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Diálogo entre um cacique e um francês Jean DeLery: - Por que vocês vêm de tão longe para buscar lenha para aquecer? Não existe lenha em sua terra? - Temos lenha, mas não desse pau, mas não queimamos, extraímos a tinta para tingir. - E por que precisam de tanto Arabutan? - Porque existem comerciantes que têm mais panos, facas, tesouras, espelhos, e mais coisas de que vocês aqui não podem supor, só um deles compra todo o pau-brasil de muitos navios carregados. - Ah! Você me conta maravilhas! Mas esse homem tão rico não morre? - Sim, morre como os outros. - E quando morre, para quem fica o que é deles? - Para seus filhos, se os têm. Na falta, para os irmãos e parentes próximos. - Na verdade, agora vejo que vocês, franceses e portugueses são uns grandes loucos; pois atravessam o mar com grandes incômodos, como dizem, e trabalham tanto, a fim de amontoarem para os filhos e parentes! A terra que os alimenta não é suficiente para alimentá-los a eles? Nós aqui também temos filhos, a quem amamos, mas como estamos certos de que após nossa morte a terra que nos nutriu os nutrirá também, descansamos sem o mínimo cuidado. Este discurso que ouvi de um pobre selvagem americano, de uma nação que reputamos bárbara, mostra como eles zombam com desdém dos que, com fito de lucro e perigo de vida, atravessam os mares em busca do pau-brasil; E por mais broncos que sejam eles atribuindo maior importância a natureza e fertilidade da terra o que nós atribuímos ao poder providências divinas, insurgem-se contra esses rapinantes chamados cristãos, que abundam na Europa tanto quanto escasseiam na América. História de uma viagem à terra do Brasil, Jean DeLery, traduzido por Monteiro Lobato. páginas 130 e 131.

Diálogo Entre Um Cacique e Um Francês Jean DeLery

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Diálogo Entre Um Cacique e Um Francês Jean DeLery

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Page 1: Diálogo Entre Um Cacique e Um Francês Jean DeLery

Diálogo entre um cacique e um francês Jean DeLery:

- Por que vocês vêm de tão longe para buscar lenha para aquecer? Não existe lenha em sua terra?

- Temos lenha, mas não desse pau, mas não queimamos, extraímos a tinta para tingir.

- E por que precisam de tanto Arabutan?

- Porque existem comerciantes que têm mais panos, facas, tesouras, espelhos, e mais coisas de que vocês aqui não podem supor, só um deles compra todo o pau-brasil de muitos navios carregados.

- Ah! Você me conta maravilhas! Mas esse homem tão rico não morre?

- Sim, morre como os outros.

- E quando morre, para quem fica o que é deles?

- Para seus filhos, se os têm. Na falta, para os irmãos e parentes próximos.

- Na verdade, agora vejo que vocês, franceses e portugueses são uns grandes loucos; pois atravessam o mar com grandes incômodos, como dizem, e trabalham tanto, a fim de amontoarem para os filhos e parentes! A terra que os alimenta não é suficiente para alimentá-los a eles? Nós aqui também temos filhos, a quem amamos, mas como estamos certos de que após nossa morte a terra que nos nutriu os nutrirá também, descansamos sem o mínimo cuidado.

Este discurso que ouvi de um pobre selvagem americano, de uma nação que reputamos bárbara, mostra como eles zombam com desdém dos que, com fito de lucro e perigo de vida, atravessam os mares em busca do pau-brasil; E por mais broncos que sejam eles atribuindo maior importância a natureza e fertilidade da terra o que nós atribuímos ao poder providências divinas, insurgem-se contra esses rapinantes chamados cristãos, que abundam na Europa tanto quanto escasseiam na América.

História de uma viagem à terra do Brasil, Jean DeLery, traduzido por Monteiro Lobato. páginas 130 e 131.