23
SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM. A CONSCIÊNCIA DA ARTE DE APRENDER PARA O AUTODESENVOLVIMENTO DO SER HUMANO Noemi Salgado Soares 1 RESUMO: Este artigo apresenta algumas reflexões sobre o significado da arte de aprender ou do autoconhecimento para o processo de ativação da consciência do ser humano planetário. Além de ressaltar que o eixo pedagógico e epistemológico da educação transdisciplinar é a vivência da arte de aprender, o conteúdo da sua abordagem, fundamentada em algumas concepções pedagógicas de Jiddu Krishnamurti, evidencia que, no século XXI, esta vivência é imprescindível para o autodesenvolvimento humano, também compreendido como o processo de cuidado-cura da doença psicológica do serhumanohumanidade. PALAVRAS-CHAVE: Autoconhecimento, arte de aprender, Jiddu Krishnamurti, autodesenvolvimento humano, educação transdisciplinar, cuidado-cura da doença psicológica do serhumanohumanidade 1. O QUE É ISTO, A VIVÊNCIA DA ARTE DE APRENDER? : diálogo com algumas perspectivas educacionais de Jiddu Krishnamurti A realidade do contexto histórico-sócio-cultural da nossa humanidade planetária, nesta primeira década do século XXI, também foi formatada pela prática de um sistema educacional, mecânico-fascista, que adestrou e adestra o ser humano a construir e a escravizar-se a um condicionado processo de inconsciência existencial. Este processo se baseia em uma ancestral ignorância da natureza e da estrutura da sua mente, principalmente no que se refere ao funcionamento da 1 Educadora, Mestre em Letras Vernáculas, Doutora em Filosofia da Educação. Desde 1983 é professora da Universidade Federal da Bahia, onde, atualmente, é coordenadora e docente do curso de Pós-Graduação Educação transdisciplinar e Desenvolvimento Humano: a arte de aprender. Desenvolve pesquisas sobre “Princípios filosóficos e pedagógicos da educação transdisciplinar” no Centro de Estudos Baianos (CEB/UFBA) e no Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (Mestrado e Doutorado) da Faculdade de Educação da UFBA, na linha de pesquisa em Educação Transdisciplinar. Também é docente da disciplina Desenvolvimento Humano e Ação Educativa, do curso de Mestrado Multidisciplinar em Desenvolvimento humano e Responsabilidade Social da Fundação Visconde de Cairu. É autora do livro Educação transdisciplinar e a arte de aprender para o desenvolvimento humano: diálogo com a compreensão pedagógica de Jiddu Krishnamurti . [email protected]

Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

A CONSCIÊNCIA DA ARTE DE APRENDER PARA O AUTODESENVOLVIMENTO DO SER HUMANO

Noemi Salgado Soares1

RESUMO: Este artigo apresenta algumas reflexões sobre o significado da arte de aprender ou do autoconhecimento para o processo de ativação da consciência do ser humano planetário. Além de ressaltar que o eixo pedagógico e epistemológico da educação transdisciplinar é a vivência da arte de aprender, o conteúdo da sua abordagem, fundamentada em algumas concepções pedagógicas de Jiddu Krishnamurti, evidencia que, no século XXI, esta vivência é imprescindível para o autodesenvolvimento humano, também compreendido como o processo de cuidado-cura da doença psicológica do serhumanohumanidade.

PALAVRAS-CHAVE: Autoconhecimento, arte de aprender, Jiddu Krishnamurti, autodesenvolvimento humano, educação transdisciplinar, cuidado-cura da doença psicológica do serhumanohumanidade

1. O QUE É ISTO, A VIVÊNCIA DA ARTE DE APRENDER? : diálogo com algumas perspectivas educacionais de Jiddu Krishnamurti

A realidade do contexto histórico-sócio-cultural da nossa humanidade

planetária, nesta primeira década do século XXI, também foi formatada pela prática

de um sistema educacional, mecânico-fascista, que adestrou e adestra o ser

humano a construir e a escravizar-se a um condicionado processo de inconsciência

existencial. Este processo se baseia em uma ancestral ignorância da natureza e da

estrutura da sua mente, principalmente no que se refere ao funcionamento da

1 Educadora, Mestre em Letras Vernáculas, Doutora em Filosofia da Educação. Desde 1983 é professora da Universidade Federal da Bahia, onde, atualmente, é coordenadora e docente do curso de Pós-Graduação Educação transdisciplinar e Desenvolvimento Humano: a arte de aprender. Desenvolve pesquisas sobre “Princípios filosóficos e pedagógicos da educação transdisciplinar” no Centro de Estudos Baianos (CEB/UFBA) e no Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (Mestrado e Doutorado) da Faculdade de Educação da UFBA, na linha de pesquisa em Educação Transdisciplinar. Também é docente da disciplina Desenvolvimento Humano e Ação Educativa, do curso de Mestrado Multidisciplinar em Desenvolvimento humano e Responsabilidade Social da Fundação Visconde de Cairu. É autora do livro Educação transdisciplinar e a arte de aprender para o desenvolvimento humano: diálogo com a compreensão pedagógica de Jiddu [email protected]

Page 2: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

2SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

programação de uma das suas modalidades que é velha, mecânica, confusa,

condicionada, pessoal, transmilenarmente egocêntrica.

Mente velha condicionada2 foi a denominação que o educador Jiddu

Krishnamurti (1895-1986) deu a essa modalidade da mente. Na sua concepção, a

mente velha do ser humano, ativada desde há milhões de anos atrás, está

condicionada pela educação, pelas religiões, pelas ideologias, pelos dogmas, pelas

tradições. Esta mente possui uma memória psicológica ancestral, que está

armazenada nas velhas células cerebrais de todos os seres humanos.

É essa mente velha condicionada que produz, sustenta e legitima a ancestral

crueldade, tão visível não apenas nos contextos sócio-político-econômicos das

pessoas que planejam, preparam e gerenciam as ações terroristas e os

bombardeios das antigas e atuais guerras-carnificinas – acontecendo em várias

regiões do planeta – como também nos doentios relacionamentos emocionais,

sexuais, familiares, profissionais, intelectuais, econômicos, religiosos, científicos dos

encontros sociais intersubjetivos dos seres humanos.

Nas suas investigações, esse autor apresentou algumas diferenças

pedagógicas entre os termos educação correta e educação incorreta3. Para ele, o

objetivo primordial da educação incorreta é tornar o ser humano (o educando e o

educado) incapaz de conhecer o funcionamento da programação da mente velha

2 “O que o mundo necessita é uma mente toda diferente, uma mente inteiramente livre do medo que

em cada dia a atormenta. E nenhuma possibilidade tendes de encontrar com a velha mente essa mente nova.” ( KRISHNAMURTI, 1973b: 43, grifo meu) “A mente está toda condicionada. Não há uma só parte da mente que não esteja condicionada [...] A mente está toda condicionada, o que é um fato evidente, se refletimos a tal respeito. Isso não é invenção minha, é um fato. Pertencemos a uma dada sociedade, fomos educados de acordo com determinada ideologia, certos dogmas, tradições, e a vasta influência da civilização, da sociedade, condiciona-nos incessantemente o espírito.”(KRISHNAMURTI,1956a:11) “A mente está condicionada desde a infância, desde o começo da vida, desde há milhões de anos.” ( KRISHNAMURTI, 1977b:36) Empregamos a palavra “mente velha condicionada” para significar o “processo total” do pensamento-sentimento condicionado, como memória, conhecimento, e incluindo as células cerebrais [...] O cérebro é o resultado de milhares de anos de experiência, na luta pela sobrevivência e segurança. ( KRISHNAMURTI, 1973 c: 135)

3 “A educação não é um simples exercício da mente (condicionada). O exercício leva à eficiência, mas

não produz a integração. A mente que foi apenas exercitada é o prolongamento do passado, nunca pode descobrir o que é novo. Eis porque para averiguarmos o que é educação correta, cumpre-nos investigar o total significado do viver.” (KRISHNAMURTI,1969a, p.12) “Educação não significa, apenas, adquirir conhecimentos, nem coligir e correlacionar fatos; é compreender o significado da vida como um todo. Mas o todo não pode ser alcançado pela parte.” (KRISHNAMURTI,1969a, p.l3)

Page 3: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

3SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

condicionada em sua existência. Conseqüentemente, condicioná-lo a ser

inconsciente de si mesmo.

A finalidade principal dessa educação incorreta4 é ativar e desenvolver,

mecanicamente, o intelecto condicionado do estudante e do professor, para que

possam adquirir e memorizar conhecimentos teóricos e/ou técnicos, que irão

capacitá-los a apropriarem-se de uma “eficiência exterior”, totalmente dissociada da

vivência da arte de aprender ou da arte de autoconhecer-se.

A educação correta5 foi o termo que Krishnamurti utilizou para se referir à

ação pedagógica que objetiva educar o ser humano não somente para ativar

a capacidade de adquirir conhecimentos

filosóficos/científicos/técnicos/éticos/estéticos/artísticos/poéticos, como também para

que possa ativar a capacidade de conhecer, através da vivência da arte de aprender

ou do autoconhecimento, o funcionamento da programação da mente velha

condicionada em sua própria existência.

Krishnamurti não compreendia a ação pedagógica da educação correta como

uma ideologia ou uma utopia, nem como uma forma para adestrar/condicionar o

indivíduo a existir dentro de alguns padrões determinados. Também não entendia

esta educação como um processo de modelagem da mente da

criança/adolescente/jovem/adulto/ancião a um padrão idealista de se ser um ser

humano.

Na sua concepção, a educação correta visa ajudar o ser humano a

descondicionar a dimensão psicológica da sua existência, estruturada e controlada

pela programação da mente velha condicionada6. Os princípios pedagógicos desta

4 “A educação atual (ou educação incorreta) está toda interessada na eficiência exterior, desprezando

inteiramente ou pervertendo, com deliberação, a natureza intrínseca do homem; só cuida de desenvolver uma parte dele, deixando que o resto se arraste como possa. Nossa interior confusão, nosso antagonismo e temor acabam sempre por subverter a estrutura exterior da sociedade, por melhor que ela tenha sido concebida e por mais habilmente que se tenha edificado. Não havendo educação correta, destruímo-nos uns aos outros, e é-nos negada a segurança física. Educar o estudante corretamente é ajudá-lo a compreender o processo total de si mesmo; porque só com a integração da mente e do coração, no agir cotidiano, é que pode haver inteligência e transformação interior.” (KRISHNAMURTI,1969a, p. 44-45)

5 “O objetivo da educação correta é criar entes humanos integrados e, por conseguinte, inteligentes. Podemos tirar diplomas e ser mecanicamente eficientes, sem ser inteligentes. A inteligência não é mera cultura intelectual; não provém dos livros, nem consiste em jeitosas reações defensivas e asserções arrogantes”. (KRISHNAMURTI,1969a, p. l3)

6 “Assim, a verdadeira função da educação correta é não só ajudar-vos a descondicionar-vos, mas também a ajudar-vos a compreender o inteiro processo do viver, dia a dia, para que possais crescer em liberdade e criar um novo mundo totalmente diferente. [...] Eis porque a educação deve ser um processo de educar tanto o educador como o estudante.” (KRISHNAMURTI, 1973a, p. 28)

Page 4: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

4SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

educação sustentam que uma das suas funções é educar o ser humano para

vivenciar o processo da arte de aprender7 ou do autoconhecimento e, através desta

vivência, ajudá-lo a tornar-se um individuo amadurecido e livre para florescer

ricamente em amor e bondade .

Um dos objetivos primordiais dessa educação é libertar a mente do ser

humano das próprias experiências psicológicas condicionadas, para que possa

ativar a dimensão criadora da sua potencialidade amorosa.

1.1. A arte de aprender como um princípio pedagógico da educação correta

Na concepção de Jiddu Krishnamurti, a educação incorreta, ao invés de

despertar a inteligência integral do ser humano, lhe adestra a adaptar-se ao padrão

da programação psicológica da mente velha condicionada, que lhe impede ver e

compreender a si mesmo inserido e circunscrito na existência da vida do

serhumanohumanidade 8.

A educação incorreta condiciona o ser humano a viver a sua existencialidade

dentro de um padrão em que a sua vida interior psicológica, por ser negada –

consequentemente, desordenada, desconhecida e desconsiderada – , tem que estar

radicalmente dissociada do processo de aquisição-acúmulo de conhecimentos.

No entendimento desse autor, a educação incorreta, ao ocupar-se somente

com a aquisição de conhecimento técnico e intelectual, separando-o da

compreensão global da vida, alimenta e legitima o processo de deterioração-

destruição da mente humana, provocada pela crueldade inerente ao funcionamento

da ancestral programação psicológica da mente velha condicionada.

7 “O que queremos dizer com aprendizagem? Há aprendizagem quando apenas se acumulam conhecimentos, reúnem-se informações? Como aluno de engenharia, você estuda matemática e outras matérias; você aprende informa-se acerca dessas matérias. Você está acumulando co-nhecimento a fim de empregá-lo de maneira prática. Essa aprendizagem é cumulativa, aditiva. Ora, quando a mente está apenas assimilando, acrescentando, adquirindo, estará ela aprendendo? Ou será a aprendizagem uma coisa completamente diferente? Afirmo que o processo aditivo que hoje chamamos de aprendizagem não é aprendizagem alguma. É apenas um cultivo da memória, que se torna mecânica; e uma mente que funciona de modo mecânico, como uma máquina, não tem capacidade de aprender. Uma maquina só é capaz de aprender no sentido aditivo. Aprender não tem nada que ver com isso.” (KRISHNAMURTI, 1996d, p. 110-111)

8 Criei o neologismo serhumanohumanidade para ressaltar a compreensão semântica de que cada

ser humano representa toda a humanidade. De acordo com Jiddu Krishnamurti, aquilo que um ser humano faz com a sua existência interfere na existência de toda a humanidade. Para ele, cada ser humano, no âmbito do condicionamento da programação psicológica, é toda a humanidade.

Page 5: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

5SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

Um dos equívocos da educação incorreta provém da sua concepção

pedagógica, que alicercia-se na idéia de que educar consiste em ensinar o que

pensar. Uma das conseqüências das graves falhas desta educação expressa-se, por

exemplo, na maneira como ela impede o serhumanohumanidade de apropriar-se do

direito ontológico de vivenciar o processo da arte de aprender9.

Porque condiciona o ser humano a ser incapaz vivenciar a arte de

aprender ou a arte de autoconhecer-se, a educação incorreta o torna subserviente,

mecânico, interiormente/ontologicamente incompleto, estultificado e estéril,

analfabeto psicológico de si mesmo, incapaz de descobrir e construir diferentes

sentidos do significado da sua vocação espiritual de existir.

Inseridos nos objetivos da educação incorreta, encontram-se os fundamentos

da teoria e da prática de uma pedagogia da crueldade, que fragmenta a

existencialidade do ser humano e lhe condiciona a ser violento e não afetivo. Tal

fragmentação lhe incapacita integrar a sua mente com o seu coração, em ações

conscientes vivenciadas no presente da vida vivente dos diferentes momentos do

seu acontecimento existencial diário.

Os princípios filosóficos da educação incorreta, ao compreenderem a

natureza emocional-psicológico-intelectual do ser humano a partir da ótica de uma

pedagogia da crueldade, sustentam que o mecânico processo de aquisição-acúmulo

de conhecimentos é a finalidade fundamental da aprendizagem escolar.

Uma das evidências que demonstra as falhas da educação incorreta revela-

se, também, no fato dela continuar ser incapaz de promover a cura de um dos

aspectos da doença psicológica humana, expresso, por exemplo, na crueldade,

que dá origem, alimenta e legaliza a violenta e absurda realidade das guerras,

proveniente da ausência da compreensão-diálogo-comunicação entre os seres

humanos.

Ao contrário da ação pedagógica unilateral da educação incorreta, a

educação correta ocupa-se tanto com o processo da aquisição-assimilação-

memorização de conhecimentos teóricos e técnicos, como também com a vivência

da arte de aprender ou do autoconhecimento do ser humano. A prática desta

9 O que compreendemos por aprender? Geralmente é entendido como memorização, acumulação,

armazenamento para uso especializado ou não, conhecimento de idioma, leitura, escrita, comunicação etc. Os modernos computadores podem fazê-lo melhor. São extraordináriamente rápidos. Então qual a diferença entre nós e o computador?

Page 6: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

6SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

educação fundamenta-se em uma proposta pedagógica que não separa o processo

da aquisição de conhecimentos do processo do autoconhecimento inerente à

vivência da arte de aprender ou da arte de viver.

Um dos objetivos primordiais da educação correta é convidar o ser humano a

libertar a sua mente das próprias experiências psicológicas condicionadas, para que

possa ativar a dimensão criadora da sua potencialidade amorosa. Os seus princípios

pedagógicos sustentam que uma das suas funções é educar o ser humano para

vivenciar o processo da arte de aprender ou do autoconhecimento e, através desta

vivência, ajudá-lo a tornar-se consciente de que ele é responsável pela construção

dos diferentes significados da sua vocação espiritual de existir.

Esse objetivo revela que uma das finalidades da educação correta é ajudar o

ser humano a ativar, a partir do conhecimento e da compreensão dos mecanismos

psicológicos da mente velha condicionada em sua existência, as suas

potencialidades ontológicas relacionadas à amorosidade criadora de ser presença

autoconsciente no aqui-agora de cada acontecimento existencial.

Tal objetivo também evidencia que uma das funções da educação correta é

ajudar o ser humano a construir um estado de liberdade de ser aberto para assumir

o seu direito espiritual de viver em intima conexão-comunhão com a Energia Divina

Criadora.

1.2. Algumas diferenças entre a vivência da arte de aprender e o processo de

aquisição-acúmulo de conhecimentos

Apesar de reconhecer que o processo de construção e aquisição de

conhecimentos teve e tem uma função importante e necessária para a

sobrevivência da humanidade, Jiddu Krishnamurti considera que este processo é

totalmente distinto da vivência da arte de aprender10. Esta vivência sempre implica o

acontecimento de uma ação-movimento existencial autoconscinte, que se processa

10 “Há, portanto, uma diferença entre a aquisição de conhecimento e o ato de aprender. É preciso ter

conhecimento; do contrário, não vamos saber onde moramos, vamos nos esquecer do nosso próprio nome, etc. Logo, num dado nível, o conhecimento é imprescindível. Mas quando ele é empregado para compreender a vida – que é um movimento, uma coisa viva, móvel, dinâmica, que se altera a cada instante –, quando a pessoa é incapaz de caminhar com a vida, ela vive no passado e tenta compreender essa coisa extraordinária chamada vida. E para compreender a vida, é preciso aprender a cada minuto sobre ela e nunca abordá-la já tendo aprendido.” (KRISHNAMURTI,1996d, p. 118)

Page 7: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

7SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

no presente desconhecido de cada momento inusitado da vida vivente do ser

humano.

Em oposição à vivência da arte de aprender, o processo de aquisição de

conhecimento sempre está fora (não participa) do pulsar da Presença Criadora do

aqui-agora do presente ativo da existência do ser humano. Isto acontece porque a

aquisição de conhecimentos também implica o processo de reunir/coletar/organizar

o conjunto das informações adquiridas, construídas em várias épocas da história da

humanidade antiga e atual, que são assimiladas nas diferentes

circunstâncias/experiências vivenciadas pelo ser humano na vida vivida do passado

do tempo cronológico da sua existência. Tal processo, que deixa um resíduo na

forma de conhecimento, é o conjunto da memorização do vivenciado no passado

longínquo ou no passado de um minuto atrás da vida vivida.

Assim, todo conhecimento é sempre conhecimento do passado. Ou seja, todo

conhecimento é passado, pois implica a reunião-organização-assimilação do que foi

experimentado/observado/percebido/construído na vida vivida do ser humano

Nas suas investigações, Jiddu Krishnamurti evidenciou que o processo de

aquisição de conhecimento é uma capacidade que não somente o ser humano tem.

No início dos anos sessenta do século XX, ele ressaltava que os cérebros

eletrônicos dos computadores também podiam adquirir conhecimentos e passar/dar

informações, às vezes, de uma maneira muito mais ágil e sofisticada do que o

próprio cérebro humano. Apesar de reconhecer a capacidade dos cérebros

eletrônicos de acumularem um cabedal enorme de conhecimentos-informações,

este educador reconhecia que eles não podiam aprender ou vivenciar o processo da

arte de aprender11.

Na sua perspectiva, todo conhecimento supõe alguma autoridade não no

sentido etimológico de autoria, mas como forma de superioridade constituída, ou

como domínio, ou então como poder que exige obediência, subserviência. Ele

considera que a mente que se fortificou na autoridade de modo nenhum pode

aprender. 11 “A aprendizagem é bem mais importante do que a aquisição de conhecimento. Aprender é uma

arte. O cérebro eletrônico, o computador, pode adquirir conhecimento e dar todo tipo de informações, mas essas máquinas, por mais espertas que sejam, por mais bem-informadas, não podem aprender. Só a mente humana é capaz de aprender. Nós fazemos uma distinção radical entre a arte de aprender e o processo de aquisição do conhecimento.” (KRISHNAMURTI, 1996d, p. 117)

Page 8: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

8SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

Na compreensão desse educador, onde há autoridade, inclusive a autoridade

do conhecimento, não pode acontecer a vivência da arte de aprender, pois esta

vivência implica a ativação de um estado existencial ou de uma dimensão da

realidade ontológica do ser humano em que a sua mente não é oprimida por

nenhum tipo de autoridade: nem a autoridade externa dos conhecimentos dos

professores, pais, ou de qualquer outro ser humano, nem a autoridade dos

conhecimentos das tradições, das crenças

religiosas/intelectuais/científicas/ideológicas e nem a autoridade interna dos seus

próprios conhecimentos, adquiridos na vivência das suas experiências existenciais

e gravados nos arquivos da sua memória.

Para esse autor, a vivência da arte de aprender só é possível acontecer

quando o ser humano ativa o potencial da sua mente nova criadora12 que, por ser

vazia e sempre nova, é totalmente desapegada ao passado de qualquer forma de

conhecimento. Ele entende que a vivência da arte de aprender só pode acontecer

quando o ser humano vê uma coisa nova ou um fato novo, ou então vivencia um

acontecimento existencial novo e não o traduz em termos do conhecido,

arquivado/estocado no armazém da memória psicológica do seu velho cérebro. Isto

significa dizer que, para aprender, o ser humano precisa ativar a dimensão da sua

mente que, por ser nova e vazia, está livre do peso/autoridade do conhecimento.

1.3. A ativação da presença autoconsciente inerente à vivência da arte de aprender

A vivência da arte de aprender, apesar de ser totalmente distinta da vivência

do processo de aquisição/acúmulo de conhecimentos, possibilita o ser humano usar

o conjunto de informações/conhecimentos de uma forma “hábil”, que lhe concede

meios para se localizar existencialmente e viabilizar a sua sobrevivência de maneira

equânime e autoconsciente.

12 “Quando a mente está livre do conhecido, ela é uma mente nova criadora, inocente, purificada.

Acha-se num estado de criação, imensurável, inominável, fora do tempo”. (KRISHNAMURTI, 1981 a: 222) “A mente inocente, a mente nova criadora é aquela que não pode ser ferida. Uma mente sem marcas de ferimentos recebidos – eis a verdadeira inocência; temos cicatrizes no cérebro e, com elas, queremos descobrir um estado mental sem ferimento algum. A mente inocente, não pode ferir-se, porque nunca transporta um ferimento de dia para dia”. (KRISHNAMURTI, 1975 c : 69)

Page 9: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

9SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

Através da vivência da arte de aprender, o ser humano pode ativar uma

potencialidade existencial, que lhe capacita apropriar-se da possibilidade de

vivenciar o processo aquisitivo-acumulativo sem precisar ficar, psicologicamente,

aprisionado às limitações do conhecimento que, por exemplo, lhe impõem ser

escravo: a) da ânsia de poder sobre o outro; b) da ilusão de se considerar superior a

outro ser humano; c) da busca da certeza e da segurança psicológica inexistentes;

d) do aprisionamento ao medo psicológico; e) da dependência psicológica às ilusões

do desejo; f) da fuga do acontecimento existencial do aqui-agora da vida vivente; g)

da ignorância a respeito da sua vocação espiritual de ser consciente de si mesmo

em íntima conexão com a Energia Divina Criadora.

Ou seja, a vivência da arte de aprender proporciona ao ser humano

possibilidades existenciais para que possa adquirir e usar os seus conhecimentos,

sem ter que submeter-se à condição de prisioneiro-vítima das diferentes

modalidades psicológicas da ativação da programação da mente velha

condicionada em sua existência.

De acordo com Jiddu Krishnamurti, cessa a vivência da arte de aprender

quando o ser humano está aprisionado e identificado com o processo de

acúmulo/aquisição de conhecimento13. A vivência do aprender desta arte é um

perene fluir, que não acumula absolutamente nada. Ou seja, o aprender da vivência

da arte de aprender não é um movimento acumulador, nem tampouco um processo

aditivo ou aquisitivo.

Ao contrário do conhecimento que é adquirido, a vivência da arte de

aprender não é adquirida, pois acontece no momento presente da vida vivente, que

não se repete. Ou seja, a ação-vivência da arte de aprender sempre acontece no

presente ativo de cada momento desconhecido da vida vivente do ser humano. Esta

vivência não está relacionada com o passado, pois o ato de aprender é uma ação

presente, vivenciada no instante atual irrepetível da vida vivente do ser humano.

Krishnamurti considera que na vivência da arte de aprender não existe o

processo de memorização ou do registro de informações/conhecimentos. Isto não

significa dizer que as informações e os conhecimento não são necessários à 13 “Não há o “movimento de aprender ” quando há aquisição de conhecimentos; as duas coisas são

incompatíveis, contraditórias. O “movimento do aprender ” implica um estado em que a mente não tem, guardada como conhecimento, nenhuma experiência.” (KRISHNAMURTI, 1981a, p. l66-l67)

Page 10: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

10SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

existência do ser humano. Nesta vivência, a pessoa aprende a dar lugar exato às

informações que adquiriu e a agir, consciente e habilmente, de acordo com aquilo

que aprende, sem ficar psicologicamente aprisionado às limitações da programação

psicológica da mente velha condicionada.

O aprender da vivência da arte de aprender é o acontecimento presente do

desconhecido, que dança com o Mistério desconhecido inerente ao pulsar da vida

vivente de cada instante do acontecimento existencial do ser humano. Nesta

dimensão compreensiva, a vivência da arte de aprender também implica a ação do

indivíduo ser, conscientemente, presença no aqui agora da vida vivente.

O estado de ser presença autoconsciente de si mesmo manifesta a

potencialização do acontecimento da plenitude de uma liberdade ontológica, que

possibilita o ser humano estabelecer uma nova aliança entre o Espírito

Autoconsciente da Energia Divina Criadora – pulsando em sua existência – e a

matéria inerente a sua constituição biológica, corpórea, psicológica e emocional,

também movida pelo funcionamento dos sistemas reptiliano, límbico e neocortical

do seu cérebro.

2. A ARTE DE APRENDER NA EDUCAÇÃO TRANSDISCIPLINAR

Considero que a educação transdisciplinar também pode ser compreendida

como um termo sinônimo da educação correta, preconizada e praticada por Jiddu

Krishnamurti. Ao educar o ser humano para conhecer o funcionamento da mente

velha condicionada em sua própria existência, esta educação objetiva, também,

ajudá-lo a reconhecer e a compreender a realidade existencial da sua vida interior

psicológica. Conseqüentemente, ajudá-lo a encarar, a enfrentar e a solucionar

alguns problemas humanos vitais, originados pela inconsciência

(ignorância/desconhecimento) do funcionamento da programação desta mente em

sua psique.

Entendo que o eixo pedagógico e epistemológico do princípio trans da

educação transdisciplinar é a vivência da arte de aprender ou da arte de

autoconhecer-se. Um dos objetivos desta educação é ajudar o ser humano, através

Page 11: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

11SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

desta vivência, a conhecer a si mesmo. Ou seja, ajudar o ser humano, nos seus

encontros sócio-relacionais inter e intrasubjetivos, a conhecer e compreender:

� o processo de constituição e do funcionamento da sua corporeidade;

� a forma como os diferentes mecanismos de funcionamento dos sistemas

reptiliano, límbico e neocortical do seu cérebro atuam em sua existência;

� a maneira como a programação da mente velha condicionada é ativada

em sua psique (consciência da estrutura e da natureza da dimensão

existencial interior-psicológica das suas emoções, seus pensamentos-

sentimentos, seus afetos, seus desejos, suas feridas psicológicas do

passado, seus apegos, seus medos psicológicos, suas projeções, seus

devaneios, que alimentam o processo de auto-afirmação do eu

psicológico e a ilusão do vir-a-ser, etc);

� a potência criadora da sua vontade de viver;

� a dialogicidade entre a sua respiração e o pulsar da respiração da Vida

Criadora;

� as diferentes dimensões da sua vocação ontológica e do significado

espiritual da sua existência.

A educação transdisciplinar também objetiva ajudar o ser humano a construir o

sentido de uma individuação ontológica, alicerçada e movida pela dinâmica do

processo do conhecimento e da compreensão do funcionamento dos diferentes

mecanismos da programação da mente velha condicionada em sua psique.

Conseqüentemente, ajudá-lo a construir o sentido-significado de uma existência

autoconsciente, responsável, alegre, harmônica, amorosa, criativa, aberta para o

reconhecimento e o respeito pela diferença do outro, livre de dependências

psicológicas, sexuais, emocionais, intelectuais, financeiras, espiritual e outras

dependências.

Outro objetivo da educação transdisciplinar é ajudar o ser humano a construir-

conquistar a vivência de uma genuína liberdade de sersendo, para que possa tomar

consciência e apropriar-se do seu direito de viver em comunhão ontológico-

existencial-espiritual com a Vida Abundante, cheia da Presença do Pulsar da

Energia Divina Criadora em cada movimento do seu existir diário.

Tais objetivos evidenciam que a finalidade primordial da educação

transdisciplinar está direcionada para a vivência da arte de aprender ou da arte de

Page 12: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

12SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

autoconhecer-se do ser humano. Para os postulados pedagógicos desta educação,

o significado essencial de todo processo de aprendizagem não pode estar

dissociado da finalidade da vida mesma de cada estudante-educando-educador.

Para a educação transdisciplinar, a vivência da aprendizagem também implica

o despertar da potência criadora da vontade de vida do ser humano, que lhe

impulsiona a construir-conquistar um estado ontológico de liberdade de sersendo, o

qual lhe permite apropriar-se do direito de ser livre para, diariamente, criar sentidos e

significados, conscientemente amorosos, para a sua vocação de existir.

3. A ARTE DE APRENDER OU O AUTOCONHECIMENTO COMO PROCESSO DE AUTODESENVOLVIMENTO HUMANO NO SÉCULO XXI

Compreendo que no processo do desenvolvimento do ser humano, que se

desenrola a partir do seu nascimento até a sua morte, também está implícita a

vivência do autoconhecimento. Esta compreensão sugere que, no século XXI, o

desenvolvimento humano também abarca vivência da arte de aprender ou da arte

de autoconhecer-se.

O desenvolvimento humano na dimensão da vivência do autoconhecimento

tem a finalidade de ajudar o indivíduo a se realizar como um ser integrado (corpo,

emoções, sentimentos-pensamentos, intelecto, sexualidade, sensibilidade,

espiritualidade, criatividade), para que possa apropriar-se da capacidade e do direito

de tomar o seu destino nas próprias mãos e contribuir para o processo do cuidado

com a vida do serhumanohumanidade, a partir de atitudes existenciais baseadas na

consciência da responsabilidade individual direcionadas para a consolidação da

consciência da responsabilidade social.

Nessa dimensão compreensiva, para que desenvolvimento humano aconteça

no século XXI faz-se necessária a vivência do autoconhecimento. Ou seja, sem a

vivência da arte de aprender, ou da arte de autoconhecer-se, é impossível o

acontecimento de um desenvolvimento humano no século XXI, necessário à

sobrevivência do serhumanohumanidade.

Na perspectiva do cuidado, o desenvolvimento humano também refere-se à

possibilidade do indivíduo, através do autoconhecimento ou da arte de aprender, a

vivenciar o processo de construção e de conquista da autoconsciência da sua

responsabilidade social interligada à construção de relacionamentos inter e

Page 13: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

13SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

intrasubjetivos fundamentados no respeito, na afeição, na ternura, na dialogia, na

solidariedade, no serviço ao bem estar comum, na aceitação e no respeito `a

diferença do outro, na equanimidade, na bondade, na consideração e na reverência

pela singularidade de cada pessoa. Esta vivência também implica o processo de

construção do autodesenvolvimento do ser humano.

Ao assumir essa responsabilidade social, o ser humano também pode

tornar-se co-autor da pró-cura da saúde-cuidado com a existência do

serhumanohumanidade, a partir do processo de uma consciente revolução

psicológica em sua psique, produzida pela vivência do autoconhecimento.

Provavelmente, o processo da vivência da sua arte de autoconhecer-se, ou do seu

autodesenvolvimento, poderá lhe oferecer condições para assumir a sua

responsabilidade em relação à violenta crise social, provocada pela doença

psicológica humana, produzida pela ativação obsoleta da mente velha condicionada.

Essa crise social que, nas últimas décadas, assola todos os países do

planeta, também é evidenciada pela pobreza, fome, miséria, desigualdade

econômica, pela formação de diferentes organizações terroristas, pelo

acontecimento de várias guerras e de inúmeros atentados terroristas, pela insana

ânsia de poder da busca da hegemonia militar de uma única superpotência, pela

loucura da pedofilia, pela máfia do narcotráfico, pelos exorbitantes lucros da

economia bélica (fornecidos pelo mercado mundial de armas através da fabricação

de revolver, canhão, metralhadora, bomba atômica, mísseis, armas químicas e

biológicas, e outros armamentos), pela prática de um processo educativo escolar

mecânico-fascista e por tantos outros fatos,

Tal crise social, que retrata o doentio ambiente social “civilizatório” de

descuidado e de descaso com a vida do serhumanohumanidade, revela, por

exemplo, como a doença psicológica da mente velha condicionada do ser humano é

responsável pela absurda idéia do nacionalismo. Esta idéia fomenta e alimenta a

podre ânsia dos enlouquecidos poderes legitimadores do desejo de uma nação ou

algumas nações quererem ser mais poderosas do que as outras.

Atualmente, virou lugar comum o processo de ideação da paz justificar e

legitimar atitudes violentas de assassinato de pessoa ou de um grupo de pessoas

de uma rua, ou de um bairro, ou de uma cidade, ou de um estado ou de um país.

Esta crise, além de evidenciar como a doença psicológica tem elevado o grau de

Page 14: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

14SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

descaso e de descuidado com a vida do ser humano, também revela o quanto a sua

existência perdeu importância.

Tal contexto sócio-planetário evidencia como o desenvolvimento humano, na

perspectiva do cuidado, continua sendo inibido e reprimido pela ativação da

programação da mente velha condicionada, que fomenta e justifica a insana

mentalidade – construída pela doença psicológica do serhumanohumanidade – das

cruéis idéias nacionalistas e do uso do sofrimento alheio para a lucratividade da

economia bélica, da economia do narcotráfico, da economia do terrorismo, da

economia da prostituição de crianças e de tantas outras violentas economias.

4. O DESENVOLVIMENTO HUMANO NA PERSPECTIVA DO CUIDADO-CURA DA DOENÇA PSICOLÓGICA DO SERHUMANOHUMANIDADE

Diante do atual contexto sócio-histórico-econômico-planetário, movido pela

crueldade da doença psicológica de nós seres humanos, que alimenta e legitima as

violentas e insanas atitudes existenciais, inerentes ao processo de ativação da

mente velha condiconada, considero urgente a prática de uma consciente e vigorosa

ação educativa transdisciplinar a serviço do desenvolvimento humano,

compreendido como vivência do processo de cuidado-cura desta doença

psicológica.

Entendo que o significado do desenvolvimento humano no século XXI implica

não somente o processo de conscientização da gravidade da doença psicológica do

serhumanohumanidade, como também o processo de cuidado-cura desta doença.

Ou seja, o desenvolvimento humano, nesta dimensão compreensiva, implica o

processo de cuidado com a vida do serhumanohumanidade manifesta na existência

de cada pessoa, inserida no montante dos sete bilhões de pessoas habitantes da

Terra.

De acordo com Antenor Nascentes, a etimologia do vocábulo cuidado, deriva

da palavra latina cura. Nas suas pesquisas filológicas ele ressaltou que o cura é o

homem que cuida das almas, pois verificou que a origem do verbo curar tem o

sentido de cuidar. Também esclareceu que de cuidar (por exemplo, de um doente) o

verbo curar passou ao termo do tratamento (sarar). Nesta semântica de cuidado,

este verbo também associou-se ao latim cogitare. O vocábulo cuidar, também

Page 15: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

15SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

proveniente do latim cogitare, significa pensar, cuidar. O seu significado evidencia

que naquilo que se cuida a gente sempre pensa. (NASCENTES, 1932: 225 e 229).

Para o filólogo Antonio Geraldo da Cunha, o substantivo feminino cura

significa cuidado, zelo, desvelo. Nas suas investigações ele esclarece que a

etimologia do verbo curar implica o sentido de ter cuidado com, vigiar, cuidar, livrar

da doença e o verbete cuidar significa tratar de, dar atenção, ter cuidado, curar.

(CUNHA, 1982: 234)

Confirmando a perspectiva de Antenor Nascentes e Antonio Geral Cunha, F.

R. dos Santos Saraiva, nos seus estudos etimológicos, apresenta os seguintes

significados para o substantivo feminino cura-ae:1. cuidado, diligência, aplicação; 2. administração, governo; 3. tratamento, cura; 4. guardar, vigiar, vigiador, guardador; 5. cuidado, inquietação amorosa provocada pela necessidade do querer cuidar; 6. amor, objeto amado, amar a alguém; 7. olhar pelo bem estar de alguém. (SARAIVA, s/d: 326)

A partir desses referenciais etimológicos é possível afirmar que o significado

originário da palavra cura refere-se ao processo do cuidado, do desvelo, da

solicitude, da responsabilidade, da consideração, da atenção amorosa e da pré-

ocupação por uma pessoa.

Cuidar significa considerar, dar atenção, zelar, estar com cuidado, ter

cuidado, tratar com cuidado, ver com cuidado, ouvir com cuidado, ser solícito, ser

amorosamente responsável. Ou seja, um dos sentidos etimológicos originários do

vocábulo cuidado está relacionado com a vivência da cura movida pelo processo

amoroso do cuidar. O cuidado implica o acontecimento de uma atitude afetiva para

com alguém, movida pela energia do amor, desprovida de qualquer intenção de

lucratividade, tanto a psicológica, a emocional, a econômica, a sexual, a intelectual e

outras.

A atitude afetiva do cuidado baseia-se na afetividade, que está alicerçada na

consciência do direito à ternura que todo ser humano possui por inerência

ontológica. A etimologia da palavra afetividade vem do latim affeição, que significa

afeto, amizade, amor, afeiçoamento, conexão, ligação, relação.

Assim, ter cuidado também significa ter afeto. Ser afetivo é ser cuidadoso, é

vivenciar o exercício da não-violência praticado, por exemplo, pelo educador Gandhi,

o qual, com a sua consciente ação educativa, assumiu o seu direito existencial de

Page 16: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

16SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

vivenciar a amorosa responsabilidade social pelo processo do autodesenvolvimento

do ser humano.

Ser cuidadoso é reconhecer que o(a) outro(a) não é objeto de uso

(econômico,bélico, emocional, psicológico, sexual, espiritual, intelectual, etc), mas

um(a) companheiro(a) na caminhada existencial da vida humana. Ou seja, uma

pessoa afetiva não se relaciona com o outro com o objetivo de lucrar

financeiramente, emocionamente, sexualmente, intelectualmente, psicologicamente,

espiritualmente, ou qualquer intenção de lucro ou usofruto do outro.

O desenvolvimento humano na perspectiva do cuidado, evidencia que a

existência do serhumanohumanidade pode ser construída por laços afetivos

alicerçados e direcionados por uma consciente atitude de cuidado ou de atenção

amorosa pela Vida Criadora, que vive e pulsa na existência de cada pessoa, a partir

de atitudes existenciais não mais movidas pela ignorância do funcionamento da

programação da mente velha condicionada na própria psique.

Martin Heidegger (1889-1976), na sua análise ontológica sobre a existência

humana, ressalta que só o homem é o ser que indaga sobre a questão essencial do

Sentido do Ser. Suas investigações filosóficas evidenciam que, desde os gregos pré-

socráticos, a pergunta fundamental sobre o sentido do ser sempre esteve presente

na filosofia ocidental. Nesta pergunta está inserida a questão da cuidado/cura

enquanto essência do ser-no-mundo. A sua abordagem hermenêutica parte do

princípio que o cuidado significa um fenômeno ontológico-existencial básico da

constituição humana.14

Fundamentado na história do significado etimológico do vocábulo cura, esse

filósofo considera que o acontecimento do cuidado, enquanto cura, dirige-se para o

sentido de reconduzir o homem de volta à sua essência, para que possa tornar-se

humano. Na sua perspectiva, a interpretação existencial e ontológica da Presença

também é compreendida como cura ou como cuidado com a vida do ser humano.

14 “A analítica da pre-sença que conduz ao fenômeno da cura deverá preparar a problemática

ontológica fundamental, isto é, a questão do sentido do ser.” (HEIDEGGER, 2001, p. 246) “Porque, em sua essência, o ser-no-mundo é cura, pode-se compreender, nas análises precedentes, o ser junto ao manual como ocupação e o ser como co-pre-sença dos outros nos encontros dentro do mundo como preocupação. O ser-junto a é ocupação porque, enquanto modo de ser-em, determina-se por sua estrutura fundamental que é a cura.” . (HEIDEGGER, 2001, p. 257) “A expressão ‘cura’ significa um fenômeno ontológico-existencial básico.” (HEIDEGGER, 2001, p. 261)

Page 17: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

17SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

Para ele, a existência humana articula, no próprio ato da sua manifestação, a

questão do cuidado. 15

Esse educador filósofo, entende que a universalidade do fenômeno da cura

pertence à estrutura ontológica da pre-sença, enquanto acontecimento de cuidado

com a existência humana. Ele compreende que o humanismo é curar e cuidar que o

homem seja humano e não inumano, isto é, estranho à sua Essência.16

Portanto, para Martin Heidegger, o ser humano é humano porque sua

condição existencial constitutiva é o cuidado. Ele compreende que sem o cuidado o

ser humano deixa de ser humano, pois entende que ser um ser humano implica a

condição de ser o cuidado. Assim, mais do que ter cuidado, o ser humano é o

cuidado na sua essência ontológica existencial. 17

O cuidado com a vida, compreendido como desenvolvimento humano,

anuncia o direito de toda pessoa, através da vivência do autoconhecimento ou da

arte de aprender, conhecer as dimensões condicionadas dos sistemas reptiliano,

límbico e neocortical do seu cérebro, as quais produzem e cultivam a doença

psicológica proveniente da programação da crueldade, da violência, do egoísmo,

inerente à estrutura e natureza da mente velha condicionada, que originam e

legitimam a barbárie das guerras, do terrorismo, do narcotráfico, da falta de diálogo

nas relações políticas internacionais, nacionais, estaduais, municipais, profissionais,

bem como da falta de diálogo e de amor nas domésticas relações familiares entre

pais, filhos, irmãos,esposas e esposos, amantes, sogras, genros, nora, etc.

O cuidado com a existência do ser humano, entendido como processo de

cura da grave doença psicológica, também provocada pela ativação indevida da

mente velha condicionada, evidencia a possibilidade de cada indivíduo apropriar-se

do direito de viver uma existência fundamentada em um estado de consciência

15 “A história do significado do conceito ôntico de ‘cura’ permite ainda a visualização de outras

estruturas fundamentais da pre-sença. Burdach chama a atenção para um duplo sentido do termo “cura” em que ele não significa apenas um ‘esforço angustiado’, mas também o ‘cuidado’ e a ‘dedicação’.” (HEIDEGGER, 2001, p. 264)

16 “Enquanto totalidade originária de sua estrutura, a cura se acha, do ponto de vista existencial a-priori, ‘antes’ de toda ‘atitude’ e ‘situação’ da presença, o que sempre significa dizer que ela se acha em toda atitude e situação de fato.” HEIDEGGER, 2001, p. 258)

17 “Faz-se, pois, necessária uma confirmação pré-ontológica da interpretação existencial da pre-sença como cura. Essa, por sua vez, consiste no fato de que a pre-sença, desde cedo, quando se pronunciou sobre si mesma, foi interpretada como cura..” (HEIDEGGER, 2001, p. 246)

Page 18: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

18SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

afetiva de ser o cuidado, de ser sensível a si mesmo e ao outro, de sentir-se

responsável pela cura desta doença.

Portanto, falar de desenvolvimento humano na dimensão do cuidado

enquanto processo de cura da supracitada doença psicológica é também falar da

vivência do autodesenvolimento humano, fundamentado na construção e na

conquista da autoconsciência de cada pessoa.

Sem a vivência da arte de aprender, ou da arte de autoconhecer-se, o

cuidado com o acontecimento da saúde da existência do ser humano fica

comprometido pela ignorância do domínio da programação psicológica da mente

velha condicionada. Sem a vivência da arte de aprender é impossível o

acontecimento do autodesenvolvimento do ser humano na atualidade.

Ou seja, sem a vivência do autoconhecimento é impossível o processo de

construção do autodesenvolvimento humano na dimensão do cuidado-cura da

referida doença psicológica. Nesta perspectiva compreensiva, o

autodesenvolvimento humano também implica a vivência pessoal de cuidado com a

saúde da existência do ser humanohumanidade. Este autodesenvolvimento também

se processa através da vivência da arte de aprender ou da arte de autoconhecer-se,

também compreendida como vivência do indivíduo conhecer e compreender o

funcionamento da mente velha condicionada na sua própria existência.

O cuidado compreendido como processo de cura da doença psicológica do

serhumanohumanidade, provocada pela ignorância do funcionamento da

programação da estrutura e da natureza da mente velha condicionada na própria

psique, pode ser reconhecido como um fenômeno da consciência humana.

Enquanto fenômeno da consciência humana, o cuidado como vivência do processo

de pró-cura da saúde humana pode ser compreendido como sinônimo de

autodesenvolvimento humano no século XXI.

Page 19: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

19SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

5. A CONSCIÊNCIA DA ARTE DE APRENDER PARA O PROCESSO DE AUTODESENVOLVIMENTO DO SER HUMANO

A perspectiva semântica do processo do autodesenvolvimento do ser

humano, que apresento neste artigo, compreende que ser cuidadoso é também

sinônimo de ser um ser humano consciente do funcionamento da programação

psicológica desta mente, a partir da vivência da arte de autoconhecer-se ou da arte

de aprender. Sem a vivência do autoconhecimento o desenvolvimento humano e a

responsabilidade social com a existência do serhumanohumanidade ficam

totalmente comprometidos.

Assim, o cuidado também é um modo de ser um ser humano consciente da

sua integração no corpo do serhumanohumanidade, a partir da compreensão de que

aquilo que faz com ele mesmo e com o outro interfere na vida de toda a

humanidade.Aquilo que ele faz com ele mesmo pode piorar a doença psicológica do

serhumanohumanidade ou pode contribuir para o processo de sua cura.

Esse cuidado também implica o exercício consciente de uma

responsabilidade social totalmente vinculada `a vivência da responsabilidade

individual, direcionada para o desenvolvimento humano, proveniente do processo

de autodesenvolvimento humano de cada pessoa particular.

Considero importante ressaltar que a perspectiva epistemológico-filosófico-

ontológico sobre o processo do desenvolvimento humano, enquanto vivência do

cuidado-cura da doença psicológica humana, que apresento na abordagem deste

artigo, não nega, em hipótese alguma, as concepções interpretativas dos

estudos/pesquisas científicas e das ações sociais nas dimensões econômica,

sociológica, biológica, psicológica, antropológica, historiográfica , ecológica e outras

a serviço do desenvolvimento humano sustentável.

No entanto, apesar de não negar essas concepções, que apresentam

diferentes abordagens que se complementam, entendo que a perspectiva

epistemológico-filosófico-ontológico sobre o desenvolvimento humano,

compreendido como cuidado/pró-cura da saúde psicológica humana, evidencia que,

se o serhumanohumanidade não reconhecer, através da vivência da arte de

aprender ou da arte de autoconhecer-se, que a programação da mente velha

condicionada é responsável pelo fenômeno da sua violência/crueldade psicológica,

a qual produz a miséria, a fome, a desigualdade social, as guerras, os atentados

Page 20: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

20SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

terroristas, o desiquilíbrio ecológico e tantos outros sofrimentos, os diferentes

estudos econômico, antropológico, sociológico, psicológico, político ecológico,

juntamente com as ações sociais dos governos, das ongs e de outras várias

organizações a serviço do processo do desenvolvimento não poderão tratar da raiz

do problema que inviabiliza a construção de um coerente processo de

autodesenvolvimento do ser humano individual, necessário à sobrevivência coletiva

do serhumanohumanidade no século XXI.

Entendo que um dos objetivos da educação transdisciplinar é, justamente, a

realização de projetos pedagógicos direcionados para o desenvolvimento integrado

do ser humano. Os fundamentos filosóficos e a prática pedagógica desta educação

sustentam que o desenvolvimento humano, no século XXI, precisa ser

compreendido, epistemologicamente e existencialmente, como sinônimo da vivência

do cuidado-cura da doença psicológica do serhumanohumanidade, produzida pela

programação da mente velha condicionada.

O desenvolvimento humano, compreendido como cuidado com a vida do

serhumanohumanidade, é movido pela construção-conquista da autoconsciência da

responsabilidade pessoal integrada à consciência da responsabilidade social. Esta

compreensão evidencia que a responsabilidade social empresarial, tão explorada

nesta primeira década do século XXI, não abarca o significado da responsabilidade

social necessária à sobrevivência da existência do serhumanohumanidade.

O fundamento ontológico, epistemológico e espiritual do desenvolvimento

humano na perspectiva do cuidado também baseia-se na orientação de Jesus

Cristo, que reconhece que o ser humano, ao apropriar-se da consciência amorosa

da Graça Divina Redentora em sua própria existência, através da vivência do NOVO

NASCIMENTO (“nascimento da água e do espírito”)18, pode acessar a

potencialidade ontológica do amor na dimensão vivencial do amar ao próximo como

a si mesmo.

A Nova Lei do Amor19 e As bem aventuranças20, anunciadas e praticadas

por Jesus Cristo, o mestre do processo de ativação da autoconsciência amorosa do

18 “Jesus respondeu: em verdade, em verdade te digo que quem não nascer de novo, não pode ver o

reino de Deus. Em verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne, é carne , mas o que é nascido do Espírito, é Espírito.” (Evangelho de João, Capitulo III, versículos 3, 5e 6, pagina 82)

19 “A NOVA LEI DO AMOR – Mas a vós que me ouvis, digo: Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos aborrecem, bendizei os que vos maldizem, orai pelos que vos caluniam. Ao que te ferir

Page 21: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

21SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

serhumanohumanidade, são alguns dos fundamentos que sustentam a vivência do

desenvolvimento humano como processo de cuidado e pró-cura da saúde da

existência do ser humano.

Sem a prática da Nova Lei do Amor e das Bem aventuranças é impossível o

acontecimento do desenvolvimento humano nessa perspectiva do cuidado-cura da

referida doença psicológica. Esta vivência, provavelmente, poderá ser uma semente

que fará germinar a raiz e o fruto do autodesenvolvimento do ser humano.

Tal germinação, talvez, poderá ajudar o ser humano, não mais dominado pela

ignorância do funcionamento da programação psicológica da mente velha

condicionada em sua própria existência, a tornar-se co-responsável pelo

desenvolvimento humano de uma humanidade mais humana, mais espiritualizada,

mais solidária e dialógica, aberta para a ternura do aprendizado do amor na vivência

da construção de responsáveis relações sociais afetivo-amorosas. Ou seja, uma

humanidade menos cruel e violenta, capaz de vivenciar o princípio amoroso da não-

violência praticado e testemunhado por Mahatma Gandhi, um educador

transdisciplinar do século XX, que transformou a ensinança crística do ser humano

amar ao próximo como a si mesmo, em princípio e significado da sua existência e da

sua morte.

numa face, oferece-lhe também a outra. Ao que tirar a tua capa, deixe que leve também a túnica. Dá a qualquer que te pedir, e ao que tomar o que é teu, não o peças de volta. Como vos quereis que os homens vos façam, da mesma maneira fazei-lhes vos também. Se amardes os que vos amam, que recompensa tereis? Até os pecadores amam os que os amam. Se fizerdes o bem aos que vos fazem o bem, que recompensa tereis? Até os pecadores fazem o mesmo. Se emprestardes àqueles de quem esperais tornar a receber, que recompensa tereis? Até os pecadores emprestam aos pecadores, para tornarem a receber outro tanto. Ao contrário, amai os vossos inimigos, fazei o bem, emprestai, sem nada esperardes.” (Evangelho de Lucas Capitulo VI, versículos 27 a 35, pagina 56) 20 “ AS BEM AVENTURANCAS – Vendo Jesus as multidões, subiu a um monte e assentou-se. Aproximaram-se os seus discípulos, e ele começou a ensina-los, dizendo: Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados. Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra. Bem-aventurados os que tem fome e sede de justiça, porque eles serão fartos. Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus. Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.” (Evangelho de Mateus Capitulo V, versículos 1 a 10, pagina 3)

Page 22: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

22SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.

REFERÊNCIAS

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petropolis, Vozes, 2005 KRISHNAMURTI, Jiddu. Realização sem esforço. Rio de Janeiro, ICK, 1956 a ___________________. A educação e o significado da vida. São Paulo, Cultrix, 1969 a ___________________. A cultura e o problema humano . São Paulo, Cultrix, 1973 a ___________________. Viagem por um mar desconhecido. São Paulo, Editora Três, 1973 b ___________________. Fora da violência. São Paulo, Cultrix, 1973 c

___________________. O novo ente humano. Rio de Janeiro, ICK, 1975 c ___________________. A libertação dos condicionamentos. Rio de Janeiro, ICK, 1977 b ___________________. O homem e seus desejos em conflito. São Paulo: Cultrix, 1981 ___________________. Cartas a las escuelas I. Buenos Aires: Kier, 1996a _____________________ . Sobre a aprendizagem e o conhecimento. São Paulo: Cultrix, 1996 b Vários autores. Bíblia do ministro. Florida, Editora VIDA, 1996, edição contemporânea de Almeida

Page 23: Dialogo Com Algumas Perspectivas Educacionais de Jiddu Krishnamurti

23SOARES, Noemi. A consciência da arte de aprender para o autodesenvolvimento do ser humano. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE CONSCIÊNCIA, 1., 2006, Salvador. Anais... Salvador: Fundação Ocidemnte, 2006. 1 CD-ROM.