Destinos da ruralidade no processso de globalização JOSÉ ELI DA VEIGA

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    D E S T I N O S D ARU R A L I D A D E N O PR O C E S S O D E G L O B A L I Z A O

    ESTUDOS AVAN AD OS 18 (51), 2004 51

    Introduo

    DEBATE SOBREa superao da chamada dicotomia urbano-rural cont i-nua a opor, em seus extremos, a hiptese de completa urbanizao, lan-ada pelo filsofo e socilogo H enri Lefebvre (1970), hiptese de um

    renascimento rural, contraposta pelo gegrafo e socilogo Bernard Kayser (1972).Passados mais de trinta anos, ser possvel saber qual dessas duas hipteses extre-mas est sendo confirmada pela atual fase do processo de globalizao? Ou sernecessrio constatar que ambas so precrias e precisam fazer emergir outra, q uese fundamente em evidncias mais recentes, t anto sobre novas formas de urbani-zao, como sobre novas formas de valorizao dos ecossistemas menos artificia-lizados? Neste caso, quais seriam, ento, as evidncias disponveis sobre as tend n-cias atuais de distribuio espacial das presses antrpicas? O que elas sugeremsobre o(s) futuro(s) do chamado mundo rural ? Q uais sero seus destinos no

    processo de globalizao?Pouco se sabe sobre os novos critrios que permitiriam descrever de formamais adequada os diversos sistemas de assentamento humano e seus correspon-dentes graus de art ificializao dos ecossistemas. Tambm no se percebe aindaquais sero os efeitos mais profundos da g lobalizao na evoluo das diferentesformas de presso antrpica. Por isso, duplo objetivo deste trabalho: clarifica-o terica das principais questes envolvidas no debate sobre a superao dadicotomia urbano-rural e atualizao das evidncias empricas sob re essas q ues-tes. Subproduto corolrio o esboo de uma hiptese sobre os mais provveis

    destinos das reas rurais na atual fase da globalizao.

    A hiptese da completa urbanizao

    Lanada em 1970 pelo filsofo e socilogo marxista francs H enri Lefebvre,a hiptese da completa urbanizao se baseia numa definio: ele denomina socie-dade urbana aq uela q ue resulta d a urbanizao completa, hoje virtual, amanhreal . A expresso reservada sociedad e que nasce da industrializao. Essaspalavras designam, portanto, a sociedade constituda por esse processo que do-mina e absorve a produo agrcola (Lefebvre,1999, p. 15) O conceito de so-

    ciedade urbana proposto para denominar a sociedade ps-i ndustr i al, ou seja,aq uela que nasce da industrializao e a sucede (Lefebvre,1990, p. 16). E por revoluo urbana , o autor designa o conjunto de transformaes que a socie-

    Destinos da ruralidadeno processso de globalizaoJOSELI DA VEI GA

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    dade contempornea atravessa para passar do perodo em que predominam asquestes de crescimento e industrializao ao perodo no qual a problemticaurbana prevalecer decisivamente, em que a busca das solues e das modalida-des prprias sociedade urbanapassar ao primeiro plano (p.19).

    No final do livro A revoluo urbanao autor avisa que o desenvolvimentodo conceito de sociedade urbana, antecipado desde a primeira pgina a ttulo dehiptese, no poderia ser entendido como acabado .

    Pretend-lo seria dog matismo. Seria inserir o co nceito de sociedade urbananuma epistemologia da qual convm desconfiar: porque prematura, porquepe o categ rico acima do problemtico e porq ue detm e talvez desvie o mo -

    vimento que eleva o fenmeno urbano ao horizonte do conhecimento (p.151).

    Q uatro anos depois, nas 423 pginas do livro The Product ion of Space, queculminou intensa fase de investimento intelectual em sociologia urbana (1968-

    1974), no surge qualquer referncia ao livro de 1970, e so rarssimas, e dasmais indiretas, as aluses hiptese de urbanizao completa. Em vez dela, men-ciona uma revoluo do espao que entre parnteses subsumiria a revolu-o urbana , anloga s grandes revolues camponesa (agrria) e industrial(Lefebvre, 1991, p. 419). No seria despropositado, portanto, especular que ahiptese de completa urbanizao j no mais estaria seduzindo, em 1973, seuprprio formulador. Todavia, no essa a opinio de muitos de seus admirado-res, como demonstra a recente traduo do livro A revoluo urbana (1999,reimpresso em 2002), com prefcio e orelhas coberto s de rasgados elogios,alm da adeso de Ianni (1996, p. 61).

    A hiptese de um renascimento rural

    A hiptese inversa surgiu dois anos depois (1972), segundo o gegrafo esocilogo Bernard Kayser, q ue fez parte do grupo fundador da revista Espace etSoci et(1970-1980), junto com H enri Lefebvre. Na concluso d e seu livro La re-nai ssance rurale(1990), Kayser relata as circunstncias em que usou pela primei-ra vez a expresso renascimento rural , muito antes de seu surgimento na litera-tura cientfica americana, no contexto do debate sobre o significado de tendn-cia demog rfica oposta ao chamado xodo rural , q ue se manifestara desde osanos de 1970 na maioria dos pases desenvolvidos. D ebate que, a part ir de 1976,passou a ser mais polarizado pela expresso counterurbanization.

    Na verdade, em seu livro de 1990, Kayser j no considerava que o renas-cimento rural fosse apenas uma hiptese. Ao contrrio, dizia que se trat ava deuma situao . No era a situao de tod o o espao rural, mas recorrente o bas-tante para mostrar as potencialidades at ali escondidas pela predominncia devises pessimistas e catastro fistas nas esferas mediticas e tecnocrt icas. Sinais

    que s podiam condenar os profetas da desertificao .Apesar desse tom conclusivo, quase de favas contadas , h, no incio, umavant-proposbem mais prudente, no qual o autor declara que seu objetivo seria

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    atingido se o contedo do livro fosse tomado como um conjunto de hipteses(corps dhypothses). U m reconhecimento que imediatamente seguido por umaconfisso d e duas srias lacunas: a econo mia e a ecolog ia. O auto r reconhece queuma anlise dessa amplitude deveria estar apoiada em conhecimentos produzi-dos por essas duas disciplinas, mas que isso t eria tornado muito penosos, tanto opreparo como sua leitura (Kayser, 1990, p. 8).

    O argumento central de Kayser de q ue a alterao da tendncia demogr-fica no deveria ser vista como um fenmeno superficial ou passageiro. Para ele,algo que at pod eria parecer acidental, ou localizado , se revelava um verdadeirofenmeno societal . O repovoamento, os modo s de vida, a recomposio dasociedade em vilarejo (villageoise), as at ividades no-agrcolas, as polticas de orde-namento, a polticas de desenvolvimento local, e as prticas culturais estariammostrando que a dimenso demogrfica seria apenas um indicador do que j

    estava ocorrendo nos pases desenvolvidos: um renascimento rural.Evidncias estatsticas disponveis no incio de2004

    No centro desse debate esto as alteraes dos ecossistemas provocadaspela espcie humana. Afinal, no pode haver nada de mais rural do que ecossis-temas quase inalterados (ou intocados ), e nada de mais urbano do que osecossistemas dos mais artificializados. Vale aqui evocar a imagem que cont rasta aParis francesa Paris texana. A tabela 1 traz uma comparao entre as estimat ivasdisponveis que permitem esse tipo de comparao.

    A primeira observao a ser feita sobre o contraste entre o grau deartificializao dos ecossistemas da Europa e do resto do mundo . Esto intensa-mente alterado s uns 65%do territ rio europeu (tanto por assentamentos huma-nos quanto por agropecuria intensiva). Nos demais continentes essa frao nochega a um tero, e atinge mnimos 12%na Amrica do Sul e na Australsia. Emseguida, importante notar que mais da metade dos territrios das Amricas eda Australsia foram considerados praticamente inalterados, pois mantm a ve-getao primria, com baixssimas densidades demogrficas. Finalmente, pode-se dizer que metade da rea planetria permanece praticamente inalterada, e

    mais uma quarta parte parcialmente alterada com formas extensivas de explora-o primria. Ou seja, apenas uma quarta parte da rea global est mais artifi-cializada pela urbanizao e pelas formas mais intensivas de ag ropecuria.

    Assim sendo, um debate sobre o desaparecimento ou renascimento daruralidade deve ser concentrado no mbito europeu, pois de pouco valeriam asevidncias disponveis sobre a Amrica do Norte, Australsia e outras reas aindamenos alteradas se os mesmos padres e tendncias tambm no fossem verificveisnos biomas q ue mais foram art ificializados. Alm disso, seria to errado assumirum ponto de vista estritamente ecolgico quanto abordagens exclusivamentesociais ou econmicas. Mais adequado, portanto , procurar critrios q ue pos-sam dar conta simultaneamente dos aspectos ecolgicos e socioeconmicos da

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    rea totalPraticamente

    inalterada(1)

    Parcialmentealterada

    (2)

    Fortementeartificializada

    (3)

    Milhes de Km2 % % %

    Europa 5,8 15,6 19,6 64,9

    sia 53,3 43,5 27,0 29,5

    Amrica Norte 26,2 56,3 18,8 24,9

    frica 34,0 48,9 35,8 15,4

    Amrica do Sul 20,1 62,5 22,5 12,0

    Australsia 9,5 62,3 25,8 12,0

    TOT s/Antrtica 148,8 49,7 26,6 23,8

    Antrtica 13,2 100,0 0,0 0,0

    TOT MUNDO 162,1 53,8 24,4 21,8

    BRASIL 8,5 63,0 18,0 19,0

    utilizao dos territ rios pela espcie humana. E foi exatamente esse o formid-vel desafio assumido pelos pesq uisado res do Servio de D esenvolvimentoTerritorial da O C D E que conseguiram estabelecer indicadores territo riais de em-prego , com foco no desenvolvimento rural (O C D E , 1996).

    Aps minuciosa anlise das estatsticas referentes a cinqenta mil comuni-dades locais das duas mil regies existentes nos 26 pases membros da O C D E , foipossvel disting uir diferentes nveis hierrquicos para a anlise territo rial. Em ter-mos locais, foram classificadas apenas como urbanas ou rurais as menores unida-des administrativas, ou as menores unidades estatsticas. Numa segunda etapa,de nvel regional, ag regaes funcionais (como provncias, ou commu t i ng zones)foram classificadas como mais ou menos rurais.

    Tabela 1 Hbitat e Alterao Humana por Continente e no Brasil

    Notas

    1Praticamente inalterada: reas com vegetao primria e com baixssimas densidades

    humanas.

    2 P arcialmente alterada: reas com agropecuria extensiva, vegetao secundria e outras

    evidncias de alterao humana, como pastoreio acima da capacidade de suporte, ou

    explorao madereira.

    3 Artificializada: reas com agropecuria intensiva e assentamentos humanos nos quais

    foi removida a vegetao primria, ou com desert ificao e outras formas de degradaopermanente.

    Fonte: H annah et al . (1994) para os cont inentes. P ara o Brasil, ver Emb rapa, Monito ramento po rSatlite: http://www.cobveget.cnpm.embrapa.br/resulta/brasil/leg_br.html

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    Em termos locais, a O C D E passou a considerar rurais as comunidades comdensidad e populacional inferior a 150 habitantes por quilmetro q uadrado (ou500 hab/km2no caso especfico do Japo). Conforme essa definio, cerca deum tero (35%) da populao da O C D E vive em comunidades rurais que cobremmais de 90%de seu territ rio. Tais participaes variam bastante conforme o pasconsiderado. Os habitantes de localidades rurais so menos de 10%em pasescomo a H olanda e a Blgica, e mais de 50%nos pases escandinavos. Todavia,como as opes e oportunidades abertas para essas comunidades rurais depen-dem em grande medida do relacionamento que possam manter com centros ur-banos, o que realmente conta a abordagem regional. Assim, para os propsitosanalticos da O C D E, suas duas mil regies foram agrupadas em trs subconjuntos,em funo da participao da populao regional que vive em comunidades ru-rais. Em regies consideradas predominantement e rurais essa participao supe-

    rior a 50%. Nas consideradas significativamente rurais ela fica entre 15%e 50%. Enas regies predominantemente urbanas abaixo de 15%.

    C omo a ruralidade complexa e multiseto rial, somente um amplo conjun-to de indicadores pode, segundo a O C D E , dar conta das quatro dimenses queaparecem na figura 1.

    C erca de um quarto (28%)da populao d a O C D E vive em regies predo-minantemente rurais, em geral bastante remot as, nas quais a maioria das pessoaspertence a pequenas comunidades pulverizadas pelo territ rio. No extremo opos-to, cerca de 40%da populao da O C D E est concentrada em menos de 3%doterrit rio, nas regies predominantemente urbanas. O tero restante (32%)vive

    nas regies da categoria intermediria, e so chamadas de significativamente ourelativamente rurais. O u seja, cada um dos trs tipos de regies contm comuni-dad es rurais e urbanas, s que em diferentes graus.

    Populao e Migrao Bem-estar Social e Eqidade

    DensidadeMudanaEstrutura

    DomicliosComunidades

    RendaHabitaesEducao

    SadeSegurana

    Estrutura e Desempenho Econmico Meio Ambiente e Sustentabilidade

    Fora de trabalhoEmprego

    Pesos setoriaisProdutividade

    Investimento

    Topografia e ClimaMudanas de uso da terra

    Habitats e espciesSolos e recursos hdricos

    Qualidade do ar

    Figura1 Conjunto Bsico de Indicadores Rurais

    Fonte: OC D E (1996).

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    Enquanto em alguns pases escandinavos as participaes relativas das re-gies predominantemente ou significativamente rurais so superiores, ocorre exa-tamente o cont rrio em pases como a Blgica, o R eino U nido o u a Alemanha.Outros pases se caracterizam por uma estrutura dualista, com grandes propor-es de populao nos dois extremos. So os casos, por exemplo, da Irlanda, daG rcia, o u de P ort ugal. Alm disso, em pases como a Frana, a Espanha e a I t-lia, a maior fat ia da populao est nas regies da categoria intermediria chama-da de significativamente rural (ver tabelas 2 e 3).

    Populaoem

    comunidadesrurais (*)

    Populao por tipo de regio (**)

    Predominan-temente

    Rural

    Significativa-menteRural

    Predominan-temente

    Rural

    % da Populao Nacional

    Noruega 59 51 38 11

    Sucia 43 49 32 19

    Finlndia 55 43 37 20

    Dinamarca 42 40 38 22

    ustria 42 40 39 22

    EUA 44 36 34 30

    Canad 40 33 23 44

    Australia 30 23 22 55

    N. Zelndia 49 47 25 28

    Islndia 39 35 8 57

    Irlanda 43 47 15 38

    Grcia 37 42 24 34

    Portugal 36 35 22 43

    Rep. Tcheca 29 15 57 28

    Frana 37 30 41 29

    Espanha 30 17 46 37

    Itlia 22 9 44 47

    Japo 27 22 35 43

    Sua 19 13 25 62

    Alemanha 21 8 26 66

    Reino Unido 13 1 27 72

    Luxemburgo 30 - 100 -

    Blgica 9 2 18 80

    Holanda 8 - 15 85

    Tabela2 Populaes Rurais em Pases daOCDE, 1990

    Notas: No se aplica .... No disponvel.* P opulao em comunidades locais com d ensidade

    inferior a 150 hab/Km

    2

    (e 500 no caso do Japo. **Tipologia d as regies conformea participao da populao rural (+ de 50%, entre 50%e 15%, e menos de 15%.

    Fonte: O C D E , 1996.

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    Por si ss, esses dados referentes a 1990 no servem para invalidar ou con-firmar qualquer das duas hipteses. Para neles encontrar um sinal favorvel hiptese de Lefebvre, bastaria supor que as sociedades capitalistas avanadas es-tivessem no caminho apont ado pela H olanda, pela Blgica, pelo Luxemburgo ,ou mesmo pelo Reino U nido, naes nas quais praticamente foi extinta a popu-lao predominantemente rural. Para neles ver, ao contrrio, uma confirmao

    da hiptese de Kayser, bastaria usar o exemplo da Sua, na qual diversos fatoresfizeram com que em pas bem semelhante (avanado e com reduzido territrio)a populao predominantemente rural pese mais que na Itlia.

    REGIES PREDOMINANTEMENTE RURAIS (*)

    Agropecuria Indstria Servios

    % do emprego total

    Noruega 8 33 59Sucia 5 32 63

    Finlndia 16 30 54

    Dinamarca 10 30 61

    ustria 13 37 49

    EUA 6 26 68

    Canad 11 23 66

    Australia 15 20 65

    Nova Zelndia 17 24 59

    Islndia 37 21 42

    Irlanda 22 29 50

    Grcia 37 24 39

    Portugal 23 31 47

    RepblicaTcheca

    22 41 88

    Frana 11 32 57

    Espanha 25 25

    Itlia ... ... ...

    Japo 14 31 55

    Sua 10 33 57

    Alemanha 2 52 46

    Reino Unido 10 28 62

    Luxemburgo 3 31 66

    Blgica 11 21 69

    Holanda 10 34 56

    Tabela3 Distribuio do Emprego pelos Setores nas Regies Predominantemente Rurais,PasesOCDE, 1990

    Notas: ... No disponvel.*Tipologia das regies conforme a participao da populao

    rural: + de 50%.Fonte: O C D E , 1996.

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    Mas esses dad os passam a ter significado bem diferente quando se leva emconta a alterao de rumo. A proporo d os urbanos continuou a aumentar empraticamente todos os pases avanados at meados da dcada de 1970, tendn-cia que foi substituda, no ltimo quarto do sculo XX, por um declnio relativodos extremos tanto do metropolitano como d o rural profundo em favorde forte crescimento populacional nos espaos intermedirios, q ue na Frana sochamados de campos periurbanos .

    O caminho do meio

    Na atual etapa da g lobalizao1, a ruralidade dos pases avanados no de-sapareceu, nem renasceu, fazendo com que as duas hipt eses fossem ao mesmotempo parcialmente verificadas e refutad as, o que leva formulao d e uma ter-ceira: o mai s completo tr i unfo da u rbani dade engendr a a valor i zao de uma rura-

    li dade que no est renascendo, e sim nascendo. Esta a hiptese que parece de-

    correr, tant o de reviso produo cientfica sobre o assunto , como da observaodas mudanas institucionais principalmente no mbito das polticas pblicas daU nio Europia.

    No s ltimos vinte anos tornou-se cada vez mais forte a atrao pelos espa-os rurais em todas as sociedades mais desenvolvidas. Mas esse um fenmenonovo, que pouco ou nada tem a ver com as relaes que essas sociedades manti-veram no passado com t ais territrios. uma atrao que resulta basicamente dovertiginoso aumento da mobilidade, com seu crescente leque de deslocamentos,

    curtos ou longos, reais ou virtuais. C omo dizem H ervieu & Viard (2001), a ci-dade e o campo se casaram, e enquanto ela cuida de lazer e trabalho, ele oferece

    liberdade e beleza. O fenmeno foi vislumbrado t anto por Lefebvre, como porKayser, muito embora de formas equivocadas. P ois a revoluo do espao queengendra a sociedade urbana (ou ps-industrial) tende a revigorara ruralidade,mas mediante mutao, e no renascimento .

    No caso da U nio Europia, de long e o mais significativo, a conscinciacoletiva desse fenmeno manifestou-se bem cedo, desde o seu alargamentopara o sul , em 1981 e 1986. A superao do foco exclusivamente seto rial (agr-

    cola) de suas polticas rurais e a conseqente transio para uma abordagemterritorial comearam a surgir em meados dos anos de 1980 e se materializarampela primeira vez na reformas dos fundos estruturais de 1987. E o aprofunda-mento dessa tendncia pode ser avaliado a partir de dois documentos que seto rnaram emblemticos: a) o comunicado da C omisso Europia ao C onselho eao Parlamento intitulado O futuro do mundo rural , de 1988; e b) e a famosa D eclarao de Cork , q ue saiu da conferncia A Europa Rural Perspectivasde Futuro , realizada em novembro d e 1996. Alm de explicitarem com clarezaos fundamentos da atual poltica rural integrada da U E , esses dois documentossintetizaram os principais consensos analticos que haviam sido gradualmenteconstrudos ao long o do perodo inicial de desgaste da P oltica Agrcola C omum

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    (PAC). Alm disso, s aumentou depois a perda de legitimidade dessa que foiuma das primeiras polticas integradas da Comunidade Econmica Europia (C EE,que precedeu a U nio Europia, U E), o que exigiu vrias revises a partir de1992. N o h nada de coincidncia, portanto, no fato d e o paradigmtico pro-grama

    Leader Ligaes Entre Aes de D esenvolvimento da Economia Ru-

    ral ter sido lanado em19912.

    Do outro lado do Atlntico Norte, pode-se considerar como semelhantemanifestao (entre outras) o workshop intitulado Post-I ndu str i al Ru r alDevelopment : The Role of N atural Resources and the Envi ronment, que algunsmeses antes da conferncia de Cork, havia reunido um grupo de 47 especialistaspara discutir as oportunidades que estavam sendo abertas pelo incio daflexibilizao da poltica agrcola dos EU A3. E o iderio consensual q ue esses do is

    eventos ajudaram a consagrar pode ser razoavelmente resumido nos dez pontos

    que esto na figura 2.

    1.As zonas rurais, q ue englobam os locais de residncia de um quarto da populao eu-ropia e de mais de um quinto da americana, e mais de 80%dos dois territrios, carac-terizam-se por tecidos culturais, econmicos e sociais singulares, um extraordinriomosaico de atividades e uma grande variedade de paisagens (florestas e terras agrcolas,stios naturais inclumes, aldeias e pequenas cidades, centros regionais, pequenasindstrias etc.).

    2.As zonas rurais, bem como os seus habitantes, formam uma autntica riqueza para suasregies e pases e podem ser bem competitivas.

    3.As maiores partes dos espaos rurais europeus e norte-americanos so constitudos por

    terras agrcolas e florestas que influenciam fortemente o carter das paisagens.4. D ado que a agricultura certamente permanecer como important ssima interface entre

    sociedade e ambiente, os agricultores devero cada vez mais desempenhar funes degestores de muitos dos recursos naturais dos territrios rurais.

    5.Mas a agricultura e as florestas deixaram de desempenhar papel predominante nas eco-nomias nacionais. Com o declnio de seus pesos econmicos relativos, o desenvolvi-mento rural, mais do que nunca, deve envolver todos os setores socioeconmicos daszonas rurais.

    6.C omo os cidados europeus e nort e-americanos do cada vez mais importncia qua-lidade de vida em geral, e em part icular a questes relativas sade, segurana, ao de-senvolvimento pessoal e lazer, as regies rurais ocuparo posies privilegiadas parasatisfazer tais interesses, oferecendo amplas possibilidades de um autntico desenvol-

    vimento, moderno e de q ualidade.7.As polticas agrcolas devero se adaptar s novas realidades e desafios colocados, tanto

    pelos desejos e preferncias dos consumidores, como pela evoluo do comrcio inter-nacional. D ever haver, sobretudo, uma adaptao q ue impulsione a transio de umregime de sustentao de preos para um regime de apoios diretos.

    8.Os subsdios estabelecidos pelas respectivas polticas agrcolas sero crescentementecontestados. E j ampla a aceitao de que apoios financeiros pblicos devam sercada vez mais condicionados a uma adequada gesto dos recursos naturais, manutenoe ao reforo da biodiversidade e das paisagens culturais.

    9.As reformas das polticas agrcolas da primeira metade da dcada de 1990 conservaraminconsistncias, duplicaes e alta complexidade jurdica, apesar de inegveis avanosem termos de transparncia e eficcia.

    10. Torna-se absolutamente necessrio promover a capacidade local de desenvolvimentosustentvel nas zonas rurais e, nomeadamente, iniciativas privadas e comunitrias bemintegradas a mercados globais.

    Figura2 Consenso Bsico, de Meados dos Anos de1990, sobre a Ruralidade Avanada

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    Foi simultneo o crescente interesse dos pesquisadores pelas diferentes di-nmicas das reas rurais, ou sobre as polticas que ajudariam a impulsionar a revitalizao das mais remotas ou deprimidas4. E os principais resultado s dessaproduo cientfica apontam para uma concentrao das vantagens competitivasdas reas rurais em quatro recursos que foram subestimados por quase todas asteorias sobre o crescimento e sobre o desenvolvimento: civismo, cultura, meioambiente e conhecimento local.

    Ruralidade avanada: dos discursos aos fatosNo largo consenso cristalizado na D eclarao de C ork, de 1996, foram com-

    binados os trs discursos sobre o novo perfil da ruralidade em pases avanados, osquais Frouws (1998)classificou de agri-ruralista , utilitarista e o hedonista .

    No primeiro, a nfase est na renovao do contrato q ue foi firmado entreos agricultores e a sociedad e no incio do sculo XX, ou seja, na necessidad e deprticas multifuncionais que atendam s novas demandas sociais que vo de sau-dveis alimentos s diversas formas de lazer ao ar livre, passando pela pureza dagua pot vel ou pela beleza das paisagens naturais. M esmo que a dimenso ruralde um pas ou regio no seja mais vista como domnio exclusivo da agropecuria,seriam os agricultores os principais criadores, mantedores e garantidores desseespao social, econmico e cultural. J no d iscurso q ue Frouw s considera utili-tarista , a nfase est muito mais na possibilidad e de tirar partido das novas van-tag ens competitivas que os espaos rurais podem oferecer para negcios, princi-

    palmente imobilirios, sejam eles residenciais, tursticos, esportivos, artsticos,ou de outras formas recreao. E no terceiro o hedonista n toda a nfase colocada na dimenso cultural. Neste, a questo central a da prpria contribui-o dos territrios rurais para a qualidade de vida, principalmente em termos deatrao esttica.

    Mesmo que haja srias razes de conflito entre as bases sociais desses trsdiscursos, claro q ue eles tendem a ser combinados em qualquer projeto e estra-tgia de renovao rural. E o sucesso desse tipo de projeto ou estratgia depen-der muito mais das circunstncias concretas em que se encontram as regies

    predominantemente ou significativamente rurais, do que da possvel influnciarelativa de cada uma dessas trs retricas. Por isso, a linha de investigao cient -fica mais profcua s pode ser a que procura identificar os fatores que maiscondicionam as dinmicas das reas rurais, a comear pelos seus diferentes de-sempenhos econmicos.

    C ompara es entre reas rurais de pases desenvolvido s que revelaram co n-trastes de desempenho com o objetivo d e identificar alavancas ou gat ilhosde dinamismo foram realizadas em dois amplos e recentes prog ramas de pesqui-sa com resultados dos mais convergentes, seno idnticos: o D ora (Bryden &Hart, 2001) e o Ruremplo (Terluin, 2003). E tais resultados apontaram parauma espcie de primazia de fatores subjetivos (ou menos tangveis ) do pro-

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    cesso de desenvolvimento. A principal concluso que a adaptao s circuns-tncias econmicas mais recentes da globalizao depende essencialmente detrad ies culturais e sociais, com a ressalva de que estas tambm pod em ser enco-rajadas/desencorajadas por estilos de governana, arranjos institucionais e for-mas de organizao que fomentam/exaurem caractersticas da mais positivas,como autodeterminao, independncia e identidade local.

    Mesmo que no seja suficiente, dramaticamente necessrio o funciona-mento autnomo, acessvel e democrtico de organizaes pblicas, no somen-te responsveis, mas que no tenham funes superpostas e que consigam evitarconflitos institucionais. Principalmente porque o que mais condiciona umempreendedorismo local inovador, o fator-chave que pod e ser impulsionad o poroportunidades educacionais criadas em ambiente de confiana coletiva. O afasta-mento relativo (geographi cal per i pheral i ty) continua a ser desvantajoso, princi-

    palmente em reas de povoamento mais esparso e localizao mais isolada oudistante. Todavia, diversas das mais perifricas reas rurais da Europa tm sidocapazes de gerar empregos mediante diversificao econmica. Nos anos de 1990,apenas cinco das dezesseis reas rurais estud adas no mbito do projeto D orativeram desempenho inferior a previses baseadas em tendncias setoriais e naci-onais. Claro, o caso mais notvel foi o de Emsland, que fica na fronteira da Ale-manha com a H olanda, onde o emprego aumentou quase 20%, contra uma pre-vista reduo de 5%. Nas longnquas ilhas escocesas Orkney o emprego aumen-tou q uase 6%contra prevista reduo de 9%. E na grega Korinthia houve aumen-

    to de quase 9%contra queda prevista de 4%.Ao lado de muita insistncia nessas pesquisas sobre a importncia de tra-

    dies culturais que favorecem a gerao do s arranjos institucionais adeq uado s atual fase da globalizao, surge tambm uma certa desmistificao do papeldas redes . O relatrio final do projeto D ora trata as redes como fator amb-guo , pois em alguns casos elas so justamente a causa do inferior desempenhoeconmico de determinadas reas rurais. Principalmente quando servem paraexcluir out ras redes, tolhendo o acesso informao e elevando, em conseqn-cia, cruciais custos de transao (B ryden & H art, 2001, p. 20).

    A contraditria influncia da globalizao

    Os diferentes desempenhos econmicos e sociais das reas rurais tm sidovistos como respostas locais ao processo de globalizao 5. A explicao para osucesso ou no sempre se volta para interdependncias entre diversos fatores-chave do processo de desenvolvimento q ue esto inextricavelmente ligados soportunidades e ameaas colocadas pela globalizao (C ourtney et al., 2001, p.19). Mas quais so as oportunidades e ameaas que a atual fase de globalizaooferece ruralidade? S uma boa resposta a esta pergunta pode justificar emdefinitivo a necessidade de superar as hipteses de Lefebvre e de Kayser mediant e

    formulao de outra, anteriormente nomeada de caminho d o meio .

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    H pelos menos duas grandes dimenses da globalizao contemporneaque atuam de forma contraditria sobre os possveis destinos das reas rurais. Adimenso econmica que envolve as cadeias produtivas, comrcio e fluxos fi-nanceiros age essencialmente no sentido de torn-las cada vez mais perifricas,ou marginais, no mbito daquilo que foi chamado por Sassen (1998)de geo-grafias da centralidade . Ao lado das novas hierarquias regionais h vastos terri-t rios que tendem a se to rnar cada vez mais excludos das grand es dinmicas quealimentam o crescimento da economia global. Simultaneamente, a dimensoambiental que envolve tanto as bases das amenidades naturais, quanto fontesde energia e biodiversidade age essencialmente no sentido de torn-las cadavez mais valiosas qualidade da vida, ou ao bem-estar, como prefere Dasgupta(2001). Foi somente no perodo mais recente da g lobalizao que o alcance dasresponsabilidades cvicas sobre as cond ies naturais do desenvolvimento huma-

    no passou a fazer parte da agenda das relaes internacionais.A ao simultnea dessas duas tendncias parece ter um duplo efeito sobre

    a ruralidade. D e um lado, faz com q ue aquele rural remoto , ou profundo ,que predomina nas regies que a O C D E classifica como essencialmente rurais ,seja cada vez mais conservado, mesmo que possa admitir vrias das atividadesecon micas de baixo impacto. P or outro, faz com que o rural acessvel , carac-terstico das regies que a O C D E classifica de significativamente rurais , ab ri-gue novas dinmicas socioeconmicas que fazem parte das tais geog rafias dacentralidade de Sassen. Vale lembrar que foi a identificao de constelaes

    econmicas localizadas q ue venciam a recesso em reas relat ivamente ruraiscomo a Toscana e Emilia-Romagna (Itlia), Baden-Wrttemberg (Alemanha),Cambridge (Inglaterra), Smland, (Sucia), e at essencialmente rurais, comoWest-Jutdland (D inamarca), q ue levou um grupo de pesquisado res ligados OIT a se perguntar, desde meados dos anos de 1980, se essa virtuosa combina-o entre eficincia e altos nveis de emprego poderia se tornar um modelo paraoutras regies. E o ponto de partida foi sem cont estao , diz B enko (1995,p. 57) o programa de pesquisa de Arnaldo Bagnasco, C arlo Trigilia e SebastianoBrusco sobre a Terceira I tlia .

    por no perceber esse duplo carter da influncia exercida pela globalizaosobre as reas rurais que alguns analistas so levados a subestimar, e at descart ar,as possibilidades de que elas possam reagir positivamente ao processo. Exemplochocante est em Vzquez Barquero (2002), q ue dedica um captulo inteiro deseu livro para afirmar que as cidades constituem o nico espao de desenvolvi-mento endgeno! No entanto , desde os anos de 1960, a mais poderosa tendn-cia locacional na distribuio do emprego e da atividade econmica do ReinoU nido fo i a mudana de produo e dos postos de trabalho d as conurbaes e

    grandes cidades para pequenas vilas e reas rurais.So do is os elementos bsicos da interpretao cientfica desse fenmeno :a) a capacidade de certas reas rurais atrarem os potenciais empreendedores

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    devido s caractersticas ambientais de residncia; b) um dinamismo empreende-dor voltado para mercados emergentes, com muita inovao, e que explora asvantag ens competitivas que resultam de condies de vida e de trabalho das maisamenas, alm de mais estabilidade, qualidade e motivao da fora de trabalhopor menor custo (Keeble & Tyler, 1995). E no poderia ter deixado de causarsurpresa constatar que, em termos de inovao, as firmas situadas no rural mais remoto no ficam atrs das que esto no rural mais acessvel (North &Smallbone, 2000).

    D ois estudo s concludos no final dos a nos de 1990 por pesquisado res doServio de Economia Rural do D epartamento de Agricultura dos Estados U ni-dos (ERS/USDA)comprovaram que nas ltimas dcadas foram as amenidadesnaturais que passaram a ser a principal vantagem comparativa das reas rurais.McGranahan (1999)mostrou q ue nos ltimos 25 anos do sculo XX as variaes

    da populao rural estiveram altamente correlacionadas com amenidades natu-rais, principalmente caractersticas de clima, de relevo e de acesso a guas (lagos,rios e mar). As variaes do emprego rural tambm mostraram forte correlao,mas inferior, principalmente devido influncia de outros fatores concorrentesque tambm criaram muito emprego em condados rurais americanos, como, porexemplo, cassinos e prises. M ais interessados no prprio crescimento econmi-co de parte das reas rurais, Aldrich & Kusmin (1997)concluram que o princi-pal foi a capacidade de atrair aposentados, fator diretamente ligado s amenida-des rurais.

    Enfim, durante o sculo XX, a dinmica da economia rural dos pases quemais se desenvolveram passou por trs grandes etapas. Na primeira ela era deter-minada por riquezas naturais como solo frt il, madeira ou minrios. Essas vanta-gens comparativas no desapareceram, mas foram sendo substitudas por outrosfatores de produo, como mo-de-obra barata, frouxa regulamentao e debili-dade sindical. Foi assim que, entre 1960 e 1980, a fat ia rural do emprego fabrilpassou, nos Estados U nidos, de um q uinto para mais de um q uarto . Todavia, nasltimas duas dcadas do sculo XX as principais vantagens comparativas volta-ram a ser riquezas naturais, mas de outro t ipo. So os encantos do contexto rural beleza paisagstica, tranqilidade, silncio, gua limpa, ar puro todas ligadas qualidade do ambiente natural. E a possibilidade de participar integralmentedessa terceira gerao d o desenvolvimento rural diminuta para localidades queantes tenham se comprometido com sistemas produtivos primrio-industriais denegativo impacto ambiental.

    Alm disso, as regies mais dinmicas do Primeiro Mundo leia-se, quegeram mais postos de trabalho no so as essencialmente urbanas, nem as es-sencialmente rurais, mas sim aquelas nas quais a adjacncia entre espaos urba-

    nos e rurais se faz mais intensa. Exatamente as regies que a O C D E classificoucomo significativamente rurais, nas quais entre 15e 50%dos habitantes vivemem localidades rurais.

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    Concluso

    As evidncias apresentadas refutam as hipteses lanadas por Lefebvre eKayser h pouco mais de trinta anos, mas por razes bem diferentes. A maisequivocada a primeira, sobre a completa urbanizao. A nica maneira, pois,

    de entender como Lefebvre tenha sido levado a essa hiptese, certamente estligada ao vcio de se resumir o rural ao agrrio. H avia muitas razes no, inciodos anos de 1970, para se prever o inexorvel desaparecimento do tipo de socie-dad e agrria que ele to bem conheceu e analisou em sua fase de socilogo rural.Mas a ruralidade nunca se resumiu s relaes sociais ligadas s atividadesagropecurias, mesmo na curta fase histrica em que esse setor econmico foidominante nos territrios extra-urbanos. A segunda hiptese poderia parecermais correta, j q ue todas as evidncias apresentad as confirmam aq ueles indciosque levaram Kayser a vislumbrar um renascimento rural. (O termo renascimento,

    todavia, no parece ser apropriado para caracterizar um fenmeno inteiramentenovo com esse rural que tem sido chamado de ps-industrial , ps-moder-no , ou ps-fordista .) Essa necessidade de usar o prefixo ps no d eve serdesprezada, pois reflete a necessidade de exprimir uma mudana que no incremental, mas radical. A atual ruralidade da Europa e da Amrica do Norteno resulta de um impulso que faz voltar fundamentos de alguma ruralidadepretrita , mesmo que possa coexistir com aspectos de cont inuidade e permann-cia. O que novo nessa ruralidade pouco tem a ver com o passado, pois nuncahouve sociedades to opulentas como as que hoje tanto esto valorizando sua

    relao com a natureza. No somente no que se refere conscincia sobre asameaas biodiversidade ou regulao trmica do planeta, mas tambm noque concerne a liberdade conquistada pelos aposentados de escolherem os me-lhores remanescentes naturais para locais de residncia. Alm disso, as hiptesesde Lefebvre e Kayser tambm atribuam apenas um destino ruralidad e. E o quea fase mais recente da g lobalizao parece estar indicando que a ruralidad e terdiversos destinos. Por enq uanto, est claro q ue h diferenas substanciais entre orural remoto ou profundo , conforme se adote inclinaes anglo-saxnicasou francesas, e o rural acessvel ou adjacente . U ma hiptese convergentecom as anlises de Wanderley (2000) e Abramovay (2003) e, de certo modo,tambm com as abordag ens de Moreira (2001)e Moreira(2002).

    Notas

    1 No importa aq ui a idia de nova onda (a partir de 1980) ou de globalizaocontempornea (desde 1945). A primeira do Banco M undial (2002), q ue conside-ra trs ond as: 1870-1914, 1945-1980 e a nova onda (desde 1980). A segunda a

    de H eld et al . , 1999, q ue separam o processo em q uatro fases, das quais trs mod er-nas : 1500-1850, 1850-1945 e a contempornea (desde 1945).

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    2 Cf. o website http://europa.eu.int/comm/archives/leader2/rural-pt/ e tambmSumpsi (2002), Prez Yruela et al . (2000) e Abramovay 1999.

    3 Os anais completos desse workshop foram publicados pelo N or th Cent r al RegionalCent er for Rur al D evelopment , I owa State U ni versi ty, .

    4C f. o Jour nal of R ur al Studies(publicado na I ng laterra desde 1985), assim como emalgumas das pginas da webconsagradas ao tema do desenvolvimento rural. Trs dosmais significativos sites desse tipo so: a) o da rede D ora ( D ynamics of RuralAreas , do Arkleton C entre for Rural D evelopment R esearch, d a U niversidade deAberdeen, Esccia: www.abdn .ac.uk/arkleton) ; b) o d o projeto NRE (New RuralEconomy Pro jec t , da CRRF, Canadian Rura l Revi t a l i z a t ion Foundat ion :nre.concordia.ca/crrf_publications.htm) ; c) o d o C RRAS , C enter for Rural andRemo te Area Studies, do I nstitute for Social Research, campus de Whyalla da U niver-sidade da Austrlia do Sul: ww w.unisa.edu.au/ crras/ .

    5Esse , alis, o ttulo de import ante trabalho d esenvolvido pela eq uipe do The ArkletonC entre for Rural D evelopment Research, da U niversity of Aberdeen: C ourtney et al .(2001).

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    RESUMO O Q U Ese deve pensar das duas principais hipt eses lanadas no incio do s anosde 1970 sobre o destino das regies rurais? Evidncias cientficas mostram que a din-mica de algumas dessas reas, como respostas globalizao , est longe de confirmar asconjeturas extremas sobre completa urbanizao ou renascimento rural . Amenida-

    des naturais comand am mudanas populacionais q ue, com a deslocalizao urbano-rural de empresas, podem estar anunciando um novo padro de distribuio territo rialdo emprego. O que tambm significa um novo padro de desenvolvimento rural. Emsntese, este artigo procura mostrar os equvocos de Lefebvre (1970)e Kayser (1972).

    A BSRACT WH AT C AN be said, thirty years afterwards, about the two main hypothesislaunched in the beginning of the 1970s on rural regions destiny? Scientific evidencesshow that the dynamics of some o f these areas as local responses to g lobalization do notconfirm extreme conjectures on complete urbanization or rural renaissance . Nat u-ral amenities that are driving t he rural population change, w ith an urban-rural shift o f

    enterprise behavior, may be show ing a new pattern o f territorial employment distribution.What also means a new patt ern of rural development. In short , t his article argues thatLefebvre (1970)e Kayser (1972)were bo th m istaken.

    JosEl i da Veiga professor-titular do D epartament o de Econo mia da Faculdade de

    Economia, Administrao e Contabilidade da U SP .

    Texto recebido e aceito para publicao em 15 de maio de 2004.