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Dez anos de política industrial balanço & perspectivas 2004 2014

Dez anos de política industrial - Jackson De Toni · Tecnologia e algumas iniciativas na área de informática. No governo Collor tivemos uma política industrial “ao contrário”,

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Dez anos de política industrial

balanço & perspectivas

2004 • 2014

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Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI

Alessandro TeixeiraPresidente

Maria Luisa Campos Machado LealDiretora

Miguel Antônio Cedraz NeryDiretor

Charles Capella de AbreuChefe de Gabinete

Jackson De ToniGerente de Planejamento

República Federativa do BrasilDilma RousseffPresidenta

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio ExteriorArmando MonteiroMinistro

Coordenadora de ComunicaçãoBruna de Castro

Projeto Gráfico e diagramaçãoJuliano Cappadocio Batalha

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Agência Brasileira de Desenvolvimento IndustrialSBN Quadra 1 - Bloco B - Ed. CNC - 12º, 13º e 14º andar

Brasília/DF - Brasil - CEP: 70041-902+55 61 3962-8700

[email protected]

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Dez anos de Política Industrial: Balanço e perspectivas / Organizador: Jackson De Toni - Brasília : ABDI, 2015. v. 1 (198 p.) : il., gráfs. color.

Inclui Bibliografia ISBN: 978-85-61323-39-4

1. Indústria 2. Indústria Brasileira 3. Politica Industrial 4. Desenvolvimento Brasileiro 5. Governo Brasileiro 6. Governo Federal; De Toni, Jackson // I. Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. CDD 378.013

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Este livro é dedicado ao jornalista Oswaldo Buarim Junior (in memoriam). Gerente de

Comunicação da ABDI entre 2012 e 2015, Buarim será lembrado pelo profissionalismo,

pela militância por uma sociedade mais justa e pelo companheirismo e amizade. Graças

a sua inspiração e incentivo, obras como essa se tornaram realidade.

Dedicatória

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Há aproximadamente dez anos, no dia 31 de março de 2004, o ex-Presidente Lula,

diversos ministros e os mais importantes líderes da indústria nacional divulgavam

publicamente as principais medidas da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio

Exterior, a PITCE. Poderia ser mais um evento festivo a compor a rotina de anúncios na

estratégia de marketing político de qualquer governo. Mas não era. Havia mais de duas

décadas que o governo federal não anunciava publicamente uma Política Industrial,

com “P” e “I” maiúsculos. As últimas tentativas remontavam ao fracassado III Plano

Nacional de Desenvolvimento durante o governo Sarney, e a ineficaz “Política Industrial

e de Comércio Exterior” (PICE) do governo Collor, quase duas décadas antes. Durante

os governos do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, a política industrial foi

banida do vocabulário da Esplanada dos Ministérios, considerada nociva e causadora

de distorções insanáveis ao equilíbrio resultante do livre jogo de mercado. Apesar de

alguns focos de resistência no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio

Exterior, o MDIC, a política industrial nunca saiu do papel. Prova disso foi a alucinante

dança das cadeiras no ministério setorial responsável, o MDIC, que teve cinco ministros

Introdução

Jackson De Toni // Organizador

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entre 1999 e 2002, evidenciando, no mínimo, a grande instabilidade institucional da

área.

A PITCE resultou da combinação de três vetores que atuaram simultaneamente. Em

primeiro lugar, havia um compromisso da campanha eleitoral de Lula, em 2002, na

retomada de políticas ativas pró-desenvolvimento, sobretudo na defesa da indústria

nacional e sua necessária modernização competitiva. Um segundo fator foi a

colaboração íntima entre setores governamentais, como o IPEA, dirigido à época por

Glauco Arbix; o Ministério da Fazenda, comandado por Antonio Palocci; e o Ministério do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, liderado por Luiz Furlan. A cooperação

intragovernamental foi complementada pelos laços estreitos com a presença ativa

de acadêmicos, tais como os saudosos professores Fábio Erber e Antônio Barros

de Castro. Um terceiro fator foi o protagonismo político do próprio Presidente da

República, que não raro participava pessoalmente dos debates no Conselho Nacional

de Desenvolvimento Industrial, também criado em 2004 para promover o diálogo de

alto nível entre o setor público, empresários e trabalhadores.

Os méritos da PITCE não se resumem à quebra de um jejum tão prolongado do Estado,

que silenciou diante da primarização da pauta exportadora e do desmantelamento

de elos importantes da manufatura nacional. A PITCE foi fortemente focada em

opções estratégicas (tecnologias de informação e comunicação, semicondutores,

fármacos e software) realmente ambiciosas e desafiadoras, com imensa capacidade

de transbordamentos e transversalidades na complexa teia das cadeias industriais

nacionais. Além disso, a PITCE era visionária, apostando em setores portadores de

futuro, tais como a biotecnologia ou a nanotecnologia, áreas de fronteira ainda hoje dos

drives que conduzem à indústria do século XXI. Com conteúdo fortemente horizontal,

com poucas cadeias produtivas priorizadas e altamente seletiva, a PITCE foi, ela mesma,

uma política pública inovadora.

Políticas industriais desse tipo, baseadas na inovação e na busca do catching up, isto

é, do emparelhamento tecnológico com países já desenvolvidos, enfrentam uma série

de obstáculos de natureza conjuntural e sistêmica (CIMOLI et al., 2009; MAZZUCATO,

2013). A PITCE não produziu resultados mágicos, ainda que por mero raciocínio

contrafactual seu mérito fique evidente. Seu maior mérito foi recolocar a indústria

nacional na agenda do país, expor seus graves problemas de competitividade externa

e custos domésticos crescentes. De lá para cá outras políticas lhe renderam tributo e

internalizaram seu legado: a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), formalizada

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em 2008 e bloqueada pela crise internacional no final do mesmo ano, e o Plano Brasil

Maior (PBM), lançado em agosto de 2011.

A capacidade industrial de uma nação estabelece o potencial e os limites do seu

desenvolvimento econômico (SZIRMAI, 2013). Historicamente foi a industrialização que

proporcionou níveis crescentes de renda e bem-estar da população, gerando empregos

mais qualificados e difundindo ganhos de escala. É a indústria que gera inovação

tecnológica aplicada, por exemplo, no melhoramento genético responsável pela

produtividade do agronegócio. Mesmo em setores de ponta de serviços, tais como as

tecnologias digitais e de comunicação, é a indústria microeletrônica que acaba ditando

o ritmo de crescimento. O desenvolvimento de um país se mede de várias formas:

crescimento relativo do Produto Interno Bruto per capita, por exemplo. Em um sentido

mais básico e elementar, o desenvolvimento depende da produtividade crescente do

trabalho, que é influenciada diretamente pelos avanços da indústria. Desde os anos

1960, com Nicholas Kaldor, ou mais longe ainda, com Gunnar Myrdal, aprendemos que

a industrialização é a maior responsável por retornos crescentes de produtividade e pelo

seu transbordamento para todas as outras dimensões do desenvolvimento econômico,

inclusive a dimensão social.1

O Brasil tem tido uma trajetória bem marcada na sua industrialização. Nós consolidamos

um parque industrial importante até os anos 1970, em especial nas cadeias petroquímicas,

nos complexos produtivos do agronegócio, na metalurgia e em bens de capital. Nos anos

1980 e 1990, o governo federal empreendeu poucas iniciativas para uma abrangente e

consistente política industrial. Cabe ressalvar, talvez, a criação do Ministério da Ciência e

Tecnologia e algumas iniciativas na área de informática. No governo Collor tivemos uma

política industrial “ao contrário”, iniciando um ciclo de privatizações, financeirização e

desnacionalização significativa do legado deixado pelo período dos governos militares.

Exceção digna de nota nesse período foi o funcionamento das Câmaras Setoriais, em

um contexto de realinhamento de preços, que em alguns casos foram importantes

instrumentos de negociação público-privada, em especial a automobilística. Nos anos

do governo Cardoso (1995-2002), praticamente a política industrial se constituiu de uma

“antiagenda” de governo, proscrita e esquecida. É necessário lembrar que os Fóruns

de Competitividade, implementados pelo MDIC na tentativa de manter um espaço de

concertação com o setor industrial, apesar de meritórios, sempre tiveram a hostilidade,

1 Mesmo nas escolas de Economia, atualmente é difícil encontrar alguém abertamente contrário a uma política industrial, sobretudo depois da crise financeira de 2008. Aos poucos, a academia está reabilitando a produção teórica de antigos e novos autores que pensaram e estudaram política industrial, entre eles: Robert Wade, Alice Amsden, Chalmers Johnson, Ha-Joo Chang, Dani Rodrick, entre outros.

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quando não a oposição pública, do Ministério da Fazenda, que via neles um risco

potencial a sua governabilidade na política econômica.

O governo Lula inicia em 2003 em uma conjuntura bem marcada: relativa estabilidade

macroeconômica, risco país em queda, início de um ciclo de alta de preços internacionais

em commodities, relação dívida interna/PIB em declínio, mas ainda com altas taxas de

juro e câmbio sobre apreciado.

Um dos maiores avanços do governo Lula em seu primeiro mandato foi o desbloqueio

do debate sobre política industrial e a retomada, ainda que tímida, de instrumentos de

planejamento e coordenação de atores envolvidos. A retomada de uma instância de

coordenação de alto nível, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI),

reunindo empresários industriais e ministros em um ambiente democrático e cooperativo,

superou de longe as experiências do antigo Conselho de Desenvolvimento Industrial,

no regime autoritário. O CNDI chegou a realizar 14 reuniões entre 2004 e 2006, gerando

importantes pautas e acordos, que eram ramificados em diversos grupos de trabalho a

jusante. Eles tornaram-se marcos de uma nova política industrial: a Lei de Inovação, a

Lei do Bem. Os debates sobre a universalização da banda larga, as discussões sobre

a TV digital, a gestão dos fundos de investimento em inovação, a desoneração do IPI

para bens de capital, entre outras medidas, passaram pelo CNDI.

A PITCE e o CNDI estimularam o debate sobre a adequação dos instrumentos

institucionais do Estado brasileiro para garantir a agenda desenvolvimentista. Outro

marco desse período foi a criação de uma organização pública não estatal para apoiar

a execução de uma política industrial complexa e polissêmica, a Agência Brasileira de

Desenvolvimento Industrial, a ABDI (como um think tank), que, juntamente com o BNDES

(o “braço do financiamento”), estrutura um arranjo institucional básico pró-indústria. No

segundo mandato de Lula, a política industrial seguiu a linha do foco na inovação e na

retomada das taxa de investimento, agora com o nome de Política de Desenvolvimento

Produtivo, a PDP, lançada em maio de 2008. A PDP avançou muito em governança:

instituiu instâncias de coordenação internas no governo federal, protocolos de decisão,

instrumentos de monitoramento e avaliação, etc. A crise iniciada no final de 2008,

contudo, impediu que a política atingisse a maioria de suas macrometas. Pode-se dizer,

por outro lado, que a política industrial contribuiu para a rápida execução de medidas

anticrise, em especial na atuação do BNDES, garantindo acesso ao crédito.

A conjuntura ideal para a política industrial é aquela de juros baixos, inflação sob controle,

investimento público e privado crescentes, superávits comerciais e infraestrutura física

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e humana de padrão mundial. Infelizmente não é nossa realidade, mas exatamente por

isso ela se torna tão necessária, ainda que tenha sua eficácia reduzida. A política industrial

tem sido realizada no Brasil sob conjuntura macroeconômica adversa, com reflexos na

perda de competitividade e produtividade da manufatura. Os juros reais positivos, entre

os maiores do mundo, aumentam o custo dos investimentos e inibem as expectativas

de expansão da economia real. A carga tributária, por vezes desbalanceada e orientada

somente sob o critério arrecadatório, tem elevado o custo de produção industrial em

diversas cadeias produtivas. Os incentivos fiscais, que não são pequenos, nem sempre

estão condicionados aos programas de eficiência produtiva. Por fim, mas não menos

importante, nossa política cambial herdada dos anos 1990 e mantida até recentemente,

aliada ao brutal aumento da competitividade de produtos asiáticos (sem esquecer das

práticas desleais de comércio), tem resultado numa queda brutal da participação da

manufatura nacional no mercado interno e nas exportações.

O “paradoxo da credibilidade”, como chamou Belluzzo, obrigou o governo Lula a manter

uma política econômica de juros altos e câmbio de mercado. O preço, segundo alguns,

foi uma política industrial necessária, mas limitada, que “enxuga gelo”. Os benefícios

que as linhas de crédito do BNDES ou as desonerações de IPI gerariam seriam anulados

instantaneamente pela desvalorização do dólar ou pela Selic que marcha a galope. A

política industrial então atuaria na margem, nas brechas, ocupando espaços aqui e ali,

em instrumentos de apoio à inovação, no crédito público e em pequenas mudanças

de marcos legais para desonerar investimentos e exportações, facilitar o acesso da

indústria à academia e vice-versa, facilitar o empreendedorismo e gerar empregos mais

qualificados.

Outro gargalo da política industrial, mais conhecido e não menos complexo, é o modo

como o Estado brasileiro produz políticas públicas. A política industrial é um complexo

de instrumentos combinados (creditícios, fiscais, técnicos, comerciais, regulatórios,

etc.) que dependem de intenso, sistemático e metódico processo de coordenação de

governo e articulação com o setor privado. Por sua vez, a coordenação governamental

resulta (ou não) de outros vetores: planejamento, liderança e projeto de governo (visão

estratégica e prospectiva consolidada). Nem sempre esses fatores andam juntos,

com a mesma intensidade e proporção. As janelas de oportunidade não se abrem ao

mesmo tempo. O processo decisório público é truncado, com inúmeras assimetrias

de poder, informação e capacidade técnica heterogêneas. Situação potencializada

com a convivência mal processada entre planos “estratégicos” concorrentes de cada

ministério. Vencer as dissonâncias cognitivas e políticas exige um enorme esforço

de interlocução, não raro de manejo de pequenas e grandes vaidades pessoais e

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sobretudo na definição de prioridades e metas supraministeriais. Felizmente temos

caminhado para níveis cada vez melhores de maturidade institucional e coordenação

intragovernamental. O Estado brasileiro tem recuperado alguns instrumentos de

planejamento estratégico e prospectivo. A coordenação acontece, mesmo com efeitos

colaterais pesados. A gestão pública e as burocracias permanentes tornaram-se mais

profissionalizadas nos últimos anos. O ritmo, entretanto, é lento e truncado e deixa a

desejar. Precisamos ganhar em ritmo, velocidade e escala.

Mas, apesar da baixa qualidade das instituições e dos problemas sistêmicos de

infraestrutura, o Brasil reúne condições ímpares entre os países de renda média.

Nosso mercado interno é extremamente grande e vem ganhando milhões de novos

consumidores graças à ampliação e à profundidade dos programas de renda mínima e

inclusão social. Construímos ecossistemas institucionais que resultaram em verdadeiros

paradigmas, tais como a Embrapa, a Petrobras ou a Embraer. Apesar da clara tendência

de primarização da pauta exportadora, devemos reconhecer que o boom asiático

tem garantido superávits crescentes da balança comercial, o que aumenta o raio de

manobra da política monetária e cambial. Além disso, a Pintec, Pesquisa de Inovação

Tecnológica, feita pelo IBGE, tem revelado a existência de um núcleo importante de

empresas industriais espalhadas pelo tecido industrial com alta capacidade de inovação

e níveis de competitividade e produtividade comparáveis aos padrões desenvolvidos

em suas respectivas cadeias mundiais de valor. A agenda nacional contempla eventos

importantes para a indústria e o ambiente de negócios em geral, como já foi a Copa do

Mundo em 2014, e os Jogos Olímpicos, previstos para 2016. Além disso, em alguns

setores, tais como a exploração de petróleo e gás, as perspectivas indicam grandes

oportunidades e crescente atração de investidores externos.

A política industrial lançada no primeiro governo da Presidenta Dilma, o Plano Brasil

Maior, ocorreu numa conjuntura diferenciada do boom exportador que se iniciava

em 2004, durante a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) do

primeiro governo Lula e a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), anunciada

antes da crise de 2008. A política industrial mais recente veio em um momento de mais

incertezas internacionais. A instabilidade externa só aumentou o potencial negativo de

problemas conhecidos: duas décadas de apreciação cambial, infraestrutura física e

humana precária e lento progresso tecnológico da indústria de transformação, entre

outros problemas.

Nossas políticas industriais têm combinado em proporções variáveis duas dimensões.

Uma delas com um corte setorial ou vertical com medidas específicas para setores

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prioritários (com padrões competitivos acima da média ou, ao contrário, com vulneráveis

específicas) e um corte horizontal, com medidas transversais e pervasivas que

transbordam para parcelas mais amplas do tecido econômico. Na dimensão horizontal

aparecem medidas como o incremento da defesa comercial contra práticas desleais, o

reforço dos recursos destinados à inovação, a formação e a qualificação profissional, a

produção sustentável e o reforço aos mecanismos de incentivo ao investimento, entre

outras. Já nas políticas setoriais, as medidas impactam as várias cadeias produtivas,

conforme a natureza de cada medida. Nestes anos a política industrial apresentou

diversas diretrizes estruturantes: difusão da inovação, fortalecimento e adensamento

das cadeias produtivas, ampliação de competências tecnológicas e de negócios,

desenvolvimento da cadeia de suprimentos em energia, diversificação exportadora

e internacionalização das empresas e crescimento sustentável, entre outras. Tanto

essas medidas ditas “estruturantes” quanto aquelas de natureza dita “sistêmica” ou

“horizontal” orientaram a formulação de um sem-número de iniciativas (materializadas

em agendas setoriais). Uma política industrial consistente só tem sentido se fizer parte

de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento, ou melhor, de reconstrução de um

projeto de desenvolvimento para o Brasil, competitivo e inclusivo socialmente. Neste

quadro, os grandes desafios estruturais e estratégicos para continuar a consolidar a

política industrial como uma política permanente de Estado não são poucos e não se

resolverão se forem subordinados ao “curto-prazismo” dos ciclos eleitorais do nosso

presidencialismo de coalizão.

A política industrial, como qualquer política pública, deve adquirir o status de normalidade

na agenda governamental, sem o qual lhe faltará enforcement, capacidade de

convocação político-institucional. Uma política industrial perene e sistemática é muito

mais que um tool box para “salvar” este ou aquele setor ameaçado pela importação

asiática, ou um leque de simples linhas de crédito à disposição de investidores com

escasso animal spirit. Ela deve ter instâncias decisórias formalizadas e articuladas,

como a política de saúde pública; instituições capazes de formular e executar suas

diretrizes, como a política educacional; centralidade nos projetos de desenvolvimento

econômico articulada com outras políticas públicas, como a política para o agronegócio

ou de energia; e por fim recursos orçamentários e não orçamentários regularmente

destinados aos seus programas e projetos.

A política industrial exigiria por excelência soluções de compromisso, acordos

duradouros e credíveis entre atores públicos e privados (BIANCHI; LABORY, 2006).

Para garantir a existência de incentivos reputacionais em um jogo difuso onde custos

e benefícios nem sempre são transparentes para todos, a estrutura de governança

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seria primordial. Dois aspectos são fundamentais: (a) uma estrutura de direção e

planejamento profissionalizada, amparada em burocracia pública de alto nível; e (b)

uma autoridade política vinculada diretamente ao núcleo de governo, como no modelo

sul-coreano, capaz de coordenar e construir um projeto sólido em ambientes de alta

volatilidade política e incerteza.

Por fim, é preciso dizer que a política industrial possível no nosso tempo seria sempre do

tipo trial and error process, ainda mais porque o eixo estruturador seria sempre o apoio

à inovação, um processo que, pela sua própria natureza, envolve risco, incertezas,

erros e aprendizado sistemático (RODRIK, 2008). As experiências do Japão, Coreia,

China e Índia já exaustivamente estudadas pela literatura são únicas e só parcialmente

replicáveis. Mesmo os países originalmente industrializados trilharam caminhos únicos

e o Brasil precisa consolidar o seu, combinando instrumentos, estratégias e princípios

com a política macroeconômica, com os limites fiscais e monetários definidos

pelas circunstâncias da atual conjuntura nacional e internacional. A capacidade de

aprendizagem, de sistematizar a reflexão crítica e manter um ambiente sadio de debates

sobre os erros e sucessos, na iniciativa pública e na iniciativa privada, seriam valores

fundamentais.

No mundo pós-crise de 2008, a política industrial vem sendo reabilitada sob novos

formatos, nomes, agendas e estratégias. Nos Estados Unidos, por exemplo, ela foi

repaginada sob o título A Strategy for American Innovation, lançada em 2013 pelo

Presidente Obama. Implica pesados subsídios e incentivos públicos para setores

estratégicos, tais como energia, ciências da saúde ou tecnologia da informação. Na

Coreia do Sul, a nova política industrial abriga-se sob mobilizadora diretriz do green

growth, e assim por diante. A inserção ganhadora do Brasil nas novas cadeias globais

de valor dependerá de uma estratégia complexa que seja capaz de fazer escolhas e

grandes apostas sobre o futuro de uma das 10 maiores economias mundiais. Para isso,

grandes acordos políticos deverão ser processados e maturados nos próximos anos.

Não são poucos os setores da elite política e intelectual brasileira que já abandonaram

a política industrial em favor de uma visão limitada ao horizonte das nossas vantagens

comparativas naturais. O futuro da indústria nacional e dos empregos e produtividade

que ela viabiliza não será garantido sem que uma visão mais eficiente, inclusiva e

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republicana de Estado e sociedade civil prevaleça. Estaremos, como nação, à altura

desses desafios? Difícil saber, mas o combate vale a pena.

BIBLIOGRAFIA:

BIANCHI, P.; LABORY, S. International Handbook on Industrial Policy. Edward Elgar, 2006.

CIMOLI, M.; DOSI, G.; STIGLITZ, J. Industrial Policy and Development, the political

economy of capabilities accumulation. Oxford, 2009.

MAZZUCATO, M. The Entrepreneurial State: Debunking Public vs. Private Sector Myths

(Anthem Other Canon Economics). Anthem, 2013.

RODRIK, D. Normalizing Industrial Policy. Working Paper n. 3. World Bank, 2008.

SZIRMAI, A.; NAUDÉ, W.; ALCORTA, L. Pathways to Industrialization in the Twenty-First

Century. Oxford, 2013.

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Após um extenso período sem políticas explicitamente voltadas para o desenvolvimento

industrial, o Estado brasileiro conseguiu, ao longo da década de 2000, reorganizar suas

competências para a formulação de projetos e a concepção de políticas públicas

estruturadas. A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), lançada

em 2004, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), de 2008, e o Plano Brasil

Maior, que, de 2011 a 2014, orientou as ações de fomento ao desenvolvimento da

indústria, são evidências de que se conseguiu construir um conjunto de proposições e

instrumentos articulados e consistentes para o fortalecimento produtivo brasileiro.

Convergente com diversos outros esforços empreendidos pelo Governo Federal, a

política industrial brasileira tem aprimorado mecanismos de mobilização de empresários,

trabalhadores, instituições públicas e centros de conhecimento e tecnologia, vinculados

a um modelo eficiente de formulação, execução e monitoramento. A necessidade

de estabelecer mecanismos de atuação conjunta e construir arranjos administrativo-

Apresentação

Alessandro Teixeira

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institucionais capazes de assegurar maior convergência motivou, ainda em 2004, a

criação da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).

Instituída pela Lei nº 11.080/04, a ABDI nasceu com a missão de promover a execução

de políticas de desenvolvimento industrial, em estreita consonância com as políticas de

comércio exterior e de ciência e tecnologia. Desde o princípio, tem atuado na articulação

político-institucional entre setor público e privado e no apoio à execução de projetos que

contribuem para o alcance das metas estabelecidas pela política industrial, por meio de

parcerias com instituições representativas dos variados setores produtivos e da classe

trabalhadora, universidades, centros tecnológicos e demais instituições relacionadas à

pesquisa e desenvolvimento.

Além de promover a articulação da política industrial com outras políticas, programas

e iniciativas de apoio ao investimento e à inovação, acompanhando o andamento do

conjunto de atividades, a ABDI também presta apoio técnico sistemático a todas as

instâncias de articulação público-privadas, ofertando estudos conjunturais, estratégicos

e tecnológicos para diferentes setores da indústria. Esses estudos têm contribuído

para a elaboração das agendas de ação setoriais e sistêmicas, que sistematizam

prioridades e linhas de atuação definidas de forma participativa. Além disso, a ABDI

é responsável pelo sistema de monitoramento e avaliação da política, organizando

indicadores e divulgando informações estruturadas. De diversas maneiras, portanto, a

agência contribui para a disseminação de conhecimento e para a tomada de decisões.

Passados dez anos de sua criação, julgamos importante reunir reflexões qualificadas

sobre diversos aspectos associados à indústria e à política industrial brasileira. Com

esse intuito, convidamos renomados autores para sistematizar informações, análises e

propostas, enfatizando os desafios a serem enfrentados diante de um cenário marcado

por grandes transformações econômicas. Este livro é fruto da intenção de homenagear

a ABDI e todos aqueles que partilham dos objetivos de construir um país mais justo e

próspero. Os sete artigos aqui reunidos tratam de temas vinculados ao desenvolvimento

produtivo, trazendo contribuições relevantes para o futuro da indústria brasileira.

No artigo intitulado A indústria ainda é motor do crescimento?, Mariano Laplane discute

os motores da dinâmica industrial no mundo contemporâneo e as possibilidades

de aprendizado decorrentes da experiência de outros países, sem perder de vista o

significado da indústria para um projeto de desenvolvimento nacional e o papel do

setor industrial na formação da economia brasileira. Com foco na inovação, Glauco

Arbix e João de Negri analisam a importância de iniciativas como a Inova Empresa e as

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Plataformas do Conhecimento, indicando a necessidade de estruturação de um novo

modelo para o sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil, com base em

outras escalas, lógicas e processos decisórios para a alocação de investimentos. João

Carlos Ferraz, Felipe Silveira Marques e Antônio José Alves Jr. discutem a contribuição

do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a

política industrial brasileira entre os anos de 2003 e 2014, destacando as soluções

financeiras associadas às três políticas industriais recentes. A relação entre a política

industrial e a política de desenvolvimento regional é abordada no artigo O Processo

de industrialização e disparidades inter-regionais no Brasil: a necessidade do diálogo

entre as políticas industriais e as políticas regionais, do Professor Carlos Brandão que

demonstra a indissociabilidade dos dois temas. Abordando a trajetória da política

industrial na América Latina, Mario Cimoli, Gabriel Porcile e Fernando Sossdorf discutem

como choques financeiros, tecnológicos ou de preços repercutem no aprendizado,

na inovação e na mudança estrutural, argumentando que as respostas e opções dos

diversos países definirão o desempenho futuro de suas economias. Evandro Mirra

e Mário Salerno, em artigo cujo mote principal é o aniversário de dez anos da ABDI,

fazem algumas avaliações abordando os desafios e dilemas da atuação da agência,

apresentando propostas e formulando alternativas para a maior eficácia e eficiência das

políticas industriais, tecnológicas e de inovação no Brasil. Luciano Coutinho e David

Kupfer, por fim, argumentam em seu texto que a indústria brasileira, a despeito das

dificuldades atuais, defronta-se com diversas oportunidades que, se bem exploradas,

poderão favorecer um firme processo de reestruturação competitiva, que engloba

oportunidades próximas da fronteira da indústria mundial.

A experiência e a originalidade desses autores fazem deste livro um importante tributo

aos dez anos de atuação da ABDI e aos esforços que congregaram múltiplos atores em

torno dos objetivos comuns de desenvolvimento e fortalecimento do parque produtivo

brasileiro. A todos agradecemos o empenho, a dedicação e a parceria, com a certeza

de que continuaremos a atuar de maneira criativa, diligente e articulada em favor da

indústria e do desenvolvimento do país.

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A indústria ainda é o motor do crescimento?

Teoria e evidências

Mariano Francisco Laplane

Avançar ou Avançar na Política de Inovação

Glauco Arbix

João Alberto De Negri

A contribuição do BNDES para a

política industrial brasileira / 2003-2014

João Carlos Ferraz

Felipe Silveira Marques

Antônio José Alves Jr.

Processo de industrialização e disparidades inter-regionais

no Brasil: a necessidade do diálogo entre as políticas

industriais e as políticas regionais

Carlos Brandão

ABDI: A que veio, A que ficou

Evando Mirra

Mario Sergio Salerno

Crise, Estagnação Secular e “Destruição Criadora”: a

Trajetória Criadora e a Política Industrial na América Latina

Mario Cimoli

Gabriel Porcile

Fernando Sossdorf

As Múltiplas Oportunidades de Desenvolvimento e o

Futuro da Indústria Brasileira

Luciano G. Coutinho

David Kupfer

23

41

61

93

113

131

167

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A indústria ainda é o motor do crescimento? Teoria e evidências

Mariano Francisco Laplane

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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A indústria ainda é o motor do crescimento econômico, embora represente apenas 16%

do PIB mundial. A atividade industrial alimenta o crescimento mundial por meio de sua

contribuição à inovação e à expansão do comércio mundial. O gasto em pesquisa e

desenvolvimento (P&D) da indústria representa a maior parte do gasto privado total em

P&D nos países desenvolvidos (89% na Alemanha e na Coreia do Sul, 87% na China e

67% nos Estados Unidos). Os produtos manufaturados representam 70% do comércio

dos 25 principais países no comércio mundial.1

Nos países desenvolvidos, a indústria representa um instrumento eficiente para

incorporar conhecimento na atividade econômica e para garantir a participação em

elos estratégicos das cadeias globais de valor. Por meio das atividades industriais e

dos serviços a elas vinculados, os países desenvolvidos exploram as competências

acumuladas em ciência, tecnologia e inovação, sustentam empregos bem remunerados

e geram exportações para o resto do mundo.

Os países em desenvolvimento, por sua vez, encontram na indústria oportunidades de

deslocar recursos de atividades com baixa produtividade, para a produção de bens e

serviços mais complexos, com ganhos de produtividade na economia como um todo.

Por meio da industrialização, os países em desenvolvimento mudam sua inserção no

mercado mundial, geram empregos urbanos e desenvolvem seu mercado interno. As

transformações nas economias asiáticas nos últimos trinta anos ilustram acabadamente

a importância da indústria como motor do desenvolvimento.

QUAIS OS MOTORES DA DINÂMICA INDUSTRIAL NO MUNDO

CONTEMPORÂNEO?

A estrutura e a dinâmica da indústria contemporânea são o resultado do período de

vinte anos de vigência das políticas neoliberais em escala global entre 1989, ano da

queda do Muro de Berlim, e 2008, ano da eclosão da crise global. Ao longo desses

anos, as mudanças nos regimes nacionais de política econômica e dos regimes de

comércio e de investimento internacionais em favor da autorregulação dos mercados

resultaram numa profunda reorganização da atividade industrial no mundo.

1 McKinsey Global Institute, 2012.

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A estrutura industrial herdada dos vinte anos de neoliberalismo é globalizada,

concentrada e fortemente desequilibrada no que tange à distribuição geográfica da

produção e do consumo no mundo.

É globalizada porque a fabricação de grande parte dos bens manufaturados é organizada

em sistemas que segmentam a produção de insumos e componentes e a montagem

de bens finais em regiões e países diferentes, explorando vantagens de custos ou

as externalidades existentes em cada local e atingindo simultaneamente escalas de

produção globais. Trata-se de sistemas internacionais integrados de produção e

comércio denominados “cadeias globais de valor”.

É concentrada porque a consolidação dos mercados industriais por meio de um intenso

processo de fusões e aquisições atingiu níveis inéditos na história do capitalismo.

Tanto na produção de insumos e de componentes quanto na dos bens finais, muitos

mercados industriais e de serviços para a indústria evoluíram da estrutura oligopolista do

pós-guerra, tipicamente composta por empresas multinacionais, para monopólios ou

duopólios controlados por empresas globais. Trata-se das empresas que comandam

as cadeias globais de valor. O volume de negócios das empresas globais atinge

escalas muito superiores às das tradicionais corporações multinacionais da segunda

metade do século 20 e espelham as gigantescas escalas da produção e de comércio

da indústria global contemporânea.

É uma estrutura espacialmente desequilibrada porque a produção de insumos,

de componentes e a montagem de bens finais, embora segmentada, concentra-

se fortemente em locais distantes dos principais mercados de consumo. Geram-se

consequentemente intensos fluxos de comércio internacional, que resultam em fortes

superávits estruturais para os países produtores e simetricamente déficits estruturais

para os países consumidores. O financiamento do consumo e dos desequilíbrios

comerciais dos países importadores líquidos de manufaturas foi um componente

importante do processo de expansão das finanças globais, que eclodiu na crise global

de 2008.

As transformações que resultaram na atual estrutura industrial globalizada, concentrada

e desequilibrada foram alimentadas pelo acirramento da concorrência entre empresas

e países. A reforma neoliberal dos regimes nacionais de política econômica e dos

regimes internacionais de comércio e de investimento visava a restaurar condições

mais favoráveis à acumulação e ao crescimento para superar a estagflação que se

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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instalara nos países desenvolvidos após o esgotamento do ciclo longo de expansão

do pós-guerra.

O sucesso do Japão e posteriormente da Coreia do Sul em ultrapassar as barreiras

à entrada em mercados industriais importantes desestabilizou oligopólios até então

controlados por multinacionais americanas e europeias. A inovação tecnológica, a

relocalização e a reorganização dos negócios foram armas privilegiadas da disputa

no interior dos oligopólios industriais. O lançamento de produtos novos advindos

da inovação, a automação de processos, a segmentação do mercado por meio da

diferenciação, o encurtamento do ciclo de vida dos produtos, a redução de custos

trabalhistas, de insumos e de logística por meio da subcontratação, a conquista de

maior flexibilidade regulatória e de incentivos fiscais de governos locais, regionais e

nacionais e as fusões e aquisições foram progressivamente transformando a estrutura

e a geografia da atividade industrial no mundo.

A entrada da China em cena acelerou as transformações e acentuou os desequilíbrios

resultantes. Uma estratégia persistente de conquista de espaço na indústria mundial,

respaldada por condições favoráveis macro (câmbio e financiamento de longo prazo)

e microeconômicas (custo de trabalho e infraestrutura) e por decisões de investimento

fortemente coordenadas pelo controle estatal, alcançou resultados extraordinários. Em

apenas duas décadas, de 1990 a 2010, a participação da China no valor adicionado

manufatureiro mundial evoluiu de 2,6% para 15,3%, ultrapassando o Japão e a

Alemanha.2

O dinamismo e a escala da produção industrial na China promoveram a industrialização

na região asiática muito além do estímulo anteriormente proporcionado pela expansão

da indústria japonesa e coreana. Elos importantes das cadeias globais de valor

deslocaram-se para a Ásia e suprem parte significativa do consumo global de bens

manufaturados. A industrialização e a urbanização da Ásia expandiram as fronteiras

do mercado consumidor mundial, ampliando a demanda por matérias-primas, por

manufaturados e por serviços e reforçando a capacidade de atrair mais elos das

cadeias globais de valor para a região.

A reorganização da indústria em atividade globalmente integrada trouxe estímulos

para a acumulação e para o crescimento da economia mundial: a queda dos preços

relativos dos bens manufaturados ampliou o consumo e contribuiu para reduzir as taxas

2 UNIDO, http://stat.unido.org.

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de inflação nos países consumidores; a intensificação do ritmo da inovação revigorou

os mercados de consumo e alimentou a expansão do crédito; a industrialização da Ásia

incorporou centenas de milhões de consumidores ao mercado mundial.

Em contrapartida, o processo teve também consequências muito negativas: os

desequilíbrios geográficos entre produção e consumo ensejaram desajustes

insustentáveis, conforme foi constatado no estouro da crise em 2008, nos patrimônios

das famílias, das empresas e dos Estados dos países importadores líquidos de

manufaturas. A crise também tornou explícito o elevado custo social da perda de elos

da produção e de empregos industriais em países da Europa, no Japão e nos Estados

Unidos. A redução de salários reais e dos benefícios trabalhistas não foi suficiente para

evitar a migração de investimentos e de empregos para os novos polos industriais.

Nos países desindustrializados, a crise tornou evidente a fragilidade de muitos dos

empregos gerados no setor de serviços, acompanhando a expansão do crédito e do

consumo.

Paralelamente, a expansão da produção e do consumo mundial evidenciou o

enorme impacto ambiental da base tecnoeconômica do modelo de desenvolvimento

contemporâneo. O consumo acelerado de recursos não renováveis, as emissões e os

resíduos que contaminam o ar, a água e o solo, a deterioração da qualidade de vida nas

grandes metrópoles globais: todos apontam para a insustentabilidade do atual modelo

de desenvolvimento.

Em uma perspectiva de longo prazo, o desafio da sustentabilidade social e ambiental

constitui uma oportunidade para uma renovação da atividade industrial. Assim como

em todos os momentos de grandes transformações desde a 1ª Revolução Industrial,

o processo de reorganização da indústria deve ser alimentado pela concorrência entre

empresas e governos para capturar as melhores oportunidades de negócios que o

novo modelo de desenvolvimento ofereça.

Os Estados Unidos e o Reino Unido, campeões da autorregulação dos mercados e

países que mais promoveram a desindustrialização de suas economias, já tornaram

explícita sua intenção de se reindustrializar.3 A União Europeia, embora ainda com

dificuldades para executar uma resposta comum eficaz, também desenha sua nova

política industrial com foco no crescimento verde e na energia renovável.4 Não parece

3 US Department of Commerce, 2012; Executive Office of the President, 2011. United Kingdom, Department of Business, Innovation and Skills, 2011.

4 European Union, 2013.

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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provável que os países asiáticos abandonem sem resistir o lugar conquistado na

indústria mundial, dessa forma devem adequar também suas políticas industriais ao

acirramento da concorrência.5

Do ponto de vista da base científica e tecnológica, existem grandes oportunidades para

gerar novos mercados e construir a indústria do futuro. Os materiais nanoestruturados

propiciam oportunidades de rejuvenescer produtos maduros e lançar novos produtos.

Os processos de manufatura aditiva oferecem novas maneiras de realizar a fabricação

de moldes e protótipos, além de viabilizar a fabricação customizada de produtos com

baixo custo. A biomassa oferece uma nova fonte de energia e também matéria-prima

para uma indústria química “verde”. Existem grandes oportunidades para traduzir em

novos mercados o avanço no processamento, a transmissão e o armazenamento de

informação, com o desenvolvimento de grandes redes como a “internet das coisas” ou

ferramentas para a exploração de grandes bases de dados (big data). O aproveitamento

de novas fontes de energia renovável (eólica, solar, oceânica, geotérmica) e não

renovável (shale gas, por exemplo) é também uma fonte de novas oportunidades de

investimento. Existem também outras oportunidades associadas aos novos desafios,

tanto ambientais, na direção da economia de baixo carbono, quanto demográficos, em

função do envelhecimento da população.

As opções disponíveis não constituem ainda um conjunto articulado, embora

seja perceptível a complementaridade de várias delas. A realização do potencial

transformador do qual são portadoras resultará da disputa entre empresas e governos

para conquistar os novos mercados e das pressões da sociedade civil para superar

os limites econômicos, sociais e ambientais do modelo de desenvolvimento atual,

evidenciados pela crise em 2008.

Longe de constituir um desafio exclusivamente científico-tecnológico, a construção

das bases para um novo ciclo de crescimento da economia mundial envolve também

desafios nas dimensões políticas, sociais e institucionais. As grandes transformações

que alimentaram ciclos longos de expansão na história do capitalismo resultaram de

inovações técnicas, mas foram acompanhadas de profundas mudanças na organização

da economia mundial e da sociedade, com surgimento de novas instituições, novas

formas de regulação dos conflitos entre o interesse público e o privado e entre o

5 Ver, no caso da Coreia do Sul, Science and Technology Policy Institute, 2009.

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capital e o trabalho, novas formas de financiamento do investimento, da produção e

do consumo, novas alianças e compromissos internacionais e novos estilos de vida.

É impossível antecipar ainda os desdobramentos da atual crise, mas certamente a

indústria será ao mesmo tempo ator privilegiado e palco da construção das bases do

novo ciclo de crescimento. A atividade industrial renovada continuará desenvolvendo e

fornecendo os equipamentos e os materiais para o funcionamento das cadeias de valor

de bens e de serviços na economia mundial.

O QUE REPRESENTA A INDÚSTRIA PARA UM PROJETO DE

DESENVOLVIMENTO NACIONAL? O QUE REPRESENTOU PARA A

FORMAÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA?

Na segunda metade do século 20, industrialização e desenvolvimento tornaram-

se sinônimos no mundo inteiro. A Comissão Econômica para a América Latina e o

Caribe (CEPAL) desenvolveu uma doutrina da industrialização como estratégia de

desenvolvimento para os países de economias primário-exportadoras como forma de

superar barreiras históricas ao crescimento na região.6

Até a crise da dívida da década de 1980, o Brasil foi o país latino-americano mais

bem-sucedido na construção de uma estrutura industrial diversificada. No início da

década, tinha praticamente completado a substituição de importações, internalizando

a produção de bens industriais por meio da forte presença de filiais de empresas

multinacionais líderes nos diversos mercados de bens intensivos em tecnologia.

Contava com a participação de empresas públicas e de capital nacional na produção

de insumos industriais de uso difundido. Mostrava uma incipiente inserção exportadora

em manufaturas intensivas em recursos naturais e em mão de obra e, inclusive, em

bens de intensidade média no uso de tecnologia, como automóveis. Ao longo dos anos

1980 houve tentativas de mobilizar as empresas nacionais para explorar oportunidades

nos novos polos de crescimento, como na indústria de informática e na química

fina. Os grupos nacionais iniciaram timidamente movimentos de diversificação e de

internacionalização.

6 Nos anos 1960, países asiáticos adotaram estratégias de desenvolvimento inspiradas no sucesso da industrialização latino-americana e no exemplo do Japão. Para estudos comparativos de desenvolvimento e industrialização na segunda metade do século 20, ver CGEE, 2013.

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A vulnerabilidade externa e a instabilidade herdada da dívida abriram as portas, nos anos

1990, para o abandono da estratégia industrializante. A estagnação e o fracasso dos

planos de estabilização minaram o consenso em torno da industrialização como objetivo

comum da sociedade. A visão ingênua de que a abertura da economia e a privatização

da infraestrutura e do setor produtivo estatal promoveriam uma reorganização virtuosa da

indústria tornou-se dominante. Optou-se explicitamente por não estabelecer qualquer

forma de política industrial.

Os resultados foram diferentes do esperado. A privatização das grandes empresas

públicas desarticulou o setor produtivo estatal. Na ausência de uma visão estratégica

que procurasse fortalecer os grupos nacionais, emergiu do processo de privatização

uma estrutura patrimonial fragmentada, que acabou favorecendo a desnacionalização

e provocando infindáveis conflitos, que adiaram investimentos em modernização e

ampliação e favoreceram a desnacionalização. A reação das empresas industriais de

porte médio à abertura da economia em condições cambiais desvantajosas e com

baixo crescimento do mercado doméstico foi predominantemente defensiva, com

enxugamento, especialização da produção e, em muitos casos, transferência da

propriedade para investidores estrangeiros.

Se do ponto de vista microeconômico, e numa perspectiva de curto prazo, as

respostas das empresas foram perfeitamente adequadas às circunstâncias, do ponto

de vista macroeconômico e de longo prazo, os resultados foram pouco eficientes. A

reorganização da atividade industrial promoveu um miniciclo de investimento que se

esgotou rapidamente, o número de empregos industriais diminuiu e a indústria passou

a gerar déficits comerciais crescentes. De modo paradoxal, as empresas industriais

tornaram-se mais eficientes, mas a estrutura industrial perdeu o importante mecanismo

de coordenação de investimentos que era o setor produtivo estatal e a contribuição

para o crescimento do setor industrial no seu conjunto da economia foi fragilizada.7

Em vez de aproveitar as novas circunstâncias da economia mundial para fortalecer suas

empresas e para ampliar sua presença na indústria mundial, como os países asiáticos,

o Brasil experimentou, nos anos 1990, sua primeira onda de desindustrialização. A

combinação de condições macroeconômicas desfavoráveis ao investimento e à

produção e a falta de visão estratégica pública e privada fizeram que a indústria brasileira

percorresse uma trajetória oposta à dos países asiáticos. Enquanto a indústria brasileira

encolhia, desarticulava-se e ficava restrita a sua tradicional inserção regional na América

7 LAPLANE, M.; SARTI, F., 2006.

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do Sul, a indústria asiática crescia, desenvolvia novas competências e capacidade

inovadora, ocupava novos espaços no mercado mundial e capturava elos importantes

nas novas cadeias globais de valor.

A estratégia brasileira de desenvolvimento sofreu uma inflexão positiva na primeira

década do novo século. Além da adoção da inclusão social como eixo central, houve

a retomada da política industrial com a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio

Exterior (PITCE), em 2004, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), em 2007,

e o Plano Brasil Maior, em 2011. O retorno da política industrial traduziu a intenção de

recuperar uma visão estratégica que norteasse as decisões públicas e privadas de

investimento.

A política industrial procurou aproximar o Brasil das tendências dominantes na indústria

globalizada. Promoveu, de um lado, o fortalecimento e a internacionalização das

grandes empresas nacionais com o objetivo de melhorar a participação do Brasil

nas cadeias globais de valor. Paralelamente, promoveu estratégias competitivas mais

agressivas, ampliando significativamente a escala e diversificando os instrumentos de

apoio à inovação. A política industrial foi articulada com a política de ciência e tecnologia

– Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação (PACTI), 2007-2010; e Estratégia

Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI), 2012-2015. Houve um esforço

contínuo para construir mecanismos de coordenação ao longo das cadeias produtivas

e entre o setor empresarial e o setor público. Em particular, tentou-se mobilizar as

competências existentes nas instituições brasileiras de ciência e tecnologia para dar

suporte à inovação no setor produtivo. O poder de compra do Estado foi utilizado para

estimular a produção e a inovação nas empresas brasileiras, em áreas como saúde e

defesa. Procurou-se induzir as filiais das empresas estrangeiras a articular sua produção

no Brasil com a implantação de centros de P&D.

As tentativas de reorganizar e expandir a atividade industrial no país enfrentaram

dificuldades de várias ordens. As condições internacionais sofreram deterioração

crescente a partir de 2011. A retração do comércio internacional e dos mercados

importadores de manufaturas brasileiras e as dificuldades financeiras das matrizes

das empresas estrangeiras com filiais no Brasil tiveram impacto negativo na balança

comercial e no saldo da conta-corrente do balanço de pagamentos. No início, a

produção industrial e os investimentos reagiram positivamente ao crescimento do

mercado interno promovido pela inclusão social, pelo aumento dos salários e pela

expansão do crédito, mas a partir de 2012 houve uma reversão das expectativas

otimistas e o consumo interno passou a ser crescentemente atendido por meio de

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importações. Os investimentos perderam fôlego e os aumentos da produtividade

foram insuficientes para enfrentar a concorrência externa em condições de apreciação

cambial e de aumento do salário real.

Em resposta à crise internacional e à desaceleração do crescimento doméstico, tentou-

se reduzir os custos da produção, desonerando a folha de salários e oferecendo crédito

com condições mais vantajosas para os investidores. Houve medidas para manter o

nível de consumo de duráveis, por meio da redução de impostos e da ampliação do

crédito. Tentou-se sustentar o crescimento por meio dos programas de investimento

em infraestrutura, embora a definição das condições e dos modelos de concessão

tenha sido demorada.

As medidas anticíclicas adotadas conseguiram reduzir o impacto da crise internacional,

evitando a queda do emprego e da massa salarial, mas não conseguiram restaurar as

expectativas positivas de crescimento, nem estimular a expansão da produção e dos

investimentos. Nesse contexto, a capacidade da política industrial de induzir mudanças

estruturais ficou fragilizada.

A política industrial tornou-se alvo das críticas dos advogados da autorregulação dos

mercados. Os esforços para amenizar os efeitos da crise foram caracterizados como

“intervencionismo errático”, os estímulos para a internacionalização das empresas

nacionais foram questionados por significar a “escolha de campeões nacionais” e as

tentativas de fortalecer os elos locais das cadeias de valor por meio do uso do poder

de compra estatal e da defesa comercial foram classificadas como “protecionistas”.

No contexto de baixo crescimento da produção industrial e de aumento do déficit

comercial de manufaturados, postula-se atualmente que a exposição da indústria

brasileira às condições da concorrência externa e a eliminação dos incentivos teriam

um efeito positivo. As decisões empresariais decorrentes da pressão competitiva

deflagrariam um processo de destruição criadora, com aumento da inovação e

da produtividade e, consequentemente, da competitividade industrial. Em síntese,

mercados autorregulados garantiriam a retomada dos investimentos e da produção

industrial. Paradoxalmente, o discurso neoliberal que nos anos 1990 demonizara

a política industrial e que provocara uma forte onda de desindustrialização e de

desnacionalização propõe novamente a abertura e a desregulação como pilares de

uma estratégia supostamente reindustrializante.

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O QUE PODEMOS APRENDER COM A EXPERIÊNCIA DE OUTROS

PAÍSES?

Para consolidar e ampliar o processo de inclusão social e retomar o crescimento, o

Brasil precisa desenvolver e expandir a produção industrial. A retomada, em novas

bases, da industrialização interrompida pela crise da dívida na década de 1980 é o

caminho mais eficiente para que o Brasil complete finalmente seu desenvolvimento

econômico e social. A indústria é uma ferramenta essencial para o aumento da

produtividade da atividade econômica. A indústria promove a inovação por meio da

criação de mercados de consumo e pela renovação dos processos de produção de

bens e serviços em outros setores da economia, para os quais fornece componentes

e equipamentos. Sem uma produção industrial local diversificada e competitiva,

a expansão do consumo e do investimento poderá ter efeitos negativos sobre as

contas externas e restringir o crescimento.

Os obstáculos a vencer para retomar a industrialização brasileira são atualmente

maiores do que vinte anos atrás. A atividade industrial é hoje muito mais globalizada

e concentrada. As barreiras à entrada e os níveis de competitividade exigidos para

sobreviver nos mercados são mais elevados. Comandados pela indústria chinesa, os

países asiáticos conquistaram elos importantes das cadeias industriais globais. Os

países desenvolvidos adotam estratégias agressivas de recuperação de investimentos

e de empregos na indústria. As experiências de outros países e de outros períodos da

industrialização brasileira podem fornecer orientações gerais, mas não receitas prontas

para superar os desafios do presente.

A aplicação, nas condições atuais, do receituário neoliberal dos anos 1990 produziria

hoje resultados ainda mais deletérios do que naquele momento. Nas condições

atualmente vigentes na economia e na indústria global, a abertura e a desregulação

teriam efeitos fortemente desindustrializantes. O excesso de capacidade na indústria

asiática e a agressividade dos países desenvolvidos para aumentar suas exportações

seriam fatores poderosos de desarticulação da produção local e de inibição de

investimentos. Não é possível apostar exclusivamente na desvalorização cambial para

neutralizar esses fatores, considerando o potencial impacto negativo sobre o salário real

e sobre as dimensões do mercado interno. Os efeitos benéficos sobre a competitividade

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local da eliminação de desvantagens tributárias e da redução da burocracia dificilmente

seriam suficientes para compensar a pressão da oferta de importados.

Embora câmbio, juros e tributação, assim como outros determinantes da competitividade

sistêmica, exerçam papel importante na determinação do nível de competitividade

industrial, são insuficientes para adequar a indústria brasileira às condições da

concorrência na indústria globalizada. A contribuição da política industrial é indispensável

para promover a diversificação e a expansão da produção industrial e para materializar

a contribuição da indústria para o crescimento e para o aumento da produtividade no

conjunto da economia.

As experiências na Ásia, assim como a experiência recente no Brasil, mostram que o

êxito das medidas de política industrial depende crucialmente da forte articulação dos

agentes públicos e privados, da escolha dos instrumentos adequados e da capacidade

de sustentar, com recursos em escala adequada, esforços para atingir objetivos de

longo prazo. É imprescindível contar com mecanismos ágeis de coordenação que

mobilizem recursos públicos e privados para explorar as oportunidades e para neutralizar

as ameaças que emergem das transformações na economia mundial no contexto da

crise.

No caso brasileiro, a heterogeneidade estrutural da indústria faz com que a coordenação

enfrente diversos obstáculos. As características das empresas da indústria brasileira

dificultam enormemente a coordenação entre empresas do mesmo setor ou da mesma

cadeia produtiva para enfrentar os riscos tecnológicos e de mercado associados às

inovações radicais, como o desenvolvimento de produtos e de processos novos para

o mercado mundial. O universo das empresas industriais é fortemente diversificado

do ponto de vista do tamanho, da estrutura de propriedade do capital e dos níveis

de competitividade. A estrutura empresarial brasileira, diferentemente do que ocorre

em outros países, não se caracteriza pela forte presença de grandes conglomerados

diversificados que articulem mercados cativos que permitam reduzir os riscos da

inovação e da internacionalização. Na indústria brasileira predominam as filiais de

empresas estrangeiras das mais variadas origens, que com raras exceções são

vistas pelas suas matrizes como instrumentos para acessar o mercado brasileiro ou

eventualmente o de países vizinhos. Não representam elos estratégicos nas suas

cadeias globais. Trata-se, em muitos casos, de filiais de empresas norte-americanas ou

europeias, outrora líderes nos seus mercados, mas que atualmente têm suas posições

contestadas na indústria global. No outro extremo da estrutura industrial existe uma

enorme quantidade de empresas de menor porte e muito vulneráveis. Diferentemente

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da Alemanha, onde empresas de médio porte, apoiadas na sua eficiência e na sua

capacidade de inovação, articulam-se em cadeias de valor europeias e globais, no

caso brasileiro as empresas de porte médio locais são pouco internacionalizadas e

sobrevivem sob a ameaça do poder de mercado de seus fornecedores e de seus

principais clientes.

As dificuldades para coordenar a ação estatal também não são menores. Assim como

outros países em desenvolvimento, o Brasil não enfrenta apenas o desafio de retomar

a industrialização. Outros problemas, tais como o da redução da desigualdade e da

pobreza, o do desenvolvimento ambientalmente sustentável, o do desenvolvimento

regional e o da inclusão social disputam com o desenvolvimento industrial no ranking

de prioridades. Não raramente, os interesses que movem os atores dos vários campos

da ação estatal fazem com que os instrumentos utilizados para alcançar esses objetivos

entrem em conflito. A título de ilustração, basta mencionar os vetos que inviabilizaram

até o momento a execução de uma reforma tributária ou de qualquer iniciativa que

ponha fim à guerra fiscal entre os governos estaduais.

Embora a política industrial brasileira tenha sua eficácia diminuída pelas dificuldades de

coordenar iniciativas públicas e privadas, é preciso reconhecer os avanços realizados

nos últimos anos. As sucessivas tentativas de superar as dificuldades de coordenação

para reduzir os riscos tecnológicos e de mercado associados à inovação têm gerado

um aprendizado tanto no setor público como no setor privado. A crescente articulação

da política industrial com a política de ciência, tecnologia e inovação é resultado desse

aprendizado. O surgimento de novas instâncias e de novas formas de coordenação

tanto no setor público como no ambiente empresarial, a multiplicação de programas

focados na inovação como alavanca principal da competitividade e o aumento

expressivo dos recursos destinados ao fomento da inovação nas empresas revelam

que a política industrial brasileira evolui positivamente.

O aprendizado institucional deve permitir explorar melhor as oportunidades que as

transformações em curso na economia mundial oferecem para a reindustrialização

do Brasil. As novas fronteiras tecnológicas, a ampliação do mercado mundial com

a incorporação de centenas de milhões de novos consumidores, o imperativo da

sustentabilidade ambiental, o acirramento da concorrência e as evidências de que é

indispensável reduzir os desequilíbrios resultantes da operação das cadeias globais

de valor global estão induzindo as empresas e os governos a reorganizar a atividade

industrial. A indústria brasileira deve explorar a janela de oportunidade e fazer da inovação

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sua principal ferramenta para fortalecer sua posição no mercado mundial e no mercado

doméstico.

As perspectivas são favoráveis para que o Brasil recupere o tempo perdido em termos

de desenvolvimento industrial. A expansão simultânea do consumo de massas, da

produção e dos investimentos podem finalmente tornar real a utopia de uma economia

moderna, inclusiva e com melhor distribuição de renda.

A retomada da industrialização, em novas bases, pode sustentar um novo impulso de

desenvolvimento, implantando um sistema produtivo capaz de oferecer bens e serviços

com elevada produtividade e eficiência, atendendo a parâmetros internacionais de

competitividade. O volume e a qualidade dos investimentos privados e públicos

são as variáveis críticas para determinar o potencial de acumulação de capital e de

conhecimento que devem determinar a velocidade do processo de reindustrialização.

Os investimentos com maior contribuição potencial para o desenvolvimento industrial

são aqueles que viabilizam a renovação da estrutura produtiva nacional na indústria, na

infraestrutura e na oferta de serviços, que alavancam empresas de maior porte e mais

internacionalizadas. Trata-se de investimentos que contribuam para que as empresas

nacionais e as filiais estrangeiras adotem estratégias de busca da liderança no mercado

regional e mundial, estabelecendo redes de suprimento e de distribuição eficientes,

com participação de empresas médias dinâmicas, capitalizadas e também inovadoras.

A estrutura produtiva ampliada e fortalecida deve ser capaz de agregar valor aos

recursos naturais, assim como também de gerar e absorver inovações. Deve estar apta

a diversificar a oferta de bens e serviços para atender em quantidade e qualidade às

demandas da massificação do consumo no país. Deve ser também capaz de usar o

mercado interno para alavancar sua competitividade, internacionalizando seus produtos

e sua marca.

O fortalecimento da inserção do Brasil na indústria global que emergirá da crise mundial

dependerá crucialmente da capacidade das empresas brasileiras de criar e comandar

novas cadeias globais de valor. O instrumento essencial nesse processo é a inovação.

Novas cadeias de valor apoiam-se em novos produtos, novos processos e novos

modelos de negócios. Sem um significativo esforço inovador, os acordos comerciais

para tornar o país mais permeável à importação de partes e componentes, como

defende a doutrina neoliberal, restringem a inserção da indústria brasileira nas cadeias

globais de valor aos elos onde a competitividade depende do baixo custo. Não é por

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outro motivo que a mesma doutrina enfatiza também a importância da flexibilização das

regras no mercado de trabalho e a desregulação para reduzir custos.

A política industrial deve apoiar as empresas brasileiras que assumam os riscos de

inovar para empreender a construção de novas cadeias de valor ou para melhorar sua

inserção nas cadeias globais existentes. Não se trata de promover “campeões nacionais”

nem de “escolher ganhadores”, como imaginam os advogados da autorregulação dos

mercados, mas de apoiar as empresas brasileiras que se disponham a investir em

inovações tecnológicas e em planos de negócio globais. Empresas das atividades nas

quais o Brasil acumulou níveis de competitividade global, como no agronegócio, no

petróleo, na produção de combustível a partir da biomassa ou na indústria aeronáutica,

contam já com perfil adequado para empreender estratégias de expansão global.

Em alguns casos, as estratégias estão em fases de desenvolvimento adiantado; em

outros casos, a acumulação de recursos será mais demorada e apoiada fortemente no

mercado doméstico.

Em todos os casos, o apoio da política industrial deve ser condicionado à geração de

externalidades positivas para a economia brasileira, além dos potenciais ganhos para

a própria empresa. Produtos, serviços e processos novos para o mercado mundial,

investimentos em atividades de P&D, articulação com instituições locais de ciência e

tecnologia, pedido inicial de registro da propriedade industrial no país, desenvolvimento

de fornecedores locais, empregos qualificados, entre outros, podem ser contrapartidas

das empresas ao apoio público.

A reindustrialização do Brasil não poderá ter continuidade, se for apenas em proveito

das empresas diretamente interessadas, deve ser parte de um processo de

desenvolvimento econômico e social que gere ganhos de bem-estar para todos os

brasileiros. A melhoria das condições de vida de milhões de brasileiros é um parâmetro

crítico para avaliar o sucesso da estratégia de desenvolvimento e o alicerce da base

social de apoio indispensável para a continuidade do desenvolvimento industrial. A

reindustrialização não pode ser obtida à custa da redução do salário real ou dos níveis

de bem-estar, nem concentrando renda, nem comprometendo o meio ambiente. A

redução das desigualdades no acesso à saúde e à educação, no acesso a sistemas de

transporte público seguro e eficiente, a implantação de sistemas de segurança pública

adequados nos centros urbanos devem evoluir em consonância com a retomada da

industrialização.

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

38

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39

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Avançar ou Avançar na Política de Inovação

Glauco Arbix

João Alberto De Negri

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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O desenvolvimento econômico é cada vez mais dependente da geração de

conhecimento, de informações qualificadas, de habilidades e competências diversas.

Na mesma chave, a malha de conexões que sustenta o desenvolvimento deixou para

trás as visões de avanço autóctone, prisioneiro das fronteiras nacionais. O fluxo e a

geração do conhecimento necessários para o avanço dos países disseminaram-se

pelo planeta, com impactos diversos e profundos na ciência, tecnologia e inovação,

assim como na competitividade das empresas e das economias.

Todas as nações que se desenvolveram – e não foram muitas – deram atenção especial

à educação, à ciência e à tecnologia. As que ficaram para trás ou perderam o passo

ao longo da sua jornada amargam a condição de “seguidoras”, sendo pressionadas

permanentemente a correr mais do que as outras, se quiserem ocupar um espaço

próprio no cenário internacional.

Sua ciência e seus cientistas, para ganharem relevo, precisam se desdobrar não

somente para participar dos grupos de ponta da produção de conhecimento, como

para disputar a definição de estratégias capazes de expandir as fronteiras do universo

conhecido. No mesmo tom, suas empresas “fazem das tripas coração” para elevarem

sua produtividade, de modo a poderem competir e se sentir parte das comunidades

produtivas globais mais avançadas. Sem isso, alcançam satisfação como campeões

de nichos ou mercados locais, na maior parte, secundários.

O Brasil ocupa posição intermediária nessa paisagem. Nem atrasado nem muito

avançado. Os passos que deu nos últimos 20 anos foram significativos e mesmo

surpreendentes, na ciência e nas empresas. Mas o caminho pela frente é árduo e

longo. E, mesmo sabendo que não há receita pronta para o sucesso, ousamos afirmar,

com base na experiência histórica, que é preciso confiar na capacidade criadora de

pesquisadores e empreendedores, articular uma base de diálogo permanente entre

setores públicos e privados, identificar carências e gargalos de modo a definir prioridades

nacionais e trabalhar tenazmente para alcançar cada vez mais rigor na qualidade de

alocação do investimento. Com esse norte, a consolidação e o aperfeiçoamento

institucional tornam-se condição-chave para qualquer salto civilizador, seja para

aprofundar a democracia e estender direitos, para viabilizar interações virtuosas entre

mercado e Estado ou para gerar um ambiente amigável aos negócios, apto a gerar

emprego e renda. Mais uma vez, o nível de qualificação das pessoas e a capacidade

de produção de conhecimento e tecnologia são os indicadores mais importantes da

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riqueza efetiva, base da qualidade de vida de seu povo e do grau de amadurecimento

de uma nação.

Nos últimos anos, o Brasil ingressou em uma longa trajetória de transformação a partir

do momento em que milhões de pessoas deixaram as bordas da sociedade para

participar, ainda que parcialmente, do que foi e está sendo produzido pelas máquinas

da economia, da política e da cultura.

Nas fundações da sociedade, a continuidade desse processo de transformação mostra-

se fortemente dependente da capacidade da economia brasileira de superar-se e

melhorar sua produtividade. O sugestivo título do artigo de Paul Krugman – Produtividade

não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo1 – estimula e orienta nossa reflexão

sobre as dificuldades brasileiras. E nessa esfera infelizmente há evidências empíricas,

com dados e metodologias diferenciados2, que mostram de maneira inequívoca que a

produtividade da economia cresceu relativamente bem menos do que na maioria dos

países do mundo nas últimas três décadas. Essa realidade configura-se como o mais

importante obstáculo ao crescimento contínuo e sem dúvida ameaça toda a trajetória

de desenvolvimento brasileira recente, pois corrói incessantemente os fundamentos da

nossa competitividade.

O último grande salto de produtividade no Brasil ocorreu nos anos 1970. De lá

para cá a economia patina sem conseguir elevar a produtividade do trabalho, com

impacto negativo na competitividade das empresas, de modo especial na indústria de

transformação, e no conjunto da economia.

O debate sobre essas dificuldades é tão saudável quanto necessário, ainda mais

quando sabemos que a esmagadora maioria dos países do mundo enfrenta o mesmo

desafio. Há constrangimentos estruturais no Brasil, tais como o déficit de infraestrutura

de transportes e comunicações e o frágil ambiente regulatório e institucional para os

negócios. As distorções e fraquezas da nossa educação, ainda marcada por uma

1 KRUGMAN, P. The Age of Diminishing Expectations. The MIT, 1994.

2 Boletim Radar Tecnologia, Produção e Comércio Exterior, IPEA. Cf. em especial edição de nº 28, de agosto de 2013. Diversos métodos de cálculo de produtividade apontam seu baixo crescimento na indústria nos últimos 20 anos (GOMES; PESSOA; VELOSO, 2003). Há estudos sobre a produtividade total dos fatores que apontam para um crescimento nulo. Ver: http://ppe.ipea.gov.br/index.php/ppe/article/viewFile/78/53 (FILHO; PESSOA; VELOSO, 2010). Outros analisam a evolução da produtividade total dos fatores com ênfase no capital hu-mano e apontam crescimento mais acentuado entre 1992-2007: www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034=71402010000200002-sscript-sci_arttext (FERREIRA; ELLERY; GOMES. Levantamento sobre Produtividade agregada brasileira – 1970-2000: declínio robusto e fraca recuperação). www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-41612008000100002sscript=sci_arttext – Wanderley e Galeano (2013) calculam a produtividade industrial do trabalho e a intensidade tecnológica nas regiões do Brasil. Fazem uma análise setorial e regional da produtivi-dade para o período de 1996-2007. (www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/viewFile/370/286. SCHEINKMAN, J. “O Brasil é um país no qual não importa como se meça a produtividade, nada parece acontecer.”

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qualidade baixa, realçam a distância que separa nosso sistema de produção de

conhecimento, tecnologia e inovação dos países que atuam na fronteira. São fatores

amplamente discutidos por aqueles que mais atentamente se debruçam sobre o

problema da produtividade no Brasil.

No caso do desenvolvimento tecnológico, vale ressaltar que o dinamismo das

economias mais avançadas tem por base relações fortes entre conhecimento e

inovação gestadas no interior das empresas, em geral via departamentos específicos

de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Mas, além dessa dimensão estritamente privada

e interna às firmas, existem ainda articulações variadas com centros e instituições de

ciência e tecnologia (C&T), alicerçados por um sólido sistema educacional com amplo

acesso da população.

Inovação é chave para ganhos de produtividade das empresas e consequentemente

da economia. A Tabela 1 mostra que empresas mais inovadoras no Brasil são mais

produtivas que empresas menos inovadoras. Além disso, há evidências de que a

inovação provoca o aumento do investimento no Brasil. Empresas inovadoras investem

23% mais que empresas não inovadoras, porque, pela sua dinâmica, precisam

transformar sistematicamente seu processo produtivo.

Tabela 1 – Produtividade das empresas por classe de inovação – 2011

Tipo de empresa Número de empresasProdução trabalhador (VTI/

PO), R$ mil

Todas as empresas industriais 98.420 39,03

Não inovadoras 60.612 34,93

Empresas inovadoras 37.808 45,50

Inovadoras para a empresa 35.435 43,91

Inovadoras no mercado nacional 4.420 67,30

Inovadoras no mercado mundial 309 96,38

Fonte: IBGE-Pintec/2011

O lugar especial do conhecimento e da tecnologia no desempenho econômico é

reconhecido pela literatura econômica contemporânea. O conhecimento adquiriu

uma função-chave nos processos produtivos e nos serviços modernos de tal forma

que o padrão de acumulação de riqueza é caracterizado cada vez mais pelas áreas

nele intensivas. No contexto das economias avançadas, as atividades de P&D são

consideradas fonte particularmente relevante para a geração de conhecimento novo.

A centralidade dessas atividades para a acumulação envolve um processo amplo de

capacitações das empresas, como a qualidade coletiva de seus recursos humanos, a

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capacidade de aprendizado coletivo de sua força de trabalho, a presença permanente

de cientistas e engenheiros em centros internos de pesquisa e a vinculação a redes de

conhecimento globais para o aprimoramento de suas competências.

Assim, é amplo o consenso sobre a estreita associação entre desenvolvimento

econômico, conhecimento e inovação tecnológica e o papel central das empresas

na introdução e difusão de inovações no processo produtivo. No entanto, o consenso

não é tão amplo sobre como fazer e difundir inovação tecnológica, especialmente em

condições históricas de desenvolvimento econômico de países de industrialização

tardia como o Brasil.

Existem duas questões centrais neste debate. A primeira está relacionada às

características das empresas líderes estabelecidas e sua capacidade de acumular

recursos e competências em intensidade e densidade suficientes para puxar ou difundir

capacidades e progresso por todo o sistema produtivo. A segunda questão diz respeito

ao papel das políticas públicas no fomento às atividades de inovação.

Em relação à primeira pergunta, De Negri e Lemos (2011) mostraram que o fato de o

setor produtivo brasileiro ser muito heterogêneo do ponto de vista das capacidades

tecnológicas das empresas e de se encontrar em uma posição produtiva e tecnológica

intermediária no mundo implica que parte relevante da inovação tecnológica realizada

pelas empresas brasileiras ocorre por meio da compra de máquinas e equipamentos.

Entretanto, diferentemente das características médias de outras economias em

desenvolvimento industrializadas, a economia brasileira possui um núcleo tecnológico

de empresas que inova por meio da geração de conhecimento novo.

O núcleo tecnológico é formado por empresas que têm capacidade de acumular

conhecimento novo para realizar inovação tecnológica através da liderança em produtos

e custos, com competitividade internacional sustentada. Esse núcleo incorpora também

empresas seguidoras exportadoras e tecnicamente intensivas em escala e as empresas

tecnologicamente emergentes, em crescimento, mas ainda pequenas3. As empresas

3 A liderança é aqui definida do ponto de vista tecnológico e difere, portanto, da liderança de mercado, muitas vezes dimensionada pelas vendas, capacidade produtiva, número de empregos, etc. Assim definidas, a liderança tecnológica pode ser diferente da liderança de mercado. Os grupos de empresas selecionados por ou outro critério podem ser muito distintos em alguns setores.

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desse núcleo estão presentes em todos os setores industriais e têm participação

relevante na maioria desses setores, por serem majoritariamente de grande porte.

Os investimentos privados em P&D precisam, entretanto, ser ampliados mais

rapidamente. Os dispêndios nacionais em pesquisa e desenvolvimento, que incluem

os dispêndios públicos de vários órgãos (federais e estaduais) e empresariais (privados

e estatais), passaram de R$17,2 bilhões, em 2003, para R$54,3 bilhões, em 2012.

Como proporção do PIB, significou sair de 1,01% (2003) para 1,24% (2012). No período

analisado, verifica-se ainda um avanço pequeno na participação do setor empresarial

nos investimentos em P&D em relação ao PIB, passando de 0,49%, em 2003, para

0,56%, em 2012, conforme gráfico a seguir.

Gráfico 1 – Brasil: Dispêndio nacional em pesquisa e desenvolvimento

(P&D), em relação ao produto interno bruto (PIB), por setor, 2000-2012

Fonte: MCTI

Se há controvérsias sobre quão dinâmico é esse núcleo tecnológico brasileiro, a

controvérsia aumenta quando a questão diz respeito ao papel das políticas públicas no

fomento às atividades de inovação. Nas duas últimas décadas o Brasil implementou

diversas políticas de fomento às atividades de CT&I. Muitas dessas políticas são

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reconhecidamente meritórias, mas o problema é que a maior parte tem como base os

mesmos instrumentos e instituições, mudando apenas a roupagem da política.

A diversificação das políticas e a sua adaptação à realidade ainda são insuficientes para

atender aos desafios de inovar melhor e mais rapidamente. Esta é a questão essencial:

diversificação de instrumentos, de programas e de instituições, com base em um

aumento crescente do investimento público e privado.

Esta nota pretende ressaltar novidades na política de fomento à inovação no Brasil

no período 2011-2014 que podem ajudar o país a repensar os instrumentos do seu

Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia. Apesar dos avanços, o sistema brasileiro é

incompleto, imperfeito e inacabado. A boa notícia é que talvez seja sempre assim, porque

nessa esfera a experiência mundial mostra que as políticas públicas são extremamente

dinâmicas e novos instrumentos e instituições surgem a todo momento, seja para

aperfeiçoá-las ou para ampliá-las. A má notícia é que o Brasil tem dificuldades de fazer

diferente, atendo-se a fazer o mesmo (muitas vezes necessário) há muito tempo. A

ideia-mestra que nos move é que o Brasil é um país gigante, heterogêneo, complexo,

onde não basta apenas produzir mais do mesmo e de maneira mais eficiente. O ponto

é que a economia precisa diversificar suas atividades em permanência, de modo a

produzir novos produtos, processos e negócios com mais ciência e tecnologia. Sem

isso a economia corre o risco de patinar, seja oscilando para a frente nos soluços de

dependência do aumento de preços das commodities, seja estagnando na melhoria

de sua capacidade produtiva.

O PLANO INOVA EMPRESA: A POLÍTICA NO RUMO CERTO

Mesmo com os passos dados, a distância que nos separa das nações mais desenvolvidas

ainda é grande. E a ideia de que uma ampla liberalização e abertura da economia

produziriam automaticamente uma convergência tecnológica entre as nações é, além de

antiga, equivocada. Não há evidências de que um bom funcionamento dos mercados

produza uma aproximação gradativa dos países atrasados aos mais desenvolvidos

tecnologicamente. Nenhum país conseguiu se aproximar da fronteira tecnológica sem

estreita cooperação entre os setores público e privado. Mais ainda, nenhum país avançado

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mantém-se na fronteira sem uma intensa cooperação e cofinanciamento das atividades

de risco envolvidas com a geração de conhecimento novo.

É certo que a existência de um ambiente competitivo é fundamental para a inovação,

uma vez que protecionismo e isolamento não tiram a economia e as empresas de

sua zona de conforto. Mas a presença e a participação do Estado são essenciais,

pois a incerteza desse tipo de investimento precisa ser compartilhada e mitigada para

estimular, em cadeia, o envolvimento das empresas. A dinâmica, o ritmo e o tempo da

produção de CT&I nem sempre são previsíveis. Por isso mesmo o Estado é ator de

peso. E é assim que acontece no mundo todo. Não é à toa que os países avançados

escolhem áreas científicas e definem tecnologias críticas a serem dominadas e alocam

recursos públicos altamente subsidiados como meio de impulsionar a inovação. A

realidade nua e crua é que não há desenvolvimento científico e tecnológico sem forte

apoio de recursos e sem subsídios públicos.

O governo brasileiro implementou uma série de incentivos para estimular o investimento

privado na economia nos últimos 12 anos. Foram diversas medidas fiscais, creditícias

e regulatórias, executadas individualmente ou então presentes nas várias versões de

políticas públicas, tais como a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior

(2004), a Política de Desenvolvimento Produtivo (2008), o Programa de Sustentação

do Investimento (2009), o Plano Brasil Maior (2011), a Estratégia Nacional de Ciência,

Tecnologia e Inovação (2012) e o Plano Inova Empresa (2013).

Apesar de falhas e imperfeições significativas no desenho dessas políticas, que estão

associadas à falta de foco e ao excesso de subsídios para segmentos em que o

risco tecnológico é pequeno, o Brasil está no rumo certo nas medidas tomadas para

incentivar a inovação tecnológica e as parcerias entre as empresas e as instituições de

ciência e tecnologia. Há evolução e aprendizado nessas políticas.

O Plano Inova Empresa, lançado em 2013, foi o mais ambicioso programa de inovação

tecnológica lançado até hoje na história do país. E não somente pelo volume expressivo

de recursos (R$32,9 bilhões de dotação) e pelo número de instituições públicas e

privadas envolvidas. De fato, esse programa elevou o patamar das políticas públicas

ao fixar como alvo o aumento da produtividade por meio da inovação tecnológica,

chave para o desenvolvimento econômico em tempos modernos. O programa teve

foco e prioridades; combinou vários instrumentos por meio dos programas setoriais

(como os de Energia, Petróleo, Saúde, Comunicações, Agro, Defesa, Aeronáutica,

Sustentabilidade, Etanol); utilizou o poder de compra do Estado para estimular as

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empresas; e conseguiu aumentar sua ambição tecnológica, o que as fez aprofundar as

parcerias com as instituições de pesquisa e universidades. O Inova Empresa fez isso

sem asfixiar a competição, sem escolher vencedores a priori, com transparência. Por

isso mesmo, trata-se de um programa de um novo tempo, que pede uma segunda

geração de temas, instrumentos e recursos: muito mais recursos.

O diagnóstico de que o núcleo tecnológico da economia brasileira se desloca

lentamente, porém não de maneira desprezível, foi chave para o desenho do Plano

Inova Empresa. De acordo com os dados da Pintec/IBGE, o número de pós-graduados

em P&D nas empresas passou de 2.953 em 2000 para 5.632 em 2011. Em valores

nominais, o investimento em P&D das empresas saltou de R$3,7 bilhões em 2000

para R$14,7 bilhões em 2011. O investimento em P&D como proporção da receita

(intensidade de P&D) subiu de 0,62% em 2008 para 0,71% em 2011. Apesar de essas

atividades serem de maior risco tecnológico, em 2011 apenas 2,1% das empresas

conseguiam financiamento governamental para seus projetos de inovação e de P&D.

O Plano Inova Empresa foi desenhado como uma fonte estável e de longo prazo para

financiar inovação no país, capaz de sustentar a maior propensão a investir em P&D

das empresas brasileiras e criar massa crítica de competências por meio da definição

de focos de atração do esforço empresarial. A Finep deu um sopro de vida ao plano (e

vice-versa). Foi esse modelo planejado para enfrentar desafios tecnológicos de modo a

engajar o setor privado com parcerias institucionais que levou à reestruturação da Finep,

desde seus instrumentos, recursos, processos, qualidade e rigor de seu atendimento

e de seus serviços.

O Inova Empresa estabeleceu seu foco em desafios tecnológicos, em linhas temáticas

definidas em áreas estratégicas de interesse nacional ou com potencial de demanda.

Foram selecionadas áreas com maior possibilidade de desenvolvimento tecnológico

e de maior carência do país, tais como saúde, energia e alimentos. A integração de

instrumentos (crédito, subvenção, renda variável e não reembolsável) e de instituições

de fomento foi também crítica para o desenho do programa. Foram estabelecidas

parcerias entre agentes públicos de fomento (Finep e BNDES), agências reguladoras e

12 ministérios. O programa impulsionou a formação de consórcios de parcerias entre

empresas e instituições de pesquisa com alvo em planos e estratégias empresariais de

inovação, e não em projetos específicos.

Em março de 2013, o Plano Inova Empresa disponibilizou R$32,9 bilhões de crédito

subsidiado, subvenção, renda variável e recursos não reembolsáveis para contratação

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até dezembro de 2014. A demanda por recursos do plano foi surpreendente, o que

demonstra o maior apetite das empresas por recursos para atividades de maior risco

tecnológico. 2.715 empresas inscritas e 223 ICTs participantes demandaram R$98,7

bilhões nos 12 editais executados no âmbito do programa. A Tabela 2 mostra a carteira

de projetos qualificados pela Finep e pelo BNDES.

Tabela 2 – Resultados do Programa Inova Empresa – Setembro 2014

Área AçõesCarteira Total Contratado A contratar

Total BNDES* Finep** Total BNDES* Finep** Total BNDES* Finep**

Energia

PAISS 3,92 2,22 1,70 3,92 2,22 1,70 - - -

Inova Energia 3,82 3,47 0,35 0,24 0,02 0,22 3,59 3,45 0,14

Demais ações 5,16 2,58 2,58 3,82 1,87 1,97 1,32 0,71 0,61

Petróleo e Gás

Inova Petro (1º

Edição)0,25 0,06 0,19 0,13 0,06 0,07 0,12 - 0,12

Inova Petro (2º

Edição)- - - - - - - - -

Demais Ações 2,49 0,59 1,90 1,71 0,59 1,12 0,78 - 0,78

Complexo da Saúde

Inova Saúde -

Fármacos1,27 - 1,27 0,79 - 0,79 0,48 - 0,48

Inova Saúde -

Equipamentos0,41 0,21 0,20 0,06 - 0,06 0,34 0,21 0,13

Inova Saúde –

Demais ações3,98 2,36 1,62 3,36 1,94 1,43 0,62 0,43 0,19

Complexo

Aeroespacial e Defesa

Inova Aerodefesa 2,07 1,53 0,54 - - - 2,07 1,53 0,54

Demais Ações 0,84 0,10 0,74 0,82 0,10 0,72 0,02 - 0,02

TICsInova Telecom 0,88 0,76 0,12 0,12 - 0,12 0,76 0,76 -

Demais Ações 5,46 3,49 1,97 3,17 2,51 0,66 2,29 0,98 1,31

Sustentabilidade

Socioambiental

Inova

Sustentabilidade1,35 1,32 0,03 0,02 - 0,02 1,33 1,32 0,01

Demais Ações 2,91 0,45 2,46 1,57 0,36 1,21 1,34 0,09 1,25

Cadeia Agropecuária

Inova Agro 1,18 0,87 0,31 0,11 - 0,11 1,06 0,87 0,19

PAISS Agrícola 0,40 0,40 - - - - 0,40 0,40 -

Demais Ações 1,62 0,16 1,46 1,02 0,09 0,93 0,60 0,07 0,53

Ações Transversais

Inovação e

Engenharia10,55 6,86 3,69 7,16 4,54 2,62 3,39 2,33 1,06

Descentralização

para MPEs0,78 0,21 0,57 0,57 0,21 0,36 0,21 - 0,21

Infraestrutura para

Inovação1,13 0,64 0,50 0,63 0,47 0,16 0,51 0,17 0,34

Total 50,46 28,27 22,19 29,26 14,98 14,28 21,21 13,30 7,91

Obs.: Data base das informações: 30/09/14 (BNDES) e 11/09/14 (Finep)

* Trata-se de valor total do projeto. Desse valor, uma

média de 34% corresponde a contrapartida

** Trata-se de valor total do projeto, desses na média 32%

correspondem a contrapartida das empresas/ICTs

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Com esses dados, não há dúvida de que o Inova Empresa se consolidou como um

grande programa de inovação que precisa continuar, inclusive com a formatação de um

Inova Educação e de um Inova Mobilidade. O Inova Empresa representou um salto de

qualidade na política tecnológica brasileira. Empresas e ICTs responderam positivamente

com destaque aos projetos de maior qualidade e ao incentivo às parcerias. Houve

um flagrante aumento da disposição tecnológica das empresas, impulsionado pelos

desafios dos focos selecionados com impactos tanto em novas trajetórias como na

elevação do valor médio dos projetos. Mais de 30% dos projetos vieram de novas

empresas, ou seja, empresas que nunca haviam trabalhado com recursos públicos

para inovação. A descentralização permitiu qualificar os agentes para avaliar projetos de

tecnologia, ampliando a rede para melhor atingir as pequenas empresas. Foi significativo

o número de universidades e centros de pesquisa integrados com as empresas e a

integração de instrumentos.

O Inova Empresa foi responsável não apenas por fomentar projetos de melhor

qualidade e mais ambiciosos, mas também por repensar a atuação do setor público no

fomento à inovação. As instituições públicas no Brasil precisam ser aperfeiçoadas para

poder avaliar com rigor e eficiência de projetos de inovação. Particularmente a Finep foi

instigada a repensar seus processos internos, dando mais agilidade, rigor e qualidade

na análise. O processo Finep 30 Dias passou a ser a porta única de entrada de projetos

na empresa, gerou maior eficiência, redução de custos, aumento da demanda e tornou

viável o acompanhamento e a avaliação dos projetos. Por meio desse processo, a Finep

passou a calcular ratings de inovação das empresas e dos projetos, com base em

parâmetros internacionais. Além disso, segregou horizontalmente as áreas de avaliação

dos projetos, dando mais rigor à análise, pois equipes separadas com atribuições claras

e distintas analisam a empresa e o projeto e submetem seus pareceres para apreciação

do Comitê Colegiado de Superintendentes. Segregou também verticalmente, pois

o Colegiado Diretor da empresa, instância final de deliberação, somente aprecia

projetos que foram aprovados pelo Comitê de Superintendentes. Ou seja, a Finep está

blindada de modo a só permitir a evolução de um projeto que tenha méritos técnicos

e tecnológicos. Tudo isso em 30 dias, um processo inédito para o Brasil, ainda muito

carente em eficiência e qualidade na atuação do setor público, especialmente em se

tratando de CT&I.

Uma das fragilidades do Inova Empresa reside no tratamento das startups de base

tecnológica, difíceis de trabalhar, de alcançar e de estimular. Toda uma nova geração

de políticas está sendo testada para dar forma a grandes programas voltados para as

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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pequenas empresas, com base no desenvolvimento acelerado das várias modalidades

de Venture Capital.

Essa nova geração de políticas tem na sua raiz a necessidade de diversificar

instrumentos, programas e instituições do sistema brasileiro de inovação. Desse modo,

avançar na cooperação entre empresas e universidades, assim como estreitar os laços

entre ciência básica e inovação, torna-se essencial.

PLATAFORMAS DO CONHECIMENTO: ELEVAR O PATAMAR E O

IMPACTO DA CT&I NO BRASIL

Nos últimos 20 anos, a inovação e a ciência cresceram rapidamente. O Brasil construiu

uma base empresarial dinâmica e uma forte comunidade científica. Expandiu e fortaleceu

a pós-graduação, criou uma base de infraestrutura, gerou conhecimento de relevo

internacional, desconcentrou suas atividades. As instituições públicas no Brasil foram

capazes de implementar com sucesso um robusto plano de incentivo à inovação, o

Plano Inova Empresa. Esse esforço, porém, conseguiu apenas manter a posição da

CT&I brasileira em relação ao mundo, conforme discutido na IV Conferência Nacional

de Ciência e Tecnologia, em 2010. É necessário um salto de qualidade para diminuir a

distância que separa nossa CT&I da fronteira mundial.

A IV Conferência Nacional de CT&I foi um marco importante na síntese e organização

de ideias para o Brasil. Essa conferência apontou as diretrizes fundamentais que devem

nortear a atividade de pesquisa e inovação: I) redução das desigualdades regionais e

sociais; II) exploração sustentável das riquezas do território nacional; III) fortalecimento

das empresas, agregando valor à produção e à exportação através da inovação; IV)

reforço do protagonismo internacional do país em C&T.

É essencial para o desenvolvimento da sociedade brasileira que nossa CT&I seja

pautada pela busca por maior impacto, tanto na própria dimensão do conhecimento

científico quanto no âmbito social e econômico, de modo a que seus resultados sejam

apropriados por toda a sociedade. O exame das potencialidades da CT&I brasileira, o

grau de maturidade alcançado e a qualidade dos recursos humanos acumulada indicam

que é possível elevar significativamente o padrão e o impacto da nossa produção de

conhecimento no prazo de uma geração.

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O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, apesar de sua juventude,

ganhou estatura e se fortaleceu rapidamente nos últimos quinze anos, porém ainda tem

dificuldades para ganhar escala, desenvoltura e para formar talentos na medida exigida

pelas necessidades que o país tem para se desenvolver. Em que pese o avanço da

descentralização da produção de conhecimento, para o que foi essencial o suporte

das Fundações de Amparo à Pesquisa, que se instalaram em praticamente todos os

estados do país, assim como o crescimento das agências de fomento, a existência

de um repertório de instrumentos modernos e o fortalecimento da infraestrutura de

pesquisa, a escala e a qualidade da CT&I ainda mostram-se insuficientes para atender

a demanda e a necessidade do país.

Apesar de seu crescimento, se mantido o padrão dos investimentos em CT&I realizados

nas últimas décadas, dificilmente o Brasil conseguirá acompanhar o ritmo de expansão

da fronteira da ciência e da tecnologia mundial. Os dados da OCDE e do Eurostat

mostram que, em meados da década de 2000, a taxa de investimento empresarial como

proporção do PIB cresceu na China e nos Estados Unidos 23% e 12%, respectivamente,

enquanto no Brasil esse crescimento foi de cerca de 9%. Apesar da taxa brasileira se

aproximar de alguns países europeus, é importante ressaltar que a escala e a qualidade

de investimento em P&D empresarial desses países são significativamente maiores que

no Brasil.

Entre 2000 e 2012, os dispêndios em P&D no Brasil tiveram um crescimento real de

73%. Para acompanhar o esforço que a China fez, por exemplo, o crescimento real teria

de ser no mínimo o dobro do que foi realizado. Esse crescimento foi mais intenso nos

gastos do Governo Federal (100%) e menor no setor empresarial (61%) e nos governos

estaduais (56%). Em termos relativos, considerando-se os dispêndios em P&D em

relação ao PIB, foi observado um crescimento real de 17% no período, passando de

1,06% do PIB (em 2000) para 1,23% (em 2013). Para um país com as dimensões do

Brasil seria necessário que os investimentos em P&D atingissem um patamar de 2%

como proporção do PIB no final desta década. Vale ressaltar que cada 0,1% do PIB no

Brasil representa investimentos adicionais de R$5 bilhões.

Exemplos internacionais mostram que esse quadro pode ser alterado de maneira

significativa pela adoção de medidas de forte impacto pelo Estado e pelo setor privado.

As trajetórias da Coreia do Sul e da China, por exemplo, registram pontos de inflexão

importantes no seu esforço de investimento em P&D, desde os anos 2000, cujos

resultados permitiram reverter, ainda que parcialmente, a tendência de seu histórico

afastamento da fronteira mundial.

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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O crescimento da produção científica nacional na última década foi extremamente

significativo. Em números absolutos, entre 2000 e 2012 o número de artigos de

pesquisadores brasileiros publicados em periódicos indexados internacionalmente

quadruplicou, passando de 13.022 para 53.083. Em 2000, o Brasil ocupava a 17ª

posição em relação à produção científica mundial e respondia por 1,2% dos artigos

publicados em periódicos internacionais. Em 2006, o país passou para a 15ª posição,

com 1,9% da produção mundial e, em 2012, para a 13ª posição, respondendo por

cerca de 2,5% da produção científica mundial.

Os pedidos de patentes junto ao INPI passaram de 20.639, em 2000, para 33.395, em

2012, apresentando um crescimento de 62% no período. Se considerarmos apenas o

desempenho do depósito de patentes por residentes no país, observa-se que esse

crescimento foi ainda menor (21% no período). Esses resultados são muito inferiores ao

crescimento da produção científica do país (308%) no período em questão, sendo que

o desempenho do número de depósitos de patentes por residentes foi ainda inferior ao

crescimento real do PIB: 48%.

O Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento (PNPC), lançado por meio

do Decreto nº 8.269 em 25/7/2014, procura viabilizar um salto de qualidade na CT&I

brasileira em pelo menos três grandes domínios em que o Brasil pode se transformar em

um protagonista relevante em termos mundiais, dado seu acúmulo de competências

e maturidade científica e tecnológica: Energia, Agricultura e Saúde. Além desses, o

programa prevê uma abordagem sistêmica e ousada da Amazônia e sua biodiversidade,

essenciais para alavancar o Brasil como potência ambiental. Imersas nesses domínios,

a Robótica, Microeletrônica, Neuroengenharia, Biotecnologia, Eletrônica Orgânica,

Fotônica, Inteligência Artificial, Materiais Avançados, Manufatura Digital, Redes e

Sistemas de Computação, Criptografia, Big Data, Satélites e outros encontrarão todo

o terreno para se desenvolver, com especial atenção para as áreas de futuro em que o

Brasil já possui forte acúmulo e relevância mundial, como a Aeronáutica.

Em torno desses campos de pesquisa, é possível constituir plataformas para uma

mudança estrutural da nossa ciência, capazes de estimular e de ser estimuladas por

uma economia e um ambiente inovador de que tanto necessitamos.

As Plataformas do Conhecimento são articuladoras e otimizadoras de ecossistemas

de inovação, de modo a promover a integração de agentes públicos e privados

nos domínios da ciência, tecnologia e inovação, como Instituições de C&T (ICT) e

empresas, visando à produção do conhecimento, de novas tecnologias e inovações.

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As plataformas são necessariamente temáticas, focadas no desenvolvimento de

tecnologias críticas específicas e localizadas em dada região geográfica, visando à

apropriação das economias de aglomeração do conhecimento ali estabelecidas. Terão

gestão centralizada de recursos, com base no arranjo jurídico-institucional que melhor

se adaptar às características de sua articulação institucional, a ser definido durante o

processo de seleção da plataforma. Trata-se, portanto, de um programa inédito de

articulação, integração e otimização da oferta e da produção de conhecimento científico

e tecnológico nacional.

Como exemplos internacionais de plataformas que inspiraram o modelo proposto,

temos o Digital Manufacturing and Design Innovation Institute (Chicago, EUA), o Next

Generation Power Electronics Manufacturing Innovation Institute (na Carolina do Norte,

EUA), o Institute of Science and Technology Austria (Áustria), o Advanced Manufacturing

Research Center (Boeing/University of Sheffield, na Inglaterra), o Graphene Research

Centre (Basf/National University of Singapore), o Cambridge Science Park, o Sky Clean,

o MIT Energy Initiative, entre outros.

O arranjo institucional das Plataformas do Conhecimento está previsto para se basear:

a) em uma equipe com liderança de reconhecida capacidade científica e tecnológica,

com base em uma ICT que os autorizará a participar do programa; b) em uma instituição

gestora, por exemplo, uma organização social, que será responsável pela gestão dos

recursos e administração da plataforma; c) por empresas voltadas ao desenvolvimento

e à produção do conhecimento produzido; e d) por instituições associadas à plataforma

(empresas e/ou ICTs) por meio de contratos ou convênios estabelecidos para a

produção científica e tecnológica da plataforma, mas não necessariamente localizadas

na mesma região.

O programa tenderá a reduzir nosso déficit de infraestrutura científica, tecnológica e de

inovação, com base em uma gama de desenvolvimentos que irá da pesquisa básica,

passando pela aplicada, até chegar a novos processos tecnológicos e soluções

inovadoras para a economia e a sociedade. Se utilizarmos a metodologia de avaliação

do grau de maturidade de tecnologias (Technology Readiness Levels – TRL) – que

vai de 1 a 10, sendo que, quanto mais próximo de 10, mais a tecnologia estará à

disposição do mercado –, as plataformas terão como foco principal os níveis de 4 a

7. Estudos consistentes apontam que uma das principais fragilidades dos sistemas

nacionais de inovação situa-se exatamente nesse intervalo, quando o foco é tecnologia,

com destaque para o chamado “vale da morte”, em que ideias, processos e produtos

perdem energia e apresentam descontinuidades em seu desenvolvimento.

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

56

Espectro de atuação das Plataformas do Conhecimento

Fonte: Elaborado a partir de dados do Office of Science and Technology

Policy, US National Security and International Affairs, 2011.

SENSO DE URGÊNCIA PARA 2015-2018

Ainda temos muito por fazer e não é apenas uma questão de quantidade de recursos.

O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação faz a mesma coisa da mesma

forma há décadas. Com os atuais instrumentos disponíveis não será possível ampliar

os investimentos em CT&I no Brasil. Para se aproximar dos países avançados, o

investimento público em CT&I precisa crescer aproximadamente 10% ao ano para saltar

dos atuais R$28 bilhões e atingir R$60 bilhões em 10 anos. O sistema precisa se tornar

mais diversificado, mais complexo e mais ágil.

Os EUA destinam mais de US$130 bilhões por ano para Ciência e Tecnologia (C&T) e

seus instrumentos de apoio são muito diversificados. Além do que vai para a Defesa,

cerca de US$30 bilhões vão para os 27 institutos nacionais de pesquisa em saúde

e cerca de US$12 bilhões para Energia (17 laboratórios nacionais). Mais de 6 mil

pesquisadores estão nesses institutos, cuja operação é feita por instituições privadas

sem fins lucrativos. Nesse ambiente, pesquisas de ponta geram novos medicamentos,

equipamentos e tratamentos produzidos por empresas privadas associadas aos

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institutos. Um sistema que envolve enormes subsídios do Estado, que melhoram a

saúde das pessoas. Além disso, os Estados Unidos investem atualmente mais de

US$1 bilhão para a criação de uma Rede Nacional para a Inovação Industrial, com 45

institutos.

A Comunidade Europeia, na mesma direção, apoia um programa de Plataformas

Tecnológicas, com agendas de longo prazo que cobrem da pesquisa básica aos

produtos e processos de interesse da indústria. Cerca de 40 plataformas estão em

operação. O mesmo ocorre na Ásia. É por isso que os nossos avanços, ainda que

fortes, foram insuficientes, uma vez que outros países avançaram mais rapidamente

que o Brasil. Mesmo os países que já atuam na fronteira da inovação estimulam

vigorosamente a ciência e a tecnologia. Todos, sem exceção, servem-se de recursos

públicos altamente subsidiados. A verdade é que o Brasil precisa fazer CT&I mais,

melhor e mais rápido. Não podemos nos contentar em fazer mais do mesmo.

Assim, é possível agrupar universidades e instituições de pesquisa com nossas

empresas – em torno de centros de CT&I de última geração, movidos pela inteligência

de engenheiros, físicos, químicos, biólogos e centenas de outros pesquisadores

(brasileiros e estrangeiros) para dar origem a novos arranjos capazes de entregar

para a sociedade brasileira produtos e processos de alto impacto social. Vacinas,

medicamentos, materiais avançados, sementes resistentes às mudanças do clima,

sistemas de laser para a agricultura são exemplos que podem salvar vidas e estimular

nossa economia.

Apesar das dificuldades, por mais contraditório que possa parecer, o país tem rumo

quando o assunto é CT&I. No entanto, precisa ter senso de urgência e ousadia, porque

neste caso a pressa é amiga da perfeição. Temos de manter e aperfeiçoar todo o

sistema nacional instalado, a começar pelo fortalecimento do CNPq e da Capes. A

Finep pode e deve ser base para a construção de uma superagência de inovação,

capaz de investir R$40 a R$50 bilhões por ano, atingindo milhares de empresas. Planos

sem ousadia somente levarão a Finep à mesmice e à perda de identidade no panorama

institucional brasileiro.

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Ao mesmo tempo, temos de aumentar o volume de investimento e elevar a escala de

geração de CT&I, aprofundando a parceria público-privada. Sem ousadia, dificilmente

o Brasil conseguirá alçar voos mais altos e elevar sua produtividade e competitividade.

Deve ser ressaltado que, no período 2009-2011, dentre as 7.177 empresas que

investiram continuamente em P&D, apenas 421 obtiveram financiamento em parceria

com universidades e apenas 245 obtiveram subvenção econômica. O plano Inova

Empresa (2013) foi um grande avanço, mas ainda insuficiente para inovações mais

robustas, mais intensivas em conhecimento e ciência.

Apesar dos indicadores robustos do Inova Empresa, o plano atingiu menos de

1/3 das empresas que já fazem P&D contínua. A maior parte dos recursos ainda é

disponibilizada para as empresas na forma de crédito subsidiado. Os recursos não

reembolsáveis para empresas e universidades, a participação de risco no capital e as

compras governamentais no setor de saúde, petróleo e defesa terão de ganhar mais

relevância em uma nova edição do plano. Sem isso, sem o aumento significativo da

subvenção econômica, dificilmente as empresas entrarão nas áreas de maior risco

tecnológico.

As Plataformas do Conhecimento levarão dois ou três anos para começar a ter

relevância, em parte porque as instituições no Brasil terão de aprender a trabalhar com

encomendas tecnológicas, conforme previsto no art. 20 da Lei de Inovação de 2004.

Deve ser ressaltado que uma Plataforma do Conhecimento é uma empresa, ou um

consórcio, ou uma entidade privada sem fins lucrativos que reúne agentes públicos e

privados que atuem em conjunto para obter resultados concretos para a solução de

problema técnico específico ou obtenção de produto ou processo inovador de elevado

risco tecnológico, com metas e prazos definidos.

No entanto, as bases desse programa estão em perfeita sintonia com o que há de

mais moderno feito no mundo hoje. O programa está fundamentado em encomendas

tecnológicas do governo, visão de longo prazo, previsibilidade de orçamento, foco em

grandes oportunidades tecnológicas, econômicas e sociais, parcerias público-privadas

(empresas, ICTs, governo, laboratórios) com foco na entrega de produto, processo e

solução de problemas específicos, chamada pública para seleção de propostas com

regime especial para contratação e compras e parceria internacional para seleção,

desenvolvimento e avaliação de resultados.

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O Brasil também segue tendências internacionais de aumentar o gasto em CT&I nos

ministérios setoriais. Excluindo os dispêndios do MEC, o MCTI não está mais sozinho no

apoio ao sistema de CT&I, pois hoje responde por 50% dos dispêndios em C&T. Além

disso, há um conjunto de obrigatoriedades legais vinculadas às agências reguladoras

e fundos (Aneel, Anatel, ANP, Funttel e outros), além de Senai, Petrobras e BNDES, que

também criaram meios com capacidade de financiar o sistema de CT&I no Brasil. Essa

tendência precisa ser ampliada.

Inova Empresa e plataformas não são suficientes, nem propostas “salvadoras” que,

de resto, não existem. É essencial pensar um novo modelo para o sistema de CT&I no

Brasil, com outra escala, lógica e processos decisórios para alocação do investimento.

Em 2015, a prioridade para alavancar o sistema de CT&I no Brasil é a regulamentação do

Fundo Social. Embora o Fundo Social também tenha como finalidade o desenvolvimento

da ciência e tecnologia (art. 47 da Lei nº 12.351), a sua aplicação nessa área ainda

não foi regulamentada. Até agora, apenas cerca de 50% dos recursos arrecadados

do Fundo Social foram destinados à saúde e à educação, conforme definido na Lei nº

12.858/2013, para fins de cumprimento da meta prevista de 10% do PIB estabelecida

no inciso VI do caput do art. 214 e no art. 196 da Constituição Federal, para educação

e para aplicações prioritárias na área da saúde.

Seria necessário que pelo menos uma parcela de 20% dos recursos ainda não

comprometidos do Fundo Social sejam destinados obrigatoriamente à ciência,

tecnologia e inovação. Para tanto, é indispensável a regulamentação do Comitê

de Gestão Financeira do Fundo Social (CGFFS), mediante decreto, a quem cabe a

destinação dos recursos, ou mediante legislação específica, conforme feito com as

áreas de saúde ou educação. Abrir o Fundo Social para que ministérios e agências

tenham acesso direto aos seus recursos é central para ampliação do sistema de CT&I

no Brasil.

É decisivo também aproximar da Presidência da República as decisões estratégicas

sobre ciência e tecnologia. Para isso, é preciso reorganizar e reorientar algumas

instituições, organizações e conselhos de modo a criar uma estrutura decisória rápida e

capaz de atender às necessidades com a urgência de que o Brasil precisa.

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A contribuição do BNDES para a política industrial brasileira

2003-2014

João Carlos Ferraz

Felipe Silveira Marques

Antônio José Alves Jr.

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INTRODUÇÃO

Crescer com distribuição de renda implica enfrentar importantes desafios: sustentar a

estabilidade macroeconômica; induzir importações que contribuam para a eficiência

e o bem-estar; promover exportações que fortaleçam a capacidade competitiva

e contribuam para a sustentabilidade macroeconômica; retomar a expansão do

investimento, em particular aqueles que fortaleçam a capacidade das empresas de

inovar para enfrentar um ambiente de acirramento da concorrência.

Esses desafios não são apenas desafios para o Brasil, e é o contexto no qual os

Estados nacionais introduzem, com alta prioridade e proatividade, políticas industriais,

de comércio exterior e de inovação, ou políticas de desenvolvimento produtivo, em

busca de melhor posicionamento de suas economias (CEPAL, 2007; STIGLITZ; LIN,

2013; CRESPI; FERNÁNDEZ-ARIAS; STEIN, 2014). Especificamente para o Brasil, há

comprovada capacidade de competir em custos nas commodities, mas a agregação

de valor é necessidade premente; a crescente inclusão econômica define um mercado

interno com alto potencial, mas que demandará mais qualidade e diversificação; a

ampla carteira de projetos de infraestrutura, que induzirão eficiência sistêmica, cada vez

mais demanda bens e serviços de alta qualidade e sofisticação; as cadeias produtivas

na indústria de transformação demandam fortalecimento.

O sucesso de qualquer política industrial consiste, em grande medida, em induzir

investimentos que mitiguem fraquezas e induzam o fortalecimento da capacidade

competitiva das empresas. Da disposição ao investimento surge a demanda de

financiamento mais adequado às características dos ativos que serão formados. Assim

sendo, para que um sistema financeiro seja funcional ao desenvolvimento, ele deve

se empenhar no lançamento de soluções financeiras adequadas aos objetivos do

investimento e à capacidade de assumir compromissos das empresas.

O financiamento do investimento é singular ao momento e ao lugar onde ele é

realizado. Assim, este artigo pretende explorar e demonstrar que tipo de papel o BNDES

exerceu na implementação das políticas industriais recentes no Brasil. O artigo está

organizado em sete seções. Na primeira, discutem-se as razões para que bancos de

desenvolvimento financiem o desenvolvimento. A segunda seção aborda a evolução

do sistema financeiro no Brasil. A terceira seção destaca a contribuição do BNDES

para o desenvolvimento brasileiro. Nas três seções seguintes, destacam-se soluções

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financeiras do BNDES nas três políticas industriais recentes: PITCE, PDP e PBM. A

última seção traz as conclusões.

1 - O FINANCIAMENTO DO INVESTIMENTO E OS BANCOS DE

DESENVOLVIMENTO

Apesar de terem perdido prestígio desde os anos 1980, as políticas industriais

continuaram sendo empregadas em muitos países. A ascensão extraordinária das

economias asiáticas, nas últimas décadas do século 20, foi em grande medida resultado

dessas políticas (AMSDEM, 1989; 2007; STIGLITZ; LIN; MONGA, 2013). No mundo

desenvolvido, mesmo sob fogo cerrado dos defensores do Consenso de Washington,

a política industrial não foi completamente abandonada. Ela sobreviveu, ainda que

chamada por outros nomes1 ou justificada por questões diversas da estratégia de

desenvolvimento econômico, tais como segurança nacional2.

Ainda assim, até a crise financeira recente, o cenário era de timidez quanto ao uso da

política industrial na defesa dos interesses nacionais, especialmente entre os países

da OCDE, mesmo diante do avanço da Ásia e da redução do peso da indústria em

vários países. A partir da crise, o quadro foi significativamente alterado. Os países

desenvolvidos intensificaram o uso dessas políticas, visando declaradamente a

aumentar o peso doméstico da manufatura como forma de recuperar não apenas

empregos e crescimento, mas principalmente a participação na corrida pelo progresso

tecnológico.

Para isso estabelecem-se metas explícitas de aumento do valor adicionado da

manufatura, de produção com conteúdo tecnológico e de aumento das exportações de

bens manufaturados, configurando claramente estratégias nacionais de valorização da

indústria. Em cada país, combina-se, de acordo com as capacidades e conveniências,

um conjunto amplo e variado de instrumentos, mais ou menos articulados, tanto de

natureza horizontal quanto vertical (seletiva). O espectro engloba desde as políticas

macroeconômicas, tais como a monetária, cambial e tributária, até a regulação da

concorrência, pelo uso de instrumentos de proteção tarifária e não tarifária combinadas

1 Block e Keller (2011), citados em Mazzucato (2013), explicam que as diretivas de política industrial têm sido ocultadas principalmente para evitar reações políticas negativas ou para contornar restrições impostas por tratados internacionais.

2 Ver em Weiss (2014) como nos EUA o objetivo da segurança nacional justifica o emprego de recursos expressivos na política industrial.

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com instrumentos de promoção de exportações, pelos subsídios à produção e/ou

compra de produtos locais e margens de preferência para compras públicas3.

Dentre os instrumentos de política industrial, o uso dos mecanismos financeiros públicos

é certamente dos mais importantes. Por meio do direcionamento de crédito para

setores, regiões ou grupos sociais específicos, da criação de fundos garantidores, de

fundos orçamentários e da ação de bancos de desenvolvimento, os governos procuram

garantir recursos financeiros em condições adequadas aos investimentos necessários.

Pesquisa recente do Banco Mundial4, restrita apenas aos Bancos de Desenvolvimento5

(BD), contemplou 90 deles em todo o mundo, incluindo países desenvolvidos, com

destaque para a Alemanha, que possui 17 BDs regionais e 2 nacionais.

A generalização do emprego dos BDs6, por sua vez, indica que há dificuldades dos

sistemas financeiros privados em prover meios para financiar demandas decorrentes

do investimento, de modo funcional7. A concessão de financiamentos passa a conter

incertezas quando referida a projetos verdadeiramente novos, ainda não experimentados

pelos empresários. Tal situação parece ser mais grave em contextos de incerteza,

principalmente associados a processos de inovação.

Também não são raros os casos em que as instituições financeiras privadas simplesmente

não se dispõem a financiar atividades essenciais para o desenvolvimento. Como exemplo,

em quase todo o mundo, quanto ao financiamento de micro e pequenas empresas,

exportações de bens de capital e serviços de construção, apoio a comunidades

carentes e/ou regiões menos desenvolvidas e infraestrutura, raramente interessa ao

mercado correr os riscos aí envolvidos. Essa situação, como é de se esperar, agrava-

se nas fases de baixa do ciclo econômico, como o que se testemunha nos dias de

hoje. No caso de economias em desenvolvimento, as dificuldades listadas são ainda

3 Warwick, K. (2013) faz uma descrição detalhada das políticas industriais em curso nos países-membros da OCDE e de economias emergentes.

4 Luna-Martínez e Vicente (2012).

5 Compreendidos aqui como as instituições financeiras ou bancárias controladas pelo governo que recebem mandato de desenvolvimento, mais ou menos amplo, de setores e/ou regiões, seguindo a classificação empregada em Ferraz, Além e Madeira (2013).

6 Nas apresentações do KfW e dos bancos de desenvolvimento do Canadá, da China, da Coreia do Sul, da Índia, da Finlândia e da Rússia, no seminário MINDS/BNDES/CEF, The Present and the Future of Financial Institutions – a learning dialog. Disponível em: <www.minds.org.br/conferenciabndes2014/?page_id=10090>. Encontram-se exemplos de variadas formas de apoio a atividades e grupos que não encontram suporte no mercado, seja em países em desenvolvimento, seja em desenvolvidos.

7 O conceito de funcionalidade aqui empregado encontra-se em Studart (1995). Um sistema financeiro é funcional na medi-da em que provê financiamento suficiente para as necessidades de uma economia em pleno emprego, mitiga a tendência à fragilidade financeira e orienta o financiamento segundo as diretrizes das políticas de desenvolvimento.

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mais graves, pois aí o sistema financeiro tende a ser pouco diversificado e com baixo

aprofundamento, representando sérias restrições financeiras ao desenvolvimento.

Por essa razão, cabe aos Estados desenvolver políticas e instituições que deem maior

funcionalidade ao sistema financeiro. Isso pode ser alcançado por meio do uso de

mecanismos de crédito direcionado e subsídios, para induzir instituições financeiras

a fazerem operações de crédito para atividades percebidas como menos rentáveis.

Na mesma linha, os Estados podem financiar diretamente as atividades, empregando

bancos de desenvolvimento.

2 - UMA BREVE HISTÓRIA DO SISTEMA FINANCEIRO BRASILEIRO

Historicamente, no Brasil, um dos gargalos ao avanço do processo de industrialização tem

sido a baixa capacidade do sistema financeiro de financiar operações crescentemente

complexas. Na medida em que a indústria local evoluía em direção à produção de bens de

consumo duráveis, bens de capitais e infraestrutura, as necessidades de financiamentos

de crescente volume, prazo e sofisticação aumentavam. Contudo, o sistema financeiro

privado brasileiro não conseguiu acompanhar a demanda de financiamento aos

investimentos sem deixá-los vulneráveis (LESSA, 1982; TAVARES, 1973). Às empresas

restava o financiamento com recursos próprios, a adoção de estruturas financeiras

especulativas, com maturidade inferior ao ativo, ou o financiamento externo.

A criação do BNDE, em 1952, foi uma tentativa de prover financiamento de longo prazo

para a economia brasileira (BNDES, 2013). Inicialmente, o banco foi responsável pela

gestão do Fundo de Reaparelhamento Econômico, que contava com recursos do

imposto de renda (15% da arrecadação), 25% das reservas técnicas das seguradoras

e o compromisso de emissão monetária, se fosse necessário. Além do financiamento

do BNDE, o processo de industrialização contava com incentivos fiscais, subsídios

cambiais à exportação de equipamentos, financiamento externo para aquisição de

equipamentos e o autofinanciamento. Tal esquema institucional foi bem-sucedido, mas

demonstrou sinais de fadiga na medida em que aumentava a inflação e a economia se

tornava mais complexa (SOCHACZEWSKI, 1993).

A recessão experimentada no início dos anos 1960, atribuída em parte a fatores de ordem

financeira, inspirou a reforma do sistema financeiro, de 1964-1966. No que se refere ao

setor bancário, instaurou-se a separação entre instituições e a elas foram atribuídas

funções específicas, uma tradução da legislação americana Glass-Steagal, de 1933.

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

66

Aos bancos comerciais coube o financiamento do capital de giro; às financeiras, o

crédito ao consumidor; aos bancos de investimento, o crédito para o investimento. A

reforma ainda lançou as bases para a modernização do mercado de capitais brasileiro,

com o objetivo de desenvolver as possibilidades de colocação de dívida e de ações

junto ao mercado.

A despeito do esforço de construção institucional de mecanismos financeiros privados

de longo prazo, que prosseguiu nos anos posteriores, o endividamento externo, o

emprego de recursos orçamentários e o autofinanciamento continuaram sendo a base

do financiamento do desenvolvimento, juntamente com os financiamentos públicos

(HERMANN, 2010). Por motivos de natureza macroeconômica, em especial, o processo

inflacionário e o endividamento externo e interno, e de cunho institucional, a indexação

da dívida pública e o mecanismo de zeragem automática, o segmento privado do

sistema financeiro progressivamente concentrou-se em operações de curtíssimo prazo,

extremamente lucrativas e com altíssima liquidez (PAULA, 1997). O desenvolvimento do

sistema bancário privado e do mercado de capitais na direção do financiamento de

longo prazo ficou muito aquém do esperado com as reformas e das necessidades de

investimento no Brasil.

Em 1988, o sistema financeiro passou por nova reforma, com a criação dos bancos

múltiplos. Foi o reconhecimento de que a segregação de funções, prevista pela reforma

1964-1966, havia sido ultrapassada pela realidade. Do ponto da funcionalidade do

sistema financeiro para o financiamento de longo prazo, porém, pouco se avançou.

O financiamento de longo prazo continuou repousando nos bancos públicos, cujos

participantes tinham funções mais ou menos especializadas. Grosso modo, ao BNDES

(nova denominação a partir de 1982) coube o papel de financiador da infraestrutura

e da indústria. À Caixa Econômica Federal foi atribuído o papel do financiamento

habitacional, enquanto ao Banco do Brasil competiu o financiamento da agricultura.

Aos demais bancos de desenvolvimento, com ação mais localizada geograficamente,

coube o apoio ao desenvolvimento regional.

Em 1994, com a reforma monetária que introduziu o real e conteve a inflação, supunha-

se que os bancos e os mercados de capitais fossem evoluir para operações de longo

prazo, como resposta estratégica à perda de relevância dos ganhos de floating. Não

obstante, os juros elevados para manter o câmbio fixo propiciaram a continuidade

dos ganhos com o financiamento de curto prazo da dívida pública. Diante das boas

oportunidades com operações de tesouraria, nem mesmo as operações de crédito

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mais convencionais chamaram a atenção dos bancos privados, com exceção

das operações de curtíssimo prazo, como as embutidas no cheque especial e no

financiamento de cartões de crédito (ALVES JR., 2001).

Somente dez anos depois da consolidação da estabilidade de preços, do avanço da

distribuição de renda e da retomada do crescimento, o crédito bancário e o mercado de

capitais também se expandiram. A relação do crédito com o PIB saiu de 24% do PIB em

2003 para 47% do PIB em 2008, enquanto as emissões primárias (ações, debêntures,

notas promissórias e certificados de recebíveis imobiliários) cresceram, em proporção

do PIB, mais de 5 vezes, passando de 0,55% do PIB para 2,64% do PIB, no mesmo

período. Mesmo assim, boa parte do financiamento de longo prazo no Brasil continuou

a cargo dos bancos públicos.

Com a crise do subprime, nos EUA, encerrou-se o ciclo recente de expansão da

atividade financeira privada no Brasil. As instituições privadas praticamente congelaram

a concessão de crédito nos níveis de 2008, assim como o mercado de capitais perdeu

momento. Não fossem os bancos públicos compensando o recuo dos bancos

privados, o sistema de crédito teria entrado em sérias dificuldades.

3 - A CONTRIBUIÇÃO DO BNDES PARA O DESENVOLVIMENTO

BRASILEIRO

O BNDES é o principal provedor de financiamento de longo prazo no Brasil, respondendo

por cerca de dois terços dos empréstimos bancários de prazo superior a cinco anos.

O BNDES está entre os maiores bancos de desenvolvimento do mundo em termos de

ativo, patrimônio líquido e desembolso, em conjunto com o KfW alemão, o CDB chinês

e o KDB coreano (FERRAZ; ALÉM; MADEIRA, 2013).

Como instituição financeira controlada integralmente pela União e dotada de fontes

estáveis de funding para o desempenho de sua missão, o BNDES vem respondendo,

ao longo de sua história, aos desafios de promoção do desenvolvimento econômico

e social do país8. Esse papel é desempenhado por meio de um conjunto amplo de

linhas e programas, capazes de oferecer, numa enumeração não exaustiva: suporte de

crédito ou project finance a grandes projetos industriais e de infraestrutura; promoção da

comercialização de máquinas e equipamentos (através da Finame); apoio à exportação

8 Para uma visão da trajetória do BNDES, ver BNDES (2013).

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de equipamentos e serviços de engenharia; atendimento às micro e pequenas

empresas; modernização da administração pública; financiamento à inovação; apoio à

indústria cultural; e fortalecimento de balanços e governança corporativa das empresas

na atuação em renda variável através da BNDESPAR.

Desde a crise financeira internacional, cresce a importância do BNDES. Seguindo sua

missão de promover o emprego, principalmente por ter o FAT como principal fonte de

recursos, neste mesmo período foram criados ou mantidos em média 4,5 milhões de

postos de trabalho durante a fase de investimento (efeitos diretos, indiretos e efeito

renda). Os desembolsos crescem e situam-se na casa dos US$80 bilhões, anualmente.

Os investimentos alavancados pela instituição, entre 2009 e 2013, respondem por 20%

do total da formação bruta de capital fixo. Mais importante, conforme mostra a Figura 1:

há uma aparente correspondência entre a evolução do investimento e os desembolsos

do BNDES, ao longo dos anos.

Figura 1: Formação bruta de capital fixo e desembolsos BNDES (% PIB)

15,0

16,0

17,0

18,0

19,0

20,0

0,0

1,0

2,0

3,0

4,0

5,0

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Desembolsos/PIB FBCF/PIB

Fonte: BNDES e IBGE.

A contribuição do BNDES para o desenvolvimento brasileiro tem sido objeto de

avaliação por pesquisadores independentes e do próprio banco, a partir de ângulos

ou temáticas bastante variadas9. O Quadro 1 compila um subconjunto específico

9 Os estudos de monitoramento e avaliação de efetividade desenvolvidos por técnicos do BNDES podem ser encontrados em: www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/BNDES_Transparente/Efetividade.

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desses estudos: aqueles de natureza quantitativa, que utilizam técnicas econométricas

e grupos de controle para substanciar a efetividade do apoio do BNDES. O Anexo 1 traz

mais detalhes sobre a especificação dos estudos.

Quadro 1: Avaliações de impacto do BNDES, 2002-2014

(estudos quantitativos com grupos de controle)

Estudo/Variável ExaminadaImpacto do apoio do BNDES

Investimento Emprego Exportações Produtividade

Ottaviano e Sousa, 2008 Parcialmente

positivo

Ribeiro e De Negri, 2009 Não

significativo

Coelho e De Negri, 2010 Positivo Positivo

De Negri et al., 2011 Positivo PositivoNão

significativo

Galleti e Hiratuka, 2011 Positivo

Machado et al., 2011* Positivo

Ottaviano e Sousa, 2011 Não

significativo

Lazzarini et al., 2012Não

significativo

Lobo e Silva, 2012 Positivo

Oliveira, 2013 Positivo

Machado et al., 2014* Positivo

Sant’Anna et al., 2014* Positivo

Conclusão das avaliações Positivo Positivo Positivo Inconclusivo

* Autor principal é funcionário do BNDES.

Nota metodológica: os estudos envolvem painel de empresas e as

bases de dados são PIA/IBGE, RAIS/tem, Serasa ou Economática.

Fonte: Marques (2014).

Nas dimensões de emprego e exportações, os estudos listados foram unânimes em

identificar maior crescimento dessas variáveis em empresas apoiadas pelo BNDES

em comparação com empresas similares não apoiadas. Na dimensão investimento,

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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apenas Lazzarini et al. (2012)10 não identifica impacto positivo do apoio do BNDES na

elevação do investimento. Na dimensão de produtividade, o balanço é inconclusivo.

Devido à importância dos financiamentos do BNDES para o investimento no país, é de

se esperar uma importante participação do BNDES no apoio à formulação e execução

das políticas industriais brasileiras. De fato, no Plano de Metas (1956-1961), o BNDE,

além de principal financiador, atuou como secretaria executiva do plano (BNDES,

1996), papel que lhe foi atribuído no Conselho Nacional de Desenvolvimento. Suas

equipes participaram dos Grupos Executivos, tais como o Grupo Executivo da Indústria

Automobilística (Geia), fornecendo diagnósticos e apoiando o processo de substituição

de importações colocado em curso. Nos dois primeiros Planos Nacionais de

Desenvolvimento (PND) do governo militar nos anos 1970, o BNDE teve papel decisivo

no apoio à diversificação e consolidação do parque industrial brasileiro, especialmente

nos setores de bens de capital e insumos básicos (BNDES, 2013, p. 65-69). Até mesmo

na Política Industrial e de Comércio Exterior (PICE) do governo Collor (1990-1992), o

BNDES aparece com destaque na formulação do conceito de integração competitiva

(SALLUM JR., 2011; MOURÃO, 1994). Durante a administração FHC, o BNDES torna-se

a instituição promotora do processo de privatização e, a partir da administração Lula,

o BNDES aparece novamente com destaque, conforme será detalhado nas seções a

seguir.

4 - O BNDES E A PITCE (2003-2007)

A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), lançada em 2003,

marca a retomada da política industrial, com foco em inovação e em um conjunto de

quatro setores, denominados “opções estratégicas” (BRASIL, 2003). O foco da PITCE

em inovação refletiu-se em diversas ações de fomento do BNDES: i) linhas transversais

de crédito, como a Inovação PD&I e a Inovação Produção, lançadas em 200511; ii)

programas setoriais de apoio, como o Prosoft (que já vinha sendo objeto de fomento

desde 1997), o Profarma, criado em 2004; e o Proengenharia, de 2007; iii) apoio não

reembolsável a projetos de instituições científicas e tecnológicas em parceria com

empresas por meio do Fundo Tecnológico (Funtec), recriado em 2006; e iv) participação

10 O estudo, no entanto, tem duas limitações frente aos demais: i) utiliza uma base de dados com um número limitado de empresas (286 empresas de capital aberto, com base na Economática, contra 5 e 20 mil empresas dependendo do ano do estudo na PIA/IBGE, RAIS/MTE ou Serasa); e ii) identifica apoio do BNDES por meio da presença de dívida em TJLP no balanço das empresas, o que não especifica o momento preciso do apoio e dificulta o controle dos efeitos de defasagem associados ao investimento, contra o ano de contratação da operação ou de desembolso de recursos, que é mais apropriado para estabelecer correlações.

11 Em 2012, as linhas de crédito para apoio à inovação foram unificadas na linha BNDES Inovação.

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no capital de empresas inovadoras, diretamente ou via fundos, como o Criatec, de

2006. Desde então e com as seguintes políticas, PDP, PBM e, no marco deste último, o

Inova Empresa, o apoio do BNDES à inovação cresce: o desembolso anual passa de

R$161 milhões em 2004 para R$5,2 bilhões em 2013.

Em fármacos e medicamentos, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia

Produtiva Farmacêutica (Profarma) tem buscado a ampliação de capacidade produtiva,

a adequação das empresas às boas práticas de fabricação, a indução a projetos

inovadores e o fortalecimento das empresas nacionais. Em setembro de 2007, o

Profarma foi renomeado Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Complexo Industrial

da Saúde, para ressaltar sua articulação com a Política Nacional de Saúde e incluir

o suporte a outros segmentos do complexo produtivo, como equipamentos médico-

hospitalares. Desde sua origem, o Profarma apoiou 114 projetos, com financiamento

da ordem de R$5,2 bilhões, que alavancaram investimentos de cerca de R$7 bilhões

(posição de junho de 2014). Conforme Pieroni et al. (2011), as empresas apoiadas

pelo BNDES Profarma entre 2004 e 2009 aumentaram em 116,4% sua capacidade

produtiva, contra 49,5% registrados para a indústria farmacêutica em geral. Tal movimento

contribuiu para o aumento de 35% para 51% da participação da indústria farmacêutica

nacional nas vendas. Adicionalmente, as empresas apoiadas pelo BNDES aumentaram

seus investimentos em P&D de 2% para 3% da receita líquida e o seu pessoal médio

ocupado em P&D de cerca de 200 para 700 pessoas. A terceira fase do programa,

lançada em 2013, coloca como novo desafio o desenvolvimento e a produção de

produtos para a saúde humana com base em biotecnologia moderna, o que pode

levar a indústria nacional a um novo patamar de desenvolvimento (REIS et al., 2011;

PIMENTEL et al., 2012; PALMEIRA FILHO et al., 2012).

Já no setor de software, o Programa para o Desenvolvimento da Indústria Nacional

de Software e Serviços Correlatos (Prosoft) foi significativamente ampliado em 2007,

recebendo orçamento de R$1 bilhão para o período 2007-2012, orçamento que foi depois

ampliado para R$5 bilhões. O Prosoft foi renomeado Programa para o Desenvolvimento

da Indústria Nacional de Software e Serviços de Tecnologia da Informação, ampliando

o apoio para todos os segmentos de serviços de TI. As condições de acesso foram

simplificadas com foco nas pequenas e médias empresas e houve redução nos custos

de financiamento. O Prosoft apoiou 150 projetos, com financiamento da ordem de

R$4,1 bilhões, que alavancaram investimentos de cerca de R$7,4 bilhões (posição de

junho de 2014). As empresas apoiadas entre 2006 e 2007 aumentaram seu faturamento

médio em 18,3% ao ano, até 2011, contra um incremento de 16,1% registrado no grupo

de controle (MEDRADO; RIVERA, 2013). O aumento anual do pessoal ocupado em

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P&D nessas empresas, por sua vez, foi da ordem de 5,8%, contra apenas 1,5% no

grupo de controle.

No setor de bens de capital, a aquisição de máquinas e equipamentos produzidos no

Brasil com requisitos mínimos de agregação de valor está entre os focos de atuação do

BNDES desde 1966, com a criação da subsidiária Agência Especial de Financiamento

Industrial (Finame). Em 2005, completou-se a ferramenta tecnológica que permite o

processamento em ambiente online dessas operações. Com isso, o prazo médio de

aprovação dessas operações caiu de 10,7 meses em 2004 para 4,4 meses em 2005. O

financiamento à aquisição de bens de capital, contudo, se tornará muito mais relevante

a partir da PDP, como será visto mais adiante.

Já em semicondutores, as ações da PITCE (BRASIL, 2005) concentraram-se na criação

da estatal Ceitec S.A. (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica e Avançada), que teve

três projetos apoiados pelo BNDES; e na formação de recursos humanos para início

da fabricação nacional de chips. O BNDES participou ativamente do grande esforço de

atração de empresas para preencher lacunas nessas cadeias produtivas. Mais tarde,

demonstrando o grande prazo de maturação de algumas ações de política industrial,

esses esforços resultariam, entre outros, na fábrica de cartões inteligentes para os

mercados de telecomunicações, identificação eletrônica e pagamento eletrônico da HT

Micron no Rio Grande do Sul, parceria entre a brasileira Parit e a coreana Hanna Micron,

inaugurada em 2014; e uma fábrica de chips para utilização em aplicações industriais,

agricultura de precisão, cartões inteligentes, aplicações médicas de ponta e ciências

da vida em MG, em parceria com a Corporación América, BDMG e IBM, entre outras,

ainda a ser inaugurada.

5 - O BNDES E A PDP (2008-2010)

A Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), lançada em maio de 2008 na sede

do BNDES, deu continuidade em bases mais abrangentes à PITCE e colocou o

investimento como foco, juntamente com a inovação, sob o lema “Inovar e investir para

sustentar o crescimento”. A PDP resumia suas ambições em quatro macrometas para o

período 2008-2010: elevar a taxa de investimento, ampliar a relação P&D/PIB, aumentar

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a participação do Brasil nas exportações mundiais e aumentar o número de micro e

pequenas empresas (MPE) exportadoras.

Além da prioridade ao investimento e da introdução de metas monitoráveis, a PDP

trouxe como principal novidade a ampliação do leque de setores e temas apoiados.

Esta ampliação partiu da constatação da diversidade do parque industrial brasileiro e da

variedade de estágios de capacidade competitiva entre setores, o que requeria ações de

natureza específica a cada um, para além de medidas horizontais. Em seu lançamento,

eram 32 programas, sendo 25 deles relacionados a sistemas produtivos (agrupados em

três categorias12) e sete relacionados a temas transversais (“destaques estratégicos”).

A PDP avançou também no sistema de governança da política industrial. De modo

similar ao Plano de Metas, criaram-se Comitês Executivos, formados por representantes

das instituições de governo pertinentes, para gerir cada um dos 32 programas, e uma

Secretaria Executiva, formada pelo Ministério da Fazenda, pelo BNDES e pela ABDI,

para coordenação dos programas e suporte ao MDIC.

A política foi lançada com o anúncio de significativa redução de custos e ampliação dos

prazos de financiamento do BNDES. Em relação aos prazos de financiamento, houve

duplicação do prazo das operações da Finame de 5 para 10 anos. Já em relação aos

custos, o spread básico médio das operações do BNDES foi reduzido em 20%, indo

de 1,4% para 1,1% a.a. Também a taxa de intermediação financeira (cobrada quando

a operação é feita por agentes financeiros) foi reduzida de 0,8% para 0,5% a.a. Essas

reduções, associadas a um processo de queda da Taxa de Juros de Longo Prazo

(TJLP), custo básico dos financiamentos concedidos pelo BNDES13, contribuíram para

ampliação dos investimentos e dos desembolsos do banco no período.

Além do papel de financiador, coube ao BNDES participar da Secretaria Executiva da

PDP e coordenar o programa Consolidar e Expandir Liderança, que reuniu setores com

capacidade de projeção internacional. Foram sete setores selecionados (Complexo

Aeronáutico; Petróleo, Gás Natural e Petroquímica; Bioetanol; Carnes; Celulose e

Papel; Siderurgia; e Mineração), para os quais o BNDES reforçou seu financiamento,

visando a desenvolver cadeias produtivas e capacidade de inovação, exportação e

12 São elas: i) Consolidar e Expandir Liderança, que reuniu setores com capacidade de projeção internacional; ii) Mobilizadores em Áreas Estratégicas, que buscam a superação de desafios científico-tecnológicos para a inovação; e iii) Fortalecer a Competitividade, que reuniu complexos produtivos com potencial exportador e/ou com potencial de gerar efeitos de encadeamento sobre o conjunto da estrutura industrial.

13 A TJLP caiu de 6,25% para 5% a.a. entre 2008 e 2013, sendo que já havia caído de 10% para 6,25% entre 2004 e 2007 na PITCE.

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internacionalização. Apoiadas pelo BNDES através de instrumentos de renda variável,

empresas nacionais adquiriram empresas no exterior, motivadas pelo baixo preço dos

ativos devido à crise internacional e à valorização do real.

A contribuição para os temas transversais também foi muito importante. Em particular, o

BNDES ativa uma inovação financeira orientada às MPMEs, o Cartão BNDES. O número

de MPMEs apoiadas passa de 41 mil em 2007 para 275 mil em 2013 e os desembolsos

de US$8,4 bilhões para US$30 bilhões para os mesmos dois anos. Se forem excluídos

dos desembolsos setores como infraestrutura, ou beneficiários como Estados,

onde não se verifica a presença de empresas de pequeno porte, a distribuição dos

desembolsos do banco entre grandes e MPMEs é equânime. Mesmo assim o BNDES

é muito importante para o financiamento do investimento dos grandes grupos, em

virtude do baixo desenvolvimento dos mercados financeiros no país e da prevalência

de altas taxas de juros. Assim, são clientes do BNDES 78% dos 1.000 maiores grupos

econômicos.

A execução da PDP, em termos de seu apoio a um crescente processo de investimento

privado que se observava então na economia brasileira, foi prejudicada pela eclosão da

crise internacional em setembro de 2008. A pior crise financeira desde os anos 1930 fez

diversas iniciativas da PDP se voltarem ao combate de seus efeitos deletérios, como o

reforço às ações de financiamento público frente à retração do crédito privado.

O governo tomou a decisão estratégica de fortalecer a capacidade financeira do BNDES

através de empréstimos de longo prazo do Tesouro Nacional (que totalizaram R$180

bilhões no período da PDP) e a criação do Programa de Sustentação do Investimento

(PSI), em 2009, que reduziu substancialmente o custo do capital para as empresas14.

Os empréstimos do Tesouro e a retomada da demanda por financiamentos de capital

via PSI foram essenciais para o crescimento dos ativos do BNDES, que aumentaram

de R$277 bilhões em 2008 para R$549 bilhões em 201015. Esses recursos adicionais

converteram-se integralmente em apoio a projetos produtivos e constituíram-se em

resposta original à retração do crédito privado. Em vez de uma resposta via aumento

de gastos públicos orçamentários ou de afrouxamento monetário, o governo brasileiro

utilizou o mecanismo de empréstimos do Tesouro ao BNDES e dele para o setor produtivo

14 Um resumo das ações anticíclicas do BNDES no período 2009-2010 pode ser encontrado em Ferraz et al. (2012).

15 Os empréstimos do Tesouro continuaram para além de 2010 e levaram os ativos do BNDES a R$814 bilhões em 2014.

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ampliar investimentos, garantindo a oferta de crédito a taxas e prazos adequados, além

de ampliar a demanda por máquinas e equipamentos nacionais.

O PSI é uma linha de financiamento para a aquisição de máquinas e equipamentos16

a um custo fixado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), inicialmente 4,5% a.a.17

Destina-se tanto aos equipamentos isolados financiados pela rede de agentes

financeiros do BNDES no âmbito do produto Finame quanto ao subcrédito de bens

de capital dos grandes projetos de investimento. O início do programa, em junho de

2009, lança uma luz importante sobre o momento adequado de resposta aos desafios

conjunturais.

O PSI foi responsável pela duplicação do desembolso trimestral da Finame frente ao nível

pré-crise e contribuiu para a retomada do investimento, que cresceu em termos reais

21,4% em 2010. Estima-se que o PSI implicou adicionalidade e elevou o investimento

médio em torno de 33% nas empresas industriais apoiadas (de cerca de R$900 mil para

R$1,2 milhão) no biênio 2009-2010 (MACHADO et al., 2014).

Paralelamente às ações anticrise, a PDP colocou em curso diversas ações estruturantes,

tais como o desenvolvimento da cadeia produtiva para exploração das reservas do pré-

sal, descobertas em 2007. Para isso, o BNDES criou o Programa BNDES de Apoio

ao Desenvolvimento da Cadeia de Fornecedores de Bens e Serviços relacionados ao

setor de Petróleo e Gás Natural (BNDES P&G), que desde então apoiou 20 projetos com

financiamento da ordem de R$1,4 bilhão, que alavancaram investimentos de cerca de

R$2,4 bilhões (posição de junho de 2014).

Outras iniciativas de destaque gestadas na PDP foram o reforço do funding da Finep

com financiamento do BNDES e o Plano Conjunto BNDES/Finep de Apoio à Inovação

Tecnológica Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (Paiss), que visou

à seleção de planos de negócios relacionados ao desenvolvimento, produção e

comercialização de novas tecnologias industriais destinadas ao processamento da

biomassa oriunda da cana-de-açúcar. O Paiss foi bem-sucedido em seus objetivos

e contribuiu para a criação posterior do Plano Inova Empresa em 2013, explicado na

próxima seção. A carteira conjunta BNDES/Finep de inovação de etanol de 2ª geração

aumentou de R$70 milhões para mais de R$1,5 bilhão (NYKO et al., 2013, p. 74).

Adicionalmente, a estimativa de produção local de etanol 2G para 2014 avançou

16 O PSI posteriormente incorporou o apoio à exportação de bens de capital e a projetos de inovação.

17 Para se comparar a importância dessa redução de custo, o principal programa de apoio à aquisição de bens de capital na PITCE era o Programa de Modernização do Parque Industrial Nacional (Modermaq), com taxas de juros fixas de 14,95% a.a.

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

76

de zero para 170 milhões de litros, ultrapassando a europeia e ficando atrás apenas

da estimativa norte-americana. Avalia-se que, com o aumento de cerca de 45% da

produtividade decorrente da nova tecnologia e considerando-se investimentos de

R$140 bilhões, será possível atender a demanda de etanol estimada para 2020 com 56

usinas (contra 138 usinas sem a tecnologia 2G). Isso representa uma economia de 82

usinas, 328 milhões de toneladas de cana e 4,7 milhões de hectares de área de plantio

(RAMUNDO, 2013, p. 19).

6 - O BNDES E O PBM (2011-2014)

O Plano Brasil Maior (PBM) foi lançado em agosto de 2011 sob o lema “Inovar para

competir, competir para crescer”. Ele mantém a abrangência setorial da PDP e amplia

as macrometas para 10, organizadas a partir de um mapa estratégico dividido em três

dimensões: criação e fortalecimento de competências críticas, adensamento produtivo

e tecnológico das cadeias de valor e ampliação de mercados (BRASIL, 2011). Além

dos objetivos de investimento, inovação, MPEs e exportação, agregaram-se novas

metas, como qualificação de recursos humanos, produção mais limpa e crescimento

dos setores intensivos em conhecimento.

O Sistema de Gestão do PBM é formado por: i) 19 Comitês Executivos com recorte

setorial; ii) 9 Coordenações Sistêmicas, responsáveis por temas transversais como

comércio exterior, relações de trabalho e desenvolvimento regional; iii) um Grupo

Executivo, com representantes de ministérios e agências relevantes, do qual o

BNDES faz parte; e iv) um Comitê Gestor interministerial; além do Conselho Nacional

de Desenvolvimento Industrial (CNDI), órgão tripartite de aconselhamento da política

existente desde a PITCE.

O BNDES, em consonância com os objetivos do PBM, criou novos programas. No

âmbito da quarta revisão do BNDES PSI (PSI-4), em 2012, foi criado o subprograma

Projetos Transformadores, com condições especiais de financiamento para constituição

de capacidade tecnológica e produtiva em setores de alta intensidade de conhecimento

e engenharia relativos a bens não produzidos no país e que induzam encadeamentos e

ganhos de produtividade e qualidade. Em parceria com o MMA, o BNDES tornou-se em

2011 o gestor dos recursos reembolsáveis do Fundo Clima, criado pela Lei nº 12.114, de

9/12/2009, como um dos instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima. O

programa Fundo Clima do BNDES, que financia empreendimentos que tenham como

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77

objetivo a mitigação das mudanças climáticas, atua em dez frentes18, com taxas de

juros de até 1% a.a. e prazo de até 25 anos (para investimentos em transporte urbano

de passageiros sobre trilhos, inclusive aquisição e modernização de material rodante).

Finalmente a criação do Programa BNDES de Apoio à Qualificação Profissional do

Trabalhador (BNDES Qualificação), em 2011, visou ao apoio à implantação, expansão,

modernização e ampliação do número de vagas de formação profissional e educação

técnica e tecnológica, assim como à infraestrutura de PD&I dessas instituições; e teve

como ponto alto o empréstimo de R$1,5 bilhão para o SENAI, em fevereiro de 2012.

Essa linha segue as prioridades estabelecidas no Pronatec, programa de expansão da

formação profissional do país.

Em termos setoriais, a alocação de recursos do BNDES para a indústria seguiu as

prioridades do PBM. Os setores elencados no plano19 receberam R$955 bilhões desde

2003 até junho de 2014, o que representa 83% do desembolso do BNDES no período,

como mostra a Tabela 1. O destaque negativo são os Sistemas Intensivos em Trabalho,

que foram os que mais sofreram com o acirramento da concorrência internacional, com

10% dos recursos. Há especial destaque para os Sistemas da Mecânica, Eletroeletrônica

e Saúde (Bloco 1 do PBM), que receberam R$258 bilhões (27% dos recursos). Esse

percentual, contudo, chega a 66% se se considerar como apoio ao setor de bens de

capital todo o apoio à comercialização de equipamentos feita pela Finame, mesmo que

adquiridos por empresas de outros setores, tais como comércio e serviços e agricultura,

mas que em definitivo beneficiaram os produtores de equipamentos.

18 São elas: Mobilidade Urbana; Cidades Sustentáveis e Mudança do Clima; Máquinas e Equipamentos Eficientes; Energias Renováveis; Resíduos Sólidos; Carvão Vegetal; Combate à Desertificação; Florestas Nativas; Gestão e Serviços de Carbono; e Projetos Inovadores.

19 Exclui-se dessa contagem o apoio à administração pública e a alguns setores de infraestrutura, como saneamento básico.

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

78

Tabela 1: Desembolso para setores PITCE-PDP-

PBM, 2003-2014 (jun) – R$ bilhões correntes

Blocos de setores do

PBM

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

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Sistemas Intensivos

em Escala4,3 4,1 6,3 10,5 13,0 17,9 23,7 22,8 25,2 27,3 32,3 13,1 200,5

Sistemas Intensivos

em Trabalho2,3 2,1 2,7 2,8 4,6 7,5 9,3 12,2 13,6 15,6 16,6 6,0 95,3

Sistemas do

Agronegócio6,6 9,0 7,1 7,2 9,9 15,8 15,5 23,4 16,4 17,3 26,1 1,5 155,8

Comércio, Logística e

Serviços4,1 4,8 6,4 7,8 12,3 16,1 19,8 36,6 37,6 32,2 41,3 18,0 237,0

Subtotal setores

PBM (a)28,0 32,5 41,6 47,1 56,9 80,5 90,3 122,6 119,2 121,6 150,2 64,7 955,2

Total BNDES (b) 33,5 39,8 47,0 51,3 64,9 90,9 111,4 143,4 138,9 156,0 190,4 84,1 1151,6

(a)/(b) 83% 81% 89% 92% 88% 89% 81% 85% 86% 78% 79% 77% 83%

Fonte: BNDES.Obs.:

* Exclui operação de R$24,75 bilhões em setembro de 2010 com a Petrobras;

** 1º semestre (jan-jun).Sistemas da Mecânica, Eletroeletrônica e Saúde, Petróleo e

Gás e Naval, Complexo da Saúde, Complexo Automotivo, Aeronáutica e Complexo

da Defesa, Bens de Capital e Eletroeletrônicos/TICs.Sistemas Intensivos em Escala:

Química, Energias Renováveis, Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (HPPC),

Celulose e Papel, Mineração e Metalurgia. Sistemas Intensivos em Trabalho: Couro,

Calçados, Têxtil, Confecção, Gemas e Joias, Móveis e Construção Civil.

No apoio à inovação, a iniciativa de maior destaque foi o lançamento do Plano Inova

Empresa, em março de 2013, a partir da experiência do Paiss descrita na seção anterior.

O Inova Empresa articula o PBM com a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia

e Inovação (ENCTI), constituindo um compromisso público de alocação de recursos

em áreas estratégicas, seja por motivos de interesse nacional ou por seu potencial de

demanda. Para isso, buscou-se: i) a articulação de programas de diversas instituições

públicas (BNDES, Finep, ministérios, agências reguladoras e demais parceiros); ii) o uso

coordenado de instrumentos (crédito, subvenção, renda variável e não reembolsável);

e iii) a redução de prazos de tramitação e simplificação administrativa nas agências

públicas (BRASIL, 2013).

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79

Os R$28,5 bilhões reservados para contratos firmados no biênio 2013/2014 foram

majoritariamente alocados nas sete áreas definidas como estratégicas – Energias,

Cadeia do Petróleo e Gás, Complexo da Saúde, Complexo da Defesa e Aeroespacial,

Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), Complexo Agroindustrial e

Sustentabilidade Socioambiental –, que receberam R$23,5 bilhões. A quantia restante

foi destinada ao apoio às MPEs, à infraestrutura de inovação e aos projetos de inovação

e engenharia de outros setores econômicos.

Quadro 2: Orçamento do Inova Empresa, 2013-2014

Fonte: Brasil (2013).

Para cada uma das áreas estratégicas, definiu-se um conjunto de desafios tecnológicos

a serem superados. Dessa forma, as tecnologias genéricas (microeletrônica, novos

materiais, nanotecnologia e biotecnologia) surgem como relevantes não em si mesmas,

mas como contribuintes essenciais aos desafios de cada segmento econômico, como

a exploração do pré-sal, o desenvolvimento de biofármacos e o aumento da eficiência

energética. Essa concepção do Inova Empresa é em si uma inovação institucional no

país e está alinhada com iniciativas similares de países como EUA e China. A operação

conjunta e o lançamento de editais aumenta a eficiência do dispêndio público, induz

competição entre projetos empresariais e evita a dispersão de recursos.

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

80

Desde o lançamento do programa, nove editais conjuntos20 foram divulgados:

• Um para a área de Energia, com linhas para Redes Elétricas Inteligentes

(Smart Grid), Energia Solar e Veículos Elétricos/Eficiência Energética

Veicular.

• Dois para a área de Saúde (sendo um para Fármacos e Medicamentos e

outro para Equipamentos Médicos).

• Um para Aerodefesa, com linhas para Aeroespacial, Defesa, Segurança

e Materiais Especiais.

• Dois para a Cadeia Agropecuária, sendo um transversal com linhas para

insumos, processamento e máquinas e equipamentos (Inova Agro) e

um específico para cana-de-açúcar (Paiss Agrícola), com linhas para

desenvolvimento de novas variedades de cana; sistemas integrados de

manejo e planejamento da produção; novas técnicas de propagação de

mudas; máquinas e implementos; e adaptação de sistemas industriais

para outras culturas.

• Um para Sustentabilidade, com linhas para produção sustentável;

recuperação de biomas e atividades de base florestal; saneamento

ambiental; e monitoramento de desastres ambientais.

• Um para Telecomunicações (TIC), com linhas para comunicações

ópticas; comunicações digitais sem fio; redes de transporte de dados;

comunicações estratégicas (segurança cibernética); e telessaúde

(tratamento remoto).

• Um para Petróleo e Gás, o 2º edital do Inova Petro, com linhas

para processamento de superfície; instalações submarinas; poço e

reservatórios.

20 Os editais do Inova Empresa estão disponíveis em www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Plano_inova_empresa.

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• Esses editais somam-se às experiências-piloto do Paiss e Inova Petro 1,

que precederam o lançamento do Inova Empresa.

O Plano Inova Empresa recebeu uma robusta resposta do setor privado. O Inova

Energia, por exemplo, superou expectativas. Com orçamento previsto de R$3 bilhões,

registrou demanda inicial da ordem de R$12,3 bilhões proveniente de 373 empresas

interessadas. Delas, 127 foram habilitadas a apresentar seus planos de negócio até

o final de agosto de 2013, totalizando uma demanda estimada de R$9,8 bilhões. O

quadro a seguir apresenta um balanço da execução dos editais. A maior parte dos

editais está contratando os projetos selecionados, o que deve ocorrer até o final de

2014.

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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Quadro 3: Status dos Editais Conjuntos do Inova Empresa

Fonte: elaboração própria a partir das informações de www.

bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/

Apoio_Financeiro/Plano_inova_empresa.

BALANÇO FINAL

O BNDES sempre atuou de modo adequado aos diferentes estágios de desenvolvimento

do país e às orientações de política prevalecentes a cada momento. Desse modo

o BNDES exerceu importante papel na implementação das políticas industriais

recentes: a PITCE, a PDP e o PBM. Isso ocorreu tanto no apoio à formulação quanto

no financiamento a setores e projetos selecionados. Em cada momento o BNDES

Page 83: Dez anos de política industrial - Jackson De Toni · Tecnologia e algumas iniciativas na área de informática. No governo Collor tivemos uma política industrial “ao contrário”,

83

respondeu de acordo com as orientações de política, mobilizando os instrumentos

existentes para as prioridades estabelecidas e introduzindo soluções financeiras para

novos desafios.

A partir da crise financeira internacional, o BNDES expande sua escala de operações.

Essa expansão, retratada nos desembolsos, guarda relação com a evolução do

investimento. Porém, mais importante ainda é a constatação de que as entregas e a

efetividade das ações do BNDES, em termos de resultados para os beneficiários e para

o país, têm sido em grande medida positivas.

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Processo de industrialização e disparidades inter-regionais no Brasil: a necessidade do diálogo

entre as políticas industriais e as políticas regionais.

Carlos Brandão

O Brasil dispõe de importantes fronteiras de expansão e a indústria manufatureira

e os modernos serviços associados apresentam condições para constituir

eixo crucial do processo criativo de desenvolvimento. Mais do que expandir o

investimento de longo prazo, propõe-se combinar a consolidação da democracia

com avanços na inclusão social, inovação e sustentabilidade, associando

as dimensões econômica, social, política e espacial para potencializar o

desenvolvimento brasileiro. (COUTINHO, 2014, p. 81).

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INTRODUÇÃO

Não deve restar dúvida de que o processo de industrialização, enquanto constituição

de forças produtivas materiais modernas e avançadas que promovem transformações

profundas na produtividade social, é o cerne do processo histórico e social de

desenvolvimento de uma nação soberana.

O processo de industrialização expande e aprofunda não apenas a divisão técnica do

trabalho, mas também a divisão social do trabalho em uma sociedade em evolução

complexa, em que novas conexões e interdependências vão se estruturando, não

apenas entre os elos tecnoeconômicos de seu aparelho produtivo, como também entre

os seus agentes cruciais de decisão, com seus encadeamentos de ação transformadora

que constroem peculiarmente, em cada país, suas próprias vias, trajetórias e estilos de

desenvolvimento.

A indústria está no coração desse processo de mudança estrutural que é o

desenvolvimento. Ela foi, e continua a ser, o motor do desenvolvimento. “Por meio

das atividades industriais e dos serviços a elas vinculados, os países desenvolvidos

exploram as competências acumuladas em ciência, tecnologia e inovação, sustentam

empregos bem remunerados e geram exportações para o resto do mundo” (LAPLANE,

2014, v. 1). A indústria possibilita a ampliação do horizonte de possibilidades de dada

sociedade, expandindo sua inventividade, sua produtividade social e sua capacidade

criativa de ofertar renovados bens comercializáveis, interagindo, com autonomia, com

outras sociedades.

Quando se procura abordar o processo de desenvolvimento em sua dimensão espacial,

fica patente que as redefinições, ao longo do tempo e do espaço, nas interdependências,

vínculos e circuitos gerados pelas atividades e agentes econômicos, criam novos usos

do território e das heterogeneidades espaciais. As modificações nas bases materiais,

simbólicas e sociais subvertem e aprimoram o uso que cada sociedade faz do seu

território e de seu aparelho produtivo, no curso específico de sua história.

O território necessariamente será lócus que acolhe e hospeda as ações de seus atores

político-culturais, agentes econômicos e sujeitos sociais. Não obstante, a grande

questão é como transformar essa base espacial de decisão e poder em catalisador

da articulação sistêmica e da integração multissetorial dos investimentos em arena da

elaboração e implementação da ação pública e privada de maneira coletiva, abrangente

e estruturante. O desafio da construção da referência do/no território – ponto de partida

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(e de chegada) das políticas públicas – deve fazer convergir no território ex ante as

estratégias estruturantes, pois ex post poderá ser mais difícil e ineficaz promovê-las.

Defenderemos neste ensaio como o território pode dar consistência para a articulação

e o fortalecimento de estratégias que construam os nexos estruturais entre a promoção

de um mercado de massas e o desenvolvimento de um sistema industrial competitivo,

criando um círculo virtuoso que associa crescimento, equidade, coesão, inovação e

competitividade, solidarizando o tecido social.

Buscaremos neste capítulo tratar das interseções possíveis entre a problemática

regional e a política industrial implementada no Brasil nos últimos 10 anos, abordando,

ainda que sucintamente, as questões: 1) do processo de industrialização brasileira e

de suas históricas e persistentes desigualdades regionais; 2) as iniciativas recentes de

política industrial e de política de desenvolvimento regional; procurando apontar, ao final

3) alguns desafios para uma política industrial que bem dialogue com os territórios e

com as políticas regionais e urbanas.

O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL E SUA

HERANÇA DE ACENTUADAS E PERSISTENTES DESIGUALDADES

INTER-REGIONAIS

O Brasil constituiu ao longo do século 20 um aparelho industrial dotado de

razoável grau de complementaridade, coesão e diversificação, logrando

inserir-se no contexto seleto das dez economias com sistemas industriais

manufatureiros mais integrados do planeta. Construiu uma matriz industrial densa

e complexa, aproximando-nos do perfil produtivo das economias maduras,

sobretudo nos nossos “trinta gloriosos” (1950/1980). Na verdade esse grande

feito histórico na periferia do capitalismo mundial estendeu-se por meio século

de uma convenção desenvolvimentista durável, com altas taxas de crescimento

econômico e modernização urbana (1930/1980).

Em termos regionais, aquele êxito foi marcado por outro: montou-se com rapidez,

em um país heterogêneo e de dimensões continentais, um aparelho econômico

que atendia a um mercado interno em expansão e em integração. Complexos

mercantis-industriais-financeiros articularam comercial e industrialmente o

vasto território, possibilitando que todas as suas macrorregiões “crescessem

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conjuntamente”, mesmo com fortes assimetrias e disritmias entre suas partes

desigualmente coesionadas, além da forte aglomeração no litoral e nas

metrópoles-capitais.

Consolidou-se uma divisão espacial do trabalho, sob inusitado esquema de relações

centro-periferia, ancorado em uma longa trajetória de junções inter-regionais articulativas,

que solidarizaram, pelo viés do mercado, as partes desiguais do país, fazendo com

que os variados espaços regionais confluíssem seus projetos e coalizões de expansão

em torno de certa lógica solidária na escala nacional.

Ao mesmo tempo, as soldagens econômicas inter-regionais operaram acentuando a

concentração socioespacial. Tamanha heterogeneidade expressou-se na formação de

uma rede urbana paradoxalmente concentrada e dispersa, sancionando uma disposição

espacial das atividades e funcionalidades com alta aglomeração litorânea, mas ao

mesmo tempo interiorizada pelo vasto país. As atividades econômicas organizam-se

geograficamente sob grande variedade de formas, seguindo hierarquias e dinâmicas

setoriais e urbano-regionais bastante específicas.

O longo e contraditório processo de convergência ao padrão da segunda revolução

industrial contou sempre com o papel ativo e decisivo do Estado. Ele, enfrentando

resistências dos núcleos mais atrasados de poder, fomentou e amparou vantagens

comparativas e a construção de competências e competitividade (ainda que, muitas

vezes, de natureza espúria, pois baseadas em baixos salários, proteção não seletiva,

etc.) com deficiente integração com os mercados internacionais.

Uma proteção frívola e pouco favorável ao aprendizado tecnológico, que seguia as

linhas de menor resistência do paradigma tecnoeconômico, acabou conduzindo a

uma orientação de exportação de bens de tecnologia amplamente difundida, baseada

na abundância e baixo custo da exploração de recursos naturais, energia-intensivos,

elaborados de baixo valor adicionado e semimanufaturados com restrito enobrecimento

de produtos.

No último quartel do século 20, a ação estatal, a partir do governo Geisel, forjou um

bloco de investimentos pesados implantado sob a coordenação do Estado, na periferia

nacional, a partir do II PND (1974-1976), unidades produtivas que se desconcentraram

geograficamente, orientadas pelas fontes de recursos naturais ou por políticas

governamentais. Os incentivos, a provisão de infraestrutura básica e os programas

federais atraíram inversões diretas das empresas estatais para as indústrias de insumos

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básicos e de bens de capital, articulando as bases econômicas regionais. Grande parte

da industrialização periférica, basicamente concentrada nos espaços metropolitanos

das principais capitais estaduais, até hoje, ainda é fruto ou desdobramento desses

investimentos concebidos como polos de crescimento (Camaçari, Triunfo, etc.) que

promoveram alguma desconcentração produtiva pelo território nacional, ainda que de

caráter concentrado.

Outros investimentos desconcentrados, fora do núcleo do centro-sul, resultaram da

Guerra Fiscal, que buscou atrair empresas pelo caminho da concessão de benesses

fiscais, financeiras, fundiárias, salariais, etc.

Durante os 20 anos de estagnação e instabilidade, nas décadas de 1980 e 1990,

aprofundamos nosso atraso industrial relativo no contexto global, com o Brasil

submetendo-se a uma inserção passiva, com a desarticulação do sistema de crédito

pós-crise de 1982, desaparelhamento estatal, deterioração da infraestrutura física e

social e a erosão da principal característica do período anterior, em que o processo

das decisões cruciais de inversão de capital era amparado por ampla capacidade de

coordenação entre as decisões públicas e privadas.

Com o aprofundamento da crise, a exacerbação das históricas heterogeneidades

estruturais (sociais, regionais e econômicas) deixou marcas indeléveis e defasagens na

matriz produtiva nacional:

“A disparidade nos níveis de renda e consumo da população favorece a heterogeneidade

de capacitações competitivas na indústria brasileira. A crise econômica e social deixou

como herança a degradação da base de mercado, evidenciada pelos baixos níveis de

consumo per capita da grande maioria dos produtos industriais. Além da concentração da

demanda interna, o empobrecimento da população levou a um distanciamento da pauta

de produtos ofertados no país com relação aos comercializados internacionalmente. A

presença de empresas com deficiências competitivas é particularmente acentuada nos

setores voltados para o consumo pessoal interno nos principais fornecedores desses

setores” (FERRAZ et al., 1995, p. 66).

A partir do final dos anos 1980 e durante toda a década de 1990, os processos de

abertura comercial e financeira, desmonte das capacidades estatais de sinalização

e coordenação, privatização do sistema produtivo e de infraestrutura estatais,

internacionalização de elos fundamentais das cadeias do parque produtivo nacional,

dentre outros fatores, determinaram importantes transformações nas relações entre as

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regiões brasileiras, com a reconcentração espacial da riqueza e da renda no período

1985-2002 e o aumento das desigualdades inter e intrarregionais.

Durante a década de 1990 e o início do século 21, o país aprofundou suas

especializações, algumas de natureza regressiva, perdeu alguns importantes elos

produtivos, passou a ser ainda mais orientado por vantagens competitivas estáticas

no grupo de processamento contínuo de recursos minerais, florestais, siderúrgicos,

energéticos, agrícolas e pecuários, com a produção de minério de ferro, siderurgia

e alumínio (basicamente insumos metálicos semiacabados), petróleo e petroquímica,

celulose e papel, alimentos industrializados (grãos, suco de laranja, carnes, etc.) e têxteis

padronizados. São setores fortemente condicionados pela dinâmica da conjuntura

externa e pelas variações dos preços internacionais.

As unidades produtivas desse grupo geralmente são demandantes de estruturas

agigantadas de portos, estradas e outras infraestruturas para o escoamento de sua

pesada produção, geralmente orientada ao mercado exterior e com baixa capacidade

de transbordamento e transmissão de crescimento em seu entorno. O risco de

transformação dessas unidades ou complexos industriais em um semienclave territorial

(com pouco transbordamento virtuoso regional) está sempre presente. Segundo David

Kupfer (2012), é importante estar atento também aos problemas de capital-intensidade

dos setores de commodities que estão se desconcentrando espacialmente, pois sua

fase de implantação traz impactos muito diferentes daqueles da fase de operação

do empreendimento. Quando ingressam na fase de produção corrente, não têm

geralmente a mesma capacidade de arrasto que demonstram na fase do investimento.

Utilizam infraestrutura própria, muitas de caráter monofuncional, que não se constituem

em externalidades para outras atividades presentes na região.

Esse grupo, cujo padrão locacional é orientado pelo acesso a fontes de matérias-primas,

contando com custos e qualidade adequados, razoável padronização de produtos e

processos, continuou nos últimos anos a ampliar sua capacidade de alcançar mercados

externos específicos. Quanto ao mercado interno, apresenta alguns ganhos de escala,

graças ao tamanho do mercado. Nesses setores, o país apresenta boa eficiência nas

fases iniciais do processo produtivo e nos produtos pouco elaborados. À medida que

se percorrem tais cadeias produtivas no sentido dos produtos de maior transformação

e diferenciação produtivas, sofisticação tecnológica e comercial, etc., a capacidade

competitiva vai minguando.

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O grupo produtor de bens tradicionais, basicamente calçados de couro, vestuário e

têxteis não padronizados, agroindústria de alimentos de baixa elaboração e bebidas

simples apresentaram alguma trajetória de deslocalização no sentido de porções

seletivas da periferia nacional. São setores fortemente condicionados pela elasticidade

da demanda, pela oferta de crédito ao consumidor e pelo comportamento dos juros e

do câmbio.

A partir de 2003, com o aumento da renda rural ou urbana interiorizada, maior adensamento

das redes urbano-regionais articuladas às cidades médias e maior sofisticação e

diferenciação do consumo, esse grupo conseguiu se expandir, naqueles casos em que

tinha capacidade competitiva frente ao ingresso dos produtos importados. Ocorreu,

dessa forma, a abertura de novas frentes de localização, com a criação de plantas de

alguns desses ramos wage goods, geralmente com a implantação de compartimentos

industriais pouco sofisticados tecnologicamente, leves e de baixa geração de linkages.

Esses segmentos produtivos lograram se desconcentrar, pois são caracterizados

por serem pouco exigentes de ambiente mais complexo de externalidades. Assim,

puderam ser atraídos para vários polos periféricos de porte, sobretudo em espaços

metropolitanos ou em cidades intermediárias, com características de capitais regionais,

através de guerras fiscais, com ampla concessão de subsídios e outros favores, custos

salariais menores, maior flexibilidade trabalhista e ambiental e, em alguns casos, pelo

fácil acesso a recursos naturais abundantes e baratos.

Para o processo de desconcentração industrial e diminuição das desigualdades

regionais, este segmento tradicional da indústria é fundamental, pois “forma um tecido

produtivo mais permeável à atuação de médias e pequenas empresas, emprega

trabalhadores com níveis intermediários ou mesmo mais simples de qualificação e,

portanto, melhor se ajusta ao perfil dos recursos disponíveis nessas novas regiões

industriais” (KUPFER, 2012).

Os segmentos de bens de capital também sofreram forte impacto da conjuntura

internacional e macroeconômica nos últimos anos, perdendo capacidade competitiva.

Muitas linhas de produção foram desativadas. Produzem, de maneira seriada ou sob

encomenda, bens mecânicos, elétricos ou eletrônicos. Portanto é um setor que pode

ser reativado na medida em que os investimentos pesados em infraestrutura energética,

naval, urbana, etc. possam acontecer no ritmo necessário para romper os gargalos

estruturais ao desenvolvimento brasileiro representado pelos requisitos infraestruturais.

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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O grupo de setores difusores de progresso técnico foi penalizado duramente, e de

maneira diferenciada em termos regionais, com tendência à reconcentração das plantas

de maior conteúdo tecnológico e complexidade (máquinas-ferramentas, automação

industrial, telecomunicações, informática, eletrônica, fármacos, biotecnologia, etc.)

na região mais desenvolvida do país. Nesse bloco, por onde mais se difundem as

tecnologias de base eletrônica, provavelmente essa ampliação da rede de relações

existentes nessa área implicará futura maior concentração nesse espaço geográfico

de maior dinamismo. Esse novo “bloco-motor” tende a ser exigente também de outras

externalidades, tais como mão de obra especializada, ambiente científico, etc., que

se encontram geralmente nas porções mais desenvolvidas do território nacional. As

perspectivas de investimentos para a indústria do petróleo e gás, para o complexo da

saúde, para o agronegócio avançado tecnologicamente e para as energias renováveis,

etc., poderão representar oportunidade ímpar de reindustrializar tal segmento de ponta.

Essa caracterização aqui caricaturada cumpre o papel de apenas relembrar que não se

pode pensar em investimentos que contrariem a marcante concentração espacial das

plantas industriais e da riqueza e da renda em termos gerais (e macroeconômicos), mas

deve-se levar na devida conta as decisões específicas de ramos, setores e segmentos

produtivos (em termos “mesoeconômicos”) e seus respectivos padrões oligopólicos

de concorrência. Há diferenciações marcantes dos segmentos produtivos, quanto à

sua capacidade de geração de encadeamentos intra e intersetoriais; quanto à sua

capacidade estruturante e articulativa da dinâmica urbano-regional; quanto ao padrão

locacional orientado pela fonte de matéria-prima ou pelo mercado consumidor; quanto

às suas tendências para se desconcentrar geograficamente.

Depois dos anos 1980, o Brasil sofreu perda de densidade de algumas cadeias

produtivas e continuou dinamizando alguns encadeamentos interindustriais típicos do

grande complexo de ramos mecânico-químico-metalúrgicos e de bens tradicionais,

etc. Esses são, em sua maioria, produtos pouco elaborados, com dificuldade de

diversificação, com pequeno valor agregado e com poucas perspectivas dinâmicas

nos mercados internacionais. Ocorreu baixa atualização do aparelho produtivo e pouca

geração de capacidade produtiva nova.

Alguns investimentos, de baixa qualidade de empuxe intrarregional, levados a cabo

no período 1985-2002, apresentaram padrões locacionais mais ou menos rígidos,

reforçando a já enorme concentração de riqueza e oportunidades no espaço geográfico

de maior dinamismo e mais bem dotado de infraestruturas, ensejando um novo ciclo

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de reconcentração espacial da produção, da renda e da geração de empregos de

qualidade.

AS INICIATIVAS NO SÉCULO 21 DE POLÍTICA INDUSTRIAL E DE

POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL

A partir do governo Lula, em 2003, uma série de políticas de desenvolvimento foi

implementada, cabendo destacar o avanço das políticas de transferência de renda,

o crescimento formal do emprego, a valorização do salário mínimo, a expansão do

volume e das linhas de crédito e a luta pela permanência das conquistas e dos ganhos

sociopolíticos da Constituição de 1988 e a expansão do ensino superior.

Políticas de natureza abrangente, e coordenadas na escala nacional, foram elaboradas,

discutidas e implementadas (algumas no todo, outras em parte), algumas de cunho

setorial e outras de cunho territorial.

Para além da fundamental mudança no quadro social, um enorme conjunto de grandes

projetos de investimento foi iniciado. Ambos os processos estão transformando, em

todas as macrorregiões, e de maneira bastante concentrada no tempo (nos últimos

dez anos), o território nacional. As inversões de capitais privados, com forte apoio

estatal, sobretudo pelo BNDES, têm avançado, sobretudo nos setores agroindustriais,

da indústria extrativa mineral, da indústria automobilística e da infraestrutura física,

econômica e social. Gigantescos investimentos estão em andamento em portos,

refinarias, plantas siderúrgicas e automobilísticas.

O macroprojeto do governo brasileiro, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),

lançado em 2007, procurou mobilizar um poderoso bloco simultâneo de inversões em

infraestrutura. O conjunto dos investimentos programados está organizado em três

eixos: Infraestrutura Logística (construção e ampliação de rodovias, ferrovias, portos,

aeroportos e hidrovias); Infraestrutura Energética (geração e transmissão de energia

elétrica, produção, exploração e transporte de petróleo, gás natural e combustíveis

renováveis); e Infraestrutura Social e Urbana (saneamento, habitação, metrôs, trens

urbanos, universalização do programa Luz para Todos e recursos hídricos).

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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A implementação dos programas de exploração do pré-sal, biocombustíveis e dos

grandes projetos de infraestrutura e de energia no âmbito dos PACs está trazendo

grandes repercussões territoriais.

Os investimentos discutidos no âmbito da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura

Regional Sul-Americana (IIRSA) e do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e

Planejamento (Cosiplan) dos países-membros da União das Nações Sul-Americanas

(Unasur) compreendem 31 projetos-âncora, com o intuito de constituir um portfólio

de ações conjuntas, buscando a maior integração física das infraestruturas logísticas,

energéticas e de telecomunicações (banda larga, basicamente) de doze países sul-

americanos. Seus Eixos de Integração e Desenvolvimento dispõem sobre a organização

do espaço sul-americano em faixas multinacionais que concentram fluxos de comércio

atuais e potenciais para promover o desenvolvimento de negócios e o aumento do

valor adicionado com o adensamento e a maior integração das cadeias produtivas

presentes na área da iniciativa.

Por outro lado, nos governos Lula e Dilma foram elaborados, discutidos e implementadas

diversas iniciativas de estratégia industrial e de ciência, tecnologia e inovação:

a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE, 2004), a Política de

Desenvolvimento Produtivo (PDP, 2008) e o Plano Brasil Maior (PBM, 2011). Essas

políticas industriais implementadas buscaram fortalecer e expandir a base industrial

brasileira, estimulando a inovação e a busca de competitividade nos mercados interno

e externo, promovendo a ampliação do diálogo entre o setor público e o setor privado.

Parte-se da constatação de que, apesar de deter um núcleo tecnológico exitoso, ele é

ainda restrito na geração e acúmulo de conhecimento novo. Inúmeros e diversificados

estímulos regulatórios, fiscais e creditícios às decisões privadas necessitam avançar

e reduzir sua defasagem em relação à fronteira tecnológica em deslocamento1 pelo

acirrado processo de coerção concorrencial presente em escala mundial.

1 “A ideia-mestra que nos move é que o Brasil é um país gigante, heterogêneo, complexo, onde não basta apenas produzir mais do mes-mo e de forma mais eficiente. O ponto é que a economia precisa diversificar suas atividades em permanência, de modo a produzir novos produtos, processos e negócios com mais ciência e tecnologia” (ARBIX; DE NEGRI, 2014).

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Assevera-se que o esforço de uma estratégia industrial ativa passa pela construção

de ambiente sistêmico de busca de competitividade, dotado de lógica cooperativa

e de compartilhamento dos riscos da “geração de conhecimento novo”. Em países

em desenvolvimento como o Brasil, a política industrial necessita aprimorar a cultura

empresarial e inovativa, adensar cadeias, promover o aumento da produtividade, a

diversificação das linhas de produtos ou inovações de produto ou processo, fortalecer

a convivência de especializações, combinando, por um lado, a ampliação da presença

internacional nos setores de “ponta” da indústria e, por outro, a modernização e o

aumento da eficiência do “miolo” da indústria, integrado por setores tradicionais, com

grande participação de pequenas e médias empresas e voltados para o mercado

interno (KUPFER, 2012).

Ao mesmo tempo, a partir do governo Lula, também as políticas de combate às

desigualdades regionais foram retomadas e aprimoradas no período dos últimos

dez anos. O Ministério da Integração Nacional lançou em 2003 a Política Nacional de

Desenvolvimento Regional (PNDR), que foi aprovada em 2007. Essa estratégia propôs

uma interessante tipologia de um Brasil mais variado e complexo do que o histórico

tratamento tão-somente no nível das cinco macrorregiões. Segundo sua orientação,

as ações públicas deveriam privilegiar uma atuação concreta em uma escala sub-

regional, por exemplo no nível das mesorregiões diferenciadas ou da área da faixa de

fronteira, que foram eleitas segundo critérios bem definidos. A política seria erguida em

torno do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, que deveria ter sido criado sob

inspiração dos fundos estruturais e de coesão da política regional europeia.

Outras políticas territoriais foram lançadas no mesmo período. O Ministério das Cidades,

criado em 2003, apresentou a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU);

o Ministério do Desenvolvimento Agrário lançou em 2008 o programa Território da

Cidadania, através da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), elegendo áreas

prioritárias de ação; o Ministério dos Transportes concebeu em 2005 o Plano Nacional

de Logística e Transportes (PNLT); várias políticas, planos e programas da área do meio

ambiente foram elaborados, cabendo destacar: Plano Amazônia Sustentável (PAS,

2004); Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM, 2005); Lei de Gestão de

Florestas Públicas (2006); Plano Nacional de Recursos Hídricos (2006); Novo Código

Florestal (2012).

Em 2006, o Ministério da Integração Nacional publicou a Política Nacional de Ordenamento

Territorial (PNOT), porém nunca a implementou. Foram recriadas as superintendências

Sudene, Sudam e Sudeco, mas elas não avançaram em ações concretas. A PNDR

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foi institucionalizada pelo Decreto nº 6.047, de 22/2/2007, porém não criou o fundo

nacional, nem ganhou centralidade na agenda governamental. A política de incentivo

dos fundos continuou baseada por uma lógica macrorregional.

Em 2010 o governo apresentou o novo modelo de gestão da chamada PNDR – Fase II

(20112015), que foi discutido entre o final de 2012 e o início de 2013 nas conferências

estaduais, macrorregionais e na nacional, mas ainda não teve andamento sistemático.

O sistema seria estruturado a partir de quatro instâncias de deliberação e gestão, sendo:

1) duas de âmbito federal – o Conselho Nacional de Integração de Políticas Públicas

no Território (ou Conselho Nacional de Desenvolvimento Regional), em nível estratégico,

e a Câmara Interministerial de Gestão Integrada de Políticas Regionais, em nível tático;

2) uma terceira, de âmbito estadual – os Comitês Estaduais de Gestão de Políticas no

Território; e 3) uma quarta, de âmbito supramunicipal (ou sub-regional), representada

por associações de municípios, consórcios públicos, fóruns mesorregionais, comitês

de bacias e demais organizações que atuem territorialmente e extrapolem o âmbito

municipal.

A partir da experiência das Conferências do Desenvolvimento Regional, com a

participação de 13 mil pessoas, podem-se estabelecer as áreas a serem privilegiadas

pela nova política regional. No âmbito da PNDR II foram aprovados quatro objetivos

específicos, que são também os critérios de elegibilidade e de priorização das ações:

1) Convergência: para a redução das diferenças no nível de desenvolvimento e na

qualidade de vida entre e intrarregiões; 2) Competitividade: para a capacitação produtiva

em regiões que apresentam declínio populacional e elevadas taxas de emigração; 3)

Diversificação: para a maior agregação de valor e diversificação econômica em regiões

que apresentam forte especialização na produção de commodities agrícolas e/ou

minerais; 4) Centralidades urbanas: para a construção de uma rede de cidades com

maior harmonia entre os diferentes níveis hierárquicos, identificando e fortalecendo

centralidades, em diferentes escalas, que possam operar como vértices de uma rede

policêntrica que contribua para a desconcentração e interiorização do desenvolvimento

(ALVES; ROCHA NETO, 2014).

Orientada pelos princípios da transversalidade, multimensionalidade e transescalaridade,

a PNDR II pretende estabelecer “Pactos de Metas, a serem firmados entre o Ministério da

Integração Nacional e os ministérios setoriais, gerando compromissos regionalizados de

ações concertadas nas áreas da saúde, educação, indústria, CT&I, serviços básicos, etc.

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DESAFIOS E POTENCIALIDADES PARA UMA POLÍTICA INDUSTRIAL

EM DIÁLOGO COM AS POLÍTICAS REGIONAIS E URBANAS

O Brasil avançou muito na articulação de ações setoriais e locais e precisa avançar na

coordenação de decisões público-privadas de criação de condições sistêmicas de

competitividade e de inclusão social e produtiva nas escalas regionais (microrregional,

mesorregional, etc.) e urbanas.

A ABDI vem promovendo ações nos âmbitos estratégicos do nível de governo estadual.

Os desafios são imensos, mas plenos de oportunidades. A ABDI tem estimulado a

estruturação de agendas ou estratégias estaduais de desenvolvimento industrial nos

mais diversos estados da federação, buscando informar e dar coerência entre os

instrumentos federais e os instrumentos estaduais.

Uma excelente iniciativa foi a Rede Nacional de Agentes de Política Industrial (Renapi),

que já foi organizada na maioria dos estados brasileiros. Há um incentivo à concepção

e à discussão de políticas de desenvolvimento industrial no nível estadual de

governo, buscando uma articulação sistêmica que combine instrumentos, políticas e

estratégias estaduais com suas correspondentes federais. Há o estímulo à criação de

fóruns, conselhos e outros colegiados para a armação de estratégias industriais. São

organizados núcleos estaduais Renapi, convidando instituições estaduais públicas e

privadas ligadas à atividade econômica, tais como as Federações das Indústrias, as

Secretarias Estaduais de CT&I, de Desenvolvimento Econômico, de Planejamento ou

de Indústria e Comércio, as fundações estaduais de pesquisa, etc., guardadas sempre

as especificidades das instituições locais. O que se procura é disseminar a cultura da

inovação, discutir o papel do Estado no desenvolvimento industrial, debater formas

de aprimorar as capacidades inovativas e exportadoras, refletindo sobre os limites e

as potencialidades específicas para o desenvolvimento industrial de cada unidade da

federação.

Com o lançamento do Plano Brasil Maior (PBM), foi criada a Coordenação Sistêmica

de Ações Especiais em Desenvolvimento Regional, instância que deve mobilizar as

forças produtivas estaduais, articular os Núcleos Estaduais da Renapi, APLs e Renai

e realizar oficinas estaduais de disseminação de instrumentos do PBM, capazes de

avançar a inovação no estado, ampliando a participação de fornecedores locais e

as potencialidades do poder de compra do estado, buscando o adensamento e o

fortalecimento das cadeias produtivas estaduais.

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Tais iniciativas são muito bem-vindas, pois o desafio de articular a escala meso do nível

de governo estadual não é trivial.

É muito peculiar no pacto federativo brasileiro o tratamento das escalas espaciais e dos

níveis intermediários, incluindo o nível estadual de governo. Recentemente tem surgido

uma importante agenda científica e política acerca de “qual o poder do poder estadual

no Brasil” (MONTEIRO NETO, 2014). Ela procura indagar acerca das capacidades

governativas dos governos subnacionais de orientarem o sentido de seus territórios

específicos, mobilizando, de maneira articulativa, tanto seus ativos e instrumentos

econômico-financeiros (capacidades econômico-fiscais) quanto seus recursos

políticos e institucionais (capacidades institucionais) para promover o desenvolvimento.

Não é incomum no Brasil se deparar com situações estaduais (e municipais) de baixas

capacidades técnicas, de gestão, institucionais e financeiras para responder à complexa

descentralização de competências em um território gigantesco.

Uma nova governança multinível terá de enfrentar os constrangimentos institucionais e

políticos para manejar e muitas vezes constituir as seguintes escalas espaciais, enquanto

prisma de articulação ou plano escalar de ação:

a) Não se logra configurar, através do upscaling da ação e decisões dos

agentes e sujeitos cruciais, jogos cooperativos horizontais hacia arriba, em

cada um dos seguintes movimentos escalares: 1) a deslocação, ou seja, o

movimento escalar que, partindo da localidade municipal, forjasse a escala

supralocal; 2) a marcha escalar que ultrapassasse o supralocal e seu entorno

e aglutinasse e soldasse uma escala microrregional; 3) muito menos se

articula um movimento escalar que engendrasse organicamente a escala

mesorregional; 4) por fim, não se articula a escala correspondente ao nível

de governo estadual para implementar objetivamente políticas estruturantes

e estratégias consistentes de desenvolvimento que se coadunem com a

escala nacional.

b) Apesar do movimento de downscaling do Estado, hacia abajo, no sentido

de que se desenvolveu certa cooperação vertical no federalismo brasileiro

(por exemplo, o Estado desce pela via das transferências vinculadas

governamentais), porém a cooperação horizontal continua deixando a

desejar.

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Este é um desafio generalizado para as políticas públicas no Brasil. Nesse sentido, as

experiências de consórcios públicos, fóruns, agências de desenvolvimento regional,

comitês de bacias e colegiados territoriais são sempre muito bem-vindas, quando elas

estão presentes em determinado espaço regional.

Outro ponto importante é que a escala do lugar (place) é também precária em um país

tão heterogêneo e marcado por desigualdades de toda ordem (regionais, sociais, etc.).

Assim, torna-se imprescindível, sobretudo em países enormes e com disparidades inter-

regionais e interpessoais como o Brasil, promover o suporte infraestrutural da provisão

de bens e serviços públicos essenciais, de uso coletivo, para a consolidação de uma

sociedade de consumo de massas que busque acessar (territorialmente) plenamente

direitos sociais e cidadania (saúde, educação, seguridade social, transporte urbano de

alta densidade, moradia, saneamento, aprendizado). Do mesmo modo, é fundamental

prover infraestruturas sociais que aperfeiçoem habilidades e propiciem habilitações.

Como destaca Celso Furtado (1992, p. 17), “para participar da distribuição da renda é

necessário estar habilitado por títulos de propriedade e/ou pela inserção qualificada no

sistema produtivo”.

Em países desiguais, o desafio de transformar, ao longo da trajetória de crescimento

econômico, o Padrão de Oferta de Bens e Serviços e a Provisão de Infraestruturas de

Utilidade Pública e Inovativas é crucial. Tal padrão em mudança pode se transformar

na principal base para a adequação do perfil produtivo e para a interação espacial que

busca a coesão social, vista pelo prisma escalar que construa a escala supralocal.

É preciso construir a atuação com alta efetividade do Estado brasileiro, por meio

de institucionalidades, instrumentos e mecanismos que capilarmente difundam,

concretizem e enraízem ações de CT&I em todo o vasto território nacional.

Entre diversos resultados, essa oferta pode desempenhar papel crucial na redução do

desemprego e subemprego através da modernização da base tecnológica, gerando

fontes de emprego e renda mais decentes.

As articulações entre o sistema de CT&I e o Padrão de Oferta de Bens e Serviços

têm potencialmente a possibilidade de reforçar os efeitos dinâmicos de modificar o

formato e as modalidades da chegada (com solidez, estabilidade e consistência) da

CT&I no território, com plasticidade, em sua escala espacial menor. O território deve

ser o espaço-resultante, o imediato sensível, localizado, da implementação das

políticas públicas eficazes. O conteúdo de CT&I e a densidade de conhecimento de

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“estoque” e “fluxo” de bens, infraestruturas, funções e serviços dessas áreas, seu porte,

localização, a quantidade e qualidade dos equipamentos urbano-regionais e suas

articulações com os seus macro e mesopolos são fatores decisivos de sua experiência

de desenvolvimento. É fato que a reprodução social da existência da vida material que

se projeta no espaço urbano, amparada por equipamentos, infraestruturas e meios

de consumo, revela as formas de sociabilidade urbana em dado recorte espacial e as

posições dos diversos espaços urbanos em uma relação hierárquica superior.

As redes técnicas estabelecem e cristalizam as forças polarizadoras, articulando e

comandando o território. Essa capacidade de comando, evidentemente, vai depender

da escala (tamanho) e da hierarquia das cidades, da natureza de sua base produtiva,

de sua localização e da infraestrutura de acessibilidade. O papel da diversidade e da

escala urbana é fator crucial, impulsionador da dinâmica econômico-espacial de tal

área.

Se a rede urbana e suas cidades apresentam ponderáveis externalidades locais

negativas, o dinamismo socioeconômico pode ficar restrito. As restrições se devem à

ausência ou insuficiência das externalidades positivas: marshallianas (devido à ausência

ou limitação de ligações intersetoriais locais); jacobianas (pela deficiente escala

econômica das cidades e meio urbano pouco inovativo); schumpeterianas (em razão

das capacitações empresariais restritas) e perrouxianas (pelas complementaridades

intrarregionais deficientes) (LEMOS et al., 2005, p. 180). São restrições que chamamos

respectivamente de inter-ramificações setoriais econômicas, inter-regionalidades e

interurbanidades (BRANDÃO, 2010). Elas são imprescindíveis, se se quer avançar no

processo de desenvolvimento, com inovação e inclusão social, em sua dimensão

espacial e territorial.

É necessário para o desenvolvimento econômico que as inversões de capital que

ocorram tenham não só potência em termos de quantidade, mas antes de tudo de

qualidade, isto é, gerem encadeamentos intra e intersetoriais (intra e intrarregionais e intra

e interurbanos também), impostos, empregos e divisas robustos e duráveis. É preciso

avançar rapidamente para montar, desenvolver e coordenar equações financeiras

científicas, tecnológicas, educacionais e políticas que articulem e desenvolvam

capacitações.

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Essas e outras ações devem ser potencializadas pela dimensão territorial da estratégia

aqui discutida, tendo por base a valorização da diversidade regional, do caráter

continental e estruturado em variados espaços urbanos e suas hinterlândias, que

possuem dinamismos peculiares, alguns latentes, outros revelados: um planejamento

territorial que construísse vetores estratégicos que permitissem gerar impulsos dinâmicos

de modo a gerar maior convergência de renda e de oportunidades e um processo de

coesão que, ao mesmo tempo, valorizasse crescentemente nossa diversidade.

O Brasil precisa construir estratégias e instituições capazes de conectar os canais

de interação entre ciência, progresso técnico, crescimento econômico e construção

de capacidades humanas, rompendo a histórica e persistente marginalização da

maior parte da população brasileira aos benefícios do progresso técnico e ao acesso

aos serviços sociais públicos básicos para a adequada construção da almejada

homogeneização social.

Há de se colocar no centro dos debates sobre os desafios e a natureza do

desenvolvimento no Brasil a utopia em buscar as múltiplas interfaces e em se articular

de modo consistente e perene o Sistema Nacional de Fomento (BNDES, CEF, BB, BNB),

o Sistema de Proteção e Provisão de Bem-Estar Social, o Sistema de Aprendizado/

Educação/CT&I e o Sistema Nacional de Políticas Regionais.

Bibliografia:

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ARBIX, Glauco; DE NEGRI, João Alberto. Avançar ou avançar na política de inovação.

Neste volume, 2015.

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BRANDÃO, Carlos. Estratégias hegemônicas e estruturas territoriais: o prisma analítico

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ABDI: A que veio,

A que ficou

Evando Mirra

Mario Sergio Salerno

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1. INTRODUÇÃO

A ABDI foi criada num momento histórico, com um objetivo precípuo, visando a melhorar

a coordenação da política industrial e de inovação, que envolve inúmeros aspectos em

inúmeros órgãos. A necessidade de coordenação permanece. Isso sugere a questão

do título: A que veio, a que ficou. Como participantes dos momentos de sua gestação

– do fuzzy front end, numa analogia com o desenvolvimento de novos produtos –,

faremos aqui tanto uma recuperação histórica do momento e do projeto de sua criação

quanto de seus primeiros passos e de sua evolução posterior, o que é fundamental

para discutir a questão colocada.

Para tanto, precisaremos fazer breves considerações sobre o panorama das políticas

industriais, tecnológicas e de inovação até a Política Industrial, Tecnológica e de

Comércio Exterior (PITCE), lançada em 20131, no desenrolar da qual surge a lei que cria

a ABDI. Como o mundo não começou com a PITCE nem com a ABDI, é fundamental a

recuperação da história para a compreensão de qual o debate, qual a institucionalidade,

o que estava em jogo e o que dá origem ao projeto que leva à construção da ABDI.

A ABDI nasce de uma necessidade premente de coordenação intragovernamental e

com a sociedade. Discutiremos os detalhes desse diagnóstico e de como ele pensou

em ser superado. Isso implica discutir o projeto inicial da ABDI. Mas já é possível

fazer algumas avaliações – são 10 anos! Não nos furtaremos a elas. E como a ABDI

existe para pensar e ajudar a coordenar políticas públicas ligadas ao desenvolvimento

industrial, não nos furtaremos a sugerir algumas alternativas. Esperamos, por duplo

motivo, ser chamados para participar do livro e das comemorações de bodas de prata

da ABDI (25 anos): em primeiro lugar, se nossa contribuição agora tiver sido útil; em

segundo, se estivermos até lá!

1 É comum encontrar menções à PITCE como de 2004, mas ela foi formalmente lançada dia 26 de novembro de 2003, numa solenidade no MDIC com pelo menos os ministros do Desenvolvimento e do Planejamento – havia outros, mas a memória nos foge. O evento foi ofuscado por outro, que reunia exportadores, e onde o então Presidente Lula anunciou simplificação e incentivos para exportação, o que era previsto nas discussões da política industrial (vide o CE, de Comércio Exterior), dado o gargalo externo da época e a óbvia razão de que exportar é crescer, aumentar empregos, disputar com os melhores, o que induz inovação e aumento de produtividade. Houve outra soleni-dade, em data, digamos, não muito propícia (31 de março de 2004), na CNI, com grande pompa e circunstância, e essa data “pegou”.

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2. RECORDAR É VIVER: SÍNTESE DAS POLÍTICAS INDUSTRIAIS E

TECNOLÓGICAS ATÉ OS ANOS 2000

O Brasil tem rico histórico tanto de políticas de impulso à industrialização e ao

desenvolvimento industrial quanto de entraves à indústria. A história é longa, mas a

estrutura industrial que vemos hoje é fruto de um conjunto de políticas articuladas

basicamente a partir dos anos 1940, com forte impulso nos anos 1950 e 1960.

Inicialmente, entendamo-nos sobre o que compreendemos por política industrial.

Uma política industrial tem, ou deveria ter, por objetivo mudar a estrutura produtiva

de dado país. Foi assim com a indústria de base (Companhia Siderúrgica Nacional,

Companhia Nacional de Álcalis e outras), com a Petrobras, com os Planos Nacionais de

Desenvolvimento (PND): estes últimos, por exemplo, buscavam completar as lacunas

do tecido produtivo de então, com a inserção de setores como petroquímica, bens

de capital e outros. Foi assim com a política de reserva de mercado para informática e

automação, que visava a alavancar esse setor no Brasil, sem ter obtido sucesso. Com ou

sem sucesso, a ambição de uma política industrial ampla, sistêmica, é a transformação

da base produtiva – não só industrial. Não é fazer mais do mesmo, é olhar para a frente.

2.1. INDUSTRIALIZAÇÃO TARDIA – MUITO TARDIA!

A industrialização brasileira é muito tardia, relativamente à de outros países. Até março

de 1808 era proibida a existência de indústrias

no Brasil. Só havia aquelas de interesse da

Metrópole e de seus aliados diretos (Inglaterra)

– açúcar, extração madeireira e assemelhados.

Em 1º de abril de 1808, com a vinda da

família Imperial ao Brasil, foi editado o ato de

permissão de instalação de indústrias no Brasil.

A cronologia do ato está disponível no Museu

Histórico Nacional, instalado em lindo prédio

próximo à Praça Mauá, centro da cidade do

Rio de Janeiro. Notemos que havia engenhos

de açúcar desde o século XVI, inclusive com

descrição de inovações baseadas em progresso

técnico datadas de 1640, mas não havia as

indústrias “modernas” – bens de consumo,

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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equipamentos, etc. A Revolução Industrial “comia solta” na Inglaterra, com diversos

países fazendo movimentos para catch up – Alemanha, França, Estados Unidos. A

clássica análise dos processos de trabalho e da criação de riqueza nas manufaturas

inglesas, realizada por Adam Smith em A riqueza das nações, foi publicada em março

de 1776, décadas antes de o Brasil pensar em indústria manufatureira. E a herança

escravocrata cobra seu preço, desqualificando social e economicamente até hoje o

trabalho direto na produção.

A crise de 1929 no Brasil foi a crise do café. A indústria só ganharia impulso mais

forte após a II Guerra Mundial, com a criação de empresas industriais estatais “de

base”, como a CNA (Álcalis, Cabo Frio-RJ, crida por decreto-lei em 1943), CSN (Volta

Redonda, início de operação em 1946), a Petrobras (1953). O aço chega quase 100

anos atrasado.

2.2. INTERNACIONALIZAÇÃO ÀS AVESSAS: A HERANÇA MALDITA DE

JUSCELINO?

O governo de Juscelino Kubitscheck de Oliveira teve um evidente cunho empreendedor.

Para além de Brasília (e da dívida criada), interessa-nos aqui o plano de industrialização

acelerada, sintetizado pelos “50 anos em 5”. Até então, havia poucas indústrias e

fundamentalmente pouca indústria de bens de consumo duráveis – automóveis,

eletrodomésticos, etc., que puxavam o desenvolvimento mundial. Havia pouca, mas

havia, inclusive de automóveis e caminhões, como a FNM (Xerém, Rio de Janeiro), a

Romi (Santa Barbara do Oeste, SP, que fabricava o Romi Isetta, com licença italiana),

a Mercedes (fundada por um migrante polonês; a rua onde hoje se localiza em São

Bernardo do Campo a Daimler-Benz, proprietária da marca Mercedes, leva seu nome),

a Vemag (que produzia o DKW sob licença) e outras. Mesmo as empresas de capital

brasileiro, privado ou público (como a FNM), produziam produtos como automóveis

sob licença, com projeto estrangeiro.

A lógica dos 50 em 5 foi a internacionalização às avessas: convite às empresas

estrangeiras para se instalarem no Brasil para produzirem para o mercado interno.

Convite significou incentivos, condições diferenciais (de impostos, isenções, terra,

etc.) exclusivas, não extensíveis às empresas brasileiras existentes. Resultado: poucas

nacionais da época sobraram – a Romi, que sobrou, deixou o ramo automotivo. A

diretriz explícita do Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) do governo

Juscelino era reservar a indústria montadora para empresas estrangeiras, podendo as

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nacionais atuar no setor de autopeças – e efetivamente surgiram Cofap, Metal Leve,

Sabó e tantas outras.

Os Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND) dos governos da ditadura militar

fugiram pouco à regra. A petroquímica, por exemplo, foi instalada com base no famoso

“tripé”, ou seja, com três sócios: os estrangeiros entravam com o licenciamento da

tecnologia, o capital nacional entrava com a gestão e o Estado com o capital. Não

é por acaso que a Braskem, ao crescer, teve problemas no acesso à tecnologia de

processo, pois começou a incomodar seus detentores, e precisou montar equipes de

P&D: tecnologia é fator de competitividade, em muitos casos não está à venda.

Assim, grande parte da industrialização foi feita com base na instalação de filiais

de empresas multinacionais, atraídas para explorar o mercado interno, fechado à

competição. Enquanto países asiáticos, de menor porte, não tinham opção de escala

sem recorrer ao mercado internacional, o tamanho do Brasil não ajudou: com honrosas

exceções, produziam-se aqui produtos defasados (as “carroças”, conforme disse

Collor, o primeiro Presidente eleito diretamente pós-golpe de 1964 e o primeiro cassado)

para um mercado interno pouco exigente. Produto bom era quase sinônimo de produto

importado – isso existe até hoje, a julgar pelas propagandas de “tecnologia japonesa”,

“das auto” e outros.

Isso posto, as principais cadeias produtivas que puxam investimentos, desenvolvimento

tecnológico, patentes e inovação são dominadas2 por multinacionais3. Pense em

uma cadeia e veja onde está a governança – automóveis, autopeças, farmacêutica,

eletrônica de consumo, eletrônicos, componentes eletrônicos (que quase não existe),

bens de capital, química, telecomunicações e até mesmo o grande varejo.

Não se trata aqui de uma discussão exclusiva de origem do capital, de se o investimento

estrangeiro é necessário ou não. É óbvio que é necessário. O problema é que o Brasil

tem poucos centros decisórios das cadeias globais de valor (alta administração,

finanças, P&D, desenvolvimento de novos produtos, controle de especificações de

2 Dominadas no sentido de governança, conforme desenvolvimento de Gereffi, Humphrey e Sturgeon (2005).

3 Vide Salerno (2012) para uma conta simples a partir das maiores empresas relacionadas na imprensa.

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engenharia). E isso inibe o desenvolvimento industrial – há boa literatura a esse respeito

(ARAÚJO, 2005; SALERNO; MARX; ZILBOVICIUS, 2009; AMSDEN, 20124).

Com isso procuramos caracterizar que os problemas estruturais de competitividade da

indústria brasileira podem não estar ligados à política de substituição de importações,

nem necessariamente ao grau de proteção. Muitos países seguiram políticas

semelhantes, tais como Japão e Coreia do Sul, mas suas políticas estavam voltadas

para o desenvolvimento de grupos empresariais nacionais e a exposição à competição

internacional pela exportação. O que importa é estar exposto à competição internacional

4 Alice Amsden (2012) afirma numa publicação do centro que a Vale banca na Universidade de Co-lumbia, em Nova Iorque, EUA (sim, a Vale banca centro de think tank lá, e não só lá, mas não banca no Brasil... há muito minério por lá): “National firms are likely to be the more entrepreneurial of the two types because national firms know their local markets best.[1] But foreign affiliates may have synergistic advantages from operating in more countries than the typical national firm. Still, in today’s global markets, there are eight relatively new functions that normally only national firms can perform, giving them a wide edge over foreign affiliates. More specifically, without private or public nationally owned enterprises to secure home markets:Supplying outsourcing services to developed countries is unrealistic. Outsourcers, by definition, look overseas for national firms to undertake production, especially in electronics (a US firm may establish its own affiliate as an outsourcer, but typically experienced national outsourcers are faster and more efficient).Establishing brand names is very difficult (a brand name is company specific, and a company usually originates in a given country that has proprietary technology).Dislodging a foreign legacy position in a natural resource industry like oil is undoable (to supplant a foreign concession, a domestic firm is required as demonstrated by OPEC members but not yet by Africa’s new oil-producing countries).Reversing brain drain of top national talent is more difficult (a glass ceiling may obstruct nationals from reaching the position of CEO if a company is foreign-owned).The illegality of imposing local content requirements under WTO law is binding. While foreign affiliates cannot be subjected to local content regulations, national enterprises have more incentive to build their own local supply chains and state-owned enterprises can help in this respect via procurement.The benefits of outward FDI undertaken by foreign affiliates located in the country ultimately accrue to the parent company at home.Foreign affiliates conduct almost no research and development in emerging markets; so competing in high-tech industries is problematic, unless governments are able to take a hard line with foreign investors, as in India and China. Small and especially medium-size enterprises must be brought up to speed as subcontractors, and FDI rarely makes a large impact in this firm-size range, which is the object of numerous government programs.There are other reasons to believe that the best national firms in the fastest growing emerging markets (for example, the Republic of Korea’s Samsung, India’s Infosys and Brazil’s Embraer) tend to be more entrepreneurial than foreign affiliates.] The latter today are typically bureaucratic -- operating with relatively dense levels of management and cookie-cutting single models throughout the world. For now, when most national firms enjoy both family ownership and professional manage-ment, they display minimal bureaucracy. If a developing country relies on FDI, every “new” industry requires the entry of yet another MNE, whereas the conglomerate group, a typical national business structure in the de-colonized world, can diversify faster and at lower cost.The thin layer of bureaucracy in national firms, due to familial relations, improves information flows. National firms are of-ten super-quick in entering new industries and then in designing the integration of parts and components to win the global race to market. One national firm in the Indian pharmaceutical industry reached the market faster than the Indian foreign affiliate of the MNE that had invented the drug.[3] In many industries, national firms were the first movers. They diversified forcefully and fast -- the origin of the diversified business group structure.All this suggests that research on FDI must change. In the past, FDI was compared with no FDI, as if national enterprise had nothing to contribute. Now, the presence or absence of foreign affiliates must be compared against that of well-managed national firms. How different the results will be remains to be seen, depending on policy formulation and implementation. National firms must be nursed and nurtured to fulfill the functions that foreign affiliates are less likely to undertake. There is little substitution. For this reason, specific institutions must be built to promote national assets. Good models in Asia are the Republic of Korea and China, and in the Middle East, many OPEC members.”

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nos países centrais, nos mercados mais competitivos e ter controle da cadeia, fazendo

em casa P&D, desenvolvimento de novos produtos, inovação.

Tal estrutura industrial, com controle estrangeiro, voltada para dentro, sem estímulo para

competir, “quebrou” com a crise do petróleo, que chega aqui em 1981. Seguem-se

as décadas perdidas, a inflação, as tentativas de fazer alguma coisa. Desse período,

colhemos de bom o fim da ditadura e a conquista da democracia política. A estrutura

industrial continuou aquela delineada até o II PND.

3. UM POUCO ANTES DA ABDI...

Houve algumas tentativas heroicas de introduzir políticas de inovação antes da PITCE.

Heroicas pois ou em momento de alta inflação, que catalisava todos os esforços do

governo, ou num governo que não queria política industrial, nem mesmo uma baseada

em inovação.

No governo Sarney, por obra da equipe do MCT5, particularmente de Fabio Erber, foram

criados o PDTI e o PDTA pelas Leis nº 8.661 e nº 1993. Eram, respectivamente, os

Planos de Desenvolvimento Tecnológico Industrial e Agropecuário. Fiquemos com o

PDTI, para exemplificar. A empresa deveria submeter ao MCT um plano – o PDTI, que, se

aprovado, propiciava redução tributária. A equipe técnica do MCT comunicava à Receita

que tal empresa fazia jus a tal redução. A lei previa: dedução de até 8% do IR relativo

a dispêndios em atividades de P&D tecnológico, industrial e agropecuário; isenção

de IPI sobre equipamentos e assemelhados para P&D; depreciação acelerada para

equipamentos novos destinados a P&D; amortização acelerada, mediante dedução

como custo ou despesa operacional dos dispêndios para aquisição de intangíveis

para P&D; dedução como despesa operacional dos pagamentos de royalties para

empresas de tecnologia de ponta ou BK não seriados.

Mas... não pegou. Em grande parte porque o chamado “Pacote 51”, editado pelo

governo Fernando Henrique em 1997, em uma das vezes que o país quebrou (aqui a

questão era a crise na Ásia), sendo necessário reduzir isenções e aumentar tributos, as

isenções foram restritas, e outras isenções mais simples (alimentação do trabalhador,

por exemplo) já ocupavam o teto. Assim, em um levantamento feito pelos autores à

5 A nomenclatura MCTI é mais recente. Utilizamos a denominação da época.

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época, consultando o site do MCT, só 196 projetos entre 1993 e 2005… muito barulho

para pouco resultado. E esses projetos envolviam muito menos do que 196 empresas.

A lei continha uma visão que acabou derrotada na Lei do Bem, surgida no bojo da PITCE

(Lei nº 11.196, de 21/11/2005, regulamentada pelo Decreto nº 5.798, de 7/6/2006). A

Lei do PDTI exigia submissão prévia de projeto. O papel era analisado, o incentivo

concedido e... do ponto de vista do Estado, fim! Implantação do plano na empresa?

Efetividade? Ninguém sabe, ninguém viu. Mas havia a autorização, tudo era legal. A

Lei do Bem introduziu o conceito de isenção automática, sem autorização prévia, sem

submissão de projeto, da mesma forma que isenções são tratadas na declaração de

Imposto de Renda de Pessoa Física: declare e responsabilize-se pela veracidade, a

Receita fiscaliza. É verdade que alguns atos posteriores à edição da lei burocratizaram

um pouco o processo, mas o chamado “espírito da lei” é muito positivo.

Aliás, Fabio Erber, um dos articuladores da Lei nº 8.661/93 e que participou do grupo

executivo da PITCE, concordava com a forma da Lei do Bem. Considerava, com razão,

que no ambiente de 1993 não havia muitas escolhas possíveis e que o fundamental era

cravar uma cunha, introduzindo o incentivo à questão de tecnologia na empresa como

uma questão de Estado.

Mas houve mais: I Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia em 1985, para subsidiar

o recém-criado MCT, a II em 2001, incorporando Inovação no nome (II Conferência

Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação), da qual resultou o “Livro Branco” da CT&I,

com recomendações para os anos seguintes.

Além do Livro Branco, uma engenhosidade importante articulada pelo MCT à época

do segundo governo Fernando Henrique foram os fundos setoriais. O Fundo Nacional

para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) era a principal fonte de

financiamento à ciência, mas o FNDCT vinha perdendo valor ano após ano, resultado

das crises financeiras do Estado. Os fundos setoriais foram articulados conforme

as privatizações foram ocorrendo – daí sua origem setorial. Nas leis de privatização

estavam embutidas contribuições das empresas para os fundos. Era uma tentativa

de restabelecer os volumes de financiamento à ciência. Inovação era outro assunto,

que só pegaria com a PITCE e as Leis de Inovação e do Bem. De qualquer forma,

tentativa engenhosa em um governo hostil, em que a melhor política industrial é não

haver política.

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O PROJETO DA ABDI

O projeto da ABDI está intimamente ligado à PITCE. A PITCE foi desenvolvida sob

coordenação política de um conjunto de ministros que aproveitaram o espaço da

Câmara de Política Econômica e o utilizaram durante um período de 2003 com o fim

precípuo de discutir as diretrizes de política

industrial (SALERNO, 2005). Foi criado um

Grupo Executivo, coordenado por indicados

pelos ministros do Desenvolvimento,

Indústria e Comércio Exterior, da Fazenda e

pelo presidente do Ipea (que foi o principal

articulador político para reunir os ministros e

destacar a importância do tema) e composto

também por diretores do BNDES, Finep,

secretários de ministérios (incluindo Fazenda).

Era claro que, em um país com problema de

caixa, nada se faz sem a Fazenda. Buscava-

se a todo custo o envolvimento cotidiano

da Fazenda, do ministro ao Tesouro, dos

secretários à Receita Federal (que fez as

contas de renúncia fiscal com a Lei do Bem,

por exemplo).

Batamos o martelo no mesmo ferro. Parte importante do desenvolvimento produtivo

e da transformação da estrutura industrial, objetivos finais de uma política industrial,

passam por políticas e instrumentos típicos de Ministério da Fazenda: política tributária,

visão geral sobre incentivos fiscais (normalmente se esquecem os que já estão em

vigor, perdendo-se visão sistêmica – que a Fazenda pode ter), orçamento, ou melhor,

liberação e contingenciamento do orçamento, simplificação em geral, entre inúmeros

outros.

Após a elaboração do documento, sua aprovação pelos ministros e pelo Presidente

(Lula), ele foi lançado duas vezes, em novembro de 2013 e no final de março de 2014,

com mais pompa. Após a finalização do documento, grupos de trabalho foram criados

para a elaboração ou modificação de instrumentos. Não funcionou. A estrutura de tipo

matricial (todos os integrantes do Grupo Executivo tinham suas atribuições nos órgãos

de origem) teve governança mais forte no projeto (elaboração da PITCE) durante o

ímpeto inicial, empurrada pelos ministros. Mas, em seguida, o lado funcional, qual seja

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o das instituições de origem, retomou a hegemonia: todos tinham diversos afazeres

nos ministérios, no BNDES, na Finep, no Ipea... a estrutura montada não funcionou.

A falta de coordenação prática era evidente; faltava uma estrutura para isso, uma

estrutura que aliasse coordenação política de alto nível (ministros) e coordenação

executiva (secretários e dirigentes de órgãos): a ABDI nasceu para tentar suprir essa

lacuna.

O diagnóstico que levou à criação da ABDI era hegemônico, senão consensual, entre

os envolvidos na construção da PITCE e mesmo entre muitos de fora do governo e

de participantes de outros governos, consultados à época. Há grande dificuldade

de coordenação entre os organismos do Estado, há necessidade de articular com

a sociedade – mais especificamente com o setor produtivo – e há um problema

generalizado de falta de quadros no Estado brasileiro. Particularmente, análises e

acompanhamentos mais detalhados sobre indústria e setores industriais são elaborados,

mas sob a ótica de cada órgão específico: o BNDES sob sua ótica, a Finep sob sua

ótica, etc.: as análises não se encontram, não são integradas, não há síntese que

convirja para elaboração de diagnósticos e planos de ação. Para além do diagnóstico

e da proposição de políticas e instrumentos, há um grande problema de governança.

Como o tema é transversal aos diversos ministérios e órgãos que são organizados

de maneira funcional (cada qual com uma função específica, definida por disciplina –

Indústria, C&T, Orçamento, Fazenda, etc.), não há instância decisória perene, não há

instância que articule ministros e altos dirigentes para a tomada de decisão. Tal instância

acontece durante a elaboração da PITCE, na Câmara de Política Econômica, mas foi

abandonada.

O projeto inicial da ABDI foi fermentado no mesmo núcleo que se articulava junto à então

Câmara de Política Econômica (CPE). A hegemonia inicial na CPE era do Ministério

da Fazenda – que elaborava a pauta, articulava as reuniões, ainda que formalmente

se dissesse que a condução era do ministro do Desenvolvimento. Com o passar do

tempo, e principalmente após a divulgação do documento de Diretrizes de Política

Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, o ministro do Desenvolvimento assumiu

protagonismo de fato.

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4.1. ARTICULAÇÃO COM A SOCIEDADE

Uma das principais medidas que se devem exclusivamente à ideia e articulação do

então ministro Luiz Furlan (MDIC) foi a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento

Industrial (CNDI). No que hoje se chamaria de prototipagem rápida, o ministro Furlan

articulou reunião com outros ministros (por exemplo Casa Civil, Planejamento,

Transportes, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente), empresários e sindicalistas, reunião

de participação pessoal: se o convidado não puder vir, não pode mandar representante.

Após algumas reuniões, a criação do CNDI foi legalmente definida na mesma lei que

criou a ABDI.

O CNDI, enquanto teve vida sistemática, foi um sucesso. O calendário era definido

anualmente, e as reuniões eram preparadas previamente (a ABDI fazia sua secretaria

executiva). Os ministros, empresários e sindicalistas participavam efetivamente. Para

aumentar o simbolismo, as reuniões eram realizadas no Salão Oval do Palácio do

Planalto e em muitas reuniões o próprio Presidente da República (Lula) compareceu. A

participação “pessoal” deu ótima dinâmica – ninguém queria ficar de fora, e as reuniões

tinham continuidade. No CNDI foram discutidos temas como Lei do Bem, Reporto,

plano de desenvolvimento regional associado à política industrial, plano de banda larga

e outros.

O CNDI servia também para articulação (e disputa) entre os ministros. Mas aqui já

estamos na articulação intragoverno (ou intraestado), igualmente importante.

4.2. ARTICULAÇÃO INTRAESTADO: O PLANO E A SUA (NÃO)

IMPLEMENTAÇÃO

A experiência de articulação intragovernamental durante o período da Câmara de

Política Econômica foi muito positiva. A proposição básica era manter o mesmo espírito:

reunião de governo, dos ministros e poucos assessores, para tomada de decisão de

alto nível. A forma: o Conselho da ABDI seria composto por ministros – os mesmos que

participaram da elaboração das diretrizes de PITCE.

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Há uma ideia generalizada de que ministros se conversam. Não parece ser fato, não há

articulação e coordenação espontânea, ela precisa ser induzida. Foi assim com a CPE,

e o projeto é que seria assim com o Conselho da ABDI.

Ocorre que, no dia da instalação do Conselho, apenas dois ministros compareceram:

Desenvolvimento e C&T. Um dos ministros ausentes relatou que um dos colegas

telefonou desconvocando a reunião. Fato ou não, o Conselho ficou esvaziado, e a

possibilidade de articulação mais forte se perdeu. Nos primeiros anos, houve um acordo

explícito: o ministro da Ciência e Tecnologia seria o presidente do Conselho e a ABDI

faria um acordo de gestão com o MDIC. A captura da ABDI por um único ministério seria

o fim de seu projeto original. Esse risco ocorreu e foi evitado a duras penas, ao menos

no seu início.

Deixemos claro: é legítimo que um ministro procure os quadros mais qualificados e todo o

apoio que puder amealhar para suas ações. Cabe às instituições pluriministeriais resistir

a tal tipo de investida. De qualquer forma, investidas desse tipo, quando recorrentes e

sistemáticas, mostram um problema de governança, mostram coordenação fraca.

Interessante como o quadro permanente e os dirigentes de vários órgãos do Estado,

independentemente do governo, se consideram “guardiões” de determinadas

proposições de política. Em política industrial e tecnológica, há mais órgãos posando

de pais do que articulação propriamente dita: MDIC, BNDES, Finep, Planejamento (a

depender do ministro), Casa Civil... Isso só revela falta de coordenação, ou coordenação

fraca. Isso ocorreu no início do PPA, no plano de desenvolvimento do governo FHC

(eixos do desenvolvimento) e também com as políticas industriais e tecnológicas

recentes, particularmente a partir da PDP – que parece mais um plano do BNDES do

que uma política integrada, da mesma forma que o PACTI do MCTI é um plano do

MCTI, não de Tecnologia e Inovação.

Resultado concreto: o conselho da ABDI nunca cumpriu o papel idealizado. Transformou-

se em um Conselho mais administrativo e menos de alta decisão política – é só ver

sua composição. Como decorrência, a ABDI passou a ser vista como um “órgão do

MDIC”, de maneira mais forte que o BNDES (que na prática muitas vezes consegue

independência do MDIC, inclusive devido ao fato de sua diretoria ser normalmente

definida independentemente do ministro do Desenvolvimento).

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Sem CNDI, com Conselho descaracterizado, podemos dizer de modo forte, exagerando

nos termos para dramatizar a situação, que a ABDI acabou capturada pelo MDIC6 e,

portanto, perdeu sua legitimidade como agente de coordenação. A questão não é a

ligação formal – o BNDES é ligado formalmente ao MDIC, mas atua para muito além do

MDIC (infraestrutura, por exemplo) –, é a ligação de fato e como ela é percebida pelos

agentes. Se a ABDI fosse efetivamente um órgão de coordenação, não haveria tantos

problemas de coordenação de política industrial, como as desonerações dos anos

recentes (2012-2013) mostraram.

DILEMAS DA ABDI

A ABDI acabou assumindo um conjunto de papéis. Podemos listar ao menos cinco

papéis que a ABDI acabou assumindo. Seria como se cada papel dissesse respeito a

uma parte da ABDI. As partes não são iguais em tamanho, nem em recursos ocupados

ou importância para a transformação da estrutura industrial. Nem necessariamente são

inéditas ou exclusivas – ou seja, parte das partes é também desempenhada por outros

órgãos.

Em parte, é uma espécie de think tank específico para questões da indústria. Aumentou

seu quadro de analistas, de pessoal capacitado para rodar microdados das bases

nacionais, de pessoal que reflete sobre inúmeras questões. Importante. Há alguns

órgãos como esse no Estado, sendo o principal deles o Ipea.

Uma segunda parte, e parte substancial. A ABDI é, em parte, um órgão de apoio ao

MDIC. Isso é resultado de um duplo fenômeno: do desaparelhamento do MDIC e de

sua incapacidade estrutural de tocar projetos, posto que ministério concebido, muitas

décadas atrás, como ministério de regulação. A ABDI algumas vezes é chamada para

fazer atividades típicas do MDIC. E chamada pelo MDIC. A questão é o dimensionamento

de algumas – se tender a muitas, se ocupar boa parte do tempo, do esforço e dos

recursos da ABDI, temos uma evidente distorção.

Em terceiro, funciona como um órgão de contabilidade da política industrial. Levanta

dados, faz relatórios, quantifica, etc.

6 Fato sintomático: em um evento em outubro de 2014 no qual um dos autores estava presente, um funcionário da ABDI, contratado nos anos 2010, apresentou-se como “fulano de tal, da ABDI, ligada ao MDIC”.

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Quarto, é meio de contato com o empresariado. A ABDI é uma porta para conversas,

uma porta habilitada, uma vez que seus quadros dirigentes, até o momento, têm sido

de alto nível – é um pouco estranho dois ex-diretores falarem disso, mas os demais

são quadros de alto nível. Em nossos contatos pós-ABDI, temos visto muitos líderes

empresariais se referirem à ABDI como um lócus de interlocução.

E quinto, procura ser órgão de coordenação.

Qual o problema desses papéis? É que se acaba por não saber qual o papel da ABDI.

Ela vem perdendo mandato de coordenação, que seria o seu papel central – todos os

outros poderiam existir, desde que contribuíssem para a coordenação.

Ocorre que coordenação não acontece apenas por decreto. Coordenação se dá

através de um mandato político (mandato no sentido de o que fazer, de qual sua visão

e missão, qual seu papel e como é legitimado), de uma institucionalidade que emana

e é sustentada por um mandato político, que legitima as ações de coordenação. E é

aqui o ponto central: seria necessária a explicitação política do mandato da ABDI. E isso

precisa necessariamente ser obra supraministerial, não pode ser circunscrita ao MDIC.

CONCLUSÕES: PARA MAIOR EFICÁCIA E EFICIÊNCIA DAS

POLÍTICAS INDUSTRIAIS, TECNOLÓGICAS E DE INOVAÇÃO

A ABDI é um projeto inconcluso. Melhor especificando, é um projeto cuja implementação

sofreu percalços e a ABDI foi para um rumo um pouco diferente. Digamos, um órgão

capacitado que se dedica a suprir lacunas do MDIC. Ela pode ser muito eficiente nisso,

mas isso não é muito eficaz.

A estrutura industrial brasileira precisa ser alterada rapidamente. Historicamente,

perdemos o bonde da microeletrônica e mesmo da eletrônica de consumo. As

sucessivas crises ou estrangulamentos fiscais do Estado, nas últimas várias décadas,

criaram um sistema tributário complicadíssimo e incompreensível – as alíquotas

não são o problema central, mas sim a sua (falta de) racionalidade para estimular o

desenvolvimento, uma vez que chega-se a estimular importações (com diferimento de

ICMS, por exemplo). O MCT foi historicamente um Ministério da Ciência, capturado por

acadêmicos da mesma forma que a Agricultura o é pelos grandes produtores rurais.

Tudo isso é absolutamente legítimo e faz parte do jogo de forças na sociedade. Mas não

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ajuda para uma política industrial articulada com tecnologia e inovação, que transforme

a estrutura produtiva do Brasil rumo à maior agregação de valor.

É possível reverter o quadro? Sim! Mas é preciso ter consciência dos problemas e

encaminhar soluções perenes. A primeira é reatar os espaços formais de conversa com

a sociedade – seja via CNDI ou assemelhado. A segunda é construir ou reconstruir os

instrumentos de coordenação dentro do Estado. A sobrevivência da relevância da ABDI

passa pela renegociação de seu mandato. Essa obra só um Presidente, ou um ministro

muito forte, hegemônico num governo (o que é raro), pode fazer.

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131

Crise, Estagnação Secular e “Destruição Criadora”:

a Trajetória Criadora e a Política Industrial na

América Latina

Mario Cimoli

Gabriel Porcile

Fernando Sossdorf

131

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

132

INTRODUÇÃO

Quando ocorre uma crise financeira, como a que atingiu a economia global em 2008, os

aspectos sistêmicos da crise e a necessidade da intervenção pública são amplamente

reconhecidos. Mas os efeitos da crise sobre o setor real e a necessidade urgente de

políticas para a recuperação das capacidades, do capital humano e da produção não

provocam na sociedade uma forte resposta ou um consenso semelhante no que diz

respeito à necessidade da ação pública. Além disso, quando o setor real é abalado por

quaisquer choques maiores, particularmente os choques tecnológicos que redefinem

o cenário industrial, encontra-se a mesma indiferença – ou até mesmo hostilidade – por

parte dos decisores políticos e entre a maioria dos economistas, quanto à necessidade

da adoção de políticas efetivas para evitar a obsolescência e o desemprego das

capacidades acumuladas no setor real através de décadas de experiência e aprendizado

adquiridos na prática.

Duas razões podem explicar essa assimetria. Uma tem a ver com a velocidade. O

impacto de uma crise financeira é sentido imediatamente em vários setores. O colapso

na produção e no crédito é tão forte e visível que é quase impossível, mesmo para

o mais conservador dos governos, permanecer indiferente, apenas aguardando

que os mercados resolvam o problema. De modo inverso, os impactos de um novo

paradigma tecnológico ou uma queda prolongada nos investimentos em P&D são

sentidos lentamente. Pode demorar décadas para as consequências de ficar para trás

em produtividade e capacidades tecnológicas mostrarem o seu impacto total sobre

o emprego, o crescimento e a competitividade. Assim, para os decisores políticos

parece não haver nem motivo nem urgência em responder a uma crise no lado real

com a mesma energia com que respondem a uma crise bancária. Se empresas têm

de deixar o mercado, que seja (outros setores ou empresas surgirão). Mas essa lógica

está equivocada: pode acontecer que novas empresas sejam criadas em setores nos

quais o crescimento real ou potencial da produtividade seja menor do que antes; ou

que, afinal, não sejam criadas novas empresas e a economia apenas se acomode com

uma taxa e desemprego de longo prazo mais elevada.

A outra razão é ideológica. Os decisores políticos formados na tradição neoclássica

tendem a ver a intervenção pública nos mercados como basicamente distorciva.

Afinal, acredita-se que os mercados tenham informações perfeitas e sejam eficientes.

As imperfeições do mercado são reconhecidas; mas, antes de tomar qualquer ação

política, é necessário demonstrar que essas imperfeições existem, mesmo que elas

estejam espalhadas por toda a economia. Na verdade, o que pode ser facilmente

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133

demonstrado é que os mercados perfeitos definitivamente não existem. Em tempos

bons, a ideia de que os mercados são eficientes se mantém tanto para os mercados

de bens quanto para os mercados financeiros; mas, nos maus momentos, a pressão

dos banqueiros e o colapso da produção obrigam os decisores políticos a agirem

rapidamente para salvar o sistema financeiro e, então, as duas palavras são separadas:

a produção e as capacidades desaparecem, os bancos são salvos.

Este trabalho argumenta que a dimensão sistêmica é tão importante no setor real

quanto no setor financeiro; que a crise e os choques que fazem a economia ficar para

trás em capacidades tecnológicas, produtividade e investimento têm um efeito que se

estende por períodos muito longos, muito além do curto prazo; que a política industrial

é mais necessária do que nunca em tempos de crise e em época de mudança de

paradigmas tecnológicos; e que o atraso da América Latina em adotar uma política

industrial e tecnológica efetiva compromete a sua posição futura no sistema econômico.

Nos últimos anos tem havido uma tímida defesa da política industrial pelas mesmas

instituições que em outros tempos a condenaram como uma heresia. Mas é muito

pouco e muito tarde. Está mais do que na hora de abandonar preconceitos ideológicos

e se concentrar na criação dos patrimônios industriais do futuro.

Este trabalho discute como choques, sejam financeiros, tecnológicos ou em preços

mundiais, acarretam implicações cruciais para o aprendizado, a inovação e a mudança

estrutural; e argumenta que as respostas políticas a esses choques definem o

desempenho de cada economia no futuro.

1. A crise de 2008 (e o que foi chamado de “estagnação secular” no mundo

desenvolvido) envolve mais do que um impacto sistêmico nas macrovariáveis

agregadas. Ela também tem encorajado a transformação da estrutura

microeconômica, que por sua vez moldará o desempenho da economia no

futuro.

O impacto dos ciclos econômicos e das crises financeiras na economia real é geralmente

analisado em termos de seus efeitos sobre variáveis agregadas: produto, emprego e

demanda. Esses são os efeitos mais visíveis da crise financeira, tanto a curto quanto

a médio prazo. Além disso, a partir de um ponto de vista global, a desaceleração da

atividade econômica nos países desenvolvidos afeta negativamente o investimento, a

produção, a renda e o emprego nos países em desenvolvimento. No entanto, o impacto

da crise sobre a economia real não é neutro no que diz respeito às características da

estrutura microeconômica e ao comportamento das empresas. Por trás da trajetória das

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variáveis agregadas, aspectos “invisíveis”, mas cruciais, que explicam essas trajetórias

estão relacionados com alterações nas capacidades humanas, nas capacidades

tecnológicas e na flexibilidade da estrutura de produção1.

Enquanto uma crise tem fortes efeitos sobre a estrutura de produção, é também

verdade que esta última define como a economia reage à crise. As análises de negócios

mostram, por exemplo, que empresas relacionadas com alta tecnologia e TI podem

sofrer pesadas perdas nos valores de suas ações a curto prazo, mas que também

se recuperaram mais rapidamente2, 3. Em geral, uma economia diversificada, com um

conjunto maior de capacidades instaladas, pode responder melhor e mais rapidamente

à crise.

O exercício a seguir mostra a importância da estrutura industrial na definição de como os

países reagem e saem da crise. É estimado um modelo de crescimento econômico que

inclui a intensidade de conhecimento da estrutura econômica como uma das variáveis

explicativas, juntamente com as variáveis de controle tradicionalmente utilizadas em

regressões de crescimento (ver a seguir e na Tabela 1). Para representar a intensidade

de conhecimento da estrutura, foi criado um índice que combina pedidos de patentes

por milhão de habitantes e a parcela de participação das exportações de alta tecnologia

no total das exportações. Essa variável entra na regressão na forma de um termo

interativo, que visa a captar a interação entre a estrutura econômica e o crescimento do

PIB mundial. A ideia é analisar como as mudanças no crescimento global são “filtradas”

pela capacidade do país de se adaptar e responder a bons ou maus momentos na

economia internacional.

A hipótese básica é que estruturas complexas, diversificadas, que implicam um grande

conjunto de capacidades e setores de alta intensidade de conhecimento, são menos

vulneráveis (ou mais resistentes) a mudanças na taxa de crescimento da economia

internacional. Em outras palavras, a estrutura “filtra” as flutuações do crescimento

internacional de tal modo que a economia diversificada mostra uma taxa de crescimento

1 A falta de atenção para com as ligações do setor real-financeiro é confirmada em uma avaliação do Banco Central Europeu feita por Ken-ny e Morgan (2011) de por que a teoria econômica não conseguiu prever a crise. O relatório enfatiza que é urgente “ampliar as ferramentas existentes e/ou desenvolver novas ferramentas para explicar importantes mecanismos de feedback, por exemplo ligações reais-financeiras melhoradas e dinâmica não linear”.

2 www.dailyfinance.com/19/07/2010/some-big-name-tech-stocks-look-temptingly-cheap.

3 A Nasdaq, concentrada em tecnologia, caiu em setembro de 2008. Um ano depois, atingiu o mesmo nível pré-crise.

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mais estável (CHANG, 2001; CIMOLI et al., 2010; CEPAL, 2007, 2012; LALL, 1997;

RODRIK, 2008).

Tabela 1 - Quadro de Estimativa da vulnerabilidade do crescimento do

PIB a mudanças na taxa do crescimento internacional, 1975-2011

Estimativas

Variável dependente: crescimento do PIB per capita(1) (2)

PIB inicial-0,40

(0,10)***

-0,41

(0,10)***

Educação0,020

(0,086)**

0,017

(0,086)**

Investimento0,19

(0,023)***

0,18

(0,023)***

Crescimento do PIB Mundial0,82

(0,090)***

0,90

(0,10)***

Abertura .0,002

(0,002)

Estrutura* Crescimento do PIB Mundial .-0,18

(0,009)*

Constante -1,77

(1,05)*

-1,55

(1,05)

Obs. 288 288

Número de países 36 36

Períodos de tempo 8 8

Wald chi2 (6) 187,1 198,1

Prob > chi2 0,000 0,000

Fonte: Banco Mundial; COMTRADE; Banco de Dados Barro-Lee; USTPO.

Notas: A estimativa é realizada por dados de painel e estimação pelo método

de mínimos quadrados generalizados corrigido por heterocedasticidade

e autocorrelação. Todas as variáveis são definidas como média para cada

período, com exceção do PIB Inicial e Educação, que correspondem

ao ano inicial de cada período. As demais variáveis são definidas como

segue: Educação como taxas de conclusão do nível secundário como %

da população de 15 anos ou mais; Investimento como média da taxa de

investimento de capital fixo; Crescimento do PIB mundial; Crescimento do PIB

per capita; Abertura como exportações mais importações sobre o PIB total; e

Estrutura como um índice de pedidos de patentes por milhão de habitantes

e exportações de alta tecnologia sobre o total de exportações. Estatísticas

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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t com erros-padrão robustos em parênteses; * Significância de 10%; **

Significância de 5%; *** Significância de 1%.

O modelo econométrico é um modelo bastante convencional de crescimento, que inclui,

no lado direito do nível inicial do PIB per capita (como nos modelos de convergência

condicional), o capital humano, a abertura, a taxa de crescimento do PIB mundial e a

taxa de investimento do país. Além disso, está incluído um termo de interação entre

o crescimento mundial e o índice de intensidade de conhecimento da estrutura de

produção. Todos os coeficientes das variáveis explicativas do modelo são significativos

(exceto para a abertura) e os seus sinais geralmente em linha com o que são relatados

na literatura. Enquanto o crescimento do PIB afeta positivamente o crescimento interno,

como esperado, a variável de interação é negativa. Isso sugere que, enquanto a

demanda mundial favorece o crescimento em todos os países, alguns deles são mais

vulneráveis ou dependentes do crescimento mundial. A variável que faz a diferença em

termos de vulnerabilidade é a intensidade de conhecimento da estrutura de produção.

Esta variável funciona através de muitos canais diferentes. Um canal crucial é a ligação

entre a estrutura de produção e o crescimento da produtividade. Ambos estão interligados,

pois a mudança no mix de produtos para setores de alta intensidade de conhecimento

reforça a aprendizagem e consequentemente o crescimento da produtividade, que por

sua vez aumenta a diversificação. A ligação entre mudança estrutural e crescimento

da produtividade pode ser observada no Gráfico 1, que representa a coevolução da

produtividade relativa e da intensidade de conhecimento da estrutura de produção. O

gráfico mostra no eixo x a produtividade relativa da Argentina, Brasil, México e Coreia

do Sul, em comparação com uma economia de referência na fronteira tecnológica,

nomeadamente os EUA; e no eixo y mostra a intensidade de conhecimento da estrutura

de produção, medida pelo Índice de Participação Relativa (IRPi), a proporção entre a

porcentagem de indústrias de engenharia no total de valor agregado fabricado no país i

(Argentina, Brasil, México e Coreia do Sul) e a mesma variável nos EUA. A Coreia do Sul

moveu-se para cima, enquanto a Argentina mostrou um processo regressivo, tanto em

mudança estrutural quanto em produtividade relativa. Por outro lado, o México e o Brasil

mostraram um processo regressivo da produtividade relativa e uma melhoria marginal na

variável IRP. Embora o gráfico não tenha a intenção de mostrar causalidade, ele aponta

claramente para uma associação sistemática entre mudança estrutural e produtividade

relativa, que subentende o melhor desempenho de estruturas complexas no comércio

internacional (REINERT, 1995; SAVIOTTI; FRENKEN, 2008). Liderança e atraso em

tecnologia sustentam a transformação da estrutura de produção (STIGLITZ, 2014).

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Gráfico 1 - A coevolução da produtividade relativa e da mudança estrutural:

Argentina, Brasil, México e Coreia do Sul, 1970-2008

Fonte: OIT; Banco Mundial; UNIDO; PADI.

Uma ideia semelhante, vista do ponto de vista da competitividade internacional, pode ser

observada no Gráfico 2: no eixo y, há um indicador de competitividade (a participação

das exportações do país nas exportações mundiais); no eixo x, há um indicador da

complexidade da estrutura econômica (participação das exportações de alta tecnologia

no total das exportações). As trajetórias de desenvolvimento da Ásia e da América

Latina entre 1970 e 2011 são comparadas. A Ásia em desenvolvimento transformou

seu padrão de especialização de maneira constante, com fortes implicações para o

crescimento das exportações e o crescimento da demanda efetiva. O processo de

transformação foi muito mais fraco na América Latina, e isso refletiu-se na incapacidade

da região de obter uma parcela maior do mercado mundial.

Essas tendências inter-relacionadas em mudança estrutural, o crescimento da

produtividade e da competitividade (que moldam a capacidade de o país crescer

sem comprometer o equilíbrio externo) estão na base dos diferentes desempenhos

do crescimento e resposta de crescimento às mudanças nos mercados internacionais

avaliadas na regressão de crescimento na Seção 1.

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Gráfico 2 - A coevolução da mudança estrutural e competitividade: Ásia e

América Latina em desenvolvimento, 1985-2011

Fonte: OIT; Banco Mundial; UNIDO; PADI.

Em suma, a estrutura industrial desempenha um papel crucial na definição da

capacidade dos países de sair da crise e da velocidade com que eles se recuperam. Os

países com uma estrutura mais diversificada saem-se melhor a longo prazo em termos

de produtividade, competitividade e crescimento. A razão para isso é que eles têm o

conhecimento e as capacidades necessárias para readaptar estratégias e estruturas

a uma economia internacional em rápida mudança, o que torna o crescimento menos

vulnerável a mudanças no crescimento mundial.

2. Em um contexto de crise, empresas e setores readaptam suas capacidades,

processos de aprendizagem, produção e estratégias de investimento. Em alguns

casos, prevalece o lado “destrutivo” da destruição criadora de Schumpeter:

a estrutura da produção – tanto dos países desenvolvidos quanto dos em

desenvolvimento – passa por processos de reestruturação, o que pode implicar

a destruição de certas capacidades produtivas, tecnológicas e humanas.

Um choque de preços obriga a empresa a readaptar e redefinir as suas capacidades

através da reorganização do processo de produção (FERRAZ; KUPFER; SERRANO,

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1999; CIMOLI; PORCILE, 2009; CIMOLI et al., 2012). Embora a readaptação englobe

todo o aparelho de produção, o seu impacto tem um componente setorial forte. As

empresas que estão próximas da fronteira tecnológica (e que geralmente estão

localizadas nas economias desenvolvidas) terão de redefinir os planos e atividades de

investimento. Algumas delas eliminarão linhas de produtos e reduzirão investimentos

em projetos novos e arriscados, mas manterão seus investimentos nas atividades

essenciais. Outras empresas podem aumentar os investimentos em P&D com base

em exercícios de prospecção tecnológica, indicando que certas tecnologias garantirão

uma posição de liderança no cenário pós-crise. Essas empresas levarão a destruição

criadora para um novo mix de produção. De maneira inversa, no caso das economias

periféricas – que estão nos estágios iniciais de criação de capacidades tecnológicas

e de produção endógenas –, pressões competitivas de curto prazo reduzirão os

investimentos em P&D e em inovações arriscadas e incertas. Isso, por sua vez,

enfraquece a base tecnológica que poderia ajudar essas empresas a se beneficiar

do cenário pós-crise. Surge uma espécie de processo de aprisionamento (ARTHUR,

1989; SETTERFIELD, 2009): os países que mais precisam investir em capacidades

tecnológicas são precisamente aqueles que reduzem o investimento como resultado

de pressões de curto prazo. Eles vão se concentrar em aprofundar o seu padrão de

especialização atual, ao invés de se concentrar na recuperação do atraso tecnológico

e na diversificação. Uma resposta de tão curto prazo, e principalmente míope, reforçaria

o atraso e a posição marginal dos países em desenvolvimento na economia global

(BELL, 2006; CIMOLI et al., 2009; 2012; KATZ, 1997).

Responder a choques (como mudanças na taxa de crescimento global ou em termos

de comércio) não é tão fácil quanto parece. Readaptação e mudança são caras e

exigem tempo e recursos. A velocidade com a qual a empresa responde ao choque

e a direção da mudança, principalmente se a empresa pretende reforçar as suas

capacidades ou defensivamente se volta para o reforço de vantagens comparativas

estáticas, são cruciais para o seu desempenho futuro. Nem todas as empresas são

capazes de responder rápido o suficiente. Além disso, os efeitos da readaptação e

das estratégias de investimento sobre a produtividade não serão imediatos. Há um

intervalo de tempo para que os efeitos de uma nova política aumentem a produtividade.

Durante esse período, a economia provavelmente experimentará uma desaceleração

no crescimento da produtividade. Claramente, o período de readaptação depende de

muitos fatores, tais como a especificidade dos ativos das empresas, sua estratégia

de gestão e as características gerais do capital humano. Em geral, há certo grau de

permanência das capacidades tecnológicas e de produção. Isso restringe o tempo e a

direção da readaptação, que pode assumir a forma de criação de uma nova empresa,

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de diversificação do mix de produtos, ou de saída de empresas que não conseguem

se readaptar.

O período do boom que atingiu as commodities não contribuiu para melhorar a mudança

estrutural dos setores de alta intensidade de conhecimento na América Latina. Pelo

contrário, tornar mais rentável o investimento em recursos naturais reforçou o caminho de

crescimento anterior, menos dinâmico, seguido pela região. Macropreços – valorização

das moedas locais decorrente de preços internacionais mais elevados para os recursos

naturais e/ou o aumento constante de entradas de capital – desempenharam um papel

crucial na redefinição dos incentivos contra a diversificação (BRESSER-PEREIRA, 2008;

FRENKEL; ROSS, 2006; FRENKEL; RAPETTI, 2011; MCMILLAN; RODRIK, 2011; RAZMI

et al., 2009). Embora o desempenho nesse aspecto tenha variado amplamente na

América Latina, em geral, os incentivos não favoreceram o investimento em alcance.

Em suma, mudanças na estrutura setorial da economia e nas capacidades tecnológicas

da empresa são a base para trajetórias agregadas muito diferentes na economia global.

Alcançar significa emprestar, imitar, dominar e melhorar as tecnologias avançadas e os

conhecimentos utilizados pelos países já na fronteira tecnológica. Porém, essa não é

uma tarefa fácil, pois a readaptação é caracterizada pela rigidez e incerteza. Sobretudo

no contexto de um mundo globalizado e polarizado, aprendizagem e mudança estrutural

necessitam de políticas e instituições para modificar o conjunto vigente de incentivos.

3. Nos anos do boom que atingiu as commodities, a estrutura de produção

voltou-se na maioria dos países latino-americanos para a exportação de recursos

naturais. Esses países investiram muito pouco na construção de capacidades

endógenas, o que se reflete na produtividade estagnada, comprometendo o

dinamismo da sua futura inserção internacional. A política industrial deveria

estar no topo da agenda da América Latina nos próximos anos.

Entre 2003 e 2007, muitos países latino-americanos beneficiaram-se de um dos

períodos mais favoráveis de sua história econômica no setor externo. O PIB agregado

aumentou a uma taxa anual de 5,5% nesses anos, enquanto o PIB per capita aumentou

4,2%. Embora a crise de 2008 tenha significado um revés para o crescimento, a região

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recuperou-se mais rapidamente do que o mundo desenvolvido, empurrada pela

persistência dos preços altos das commodities e da demanda chinesa.

Três fatos estilizados dos últimos 10 anos são particularmente evidentes:

1) O setor externo desempenha hoje um papel mais importante do que

desempenhou no passado, e as possibilidades de crescimento estão agora

mais fortemente relacionadas à obtenção de “competitividade internacional”4.

No front externo, os destaques do período foram a persistência de preços

elevados dos recursos naturais e commodities (como mencionado),

juntamente com um “grau de abertura” crescente.

Tabela 2 - Grau de abertura (exportações mais importações em % do PIB)

1990 1997 2003 2007 2010 2012

Argentina 14 20 34 36 32 30

Bolívia 42 44 50 71 70 81

Brasil 15 16 27 25 22 26

Chile 55 52 65 77 69 68

Colômbia 27 26 34 35 32 36

Costa Rica 59 86 95 102 79 79

Equador 38 43 47 62 61 62

El Salvador 54 64 70 74 69 75

Guatemala 50 47 64 68 63 61

México 34 55 51 57 61 67

Panamá 133 158 110 138 135 148

Paraguai 80 89 84 96 103 100

Peru 28 33 37 54 50 51

Uruguai 39 38 49 59 54 56

Venezuela 60 51 50 56 49 46

América Latina 27 32 44 45 40 43

Fonte: CEPALSTAT.

2) Na maioria dos países, os coeficientes de exportação e importação

aumentaram. Mas é notável o aumento acentuado do coeficiente de

importações, especialmente no caso dos setores de alta tecnologia. Isso

4 O conceito de competitividade envolve capacidades ao nível da empresa (micro), mas também complementaridades de produção, macropreços e as instituições de aprendizagem em cada país, em níveis meso e macroeconômicos.

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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reflete o atraso tecnológico da região e, em muitos países, problemas sérios

de valorização da moeda. Como resultado, a estrutura industrial sofreu, pois

enfrentou mais dificuldades para competir, um problema ampliado pela

intensidade da concorrência asiática.

Os resultados são crescentes déficits comerciais, em particular nos setores de alta

tecnologia, como pode ser observado no Gráfico 3. As três maiores economias da região

(Argentina, Brasil e México) dependiam cada vez mais das exportações de recursos

naturais para reduzir o déficit da conta-corrente. Essa dependência parecia funcionar

bem nas fases iniciais do boom: os recursos naturais “pagavam” as importações de

tecnologia. Mas o superávit da balança foi corroído e, finalmente, transformou-se em

um déficit. As diferenças na elasticidade da renda das exportações e importações são

cruciais para explicar essa dinâmica (BLECKER, 2008; DOSI et al., 1990; GOUVEA;

LIMA, 2010; PACHECO-LÓPEZ; THIRLWALL, 2006; THIRLWALL, 2011). Também

deve ser notada a importante diferença no padrão de especialização do México em

comparação com a Argentina e o Brasil. Enquanto os dois últimos países seguem um

padrão “clássico” na divisão internacional do trabalho (recursos naturais no “Sul” versus

indústrias de alta tecnologia no “Norte”), o México alcançou um superávit em tecnologia

média e (em alguns anos) até mesmo nas indústrias de alta tecnologia. O México

parece ocupar um lugar à parte; contudo, o superávit mexicano é, em grande parte, o

resultado das exportações da indústria maquiladora. Nesse sentido, no caso mexicano,

o superávit comercial não reflete as capacidades mais elevadas, mas apenas a inserção

do México em cadeias de valor globais com base em atividades de trabalho intensivo.

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Gráfico 3 - Balança comercial por intensidade

tecnológica (Milhares de dólares atuais)

Argentina

Brasil

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

144

México

Fonte: COMTRADE.

Os pontos demonstrados são cruciais em qualquer tentativa de prever o possível

impacto da crise recente e para a concepção de um roteiro que ajude a tirar a região

da crise. A comparação dos níveis de produtividade na região com os dos EUA dá

uma ideia do desafio a ser enfrentado. O Gráfico 4 mostra, no eixo vertical à esquerda,

a produtividade relativa da América Latina em relação aos EUA; e, no índice vertical à

direita, a produtividade do trabalho na indústria transformadora norte-americana (em

dólares constantes). Desde os anos 1980, o índice de produtividade relativa América

Latina-EUA diminuiu (o que significa que a diferença de produtividade aumentou) no

setor de manufatura, e esse declínio foi especialmente intenso nos últimos seis anos

anteriores à crise. Entre 2003 e 2007, o desempenho da produtividade da região foi o

pior dos 36 anos anteriores, exceto apenas pelos anos 1980 (a “década perdida”). De

modo inverso, a produtividade dos EUA aumentou a uma taxa de 5% ao ano, em grande

parte por causa da incorporação generalizada das TICs no sistema de produção.

Isso confirma a necessidade de se considerar como as empresas e os países respondem

ao desafio dos novos paradigmas tecnológicos. Em um mundo de rápida mudança

tecnológica, é necessário acelerar a difusão de tecnologia apenas para permanecer

no mesmo lugar (o “Efeito Rainha Vermelha”). Isso não aconteceu na América Latina: a

resposta institucional lenta ao desafio colocado pelos novos paradigmas tecnológicos

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e o reforço de “velhos” padrões de especialização implicam não apenas deixar de

acompanhar, mas também ser deixado para trás.

Gráfico 4 - Produtividade dos EUA e produtividade relativa da

América Latina: da crise do débito ao Efeito Rainha Vermelha

Fonte: Banco Mundial, PADI.

Nota: O índice de produtividade relativa da América Latina foi calculado como

a média ponderada dos índices de produtividade relativa de quatro países

(Argentina, Brasil, Chile e México).

Em suma, o choque positivo em termos de comércio (associado ao boom sofrido

pelas commodities e ao novo papel da China na economia internacional) teve efeitos

ambíguos sobre a região. De um lado, permitiu taxas mais rápidas de crescimento,

através do abrandamento das restrições externas; por outro lado, produziu um conjunto

de incentivos que reforçaram a especialização nos recursos naturais e aumentou o

déficit comercial em indústrias de alta tecnologia. Essa mudança para vantagens

comparativas estáticas gerou estruturas menos propícias ao esforço para “fechar” o

hiato tecnológico.

4. A permanência das capacidades implica efeitos de aprisionamento que só

podem ser revertidos com fortes políticas industriais e tecnológicas. Na ausência

dessas políticas, as forças endógenas da tecnologia e dos mercados – e a

intensidade de retornos crescentes – reforçam as assimetrias nas capacidades

entre os líderes tecnológicos e os retardatários.

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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A falta de adoção de políticas industriais e tecnológicas mais efetivas na América Latina

estava relacionada, pelo menos em parte, a uma percepção errônea do papel e da

importância dessas políticas. O pressuposto fundamental que guiou os decisores

políticos no período das reformas de mercado nos anos 1990 – empresas e setores se

adaptam e produzem de maneira mais eficiente quando os mercados são liberalizados

e os recursos se movem livremente na direção das atividades mais competitivas –

revelou-se errado. Enquanto capacidades em setores com intensidade tecnológica

média ou alta foram destruídas, não houve uma construção simétrica de novas

capacidades em setores fundamentados em recursos naturais.

Tal destruição de capacidades em um cenário de crise tem muitas causas, com

cada uma delas reforçando a outra. As empresas tendem a fechar departamentos de

P&D, as interações produtor-usuário diminuem e agências públicas de pesquisa são

subfinanciadas, enquanto o capital humano abandona a produção e a inovação. O

esforço das empresas para se adaptarem a novos choques torna-se cada vez menos

eficaz, e a capacidade de aprender e restaurar o crescimento da produtividade é

comprometida.

Os potenciais efeitos destruidores de crises e choques sobre as capacidades

humanas e tecnológicas são especialmente perigosos para as economias que ainda

não alcançaram a fronteira tecnológica. A perda de capacidades teria um custo

sistêmico maior para retardatários do que para as principais economias, onde o nível

de capital humano e tecnológico é maior5. Os traços que caracterizam a aprendizagem

tecnológica, ou seja, cumulatividade, dependência da trajetória e aprendizagem

complementar entre setores, determinam os custos da destruição de capacidades nos

estágios iniciais de desenvolvimento. Além disso, o cenário de crise dá forma a um

mundo de competição feroz, tanto em termos de preços como de qualidade. Ficar

para trás em termos de capacidades tecnológicas torna cada vez mais difícil o avanço,

pois as quotas de mercado diminuem, bem como diminui a capacidade da empresa

de financiar a inovação.

Quanto ao capital humano, a realocação de competências não utilizadas não é um

desafio fácil. Nas indústrias de alta tecnologia, o capital humano é produzido junto com

o investimento e a produção, e pode ser “destruído” tanto quanto os ativos financeiros.

Os engenheiros que perdem os seus empregos durante uma recessão prolongada

não se transformam em psicólogos no dia seguinte (e, mesmo que o fizessem, a sua

5 Análises clássicas de histerese no caso da taxa de câmbio real e exportações são a de Baldwin (1988) e Baldwin e Krugman (1989).

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contribuição em agregar produtividade não seria a mesma). E, quando as taxas de

câmbio reais mais elevadas ou o aumento dos preços tornasse a produção industrial

potencialmente rentável novamente, esses engenheiros não estariam mais disponíveis

para o setor. Eles teriam de ser treinados ou retreinados, o que é caro e demorado.

A readaptação implica menos competitividade e menos produção industrial por

algum tempo. Na ausência de políticas, o novo equilíbrio será alcançado com menos

diversificação do que antes do choque.

As consequências microeconômicas da volatilidade e instabilidade dos preços e de

como eles interagem com o crescimento de longo prazo da produção e da produtividade

são o ponto-chave. Suponha o caso em que há um choque de preços que consiste

em um aumento temporário nos preços das commodities latino-americanas. Isso pode

ser devido às flutuações normais no mercado, ou pode surgir de especulação nos

mercados de commodities, impulsionados pela crescente incerteza. Um choque desse

tipo favorece setores com menos intensidade tecnológica. Se o choque persistir por

algum tempo, muitas empresas sairão do mercado e o capital humano será realocado

para outras atividades com menos intensidade tecnológica. Como resultado, o choque

produz mais que flutuações de curto prazo. Quando os preços relativos retornam a

seus níveis pré-choque, as capacidades perdidas no processo de ajustamento não

são facilmente recuperadas. A estrutura econômica que surge após a adaptação será

menos diversificada, de tal maneira que, quando o choque acaba, a economia tem

menos capacidade de responder a novos desafios ou de aumentar a produtividade no

mesmo patamar de antes. A região estará evoluindo em um ritmo mais lento do que o

resto do mundo, sendo incapaz de “manter-se no mesmo lugar”.

O efeito Rainha Vermelha pode ser visto no Gráfico 4. A América Latina sofreu dois

grandes choques negativos na evolução da produtividade industrial relativa, na década

de 1980 (durante a “década perdida”) e na década de 1990. Enquanto a primeira

queda estava relacionada com a crise da dívida e o colapso dos níveis de investimento

na região, o segundo choque estava relacionado à aceleração do movimento da

fronteira tecnológica (produtividade dos EUA), que não foi acompanhada pela América

Latina. A região não conseguiu manter o ritmo do líder tecnológico e ficou para trás: a

produtividade do trabalho na América Latina foi, em 2006, metade do valor observado

em 1970.

Em suma, o risco sistêmico de uma crise poderia ser ainda mais forte na economia real

do que no setor financeiro. A permanência das capacidades e tecnologias caracteriza

a economia real. Como resultado, os choques de curto prazo podem provocar mais do

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148

que uma perda temporária de produção (tendo em conta o potencial de produtividade):

eles podem representar uma perda de capacidades e, por conseguinte, uma perda

de potencial de crescimento. O enfraquecimento gradual, mas acumulativo, das

capacidades reais pode parecer menos dramático a curto prazo do que a queima

imediata de riqueza causada por uma crise financeira, mas é menos reversível e mais

caro a longo prazo, especialmente no caso das economias em desenvolvimento.

5. As capacidades nos novos paradigmas em ciência, tecnologia e produção

estão em rápida transformação, e essa transformação ganha impulso em

resposta aos desafios colocados pela crise e pela estagnação. A resposta

de cada país a esses desafios redefinirá seu lugar no sistema global pelos

próximos 30 anos.

O processo de desenvolvimento capitalista implica uma contínua transformação das

estruturas de produção e das rotinas organizacionais, um processo que é caracterizado

por algumas regularidades e por acontecimentos imprevisíveis e aleatórios. Entre

regularidades de longo prazo está o aparecimento de novos paradigmas tecnológicos

que recompõem a maneira pela qual a produção e o comércio são organizados. A

adoção e a difusão desses paradigmas são desiguais e filtradas (interrompidas ou

fomentadas) pelas capacidades das empresas e pela configuração das instituições

existentes no país.

No momento atual, há uma combinação de novos paradigmas tecnológicos que estão

remodelando a maneira como os negócios são realizados em todo o mundo e em

muitos setores diferentes. Há o paradigma das TICs, que já alcançou uma penetração

substancial (especialmente nas economias na fronteira tecnológica); e há paradigmas

emergentes, a biotecnologia, a nanotecnologia e novos materiais, que estão em seus

estágios iniciais de adoção. O total potencial dessas tecnologias, independentes ou

combinadas, ainda não foi explorado e provavelmente nem mesmo foi completamente

entendido. Elas transformarão radicalmente a maneira pela qual a produção, a

organização e a comercialização são realizadas e exigirão uma nova configuração

institucional para geri-las, adaptá-las e difundilas.

Na raiz desse processo há o que Schumpeter (1942, p. 82-85) chamou de processo de

“destruição criadora”. Em suas próprias palavras:

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[...] os itens do orçamento do operário, digamos de 1760 a 1940, não

cresceram de maneira simples ao longo de linhas invariáveis, mas sofreram

também um processo de transformação qualitativa. Similarmente, a história

da aparelhagem produtiva de uma fazenda típica, desde os primórdios da

racionalização da rotação das colheitas, da lavra e da engorda do gado

até a agricultura mecanizada dos nossos dias – juntamente com os silos e

as estradas de ferro – é uma história de revoluções. Assim é a história do

aparelho produtivo da indústria de ferro e aço, desde o forno de carvão

vegetal até os tipos que hoje conhecemos, ou a história do aparelho de

produção da eletricidade, da roda acionada pela água à instalação moderna,

ou a história dos meios de transporte, que se estende da antiga carruagem

ao avião. A abertura de novos mercados, estrangeiros ou domésticos, e o

desenvolvimento organizacional da oficina artesanal a conglomerados como

a U.S. Steel ilustram o mesmo processo de mutação industrial – se é que

podemos usar esse termo biológico – que incessantemente revoluciona a

estrutura econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a antiga,

incessantemente criando uma nova. Esse processo de Destruição Criadora é

o fato essencial acerca do capitalismo. É nisso que consiste o capitalismo, e é

aí que têm que viver todas as empresas capitalistas.

As potencialidades das novas tecnologias estão na base do novo ciclo expansivo

que emergirá da crise. Os CEOs das empresas de alta tecnologia e os analistas de

negócios com uma compreensão mais profunda da natureza da crise atual estão

definindo quais investimentos devem ser mantidos e quais linhas de negócios serão

encerradas. Em um futuro próximo, e provavelmente por um período muito longo, novos

lucros e ganhos surgirão de investimentos em novas tecnologias e conhecimentos, ao

invés do comportamento especulativo nos mercados financeiros. Essa percepção, que

já é difundida em alguns círculos de negócios, explica por que as empresas do setor de

TIC, que foram e ainda são fortemente atingidas pela crise atual, estão reconfigurando

a sua carteira de investimentos e reduzindo despesas, mantendo seus investimentos

em atividades essenciais de alta tecnologia e de P&D. Capacidades de pesquisa e

conhecimento são difíceis de reconverter e recuperar, e a percepção de que elas seriam

os ativos determinantes do reposicionamento de empresas e países nos cenários pós-

crise justifica a iniciativa de manter altos níveis de gastos em P&D. Não é uma questão de

“gastar por gastar”, mas de “gastos inteligentes” (só para citar Gates). Inteligente, neste

contexto, é mais do que nunca sinônimo de tecnologia, conhecimento e construção de

ativos intangíveis, e não de custo-benefício e eficiência do investimento.

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Tomemos por exemplo a biotecnologia (mas a mesma ideia aplica-se à nanotecnologia

e novos materiais), onde descobertas científicas baseadas na genômica e novas

técnicas de biotecnologia estão em ascensão. Ainda não são evidentes grandes

impactos sobre a produção, apesar dos enormes investimentos que têm sido feitos

nesse setor. Essas tecnologias são incipientes e as empresas ainda têm de lidar com

a incerteza persistente em torno dessas atividades e com a natureza complexa e a

rápida taxa de avanço do conhecimento científico básico nesse campo. No entanto, os

“ganhos” não devem ser medidos apenas pelos lucros atuais. Eles devem considerar a

acumulação de capacidades que foram desenvolvidas nos EUA, em muitas economias

avançadas e em algumas emergentes, tais como o Brasil e a Índia. Esses países estão

prontos para dominar os novos paradigmas e têm grandes chances de liderar o novo

ciclo de crescimento pós-crise com base nessas capacidades.

Olhar para a crise como uma força de “destruição criadora” do desenvolvimento

capitalista não deve conduzir a uma postura “ingênua”, que vê a crise apenas como uma

oportunidade: o sucesso no cenário pós-crise está estritamente ligado à capacidade

nos novos paradigmas e tecnologias. Os países que dominarem o conhecimento

relevante nos novos paradigmas, que contarem com capital humano nessas áreas

e forem dotados de grandes empresas de alta tecnologia avançarão mais rápido do

que os países às margens do jogo do conhecimento no cenário pré-crise. Da mesma

forma, haverá janelas de oportunidade para todos, mas elas só serão aproveitadas

pelas empresas (e países) que seguem uma estratégia de desenvolvimento centrada no

conhecimento e que priorizam a construção de capacidades científicas e tecnológicas,

mesmo no contexto de crise. Por exemplo, os EUA, país onde a crise começou antes

de se espalhar pelo mundo todo, são ao mesmo tempo um líder tecnológico em muitas

novas tecnologias de base (embora sua liderança esteja ameaçada pela ascensão de

novas potências tecnológicas, principalmente a Coreia do Sul, e em certa medida a

Índia e a China). A corrida para a apropriação da propriedade intelectual da maior parte

do conhecimento básico, em áreas onde os EUA lideraram desde os anos 1980, é

fundamental para a definição do espaço e do poder dos diferentes agentes no jogo do

conhecimento.

O Gráfico 5 mostra o número de patentes por milhão de habitantes solicitadas aos três

principais escritórios de patentes mundiais (o europeu, o japonês e o norte-americano)

para cada país ou grupo de países. O gráfico retrata o que poderia ser chamado de

uma curva do conhecimento, refletindo a capacidade de cada país de gerar inovações

na fronteira tecnológica. O gráfico destaca a importância das capacidades existentes

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nas principais inovações tecnológicas: os países que movem a fronteira tecnológica

internacional são aqueles que já têm estruturas econômicas complexas e diversificadas.

Gráfico 5 - Estrutura de produção e liderança tecnológica, 2008-2012

Fonte: OCDE; Banco Mundial.

Pode-se notar uma clara diferença entre países industrializados e em industrialização.

Os EUA, o Japão, o Canadá, a Ásia emergente e os países europeus todos mostram

estruturas de produção semelhantes. A participação desses setores varia entre os 45%

da média dos países europeus considerados e os 65% dos EUA. Os países asiáticos

foram bem-sucedidos na promoção do desenvolvimento de indústrias de alta intensidade

em tecnologia, combinando políticas seletivas de substituição de importações com

uma estratégia orientada para a exportação agressiva. De maneira inversa, na América

Latina e na maioria dos países africanos, a liberalização comercial unilateral na década

de 1990 e a crescente exposição à concorrência externa empurraram a região para

vantagens comparativas estáticas, em produtos com baixo conteúdo tecnológico. No

eixo vertical, o gráfico mostra a assimetria na posse de capacidades de inovação –

medidas pelo número de solicitações de patentes –, o que corresponde e deriva do

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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padrão de especialização. Patentear é o resultado da acumulação de capacidades,

especialmente nas novas tecnologias.

Também pode ser observado que a posse do conhecimento em nível global ainda

está nas mãos dos antigos jogadores: os EUA, o Japão e a Europa continental. Muitos

economistas argumentam – de um ponto de vista predominante – que a economia

dos EUA ajusta-se facilmente a choques devido à sua “flexibilidade” em termos de

salários e concorrência. Este trabalho adota um ponto de vista diferente. A capacidade

de os EUA responderem a choques e crises está enraizada na “permanência” das suas

capacidades tecnológicas acumuladas e no seu domínio de tecnologias essenciais.

Da mesma forma, as economias emergentes da Ásia têm sistematicamente encorajado

as mudanças estruturais, a acumulação de capacidades de produção em setores de

alta tecnologia e o aumento exponencial de patentes nos últimos dez anos. Elas tiveram

êxito em acumular capacidades e a “propriedade” de conhecimentos relevantes; elas

já se encontram em uma posição melhor do que a América Latina para lucrar com a

revolução tecnológica e o processo de “destruição criadora”.

6. A combinação de crescimento lento no mundo desenvolvido, juntamente

com a rápida evolução tecnológica e estrutural, aumenta a incerteza sobre as

futuras tendências em produção, tecnologia e especialização. Isso, por sua

vez, realça a importância da prospecção tecnológica e da coordenação de

investimentos. É necessário repensar as complementaridades entre inovação

e produção e compreender a importância crescente da nova manufatura, bem

como a redefinição das cadeias de valor globais – nas quais as economias

desenvolvidas estão tentando trazer de volta para casa algumas capacidades

fundamentais em P&D e produção.

O surgimento de novos paradigmas tecnológicos implica uma redefinição da inovação

e da produção: como eles são gerados e por quais meios são difundidos e apropriados.

Nos novos paradigmas tecnológicos, principalmente a TIC, a biotecnologia e a

nanotecnologia, a inovação é cada vez mais progressiva e cumulativa, intensiva em

inter-relações e implica uma crescente dependência da ciência. Os conceitos de

replicabilidade, usabilidade e cópia são constantemente redefinidos; as potenciais inter-

relações tecnológicas são múltiplas, e a incerteza sobre os possíveis resultados futuros

é ainda maior do que sob os paradigmas tecnológicos do passado. Para lidar com

esse cenário volátil, são necessários um quadro institucional renovado e a redefinição

do papel dos estados e mercados.

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A questão é se a linha entre Estados e mercados seria traçada no lugar certo, a fim de

acelerar o fechamento do hiato tecnológico (e produtivo). Como sugerido por Stiglitz

(2005), parece que há um novo modelo econômico hoje em dia fundamentado em

“uma parceria público-privada, em que o setor privado fica com os ganhos e o setor

público fica com as perdas”, particularmente no setor financeiro. Claramente, a linha

ainda não foi traçada no lugar certo.

Hoje em dia, quantidades astronômicas de dinheiro são injetadas no sistema financeiro

para evitar o seu colapso, enquanto recursos e bens evaporam. Para muitos analistas, é

hora de repensar as instituições e as regras que regem os mercados financeiros. Mas é

também urgente repensar as políticas nas áreas de tecnologia e diversificação industrial,

particularmente nas economias em fase de recuperação. Mais especificamente, todas

as razões que impõem a necessidade de controles e intervenção no sistema financeiro

– resumidas no conjunto de “macropolíticas prudenciais” (OCAMPO, 2011; OCAMPO

et al., 2009) – também estão presentes no sistema industrial. A importância da adoção

de políticas para o desenvolvimento de capacidades tecnológicas não pode ser

negligenciada em tempos de crise financeira ou choques externos. Pelo contrário, essas

políticas são mais necessárias do que nunca, especialmente se se reconhece que a

nova fase de crescimento global será impulsionada por novos paradigmas produtivos

e tecnológicos. O mesmo papel que as macropolíticas prudenciais desempenham

no setor financeiro deve ser desempenhado pelos investimentos públicos e políticas

tecnológicas no setor real – criando um ambiente para a competitividade e a inovação

que possibilite à indústria reagir e sobreviver em uma economia aberta.

Levar adiante uma política industrial proativa na região requer uma clara ruptura

com preconceitos ideológicos arraigados entre os decisores políticos. Há alguns

anos apenas, a maioria dos economistas argumentava que o setor industrial estava

ultrapassado, que a fabricação era igual a qualquer outra atividade econômica e que

os mercados eram os mecanismos mais eficientes para a alocação de recursos em

economias abertas (ver Tabela 3). Outras opiniões que menosprezavam a relevância da

indústria frisavam a importância crescente do setor de serviços: o seu status como novo

lugar da inovação e sua crescente participação no comércio internacional. Juntamente

com os serviços, os recursos naturais foram considerados a base para a futura inovação

e o crescimento na América Latina, considerando-se que a China era insuperável e,

portanto, tendia a se tornar o único produtor mundial (a fábrica do mundo) de bens

manufaturados no futuro. Seguindo esse ponto de vista, muitos países desmantelaram

suas instituições e instrumentos de política industrial. Argumentou-se que as cadeias

de valor globais, o livre comércio e a especialização eram substitutos para a política

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industrial. Na verdade, anunciou-se que nenhuma política industrial era a melhor política

industrial. Os mercados (incluindo os mercados financeiros) eram agentes eficientes

e econômicos capazes de autorregulação, de tal forma que os choques e distúrbios

seriam automaticamente corrigidos.

Tabela 3 - Fontes de desenvolvimento & inovação e políticas industriais

O que nos disseram O que as evidências indicam

Crescente importância dos serviços para o

crescimento e a inovação.

Serviços como o novo foco da inovação.

A fabricação é (foi e será...) o principal campo

da inovação. Por exemplo, microprocessadores,

biotecnologia, nanotecnologia, etc.

A maioria dos serviços avançados é

desdobramento tecnológico da indústria

(software, telecomunicações).

Importância crescente dos serviços na balança

comercial.

Os produtos manufaturados dominam o comércio

internacional.

O setor financeiro é capaz de se autorregular e de

se expandir de maneira harmoniosa.

A crise de 2008 mostrou que o setor financeiro

deve desenvolver-se em linha com o setor real

(fabricação e outros produtos).

Não há necessidade de políticas industriais/as

empresas e países são semelhantes.

A atualização das capacidades tecnológicas dos

países requer políticas industriais.

As cadeias de valor globais, o livre comércio e

a especialização são substitutos das políticas

industriais.

Custos crescentes de gestão de longas cadeias

de valor globais (mudanças na localização do

paradigma).

Os novos paradigmas tecnológicos levam à

“maturidade da indústria”.

Novas tecnologias transformam todas as

oportunidades industriais (o que é maduro hoje

pode ser altamente inovador amanhã. O ciclo de

Vernon é estático).

Desconexão entre inovação e produção

(diferentes localizações).

A inovação está fortemente ligada à fabricação

e a outros tipos de produção (aprendizagem,

proximidade geográfica, conhecimento tácito).

Economia da abundância (os preços dos novos

produtos diminuem, a conectividade aumenta e

se torna mais veloz; aceleração das capacidades

robóticas).

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O que nos disseram O que as evidências indicam

Não haverá repatriação da fabricação: a China é e

continuará sendo a única fábrica do mundo.

Os países não são empresas e podem perder

suas capacidades industriais (patrimônios

industriais).

Visão estática da produção e tecnologia.

As novas tecnologias são construídas sobre as

capacidades industriais existentes.

Riscos da gestão das cadeias de valor globais.

Repatriação da produção nos países

desenvolvidos.

Preocupação com os sistemas de inovação –

patrimônios industriais.

Os recursos naturais são a base para a inovação e

o crescimento.

Há poucas atividades relacionadas com os

recursos naturais que são fontes de ativos

complementares.

Apesar de todo o conhecimento aparentemente sólido oferecido pelos economistas,

resumido na Tabela 3, a evidência sugere o oposto. Há, por um lado, uma mudança

de paradigma na localização da produção industrial, expressa, em especial, em uma

tendência de interromper a terceirização no exterior de algumas atividades industriais

(principalmente nos EUA). Isso explica-se pelo fato de que a diferença salarial entre a

China e as economias desenvolvidas diminuiu, enquanto uma maior automatização

dos processos de produção (induzida pela tecnologia) reduziu a parcela dos custos do

trabalho nos custos totais de produção. Além disso, os custos de transporte (energia) e

logística (tempo) estão se tornando cada vez mais importantes. Outro fator fundamental

a incentivar a repatriação é a interação entre a produção, projeto e P&D que surge

da proximidade física dessas atividades. A crescente importância da repatriação tem

acompanhado mudanças na visão das principais escolas de administração no que diz

respeito a custos e benefícios da fragmentação regional da produção, particularmente

quando a inovação está em jogo. O aumento da repatriação está intimamente

relacionado com a centralização da inovação nas economias desenvolvidas.

Crescentes evidências dos EUA e do Reino Unido apoiam a ideia de que as tendências

estão mudando. O Fórum para a Inovação da Cadeia de Suprimentos do MIT (2012),

por exemplo, informou que 33% das empresas com produção no exterior estavam

considerando voltar para os EUA, enquanto 15% já haviam tomado essa decisão. O

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156

Boston Consulting Group publicou um relatório em 2011 que destaca a repatriação

entre as empresas norte-americanas. Por sua vez, o Gabinete de Ciências do governo

britânico sublinhou o papel crucial desempenhado pela fabricação na busca de um

lugar ao sol em termos de produtividade e crescimento.

Tornou-se claro que a produção é crucial por várias razões:

• Ela exerce um forte impacto na balança comercial.

• É o motor para o crescimento em outros setores.

• Promove o desenvolvimento tecnológico e as difusões locais,

respondendo por uma grande parcela dos gastos totais em P&D.

• Cria empregos de altos salários; nos EUA, o novo discurso enfatiza a

importância do emprego industrial como um instrumento para sustentar a

classe média.

• A perda da fabricação não só destrói postos de trabalho, mas também

destrói vantagens inovadoras (ligação entre P&D e a proximidade da

produção e projeto).

• A realocação da fabricação é acompanhada pela realocação dos

serviços de alto valor agregado.

• Nem todas as indústrias são igualmente importantes: algumas geram

mais crescimento e ganhos de produtividade do que outras e essas

indústrias deveriam ser mantidas dentro do país.

A mudança de perspectiva sublinhando que “a estrutura de produção é importante”

e “a fabricação é importante” anda de mãos dadas com uma nova abordagem da

política industrial, tanto na Europa como nos Estados Unidos. As políticas horizontais e

compreender “direito os fundamentos” não são mais suficientes. O consenso emergente

é que as políticas seletivas são necessárias, projetadas para reconstruir os “patrimônios

industriais”, particularmente no que diz respeito às capacidades de inovação.

A nova abordagem da política industrial tem dois pilares: o primeiro é o conhecimento

técnico e científico, ou seja, o investimento público em pesquisa básica e aplicada

que abre novos caminhos para os investimentos privados (ver Tabela 4). A Agência

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157

de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA) e o Projeto Genoma Humano

são exemplos desses grandes esforços públicos voltados para a abertura de novas

rotas tecnológicas (e novas frentes de investimento). O segundo é investir em capital

humano especializado, com foco em diplomados em ciências e sistemas de formação

profissional (competências técnicas). O novo conceito é semelhante a uma estratégia

de política industrial vertical, embora seja apresentada de uma maneira diferente, como

“destinada a desenvolver certas habilidades na indústria”. Tal abordagem da política

industrial não implica uma dicotomia entre o mercado e os estados: embora os EUA

tenham uma economia fortemente orientada para o mercado, ao longo de sua história,

o governo desempenhou um papel central no apoio à inovação tecnológica.

Tabela 4 - Produtividade e Emprego

O que nos disseram O que as evidências indicam

O crescimento da produtividade está relacionado

com a perda de empregos

Projeto/produção de meios de produção

aumentam o emprego.

Inovação, aprendizado e mudança estrutural criam

empregos melhores.

Dispensa de trabalhadores não qualificados em

algumas indústrias.

A necessidade de novas competências e

capacidades de trabalho.

Sustenta uma classe média baseada na difusão

de novos processos de fabricação mecanizados/

robotizados.

Forte correlação entre os serviços de altos salários

e a fabricação de altos salários.

7. A melhoria da distribuição de renda requer instituições fortes que redistribuam

renda através do sistema fiscal, transferências e serviços sociais. Mas

particularmente nas economias em desenvolvimento ela exige diversificação

para sustentar, ao mesmo tempo, o crescimento do emprego e da produtividade

do trabalho. Sem esse componente schumpeteriano, as tensões políticas

aumentariam.

A estrutura de produção é importante não só para a produtividade, mas é também

fundamental na construção de uma ampla classe média, cuja renda cresce pari passu

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

158

com a produtividade. Nas economias diversificadas, as expectativas de ter melhores

empregos no futuro (ou seja, maior produtividade, mais empregos intensivos em

conhecimento) estão relacionadas a uma alta demanda de trabalhadores qualificados.

Essa demanda, com o tempo, incentiva o investimento na educação, a formação de

capital humano e o apoio dos esforços públicos e privados à P&D. Uma estrutura de

produção complexa implica o reforço mútuo entre o lado da oferta e o lado da procura

de recursos e de capital humano.

Além disso, há uma dimensão econômica política em um mundo schumpeteriano

no qual a educação, a formação e o capital humano coevoluem com a demanda

de capacidades da estrutura de produção. O que significa essa economia política

schumpeteriana? Ela representa uma situação em que a complexidade da estrutura de

produção e a diversificação das capacidades incentivam a cooperação entre empresas,

governos e trabalhadores. A necessidade de coordenar uma grande variedade de

ativos valiosos, específicos (incluindo o capital humano) que devem ser colocados

juntos para produzirem a competitividade e o crescimento cria um ambiente que é

muito mais propício à cooperação do que aquele que confronta os proprietários dos

recursos naturais com uma indigente força de trabalho não qualificada. Coordenação,

cooperação e política industrial florescem quando há capacidades que devem ser

reunidas para manter uma estrutura complexa competindo nos mercados mundiais.

A história oposta – a pura distribuição de rendas dos recursos naturais – é um jogo em

que o conflito é mais importante do que a cooperação e o crescimento da produtividade.

O conflito pode ser atenuado quando os termos comerciais são favoráveis, mas torna-

se extremamente agudo, a ponto de ameaçar a estabilidade do regime político, quando

há um choque negativo nos mercados externos. A distribuição de renda sustentável e

o direcionamento no sentido da igualdade exigem o lado schumpeteriano da história

– a mudança estrutural e a construção de capacidades endógenas nos países em

desenvolvimento. As rendas dos recursos naturais são redistribuídas através do conflito

entre agentes polarizados (o “ter” e o “não ter”); as rendas do conhecimento são criadas

por meio da cooperação e mais facilmente difundidas para todo o sistema econômico

por meio do aumento do emprego e do poder de barganha dos trabalhadores.

Nesse sentido, a ideia convencional (ver Tabela 3) de que encorajar atividades intensivas

em conhecimento levaria ao desemprego deve ser refutada. Atividades intensivas em

conhecimento são fundamentais para tornar compatíveis o crescimento da produtividade

e o crescimento do emprego. A maioria dos empregos criados na América Latina nos

últimos anos está relacionada com atividades de baixa produtividade no setor de

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serviços. Isso é em grande medida o que explica por que o crescimento da produtividade

tem sido tão deplorável na região. Os novos postos de trabalho criados frequentemente

têm um nível de produtividade que é ainda mais baixo do que o dos empregos que

foram perdidos. Para fazer com que o crescimento do emprego e o crescimento da

produtividade sejam compatíveis, a criação de empregos deve ser impulsionada pela

aprendizagem e pela crescente complexidade da estrutura. Racionalizar os antigos

setores leva a produzir mais com menos trabalhadores, enquanto remodelar a estrutura

de produção e criar novos setores aumenta o emprego e a produtividade, ao mesmo

tempo.

Em suma, é necessário repensar as complementaridades entre inovação e produção,

entender a importância crescente da nova produção, bem como a redefinição das

correntes de valor globais – nas quais as economias desenvolvidas estão tentando

trazer de volta para casa algumas capacidades fundamentais em P&D e produção.

Embora a política industrial esteja sendo amplamente adotada no resto do mundo, na

América Latina só recentemente (e timidamente) ela deixou de ser uma “palavra feia”.

É mais do que hora de a América Latina adotar políticas industriais e tecnológicas que

reconheçam plenamente a nova realidade apresentada pela revolução tecnológica e

pela persistência da diferença de produtividade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A economia mundial está no meio de uma revolução tecnológica cujas consequências

ainda não atraíram a necessária atenção dos economistas. Tampouco eles têm

atraído a atenção necessária dos formuladores de políticas na maioria dos países

latino-americanos. Em outras partes do mundo, há políticas industriais abrangentes

que promovem a criação de capacidades nos novos paradigmas tecnológicos. ITC,

biotecnologia, nanotecnologia, entre outras tecnologias de ponta, são fortemente

apoiadas por políticas públicas em países mais desenvolvidos, particularmente nos

EUA, e em poucas economias em processo de recuperação do atraso, principalmente

na Ásia. A América Latina é um dos poucos lugares no mundo em que os políticos

ainda se desculpam por tentar fazer o que todo mundo faz (com mais frequência).

Esses países entendem que a posição que ocuparão no futuro no sistema internacional

depende de políticas hoje. Eles estão cientes das micro e macrointerações de curto

e longo prazo que definem as parcelas de mercado e a liderança tecnológica. O

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160

desafio para a região é aprender com essas experiências de sucesso e promover uma

mudança estrutural.

O boom experimentado pelas commodities tinha (e ainda tem) dois efeitos diferentes

nesse sentido. Um deles é positivo e está relacionado com a flexibilização das

restrições externas, dando impulso ao crescimento. Ele possibilitou que os governos

incentivassem a distribuição de renda por meio da expansão de políticas e programas

sociais extremamente necessários para o alívio da pobreza. Por outro lado, o conjunto

de incentivos gerados pelos termos comerciais e pelo aumento dos fluxos de capital

comprometeu a diversificação de setores intensivos em conhecimento. As exportações

voltaram a se concentrar em bens primários ou bens intensivos em trabalho, colocando

a economia em um caminho lento de crescimento da produtividade.

As melhorias no emprego e nas políticas sociais contribuíram para criar o que tem

sido rotulado de “a nova classe média”, especialmente em países como o Brasil,

onde a informalidade e a pobreza eram extremas. Mas essa classe média é altamente

vulnerável a choques; pode rapidamente cair abaixo da linha de pobreza novamente.

Para tornar a transformação social e a distribuição de renda sustentáveis é necessária a

adoção de políticas que visem à difusão de tecnologia e ao aumento da produtividade.

Isso deve ser feito por duas razões.

A primeira é que, em um país de baixa produtividade, o espaço para a redistribuição

tende a se esgotar rapidamente, pois encontra barreiras tanto na frente política (a

oposição das classes mais altas, e em particular das classes médias que pagam os

impostos que são frequentemente evitados pelas empresas) quanto na frente econômica

(déficits em conta-corrente). A segunda razão é que o aumento paralelo do emprego e

da produtividade requer diversificação. Se a economia precisa pagar melhores salários,

então os empregos devem ser criados em atividades de produtividade mais elevada,

cuja demanda cresce de modo constante. Caso contrário, as economias vão gerar

empregos ruins em setores tradicionais, em sua maioria empregos não qualificados no

setor de serviços. Se não houver mudança nos padrões de emprego, os trabalhadores

mal pagos redirecionarão suas demandas por uma fatia maior de renda para o sistema

político, dando origem a um equilíbrio instável no qual o crescimento lento e os conflitos

políticos se reforçam mutuamente. Turbulências políticas recentes na América Latina

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refletem essa tensão entre os lados político e econômico dos esforços para reduzir a

desigualdade.

As políticas industriais para os próximos anos devem levar em conta mudanças

nos padrões de produção, tecnologia e comércio. Esses padrões não gerarão

automaticamente prosperidade para a região. Cadeias de valor globais estão sendo

reconstruídas de modo a trazer de volta as indústrias para os países desenvolvidos,

tendo em vista a exploração de complementaridades entre produção e inovação.

Mesmo que a tendência de repatriação mude, a inserção específica de cada país nas

cadeias de valor globais depende de suas próprias políticas, redefinindo vantagens

comparativas dinâmicas. A aprendizagem não será um presente dos mercados ou

das empresas multinacionais. Por último, mas não menos importante, os aspectos

ambientais devem ser abordados com urgência, e isso requer também a construção

de novas e mais sofisticadas capacidades. Esses tópicos estarão no centro da agenda

das políticas industriais e tecnológicas nas próximas décadas.

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As Múltiplas Oportunidades de Desenvolvimento e o

Futuro da Indústria Brasileira

Luciano G. Coutinho

David Kupfer

167

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1. INTRODUÇÃO

A última década notabilizou-se pela rápida ascensão de um conjunto de países, alçados

à condição de “economias emergentes”. Esse fato constitui um fenômeno marcante e

transformador da geografia econômica global – sobretudo no contexto de um quadro

geral de crise prolongada que se abate sobre os países industriais avançados. Com

efeito, ainda mais fortemente após a crise financeira global de 2008, o dinamismo da

economia mundial está apoiado nos países em desenvolvimento. É preciso, porém,

aferir o real fôlego e compreender as efetivas implicações desse processo não apenas

para os próximos anos, mas principalmente para as próximas décadas. Essa empreitada

requer uma análise aprofundada das perspectivas e do potencial de crescimento a

longo prazo, notadamente das economias dos países BRICS. Com esse pano de

fundo em mente, este breve artigo procura enfocar o caso do Brasil.

Se é fato que o ritmo de crescimento da economia brasileira se arrefeceu no último

quadriênio, a inflexão em curso em nada se compara com o quadro de crise estrutural

que marcou o longo período recessivo dos anos 1980. Naqueles anos, uma grave e

longa crise cambial abateu o país, após um rápido ciclo de endividamento externo na

década de 1970. Não há em curso nada que se compare à crise da dívida externa de

então, que provocou fortes e recorrentes depreciações na taxa de câmbio, debilitou

as finanças públicas e desestruturou o setor produtivo estatal. Como resultado, o país

enfrentou inflação galopante com estagnação econômica. Como consequência da

penúria cambial, muitas tentativas frustradas e insustentáveis de estabilização foram

empreendidas, até a edição do Plano Real em 1994. Sua consolidação exigiu enorme

esforço de política econômica na forma de taxas de juros muito elevadas e valorização

cambial, além de uma pesada reestruturação no campo fiscal (só efetuada após 2001),

todos fatores que criaram dificuldades para a retomada do crescimento econômico,

especialmente no setor de bens comercializáveis.

Ainda assim, a estabilidade macroeconômica somente se solidificou após a rápida

acumulação de reservas de divisas entre 2004 e 2007, fenômeno que foi viabilizado

(mesmo que não exclusivamente) pelo expressivo ciclo altista dos preços de commodities

nos mercados internacionais. Esse colchão de reservas significou a superação da

vulnerabilidade cambial e da elevada incerteza daí decorrente, reabrindo o horizonte

de crescimento das empresas e da economia. No período 2004-2008 observou-se

um forte ciclo de expansão da economia com firme crescimento da formação bruta de

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capital (vide o significativo aumento de sua participação sobre o PIB, subindo de 15,3%

em 2003 para 19,1% em 2008, de acordo com o IBGE/Contas Nacionais).

A deflagração da crise financeira global em setembro de 2008 modificou radicalmente

esse quadro favorável. A perda de dinamismo industrial vai se tornar clara a partir

de 2011 e tem a ver com a contração, seguida de lento crescimento do comércio

internacional de manufaturas, com grande acirramento da concorrência mundial. A

esse contexto desfavorável se somará uma significativa erosão da competitividade do

setor manufatureiro brasileiro em relação a seus concorrentes. Em consequência, a

despeito da continuada expansão da demanda doméstica por manufaturas, a produção

doméstica estagnou, dando lugar a uma crescente penetração de importações,

inclusive de bens finais.

A perda de competitividade da indústria é resultante de razões bem conhecidas: elevação

da carga tributária, custos salariais crescentes (especialmente dos trabalhadores

qualificados), custos igualmente crescentes de energia, de matérias-primas e de

logística. Esse diferencial desfavorável de tributos e custos, vis-à-vis os concorrentes,

tornou-se tão mais agudo quanto maior a apreciação relativa da taxa de câmbio.

Porém, ao contrário da grande maioria dos países em desenvolvimento, a base industrial

brasileira ainda é economicamente relevante e, apesar da perda de participação no PIB,

sua força e poder de reação não devem ser subestimados. Evidencia essa afirmação

a capacidade de resistência demonstrada pela indústria brasileira durante períodos

muito mais extensos e mais difíceis, como a longa etapa de alta instabilidade com

estagnação de 1980-2003.

Este texto pretende exatamente mostrar que, a despeito das inegáveis dificuldades

atuais, a indústria brasileira está diante de um número não desprezível de oportunidades

que, se bem exploradas, poderão relançá-la a um patamar mais elevado em um futuro

não muito distante. Com esse objetivo, este texto foi dividido em quatro seções além da

presente introdução. A próxima seção busca contextualizar os fatores que determinaram

a reversão do quadro competitivo da indústria nacional. A seção seguinte dedica-se à

apresentação das principais diretrizes que devem orientar as políticas públicas, visando

a favorecer um firme processo de reestruturação competitiva industrial. Na quarta seção

o foco volta-se para aquilo que é a principal motivação do capítulo, que é a apresentação

das múltiplas fronteiras de crescimento que se encontram ao alcance das empresas

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industriais brasileiras nos próximos anos. Uma seção dedicada a perspectivas e

conclusões fecha o capítulo.

2. COMO CHEGAMOS AQUI

Como já mencionado na introdução desse capítulo, embora bem-sucedida em

seu objetivo precípuo de manter a estabilidade monetária, a estratégia baseada em

taxas de juros elevadas e taxa cambial apreciada, estratégia que presidiu a gestão

macroeconômica desde a edição do Plano Real, há exatos vinte anos, vem impondo

um pesado ônus a ser enfrentado pela indústria. Mas, quando se analisam os fatores

que têm contribuído para a piora na competitividade da indústria brasileira nos últimos

anos, cabe reconhecer que juros e câmbio não são os únicos vilões da história.

Dentre esses outros fatores, um dos mais decisivos foi o aumento continuado da

carga tributária, que vem ocorrendo desde os anos 1990. A tributação sobre bens e

serviços, que representou em 2013 aproximadamente a metade da carga tributária da

ordem de 35% do PIB, é vista como um dos principais obstáculos à competitividade da

economia brasileira. Talvez pior do que o incremento da carga macro seja a incidência

desproporcional desse aumento sobre a indústria e especialmente as cadeias

produtivas mais longas, bem como a piora da qualidade do sistema tributário, expressa

na crescente complexidade e burocratização dos procedimentos arrecadatórios. A

indústria, como é sabido, arca com uma carga fiscal relativamente maior do que a sua

participação no PIB. Além disso, é penalizada por incidências cumulativas de alguns

impostos (não desoneráveis na sistemática atual), o que prejudica a competitividade

das exportações e o custo do investimento.

Os problemas de coordenação são ainda mais acentuados no caso do ICMS –

principal imposto sobre valor adicionado nacional – administrado pelos estados com

ampla autonomia entre si e em relação aos tributos federais. Boa parte do ICMS é

recolhida na origem. Esse princípio, aliado à grande liberdade de que os estados

dispõem para decidir sobre alíquotas, isenções, formas de arrecadação, etc., termina

sendo fonte de uma série de distorções. A guerra fiscal decorrente da capacidade dos

estados de usarem o ICMS para atrair negócios para seu território muitas vezes implica

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o favorecimento da importação de produtos que poderiam ser fabricados no mercado

nacional.

O Governo Federal promoveu alguns avanços nos principais tributos indiretos de

sua competência (IPI, PIS-Pasep e Cofins). Para desonerar as exportações, procurou

aperfeiçoar os mecanismos de devolução de créditos e instituiu o Reintegra com o

objetivo de ressarcir os exportadores de tributos não recuperáveis ao longo da cadeia de

produção. No caso dos investimentos, foi zerada a alíquota de IPI sobre bens de capital

e estabelecida a recuperação imediata de créditos de PIS e Cofins sobre as aquisições

de máquinas e equipamentos. Além disso, foi instituída uma série de regimes tributários

especiais para garantir que investimentos de longo prazo de maturação não fossem

onerados na fase pré-operacional.

Entretanto, permanecem diversas impropriedades pendentes ainda de correção.

É grande a dificuldade enfrentada pelas empresas na recuperação dos créditos em

dinheiro, o que é particularmente importante para empresas preponderantemente

exportadoras que acumulam créditos em razão de não gerarem débitos passíveis

de abatimento decorrentes de vendas pouco expressivas no mercado interno. A

desoneração das exportações, assim como a dos investimentos, também enfrenta

problemas, uma vez que as medidas destinadas a esse fim alcançam apenas o

universo de grandes contribuintes que recolhem os tributos federais pela sistemática

do valor adicionado.

Um segundo fator relevante para a deterioração da capacidade competitiva da indústria

brasileira decorre do subinvestimento em infraestrutura que marcou as últimas décadas.

As onerosas restrições atuais de infraestrutura resultam do nível relativamente baixo

de investimento no setor durante um longo período, agravado pelo firme aumento da

demanda devido ao forte crescimento da produção e/ou consumo de bens e serviços

que demandam uma “infraestrutura associada” (produção agrícola versus modais de

transporte e portos, automóveis versus estradas, serviços de transporte aéreo versus

aeroportos e assim por diante).

Só recentemente os setores de infraestrutura vêm sendo objeto de investimentos

em escala crescente. O lento avanço deve-se em grande parte à complexidade da

agenda de construção institucional que precisa ser percorrida para deslanchar esses

investimentos. A abertura para um amplo programa de concessões à iniciativa privada

requer que marcos regulatórios sejam aperfeiçoados, que um sistema de garantias

mais robusto se torne disponível e que o financiamento privado de longo prazo ganhe

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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relevância no país. É importante destacar que, dada a sua escassez presente, a

ampliação da oferta de infraestrutura tende a ter um ponderável efeito positivo em termos

de redução de custos sistêmicos, acionando um motor adicional de crescimento da

economia.

O crescimento dos salários reais, não compensado pelo aumento da produtividade,

levando a um crescimento dos custos unitários de trabalho, ainda mais em dólares, é

outro problema que vem onerando a competitividade industrial. O ocaso da era de mão

de obra abundante é explicado pela rápida transição demográfica, mas foi acelerado

pelo ciclo de crescimento iniciado em 2004. O crescimento da população em idade

ativa (um dos principais determinantes da expansão da oferta de trabalho na economia)

está em apenas 1,2% ao ano. Com uma elasticidade do emprego em relação ao PIB

de cerca de 0,5 – valor médio desde 2004 –, bastaria uma taxa de crescimento de

2,4% ao ano do PIB para absorver a mão de obra entrante no mercado de trabalho.

Visto por outra ótica, para crescer acima de 2,4% ao ano será necessário aumentar

a produtividade do trabalho em um ritmo superior ao que vem ocorrendo nos últimos

dez anos. Assim, por exemplo, para crescer 4,5% ao ano, de maneira sustentada, será

necessário, tudo o mais constante, elevar persistentemente a produtividade do trabalho

em 3,3% ao ano.

Outra ordem de fatores desfavoráveis ao desempenho da indústria decorre do

modo de inserção no comércio internacional. A contribuição das commodities para o

crescimento, para o investimento e sobretudo para o saldo comercial foi potencializada

pelos termos de troca superfavoráveis da década passada. Aos preços de commodities

de 2004, nosso déficit em conta-corrente teria alcançado 4,3% do PIB em 2011 (contra

2,1% efetivamente verificados). Ou seja, de 2004 até 2011 as transações correntes

do país tiveram um ganho de 2,2 pontos percentuais do PIB devido à melhoria dos

termos de troca. Desde 2011, o ciclo de commodities está em plena reversão. Mesmo

que os preços dos bens de origem agrícola mantenham certo vigor ante a expectativa

de inclusão econômica continuada em países populosos, é plausível que aqueles de

origem mineral se mantenham com preços menos favoráveis nos próximos anos. Não

é aconselhável, portanto, contar com os benefícios extraordinários da década anterior,

o que torna imperativa a agenda de recuperação da competitividade da nossa indústria

de transformação.

Com efeito, a indústria ressente-se da falta de uma política pró-exportação estruturante

e consistente, capaz de compensar a propensão das empresas em focar suas

estratégias para o mercado interno, dado o longo período de câmbio supervalorizado. A

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preocupação com a defesa do mercado interno, mesmo que legitimada pela assimetria

da relação cambial entre o Brasil e muitos dos seus principais competidores, foi

gradativamente distorcendo a imposição tarifária, levando a uma estrutura de proteção

efetiva desbalanceada, que veio perdendo racionalidade ao longo dos anos.

Em suma, em termos dos fatores propulsores da dinâmica macroeconômica, após

a crise financeira global de 2008, observaram-se mudanças indesejáveis, tais como

a perda de peso da indústria de transformação e a forte erosão da competitividade

em manufaturas, resultando em déficits comerciais crescentes neste campo. Como

consequência, o déficit em conta-corrente vem subindo, subtraindo dinamismo e

levantando preocupações a respeito da sustentabilidade de longo prazo do balanço

de pagamentos. Além disso, em termos da dinâmica do mercado de trabalho, a

rápida absorção da mão de obra de maior qualificação levou a um escasseamento de

trabalhadores qualificados, acarretando requisitos crescentes de educação avançada

e treinamento para a obtenção de ganhos de produtividade expressivos e persistentes,

necessários à manutenção de taxas de crescimento mais robustas.

3. PARA ONDE DEVEMOS IR

Observado pelo prisma da competitividade industrial, o padrão recente de crescimento

da economia brasileira foi acentuando um perfil mais desequilibrado. Esse perfil

desequilibrado não se restringe somente à perda do dinamismo manufatureiro

relativamente ao significativo crescimento dos serviços e de setores ligados a

commodities. Outras dimensões do desequilíbrio abrangem a defasagem entre o

avanço no consumo de bens e serviços e o baixo crescimento das infraestruturas a

eles associadas; incluem a diferença entre o crescimento da oferta e da demanda de

trabalho; e compreendem ainda o desequilíbrio externo potencial se nada for feito em

relação à competitividade em manufaturados.

O enfrentamento bem-sucedido desses desequilíbrios requer uma estratégia articulada

de desenvolvimento em três frentes: a redução dos custos de produção e o avanço

da competitividade por inovações, sobretudo na indústria; a aceleração persistente

dos ganhos de produtividade e a elevação duradoura das taxas de investimento e de

poupança doméstica da economia. Esses elementos estão obviamente interligados. O

aumento do investimento é uma das alavancas do crescimento da produtividade; e o

aumento dela, um dos ingredientes para reduzir os custos de produção e aumentar a

competitividade das empresas brasileiras. O aumento da poupança e do financiamento

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de longo prazo de base doméstica, por sua vez, é condição para que o avanço do

investimento não dependa crescentemente da poupança externa (aumento do déficit

em conta-corrente), cujos fluxos podem ser interrompidos por questões exógenas.

Diante desse quadro desafiador, a política econômica do governo deve se mover na

direção adequada, através de diversas iniciativas, várias delas já colocadas em marcha,

outras ainda por ser viabilizadas.

No plano macroeconômico, cabe perseverar na busca de um mix mais favorável, que

combine uma taxa de câmbio menos apreciada com taxas de juros substancialmente

mais baixas do que no passado. Essa mudança no mix macroeconômico não é fácil

nem instantânea e exige a adoção de políticas firmes e duradouras nos campos fiscal

e financeiro. A readequação da política macroeconômica, extremamente necessária e

urgente, não será, porém, objeto de atenção deste artigo, cujo foco se concentra nos

desafios de política voltados à regeneração da competitividade industrial.

É inescapável buscar por vários meios uma firme e sustentada trajetória de reduções

de custos de produção e de insumos como forma de melhoria da competitividade

industrial. O aumento sustentado e de longo prazo da produtividade requer políticas

sistêmicas, mesoeconômicas e microeconômicas. Destaque-se, neste sentido, o

amplo programa de investimento em infraestrutura – do qual faz parte o programa de

concessões em logística – e também os importantes programas educacionais, para

elevar a qualidade da educação de base, para ampliar a formação profissional de nível

intermediário (Pronatec) e para acelerar a formação de especialistas em engenharia,

ciências exatas e naturais.

Conforme sublinhado, uma forte orientação pró-exportação deve ser uma diretriz-chave

da política industrial para os próximos anos. Esse é o melhor antídoto para contornar

o déficit comercial originado pelas manufaturas e reverter o atual quadro de retração

industrial. Cabe observar que a pertinência de ampliar as exportações de manufaturados

transcende o objetivo de reequilibrar a conta-corrente. É claro que déficits nas transações

correntes da ordem de 4% do PIB acendem um sinal amarelo em relação a sua

sustentabilidade macroeconômica, mesmo que se tenha em conta o grande volume

de reservas acumulado pelo país. Mas o vazamento anual para o exterior de valores

da ordem de US$70 bilhões a título de déficit comercial de manufaturados significou

nos últimos anos uma perda de PIB que pode ter chegado a dois pontos percentuais

ao ano em média. Recuperar esses mercados terá obviamente importante impacto no

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incremento da taxa de crescimento do PIB, devolvendo à economia o círculo virtuoso

de crescimento e investimento.

Essa política de promoção de exportações deve se voltar para um conjunto de

objetivos, nem sempre fáceis, mas plenamente possíveis de ser alcançados com

tempo suficiente e necessária persistência dos formuladores da política industrial.

Primeiramente, um passo mais fundamental é restabelecer o ímpeto exportador do

empresariado, revertendo a acomodação experimentada por muitas empresas, algumas

muito importantes, à condição de processadoras de matérias-primas e componentes

importados. E isso requer percorrer uma agenda já bem conhecida.

É mister caminhar em direção a uma faixa de variação competitiva para a taxa de

câmbio e ademais é importante que esse ajuste seja entendido pelo empresariado

como sustentável e de longo prazo para motivar efetivamente novos investimentos

exportadores.

Também integra essa agenda a completa desoneração tributária das exportações por

meio do aumento da eficiência do sistema de ressarcimento dos créditos tributários. A

realização de reformas parciais, como as recentemente implementadas, embora venha

cumprindo o papel de atenuar o ônus fiscal sobre importantes atividades na promoção

do dinamismo econômico, terminou agregando mais complexidade ao sistema, uma

vez que criou uma série de exceções à regra. Desonerar inteiramente o investimento

e a exportação, conferir mais agilidade e menos burocracia aos procedimentos

arrecadatórios, recuperar a capacidade de instrumentos fiscais de incentivo como o

draw-back verde-e-amarelo ou o fomento à inovação devem ser as linhas-mestras da

reforma tributária almejada.

Sublinhe-se a imprescindibilidade de perseverar na trajetória de desenvolvimento

tecnológico, mantendo a inovação como um dos eixos da política industrial. Experiências

bem-sucedidas como o programa Inova Empresa devem ser mantidas e ampliadas,

buscando novas e eficientes formas de articulação institucional e integração dos

instrumentos do sistema nacional de inovação que se construiu no país nos últimos

trinta anos.

Por fim, é necessário reposicionar de modo inteligente a indústria brasileira nas cadeias

produtivas globais. A integração de setores brasileiros nos esquemas de “fragmentação

produtiva”, que hoje dão a tônica das interações produtivas, deve ser construída com

o firme propósito de aumentar os espaços para a colocação de produtos brasileiros no

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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exterior. Isso significa que a busca de integração com as cadeias globais não deve ser

um objetivo em si mesmo, pois de nada valerá uma participação mais ativa do Brasil

apenas pelo lado da importação de mercadorias. Hoje, a indústria brasileira apresenta

pequena agregação de valor internacional, mas isso é consequência da especialização

em insumos básicos naturalmente integrados e dominados por significativas economias

de escala. Não há dúvida de que um padrão de inserção mais extrovertido poderá ser

pactuado no caso das cadeias manufatureiras mais longas (e.g. automotiva, TICs, bens

de capital), se as subsidiárias das multinacionais e as empresas-líderes brasileiras forem

adequadamente apoiadas em seus esforços de modernização e internacionalização

produtiva.

Alguns poderão alegar que as atuais condições da economia mundial não são as mais

propícias para um ajuste exportador de grande fôlego: o quadro geral ainda é de lenta

recuperação nas economias avançadas, os preços estão com tendência baixista e há

excesso generalizado de capacidade produtiva. Mas é por isso mesmo que o esforço

de reposicionamento estratégico da indústria brasileira precisa ser feito agora, pois

o que está em jogo é a sua sustentabilidade de longo prazo. Múltiplas fronteiras de

crescimento existem e a elas é dedicada a próxima seção.

4. AS MÚLTIPLAS FRONTEIRAS DE CRESCIMENTO

De todo o exposto até aqui, emerge a conclusão de que a sustentação do crescimento

requer, daqui para a frente, o aumento progressivo das taxas de investimento e poupança,

a recuperação da participação da indústria no PIB e a ampliação da competitividade

das exportações. Atacar essas três frentes significa mitigar as tensões do crescimento

(desequilibrado) em curso. No entanto, mais além da redução das “despesas tributárias”

e das demais medidas visando à redução dos custos, a ampliação da competitividade

da economia brasileira depende cada vez mais fundamentalmente do aumento da

produtividade.

São muitos os elementos potenciais de transformação da matriz industrial brasileira,

um objetivo que deve ser perseguido por todos os meios. Em um prazo mais imediato,

espera-se que a retomada do investimento em novas máquinas e equipamentos será

uma importante ajuda para o esforço de elevação da produtividade. A isso somam-se

os efeitos a médio prazo do amplo leque de investimentos em infraestrutura, que já foi

deflagrado. E por fim, em um horizonte temporal mais longo, as iniciativas já em curso

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nos planos da inovação e da educação elevarão competências, habilitando o país a

crescer também a partir de impulso tecnológico endógeno.

É exatamente nessa perspectiva da transformação estrutural que se vislumbram

notáveis oportunidades de diversificação da indústria brasileira. O fato relevante é que a

economia brasileira dispõe, como poucas, de uma diversidade de fronteiras viáveis de

expansão que são simultaneamente geradoras de oportunidades de desenvolvimento

industrial.

Especialmente dinamizador pode ser o papel que os investimentos em infraestrutura

energética, logística/transportes, telecomunicações, urbanização e outras tendem a

exercer sobre as indústrias de bens de capital eletrônicos, elétricos e mecânicos (seriados

e sob encomenda). A complexidade tecnológica em termos de funções, especificações

e manufatura desses bens pode se transmitir a uma ampla gama de cadeias produtivas,

envolvendo diversos fornecedores de materiais, peças e componentes e, cada vez

mais, serviços altamente especializados. Se convenientemente apoiados, essas

oportunidades podem fomentar clusters inovativos com potencial para atingir níveis de

excelência internacional.

Dentre as oportunidades, a exploração de petróleo em águas ultraprofundas, o chamado

pré-sal, é exemplo relevante. Estruturar uma cadeia de fornecedores de bens e serviços

e assim capturar os impactos sobre a atividade produtiva é um desafio de fôlego cujo

atendimento abre uma avenida para o desenvolvimento industrial e tecnológico da

metalmecânica, robótica, automação, dentre outros. Em determinados segmentos,

tais como construção naval e equipamentos de top side, já se conseguiu avançar

consistentemente em direção a níveis de conteúdo local significativos. Tudo indica que,

com a intensificação dos investimentos em exploração e desenvolvimento dos campos,

será possível ampliar significativamente a densidade da indústria parapetrolífera no

território nacional também nos demais segmentos.

Outra fronteira produtiva da qual se podem desdobrar oportunidades industriais

promissoras é o agronegócio, que já desfruta de competitividade estrutural na maioria

de seus segmentos. Essa competitividade estrutural decorre não somente da extensa

base de recursos naturais disponível no país, mas também da competente base

tecnológica que se construiu nas últimas décadas e da importante base empresarial

que se consolidou nos últimos anos. Em função dessas características, o sistema

produtivo do agronegócio encontra-se particularmente apto para novos e significativos

saltos tecnológicos. Motivado tanto pelo technology push das ciências biológicas

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quanto pelo demand pull dado pela nova geopolítica comandada pela problemática

da segurança alimentar e da exploração do potencial dos biocombustíveis. A pesquisa

e desenvolvimento agrícolas têm condições para acelerar seu dinamismo inovativo

e, como consequência, propiciar avanços nas respectivas cadeias supridoras de

equipamentos, insumos primários, fertilizantes, genética (sementes, embriões, etc.)

e um amplo leque de serviços de alta sofisticação. Na medida em que tenha lugar

o desenvolvimento de uma infraestrutura logística que proporcione armazenamento e

escoamento eficientes da produção, o agronegócio poderá revelar o enorme potencial

de geração de riqueza.

A produção de energia renovável forma um terceiro campo extremamente rico em

oportunidades. A despeito de já contar com uma das matrizes energéticas mais limpas

do planeta, o Brasil reúne condições excepcionais para incorporar as diversas fontes de

energia não fóssil, sejam as baseadas em biomassa (etanol, biodiesel), eólica, solar e

tantas outras fontes que ainda estão em estágio mais embrionário de desenvolvimento.

O Brasil possui cerca de 20GW (representa cerca de 15% da matriz elétrica) de potencial

de geração de energia de biomassa que poderia ser implementado em curto espaço de

tempo. Em 2014, com a inauguração da primeira fábrica em escala industrial do Brasil,

construída pelo Grupo GranBio, o etanol celulósico ultrapassou uma etapa decisiva em

sua trajetória, até então limitada a projetos em escala laboratorial ou piloto. Destaque-se

que a evolução da tecnologia de bioetanol por hidrólise da celulose pode reduzir os

custos de produção, superando uma das principais limitações do uso de biomassa,

que é o fato de constituir uma fonte mais cara do que as demais energias renováveis.

No caso da energia eólica, muito já se caminhou na concretização do aproveitamento

dessa fonte energética. No que toca a novas tecnologias, a oportunidade para o

Brasil, por ora, é focar na elevação da escala dos aerogeradores onshore, dada a

grande disponibilidade no território nacional de sítios com forte potencial eólico. O

desenvolvimento e a aquisição de aerogeradores offshore devem ocorrer na Europa

e na Ásia, com presença marginal dos EUA, e deve ser procurada sua progressiva

nacionalização. O país atualmente já possui um conjunto expressivo de fabricantes

de aerogeradores com importante articulação com os fornecedores locais. Algumas

empresas já demonstram potencial para se tornarem exportadoras, fato que certamente

trará implicações muito positivas para a consolidação do setor.

Quanto à energia solar, o potencial brasileiro para exploração da energia fotovoltaica e

da heliotérmica é imenso, sobretudo no Nordeste do país. No entanto, diferentemente

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do que ocorre com a energia eólica, o país ainda não dispõe de cadeia produtiva

estruturada. É necessário concentrar esforços, visando a atrair grandes fabricantes

internacionais para o país para que se dê início a uma estratégia de nacionalização

progressiva dessa indústria de modo a materializar os enormes impactos que a

exploração desse potencial pode trazer.

Mesmo em setores nos quais o Brasil ainda se encontra distante da fronteira científica

e tecnológica internacional, há possibilidades concretas de avanços substanciais.

É o caso do complexo industrial da saúde, em que o domínio do conhecimento já

alcançado em importantes aplicações da biotecnologia nas áreas de fármacos, vacinas

e hemoderivados, por exemplo, tem motivado projetos industriais de grande relevância.

Para esses setores, os principais desafios são acelerar a convergência para o estado

da arte na biotecnologia moderna, incluindo cultura de células, engenharia genética,

terapia celular e células-tronco. A integração de aplicações de tecnologia de informação

à saúde também é uma tendência forte a ser buscada. A certeza de que esses desafios

podem ser alcançados decorre do fato de que as empresas do complexo industrial

da saúde possuem hoje porte e elevada geração de caixa no mercado brasileiro e

vêm revelando crescente disposição para aumentar os gastos locais em pesquisa e

desenvolvimento. A consolidação dessa estrutura produtiva fortalece a convicção de

que as inúmeras oportunidades proporcionadas pela exploração da biodiversidade

brasileira poderão ser identificadas e trabalhadas, levando a uma maior diferenciação

dos produtos e maior competitividade internacional.

Situação similar é experimentada no campo das tecnologias de informação e

comunicação. A despeito das inegáveis defasagens que marcam o conjunto dessas

atividades na nossa matriz produtiva, o sucesso que vem sendo alcançado em

alguns nichos específicos justifica uma percepção favorável sobre o potencial de

desenvolvimento de algumas cadeias deste complexo industrial. Projetos de grande

porte objetivando a produção de semicondutores para aplicações específicas ou

a consolidação de um importante núcleo de empresas de excelência em software,

inclusive com robusto desempenho exportador, constituem evidência de que o

complexo das TIC está em movimento no país.

Importante é que há muito espaço para avançar. Dentre outras iniciativas, o arcabouço

legal (Lei da Informática e Política de Compras Públicas) que vem sendo construído

gradualmente ao longo das últimas décadas deve permanecer em contínuo

aperfeiçoamento. O aumento do conteúdo nacional dos produtos, em um contexto de

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fronteira tecnológica em deslocamento constante, e com a dominância nos mercados

mundiais de cadeias de valor consolidadas, com grande capacidade de mobilização

de P&D, também é um desafio constante das últimas décadas. Ao lado desses

problemas, podemos notar também a necessidade de aumentar os investimentos

em infraestrutura de telecomunicações, bem como a ampliação e diversificação dos

instrumentos de financiamento. As oportunidades podem advir do desenvolvimento

de empresas montadoras e desenvolvedoras de softwares e serviços de TI, onde

existem segmentos com desenvolvimento de tecnologia nacional. O desdobramento

nos próximos anos de novas ondas de automação via internet (a chamada “internet

das coisas”) tende a multiplicar essas oportunidades. Para tanto, é necessária maior

articulação governo-empresas com o objetivo de proporcionar um ambiente onde as

empresas adquiram ossatura para competir e exportar.

Muitas outras oportunidades promissoras podem ser encontradas em uma ampla

gama de atividades que estão na fronteira tecnológica da indústria da atualidade. Sem

a preocupação de ser exaustivo, cumpre mencionar a indústria aeronáutica, estruturada

em torno do sucesso da Embraer na produção de aeronaves para a aviação civil; a

indústria aeroespacial, dentre outros segmentos da indústria da defesa, que vem

se beneficiando da firme mobilização do poder de compra do Estado em favor do

desenvolvimento industrial e tecnológico; ou ainda a área da sustentabilidade ambiental,

com o protoganismo que vem sendo alcançado por projetos ligados à admirável

biodiversidade do país.

Ao mencionar as novas oportunidades criadas pelas fronteiras dinâmicas do

crescimento brasileiro, não se deve esquecer o potencial de revitalização industrial das

demais atividades que seguem trajetórias mais incrementais. A economia brasileira

dispõe de bases industriais relevantes em insumos básicos (química e petroquímica,

siderurgia, não ferrosos, celulose, insumos para a construção civil, etc.), em bens de

consumo duráveis (indústria automobilística, eletroeletrônicos, linha branca, mobiliário),

em bens de consumo não duráveis (alimentos industrializados, vestuário, calçados)

e em vários segmentos de bens de capital seriados e sob encomenda. Recuperar

a competitividade dessas cadeias industriais é um objetivo possível e factível,

especialmente em um contexto de sustentação do crescimento com melhora das

condições sistêmicas. É imprescindível mobilizar essas cadeias para estratégias

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exportadoras e de internacionalização por meio de políticas estruturantes e de esforços

significativos de inovação em produtos e processos.

Nesse grupo de atividades, cabe destacar o setor de bens de capital. Embora se

encontre muito fragilizado, prevalecem tendências em novos materiais, manufatura

aditiva, robótica, automação, eletrônica de última geração e manufatura verde, que

embutem janelas de oportunidades atrativas para novos investimentos. Aproveitá-las

requer que tenha lugar um ciclo de atualização tecnológica acelerada, incorporando

os avanços da microeletrônica à base mecânica e estruturando um ecossistema

de inovação capaz de consolidar alguns players nacionais, de modo que façam a

convergência para padrões avançados de tecnologia e, a partir desse salto, tornem-se

exportadores relevantes.

5. PERSPECTIVAS E CONCLUSÕES

Este texto não quer transmitir uma visão fácil e rósea para o futuro da indústria brasileira.

São muitos os obstáculos que se interpõem ao processo de desenvolvimento das

nações, em tempos de crise e de acirramento da concorrência, inclusive pelo caminho

da prática ativa de políticas de fomento da inovação e da competitividade por parte

de economias poderosas. O que se deve esperar é a aceleração competitiva das

transformações na organização da produção industrial mundo afora, com a crescente

efetivação de novos paradigmas centrados na inovação de produtos e processos e em

novas divisões do trabalho em cadeias produtivas globais. Esses processos obrigam-

nos a repensar e a igualmente redesenhar a nossa matriz industrial e a sua inserção

internacional.

O objetivo aqui não deve ser somente sobreviver a essas mudanças, mas principalmente

reinventar-se para extrair o máximo proveito das oportunidades descortinadas por essas

novas rodadas da divisão internacional da produção. Sem o apoio de uma política

industrial e tecnológica com viés exportador muito proficiente, dificilmente o Brasil – ou

qualquer outra nação – conseguirá se aproximar desse objetivo.

E por que é importante pontuar a importância das ações de política industrial e tecnológica?

Porque já é possível antever os profundos movimentos de reposicionamento competitivo

que vêm sendo perseguidos pelas principais potências industriais do planeta.

Os EUA, que para muitos já estão em pleno processo de reindustrialização, são

candidatos a abocanharem uma parcela maior dos mercados internacionais de

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manufaturas. A complexa arquitetura da nova política industrial norte-americana deixa

transparecer duas diferentes características, que, em conjunto, podem levar a resultados

poderosos. De um lado, sobressaem medidas que buscam retomar a competitividade

perdida pela economia americana por meio de redução de custos de energia, melhoria

da infraestrutura e de readequação do mercado de trabalho. De outro lado, verifica-se

uma postura ultra-ativa que visa a repor as condições hoje ameaçadas de liderança

científico-tecnológica, por meio do apoio a setores considerados portadores de futuro,

tais como tecnologias de informação, novas fontes de energia limpa ou modernização

da motorização e dos meios de transporte. Na China, o ambicioso 12º plano quinquenal,

que deverá guiar o país no período 2011-2015, pretende introduzir uma verdadeira

guinada no padrão de crescimento chinês. É expectativa das autoridades chinesas

que sete atividades de alta tecnologia (que vão de TIC a novos materiais), denominadas

“indústrias estratégicas emergentes”, aumentem a sua participação no PIB dos atuais

5% para 15% em 2020. Mesmo a Europa, provavelmente o bloco econômico que

desenhou o projeto de reestruturação industrial mais ousado e, por isso mesmo, que

atualmente enfrenta a transição mais difícil, não deve ser descartada como importante

player na cena industrial. Tampouco o Japão, que atravessou um longo período

marcado por baixo dinamismo macroeconômico, dá mostras de que não renunciará ao

protagonismo alcançado no último quartil do século passado.

Esses movimentos são reveladores de uma tendência ao acirramento da concorrência

entre as economias centrais que implicará o encurtamento dos espaços hoje

disponíveis para o catching-up dos países emergentes. Os ventos favoráveis que os

empurraram na década passada já não sopram com tanta intensidade. Para prosseguir

na rota do desenvolvimento, os países emergentes terão de contar cada vez mais com

visão estratégica e competência política que possibilitem alcançar os crescentemente

sofisticados requisitos de capacitação científica, tecnológica, educacional e financeira

da atualidade.

O Brasil soube aproveitar as janelas de oportunidade abertas no mercado internacional

de commodities no passado. Mais recentemente logrou percorrer um movimento de

inclusão econômica e social que propiciou a consolidação de um mercado interno

de grandes proporções. Agora tem diante de si os desafios da exploração do pré-sal;

da preparação de um portfólio amplo e atrativo de investimentos em infraestrutura; da

concretização de uma política de exportação de manufaturados de grande alcance,

que requer um salto de produtividade e inovação na base industrial. Podemos e

devemos capturar nas próximas décadas um número não desprezível de oportunidades

competitivas, próximas da fronteira da indústria mundial. Mãos à obra!

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Autores

(em ordem alfabética)

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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Antonio José Alves Junior

É Assessor da Presidência BNDES e Professor de Economia da

UFRRJ. Doutor em Economia pelo Instituto de Economia da UFRJ, foi

Chefe do Departamento de Relações com o Governo (BNDES), de

2008 a 2012, Chefe Assessoria Especial da Casa Civil da Presidência

da República, de 2005 a 2008, e Chefe da Assessoria Econômica do

Ministério do Planejamento, de 2004 a 2005.

Alessandro Golombiewski Teixeira

Economista, mestre em economia latino-americana pela Universidade

de São Paulo (USP) e doutor em competitividade tecnológica e

industrial pela Universidade de Sussex (Inglaterra). Foi consultor

em desenvolvimento de negócios no Departamento de Comércio

e Indústria do governo britânico e consultor em desenvolvimento

tecnológico na Academia Internacional de Ciências, em Paris. Presidiu

a Associação Mundial das Agências de Promoção de Investimentos

(Waipa, da sigla em inglês), organização que reúne agências de mais

de 150 países. No governo federal, foi um dos responsáveis pela

retomada da política industrial na gestão do presidente Lula. Participou

da criação da ABDI e, em 2005, tornou-se seu primeiro presidente. De

2007 a 2011, presidiu a Apex-Brasil. No governo Dilma, foi secretário-

executivo do MDIC e do Conselho Nacional de Desenvolvimento

Industrial (CNDI), além de assessor especial da Presidência da

República. Foi, ainda, conselheiro do BNDES, por 11 anos, e do

Sebrae, por oito anos.

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Carlos Antônio Brandão

Professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional

da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Suas atividades de

docência, pesquisa e extensão se concentram na área do Planejamento

Urbano e Regional. Possui Doutorado, Livre-Docência e Professor

Titular em Economia Regional e Urbana pela UNICAMP. Mestrado em

Economia pelo Cedeplar/UFMG. Graduação em Economia pela UFU.

Pós-doutorado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de

Coimbra. Coordenador do site www.interpretesdobrasil.org . Editor da

Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais (ANPUR).

David Kupfer

Doutor em Economia pela UFRJ, é professor associado do IE/UFRJ,

onde é Coordenador licenciado do Grupo de Pesquisa em Indústria

e Competitividade (GIC). Foi um dos coordenadores do “Estudo

da Competitividade da Indústria Brasileira” (1992-94) e do “Estudo

da Competitividade das Cadeias Industriais Integradas” (2002) e

Coordenador Geral do “Projeto PIB – Perspectivas do Investimento

no Brasil” (2008-2010), dentre outras atividades de pesquisa. É autor

de inúmeros artigos sobre indústria brasileira e política industrial e dos

livros Economia Industrial: Fundamentos Teóricos e Práticas no Brasil

e Made in Brazil: Desafios Competitivos para a Indústria Brasileira,

ganhadores do prêmio Jabuti na categoria Economia e Negócios em

2003 e 1996. Dentre outras atividades, é editor da Revista de Economia

Contemporânea do IE/UFRJ, do Conselho Superior de Economia da

FIESP e é colunista mensalista do Jornal Valor Econômico. Foi assessor

da direção do BNDES.

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Dez anos de política industrial, balanço & perspectivas

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Evando Mirra

Graduou-se em Engenharia Mecânica e Elétrica pela UFMG em

1965. Fez parte da primeira turma do Mestrado em Ciência e

Engenharia de Materiais no país, na COPPE, UFRJ (1967), tendo

trabalhado com o Prof. David Baldwin em propriedades mecânicas

de ligas superplásticas. Obteve o Doutorado em Ciências em 1972

na Universidade de Paris/Orsay. Em 1986 tornou-se Pró-Reitor de

Pesquisa da UFMG, e presidiu o Fórum Nacional de Pró-Reitores

de Pesquisa e Pós-Graduação. Foi Presidente do CNPq, Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, entre 1999 e

2001. Orientou 26 teses na Pós-Graduação. É membro de Comitês

Editoriais das revistas científicas Science et Génie des Matériaux

(França) e Matéria - Revista Virtual Latino Americana de Materiais.

Consultor de C&T da OEA - Organização dos Estados Americanos,

do MCT, MEC, CNPq, FINEP, FAPESP e FAPEMIG. Professor Emérito

da UFMG, foi Presidente do CGEE - Centro de Gestão e Estudos

Estratégicos em Ciência, Tecnologia e Inovação e Diretor da ABDI.

Felipe Silveira Marques

É Doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela UFRJ (2009).

Trabalha no BNDES desde 2007, aonde atualmente é Assessor da

Presidência. Participou pelo BNDES da concepção, implementação

e avaliação de políticas industriais e de inovação recentes, como a

Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), o Plano Brasil Maior

(PBM) e o Plano Inova Empresa.

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Fernando Sossdorf

Especialista desenvolvimento produtivo, desenvolvimento econômico

e economía digital, atualmente é Investigador Asistente da Divisão

de Desenvolvimento Produtivo na CEPAL. É Professor (desde

2012) do Departamento de Engenharía Industrial da Universidade

Santo Tomás. Foi Assessor Econômico do Ministério de Relações

Exteriores do Chile (MINREL), em 2008 e 2009. Entre 2009 e 2012

foi Investigador Adjunto do CIEPLAN. É Engenheiro Comercial com

menção em Economia na Universidade do Chile. Publicou com

outros autores o livro “Caminos al Desarrollo: Lecciones de países

afines exitoso”, do MINREL e BID.

Gabriel Porcile

É Oficial de Assuntos Econômicos da Divisão de Desenvolvimento

Produtivo e Empresarial da CEPAL e professor licenciado da

Universidade Federal do Parana (UFPR). Tem Mestrado em

Economia (UNICAMP, 1988) e Doutorado em Historia Econômica

(LSE, Universidad de Londres, 1995). Tem publicado extensamente

nos temas de mudança estrutural e modelos de crescimento e

progresso técnico.

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Glauco Arbix

Professor Livre-Docente do Departamento de Sociologia da

Universidade de São Paulo (USP) e Tinker Professor na Universidade

de Wisconsin-Madison (EUA, 2010). Foi membro do Conselho

Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT 2007-2011) e Coordenador

Geral do Observatório da Inovação e Competitividade do Instituto de

Estudos Avançados da USP (2007-2010), Presidente do Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2003 2006), Coordenador Geral

do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República

(NAE, 2003-2006) e membro do Group of Advisers do United Nations

Development Programme (PNUD-ONU, 2006-2009). Professor

do Departamento de Ciência Política da UNICAMP (1996-1997) e

da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP, 1995). Realizou estudos de

pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology, MIT (EUA,

1999 e 2010), na Universidade de Columbia (EUA, 2007 e 2009),

na Universidade da California - Berkeley (EUA, 2008) e na London

School of Economics (Reino Unido, 2002). Presidiu a Finep de

Janeiro de 2011 a março de 2015.

Jackson De Toni

Economista, Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília

e Mestre em Planejamento Regional e Urbano pela Universidade

Federal do Rio Grande do Sul. Foi Secretário-Adjunto de Planejamento

do Estado do Rio Grande do Sul (2001-2002), Assessor Especial

da Presidência da República (2004-2006) e Gerente de Gestão

e Planejamento da APEX-Brasil (2006-2010). É Especialista em

Gerenciamento de Projetos do quadro técnico da Agência Brasileira

de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e Gerente de Planejamento

desde 2011.

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João Alberto De Negri

Doutor em Economia pela Universidade de Brasília (2003) e mestre

em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1996). É

pesquisador do IPEA desde 1996, Diretor e Vice-Presidente do IPEA

no período 2005-2007. Exerceu a função de Diretor de Inovação e

Investimentos da FINEP.

João Carlos Ferraz

Especialista em temas associados a desenvolvimento econômico,

em particular competitividade, inovação e estratégias empresariais.

Diretor do BNDES –Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

e Social-, responsável pelas Áreas de Pesquisa Econômica,

Planejamento Corporativo e Gestão de Risco. Representante do

BNDES na Secretaria Executiva do Plano Brasil Maior. Professor

(licenciado) do IE-UFRJ - Instituto de Economia da Universidade

Federal do Rio de Janeiro - Economista sênior (licenciado) da CEPAL

ONU – Comissão Econômica para América Latina e o Caribe da

Organização das Nações Unidas-. Economista e jornalista pela

Universidade Católica de Minas Gerais. Doutor pela Universidade

de Sussex, Inglaterra. Autor de mais de 50 artigos em revistas

especializadas e livros.

Luciano Coutinho

É mestre e doutor em Economia pela Universidade de Cornell

(EUA) e professor convidado licenciado da Unicamp. Foi professor

visitante nas Universidades de Paris XIII, do Texas, do Instituto Ortega

y Gasset e da USP, além de professor titular na Unicamp. Formou-

se em Economia pela USP e, durante o curso, recebeu o prêmio

Gastão Vidigal como melhor aluno de Economia de São Paulo. Entre

1985 e 1988, foi Secretário-Executivo do Ministério de Ciência e

Tecnologia. Em 1994, coordenou o Estudo de Competitividade da

Indústria Brasileira. Em 2013, recebeu o prêmio “Person of the Year

2013”, concedido pela Brazilian American Chamber of Commerce.

Atual presidente do BNDES.

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Mario Cimoli

É Diretor da Divisão de Produção, Produtividade e Gestão da

Comissão Econômica para a América Latina e Caribe e Professor da

Universidade de Veneza (Ca’ Foscari). Em 2004 participou como co-

diretor na força-tarefa sobre Política Industrial e Regimes de Direitos

e Propriedade Intelectual (Initiative for Policy Dialogue, Columbia

University, New York). Ele também foi premiado com a “Philip Morris

Chair of International Business” na Sant’Anna School of Advanced

Studies, Universidade de Pisa. Profere palestras, escreve e publica

livros e artigos sobre questões econômicas e industriais.

Mario Sergio Salerno

Professor Titular do Depto de Enga de Produção da Poli-USP, onde

coordena o Laboratório de Gestão da Inovação. Coordenador do

Observatório da Inovação e Competitividade do IEA-USP. Engo.de

Produção (Poli-USP, 1979), mestre em Enga de Produção (Coppe-UFRJ,

1985), especialização em Inovação Tecnológica e Desenvolvimento (IDS,

University of Sussex, 1986), doutor em Enga de Produção (Poli-USP,

1991, com período junto à Politécnica de Milão, 1989), pós-doutorado

no Laboratoire Techniques, Territoires et Sociétés / ENPC, 1996), livre-

docente em Enga. de Produção pela Poli-USP (1998). Ex-Diretor de

Desenvolvimento Industrial da ABDI (06/2005 a 01/2007). Ex-Diretor de

Estudos Setoriais do Ipea (03/2003 a 06/2005), quando participou da

coordenação do Grupo Executivo encarregado da proposta de Diretrizes

de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE).

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