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Determinação da causa de morte e fatores limitantes da determinação da taxa de mortalidade por eletrocussão em linhas elétricas Ramos, Rita 1* ; Paulo Marques 2 ; Maria Casero 3 ; Liliana Barosa 2 ; Fábia Azevedo 3 1 Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal; 2 Liga para a Protecção da Natureza, Lisboa, Portugal; 3 Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens (RIAS) – Associação ALDEIA, Olhão, Portugal *email: [email protected] Os cadáveres foram recolhidos, em 2015, durante as prospeções de linhas elétricas realizadas no âmbito do projeto LIFE Imperial nas ZPE de Castro Verde e do Vale do Guadiana ou ingressaram no RIAS/ALDEIA. Posteriormente foram congelados até à realização das necropsias, no RIAS/ALDEIA. Nas necropsias foi realizado um exame externo, seguido de um exame interno, de modo a identificar lesões indicativas da causa de morte. A causa de morte foi dividida em 4 categorias: compatível com eletrocussão, provável (quando as lesões eram muito evidentes) e possível (quando havia lesões mas pouco evidentes), indeterminada e outras causas. (LIFE13 NAT/PT/001300) O impacto da morte por eletrocussão em aves de rapina é estudado desde 1970 por todo o mundo (1) , sendo considerada a principal causa de morte não-natural da águia- imperial-ibérica (Aquila adalberti), em Espanha (2) . No entanto, as estimativas da taxa de mortalidade por eletrocussão podem ser condicionadas por fatores que contribuem para a sua sobre ou subestimativa. Um fator de subestimativa é a remoção dos cadáveres por animais necrófagos, já a sobrestimativa está relacionada com cadáveres encontrados junto a apoios de linhas elétricas cuja causa de morte não foi eletrocussão (3) . Um modo de avaliar isto é realizando necropsias aos cadáveres de aves encontrados junto aos apoios de linhas elétricas, e procurar lesões que possam indicar eletrocussão (4,5,6) , como por exemplo: queimaduras, escaras e necroses, principalmente nas zonas distais do corpo (cabeça, asas, garras, patas e pernas) . Internamente, as alterações mais visíveis, verificam-se no coração e nos rins. O que sabemos? Métodos O diagnóstico da causa de morte de aves encontradas junto a apoios de linhas elétricas pode ser difícil, maioritariamente devido ao estado de decomposição dos cadáveres. Neste estudo pelo menos 10% das aves não morreram por eletrocussão. Outros estudos (3) referem uma proporção superior (20%) de aves encontradas junto a apoios de linhas elétricas que não morreram por eletrocussão. No entanto, estas diferenças podem dever-se a variações locais e ser influenciadas pelo tamanho da amostra. Estes resultados confirmam que as estimativas da taxa de mortalidade por eletrocussão estão enviesadas, no sentido da sobrestimação devido a erros de classificação da causa de morte. Assim, são necessários mais estudos, com mais animais e, a uma maior escala. É importante necropsiar todas as aves encontradas junto a apoios de linhas elétricas, para conseguir estimar com maior precisão a taxa de mortalidade e excluir casos de mortalidade por perseguição direta (como abate e veneno). As necropsias devem ser feitas com a maior brevidade possível de modo a evitar a congelação dos cadáveres, pois este processo pode mascarar algumas lesões. A lembrar… Necropsiaram-se 26 cadáveres de aves, de 13 espécies diferentes (Fig. 1). No entanto, foram retirados da amostra 4 cadáveres por se encontrarem em avançado estado de decomposição, o que impossibilitou a identificação de lesões. Sendo os resultados apresentados referentes a uma amostra de 22 aves. De acordo com as categorias consideradas obteve-se: compatível com eletrocussão (provável, 50,0%, e possível, 22,7%), indeterminada, 18,2%, e outras causas, 9,1% (Fig. 2). A categoria “outras causas” inclui uma ave com indícios de morte por tiro e outra com indícios de morte por colisão. Muitas das aves com causa de morte compatível com eletrocussão apresentavam inflamações, escaras e/ou necrose dos tecidos, nas patas (Fig. 3 e 4) e nas asas (Fig. 5). Encontrou-se, ainda, em 2 aves uma “marca de corrente” (petéquias), que pode indicar a passagem de corrente (Fig. 6). Resultados Fig. 3 - Buteo buteo com inflamação na pata direita e queimaduras na base das patas (4) . Internamente, não foi possível encontrar lesões na maioria dos cadáveres, devido ao avançado estado de decomposição. No entanto, foi possível observar hemorragias internas na cavidade torácica de 2 aves e alterações no coração (hemopericárdio) de outra ave (Fig. 7). Fig. 5 - Região carpal ventral de Elanus caeruleus juvenil com queimadura (4) . Fig. 6 - Pata de Buteo buteo com “marca de corrente” (petéquia), que indica a passagem da corrente da base pata e ao longo da perna (4) . Fig. 7 - Hemopericárdio de um Falco tinnunculus. Fig. 4 - Patas de Buteo buteo com escaras na base das patas (4) (A- pata com queimaduras extensas; B- pata com uma queimadura isolada. A B Fig. 1 - Número de cadáveres de aves recolhidos, segundo a espécie ( * - indica o número de cadáveres excluídos da amostra, devido ao estado de decomposição). B. buteo C. corone M. migrans A. fasciata F. tinnunculus S. decaocto B. bubo C. corax E. caeruleus F. peregrinus G. fulvus M. milvus S. unicolor 0 1 2 3 4 5 6 7 Espécies Nº de cadáveres * * ** Fig. 2 - Percentagem de cadáveres nas 4 categorias consideradas: compatível com eletrocussão (dividido em provável e possível), indeterminada e outras causas. Compatível c/ elet. Indeterminada Outras causas 0 20 40 60 80 100 Cadáveres de aves (%) Provável Possível Resultados (cont.) 1. Lehman R.N., Kennedy P.L., Savidge J.A. 2007. The state of the art in raptor electrocution research: A global review. Biological Conservation 136(2): 159–174 2. BirdLife International (2016) Species factsheet: Aquila adalberti. Downloaded from http://www.birdlife.org on 11/04/2016 3. Lehman, R.N., Savidge, J.A., Kennedy, P.L., Harness, R.E. 2010. Raptor Electrocution Rates for a Utility in the Intermountain Western United States. Journal of Wildlife Management 74(3): 459-470 4. Dwyer, J.F. 2004. Investigating and Mitigating Raptor Electrocution in an Urban Environment. University of Arizona 5. Karger, B., Süggeler, O., Brinkmann, B. 2002. Eletrocution – autopsy study with emphasis on “electrical petechiae”. Forensic Science International 126: 210-213 6. Koumbourlis, A.C. 2002. Electrical injuries. Critical Care Medicine 30: 424– 430

Determinação da causa de morte e fatores limitantes da … · 2019. 4. 30. · Determinação da causa de morte e fatores limitantes da determinação da taxa de mortalidade por

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Determinação da causa de morte e fatores limitantes da determinação da taxa de mortalidade por eletrocussão em linhas elétricas

Ramos, Rita1*; Paulo Marques2; Maria Casero3; Liliana Barosa2; Fábia Azevedo3

1 Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal; 2 Liga para a Protecção da Natureza, Lisboa, Portugal; 3 Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens (RIAS) – Associação ALDEIA, Olhão, Portugal

*email: [email protected]

Os cadáveres foram recolhidos, em 2015, durante as prospeções de linhas

elétricas realizadas no âmbito do projeto LIFE Imperial nas ZPE de Castro Verde e

do Vale do Guadiana ou ingressaram no RIAS/ALDEIA. Posteriormente foram

congelados até à realização das necropsias, no RIAS/ALDEIA.

Nas necropsias foi realizado um exame externo, seguido de um exame

interno, de modo a identificar lesões indicativas da causa de morte.

A causa de morte foi dividida em 4 categorias: compatível com eletrocussão,

provável (quando as lesões eram muito evidentes) e possível (quando havia

lesões mas pouco evidentes), indeterminada e outras causas.

(LIFE13 NAT/PT/001300)

O impacto da morte por eletrocussão em aves de rapina é estudado desde 1970 por todo o mundo(1), sendo considerada a principal causa de morte não-natural da águia-

imperial-ibérica (Aquila adalberti), em Espanha(2).

No entanto, as estimativas da taxa de mortalidade por eletrocussão podem ser condicionadas por fatores que contribuem para a sua sobre ou subestimativa. Um fator de

subestimativa é a remoção dos cadáveres por animais necrófagos, já a sobrestimativa está relacionada com cadáveres encontrados junto a apoios de linhas elétricas cuja causa

de morte não foi eletrocussão(3).

Um modo de avaliar isto é realizando necropsias aos cadáveres de aves encontrados junto aos apoios de linhas elétricas, e procurar lesões que possam indicar

eletrocussão(4,5,6), como por exemplo: queimaduras, escaras e necroses, principalmente nas zonas distais do corpo (cabeça, asas, garras, patas e pernas). Internamente, as

alterações mais visíveis, verificam-se no coração e nos rins.

O que sabemos?

Métodos

• O diagnóstico da causa de morte de aves encontradas junto a apoios de linhas

elétricas pode ser difícil, maioritariamente devido ao estado de decomposição

dos cadáveres.

• Neste estudo pelo menos 10% das aves não morreram por eletrocussão.

Outros estudos(3) referem uma proporção superior (20%) de aves encontradas

junto a apoios de linhas elétricas que não morreram por eletrocussão. No

entanto, estas diferenças podem dever-se a variações locais e ser influenciadas

pelo tamanho da amostra.

• Estes resultados confirmam que as estimativas da taxa de mortalidade por

eletrocussão estão enviesadas, no sentido da sobrestimação devido a erros de

classificação da causa de morte. Assim, são necessários mais estudos, com

mais animais e, a uma maior escala.

• É importante necropsiar todas as aves encontradas junto a apoios de linhas

elétricas, para conseguir estimar com maior precisão a taxa de mortalidade e

excluir casos de mortalidade por perseguição direta (como abate e veneno).

• As necropsias devem ser feitas com a maior brevidade possível de modo a evitar

a congelação dos cadáveres, pois este processo pode mascarar algumas lesões.

A lembrar…

Necropsiaram-se 26 cadáveres de aves, de 13 espécies diferentes (Fig. 1). No

entanto, foram retirados da amostra 4 cadáveres por se encontrarem em

avançado estado de decomposição, o que impossibilitou a identificação de

lesões. Sendo os resultados apresentados referentes a uma amostra de 22 aves.

De acordo com as categorias consideradas obteve-se: compatível com

eletrocussão (provável, 50,0%, e possível, 22,7%), indeterminada, 18,2%, e

outras causas, 9,1% (Fig. 2).

A categoria “outras causas” inclui uma ave com indícios de morte por tiro e

outra com indícios de morte por colisão.

Muitas das aves com causa de morte compatível com eletrocussão

apresentavam inflamações, escaras e/ou necrose dos tecidos, nas patas (Fig. 3 e

4) e nas asas (Fig. 5). Encontrou-se, ainda, em 2 aves uma “marca de corrente”

(petéquias), que pode indicar a passagem de corrente (Fig. 6).

Resultados

Fig. 3 - Buteo buteo com inflamação na pata direita e queimaduras nabase das patas(4).

Internamente, não foi possível encontrar lesões na maioria dos cadáveres,

devido ao avançado estado de decomposição. No entanto, foi possível observar

hemorragias internas na cavidade torácica de 2 aves e alterações no coração

(hemopericárdio) de outra ave (Fig. 7).

Fig. 5 - Região carpal ventral de Elanus caeruleusjuvenil com queimadura(4).

Fig. 6 - Pata de Buteo buteo com “marca decorrente” (petéquia), que indica a passagem dacorrente da base pata e ao longo da perna(4).

Fig. 7 - Hemopericárdio de um Falco tinnunculus.

Fig. 4 - Patas de Buteo buteo com escaras na base das patas(4) (A - pata com queimaduras extensas; B - patacom uma queimadura isolada.

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Fig. 1 - Número de cadáveres de aves recolhidos, segundo a espécie ( * - indica onúmero de cadáveres excluídos da amostra, devido ao estado de decomposição).

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Fig. 2 - Percentagem de cadáveres nas 4 categorias consideradas: compatível comeletrocussão (dividido em provável e possível), indeterminada e outras causas.

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Resultados (cont.)

1. Lehman R.N., Kennedy P.L., Savidge J.A. 2007. The state of the art in raptor electrocution research: A global review. Biological Conservation 136(2): 159–1742. BirdLife International (2016) Species factsheet: Aquila adalberti. Downloaded from http://www.birdlife.org on 11/04/20163. Lehman, R.N., Savidge, J.A., Kennedy, P.L., Harness, R.E. 2010. Raptor Electrocution Rates for a Utility in the Intermountain Western United States. Journal of Wildlife Management74(3): 459-4704. Dwyer, J.F. 2004. Investigating and Mitigating Raptor Electrocution in an Urban Environment. University of Arizona5. Karger, B., Süggeler, O., Brinkmann, B. 2002. Eletrocution – autopsy study with emphasis on “electrical petechiae”. Forensic Science International 126: 210-2136. Koumbourlis, A.C. 2002. Electrical injuries. Critical Care Medicine 30: 424– 430