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Cidade Universitária da Universidade Federal do Maranhão CEP: 65 085 - 580, São Luís, Maranhão, Brasil
Fone(98) 3272-8666- 3272-8668
DEZ ANOS DE OCUPAÇÃO MILITAR NO HAITI: significado histórico,
realidade e perspectivas
Cláudia Alves Durans1 Hertz Dias da Conceição2
Rosenverck Estrela Santos3 Didier Dominique4
Objetivo: Analisar o significado histórico, social e econômico dos 10 anos da ocupação militar do Haiti pelas tropas da Organização das Nações Unida – ONU, para condições de vida e soberania do povo haitiano.
Justificativa: Em 1º de junho de 2004 aportaram em Porto Príncipe as tropas da MINUSTAH (United Nations Stabilization Mission in Haiti), coordenadas pelo Exército Brasileiro. Em 2014 completou dez anos de ocupação militar e em 15 de outubro o Brasil renovou o mandato da MINUSTAH na ONU. Nesses 10 anos o que prosperou? Qual a colaboração para a melhoria das condições de vida do povo haitiano? Após o terremoto que matou cerca de 250 mil pessoas em 2010, qual a situação da população? Quais os interesses em torno da ocupação militar no Haiti? Qual o significado histórico? Esse debate se impõe pela necessidade de o mundo refletir e analisar, do ponto de vista da soberania nacional, da solidariedade internacional ao povo haitiano que, realizou a primeira revolução de escravizados vitoriosa, e atualmente é o povo mais empobrecido das Américas.
Cláudia Alves Durans – GSERMS/UFMA (Brasil) – abordará os aspectos políticos, econômicos e sociais do Haiti, enfatizando as impressões de viagem realizada ao país três meses após o terremoto de 2010.
Hertz Dias da Conceição - Quilombo Urbano (Brasil) – analisará a condição do Haiti no contexto do capitalismo mundial, trazendo elemento do debate da diáspora africana e a expressão do racismo em nível internacional, como ideologia orgânica do capital.
Rosenverck Estrela Santos – UFMA (Brasil) – Analisará as relações Brasil/Haiti no contexto da América Latina
Didier Dominique – Batay Ouvrier (Haiti) – abordará a história do Haiti, lutas e resistências do seu povo desde a Revolução de 1791, até a experiência contemporânea do Batay Ouvryé para libertação do Haiti.
1 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
2 Mestre. CSP-Conlutas. E-mail: [email protected]
3Mestre. Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
4 Batay Ouvrier (Haiti).
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DEZ ANOS DE OCUPAÇÃO MILITAR NO HAITI: significado histórico, realidade e
perspectivas
Cláudia Alves Durans5
RESUMO O texto analisa o significado histórico, social e econômico dos 10 anos da ocupação militar do Haiti pelas tropas da Organização das Nações Unidas – ONU, para as condições de vida e soberania do povo haitiano. Para isso, recorre aos aspectos históricos que marcaram a história daquele país, que em 1793 se levanta contra opressão e a exploração, livrando-se da escravidão e, posteriormente, em 1891, contra o domínio francês. Sob a liderança de Toussaint L’Ouverture e Dessalines, os jacobinos negros realizaram a primeira revolução negra de escravizados vitoriosa da história da humanidade. Traz a trajetória política de motins, golpes e assassinatos de lideranças que o Haiti enfrentou, no contexto da situação econômica e de constituição das classes sociais, que dificultou a constituição de um Estado democrático, ressaltando o papel dos Duvalier. Destaca ainda o papel mais recente das lutas que colocam Aristide e Préval no poder, mas que estes permaneceram com políticas subservientes aos EUA, que invadiram por vários momentos o país em sua história. Por fim, busca compreender o significado da ocupação militar pelas tropas da MINUSTAH, comandada pelo exército brasileiro, respondendo a interesses econômicos imperialistas, que acirraram as condições sociais de pauperismo, aprofundadas com o terremoto de 2010 no Haiti. Palavras-chave: Haiti, ONU, Brasil, Ocupação Militar, superexploração ABSTRACT The paper analyzes the historical, social and economic significance of 10 years of military occupation of Haiti by the troops of the United Nations - UN, to living conditions and sovereignty of the Haitian people. For this, it uses the historical aspects that marked the history of that country, which in 1793 stands against oppression and exploitation, getting rid of slavery and, later, in 1891, against French rule. Under the leadership of Toussaint L'Ouverture and Dessalines, the Black Jacobins held the first successful black revolution of enslaved in History.This paper brings political trajectory of riots, coups and assassinations of leaders that Haiti faced in the context of the economic situation and constitution of social classes, which made it difficult the establishment of a democratic state, stressing the role of Duvalier’s. Also highlights the recent role of the struggles that put Aristide and Preval in power, but that those remained subservient to US policies, which invaded the country for several moments in its history. Finally, seeks to understand the meaning of military occupation by the MINUSTAH troops, commanded by Brazilian army, responding to imperialist economic interests, which incited social conditions of pauperism, exacerbated with the 2010 earthquake in Haiti. Keywords: Haiti, UN, Brazil, Military Occupation , overexploitation
5 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
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1 INTRODUÇÃO
Em 1º de junho de 2004 aportaram em Porto Príncipe as tropas da
MINUSTAH (United Nations Stabilization Mission in Haiti), coordenadas pelo Exército
Brasileiro. Em 2014 completou dez anos de ocupação militar e em 15 de outubro o
Brasil renovou o mandato da MINUSTAH na ONU. Nesses 10 anos o que prosperou?
Qual a colaboração para a melhoria das condições de vida do povo haitiano? Após o
terremoto que matou cerca de 300 mil pessoas em 2010, qual a situação da
população? Quais os interesses em torno da ocupação militar no Haiti? Qual o
significado histórico? Esse debate se impõe pela necessidade de o mundo refletir e
analisar, do ponto de vista da soberania nacional, da solidariedade internacional ao
povo haitiano que, realizou a primeira revolução de escravizados vitoriosa, e
atualmente é o povo mais empobrecido das Américas.
2 HAITI: aspectos históricos
Um pequeno país do Caribe, com uma população de 8 milhões de
habitantes, considerado o país mais pobre das Américas e um dos mais pobres do
mundo, o Haiti guarda em si um elemento histórico importante de ter sido o primeiro e
único país que realizou uma revolução de escravizados vitoriosa da história da
humanidade.
Cristovão Colombo, quando em 1492 chegou ao novo continente e
intentava construir o novo mundo, foi na Ilha de Hispaniola que aportou, onde
encontrou indígenas vivendo em harmonia com a natureza, segundo o
desenvolvimento das forças produtivas necessárias à sua sobrevivência. A primeira
violência àquele território foi o genocídio da população indígena, estima-se que 300 mil
índios Taino, por massacres, epidemias e no trabalho desumano nas minas de outro.
Em sintonia com as transformações que propiciaram o alvorecer do novo
sistema de produção na Europa, na verdade de um modo de vida, a partir de 1505, foi
introduzido o cultivo da cana de açúcar garantida pela força de trabalho africana. Isso
ocorreu no Haiti, mas a partir de um movimento combinado que deslocou para
diversas partes do mundo homens e mulheres escravizados, da forma mais bárbara,
conhecido como diáspora africana. C.L.R.James (2010) relata esse processo:
No século XVI, a África Central era um território de paz e as suas
civilizações eram felizes. Os comerciantes viajavam milhares de
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quilômetros de um lado a outro do continente sem serem molestados.
As guerras tribais, das quais os piratas europeus afirmavam liberar as
pessoas, eram meros simulacros; uma grande batalha significava
meia dúzia de mortos. Foi sobre um campesinato, em muitos
aspectos, superior ao dos servos em amplas áreas da Europa, que o
comércio de escravos recaiu. A interminável destruição da colheita
resultou no canibalismo; as mulheres cativas se tornavam concubinas
e degradavam a condição de esposa. As tribos tinham de suprir o
comércio de escravos, ou então elas mesmas seriam vendidas como
escravas. A violência e a ferocidade tornaram-se a necessidade para
a sobrevivência, e foram a violência e a ferocidade que sobreviveram.
Os crânios sorridentes na ponta de estacas, os sacrifícios humanos, a
venda dos próprios filhos como escravos: esses horrores foram
produto de uma intolerável pressão sobre os povos africanos, que se
tornavam mais ferozes, no decorrer dos séculos, à medida que a
exigência da indústria aumentava e os métodos de coerção eram
aperfeiçoados.
Parte-se aqui da compreensão de que o escravismo negro é um
componente da dinâmica que resultou na acumulação primitiva de capital,
principalmente para a América, servindo ao desenvolvimento do capitalismo industrial
na Europa. Como afirma Mandel (1980), analisando o surgimento das classes sociais
no capitalismo, em particular do capital, destaca que “o relevante é de onde vieram os
capitais: do capital comercial e usurário; da colonização violenta da Ásia, África e
América, primeiro através da pilhagem de metais preciosos, depois como fornecedores
de matérias-primas para a grande indústria e alimentos para seus trabalhadores,
através das grandes plantações sob regimes escravistas.
O descobrimento das regiões auríferas e argentíferas na América, o
extermínio, a escravização e o soterramento nas minas da população
indígena, a conquista e saque das Índias Orientais, a transformação
da África em um quintal reservado para o comércio de peles negras
caracterizavam o alvorecer da era de produção capitalista. Esses
processos idílicos constituem fatores fundamentais da acumulação
primitiva do capital. Os atos de barbárie e os perversos ultrajes
perpetrados pelas chamadas raças cristãs em todas as regiões do
mundo e contra todos os povos que puderam subjugar, não encontram
paralelo em nenhuma época da história universal e em nenhuma raça,
por mais selvagem e inculta, impiedosa e impudica que fosse.
(MANDEL, 1980, p.57).
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Vê-se a partir de Mandel, assim como as análises marxianas, a conexão
do processo de acumulação primitiva de capital, do mercantilismo, do processo de
colonização das regiões ditas bárbaras, com o sistema capitalista global que
germinava. Assim, conclui-se que a diáspora africana contribuiu decisivamente,
através do tráfico negreiro e da exploração descarada de homens, mulheres e
crianças escravizadas, arrancadas de suas terras, para a acumulação de capitais.
O Haiti, como toda a América Latina, desde seus primórdios, se constituiu
a partir dessas relações de subordinação e pilhagem.
A Europa necessitava de ouro e prata. Os meios de pagamentos em
circulação se multiplicavam sem cessar e era preciso alimentar os
movimentos do capitalismo na hora do parto: os burgueses se
apoderavam das cidades e fundavam os bancos, produziam e
trocavam mercadorias, conquistavam novos mercados. Ouro, prata,
açúcar: a economia colonial mais abastecedora que consumidora,
estruturou-se em função das necessidades do mercado europeu, e a
seu serviço. O valor das exportações latino americanas de metais
preciosos foi, durante prolongados períodos do século XVI, quatro
vezes maior que as importações, composta por escravos, sal e artigos
de luxo. Os recursos fluíam para que os acumulassem as nações
europeias emergentes do outro lado do mar. Esta era a missão
fundamental que trouxe os pioneiros, embora, além disso, aplicassem
o evangelho quase tão frequentemente como o chicote, aos índios
agonizantes. A estrutura das colônias ibéricas nasceu subordinada ao
mercado externo e, em consequência, centralizada em torno do setor
exportador que concentrava renda e poder. (Galeano, p.22, 1968)
Essa era a intenção dos colonizadores: explorar as riquezas naturais
desde os minérios (ouro, prata, etc.), especiarias, borracha etc. passando pela
monocultura do algodão, açúcar, café, recorrendo à força de trabalho escravizada
indígena e africana. Moura ( ) analisando a condição dos escravizados destaca as
condições opressivas, de não ser dono do seu próprio corpo, portanto, de não poder
locomover-se livremente, e agir como agente produtor, que criava mercadoria,
colocando nela valor, “... o escravo circulava como mercadoria, idêntica àquela a qual
ele próprio produzia. E é nesse nível de relações econômicas que o escravo é
socialmente coisificado.”
Para o Haiti foram levados cerca de 500 mil africanos, através do lucrativo
tráfico negreiro, que garantiram a produção de café, de cana de açúcar e de cacau
para enriquecimento das metrópoles, inicialmente Espanha, depois França. O país
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destacou-se na produção da cana de açúcar, sendo à época, considerada uma das
colônias mais próspera em âmbito internacional.
As condições de opressão e humilhação dos escravizados na ilha e os
ventos dos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade soprados da França com a
revolução de 1789, alentou os sonhos dos escravizados, que sob comando de
Toussaint L’Ouverture realizam a libertação da escravidão, porém ainda sob a
bandeira francesa (1791). Nas palavras de C. L. R. James (2010, p.15):
“Em agosto de 1971, passados dois anos da Revolução Francesa e
dos seus reflexos em São Domingos, os escravos se revoltaram. Em
uma luta que se estendeu por doze anos, eles derrotaram, por sua
vez, os brancos locais e os soldados da monarquia francesa de
semelhantes dimensões comandada pelo cunhado de Bonaparte. A
derrota da expedição de Bonaparte, em 1803, resultou no
estabelecimento de Estado negro do Haiti, que permanece até os dias
de hoje.
Essa foi a única revolta de escravos bem sucedida da História, e as
dificuldades que tiveram de superar colocam em evidência a
magnitude dos interesses envolvidos. A transformação dos escravos,
que mesmo às centenas, tremiam diante de um único homem branco,
em um povo capaz de organizar e derrotar as mais poderosas nações
europeias daqueles tempos é um dos grandes épicos da luta
revolucionária e uma verdadeira façanha.”
Com a morte do espártaco negro, Toussaint L’Ouverture, que fora
escravizado até os 45 anos e depois liderou a rebelião negra em São Domingos que
aboliu a escravidão, por erros estratégicos e táticos nas negociações com Napoleão,
em 1804 ocorre nova revolução negra, liderada por Jacques Dessalines, desta feita
expulsando os franceses e proclamando a independência haitiana.
Acerca dos lideres revolucionário, os jacobinos negros, C.L.R James
(2010, p. 12) afirma “... fiquei convencido de que nenhum comandante miliar, ou
estrategista, afora o próprio Napoleao, entre os anos de 1793 e 1815, superou
Toussaint L’Ouverture e Dessalines.
Contudo, não foram poucas as dificuldades para a afirmação da jovem
república negra se estabelecer enquanto tal. Como afirma Gorender (2010), o Haiti foi
submetido a uma quarentena odiosa pelo fato de ter cometido o “pecado original” de
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ter nascido de uma rebelião de escravos, quando o regime escravista ainda era
florescente nos Estados Unidos, no Brasil e em Cuba. Assim, com as crises internas
alentadas pela revolução e contrarrevolução, além das dificuldades de estabelecer a
nova sociedade, com as novas classes e uma burocracia que colocava para si
privilégios, com o assassinato de Dessalines o Haiti se dividiu. Ainda sofreu pesado
bloqueio econômico, tendo que pagar 150 milhões de francos em ouro à França pela
independência.
De certa forma, como devir histórico, a revolução negra haitiana vingou o
infortúnio africano, dos que foram levados à da miséria do trafico negreiro e da
escravidão. E isso a história branca dos escravocratas não podia suportar. O Haiti
paga até hoje pela ousadia. A represália econômica dos países onde ainda vigia a
escravidão, a pesada dívida externa imposta pela França, a devastação das florestas,
empobrecimento do solo pela monocultura levaram o país a uma situação ao
enfraquecimento e grandes dificuldades. As lutas internas e guerras civis geraram
situações de grande estabilidade, com motins e golpes de Estado. Após a revolução e
ainda no século XX o Haiti conviveu constantemente com golpes e assassinatos de
governantes.
No século XX os protagonistas mudaram, mas não a realidade de
pilhagem e miséria. Em plena ascensão imperialista, os EUA
passaram a considerar a América Central e o Caribe como o seu
“quintal” através da implementação da politica do “Big Stick” (grande
tacão), sintetizada numa frase do presidente Monroe: “A América para
os americanos” e concretizada através da invasão de vários países da
região.
O Haiti foi ocupado pelos EUA em 1915 e só deixou o país em 1934.
Depois, em 1957, os norte-americanos apoiaram a ditadura dos
Duvalier, varrida em 1986 por uma imensa rebelião popular.” (Almeida,
2011, p.27)
Com o território invadido e dominado pelos EUA, Haiti foi palco de uma
série de governos autoritários, cuja maior representação foi a era dos Duvalier. Jean
François Duvalier (o Papa Doc), seguido do Baby Doc durou de 1957 a 1986, período
de terror, principalmente pela ação dos totons macoutes (bichos papões), sua guarda
pessoal. O ditador Duvalier impõe o seu mandato vitalício na constituição de 1964, e
passa o poder para o seu herdeiro, Baby Doc, em 1971.
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Após a queda da ditadura Duvalier, as lutas por democratização se
seguiram e em 1990, elegem, Jean-Bertrand Aristide, com 67% dos votos, o ex-padre
defensor da Teologia da Libertação. Entretanto, Aristide foi deposto sete meses depois
por um golpe militar que resultou na morte de cinco mil pessoas. O imperialismo
estadunidense, através do presidente Bill Clinton propôs acordo para derrubar a
ditadura, com o retorno de Aristide à presidência, e invade o país novamente em 1994,
sob a condição da aplicação do neoliberalismo.
René Préval, eleito e apoiado por Aristide, foi o responsável por conduzir o
processo, realizando privatização de estatais, derrubando as barreiras alfandegárias e
elaborando um projeto com 18 zonas francas no país. Em 2006 anunciou a
privatização de portos, aeroportos, saúde e telefonia. Aí encontra-se as justificativas
para a ocupação militar de 2004 pelas tropas da Organização das nações Unidas
(ONU), aprovada pelo Conselho de Segurança.
Em meio à crise estrutural do capital e às sucessivas crises conjunturais,
em tempos cada vez mais curtos, a estratégia dos capitalistas através das novas
formas de gestão e organização do trabalho (reestruturação produtiva), do
neoliberalismo, é vital para o sistema a superexploração do trabalho, inclusive a
descentralização da produção e da exploração da força de trabalho em níveis de
semiescravidão. Nesse sentido é que se pode compreender a conjuntura atual do
Haiti. Almeida (2014, p.26) denuncia as consequências dessa política dos EUA para o
Haiti.
“Atualmente o domínio ianque da economia haitiana é quase absoluto:
89% das importações e 65% das exportações se realizaram com os
EUA que, aliado com uma pequena oligarquia mestiça (menos de 5%
da população) e branca (pouco menos de 1%) oprimem e exploram a
imensa maioria negra.
Nas ultimas décadas, à tradicional produção de café, rum e tabaco,
foram agregadas também indústrias de vestido e de brinquedos para
exportação, como maquiladoras nas chamadas “zonas livres” de Porto
Príncipe. Nelas as empresas multinacionais pagam salários de fome e
ganham fortunas. O que está em curso é a implementação de um
plano econômico no Haiti, que pagam salários de fome e ganham
fortunas. Para isso foi, foi aplicado um acordo de livre comercio por
meio por meio da lei HOPE (Haitian Opportunity for Economic
Enhancement), aprovada pelo congresso dos EUA. A lei abre todas as
barreiras para que os dois países possam realizar intercâmbios
comerciais livres sem pagar taxas alfandegárias, ou mesmo qualquer
taxa que o Estado possa cobrar sobre as mercadorias ou que trave
sua livre circulação.”
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Descortinando a cena, revela-se a perversidade da missão: diante da crise
estrutural do capitalismo, na qual há uma guerra encarniçada por mercados, as tropas
asseguram a segurança das empresas multinacionais que se instalam no país, para
garantir a superexploração da força de trabalho mais barata das Américas,
principalmente nas 18 zonas francas que estão sendo instaladas, que tem como
principais norte-americanas. Condições ideais para os capitalistas, péssimas
condições de trabalho e de salários. Salário mínimo menos de 110 dólares por mês,
jornada de trabalho de até 12h/dia, sem nenhum direito respeitado, como por exemplo,
pagamento de rescisões de contratos. Nesse sentido que em 2009 houve uma
importante luta pelo salário mínimo de 200 gourds. A pobreza é lucrativa para os
imperialistas. Por seu turno, Préval cumpre o papel de um governo títere dos EUA,
aceitando incondicionalmente os ditames neoliberais. Almeida (2014) analisa a
exploração do trabalho no Haiti com a implantação das multinacionais.
Essas multinacionais podem produzir no Haiti, pagando duas vezes menos aos trabalhadores que na China, a uma distância da costa dos EUA doze vezes menor. Podem pagar três vezes menos que aos trabalhadores brasileiros, a uma distância quase seis vezes menor da costa dos EUA. Nas fábricas existe uma organização do trabalho moderna, os módulos. Grupos de trabalhadores fazem, por exemplo, uma camisa, com cada um fazendo uma parte. Como ganham por tarefa, se impõe a disciplina do patrão pelos próprios trabalhadores, que cobram qualquer um que se atrase. As fábricas têxteis têm pequena exigência de capacitação tecnológica para a mão de obra, o que torna desnecessário investir em educação pública e formação técnica. As empresas não pagam um salário que corresponda ao valor necessário para reprodução normal da mão de obra. Os haitianos podem morrer jovens, como os escravos, porque são mão de obra barata e abundante, fácil de ser substituída. As empresas têm a sua disposição um exército industrial de reserva de 80% de desempregados. Se um trabalhador ficar doente, não ganha nada. Se morrer, pode ser substituído de imediato por outro haitiano faminto. As multinacionais não pagam nenhuma das conquistas dos séculos XIX e XX, como férias, décimo terceiro salário, aposentadoria. Não pagam praticamente nenhum imposto ao estado, que por sua vez não precisa assegurar saúde nem educação ao povo. “Os trabalhadores moram ao lado das empresas, podendo ir a pé para o trabalho. Se alguém morar longe, vai a pé assim mesmo. Os bairros não têm rede de esgotos ou água potável, menos ainda energia elétrica. A situação do proletariado haitiano pode ser comparada a dos antigos escravos. Na verdade, em termos econômicos tem aspectos ainda piores. Um estudioso haitiano fez uma comparação incrível: estudou os gastos que os fazendeiros tinham com os escravos no passado e os que os burgueses têm com os operários no Haiti hoje. Chegou à conclusão que os escravos custavam mais. Ainda que de forma brutal, a classe dominante do passado tinha que se fazer responsável da moradia, alimentação e saúde dos escravos, o que hoje não é cobrado das multinacionais no Haiti. A burguesia no Haiti não têm sequer os gastos mínimos dos donos de escravos do passado, em pleno século XXI.”
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Em meio a sucessivas crises intra-burguesas, mobilizações e pressões
populares contra as medidas neoliberais, o Haiti foi invadido por tropas de vários
países sob a bandeira da ONU e devido à situação internacional, das guerras no
Oriente Médio conduzidas pelo governo Bush, o comando da Missão das Nações
Unidas para a estabilização do Haiti (Minustah) coube ao Brasil.
Nesse aspecto, cabe de início um questionamento quanto ao papel que
cumpre o Brasil nesta ocupação militar. Em primeiro lugar, a subserviência do país aos
interesses e ditames estadunidense, aceitando colocar tropas militares num país
empobrecido. Em segundo lugar, o papel que um governo oriundo da tradição da
esquerda brasileira aceita cumprir esse papel sórdido, passando por cima da
soberania daquele país.
Utilizando-se das relações amistosas Brasil/Haiti, levando o futebol
brasileiro, através da seleção, amada pelos haitianos, escondem os reais objetivos,
nada nobres. No Brasil, a ideia divulgada é que está em missão de paz, solidariedade
e desenvolvem ações humanitárias.
Do total dos recursos destinados à missão militar, 85% é consumido pelos
militares e polícias. Há denúncias até de comandantes brasileiros da missão sobre a
opressão e repressão ao povo haitiano, a exemplo, as denúncias de massacres em
Cité Soleil, os assédios, prostituição e estupros às mulheres, inclusive menores. etc.
Em 2007, 108 soldados das tropas do Sri Lanka foram expulsos do país, o que deu
visibilidade à questão. Entretanto, nada garante as punições.
Esse processo histórico de dominação imperialista na formação do Haiti
conduziu o país a situação econômica, política e social dramática. Com 8,1 milhões de
habitantes, 80% vivem abaixo da linha da pobreza, 75% das moradias não possuem
saneamento básico (esgoto, coleta de lixo, água potável), 80% estão desempregados,
58% da população é subnutrida, 45% analfabetos, renda per capta 15% da média dos
países latino americanos. Correu o mundo as imagens das bolachas de terra
(manteiga, açúcar, água e terra), demonstrando a situação da fome que vivem. O país
ocupa o 161º no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), num total de
186 países (dados de 2015).
Não obstante essa situação, em 2010 o Haiti foi atingido por um terremoto
de magnitude 7 na escala Richter que matou 300 mil pessoas, 400 mil feridos e 1
milhão de desabrigados, deixando o país devastado.
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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após 10 anos de ocupação militar e 5 anos após o terremoto no Haiti que
aprofundou ainda mais a miséria no país, no momento em que debate-se a renovação
da permanência da Minustah no país, é necessário que os brasileiros, entidades,
movimentos, reflitam e opinem sobre as tropas brasileiras no Haiti. A miséria ali
estabelecida construída pelo sistema do capital, que se internaliza, mas não aceita a
internacionalização do trabalho. Atualmente, haitianos fogem da miséria e buscam se
refugiar em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, assim como africanos, e são
permanentemente humilhados e superexplorados.
A estratégia do imperialismo é controlar as fontes de riquezas em todas as
partes do planeta. Conforme Welmovick (2003, p. 9)
“... há “uma ofensiva recolonizadora nos moldes dos velhos impérios”
cuja expressão se verifica na expansão das áreas de livre comércio,
que significam a abertura de mercados e a queda em uma série de
países com invasão comercial e industrial das transnacionais; a outra,
ofensiva exploradora sobre os trabalhadores, com a imposição de
ritmos exaustivos de trabalho e uma extração de mais-valia ainda mais
brutal; ataque à legislação trabalhista e conquistas sociais, conduzindo
ao aniquilamento de fontes de trabalho e a uma elevação espantosa
do desemprego. Por fim, a destruição da natureza em função da
necessidade do lucro capitalista. “Esta é a expressão mais visível
desse longo processo de espoliação que deixa a maioria do restante
da população sujeita a graves níveis de pobreza, chegando ao estado
de indigência em muitas regiões do planeta”.
Cumpre que também os explorados e oprimidos busquem unificar pautas e
lutas que coloquem as possibilidades de destruição das desigualdades, da fome, da
miséria, do racismo mundial e a construção de uma sociabilidade emancipada, como
reivindica o povo haitiano: um Haiti Livre e Soberano que possa reconstruir sua
história de Liberdade!
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Eduardo. Haiti Ocupado! Fora as tropas militares da ONU! In: Revista
Raça e Classe. Nº 2. São Paulo, 2011.
CONLUTAS. Haiti. Seu povo, sua história, sua luta. Cartilha de solidariedade ao
povo Haitiano. Coordenação Nacional de Lutas. São Paulo, 2007
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DURANS, Cláudia A. Limites do Sindicalismo e Reorganização da Luta Social no
Brasil: uma análise a partir das experiências de metalúrgicos e ferroviários no Brasil.
EDUFMA, São Luís, 2009.
__________. Questão Social e Relações Étnico-raciais no Brasil. In: Revista de
Políticas Públicas. Número Especial. São Luís: 2014
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. 29ª Ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1989.
GORENDER, Jacob. Orelha do livro In: JAMES, C.J.R. Os Jacobinos Negros.
Toussaint L’Ouverture e a Revolução de São Domingos. Tradução Afonso Teixeira
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A UNIÃO SOCIAL DOS IMIGRANTES HAITIANOS – U.S.I.-H E A LUTA DOS
IMIGRANTES HAITIANOS NO BRASIL
Fedo Bacourt 1
Hertz da Conceição Dias2
Resumo
O presente texto representa uma declaração da União Social dos Imigrantes Haitianos U.S.I.-H a respeito da condição de vida e trabalho dos imigrantes haitianos no Brasil. É um grito de um povo exilado pela situação de pauperismo a que foi colocado historicamente, pela invasão das tropas da ONU ao país e mais recentemente pelo terremoto que destruiu a capital, Porto Príncipe, matou 250 mil pessoas e deixou hum milhão de desalojados. Chefiando a Minustah, o governo e o exército brasileiro tem responsabilidade com este povo em seu território. Esperamos contribuir através da VII JOINPP com a luta destes imigrantes. Palavras-chaves: Haiti, Imigrantes, ONU, lutas, Brasil
Abstract
This text represents a statement of the Social Union of Haitian immigrants USI -H about the condition of life and work of Haitian migrants in Brazil. It is a cry of a people exiled by pauperism situation that was placed historically , the invasion of UN troops to the country and more recently by the earthquake that destroyed the capital , Port au Prince, killed 250,000 people and left one million homeless. Leading the Minustah , the government and the Brazilian army has responsibility to these people in their territory. We hope to contribute in the fight JOINPP VII of these immigrants
Keywords: Haiti, Immigrants, UN struggles, Brazil
1 U.S.I.-H
2 Mestre. CSP-Conlutas. E-mail: [email protected]
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INTRODUÇÃO
Milhares de haitianos imigraram para o Brasil nos últimos anos,
principalmente após 2010, quando o Haiti foi atingido por um forte terremoto que
destruiu quase totalmente a capital do país e também outras cidades, deixando mais
de 250 mil mortos e 1 milhão de desabrigados. Em busca de melhores condições de
vida e estimulados pelo governo brasileiro, estes trabalhadores vieram para o Brasil e
hoje encontram uma série de dificuldades para sobreviver de maneira digna.
Atualmente o Ministério da Justiça fala em 46 mil haitianos no Brasil.
Os problemas começam para entrar no país e conseguir sua
documentação legal. As cidades por onde a maior parte dos haitianos entra no Brasil
(principalmente no Estado do Acre) já há anos não têm condições de recebê-los, o que
faz com que muitos tenham de dormir nas ruas e se sujeitar a péssimas condições de
vida.
Os problemas se acentuam com sua permanência no país. A
discriminação está presente em todos os ambientes que frequentam – trabalho,
escolas, postos de saúde e um longo etc. Esta discriminação é reforçada
institucionalmente pela dificuldade que encontram em legalizar seus documentos ou
ter acesso a serviços ou bens que os cidadãos brasileiros legalmente podem ter
acesso.
Diante desta realidade se formou, com apoio da CSP-Conlutas, a USIH –
União Social dos Imigrantes Haitianos, que tem como principal objetivo lutar pelos
direitos dos(as) haitianos(as) que vivem no Brasil.
Haiti e a ocupação tropas da ONU do Haiti “ Minustah” liderado pelas tropas
brasileiras.
Desde 2004 a ONU leva à frente uma ocupação militar no Haiti, nomeada
de Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (Minustah na sigla em
francês). A Minustah é liderada pelo governo e os militares brasileiros.
De 2004 até hoje são inúmeras as denúncias em torno dos militares dos
inúmeros países que fazem parte da Minustah. Denúncias que vão de assassinatos,
invasão de bairros populares, repressão a greves operárias, estupros, contaminação
do país pela cólera e um longo etc.
O governo brasileiro desde 2004 cumpre um vergonhoso papel à frente
dessa Missão, papel este que é desconhecido pela grande maioria dos brasileiros. No
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Brasil, a Minustah é apresentada como uma Missão de Paz, e não uma Missão de
controle e repressão.
Queremos ter a oportunidade de levar ao conhecimento de todos os
brasileiros a real realidade da ocupação militar no Haiti, dos crimes de lesa
humanidade como definido no Tribunal Penal Internacional, em seu art. 7º ataque
generalizado e sistemático, contra população civil, destacando-se: homicídio,
transferência forçada de uma população, violação das normas fundamentais de direito
internacional, violação sexual com estupros de menores inclusive como conseqüência
a gravidez forçada, perseguição de um grupo ou coletividade por motivos políticos.
Imigração dos haitianos no Brasil
Desde 2010, quando o Haiti foi atingido por um forte terremoto, incentivado
pelo governo brasileiro faz a divulgação através de panfletos que são lançados pelas
tropas brasileiras no Haiti com a divulgação que o Brasil é o país do futuro em pleno
desenvolvimento econômico, um país amigo, o país do futebol e várias outras
propagandas. Os haitianos que só viram a situação no Haiti piorar, não houve até o
momento nenhuma reconstrução do terremoto, em busca de melhores condições de
vida e devido a propaganda efetuada pelo governo brasileiro, os haitianos tem migrado
para o Brasil.
Os primeiros a chegar vieram com o pedido de visto, mas nos últimos dois
anos os haitianos estão sendo vitimas de coiotes e conta com a conivência do
consulado brasileiro e certamente deve ser de conhecimento também do governo
brasileiro.
Estes coiotes iludem os haitianos, que de boa fé são incentivados a pagar
por vistos que seriam emitidos pelo consulado brasileiro, mas é uma fraude.
Os haitianos são roubados, são saqueados e deixados na mata na
fronteira com o Brasil, chegam sem nada, o pouco que tinham tudo lhes é tomado.
Realidade dos imigrantes haitianos no Brasil, um pedido de socorro.
Falta de abrigo
A falta de abrigo para os imigrantes haitianos é hoje um grave problema,
recentemente são surpreendidos com o envio pelo governo do Acre de centenas de
imigrantes para São Paulo, sem nenhuma estrutura para receber um número tão
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grande de pessoas, a U.S.I.-H tem tentado, desde o início do ano, o contato e o
diálogo com o governo do Estado de São Paulo, a Prefeitura e o Ministério da Justiça,
e não ouvida. Tendo conseguido falar com o Secretario de Direitos Humanos da
Prefeitura de Paulo Eduardo Suplicy, que apenas disse que está acompanhando o
caso e que está com a agenda cheia, e por isto não poderia receber a associação.
Até o momento, as autoridades estão se esquivando de ouvir a U.S.I.-H.
São imigrantes e já passaram pela Missão Paz, já foram vítimas dos coiotes, muitos
estão há 2 anos esperando a concessão do visto. Sabemos dos problemas para
conseguir um emprego, das dificuldades de alugar um imóvel, falta de atendimento
médico e muitas outras dificuldades.
Mas os governos preferem não dar voz e ouvido aos imigrantes. Muito tem
sido divulgado sobre recursos que estão sendo destinados para atender os imigrantes.
No final de 2014, o Ministério da Justiça divulgou que liberou um montante de R$
1.608.134,58, fruto de convênio com o governo do Estado do Acre. O objetivo era
pagar o fretamento de ônibus para o transporte dos haitianos às cidades no Centro-Sul
do país.
O secretário de Justiça e Direitos Humanos, Nilson Mourão, disse que o
recurso total foi de R$ 2,3 milhões. No entanto, segundo o secretário, já existia um
débito de R$ 1,7 milhão gasto com transporte, e R$ 160 mil foram antecipados com
recursos próprios. Já o secretário de Estado de Desenvolvimento Social do Acre,
Antônio Torres, disse que este convênio firmado com o Ministério do Desenvolvimento
Social seria em torno de R$ 3 milhões, e seria utilizado para a manutenção do abrigo
em Rio Branco e também para a compra de equipamentos e contratação de pessoal.
Passado mais de cinco anos do terremoto que devastou o Haiti e de
acordo com a Coordenação de Políticas para Migrantes, da Secretaria de Direitos
Humanos do município de São Paulo até o inicio deste ano, aproximadamente 8 mil
imigrantes haitianos estiveram nos centros de acolhida, em São Paulo, no ano
passado, incluindo os abrigos da prefeitura e da Missão Paz. Nossa estimativa é que
passaram pela cidade de São Paulo, em 2014, pelo menos 10 mil imigrantes haitianos
e este ano a cada dia o número só aumenta.
Na estimativa da U.S.I.- H, mais de 40 mil haitianos vivem hoje no Brasil.
Segundo publicação no site do Ministério da Justiça, são 47 mil imigrantes do Haiti,
mais não há como se ter uma número exato, muitos chegam pela fronteira e através
da ação criminosa de coiotes, são saqueados, todos seus pertences são roubados.
Esses haitianos têm que atravessar a mata até chegar ao Acre.
O governo do Acre nos últimos dias enviou ônibus com imigrantes
haitianos para São Paulo as pessoas foram despejadas na estação Barra Funda do
Metrô a U.S.I.-H sem nenhum recurso fez a triagem, vendo quem tem algum parente
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ou amigo que pudesse abrigar, encaminhou quem tinha promessa de emprego para o
Paraná e Santa Catarina.
Queremos urgente uma reunião com o Ministro da Justiça e os governos
do Acre e São Paulo, reivindicamos a cessão de uso prédio para a U.S.I.-H que
possa ser transformado em um abrigo e centro de acolhida dos imigrantes
haitianos.
A prefeitura de São Paulo divulgou que vai abrir dois abrigos na cidade,
segundo divulgado pela imprensa a prefeitura articula com a Congregação das Irmãs
Missionárias de São Carlos Borromeo Scalabrinianas, uma estrutura herdada do
antigo Colégio Santa Terezinha.
Estes abrigos teriam capacidade para 110 pessoas, somado com o
número de pessoas que já se encontram no abrigo da Missão Paz no Glicério, a
situação vai continuar a mesma.
O governo divulgou que no próximo mês vai enviar cerca de mil haitianos
para São Paulo, não existe abrigo para atender estas pessoas.
O mais revoltante é que há por parte da U.S.I-H tentativa de estabelecer o
diálogo com a prefeitura e esta foi surpreendida pela imprensa, que a prefeitura fala,
recebe todo mundo, igreja, representantes de toda a espécie, mas se recusa a ouvir
os haitianos.
Queremos expor amplamente as reivindicações dos imigrantes haitianos.
1. Direito de organização
Grande parte dos problemas até aqui relatados se deve ao não
reconhecimento do direito de organização dos imigrantes haitianos por parte dos
governos: Prefeitura, governos Estaduais e o Governo Federal.
Os imigrantes precisam ser acolhidos por quem fala sua língua, por quem
sabe os problemas que sofrem os imigrantes e por quem pode falar por eles.
O diálogo com a U.S.I-H é parte da solução dos problemas.
2. Emprego
Como dissemos, os haitianos migraram para o Brasil em busca de uma
vida melhor e estão passando por todo tipo de discriminação, o racismo é o primeiro,
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mas não é o único, o emprego meio de subsistência tem sido uma das maiores
dificuldades.
As empresas brasileiras não estão cumprindo a legislação trabalhista,
muitos são recrutados por empresas que não registram os trabalhadores haitianos,
pagam salários diferenciados entre brasileiros e imigrantes haitianos na mesma
função, não pagam os salários corretamente e em alguns casos não pagam os
salários.
A terceirização é para os imigrantes uma mazela social, a maioria dos
empregos está no setor terceirizado, com a mudança na legislação brasileira os
imigrantes haitianos estão sendo os maiores atingidos, além de terem passado parte
do período de emprego sem ter os direitos trabalhistas garantidos, também agora
sofrem por não tem direito ao seguro desemprego.
É muito importante ter um centro de referência dos imigrantes haitianos
para que se possam levar ao conhecimento do Ministério do Trabalho e das demais
autoridades, todas as irregularidades que estão sendo perpetradas por empresas
brasileiras. A União Social dos Imigrantes Haitianos é a única que pode ser este porta
voz.
A crise econômica que passa o Brasil não será revertida com o avanço da
terceirização, direito ao trabalho é o direito a vida, negar o trabalho ao homem é negar
o direito de sobrevivência.
3. Regularização Documentação
A maioria dos imigrantes haitianos está vivendo quase na ilegalidade, isto
porque não há uma política de imigração no Brasil, a maioria dos imigrantes está há
mais de dois anos esperando pelo visto, apenas tem um protocolo, e este protocolo se
tornou um entrave para conseguir emprego e moradia.
Um papel sulfite com um carimbo a álcool, isto é o protocolo, muitas
empresas não reconhecem como um documento oficial, mesmo que se tenha em mão
a Carteira de Trabalho e CPF, as empresas exigem o Registro Nacional de
Estrangeiro – RNE.
Como também exigem as imobiliárias e proprietários de imóveis, muitos
imigrantes não conseguem sair do abrigo, mesmo quando conseguem emprego,
porque não conseguem alugar um imóvel.
Sabemos que a maioria dos vistos foram para refúgio, o Conare – Comitê
Nacional para os Refugiados, não tem suporte para avaliação dos pedidos de visto.
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Aqui também reside outro problema, os pedidos teoricamente deveriam ter
sido solicitados como visto humanitário, mas foram de refúgio, tendo em vista que o
Haiti vive uma ocupação militar, e por mais que o governo brasileiro diga que cumpre
uma missão de paz, são os soldados que arrombam as portas das casas, espancam e
estupram, o Haiti é um território que não pertence aos haitianos, mas é uma zona
militar e o povo vê uma guerra, vive em campos de concentração a mais de cinco anos
nas mesmas tendas de lona após o terremoto em meio aos escombros e ainda são
vitimas de das atrocidades dos soldados da Minustah.
4. Educação e Reconhecimento dos Diplomas
Uma grande parte dos imigrantes haitianos tem formação superior, são
professores, engenheiros, advogados, mas aqui têm trabalhado na construção civil
como pedreiros, ajudantes, etc.
O reconhecimento dos diplomas é uma ação importante para dar melhor
condições de vida aos imigrantes, sendo que o reconhecimento do diploma esbarra
desde a burocracia até a questão financeira, os imigrantes haitianos não tem
condições de pagar as taxas cobradas para o reconhecimento dos diplomas.
É possível o governo brasileiro estabelecer junto às universidades públicas
mecanismos que atendam a questão específica dos imigrantes haitianos, por se tratar
de uma questão de ordem social de interesse inclusive do Brasil.
Também os imigrantes estão sendo obrigados a se qualificar e os cursos
de entidades como o Senai que tem isenção de verba pública cobra os cursos.
É muito importante poder contar com a interlocução de instituições
educacionais, entidades sindicais e movimentos sociais brasileiros para luta pelo apoio
na luta pelo estabelecimento de políticas públicas de imigração que possam amenizar
o sofrimento e dar condições dignas de vida.
O racismo também tem sua vertente na educação brasileira, não há nas
universidades a destinação de cotas para imigrantes, no caso dos imigrantes haitianos
recai o racismo e a dificuldade maior da língua, para um jovem haitiano o muro da
universidade é mais alto.
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O HAITI E O SIGNIFICADO HISTÓRICO PARA A LUTA DA POPULAÇÃO NEGRA
NO BRASIL
Rosenverck Estrela Santos 1
RESUMO
Este texto faz uma reflexão acerca da história do Haiti e o seu
significado político para a luta da população negra no Brasil. Faremos
inicialmente uma incursão sintética pela história haitiana desde o
domínio colonial espanhol passando pelo controle francês chegando
até a ocupação militar da Organização das Nações Unidas e
encabeçada pelo Brasil. Em seguida, discutiremos como raça e classe
se configuram na história do Brasil e qual o significado político da
revolução Haitiana e da ocupação militar do Haiti para a luta da
população negra em território brasileiro.
Palavras-chave: Haiti. Raça e classe. População negra no Brasil.
ABSTRACT
This paper reflects about the history of Haiti and its political
significance for the struggle of the black population in Brazil. We
will initially make a synthetic incursion through the Haitian story, since
the Spanish colonial domination, going through the French control
over that country, reaching up the military occupation made by of the
United Nations Organization and headed by Brazil. Then, we will
discuss how race and class are configured in Brazil's history and what
is the political significance of the Haitian revolution and the military
occupation of Haiti to the struggle of the black population in the
Brazilian territory.
Keywords: Haiti. Race and class. black population in Brazil.
1 Mestre. Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
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1 INTRODUÇÃO
A relação entre raça e classe na História do Brasil tem sido tratada, em
especial pelo movimento negro, sem a devida centralidade que merece. Tem-se
priorizado, grosso modo, a questão racial como determinante das desigualdades
sociais brasileiras negligenciando a influência da condição de classe da maior parte da
população brasileira. O inverso também é verdadeiro, para sindicatos, partidos
políticos de esquerda e alguns intelectuais têm valorizado a desigualdade de classe e
diminuído a importância do racismo e da discriminação racial como fatores essenciais
na hierarquização histórica da população brasileira.
A relação entre raça e classe na história do Brasil e para o entendimento
da condição desigual da população brasileira são fundamentais, pois não a
percebemos como uma relação de antagonismo, mas, pelo contrário, como
complementares e mutuamente determinantes na gênese da exploração e opressão
dos trabalhadores/as brasileiros/as.
O racismo como condição fundante da exploração capitalista, é a ideologia
construída para sedimentar a dominação europeia sobre outros povos e continentes.
O racismo constrói-se com o tráfico de escravos e se sedimenta com a Revolução
industrial, não por acaso, dois dos fenômenos históricos fundantes do sistema
capitalista. Marx (2013) não tinha dúvida disso ao vincular o processo de acumulação
primitiva de capital à carnificina da escravização e do colonialismo. A história do
América portuguesa, do Caribe e, por consequência do Haiti tem muito a dizer sobre
esse processo de acumulação primitiva de capital. Como afirmou Williams (2012,
p.34):
A escravidão do Caribe tem sido identificada com o negro de uma forma demasiado estreita. Com isso deu-se uma feição racial ao que é basicamente um fenômeno econômico. A escravidão não nasceu do racismo: pelo contrário, o racismo foi consequência da escravidão. O trabalho forçado no Novo Mundo foi vermelho, branco, preto, amarelo; católico, protestante e pagão.
De qualquer forma, a vinculação entre raça e classe, racismo e capitalismo
é bem mais estreita do que uma simples identificação distorcida. A população negra foi
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retirada aos milhões do continente africano, transformada em escrava e como
trabalhadores compulsórios contribuíram decisivamente para a construção da América
e do capitalismo.
A história do Haiti é um desses exemplos de território onde raça e classe
se combinaram para transformar aquela nação em uma das colônias mais lucrativas
do capitalismo nascente europeu, com um racismo e uma violência escravista só
comparadas à brasileira. Mas também, foi uma das nações que primeiro demonstrou,
por meio da luta da população negra, os horrores da escravidão e, a possibilidade, por
meio da luta e da resistência, de construir uma República livre e autônoma. Essa é
uma parte da história do Haiti que tem muito haver com a história brasileira e que
ainda hoje influencia a resistência dos movimentos negros organizados.
2 EXPLORAÇÃO E RESISTÊNCIA NO HAITI: uma síntese histórica
Épica ou trágica como reflete Gorender (2004), símbolo do racismo da
civilização ocidental como afirma Galeano (2010) ou insígnia de resistência da
população negra como sustenta o movimento negro brasileiro, a história do Haiti é
emblemática do processo histórico de conquista, exploração e escravização dos povos
dos países latino-americanos por parte das potências econômicas mundiais, bem
como da luta contra essas ações de dominação. Por isso, a história do Haiti é tão
representativa para a história do Brasil e suas conexões são mais íntimas do que a
maior parte da população brasileira a concebe.
Além disso, como informa Grondin (1985) o Haiti é um país negro e
africano por excelência, o país do vodu, do tambor, do créole, mas essencialmente o
país da primeira revolução nas colônias do Sul e a primeira república negra do mundo.
Tratando-se de uma das primeiras regiões conquistada e colonizada na
era moderna, pelos europeus, o Haiti – integrante das ilhas caribenhas – desde cedo
experimentou o genocídio e o etnocídio das populações autóctones e, também, após o
extermínio destas, a escravização dos africanos. Como afirma Gruzinski (1999, p. 19),
em relação às Antilhas:
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[...] é conhecida a série de desgraças que enfraquecem e depois dizimam os autóctones: epidemias e subalimentação, massacres e maus-tratos, exploração desenfreada dos sobreviventes, destruição do meio ambiente e dos modos de vida tradicionais, deportações maciças. A passagem de um século a outro será nas ilhas um inferno que jogará no nada civilizações e gerações indígenas. Arauaques, tainos, caraíbas, sociedades inteiras pagaram por aventura atroz.
A busca pelo lucro, por rotas comerciais vantajosas na África e na Ásia, a
cristianização de povos não-europeus marcou decisivamente a conquista da América.
Motivos econômicos e religiosos se misturavam com muita desenvoltura e sem
estranhamento. “O desejo do lucro, a cobiça, foi sem dúvida um dos motores da
expansão: o dinheiro é o nervo das empresas, constatou, já no século XVI, o texto
português Jornada del rei D. Sebastião às partes da África” (AMADO; FIGUEIREDO,
1999, p.14). Gruzinski (1999) diz que esse período marca o nascimento da
Globalização.
Marx não tergiversa sobre a função da conquista da América e do tráfico
de escravizados e afirma o seguinte:
A descoberta das terras auríferas e argentíferas na América, o extermínio, a escravização e o soterramento da população nativa nas minas, o começo da conquista e saqueio das Índias Orientais, a transformação da África numa reserva para a caça comercial de peles-negras que caracterizam a aurora da era da produção capitalista. Esses processos idílicos constituem momentos fundamentais da acumulação primitiva.
[...] na Inglaterra, no fim do século XVII, esses momentos foram combinados de modo sistêmico, dando origem ao sistema colonial, ao sistema da dívida pública, ao moderno sistema tributário e ao sistema protecionista. Tais métodos, como por exemplo, o sistema colonial, baseiam-se, em parte, na violência mais brutal. (MARX, 2013, p. 820).
No Capital Marx deixa claro que o tratamento dispensado aos povos
americanos e africanos após a conquista dos europeus:
[...] era, naturalmente, o mais terrível nas plantações destinadas exclusivamente à exportação, como nas Índias Ocidentais e nos países ricos e densamente povoados, entregues à matança e ao saqueio, como o México e as Índias Orientais (MARX, 2013, p. 823)
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E continua ironizando a ética cristã e puritana que discursava sobre o amor
a Deus ao mesmo tempo em que, na sua contribuição ao processo de dominação
colonial, matava índios – homens, mulheres e crianças, indiscriminadamente.
Mais a frente diz:
Com o desenvolvimento da produção capitalista durante o período manufatureiro, a opinião pública europeia perdeu o que ainda lhe restava de pudor e consciência. As nações se jactavam cinicamente de toda a infâmia que constituísse um meio para a acumulação de capital. [...] (MARX, 2013, p. 824).
Não resta dúvida que após a chegada de Cristovão Colombo na ilha
denominada por ele de Hispaniola (Ilha de São Domingo, composta pelo Haiti e pela
República Dominicana) no que hoje conhecemos como Caribe, em 1492, uma nova
etapa na história mundial se iniciava. A partir daí uma série de contatos e confrontos
envolveram povos de praticamente todas as regiões do mundo: europeus, indígenas
americanos, africanos, asiáticos todos em suas especificidades participaram desse
teatro composto de tragédias, comédias e lutas épicas em torno da conquista,
exploração, mas, por outro lado, da resistência em busca de liberdade e emancipação
política e humana. Nesse teatro o Haiti sempre ocupou um papel de destaque e
continua ocupando até os nossos dias. Que papel é esse? Vamos a ele.
A partir de 1492 inicia-se o processo de ocupação e exploração das terras
da ilha de Hispaniola e em pouco tempo a população da ilha já se encontra
praticamente exterminada. No que se refere às ilhas caribenhas de uma população de
aproximadamente um milhão de habitantes foi reduzida a pouco mais de cinco mil,
redução essa ocasionada pela implantação dos engenhos de açúcar, da escravização
indígena e africana e dos processos de povoamento da América por parte dos
europeus. A escravidão haitiana foi uma das mais violentas do mundo. Nada distante
da história do Brasil (GRUZINSKI, 1999; GORENDER, 2004; GRONDIN, 1984).
Em 1697 a parte ocidental da Ilha – o Haiti – que era controlada pela
Espanha por meio do processo de conquista foi passada para o domínio francês,
tornando-se, no século XVIII e inicio do XIX, a colônia francesa mais próspera
economicamente, produzindo e exportando açúcar, anil, café, cacau, algodão, entre
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outros produtos; com uma população escravizada de mais de quinhentos mil
escravizados, a maioria africanos. O controle do Haiti, nesse período, era realizado por
apenas alguns milhares de proprietários brancos e seus capatazes.
No entanto, enquanto eclodia a Revolução Francesa de 1789 na Europa,
no Haiti os escravizados iniciavam um grande movimento em busca de sua liberdade e
da fundação de um país livre e independente. Sob a liderança de Toussaint
L’Ouverture, a partir de 1791, os escravizados abandonam as plantations e matam os
seus proprietários iniciando o processo de independência da França.
Em 1803-1804, derrotando as tropas de Napoleão Bonaparte, os haitianos
formaram a primeira nação livre das Américas, pois apesar de os EUA terem
conquistado sua independência antes, ainda conviviam com a escravidão em boa
parte do seu território. Para os europeus a Revolução Haitiana representou uma
humilhação imperdoável. Os ex-escravizados da colônia francesa demonstraram na
prática o que era apenas o discurso de liberdade, igualdade e fraternidade da
burguesia da França.
Enquanto, em Paris, a guilhotina decepava as cabeças do jacobinos, em São Domingos Dessalines e seus companheiros continuavam a defender, de armas na mão, o ideal jacobino da liberdade e igualdade de todos os homens. Eles, os jacobinos negros, permaneciam fiéis ao espírito revolucionário da Convenção de 1789. A 29 de novembro de 1803, os revolucionários negros divulgaram uma declaração preliminar de Independência. A 31 de dezembro, foi lida a Declaração de Independência definitiva. O novo Estado recebeu, no batismo, a denominação indígena de Haiti (GORENDER, 2004, p. 300).
Não obstante, após 1789, os revolucionários franceses terem decretado o
fim da escravidão em seus territórios, não teve validade para a sua colônia nas
Antilhas. No decorrer do conflito contra a França a terra foi arrasada e um terço da
população aniquilada. Após a guerra, não por acaso empreendeu-se um bloqueio
sanguinário ao mais recente país autônomo e livre da América que não foi poupado
nem por Simón Bolívar. Destruído pela guerra, com a população drasticamente
reduzida, a economia absolutamente desestruturada, a primeira República negra da
América teve muitas dificuldades em manter a estabilidade política e, dessa forma, foi
palco de uma série de ocupações e golpes militares que contribuíram para fazer do
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Haiti um dos países mais pobres do mundo. (GALEANO, 2010, 1989; GORENDER,
2004).
Várias potências europeias e os Estados Unidos da América – EUA
passaram a disputar o controle da ex-colônia francesa e que enquanto país
independente não conseguia se livra da dependência econômica e dos conflitos
internos pelo poder. Dessa forma, de 1915 até 1934 os EUA ocuparam e governaram
o Haiti com o intuito de fazer valer o controle das plantations e do canal do Panamá
nas mãos do grande capital. Um alto funcionário do governo americano não êxitou em
justificar essa dominação por meio do discurso racista segundo o qual a população
negra não estaria preparada para se autogovernar, pois prevaleceria a incapacidade
para a civilização (GALEANO, 2010).
Como território sob o domínio e influência norte-americana o Haiti foi palco
de uma série de governos autoritários que teve em Jean François Duvalier (o Papa
Doc) o seu mais célebre representante.
Para se manter no poder, Duvalier submeteu o país à hegemonia norte-americana no Caribe: fez do Haiti um satélite incondicional do país do Norte, chegando inclusive a vender-lhe seu voto – decisivo – na reunião da Organização dos Estados Americanos (1961) que excluiria Cuba da OEA, [...]. E com o apoio do governo americano, instalou no país um regime de terror (GRONDIN, 1985, p. 48)
De 1986 quando a família Duvalier é retirada do poder até os dias atuais
uma série de golpes militares e ocupações imperialistas têm marcado a recente
História do Haiti. Só para se ter uma ideia, ao longo da década de 1980 havia neste
país mais de oitenta organismos internacionais públicos e privados caracterizando
bem a intervenção estrangeira na República caribenha (GRONDIN, 1985). Atualmente
a intervenção militar brasileira é apenas mais uma das muitas que o Haiti teve ao
longo de sua história.
3 Raça e classe na História do Brasil e o significado histórico do Haiti – à guisa de
conclusão
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A formação e persistência do racismo no Brasil teve como base o trabalho
escravo, o latifúndio e a monocultura para exportação cujo objetivo precípuo era a
exploração dos trabalhadores africanos e seus descendentes, bem como a exploração
dos recursos naturais e obtenção máxima de lucros. Mas o racismo não se conteve
nos marcos históricos do período escravocrata, pelo contrário, permaneceu nos
séculos posteriores com nova roupagem e legitimações. Portanto, raça e classe na
história brasileira estão devidamente articuladas para garantir a exploração e opressão
dos/as trabalhadores/as, em especial da população negra.
De 1500 a 1822 quando prevaleceu a condição de colônia essa relação
era direta e sem subterfúgios. A população negra era utilizada como mão de obra
compulsória e a ideologia racista utilizada com quase sem nenhum pudor.
Gorender (2000), por exemplo, deixa claro que todo o processo de
“independência” e formação da Monarquia do Brasil, bem como a manutenção do
latifúndio escravista, não permitindo a formação de várias Repúblicas como no resto
da América Latina só foi possível, em virtude do projeto da elite senhorial brasileira de
se manter a escravidão e conter as rebeliões negra e popular que aconteciam com a
Balaiada, Sabinada, Cabanagem e tantas outras.
A lei de terras de 1850, instituída no mesmo ano em que ocorre a proibição
do tráfico de escravizados também é emblemática nessa relação entre raça e classe.
Para manter o latifúndio e dinamizar o caráter capitalista da propriedade foi preciso
conter o acesso à terra da grande maioria da população composta de negros e negras
recém saídos da escravização por inúmeras formas.
O Brasil, além disso, após a abolição e a constituição da República com a
dita elevação dos brasileiros à categoria de cidadãos, deveria ser repensado e
reorganizado a fim de inseri-lo no quadro do capitalismo internacional. Segundo o
discurso das elites, um país desenvolvido não poderia ser marcado por uma
população negra e mestiça, ou com conflitos raciais que o desestabilizasse.
A ideologia do branqueamento e o mito da democracia racial foram
devidamente articulados à questão de classe para manter a dominação da população
negra e dinamizar a estrutura capitalista da sociedade brasileira.
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Numa sociedade competitiva, a divisão racial do trabalho durante a
escravidão seria substituída pela “competição democrática” da sociedade capitalista.
Tal pensamento escamoteava a construção histórica do país e virava as costas à
condição da população negra durante essa formação. Essa “competição democrática”
consubstanciada no mito da democracia racial “desarticula a consciência do negro
brasileiro” (MOURA, 1983, p.127), pois o mesmo se via como incapaz frente ao
sucesso profissional do(a) branco(a).
Não obstante as evidentes diferenças sociais e econômicas entre os três
grupos étnico-raciais formadores deste país foram construídos mecanismos
ideológicos de subordinação e consenso. A democracia racial conferiria à sociedade
brasileira um padrão de solidariedade entre os grupos étnico-raciais que anularia
qualquer forma de racismo e discriminação presentes em outros territórios.
No entanto, esta população negra sob vários aspectos reagiram aos
mecanismos de dominação e exploração desde o período colonial com a formação
dos quilombos, as fugas e diversas outras formas de resistência até o período pós-
independência com a formação da imprensa negra, das irmandades religiosas,
terreiros, grupos culturais e movimentos negros organizados.
A revolução negra no Haiti foi muito marcante nessa história. A partir do
século XVIII, essa referência passou a influenciar as classes sociais no Brasil. De um
lado tínhamos os senhores escravocratas temendo uma revolução igual no Brasil, de
outro tínhamos os abolicionistas e a população negra em luta por sua liberdade.
Influencia, evidentemente, os movimentos negros da atualidade que exemplificam o
Haiti como referência de luta e resistência da população negra.
Marquese (2004) demonstra que a revolução haitiana, dentre outras
razões, abriu os olhos da elite escravocrata brasileira que passaram a se debruçar
com mais cuidado sobre a gerência dos trabalhadores escravizados, bem como sobre
as possibilidades de emancipação dos mesmos.
No entanto, não resta dúvida, que se a história do Haiti é marcada por uma instabilidade política e econômica, a resistência e o exemplo de luta dos escravizados é o que de mais emblemático representou para a história brasileira. Azevedo (1994), por exemplo, destaca o papel fundamental da Revolução Haitiana no processo de luta
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dos escravizados brasileiros e da abolição no Brasil em 1989. Segundo Azevedo (1994, p.07):
A revolução haitiana, [...], estava a demonstrar a possibilidade de um novo tipo de ação por parte dos africanos e seus descendentes nas Américas: não mais uma retirada para as florestas, em locais não ocupados pelos colonizadores brancos, mas uma tomada dos próprios espaços habitados por estes, o que significava expropriá-los de suas riquezas e de seu aparato de poder.
Como observamos, a revolução haitiana e o Haiti representaram um
símbolo de resistência e objetivos políticos para os escravizados brasileiros, como
ainda hoje representa um exemplo de luta e busca por perspectivas políticas
emancipadoras não apenas para a população negra, mas para o conjunto da
humanidade e da classe trabalhadora. Como cantaram Caetano Veloso e Gilberto Gil
o Haiti é aqui!
REFERÊNCIAS
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Convergência, 2014. Disponível em:
http://blogconvergencia.org/?tag=racismo&print=pdf-page. Acesso: 20/06/2015
AMADO, Janaína; FIGUEIREDO, Luiz Carlos. A formação do império português
(1415-1580). São Paulo: Editora Atual, 1999.
AZEVEDO, Celia Maria Marinho de. Abolicionismo e memória das relações raciais. In:
Estudos Afro-Asiáticos, nº 26. Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, 1994.
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. 29ª Ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1989.
GALEANO, Eduardo. Os pecados do Haiti. Rio de Janeiro: Correio da cidadania,
2010. Disponível em:
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=424
0&Itemid=79. Acesso: 18/06/2015
GORENDER, Jacob. O épico e o trágico na história do Haiti. Estud. av., São Paulo ,
v. 18, n. 50, p. 295-302, abr. 2004 . Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-
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São Paulo: Senac, 2000
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GRUZINSKI, Serge. 1480 – 1520: a passagem do século. São Paulo: Companhia das
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MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores,
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MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I - o processo de produção do capital. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013. MOURA, Clóvis. Escravismo, colonialismo, imperialismo e racismo. In: AFRO-ÁSIA, nº 14, Universidade Federal da Bahia, 1983. WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.