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DIABETES MELLITUS GESTACIONAL E PRÉ-GESTACIONAL Julho de 2017

DIABETES MELLITUS GESTACIONAL E PRÉ-GESTACIONAL · 3 1. CONTEXTUALIZAÇÃO Diabetes mellitus gestacional (DMG) é a doença metabólica mais comum da gravidez e definida como a presença

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DIABETES MELLITUS GESTACIONAL E PRÉ-GESTACIONAL

Julho de 2017

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SUMÁRIO

1. CONTEXTUALIZAÇÃO ...................................................................................................................... 3

2. EPIDEMIOLOGIA ............................................................................................................................. 3

3. FISIOPATOLOGIA ............................................................................................................................ 4

4. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS ............................................................................................................. 5

5. TRATAMENTO .............................................................................................................................. 10

5.1 Terapia nutricional .............................................................................................................. 10

5.2 Atividade física .................................................................................................................... 11

5.3 Automonitorização da glicemia .......................................................................................... 11

5.4 Monitorização laboratorial ................................................................................................. 12

5.5 Tratamento medicamentoso .............................................................................................. 12

5.5.1 Insulinoterapia .......................................................................................................... 12

5.5.2 Hipoglicemiantes orais .............................................................................................. 14

6. ACOMPANHAMENTO E PREPARAÇÃO PARA O PARTO ................................................................ 16

6.1 Gestante diabética em trabalho de parto espontâneo ...................................................... 17

6.2 Gestante diabética com indução programada do parto ..................................................... 17

6.3 Cesariana programada ........................................................................................................ 18

7. ACOMPANHAMENTO NO PÓS-PARTO ......................................................................................... 18

8. DIABETES PRÉ-GESTACIONAL ....................................................................................................... 19

9. CONCLUSÃO ................................................................................................................................. 21

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 23

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1. CONTEXTUALIZAÇÃO

Diabetes mellitus gestacional (DMG) é a doença metabólica mais comum da gravidez e definida

como a presença de hiperglicemia de diagnóstico na gestação. Afeta entre 7 e 25% das gestantes1,

dependendo do grupo racial, etnia e critério diagnóstico utilizado. A prevalência do DMG tem

elevado mundialmente, principalmente devido ao aumento da idade materna e à alta prevalência

de obesidade entre as mulheres em idade reprodutiva.

Historicamente, o termo DMG era utilizado para definir o início ou o primeiro reconhecimento de

hiperglicemia na gravidez. O Colégio Americano de Ginecologistas e Obstetras2 continua a utilizar

essa terminologia. Nos últimos anos, a Associação Internacional de Grupos de Estudos de Diabetes

e Gravidez (IADPSG)3, a Associação Americana de Diabetes (ADA)4, a Organização Mundial de Saúde

(OMS)5 e a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD)6 têm diferenciado as gestantes com DMG

daquelas com provável diabetes preexistente, cujo diagnóstico tornou-se aparente apenas na

gestação. Sendo assim, o termo diabetes gestacional deverá ser utilizado para descrever o

diagnóstico de DMG que tipicamente ocorre na segunda metade da gravidez, enquanto o termo

“overt diabetes” ou diabetes mellitus diagnosticado na gravidez aplica-se à gestante com

hiperglicemia diagnosticada na primeira consulta de pré-natal e que preenche os mesmos critérios

diagnósticos de pacientes não gestantes.

O DMG mal controlado pode levar a graves complicações maternas e fetais, incluindo macrossomia,

aumento das taxas de cesariana, distocia de ombro, pré-eclâmpsia e hipoglicemia neonatal.

Malformações congênitas relacionadas à hiperglicemia não são observadas nos filhos das mães com

DMG. Entretanto, poderão ser observadas nas gestantes com diabetes

pré-gestacional sem preparo preconcepcional adequado ou nas gestantes com diagnóstico de

“overt diabetes” no primeiro trimestre de gravidez. Outras complicações de longo prazo que podem

ocorrer nas mulheres com passado de DMG são o aumento da incidência de diabetes mellitus (DM)

e de doença cardiovascular (DCV), assim como o aumento da incidência de DM e obesidade nos

filhos das mães diabéticas expostos à hiperglicemia na gestação7.

2. EPIDEMIOLOGIA

Recentes estudos epidemiológicos têm revelado prevalência de DMG de aproximadamente 9% nos

Estados Unidos da América (EUA). As mulheres americanas asiáticas, hispânicas, americanas nativas

e afro-americanas são aquelas com mais alto risco de desenvolver DMG. Nos países asiáticos, a

prevalência de DMG chega a 21%. No Brasil, existem poucos estudos epidemiológicos. A prevalência

de DMG no Sistema Único de Saúde (SUS), utilizando os antigos critérios propostos pela OMS, é de

7,26%. Desde a introdução dos novos critérios diagnósticos, que serão descritos a seguir, tem-se

observado aumento mundial da prevalência de DMG. No Brasil, pesquisadores avaliaram

retrospectivamente as gestantes da coorte do Estudo das Mulheres Brasileiras com Diabetes

Mellitus Gestacional (EBDG), que foram seguidas de 1991 a 1995, encontrando prevalência atual de

DMG de 18%, conforme os novos critérios propostos pelo IAPDSG8,9.

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3. FISIOPATOLOGIA

Desde o início da gestação, observa-se aumento fisiológico da secreção de insulina, devido à

hiperplasia das células betapancreáticas. A partir do segundo trimestre, com pico entre a 24ª e a

28ª semana de gestação, ocorre aumento da resistência insulínica, mediada principalmente pela

secreção placentária de hormônios diabetogênicos, tais como o hormônio do crescimento,

hormônio liberador da corticotrofina, hormônio lactogênico placentário e progesterona. Essas

alterações metabólicas são importantes para assegurar nutrientes para o feto. Sobrepeso e

obesidade pré-gravidez, assim como idade materna avançada, podem agravar a resistência

insulínica verificada fisiologicamente na gravidez10.

Quando o pâncreas da gestante é incapaz de superar a resistência insulínica da gravidez, não ocorrerá

o aumento compensatório na secreção de insulina e, consequentemente, o DMG se desenvolve. Essa

disfunção das células beta pode estar presente antes mesmo da gravidez, principalmente nas

mulheres com fatores de risco que determinam resistência insulínica (Quadro 1).

QUADRO 1. Fatores de risco para DMG

Idade materna avançada

Sobrepeso e obesidade

Ganho de peso excessivo na gestação

Síndrome dos ovários micropolicísticos

História familiar de DM2 em parentes de primeiro grau

História pessoal de pré-diabetes

História obstétrica de macrossomia ou DMG

Crescimento fetal excessivo e polidrâmnio na gestação atual

Pertencer a grupo étnico de alto risco (hispânicos, americanos nativos, asiáticos,

afro-americanos)

Baixa estatura

História materna de baixo peso ao nascimento

Gravidez gemelar

Fonte: Adaptado de Coustan11.

Os efeitos da gravidez na homeostase da glicose são em geral transitórios, desaparecendo após o

parto. Porém, as mulheres com diagnóstico de DMG deverão ser acompanhadas em intervalos

regulares, devido ao risco progressivo de desenvolverem DM tipo 2.

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4. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

Ao longo das últimas décadas, vários critérios diagnósticos de DMG foram recomendados nas

diretrizes nacionais e mundiais. O primeiro grande estudo prospectivo desenvolvido para

identificar os critérios diagnósticos do DMG foi conduzido por O’Sullivan e Mahan, em 1954, com

publicação em 196412. Os limiares diagnósticos foram originalmente calculados pela capacidade

de preverem o desenvolvimento materno de DM em longo prazo, após o parto. A proposta dos

pesquisadores era de rastreamento universal de todas as grávidas entre 24 e 28 semanas de

gestação, a partir da ingestão de 50 gramas de glicose anidra, com a dosagem da glicemia no

sangue venoso total após uma hora. Caso a glicemia fosse 130 mg/dL ou mais, essas mulheres

seriam submetidas ao TOTG com 100 gramas de glicose anidra e dosagens das glicemias no sangue

total uma, duas e três horas após a ingestão. O diagnóstico seria confirmado se duas ou mais

medidas de glicemia estivessem alteradas (90 mg/dL, em jejum; 165 mg/dL, uma hora; 145 mg/dL,

às duas horas e 125 mg/dL, às três horas). Nos anos seguintes, diante da modernização das

técnicas diagnósticas para medida da glicemia, foram propostos reajustes nos valores diagnósticos

de DMG.

O National Diabetes Data Group (NDDG)13 propôs novos valores para o diagnóstico de DMG e, mais

tarde, Carpenten e Coustan14 modificaram os critérios de diagnóstico e sugeriram limiares glicêmicos

mais baixos do que os propostos pelo NDDG (Quadro 2, adiante), alegando serem mais fiéis aos

propostos originalmente por O’Sullivan e Mahan. A aplicação desse teste de sobrecarga deve ser

realizada com jejum de oito a 12 horas e precedido de três dias de dieta sem restrição de carboidratos.

Apesar de sua importância e de ser um divisor de águas no diagnóstico do DMG, o estudo de O'Sullivan

e Mahan apresenta falhas metodológicas, sendo uma delas o não registro das complicações maternas

e neonatais imediatas, sem correlacioná-las com os valores do TOTG.

Nesse contexto, surge o estudo Hyperglycemia and Adverse Pregnancy Outcomes (HAPO)15,

prospectivo, observacional e multicêntrico, desenhado para determinar os níveis de glicemia maternos

e correlacioná-los com os desfechos perinatais desfavoráveis. Foram avaliadas 25.000 gestantes

provenientes de 15 centros em nove países, que foram submetidas ao TOTG com 75 gramas de

dextrosol entre 24 e 32 semanas de gestação. Os desfechos primários analisados foram peso ao

nascer acima do percentil 90 para a idade gestacional (GIG), taxas de cesariana, hipoglicemia

neonatal clinicamente diagnosticada e nível do peptídeo-C no sangue de cordão acima do percentil

90 (utilizado como marcador da função da célula beta fetal). Os desfechos secundários

compreenderam as taxas de parto pré-termo (menos de 37 semanas de gestação), distocia de

ombro, lesão do plexo braquial, necessidade de terapia intensiva neonatal, hiperbilirrubinemia e

pré-eclâmpsia. O menor limiar glicêmico em jejum, a partir do qual foram avaliadas as complicações

fetais e maternas, foi de apenas 75 mg/dL. Foram calculadas odds ratio ajustadas, correlacionando

os níveis de glicemia encontrados no TOTG com os eventos adversos da gravidez. Foram

demonstradas associações fortes, positivas e lineares, sem um ponto de inflexão, entre glicemias

maternas crescentes de jejum, uma e duas horas após sobrecarga com dextrosol, com criança GIG

e nível de peptídeo C no sangue de cordão acima do percentil 90 (p90). Associações semelhantes,

embora mais fracas, foram demonstradas entre as crescentes glicemias maternas e as taxas de

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cesariana, hipoglicemia neonatal, parto pré-termo, distocia de ombros, parto traumático, admissão

na unidade de terapia intensiva neonatal, hiperbilirrubinemia e pré-eclâmpsia.

Em 2010, a partir dos resultados do estudo HAPO e de outros que analisaram a associação entre

glicemia materna e complicações perinatais, a Associação Internacional de Grupos de Estudos de

Diabetes e Gravidez (IADPSG)3 propôs novos critérios para o diagnóstico do DMG. Os limiares

propostos foram definidos a partir da odds ratio de 1,75. Ou seja, os pontos de corte para o

diagnóstico do DMG seriam os valores médios de glicose nos quais a probabilidade de peso ao

nascer acima do p90, de peptídeo C no sangue de cordão acima do p90 e de gordura corporal

neonatal acima do p90 atingisse 1,75 vezes as chances estimadas desses mesmos resultados serem

encontrados com valores normais de glicose. Por consenso, ficou definido que bastava um valor

alterado no teste de TOTG (jejum, 1h ou 2h após 75 gramas de dextrosol) para ser confirmado o

diagnóstico de DMG. Em 2011, a Associação Americana de Diabetes16 incorporou os critérios

propostos pela IADPSG no seu guideline e, mais tarde, em 2013, a Organização Mundial de Saúde

(OMS)5 reiterou essa recomendação.

Apesar de recente, este estudo revolucionário e os critérios definidos pela IADPSG são alvos de

várias críticas. Alguns autores acreditam que os desfechos maternos e fetais atribuídos à

hiperglicemia materna podem ser secundários a outros fatores de risco, como obesidade, idade

materna avançada ou outras complicações médicas que não a intolerância à glicose. Outro ponto

de crítica é que os novos pontos de corte foram escolhidos de forma consensual e arbitrária, uma

vez que o estudo HAPO demonstrou que a associação entre a glicemia materna e as complicações

perinatais é contínua e linear. Outra questão levantada é que, com a aplicação desses novos

critérios, a prevalência de DMG pode duplicar ou até mesmo triplicar (10 a 37% em alguns centros),

levando à medicalização excessiva da gravidez, aumento das intervenções e dos custos17.

Em meio a esse intenso debate, em 2013 o Instituto Nacional de Saúde (NIH – National Institutes of

Health) passou a recomendar, a partir de um painel de especialistas, o rastreamento do DMG em

dois passos, conforme proposto inicialmente por O’Sullivan. Isto é, rastreamento universal com o

teste de sobrecarga com dextrosol 50 gramas e medida da glicemia sérica 1h após a ingestão,

seguido do teste confirmatório com TOTG de três horas após ingestão de 100 gramas de dextrosol

se rastreamento positivo18.

Vários pontos de corte têm sido sugeridos no teste de rastreamento: 130, 135 ou 140 mg/dL.

Revisão sistemática do U.S. Preventive Services Task Force comparou esses pontos de corte e

encontrou que o valor de 130 mg/dL oferece mais sensibilidade (88-99%), porém menos

especificidade (66-77%) que o ponto de corte de 140 mg/dL19. Nos EUA, o Colégio Americano de

Ginecologistas e Obstetras (American Congress of Obstetricians and Gynecologists - ACOG) defende

o uso desse critério diagnóstico e não indica o diagnóstico por meio de um passo (sobrecarga com

75 gramas)2. Por sua vez, a Associação Americana de Diabetes (ADA), em sua última diretriz, de

20174, recomenda a utilização das duas formas de rastreamento, ou seja, em único passo ou em

dois passos.

Um dos maiores problemas de se utilizar o rastreamento do DMG com a dosagem da glicemia 1h

após ingestão de 50 g de dextrosol é que aproximadamente um quarto das gestantes com DMG

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deixará de ser diagnosticada, pois a única anormalidade que elas apresentam é a glicemia de jejum

elevada5.

Portanto, o melhor critério de rastreamento e diagnóstico de DMG permanece controverso. O

rastreamento deve ser universal, com medida de glicemia de jejum na primeira consulta de pré-

natal. Todas as gestantes com glicemia normal na primeira visita de pré-natal deverão ser

submetidas ao rastreamento para DMG entre 24 e 28 semanas de gestação, podendo-se utilizar

qualquer um destes protocolos: a) em dois passos; b) em um único passo4 (Quadro 2).

QUADRO 2. Rastreamento e Diagnóstico do DMG

Rastreamento com um passo

Administrar 75 g de dextrosol à gestante com glicemia normal na primeira visita de

pré-natal, entre 24 e 28 semanas de gestação, após jejum de no mínimo oito horas. Medir a

glicemia sérica em jejum uma e duas horas após a sobrecarga com dextrosol. Um valor

alterado confirma o diagnóstico de DMG.

Jejum: ≥ 92 mg/dL

1 hora: ≥ 180 mg/dL

2 horas: ≥ 153 mg/dL

Rastreamento com dois passos

Passo 1. Administrar 50 g de dextrosol à gestante com glicemia normal na primeira visita de

pré-natal, entre 24 e 28 semanas de gestação. Não é necessário jejum. Se glicemia

plasmática ≥ 130 mg/dL, 135 mg/dL ou 140 mg/dL&, proceder ao teste confirmatório.

Passo 2. Administrar 100 g de dextrosol à gestante cuja glicemia exceder os limites propostos

no passo 1. Jejum de pelo menos 8h é recomendado. Medir a glicemia sérica em jejum, uma,

duas e três horas após a sobrecarga com dextrosol. Dois ou mais valores alterados confirmam

o diagnóstico de DMG#.

Carpenter e Coustan NDDG

Jejum 95 mg/dL 105 mg/dL

1h 180 mg/dL 190 mg/dL

2h 155 mg/dL 165 mg/dL

3h 140 mg/dL 145 mg/dL

Fonte: adaptado de American Diabetes Association16.

& ACOG recomenda usar o ponto de corte de 135 ou 140 mg/dL. O menor ponto de corte apresenta mais sensibilidade, porém perde em especificidade.

# ACOG recomenda o uso tanto dos pontos de corte definidos por Carpenter e Coustan quanto daqueles definidos pelo NDDG. Porém, parece ser mais vantajoso utilizar os pontos de corte mais baixos.

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Diante da epidemia crescente de obesidade e diabetes entre mulheres em idade reprodutiva, é

muito importante identificar as mulheres que já apresentam, porém desconhecem, diabetes tipo 2

ou intolerância à glicose precocemente na gestação, por meio dos mesmos critérios para as não

gestantes, conforme descrito no Quadro 3.

Como os critérios propostos pelo IADPSG foram derivados do estudo HAPO, com gestantes entre 24

e 32 semanas de gestação, o diagnóstico de DMG na primeira metade da gestação não é baseado

em evidências. Apesar disso, a OMS passou a recomendar, a partir de 2013, que o diagnóstico de

DMG pode ser estabelecido em qualquer fase da gravidez, desde que haja pelo menos um valor

alterado no jejum ou no TOTG após 75 g de dextrosol. O diagnóstico de diabetes mellitus na gravidez

deverá ser estabelecido se glicemia de jejum igual ou acima de 126 mg/dL ou glicemia 2h após 75

gramas de dextrosol igual ou superior a 200 mg/dL ou glicemia ao acaso igual ou superior a 200

mg/dL, na presença de sintomas. Não há critérios estabelecidos para o diagnóstico de “overt

diabetes” baseado na medida de glicemia 1h após dextrosol5.

QUADRO 3. Critérios Diagnósticos para “overt diabetes” ou diabetes mellitus de diagnóstico na

gravidez#

Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL

Glicemia 2h após 75 g dextrosol ≥ 200 mg/dL

Glicemia aleatória em gestante sintomática ≥ 200 mg/dL

Glicohemoglobina& ≥ 6,5%

Fonte: adaptado de American Diabetes Association16

# Os resultados deverão ser confirmados em nova amostra na ausência de inequívoca hiperglicemia.

& A dosagem de glico-hemoglobina deve ser certificada pelo National Glycohemoglobin Standardization Program

(NGSP).

Para as gestantes intolerantes ao teste de sobrecarga com dextrosol, recomenda-se solicitar

periódicas dosagens séricas (ou medidas capilares) de glicemia de jejum e pós-prandial ou, ainda,

usar a medida sérica da glicemia de jejum e da glico-hemoglobina11. Em revisão sistemática da US

Preventive Services Task Force, nenhum valor de glico-hemoblobina no segundo e terceiro

trimestres apresentou sensibilidade e especificidade satisfatórias para que esse exame fosse

incorporado como teste de rastreamento19.

A Secretaria Municipal de Saúde20 e alguns dos serviços de referência no tratamento do diabetes

gestacional de Belo Horizonte adotam o seguinte fluxograma para o rastreamento e diagnóstico de

DMG:

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FLUXOGRAMA 1. Protocolo de rastreamento e diagnóstico de DMG da Secretaria Municipal de

Saúde de Belo Horizonte

Primeira Consulta de Pré-Natal

Glicemia de Jejum

Se ≥ 92 mg/dl Se ≥ 126 mg/dl Se < 92 mg/dl

Repetir o exame Repetir o exame + A1c Exame normal

Se ≥ 92 mg/dl Se ≥ 126 mg/dl e/ou

A1c ≥ 6,5%

Diabetes Mellitus

Gestacional

Curva de tolerância

oral à glicose entre 24-

28 semanas de

gravidez

Diabetes Mellitus de

diagnóstico na gravidez

(provável diabetes

prévio)

GJ ≥ 92 mg/dl

ou

Glicose 1h pós 75gr

dextrosol ≥ 180 mg/dl

Ou

Glicose 2h pós 75gr

dextrosol ≥ 153 mg/dl

Diabetes Mellitus

Gestacional (1 valor

alterado confirma)

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5. TRATAMENTO

Revisões sistemáticas e metanálises de trials randomizados têm demonstrado que o tratamento do

DMG, por meio de terapia nutricional, automonitorização da glicemia e terapia medicamentosa,

pode levar à redução de diversas complicações maternas e fetais, entre elas a pré-eclâmpsia (RR

0,62; IC 95% 0,43-0,89), macrossomia (RR 0,50; IC 95% 0,35-0,71) e distocia de ombro (RR 0,42; 95%

IC 0,23-0,77)21. Outro importante objetivo do tratamento é reduzir o risco do filho de mãe diabética

desenvolver diabetes, obesidade e síndrome metabólica na infância ou idade adulta.

5.1 Terapia nutricional

Cerca de 70 a 80% das gestantes com DMG alcançarão o adequado controle glicêmico apenas com

mudanças no estilo de vida. Sendo assim, a terapia nutricional deve ser prescrita a todas as

gestantes com DMG, tendo como principais objetivos alcançar a normoglicemia, prevenir a cetose,

promover adequado ganho de peso materno e contribuir para o bem-estar fetal.

As orientações dietéticas dependem do peso e da altura da gestante e devem ser individualizadas

para a realidade sociocultural econômica.

Existem poucos estudos que comparam diferentes estratégias de terapia nutricional para o

tratamento do DMG. Em geral, as gestantes com índice de massa corporal (IMC) normal (18-24,9

kg/m2) necessitam de 30 kcal/kg/dia. Para aquelas que se encontram abaixo do peso (IMC < 18

kg/m2), a recomendação é de 40 kcal/kg/dia. Já as gestantes com sobrepeso e obesidade, o

requerimento calórico varia entre 22 e 25 kcal/kg/dia, enquanto que para as mulheres com

obesidade grave (IMC ≥ 40 kg/m2) a restrição calórica é maior, da ordem de 14 kcal/kg/dia (peso

real). Em geral, recomenda-se para as gestantes obesas dieta com no mínimo 1.600 a 1.800 kcal/dia

para prevenção de cetose21,22.

Recomenda-se o fracionamento da dieta em seis refeições (três refeições principais e três lanches,

incluindo uma ceia). O consumo de carboidratos deve ser limitado a 40-45% das calorias totais,

enquanto que as proteínas devem corresponder a 20% e as gorduras a 40% das calorias totais (sendo

< 7% na forma de gordura saturada). A quantidade de carboidratos por refeição pode ser ainda

ajustada conforme os valores de glicemia pós-prandial. E além da redução na quantidade de

carboidrato ingerida em determinada refeição, é possível melhorar a glicemia pós-prandial,

evitando alimentos de índice glicêmico elevado, tais como pão branco, bolos e outros produtos

similares de panificação, batatas e mandioca23.

Em geral, não se recomenda perda de peso na gestação, embora este seja um assunto controverso,

especialmente nos casos de obesidade grave. Sabe-se que diabetes e obesidade são fatores de risco

independentes para crescimento fetal excessivo e pré-eclâmpsia; por isso, o combate ao ganho de

peso excessivo deve ser estimulado. Da mesma forma, o ganho de peso insuficiente também precisa

ser avaliado, devido ao risco aumentado de neonato pequeno para a idade gestacional (PIG).

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As recomendações do Instituto de Medicina (IOM) de ganho de peso ao longo da gravidez e por

trimestre se aplicam às gestantes em geral, inclusive as diabéticas22,24 (Quadro 4).

QUADRO 4. Recomendações do Instituto de Medicina (IOM) de ganho de peso total e semanal, por

trimestre de gravidez, de acordo com o IMC prévio à gestação

IMC prévio à gestação

(Kg/m2)

Ganho de peso total

(kg)

Ganho de peso semanal no segundo e terceiro trimestres

(kg/semana)

< 18,5 12,5 a 18 0,51 (0,44-0,58)

18,5 a 24,9 11,5 a 16 0,42 (0,35-0,50)

25 a 29,9 7 a 11,5 0,28 (0,23-0,33)

30 5 a 9 0,22 (0,17-0,27)

Fonte: Rasmussen KM et al24.

5.2 Atividade física

Exercícios aeróbicos e de resistência beneficiam o controle da glicemia pré e pós-prandial, pois

melhoram a sensibilidade periférica à insulina. Além dos benefícios no controle glicêmico, os

exercícios físicos contribuem para o controle do peso e aumentam o bem-estar. Gestantes sem

contraindicações obstétricas devem realizar pelo menos 30 minutos diários de atividade física.

5.3 Automonitorização da glicemia

Assim que o diagnóstico de DMG estiver confirmado, a gestante deverá iniciar a automonitorização

da glicemia com no mínimo quatro medidas diárias (jejum e de uma ou duas horas após as principais

refeições). A medida da glicemia de jejum e pós-prandial demonstra superioridade em relação à

medida da glicemia de jejum e pré-prandial, conforme demonstrado em estudo prospectivo25.

Foram observados melhor controle glicêmico, menor incidência de feto GIG, baixo risco de pré-

eclâmpsia e reduzida taxa de cesariana por desproporção cefalopélvica quando a medida pós-

prandial é realizada. Os dados são limitados quanto ao melhor horário da medida de glicemia pós-

prandial (1 ou 2h após a refeição). As gestantes com diabetes preexistente, em uso de insulina

subcutânea basal-bolus e aquelas em uso de bomba de infusão contínua de insulina deverão

acrescentar na automonitorização as glicemias pré-prandiais.

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Se a gestante manifestar ótimo controle glicêmico apenas com terapia nutricional, pode-se orientá-

la a reduzir a frequência de monitorização da glicemia capilar (por exemplo, medidas de glicemia

em dias alternados ou três vezes por semana).

As evidências mostram-se favoráveis à glicemia de jejum abaixo de 90 mg/dL, no que diz respeito à

redução do risco de macrossomia, de hipoglicemia neonatal e de pré-eclâmpsia26. O estudo HAPO

descreveu relação muito forte e consistente entre hiperglicemia de jejum e macrossomia, com risco

cinco vezes mais alto de macrossomia quando a glicemia de jejum atingia o nível entre 100 e 105

mg/dL, comparado às gestantes com glicemia de jejum inferior a 75 mg/dL.

Os alvos de glicemia recomendados pelo V Workshop Internacional de Diabetes Mellitus

Gestacional27 e pela última diretriz da ADA4 são:

Jejum ≤ 95 mg/dL

1h pós-prandial ≤ 140 mg/dL

2h pós-prandial ≤ 120 mg/dL

Glico-hemoglobina < 6%

Entretanto, a ACOG2 recomenda meta de glicemia de jejum mais baixa, de 90 mg/dL ou menos.

5.4 Monitorização laboratorial

Devido à redução fisiológica da meia-vida das hemácias e ao aumento da volemia materna, os níveis

de glico-hemoglobina esperados são mais baixos na gravidez em relação à mulher não grávida. A

glico-hemoglobina pode ser dosada mensalmente na gravidez e um alvo inferior a 6% no segundo e

terceiro trimestres associa-se a baixo risco de macrossomia e de outras complicações. Como ela

reflete a média integrada da glicemia do último mês, ela jamais deve substituir a automonitorização

da glicemia, devendo ser utilizada como um exame secundário no acompanhamento da gestante

diabética.

5.5 Tratamento medicamentoso

5.5.1 Insulinoterapia

Dois trials randomizados e controlados têm evidenciado redução no risco de neonato GIG, distocia

de ombro, pré-eclâmpsia e cesariana em gestantes diabéticas tratadas com insulina, em

comparação às gestantes tratadas apenas com dieta28,29. Existem poucos trabalhos que avaliaram

os benefícios do tratamento seguindo os novos critérios diagnósticos propostos pela IADPSG.

Recente estudo retrospectivo reafirma os benefícios da insulinoterapia nas gestantes com DMG que

preenchem os critérios diagnósticos da IADPSG. Neste trabalho, as taxas de macrossomia, criança

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GIG e PIG, distocia de ombro e prematuridade extrema entre as gestantes diabéticas tratadas com

insulina foram similares às taxas das gestantes com tolerância normal à glicose30.

Em geral, 15 a 30% das gestantes com DMG necessitarão de terapia farmacológica para o adequado

controle das glicemias e redução dos riscos maternos e fetais relacionados à hiperglicemia materna.

A insulina é considerada a terapia de primeira linha no tratamento do DMG (categoria A pela FDA).

Quando se observam três ou mais medidas de glicemia acima das metas na última semana, apesar

da adesão à terapia nutricional, está recomendada a prescrição da insulina. Está também indicada

em caso de macrossomia à ultrassonografia, isto é, circunferência abdominal fetal acima do

percentil 75, mesmo nos casos de hiperglicemia leve27.

Em geral, o esquema de insulina a ser prescrito envolve uma insulina de ação intermediária (insulina

NPH) e uma insulina de ação rápida (insulina regular). Essas insulinas são preparações de baixa

imunogenicidade, não atravessam a placenta e não são teratogênicas. As insulinas ultrarrápidas

Lispro e Aspart, aprovadas para uso na gestação, apresentam algumas vantagens em relação ao uso

da insulina regular, como melhor controle da glicemia pós-prandial e baixo risco de hipoglicemia

pós-prandial tardia. Já as insulinas de longa ação (Glargina, Determir, Degludeca) não foram

extensamente estudadas na gravidez. Destas, a única com aprovação da FDA para uso na gravidez

é a Detemir (categoria B). Estudos in vitro têm demonstrado que a insulina Glargina não atravessa

a placenta e alguns estudos observacionais reafirmam a segurança do seu uso na gravidez; porém

continua sendo classificada como categoria C pela FDA.

A dose de insulina varia conforme o peso da gestante, características étnicas e demográficas, grau

de hiperglicemia, adesão à terapia nutricional e idade gestacional. Em geral, a dose total varia de

0,7 a 2,0 UI/kg/dia. A proporção de insulina de ação intermediária (ou análogo de ação lenta) e de

insulina de ação rápida pode variar de 2:1 ou 1:131 (Quadro 5).

QUADRO 5. Orientações práticas de prescrição de insulina na gravidez

Apenas glicemia de

jejum elevada

Iniciar insulina de ação intermediária (NPH) ou a Detemir antes de

dormir (bedtime) na dose de 0,1 a 0,2 UI/kg (peso real).

Se apenas glicemias

pós-prandiais

elevadas

Iniciar insulina de ação rápida (regular) ou ultrarrápida (Lispro e

Aspart) na dose de aproximadamente 1 a 1,5 unidade para cada

10 gramas de carboidrato.

Se todas as medidas

encontram-se

elevadas& (pré e

pós-prandial)

Insulinização plena com insulina de ação intermediária (duas a

três doses por dia) e insulina de ação rápida ou ultrarrápida antes

das principais refeições#:

Até 12 semanas: 0,7 UI/kg

13 a 26 semanas: 0,8 UI/kg

27 a 40 semanas: 0,9 a 1,0 UI/kg

Fonte: Da autora.

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# Em gestantes muito obesas, podem ser necessárias doses mais altas de insulina (1,5 a 2,0 UI/kg).

& Se hiperglicemia pré e pós-prandial presente, mas em níveis não muito elevados e, principalmente, se gestante encontra-se na primeira metade da gestação, pode-se iniciar com doses mais baixas de insulina (0,3 a 0,5 UI/kg).

O ajuste nas doses de insulina deverá ser realizado conforme as medidas da automonitorização. Em

caso de glicemias persistentemente elevadas, recomenda-se aumento de 10-20% na dose total de

insulina, com reavaliação da gestante em curto intervalo de tempo (uma semana ou menos).

As gestantes em uso de insulina, assim como seus familiares, deverão ser orientadas para o

reconhecimento dos sinais de hipoglicemia (definida como glicemia abaixo de 70 mg/dL).

Raramente a gestante obesa com DMG apresenta hipoglicemia, diferentemente das gestantes

portadoras de DM tipo 1, que são mais propensas. Diante de hipoglicemia confirmada, a gestante

deverá ingerir lanche que contenha 15 a 20 gramas de carboidrato e uma fonte proteica, a fim de

se evitar rápida elevação da glicemia seguida de rápido declínio quando apenas a sacarose é

utilizada.

5.5.2 Hipoglicemiantes orais

Estudos controlados e randomizados publicados nos últimos anos têm descrito que os

hipoglicemiantes orais glibenclamida e metformina são eficazes no controle glicêmico e apresentam

segurança materna e fetal de curto prazo, apesar de ambos atravessarem a placenta. Dados de

segurança de longo prazo são escassos ou não estão disponíveis.

5.5.2.1 Glibenclamida

Trata-se de uma sulfoniureia de segunda geração que aumenta a secreção pancreática de insulina.

A concentração da glibenclamida no sangue de cordão umbilical é de aproximadamente 70% do

nível materno32. Atualmente, a glibenclamida é classificada como categoria C pela FDA.

Um dos primeiros estudos randomizados e controlados comparando o uso da glibenclamida com

insulina na gravidez avaliou cerca de 400 gestantes com DMG. Não foi encontrada diferença no

controle glicêmico e nos desfechos maternos e fetais entre os dois grupos de tratamento. A taxa de

falha terapêutica com a glibenclamida foi extremamente baixa (6%)33. Posteriormente, outros

estudos não encontraram resultados tão animadores, sendo observado aumento do risco de

admissão do neonato em unidades de cuidados intensivos, alto risco de macrossomia e neonatos

grandes para a idade gestacional (GIG), além de alto risco de taquipneia transitória34,35. A taxa de

falha terapêutica chegou a 37%34. Metanálise de sete estudos randomizados e controlados

englobando 798 casos de DMG tratados com glibenclamida ou com insulina encontrou maior peso

ao nascimento, alto risco de macrossomia (RR 2,62; IC95% 1,35 a 5,08) e alto risco de hipoglicemia

neonatal (RR 2,04; IC95% 1,30-3,20) no grupo da glibenclamida, comparado ao grupo tratado

apenas com insulina. A taxa de falha terapêutica com a glibenclamida, ou seja, necessidade de

insulinização para adequado controle glicêmico, foi de 6,37%36. Faltam, entretanto, estudos de

segurança de longo prazo com a glibenclamida.

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5.5.2.2 Metformina

Trata-se de uma biguanida que age a partir da inibição da gliconeogênese hepática e do estímulo à

captação periférica de glicose. A metformina atravessa livremente a barreira placentária,

alcançando concentrações fetais 50% superiores àquelas detectadas no sangue materno37,38.

Estudos com portadoras de síndrome dos ovários policísticos (SOP) têm obtido segurança do uso da

metformina no período preconcepcional e nas fases mais precoces da gestação, sem relatos de

teratogenicidade39,40. Atualmente é classificada como categoria B pela FDA.

O mais importante estudo da metformina na gravidez (MiG Trial) alocou mais de 750 gestantes com

DMG, distribuindo-as randomicamente em dois grupos: tratamento com metformina e tratamento

com insulina. O grupo de mães tratado com metformina apresentou menor taxa de hipoglicemia

neonatal (3,3% vs 8,1%, p < 0,008), alta taxa de parto pré-termo (12,1%x 7,6%, p 0,04), menos ganho

de peso materno e alta taxa de falha terapêutica (46,3%)41. As crianças foram seguidas até os dois

anos de idade e foi constatada elevada taxa de gordura corporal subcutânea nas crianças expostas

in utero à metformina, sem alteração nos índices de gordura corporal total42. Outros estudos

evidenciaram maior peso na idade de um ano e maiores níveis de glicemia de jejum aos oito anos

de idade, comparados aos filhos de mulheres não expostos à metformina na gravidez43,44. Estudo

prospectivo com 126 crianças filhas de mães com SOP que foram expostas à metformina na gestação

não registrou correlação dessa exposição com peso, altura, atividade motora e comportamento

infantil aos 18 meses de idade45. São necessárias mais pesquisas para se determinar a segurança no

longo prazo do uso da metformina na gravidez.

Metanálise que englobou sete trials que compararam metformina e insulina no tratamento do DMG

encontrou dados favoráveis à metformina, no que diz respeito a menos ganho de peso materno,

baixos índices de hipertensão gestacional, baixo risco de hipoglicemia neonatal grave e melhor

controle da glicemia pós-prandial. Entretanto, as gestantes tratadas com metformina apresentaram

alto risco de parto pré-termo, menor idade gestacional no parto e altas taxas de falha terapêutica

(33,8%)36,

A ADA, em seu mais recente guideline4, recomenda a insulina como medicamento de primeira

escolha no tratamento do DMG. O documento sugere que, caso os hipoglicemiantes orais sejam

prescritos, a gestante deverá ser informada sobre a livre passagem transplacentária das drogas e

sobre a ausência de dados de segurança de longo prazo.

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6. ACOMPANHAMENTO E PREPARAÇÃO PARA O PARTO

A frequência do controle obstétrico e endócrino dependerá do controle glicêmico e da presença ou

não de sinais de comprometimento fetal. Mulheres com DMG podem inicialmente ser controladas

a cada duas semanas. Aquelas que se encontram com controle glicêmico insatisfatório, assim como

as gestantes com diabetes pré-gestacional, poderão necessitar de controle semanal. A partir de 36

semanas o controle deverá ser semanal para todas as gestantes.

A avaliação fetal dependerá da gravidade e das condições metabólicas da gestante. A

ultrassonografia (US) deverá ser realizada por volta da 11ª semana para medida da translucência

nucal, por volta de 20 a 24 semanas para avaliação morfológica e no início do terceiro trimestre (28

semanas), para rastrear o crescimento fetal, devendo ser repetida a cada quatro semanas. O termo

“grande para a idade gestacional – GIG” é definido como peso fetal acima do percentil 90. Define-

se macrossomia como circunferência abdominal fetal igual ou superior ao percentil 75 ou recém-

nascido com peso de 4.000 gramas ou mais, independentemente da idade gestacional. Ambos

aumentam o risco de tocotraumatismos e distúrbios metabólicos neonatais, como a hipoglicemia46.

O peso fetal estimado por meio da US não é um parâmetro muito preciso, de forma que podem

ocorrer superestimativas do peso fetal e mais indução de parto cirúrgico ou pré-termo. Outros

dados importantes que refletem o bem-estar fetal em relação ao controle metabólico materno são

a medida da circunferência abdominal, a relação da circunferência cefálica sobre a circunferência

abdominal, o volume de líquido amniótico e a massa placentária. A última norma técnica do

Ministério da Saúde sobre Gestação de Alto Risco recomenda a realização de cardiotocografia basal

ou a medida do perfil biofísico fetal (PBF) por meio da US a partir de 32 semanas e, a seguir, uma a

duas vezes por semana até o termo. A realização do doppler da artéria umbilical fetal está

recomendada para as gestantes diabéticas com vasculopatia47.

Outro exame que poderá auxiliar o acompanhamento da gestante diabética em uso de insulina e

com mau controle metabólico é a análise do líquido amniótico pela amniocentese. Nesse

procedimento será possível avaliar a maturidade pulmonar fetal a partir da dosagem da relação

lecitina/esfingomielina (relação L/E) e da dosagem do fosfatidilglicerol. Porém, trata-se de exames

pouco disponíveis e com riscos inerentes ao procedimento.

O momento ideal para o parto da gestante diabética não tem sido bem avaliado e as evidências

científicas disponíveis não são muito robustas. Em geral, as gestantes em ótimo controle glicêmico

apenas com terapia nutricional e sem outras intercorrências na gravidez poderão aguardar a

evolução espontânea do parto. Já as gestantes diabéticas em uso de insulina ou hipoglicemiante

oral parecem beneficiar-se da indução do parto com 39 semanas de gestação. Porém, as gestantes

diabéticas com controle metabólico inadequado, vasculopatia, hipertensão e história de natimorto

anterior poderão ter o parto antecipado até a 38ª semana. A via do parto é uma decisão obstétrica.

Se o peso fetal estimado pela US for de 4.500 gramas ou mais, pode-se considerar a realização de

cesariana47.

Durante o trabalho de parto, é muito importante controlar a glicemia materna, pois a hiperglicemia

aumenta o risco de acidemia fetal e de hipoglicemia neonatal48. Em geral, a necessidade de insulina

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no dia do parto é menor e varia com o tipo de diabetes e com a fase do parto (latente ou ativa). As

gestantes portadoras de DMG e DM tipo 2 geralmente produzem quantidade suficiente de insulina

para manter a euglicemia durante a fase ativa do parto, sem necessidade de insulina suplementar.

Já as gestantes diabéticas tipo 1 requerem insulina basal exógena para manter a euglicemia e

prevenir a cetoacidose diabética.

A maioria das recomendações de controle glicêmico intraparto baseia-se em estudos retrospectivos

e na experiência dos serviços. Em geral, recomenda-se manter a glicemia materna entre 70 e 120

mg/dL.

Seguem-se as orientações de manejo da glicemia intraparto da gestante diabética em tratamento

farmacológico47,48:

6.1 Gestante diabética em trabalho de parto espontâneo

Glicemia capilar à admissão.

Suspender o uso das doses habituais de insulina se DMG ou DM tipo 2.

Permitir dieta líquida na fase latente do parto.

Monitorar glicemia capilar de 2/2h – 4/4h na fase latente e 1/1h na fase ativa.

Se glicemia capilar < 70 mg/dL, iniciar infusão de solução de glicose a 5% a 100-150 mL/h.

Se glicemia capilar > 120 mg/dL, aplicar insulina regular ou ultrarrápida por via subcutânea ou

iniciar infusão contínua de insulina intravenosa e ajustar a dose conforme a glicemia capilar.

Considerar o grau de resistência insulínica (tipo de diabetes, dose total de insulina, peso) para

definir a dose do bolus-correção.

6.2 Gestante diabética com indução programada do parto

A indução deve ser programada para o início da manhã.

Liberar dieta leve no café da manhã.

Manter a dose de insulina na noite anterior (exceto se uso de insulina de longa ação, cuja dose

noturna deverá ser reduzida em 50%).

Aplicar na manhã da indução a metade da dose usual de insulina de ação intermediária ou de

longa ação.

Monitorar glicemia capilar de 2/2h na fase latente, de 1/1h na fase ativa e realizar as correções

necessárias.

Se a dieta estiver suspensa, iniciar solução de glicose a 5% para manter a glicemia capilar inferior

a 120 mg/dL.

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6.3 Cesariana programada

A cesariana deve ser programada para o início da manhã.

Suspender a dieta na noite anterior e manter a dose de insulina usual na noite anterior (exceto

se uso de insulina de longa ação, cuja dose noturna deverá ser reduzida em 50%).

Suspender a insulina da manhã se DMG ou DM tipo 2.

Se DM tipo 1 ou quando a cesariana for realizada no fim da manhã ou à tarde, aplicar cerca de

metade a 1/3 da dose de insulina basal e iniciar solução de glicose a 5% para evitar cetose.

Monitorar a glicemia a cada uma ou duas horas e realizar as correções necessárias.

7. ACOMPANHAMENTO NO PÓS-PARTO

Após a retirada da placenta, a resistência insulínica cai dramaticamente, culminando com suspensão

ou redução das doses de insulina. No caso das puérperas com DM tipo 1 ou DM tipo 2 que já faziam

uso de insulina antes da gravidez, recomenda-se reduzir a dose total em cerca de 50%. Em

contrapartida, a maioria das mulheres com DMG apresentará glicemia normal após o parto, sendo,

portanto, recomendada a suspensão da insulina imediatamente após o parto. A glicemia capilar

deverá ser monitorada por 24 a 72 horas após o parto para afastar “overt diabetes”.

Cerca de 20% das mulheres com história de DMG terão tolerância prejudicada à glicose nos

primeiros anos de pós-parto. E o risco relativo de DM tipo 2 cinco anos ou mais após o parto chega

a ser nove vezes maior que em mulheres com história de gestação normoglicêmica. São fatores que

elevam o risco de DM tipo 2 após o diagnóstico de DMG: IMC ≥ 30 kg/m2, uso de insulina na gravidez,

diagnóstico de DMG em idade gestacional precoce e em mais de uma gestação4.

As principais diretrizes recomendam o seguimento de longo prazo de todas as mulheres com história

de DMG. As medidas de glicemia de jejum e o teste de tolerância oral à glicose, com dosagem da

glicemia 2h após ingestão de 75 g de dextrosol, deverão ser realizados quatro a 12 semanas após o

parto. Se nessa primeira avaliação o resultado for normal, novos testes de rastreamento de DM

deverão ser realizados a cada um a três anos2,4.

Para reduzir os riscos de DM tipo 2 e doenças cardiovasculares em médio e longo prazo, é

importante estimular o aleitamento materno e alimentação mais saudável, alcançar o peso ideal e

praticar exercícios físicos regularmente.

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8. DIABETES PRÉ-GESTACIONAL

O diabetes mellitus pré-gestacional pode resultar em graves complicações maternas e fetais,

incluindo malformações congênitas, abortamento, parto pré-termo, pré-eclâmpsia, macrossomia e

mortalidade perinatal aumentada. A hiperglicemia materna nas primeiras 10 semanas de gravidez,

período da organogênese, associa-se a risco aumentado de embriopatia diabética, caracterizada

principalmente por anencefalia, microencefalia, cardiopatias congênitas e síndrome de regressão

caudal. Portanto, as mulheres diabéticas em idade reprodutiva deverão ser frequentemente

aconselhadas e educadas sobre a importância de se obter excelente controle glicêmico antes da

concepção. O médico deverá estar atento aos seguintes itens no aconselhamento

preconcepcional49:

Somente liberar a gravidez quando se alcançar ótimo controle glicêmico, com glico-

hemoglobina ≤ 6,5%.

Iniciar suplementação do ácido fólico em altas doses (5 mg/dia) três a seis meses antes da

concepção e mantê-la durante o primeiro trimestre de gestação.

Ajustar as medicações para o tratamento do diabetes e das doenças associadas, sempre com

foco na segurança fetal (por exemplo, descontinuar determinados hipoglicemiantes orais não

liberados na gravidez, descontinuar ou substituir os inibidores da conversão da angiontensina

e os bloqueadores da angiotensina, descontinuar as estatinas e fibratos).

Avaliação e tratamento adequado das complicações associadas ao diabetes, como retinopatia,

nefropatia e neuropatia.

Oferecer efetiva contracepção enquanto se aguarda a liberação para a gravidez.

As mudanças metabólicas e vasculares induzidas pela gravidez podem levar ao desenvolvimento ou

agravamento das complicações microvasculares associadas ao diabetes. Por isso, é muito

importante que antes de engravidar a mulher diabética faça avaliação das complicações crônicas e

efetue o tratamento das alterações encontradas antes da concepção.

Estudo prospectivo ressaltou que 10% das gestantes sem alterações prévias no exame de fundo de

olho desenvolveram retinopatia e 55% daquelas com retinopatia não proliferativa moderada a grave

exibiram progressão50. Portanto, recomenda-se a realização de fundoscopia na preconcepção ou no

início do primeiro trimestre da gestação, exames subsequentes no segundo e terceiro trimestres e

por até um ano após o parto.

Gestantes com DM e ausência de albuminúria apresentam baixo risco de desenvolverem nefropatia

diabética durante a gravidez. Já aquelas com DM e nefropatia podem manifestar piora transitória

da proteinúria, retornando ao valor basal após o parto. A situação mais dramática ocorre com as

gestantes diabéticas com hipertensão mal controlada e/ou baixo clearance de creatinina e

proteinúria grave (creatinina > 1,5 mg/dL e proteinúria > 3 gramas em 24h), pois o risco de dano

renal permanente é elevado.

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Em geral, a gestação não agrava o curso da neuropatia. As gestantes com neuropatia autonômica

são um desafio para o médico assistente, uma vez que elas têm risco aumentado de hiperêmese

gravídica, hipoglicemias assintomáticas e hipotensão ortostática. A gastroparesia é outra

complicação que pode afetar o controle glicêmico na gravidez, tornando-o extremamente instável.

Ademais, a gastroparesia é uma das poucas contraindicações relativas à gravidez entre mulheres

com diabetes pré-gestacional, pelo risco aumentado de descontrole glicêmico, cetoacidose, perda

de peso e má-nutrição.

A gravidez é um estado cetogênico. Mulheres com DM tipo 1 e, em menor extensão, mulheres com

DM tipo 2 estão em risco aumentado de desenvolverem cetoacidose diabética com níveis de

glicemia mais baixos comparadas às mulheres diabéticas não grávidas. As gestantes devem ser

orientadas a fim de se prevenir essa grave complicação aguda e de elevada morbimortalidade para

mãe e feto.

Em relação ao tratamento da gestante com diabetes pré-gestacional, a insulina é o agente preferível

para DM tipo 1 e DM tipo 2. No primeiro trimestre, devido ao aumento da sensibilidade à insulina,

é frequente a necessidade de redução da dose total diária de insulina, particularmente nas

gestantes com DM tipo 1, que são mais propensas à hipoglicemia. No segundo trimestre, o aumento

da resistência insulínica induzido por hormônios placentários leva ao aumento expressivo das doses

de insulina, enquanto que no fim do terceiro trimestre é comumente necessária pequena redução

das doses. As metas glicêmicas são similares às metas do DMG, porém em diabéticas tipo 1 essas

metas poderão ser individualizadas se risco elevado de hipoglicemia. A automonitorização é

extremamente importante, sendo necessárias medidas de glicemia pré e pós-prandiais.

Grávidas diabéticas e hipertensas crônicas deverão manter a pressão sistólica entre 120 e 160

mmHg e a pressão diastólica entre 80 e 105 mmHg. Níveis pressóricos mais baixos podem se associar

a prejuízo do crescimento fetal. Os anti-hipertensivos seguros na gravidez incluem metildopa,

labetalol, anlodipino, nifedipina, diltiazem, clonidina e prazosin. Diuréticos devem ser evitados pelo

risco de redução da perfusão uteroplacentária. Inibidores da enzima conversora de angiotensina e

os bloqueadores do receptor de angiontensina estão contraindicados em todas as fases da gravidez,

pois podem causam displasia renal fetal, oligoidrâmnio e restrição do crescimento intrauterino. As

estatinas estão contraindicadas em todas as fases da gestação e durante a lactação4.

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9. CONCLUSÃO

O diabetes gestacional é uma alteração metabólica frequente na gravidez e traz sérios riscos à saúde

materna e fetal quando não adequadamente tratado. A hiperglicemia materna associa-se a risco

aumentado de macrossomia, pré-eclâmpsia, distocia de ombro, hipoglicemia neonatal, além de

risco aumentado de desenvolvimento de diabetes, obesidade e doenças cardiovasculares nos filhos

expostos à hiperglicemia intraútero. Os critérios diagnósticos ainda são controversos, mas em geral

deve-se realizar glicemia de jejum na primeira consulta de pré-natal. E, se exame normal, proceder

ao teste de sobrecarga com dextrosol, em um ou dois passos, entre 24 e 28 semanas de gravidez.

Os pilares do tratamento são a terapia nutricional e a automonitorização da glicemia. Das gestantes,

20 a 30% necessitarão de terapia farmacológica, sendo a insulina o tratamento de primeira escolha.

A prescrição dos hipoglicemiantes orais, metformina e glibenclamida, deve ser restrita e

individualizada, pois ambos atravessam livremente a barreira placentária e não existem estudos de

segurança de longo prazo.

Sumário executivo

Diabetes mellitus de diagnóstico na gravidez ou “overt diabetes” é definido como a

hiperglicemia de identificação precoce na gravidez e que preenche os critérios diagnósticos de

diabetes para a população não gestante.

Diabetes mellitus gestacional (DMG) é definido como a hiperglicemia de diagnóstico na segunda

metade da gravidez, sendo geralmente uma alteração glicêmica transitória que se normaliza

após o parto.

DMG também compreende a hiperglicemia precoce na gravidez que não preenche os critérios

diagnósticos para “overt diabetes”. Esse é um conceito sem validação, uma vez que se baseia

em extrapolação dos dados obtidos nos estudos com gestantes diabéticas no segundo e terceiro

trimestres.

O rastreamento para DMG deve ser aplicado universalmente a todas as gestantes, a partir da

glicemia de jejum na primeira visita de pré-natal.

Se a primeira glicemia de jejum for normal, deve-se proceder ao rastreamento do DMG entre

24 e 28 semanas de gravidez, usando a estratégia em dois passos ou em um passo.

ADA, OMS e SBD recomendam a estratégia em um passo: glicemia de jejum, uma e duas horas

após 75 gramas de dextrosol, sendo um valor alterado diagnóstico de DMG.

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ACOG e NIH, assim como a ADA, recomendam a estratégia em dois passos: rastreamento com

50 gramas de dextrosol e teste confirmatório com dosagem da glicemia em jejum, uma, duas e

três horas após ingestão de 100 gramas de dextrosol para aquelas gestantes com rastreamento

positivo (glicemia 1h após dextrosol acima de 130-140 mg/dL).

Se a glicemia de jejum da primeira visita de pré-natal for igual ou superior a 126 mg/dL,

confirmar o resultado em nova amostra e solicitar glico-hemoglobina. Se nova glicemia de jejum

≥ 126 mg/dL e/ou glico-hemoglobina ≥ 6,5%, estabelece-se o diagnóstico de “overt diabetes”

ou diabetes mellitus de diagnóstico na gravidez (pressupõe DM tipo 2 preexistente).

A terapia nutricional deve ser individualizada para o peso e para o IMC da gestante, assim como

para a situação socioeconômica-cultural. Os objetivos da terapia nutricional são o controle

glicêmico adequado, controle do ganho de peso e prevenção de cetose.

A atividade física leve a moderada deve ser estimulada, desde que não existam contraindicações.

A gestante deverá medir a glicemia quatro vezes ao dia, isto é, em jejum e uma ou duas horas

após as refeições principais. Gestantes com esquemas de insulina mais complexos deverão

medir também as glicemias pré-prandiais.

A terapia farmacológica está indicada quando o controle glicêmico adequado não é alcançado

com a terapia nutricional e em caso de macrossomia à ultrassonografia, mesmo se

hiperglicemia leve.

As metas de controle no DMG e “overt diabetes” são: jejum < 95 mg/dL, 1h pós-prandial < 140

mg/dL e 2h pós-prandial < 120 mg/dL.

Insulinoterapia é o tratamento farmacológico de primeira escolha na gravidez. Os hipoglicemiantes

orais podem ser considerados uma alternativa terapêutica quando há recusa por parte da gestante

do uso da insulina ou a gestante é incapaz de compreender a prescrição de insulina.

Metformina é classificada como categoria B pela FDA e não é aprovada na gravidez. A taxa de

falha terapêutica é elevada, sendo que mais de 40% das gestantes necessitarão de insulina para

alcançar o controle glicêmico desejado.

Glibenclamida é classificada como categoria C pela FDA e não é aprovada na gravidez. Atravessa

livremente a placenta e associa-se a alto risco de macrossomia, feto GIG e hipoglicemia

neonatal, quando comparada à insulina e à metformina. Não há estudos de segurança de longo

prazo para a utilização dos hipoglicemiantes orais na gravidez.

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