. cit., § 1685).
O concurso eletivo de ações que cabe ao locatário é assim explicado por ABELLO:
“I principii della colpa contrattuale, coll‟indurre preciso obbligo di rispondenza nel
locatore, possono, anche nelle molestie di fatto, per cui v‟ha azione diretta contro i terzi,
facoltizzare il conduttore ad agire contro il locatore, precisamente come nelle molestie di
diritto possono i principii della colpa aquiliana originare nel conduttore il diritto d‟agire
direttamente contro i terzi molestanti, oltre che contro il locatore coll‟actio conducti” –
(op. cit., pág. 443).
Por sua vez, o locador, qualquer que seja o êxito da ação do locatário, está livre de
acionar o turbador pelo dano, direto ou indireto, causado à propriedade.
Mas, tudo depende das circunstâncias de cada caso, pois o locador tem, em regra,
um interesse permanente e o locatário transeunte. Às vezes, porém a situação se inverte: o
locador pode, expirado o arrendamento, pretender fundar uma indústria, indiferente aos
incômodos da má vizinhança, e o locatário pode conformar-se com os inconvenientes do
mau uso, que, entretanto, constituem séria ameaça à própria substância do imóvel.
Os escopos diversos das ações de um e outro, não trazem, pois, embaraços
recíprocos; a aquiescência de qualquer deles não impede ao outro o exercício dos remédios
que lhe assistem, falhando, assim, muitas vezes, o critério clássico da distinção entre
turbações de fato e de direito, segundo a qual estas, envolvendo pretensão jurídica sobre a
coisa, devem ser combatidas diretamente pelo locador, que responderá ao locatário pelos
prejuízos.
Entretanto a Corte de Apelação de Turim, estribada nessa distinção, decidiu:
“Perciò il conduttore non può agire contro un tipografo vicino pel disturbo che
deriva dal rumore delle macchine, nemmeno allo scopo limitato del risarcimento dei danni.
Egli deve invece rivolgersi al locatore affinchè questo gli garantisca il pacifico uso dei
locali affittati”- (Riv. Dir. Com., 1917, II, pág. 52).
BONFANTE emite, porém, opinião contrária:
“Ma se l‟inquilino avanza reclamo sulla base dei rapporti di vicinanza, allora egli
può querelarsi indipendentemente cosi contro il locatore proprietario dell‟edifizi, che
affitta i locali sottostanti ad uso di garage per automobile, come contro l‟esercente lo
stabilimento finitimo, da cui proviene l‟altra fonte di rumore, o il proprietario dello stabile,
in cui esse alla sua volta ha sede‟ – (op. cit., pág. 873).
Na mesma corrente de idéias, como ABELLO e PERREAU, concedem ao locatário
contra terceiros ações específicas – nunciação e dano infecto, porque não têm um caráter
propriamente petitório ou possessório, revestindo, ao contrário, a natureza de medidas
extraordinárias e preliminares, legitimadas por qualquer espécie de posse.
43 – Inversamente, sofrem os locatários as conseqüências de seus atos prejudiciais
aos vizinhos, como ensina DEMOGUE:
“Elles peuvent être exercées contre le propriétaire, l‟usufruitier, le possesseur
actuel de l‟immeuble pour les obliger a le modifier et à le mettre en harmonie avec les
règles lègales. On peut même forcer le locataire à subir les travaux nécessaires à cet effet.
Tandis que les premières personnes sesont obligées de faire des travaux, lui les subira
seulement. Ce sera le cas si une construction de four, âtre a été faite sans précaution. Mais
les possesseurs, usufruitiers, propriétaires de l‟immeuble seront responsables de
l‟indemnité de façon solidaire dans la mesure ou ils ont profité de l‟ouvrage
dommageable” – (op. cit., § 704).
ROSSEL et MENTHA (op. cit., pág. 353), ressalvando sempre a responsabilidade do
dono, decorrente apenas dos deveres ligados à propriedade, e não da culpa, consideram
insubsistentes para elidi-la as alegações de velhice, moléstia, ausência ou incapacidade,
como justificativas do não exercício da necessária vigilância.
Os co-inquilinos, como os inquilinos de casas vizinhas, pertencentes ao mesmo
dono, são considerados terceiros, pouco importando que o ofensor ou o prejudicado
derivem seus direitos da mesma ou diferente pessoa.
As turbações entre co-inquilinos são consideradas ou não de direito, para regular a
responsabilidade do locador, se ultrapassam, ou não, os limites da convenção ou destinação
normal da coisa locada; exemplificando, entendem BAUDRY et WAHL que o exercício da
prostituição e a introdução de um animal perigoso são turbações de direito.
Da mesma forma, se o locatário pretende usar da coisa de acordo com a locação,
fundando indústria ou insatalando marquise na loja, em detrimento dos ocupantes do andar
superior. Nesses casos, o proprietário é responsável, considerado infrator da própria
obrigação.
Se, porém, o locatário, não alega o exercício de um direito e acarreta prejuízos por
culpa acidental, como se deixa abertas as torneiras inundando o andar de baixo ou sacode
tapetes na janela do vizinho, queima materiais com fumaça ou odor incômodos, o
proprietário não é responsável, porque:
“... il n‟existe contre lui aucun principe d‟action; il n‟a contrevenu à aucune
obligation née du bail, il n‟a commis aucune faute, et d‟autre parte ses locataires ne sont ni
ses préposées ni ses élèves: ce sont des citoyens indépendants, qui doivent seuls porter la
responsabilité de leurs actes” - (PLANIOL, op. cit., § 1648).
PERREAU (op. cit., § 526) censura decisões em contrário, fundadas na
responsabilidade do locador por má escolha de seus inquilinos.
Nos Estados Unidos prevalece a mesma conclusão:
“As the duty of landlord with respect to the portion of the premises, remaining
under his control, and which is used in commun by his tenants, is only to keep them
reasonably safe in all respects, a landlord of premises the rooms in which are separately
let to different tenants in not liable for injuries to the wife of a tenant who falls off a flight
of steps leading from the street to the front door, by reason of the absence at the sides of
any protection other than a coping about 8 inches high”- LUCY v. BAWDEN (1914) K. B.
318 (Case and comment – v. 21 – pág. 164).
Entretanto, a regra cede, quando o locador permite a moléstia ou, conhecendo-a, não
a impede, tendo meios de impedir.
DEMOGUE considera, porém, excessiva a conclusão nesse último caso, salvo se o
locador, arrendando o prédio para indústria, não cuidou de compelir o locatário a tomar as
cautelas necessárias.
Sistematizando a matéria, FUBBINI chega às seguintes conclusões:
“1o - Il locatore non risponde per le malefatte del conduttore, non essendo suo
rappresentante neppure relativamente all‟esercizio del godimento, che rientra
nell‟economia del conduttore stesso.
2o – Il locatore risponde verso i terzi quando contrattualmente abbia concesso
quell‟uso da ciu provenne danno.
3o – Il locatore risponde dei danni che per la cattiva disposizione della cosa o per
difetti della cosa stessa siano stati causati a terzi” – (op. cit., pág. 797).
Acordemente os tribunais decidem:
“Il proprietario di un edifizio, in cui si esercita clandestinamente il meretricio,
risponde tanto per la culpa in committendo, quando abbia autorizzato l‟inquilino
all‟esercizio medesimo, quanto per la culpa in omittendo, quando tale esercizio non abbia
impedito” – (Cass. de Fireuze – Riv. Dir. Com. – 1913 – II – 613).
De todo o exposto se conclui que o elemento decisivo para a discriminação da
responsabilidade deriva da destinação da coisa, que se há de apurar precipuamente.
CONCLUSÃO
44 – Concluindo, assentamos as seguintes proposições:
1o – o destino das coisas, natural ou artificial, material ou intelectual, influi
decisivamente na constituição da regra jurídica;
2o – assim, a lei atende, por maneiras diversas, à dependência entre imóveis, antes
ou depois de sua exploração;
3o – por igual, a utilização das coisas é protegida pela lei, principalmente em
atenção aos interesses de ordem econômica, e, secundariamente, a preocupações de moral,
de estética, e de comunidade;
4o – o modo de ser das coisas e sua dependência recíproca influem no exercício, não
só de direitos reais, como no dos pessoais;
5o – deve ser reconhecida, entre nós, a constituição de servidões por destino do
proprietário;
6o – esse modo constitutivo aplica-se às servidões aparentes, contínuas ou
descontínuas;
7o – particularmente, em relação aos imóveis, a utilização respectiva é regulada sob
a inspiração do interesse coletivo e, ainda, tendo em vista a saúde, a segurança e o sossego
dos vizinhos;
8o – esse princípio apresenta aplicações significativas, especialmente nas relações
decorrentes do contrato de locação.