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Diagnóstico preliminar da caça de subsistência existente no Seringal São Francisco do
Espalha (SSFE), Rio Branco (AC).
Armando Muniz Calouro
Rodrigo Marciente
1. Introdução
A carne de caça é a maior fonte de proteína animal consumida pelos povos tradicionais da
Amazônia (ROBINSON & BENNETT, 1999; PERES, 2000), especialmente onde a pesca é escassa
ou fortemente influenciada pela sazonalidade (PERES & DOLMAN, 2000; CALOURO &
MARINHO-FILHO, 2005). Entre os principais animais caçados pelas comunidades tradicionais
destacam-se os grandes mamíferos (os ungulados - queixadas, veados e antas; os primatas e
algumas espécies de roedores de maior porte, tais como as pacas e as cutias), as aves (mutuns,
jacamins, jacus e nambus) e os répteis (e.g. jabutis) (REDFORD, 1992).
De acordo com estudos realizados na Bacia Amazônica, a biomassa total da fauna e o número
de indivíduos dentro de cada táxon declinam significativamente à medida que a pressão de caça se
intensifica, principalmente quando os dados analisados referem-se aos mamíferos de grande porte,
como os ungulados (BODMER, 1995). Sendo assim, as populações destas espécies são as primeiras
a serem afetadas quando a atividade de caça torna-se intensa (LOPES & FERRARI, 2000), o que
pode levar à extinção local no caso das espécies com baixas taxas reprodutivas, tais como mutuns,
antas, barrigudos e macacos-pretos (PERES, 2000).
No entanto, a questão que precisa ser analisada é se as populações animais podem sustentar as
necessidades protéicas das comunidades rurais da região. Afinal, até que ponto a atividade de caça
encontra-se em níveis aceitáveis de exploração, sem que ocorra a perda da biodiversidade? Em
florestas tropicais, considera-se que a capacidade de suporte para habitantes dependentes
exclusivamente da caça (ou seja, localidades onde a pecuária de subsistência é inexistente ou pouco
expressiva) não deve exceder uma pessoa por quilômetro quadrado (km²), sob condições de alta
produção natural (ROBINSON & BENNETT, 1999). Entretanto, além da densidade humana,
também podem afetar essa sustentabilidade o histórico de ocupação, a acessibilidade, a
disponibilidade de outras fontes protéicas, a presença de tabus alimentares, as técnicas de caça
utilizadas e as respectivas seletividades de captura (JEROZOLIMSKI & PERES, 2003), o que
acaba por se refletir em diferentes modos de se avaliar essa sustentabilidade (BODMER &
ROBINSON, 2004).
Outro aspecto de importância nesse questionamento sobre a capacidade de suporte dos recursos
vindos da caça é a necessidade de se monitorar a pressão exercida pela caça sobre as populações
animais. Esse monitoramento é que fornecerá a base para um manejo participativo (TOWNSEND,
2004), com a adoção de medidas de gestão discutidas e implementadas pelos próprios moradores,
tais como a escolha de áreas-fonte dentro da Unidade de Conservação (áreas sem pressão de caça) e
a adoção de procedimentos de fiscalização.
Nesse contexto, um dos objetivos do Zoneamento Econômico Ambiental Social e Cultural
(ZEAS) de Rio Branco (AC) foi o de usar informações disponíveis em estudos faunísticos para
embasar o planejamento ambiental do município. Todavia, as pesquisas e levantamentos de
mastofauna no município são, de modo geral, escassas. A maior parte das pesquisas abordando
mamíferos foi realizada nos limites de municípios vizinhos, tais como as realizadas na Fazenda
Experimental Catuaba (Senador Guiomard), na Reserva Florestal Humaitá (Porto Acre), no Seringal
Cachoeira (Xapuri) e na Floresta Estadual do Antimary (Bujari) (CALOURO, 2000, 2005;
CALOURO & MARINHO-FILHO, 2005; CHAVES, 1998, 1999; GARBER & LEIGH, 2001;
REHG, 2006; ROSAS & DRUMOND, 2007). Como o objetivo da maioria das pesquisas citadas foi
o de avaliar os efeitos da caça sobre as populações de mamíferos de médio e grande porte, os
pesquisadores procuraram grandes maciços florestais ocupados por populações de extrativistas ou
grandes fragmentos florestais cercados por Projetos de Assentamento, áreas difíceis de encontrar
nas proximidades da cidade de Rio Branco.
Diante do exposto, o ZEAS procurou realizar um levantamento de mamíferos em uma área do
município de Rio Branco onde a atividade antrópica fosse mínima e a estrutura da comunidade de
mamíferos de médio e grande porte estivesse, em princípio, preservada. O Seringal São Francisco
do Espalha apresenta parcialmente essas características, já que é possível considerar como reduzida
a pressão de caça de subsistência exercida pelos moradores locais, pois a densidade humana é
relativamente baixa e o acesso é difícil, como será discutido a seguir. Sendo assim, o presente
estudo buscou, via informações coletadas através de um questionário aplicado aos moradores do
Seringal São Francisco do Espalha (SSFE), levantar as principais espécies de mamíferos e de aves
caçadas, além da discussão de aspectos sazonais que afetam a preferência de caça, de modo a
sugerir um monitoramento participativo das atividades relacionadas à caça de animais silvestres no
SSFE.
2. Material e Métodos
O levantamento foi realizado de 19 a 24 de setembro de 2007 no SSFE. A área possui 29.645,98
ha (10º12’00”S, 68º47’00”W) e localiza-se no município de Rio Branco, Acre. Em 2007 a
população humana era formada por 27 famílias, totalizando 163 moradores (segundo informações
do ZEAS – Eixo de Sócio Economia). É possível subdividir esses moradores em quatro regiões
dentro do SSFE, conforme adensamento populacional e vias de acesso (Figura 1).
Figura 1. Seringal São Francisco do Espalha (SSFE), destacando-se regiões de adensamento populacional.
Foi elaborado um questionário, adaptado de CALOURO (1999), com ilustrações de 27 espécies
de mamíferos (retiradas de EINSENBERG & REDFORD, 2000; EMMONS & FEER, 1997) e de
sete espécies de aves (SICK, 2001), conforme exemplo exposto na Figura 2. O uso de questionários
é recomendado para a obtenção de dados ambientais em análises iniciais de projetos, para
adequação de metodologias futuras (PADUA et al., 2003; DITT et al., 2003). Foram entrevistadas
22 famílias (um morador por família), ribeirinhas ao Igarapé São Francisco do Espalha e regiões
centrais do SSFE. A escolha dessas espécies de animais foi baseada no fato delas serem
reconhecidamente visadas por caçadores na Amazônia (REDFORD, 1992) ou por serem
consideradas indicadoras de qualidade ambiental, como é caso dos carnívoros. A ariranha
(Pteronura brasiliensis) e a lontra (Lontra longicaudis), por exemplo, são espécies que respondem
rapidamente a alterações na vegetação ribeirinha e na qualidade da água (FONSECA et al., 1994).
A ilustração de cada espécie foi apresentada em um formulário próprio, onde foi possível anotar
a ocorrência do animal na respectiva colocação, considerando como referência o mês de aplicação
do questionário. Assim, o morador daquela colocação fornecia a seguinte informação para a espécie
retratada: 0 – nunca foi observado; 1 - extinto localmente; 2 – avistado a mais de um ano; 3 –
avistado a menos de um ano; 4 – avistado a menos de um mês (Figura 2). Optou-se aqui em não
subdividir em classes de tempo os animais avistados a mais de um ano, pois a qualidade da
informação é reduzida quando se tenta relembrar com exatidão datas de eventos passados. O
objetivo aqui é separar as espécies mais comuns (avistadas a menos de um ano) daquelas mais raras
(avistadas a mais de um ano), seja essa raridade consequência de uma característica natural da
espécie (densidade natural baixa ou comportamento arisco, por exemplo) ou conseqüência de uma
pressão antrópica. O cruzamento das informações sobre se espécie é visada como caça com a
freqüência com que é observada é que fornecerá um indicativo da situação da espécie no SSFE.
Figura 2 – Tapirus terrestris (anta): representação do questionário no qual cada quadrante foi preenchido com
uma numeração correspondente à resposta apresentada pelo morador entrevistado (0 – nunca observado; 1 -
extinto localmente; 2 – avistado a mais de um ano; 3 – avistado a menos de um ano; 4 – avistado no último mês).
Assim, também foram feitas as seguintes perguntas sobre cada espécie (adaptado de NOSS &
PAINTER, 2004 e TOWNSEND, 2004): a) “Já caçou esse animal?”; b) “Quando foi a última
caçada?” e c) “Qual foi o método de caça utilizado?”. Para a análise dos dados foram considerados
como esforço amostral os 22 moradores entrevistados (um por família), representando 81% das
famílias do SSFE. Dentro de cada família foi selecionado para a entrevista o morador que se
identificava como o principal caçador.
3. Resultados e Discussão
Os mamíferos mais citados foram três espécies de ungulados (o porquinho Pecari tajacu, o
queixada Tayassu pecari e a anta Tapirus terretris), uma espécie de primata (o guariba Alouatta
seniculus) e duas espécies de roedores (a paca Cuniculus paca e a cutia Dasyprocta fuliginos). Entre
as aves, foram mais citadas a nambu-galinha Tinamos guttatus, o mutum Mitu tuberosum, o jacu
Penelope jacquacu e o jacamim Psophia leucocoptera (Tabela 1). Esses resultados coincidem
parcialmente com os encontrados em entrevistas realizadas por NOSS & PAINTER (2004),
principalmente ao que se refere aos ungulados.
Tabela 1. Espécies de aves e mamíferos com ocorrência confirmada pelas entrevistas com moradores do SSFE,
ressaltando – se as citadas como caçadas (%).
Ordem Família Nome científico Nome local %
Aves Craciformes Cracidade Mitu tuberosum Mutum 77
Penelope jacquacu Jacu 77
Falconiformes Acciptridae Harpia harpyja Gavião real 23
Gruiformes Psopiidae Psophia leuocoptera Jacamim 23
Psittaciformes Psittacidae Ara macao Arara-vermelha 73
Tinamiformes Tinamidae Tinamos guttatus Nambu-galinha 14
Tinamus tao Nambu-azul 82
Mammalia Artiodactyla Cervidae Mazama americana Veado-capoeiro 45
Mazama gouazoupira Veado-roxo 23
Tayassuidae Pecari tajacu Porquinho 82
Tayassu pecari Queixada 77
Carnívora Felidae Panthera onça Onça-pintada 9
Puma concolor Onça-vermelha 14
Mustelidae Lontra longicaudis Lontra 4
Pteronura brasiliensis Ariranha 0
Procyonidae Nasua nasua Quati 9
Perissodactyla Tapiridae Tapirus terrestris Anta 73
Primates Cebidae Alouatta seniculus Guariba 73
Ateles chamek Macaco-preto 4
Cebus albifrons Cairara 4
Cebus apella Macaco-prego 32
Pithecia irrorata Parauacu 9
Rodentia Cuniculidae Cuniculus paca Paca 91
Dasyporctidae Dasyprocta fuliginosa Cutia 73
Myoprocta pratti Cutiara 45
Dinomyidae Dinomys branickii Paca-de-rabo 14
Hydrochaeridae Hydrochaeris hydrochaeris Capivara 41
Sciurus ignitus Quatipuru-roxo 27
Sciuridae Sciurus spadiceus Quatipuru-vermelho 68
Xenarthra Dasypodidade Dasypus novemcintus Tatu-verdadeiro 41
Dasypus kappleri Tatu-rabo-chato 50
Cabassous unicinctus Tatu-rabo-de-couro 14
Priodontes maximus Tatu-canastra 0
As citações de ocorrência são bastante influenciadas pelo interesse dos moradores no uso
daquele animal. Segundo relatos dos moradores do SSFE, a maioria das observações dos três
mamíferos mais citados como caçados (Tabela 1) ocorreram em períodos inferiores a seis meses da
realização das entrevistas: 86% das famílias afirmaram ter avistado Cuniculus paca nos últimos seis
meses, valor que sobe para 91% das famílias no caso de Pecari tajacu e de Mazama americana,
conforme apresentado pela Figura 3.
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
Macaco Prego Quatipuru
Vermelho
Paca Cutia Veado
Vermelho
Tatu Canastra Jacamim Arara
Vermelha
Nambu
Galinha
Jacu
menos de 1 mês 1 mês - 6 meses 6 meses - 1 ano mais de 1 ano
Figura 3 – Espécies de ocorrência freqüente no SSFE, conforme relato de 22 moradores da área: o período de
avistamento compreende as classes “menos de um mês” e “entre um e seis meses” coincidem com a estação seca
(abril a setembro de 2007); “entre seis e um ano” coincide com a estação chuvosa (outubro de 2006 a março de
2007).
A Figura 4 apresenta as espécies cujo acúmulo de avistamentos freqüentes no SFFE (a menos de
seis meses) é inferior a 60% do total das famílias entrevistadas. Ou seja, essas seriam as espécies
mais raras na área. No caso de Tapirus terrestris, que tende a utilizar áreas alagadas com bastante
eficiência (BODMER, 1990), os rastros deixados pelo animal favorecem sua captura nos períodos
chuvosos, sendo característico a utilização de vários métodos de captura durante as campanhas de
caça (Tabela 2). Vale ressaltar que a seletividade da caça sobre antas e queixadas afeta rapidamente
e de forma negativa suas populações, sensíveis à pressão de caça (PERES, 1996).
0
2
4
6
8
10
12
14
Macaco
Preto
Paca de Rabo Veado Roxo Anta Ariranha Lontra Tatu Rabo de
Couro
Onça Pintada Gavião Real
Nú
mero
de F
am
ília
s
menos de 1 mês 1 mês - 6 meses 6 meses - 1 ano mais de 1 ano
Figura 4 – Espécies menos freqüentes no SSFE, conforme relato de 22 moradores da área: o período de
avistamento compreende as classes “menos de um mês” e “entre um e seis meses” coincidem com a estação seca
(abril a setembro de 2007); “entre seis e um ano” coincide com a estação chuvosa (outubro de 2006 a março de
2007).
No caso da lontra e da ariranha, que possuem hábitos aquáticos, a distribuição de ocorrência
no período chuvoso se deve ao aumento no volume de água no Igarapé São Francisco do Espalha
(outubro a março), apesar de muitos moradores relatarem à presença de lontras em igapós e
vertentes, durante períodos de seca, provavelmente se alimentando de peixes aprisionados nas poças
deixadas após a vazante sazonal. A ocorrência desse animal na região central durante o período
chuvoso deve-se aos igarapés perenes que compõe a micro-bacia do Espalha, os quais funcionam
como vias de acesso a tal região durante os meses de outubro a março.
Alguns aspectos referentes a duas espécies de primatas apresentadas aos moradores merecem
destaque: a) Macaco preto - segundo relatos dos moradores do SSFE, um indivíduo Ateles chamek
foi avistado e abatido a 15 anos (ver Figura 4). Devido ao seu porte, essa espécie é altamente visada
pelos caçadores e se extingue rapidamente devido sua baixa taxa reprodutiva (BODMER, 1995); b)
Barrigudo - nenhum dos moradores confirmou a ocorrência de Lagothrix lagothricha, contrariando
material de divulgação da Prefeitura de Rio Branco (MUNIZ & COSTA, 2006).
Tabela 2 - Métodos de caça empregados para as espécies mais caçadas no SSFE, com o total de famílias que
confirmaram caçar as espécies apresentadas.
Método empregado
Nome local espera¹ a ponto² rastro³ outro4
Total
Anta 11 2 4 - 17
Queixada 1 14 2 - 17
Porquinho 8 11 - - 19
Veado-capoeiro 13 8 - - 21
Paca 19 - - 1 20
Cutia 7 8 - 1 16
Quatipuru-vermelho 15 - - - 15
Guariba 3 14 - - 17
Mutum - 17 - - 17
Jacu - 17 - - 17
Nambu-azul - 18 - - 18
Notas: ¹ espera em sítios de alimentação do animal; ² caça realizada através de caminhadas na mata; ³ caça praticada
seguindo-se os rastros deixados pelo animal; 4 refere-se a utilização de armadilha ou caça com cachorro.
Com relação às aves, Mitu tuberosum (mutum), Penelope jacquacu (jacu), e Tinamus tao
(nambu-azul) apresentaram-se como as mais caçadas. Para essas três espécies foram registrados
percentuais de afirmativas acima dos 77% dos entrevistados, conforme apresentado na Tabela 1.
Vale ressaltar que 82% dos entrevistados afirmaram caçar Tinamus tao, ave de maior porte em
relação a congênere Tinamus guttatus, cuja confirmação de caça foi realizada por 14% dos
moradores da área. Esse indício ressalta a seletividade com relação às aves caçadas, apesar de ser a
segunda ave mais freqüente na área (91% dos moradores confirmam avistamentos em períodos
inferiores a seis meses do levantamento – Figura 3).
A ocorrência de Mitu tuberosum no SSFE é um bom indicador de qualidade de habitat, já que
esta espécie é muito sensível à pressão de caça (SILVA & STRAHL, 1991). Cerca de 70% das
famílias informaram ter avistado a espécie ao longo dos seis meses anteriores à entrevista.
O tatu-canastra (Priodontes maximus) não foi citado por nenhum morador como alvo das
atividades de caça e a paca-de-rabo (Dinomys branicki) foi caçada por somente 14% dos moradores.
Para os moradores entrevistados, tanto a carne de Priodontes maximus como a de Dinomys
branickii são consideradas indigestas, denominadas localmente como “reimosas” (CALOURO &
MARINHO-FILHO, 2005). Com relação à Dinomys brannickii, todas as afirmativas de abate foram
motivadas pelo ataque ocasional aos cultivares em áreas de roçado.
O SSFE ainda possui predadores de topo de cadeia alimentar, tais como Panthera onca, (onça-
pintada), Puma concolor (onça-vermelha) e Harpia harpyja (gavião-real). A ocorrência destas
espécies demonstra que a área oferece recursos para a permanência de grandes predadores,
sinalizando positivamente em relação à qualidade do habitat. No entanto, essas espécies já foram
caçadas em algum momento por alguns moradores (Tabela 1). O abate dessas espécies está
relacionado ao conflito gerado pelo ataque dos predadores aos animais domésticos criados nas
colocações, conflito comum em áreas rurais da Amazônia (MICHALSKI et al., 2006) e que é
responsável, em muitos casos, pela extinção local de grandes predadores. É importante destacar que
a pecuária é praticada em pequena escala no SSFE e poderá contribuir para o agravamento dos
conflitos dos moradores com grandes predadores presentes nas florestas da região. Alguns
moradores ressaltaram o ataque tanto de Panthera onca e Puma concolor ao gado e porcos, além de
destacarem a ocorrência de ataques realizados por Harpia harpyja à criação de galinhas e patos.
Vale ressaltar também que, alguns moradores informaram que habitam a área a mais de 30 anos,
fato esse responsável por alguns agrupamentos populacionais ao longo do Igarapé São Francisco do
Espalha (Tabela 3), divididos em quatro áreas, conforme exposto na Figura 1.
Tabela 3 - Adensamentos populacionais dentro do SSFE e número de moradores.
Quadrante Nº. de pessoas (%)
Q I - região norte, sob influência do ramal Jarinal 53 (32,5%)
Q II - região central, sob influência do Igarapé. São F. Espalha 59 (36%)
Q III - região central, sem influência do Igarapé. São F. Espalha 13 (8%)
Q IV - região sul, sob influência do ramal Sibéria 38 (23,5%)
Total 163 (100%)
Essas quatro regiões foram agrupadas conforme o meio de acesso e interligação entre as
famílias dessas áreas (via ramais ou igarapés), com a maior parte dos moradores formada por
ribeirinhos (70% dos moradores). Baseado em pesquisas anteriores realizadas com populações
tradicionais na Amazônia (REDFORD & ROBINSON, 1987; PERES & TERBORGH, 1995;
ROBINSON & BENNETT, 1999; PERES & DOLMAN, 2000; JEROZOLIMSKI & PERES, 2003;
CALOURO & MARINHO-FILHO, 2005), é possível afirmar que a pressão de caça no SSFE é
influenciada pela densidade humana, distribuição espacial e densidade das espécies visadas,
proximidade dos igarapés, grau de dependência do pescado e pela seletividade de captura de cada
família. Assim, é recomendável uma futura pesquisa que caracterize melhor cada uma dessas
variáveis para que seja possível adotar uma ação conservacionista mais efetiva na área do SSFE.
4. Considerações Finais
Baseado na dificuldade de acesso e na densidade humana existente na área (0,54 indiv/km2),
a pressão de caça no SSFE provavelmente se encontra em um nível considerado baixo e
concentrada nas colocações à margem do Igarapé São Francisco do Espalha. Outra evidência da
baixa interferência da caça de subsistência é a ocorrência de espécies indicadoras de qualidade de
habitat, como queixadas, antas, mutuns e grandes carnívoros (caso da onça-pintada e do gavião-
real), bastante sensíveis a perturbações antrópicas. Entretanto, a mera ocorrência dessas espécies
não exime os órgãos públicos de alguma mobilização, já que o status de conservação destas
populações é desconhecido. A extinção local do macaco-preto sugere atenção e demonstra a
necessidade de ações de gestão, como a implementação de um plano de manejo participativo junto
aos moradores. Esse plano poderá abordar os seguintes aspectos:
Reuniões regulares para discussão das estratégias de manejo, com votação e aceitação de
compromissos pelos moradores. Em cada reunião deve ser avaliada a efetividade das
estratégias já implementadas, com a readequação destas (manejo adaptativo);
Definição de área (ou áreas) onde a caça de subsistência não deve ser realizada (essas áreas
servem como área-fonte para abastecer as populações animais com novos indivíduos). A
restrição de abertura de novas colocações e/ou reocupação de colocações abandonadas em
determinados locais da SSFE é um exemplo de medida para ser discutida para viabilizar o
surgimento de uma área-fonte na SSFE;
Proibição ou restrição da caça com uso de cachorros (altamente seletiva, segundo
CALOURO & MARINHO-FILHO (2005) e que, segundo os moradores entrevistados,
“espanta a caça” das áreas onde ocorre);
Avaliação periódica da pressão de caça de subsistência realizada na SSFE, através de
estimativas de densidade/abundância relativa dos animais (via observação por transectos,
conforme metodologia descrita por PERES, 1999) e de dados secundários, tais como
aplicação anual de questionários mais detalhados. Se possível, a mesma avaliação deve ser
feita com a população do entorno da SSFE, para comparação dos resultados;
Incentivo à praticas que aumentem a eficiência na criação de animais domésticos (extensão
rural), criando fontes alternativas de proteína para os moradores da SSFE;
Adoção de práticas de educação ambiental e extensão agroflorestal nas propriedades
agrícolas do entorno da SSFE, oferecendo alternativas para diminuir a pressão antrópica
sobre a SSFE. Metodologias adotadas em outras regiões do Brasil podem ser adaptadas para
a realidade local (PADUA et al. 2003; DITT et al., 2003);
Discussão de estratégias de fiscalização contra caçadores que invadem a área sem
autorização dos moradores.
Todas as sugestões acima são preliminares e têm por objetivo nortear uma futura discussão
com a população local, já que as decisões devem ser acatadas, executadas e fiscalizadas pelos
moradores, dentro do conceito de manejo de fauna participativo. Por fim, todas as atividades de
manejo devem procurar repassar as técnicas para a comunidade local, de modo que no futuro ela
possa executar o manejo e o monitoramento sem a necessidade da presença de técnicos de
instituições públicas ou privadas.
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