24
Diálogos do Fórum DRS Edição 9 Ano 2 Abril/2013 Luciano Martínez Diego Piñero Alex Barril Alberto Adib Ruralidade na América do Sul: história, presente e futuro das políticas públicas para a região

Diálogos - Edição 9

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Nona edição da Revista Diálogos do Fórum DRS

Citation preview

Page 1: Diálogos - Edição 9

Diálogos do Fórum DRSEdição 9

Ano 2

Abril/2013

Luciano Martínez

Diego Piñero

Alex Barril

Alberto Adib

Ruralidade na América do Sul: história, presente e futuro das políticas

públicas para a região

Page 2: Diálogos - Edição 9

Coordenador Executivo do Fórum DRSCarlos Miranda

Assessor Técnico do Fórum DRSBreno Tiburcio

Assessor Técnico do Fórum DRSHeithel Silva

Assistente Técnico do Fórum DRSRenato Carvalho

Jornalista André Kauric

Projeto Gráfi co e EditoraçãoPatricia Porto

Secretária Executiva Tatiana Cassimiro

FotosPedro Ladeira / Arquivo IICA

Representação do IICA no BrasilSHIS QI 03, Lote A, Bloco F, Centro Empresarial TerracottaCEP 71605-450, Brasília-DF, Brasil.

Visite nossos Sites:www.iicaforumdrs.org.br www.iica.org.br

http://twitter.com/forumdrs

ExpedienteEsta publicação está disponível em formato eletrônico (PDF) no site: www.iicaforumdrs.org.br

Fale Conosco55 61 [email protected]

Page 3: Diálogos - Edição 9

ApresentaçãoA série “Diálogos do Fórum DRS” é uma publicação exclusiva do Fórum Perma-nente de Desenvolvimento Rural Sustentável (Fórum DRS). Tem origem na seção “Diálogos”, do Boletim Informativo do Fórum DRS, que brindou durante anos o leitor com entrevistas e debates com personalidades relacionadas ao tema DRS. A série “Diálogos do Fórum” ganhou espaço exclusivo nas publicações do Fórum DRS desde março de 2012.

Em novo formato, a série oferece ao leitor conteúdo rico e exclusivo, com pontos de vista distintos, permitindo que você tenha um panorama mais amplo à respeito dos temas relacionados ao DRS. A interação marca este novo espaço, já que os usuários podem interagir com os participantes dos diálogos por meio do site do Fórum DRS.

Diálogos do Fórum DRSEdição 9

Ano 2

Abril/2013

Luciano Martínez

Diego Piñero

Alex Barril

Alberto Adib

Ruralidade na América do Sul: história, presente e futuro das políticas

públicas para a região

Nesta EdiçãoA nona edição da Revista Diálogos do Fórum DRS dá continuidade aos debates sobre as concepções de Ruralidade na América Latina e suas implicações nas políticas públicas de desenvolvimento rural. Nesse sentido, a presente edição reúne 2 especia-listas, com considerável experiência como gesto-res governamentais – Alberto Adib e Alex Barril, e 2 proeminentes acadêmicos Sulamericanos - Diego Piñero e Luciano Martinez, que fizeram uma refle-xão sobre temas, tais como: o conceito ampliado de rural no mundo contemporâneo, o equívoco da visão que associa o rural a condições de atraso ou o reduz às atividades agropecuárias ou ainda, as suas debilidades institucionais e organizacionais e finalmente, debatem o mundo rural em sua inser-ção nos processos nacionais de globalização.

Page 4: Diálogos - Edição 9

4 Diálogos do Fórum DRS

ABRIL | 2013 www.iicaforumdrs.org.br

Ruralidade na América do Sul: história, presente e futuro das

políticas públicas para a região

Diego Piñero, professor de Sociologia Rural no Uruguai; Alex Barril, consul-

tor independente no Chile e Luciano Martínez, professor da Flacso, em Quito,

no Equador, discutem, nessa edição, o conceito de rural na América do Sul sob

a óptica de diversos países da região, como Uruguai, Chile, Paraguai, Equador,

Argentina e Brasil. Como lidam os representantes dos Estados da região com

essa questão? Qual a origem histórica do rural nos países que constituem a

região? O rural é subestimado na região? Qual o futuro do campo na região?

Esta e outras perguntas são debatidas pelos especialistas neste Diálogos do

Fórum que foi conduzido pelos consultores do IICA Ivanilson Guimarães e Al-

berto Adib. Leia e conheça mais sobre a formação do conceito do rural na

América do Sul.

ALBERTO ADIB: Vou fazer uma breve introdução para começar abordando

o tema da ruralidade de forma mais geral. Depois podemos falar de detalhes

mais específicos dos países.

Bem, temos visto que os critérios que são utilizados pelos financiadores rurais

variam muito. Cada país tem o seu critério e isso está muito claro. Outro ponto,

Page 5: Diálogos - Edição 9

5

www.iicaforumdrs.org.br ABRIL | 2013

Diálogos do Fórum DRS

corresponde a uma classificação dicotômica muito

clara, associado a pautas conceituais normativas

e isso, também, está muito claro. Mantiveram-se

sem modificação nos últimos 40, 50 anos e têm

contribuído, agora se vê isso de forma clara, a uma

subestimação do rural, identificando a América

Latina como região muito urbanizada, o que afe-

ta muito as decisões políticas. Ou seja, com essa

leitura que se faz do rural, com critérios antigos,

no Brasil principalmente, temos um país muito

urbanizado. Mas pelo o que entendemos do rural

na atualidade, percebemos que não. Os países não

são tão urbanos, porque a ruralidade hoje tem uma

conotação distinta. Eu gostaria que vocês comen-

tassem algo sobre os problemas existentes nes-

sa conotação dicotômica para uma interpretação

mais atualizada da ruralidade

DIEGO PIÑERO - Eu gostaria, em relação

a esse tema da subestimação rural, de voltar

na história. Pelo menos no caso do Uruguai é

importante discutir isso. E a minha pergunta é:

por que o rural está subestimado?

Eu creio que isso tem a ver com o papel que o

rural jogou na história do País. No Uruguai, por

exemplo, o último tiro da guerra civil foi dado em

1904, ou seja, não faz tanto tempo. E a campa-

nha uruguaia, ou seja, o campo uruguaio durante

todo o século XIX foi um campo de guerra, um

campo de enfrentamento entre distintas concep-

ções políticas. E aqueles que lutavam, os que se

enfrentavam, eram os gauchos, liderados pelos

seus patrões, que eram os coronéis, que lide-

ravam os exércitos que se enfrentavam nessa

guerra. Assim, o campo uruguaio, era perigoso

[...] Pelo o que entendemos do

rural na atualidade, percebemos

que não. Os países não são tão

urbanos, porque a ruralidade hoje

tem uma conotação distinta

”Alberto Adib

Page 6: Diálogos - Edição 9

6 Diálogos do Fórum DRS

ABRIL | 2013 www.iicaforumdrs.org.br

andar, pois não era um campo pacífico e, mais

ainda, era um campo de grandes extensões no

qual predominava a pecuária. Só se podia andar

a cavalo, devido as enormes distâncias.

Então, eu acredito que aí nasce uma visão

cultural que ainda temos nos dias de hoje, que

o campo não está associado ao civilizado. O civi-

lizado é a cidade; e o campo, de alguma forma,

representa o não civilizado, a barbárie, aque-

la famosa dicotomia de Sarmiento, o argentino

que escreveu o livro que marcou uma geração,

ao menos no Rio de La Plata, uma dicotomia de

civilização e barbárie. A barbárie do campo e a ci-

vilização na cidade. Eu acredito que esse conceito

permeou a cultura dos uruguaios, não acredito

que só dos uruguaios, mas outros países talvez

tenham vivenciado algo similar.

Então, quando a gente observa a lei de 1946,

que é a lei que estabelece a criação dos centros

povoados no Uruguai, essa ideologia está presen-

te na criação dos centros povoados, nessa lei. E

o que ali é resgatado ou o que se decide é como

se cria os centros povoados, a partir de um meio

que é o campo. O imanente, o que está presente

é o campo e não o rural. Então, a lei cria o urba-

no como civilizado, como o espaço, o lugar, onde

a sociedade se crê como uma sociedade mais

progressista, que pode acessar serviços que a

diferencia do rural. Inclusive, eu diria, muito et-

nocentricamente, é mais europeia. Não sei se

isso é similar para outros países, mas no caso do

Uruguai isso é o que está muito marcado na con-

cepção inicial de como se define o rural. O rural

fica, então, para trás, o rural fica definido como

arcaico, como aquilo que está contra o progresso.

[...] Há processo de reforço na medida

em que o rural se conceitua como

o atrasado e, também, na medida

em que os serviços se instalam

nos centros povoados e as políticas

públicas reforçam isso, ou seja,

efetivamente, o rural vai ficando

atrasado.

”Diego Piñero

Page 7: Diálogos - Edição 9

7

www.iicaforumdrs.org.br ABRIL | 2013

Diálogos do Fórum DRS

ALBERTO ADIB - Como esse conceito, hoje,

afeta a política pública?

DIEGO PIÑERO -Como consequência dessa

definição do rural e do urbano, toda a ação do

Estado se centraliza nos povoados e nas cidades,

sobretudo nas zonas econômicas, em especial

nas cidades maiores. Então é como um círculo

vicioso que reforça o atraso, o arcaico do rural.

Porque na medida que os serviços como, por

exemplo, a educação, se instala nas cidades, a

população rural, que está distante dos centros

povoados onde estão os serviços, cada vez vai

ficando mais fora da corrente de modernização.

Portanto, há processo de reforço na medida em

que o rural se conceitua como o atrasado e, tam-

bém, na medida em que os serviços se instalam

nos centros povoados e as políticas públicas re-

forçam isso, ou seja, efetivamente, o rural vai fi-

cando atrasado.

ALEX BARRIL - Continuando com a reflexão

de Diego a respeito da marginalização do setor

rural, eu acredito que no Chile o tema tem re-

lação fundamentalmente com a estrutura so-

cioeconômica em que se deu o desenvolvimento

inicial do país. Talvez um dos mais marcantes no

mundo andino.

A fazenda como estrutura social, econômica

e política, sobretudo nas zonas centrais de Chile,

marcou o predomínio econômico até 1960. Tinha

essa cultura de dominação e de atraso. O pro-

prietário era o dono do poder, o que tinha direito

a voto; e os inquilinos, que eram os peões, es-

tavam absolutamente fora do mundo social. Não

tinham educação, não tinham saúde, não tinham

nada, dependiam do proprietário. Daí se instala

uma conceitualização de um mundo rural igno-

rante, atrasado. Não há interlocução, com exce-

ção dos proprietários que se movem no mundo

político. Se observarmos a conformação da Eu-

ropa, ou aqui ou o governo; são os proprietários.

Com essa visão, além disso, se faz a mudança

política. Esse mundo atrasado é um obstáculo

para conseguir o desenvolvimento do país e, por-

tanto, precisa ser tirado do caminho.

O primeiro processo de reforma agrária no

Chile inscrito no marco de um novo modelo de

desenvolvimento, de substituição de importação

e etc, foi o interceptor para que o campo fosse

uma dificuldade. Latifúndio para o cientista era

um dono de uma propriedade, que dividia fora

dali, vivia na cidade, tinha uma produção abso-

lutamente extensiva, não era moderno. A refor-

ma agrária tem sua primeira intenção no Chile

de modernizar do ponto de vista produtivo, deixar

que o campo seja um estorvo e comece efetiva-

mente a ser um aporte para este país que tem

que se industrializar, que tem que mudar.

Posteriormente, viria a segunda parte para

uma reforma agrária mais inclusiva, que o tema

passa a ser não só da propriedade da terra, mas

também da participação, do acesso a organiza-

ção, do acesso à educação e etc. Eu diria que

isso ficou marcado. E hoje, com o transcurso do

tempo, dos 80 para frente, as mudanças políti-

cas causaram forte migração do campo para a

cidade. Um distanciamento por distintas razões,

não só de cunho laborais, econômicas, mas tam-

bém políticas. Tem uma forma de olhar a polí-

tica na qual o campo não é prioridade, ou seja,

não há força suficiente no âmbito político dos

Page 8: Diálogos - Edição 9

8 Diálogos do Fórum DRS

ABRIL | 2013 www.iicaforumdrs.org.br

setores que representam o mundo agropecuário

para influenciar nesta sociedade. Nem sequer os

empresários tem a capacidade para se impor ou

para demandar com certa força desta política.

Incidem muito pouco.

Hoje a reivindicação, na conjuntura atual dos

empresários no Chile, é o preço do dólar. Ai com

certeza eles reclamam. Como a agricultura está

voltada para exportação, se o preço do dólar cai,

eles são prejudicados e aí se mobilizam para

brigar pelo preço do dólar, não para brigar por

outro. E o mundo da agricultura familiar, dos as-

salariados agrícolas não tem suficiente peso or-

ganizacional nem sequer para debater. Por ai eu

vejo que está essa contradição.

LUCIANO MARTÍNEZ - Bem, seguindo o racio-

cínio dos meus companheiros que falaram sobre

seus países, eu creio que há um quiero no caso

equatoriano, que esta relacionado com essa des-

valorização do mundo rural. Na minha opinião, pa-

rece que, no caso equatoriano, existe um processo

tardio de industrialização que vai gerando uma vi-

são de uma construção do moderno, da moder-

nidade. Isto porque, no caso equatoriano, não se

deu a reforma agrária por fundo. A reforma agrá-

ria de 1964 não gerou um processo de redistribui-

ção da terra e a fazenda ficou intacta. Então, não

foi possível gerar as condições para um proces-

so de industrialização, com um mercado interno,

mas, de qualquer forma, foi sendo construído um

imaginário na sociedade de que o rural era o pior.

Como não houve transformação para a população

rural, esta ficou em condições muito degradadas,

com níveis de vida muito baixo, dependendo ainda,

eu diria, de um modelo de dominação.

Um distanciamento por distintas razões,

não só de cunho laborais, econômicas,

mas também políticas. Tem uma forma

de olhar a política na qual o campo não é

prioridade, ou seja, não há força suficiente

no âmbito político dos setores que

representam o mundo agropecuário para

influenciar nesta sociedade. Nem sequer

os empresários tem a capacidade para se

impor ou para demandar com certa força

desta política. Incidem muito pouco.

”Alex Barril

Page 9: Diálogos - Edição 9

9

www.iicaforumdrs.org.br ABRIL | 2013

Diálogos do Fórum DRS

Até hoje no século XXI as pessoas têm no ima-

ginário esse modelo. Uma dependência que faz

com que a população rural pense que tem uma

relação com o proprietário. Isso, por um lado, sig-

nifica uma desvalorização porque eles nunca se

desvincularam dessa relação; e, por outro lado,

foi criado um imaginário de que o importante era

o crescimento das cidades, de ser urbano, pois

ali estava o melhor, ali estava a modernização.

Eu penso que significou um processo importan-

te de migração do campo para as cidades. E, até

hoje, o importante para um jovem campesino é

sair para a cidade, porque ali está o moderno; ali

estão as melhores condições de vida.

Em geral, na sociedade equatoriana, o rural

significa, até agora, um espaço de atraso, de

desvalorização. Então, me parece que isso são

fenômenos estruturais que marcam, não? Isto

de não ter feito uma reforma agrária é chave e

está marcado principalmente nesse processo de

desvalorização do rural que, digamos desde a

metade do século passado pra cá, se acentua e

gera que a população rural e, destacadamente a

mais jovem, o que me preocupa, não veja o espa-

ço rural, as atividades rurais, todas as ações do

campo como de valor para ele.

ALBERTO ADIB - Diego, tem uma coisa que

me chamou a atenção na sua fala durante o Fó-

rum* (*VII Fórum Internacional de Desenvolvi-

mento Territorial, entre os dias 11 a 14 de novem-

bro de 2012, em Fortaleza, e do qual Diego Piñero

participou como palestrante) . O senhor falou de

uma forma muito en passant de que o Uruguai

não está preparado para ter uma discussão so-

bre a ruralidade. Outra ponto que me chama a

atenção é que em toda a América Latina só exis-

tem dois países que estão se envolvendo sobre o

tema ruralidade, quero dizer, efetivamente o Es-

tado está buscando uma forma de se envolver: o

Chile, que iniciou o processo agora mesmo (no fi-

nal de 2012), e o Brasil. Porque o senhor acredita

que o Uruguai não está preparado para o tema?

DIEGO PIÑERO – Não Alberto, o que eu falei é

que acreditava que o Uruguai estava preparado

para uma discussão sobre o tema da ruralidade,

mas olhando do ponto de vista das transforma-

ções, sobretudo no emprego e na localização das

pessoas no campo e na cidade. O que o Uruguai

não está preparado é para uma discussão sobre

a ruralidade em termo da multifuncionalidade

do rural, pois isso é, na minha opinião, uma dis-

cussão muito diferente que possui muitas impli-

câncias e está muito influenciada pela discussão

europeia.

Eu ainda acredito que nos nossos países as

discussões estão muito em termo desse proces-

so de deslocamento entre o rural e o agrícola.

Eu dizia que em nossa história, até muito pouco

tempo, o rural e o agrícola coincidiam, ou seja,

todas as pessoas que viviam no meio rural de-

sempenhavam tarefas agrícolas e, por sua vez,

todos os que desempenhavam tarefas agrícolas

viviam, tinham sua residência no meio rural.

O que aconteceu nos últimos 20 anos é que

houve um deslocamento desses dois concei-

tos. Hoje tem muita gente que vive no meio ru-

ral, porém desempenham tarefas que não são

agrícolas, em torno de 20%, no caso do Uruguai.

Pessoas que residem no meio rural não desem-

penham tarefas agrícolas, senão fundamental-

Page 10: Diálogos - Edição 9

10 Diálogos do Fórum DRS

ABRIL | 2013 www.iicaforumdrs.org.br

mente serviços e algo menos na indústria. Em

segundo lugar, existem muitas pessoas que hoje

desempenham tarefas agrícolas vinculadas a

agricultura e que não possuem residência rural.

Para dar um dado, os 50% dos trabalhadores

assalariados rurais e agrícolas no Uruguai não

recebem no meio rural, senão recebem no meio

urbano e isso porque há uma enorme transfor-

mação nas comunicações e nos meios de trans-

porte. Então, o que acontece? Os trabalhadores

assalariados recebem do meio urbano. Quando

o patrão o necessita, o chama por telefone e lhe

diz: - “você pode vir amanhã? Pois tenho trabalho

em tal e tal coisa”. No dia seguinte, essas pes-

soas sobem nas suas motos, pois hoje as motos

na China custam mil dólares e quem não pode

comprar uma? E como existem boas estradas e o

lugar onde essas pessoas vão trabalhar estão a

15, 20, 30 quilômetros, eles vão até o prédio, tra-

balham ali um dia e voltam ou ficam dois ou três

dias. Além disso, isso está muito apoiado pelos

patrões, porque dessa forma o custo da mão de

obra diminui muito, já que o tempo de trabalho

na agricultura é variável. Se eu tenho um peão

permanente no meu estabelecimento tenho que

pagar o salário dos meses, mas o emprego, eu o

necessito apenas alguns dias do mês. Assim, os

meios de comunicações, as trocas nos meios de

comunicações e de transportes facilitaram essa

fragilidade, o que permitiu aos patrões diminuir

os seus custos em relação a remuneração do

trabalho rural.

Então, isso que estamos apresentando, vimos

notando nos últimos 12 anos, ou seja, nos últimos

20 anos. Nos últimos 5 anos, se acelerou profun-

O conceito de rural foi criado quando

o rural e o agrícola coincidiam e

hoje estão desdobradas, então esse

conceito é velho, portanto, temos que

renovar esse conceito e temos que

repensar o que entendemos hoje por

população rural.

”Diego Piñero

Page 11: Diálogos - Edição 9

11

www.iicaforumdrs.org.br ABRIL | 2013

Diálogos do Fórum DRS

damente e a população rural do Uruguai dimi-

nuiu pela metade entre o ano 2000 e 2011, que foi

o último censo realizado. Passou de 9,7% a 5,3%

a população rural, ou seja, já era baixa a popu-

lação rural no ano 2000. Então, entre o ano de

96 e o ano 2000 passamos de 9,7% de população

rural para 5,3%, portanto, esta enorme diminui-

ção gera um problema que antes não tínhamos.

Primeiro, essa população que reside no meio ru-

ral, porém, presta serviços para a agricultura às

vezes, mas presta serviços ou é um comerciante

e reside em um povoado de mil habitantes, como

vamos considerá-lo? Como população urbana

ou como população rural? Esse é um dos pro-

blemas. Uma pessoa que trabalha durante todo

o ano no meio rural e em tarefas agrícolas, mas

reside em um povoado e numa cidade, como va-

mos considerá-lo? Como povoado rural ou como

população urbana? Essas são as coisas que pre-

cisam ser redefinidas. Por que acontece?

O conceito de rural foi criado quando o rural e

o agrícola coincidiam e hoje estão desdobradas,

então esse conceito é velho, portanto, temos que

renovar esse conceito e temos que repensar o

que entendemos hoje por população rural.

ALBERTO ADIB - Eu queria abordar um tema

e depois você pode mesclar com o que ele dis-

se. O mercado do Chile, o que me chama atenção

é que é um país eminentemente mineiro; e na

questão do PIB, na contribuição do PIB agrícola

está em quarto lugar, mas é um país que briga

muito para ser uma potência agroalimentar. En-

tão como convive o Chile? É o primeiro país da

America latina que está preocupado em definir o

conceito de ruralidade, esse é o primeiro, porque

o que estamos fazendo aqui, no Brasil, não é um

movimento iniciado pelo Estado e, sim, um movi-

mento que foi provocado por organizações inter-

nacionais. Eu creio que no Chile acontece algo,

como o senhor vê isso?

ALEX BARRIL - Teria que se detalhar mais

qual é a intenção e a vontade hoje. Existe efeti-

vamente o interesse de entrar nessa área do ru-

ral, da definição. Fundamentalmente os dados

do último censo que foi realizado meses atrás e,

mesmo que não há dados oficiais, claramente vai

mostrar primeiro o crescimento muito menor na

população em geral do que se esperava. Se espe-

rava que de 15 fosse passar para 18 milhões de

habitantes e são 16,5 milhões. E, segundo, houve

uma diminuição, parecido com o que aconteceu

no Uruguai, desse 13% vamos baixar, com certe-

za, para uns 10%.

ALBERTO ADIB – Para quem quer ser potên-

cia alimentar...

ALEX BARRIL – Exato. Então, o Ministério

de Agricultura que tem interesse, tem também

essa contradição. E faço a mesma pergunta que

você: como me explicam isso? Como esse país

com um 10% de população rural vai ser potência

agroalimentária? Eu acredito que será algo fun-

damentalmente instrumental. Não creio que isso

vá (...) e se chegar a se concretizar, essa troca

de conceito vai ser fundamentalmente normativa

para mudar o censo. Ou seja, o próximo censo

será medido com um conceito distinto, mas isso

não vai ter necessariamente implicância e que o

Estado vai ter uma preocupação maior por gerar

políticas.

Page 12: Diálogos - Edição 9

12 Diálogos do Fórum DRS

ABRIL | 2013 www.iicaforumdrs.org.br

Não existe uma política bem definida na Améri-

ca Latina que permita o ingresso de trabalhadores

estrangeiros por período de tempo permanente. E

isso teve início com os paraguaios. Começou-se

a levar muitos paraguaios para trabalhar no Chi-

le, nos territórios rurais, nos últimos três a quatro

anos, porém, ilegalmente. A migração peruana

também é muito forte, ainda que mais dirigida a

serviços urbanos, mas os paraguaios foram im-

pressionantes nos últimos três anos.

E isso, podemos dizer, motivado por uma visão

de que o sistema salarial, além de ser uma piada,

é outro incentivo perverso para que as pessoas

não trabalhem no âmbito rural. Quando a gente

vê que isso acontece em todos os lugares, per-

cebe que existe uma missão institucionalizada:

Existem coisas que são parecidas. Se analisar-

mos o Chile, o sistema de contratação de força de

trabalho também mudou radicalmente. Hoje em

dia, independe do período que se vive, o aporte do

setor agropecuário em força de trabalho é de 8 ou

quase 9%, o que preocupa. Mas se a gente mede

isso na época da safra, na época da colheita de

frutas, onde a mão de obra aumenta fundamen-

talmente, esse aporte deve subir para 20%. Todas

essas pessoas que vão trabalhar na safra para a

colheita é o mesmo que acontece no Uruguai e em

outros países. E hoje um dos problemas do Chile

é que há uma escassez enorme de mão de obra

para o setor rural e, por iniciativa dos empresários

agrícolas, tem início a discussão de uma política

migratória.

Participantes reunidos durante o VII Fórum Internacional, em Fortaleza.

Da esquerda para direita: Alberto Adib, Alex Barril, Luciano Martínez, Diego Peñero e Ivanilson Guimarães

Page 13: Diálogos - Edição 9

13

www.iicaforumdrs.org.br ABRIL | 2013

Diálogos do Fórum DRS

que a vida mais barata é no campo e, portanto,

os salários são menores, tem que ser menores.

Tem um salário mínimo agrícola e tem um salário

mínimo industrial-urbano. O questionário de ca-

racterização socioeconômica, que é feito uma vez

a cada dois anos regularmente, tem dois valores

para medir a pobreza: um valor para o setor ur-

bano e um valor distinto, mais baixo, para o setor

rural. As pessoas abandonam o campo não só por

questão de moradia, mas também de trabalho,

pois se ganha mais trabalhando fora e isso nos

levou a esses problemas.

É muito complexo porque o tema é que eu não

vejo, hoje, que essa vontade manifestada pelo

governo em pensar em setorizar o rural, esteja

relacionada com alguma mudança de política. Eu

acredito que exista um forte impacto na questão

institucional. O Ministério da Agricultura vê muito

pouco os temas rurais em geral e nessas medi-

ções começa a ficar sem clientela e pode ser que

aconteça, tardiamente, o mesmo que na Argenti-

na, em uma discussão que aconteceu um tempo

atrás: Porque queremos colocar agricultura? Por

que não um Ministério de Economia e Produção

que tenha uma subsecretaria de agricultura?

Eu acredito que ai há um temor político a esse

nível que esta por dentro da discussão. Mas se

não quisesse fazer uma mudança radical, mais

profunda da conceitualização do rural que não

esteja relacionada com a geração de política,

creio que passa por outro lado. Tem que se asso-

ciar a um setor econômico produtivo, agricultura

familiar que tenha produção. Colocar em debate

a importância que uma pessoa tem hoje em dia,

apesar da agricultura estar voltada à exportação,

a importância que tem a agricultura familiar na

produção do alimento e, a partir daí, traçar um

caminho para uma definição; mas assim no ar, eu

não enxergo...

ALBERTO ADIB - Você falou uma coisa muito

interessante. Você não acredita que deve ser de

cima para baixo que se deve buscar a definição

do rural. Deve ser uma construção social e que

a partir daí nasce. Como vê isso? É possível ou

demoraria muito para fazer? Existe organização

suficiente das pessoas para poder se mover e

buscar isso?

LUCIANO MARTÍNEZ - Esse é um tema muito

complexo. O governo está desenhando algumas

políticas que tem muitas potencialidades do pon-

to de vista rural, mas tenho o temor de que isso

não se centralize como um movimento social.

Lamentavelmente, no Equador, o movimento in-

dígena foi declinando e nesse momento, não re-

presenta o que poderia ser uma força vinculada a

agricultura familiar. Assim, acredito que no caso

equatoriano é um drama, pois não há uma conso-

lidação do que poderia ser o capital social, desde

baixo, das organizações. Não tem, por exemplo,

uma organização de agricultores familiares que

podem ser os que recolham essas propostas e

façam sugestões.

Existe por aí umas organizações que tem a ver

com a parte dos consumidores e nada mais. Isso

se está organizando porque existe uma poten-

cialidade muito forte com a parte da soberania

alimentar vinculada a a agricultura familiar, mas

não existe uma organização potente que possa

vincular isso, contudo, isso é uma necessidade,

pois caso contrário, vamos ter o desenho de uma

Page 14: Diálogos - Edição 9

14 Diálogos do Fórum DRS

ABRIL | 2013 www.iicaforumdrs.org.br

políticas pública muito intencionada, mas que

não se conectam.

Por exemplo, aproveitando o tema salarial no

rural e o urbano, no caso equatoriano tem uma

diferença muito notável em relação ao caso do

Chile e do Uruguai. E é que ainda os assalariados

não foram destituídos de suas terras, quer dizer,

são semi proprietários. Então, ainda tem a resi-

dência, ficam no meio rural, estão aí e não mi-

graram para as cidades, porque teriam um dra-

ma tremendo, imaginem as migrações de todas

as áreas rurais. Mas isso permite às empresas,

sobretudo, as últimas empresas de exportação

de flores e de hortaliças, que se instalaram for-

temente na parte da serra, à aproveitar a mão de

obra local ou indígena que estão próximas. Per-

mite às empresas pagar bem, justamente porque

sabem que de alguma maneira eles conservam,

facilitam e desde ai eles tem seu alimento e etc.

Então, as condições de trabalho são mais baixas

e dessa maneira podem ser competitivos; porque

produzir flores no Equador e competir com Ho-

landa, competir com Quênia e etc. no mercado

mundial é um problema.

No entanto, na parte da costa, aí sim, o poder

de concentração da terra expulsou a mão de obra

e aí foram formados esses povoados de assala-

riados que não possuem nenhuma parcela e que

estão vivendo nesses pequenos povoados que,

além disso, são consideradas cidades porque

tem nada mais do que menos de 5 mil habitantes.

Ou seja, mais de 5 mil habitantes e é uma cidade.

Então é uma quantidade de pequenos povoados

que foram formados, que são cidades-domitórios

onde estão os assalariados que trabalham. Mas

Temos esse desenho, mas eu penso que

há uma debilidade organizativa, então

não há uma possibilidade que se possa

construir. E a pergunta seria: como se

constrói as políticas públicas em nosso

países?

”Luciano Martinez

Page 15: Diálogos - Edição 9

15

www.iicaforumdrs.org.br ABRIL | 2013

Diálogos do Fórum DRS

isso obedece a um processo de maior ou menor

expropriação dos campesinos, se ficavam com a

terra ou não.

Então no Equador existem esses dois modelos

interessantes: um dos agricultores vinculados e,

outro, dos agricultores que já não possuem terra

e já são mais parecidos ao modelo do Chile e do

Uruguai.

Mas voltando a sua pergunta, acredito que isso

seja um desafio no caso do Equador. Temos esse

desenho, mas eu penso que há uma debilidade

organizativa, então não há uma possibilidade que

se possa construir. E a pergunta seria: como se

constrói as políticas públicas em nosso países?

Essa é a pergunta. E acredito, pelo menos a ex-

periência de Equador, é que são construídas des-

de cima. Perigosamente, advirto. Contratam a

um consultor para que faça o manejo estatístico,

no Ministério se reúnem e dizem por aqui vai o

assunto e pronto, vamos. Mas será esse o cami-

nho para construir políticas públicas em nossos

países?

ALEX BARRIL - Pegando o fio da meada do

que disse o Luciano, no Chile não é como Uru-

guai, que talvez seja mais homogêneo quanto a

esse tema de salário. No Chile, pela sua estrutu-

ra geográfica e pela atividade produtiva, também

acontece essa situação de manutenção com a

agricultura familiar onde não foram despejados

da terra; mão de obra para a indústria, sobretu-

do, no sul com o boom que houve com a pesca de

salmão e tudo relacionado com a salmonicultura

e a possibilidade que tem de competir no mer-

cado internacional. Isso se dá porque os traba-

lhadores da salmonicultura são todos pequenos

produtores agrícolas que vivem, e que resolveram

os temas básico de morada e da comida, e traba-

lham assalariamente período de tempo, diário ou

mensal na salmonicultura, que tem um uso da

mão de obra intensivo e que permite baratear os

custos. Foi por isso que o Chile cresceu em ter-

mos de exportação de salmão a cifras impressio-

nantes. Essa situação não tem nada que ver com

a zona central onde a fruticultura se modernizou

e, como alguém falou, está tudo tecnificado, ris-

co computadorizado e só requer mão de obra no

momento da colheita, então aí a gente viu e vai

trabalhar nesse período de tempo.

IVANILSON GUIMARÃES - Eu queria expor

uma reflexão. No nosso campo do conhecimento

o tema surge a partir de uma necessidade, seja

da sociedade ou estritamente do governo. O sur-

gimento do tema de você discutir o que é o rural

hoje tem uma motivação, eu diria, tem uma mo-

tivação e um objetivo. No Brasil, o motivo de você

discutir a chamada nova ruralidade tem uma fi-

nalidade, tem uma sustentação política, sobre-

tudo sob o ponto de vista da sociedade, que é de

tornar passíveis de atendimento pelas políticas

públicas os segmentos sociais que até então não

eram atingidos por essas políticas. Por isso, eu

acho que, do ponto de vista da motivação, a dis-

cussão no Brasil se justifica por este lado.

E nos outros países da América do Sul, no

caso, eu queria ao mesmo tempo fazer essa co-

locação, mas agregar uma outra, do ponto de

vista da formação dos três países que estão aqui

representados. Vocês têm uma formação extre-

mamente diversa. Por exemplo, tem a formação

do Chile, que teve uma influência europeia; você

tem e acredito que o Uruguai também tenha essa

Page 16: Diálogos - Edição 9

16 Diálogos do Fórum DRS

ABRIL | 2013 www.iicaforumdrs.org.br

influência; mas nós temos o Equador, que tem

um forte contingente mestiço ou indígena. En-

tão a gente descendo um pouco mais a análise

para formação histórica dos três países, eu vejo

que quando diz assim: “É atrasado?” Eu alegaria

a seguinte questão: a quem interessa essa ima-

gem de permanência do rural atrasado? E se a

gente não faz uma distinção entre o povo exclu-

ído e dos avanços, dos progressos que ocorrem

ultimamente, e as elites rurais. No Brasil exis-

te, secularmente, uma grande vinculação de um

compromisso político das elites rurais com as

elites urbanas, a quem não interessa que esses

segmentos sociais que estão marginalizados ve-

nham à tona; que eles sejam atores. Então, que-

ria fazer essa provocação e, assim, ver se teria

algum sentido do ponto de vista de vocês.

DIEGO PIÑERO - Posso ampliar ou complicar

um pouco mais essa questão? Porque eu acredi-

to que na América Latina, mais particularmente

nos países do cone sul, está acontecendo uma

profunda transformação agrária na propriedade

e na posse pela terra. Estudos recentes nos mos-

tram que, nos últimos 7 ou 8 anos, o que a gen-

te poderia chamar de os países da Cuenca del

Plata, em termos bem compreensíveis, que são a

pampa Argentina, Uruguai, Paraguai, a parte sul

do Brasil, uma parte extensa do Brasil e o les-

te de Bolívia; essa é a Cuenca del Plata que são

enormes planícies que hoje são objetos da cobiça

dos agronegócios e das multinacionais, que es-

tão comprando enorme extensões de terra para

destiná-las a produção de soja, produção de trigo

e produção de grãos no geral e também de gado

de alta quantidade.

Então, essas são empresas que, em muitos

casos, são de sociedade anônimas, cujo o pro-

prietário não sabemos quem é, são fundos de

investimento convocados pelos bancos ou são

fundos de pensão dos países desenvolvidos ou

são juntas de capital, que também não sabe-

mos quem são os proprietários. Eu acredito que

hoje não podemos falar somente das elites de

um país, porque as elites dos países continuam

existindo, mas hoje, além disso, estão essas ou-

tras entidades denominadas, que não sabemos

bem quem são elas, mas são as proprietárias

de grandes extensões de terra e eu acredito que

elas serão as proprietárias da maior parte des-

sas terras que mencionei antes.

Uma das coisas que ocorre é que a proprieda-

de e a gestão se desdobram. Hoje, a propriedade

é de uma sociedade anônima ou de outra enti-

dade e a gestão é feita às vezes por um gerente,

um técnico, um engenheiro agrônomo, um eco-

nomista ou um contador que esta responsável

por ela. Um pouco do mesmo que aconteceu na

indústria. Assim é desenhado o mapa de quem

controla, de quem tem o poder no setor agrope-

cuário.

Eu ultimamente me pergunto: o que vai acon-

tecer com as grandes corporações que reuniam

as elites agrárias que você mencionou? Eu digo:

o que se chama de Associação Rural do Uruguai.

No Uruguai existe a Sociedade Nacional de Agri-

cultura. Bom, não sei se no Equador isso está

acontecendo, mas também tem as associações

que reúnem os empresários, não? Bem, hoje es-

sas sociedades ou associações, que antes era

o lugar no qual se decidia as políticas agrícolas

Page 17: Diálogos - Edição 9

17

www.iicaforumdrs.org.br ABRIL | 2013

Diálogos do Fórum DRS

dos países; essas pessoas que estão nesses lu-

gares, de imediato, não vão ser os que controlam

a maior parte da superfície da terra. Haverá ou-

tros que nem se quer residem em nossos países,

mas que são residentes de outros lados e que vão

controlar a terra. Este é um desenho das forças,

das relações sociais em torno da governança do

setor agropecuário.

ALBERTO ADIB - Eu acredito que isso passa

pela região andina.

LUCIANO MARTÍNEZ - Bem, na região andi-

na, eu creio que o tema sugerido aqui implica em

pensar o urbano não apenas no marco do Esta-

do, da nação, mas também da globalização. Acho

que temos que incorporar a variável dessas ten-

dências de globalização para pensar o rural em

nosso país. Não depende somente das políticas

públicas nacionais e, sim, depende também das

estratégias que possuem as empresas interna-

cionais, que estão olhando esses espaços e vão

investir massivamente. Então, penso que esse é

um elemento que não foi discutido e, evidente-

mente, não podemos deixá-lo de lado. Quem vai

definir a estratégia no rural? As políticas públi-

cas do “Buen Vivir” de Correa (referindo-se à po-

lítica adotada pelo presidente do Equador, Rafael

Correa) ou as multinacionais que vão investir em

palma africana para a produção de bicombustí-

vel? Me parece que esse é um elemento que in-

comoda e acho que é importante ser retomado.

No caso do Equador, um dado concreto, todos

temos uma pequena vantagem frente ao restan-

te dos países e é que somos um país pequeno.

Então não dispomos da quantidade de terra que

estas empresas necessitam para investir. Não há

[...] eu creio que o tema sugerido aqui implica em pensar o urbano não apenas no marco do Estado, da nação, mas também

da globalização. Acho que temos que incorporar a variável dessas tendências de globalização para pensar o rural em nosso país. Não depende somente das políticas

públicas nacionais e, sim, depende também das estratégias que possuem as empresas internacionais, que estão olhando esses espaços e vão investir massivamente.

”Luciano Martínez

Page 18: Diálogos - Edição 9

18 Diálogos do Fórum DRS

ABRIL | 2013 www.iicaforumdrs.org.br

10 mil, 20 mil hectares. Na Amazônia tem, mas

isso seria um problema de biodiversidade, eco-

lógico, os povos sem contatos e etc., o que seria

um problema terrível. Mas se eles perceberem

que esse espaço é necessário, eles vão tentar.

Então somos salvos por esse lado, mas, de qual-

quer forma, a tendência está presente. Quem são

os empresários das áreas agrícolas? Com cer-

teza capitalista nacionais em parceria com ca-

pitalistas estrangeiros. Quem são os que estão

investindo em bicombustível? Quem são os que

estão investindo nas empresas florestais? Capi-

tal japonês.

ALEX BARRIL - No caso do Chile, eu acredito

que seja muito parecido, talvez. Mudaram a di-

mensão das empresas. A reforma agrária deixou

uma lição. Não é por boa vontade que eles não

estão contra a reforma agrária, que fizeram na

ditadura, não houve uma acomodação outra vez

da terra e voltou o latifúndio tradicional, que po-

deria ter sido previsível. Tem uma grande quanti-

dade de empresas, quase todas sociedades anô-

nimas, poucas familiares, que dirigem 4, 5 ou 10,

em cadeia, fundo ou unidade produtiva. E aí tem

capital.

No Chile, o tema do capital estrangeiro acre-

dito que veio fundamentalmente em hora impor-

tante do ponto de vista, como disse Diego, gre-

mial dos produtores. É muito forte em tudo que

se relaciona com vinicultura. Itália, França, Ale-

manha, Estados Unidos. E a produção de vinhos

é para nichos, portanto não requerem de grandes

viñas, de grandes extensões. A tecnologia permi-

te produzir vinhos de cerca na pré-cordilheira,

com irrigação de gotejamento. Viña de capital

não chileno. As viñas chilenas tradicionais se

mantiveram, estão produzindo com 3 ou 4.

No Chile, o tema é complexo desde o ponto

de vista de investimento do capital. Para mim há

dois pontos de vista: um é a água. Se o Chile não

solucionar o tema do risco, suas possibilidades

de manter a produção agropecuária que che-

gou hoje em dia são muito escassas. Existe um

processo de desertificação no norte que é muito

forte. E aí tem um problema muito sério, que é

a água. Porque a água nas zonas onde se pode

ampliar a agricultura, que é a zona norte, entra

em contradição com as mineiras. As mineiras

são as que hoje em dia usam a água e secaram

os poucos vales que existiam e expulsaram por

essas mesmas vias as comunidades e a popula-

ção indígena aymara, quéchua.

Então, o tema da água, a possibilidade de in-

vestir em água está relacionado também com o

tema da energia, assim como no sul, onde es-

tão as grandes extensões de terras, bosques e

etc. Ali os capitais europeus, estrangeiros no ge-

ral, inclusos chilenos, estão comprando porque

a potencialidade de fazer hidroelétricas é muito

grande. E o investimento vai por essa via e não

pelo tema da agricultura. Então as grandes em-

presas, sobretudo as espanholas , e consórcios.

E essas coisas que estão acontecendo, por

exemplo, na Argentina, que de repente aparece

um senhor, aparentemente filantropo, compran-

do centenas de milhares de hectares de bosque

no sul e fazendo atividade conservacionista, mas

tem que ver com o tema de água, questão de

recursos. Então esse é um tema da água torna

mais complexo o caso nos países.

Page 19: Diálogos - Edição 9

19

www.iicaforumdrs.org.br ABRIL | 2013

Diálogos do Fórum DRS

Uma última colocação que quero fazer diz

respeito às semelhanças e diferenças do caso

paraguaio. Porque é absolutamente certo que o

caso do Paraguai está passando exatamente pelo

o que Diego descrevia ao falar da Cuenca del Pla-

ta com o processo de estrangerização da terra

enorme. E aí, talvez, com muito capital brasileiro

pelo tema da soja no caso do Paraguai. Que gera

um conflito sério na zona da fronteira.

No Paraguai, a população rural ainda é altís-

sima. Não há discussão, algumas vezes sim, mas

tem que se colocar esse tema e discutir a rura-

lidade para ressaltar a importância que tem no

país o rural, o agropecuário. Um país que é es-

tritamente agropecuário. No entanto, ali, o termo

campesino quase não é usado, se ofende quando

se usa esse termo a nível dos produtores. Ali tem

um tema pior, que é o da terra, de como estão

transformando toda a zona de pecuária a custa

de um penadeiro florestal. É impressionante a

quantidade de bosques que colocaram em Pa-

raguai para fazer terra de pecuária. Contradito-

riamente, onde, por exemplo, a água não é um

problema. O Paraguai está no Aquífero Guarani,

e encima do aquífero Guarani, não tem nenhum

problema de água e nem vai ter durante muitos

anos, mas pode ser foco de um conflito sobre

água muito forte se isso chegar a produzir. Mas

aí o tema central de Paraguai, por exemplo, é o

tema da transferência de um setor muito próxi-

mo na costa da soja e a pecuária que começa a

perder espaço, porque tem início o tema florestal

como o Uruguai.

DIEGO PIÑERO - Eu queria dizer que a defini-

ção do rural não é uma questão inocente. A defi-

No Paraguai, a população rural ainda

é altíssima. Não há discussão, algumas

vezes sim, mas tem que se colocar esse

tema e discutir a ruralidade para ressaltar

a importância que tem no país o rural, o

agropecuário. Um país que é estritamente

agropecuário. No entanto, ali, o termo

campesino quase não é usado, se ofende

quando se usa esse termo a nível dos

produtores.

”Alex Barril

Page 20: Diálogos - Edição 9

20 Diálogos do Fórum DRS

ABRIL | 2013 www.iicaforumdrs.org.br

estamos numa intenção de definir o rural muito

difícil, porque depende da heterogeneidade dos

países, depende da heterogeneidade da relação

das forças sociais no interior de cada país e, além

disso, se pretendemos redefinir o rural, estamos

tocando interesses diversos. E, por isso, em al-

guns países não há muito interesse em discutir

desde os governos; em rediscutir o tema do rural

ou da ruralidade, porque implica em se dispor a

discutir a distribuição do poder da sociedade; de

como, uma coisa como as políticas públicas, se

distribuem ou como se distribuiu o que a socie-

dade possui. Então, se alguém se propõe a discu-

tir a ruralidade com o fim de rediscutir a redistri-

buição das políticas públicas, está tocando áreas

nição do rural, primeiramente, é uma construção

social. Não preexiste e isso nós concluímos, a so-

ciedade atua na definição do rural. Portanto, po-

demos dar distintas definição do rural segundo

cada sociedade. E a segunda coisa que sempre a

definição do rural vai ser uma arena de conflito,

uma arena de luta; conflito e enfrentamento, por-

que nossas sociedades agrárias não são socie-

dades onde o conflito não existe. São sociedades,

onde o conflito existe e, em alguns casos, muito

forte.

A definição do rural, então, é uma conseqüên-

cia desse conflito e, por sua vez, ajuda a redefi-

nir os termos do conflito. Assim, eu acredito que

A definição do rural, primeiramente, é uma

construção social. Não preexiste e isso nós

concluímos, a sociedade atua na definição

do rural. Portanto, podemos dar distintas

definição do rural segundo cada sociedade.

E a segunda coisa que sempre a definição

do rural vai ser uma arena de conflito, uma

arena de luta; conflito e enfrentamento,

porque nossas sociedades agrárias não são

sociedades onde o conflito não existe. São

sociedades, onde o conflito existe e, em

alguns casos, muito forte.

”Diego Piñero

Page 21: Diálogos - Edição 9

21

www.iicaforumdrs.org.br ABRIL | 2013

Diálogos do Fórum DRS

sensíveis. E, por isso, nem todos os governos es-

tarão dispostos a discutir o tema.

LUCIANO MARTÍNEZ - Sim. Eu queria expor

outra perspectiva: com tudo isso, me parece que,

surpreendentemente, tem um processo de va-

lorização do rural que vem desde fora, no sen-

tido que a crise alimentar mundial gerou uma

valorização dos espaços rurais, mesmo que seja

uma valorização perversa e que não vai benefi-

ciar, digamos, aos campesinos, mas de qualquer

maneira, existe um processo de revalorização do

rural, dos territórios rurais, das terras, etc.

O campo rural começa a ser visto por outros

lados: um, a questão da mudança climática, ou

[...] Me parece que,

surpreendentemente, tem um processo

de valorização do rural que vem desde

fora, no sentido que a crise alimentar

mundial gerou uma valorização dos

espaços rurais, mesmo que seja uma

valorização perversa e que não vai

beneficiar, digamos, aos campesinos,

mas de qualquer maneira, existe um

processo de revalorização do rural, dos

territórios rurais, das terras, etc.

”Luciano Martínez

seja, a conservação do espaço rural é impor-

tantíssimo e, por esse lado, tem uma revalori-

zação; segundo, por esse processo perverso;

e, três, pela crise dos alimentos. Frente a isso,

essa revalorização que vem desde fora é uma re-

valorização mercantil. Como disse Diego isso é,

por certo, uma mudança na transformação, na

mercantilização global e, em geral, no planeta,

dos recursos naturais da terra. Frente ao qual,

ai sim, o Estado e, sobretudo, as organizações

sociais tem que oferecer uma proposta, porque

senão essa transformação vai varrer a socieda-

de rural; a cultura; a sociedade campesina. Tudo

vai ser completamente desalojado por essa força

perversa da revalorização que vem de fora.

Page 22: Diálogos - Edição 9

22 Diálogos do Fórum DRS

ABRIL | 2013 www.iicaforumdrs.org.br

Page 23: Diálogos - Edição 9

23

www.iicaforumdrs.org.br ABRIL | 2013

Diálogos do Fórum DRS

Page 24: Diálogos - Edição 9

www.iicaforumdrs.org.br