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Diálogos entre Arte e Público 2008 volume01

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Caderno de textos sobre a educação em museus com foque, nesse volume, na leitura de imagens.

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Diálogos entre Arte e PúblicoCoordenação

Edição de textos e conteúdosProjeto Gráfico

Revisão

ColaboradoresAna Mae Barbosa (SP)

Ana Patrícia (PE) Ademir Gebara (SP)

Alexandre Dias Ramos (SP) Ana Carolina Campos (PE)

Anderson Pinheiro (PE) Bruna Rafaella (PE) Cayo Honorato (SP)

Carolina Ruosso (CE) Cristiane Soares (PE) Eduardo Duarte (PE)

Emília Freitas (PE) Gilberto Trindade (PE)

Gisélia Sátiro (PE)Heloísa Maibrada (PE)

Jaísa Farias (PE)

ParceirosCentro de Formação em Artes Visuais – CFAV/FCCR

Instituto Ricardo BrennandUniversidade Católica de PernambucoUniversidade Federal de Pernambuco

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João Roberto PeixeMaria do Céu CezarJucy Monteiro

Fernando DuarteBeto RezendeFernando Augusto de Souza LimaMárcio AlmeidaAndré Aquino

André AquinoAnderson PinheiroLucídio LeãoCláudia Freire

Lúcia Pimentel (BH)Maria Auxiliadora Almeida (PE)Maria Helena Wagner Rossi (SP)Neila Pontes (PE)Nicole Cosh (PE) Nina Velasco e Cruz (RJ/PE)Olga Lucia Olaya Parra (CO)Regina Batista (PE)Rejane Coutinho (SP)Rosa Vasconcelos (PE)Sebastião Pedrosa (PE)Silvia Brasileiro (PE)Simone Luizines (PE)Taciana Durão (PE)Taciana Neves (PE)Viviane Neves (PE)

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Sumário00 EDITORIAL Anderson Pinheiro 6

01 Programa Arte/Educação, Cultura e Cidadania da OEI LuciA GouvêA PimenteL 8

02 Mediación artística y cultural oLGA LuciA oLAyA PArrA 13

03 Diálogos entre Arte e Público no Museu reGinA BAtistA 17

04 Apontamentos sobre a minúcia na mediação em museus nicoLe cosh 22

05 Educação em Museus: termos que revelam preconceitos AnA mAe BArBosA 28

06 A corporificação da experiência: “para que serve isso que você está me dizendo?” Anderson Pinheiro entrevistA eduArdo duArte 33

07 Será que a influenciou de alguma forma? Anderson Pinheiro 39

08 Construção de sentidos e vivências estéticas: algumas considerações sobre a relação entre jogo e arte-educação neiLA Pontes 44

09 Desenhar materiais para educadores: uma experiência e desafio rejAne GALvão coutinho 50

10 A leitura que forma o mediador, forma o olhar e ajuda a ler o mundo? simone FerreirA Luizines 57

11 A verdade para a obra não existe: o que existe são as relações construídas pelo observador Anderson Pinheiro entrevistA ninA veLAsco e cruz 61

12 Entrecruzamentos do olhar AnA cAroLinA cAmPos 67

13 Mediação estética: O que temos? Do que precisamos? mAriA heLenA WAGner rossi 71

14 Mulheres: ocidentais e orientais tAciAnA durão Leite cALdAs 76

15 Goya e os jogos: a imagem como análise Ademir GeBArA [entrevistA] 82

16 Diálogos Imaginários no Museu Histórico e Antropológico do Ceará: atravessando fronteiras para dinamizar ou problematizar a vida? cAroLinA ruoso 86

17 Projeto MUSISER: Uma abordagem psicodinâmica sobre a importância da música no desenvolvimento do ser humano heLoisA mAiBrAdA 91

18 O museu e seu público no mundo “contaminado” ALexAndre diAs rAmos 96

19 Os Cursos de Educação Continuada do Pólo UFPE como espaço de mediação em arte seBAstião PedrosA 98

20 Formação continuada dos(as) educadores(as) como espaço de diálogo com a arte cristiAne soAres, GiséLiA sátiro, jAísA FAriAs e mAriA AuxiLiAdorA de ALmeidA 102

21 Teatro perto dos olhos e perto do coração WiLLiAms sAnt´AnnA 107

22 A experiência em ensino de arte da Casa da Criatividade emíLiA PAtríciA de FreitAs 109

23 CIRCO: Ainda é a maior diversão GiLBerto trindAde 114

24 Arqueologias do presente BrunA rAFAeLLA 116

25 [Relatos de experiência] Arte&Cidadania? Diálogos infanto-juvenis

nos projetos formativos do Recife -- Meninos do Campus da UFPE

– um projeto de inclusão social rosA vAsconceLLos 120

26 [Relatos de experiência] Arte&Cidadania: o Movimento Pró-Criança e o Caleidoscópio possível AnA PAtríciA sAntos, viviAne dA Fonte neves,

(PArticiPAção esPeciAL de cAmiLA noGueirA) 125

27 O impacto do ensino de arte nas ONGS LíviA mArques cArvALho 127

28 Conexões entre educação e arte: Paulo Freire, Francisco Brennand, Noemia Varela e Ana Mae Barbosa FernAndo Antônio GonçALves de Azevedo 132

29 Diálogos: tecendo conhecimentos, convivendo com as diferenças vitóriA AmArAL 137

30 O começo como endereçamento, notas provisórias e indébitas cAyo honorAto 141

31 PERFIL DOS COLABORADORES 145

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Como podemos saber se estamos indo pelo caminho certo ou mais agradável, quando se trata de es-tar entre o público e a produção artística? Como saber se os proce-dimentos aplicados hoje e sonha-dos ontem podem dar algum fruto dentro de alguns momentos? Será que realmente é de pequenino que se dobra o pepino? E depois?

.00EditorialAnderson Pinheiro

Talvez essas questões não se-jam resolvidas com apenas uma publicação. O caderno de textos Diálogos entre Arte e Público não pretende ser bula nem chave-mestra através de seus colabora-dores, nem pretende ser enfeite de estante. Ele pretende ser ma-terial de construção de idéias, de percepções de processos, de aná-

lise de práticas, de discussão de uma ação que está ativa no Brasil desde os anos 90 e que, desde então, passa por reformulações de conceitos, comportamentos e atitudes. Não é à toa que profissionais de áreas tão distintas e, ao mesmo tempo, tão próximas foram convi-dados a colaborar com essa edição. Áreas como História, Comunica-ções, Antropologia, Música, Circo, Pedagogia, Teatro, Sociologia, Mu-seologia e Arte/Educação dialogam suas experiências com a Mediação Cultural e nos fazem perceber como os discursos são complementares e estão conectados entre si no desejo de visualizar mudanças. Afinal, a mediação cultural é uma atividade cada vez mais forte nas pesquisas de diversos profis-sionais, tanto que cerca de cinco textos são de jovens profissionais e pesquisadores filhos de museus, digamos assim. Locais em que tra-balharam em média quatro a seis anos e hoje estão nas salas de au-las, ou em coordenações, ou em produções de galerias contempo-râneas, ou em projetos educativos, artísticos, enfim, estão bastante ativos na pesquisa sobre a pessoa do mediador. Sua formação pedagógica, sua relação com o outro, as relações que constroem com as obras e o público através dos discursos ou do uso de materiais lúdicos. E, muitas vezes, para esses profissio-

nais, o modo de lidar com as áreas que assumiram depois de serem mediadores, educadores em mu-seus, mudou também o modo de lidar com o diálogo entre a Arte e o Público. A publicação conta, desde o início até o fim, com conexões en-tre os artigos, entrevistas e relatos de experiências, de modo a forne-cer aos diversos profissionais que lidem com a mediação, seja em que campo for, estrutura para se questionar e questionar o outro. E o olhar para fora está inserido no texto de uma das colaborado-ras, que faz uma amostragem dos trabalhos educativos em museu de seu país. Pensar no profissional que atua nessa formação cultural do indivíduo é um ato constante e ativo, como puderam demonstrar os contatos internacionais que não fazem parte dessa publicação. Assumir esse desafio de parti-cipar diretamente da coleta e orga-nização de uma publicação que se tratasse de um diálogo que pode-ria existir entre a Arte (produto) e o Público (sujeito) deveria ser uma atitude extremamente ousada para um arte/educador. Mas foi uma ex-periência incrível. Por cada material que recebi. Por cada diálogo que foi mantido. Por cada troca de experiências. Por cada passo e por cada conselho. Foi uma vivência que espero seja, tam-bém, transformada em experiência em cada um de vocês, leitores.

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.01Programa Arte/Educação,Cultura e Cidadania da OEILucia Gouvêa Pimentel

1 - INTRODUÇÃOi

Segundo as fontes oficiais, o Programa Educación Artística, Cultura y Ciudadanía (Arte/Educação, Cultura e Cidadania, em português) consiste em uma iniciativa da Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), realizada com o apoio da Agencia Española de Cooperacion Internacional para el Desarrollo (AECI), que se propõe a fortalecer os vínculos entre educação e cultura nos sistemas escolares e formar, assim, uma cidadania que reconheça e respeite a diversidade cultural. A OEI é um organismo internacional dedicado ao desenvolvimento da educação e da cultura. Parte de suas ações refere-se ao fortalecimento dos vínculos entre educação e cultura nos sistemas escolares. O progra-ma Arte/Educação, Cultura e Cidadania está referido entre os sete objeti-vos estratégicos fixados pela OEI e contempla um conjunto de ações para apoiar políticas educativas nos países ibero-americanos, centradas em arte/educação. Pretende-se gerar um espaço de apoio para a construção de uma cidadania vinculada ao eixo cultura e para a formação de públi-cos para as artes, ponto esse crítico para a gestão da cultura de diversos países da região. A presença da arte na educação contribui para o desenvolvimento integral e pleno das crianças e jovens. É a experiência estética que gera um desenvolvimento cognitivo particular e põe em marcha uma forma multidimensional de pensamento. A formação artística constitui, ainda, uma parte importante do desenvolvimento pessoal que permite aos alu-nos adquirir valores para a vida ao educar a sensibilidade, as emoções e o reconhecimento e desfrute das formas de expressão dos outros.

Antecedentes e compromissosO programa de Arte/Educação, Cultura e Cidadania é parte dos objetivos estratégicos da OEI, do programa 2007-2008, aprovado na 70ª Reunião Ordinária do Conselho Diretivo da OEI e conta com o respaldo da Confe-rência Ibero-americana de Cultura, celebrada no Chile no mês de julho de 2007. Seu planteamento também está relacionado ao desenvolvi-mento da Carta Cultural Ibero-americana. Nas reuniões da XII Conferência Ibero-americana de Educação e da X Conferência Ibero-americana de Cultura, realizadas em Valparaí-so (Chile), em julho de 2007, foi patente o interesse dos ministros na Declaração, ao citar que a “responsabilidade indiscutível dos Estados, o diálogo, os acordos e pactos educativos são fatores que favorecem a coesão e inclusão social, assim como a estreita relação que têm com este objetivo o desenvolvimento de valores éticos, cívicos e democráti-cos, muito especialmente através da arte, da cultura...”. Com relação ao desenvolvimento da Carta Cultural Ibero-americana, com o propósito de fortalecer os laços entre educação e cultura, os ministros de Cultura reunidos em Valparaíso se comprometeram a “desenvolver um progra-ma ibero-americano de arte/educação, cultura e cidadania impulsionado pela OEI” (Art 17).

ObjetivosO Programa de Arte/Educação, Cultura e Cidadania está diretamente vinculado aos objetivos estratégicos e programas da OEI, que buscam “contribuir para o fortalecimento de uma cultura cívica, democrática, igualitária e solidária através da educação e valores” e “contribuir para a promoção da dimensão cultural nas políticas de desenvolvimento”. Tem como objetivos gerais:

• Reforçar, nos sistemas educativos, a relação entre arte, cultura e educação para que o aluno conheça e respeite a diversidade cultural dos povos Tudo deveria ser um valor essencial na formação da cidadania.• Favorecer a incorporação da cultura de cada país e do conjunto da Ibero-américa nos projetos educativos das escolas e facilitar o intercâm-bio dos profissionais de educação, da arte e da cultura.AçõesO primeiro passo desse programa foi a criação de uma Comissão de Es-pecialistas, cuja função consiste em analisar o estado da arte/educação na educação básica e assessorar a OEI e os governos dos países parti-cipantes na execução do programa. A primeira reunião desse grupo se

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realizou em Madri no mês de novembro de 2007. Nessa convocatória, os especialistas delinearam as primeiras linhas de cooperação e estabele-ceram as ações fundamentais do grupo. A OEI convidou todos os países a tomar parte do Comitê Intergo-vernamental de Representantes, encarregado de supervisionar o de-senvolvimento do programa e propiciar sua incorporação aos sistemas educativos. A primeira reunião do comitê foi realizada em São José da Costa Rica, nos dias 25 e 26 de março de 2008, e teve como propósito firmar um compromisso de criação de Comitês Nacionais de Educação e Cultura encarregados de impulsionar o programa em cada país. Foi uma reunião conjunta com o Comitê de Especialistas, em que se esperava um trabalho sobre os eixos iniciais do programa:

• Como enfocar o ensino das artes na escola. Tratar-se-ia, aqui, de de-finir que disciplinas devem figurar no currículo, quantas horas de aula, como enfocar o ensino de arte em relação com a ciência.• Propostas sobre formação, capacitação e perfil da figura que impul-sionará a formação artística. Trata-se agora de concretizar como propiciar a incorporação da arte/educação nas escolas, para o qual será necessá-rio impulsionar cursos destinados a artistas profissionais e professores de aula, a fim de formar docentes que sejam capazes de ampliar coberturas.• Participação de outros agentes vinculados ao mundo das artes no processo educativo ou curricular do alunado. Haverá que se definir o modelo de relação das artes e dos artistas com a escola.• Detecção e análise de experiências de êxito em cada país. Uma boa via para eles é convocar concursos nacionais ou propiciar encontros dos que incentivam modelos de práticas significativas.

Em fases posteriores, e sempre abertas para que esse planejamento pos-sa ser revisado, ampliado ou modificado, as ações previstas para o de-senvolvimento do programa consistirão em:

• Elaborar materiais e selecionar a produção artística e cultural dos países ibero-americanos que possam ser incorporados na educação for-mal e não formal dos alunos.• Elaborar e difundir um banco de projetos, a partir de uma seleção de práticas significativas na Ibero-américa. O banco contempla documenta-ção, avaliação e difusão das experiências exitosas em arte/educação, a fim de estimular o desenvolvimento de outras similares em diferentes países.• Apoiar a criação e impulsionar redes de escolas e instituições cultu-

rais em que a educação musical e artística seja um instrumento para a integração social e cultural.

2 - A REUNIÃO EM SAN JOSE DE COSTA RICA25 e 26 de março de 2008Com a presença do Ministro da Educação Pública de Costa Rica, Leonardo Garnier, e do Secretário Geral da OEI, Álvaro Marchesi, os trabalhos foram iniciados no dia 25 pela manhã. O Ministro destacou o papel importante que o Projeto Ética, Estética e Cidadania (inicia-tiva local) está tendo em relação à melhoria do ensino nas escolas do país. O objetivo é desenvolver mais público para os artistas, ou seja, que haja mais artistas e que as pessoas saibam apreciar mais propriamente a arte. O Secretário Geral da OEI salientou que o Programa Educação Artística, Cultura e Cidadania tem o objetivo de desenvolver experi-ências que nos enriqueçam a todos. É um projeto novo na lógica de apresentação de articulação de experiências para o enriquecimento de todos. Propôs que cada país forme uma pequena comissão dos dois ministérios – Educação e Cultura – para coordenar as ações. A apresentação dos representantes dos ministérios dos 20 países presentes deixou transparecer o estado em que se encontram o ensino de Arte e a Arte/educação nos diversos países. Em vários deles, não há cursos de formação em nível superior e, em poucos, o ensino de arte faz parte do currículo escolar. Uma fala constante foi a de que, mais que se tornar uma disciplina no currículo escolar, trata-se de reconhecer a arte/educação como um direito básico de cidadania. Uma preocupação em relação ao Programa foi que ele precisa ser exeqüível, ter o apoio efetivo dos governos e ter visibilidade para a sociedade. Foi ressaltada a necessidade de congressos e se-minários regionais e nacionais, para que as práticas significativas possam ser conhecidas e divulgadas. Foram relatadas várias práti-cas que têm como premissa a identidade cultural e a formação de público para a arte local e latino-americana. Destacou-se, ainda, a importância da educação à distância na formação de professores qualificados em arte. A Comissão de Especialistas anotou as considerações de todas as delegações e reuniu-se em separado para re-elaborar as estratégias de ação do programa, sugerindo ao Secretário Geral que algumas mu-danças fossem feitas. Seriam três os eixos do programa: informação, formação e investigação.

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1) Informação – o projeto deve servir para conhecer o que uns e outros têm. A dinâmica de informação deve contribuir para criar redes de projetos de muitos países. O papel da OEI é contribuir para que isso aconteça.2) Experiências artísticas multiculturais são um apoio imprescindível a nossa cultura, à construção de cidadãos em uma sociedade multicul-tural. Não vamos focalizar tudo, mas o máximo possível. Portanto, é essencial a formação de professores e de público.3) Investigação – apoiar, detectar, levantar as experiências que são as mais revelantes e que podem servir de modelos para outras experiências. Não se trata só de detectar o melhor que se faz, mas de reforçá-las para que sirvam de referência para outros países.

O marco geral tem que se revelar em um documento o qual os especia-listas estão elaborando - um livro que traz o marco teórico e as estra-tégias fundamentais que se quer implementar. A primeira parte é mais institucional. Esse livro vai estar em toda a Ibero-américa e faz parte de um projeto muito mais amplo, pois integra uma coleção de livros que as várias comissões de especialistas estão elaborando. Para subsidiar esse trabalho, foi elaborado um questionário que será enviado a todos os países do Grupo Ibero-americano, com vistas ao le-vantamento de dados sobre a Arte/educação em cada um deles. A seguir, vão ser feitos os indicadores para a seleção de práticas significativas em arte/educação de cada país. Isto deve ser feito até junho de 2008. A coordenação do programa é de Fernando Vicário, que será secretariado por Ritama Muñoz-Rojas, ambos da sede da OEI em Madri. Falando pela Comissão de Especialistasii, o coordenador da Comis-são, Imanol Aguirre (ES), salientou a função da Comissão, ressaltando que “Somos um grupo à disposição da OEI e dos países”. Lucina Gime-nez (MX), coordenadora do livro, apresentou o delineamento da publica-ção, a partir do que já havia sido discutido após a reunião de Madri e do que foi incorporado com base nas demandas da reunião de San Jose de Costa Rica:

• Introdução do Secretário Geral da OEI.• Dois grandes capítulos: um conceitual e outro de políticas públicas, experiências e processos. • Apêndices e bibliografia.

3 - CONSIDERAÇÕES FINAISÉ importante que estejamos atentos às demandas do programa e que

acompanhemos os Ministérios de Educação e de Cultura no fornecimen-to das informações solicitadas. Cabe a nós, arte/educadores, participar efetivamente das ações propostas em todas as instâncias. Só com partici-pação efetiva teremos como aclarar os rumos da arte/educação no Brasil, compartilhando com os outros países nossas preocupações e sucessos.

__________

i Informações adaptadas dos documentos oficiais da OEI: www.oei.es e Documento Base de Educación Artística.ii O Brasil tem duas representantes na Comissão de Especialistas: Ana Mae Barbosa e Lucia Gouvêa Pimentel.

.02Mediación artística y culturalOlga Lucia Olaya Parra

Hemos dado grandes debates sobre la formación artística, en la escuela formal, en la no formal e incluso en la formación informal. No siempre sobre la formación cultural. Al parecer nos ocupa un principio de equi-dad en un campo de conocimiento de amplio espectro que debe ser atendido por especialistas en desarrollos comunicativos, cognitivos, en fruición estética y en comprensión e implementación de las complejas prácticas artísticas y culturales de la contemporaneidad. Es así como la interdisciplinariedad perfila investigaciones sobre campos intelectuales, consumos culturales y vínculos entre sociedad-cultura y políticas públicas. Los estudios culturales abren otros debates que nos permiten desentendernos de las incertidumbres, pero nos hace

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entendernos con la complejidad; coloca en el centro, el principio de la mediación, una acción pedagógica responsable en un campo de dia-logo intercultural, donde los discursos, las acciones y visiones de las prácticas del arte, la cultura y el patrimonio, son objeto de procesos de apropiación de las diferentes instancias o instituciones como partícipes en el escenario de lo inter-relacional y vinculante. La cultura abarca el conjunto de los procesos sociales de significaci-ón, o de un modo más complejo, la cultura abarca el conjunto de proce-sos sociales de producción, circulación y consumo de significación en la vida social (CANCLINI, 2004). Esta definición de cultura genera modos de construcción mediada por la interacción de sentidos y significaciones interculturales que devienen de una buena acción pedagógica. De ahí la importancia que ha tomado los estudios sobre recepción y apropiación de bienes y mensajes en las sociedades contemporáneas, lo cual completa y remite hacia la mediación de lo sociomaterial y lo significante de la cultura, de lo cultural, de lo artístico y en ocasiones de lo estético. Contamos con cuatro tendencias sobre las cuales opera la perspec-tiva procesual que considera lo socio material y lo significante de la cultura, en donde identificamos en primera instancia la cultura como el ámbito en la que cada grupo organiza su identidad, y como se reelabora el sentido desde la interculturalidad. Por otra parte la cultura es vista como una instancia simbólica de la producción y reproducción de la sociedad, o como una instancia de conformación del consenso y la hegemonía, o sea de la configuración de la cultura política y de la legiti-midad. La cultura es la escena en que adquieren sentidos los cambios, la administración del poder y la lucha contra el poder. Y en último termino como dramatización eufemizada de los conflictos sociales Appadurai, (2001), prefiere considerar lo cultural como adjetivo, como una dimensión que refiere a diferencias, contrastes y comparacio-nes; permite pensarla menos como una propiedad de los individuos y los grupos, más como un recurso heurístico que podemos usar para hablar de la diferencia. Nociones como territorio, relaciones comunitarias, concepciones del trabajo, la familia, y los modos complejos de simbolizar esos procesos sociales, refrendan la interculturalidad como patrimonio de estudio que media en los modos de interactuar entre las comunidades, poblaciones y grupos sociales. Por una parte las perspectivas de formación desde la mediación cul-tural enunciadas ponen en los grupos de trabajo escenarios de interlocu-

ción múltiple; no unidireccionales ni con verdades únicas, sino que es en la interpretación de los sentidos interculturales que se construye una mediación de alto impacto en el publico y en calidad de guía como am-pliación de su propia experiencia al entrar en contacto con los procesos de producción, circulación y vinculo de las prácticas sociales que refiere el escenario visitado. Los circuitos del arte, la cultura y el patrimonio se han ido ampliando a los sitios web, los centros comerciales, las calles de la ciudad, el sector rural, la televisión, el cine, las fiestas, los modos de relacionarse, en fin todo tipo de práctica social que incide desde un aparato orgánico que reivindica la diferencia; pero es la formación artística y culturl la que debe proceder por reducir la desigualdad, la inequidad; lo cual le hace portadores de actos justos de valoración democrática, donde la abundan-cia de información sea beneficiada por seres reflexivos, mediadores de símbolos, sentidos, significaciones interculturales legítimables, por su condición de diferencia, no de tolerancia, sino de asimilación conciente del dialogo entre el público, y lo público; el arte y lo artístico; la cultura y lo cultural; la estética y lo estético… El museo y sus prácticas de exhibición, participación, circulación, consumo y apropiación vinculante con el público, establece retos de mediación cada vez más complejos en el escenario pedagógico. Lo sus-tantivo y lo adjetivo de la mediación artística y cultural genera un dialogo innegociable entre los sujetos, las sociedades y sus procesos civiliza-torios; es la mediación artística y cultural, configuradora de memoria, diversidad y conciencia de territorio, invitoa aconocer los desarrollo en dos espacios de gran trayectoria educativa en los museos de Colombia. Veamos ejemplos e interlocutores colombianos por su valiosa media-ción en el contexto colombiano Daniel Castro, quien coordina a su vez la Red del museos del pais, como Director del Museo Quinta de Bolivar ubi-cado en bogota, el cual plantea como misión en esta institución que:

La Casa Museo Quinta de Bolívar del Ministerio de Cultura de Colombia tiene como misión conservar, incrementar, documentar, investigar, exhibir y comunicar a cada vez más amplios públicos, los testimonios tangibles e intangibles del pensamiento, ideales y vida cotidiana de Simón Bolívar y su época, a través del contacto con el inmueble histórico que le perteneció al libertador, sus colecciones y su entorno, con el fin de que cada quien descubra, reflexione y construya valores de autonomía, paz, unión y liber-tad, a partir de su propia experiencia e historia, con un equipo humano idóneo, comprometido y capacitado. (www.quintadebolivar.gov.co)

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En el Museo Nacional encontramos a Nacy Avilan, como asesora de los programas educativos del Museo Nacional:

El Museo, además de cumplir con sus funciones curatoriales y de in-vestigación, es también un espacio de disfrute y aprendizaje. Esta doble característica lo debe convertir en un lugar abierto y vivo, y por ende, en un espacio para la comunicación. Como alberga diversidad de obje-tos significativos, es depositario de un importante patrimonio cultural, parte integrante de nuestra memoria colectiva e identidad nacional. Pero sería en vano el trabajo de coleccionar, investigar, conservar y exhibir una serie de objetos originales, si no existiera la posibilidad de que el ser humano animara esos objetos y lograra establecer una comunicación sensible con ellos. (www.museonacional.gov.co).

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Referências BibliográficasGARCIA CANCLINI, Nestor. Diferentes, desiguales y desconectados. - Mapas de inter-culturalidad. México: Gedisa Editorial, 2004.APPADURAI, Argüí. La modernidad desbordada. Dimensiones culturales de la globali-zación. Mexico: Ediciones Trilce, 2001.

.03Diálogos entre Arte e Público no MuseuRegina Batista

“Deixem que as obras de arte manifestem sua eloqüência natural e elas serão compreendidas

por um número crescente de pessoas; este método será mais eficaz do que a influência

exercida por todos os guias, conferências e discursos”.

F. SCHIMIDT-DEGENE,“Musées” in Les Cahiers de la république

dês lettres, des sciences et des arts, XIII.

Participar do Seminário Diálogos entre Arte e Público no Museu abre mais uma vez a oportunidade para o debate sobre um tema que se tornou recorrente na esfera da ação educativa e que envolve a dialética entre arte e público. A questão ora destacada apresenta-se como em-blemática e compreende, por certo, o exame de como acontece esse diálogo no espaço do Museu, os parâmetros estabelecidos e o trabalho de mediação como articulador dessas três áreas. Nesse texto, elaborado para o debate entre colegas museólogos, professores e arte/educadores, focalizo uma tendência cada vez mais presente nos museus e internacionalmente reconhecida de que a ação educativa e cultural é de fundamental importância para o estabeleci-mento de processos de apropriação da arte e de acesso à cultura, e, portanto, recurso pedagógico dos mais valiosos para o diálogo entre arte e público. Vale lembrar que é interesse cada vez maior e recomendação da Política Nacional de Museus ampliar a acessibilidade para diferentes públicos e as análises dessas medidas, notadamente quando as con-dições de participação e diálogo ainda são muito adversas nos mu-

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seus brasileiros. Ao mesmo tempo é sempre oportuno estabelecer uma relação entre o meu discurso e algumas das minhas experiências na coordenação de ações educativas para as exposições do Salão Pernam-bucano de Artes Plásticas 2000 e a Exposição Eckhout, em 2002, no Instituto Ricardo Brennand. Com isso pretendo contribuir para que museólogos, artistas, profes-sores e arte/educadores possam, juntos, construir uma condição dialogal entre as artes e os diferentes públicos nos museus. Inicialmente quero fazer uma pequena digressão a respeito da pa-lavra DIÁLOGO, que permeia todo o nosso discurso, analisando a sua forma gramatical. Diálogo vem do verbo dialogar e denota a conversação, o colóquio ou, ainda, a comunicação que envolve duas ou mais pessoas, grupos e entidades com vista à solução de problemas comuns. Dessa forma, vale a questão: quais são os problemas que queremos demons-trar nesse Seminário? Que existe o Diálogo entre Arte e Público? Ou, de outro modo, o que pretendemos é apenas afirmar a existência a priori do Diálogo entre Arte e Público no Museu. Não pretendo avançar nesses questionamentos ou levantar proble-mas, apenas tecer algumas conexões com o tema proposto. Muito recentemente, os museus adotaram uma política de exposi-ções bastante agressiva como forma de captação de recursos financeiros e até de sobrevivência. Nesse sentido ficaram à mercê de patrocinado-res ávidos por publicidade, exigindo dos museus índices altíssimos de visitação o que reforçou os serviços educativos para atender a demanda de públicos nos períodos das grandes exposições; investiram em ações de mediação que permitissem iniciativas de democratização da cultura, principalmente, para o público que não freqüenta museus. Essa estraté-gia de expansão das atividades pedagógicas no museu demonstrou ser um caminho importante para aproximar o público da arte ou do consumo cultural. Bourdieu identifica que “a estrutura do público assíduo dos museus pode ser considerada como um indicador aproximativo do nível da informação proposta pelo museu. Despojando-se do caráter abstrato e hermético que o manteve até bem pouco tempo, pautado na norma culta, os museus tiveram que se renovar e se fazer compreender, principalmente com o avanço e as transformações da pedagogia, ou melhor, dos sistemas e normas impostas por uma nova pedagogia, que resultaram em uma verdadeira democratização do ensino. A mediação passou, então, a ser uma metodologia facilitadora nos processos educativos empregados nos museus, especialmente nos museus de arte, junto ao público ou grupos de visitantes cada vez mais diversificados.

Tão importante quanto a mediação entre arte e público no espaço do museu, podemos considerar a transmissão da mensagem, ou seja, a lin-guagem comunicacional usada, como um dos meios para estabelecer a relação e o entendimento entre a arte e o sujeito/público visitante. O di-álogo com a arte vai além do exercício experimental, para ser um prazer estético na vida do homem, na medida em que se pode educar alguém por meio da arte, pois ela é capaz de fazer de nós pessoas melhores e mostrar que existem muitos mundos além do nosso umbigo, Essa experiência de trabalho no campo da museologia e a compreen-são do papel dos museus como espaços de formação do conhecimento e de cidadania me levaram a aprofundar minha prática, participando de congressos sobre educação em museus, e a conhecer práticas educati-vas internacionais de Educação Patrimonial, através dos contatos com museólogos do Museu Imperial do Rio de Janeiro, que me levaram a co-ordenar, no Museu do Homem do Nordeste, o projeto “Um dia no Engenho Massangana”, em 1982. As múltiplas possibilidades do trabalho educativo no museu com evidências materiais do patrimônio cultural demonstram ser uma via de mão dupla para o desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor inte-gração individual e social. O alcance de uma ação educativa poderá vir a ser instrumento de transformação para jovens e adultos e, ao mesmo tempo, propiciar co-nhecimento dos seus referenciais e conteúdos culturais. Por outro lado, o acesso e o diálogo com o patrimônio cultural em eventos integrados fazem convergir os mais diversos segmentos sociais e um público nume-roso e diversificado. Exemplo dessa primeira experiência no campo de uma ação educa-tiva coordenada, juntamente com arte/educadores e professores da rede pública de ensino, deu-se por ocasião do Salão Pernambucano de Artes Plásticas 2000, promovido pela Diretoria de Museus da Fundarpe, atra-vés de parcerias com as Secretarias de Educação e Cultura de Pernam-buco, que resultou num grande intercâmbio com inúmeras instituições de ensino da rede pública e privada do Estado, atraindo um público ávido por conhecer a produção artística nacional contemporânea. Para os patrocinadores, foi uma ótima oportunidade para divulgarem suas marcas, com espaço de destaque garantido em todos os produtos e eventos realizados. Os anunciantes optaram entre as mais diversas mídias, a exemplo de anúncios na TV, no Rádio, em blimps, banners e muitas outras formas de comunicação com o grande público.

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Como a formação no campo da arte educação é específica, foi impor-tante contar com a assessoria constante dos que fazem educação e arte/educação, pois não basta apenas querer fazer é preciso SABER FAZER. Entendendo que outras instituições, entre elas os museus, assu-mem, a cada dia, mais importância na ampliação e distribuição do co-nhecimento, é que estabelecemos uma ação educativa orientada para o programa de exposições do Salão Pernambucano de Artes Plásticas 2000. Essa ação estimulou o interesse do espectador através de uma relação baseada na sensação da descoberta, da fruição da emoção, no encontro pessoal com o fenômeno da arte. Realizamos nossas múltiplas atividades com a ajuda de monitores, educadores e artistas, orientados para mediar a comunicação entre o público e a obra de arte, através de visitas comentadas, oficinas de arte e passeios com artistas. Trabalhando com professores da rede pública de ensino, a Comissão de Ação Educativa do Salão elaborou uma proposta pedagógica bastante diversificada, voltada especialmente para o público infantil e juvenil, usando, para isso, métodos mais interativos e a oferta de experiências novas ao visitante com os acervos das exposições do Salão dos Premia-dos e Selecionados no Observatório Cultural Malakoff – Torre Malakoff, e da Retrospectiva dos Salões, no Museu do Estado de Pernambuco. O sistema de comunicação entre o espectador e os acervos das exposi-ções foi desenvolvido pelo grupo baseado na ação educativa dos museus, dentro da metodologia do “ensino visualizado”, capaz das mais rápidas assimilações por qualquer tipo de público. Nele, a obra de arte pode ser observada, percebida, estudada, analisada e apreendida por distintos critérios e sob diferentes conceitos, com a ajuda de material pedagógico elaborado para auxiliar professores e alunos em visita às exposições. Nessa perspectiva de educação através da arte, assumimos a tare-fa de orientar e organizar pela primeira vez o Salão Pernambucano de Artes Plásticas em 2000, voltado para a cultura e para a educação, a nosso ver, conceitos e atividades intimamente ligados e interagentes. E, ao comprometer essa ação com o entendimento da arte contemporânea brasileira, buscamos aprimorar os métodos de aprendizado, utilizando o exercício vivo de transformação do olhar e do entendimento da arte em suas diferentes interpretações. A experiência de promover uma ação educativa e cultural para o Ins-tituto Ricardo Brennand, por ocasião da exposição Albert Eckhout volta ao Brasil 1644 – 2002, mostrou, pelos altos índices de visitação alcan-çados, o quanto é necessário democratizar o conhecimento e o acesso ao nosso patrimônio cultural. Mais surpreendente e importante para os

museus, o papel das práticas educativas na formação de novos públicos e na instauração de uma nova mentalidade. O desafio é, portanto, encontrar novos enfoques e estratégias para a apresentação de exposições que permitam ao museu motivar os in-divíduos a encontrar sua própria identidade e a compreender o mundo que os rodeia. Despertar a consciência cultural do público, motivá-los a aprender algo novo e ganhar o seu apoio é tarefa que só pode ser levada a cabo com a total participação e cooperação do conjunto de profissionais envolvidos com a educação e o patrimônio. Finalizando, é necessário entender que o indivíduo torna-se senhor de si mesmo e dos seus conteúdos se lhes for permitido ter acesso a coi-sas, lugares, processos, acontecimentos e registros, e a garantia desse acesso representa um passo importante no processo de transformação do indivíduo em cidadão e sujeito da sua história.

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Referências BibliográficasGARCIA-CANCLINI, N. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 2000.GRINSPUM, D. Educação para o Patrimônio: Museu de Arte e Escola. Tese Doutorado. USP, 2000.SEPÚLVEDA, Luciana. A análise da parceria museu-escola como experiência social e es-paço de afirmação do sujeito. In: GOUVÊA, G., MARANDINO, M. e LEAL. M.C. (Orgs).BOURDIEU, Pierre, Alain Darbel: O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003.FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978.CURY, Marília Xavier. A comunicação museológica e a pesquisa de recepção no Museu Água Vermelha. Caderno de Resumos da V Semana de Museus da USP. São Paulo: USP, 2005.HOTA, M. De Lourdes ET. Al. Guia Básico de educação patrimonial. Brasília: Iphan/Museu Imperial, 1999.IPHAN. Política nacional de museus: relatório de gestão 2003/2004.

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.04Apontamentos sobre a minúcia na mediação em museusNicole Cosh

As ressignificações que se passam entre obra e público, em que me vejo ora mediadora, ora público dessa relação, deixam-me intrigada no que concerne ao tipo de experiência que a obra e a mediação suscitam e de que forma isso se dá. Abordarei estas e outras inquietações nos apontamentos que se seguem, buscando pensar sobre algumas práticas e indicar caminhos para uma reflexão sobre a atividade educativa em museus e galerias de arte.

MinúciaNo “Ensaio sobre o conhecimento aproximado”, Gaston Bachelard (2004) aborda a construção do conhecimento científico, especialmen-te no caso das ciências exatas. O autor apresenta uma ciência dinâmi-ca, na qual as retificações no campo do conhecimento são a prova e o objetivo dessa dinâmica. Portanto, a retificação faz a ciência viva. A cada retificação, realizada pelo mesmo autor ou por outrem, o conheci-mento adquire novos significados, as aproximações.

Nas aproximações se constitui a dinâmica do conhecimento:

não se pode atribuir um papel de informação à sensação primeira. Ela é apenas um sinal, um convite, o pretexto da atenção e da reflexão. O conhecimento nasce apenas da multiplicidade e da combinação das sensações com as lembranças.i

À atenção e à reflexão da sensação primeira o autor coloca que são so-mados e retificados detalhes, minúcias que colaboram para uma maior objetividade da ciência.

Nas ciências exatas, Bachelard aponta a minúcia da relação pes-quisador-fato. Para que a busca pelo fato ocorra, o autor cita Hamelinii, que afirma a necessidade de preparação do fato, através de sua busca pelo pesquisador. Isso se relaciona com o contato obra-público. Inicial-mente, há o caminho até o museu, que pode ter sido ocasionado por um interesse pessoal da visita – por motivos vários – ou por uma pro-gramação específica de um grupo de turismo ou escolar. A partir daí, têm-se as sensações primeiras que a relação obra-público estabelece. A estas, somam-se as referências que obra e público carregam consigo, permeadas por outras referências: mediação, museografia, ações pro-postas pelo educativo da instituição, memória do público, significados intrínsecos que a obra já traz. No campo das ciências exatas, Bachelard aponta a minuciosidade das referências, o que também, a meu ver, pode ser visto no campo da arte. Obra e público relacionando-se e suas referências, que também se relacionam. A minúcia, então, “encontra-se como elemento afetivo o mero prazer da curiosidade”, portanto esse sentimento configura-se como “mínimo de afetividade para dar impulso à energia nervosa do conhe-cimento.” O autor conclui que “a minúcia anda junto com a complexidade das relações.”iii

Considerando a mediação (e outras ações que ocorrem em institui-ções culturais) um movimento de busca pela minuciosidade das rela-ções obra-público, ela deve agir como forma de aguçar a curiosidade – e especialmente a afetividade – pela arte, para uma aproximação mais ampla entre ambos, arte e público. Some-se isto à complexidade das relações, pois públicos e obras já carregam significados em si. Dessa forma, a mediação que permeia a relação obra-público deve fomentar a minuciosidade, tanto como elemento promovedor da curiosidade como também – e fundamentalmente – tecendo a teia das referências que obra e público contêm em si.

Minúcia e MediaçãoGostaria de citar um exemplo de atividade que buscou ampliar as relações que o público tece sobre as obras, no caso, as exposições do Projeto Trajetó-riasiv. À disposição dos visitantes, em pequenos cartões dispostos na galeria, havia as “Conexões para o Passeio”. Nos cartões havia questões concernen-tes à poética e à técnica das obras, formuladas a partir de pesquisas da co-ordenação, dos mediadores e de conversas com o artista. As Conexões eram um recurso complementar à visita, à disposição do público espontâneo das galerias, que na maior parte dos casos era composto por jovens e adultos.

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Na exposição da artista catarinense Aline Dias, em que uma de suas obras consistiu em um minúsculo cubo contendo poeira acumulada do seu quarto, “Cubo de Poeira”, as Conexões para o Passeio provocaram no público reflexões acerca do tempo e de sua materialidade. “Como é possível guardar memórias em um lugar?” e “o tempo passa da mesma maneira para todas as pessoas?” foram alguns dos questionamentos feitos, como forma de ampliar e diversificar as vivências com a obra. Acerca da exposição do artista carioca Hugo Houayek, que aborda-va o suporte na pintura através de construções com lona e chassis (ima-gem acima), as Conexões para o Passeio promoveram embates entre a pintura consagrada historicamente e socialmente como tal e a obra do artista. “Além de pincéis e tintas, que outros materiais podemos usar para fazer uma pintura?” e “que relações podemos estabelecer entre cor e espaço?” foram questões que deixaram o público mais próximo das proposições do artista. Dessa forma, para um público espontâneo que eventualmente vem até a galeria, em muitos casos com pouco tempo para a visita, as questões das Conexões podem despertar outros aspectos da obra, e não apenas a sua visualidade, realizando outras experiências, além das estéticas, através das ressignificações. Como se vê nessas experiências, utilizando simples cartões com perguntas, as ressignificações propostas pelas Conexões para o Passeio realizam um fluxo de minúcias, complementar à experiência estética já ocasionada pela obra. Relacionando este fluxo a Bachelard,

quando o objeto é reconhecido, devem-se fazer perguntas suplemen-tares. Por mais familiar que seja um objeto, contém ainda ocasiões inesgotáveis de novas idéias, pois ele é sempre percebido num conhe-cimento mais ou menos aproximado.v

Dessa forma, nos encontros do público com o objeto do museu, por mais significados que este último tenha nos sistemas simbólicos nos quais se insere, sempre é passível de outras significações. A partir de reflexões propostas por diálogos promovidos pelo mediador, por ativi-dades ou pelo próprio espaço museológico, o público, a meu ver, pode chegar às minúcias da obra, ocasionando assim as aproximações que creio serem necessárias para a experiência estética. Um outro exemplo de aproximação através da minúcia é o Projeto Peça a Peça, no Instituto Ricardo Brennand – IRB . Essa atividade acontece mensalmente, desde 2006, e realiza oficinas, conversas en-tre mediadores e pesquisadores convidados, além de apresentações

culturais, a partir de uma obra do acervo. Neste caso, a minuciosidade configura-se nas diferentes vivências geradas com as proposições do projeto, que apresentam, além da obra, outros aspectos corporificados em atividades para o público. Assim, no 16º Peça a Peça, cujo tema foi a obra “Lindóia”, realiza-mos diferentes atividades que podem ser consideradas como minúcias do quadro em questão. Trata-se de uma pintura a óleo realizada pelo português José Maria de Medeiros. Inspirado por um poema indigenista do século XIX de Basílio da Gama, o pintor executou a obra em 1882, e atualmente ela se encontra em exposição na Pinacoteca do IRB. Além da apreciação da pintura, houve uma representação do poema que inspirou

o artista a realizá-la, no hall a institui-ção. Após essa atividade, uma palestra ampliou as vivências do público com a obra, na qual Ruth Gouveia Gabino e Eliana Barros abordaram, respectiva-mente, a pintura indigenista no século XIX e questões indígenas na atualidade, enfatizando a situação dos índios em

Pernambuco. Para as crianças, a fruição da obra foi ampliada por uma oficina de cerâmica, realizada pelas arte-educadoras Cristiane Mabel e Flávia Costa. Finalizando a programação, o público pôde ver o documen-tário “Chicão Xucuru”. Eliot Eisner (1999) aponta que, na relação com a arte, as pesso-as fazem principalmente quatro coisas: “Elas vêem arte. Elas entendem o lugar da arte na cultura, através dos tempos. Elas fazem julgamentos sobre suas qualidades. Elas fazem arte.”vii A meu ver, todos esses movimentos baseiam-se na minuciosidade inerente a cada obra, bem como aos deta-lhes na relação obra-público, mediada pelas ações propostas pelas ins-tituições. No caso do Peça a Peça, vê-se que nos encontros do público com o objeto do museu é sempre possível agregar minúcias às obras, ampliando assim seu campo de ressignificação e ocasionando outras experiências no público. A minuciosidade na mediação configura-se, então, como um dos ca-minhos possíveis para a ressignificação das obras. Contudo, é inegável que nem sempre é possível promover todos os fazeres que Eisner propõe para o ensino de arte. Mas, se a minuciosidade de que tanto falamos está na relação público-obra, então uma conversa despretensiosa entre mediador e visitante, por exemplo, pode agregar outros significados ao

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público, promovendo então a experiência. Experiência aqui entendida conforme John Dewey (1980), pois entre espectador e arte,

sem um ato de recriação, o objeto não será entendido como obra de arte. O artista selecionou, simplificou, clarificou, abreviou e conden-sou de acordo com seu desejo. O espectador tem de percorrer tais operações de acordo com seu ponto de vista e seu próprio interesse. (...) Em ambos, há compreensão, em sua significação literal – isto é um ajuntar de minúcias e particularidades fisicamente dispersas em um todo experienciado. [grifo meu]

Portanto, creio que cabe ao mediador e às ações que a instituição pro-move esse ajuntamento de vivências – constituídas pelas minúcias e particularidades de cada objeto e situação de exibição – o qual provocará a experiência de que nos fala Dewey. O ajuntar reúne um fluxo de vivências que não necessariamente re-clamam um fazer artístico, como propõe Eisner, mas, fundamentalmen-te, implicam novas significações da obra para o público. Como já disse, a conversa que o mediador pode ter com diferentes públicos pode levar à experiência, se esta conversa for pautada por um objetivo claro de pro-mover uma reflexão pautada na minuciosidade. A partir dessas vivências e de suas próprias, as vivências se tornarão experiências estéticas.

Minúcia e Mediação: AproximaçõesChego, então, ao que me propus no início deste texto: refletir a minúcia na experiência estética. Dessa forma, que ela seja provocada pelo públi-co, em sua busca pela arte; pelo mediador, em descontraídas – mas nem por isso ínfimas – conversas com o público; pelas instituições, através de suas ações. Assim, um fluxo de ressignificações entre obras e público provocará diferentes vivências para a experiência estética. Mais do que uma prática complexa, proponho, finalmente, uma ação pautada na minúcia, no particular de cada público, de cada situação educativa no museu. Tempo e escuta do outro (em todas as partes en-volvidas) talvez sejam a predisposição inicial para a experiência estética que nós, mediadores, poderemos provocar, quaisquer que sejam as con-dições que as instituições e o campo da arte forneçam. Finalizo apontando um campo para retificações, a mediação. Posto que a construção de conhecimentos, por conseguinte de experiências, pode ser realizada através de aproximações, pela busca do detalhe, a

cada aproximação uma retificação ocorre. Dessa forma, como proposto por Bachelard, o que apresentei foi uma aproximação acerca da constru-ção do conhecimento na relação público-obra. A partir daqui, espero que outras retificações sejam realizadas, atra-vés das reflexões de mediadores e ações educativas sobre sua prática, para novas aproximações das relações no campo da arte, em busca de promover diversificadas experiências estéticas.

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i Bachelard, Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Tradução Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004. p. 250.ii Bachelard, Gaston. 2004, p. 248.iii Bachelard, Gaston. 2004, p. 248 e 249.iv Essa ação foi uma das atividades que promovi, junto a Neila Pontes, como coordena-dora do Projeto Primeiro Olhar, da FUNDAJ, em 2006. Criado em 2000 por Cristiana Tejo, o projeto consiste em atividades educativas realizadas a partir das exposições do Trajetórias, que anualmente seleciona artistas contemporâneos para exposições nas galerias da FUNDAJ. Nesse projeto, criamos ações como: Passaporte para a Arte e Conexões para o Passeio, além dos jogos Cartões Relacionais e JogObjeto. Também in-crementamos ações já existentes, como o Curso de Atualização em Arte Contemporâ-nea para Professores, enriquecido com materiais educativos, propostas de atividades, imagens em transparência e textos da curadoria, nossos e dos mediadores.v Bachelard, Gaston. 2004, p. 262.vi Essa é uma das atividades promovidas pela Ação Educativa e Cultural do IRB, com coordenação geral de Joana D´arc Souza Lima e coordenação pedagógica de Áurea Bezerra. Como arte-educadora da instituição, criei, junto a Albino Dantas, o Peça a Peça. A partir de então, outros mediadores e funcionários da instituição participam do projeto, bem como convidados de diversas áreas do conhecimento.vii Eisner, Eliot. Estrutura e mágica no ensino da arte. IN: Barbosa, Ana Mae (org.). Arte-Educação: Leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 1999. p. 84.viii Dewey, John. A Arte Como Experiência. Tradução Murilo Otávio R. P. Leme. 1980. p. 103-104.

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.05Educação em Museus: termos que revelam preconceitosAna Mae Barbosa

Para os alunos e professores da Especialização em Arte/Educação

da UNICAP/Recife/2008.

I - O termo mais revelador do preconceito contra Educação nos Museus é o de monitor para aquele profissional encarregado de visitas, recebendo escolas e professores. Geralmente são educadores formados em Universidades, nos cursos de História, de Arte, de Educação e até mesmo de Comunicação. Eles são educadores, pois tratam de ampliar a relação entre o museu e o público, ou melhor, são mediadores entre a obra de arte e o público. Monitor é quem ajuda um professor na sala de aula ou é o que veicula a imagem gerada no HD, no caso de computadores. Atrelada à palavra, vai a significação de veículo e de falta de autonomia e de poder próprio. Mas, a paisagem social de “monitores de museu” está mudando e a função, atraindo jovens saídos das classes médias que não que-rem se sujeitar ao sistema, ensinando em escolas. Para eles é muito mais prazeroso e significativo trabalhar em museus, além de que podem agüentar a incerteza econômica da profissão. Alguns museus, os mais intelectualizados, em respeito à nova classe social que neles trabalha, estão conferindo mais dignidade designativa à profissão e chamando-os de EDUCADORES, titulo ao qual fazem jus. Mas, em mega exposições como a Bienal de São Paulo eles continu-

am a ser chamados de monitores. O trabalho na Bienal é duro demais, são muitas horas e paga-se pouco. Como resultado, atrai estudantes uni-versitários de classes sociais mais baixas, por isso a elite se dá bem ao desqualificá-los como meros monitores ou ao fazê-los vestir uma cami-seta que traz nas costas designação mais desqualificante ainda - “tira dúvidas”, como foi feito na Bienal de 1998. Em outra Bienal, resolveram reservar a “monitoria” para os alunos da Fundação Armando Álvares Penteado. Os alunos desta escola, uma das mais caras do Brasil, pou-co se interessaram. A Bienal foi obrigada a aceitar alunos de Escolas de Arte da periferia e das universidades públicas como USP e UNESP, injustamente consideradas escolas de ricos. Essa é uma propaganda da direita contra a universidade pública. Eu ensinei 34 anos na USP e nun-ca tive um(a) aluno(a) rico(a).

II - Visita guiada é outro termo preconceituoso. Pressupõe a cegueira do público e a ignorância total. Uso há vinte anos o termo visita comen-tada e, por algum tempo, chamei visita dialogada. Preferi comentada, porque o visitante pensa que não vai se comprometer, vai só ouvir e, no processo, engaja-se sem ter tido chance de se recusar ao engajamento. O diálogo significa participação do visitante também e, declarado de pronto, pode amedrontar. Ninguém quer se confrontar com sua própria ignorância. Contudo, o sentido epistemológico de uma visita com educador de museu e qualquer público tem sempre que ser o diálogo. Ao público resta escolher: se você quer visitar o Museu sozinho e calado, como muitas vezes tenho necessidade, tudo bem. Quando meu marido estava no hospital eu saía de lá desesperada por consolo e corria para o museu mais próximo, ansiando por não encontrar ninguém e ficar sozinha com as obras. Nessa ocasião, uma exposição de Lívio Abramo no Centro Cultural Tomie Ohtake me agasalhou muitas vezes. Mas, se alguém quiser dialogar, chama-se um educador para, juntos, verem a exposição, comentarem, trocarem idéias e sensações sobre a obra e informações sobre a exposição. Em São Paulo, os únicos lugares em que me sinto à vontade para fazer isto são o Centro Cultural Banco do Brasil e o Itaú Cultural. Outro dia pedi um educador no Itaú, fiquei feliz, pois achei que ele não me reconheceu e, no final, até dei meu car-tão ou meu nome a ele, achando que ele nunca ouvira falar em mim. Foi uma ótima visita, falei de curadorias que fiz, comentamos sobre aquilo de que mais gostávamos na exposição, foi um diálogo mais que agradá-vel, foi recompensador e tive conhecimento de detalhes do processo de

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criação de algumas obras, fato que melhorou minha recepção a elas. Saí pensando que bom, não enganei o educador, porque demonstrei ser do ramo, mas não disse que era arte/educadora, o que podia tê-lo inibido. Dias depois, recebi um e-mail de Renata Bittencourt, diretora do Edu-cativo do Itaú. Entre outras coisas, ela me dizia que o educador tinha gostado muito de nossa conversa. Fomos bons atores, fingimos bem. III- Curadoria Educativa não é propriamente preconceituoso, mas é usa-do para dissimular o preconceito. É só um meio artificial de tentar con-ferir a mesma importância da educação à curadoria de obras de arte. Para mim, a importância é a mesma, mas não é assim que a elite que comanda os museus pensa. Daí o artifício “curadoria educativa”, muito usado por quem organiza cursos, seminários etc. e quer ser importante. Em primeiro lugar, seria interessante analisar por que no Brasil as instituições procuram dar “nomes - fantasia”, como dizem os farma-cêuticos, à Educação. Poucas são as instituições como museus e centros culturais que têm a coragem de designar seus departamentos voltados para ensino, di-vulgação ou extensão simplesmente de Departamento, Setor ou Divisão de Educação. Isso não ocorre no Primeiro Mundo. Houve um tempo em que a Fran-ça escondia o trabalho educacional de suas instituições sob o nome de Ação Cultural. Era a síndrome pós 68 de rejeição à Educação. Hoje assumem o papel educacional e a designação educação com orgulho e com a consciência de que a principal função da cultura é edu-car, como vem apregoando Jack Lang, que já ocupou com muito sucesso o Ministério da Cultura e o Ministério da Educação. Porque será que temos tanta vergonha de nos aliarmos à educação e adotamos expressões desviantes, maquiadoras, como ação educativa, ação cultural, curadoria educativa (quando se trata simplesmente de organização de cursos, congressos, seminários) e outras mais limitantes e burocratizadas, como serviço educativo, quando o que fazemos é es-pecificamente Educação? O desprezo pela educação que caracteriza as entidades culturais de elite é ainda maior quando essa entidade se dedica à arte, especialmen-te às artes plásticas. Parece que, em se tratando de arte, quanto mais protegê-la da contami-nação com Educação, mais valiosa será. O pior é que o nojo por educação ataca com uma freqüência enorme

os próprios professores de arte de faculdades e universidades. Não é raro, no Brasil, que artistas professores(as) universitários(as), em dis-cussões sobre ensino universitário ou em congressos de arte/educação, em geral, comecem ou terminem por afirmar enfaticamente que não entendem de Educação. Como ensinam, por que ensinam, a quem ensinam não os interes-sa. Deveriam se interessar por essas questões, ou ao artista basta sua obra para ensinar? Além disso, disseminam o slogan modernista de que arte não se ensina. Sejamos radicais: nada se ensina e tudo se aprende, depende do diálogo, da interlocução, da intermediação, da necessidade e do interes-se. A realidade é que a maioria dos artistas, quando ensinam arte, fa-zem-no para complementar orçamento. Ao desprezo pela educação, característico daqueles que se dedicam às atividades de elite e não são ricos, acrescenta-se uma certa vergonha por não ser campeão de vendas, o que lhe permitiria viver exclusivamente da mercantilização de seus trabalhos. Na cultura artística brasileira, educação é considerada sinônimo de mediocridade. Será pela má qualidade de nosso ensino? Talvez não, porque os que têm horror à educação “não entendem de educação”, não sabem julgar o que é qualidade em educação, nem em relação ao ensino que praticam. Acredito que foi a ação repressora da ditadura e os baixos salários que criminalizaram a educação no Brasil. Na sociedade neoliberal só merece respeito quem tem dinheiro para consumir. No mundo das artes plásticas, os que importam vestem-se bem, vão aos cabeleireiros de luxo, podem comprar obras de arte, po-dem influir ou aspiram a influir em conselhos de galerias e museus e, principalmente, nas decisões das instituições que financiam projetos e dão bolsas. Qualquer defesa da educação levanta a suspeita de pobreza no bolso e, por raciocínio primário, no espírito. É a lógica capitalista. Para não parecer injusta, quero lembrar que nos últimos anos empre-sas e fundações ligadas a empresas ou ao capital “desnacionalizado”, alertadas pelas nações centrais sobre os perigos endêmicos da miséria na sociedade que os circunda , têm criado programas de apoio financei-ro a projetos de educação para os pobres. Entretanto, as razões neolibe-rais se impõem e limitam a ajuda a projetos que possam em curto prazo se autofinanciar. A verdade é que aqueles que são mesmo necessários nunca poderão se autofinanciar, porque não são comerciais, enquanto

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muitos projetos equivocados que colonizam mais ainda a pobreza ser-vem de marketing para pessoas e empresas financiadoras. Mas, voltemos às instituições culturais. No Brasil, em museus e centros culturais, a educação, embora glamourizada por outro nome, é sempre a última na escala de prioridades e valores hierárquicos. Curadoria Educativa é mais um artifício para nominalmente escon-der que devemos tratar em museus de EDUCAÇÃO. Considero o termo curadoria educativa pedante, revelando falta de coragem de se enfrentar o que importa: EDUCAÇÃO. É patética a tentativa de se aliar a um ter-mo de prestígio nos museus para fazer a EDUCAÇÃO ser engolida goela abaixo pelos capitalistas. É tentativa de enganação da EDUCAÇÃO. Estudar curadoria, sim, os cursos universitários deviam ter esta ma-téria no currículo, para que os jovens não confiassem tanto nos desígnios dos curadores. Aprenderiam que muito curador é apenas um político da arte. Privilegia uns para ser privilegiado por outros. Defendo até que se deveria fazer experiências de curadoria em sala de aula do ensino fun-damental. Sobre curadoria na sala de aula, houve um trabalho muito inte-ressante na Escola da Vila feito por Rosa Iavelberg, mas não sei se ela escreveu acerca. Esse processo foi muito bom e levou os alunos a prepa-rar suas próprias exposições e assumir papéis de curador, assistente de curador, designer de espaço etc. Ana Amália Barbosa também fez um excelente trabalho com os alu-nos adultos (na maioria professores) do NACE/ECA/USP. Era um curso com três componentes: fazer arte, leituras de obras e do campo de senti-do da arte e contextualização (metodologias). Os alunos do componente fazer arte, ao fim do ano, tinham que organizar uma exposição de seus trabalhos em galeria de arte comercial ou museu. Tinham que conseguir a galeria, escolher os trabalhos e organizar o discurso da exposição, fazer os convites e folder (design gráfico), fazer divulgação e montagem, pro-jetar as atividades para educação etc. A exposição aconteceu e o texto que a explica foi impresso no folder. A tese de doutorado de Fabio Rodri-gues, na Universidade de Sevilha, fala desse processo e da exposição. Mais um outro exemplo é a excelente dissertação de Fabíola Burigo, que trata de uma galeria de arte dentro da escola para trabalhos de ar-tistas e dos alunos também. Essas aproximações com curadoria são valiosas, pois promovem o pensamento crítico. Curadoria Educativa para substituir Educação em museus ou organi-zação de cursos é pedantismo.

.06A corporificação da experiência: “para que serve isso que você está me dizendo?”Anderson Pinheiro entrevistao Prof. Dr. Eduardo Duarte

Anderson Pinheiro - Há uma divergência entre alguns profissionais de museus sobre a nomenclatura de que quem trabalha diretamente com o público. Para algumas instituições ele é o mediador cultural, para ou-tras, o monitor, para outras, o arte-educador ou, ainda, o educador. Essa denominação depende, muitas vezes, dos dirigentes ou da coordenação dessas instituições. Partindo disso, numa conversa anterior, o senhor me disse o seguinte:

A preocupação quanto ao discurso implica uma re-forma de paradig-ma, de sistema conceitual, de percepção de mundo para o arte-educa-dor. E uma ação dessa natureza tem de ter várias frentes simultâneas, como um programa bem pensado de revisão de valores a fim de que, espontaneamente, o próprio sistema refaça sua proposta de ação. Se não for assim, e com muita paciência, qualquer trabalho nesse sen-tido fica muito ferramental, os arte-educadores vão “usar” as novas informações, sem conseguirem ser reformulados por elas.

Então, já que entramos no que seria um problema dos arte-educadores, o que o senhor pode dizer quanto à nomenclatura que se dá a quem traba-lha diretamente com o público no processo de mediação?

Eduardo Duarte - São duas situações políticas distintas, e são duas pro-blemáticas realmente distintas, em relação, sobretudo, a essa mensa-

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gem. Na realidade, a minha preocupação maior é entender que todo grupo de educadores foi ‘formado por’. Um ‘formado por’ indica que ele foi fragmentado a partir de uma tradição. A pergunta que se faz é se a tradição na qual aquele que educa foi formado é suficiente, nos dias de hoje, para dar conta do processo educacional; seja ele no campo das artes, seja no campo das ciências, da humanidade, da biologia etc. Seja lá em que campo for. O fato é que a crise de paradigmas que nós encontramos na produ-ção de conhecimento, na produção de pensamento, estabelece-se exa-tamente por conta de certa noção inclusa na perspectiva epistemológica daqueles que formam os formadores. Essa perspectiva é muito antiga, são princípios que norteiam o fazer-saber a preparar um educador para que ele execute um trabalho de formação partindo de uma idéia de que aquele que ele vai formar não tem, organicamente e cognitivamente, um motor próprio cognitivo de percepção das experiências estéticas. E quando falo em experiência estética, eu me refiro também à experi-ência científica, porque um pesquisador só se interessa em fazer ciências se, de alguma forma, for tocado esteticamente pela beleza do que signi-fica fazer ciência. Então, não é apenas por uma questão mercadológica, quantitativa e financeira, mas um verdadeiro cientista se apaixona; ele vê, nas fórmulas de química, de física, uma beleza de cumplicidade do mundo a sua volta que o inspira. Então, há uma experiência estética por trás do fazer científico. Eu parto do princípio de que a experiência estéti-ca é um processo de descoberta, é quando o conhecimento se forma en-quanto corpo; ele não é algo que você ensina, é algo que você me aponta, mas quem compreende, quem forma esse conhecimento sou eu. Atravessar essa porta, por exemplo, só pode fazer sentido se eu atra-vessar a porta, mesmo que você me diga “atravesse essa porta, porque você vai chegar ao estacionamento”. Mas, você me dizer, apenas cria para mim um referencial teórico do que significa “chegar ao estaciona-mento”; o referencial teórico não é a corporificação de um conhecimento. Já existem aqui duas matrizes muito diferentes. A idéia de que você, o educador, ou alguém têm informações acumuladas a respeito de tal situa-ção, ou o educador que corporificou um conhecimento a respeito de uma determinada situação. Isso é o que quis dizer de uma diferença paradigmática profunda, porque você só pode, de fato, criar sensibilizações nas outras pessoas, no seu alunado, ou nas pessoas que querem ser monitoradas, ou naque-les que vão visitar o Espaço Ciência (não vejo muita diferença entre o Espaço Ciência e um museu de arte) se essa sensibilização passar pela

sua corporeidade. E aí vem o grande desafio, formar investigadores ou formar educado-res esbarra na dificuldade deles próprios, que querem compreender o para que serve. “Se está me ensinando serve para alguma coisa?” Na medida em que eu me preocupo com “para que é que serve”, eu vou instrumenta-lizar isso na justa medida na qual você me ensina para que eu devo usar. Mas, uma verdadeira fórmula de sensibilização implica ultrapassar sua expectativa de “para que serve” e, inclusive, ir contra suas expectativas na medida em que estou tentando formar em você uma nova capacidade possível de reinventar o que o apresento. Mas isso só é possível se seu corpo vibra e descobre sentido nele mesmo para o que descobre. Constantemente, nas minhas aulas sobre ‘Cultura e Cognição’, os alunos chegam e dizem “para que serve isso que você está me dizen-do?”, e eu digo “serve para você dar um tiro na sua cabeça”. Então eu provoco um choque, eu não respondo. E imediatamente há uma baixa de guarda neles. Ás vezes ficam com raiva de mim, às vezes ficam simplesmente como se estivessem escutando um Koan (Koan é uma piada zen). Um Koan na medida em que o tempo dirá à pessoa que há a necessidade de encontrar uma funcionalidade ou de criar um sentido próprio para o que ouviu. Então, é preciso criar novos deslocamentos referenciais, novas sensi-bilizações, ou aquilo que eu chamo de novas experiências estéticas. Não se trata de, ao final dessa formação, o indivíduo ter um conjunto de fer-ramentas de como vai executar o seu trabalho com outras pessoas. Ele já tem condições, porque já corporificou certa densidade de conhecimento para além da informação de começar a processar a sua forma de gestar para o outro a sensibilidade que ele vai passar. É como quem diz a uma criança que quer colocar o dedo na tomada “não coloque o dedo, porque você vai levar um choque”, isso é apenas uma informação; ela não enten-de isso, então ela pode saber a informação de que passa choque; mas, o que é choque? Então, num determinado momento, ela pode colocar o dedo e tomar o choque; então, ela corporificou a informação. Agora, todo o corpo dela entende o que é choque, todo o corpo dela entende o que significa aquilo e pode, inclusive, transformar aquela corrente elétrica numa idéia para uma outra construção que estava para além da informa-ção que foi dada.

AP - A corporificação seria a própria experiência?ED - É a experiência estética! É um estágio de vertigem que pode amoro-samente conduzir uma pessoa a relativizar o ponto de vista do qual ela vê

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o mundo. Se você consegue ajudar alguém a relativizar o ponto de vista do qual ela vê o mundo, ela cria enormes possibilidades de se afetar por circunstâncias do mundo que nunca lhe foram apresentadas. Há 20 anos que nós temos uma massificação de uma narrativa visual que acelera a percepção cognitiva de espaço-tempo. Muitos de meus alunos que fazem comunicação dizem “isso é feio, isso é ruim, isso é chato...”, diante de filmes de narrativas mais lentas. Mas eu digo que o lento faz parte do que é produzido pela cognição do planeta, como é que você poderá comunicar algo ao mundo se você restringe ao mundo apenas aquilo lhe informou, ou seja a velocidade? É preciso que você possa passar por uns abalos físicos que possam reorganizar suas próprias questões do ponto de vista cognitivo, de modo a começar a haver uma possibilidade de sentido na produção cultural que destoe a sua compreensão. Mas isso não como uma informação que você deverá armazenar; isso como uma corporificação.

AP - Certa vez, vi uma referência que para causar um estranhamento no outro é preciso gerar uma estrutura que seduza o outro, concorda com isso? Realmente tem que criar uma estrutura de sedução? Essa sedução está baseada no diálogo?

ED - Está baseada no diálogo e ela está baseada sobretudo nele. O diá-logo é a ferramenta, mas nenhuma ferramenta faz sentido sem que haja antes uma predisposição. Há um livro de que eu gosto muito, chama-se “On dialogue”, do físico David Bohm e ele escreveu que:

é fundamental ao diálogo que os participantes suspendam suas estru-turas tácitas de conceitos de idéias para poder encontrar-se com as estruturas tácitas de conceitos e idéias do outro.

Para ele essa era a condição para haver o diálogo, porque eu não posso considerar a existência de um diálogo na medida em que as suas estru-turas mais profundas não estão disponíveis. Para que haja diálogo, é pre-ciso que haja disposição, e para que haja disposição é preciso que haja uma relativização do que é certo e do que não é certo.

AP - No seu artigo “Epistemologia da comunicação”, o senhor se refere ao objeto de comunicação. Há uma frase que diz que “o objeto da comu-nicação engloba as manifestações dos artistas, midiáticas ou não.” O senhor poderia explicar melhor essa manifestação dos artistas?

ED - Qualquer coisa que se coloca em uma posição de ser uma obra de arte, mesmo que ela não tenha sido colocada em suporte de mídia (fotografada, codificada no jornal ou cinemafotografada), se ela é uma obra de arte, ela é inevitavelmente uma proposta de comunicação. É uma proposta. Ela pode efetivar a comunicação, naturalmente ou não. Então, veja que objeto de forte comunicação quando você tem um quadro como a Monalisa, que está lá no Museu do Louvre. Sobre essa obra, várias tra-duções e retificações já foram dadas, mas ela continua lá sendo motivo de novas recriações. Ela continua sendo atualizada pelas recriações que pode suscitar entre as pessoas. Então, no instante em que você tem o espectador participando ativamente das reconstruções imaginárias que uma obra suscita, ela estabelece um laço de comunicação, porque ela não é apenas um canal de informação de um tempo. Honestamente, eu creio que só a obra de arte pode ser canal, realmente, da mobilização da comunicação. Ou, para não ser totalmente radical, ela tem a maior dispo-sição de provocar e provocar-se como objeto de comunicação. A obra de arte implica, inevitavelmente, uma parada no tempo. A obra de arte estabelece para com aquele que vai se relacionar com ela uma nova configuração espaço-temporal. Nessa reconfiguração espaço-temporal, o indivíduo inevitavelmente tem que se desabrigar do seu con-texto para poder, sensibilizado medianamente ou profundamente, ser atraído para aquele espaço midiático sonoro ou contextual que se coloca como obra para ele naquele instante. Então, o que, talvez, seja um grande desafio para todos nós que procuramos falar sobre educação, procuramos falar sobre arte, sobre comunicação é entender o tempo em que cada coisa toma corpo com aquele em que nós conversamos; porque se não houver respeito pelo tempo em que o fenômeno toma corpo, jamais estaria mediando, jamais estaria facilitando. Eu não estou preocupado, realmente, com o efeito classificatório das teorias da arte em relação à obra, eu estou mais preocupado sobre qual a intensidade de provocação perceptiva e de deslocamento perceptivo que ela provoca, estou muito mais interessado nisso. Portanto, quando falamos sobre qual é a palavra que melhor define a profissão de vocês, eu acho que a melhor palavra é educador mes-mo. Mas, a gente precisa saber de que tipo de educação nós estamos falando. É mediador? Também. É um facilitador? Aí eu tenho medo. Eu tenho medo da palavra facilitador. Pois facilitador é um termo tão pertinente quanto impertinente, porque todo aquele que facilita alguma

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coisa também dificulta outra, todo aquele que dificulta num argumento facilita num outro; então facilitar não acho que seja a melhor maneira de descrever. O fato mesmo é que estamos diante de combinarmos sobre qual edu-cação nós estamos falando? De uma educação dentro da qual você opera com o repertório de expectativas de sensibilizações que o seu público tem em relação ao que você vai fazer? Ou você está se referindo a uma educa-ção na qual o banco escolar implica: “Ouça, anote e qualquer pergunta, no final, fale”? Então, são duas formas de você apontar o processo de educação.

AP - Eu posso dizer, assim, que numa mediação o profissional deveria proporcionar esse discurso crítico que vai permitir uma repercussão, ten-do determinado tipo de postura, de discurso, de diálogo?

ED - O que ele deve ter como preocupação é abrir o sistema de com-preensão e não fechá-lo, essa é a premissa que eu acho que todo educador deve ter. Você pode trabalhar o conteúdo como informação a ser passada, ou o conteúdo como um problema a ser pensado. Se você trabalha com o problema, toda a informação histórica que você utiliza, você utiliza no contexto de provocação, você está sempre conduzindo o seu grupo a que se instale um problema. Acho que essa é uma dife-rença gritante no processo de compreensão. Enquanto estou falando de problema, estou falando das circuns-tâncias humanas que estão ali presentes, é sempre uma tentativa de fazer você habitar não a informação, mas o problema. Alguém que vá fazer uma crítica de um novo filme, por exemplo, que vai estrear na semana que vem, pode tratar desse filme dizendo “ele é isso, ele é as-sim, ele é assado, ele não presta ou ele é bom”. Ou eu posso colocá-lo dentro de uma moldura contextual, de uma época de produção na qual certas sensibilizações são apresentadas e, quando eu entro por aí, conduzo o espectador a habitar, ele sai com uma disposição de enten-der os caminhos que a obra está abrindo, sem que, necessariamente, venha a se posicionar com “isso é bom, isso é trash, isso presta, isso não presta”. Então, é criar no outro a disposição de que o outro recorra a visões e imagens de organização dessa informação. É o que eu digo sobre a diferença entre você dar um conhecimento fechado (“aprenda assim e reproduza”) e você dar um conhecimento aberto, um conhecimento em que você aposta na capacidade criativa que o outro tem.

.07Será que a influenciou de alguma forma?Anderson Pinheiro

E lá vem ela do outro lado da sala sorrindo. Aquela garota nos seus quinze, dezesseis anos. Chega perto e diz: olá, tudo bem? Não me lembro dessa garota, mas respondo, cuidadosamente (com um sorriso também), que vai tudo muito bem sim. E ela continua o seu relato como se fosse minha melhor amiga, como se todos os dias eu a visse e nós comentás-semos sobre algum fato cotidiano: faz tempo, né? Deus meu, o que é que faz tempo? Prossigo na conversa dizendo que é verdade, pois se aquela garota diz que faz tempo, deve ser por isso que eu não consigo me lem-brar da dita cuja. Então ela prossegue: Vim novamente com esse grupo, mas não consigo me lembrar daquela história sobre aquela peça (e aponta discre-tamente com um pedacinho de dedo). E ainda complementa: naquele dia você até me contou, mas eu não consigo me lembrar. Bom, pelo menos estou começando a encaixar algumas peças de minha memória a partir dessas informações, pois já sei que ela já visitou esse museu antes e que sua visita foi mediada por mim. Pergunto o que tem feito da vida já que, segundo ela mesma in-formou, faz tempo que não aparece por ali. Ela me responde: estou no segundo ano e fazendo esse curso de administração técnica. Pôxa, bacana mesmo, agora já sei que ela ainda estuda e que veio antes com uma escola. Minhas memórias já conseguiram encontrar no meu porão ima-gético a associação que faltava para eu me lembrar dela. Agora eu me lembro de tudo. E tudo começou assim.... Um grupo de alunos do ensino médio de uma escola pública re-cifense tinha ido visitar o museu cerca de um ano atrás. A maioria do grupo nunca tinha ido ao museu e entre eles essa garota. O gru-po mostrara-se, aparentemente, um pouco desconfiado ou um pouco tímido, ou ambas as coisas. Eles já tinham sido orientados por seus responsáveis quanto ao comportamento adequado dentro dos espaços

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expositivos. Esses acordos de boa convivência sempre são bons para ambos os lados, mas às vezes desconfio de que, para alguns grupos, eles viram regras supremas cuja ruptura por qualquer um dos mem-bros pode desencadear uma possível punição severa, será isso mesmo? Bourdieu (2003) faz uma comparação interessante, em seu livro “O amor pela arte”, entre um museu e uma igreja, já que ambos possuem rituais sociais de trânsito, de modo a gerar uma peregrinação e muitas vezes uma consagração exacerbada de relíquias, levando esses produ-tos e o espaço a um local de adoração. Sendo assim, o mais difícil em qualquer situação é a conquista. Sen-do ela gradual e baseada na confiança, pode ser compartilhada a partir da honestidade na comunicação do mediador com o grupo, tornando assim mais simples a compreensão das regras (por que não posso tocar as esculturas?), fazendo-os sentirem-se inseridos no contexto museológico. Não seria perfeito se pudéssemos ativar em todos nós outros sentidos, além do ocular, na fruição estética? Através de pesquisas realizadas na década de 1960 em museus eu-ropeus, Pierre Bourdieu e Alain Darbel (2003) mapearam diversas carac-terísticas sociais e culturais do público visitante de museus. Numa des-sas pesquisas, percebe-se que, entre as classes populares (agricultores, operários, etc.), 42% do público desejava a visita com um conferencista contra 17% que preferia estar só. Entre o público da classe média (Ar-tesãos, comerciantes, empregados, etc.), 40% preferiam estar com um amigo competente contra os 26% que preferiam um conferencista. Já nas chamadas classes superiores (estudantes, professores, especialistas em arte, etc.), 40% preferiam visitar só, e 43% preferiam estar com um amigo competente. Com isso percebeu-se que

Enquanto os membros das classes cultas sentem repugnância pelas formas mais escolares de ajuda, preferindo o amigo mais competente ao conferencista e o conferencista ao guia que se ri da ironia distinta, os visitantes oriundos das classes populares não têm receio do aspec-to, evidentemente escolar, de um eventual enquadramento: ‘no que diz respeito a explicações, quanto mais houver, melhor... É sempre bom ter explicações seja lá para o que for (...). O mais importante é o guia que nos orienta e nos fornece explicações’ (operário, Lil-le). ‘Em vez de ficar só, gostaria de estar com alguém qualificado; caso contrário, a gente passa ao lado e não vê nada’ (operário Lille) (Bourdieu, 2003:88)

Já Klaus-Dieter Lehman, presidente do Goethe-Institut, numa palestra em 2006 a respeito de uma determinada exposição sobre esculturas gregas, verifica que, até o século XIX, havia a possibilidade de o museu atender o público de modo individual. Algo que se tornou impossível nos tempos atuais devido à multiplicação de visitantes, necessitando uma ação educativa que gerasse estratégias de atendimento de modo que esses profissionais qualificados não fossem conferencistas, e sim media-dores de diálogos entre a exposição e o público.i

Outra construção difícil após a conquista da confiança é fazer com que um grupo aparentemente mudo possa incluir você em seu diálogo (monólogo) mental. Alguns até ousam e participam, mas estes já são, assim, extrovertidos por natureza, geralmente ficam à vontade mais rápi-do. Acredito ser importante não esquecer aqueles que tem um mundo de idéias na cabeça e que gostariam de trocar figurinhas, mas que sentem pânico em ser ridicularizados por seus parceiros. Assim foi com aquela garota. Ela estava praticamente colada em mais duas outras garotas como se uma se apoiasse na outra e assim por diante. Ela nunca falava nada, mas sempre observava com uns olhos disfarçadamente atentos. Como me chamou atenção, resolvi fazer um questionamento. É verdade que assim, de supetão, ela ficou um pouco mais nervosa, mas de algum modo resolveu responder ao desafio. Arris-cou uma resposta conforme ela acreditava que poderia me satisfazer. Questionei se, caso ela observasse melhor os detalhes, a resposta seria ou não diferenteii. E se era nessa resposta que ela acreditava, (e pensei: afinal, não era a mim que a mesma deveria satisfazer, mas apenas a ela). Ela hesitou... Talvez esse comportamento se deva a que, muitas vezes, a imagem do mediador (ou a idéia dessa imagem), suas discussões e conseqüentes conexões tendem a confirmar a posição do detentor das informações que o difere por completo daquele que se encontra a sua frente. Aquele que, como Mefistófeles (personagem do livro Fausto, de Goethe, século XIX), guia pelos caminhos dos saberes diversos, levando o visitante a embar-car nesse roteiro. Existe um perigo nesse itinerário: o modo como o (su-posto) diálogo é conduzido, e todos nós precisamos ter cautela. Às vezes parece que acontece uma subestimação quanto à bagagem informativa que o outro possui. Cada vez mais o mediador ocupa um espaço na vida desse outro como um amigo, professor ou parente que vai além de um mero conhe-cido. Ao construir um processo dialético com esse visitante, o mediador tem acesso a um local que já não é mais dele, uma interseção entre o

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mundo dele e o do outro que se expõe, como uma rede de conexões epistemológicas. Ao ser solicitado por participação e raciocínio perante os objetos do museu (ou do mundo circundante), o visitante abre a “porta” de seu íntimo para relatar as associações / idéias / conexões vivenciadas, permi-tindo-se ao diálogo. Põe, de certo modo, sua “cara à tapa”. Um mediador que não está pronto para agir dinamicamente com essas conexões e continua no desenrolar do seu discurso narcisista não é exatamente um profissional a que se preze o respeito. Afinal, ser mediador não se trata exatamente de ouvir as partes, ge-rando uma boa compreensão entre si e incentivando o outro a participar, a expressar? Segundo Gilberto Velho:

Os indivíduos, especialmente em meio metropolitano, estão potencial-mente expostos a experiências muito diferenciadas, na medida em que se deslocam e têm contato com universos sociológicos, estilos de vida e modos de percepção da realidade distintos e mesmo contrastantes. Ora, certos indivíduos mais do que outros não só fazem esse trânsito, mas desempenham o papel de mediadores entre diferentes mundos, estilos de vida e experiências (VELHO & KUSCHNIR, 2001:20 apud RIAL, 2001).

Sendo assim, é de se esperar que essa interação entre os mundos do mediador e do visitante se dê por completo quando há a percepção do outro, estando no lugar do outro e participando com o outro desse pro-cesso de visita dialogal. Construindo uma afetividade naquele espaço de tempo tão mínimo que passe a se tornar uma experiência, não apenas uma vivência, já que “o sujeito da experiência tem algo desse ser fasci-nante que se expõe atravessando um espaço inderteminado e perigoso” (LARROSA, 2004). Como Heidegger pôde muito bem definir:

Fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos alcança; que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. (...) podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no transcurso do tempo. (HEIDEGGER, 1987 apud LARROSA, 2004:162)

Quanto à garota, ela respondeu a minhas indagações e me deixou satis-feito. Naquele primeiro encontro, ela era apenas mais uma de um grupo que recebia diariamente. A volta dela foi que me assustou. Levou-me a

questionar meus atos e a estar sempre atento às palavras com as quais eu me dirijo ao outro. Pergunto-me sempre: o que será que eu disse ou fiz para que fizesse parte da bagagem imagética dela? Será que a in-fluenciou de alguma forma? Como sou tolo, é claro que sim!

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i No Brasil, foram surgindo, desde os anos 50, “os primeiros serviços educativos em Museus (que) foram organizados (...) por Ecyla Castanheira e Sígrid Porto, no Rio de Janeiro”. Os anos 80 foram marcados pelo início dos cursos de formação de professores de Arte “introduzindo-os à condição pós-moderna”. Já nos anos 90, implantaram-se se-tores educativos nos museus, seja por fatores econômicos (quantidade de público ver-sus quantidade de patrocinadores) seja por fatores educacionais. (BARBOSA, 2004)ii Essa experiência aconteceu no Instituto Ricardo Brennand, em 2007, cuja coleção possui além de outros objetos, armas brancas. A Ação Educativa&Cultural dividiu, para melhor atender ao público escolar, as visitas pelo museu por temas, que são esco-lhidos pelo professor ou responsável no ato do agendamento. Um dos meus exercícios na visita com o público adolescente era deixar o olhar caminhar pelo acervo, deixando assim que fossem feitos os recortes referenciais.

Referências bibliográficasBARBOSA, Ana Mae. REVISTA MUSEU. Museu como laboratório, 2004. Disponí-vel em: http://www.revistamuseu.com.br/artigos/art_.asp?id=3733. Acessado em 05/04/2008.BOURDIEU, Pierre. DARBEL, Alain. O Amor pela Arte São Paulo, EDUSP e Ed. Zouk, 2003.LARROSA, Jorge. Linguagem e educação depois de babel. Belo Horizonte, Autêntica, 2004.LEHMAN, Klaus-Dieter. FÓRUM PERMANENTE. Palestra sobre a exposição “Deuses Gregos”, FAAP, São Paulo, 17 de agosto 2006. Disponível em: http://forumpermanente.incubadora.fapesp.br/portal/.event_pres/jornadas/folder.2006-08-10.8328589885/relato-lehmann/. Acessado em 19/04/2008.RIAL, Carmen. Mediação, Cultura e Política. MANA(on-line), Rio de Janeiro, v.7, n.2, 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132001000200014&lng=en&nrm=iso. Acessado em 07/04/2008.

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.08Construção de sentidos e vivências estéticas: algumas considerações sobre a relação entre jogo e arte-educaçãoNeila Pontes

São várias as representações que encontraremos associadas à palavra jogo. Inúmeras situações são hoje denominadas “jogo”, de modo mais direto ou metafórico. Atividades de naturezas as mais distintas como, por exemplo, o jogo de cartas ou o jogo da sedução têm sua denomina-ção primordial na palavra jogo. Impossível definir tal palavra em rigor científico senão estritamente associada ou referente a outros conceitos subjacentes. Os usos contemporâneos desse vocábulo designam ações de naturezas diversas que, de modo geral, envolvem a proposição de relações entre os “jogadores”, as regras que permeiam essas realizações e o lúdico. Estes três pilares podem traduzir uma idéia generalizante de jogo, que permeia desde as relações interpessoais até o uso didático de atividades lúdicas com fins educacionais. O que se tem como princípio é que o jogo trabalha com símbolos e, portanto, permite a manipula-ção mental destes para a construção de sentidos, ou seja, possibilitam uma significação ou interpretação. Conceitos esses que subtendem o processo de escolha das conexões que são estabelecidas pelo indivíduo no momento do jogo as quais variam de acordo com os processos indivi-duais e subjetivos de exploração, identificação, reflexão, decodificação, apropriação, entre outros. Johan Huizinga, em sua obra Homo Ludens (1872-1945), evidencia este processo de seletividade e construção de sentidos pertinentes ao jogo ao afirmar que:

Se verificarmos que o jogo se baseia na manipulação de certas ima-gens, numa certa ‘imaginação’ da realidade (ou seja, a transforma-

ção desta em imagens), nossa preocupação fundamental será, então, captar o valor e o significado dessas imagens, dessa ‘imaginação’. Observaremos a ação destas no próprio jogo, procurando assim com-preendê-lo como fato cultural da vida.(HUIZINGA, 1980:7).

As imagens, principalmente as das Artes, são pautadas na representa-ção, e os recortes selecionados obedecem à construção histórico–social do sujeito que a produz. O artista, em seu ato criativo (que em alguns momentos também pode ser considerado jogo), representa, através de objetos simbólicos, seus devaneios sobre aspectos da vida. Podemos perceber o jogo e a arte, então, como atividades lúdicas que simulam uma parte do real e permitem a exploração mental (através da imagina-ção) dos signos e dos símbolos, conectando-os em significações, desig-nações. O jogo e a arte, que se estruturam no campo do imaginário- sim-bólico, constroem linguagens e constituem-se parcelas de cultura.

Aqui podemos contar, mais uma vez, com as contribuições de HUIZINGA:

Na criação da fala e da linguagem, brincando com essa maravilhosa faculdade de designar, é como se o espírito estivesse constantemente saltando entre a matéria e as coisas pensadas. Por detrás de toda ex-pressão abstrata se oculta uma metáfora, e toda metáfora é jogo de palavras. Assim, ao dar expressão à vida, o homem cria um outro mun-do, um mundo poético, ao lado do da natureza. (HUIZINGA, 1980:7)

E refletindo sobre o mito, que também é uma “imaginação” do mundo exterior, HUIZINGA afirma que:

... é no mito e no culto que tem origem a grande força instintiva da vida civilizada: o direito e a ordem, o comércio e o lucro, a indústria e a arte, a poesia, a sabedoria e a ciência. Todas elas têm suas raízes no solo primevo do jogo. (HUIZINGA, 1980:7)

Podemos evocar vários pontos de convergência entre a arte e o jogo, como por exemplo, seu caráter lúdico e representacional, o jogo de ana-logias que permite o pensamento artístico e a construção de obras com significados próprios para o autor e os diferentes espectadores que ti-verem acesso a elas, a frivolidade deferida à tarefa criadora, o caráter histórico-social de sua produção, posto que o artista é ser socialmente construído dentro de determinados parâmetros criados pela sua socie-

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dade. Enfim, vários elementos podem auxiliar no entendimento do en-trelaçamento existente entre esses dois termos. Na mediação cultural e social, podemos observar esses e outros pontos que ligam o jogo à arte e evidenciam as atividades de criação simbólica como expusemos acima. No percurso de uma mediação, que se pretende, na maioria dos casos, lúdica e enriquecedora, os mediadores se colocam como propo-sitores, auxiliares no processo de construção de sentidos, fornecendo informações e estabelecendo, em conjunto com o público, as conexões imaginativas que lhes permitem construir seus próprios sentidos para o objeto. A mediação, partindo desse pressuposto, pode ser entendida também como jogo, um jogo de construção conjunta de sentidos que, como apontado por HUIZINGA, deriva da necessidade de captar o valor e o significado dessas imagens. Nas interações ocorridas entre público-mediador-objeto, as associações imaginativas e derivações são promovi-das e evidenciadas conferindo sentido à obra “lida”. Célia Almeida (in: FERREIRA, 2001) defende a idéia de que os cam-pos simbólicos presentes na arte podem auxiliar os processos educacio-nais e afirma que

As artes fornecem um dos mais potentes sistemas simbólicos das cul-turas e auxiliam os alunos a criar formas únicas de pensamento. Em contato com as artes e ao realizarem atividades artísticas, os alunos aprendem muito mais do que pretendemos, extrapolam o que poderiam aprender no campo específico das artes. E, como o ser humano é um ser cultural, essa é a razão primeira para a presença das artes na educação escolar. (ALMEIDA, 2001:32).

O lúdico também é elemento inerente ao jogo e Platão preconiza que este (o jogo) está intrinsecamente ligado à noção de ficção e que, estando a criança afeita ao ficcional, torna-se, portanto, elemento instigador no processo edu-cativo podendo ser utilizado como estratégia para a educação. Ele destaca que o jogo é o elemento promotor de prazer que motiva a criança para a aprendizagem. De acordo com VASCONCELOS (2003), “Para Platão o jogo é naturalmente criador, pois enseja naquele que joga a ação conjunta de criar, de dar sentido” (VASCONCELOS, 2003:18). Desdobrando essa concepção, Platão reitera que é pelo jogo que se entende ou se chega ao conhecimento (logos). E, ainda, que a educação não principia pela verdade e sim pela ficção como é o caso do jogo, que educa a partir de elementos imaginários (PLATÃO apud VASCONCELOS, 2003). Devido a essa ludicidade inerente, o jogo foi por muitas vezes encarado

como frivolidade e relegado ao papel de recreação (eventualmente tomada pelos autores com sentido pejorativo), tendo sido desconsiderado este sentido recreativo como importante instrumento que é de socialização e educação. O jogo, na contemporaneidade, está fortemente associado à idéia de experimentação dos papéis sociais que serão realizados pelas crianças em sua fase adulta (jogo infantil). Essa noção também constitui uma das justificativas para a utilização dos jogos no meio educacional, embora também contribua para configurar a aura pouco séria que o jogo assu-me, por se tratar de simulacro infantil, fato freqüentemente associado à infantilização ou banalização do uso dos jogos como fator educativo. Ainda que o jogo possa estar associado, em nossa cultura, ao frívolo e à recreação, seu valor educativo, freqüentemente evocado no decorrer dos últimos dois séculos, coaduna com os campos operacionais da educação e da arte colaborando com as relações estabelecidas entre o campo da representação artística e da educação (escolar ou não). Portanto, a fri-volidade atribuída ao jogo não impede que nele se veja uma importante estratégia educacional. De fato, o jogo se constitui com grande valia como meio para seduzir a criança para os estudos, dependendo apenas que receba por parte do educador os devidos cuidados pedagógicos e preserve seu caráter flexível e aberto. Sobre estes cuidados Célia Almei-da (in: FERREIRA, 2001) nos alerta:

Nenhuma proposta pedagógica é, em si, adequada a toda e qualquer situação de ensino-aprendizagem. Para poder ser colocada em prática, ela necessita ser apropriada pelo professor, ser reconstruída, precisa fazer sentido para ele e seus alunos. Propostas aplicadas mecanica-mente, como se fossem receitas, meras reproduções do que propõem, estão fadadas ao fracasso. (ALMEIDA, 2001:33)

Mencionarei algumas experiências educativas que podem ilustrar essas relações estabelecidas, acima, entre o jogo, a arte e a educação. As expe-riências que aqui citarei ocorreram no percurso de desenvolvimento das ações educativas promovidas pelo Projeto Primeiro Olhar, na FUNDAJ. As ações educativas desenvolvidas naquela instituição visaram à promoção da formação do público, fruidor e crítico em arte, e, para tanto, fez-se neces-sário instrumentalizar esse público com subsídios legítimos, a fim de que pudessem ser asseguradas as analogias necessárias a uma leitura funda-mentada da obra de arte. Em total consonância com as relações desveladas neste texto, o projeto ofereceu aos educadores participantes do curso de atualização em arte contemporânea (uma das ações executadas) um Kit

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educativo que continha elementos auxiliares do processo de construção de sentidos como: informações conceituais sobre os artistas, glossário específico, jogo ou proposta de atividades que se destinavam à aplica-ção nas salas de aula. Destacarei, pois, dois desses jogos desenvolvidos com o objetivo de fomentar o debate sobre a arte contemporânea e seus modos de representação de mundo. Os jogos foram pensados, antes de tudo, como prolongamentos da mediação que ocorria nas galerias da FUNDAJ. Mesmo as crianças que não tiveram acesso à obra, realizaram interpretações significantes baseadas no uso dos jogos e em informações trazidas pelo material educativo e pelo relato das experiências viven-ciadas pelos colegas que visitaram a exposição. Os jogos funcionaram, dessa maneira, como mediadores, requerendo e possibilitando analogias no processo de construção de sentidos das obras em questão. O jogo dos “Cartões relacionais” consiste num conjunto de 26 car-tões, 12 deles contendo termos referentes às reproduções de obras en-contradas nos outros 14 cartões restantes. Duas das imagens presentes no jogo foram selecionadas entre as obras em exposição no Trajetórias 1. Aline Dias, artista catarinense, contribuiu com a imagem de sua obra “Carpet”, e Bruno Vieira, artista pernambucano, participou da mostra expondo seu trabalho “Da série Invasões”. No texto relativo a este jogo, encontrado no Kit Educativo, havia indicações para o uso desses car-tões relacionais como jogo da memória, em que os jogadores poderiam estabelecer pares termo-termo, obra-obra ou ainda, termo-obra, expli-citando e justificando verbalmente sua escolha e evidenciando assim as analogias realizadas na junção daquele par de cartas, bem como foi solicitado ao professor a utilização diversa desse material, requerendo dele e de seus alunos a postulação de novas regras para o uso dos car-tões relacionais. Outro jogo, presente no catálogo 2003-2006 da mesma instituição, foi oferecido ao público geral, bastando que se destacassem as últimas folhas da referida publicação e se arranjassem alguns pinos para ter o prazer de jogá-lo. O “jogoCatálogo”, formado por um tabuleiro com ca-sas em que eram definidas as ações que deveriam ser realizadas pelos jogadores e cartões nos quais constavam imagens das obras expostas no ano de 2006, ou apresentavam “Citações conectivas” (trechos seleciona-dos de textos contidos no corpo do catálogo relacionados à poética dos artistas), ou ainda outros que traziam as “Conexões para o passeio” (per-guntas que possibilitavam a reflexão dos temas trabalhados nas obras expostas). Os objetivo do “jogoCatálogo” ´se resumiam à realização das ações propostas nas casas do tabuleiro e ao estabelecimento de rela-

ções entre as citações e as conexões dadas pelos conteúdos dos cartões. Ao final das trajetórias era pedido aos jogadores que tentassem definir, através da leitura da imagem, qual reprodução da obra tinha a ver com a trajetória percorrida no tabuleiro, devendo justificar sua resposta verba-lizando as analogias usadas na escolha da imagem relacionada à deter-minada trajetória que seguiu durante o jogo. Esse jogo nos deu grande alegria já que possibilitou o acesso às reproduções e às informações de dezenas de exposições de artistas contemporâneos a um público que normalmente não as acessa em visitas a exposições de arte. Todos os jogos foram pensados com vistas à promoção da ludicidade e quiçá da possibilidade de uma reconstrução mental do percurso cria-tivo do artista. Requeriam a ação mental ou física de seus participantes para a construção de significados ou a realização de ações significantes (como a construção de conceitos artísticos ou objetos plásticos), bem como estabeleciam ou pediam o estabelecimento coletivo de regras para sua realização, abarcando as generalidades e algumas das especificida-des observadas na configuração das atividades lúdicas como jogo. Traço aqui, ainda, algumas observações no tocante à disponibilidade de algumas instituições culturais para o estabelecimento de parcerias efetivas com as escolas, visando a uma diminuição da distância na co-municação entre essas instituições e com foco no atendimento às neces-sidades específicas apontadas pelo educador escolar. Reforço aqui a ne-cessidade do estabelecimento de diálogos efetivos entre as instituições para que o educador tenha acesso não só aos conteúdos oferecidos pelas instituições culturais, mas também que seja ele mesmo capaz de eviden-ciar as analogias que realiza diariamente na escolha das exposições que irá visitar com seus alunos. Vale salientar que em tempos de tantas dificuldades no setor edu-cacional não devemos menosprezar nenhuma estratégia de sedução das crianças e jovens para o estudo e a pesquisa necessários à construção do conhecimento.

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Referências bibliográficasALMEIDA, Célia Maria. Concepções e práticas artísticas na escola. In: FERREIRA, Sueli (org.). O ensino das artes construindo caminhos. Campinas: Papirus, 2001.HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura; Tradução de João Paulo Monteiro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1980.VASCONCELOS, Paulo A. C. O jogo e Piaget. São Paulo: Editora Didática Suplegraf, 2003.

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.09Desenhar materiais para educadores: uma experiência e desafioRejane Galvão Coutinho

Antes de considerar a experiência de conceber materiais de apoio para educadores sobre exposições de artes visuais, no caso específico, as exposições do Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, apresento como preâmbulo alguns pressupostos. Uso o verbo desenhar no sentido figurado de elaborar projetos, conceber, desenvolver e configurar; da seleção e delimitação dos con-teúdos e articulações internas às configurações formais e visuais. É um desafio, porque somos educadores propondo materiais para edu-cadores, ou seja, não somos especialistas em concepção e produção de materiais didáticos. Mas, antes, somos usuários em potencial dos materiais que concebemos, pois estamos inseridos no contexto das de-mandas e necessidades. O contexto dos desafios contemporâneos dos educadores brasileiros, que nas duas últimas décadas vêm buscando aproximar a arte da educação, inserindo a arte na escola, inserindo a arte nos currículos, aproximando os estudantes da arte. E quem somos nós? O Arteducação Produções é uma equipe de arte-educadores e produtores culturais que presta consultoria e de-senvolve projetos de ação educativa para instituições culturais em São Paulo. São projetos que se inserem no que hoje se designa nomear de campo da mediação cultural. O desafio de conceber materiais para educadores acompanha os projetos desenvolvidos pela equipe desde suas primeiras atuações em 2001, pois sempre buscamos a parceria da escola. Entendemos que as ações educativas propiciadas pelas instituições culturais não devem se limitar a ações internas, mas têm potencial de reverberação para além dos espaços instituídos, fazendo com que os visitantes das exposi-

ções levem consigo questões para refletir sobre as experiências vividas, questões que teçam relações com a vida, que busquem estreitar as relações com a arte, que possam se transformar em conhecimentos sig-nificativos. E , nessa perspectiva, contar com a parceria dos educado-res é fundamental. Educadores no sentido genérico, pois temos como princípio e, talvez, ambição abranger educadores de vários segmentos e áreas de conhecimento. Nosso trabalho tem como fundamento a abordagem triangular e esse é outro grande desafio: exercer as dimensões da leitura, produção e contextualização de forma articulada no espaço transitório da media-ção. Temos a nosso favor a situação de confronto presencial entre a arte e as pessoas que a procuram voluntariamente. Entendemos que a fun-ção do mediador é potencializar esse encontro, estimulando diálogos pertinentes, propondo questões instigantes em direção a uma crítica artística. A toda ação educativa se antecede um trabalho de preparação nem sempre evidente e devidamente valorizado. Nesse caso específico, para conceber e desenvolver uma estratégia de mediação para uma exposi-ção é necessário, inicialmente, um denso e amplo mergulho no univer-so a ser mediado. Um movimento sincrônico que busca situar e revelar questões pertinentes às obras e ao contexto, através de uma pesquisa de teor interdisciplinar. Com as possíveis questões delimitadas, segue-se a elaboração de estratégias e percursos de visita que servem como diretrizes para a concepção e desenvolvimento de outros materiais, tais como: material de apoio ao mediador, material para público escolar, material para educadores etc. Neste texto, analiso dois diferentes materiais para educadores, concebidos e desenvolvidos nesse contexto específico. A escolha dos exemplos teve como critério poder mostrar uma diversidade de possibi-lidades, de propostas e de recursos materiais para efetivá-las.

Exposição Alex Flemming – Corpo ColetivoRealizada no Centro Cultural Banco do Brasil em 2001, com curadoria de Ana Mae Barbosa, a exposição pretendia revelar como o artista Alex Flemming vem trabalhando com a temática do corpo. Não era, portan-to, uma exposição cronológica, mas um recorte antológico no conjunto da produção do artista, com foco maior em suas produções recentes, que desafiam os limites de um corpo culturalmente inscrito. As condições iniciais para desenvolvimento do projeto educativo foram bastante favoráveis: uma parceria estimulante entre os arte/

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educadores e a curadora (também arte/educadora) permitiu o acompa-nhamento do processo curatorial. Inclusive, um membro da equipe do Arteducação Produções, a produtora Sofia Fan, atuou nas duas frentes, como produtora da ação educativa e também da exposição, estreitando as trocas e comunicação no processo. Um fruto concreto dessa parceria foi a inclusão de um texto do educativo no catálogo da exposiçãoi. Nesse contexto, vale também salientar o estreito diálogo estabele-cido entre o artista e o educativo, fato relevante e bastante desejável numa exposição de arte contemporânea, pois, infelizmente, sabemos que muitos artistas alimentam preconceitos em relação à educação, especialmente a arte/educação. Outra condição primordial foi o significativo investimento do pro-jeto como um todo na edição de material para professor com a mesma qualidade gráfica do catálogo e folder da exposição.

O material para educadoresEstrutura do material: conjunto de sete cartões em formato big postais 16 x 22 cm; frente - ima-gem de uma obra selecionada; verso - textos, questões e outras imagens. Policromia. O conjunto se acomoda em uma caixa que contém um bloco de anotações. Uma característica marcante deste material é o diálogo entre forma e conteúdo resultante da parceria com o designer do projeto, Vicente e Nasha Gil.

Postal 1 - apresentação da ação educativa e do artista sentado em uma de suas obras.

Postais – obras e séries da exposição.

Exemplo de frente e verso de um dos postais.

Os versos dos postais têm um formato semelhante: um conjunto de ques-tões e outras imagens que fazem referência ou criam relações com a imagem da frente. As questões com seus comentários seguem certo pa-drão com algumas variações.

Num dos cartões ao lado, por exemplo, temos os seguintes textos ou provocações:

Você sabia?Que esta série se encontra na estação Sumaré de metrô? Vale a pena fazer uma visita.

Observe.Que tipo de foto é esta? Você já fez alguma foto parecida? Onde ela é usada? Quem são estas pessoas retratadas? Você consegue decifrar os textos sobre as fotos? O que eles dizem?

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Que tal?Brincar com fotos 3x4, suas e de seus alunos, ampliando, recortando, multiplicando e por fim construindo um painel.

Pesquise / pense / imagine.Quando surgem as primeiras fotos 3x4? Será que têm relação com os retratos na história da arte?

Conte uma história.Escolha uma destas fotos e imagine como é a vida desta pessoa. O que será que ela achou de ser retratada assim?

O conjunto compreende ainda um postal de contexto do artista, que apre-senta o recorte da exposição e um postal de relações com obras de outros artistas que dialogam com o recorte e/ou questões tratadas. Numa rápida análise podemos dizer que o material é estimulante para o professor pela estrutura de questões propostas, principalmente, se te-mos claro que a sua distribuição estava atrelada aos encontros presenciais em que se discutiam o contexto da exposição (artista e obras), o recorte e possíveis relações e ampliações, refletindo sobre esses aspectos. Por exemplo, as obras e o artista apresentados no cartão de referências eram discutidos como possibilidades nos encontros presenciais de professores. Porém, podemos avaliar também que o material tem um potencial independente da presença do educador nos encontros, pelo seu caráter estimulador de reflexões.

Rembrandt e a arte da gravuraExposição realizada no CCBB-SP, em 2002, com curadoria de Pieter Tja-bbes, apresentando a excelente produção do artista nessa técnica, com obras pertencentes ao acervo do Museu Casa Rembrandt de Amsterdã. Nessa exposição, vivenciamos um processo de diálogo formal com a curadoria e produção da exposição, como é de praxe na grande maioria dos casos, quando recebemos o roteiro ou projeto com as questões curatoriais e a lista de obras. Como se tratava de uma exposição histórica, houve necessidade de ampla pesquisa sobre o artista, o contexto e as técnicas empregadas. Não houve investimento por parte da instituição em produção de ma-terial para educadores. Mesmo diante desse contexto, o programa educa-tivo resolveu investir nessa direção, produzindo um material em impressão caseira, com uma impressora jato de tinta.

Material para educadores

O material consiste em nove folhas tamanho carta grampeadas em uma das pontas com o seguinte conteúdo:

1. Capa2. Apresentação da ação educativa.3. Sobre o artista (com foco na sua produção como gravador);4. Sobre a técnica de água-forte;5. Relações – Reflexões – Revelações: comparação de duas obras do artista: uma pintura e um desenho em aguada;6. Relações – Reflexões – Revelações: comparação de duas obras do artista sobre temas semelhantes: uma pintura do sacrifício de Abrão e uma gravura do sacrifício de Isaac (comparação de diferentes tra tamentos dados pelo artista);7. Relações – Reflexões – Revelações: comparação entre uma gravura de paisagem de Rembrandt e uma gravura da companhia holandesa das Índias Ocidentais de Maurício de Nassau em Pernambuco 1644, mesma época da produção de Rembrandt na Holanda. Junto às imagens, há dados sobre as invasões holandesas no Brasil.8. Relações – Reflexões – Revelações: comparação de auto-retratos em diferentes técnicas: Rembrandt, Flemming, Anita Malfatti;9. Referências bibliográficas sobre arte/educação e sobre o artista; ficha técnica.

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O material segue claramente a abordagem triangular e configura-se como um resumo das pesquisas feitas pelos educadores para a ação educativa. Tem uma tônica nas relações: leitura X contexto, e atrela-se aos encon-tros em que se exercia a leitura e interpretação das obras, discutia-se o contexto da exposição com ênfase na técnica e refletia-se sobre ele. É um material de baixo custo e de baixa qualidade de impressão, configurando-se apenas como referência para pesquisa dos educadores que devem produzir seus próprios materiais de aula.

Considerações finaisNão temos receita de como produzir material para educadores, mas te-mos princípios e fundamentos e sabemos que isso é essencial para a concepção de qualquer tipo de ação educativa, pois eles orientam os processos e nos ajudam a vislumbrar pontos de chegada. O ponto de partida de qualquer ação educativa é sempre a pesquisa. O exercício da pesquisa deve ser a base de toda a prática e a idéia é partilhar essa pesquisa com os educadores, nossos parceiros. Pensamos o material como incentivo à pesquisa e apoio à prática do educador, não como material prescritivo ou como guia de aulas, pois acreditamos que método e metodologia são desenvolvidos pelos educa-dores diante da realidade e do contexto em que atuam e, sobretudo, a partir das crenças que orientam suas práticas. Reforçamos a premissa de que elegemos possíveis recortes para aden-trar a exposição, não somos donos da verdade, mas de pontos de vista.

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Alex Flemming: corpo coletivo, catálogo, centro Cultural Banco do Brasil, 2001.

.10A leitura que forma o mediador, forma o olhar e ajuda a ler o mundo?Simone Ferreira Luizines

Na contemporaneidade, quase tudo do que nos é apresentado é feito visualmente. Também é consenso que a capacidade de assimilação é muito mais ampla na visualidade do que em outros sentidos. O que não significa que conhecemos tudo o que vemos. A comunicação hoje, feita através dos mais avançados meios tecnológicos, expõe-nos a múltiplos elementos visuais. Diante dessa realidade, o aprendizado e a reflexão sobre esse mun-do das imagens são imprescindíveis à compreensão de nossa atual cul-tura. A distância entre a riqueza da visualidade contemporânea e a ha-bilidade para analisar essas imagens criou um campo de estudo que se dedica a perceber as diferentes formas com que as pessoas observam, analisam, decodificam aquilo que lhes é visualmente apresentado e a formar pessoas capazes de auxiliar terceiros durante o processo de lei-tura dessas imagens.

Na Arte-educação contemporânea, um dos grandes enfoques de dis-cussão é a leitura da imagem e, apesar de quando falarmos em leitura a primeira idéia a vir a mente ser a de compreensão das palavras, em sentido freiriano (2003), leitura é bem mais que decodificar palavras: é ler o mundo. E como na atualidade o mundo está repleto de men-sagens, a leitura também envolve ler imagens e dentro da imagem, a obra de arte. (AZEVEDO, s.d.)

A expressão Ler Imagens, já circula nas áreas de comunicação, sob influên-cia do formalismo da Gestalt e da semiótica desde o final da década de 70, e muitas teorias e metodologias de leitura conseguem auxiliar a ler arte.

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Uma linha de leitura que, no caso de alguns museus, ainda se vê é a submissão do educador aos desígnios do curador, funcionando o me-diador como mero reprodutor das idéias curatoriais. Ainda se observa também uma forte tendência ao formalismo, análises das obras ape-nas em função da identificação de linha, forma e cor sem preocupação com a construção de significados (BARBOSA, 200?).

Porém, não interessa aqui discutir se é sob a ótica formalista, estética, de faceta semiótica (denotativa ou conotativa) ou sob a proposta de ver a imagem como fonte documental, como têm feito alguns historiadores, antropólogos e sociólogos, que a leitura tem sido aplicada pelo mediador. O que se pretende é questionar a compreensão de mediador da leitura de imagem como aquele que “ensina a ver e ler”. Ensina a ver o quê? Quem é esse personagem que, mesmo diante da complexidade visual da contemporaneidade, seria capaz de ver e ler qualquer imagem? A necessidade ou não da utilização do mediador é uma discussão antiga. Já na reforma protestante, com a tradução da Bíblia, fez-se des-necessária a presença do Padre, mediador das palavras bíblicas, o que ocasionou uma diversidade de interpretações e obrigou a Igreja, preocu-pada em retomar sua hegemonia e controle, a reconsiderar a presença do mediador - personagem com o papel fundamental de mediar e de conciliar tensões intelectuais, resolvendo discrepâncias aparentes, har-monizando assim todos os elementos da vida mental. No campo das artes plásticas, a cada dia, a produção aproxima-se mais da vida. E é esse um dos grandes obstáculos para a compreensão da arte contemporânea e conseqüente valorização da figura do mediador - personagem que media o contato e a fruição entre expectador e obra. E será que o mediador da leitura de imagem, e agora me detenho apenas à leitura da imagem de obra de arte, não tem atuado apenas como esse conciliador de tensões, ou até controlador de interpretações? Será que o que se tem feito, tanto no museu quanto na sala de aula, é realmente uma formação do olhar como costumamos pregar, ou será que, de fato, temos tentado ensinar nossos alunos a ver e ler sob a nossa ótica? Os estudos sobre leitura da obra de arte situam-se num marco teó-rico que vê a educação não apenas restrita à formalidade da instituição escolar, mas estendida a inúmeros mecanismos educativos presentes em diferentes instâncias socioculturais, como por exemplo, os museus. Grande parte destes tem como função primordial educar os sujeitos e, por estarem inseridos na área cultural, são revestidos de características como prazer e diversão, mas esses espaços também educam e produzem

conhecimento. O que precisa ser revisto é que tipo de conhecimento tem sido produzido. Algumas pessoas costumam defender a idéia do mediador como aquele capaz de facilitar a fruição da leitura sem interferir ou influenciar a construção do educando com seus conhecimentos e reflexões. Nem oito, nem oitenta. Não se pode pensar a figura de um mediador como aquele que ensina a ver, nem muito menos aquele capaz de formar o olhar abstendo-se de qualquer construção do grupo, até porque isso se-ria impossível. O mediador, como ser em processo, deve perceber-se e portar-se não como imparcial ao grupo, mas como parte integrante e de extrema importância dentro dele, ou, como defendia Vygotsky (MELLO, 2004), o indivíduo mais experiente que, através da mediação, estimula-rá o processo de aprendizagem do menos experiente. O mediador - refiro-me à semântica da palavra dentro da educação e não a seu conceito abrangente - tanto do Museu quanto da sala de aula, deve dialogar com os interesses do grupo e, a partir disso, propor questionamentos que despertem reflexões. Pensando a leitura sob uma abordagem crítica, e entendendo-a como um campo de estudo transdisciplinar e multirreferencial, que pode to-mar seus referentes tanto da arte quanto da história, psicologia cultural, psicanálise, antropologia, sociologia e filosofia, sem fechar-se nestas ou somente sobre essas referências, é que alguns autores enfatizam que esse campo de estudos se organiza a partir de relação dos significados culturais, valores, identidade e noção de representação. Sendo assim, uma leitura torna-se significativa quando se estabelecem relações entre o objeto de leitura e a experiência cultural do leitor. E nesse caso, a pedagogia questionadora – aquela que propõe questões que exigem re-flexão, análise e interpretação, sem que sejam evitadas as informações que esclarecem e/ou apóiam interpretações - é muito mais apropriada, já que a função da pergunta é levar a pensar, estimular associações e interpretações. Nesse sentido, já não cabe mais perguntar o que os educandos não sabem e posicionar-se como o meio termo entre aqueles que querem ver e aquilo que se quer ver, mas sim propor conexões, a partir do que já se sabe, para que, juntos, possam ampliar e organizar discursos com os saberes que todos possuem. A proposta é construir relatos visuais, utilizando diferentes suportes relacionados com a própria identidade e contexto sociocultural, os quais ajudem os educandos a construir um posicionamento diante do mundo sem que o mediador/educador dite um direcionamento.

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É importante entender que o processo de aprendizagem é móvel, pois a cada dia se incorporam novos aspectos. Nesse sentido, os media-dores/educadores têm de estar atentos ao que está se passando no mun-do e responder com propostas que possibilitem aos educandos elaborar formas de compreender e atuar no mundo. É essa postura que definirá se o mediador em questão é um educador, que media as experiências culturais e estimula a construção coletiva do conhecimento, ou se é apenas aquele que media as discrepâncias e que controla as tensões. A situação criada pelo mediador/educador para iniciar o processo de aprendizagem é o que sinaliza sua orientação educativa e define seu papel diante do grupo.

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Referencias BibliográficasPILLAR, Analice Dultra. Leitura e releitura. In: Pillar, Analice D.(org.). A educação do olhar no ensino das artes. Porto Alegre: Ed. Mediação, 1999.Série Cadernos de Autoria. SANTOS, Anderson Pinheiro e LUIZINES, Simone Ferreira. Justifique sua resposta. In: Revista 2 Pontos para Documenta de Kassel. Recife, 2007.SARDELICH, Maria Emilia. Leitura de imagens e cultura visual: desenredando concei-tos para a prática educativa. No curso “Educación Artística: enseñanza y aprendizaje de las artes visuales”, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Barcelona, 2005.

Citações IndiretasAZEVEDO, Fernando Antônio Gonçalves. A arte possibilita ao ser humano re-pensar suas certezas. s.d.BARBOSA, Ana Mae. Arte/educação em Museus: Herança intangível. 200?

MELLO, Suely Amaral. A escola de Vygotsky. 2004.

.11A verdade para a obra não existe: o que existe são as relações construídas pelo observadorAnderson Pinheiro entrevista a Profa. Dra. Nina Velasco e Cruz

Ao ter conhecimento, através da professora, do livro de Jonathan Craryi, Techniques of the Observer: On Vision and Modernity in the 19th Century, no qual o autor trata das evoluções técnicas ocorridas no século XIX, que permitiram uma nova perspectiva sobre a visão, convido-a para um bate-papo. Aproveitando sua dissertação de mestrado “O dentro é o fora: a participação do espectador na obra de arte de Lygia Clark e Hélio Oitici-ca”, conversamos sobre a relação do sujeito (espectador / observador / participador) com o objeto (mais especificamente o artístico) e sobre a recepção da imagem por parte de quem observa uma obra dentro e fora do seu contexto.

Anderson Pinheiro - Eu gostaria que pudéssemos dialogar a partir da frase de Jonathan Crary:

O sujeito que observa é simultaneamente o produto histórico e o lugar de cer-tas práticas, de certas técnicas, instituições e procedimentos de subjetivaçãoii.

Dentro do campo do observador ou do espectador, como é que seria esse sujeito?

Nina Velasco - Na relação espectador e obra, no museu, existem um sujeito e a obra de arte. O que vai fazer com que se chame esse sujeito de espectador, de observador ou de participadoriii será, justamente, esse

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momento histórico, esse contexto que incide sobre esse sujeito de uma maneira constitutiva, ou seja, ele, ao mesmo tempo em que está ali tendo aquela experiência, é formado por determinadas técnicas, determinados discursos que emergem no momento. O que Jonathan Crary está falando é bem próximo do que Walter Benjamin (1892-1940) dizia quando se referia ao fim da aura na obra de arte na época da reprodutibilidade téc-nica. O que Crary quer dizer com produto histórico e lugar dessas práti-cas é que ele é o produto histórico tanto quanto suas práticas. Ao mesmo tempo, aquele sujeito que está diante de uma obra naquele momento, naquela época, vai ter um olhar fotográfico, mesmo que não tivesse tido contato ainda com a fotografia, por isso que Benjamin vai inverter a questão que estava na moda na época: ‘será que fotografia é arte?’. Ele vai dizer que não basta questionar se fotografia é arte ou não, o que importa é a arte como fotografia. O impressionismo, por exemplo, que existe quase coincidentemente com a fotografia, estava fazendo arte como fotografia; em esferas totalmente diferentes. Quem estava crian-do fotografia não estava com as mesmas preocupações que os artistas impressionistas. É verdade que hoje os discursos deles coincidem em vários aspectos, mas em outros não. Eles estavam interessados numa determinada verdade, numa ob-jetividade, na ciência. Como Eadweard Muybridge (1830-1904), que estava pensando a decomposição do movimento. Seu estudo não estava associado à finalidade de criar uma tecnologia do entretenimento como o cinema, mas sim uma ciência do movimento. E, no fim das contas, esses estudos, as experiências do Muybridge, vão gerar um dos pressupostos, uma das pré-condições do surgimento do cinema. Sendo assim, esse espectador vai se tornar observador ou partici-pador na medida em que ele é um fruto desse contexto histórico, em que há entre essas transformações da relação entre sujeito-objeto e, ao mesmo tempo, em que está exposto a determinadas tecnologias. Nunca estamos pensando somente na recepção, estamos pensando tam-bém na produção. Então, por que a gente vai ver os quadros dos impressionistas? Por-que é exatamente nesse momento que há essa transição de que o Crary está falando. Você vê como os impressionistas vão trabalhar a construção da cor, a construção da imagem a partir de uma fragmentação dessa imagem em várias pinceladas, não é uma cor única, homogênea, é uma cor que vai se dar na composição entre várias cores. Naquelas obras você vê o conceito materializado. Num quadro desses, de longe, você tem uma imagem, de perto, você

tem outra. De longe, você vê como as cores da imagem são homogêneas, mas, quando se aproxima, você vê que na verdade ali há várias cores, você não está vendo uma cor só. Essa unificação se dá por uma atividade do seu cérebro. Você apreende aquelas informações como uma cor só, aquelas diversas cores como uma cor só.

AP - A gente pode até trazer essa experiência, esse exemplo, para o ou-tdoor, pois o outdoor ainda mantém essa estrutura de cores separadas.

NV - Não só o outdoor, mas a própria ampliação gráfica, imagens di-gitais que trabalham com pixel, que é uma fragmentação da imagem. Se formos ampliando a imagem, vamos chegar a um ponto, que é uma representação muito menor do que a gente possa imaginar. Seja num quadro impressionista, na fotografia ou até no plotter. Podemos dizer que a preocupação com a relação entre o observador e a imagem surgiu como grande conseqüência dessas descobertas. E são essas descobertas que fazem parte de uma transformação epistemológica, que é a transfor-mação da maneira de o homem se relacionar com o mundo; do sujeito com o objeto. Mas essa relação, sendo uma relação problemática, vai depender muito de quem está ocupando esse lugar de observador. Então, ele não é o mesmo, independente de quem seja.

AP - A gente fala da relação do observador diretamente com o objeto, a relação do sujeito-objeto. E quando a gente coloca alguém entre esse sujeito e esse objeto? Um alguém que já tem uma decodificação dessa imagem e que mantém um diálogo com o outro, transformando, condu-zindo, desestruturando, até mesmo dizendo que é outra coisa além do que está ali na visualidade.

NV - Essa função é extremamente contemporânea. Na verdade, não se poderia imaginar isso antes de toda transformação que estou colocando. Porque é justamente quando você tem esse terceiro, que se tem a prova de que não existe essa separação tão clara entre sujeito-objeto. Não é que não pudesse ter uma explicação sobre as obras, até porque essa ex-plicação, antes, não seria dada da mesma maneira que ela é dada hoje, ela poderia até ser dada como uma informação a mais, apesar de que eu não sei até que ponto isso existia. Digo antes do século XIX. Não é o caso hoje. Quando a gente fala desse mediador, desse par-ticipador, desse observador, a gente nunca está colocando como se hou-vesse uma única chave de leitura, uma única chave de ação e de com-

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preensão daquilo. O que eu entendo e imagino que seja o objetivo não é explicar e chegar a um único sentido. É você abrir. Você não deve, em nenhum momento, fechar o sentido de uma obra, se você fecha um sentido de uma obra, você vai estar atrasado diante de todas as mudanças que aconteceram na história da arte. Não é o caso. Você não vai chegar e falar “olha, você tem que fazer isso, isso e aquilo” ou “você tem que entender dessa forma, porque é essa forma que o artista quis dizer” ou “é essa a forma certa de se ver”, não é nada disso. Justamente porque há essa mudança epistemológica, não existe uma única verdade, não existe esse mundo dado, não existe essa relação pacífica entre o sujeito e o objeto.

AP - Há uma frase na sua dissertação, “O dentro é o fora”, sobre a cons-ciência do artista, segundo Hélio Oiticica (1937-1980) e a Lygia Clark (1920-1988), que dizia o seguinte:

O artista deve criar com a consciência de que não há nada que o se-pare daqueles que experimentam sua obra de arte, na medida em que seu papel é apenas propor a todos uma vivência artística.

NV - Há, inclusive, uma frase clássica da Lygia, que eu acho que eu cito em algum momento, que é “Nós somos os propositoresiv”.A questão, ali, é simplesmente propor. Existe uma discussão nas cartas do Hélio para a Lygia que fala sobre isso, como muitas vezes isso é in-cômodo para o artista. É o fato de ele não ter o menor controle sobre o que vai acontecer com a obra depois que ele propõe, e a Lygia diz que, às vezes, ela se sentia praticamente estuprada pelo espectador quando ela observava o que ele fazia com a obra dela. Mas, isso fazia parte dessa inovação, dessa nova maneira de se pensar a produção da arte, que é você não fechar, não dá um ponto final ao que você está fazendo. Isso não é específico da vida da Lygia ou do Hélio, isso faz parte de toda uma tendência da arte na modernidade e na pós-modernidade. É dessa época, entre o fim do séc. XIX e início do séc. XX. Então, a obra aberta está tão aberta, talvez, tanto num quadro impres-sionista quanto no “Parangolé” do Hélio Oiticica, nos “Bichos” da Lygia ou até mesmo nessas instalações virtuais, tecnológicas. Vamos pegar um exemplo: não vemos, hoje, a Monalisa como se via quando a Monalisa foi feita. A Monalisa hoje não é a mesma, ela parece ser a mesma, mas não é. Nenhuma obra de arte é a mesma. Se pensar-

mos na teoria de Walter Benjamin, vamos observar que ele falava que só existiu a aura até um determinado momento. A partir do fim da aura, não era mais possível você ter aquela experiência estética da mesma maneira como você tinha antes; então, para uma pes-soa, digamos, do século XVII, a Monalisa representava uma idéia. Essa idéia, seja da Monalisa, seja de uma estátua como a Vênus (Benjamim coloca como exemplo a Vênus), está ali representando toda uma tradição, uma história que ela carrega nela, que está encarnada naquele objeto. Esse aqui agora que ela evidenciou desde o momento em que foi criada até chegar ao Louvre. É isso que o Benjamin vai dizer, e eu acho que está bem dentro dessa corrente do Crary. Na verdade, não é o Crary que diz, ele está só retomando outros estudos. Mas, é que, no momento das novas tecnologias de produtividade, nesse processo, nessa transição que é no fim do século XIX, você não está mais diante de nenhuma obra, inclusive daquelas anteriores, da mesma forma de quando foi criada. O que está em jogo não é mais o valor de culto, não é mais essa tradição, não é mais esse aqui agora. Quando você está diante da Monalisa, você não pensa na Monalisa enquanto aquele quadro que Leonardo Da Vinci (1452-1519) fez e que passou por tantos compradores até chegar ao Louvre e que você pode atestar isso através de processos químicos que vão mostrar a originali-dade daquela obra em relação a cópias, que é o que Benjamin vai falar. Tudo bem, tudo isso ainda pode ser válido para determinada obra que é única, só que a experiência que você tem não é como se estivesse diante de uma obra única, porque você já foi exposto milhares de vezes a repro-duções de todas as maneiras possíveis da Monalisa.

AP - Eu me lembrei de duas coisas quanto à relação do sujeito com o objeto. Há um fenômeno que não é novo quanto à descoberta de que as esculturas clássicas gregas e romanas eram coloridas. Essa descoberta de que elas, na verdade, não eram brancas, eram pintadas tem causado desconforto em algumas pessoas. Pois, perceber que aquela imagem clássica da beleza feita de mármore não era tão branca assim causou uma ruptura na informação que já havia. Por outro lado, eu me lembrei também de que em determinado estudo dizia-se que, com a construção de uma câmara escura, como as existentes no século XVII, seria possível recriar um ambiente. É como se pudéssemos ver como Johannes Verme-er (1632-1675) via, de modo que conseguiríamos ver hoje um Vermeer como era quando foi pintado. Como se fosse possível recriar o contexto com a mesma luz, dessa mesma época... Há outros estudos que dizem

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que isso nunca vai ser possível, mesmo com a câmara escura, porque, afinal, nem a luz é a mesma.

NV - No fim das contas, ainda estamos no paradigma da câmara escura. Nessa discussão toda, ainda existe um paradigma porque existe uma verdade que está lá inserida em um determinado momento histórico, é a verdade que estamos buscando, só que essa ‘verdade’ não existe. A crise da verdade é uma crise que não é só da visualidade, cada uma das verdades tem que despertar todos os conhecimentos. Por exemplo, a ciência hoje trabalha cada vez mais com métodos que tenham ação, tentando fugir das armadilhas da subjetividade, o que é absolutamente simples. Então, por exemplo, quando se faz pesquisas sobre medica-mentos novos, antigamente trabalhava-se com placebo, porque se sabe que o sujeito está induzido a achar que houve melhoria, na realidade, não está melhorando por causa do medicamento, mas porque se acha que está melhorando. Isso é antigo. Hoje se trabalha com outro método. O próprio médico não sabe se ele está dando placebo ou remédio, porque o próprio médico, ao dar o placebo, está induzindo o paciente a perceber que é um placebo. Ou, o próprio médico, ao observar o paciente que está tomando placebo, já o observa de uma maneira diferente daquela do paciente que está toman-do remédio de verdade. Não há objetividade. Não há, porque sempre vai haver um sujeito. Tudo isso já colocou em jogo essa possibilidade de você ter uma objetividade completa. Ver o quadro de Vermeer, como Veermer veria, é absolutamente impossível, mas não é impossível só porque a luz não é a mesma, é porque é impos-sível. Porque cada sujeito vê de uma maneira. É muito mais profundo do que a simples relativização do sujeito. Antes do século XIX, dentro da perspectiva aural de Walter Benja-min, era completamente importante que a estátua não tivesse um braço porque isso é a aceitação de que aquela obra passou por tudo o que ela passou para chegar ali e que é a mesma obra que está lá no Louvre. Dentro de outra perspectiva, você pode pensar que “não, a obra para nós é como ela era, exatamente como foi produzida na época”. São duas maneiras de entender o que é a verdade da obra. A verdade da obra está no autor, que pensou a obra daquela maneira, com aquelas cores etc., ou está na história que aquela obra passou, vivenciou e que faz com que ela se transforme? É justamente essa transformação que faz com que ela seja ela mesma. A verdade para a obra não existe. Existe aquele objeto lá, que a gente

chama de obra e que diante dele cada um vai ter uma relação diferen-te; inclusive, muitos dizem ‘aquilo não é obra’. Uma pessoa pode olhar aquilo como documentário, outra pessoa pode olhar aquilo como um pedaço de mármore quebrado, outra pessoa pode olhar aquilo e achar que ficaria bem no meio da sala dela...

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i Professor de História da Arte da Columbia University.ii Tradução livre de: “(...) observing subject who is both the historical product and the site of certain practices, techniques, institutions, and procedures of subjedification”. (CRARY, Jonathan. Techniques of the observer: on vision and modernity in the ninete-enth century. First MIT Press, 1990:5).iii Participador foi um termo criado pelo artista carioca Hélio Oiticica, para designar, assim, aquele sujeito que transformava a obra com a sua participação direta, pois sem a participação do mesmo a obra não se concretizava.iv “Somos os propositores: somos o molde; a vocês cabe o sopro, no interior desse molde: o sentido de nossa existência” (1968: Nós somos os propositores”. In: Lygia Clark. Rio de Janeiro: Funarte, 1980).

.12Entrecruzamentos do olharAna Carolina Campos

Há vários modos de ver. Cada um, em particular, obtém uma forma de enxergar o que está a sua frente convidando à interpretação. Afinal de contas, é isso que fazemos a todo o momento, codificamos o que está diante de nós. O ser se faz na interpretação mediado pela consciência. Um mesmo fenômeno pode ser observado através de espectros

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plurais. Uma única imagem pode suscitar diversas sensações, depen-dendo dos olhos que a enxergam. Quando se abrem os olhos, as expe-riências absorvidas são inúmeras, e a partir delas vamos construindo e reconstruindo nosso próprio mundo. Diante desse fato, podemos falar em horizontes de sentido. Camadas que se sobrepõem, num processo em que nos deparamos com o outro, com o diferente, que também detém seus próprios horizontes. Conseqüentemente, estes horizontes se chocam, havendo, então, uma fusão entre eles. Talvez tivéssemos também a liberdade de denominá-lo diálogo. O movimento é circular. Parte de nós até o outro e sai do outro até nós, sem perder de vista também que este outro pode ser nós mesmos, e que, para que essa engrenagem funcione, há de se ter uma impulsão que podemos encontrar em nossas consciências. É ela que nos proporciona dar sentido às coisas, pois não há consciência por si só, há sim, sempre, consciência de algo. Trabalhando junto a ela estará a percepção do mundo que temos, o cenário por onde caminha nosso olhar. E o que dizer sobre esse olhar que é solicitado quando estamos num museu ou em qualquer outro espaço expositivo apreciando uma obra de arte? Como será o direcionamento dele? O mediador torna-se um canal entre a cultura contextualizada do produtor da obra e do ob-jeto de conhecimento: arte e fruidor, idealizando recortes e percursos, sendo também um criador, ou seja, um autor de um discurso. Em uma obra de arte, diferentes atos, episódios, acontecimentos mesclam-se e fundem-se numa unidade e, não obstante, não desaparecem nem perdem o seu próprio caráter. Numa conversação, há intercâmbios e fusões contínuas, contudo cada interlocutor não apenas mantém seu próprio caráter, como ainda o manifesta, denunciando-se mais clara-mente do que o desejaria. Essa experiência de pensamento surge apenas quando uma conclu-são se manifesta. Tal experiência, como na observação de uma tempes-tade, alcança sua culminância e decai, gradualmente, apresentando contínuo movimento de temas. Como uma pedra que é jogada num lago calmo, e seu mergulho proporciona círculos que se expandem pela película delicada da água. Se for alcançada uma conclusão, é a de um movimento de antecipação e de acumulação que por fim chega a com-pletar-se. Uma conclusão não é uma coisa separada e independente, é a consumação de uma circulação. A ação e sua conseqüência precisam estar juntas na percepção. Essa relação é o que proporciona sentido. Num espaço de exposição, é natural o público espontâneo ser o

próprio diretor do seu percurso, ele elege por onde vai olhar. No caso do público que solicita um agendamento ou uma visita guiada, fica à mercê do trajeto definido pelo mediador(a). Quem é este senhor(a) responsável por direcionar o olhar ou até estimular aberturas de ca-minhos? Onde fica o papel de alguém que está numa passagem de fruição estética entre o espectador e a obra?Para perceber, o espectador precisa criar sua própria experiência. E sua criação tem de incluir conexões comparáveis àquelas que o autor sentiu. O ambiente da mediação é um vácuo entre o que a exposição pretende apresentar e a possibilidade de fruição dos di-versos públicos, criando assim um espaço de produção de sentido, desvelando, através do diálogo, as possibilidades de interpretação. Nesse exercício, o mediador “desenha” pontes entre a obra e o pú-blico, além de convidá-los a caminhar por elas, ou até sugerir qual delas escolher. Na mitologia grega, Hermes era o responsável por levar as men-sagens consigo do mundo dos deuses até o mundo dos mortais. Esta seria a função dele nesse reino de decodificações, a função de um tradutor. Tradutor que também leva consigo a designação de traidor. Nunca, realmente, conseguiremos elucidar plenamente o texto do compositor, tracejar a mesma experiência que ele desenhou para po-der produzir sua obra. Quando traduzimos, paradoxalmente à nossa vontade de esclarecimento, estamos traindo. Essas são as linguagens que recepcionamos do mundo. É dessa forma que, de antemão, tentamos clarificar os sinais que o per-meiam. O mediador pode, sim, trair o autor, mas as possibilidades de fazê-lo são vastas, quando praticada dialogicamente, confunde-se também com a traição dos espectadores. Foge da questão da cul-pa, apesar de conhecermos o território escorregadio do discurso. O confronto existente entre o objeto de contemplação e o obser-vador revela não somente uma interpretação, mas uma identidade, pois nesse processo há também um confronto consigo mesmo, uma revelação do ser. O caminho delimitado pelo mediador suscita um desvelamento, por mais que o discurso seja diretivo, havendo aber-tura para o diálogo, certamente revelar-se-ão os sujeitos. No encon-tro provocativo entre a arte e o espectador, podemos ser instigados a vivenciar outras visões. Algo intrínseco nessa conversa pode gerar uma nova tomada de atitude diante da própria vida e faz parte de uma constante reconstrução dos sujeitos.Nessa perspectiva, o sujeito é detentor de uma história, portanto seu

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modo de ver o mundo estará impregnado de um passado. O olho está “contaminado” com uma experiência, e sendo este observador deten-tor de uma visão mutável, participando de um processo fluido, as aco-modações são efetuadas de acordo com as fusões de horizontes que o mesmo é provocado a fazer.

A transmissão da mensagem do artista para o espectador exige competência de ambos: daquele, para criar, e deste, para entender. Os especialistas em comunicação podem dizer a mesma coisa de outra maneira: o emissor e o receptor da mensagem devem valer-se do mesmo código, para que a mensagem seja comunicada. (GRINS-PUM, 2000)

Há de haver espaço para a conversação. Um diálogo deve ser construí-do no processo da mediação, porém, para que esse episódio aconteça, faz-se necessário um movimento de via dupla. O receptor deve estar apto para a conversa, ou seja, aberto para ouvir e, a partir desse mo-vimento, retrucar com seus pontos de vista. O mediador, por sua vez, deve perceber os caminhos que percorrem os diversos discursos e sa-ber revidar, traçando assim um diálogo de percepções. As interpretações e os discursos se sustentam no diálogo, sem ele não ocorre fusão de horizontes, sendo assim, não experienciamos e não criamos nossos próprios julgamentos. Os mediadores são todos Hermes, mensageiros da poesia, “cegonhas” de fruições estéticas. No geral, em grande parte de nossas experiências, não nos ocu-pamos da conexão de um incidente com o que sucedeu antes ou com aquilo que há de suceder. É preciso estar presente na experiência. Saber que a culminância de um pensamento ou sensação teve um caminho a percorrer. A partir disso, obteremos uma experiência dotada de qualida-de estética, desencadeada por esse habitante do “entre - espaço”, cujo desempenho é papel fundamental na cena da confabulação.

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Referências Bibliográficas:GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I: Traços fundamentais de uma herme-nêutica filosófica. 8ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, Bragança Paulista, SP: Editora São Francisco, 2007.GRINSPUM, Denise. Educação para o Patrimônio: Museu de Arte e Escola. 2000. 69 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.

.13Mediação estética: O que temos? Do que precisamos?Maria Helena Wagner Rossi

Mediação estética: o que temos?Desde a década de noventa, vem sendo publicada grande quantidade de material para subsidiar as atividades de leitura de imagens na esco-la e no museu. Dentre esses, estão livros didáticos, sites da Internet, recomendações, pareceres legais e até os Parâmetros Nacionais Cur-riculares em Arte. No entanto, a qualidade desses materiais, muitas vezes, deixa a desejar, pois não respeitam a natureza da leitura dos alu-nos, nos diversos momentos e contextos do processo de escolarização. Como a maioria dos professores não conhece o pensamento estético de seus alunos, não têm condições de avaliar tais propostas. Assim, muitos professores estão fazendo o papel do mediador estético a partir das orientações disponíveis. No entanto, está na hora de perguntar: Estamos abordando a leitura estética de forma adequada? Estamos res-peitando o modo de construção do conhecimento da arte através da lei-tura? Estamos usando estratégias adequadas para promover a formação estética, um dos principais objetivos do ensino da arte? Conhecemos as possibilidades e as limitações das leituras que propomos? Que tipos de leituras devemos (e podemos) proporcionar ao aluno nos diferentes níveis e contextos da escolarização? Sem dúvida, para respondermos a essas perguntas, é necessário, antes, ter as respostas para outras tantas: O que o aluno vê em uma imagem / obra? Que aspectos da imagem são priorizados na sua análise? Como interpreta? Que critérios usa para julgar as obras? O que diferen-cia a leitura de cada um? A que se devem tais diferenças? Enquanto não pudermos responder a tais questões, não estaremos preparados para

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atuar na mediação estética, nem teremos consciência das (des)orien-tações que estaremos disseminando por aí. Em muitos casos, as idéias trazidas por essas publicações deixam de oportunizar uma orientação adequada ao professor, ávido de informações que possam implementar a sua ação. Dentre as inúmeras possibilidades, enfocamos a orientação encontrada à página 63 dos PCNs/Arte (Séries Iniciais), em que é su-gerido o seguinte conteúdo para a apreciação estética: “...identificação dos significados expressivos e comunicativos das formas visuais”. Aqui, podemos perguntar se a identificação dos significados expressivos e co-municativos de uma imagem é possível (e necessária) à construção do conhecimento da arte nas séries iniciais. Nossas pesquisas mostram que os significados que os alunos atribuem às imagens dependem de vários fatores, entre os quais condições cognitivas, níveis de familiaridade com arte e discussão estética, experiências de vida, contextos socioculturais etc. Assim, acreditamos que não há identificação do significado e sim atribuição de significados pelos leitores. Para entendermos melhor esse pensamento, vamos exemplificar enfocando o item “A forma artística fala por si mesma, independe e vai além das intenções do artista” (PCN/Arte, p. 38-39), que diz o seguinte:

A “Guernica”, de Picasso, contém a idéia do repúdio aos horrores da guerra. Uma pessoa que não conheça as intenções conscientes de Picasso pode ver a Guernica e sentir um impacto significativo; a significação é o produto revelado quando ocorre a relação entre as imagens da obra de Picasso e os dados da sua experiência pessoal. A forma artística pode significar coisas diferentes, resultantes da experiência de apreciação de cada um. Seja na forma de alegoria, de formulação crítica, de descoberta de padrões formais, de pro-paganda ideológica, de pura poesia, a obra ganha significado na fruição de cada espectador.

Vê-se que o documento não aborda as possíveis leituras de crianças, o que certamente ajudaria o professor no seu papel de mediador. Isso porque ler é fazer, implicitamente, perguntas ao texto, seja ele escrito, visual ou outro. Quando estamos frente a uma imagem, dialogamos com ela, buscando compreendê-la. Um leitor experiente fará uso de seu co-nhecimento estético e artístico no seu encontro com a obra. Nesse caso, suas indagações apontarão para as discussões do mundo da arte. Um adolescente poderá enfatizar a expressividade, mas uma criança dialo-gará com a imagem enfatizando os elementos concretos ali presentes,

vendo as coisas do mundo e não me-táforas possíveis aos leitores mais fa-miliarizados. Em um diálogoi frente a Guernica algumas crianças de seis a oito anos, enfocando a imagem do cavalo, disseram:

Camila - Este cavalo parece de aço.Rebeca - Eu acho que ele está segurando uma coisa na boca.Breno - Parece que é um cachorro segurando uma faca.Cássio - Parece que o cachorro tem uma faixa na boca com uma faca fincada.Caroline - Esta foto ou pintura é muito maluca, é tudo preto e branco! Tem um dragão de jornal.Camila - Tem um cavalo de aço com um prego dentro da boca. Eu acho que tem fantasmas e um boi.Cássio - Aquele boi parece um boi fantasma. Bruna - O que é aquilo dentro da boca do dragão?Cássio - Já que todos são fantasmas, aquele cavalo parece uma estátua. Então, quem fez a estátua colocou um espinho na boca.Felipe - Eu acho que é um jornal na boca do dragão.Cássio - Não é uma boa imagem porque tem muitos fantasmas.Bruno - Não é boa. Não dá para ver quase nada!Lucas - É uma boa imagem porque tem uma vaca e um cavalo.

Onde o leitor experiente pode ver “o grito lancinante de toda a huma-nidade, simbolizado pela imagem do cavalo, com sua língua em ponta, afiada como o gume da espada, em protesto contra a barbárie...”, as crianças vêem coisas concretas, como pedaços de metal ou madeira, pregos, espinhos. Citam também dragões, fantasmas, cachorros, lâmpa-da mágica... Por quê? Porque essas são as respostas às perguntas que fizeram, implicitamente, à obra. A maioria das pessoas tem um impacto significativo e lê a imagem

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como desordem, desgraça, morte, caos; inclusive muitas crianças men-cionam gritos, briga e destruição. Mas existe a possibilidade de o aluno não ler a imagem da maneira que o professor espera. Os depoi-mentos acima revelam outras relações entre a imagem e as experiên-cias das crianças. Concordamos que “a forma artística pode significar coisas diferentes, resultantes da experiência de apreciação de cada um”, porém o documento fecha as possibilidades, quando afirma que estas podem ser apenas através “de alegoria, de formulação crítica, de descoberta dos padrões formais, de propaganda ideológica e de pura poesia”. Na leitura das crianças da Educação Fundamental, isso não aparece. Sem essa compreensão corre-se o risco de, se o aluno não identificar o significado do quadro, o professor, com a melhor das intenções, fazer a leitura por ele.

Mediação estética: do que precisamos?As perguntas feitas às obras são sempre as oportunas, para cada pes-soa, em cada momento da vida. Isso porque nada pode ser interpre-tado sem uma conexão com o mundo no qual se vive. A vida de uma pessoa é determinada, culturalmente, pela maneira como é criada. E a interpretação estética resulta dos instrumentos que a cultura lhes dá para compreender o que está sendo oferecido para leituras. O professor/mediador tem de estar atento a isso durante as atividades de leitura. Além disso, deve levar em conta a natureza do desenvolvimento es-tético dos alunos. Quando dissemos que as perguntas que emergem durante a leitura são sempre as oportunas para cada pessoa em cada momento da vida, queremos dizer que essas são as perguntas que de-vem ser enfocadas, discutidas e estimuladas pelo professor, a fim de que o conhecimento estético do aluno possa ser desenvolvido. Se ele considerar que tais questões são infantis, ingênuas, menores, não es-tará respeitando a construção do conhecimento estético do aluno. Se ele considerar que as questões dignas, corretas, adequadas, são as que se referem apenas aos aspectos formais da composição, como a linha, a cor, a textura, os planos, o equilíbrio etc., estará demonstrando uma concepção modernista de leitura estéticaii. Como conseqüência, estará desviando a condução das atividades de leitura para um caminho que levará ao empobrecimento do processo de construção do conhecimento estético do aluno. O Construtivismo nos ensina que o conhecimento é uma construção ativa do sujeito. Assim, fazer suposições sobre o que o aluno deve ler, ou impor a nossa compreensão sobre a imagem, é algo que devemos evitar, se pretendemos agir de acordo com os avanços das

ciências da educação, da sociologia e da psicologia, particularmente das teorias do desenvolvimento cognitivo. Leitura e apreciação são sinônimos de compreensão, e esta é decor-rente de uma interpretação. Quando os alunos pensam que estão apenas descrevendo o que está objetivamente à sua frente, estão, na verdade, interpretando, ou seja, atribuindo sentidos. Suas falas são interpretações do que vêem, as quais são geradas nos contextos por eles vivenciados. Eles adotam os valores da sua cultura, mesmo que não demonstrem a consciência desse processo. Ao trabalhar com a leitura estético-visual com crianças, o papel do professor é propiciar situações que possam implementar o processo de desenvolvimento da compreensão estética. Ao invés de fixar-se nos as-pectos formais e histórico-factuais da obra (o que nada acrescenta ao processo de construção do pensamento estético) ou de superestimar as habilidades interpretativas do aluno (por exemplo, exigindo a “identifi-cação” do significado da imagem através de metáforas), o professor fará melhor se respeitar a natureza da construção da criança. Para tanto, a sala de aula deverá se transformar num espaço estimulante, provocativo, problematizador, onde o aluno possa ter suas idéias e teorias confron-tadas, refutadas, compartilhadas, enfim, discutidas entre colegas. Só assim, pode haver crescimento. Um professor ciente de como se dá o conhecimento estético e receptivo às manifestações do aluno poderá promover tal situação. Ao contrário, um professor que tem restrições ao discurso espontâneo e intuitivo do aluno, tenderá a “ensinar-lhe” como interpretar e julgar as imagens, de acordo com o que ele julga digno, correto, adequado.

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i Foram suprimidas as falas do professor/mediador.ii Ana Mae, ao inventariar as diferentes abordagens de leitura da obra de arte, destaca o formalismo e a iconografia como as abordagens mais importantes durante o Moder-nismo. Em ambas, a prioridade é a obra e não o leitor ou o contexto. Diz a autora: “Para Roger Fry, um dos primeiros formalistas modernos vinculados às artes visuais, a análise de uma obra deve priorizar os elementos do design: equilíbrio, ordem, ritmo, padrão, composição” (Tópicos Utópicos, 1998, p. 47).

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.14Mulheres: ocidentais e orientaisTaciana Durão Leite Caldas

Antigamente, a grande maioria das mulheres só iniciava sua vida sexual após o casamento. Em geral, seus maridos já haviam tido experiências sexuais, muitas vezes em relações sem afeto. Hoje em dia, o acesso às informações sobre sexo melhorou bastante. Além disso, os costumes em relação ao namoro e às atividades sexuais estão mais liberados, princi-palmente, nas grandes cidades e em populações de baixa renda. Essa maior liberdade sexual vem apresentando, hoje em dia, uma outra conseqüência: está aumentando o número de adolescentes grá-vidas, e a gravidez está acontecendo cada vez mais cedo na vida das meninas. Isso pode ocorrer por falta de informação sobre os métodos anticoncepcionais. Mas, segundo Osny Telles, no seu livro Começo de Conversa, Orientação Sexual,

(...) ocorre também porque muitas adolescentes estão andando tão de-pressa, que mesmo tendo informação, não têm maturidade para com-preender o risco de ficar grávida e as conseqüências que isso trará para sua vida: ter que cuidar o tempo todo que depende de você. Com os meninos que se tornam pais precoces, o mais comum é que eles não aprenderam que o risco da gravidez também é seu problema e preferem deixar que a menina se preocupe sozinha. (MACHADO, 1993:51)

Eu estava arrumando as mesas para iniciar uma aula e um grupo de cinco alunas, todas com aproximadamente 14 a 16 anos, ofereceram-se para ajudar. Todas elas cursavam o 2º ano do 4º ciclo e, enquanto arrumávamos, começamos a conversar. Elas comentavam sobre uma colega que tinha deixado de estudar por ter dado à luz uma criança e precisava tomar conta do filho. O pai da criança tinha sido visto na noite

anterior em uma praça “agarrando” outra garota, sem importar-se com o filho recém nascido. Em seguida, começaram a conversar sobre seus namorados, a maioria “ficantes”. Na conversa, elas relataram momentos de intimidade entre eles, sem o menor pudor, querendo mostrar qual namorado era mais dedicado e como eles não tomariam a atitude de abandoná-las caso engravidassem. Percebi claramente na conversa que elas não descartavam a idéia da gravidez e não tinham a menor noção da responsabilidade de criar uma criança. Essa conversa me assustou, pois me colocou frente a frente com a gravidez na adolescência, questão social importante para a estabilização de uma das células mais importantes da sociedade, a família. Célula essa que está, de certa forma, desestabilizando o papel da escola. Procurei, então, recursos que, através da arte, pudessem orientar os alunos sobre esse tema e lembrei-me do filme Pollock. Além de apresen-tar a arte moderna, poderíamos debater sobre a conduta de sua esposa Lee, mulher emancipada, dona de sua vida, que deixa tudo para viver em função do seu amado e, apesar de toda a dedicação, com firmeza de propósito e de caráter, abdica de gerar filhos pela consciência da vida que levavam. Durante esse tempo, estavam acontecendo as capacitações no Insti-tuto Ricardo Brennand (IRB). Uma delas foi sobre o orientalismo, tema pelo qual me apaixonei, pois abriu horizontes para que as idéias se estru-turassem e, assim, eu pudesse organizar as etapas desse projeto. Dessa maneira, pude encaixar o que estava querendo trabalhar e oferecer in-formações sobre a atualidade, às quais os alunos poderiam assistir em programas televisivos, como noticiários ou que poderiam ler em qualquer jornal. Também pude apresentar-lhes conteúdos de outras áreas. Continuei, após o filme, transpondo para a sala de aula os conhe-cimentos adquiridos durante a capacitação. Iniciei elucidando a loca-lização geográfica do Ocidente e do Oriente, falei sobre as congruên-cias e diferenças culturais e as últimas relacionadas à área geográfica. Apresentei dois mapas: um sobre o Oriente Médio, outro sobre a Ásia. Neste último mostrei a localização do Extremo Oriente relatando que, apesar de estar localizado no mapa na parte oriental, possui grandes diferenças culturais em relação ao Oriente Médio. Foi redigido um tex-to, no quadro, e pedi aos alunos que eles copiassem para um maior aprofundamento do estudo. Em seguida, foquei os aspectos religiosos que dão origem aos as-pectos culturais do Oriente Médio. Falei um pouco sobre o Islamismo, o Afeganistão, o Alcorão, Maomé e os Mulçumanos. Finalmente, li para

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eles várias proibições feitas às mulheres do Oriente Médio, que seguem o Alcorão (livro sagrado, seguido pelos maometanos). Foram lidos 34 itens em sala de aula. Os que estão relacionados abaixo foram os que mais impressionaram os educandos.

“- É absolutamente proibido às mulheres qualquer tipo de trabalho fora de casa, incluindo professoras, médicas, enfermeiras, engenheiras etc.- É proibido às mulheres andar nas ruas sem a companhia de um “nmahram” (pai, irmão ou marido).- É proibido ser tratada por médicos homens, mesmo que em risco de vida.- É proibido o estudo em escolas, universidades ou qualquer outra instituição educacional.- É obrigatório o uso do véu completo (“burca”) que cobre a mulher dos pés à cabeça.- É proibido qualquer tipo de maquilagem (foram cortados os dedos de muitas mulheres por pintarem as unhas).”Fonte: Revista Notícias Magazine, 21 de Outubro de 2001.

É importante frisar que não existe a intenção de fazê-los aceitar ou não as proibições Orientais em nossa cultura, mas que através desses fatos eles percebam como as diversas sociedades vêem a mulher e como a nossa sociedade apresenta a mulher Ocidental. Apesar de evidenciar o tempo todo que se trata de uma questão cul-tural daquele povo, e que, nos dias de hoje, já não existe esse rigor, devo ressaltar que os educandos da oitava série se colocaram nos debates, opinando como essas regras são absurdas e inviáveis. Repudiaram ao ex-tremo a submissão das mulheres em relação à religião. Os próprios alu-nos homens se colocaram contra as tais proibições, mesmo conscientes de que todas essas regras fazem parte da religião e da cultura deles. Dando seqüência aos debates, abordamos os temas sobre os haréns. Foi explicada a verdadeira função dos haréns, de onde vêm as mulheres que lá moram, e qual o interesse do Sultão nessas mulheres. Quem são os Eunucos e sua função nos haréns e quais são os seus objetivos em entrar para um harém. Enfim, procurei abordar tudo o que fosse possível para abranger a maior quantidade de conteúdos sobre os haréns. Depois de ter conhecido todas as proibições em relação às mulhe-res do Oriente Médio e refletido em debates sobre o comportamento da mulher Ocidental, em relação à sua vida e de sua família, pedi aos edu-candos que formassem grupos de quatro alunos e escrevessem um texto com, no mínimo, 15 linhas, respondendo à seguinte pergunta:

Para você qual seria a mulher ideal?Tivemos um total de oitenta e quatro alunos entregando seus depoimen-tos e sem esquecer que eles estavam agrupados. Portanto, na nossa pesquisa, todos os dados de um texto têm seu resultado multiplicado por quatro.

Obs.: Em cada texto foram abordadas mais de uma das respostas acima.

Após ter passado pela análise da conduta de Lee, no filme Pollock, se-guindo os ensinamentos e reflexões sobre o Orientalismo, chegou a hora de inserir o tema gravidez na adolescência. Através de um novo debate, pedimos aos alunos que respondessem à seguinte pergunta:

Imaginem duas adolescentes, ambas com 15 anos, uma oriental, resi-dindo no Afeganistão, e a outra ocidental, grávida, residindo no Brasil. Qual das duas vai possuir mais liberdade? Realmente o debate gerou grande polêmica, porém a maioria dos edu-candos chegou à conclusão de que uma das formas de uma adolescente perder a liberdade é gerando um filho sem condições de criá-lo. Algo tam-bém percebido entre eles foi o fato de o pai da criança, normalmente, não assumir suas responsabilidades, sendo um item que também tolhe ainda mais a liberdade da mãe da criança, diferente do homem do Oriente, que assume sua família, sendo isso um ponto de honra para eles. Chegou o grande dia em que 50 alunos de 5 turmas de oitava série

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foram escolhidos para visitarem o IRB. Os alunos foram divididos em dois grupos, que se alternaram na visita, cujos temas foram Orientalismo e Mitologia.

Eles ficaram extasiados. A maioria nunca tinha visitado o Instituto, e a eloqüência dos mediadores do IRB ajudaram aos alunos a cristalizarem tudo o que haviam aprendido em sala de aula. Voltando para a escola, montamos uma oficina de pintura em tela. As telas foram conseguidas junto às escolas particulares. As tintas e pin-céis, os alunos e a diretora da escola Maria Sampaio de Lucena colabo-raram. Pedi aos educandos que transpusessem para as telas o que mais os impressionou em tudo que foi estudado em sala de aula e no IRB. Vale salientar que o projeto foi aplicado com todos os alunos das cinco oitavas séries, não apenas com os alunos que visitaram o Instituto. O resultado das pinturas foi único. Eles normalmente dividiam a tela em duas partes. Em uma delas retratavam um elemento da cultura Ociden-tal e na outra, eles pintaram o mesmo elemento visto na cultura oriental. Apesar de ver retratada, em uma simples tela, a gravidez na adolescên-cia, sabemos que o tema Orientalismo e a construção dos textos visuais com esse tema fizeram os educandos refletirem mais sobre a liberalidade em seus relacionamentos amorosos. O projeto apresentou situações dicotômicas que nos faz refletir o porquê da sociedade encaminhar-se para algumas situações difíceis. Inicialmente, os educandos, em debate, repugnaram a forma como as mulheres do Oriente Médio são tratadas, não aceitaram a sua falta de liberdade, entretanto, em seus textos, a maioria dos educandos escre-veu que a mulher ideal é aquela que segue uma linha de submissão ao marido, é dona de casa, fiel a seu marido, tendo que ter bom humor e compreensão para com tudo e com todos. Ou seja, eles não aceitam os exageros (para nós ocidentais) e a forma proibitiva a que as mulheres orientais têm de submeter-se, porém eles aprovam à submissão da mulher ocidental em relação a seu marido e à sua família, colocando, quase em sua totalidade, a mulher como mãe. Partindo dessa análise, podemos considerar que 90% das meninas que participaram do projeto se percebem mães, vêem-se cuidando do lar e de seus filhos, portanto já é de se esperar que elas não percebam a gravidez precoce e sem estrutura como algo que vai atrapalhar seu futuro. Pois, mesmo que elas se percebam mães no futuro, expressam nos textos que a mulher ideal é aquela que sabe valorizar o que tem, aju-da o seu homem, sabe cozinhar, obedece e ajuda, é aquela que pega o homem certo. Sendo assim, demonstram total resignação em relação ao futuro

que vislumbram. Em seus depoimentos durante os debates, os adolescentes demons-tram e atuam como seres acomodados que estão acostumados com o que lhes acontece e não procuram ter persistência para sair da inércia e ir buscar vida melhor. Assim, unindo esse conjunto de fatores - sociedade, sistema educa-cional, falta de ideal por parte dos educandos - a perspectiva de cons-cientizar os adolescentes, no sentido de pensar em seu futuro, atinge a pouquíssimos alunos. É um trabalho lento como passos de formiga, do qual só veremos resultado em longuíssimo prazo.

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Referências BibliográficasMACHADO, Osny Telles Marcondes. Começo de Conversa – Orientação Sexual – 1ª Edição- São Paulo – Ed. Saraiva – 1993.BUORO, Anamélia Bueno. Olhos que pintam – a leitura da imagem e o ensino da arte – 2ª edição – São Paulo: Educ / Fapesp / Cortez – 2003.CANTON, Kátia. Retrato da Arte Moderna – Uma História no Brasil e no Mundo Oci-dental (1860- 1960) – 1ª Edição – São Paulo – Ed Martins Fontes – 2002.Apresentação do MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: temas transversais. Secretaria de Educação – Brasília. 1998.BARBOSA, Ana Mae (Org). Arte/Educação Contemporânea, Consonâncias Internacio-nais. – 1ª Edição – São Paulo – Cortez Editora – 2005.

Sites Pesquisados:www. Wikipédia.org/ wiki/orientalismo.www.sapere.it/tca/minisite.www.theosophy.ca/theosophical.ws/Portuguese/OrienteOcidenteAB.htm.www.br.geocites.com/geografiadooriente/atual/limites.www.br.geocites.com/geografiadooriente/glossário.

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.15Goya e os jogos: a imagem como análiseAnderson Pinheiro entrevistao Prof. Dr. Ademir Gebara

Diálogo iniciado após deparar-me com o estudo desenvolvido pelo Prof. Dr. Ademir Gebara, Jogos e brincadeiras em Goya, sobre a análise históri-ca dos jogos e brincadeiras, antes da história dos esportes modernos, a partir das imagens contidas nas tapeçarias de Francisco de Goya (1746-1828). O referido texto despertou o interesse em questionar como uma imagem pode servir de base imagética de comprovação, de explanação ou mesmo de apoio às idéias de comportamentos humanos no transcor-rer da história da humanidade. Nessa entrevista busquei conhecer mais sobre a pesquisa e os possíveis frutos desencadeados a partir do diálogo entre a imagem e os elementos essenciais dos jogos.

Anderson Pinheiro

“Ler é atribuir significados, é interpretar o mundo produzindo sen-tidos, traduzindo-o para a sua própria codificação fato e imagens, tentativa de recontar a aventura humana por meios de linguagens.”. (AZEVEDO, Fernando - XV Congresso Nacional da Federação de Arte-Educadores do Brasil - Brasília, 2006)

Partindo dessa citação e tendo como apoio seu estudo sobre os jogos e as brincadeiras a partir das tapeçarias de Goya, gostaria de que falasse um pouco sobre seu processo de utilizar a leitura de imagem. Como começou?

Ademir Gebara - Na história do lazer e do esporte, há uma seção bastante complexa que é a seção das transições do brinquedo para o jogo e do

jogo para o esporte. Eu trabalho com essa questão há muitos anos, ela é mais uma questão de história cultural do que história do esporte. Encontrei, no trabalho do Huizingas (Homo Lundens, 2001), um problema de tradução, já que o livro foi escrito originalmente em alemão (Homo Ludens – vom Unprung der Kultur im Spiel) e no alemão só há uma palavra tanto para jogo quando para brincadeira. Para brincar e jogar é uma palavra só, assim como no espanhol, e diferente do português e do inglês, em que se tem a distinção de jogo e brincadeira. Percebi isso e comecei a me interessar principalmente pelo fato do Huizingas iniciar seu livro dizendo que o jogo precede à cultura porque os animais tam-bém brincam. Na verdade, o brincar é que precede à cultura, porque o jogar já implica a construção do universo simbólico. Inicia-se a construção de regras, ainda que o grupo que esteja brincando elabore as regras. O brincar implica socialização, mas não implica construção simbólica do que está sendo feito. Nesse sentido, um gato ou um cachorrinho brincam com uma bolinha, mas um humano, quando brinca, é capaz fazer da brincadeira um jogo e do jogo um esporte. Quando estava na Espanha visitei o Museu do Prado, onde estava um conjunto grande de obras do Goya. Deparei-me com algumas tapeçarias em que ele retratou, bem no começo da carreira, jogos e brincadeiras cotidianas. Ali, observando as tapeçarias do Goya, comecei a pensar que uma análise daquelas figuras poderia me ajudar a compreender algumas sutilezas da transição do brincar para o jogar. Então comprei catálogos e livros sobre Goya, artista do qual eu já gostava muito. Fui trabalhando nisso muito esporadicamente, porque eu era, naque-le momento, professor da UNICAMP- orientava muitos trabalhos na área de história do esporte e história do lazer - e esse trabalho, apesar de ser algo que fermentava na minha cabeça, que não podia jogar no lixo, era um estudo que eu ainda não tinha uma dimensão de onde iria dar. Fui amadurecendo, fiz o primeiro ensaio (Jogos e brincadeiras em Goya, 2004) e apresentei no simpósio regional da ANPUH, que foi na UNICAMP. Mais tarde, debatendo com alguns colegas, percebi que o ensaio era inconclusivo, que era apenas uma apresentação. Pensei que, mesmo não sabendo aonde eu iria chegar com aquilo, tinha que tentar avançar um pouco mais, e, de fato, na UEL (Universidade Estadual de Londrina) eu consegui terminar a análise dos quadros do Goya. Ampliei um pouco, consegui fazer uma análise um pouco mais detalhada. Foi um ano de ob-servação, comecei a discutir com outras pessoas e percebi que as idéias variavam muito. Em Londrina, tive de, mais uma vez, admitir que o estu-

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do ainda era inconclusivo. A questão era: aonde é que dá para chegar? Não dava para dizer ainda que eu queria buscar ali elementos que discutiriam a transição, ou seja, por que determinadas táticas corporais se configuram como brincadeiras, outras como brincadeiras e jogos, ou-tras como brincadeiras, jogos e esporte, e porque algumas sempre se configuram como brincadeiras. Então, continuei a pesquisar e achei novos autores, novos pintores, como Brueghel (Pieter Brueghel, o velho. 1525?-1569), por exemplo, que pintou quase que 200 anos antes do Goya o quadro Jogos infantis (1560), no qual se encontram, mais ou menos, umas 80 brincadeiras. Também achei um autor, contemporâneo ao Goya, que já me permitiu chegar a algum lugar. É um Francês, chamado Fragonard (Jean Honoré Fragonard, 1732-1806), que foi um pintor da realeza na prévia revolu-ção francesa, o que o difere de Goya, os padrões são inversos. O Frago-nard estava pintando a nobreza e dentre seus quadros havia dois que me interessavam muito, principalmente o balanço (O Balanço, 1767). Comecei a comparar. Assim como Fragonard, o Goya tinha uma pin-tura com um balanço. Ambos possuíam pinturas de “cabra-cega” (Le collin-maillard, Fragonarde, c.1770 e La Gallina Cega, Goya, c.1775/92). Comparando os fatos, foi possível evidenciar que, enquanto o Goya pin-tava uma família em que as crianças brincavam no balanço, o Fragonard pintava um casal no balanço. Ou seja, na verdade, não é a mesma ativi-dade lúdica, existem múltiplas dimensões. No quadro de Goya, trata-se da família fazendo um piquenique. As crianças brincam, a mãe vigia-os, o pai observa-os de longe, todo mundo deitado, com um tipo de fundo, de emolduração da atividade lúdica. No caso do Fragonard não, é um casal nitidamente jogando o jogo da sedução. Com esse estudo, eu vou ter uma análise de jogos e brincadeiras do século XVI, em que elas são mais úteis. O Goya e o Fragonard estão no XVIII. Aí eu vou voltar às pesquisas para captar mais. Estou me detendo na fase pré-esportiva, porque, na verdade, os esportes modernos só vão surgir no século XIX. Eu queria tentar efetuar a análise até o XIX para de-pois incorporar, com as pinturas, quadros que se refiram a esse assunto. É basicamente isso.

AP - Eu verifiquei que, no texto, o senhor faz uma análise dos cartões de tapeçaria de Goya, seja da posição dos personagens, da forma como eles olham, como eles estão vestidos e até dos próprios corpos, que estão em posições bem diferentes, dando a entender que as atividades eram diferentes ou teriam objetivos diferentes. Há um quadro (Los Zangos,

c.1775/92), por exemplo, que mostra personagens uniformizados em cima de pernas de pau e uma moça, numa janela, no lado direito da cena. O senhor diz que parece que eles levam um recado para ela. Existe toda uma organização excessiva que cria uma estratégia. No quadro de Brueghel também há, numa mesma cena, um excesso que é muito per-tinente aos temas dele. Em qualquer um deles é possível fazer leituras. Será que, no contexto atual, já que “ler é atribuir significado”, inclusive significados contemporâneos, analisar o conteúdo e a forma como cada um deles foi representado, não modifica ou direciona sua pesquisa?

AG - No primeiro momento, quando comecei a discutir essas coisas, o Edgar DeDecca, uma pessoa com a qual eu tenho uma relação acadêmi-ca bastante constante, disse-me algo assim. Eu pensei um bocado e vi que eu estava propondo uma profunda análise não estética. Na verdade, toda análise é estética, mas não predominantemente estética. Eu estava propondo uma análise que fosse capaz de centrar na atividade motora registrada pelo pintor, ou seja, o resto seria paisagem e molduração da arte. Interessava-me saber que tipo de atividade motora havia ali e que contexto se constrói a partir dessa atividade. Por exemplo, aquele quadro ao qual você se refere é muito interessan-te. Duas pessoas nas pernas de pau, uniformizadas, com dois jovens, tam-bém uniformizados com as mesmas cores no chão. Evidentemente, aquele tipo que está uniformizado sugere algum tipo de atividade profissional, eles estavam nitidamente chamando a atenção, tanto pela perna de pau, quanto pelo uniforme. Estão mostrando que o grupo tinha uma função que os unificava. Poderia ser um meio de comunicação da época, que o Goya retratou ou, simplesmente, um meio de comunicação, de comunicar um evento e de fazer com que essa comunicação fosse bastante observada. Agora, no meu caso, a análise que eu faço é importante porque é um registro de uma forma de atividade motora que envolve certa técnica, certo nível de profissionalização sugerido pelos uniformes. Só eles esta-vam uniformizados e a atividade era exercida numa rua, numa praça e não num local específico. Assim como nos outros tapetes de Goya, em que não há nada além de um campo, uma ravina. Ele estava ensinando como fazer aquilo onde houvesse gente, onde se caracterizava a urbe. É uma atividade física que não evolui para o jogo. Não tem uma atividade, um jogo conhecido e divulgado que seja feito com pernas de pau, você no máximo consegue saber sobre uma corrida com algo parecido com uma muleta. Embora propondo um universo lúdico, a ação motora não é, necessa-

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riamente, uma brincadeira ou um jogo. Isso tem conseqüências teóricas, porque você vai ao jogador de futebol profissional, por exemplo, ele não está brincando. A platéia, o público, o espectador têm uma referência lúdica em relação à ação profissional do jogador, mas o jogador não ne-cessariamente. Ele até pode executar ação de forma prazerosa, ou seja, o que significa brincadeira para alguns, significa atividade profissional para outros. Não sou historiador da arte, eu apenas achei interessante esse link que serviria de documento para o tipo de problema que estou formulan-do há anos. Por outro lado, minha formação como historiador me permite trabalhar com múltiplas formas de documentos, muitos tipos de docu-mentos. Mas, mesmo para os historiadores, o uso de quadros e pinturas não é muito comum; é raro. Você até encontra alguns profissionais que usam a imagem, mas como reforço do diagnóstico, como um exemplo de diagnóstico e não como um documento base.

.16Diálogos Imaginários no Museu Histórico e Antropológico do Ceará: atravessando fronteiras para dinamizar ou problematizar a vida? Carolina Ruoso

A revista nos convidou para escrever sobre um tema instigante do nosso presente: produzir uma reflexão sobre as possibilidades de relações que um Museu pode construir com o público nos processos de mediação

de saberes e gostos. Essa inquietação faz parte do cotidiano de quem trabalha em instituições culturais, pois não há exatamente uma resposta e os caminhos que vêm sendo tracejados contribuem na construção de propostas que intentam dialogar com os desafios museais deliberados pela nossa contemporaneidade. Esses desafios partiram de desejos por uma sociedade mais sensível às questões sócio-culturais postas em pauta no mundo e pela forte li-gação dos museus aos espaços de entretenimento, combinando museu e consumo. Constituiu-se, então, um ponto de tensão nas abordagens direcionadas ao público. Era preciso estabelecer novos procedimentos para atrair público e a pergunta “para que serve um Museu?”, depois dos anos cinqüenta do século XX, foi fundamental para a construção de definições políticas com relação às funções sociais do museu. É dentro dessa polêmica que trazemos o Insigne Projeto Capistrano de Abreu, do Museu Histórico e Antropológico do Ceará, com o tema Museu – Es-cola, para que, no diálogo com experiências do passado, ensaiemos provocar o presente. O projeto era em homenagem ao historiador cearense Capistrano de Abreu, não pela abordagem historiográfica de sua escrita, mas porque ele era um cearense considerado digno para ser referenciado como herói e, nesse caminho, servia como exemplo histórico. Outro indício provoca-dor está na escolha de um historiador como mestre de um projeto que trazia, nos seus objetivos, a intenção de conquistar os jovens e estimular neles a vontade de pesquisa no Museu. Era um historiador como patrono do gosto pela história, era um nome forte, revelador de uma abordagem histórica personalista e legitimador de uma proposta educativa: levar o museu até as escolas. Que museu e para qual escola? Essa iniciativa foi desenvolvida pelo diretor da casa, Osmírio de Oli-veira Barreto, e aconteceu com maior freqüência nos anos oitenta do século XX, durante sua gestão de quase vinte anos (1971-1990). Tratou-se de uma iniciativa, nos anos de ditadura no Brasil, período em que a força de uma tradição re-inventada e os usos da memória estavam volta-dos às celebrações de acontecimentos e símbolos que representavam a comemoração de um passado legitimador de uma “essência nacional”, da moral e da famíliai. Os museus também estavam envolvidos nas disputas pela memória, pois através das suas exposições, dos seus objetos e das suas práti-cas sociais, os museus históricos constroem uma história da nação, que sempre é retomada como tradição quando se faz necessário provocar o espírito nacionalista. E a História, como mestra da vida, era fundamental

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na conquista dos corações juvenis que eram convidados ao encantamen-to e à construção de uma admiração pelo Museu de História, o desen-volvimento de um gosto atravessado pela sacralidade e pelo reforço ao respeito a esses símbolos da nação, referências do patriotismo. Amar a história era amar a pátria? Nesse sentido, era aplicado o trabalho educativo do programa de di-namização. Havia uma História a ser transmitida de maneira expositiva, que estaria pronta para ser acatada e reproduzida. Esse era o método va-lorizado para atrair o público jovem ao museu, a denominada pedagogia do dedo em riste ou educação bancária. Essa prática ainda está presente em muitos dos nossos museus de história ou de arte. O debate em torno do museuii como lugar de reflexão sobre os problemas sociais e ainda como laboratório da história pautado na construção de uma relação de diálogo com a comunidade é do mesmo período e vem, com o passar dos anos, ganhando mais força conceitual, mais adeptos e mais pesquisas. Então, em que consiste o trabalho de mediação quando a proposta é o diálogo construtivo? Como fazer desse lugar de memória um espaço de problematização da vida? O próprio diretor do Museu Histórico e Antropológico do Ceará man-dou fotografar os objetos e as salas em exposição, montou um conjunto de aproximadamente oitenta slides coloridos para compor uma apre-sentação. Esse gesto produziu um recorte, uma apropriação simbólica daqueles objetos e formou uma coleção sobre o acervo, que passaria, posteriormente, a fazer parte das coleções do Museu do Ceará. Com esse material em mãos, o diretor agendou visitas, esteve em diferentes esco-las da cidade de Fortaleza e não se esqueceu de agendar também com os jornais da cidade para registrar publicamente as suas ações museais. Quando chegava às escolas, organizava seu projetor e palestrava com os estudantes, partindo dos objetos-biografadosiii para falar das perso-nalidades da história do Ceará ou dos seus acontecimentos. Depois da apresentação, convidava a platéia para visitar o Museu Histórico e Antro-pológico do Ceará. No Brasil, inicialmente, foram os museus históricos que trouxeram a preocupação com a formação de coleções que narrassem uma histó-ria nacional, as quais foram organizadas dentro da perspectiva de seus fundadores. Nessa preocupação, já existia uma intenção educativa para com o público: contar a história do Brasil. Cada museu acreditava estar expondo da maneira mais fiel e, assim, o público visitaria o museu para comprovar a existência da história. Nesse início, os museus foram se formando, constituindo suas coleções através das doações de objetos da

cultura material. Os museus são lugares de produção de imortalidade.iv No entanto,

(...) o período subseqüente à II guerra mundial marcou o início de uma transformação qualitativa e quantitativa nos processos de acti-vação patrimonial, fruto de uma nova sensibilidade em face aos refe-rentes culturais potencialmente patrimonializáveis, conferindo novos usos e sentidos a objectos, modos de vida, saberes e lugares. A procura da autenticidade e da tradição configura-se, assim, como uma carac-terística distintiva das novas formas de consumo cultural, às quais o patrimônio e os museus não permaneceram indiferentes.v

Os museus, a partir da segunda metade do século XX, começaram a mudar seus focos de atuação, desviaram um pouco a centralidade nos objetos e passaram a direcionar suas ações ao grande público. As pre-ocupações estavam relacionadas à divulgação, ao nível das informações contidas nas exposições, à educação e à formação de novos freqüen-tadores, ao estabelecimento de um discurso autorizado sobre respeito ao patrimônio cultural e, ainda, com a construção / destruição de uma distinção cultavi. O ato de deslocar os objetos do museu, que já haviam perdido seu valor de uso, classificados como bens culturais, apropriados numa foto-grafia e, por esses motivos, redimensionados no espaço, quando proje-tados por uma luz, e que estavam inseridos em um sistema próprio de organização, produzia uma metamorfose geradora de um novo museu. Para Malraux, qualquer obra que pudesse ser fotografada pertenceria ao seu Museu Imaginário. As possibilidades de relações eram infinitas, como num jogo de similitudes, era possível encontrar, segundo ele, estilos de unicidade entre obras de técnicas e períodos distintos. A ação do profes-sor de história da arte ao levar à sua sala de aula uma caixa de slides a fim de apresentar uma organização e uma leitura da arte aos estudantes era um método constitutivo do museu de Malraux.vii

Seria essa prática de dinamização um Museu Imaginário? Todo o in-vestimento em tornar o Museu Histórico e Antropológico do Ceará um espaço conhecido na cidade pelos seus estudantes e visitado por um maior número de pessoas consistia em uma ação inovadora no campo da museologia. Mesmo cheia de contradições, trata-se de uma importante contribuição para a divulgação nas escolas e para a construção de uma maneira de visitar, anotando as legendas dos objetos e nomeando isso de pesquisa. Note-se que muitas escolas que receberam a visita com a

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projeção dos slides do Museu mantêm, até hoje, na sua agenda, pelo menos uma visita anual ao Museu do Ceará. No entanto, ficava faltando o estímulo ao desenvolvimento da imaginação criadora com o uso dos jogos de similitudes e a produção de relações entre os objetos, pois os estudantes não eram convidados a questionar a construção daquela his-tória, eram reunidos para serem fisgados pelo amor à pátria. As iniciativas de produção de diálogo com o público são de diferen-tes envergaduras e podem estar focadas somente no público de turistas, como era o caso do Museu Histórico e Antropológico do Ceará antes do Projeto Capistrano de Abreu. Por poder construir uma relação com a comunidade na cidade onde o Museu está situado, esse diálogo deve ser estabelecido compreendendo as potencialidades de participação dos di-ferentes grupos sociais de cada lugar. Não estando mais limitado apenas a transmitir um conteúdo, esse estabelecimento deve convidar à reflexão e à produção de um patrimônio cultural. Os museus são responsáveis pela construção de memórias em cada uma das atividades que podem ser desenvolvidas pelos seus trabalhadores e, por esse motivo, o diálogo e o compartilhamento de idéias e ações devem estar garantidos, pois é desse encontro que depende a qualidade do trabalho com o público.

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i CANCLINI, Nestor. Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp, 2000.ii Para conhecer mais ver os seguintes documentos produzidos pelo pensamento mu-seológico: Mesa Redonda de São Tiago, Chile 1971; Carta de Quebec de 1984 e Subsídios para a implantação de uma política museológica brasileira, 1976 produzido pelo Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais IJNPS são alguns exemplos des-tacáveis sobre o tema.iii O objeto-biografado é aquele objeto da cultura material que pertence ao conjunto do acervo de um Museu não pelas suas características de objeto, mas por ter pertencido a alguma personalidade considerada de valor histórico pela sociedade. Conferir em RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação dos objetos – Chapecó SC: Argos, 2004.iv ABREU, Regina. A Fabricação do imortal: Memória, história e estratégias de consa-gração no Brasil. Rio de Janeiro, Rocco: Lapa, 1996. v ANICO, Marta. A pós-modernização da cultura: patrimônio e museus na contempora-neidade. IN: Revista Horizontes antropológicos, Porto Alegre, ano 11, n 23, p 71-86, jan/jun 2005.vi BOURDIEU, P.; DARBEL, A. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público – São Paulo, Edusp e Kouk, 2003.vii MALRAUX, André. O Museu Imaginário – Portugal, Edições 70, 2000.

.17PROJETO MUSISER:Uma abordagem psicodinâmica sobre a importância da música no desenvolvimento do ser humanoHeloisa Maibrada

A idéia de que a Música tem o poder de contribuir para o bem-estar do ser humano não é novidade. Desde a Grécia antiga, filósofos, a exem-plo de Platão e Aristóteles, advogavam o ensino e a prática musical como disciplina tão essencial na formação do educando quanto outras, como a retórica, a lógica e a matemática. A frase de Platão: “A música dá alma ao coração, asas ao pensamento e impulso à imaginação” pode bem demonstrar o alto conceito que essa arte tinha para o filósofo. Os três pontos a que Platão chama a atenção na frase sobre a ação da música no ser humano são, na verdade, três chaves essenciais no processo do seu desenvolvimento: o coração, o pensamento e a ima-ginação. O coração está ligado à afetividade e às emoções; o pensa-mento, ao raciocínio, à lógica e ao mundo das idéias; e a imaginação, à criatividade e à inspiração. Um desenvolvimento equilibrado desses três pilares, aliado a um processo físico saudável, pode contribuir para o despertar do potencial individual intrínseco de cada ser humano em todas as áreas de sua vida, auxiliando, conseqüentemente, a dinami-zação da sociedade e a evolução humana como um todo. Que a música age sobre o coração e, conseqüentemente sobre as emoções, não há o que questionar. Muitos são os exemplos de músi-cas, tanto populares quanto de caráter mais erudito, que emocionam e despertam sentimentos variados. A busca por músicas que provo-

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quem determinado efeito emocional está demonstrada na diversidade musical disponível ao público no mercado em geral. Como bem disse Robert Jourdain: “Algumas pessoas usam a música como um estimulante; outras, como tranqüilizante; algumas procuram intensidade e beleza; ou-tras, distração e barulheira...”i

Entretanto pouca atenção tem sido dada ao potencial intrínseco da música como um meio dos mais eficazes para dinamizar o desen-volvimento. No ensino de crianças pequenas, algumas músicas são ensinadas, muitas vezes, pelo seu conteúdo tradicional da cultura, para a aprendizagem divertida de letras pedagógicas, ou simples-mente por pura diversão. Neste âmbito específico, conta muito o conteúdo das letras, acompanhado por uma música agradável ou engraçada. A focalização em elementos puramente musicais, en-tretanto, presentes em músicas instrumentais, tem sido relegada às escolas especializadas ou a algumas poucas escolas inovadoras que disponham de um profissional com capacitação no ensino da música. Por outro lado, a disciplina do ensino da música nas escolas especializadas, apesar de proporcionar uma base musical teórica só-lida, muitas vezes deixa pouco espaço disponível para a exploração espontânea e curiosa da criança. Dentre os elementos que constituem a música, ou seja, ritmo, melodia e harmonia, o ritmo tem especial importância tanto para a fundamentação musical, quanto para o desenvolvimento humano, per-mitindo que agrupamentos de sons melódicos e harmônicos tenham uma coerência e seqüencialidade no tempo e, através do treino cor-poral e perceptual, traz uma organicidade física a essas percepções. Sem uma realização física e orgânica do ritmo, a execução musical perde-se no estereotipismo e na mecanicidade ou, então, na incapa-cidade coordenadora de movimentos. O ritmo é também um elemento que está presente no universo em infinitas modalidades, seja no ritmo do dia e da noite, no ritmo das marés, no ritmo do pulsar do coração e em outros tantos ritmos. Fala-se de uma pessoa que trabalha com ritmo “a todo vapor”, outra “devagar, quase parando”. A percepção física do ritmo, através de movimentos corporais amplos, é um dos principais alvos do Projeto MUSISER, uma vez que essa clareza traz a integração de movimentos precisos e expressivos em sintonia com as idéias musicais. O processo dessa integração rítmico-musical proporciona à criança uma maior facilidade no aprendizado de conceitos espaço-temporais, inclusive do raciocínio lógico e matemático. As diversas divisões rítmi-

cas, bem como a disposição das notas da escala musical e dos interva-los entre os sons, são todos baseados em números. Algumas pesquisas realizadas nos Estados Unidos e em outros países têm demonstrado que crianças que foram submetidas a um aprendizado musical apre-sentaram mais facilidade nessas áreas de raciocínio do que outras que não tiveram acesso ao ensino musical.ii

O Projeto MUSISER, entretanto, não visa simplesmente trazer ao público esse resultado, mas, especialmente, através de atividades criativas e auditivas, realizadas através de audições de músicas, de improvisações e de processos simples de composição musical, dina-mizar o potencial criador da criança. A criatividade permite que ela ouse utilizar todo o seu potencial imaginativo. Durante o período pré-escolar, especialmente na faixa dos quatro aos seis anos de idade, fai-xa do público-alvo do Projeto MUSISER, a curiosidade infantil ainda não está tão limitada por padrões externos, padrões esses que serão gradativamente estabelecidos na formalização escolar dos anos poste-riores. Portanto, a possibilidade de experimentar com os sons e ritmos musicais nos anos pré-escolares torna-se uma experiência muito enri-quecedora, que pode ajudar a dinamizar outros empregos de sua cria-tividade e originalidade. A experiência sensorial é parte fundamental no desenvolvimento da criança nessa fase, e tudo o que for apreendido pela criança servirá como base para o seu desenvolvimento intelectual e emocional. A audição de músicas agradáveis irá lhe propiciar expe-riências estéticas, estimulando-a, inspirando-a e sensibilizando-a para o que é mais harmonioso e inspirador. Dessa forma, a música passa a ser vivenciada em seu aspecto mais puro e global antes de qualquer sistematização teórica, visando despertar e impulsionar todo o poten-cial criativo e expressivo da criança. O retorno do ensino da música às escolas de ensino fundamental e médio, que está em vias de ser aprovado no Congresso, virá colocar a música mais uma vez como parte integrante dos currículos escolares, o que poderá beneficiar imensamente as gerações futuras. No entanto, é necessário que a música seja inserida como algo dinâmico, com um propósito maior do que o de divertir ou do que o da aprendizagem de conceitos teóricos. A vivência de experiências sensibilizantes de ouvir música, de cantar, e, especialmente, de criar música poderá trazer resultados surpreendentes que irão auxiliar várias outras áreas do de-senvolvimento humano. Como afirmou o escritor e crítico de arte inglês Herbert Read (1893-1968) a respeito das implicações da abordagem artística na educação:

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O objetivo de uma reforma do sistema educacional não é produzir mais obras de arte, mas pessoas e sociedades melhores. (...) porém, essa atividade artística das crianças pode ser o começo de uma re-forma mais ampla. A partir do momento em que os poderes criativos são liberados em uma certa direção,(...) a partir do momento em que os grilhões da passividade da escola são rompidos, uma espécie de liberação íntima, o despertar de uma atividade mais elevada, em geral acontece.iii

E continuando:

O objetivo da educação estética nas crianças nunca pode, portanto, ser a produção de um tipo de arte em conformidade com um padrão canônico ou esteticamente “superior”, embora a existência de tal pa-drão seja admitida (...) O objetivo da arte na educação, que deveria ser idêntico ao propósito da própria educação, é desenvolver na criança um modo integrado de experiência (...) em que a percepção e o senti-mento se movimentam num ritmo orgânico, numa sístole e diástole, em direção a uma apreensão mais completa e mais livre da realidade.iv

O projeto MUSISER foi elaborado em finais de 2007 e está, atualmente, em andamento como um Projeto de Pesquisa do Departamento de Mú-sica da UFPE. O interesse pelo tema da importância da música e, tam-bém, de outras artes para o desenvolvimento humano, entretanto, não é casual. É decorrente da mudança de pensamento que vem se desenvol-vendo em diversos países, buscando idéias e ideais mais abrangentes e menos restritos unicamente ao método científico de pensar. Os desafios atuais de ordem ecológica, social e emocional têm resultado em uma crescente preocupação com aspectos ligados especialmente à educação. Entretanto, no que diz respeito à aprendizagem musical, é preciso come-çar cedo. De acordo com a teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner, da Universidade de Harvard, a musicalidade é uma inteligência que pode ser despertada nos primeiros anos de vida através das influ-ências absorvidas nos lares e nas escolas.v É esta a principal meta do MUSISER: comprovar que a música, sendo apresentada como um meio de expressão criativa às crianças antes do ingresso no ensino escolar tra-dicional, pode vir a favorecer de maneira positiva o seu desenvolvimento integral como ser humano. E quem sabe, através de uma maior conscientização do público, pais e instituições educacionais, poderemos chegar ao ideal de Platão:

trazer mais alma ao coração, mais asas à imaginação e mais impulso ao pensamento.

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i Robert Jourdain, Música, Cérebro e Êxtase (Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1997), 17.ii Mary Miché, Weaving Music Into Young Minds (Albany, NY: Delmar, 2002), 56.iii Herbert Read, Educação Pela Arte ( São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda., 2001), 63.iv Ibid., 115.v Miché, 39.

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.18O museu e seu público no mundo “contaminado”Alexandre Dias RamosDe que maneira um museu, nos dias de hoje, deve se relacionar com o pú-blico? Que público vai ao museu e quais os modos de apreensão que estão envolvidos no contato com a obra de arte, num mundo tão “contaminado” pelos meios de comunicação? A “verdadeira obra de arte” tem aura, é original, autêntica, bonita... é sagrada, deve, portanto, ser mantida em ambiente ideal e exposta em lugar adequado, para um público adequado, relacionado a tudo o que se diz da Arte ao longo da História. Será? Há muita confusão entre o pensamento tradicional museográfico – diretamente ligado aos cânones da História da Arte Ocidental – e a “conta-minação” (para o bem e para o mal) dos meios de comunicação de massa na percepção das leituras da obra de arte. Sem dúvida, diminuiu o desequilíbrio dos tempos passados, em que a posse econômica ditava a hierarquia, as-sim como selecionava, com exclusividade, o público autorizado ao acesso aos bens simbólicos mais importantes. Agora essa hierarquia, ou melhor dizendo, esse posicionamento no campo cultural se organiza conforme o uso das estra-tégias e instrumentos daquele que possuir a informação e souber o que fazer com ela. O “ambiente ideal” deu lugar à multiplicidade de tempos e espaços, a aura (antes intocável) deu lugar à produção em massa e à fugacidade do objeto descartável, as regras da arte deram lugar às possibilidades da arte – que são muitas e dependem de quem as produz, de quem as divulga e de quem as vê. O processo artístico e os procedimentos museográficos tiveram de enfrentar as novas exigências da comunicação e de se adaptarem a elas. O pedestal de mármore foi substituído pelo suporte da mídia. Mas será que a mídia promoveu o completo fim do sagrado? Não exatamen-te. Desconsiderando os medos da Escola de Frankfurt em relação à alienação dos

meios de comunicação, vamos pegar o caso da TV: alguns espetáculos televisi-vos, concertos de rock, eleições, campeonatos de futebol e jogos olímpicos, por exemplo, podem, muito além do que se poderia imaginar, intensificar o sentido de sagrado. Vemos telespectadores participando ativamente de intensos proces-sos de ritualização, vestindo-se de maneira especial, com uniformes, bandei-ras, marcando encontros para uma participação coletiva de alegria, curiosidade ou dor (caso dos históricos funerais transmitidos via satélite). A televisão trouxe consigo a consciência do simulacro, da virtualidade, mas manteve instrumentos importantes para a fabricação e manutenção de tradições, cultos e conexões transnacionais. Os meios de comunicação destruíram a hegemonia da sacraliza-ção ortodoxa em nome de uma religião de práticas sociais que criam e recriam símbolos sagrados, muitas vezes no tempo e na efemeridade de um clic. Porém, a idéia de que a cultura midiática regula totalmente o consumo desconsidera o comportamento dos consumidores e as desigualdades econô-micas e culturais que limitam tais ações. Na maioria das vezes, as pessoas sabem a diferença entre as coisas, os produtos e a realidade. Sabem também qual a sua própria realidade. Entendem, por razões próprias, por que gostam mais de um trabalho de arte do que outro. Portanto, não se deve pensar o público como uma massa culturalmente dopada, subestimar sua formação. E, para que haja diálogo entre o museu e o público, é preciso levar em consi-deração as formas culturais que resumem as intenções dos produtores – seus propósitos e suas relações com produtos, patrocinadores, artistas etc. – e a diversidade de gostos, interesses e linguagens de seu público. Edgar Morin vai dizer que “nossa relação com o mundo exterior passa não apenas pelas mídias informacionais, mas também por nossos sistemas de idéias, que recebem, filtram, fazem uma triagem daquilo que as mídias nos trazem. Em relação às coisas sobre as quais não temos opinião formada ou preconceito, somos extremamente suscetíveis às informações.” Processa-se, portanto, uma es-pécie de sistema circular contínuo, em que os agentes culturais produzem o que o público absorve ao mesmo tempo em que também produz... Conversar, assistir, apreciar, consumir são atividades exercidas na difusão dos meios de comunicação e filtradas, diversificadamente, conforme o habitus de classe específico de cada um. Os modos de recepção da informação são tão diversos quanto sua difusão. Enfrentamos, hoje, novos processos de produção industrial e eletrônica, de circulação massiva e transnacional e, conseqüentemente, novos tipos de recep-ção e apropriação. Na medida em que cresce o domínio do homem sobre esses infinitos meios de informação, opera-se uma mudança no próprio homem e na percepção daquilo que ele produz. A chave, então, está no processo de seleção e interpretação da informação. O museu pode dar essa chave, servir de interface entre o arcabouço cultural do conhecimento erudito e o cotidiano.

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19Os Cursos de Educação Continuada do Pólo UFPE como espaço de mediação em arteSebastião PedrosaInício de abril de 2008. Saindo da sala de aula, sou interpelado por um ex-aluno da habilitação de Artes Plásticas da Licenciatura em Educação Artística da UFPE: “Como se dá o processo de me-diação em arte no Projeto Arte na Escola em Pernambuco?”. Res-pondi: “esta não é uma questão simples para ser respondida em uma frase”. Então, pensei: a questão merece reflexão e pode ser o ponto de partida para um redirecionamento das ações pedagógicas no Pólo UFPE. O público com o qual temos trabalhado mais diretamente, desde que o Projeto Arte na Escola foi implantado na UFPE, em maio de 2004, é o professor de arte da escola pública, que, em sua maioria, não teve formação em arte. Desde a sua implantação, o Pólo UFPE tem oferecido sucessivos cursos de educação continuada. As questões recorrentes surgidas daqueles que freqüentam os cursos indicam a inexistência de materiais e espaços adequados para se trabalhar na escola, como também o distanciamento e falta de contato com arte. É certo que toda regra tem exceção e, portanto, não é tão raro surgir aquele ou aquela que demonstra o hábito de visitar as exposições de arte na cidade. Outra revelação freqüente é dos professores afirmarem ter realizado seu último desenho ainda quando eram crianças. O distanciamento entre ver, fazer e ensinar arte, nesse universo de professores, tem-nos levado a pensar numa mediação que proporcione a esses professores a construção de um repertório em arte. Consideramos esses cursos como oportunidades

para acolher o professor no exercício de partilhar incertezas e curio-sidades, descobertas estéticas e inquietações pedagógicas com rela-ção ao ensino da arte. É possível que o professor não precise ser artista para ensinar arte, mas necessita ter conhecimento e um repertório em arte os quais abrangem questões de natureza teórica e prática. Isso im-plica passar também por uma experiência em que se exercitem etapas da produção da obra artística. Por isso, quando os cursos são planejados, pensamos na aproximação do professor com a obra de arte através da inter-relação entre o ver e falar sobre a obra, como também no desdobrar o seu pensamento visual através da expressão plástica. A aproximação do professor com a obra de arte, nos cursos de Educação Continuada do Pólo UFPE, tem acontecido de várias maneiras. Os materiais de apoio didático fornecidos pela rede Arte na Escola, como o “kit arte br”, a “DVDteca” e os “livros didáticos” têm sido fundamentais nessa construção. Os DVDs se destacam com especial importância na ação pedagógica. Esse material faci-lita a discussão, ajuda na percepção e na construção do repertório do professor com relação à arte, mas não substitui a experiência sinestésica, quando se entra em contato direto com a obra de arte ou quando se manipulam os materiais necessários à construção de uma obra artística. Nem sempre nos damos conta das complexas relações possíveis que podem ser estabelecidas entre a nossa per-cepção ou fruição e a produção artística através de reproduções da obra, e também, certamente, em contato direto com a obra, se uma efetiva reflexão não for estabelecida. Assim, num primeiro momen-to, os cursos priorizaram as discussões sobre aprender e ensinar artes visuais no contexto escolar formal, explorando os seguintes estágios:

• Explicitação do repertório de artistas familiares aos participantes dos cursos: quais os artistas conhecidos? De que falam suas obras? Quais as relações estéticas possíveis entre os artistas abordados? Que obras ou propostas estéticas nos causam estranhamento ou, ao contrário, encantamento, e as razões para isso? • Visitação a espaços expositivos como o Museu de Arte Moder-na Aluísio Magalhães (MAMAM), o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) da UFPE, o Museu do Estado e a Oficina de Cerâmica Francis-co Brennand.

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• Exploração de exercícios que envolvam questões metodológicas do ensino da arte: leitura da obra de arte; construção do conheci-mento da linguagem visual; a prática do ateliê de arte.

Essas etapas nem sempre seguiam uma ordem seqüencial; o diá-logo permanente com os participantes determinava a dinâmica dos encontros. Para efeito de ilustração do que tem sido os cursos de educação continuada, apresento a seguir um pequeno recorte do que foi trabalhado com um dos grupos de professores:

Queríamos explorar um dos DVDs do acervo, para introduzir o parti-cipante ao estudo da arte contemporânea. Escolhemos “Regina Sil-veira: Linguagens Visuais”. Antes de apresentarmos o vídeo, propuse-mos uma atividade lúdica com a exploração de luz e sombra. Para darmos início a um dos cursos planejados para professores do ensino fundamental da rede Municipal da Cidade do Recife, pro-pusemos uma atividade lúdica: brincar com sombras.

“No princípio era a sala escura. A luz se projetou sobre a tela branca na parede e eis que surgiram desenhos, sombras, formas projetadas de coisas banais que pouco a pouco ganhavam significado. Copos descartáveis de plástico, objetos pessoais como brincos, broches, colares, chaveiros, pen-tes surgiam de dentro das bolsas e sacolas dos professores-alunos. Coisas opacas, coisas transparentes, formas superpostas, justapostas e circunscri-tas. Concentração, dispersão, repetição, ponto focal, campo visual. Explo-ração de construção de imagens num exercício lúdico e prazeroso.”

Como ampliar o exercício? As possibilidades de criação de imagens com luz e sombra são imensas. Com alguns materiais básicos foi possível a exploração do conceito de luz e sombra projetada sobre coisas na sala escura. Luz de vela, luz de pequenas tochas, luz do retro-projetor – instrumento quase sempre presente na sala de aula. Projeção na parede, proje-ção no chão, projeção no teto, projeção na projeção, jogo de luz e sombra. Abstração. Exploração individual de formas e congelamento da imagem projetada através do desenho. A discussão em pequenos grupos para estudo de situações a se-rem exploradas em sala de aula aprofundou a questão metodológica: o estudo do desenho e suas modalidades. O estudo da forma através do teatro de sombras: as possibilidades de construção de persona-

gens, construção do espaço cênico, a criação de estórias sem texto verbal, projeção de cenas. As possibilidades do desenho: desenhar com luz, desenho no espaço, outra forma de desenhar. O desenho e suas várias modalidades: desenho de observação; desenho de imagi-nação; desenho para registro e anotações; desenho para ilustração; desenho da criança, sua gênese, seu desenvolvimento. Seus mate-riais. Desenho com múltiplos propósitos. O passo seguinte foi assistir ao DVD de Regina Silveira. Um exer-cício para mergulhar na compreensão da arte contemporânea e de ampliar os significados de uma experiência lúdica vivida pelo grupo. O DVD “Regina Silveira, Linguagens Visuais” foi projetado como mais uma etapa para a construção do repertório dos participantes do curso. Observou-se que o conceito de anamorfose, palavra que entre outros significados quer dizer a deformação de uma imagem formada por um sistema ótico, permeia a obra da artista e indica o seu grau de envolvimento com a pesquisa em arte. A artista vai encontrar nos desenhos de artistas do passado, como Brunelleschi, um referencial para sua afirmativa artística e, com o uso de novas tecnologias, inventa desenhos e espaços virtuais; constrói um jogo de ilusão que, às vezes, o espectador experimenta como real e dia-loga mais estreitamente com o objeto artístico. O uso dos objetos do cotidiano apresentados como sombras deformadas dos objetos existentes no mundo real provocou o sentimento de mundo desor-denado e instável. Mesmo assim, conseguir ver mentalmente em “in absentia” a figura ausente que o vídeo instalação provoca foi uma descoberta gratificante para os participantes e, talvez, ainda mais, quando conseguiram perceber a referência que a artista faz à obra de Duchamp e descobrir as possibilidades de criação de imagem e construção de metáforas a partir do uso de imagens. O DVD sobre a obra de Regina Silveira veio desmitificar uma sé-rie de dificuldades entre os participantes: a dificuldade em dialogar com a arte contemporânea; a indecisão na escolha de materiais para se trabalhar com arte; a questão mercadológica da arte; a arte como objeto de adorno. Nesse jeito de simplificar e aproximar o arte-educador à obra de arte, seja ela de artistas brasileiros ou de outras culturas, seja a obra original ou reproduzida, seja através do processo reflexivo sobre uma prática pedagógica ou criativa, as barreiras que impedem o acesso do público escolar à obra de arte diminuem, e o lugar da mediação entre arte e público ganha espaço.

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.20Formação continuada dos(as) educadores(as) como espaço de diálogo com a arteCristiane Maria Gonçalves Soares;Gisélia Maria Sátiro da Silva;Jaísa Farias de Souza Freire;Maria Auxiliadora de Almeida

A formação docente, nos últimos anos, vem sendo revisitada como um dos pontos centrais para o desenvolvimento de uma educação que responda às exigências impostas pelas novas relações estabelecidas nas sociedades. A institucionalização da formação continuada dos profissionais da educação se constitui em aspecto conseqüente para a qualidade da edu-cação pública, desde que a consideremos como espaço de acesso dos educadores à diversidade de conhecimentos que se produz no âmbito da sociedade e de permanente ressignificação das práticas pedagógicas. Tratando-se do ensino da Arte, com a sua obrigatoriedade no currícu-lo escolar da Educação Infantil ao Ensino Médio e o estabelecimento de conteúdos específicos como parte constitutiva dos currículos escolares, constante na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, torna-se mais evidente a necessidade de os docentes se apropriarem de competências na área da Arte, considerando-se que:

Sem uma consciência clara da sua função e sem uma fundamentação con-sistente de arte como área de conhecimento com conteúdos específicos, os professores não conseguem formular um quadro de referências conceituais e metodológicas para alicerçar sua ação pedagógica (BRASIL, 1997: 32; 51)

Essa necessidade foi explicitada pelos(as) professores(as) regentes dos anos iniciais do Ensino Fundamentali da Rede Municipal de Ensino do Recife, durante consulta sobre os componentes curriculares que apresen-tavam maior dificuldade na prática pedagógica no cotidiano das escolas, realizada no ano de 2005, em que o ensino da Arte consta como terceiro componente curricular mais indicado e, conseqüentemente, como de-manda emergente a ser tratada na formação continuada em rede. A arte, além de ser expressão, é objeto de conhecimento, pois vem sendo construída historicamente pela humanidade nos seus diversos contextos e culturas. Essa afirmação nos coloca diante do conteúdo da arte, que é resultado das experiências de vida do homem, seus modos de sentir, ver, perceber, pensar e simbolizar tudo isso através da imagem, do som, do gesto, do movimento, da palavra. Portanto, ensinar arte sig-nifica aproximar os estudantes da produção histórica, social e cultural artística, garantindo-lhes a possibilidade de conhecer essa produção e, ao mesmo tempo, promover situações didáticas que os levem a imaginar e a construir propostas pessoais ou grupais com bases nos seus conheci-mentos e intenções. Considerando tais fundamentos, a Secretaria de Educação, Esporte e Lazer da Prefeitura do Recife, na sua Proposta Pedagógica, concebe a Arte como construção histórica, social e cultural na qual o ler, o fazer e o con-textualizar se constituem como ações básicas que devem ser articuladas no processo de ensino e aprendizagem em Arteii. Concebendo-a assim, é necessário inserir esse componente curricular nos programas de formação continuada, para que o(a) educador(a) possa exercitar suas capacidades cognitivas, perceptivas e imaginativas no contato com o conhecer e o fazer arte e possa construir propostas didáticas para os educandos. Portanto, pensar o ensino da Arte num processo de formação conti-nuada de professores(as) pressupõe pensar no seu objeto de estudo, que é a própria arte, como também em objetivos educacionais e caminhos metodológicos. A arte, por ser forma de expressão, constitui-se como linguagem e, de acordo com as diferentes possibilidades expressivas, possui signos específicos, quer dizer, possui uma gramática própria. Nesse sentido, o desafio para o(a) professor(a) polivalente não é ape-nas o da apropriação das linguagens da arte, mas também, o de transfor-mar os conhecimentos em práticas didático-pedagógicas que promovam seu acesso e o dos estudantes a uma real compreensão de diferentes expressões, patrimônios e manifestações da arte. É bem verdade que o debate em torno do ensino da Arte tem sido dirigido ao papel do arte/educador, geralmente especialista em uma das

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linguagens da arte, e pouco se fala do professor polivalente que, mesmo não tendo a formação em arte, é responsável pelo currículo instituído. Essa realidade não deve ser apenas uma lacuna ou um limite imobiliza-dor, mas um ponto de partida para criação de apoio pedagógico aos do-centes via modelo de formação continuada que considere o interesse do docente dentro das linguagens que se lhe apresentam no campo da arte; a flexibilização das metodologias e do tempo dos cursos oferecidos; a parceria com as diversas instituições que produzem e/ou veiculam bens culturais e artísticos na cidade. Partindo dessas idéias, a formação continuada vem acontecendo, desde 2006, através de mini-cursos e/ou oficinas nas linguagens artís-ticas escolhidas pelo professor e realizadas em diferentes espaços da cidade como museus, galerias, ateliês, centros de artes, entre outros, através de parcerias estabelecidas.iii

Contribuir para a construção de competências que favoreçam o de-sempenho dos professores e coordenadores/ pedagógicos de 1º e 2º Ciclos de Aprendizagem na organização da prática pedagógica em Arte, visando à ampliação da sua formação pessoal, docente e cultural, é o objetivo principal dessa formação continuada, assim pensada e realizada:

I – Oferta de um Curso de Introdução à Arte, ministrado pela equipe do Núcleo de Arte, oferecido aos duzentos e quarenta coordenadores peda-gógicos, que atuaram como tutores no cotidiano das escolas, no período de maio a junho de 2006, e realizado na Escolinha de Arte do Recife. Esse curso pretendeu desencadear um processo de reflexão e ampliação do ensino da Arte com leitura e discussão de textos; apreciação de textos ar-tísticos; contextualização histórico-cultural; criação e produção artística; transposição didática no cotidiano escolar e socialização de experiências vivenciadas na escola. A carga horária do curso foi de 16 horas, distribu-ídas em quatro módulos:

1) Conceito de arte e concepção de ensino da Arte; 2) Artes Visuais – Conceito, modalidades, signos, gêneros e tendências estéticas; 3) Teatro – Conceito, signos, jogo dramático, jogo teatral, aspectos históricos; 4) Música – Conceito, signos, paisagem sonora, experimentação sonora.

No cotidiano da escola, os coordenadores ofereceram, no mínimo, quatro encontros com duração de duas horas cada um, com atividades selecio-nadas a partir da compreensão e das discussões realizadas durante o

curso e também utilizando os subsídios disponibilizados, como imagens (impressas e em CD) e textos.

II - Oficinas Interativas, oferecidas em julho de 2006, mobilizaram to-dos os professores do 1º e 2º Ciclos de Aprendizagem, distribuídos em oitenta e uma turmas de oficinas em diferentes linguagens artísticas. As oficinas tiveram como objetivo contribuir para que os educadores vivenciassem processos de criação e compreendessem o desenvolvimen-to do percurso criador dos educandos de 6 a 10 anos, como também subsidiá-los quanto às possibilidades de transposição didática. Nessa etapa da formação, houve parceria com diversas instituições culturais e educacionais e com profissionais das diversas linguagens da arte. A idéia da consulta prévia tem-se constituído como um exercício da instituição ao considerar o educador como sujeito de seu processo de aprendizagem na formação continuada. Com efeito, optando pela linguagem com que mais se identifica, haveria uma maior receptividade e aproveitamento das oficinas pelos docentes, bem como a possibilidade de socialização das diversas oficinas/linguagens nas escolas. Assim considerando, as ofi-cinas foram constituídas da seguinte forma:

Artes Visuais: desenho, pintura e gravura, escultura, arte no computador, vídeo e fotografia; Teatro: teatro humano e teatro de bonecos; Música: produção de jogos musicais e produção vocal, corporal e instru-mental; Dança: consciência corporal e movimentos expressivos, eLiteratura: contação de histórias e poesia.

A avaliação das oficinas foi realizada pelos professores, na escola, de for-ma coletiva, com o objetivo de provocar o diálogo através da socialização e reflexão sobre a diversidade de vivências e acesso aos conteúdos da arte. Os dados apurados demonstraram, no conjunto das oficinas, uma pontu-ação positiva acima de 80% nos aspectos conteúdo, metodologia, contri-buição para a prática docente e nível de participação dos presentes. Nesse processo, observa-se uma mudança de postura dos docen-tes quanto ao trato com esse componente curricular, ao interesse pela leitura em arte e à busca de conhecimentos nas linguagens artísticas, proporcionando uma aproximação entre teoria e prática. Constatamos o desdobramento positivo do trabalho, a partir da consolidação, em 2007, do Núcleo de Arte na Gerência de 1º e 2º Ciclos de Aprendizagem, que

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tem, entre outros, a função e o objetivo de promover e desenvolver ações de apoio, orientação e formação continuada aos professores nas diferen-tes linguagens artísticas e estabelecer parcerias com instituições forma-doras ou de veiculação da arteiv para encaminhamento de professores e alunos para cursos e visitações às exposições. Tem sido notório o desejo de continuidade da formação a partir das inscrições desses profissionais, por adesão, em cursos de atualização ofe-recidos durante os anos de 2007 e 2008 pelo próprio Núcleo de Arte e pelas diversas instituições parceiras, bem como um aumento expressivo de projetos didáticos junto aos estudantes, envolvendo linguagens artís-ticas. Percebem-se, ainda, mudanças nas produções desenvolvidas pelos alunos, revelando suas expressões individuais além de conhecimentos construídos nos momentos de estudo em arte, o que nos leva a reconhecer a importância de se investir na formação continuada em Arte. Esses momentos têm sido ricos, concretizando-se na própria idéia de diálogo com a arte e reafirmando o sentido da formação continuada na perspectiva do sujeito na sua condição de inconcluso e de eterno apren-diz, seja como estudante, seja como formador, levando-o a buscar novos e/ou diferentes caminhos de aprendizagem.

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Referências BibliográficasBARBOSA, Ana Mae. A Imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva, 1991._______. Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2002.BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais.2 .Arte:Ensino de primeira à quarta série.I.Título. Brasília: MEC/SEF, 1997.RECIFE, Secretaria de Educação Esporte e Lazer. Proposta Pedagógica da Rede Muni-cipal de Ensino do Recife – Construindo competências, Recife, 2002.

i Professor que tem formação em Normal Médio ou Pedagogia, que atua no Ensino Fundamental I (de 1ª a 4ª séries ou no 1º e 2º Ciclos), também chamado de poliva-lente.ii A Proposta Triangular como abordagem norteadora para o ensino da Arte surge no Brasil nos anos oitenta e noventa, tendo seus fundamentos sistematizados por Ana Mae Barbosa.iii Instituições parceiras: Escolinha de Arte do Recife; Projeto Arte na Escola /UFPE; Fundação Joaquim Nabuco “Projeto Primeiro Olhar”; Centro de Formação em Artes Visuais da Fundação de Cultura da Cidade do Recife; Museu Murillo La Greca; Institu-to Cultural Banco Real; Oficina Cerâmica Francisco Brennand; Instituto Lula Cardoso Ayres; Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães; Torre Malakoff; Museu do Homem do Nordeste; Escola Municipal de Frevo; Museu de Arte Contemporânea de Olinda; entre outros.

.21Teatro perto dos olhos e perto do coraçãoWilliams Sant’Anna

O representar é uma característica humanamente humana. Fazer-se pas-sar por algo ou por alguém que não se é remonta à nossa pré-história, quando os “homens da caverna” imitavam os sons dos animais no intuito de atraí-los à caça. Diante da globalização, da presença cada vez mais marcante das mídias eletrônicas e dos processos de rápida comunicação e sua relação com as expressões artísticas, com a presença massificada (e massifica-dora) da produção televisiva e cinematográfica (graças, em grande parte, ao “mercado paralelo”), como a arte milenar da representação teatral pode encontrar seu espaço e constituir sua perenização? As respostas talvez estejam fundamentadas em seus preceitos bási-cos – o teatro é uma arte eminentemente presencial, que requer a pre-sença do seu intérprete-criador diante de um público-receptor. O teatro possui uma linguagem específica, que o diferencia e o distancia das outras que utilizam o ator (além da presença física), constituída a partir da análise e observação de atores, encenadores e teóricos, culminando na construção da teorização de sistemas e processos de encenação e, conseqüentemente, materialização de uma idéia ou texto transforma-do em expressão cênica – a teatralização. Existem inúmeras formas de transpor à cena, por exemplo, uma cachoeira. No cinema, a captação da imagem real da cachoeira seria suficiente para repassar ao público a imagem indiscutível do objeto, de forma precisa e inequívoca. Só o exer-cício permanente do diálogo entre o teatro e o público poderá criar laços estruturais entre eles. O teatro precisará estar perto dos olhos e perto do coração do seu público.

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Três projetos merecem destaque no estabelecimento do contato constante, permanente e insurgente do Teatro com uma parcela da po-pulação que possui pouco acesso aos produtos artístico-culturais, numa promoção da Secretaria de Cultura do Recife e Fundação de Cultura Cidade do Recife. O Projeto Educação Para o Teatro, construído inicialmente para con-tribuir com a formação do público para o Teatro e estimular o acesso ao Teatro Barreto Junior pela população do Pina e Brasília Teimosa, ocorre ininterruptamente há sete anos. Idealizado e coordenado pela Gerência de Serviço do Teatro Barreto Junior (Sr. Oswaldo Pereira) em parceria com as Gerências Operacionais de Teatro (Célio Pontes) e de Serviço de Teatro (Williams Sant’Anna), o Projeto estabeleceu uma relação com as escolas e entidades sociais do entorno do Teatro Barreto Junior. A partir de junho de 2006, com o fechamento do Teatro para reforma e requalificação técnica, o projeto adquiriu um outro formato – contan-do com o apoio do MTP – Movimento de Teatro Popular, levando os espetáculos às praças, ruas, pátios e quadras de escolas e entidades sociais, aproximando-o mais do universo cotidiano do seu público–alvo e estimulando os desdobramentos pedagógico-culturais de sua realização. É nítida a familiarização que o Projeto estabeleceu entre o público e a linguagem teatral, bem como o estímulo à representação teatral e, con-seqüentemente, à subjetividade dos alunos nas escolas, dinamizando os processos educativos. O Projeto Multicultural de Artes Cênicas-Teatro, desenvolvido pela Gerência de Serviço de Teatro da FCCR, foi iniciado em julho de 2006 e objetiva levar espetáculos às comunidades, cumprindo a descentrali-zação cultural, ampliando a possibilidade do escoamento da produção e estimulando a organização e produção teatral nas comunidades. Além dos espetáculos – que são levados às praças, auditórios, clubes e salões comunitários (com a realização posterior de um debate), escolas e orga-nizações sociais têm levado seus grupos às casas de espetáculos. Essa segunda modalidade do Projeto contribui com a manutenção das tempo-radas (os ingressos são adquiridos diretamente dos grupos e produtores) e aproxima a comunidade dos equipamentos culturais do Recife. O Pro-jeto ainda atende os alunos da rede municipal de ensino e do PETI – Pro-grama de Erradicação do Trabalho Infantil da Prefeitura do Recife - e os grupos de idosos acompanhados pela Secretaria de Assistência Social. Nas Refinarias Multiculturais Sítio Trindade e Nascedouro de Pei-xinhos, um outro projeto - Domingo é Dia de Teatro - tem promovido apresentações de espetáculos, aos domingos à tarde, com acesso gra-

tuito, especialmente voltados ao público infanto-juvenil. O Sítio Trindade é notoriamente um espaço incorporado ao movimento cultural do Recife e legitimado pela presença constante do púbico em todas as realizações. Com a promoção das apresentações aos domingos o público ganha mais uma opção de lazer e entretenimento e estreita a relação e o dialogo com a representação teatral. Na nova Refinaria de Peixinhos, o Projeto vem adqui-rindo uma importância sócio-cultural e pedagógica, aproximando o público do equipamento cultural (a cada domingo a quantidade de espectadores é maior), numa alternativa de qualidade de lazer e entretenimento. Certamente essas ações contribuem para a construção de uma rela-ção diferenciada com o teatro, com reflexos na formação de cidadãos e profissionais de quaisquer áreas.

.22A experiência em ensino de arte da Casa da CriatividadeEmília Patrícia de Freitas

A idéia primeira da Casa da Criatividade começou a tomar forma por volta de 1996, quando foram criados seu símbolo e seu slogan: “Va-mos Construir ESTAi idéia”. O projeto, também intitulado Projeto Sócio-Educativo de Ações Integradas, consistia no desenvolvimento de ações sócio-educacionais alternativas visando ao atendimento e à promoção das necessidades básicas das crianças e adolescentes, marginalizadas e empobrecidas, residentes na comunidade do Coque. Em linhas gerais,

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PROJETO SÓCIO-EDUCATIVO DE AÇÕES INTEGRADAS – CASA DA CRIA-TIVIDADE buscou efetivar seus projetos sociais e educacionais junto às crianças e adolescentes da comunidade do Coque, com ações que interfe-rissem, positiva e qualitativamente, na melhoria das condições de vida do público alvo acima descrito, revertendo-se em incremento de renda e no acesso qualificado ao mundo do trabalho. Mas, antes de apresentar a proposta formativa atual da “Casa da Cria-tividade”, fazem-se necessários alguns esclarecimentos sobre a comuni-dade onde ela atua diretamente, como também sobre a Organização não-governamental ao qual ela está vinculada. A comunidade do Coque é uma favela da periferia urbana da cidade do Recife/PE. O Coque é, na verdade, uma ilha (Ilha de Joana Bezerra) com 133 hectares de área e uma população estimada em 48 mil habitantes. A qualidade de vida no bairro e o atendimento às necessidades básicas de infra-estrutura, saúde, educação, alimentação e emprego são precários. Cerca de 80% da população vive em estado de pobreza crítica, sobrevi-vendo com renda média entre ½ e 01 salário mínimo. Entretanto, um dos principais problemas da comunidade tem sido o aumento significativo da violência, motivada pela expansão do narcotráfico na localidade. Nesse contexto, crianças, adolescentes e jovens têm sido um público crítico, pois vêm sendo sistematicamente cooptados pelos grupos de narcotráfico local. Apesar de sua localização privilegiada, no centro do Recife, a comu-nidade não está integrada à vida da cidade. Há uma espécie de “barreira invisível”, que funciona como bloqueadora dos projetos de crescimento da comunidade. Percebida como uma comunidade violenta, o Coque viu-se enredado num ciclo extremamente perverso: ninguém ajuda, pois a comu-nidade é violenta; a comunidade é violenta, por isso ninguém ajuda. Com uma equipe formada por pedagogos, psicólogos, advogados, mé-dicos, arte/educadores, educadores sociais, educadores holísticos, entre outros, o Núcleo Educacional Irmãos Menores de Francisco de Assis – NEIMFA, em seu modelo formativo que articula educação, arte, formação cultural e profissionalização, é uma das poucas organizações que atua nesse ambiente há quase 22 anos sem sofrer quaisquer interrupções em seus trabalhos. Reconhecido pelas lideranças e pela comunidade, conse-guiu mobilizar ações de proteção social para as crianças e adolescentes, visando à reversão ativa dos problemas enfrentados pela comunidade. O NEIMFA hoje tem entre suas principais finalidades:I. Promoção e a defesa dos direitos das crianças, adolescentes, jovens e adultos em situação de vulnerabilidade, moradores das periferias urbanas da Região Metropolitana do Recife;

II. O desenvolvimento de ações sócio-educacionais, em todos os seus aspectos, áreas e dimensões, através de projetos de desenvolvimento comunitário e sustentável voltados à reversão das causas geradoras de exclusão e miséria;III. A promoção dos direitos humanos, do voluntariado e do associacionismo como dever social, exercício da solidariedade e formação para a cidadania.

Cerca de 10 anos após a construção da proposta inicial, a “Casa da Cria-tividade”, junto com a reforma do estatuto do NEIMFA, sofreu algumas modificações em sua estrutura organizacional. A Instituição passou a distribuir-se em Núcleos de Ação, cada um deles com suas respectivas ações e metas. Concretiza-se, então, o NÚCLEO DE ARTE E CULTURA. Dentre os objetivos a serem concretizados por esse Núcleo estão:

I. Promover o desenvolvimento cultural das crianças, jovens e adultos, através da valorização de seu repertório artístico e estético;II. Planejar, executar e avaliar programas e projetos voltados à produção de bens simbólicos e culturais;III. Desenvolver ações e experiências formativas nas áreas de música, dança, artes visuais, teatro e literatura para crianças, jovens e adultos.

O Núcleo de Arte e Cultura realiza uma série de ações, sendo a mais abrangentes, representativa e sistemática a de planejamento e execução dos programas formativos para o Ensino de Arte: a “Casa da Criativida-de”. A “Casa da Criatividade” busca desenvolver estratégias formativas voltadas ao cultivo da imaginação criadora e a produção de bens sim-bólicos e culturais, representadas na forma das linguagens artísticas e de entretenimento, nas áreas de música, dança, circo, artes visuais e cênicas. A “Casa” é responsável pelas atividades de formação dos arte/educadores da Instituição em ensino de arte, os quais planejam, execu-tam e avaliam as Oficinas de Artes para as crianças, jovens e adultos da comunidade do Coque. Desde que retomou suas ações educativas, já realizou 05 (cinco) grandes cursos de formação para arte/educadores:* O Ensino de Arte no Âmbito das ONGs;* O Desenvolvimento da Expressão Artística da Criança;* Teoria e Prática do Teatro-Educação;* O Processo de Avaliação no Ensino de Arte;* Arte-Educação Pós-Moderna: princípios e processos; * Arte Baseada em Comunidade: uma perspectiva intercultural (em andamento).

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Os cursos são organizados de modo a contemplar temáticas variadas, rele-vantes e contemporâneas da arte e de seu ensino. A proposta formativa dá ênfase a uma orientação pós-moderna da arte/educação voltada à atuação no campo não-formal da educação e ao desenvolvimento de ações voltadas à educação cultural e estética através do ensino de arte como mediação cultural e social. As formações estão distribuídas em módulos (intensivo, continuado e cultural). No módulo intensivo, a temática central é objeto sistemático de estudo e conta com a participação de pedagogos, sociólogos, psicólogos, artistas e demais profissionais que visem à formação integral do ser huma-no. Nos encontros de Formação Continuada, que acontecem mensalmen-te, dá-se continuidade aos estudos e discussões dos Cursos de Formação, além de promover os encontros de planejamento, monitoramento e ava-liação das Oficinas de Arte. Mensalmente, também acontecem os encon-tros de Formação Cultural, em que os arte/educadores realizam visitas aos Museus, Galerias, Teatros, Cinemas, Feiras de Arte e Artesanato e demais locais onde a arte e as manifestações artísticas e culturais acontecem. Es-ses encontros são de fundamental importância, pois ampliam o repertório artístico e cultural dos arte/educadores, bem como promovem a interação e a criação de vínculos de amizade entre os participantes. Outra importante ação da “Casa da Criatividade” são as Oficinas de Arte. Nessas oficinas, são executados projetos de arte nas várias linguagens ar-tísticas: artes visuais, dança, teatro e literatura. Cada oficina atende uma média de 20 beneficiários, numa carga horária média de 30 horas-aula. Vale ressaltar que a qualidade do ensino construído e materializado nas oficinas deve-se ao acompanhamento sistemático das ações pelos coorde-nadores do programa, além da participação efetiva dos arte/educadores nos cursos de formação e nas atividades de Formação Continuada e Cultural. Os participantes que integram as Oficinas de Arte também realizam encontros culturais os mais diversos. Ao término das oficinas, uma Mostra de Arte é or-ganizada. Nessa Mostra, os resultados obtidos, construídos nas oficinas, são levados ao público que compõe a Instituição, bem como aos pais, parentes, amigos dos alunos e para a comunidade. Nós últimos três anos, as ações já beneficiaram, diretamente, mais de 300 crianças e jovens. O NEIMFA, desde o início de sua existência, sempre esteve preocu-pado com a formação integral do ser humano e, de modo mais ou menos objetivo, as linguagens artísticas sempre estiveram presentes em nossas ações, pois tínhamos consciência de como a arte está impregnada em nosso dia-a-dia, além de permitir a experiência estética, ou seja, a capaci-dade de contemplação, de reflexão, de análise, de julgamento, de fugir da

realidade, de conhecer outros mundos, de amenizar a solidão, de compre-ender o ser humano e, por conseqüência, compreender, valorizar, respeitar e amar a si mesmo. Todavia, foi apenas após a sistematização das ações, por volta de 2005, que passamos a ter clareza da demanda e interesse real das pes-soas pelas Oficinas de Arte. Quando se divulga uma oficina de dança, por exemplo, em que são oferecidas 25 vagas, a procura é três vezes maior. Infelizmente, deparamo-nos aqui com um de nossos limites: o financei-ro. Todos os arte/educadores, que são jovens da comunidade entre 18 e 30 anos, atuam como voluntários. Assim, organizam suas vidas entre os aspectos profissionais fora da Instituição e os de atuação voluntária na “Casa”. Os limites financeiros fazem com que nossas ações sejam restritas a um número ínfimo diante da demanda, do desejo da comunidade.A Arte é uma presença importante dentro do NEIMFA, porque está pre-sente, também, fora da instituição. A comunidade do Coque já foi muito reconhecida por suas ações artísticas e culturais. Hoje, sufocados pelo descrédito e pelo inexistente apoio das ações governamentais, a comuni-dade amarga em seus aspectos mais básicos da dignidade humana. As-sim, como proposta de reverter esse quadro de exclusão do conhecimento da arte, que é conhecimento do mundo, as nossas ações de formação/ atuação em arte buscam permitir o acesso dos moradores aos bens artís-ticos e culturais produzidos ao longo da História pelos homens e, ainda, construir formas de resgatar, valorizar e divulgar as atividades estéticas produzidas na comunidade. Por fim, ressalto mais uma vez que, ao longo desses anos de ação/atuação, muitos problemas já foram formas de obstáculos, todavia compre-ender a arte e seu ensino como prática educativa que vem promovendo uma crescente melhora na qualidade de vida dos sujeitos nela inseridos serve como requisito aos nossos arte/educadores para continuar desempenhando, voluntariamente, as ações de Formação em Ensino de Arte da Casa da Criati-vidade. A eles, evidentemente, esse texto é carinhosamente dedicado. Como também aos amigos Everson Melquíades, Selma Santos e Tatiana Araújo, que decidiram não apenas sonhar, mas concretizar uma experiência de va-lorização do que há de mais humano nos seres humanos.

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i A palavra ESTA foi escrita toda em caixa alta, pois representava os níveis de atuação da proposta: Educação, Saúde, Trabalho e Arte.

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.23CIRCO: Ainda é a maior diversãoGilberto Trindade

“Não tenho dúvida, a arte-educação é um dos caminhos, embora ár-duo, para a solidariedade. Essa expectativa tem uma dimensão maior quando tratamos do universo do Circo, pois esta arte tem proporções maiores a partir da sua lona, suas luzes, seus figurinos, seus adereços e suas técnicas”.i

As escolas de circo sociais têm uma rede de articulação coordenada e apoiada pela rede Circo do Mundo, da qual faz parte o Cirque Du Solei, em que se trabalham vários pilares pedagógicos de trocas de experiên-cias e soma-se uma média de 50 delas espalhadas pelo país. Uma das discussões mais ferrenhas nos encontros da rede é a tentativa de des-mitificar a idéia da “salvação” por parte das escolas e ainda pelo senso comum de que todas as crianças e jovens nesses projetos são de rua. O primeiro ponto é o papel da arte em diversas expressões, no caso, o Circo não tem essa função social (salvacionista). Ela nasce da necessidade do homem comunicar-se e expressar-se como agente transformador do co-tidiano, buscando elementos que o ajudem na sua performance, como: objetos para jogar, equilibrar, fazer sumir, brincar com fogo, elemento que por muito tempo foi tão sagrado, domar animais, tirar proveito da sua comicidade ou de seu entorno, manipular o corpo de formas não pensadas; daí, surge à arte circense como chamariz de uma conquista que integra respeito, confiança, troca de experiência, levando as crian-ças e os jovens que participam desses projetos a uma possibilidade de transformação das suas vidas e das pessoas que estão ao seu redor, bem como da comunidade familiar, pois, na maioria dos casos, esses educandos têm pai, mãe e irmãos, ou seja, um núcleo de família, mas preferem a rua pela vida difícil nos seus lares, e a rua apresenta desafios inusitados, por isso o fascínio do circo, que envolve risco.

Existe toda uma metodologia para se aplicar os ensinamentos das técnicas circenses nos projetos sociais, com constantes encontros e ca-pacitações, mas é sabido que não existem fórmulas; é a custo do dia-dia que se vai crescendo e contornando as dificuldades. De encontro a esse raciocínio, temos algumas ONG´S compostas de pessoas que sabem como proceder eticamente, mas usam a idéia “salvadora” para conquis-tar espaço em benefício próprio, principalmente, financeiro, existindo infelizmente muitos apoiadores para esse tipo de conduta. Nas periferias, onde os Circos de bairros têm seu foco, a princípio desorganizados e sem pretensões de fazerem apresentações de alto ní-vel, eles sabem exatamente (por uma rede de comunicação entre os afins) onde vão armar sua casa de espetáculos e que tipo de atrações irá interessar ao público, a sua sobrevivência, que os acompanha pela es-trutura material e do espetáculo, existindo uma forma de entretenimento particular que dialoga em perfeita sintonia com as comunidades das grandes cidades. A quantidade de público ao seu redor, a música a ser tocada, o figurino e os números que apresentarão, gerando uma renda razoável por três semanas (no mínimo), pois, muitas vezes, as mudanças requerem custo e há pouca disponibilidade de terrenos. Nesse quadro, o público comparece em massa por muitos motivos, desde a identificação com o espetáculo até a proximidade da sua residência por economizar passagem, não precisando usar roupas que requeiram uma produção extra cotidiana e podem levar toda a família, inclusive, o cachorro e os colegas do bairro e, por conta do baixo valor do ingresso, irá mais de uma vez àquele circo. Na outra margem do show circense, temos as grandes companhias que exploram uma clientela específica, geralmente instalam seu espetá-culo em grandes shoppings e teatros onde têm a disposição uma infra-estrutura como: estacionamentos, segurança, conforto, aliados a um for-te poder de marketing, liderado pela televisão. A principal característica desses espetáculos são as produções que aliam a tradição a uma forte inclusão de tecnologia para causar efeitos na apresentação, repercutindo diretamente no público, cativando-o, pois este tem uma enorme opção de lazer pelo seu alto poder aquisitivo. A tradição circense familiar, na qual gerações vão se perpetuando no fazer arte, está se perdendo. Principalmente, nesse começo de sé-culo, é inegável a contribuição das trupes contemporâneas vindas do teatro e dança, como também das escolas, não importa que sejam elas de técnicas ou sociais, contribuem e contribuirão para uma quantidade e qualidade à arte circense, e elas não negam a tradição, colocando-a

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numa perspectiva vanguardista não só como espetáculo, mas também no sentido da platéia que dará esse caráter, pois ela é mutante pela itine-rância da vida circense e pelo sentido temporal das gerações que a ela assistiram e irão desfrutar do “maior espetáculo da terra.”

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i Trecho do artigo escrito pelo mesmo autor para Escola Pernambucana de Circo no encontro da rede Circo do Mundo no Recife, em 2007 “O futuro: Circo do Mundo para o Mundo”.

.24Arqueologias do presenteBruna Rafaella

Na esteira de um mundo ambientalmente correto e preocupado com sua herança, surgiu um campo de atuação novo para os arqueólogos: a avaliação e o salvamento do patrimônio arqueológico ameaçado por grandes empreendimentos. (Arqueologia de contrato)i

Arqueologia do presente é o termo dado a toda produção plástica que possui em seu cerne o ato de extrair dos vestígios do meio urbano, sejam eles materiais e/ou humanos, base simbólica e criativa na elaboração de um conceito estético. Para realizar seu trabalho, o arqueólogo do presen-te lança mão de diversos procedimentos. Em campo, procura identificar e registrar com câmera fotográfica, filmadora, desenho, gravura, entre outros, aspectos que lhe mostram peculiares na cidade. Nesses sítios, o

artista/arqueólogo documenta estruturas e coleta objetos que pertencem ao cotidiano da sociedade em que está inserido demonstrando, primei-ramente, um repertório de escolhas formais. Em seguida, inicia a fase de estudos e trabalhos plásticos em atelier (laboratório), onde parte para segunda etapa do processo criativo na elaboração da obra plástica, edi-tando todo o material registrado. O que deve se manter ou ser descartado nesse meio infinito de possi-bilidades? Que tipo de ação pode tornar um objeto isento de sua função original (lixo), em peça para contemplação, entretenimento e fruição? Para o arqueólogo do presente, todo material humano merece ser pre-servado e pode ser eternizado em forma artística. As discussões sobre preservação de memória crescem, à medida que cresce a consciência dos homens em relação ao tempo atual. A cidade tem passado por um processo de transformação tão rápido e rígido, regido pela ditadura da segurança e do progresso econômico, que, ao nos darmos conta, senti-mo-nos indefesos e ao mesmo tempo imbuídos de uma obrigação social de transformação desse contexto opressor. Por vezes, outra força que nos faz mover é o fetiche de possuir um objeto raro, a vontade de colecionar, de manter uma parte desse contexto prestes a sucumbir. Indo do gosto comum ao modismo, passando pela produção plástica de diversos artistas que trabalham com extrativismo urbano, percebemos ainda muito forte a herança do processo criativo gerado pelos experimentos dos surrealistas, dadaístas, com seu maior expoente no artista Marcel Du-champ. A diferença e contribuição que a nova geração vem a acrescentar na história da arte estão justamente na motivação dessas ações. Enquanto esses movimentos denunciavam e protestavam contra uma civilização que não conseguia evitar a guerra, a produção visual atual na qual detenho

minha reflexão busca o belo no meio de um turbilhão de elementos produzidos de forma desenfreada por uma sociedade de consumo que não pára de acu-mular informações. E dessa infinidade de objetos e informações sempre tenho a des-confortável sensação de obter o mínimo.“P

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Sob essas reflexões elaborei o trabalho “Gravação”. Trata-se de uma ação performática que gera uma série de gravuras, monotipias, que possuem como matriz grades de ferro ornamentais de edificações em desuso nas cidades, encontradas, geralmente, em depósitos de fer-ro velho. Nessa performance, foi usada tinta na cor branca sobre os portões e impressas as grades sobre as roupas que uso durante a ação. O resultado plástico são os registros da performance em fotografias e vídeos e monotipia com imagens das grades espalhadas sobre vestidos de forma aleatória.

Essa pesquisa plás-tica começou em 2005, de forma bas-tante experimental, em que por meio de um processo quími-co muito simples a ferrugem da matriz era passada para o tecido. Outro des-dobramento dessa

pesquisa se dá na impressão de grades realizada em prédios da cidade. Nessa situação, os trabalhos recebem título de acordo com o local onde foram feitos. Por exemplo “Antiga Escola de Belas Artes, 2006” (atual edifício do Liceu de Artes e Ofício). Dessa forma, tomo o trabalho como uma espécie de catalogação, processo corriqueiro da arqueologia cientí-fica, gravando não apenas imagens ornamentais, mas também um dado local, contextualizado numa época específica. Como muitas dessas configurações de grades de ferro não são mais industrializadas, venho através dessa pesquisa reivindicar a existência desse material, mesmo que de forma efêmera, tal qual no caso das gra-vuras realizadas com ferrugem. Em outro plano de leitura, o trabalho pode nos parecer um documento dos costumes e da memória recifense, em que o ferro na construção de portões, janelas, óculos, pontes, sacadas etc. sempre esteve lado a lado do processo de urbaniza-ção como elemento que presta igual valor à idéia de segurança e ornamentação. Em todos os níveis sociais, em diversas gerações, ve-

mos portões de ferro pela cidade, somando beleza e cor, dos remendos de casas populares da periferia às edificações pomposas do governo. Nesse processo, mantenho-me no limiar que retira das memórias (pessoais e coletivas) as itinerâncias que compõe o diálogo entre a obra, o tempo, a ação, o sujeito e, nesse desenrolar de sentidos, uma especu-lação acerca de uma arte pública abre mão para noções que norteiam muito mais um processo de busca pessoal. O arqueólogo do presente, como tantas outras pessoas livres desse tipo de rotulação, passa por um processo de iniciação quando percebe uma ligação “mágica” entre a cidade (como organismo vivo), sua relação com esta e sua identidade. Nessa busca o sujeito percebe que vive dentro de si sua fonte de inspi-ração e seu próprio inimigo, e fora dele o tempo.

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i Disponível em: ITAÚ CULTURAL. http://www.itaucultural.org.br/arqueologia/pt/oq_ar-queologia/contrato00.htm. Acessado em 05/04/2008.

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“Gravação” – 2008 – Foto: Lílian Soares

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.25[Relatos de experiência]

Arte&Cidadania: Diálogos infanto-juvenis nos projetos formativos do Recife

Meninos do Campus da UFPE – um projeto de inclusão socialRosa Vasconcellos

O Projeto Meninos do Campus da UFPE nasceu, em abril de 1999, da constatação de um quadro problemático, no caso, a questão social da infância e adolescência abandonada ou, na melhor das situações, trabalhadora. Detectamos que em torno dos edifícios do Campus da UFPE reu-nia-se um grande número de jovens e crianças carentes, às vezes se dedicando ao trabalho (lavando carros, vendendo cocadas etc), outras vezes, vagando, pedindo esmolas, ou mesmo praticando, ou aprendendo a praticar pequenos delitos, enfim, tentando viver. Existindo no Centro de Artes e Comunicação da UFPE um Cur-so de Licenciatura em Educação Artística objetivando a formação de educadores, sentimo-nos na obrigação de nos posicionarmos diante desse quadro. Foi dessa maneira que o projeto surgiu, foi se constituindo, tomando vida, a partir da idéia apresentada pelo aluno da Disciplina Prática de Ensino em Artes Plástica 1, Manuel Romário Saldanha. Cadastramos essas crianças, totalizando 83 (oitenta e três) en-tre crianças e jovens.

Desses cadastros surgiram informações a respeito dessas crian-ças e adolescentes que vivem nas ruas, não porque são vadios ou porque são menores abandonados, tampouco por serem filhos de pais irresponsáveis, mas por procederem de famílias vitimadas pela exagerada disparidade social. Nesse sentido, é fundamental refletir sobre o perfil das famílias e sobre qualquer questão relacionada à problemática da infância e adolescência. Essas famílias são chefiadas pela mulher, visto que seu cônjuge é inconstante ou ausente. Coabitam juntos com filhos, netos, sobri-nhos. Tem uma história de vida sofrida, sem perspectivas, buscando soluções práticas e de preferência já prontas e imediatas, visando suprir necessidades mais urgentes, como alimentação, habitação, saúde, educação, afeto. No que diz respeito à escolaridade, só uma pequena porcenta-gem dos chefes de família já freqüentou a escola, não chegando a concluir o ensino fundamental. Estão desempregados e, na ausên-cia da escolaridade, resta-lhes o mercado informal, realizando ativi-dades como vender picolé, pipocas, catar papelão, biscates, tomar conta de carro. Essas atividades geram pequenas rendas que, so-madas ao trabalho, à mendicância (ou pequenos furtos dos filhos), à ajuda de vizinhos e familiares, fazem com que sobrevivam. São comuns situações em que, para a criança ou o adolescente serem aceitos em casa, têm por obrigação trazer dinheiro. Em síntese, e de forma genérica, foi nesse cenário que se situ-avam as crianças e os adolescentes com os quais desenvolvemos o Projeto Meninos do Campus da UFPE. Do cadastro dessas crianças e jovens, passamos à confecção de um esquema de atividades lúdicas, educativas e, porque não, profissionalizantes, com vistas a “atrair” tanto a nossa clientela, quanto obter sua adesão à nossa proposta. Procuramos pensar o projeto a partir dos conceitos centrais de história e identidade individuais e culturais como forma de resga-tarmos coletivamente o processo de uma socialização fragmentada pelo cotidiano e pelas políticas sócio-econômicas vigentes. Na construção da proposta, recorremos a 5 (cinco) pontos bá-sicos, a saber: a utilização do conceito de cultura numa visão frei-riana; a história da arte, como história da cultura na qual o gru-po se insere sem desprezar o estudo e o conhecimento da cultura universal; a sintaxe dos elementos visuais e plásticos; a leitura de imagens e o fazer artístico resgatando a sua expressão gráfica indi-

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vidual; vinculando-os a uma dimensão utilitária e profissionalizante. Ainda fazendo parte da dimensão metodológica trabalhamos conceitos e ações ligadas à cidadania, valores, atitudes, partindo sempre de determinados conteúdos. Naturalmente, esses conceitos foram adequados à capacidade de apreensão do grupo e foram cons-truídos, também, a partir de suas experiências e vida cotidiana. Fazendo-nos conviver com crianças e jovens, descobrir, com eles e para eles, os caminhos de uma ação educacional que, par-tindo do estágio em que eles se encontravam, pudéssemos acrescer novos desafios, procurando criar um ambiente afetivo e físico, a cada dia, no qual eles fossem assumindo um novo espaço como um lugar possível de mobilizá-los para um novo relacionamento consigo mesmo, com o outro e com o mundo. O comportamento agressivo, desconfiado, que inicialmente eles apresentaram, rompia todo o esquema organizado para recebê-los nos ateliês preparados para acontecerem as oficinas de arte. Durante as oficinas, crianças e jovens se agrediam mutuamen-te, gritavam umas com as outras, trocavam grosseiras e o desespero tomou conta de nós. Nos encontros destinados à reflexão, sentíamos no grupo o sus-to, o medo de todos. O que fazer? Como fazer? Vivíamos o impacto entre tudo aquilo que imaginávamos ser necessidade e a realidade em si – vida gritante – dentro de cada participante do projeto. Foi esse o momento de confronto de dois mundos. Ao invés de ensinar as crianças e jovens, partimos para aprender com eles. Nas oficinas, o desperdício de material era grande, mas, por ou-tro lado, adquirimos mais confiança, ficamos mais perto deles, da identidade, da cultura, de seus sonhos e, assim, construímos uma relação verdadeiramente humana, e tudo começou a se modificar as partir do RE-APRENDER, do RE-CONHECIMENTO da realidade. Todo esse processo permitiu o crescimento de todo o grupo: coordenador, estagiário e alunos. Como atendemos a uma comunidade carente, ou socialmente excluída, estamos tentando implementar um modelo pedagógico al-ternativo ou complementar à escola pública, voltado para um ensino baseado em valores e atitudes, cidadania e criação de um profissio-nal minimamente qualificado para atuar no mercado informal. Através do conceito de auto-sustentação e qualidade de vida, buscamos criar junto aos alunos atividades e mentalidades cotidia-

nas que os habitem para uma nova prática política e profissional; a arte foi nesse momento a grande sacada que encontramos na tentativa de introduzir o aluno como agente social na luta por uma cidadania plena. O ensino da arte seriamente trabalhada surgiu como um campo fecundo na redução de quadros sociais problemáticos. A sociedade, a cada dia, reduz aos jovens sua participação no mercado de trabalho, retardando, assim, a esses excluídos criar novas formas de participação e cidadania. A importância da Arte Educação, quando encarada como ele-mento de revitalização social através de suas práticas e produtos culturais, é muito grande e ainda pouco explorada. Com uma visão mais crítica da sociedade, com uma maior co-nexão com as necessidades e problemas da comunidade, poderia, assim, ser o novo horizonte de uma nova escola que precisa nascer imediatamente tendo a arte como eixo condutor do processo. A arte, em sua função de criar uma cidadania estética, o que implica a erradicação do analfabetismo estético, resulta, pois, de toda uma visão de mundo, que é ao mesmo tempo filosófica, políti-ca, econômica, social e cultural. Dentro dessa perspectiva, acreditamos ter contribuído para a construção de um novo modelo político pedagógico. A atividade é sempre enriquecida com temas e módulos, que são trabalhados a partir de discussões e interesses expressados pelos alunos, em que são provocados debates relacionados com o entorno coletivo dos alunos na construção de sua identidade e no resgate de sua cidadania. A discussão da problemática social foi contextualizada com a leitura de imagens; os conteúdos da arte foram introduzidos e vi-venciados buscando expressividade individual dos jovens. Como resultado do nosso trabalho, observamos maior participa-ção e envolvimento nas atividades propostas, crescimento do reper-tório gráfico-plástico, enriquecimento da expressão individual e so-cial, melhoria da auto-estima, melhor relacionamento grupal e um produto cultural de qualidade, os cartões, produto confeccionado pelas crianças e jovens nas Oficinas de Papel Reciclado e Gravura Alternativa. Ao final de nossas reflexões, não apresentamos conclusão, mas, tendo em vista que estamos inseridos num processo, apresentamos algumas considerações que julgamos relevantes.

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A viabilidade da proposta metodológica constata-se pelo fato de que as crianças e os jovens não são obrigados a participarem, mas não faltavam às oficinas e exigiam atividades, uma vez que conquistavam um olhar diferente, crítico, renovado e poético, e nossa proposta pedagógica foi se estruturando no sentido de de-senvolver um novo projeto de vida, estimulando sonhos e cons-truindo cidadania. Observando o percurso, a construção desse caminho, em rela-ção às oficinas de arte, foi muito árdua, mas, ao mesmo tempo, repleta de muitas descobertas, desafios, emoções, aprendizagens e, conseqüentemente, mudanças em todo o grupo envolvido no pro-jeto: coordenador, estagiários, jovens e crianças. Dessa forma, sempre partimos do RE-APRENDENDO – RE-CO-NHECENDO, olhando cada vez mais esses sujeitos que aprendem a cada instante e nos ensinam a aprender. O Projeto Meninos do Campus teve uma função múltipla. Pri-meiramente, em laboratório de experimentação de ensino-apren-dizagem em arte, do qual se beneficiaram os alunos da Prática de Ensino em Artes Plásticas do Curso de Licenciatura em Educação Artística. Durante 7 (sete) anos de existência do Projeto, cerca de 78 alunos de Licenciatura em Artes Plásticas fizeram seu estágio cur-ricular, sem contar com a participação de outras licenciaturas. Todos esses alunos se beneficiaram da experiência pedagógica que o Projeto ofereceu. Em igual importância, o Projeto funcionou como Extensão Universitária, beneficiando e dando oportunidade a uma parcela da camada da população – privada de recursos e oportunidades – a desenvolver suas potencialidades artísticas. Mas, para transformar em ação, é preciso que haja livros, ma-teriais, espaço e equipamento, porque profissionalizar não é só qualificar o professor, mas também possibilitar que ele seja in-serido numa condição de desenvolvimento em que essa formação continuada reverta-se, em longo prazo, numa carreira. Não se for-ma só para ensinar melhor, mas também para que se possa viver melhor, como cidadão, como indivíduo e como profissional. E essa formação precisa ser reconhecida num plano de carreira, garan-tindo, junto com a formação, melhoria salarial e de condições de trabalho. Assim caminhou o Projeto Meninos do Campus da UFPE, resga-tando sonhos, construindo cidadania numa aventura criadora.

.26[Relatos de experiência]

Arte&Cidadania: O Movimento Pró-Criança e o Caleidoscópio possívelAna Patrícia SantosViviane da Fonte Neves(participação especial de Camila Nogueira)

O Movimento Pró-criança existe desde 27 de julho de 1993. Este ano será marcante para todos que fizeram e fazem parte dessa instituição: ela completará 15 anos. O MPC, como é conhecido, iniciou suas ativi-dades com cursos profissionalizantes ligados aos jovens, atuando direta-mente na comunidade. Nessa época, não se imaginava ser a Arte o foco principal do seu trabalho. O espaço físico foi cedido pela Arquidiocese de Olinda e Recife, uma parte de um antigo prédio localizado no bairro dos Coelhos, onde funcio-na a sua sede até hoje. Alguns profissionais sensibilizaram-se com a quantidade de criança que circulavam pela comunidade e decidiram iniciar atividades sócio-educativas envolvendo oficinas de arte. Segundo Viviane: “no início a proposta metodológica estava em construção, e cada educador tinha sua proposta, porém o objetivo era único: transformar as crianças através da arte”. Os educadores trabalhavam vários conteúdos de artes, realizando atividades externas com visitas aos museus e espaços culturais da cida-de. Muitos educandos não saiam da comunidade e, a partir das aulas, tiveram essa oportunidade. O principal tema abordado era a valorização do patrimônio histórico e cultural da cidade. No final de cada oficina, havia uma seleção de desenhos que eram

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impressos em camisetas para serem vendidas em quiosques situados em shoppings da cidade. O objetivo era a divulgação do trabalho, a sen-sibilização e a aquisição de novos parceiros. Além disso, valorizava e estimulava o processo de criação das crianças, que se sentiam realizadas ao verem as suas produções. Em 1999, o MPC recebeu um Projeto chamado “Faço Arte com Quem Sabe”. As propostas eram inovadoras e contribuíram de forma intensa no processo de criação e fazer artístico. As turmas receberam artistas plásticos, que trouxeram novas técnicas e vivências relativas às suas próprias experiências. Em 2002, surgiu outro Projeto, que foi selecionado a partir de um concurso proposto pelo Instituto Ayrton Senna, chamado “A Terra do Co-ração Branco”. A sua principal contribuição foi o fortalecimento da pro-posta metodológica a partir de uma formação continuada ligada ao pro-grama de Educação para o desenvolvimento humano através da Arte. Hoje, o MPC tem a Arte como foco principal em suas atividades e vem construindo, junto aos profissionais de diversas áreas, uma proposta interdisciplinar, trabalhando a pedagogia de Projetos e o multiculturalis-mo; visando à transformação e ao desenvolvimento dos potenciais dos educandos através das oportunidades educativas oferecidas e dos com-ponentes formativos: artes visuais, capoeira, ritmos e movimentos, teatro e leiturização. A comunidade ainda é o tema principal das aulas, os arte-educadores, psicólogas e assistentes sociais fazem um trabalho conjunto ligado às famílias, às escolas e, principalmente, à comunidade. Anualmente, acontece o Festival Agosto das Artes, que tem como principal objetivo realizar apresentações artísticas de cada componente formativo e divulgar o trabalho para a sociedade. O último, que ocorreu no ano passado (2007), foi considerado um dos melhores - Caleidoscó-pio, a brincadeira do impossível. O Teatro Santa Isabel transformou-se num grande caleidoscópio, em que cada criança fazia parte de um fragmento. Cenário, figurinos, dan-ças, músicas, textos, tudo construído por todas as linguagens, cada uma abordando a sua maneira, sem perder a idéia de união e demonstrando a todos o valor da arte em sua vida.

.27O impacto do ensino de arte nas ONGSLívia Marques Carvalho

Não resta dúvida que nas últimas décadas o número de Organizações Não-Governamentais – ONGs - vem se expandindo de maneira extraordi-nária no Brasil. Esta expansão é causada, sobretudo, pelo fato de o Esta-do não ter tido a capacidade de atender a enorme carência de prestação de serviços sociais à população, especialmente porque as desigualdades sociais se tornaram mais agudas a partir da década de 1980. As desi-gualdades sociais constituem por si sós um grave problema por ensejar a desintegração e a vulnerabilidade social, além de privar uma parcela expressiva de nossa população dos direitos mais elementares do ser hu-mano como a saúde, habitação, segurança e lazer. O entendimento de que não se pode contar unicamente com o Esta-do e o mercado para superar o aumento das demandas sociais fez surgir uma força nova – a participação da sociedade civil organizada, princi-palmente as ONGs. Estas instituições são autogovernadas, não têm fins lucrativos e se estruturam fora do aparato formal do Estado buscando favorecer, de maneira mais eficaz, as demandas sociais insatisfeitas e, ao mesmo tempo, provocar mudanças sociais. Pelo notável crescimento e pela influência que exercem na área social, estas instituições torna-ram-se um setor específico de atividades humanas, identificado como Terceiro Setor por não se enquadrarem nem como atividade de mercado nem como estatal. As atividades das ONGs não devem ser consideradas uma maneira de substituir ou aliviar tarefas que são da responsabilidade dos governos, mas uma tentativa de buscar alternativas mais eficazes para melhorar as condições de determinados grupos sociais. Meu interesse por este setor teve início em 1989, quando passei a desenvolver um trabalho de Extensão Universitária na Casa Pequeno

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Davi, uma ONG de João Pessoa, cujo objetivo é contribuir para a promo-ção dos direitos de crianças e adolescentes em situação de risco social por meio de ações de educação integral. Inicialmente, implantei uma oficina de artes visuais que era também um campo de treinamento para alunos extencionistas do curso de Educação Artística. Atualmente, além de ensinar, presto assessoria e faço parte da diretoria. O trabalho nesta área motivou-me a pesquisar sobre o tema. Ao apro-fundar meus conhecimentos sobre ONGs, dois fatores chamaram-me a atenção. O primeiro foi ter noção a extensão do número de ONGs no Brasil. Há registros oficiais de 250 mil ONGs, empregando mais de 2 milhões de pessoas. O segundo foi perceber que o ensino de arte é o principal componente das ações educativas das ONGs dessa natureza. O reconhecimento da importância que as atividades artísticas alcan-çam nos projetos políticos pedagógicos das ONGs e a escassez de estu-dos sobre o tema, estimularam-me a tomar esse assunto como objeto de minha tese de doutorado. Foram pesquisadas três ONGs: Casa Pequeno Davi de João Pessoa, Daruê Malungo de Recife e a Casa Renascer de Natal. Todas têm como público-alvo crianças e adolescentes em situação de pobreza. A pesquisa confirmou que o ensino de arte nas ONGs é o eixo prin-cipal em torno do qual se desenvolvem todas as ações educativas e que as atividades artísticas provocam, de fato, mudanças significativas nas vidas dos meninos e meninas atendidos pelas instituições. Os benefícios mais citados na pesquisa foram: fortalecimento da au-to-estima positiva; expansão da capacidade cognitiva; desenvolvimento de habilidades e competências em determinadas modalidades artísticas, favorecimento de atitudes positivas, possibilidade de inserção no merca-do de trabalho e a contribuição para efetivar os direitos que as crianças e adolescentes devem ter. O benefício enfatizado foi o fortalecimento da auto-estima.

Como e por que as transformações pessoais e sociais ocorremNo espaço das ONGs a educação é caracterizada pela maneira diferen-ciada de trabalhar. Não há intenção de substituir a escola, mas de agir paralelamente a esta, estendendo suas ações educativas a dimensões que vão além das oferecidas nos sistemas escolares. Na educação for-mal, os conhecimentos transmitidos são sistematizados e organizados em uma determinada seqüência, muitas vezes distantes da realidade dos alunos; nas ONGs, os conteúdos são adaptados às demandas es-pecíficas de cada grupo. A transmissão do conhecimento acontece de

maneira não obrigatória e não há mecanismo de reprovação no caso da não aprendizagem. O compromisso principal do ensino nas ONGs é com as questões consideradas importantes para determinados grupos. Por exemplo, a Daruê Malungo, que atende a uma comunidade de maioria negra, elegeu trabalhar com dança e música afro-brasileiras para trans-mitir uma herança e construir significados. Por sua vez, a Casa Renascer, que trabalha com meninas que entraram na prostituição infanto-juvenil ou estão em risco de seguir essa direção, enfatiza o ensino do teatro porque possibilita levar a público as temáticas discutidas nas oficinas através de apresentações de peças teatrais, contribuindo para ampliar as discussões e reflexões sobre o assunto. Nas ONGs, as aulas de arte são em formato de oficina, com car-ga horária entre 4 e 6 horas semanais. Comumente, dispõem de salas apropriadas para cada modalidade de arte ensinada e o número de edu-candos em cada oficina é menor em comparação à escola formal. Um dos fatores que chama atenção no ensino nas ONGs é a existência de um grande empenho para que as atividades sejam ensinadas de manei-ra envolvente, prazerosa, de maneira que os educandos se mantenham atraídos e interessados. Ensinar em ONGs é uma atividade relativamente recente e apresenta um elevado grau de complexidade e desafios. O público-alvo tem ne-cessidades desmedidas e, por isso mesmo, demanda um trabalho peda-gógico cuidadoso voltado para a reconstrução pessoal e social, fazendo recair sobre os educadores uma série de exigências. Para que o trabalho seja eficaz e dê bons resultados, os educadores devem possuir caracte-rísticas específicas que vão além das qualidades técnico-profissionais. Necessitam ter habilidade na relação com o outro, empatia real com o público-alvo, potencial de afetividade equilibrado que gere respeito e ao mesmo tempo confiança, capacidade de agir com autoridade, mas sem autoritarismo, espírito democrático, mas sem permissividade. É in-dispensável que seja flexível e tenha a disposição contínua de analisar criticamente o processo educativo. Cobram-se, igualmente, um elevado grau de domínio técnico específico das linguagens artísticas. As crian-ças não querem brincar de ouvir música, querem tocar, compor, formar bandas. Não querem se entreter com jogos teatrais, querem representar, construir cenários, dançar, pintar, esculpir, querem dominar bem as téc-nicas, querem produzir com qualidade e é exatamente essa produção com qualidade que as leva a se sentirem capazes. Há ainda o fato de que alguns dos educandos vislumbram a possibilidade de virem a se ocupar profissionalmente dessas atividades. Portanto, os educadores devem do-

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minar bem os elementos que constituem seu campo de ensino. À medida que os educandos passam a dominar técnicas que lhes permitam manejar bem os elementos construtivos de cada arte, a expressar suas idéias com competência, tornam-se mais confiantes. A repetição sistemática de situações nas quais sejam bem sucedidos faz com que modifiquem a maneira de se autoperceberem. A auto-estima é um aspecto bastante valorizado nas ONGs porque, de um modo geral, o público-alvo incorpora valores negativos e alimenta sobre si mesmo sentimento de desvalia. É a auto-confiança que vai estimular a buscar e a desejar superar as barreiras que impedem sua inclusão social. Gostaria de ressaltar, ainda, que o processo da construção da auto-estima é afetado por fatores externos e internos. Experiências sistemáticas de sucesso, aquelas que não são fruto do acaso, mas que foram confirmadas pelo desenvolvimento de certas habilidades, tendem a elevar a noção de autoconceito e auto-estima da pessoa. Portanto, a auto-estima não se constrói apenas proporcionando opor-tunidade para os educandos se expressarem. Outro aspecto importante neste âmbito são as modalidades de arte ensinadas. Enquanto nas escolas institucionais as artes visuais são as mais presentes nas salas de aula, nas ONGs, as mais ensi-nadas são as que podem ser realizadas coletivamente, como teatro, música, dança. Há uma tendência de se utilizar as modalidades ar-tísticas que favoreçam a montagem de apresentações que possam ser levadas a público. A opção das ONGs por essas modalidades dá-se, entre outros moti-vos, pela elevada importância pedagógica que representam os trabalhos realizados coletivamente, pois um dos pressupostos básicos da educação não-formal é o de que a aprendizagem se dá por intermédio da práti-ca social. Assim sendo, a educação não-formal tem sempre um caráter coletivo. A proposta pedagógica da maioria das ONGs é baseada nos princípios filosóficos de Paulo Freire que se apóiam no diálogo, na aná-lise da prática, na construção do conhecimento a partir da realidade cultural dos educandos e os trabalhos realizados em grupo favorecem a aplicação desses pressupostos. Afora esses aspectos, as apresentações públicas são uma maneira de as ONGs “prestarem conta” aos familiares, à comunidade ou aos financiadores dos trabalhos desenvolvidos. Para os educandos, realizarem algo digno de ser levado a público e aplaudido faz com que se sintam mais seguros e aprovados. O reconhecimento social concorre para a auto-afirmação positiva.

No que tange as metodologias empregadas, há uma tendência a lan-çar mão da abordagem reconstrutivista. De acordo com essa perspectiva, pretende-se, por meio dos conhecimentos em arte, desenvolver os níveis de consciência crítica dos educandos favorecendo a integração individu-al e a transformação social. Entretanto, de uma maneira geral, o ensino de arte em ONGs não se fundamenta exclusivamente numa categoria de pressupostos, antes, muitas vezes é empregada uma relação de comple-mentaridade entre as abordagens que podem, conforme a situação, ex-pandir os limites de determinadas vertentes de ensino. Portanto, não se observa nas ONGs um enfoque dominante, embora a Proposta Triangular tenha sido a mais mencionada. É importante reconhecer que o conjunto de ações das ONGs, in-clusive com o atendimento de psicólogos e assistentes sociais, com a distribuição de refeições diárias e a exigência de que os meninos este-jam matriculados numa escola regular, contribui para que a população atendida permaneça por mais tempo na escola. Deve-se levar em conta, ainda, que as atividades artísticas contribuem para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e comportamentais, atributos que também fa-vorecem ao aproveitamento escolar. A conquista de um nível de escola-rização mais elevado representa uma possibilidade real para uma vida melhor, pois, historicamente, no Brasil a educação tem sido um meio de mobilidade social.

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Referências BibliográficasBAMFORD, Anne. The wow fator: global research compendium on the impact of the arts in education. Berlin: Waxmann Münster, 2006.CARVALHO, Lívia Marques. O ensino de arte em ONGs: tecendo a reconstrução pessoal e social. 2005. 143 f Tese (Doutorado em Artes) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. COELHO, Simone C. T. Terceiro Setor: um estudo comparado entre Estados Unidos e Brasil. São Paulo: SENAC, 2002.GOHN, Maria da Gloria. Os sem terras, ONGs e cidadadnia: a sociedade brasileira na era da globalização. São Paulo: Cortez, 1997.GRACIANI, Maria Stela. Pedagogia social de rua: análise e sistematização de uma experiência vivida. São Paulo: Cortez, 1997.VON SIMSON, Olga; PARK, Margareth; FERNANDES, Renata (Org). Educação formal: cenário da criação. Campinas: Editora da UNICAMP. Centro de Memória, 2001.

O doutorado foi realizado na Escola de Comunicações e Arte da Universidade de São Paulo, sob a orientação da professora Ana Mae Barbosa e concluído em 2005.

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.28Conexões entre educação e arte: Paulo Freire, Francisco Brennand, Noemia Varela e Ana Mae BarbosaFernando Antônio Gonçalves de Azevedo

Leitura da obra de arte é questionamento, é busca, é descoberta, é o despertar da capacidade crítica (...). A educação cultural que se pretende com a proposta triangular é uma educação crítica do conhe-cimento construído pelo próprio aluno, com a mediação do próprio professor, acerca do mundo visual e não uma “educação bancária”.(Ana Mae Barbosa, 1998)

Em uma visita ao Museu Francisco Brennand (localizado no bairro da Vár-zea, na cidade do Recife), mais precisamente ao espaço que ele chama de Accademia, deparei-me com seis aquarelas que o artista pernambucano fez a pedido do educador Paulo Freire, também pernambucano. A intenção de Paulo Freire era trabalhar com essas aquarelas, com obras de arte, portan-to, em seus encontros com trabalhadores rurais nos Círculos de Cultura. Quando Regina Batista (museóloga do Museu Francisco Brennand) me con-vidou para participar do seminário em homenagem aos 80 anos do artista, apresentando uma leitura interpretativa de uma de suas obras, escolhi o conjunto que ele fez para Paulo Freire. Logo me lembrei de um texto de Ana Mae Barbosa intitulado Paulo Freire e a Arte/Educação, escrito para o livro organizado por Moacir Gadotti e colaboradores (1996). Antes de ressaltar fragmentos do texto, quero contar um pouco da história de como esse livro veio parar em minhas mãos. Ao visi-tar Ana Mae em seu apartamento (1998, São Paulo), ela me pediu para que eu levasse um exemplar da referida obra de presente para Noemia Varela. Noemia Varela leu o livro por alguns anos, anotou muitas coisas sobre

os textos e autores com os quais havia convivido e depois me deu de pre-sente. Por isso, sinto-me na obrigação de dizer que minha curiosidade sobre a História da Arte/Educação não é apenas política e intelectual. É, de um modo muito especial, fruto que cresceu buscando rigor teórico entrelaçado com paixão, pois tenho o privilégio de conviver com a grande mestra Noemia de Araújo Varela em nossas lutas pela manutenção da Escolinha de Arte do Recife. Segundo a própria Noemia Varela, sua teoria e prática foram influen-ciadas, de certa maneira, por Paulo Freire, enquanto que suas vivências arteducativas certamente influenciaram – dialogicamente – o pensamento freireano. Afirma Ana Mae que ambos foram decisivos para sua formação de arte/educadora, considerando-os seus pais intelectuais. Na realidade o que é significativo na relação desses três educadores diz respeito à concepção de educação como forma de libertação, o que fez surgir no Brasil, por sua vez, a concepção de Arte/Educação crítica, que tem sua matriz na tríade: Paulo Freire, Noemia Varela e Ana Mae Barbosa. A própria Ana Mae destaca no texto Paulo Freire e a Arte/Edu-cação (1996, p. 637),

Poucos sabem que Paulo Freire esteve ligado à Arte/Educação desde os inícios de sua ação educacional. Foi presidente da Escolinha de Arte do Recife nos anos 50, e sua mulher Elza Freire pode ser considerada uma das pioneiras da integração da Arte na Escola Pública, dando ênfase às produtivas implicações do fazer artístico com a alfabetização.(...)Durante o exílio, Paulo Freire e Dona Elza mantiveram um estreito contato com a Escolinha de Arte de São Paulo ,que de 1968 a 1971 desenvolveu pesquisas orientadas de longe por Paulo Freire e de perto pelos livros que nos enviava de Geneve. Talvez por ser esta ligação com a Arte/Educação pouco conhecida é que tenha sido possível introduzi-lo à Universidade de São Paulo através dos trabalhos nesta área.

No 17° CONFAEB (Congresso Nacional da Federação de Arte Educadores do Brasil), em Ouro Preto, Minas Gerais, em sua palestra de abertura, Ana Mae trouxe um vídeo histórico, datado de 1980, revelando cenas da famosa Semana de Arte e Ensino na Universidade de São Paulo – organi-zada por ela e alguns poucos colaboradores. Esse fato tornou-se um marco na História da Arte/Educação brasileira, por reunir em pleno declínio da ditadura militar um número enorme de arte/educadores querendo discutir sua formação e políticas para a Arte e seu ensino. Uma das cenas significativas e emocionantes desse vídeo aparece

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em primeiro plano à conferência de Paulo Freire e, em uma segunda tomada, Noemia Varela na platéia, de pé, aplaudindo. Noemia Varela foi um dos grandes nomes convidados para o evento. Contextualizada a relação entre Paulo Freire, Noemia Varela e Ana Mae, voltamos ao início do texto trazendo para a cena Francisco Brennand – outro personagem histórico importante para a textura da presente pesquisa. Con-

vém acrescentar que Francisco Brennand foi um dos criadores da Escolinha de Arte do Reci-fe, juntamente com outros ar-tistas e intelectuais tais como: Hermilo Borba Filho, Aloísio Magalhães, sob a liderança de Augusto Rodrigues e Noemia Varela em 1953, e é, até hoje, um grande colaborador e incen-tivador. Carlos Rodrigues Brandão

(2005) é um dos autores que falam das aquarelas, que Paulo Freire pediu para Francisco Brennand, afirmando que elas ilustravam as discussões dos conceitos estudados nos círculos de cultura. Porem, muito mais que simples ilustração, esses trabalhos artísticos refletem a compreensão ampla de leitura de mundo proposta por Paulo Freire. Nesse sentido, Analice Dutra Pillar diz (2003, p.14)

Paulo Freire (...) considera que aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras, mas numa dinâmica que vincula linguagem e realidade.

Partindo dos princípios libertários da Arte/Educação crítica, pode-se inter-pretar a atitude de Paulo Freire ao levar a obra de um artista com formação européia para aqueles que sofriam da sonegação do conhecimento, como ato que se reveste de uma significação em que o estético e o artístico se articulam ao político. Para Henry Giroux (1997), Paulo Freire combina a “linguagem da crítica” com a “linguagem da possibilidade”. Ainda segundo Giroux (1996, p. 569):

Em primeiro lugar, Pedagogia do Oprimido reescreve a narrativa da edu-cação como um projeto político que, ao mesmo tempo, rompe as múltiplas formas de dominação e amplia os princípios e práticas da dignidade hu-

mana, liberdade e justiça social. Em segundo lugar, Pedagogia do Opri-mido retraça o trabalho de ensinar como prática de todos os trabalhado-res culturais engajados na construção e na organização do conhecimento, desejos, valores e práticas sociais.

Tais afirmações de Giroux, com base na obra Pedagogia do Oprimido, reafir-mam a proposta de Paulo Freire de levar Arte de boa qualidade para aqueles que provavelmente nunca teriam acesso se não fosse por um processo de educação instaurado contra a opressão. Ensinar para Paulo Freire é, portan-to, tarefa de sujeitos responsáveis, engajados na luta contra todas as formas de opressão, sem perder de vista as dimensões estética e artística. Sobre as obras e o encontro com Paulo Freire, Francisco Brennand, em 2000, numa entrevista para o Jornal do Commercio explica (JC on line, 2000):

Eu fui apresentado a Paulo Freire por Ariano Suassuna. Então, Freire me pediu para fazer algumas dezenas de desenhos para ilustrar seu método de alfabetização. As peças foram apreendidas e eu consegui resgatar seis, mas o próprio educador me disse que as outras estavam microfilmadas. Há pelo menos um registro delas.

Com o confisco dos originais de Francisco Brennand, Paulo Freire soli-citou ao artista Vicente de Abreu que elaborasse releituras, repetindo a temática para ilustrar o livro Educação como Prática de Liberdade. Mes-mo assim, a perseguição política às chamadas práticas subversivas era acirrada e impediu a expansão do Movimento de Cultura Popular e os Círculos de Cultura. Brandão contextualiza bem a política da época, afirmando (1981, p. 19):

Não houve tempo para passar das primeiras experiências para os trabalhos de amplo fôlego com a alfabetização de adultos. Em feverei-ro de 1964, o governo do Estado da Guanabara apreendeu na gráfica milhares de exemplares da cartilha do Movimento de Educação de Base: Viver é lutar. Logo nos primeiros dias de abril, a Campanha Nacional de Alfabetização, idealizada, sob a direção de Paulo Freire, pelo governo deposto, foi denunciada publicamente como “perigo-samente subversiva”. Em tempo de baioneta a cartilha que se cale. Aqueles foram anos – cada vez piores, até 1968 – em que por toda a parte educadores eram presos e trabalhos de educação, condenados.

Esse trabalho de pesquisa, ainda em uma versão preliminar, traz a tona uma

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interface importante da História da Arte/Educação brasileira e, para concluir este texto, apresento um fragmento do pensamento de Paulo Freire (terceiro capítulo de Pedagogia do Oprimido) dialogando com uma possibilidade de in-terpretação de uma das imagens de Francisco Brennand (2005, p. 90/91). Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho que é práxis, é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. Precisamente por isso, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição com o qual rouba a palavra aos demais. O diálogo, esse encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando portando na relação eu-tu. A história do gato e do rato, ou uma metáfora da ralação opressor/oprimido, velha história conhecida por todos os que respeitam e valorizam a liberdade. Francisco Brennand, nessa cena, coloca com sensibilidade e inteligência um sedutor gato branco, que podemos interpretar como a ideologia dominante, sorrateiramente atrás de dois ratos pardos que tentam escapar. Um detalhe interessante da imagem deve-se à sugestão de uma planta que nasce de dois vasos emoldurando a cena. A planta está carregada de frutos como símbolo das possibilidades de transformação da sociedade autoritária, fragmentada, que até hoje enfrentamos. O artista, com base nas lições do educador, recria a situação de injustiça que deve urgentemente ser interpretada para a criação de possibilidades de enfrentamento humanizador. É também a concretização do diálogo entre o educador e o artista de maneira crítica, inventiva. É Arte/Educação em seu sentido crítico.

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Referências BibliográficasBARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Paulo Freire, educar para transformar: fotobiografia. São Paulo: Mercado Cultural, 2005.FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 7ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977._____. Pedagogia do Oprimido. 41 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. GADOTTI, Moacir (org.). Paulo Freire: uma bibliografia. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire; Brasília, DF: UNESCO, 1996. GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.PILLAR, Analice Dutra (org.). A educação do olhar no ensino das artes. Porto Alegre: Mediação, 1999.

i A Escolinha de Arte de São Paulo foi criada por Ana Mae Barbosa, Madalena Freire (primeira filha de Paulo Freire) e Joana Lopes, em 1968.

.29Diálogos: tecendo conhecimentos, convivendo com as diferençasMaria das Vitórias Negreiros do Amaral

Os diálogos de que trato aqui iniciaram no curso de Licenciatura em Pe-dagogia, da Unidade Acadêmica de Garanhuns (UAG), da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), nas aulas de Arte na Prática Pedagógica (2006), nas quais a Arte Contemporânea causa o maior es-tranhamento para os estudantes do curso. Estranhamento também pro-vocado por artistas e seus trabalhos nos espectadores contemporâneos. Ainda hoje, em pleno século 21, muitos espectadores se comportam diante de trabalhos de arte contemporânea como, em 1918, Monteiro Lobato agiu diante da ousadia de Anita Malfatti, escrevendo horrores sobre a artista em um jornal da época. Tarsila do Amaral, artista que hoje tem suas pinturas consideradas tão comuns, conhecidas e reproduzidas em livros didáticos, também foi criticada por artistas reconhecidos e pela sociedade paulista, na década de 20. Esse estranhamento torna-se recorrente a cada época. O artista Waltércio Caldas questionou: Isto é Arte? Arte é isto?, frase tecida posteriormente nos cabelos de Jeanine To-ledo, em 2003. Frase revisitada por tantos outros artistas e que povoa as cabeças de muitas pessoas que não compreendem a arte de sua época. Não é fácil mesmo compreender o momento em que se vive. O Porco Empalhado (1967), de Nelson Leirner, impactou a socieda-de brasileira e ainda hoje é motivo de discussão, como relatou o próprio artista na Revista Época (edição 56, 14/06/1999), quando foi convidado para a bienal de Veneza:

“É engraçado o que arte provoca. Isso me lembra o que aconteceu com o Porco Empalhado, nos anos 60. Estou recebendo telefonemas. Nem viram o trabalho e estão reclamando. Críticos que estão mais ligados às galerias, ao geométrico, estão se defendendo. Artistas

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ligados ao expressionismo me ligaram para dizer que acharam óti-mo. Entre os dois lados, começa a surgir a polêmica. Aí eu saio fora. Eles se atracam. Eu sou apenas o estopim”. (http://epoca.globo.com/edic/19990614/index.htm).

No evento Ciclos de Cultura (14 e 15 de maio de 2008), realizado pela Unidade Acadêmica de Garanhuns-UFRPE, Rodrigo Braga, artista per-nambucano, provocou incômodo entre estudantes e professores, quando apresentou seus trabalhos de arte contemporânea. O artista se desnudou diante do público presente. Ele se dispôs a discutir, ouvir sugestões e críticas. Pela ausência dos questionamentos e, ao mesmo tempo, pela reação de espanto do público presente, podemos constatar a necessida-de de discutirmos arte, visitarmos exposições: dialogarmos. Não poderia ser diferente o estranhamento dos estudantes em re-lação à arte contemporânea, quando identificamos, na disciplina Arte na Prática Pedagógica, a falta de conhecimento do conteúdo da arte, não só a contemporânea. E ao conhecer artistas que, em seus traba-lhos, instigam reflexões sobre as transmutações genéticas, a busca pela eternidade, o ser humano e sua superioridade em relação à natureza, a relação entre homem e animal, o ser humano manipulador da natureza, devastando a natureza, industrializando as flores, dando-lhes vida eter-na, temas vivenciados no nosso cotidiano, os estudantes se assustam. Criador e criatura tornando-se um só. É quando o corpo do artista passa a ser experimentação como objeto de arte. Imagens que não apresentam uma estética esperada pelos estudantes para serem “apreciadas”. A partir disso, podemos admitir que o diálogo entre arte e público é de extrema necessidade e a universidade tem esse papel formador tam-bém no conhecimento de arte. A universidade não pode ser considerada apenas como um espaço do domínio de conhecimento, ou apreensão de conteúdos, mas responsável por uma ampliação de visão de mundo, de transformação do olhar, adquirindo um olhar distinto para com o outro, respeitando-o em suas diferenças, não basta apenas tolerar, mas aceitar o outro, como diz Maturana. Parafraseando Edgar Morin, a universidade é uma instituição que conserva, memoriza, integra e ritualiza uma herança cultural de sabe-res, idéias e valores, que acaba por ter um efeito regenerador, porque a universidade se incumbe de reexaminá-la, atualizá-la e transmiti-la. A universidade é conservadora, regeneradora e geradora. Analisando o termo conservação, podemos identificar o caráter vital e o caráter estéril do termo. A conservação é vital quando significa sal-

vaguarda e preservação do passado. A conservação é estéril quando é dogmática, fixa e rígida. A nossa formação educacional nos ensinou, até o momento, a separar os objetos de seu contexto e as disciplinas umas das outras. Essa separa-ção e essa fragmentação das disciplinas são incapazes de captar “o que está tecido em conjunto”, isto é, o complexo, segundo o termo original. A tradição do pensamento que forma o espírito das escolas elemen-tares ordena que se reduza o complexo ao simples, quer dizer, que se separe o que é múltiplo, que se elimine tudo aquilo que traz desordens ou contradições para o nosso entendimento. A lógica, a que obedece a esse pensamento da separação, estende sobre a sociedade e as relações humanas as restrições e os mecanismos inumanos da máquina artificial com sua visão determinista, mecanicista, quantitativa e formalista que, ao mesmo tempo, ignora, oculta ou dissolve tudo o que é subjetivo, afe-tivo, livre e criador. O conhecimento deve mobilizar não apenas uma cultura diversifi-cada, mas também a atitude geral do espírito humano para propor e remover problemas, com a finalidade de oferecer aos alunos um espaço que lhes permita articular, religar, reunir os conhecimentos adquiridos. A arte contemporânea pode muito bem fazer esse papel de articu-ladora na educação, já que trata do cotidiano atual, apesar de não ser de fácil compreensão ou aceitação, pois é como se nós olhássemos num espelho, procurando entender o que está por trás, a simbologia, as me-táforas, as imagens vividas pelo próprio público. Sobre essas mudanças de concepção estética, Celso Favaretto, em vídeo produzido pela TV Cultura, trata a idéia de Arte Contemporânea de forma lúdica e conceitual, brinca: “Muita obra de arte moderna, é um belo horror!”. Porque a questão a ser discutida não é a estética clássica, mas o religare entre o artista, o público e a arte. E como podemos tornar essa arte mais próxima do público? Com diá-logos. Eventos como “Diálogos entre Arte e Público”, realizado pela Fun-dação de Cultura da Prefeitura Cidade do Recife, que conserva e propaga o conhecimento da arte e da arte/educação, que André Aquino, coorde-nador e idealizador do evento, vem conseguindo reunir profissionais de várias regiões do Brasil para discutir sobre essa temática, por três anos consecutivos. Mas esses diálogos devem acontecer, principalmente, nas instituições educacionais, através da arte/educação, caminho para a de-mocratização do conhecimento da arte. O ensino da arte integrado aos currículos é um importante caminho para estimular a consciência cultural do sujeito, começando pelo reco-

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nhecimento da cultura local. Ana Mae Barbosa diz que, enquanto os países industrializados falam sobre leitura e ecologia culturais, os pa-íses do terceiro mundo ainda falam da busca pela identidade cultural. A arte na educação como expressão pessoal e como cultura é um im-portante instrumento para a identificação cultural e uma transformação da visão de mundo. A arte é indispensável à vida das pessoas desde os primórdios da humanidade. Na Universidade de Barcelona, o professor Fernando Hernándes propôs uma reforma do pensamento na Faculdade de Educação, no curso de Licenciatura em Belas Artes, através da ênfase na identidade do docente, desenvolvendo uma atividade constante de reflexão crítica como base de re-significação do próprio processo de formação e como procedimento de avaliação das atividades realizadas pelos estudantes. O professor, nesse curso, é co-responsável pelos futuros docentes. A luta por uma democratização do conhecimento de arte é anti-ga. Desde a década de 80, a professora Ana Mae Barbosa discute a necessidade de termos instituições e professores conscientes de suas funções de formadores de uma sociedade conhecedora e consumidora de arte. A leitura da obra de arte é imprescindível, pois é através dela que iniciamos uma educação do olhar e conseguimos transformar a nossa noção de visão de mundo. Ana Mae Barbosa, parafraseando Paulo Freire, seu mestre, repete: para lutar contra a dominação, devemos nos apropriar dos códigos do dominador, os códigos do poder. Por isso, para democratizar a educa-ção, é necessário que as instituições educacionais dêem a todos, prin-cipalmente às classes pobres, acesso ao código do poder, aos códigos da arte. Acredito que o diálogo permanente entre a arte, a arte/educação e o público educacional enriquece o professor e o aluno, facilitando a aprendizagem em outros campos de conhecimento. E a Unidade Aca-dêmica de Garanhuns vem realizando esse papel, ao inserir 180 horas/aula de arte/educação no curso de Licenciatura em Pedagogia, o que ainda é pouco para uma população tão carente desse conhecimento. Mas o diálogo já se iniciou na instituição, e esta, com a sociedade local e nacional. Esses diálogos continuam quando alunos do curso de Li-cenciatura de Pedagogia pesquisam sobre arte/educação e levam seus trabalhos para congressos, encontros e eventos como Diálogos entre Arte e Público, primeiro espaço em que puderam expor suas pesquisas e onde esse diálogo começou.

Referências bibliográficasBARBOSA, Ana Mae. Artes Plásticas no Nordeste in Estudos Avançados 11 (29). 1997(2), Pp 241-254.________. Arte no Brasil: várias minorias. Tradução de Cyana Leahy, in Voices of Color: art and society in the Americas by, Phoebe M. Farris-Dufrene, 1997(3).MATURANA, Humberto.MORIN, Edgar. Complexidade e Transdisciplinaridade: reforma da universidade e do ensino fundamental. Tradição de Edgard de Assis Carvalho. Natal: Editora da UFRN, 1999. 58p.

Websites: www.rodrigobraga.com.br http://epoca.globo.com/edic/19990614/index.htm

.30O começo como endereçamento,notas provisórias e indébitasCayo Honorato I. Para começar, parece-me oportuno falar do começo e, então, desdo-brá-lo. E o começo se pareceria com o branco, o vazio, mas não o da tabula rasa, grau zero da experiência, que devesse ser preenchido – por-que já se começa do meio, do meio de uma vida, na encruzilhada com a vida de outros. (Jean Lancri). Em um poema, tornou-se desnecessário escrever, quando passou pela página ainda em branco, como uma for-miga, “o frêmito e o mistério da vida”. (Mario Quintana)II. O começo é o espaço deslizante entre o desejo e a realização, a

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vontade e o ato. Haveria porém duas versões: 1. começo-entusiasmo: o espanto, a admiração, o incontornável, o intolerável, a inconciliação com o presente, o adensamento do agora, a corporeidade para o instante crí-tico, o momento oportuno, a decisão de lançar-se adiante, o movimento dedicatório de cada um se libertando de si mesmo, o exercício de um quase anonimato – porque o limitador é não ser contemporâneo de si próprio, é padecer da desproporção entre sentimento e acontecimen-to, dessa neurose paralisante e cotidiana, é ser instrumento da fantasia alheia ou do próprio egoísmo. “Tudo começou para ele, quando tudo parecia ter acabado, com um acontecimento do qual ele não podia se li-bertar, (...) porque esse acontecimento não lhe diz respeito”. (Blanchot). 2. começo-cansaço: o inacabado, o interminável, a impermanência, o desgaste de todo começo – porque tudo parece estar por ser feito ou já ter sido feito e giramos em falso, tudo parece envelhecer antes de se realizar, inclusive o desejo, e ninguém sabe como será o futuro ou se lembra do passado. Padecemos de “(...) um sentimento de que a pedra que arrastamos não descansará jamais no alto da montanha. (...) parece que estamos condenados a um eterno presente curiosamente intransiti-vo, voltado para si mesmo, descolado do que veio antes e do que deveria vir depois”. (Nuno Ramos)

III. O começo não é a origem, esse momento privilegiado a partir do qual se estaria seguro no verdadeiro. O começo não é absoluto, puro ou solene. É contingente, trivial e mesquinho. (Nietzsche apud Foucault). Por isso, o começo da fala é posição e não verdade. “O professor não oferece uma verdade da qual bastaria apropriar-se, mas oferece uma tensão, uma vontade, um desejo. (...) O professor domina a arte de uma atividade que não dá nada”. (Jorge Larrosa). O começo é cumplicidade com a dúvida, é a recusa em se satisfazer com conclusões. É a sóbria manutenção diante do abismo de intranqüilidade. (Heidegger)

IV. Daí a discussão, essa confusão de falas diversas, que serviria à enunciação de problemas, mas não à criação de conceitos. “É por isso que o filósofo tem pouco prazer em discutir. (...) As discussões, o míni-mo que se pode dizer é que elas não fariam avançar o trabalho, já que os interlocutores nunca falam da mesma coisa”. (Deleuze & Guattari). Por outro lado, o começo é onde se ouve falar e se aprende a falar. “A relação mestre-discípulo é a própria relação da palavra, quando nela o incomensurável se faz medida e a irrelação, relação”. (Blanchot). É onde se introduz, através do revezamento por outros, uma distância

crítica em relação a si, da qual cada um poderia tratar a si mesmo como outro. (Lancri)

V. O começo é “esquecimento”, é a suspensão dos esquemas com os quais se está acostumado a saber do que lhe seria próprio, sobretudo se esses esquemas são concebidos em termos de verdade, identidade ou competências. “Acreditava entrar no porto, mas... fui jogado novamente em pleno mar”. (Leibniz apud Deleuze & Guattari). Por isso, recomeço.

VI. Como então coordenar interesses diversos? Como circunstanciar es-ses interesses sem violentá-los? Como promover esses interesses em uma situação? Como compartilhar finalidades que se constituiriam na própria experiência? Quais seriam os parâmetros da reciprocidade entre os participantes num projeto? O começo é compromisso e distância em relação a um projeto comum. Inevitavelmente, em algum momento, as intenções ou as demandas, como expressão de uma compatibilidade ob-jetiva, devem instrumentalizar as ações de um projeto. O compromisso, como um pólo de identificação a ser desgastado, não deve contradizer o movimento interessado de cada um. Pois, o desgaste desse pólo, como norma, seria justamente o motivo da relação. Não se trata de satisfazer interesses prévios, nem de recusá-los ou castrá-los, mas de inventar algo “interessante” e além.

VII. O começo não é prefácio ou prolegômeno, porque não explica nada. É a habilitação do poder de qualquer um (ignorante, indigente, louco) – porque é preciso minar a hierarquia social entre quem sabe e quem não sabe, a distância embrutecedora, cuja reprodução impossibilita a experiência educacional. (Jacques Rancière). É onde todo mundo ensina todo mundo, e ninguém ensina ninguém. Uma distinção deve ser feita: distribui-se o saber, compartilha-se a ignorância.

VIII. O começo é o acontecimento transitivo que não se pode assegurar e para o que não cabe preparação. É prontidão e exorbitância. O começo é a experiência, a condição para se haver com o intratável da finitude, para tocar a morte e inventar a vida, desde a nossa inconsistência ou he-sitação constitutivas. Dificilmente abandona o lugar quem está próximo do começo. (Hölderlin apud Heidegger)

IX. Fica o que finda, o que nem começou.

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Referências bibliográficas explícitas ou submersasBLANCHOT, Maurice. A conversa infinita: a palavra plural; tradução de Aurélio Guerra Neto. São Paulo: Escuta, 2001.DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O que é um conceito? In: ___. O que é a filo-sofia? tradução de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, p. 25-48.FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas; tradução de Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais, supervisão final de Léa Porto de Abreu No-vaes. Rio de Janeiro: NAU, 2005.HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte; tradução de Maria da Conceição Costa. Lisboa: Edições 70, s.d..QUINTANA, Mario. Prosa & verso – 6ª ed. – São Paulo: Globo, 1989.LANCRI, Jean. Colóquio sobre a metodologia da pesquisa em artes plásticas na uni-versidade. In: BRITES, Blanca & TESSLER, Elida (orgs.). O meio como ponto zero: metodologia da pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2002, p. 15-34. (Coleção Visualidades, 4)LARROSA, Jorge. Linguagem e educação depois de Babel; tradução de Cynthia Farina. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.RANCIÈRE, Jaques. Le maître ignorant: cinq leçons sur l’emancipation intellectuelle. Pa-ris: 10/18, 2004.RAMOS, Nuno. Ensaio geral: projetos, roteiros, ensaios, memória. São Paulo: Globo, 2007.

PERFIL DOS COLABORADORES

Ana Mae [email protected]É professora titular aposentada da USP e professora da Universidade Anhembi Morumbi. Tem pós-doutorado pela Columbia University, dou-torado em Humanistic Education pela Boston University, mestrado em Art Education pela Southen Connecticut State College e graduação em Direito pela UFPE. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Arte/Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação em Museus, Artes Visuais, História do ensino da Arte, ensino do design, administração de Arte e multiculturalidade.

Ana Patrícia [email protected]É arte/educadora, tendo trabalhado na ONG “Ar de Sandro” na UR1 e no Instituto das filhas das servas da caridade Irmã Alexandrina nos Coelhos. Há nove anos atua como arte/educadora no Movimento Pró-Criança.

Ademir [email protected]É doutor em História Econômica pela London School of Economics And Political Science, na Universidade de Londres, mestre em História Social (USP), graduado em História e Educação Física (PUC/Campinas-SP). É professor aposentado da Unicamp (tendo trabalhado no Departamen-to de História IFCH e Faculdade de Educação Física), foi Professor da Universidade Metodista de Piracicaba (PPGE de Educação). Tem experi-ência na área administrativa, tendo sido Coordenador de Pós Graduação e Diretor de Faculdade na Unicamp. Atualmente é professor convidado da Universidade Federal de Pernambuco. Possui pesquisa com ênfase em História da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação física, esporte, ensino superior, educação e lazer.

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Alexandre Dias Ramos [email protected] É editor e curador independente, formado em Artes Plásticas pela ECA, com especialização em Arte-Educação pelo NACE e em Museologia pelo MAC-SP, mestre em Sociologia da Cultura pela FE, todos na Universida-de de São Paulo. É autor do livro Mídia e Arte: aberturas contemporâneas (Porto Alegre, Editora Zouk, 2006).

Ana Carolina Campos [email protected] É Arte/Educadora, especializanda em Arte/educação na Unicap/PE, li-cenciada em Educação Artística /Artes Plásticas pela UFPE. Foi me-diadora cultural no Instituto Ricardo Brennand, na Fundação Joaquim Nabuco e no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães. Atualmente é professora de ensino fundamental I do Colégio Mater Christ, produtora e assistente do Programa Educadores Produtores de Conhecimento - Mó-dulo Artes – Etapa Recife, das escolas parceiras do Projeto Escola Brasil. Possui como ênfase de pesquisa Arte/Educação, Mediação, Fenomeno-logia e Hermenêutica

Anderson Pinheiro [email protected] É Arte/Educador, especializando em Arte/educação na Unicap/PE, licen-ciado em Educação Artística/Artes Plásticas pela UFPE. Foi mediador cultural no Instituto Ricardo Brennand, na Fundação Joaquim Nabuco e no 46o. Salão Pernambucano de Artes Plásticas, onde atuou tanto com o atendimento do público (escolar e espontâneo) como pesquisador de materiais lúdicos de mediação e de formações de professores, além de oficinas com crianças. Atualmente é professor de ensino médio do Colégio Equipe e propositor do projeto de formação de professores “De Mala&Cuia: o museu na sala de aula” que já aconteceu no CFAV, no IRB e atualmente está na Escolinha de Arte do Recife. Possui como ênfase de pesquisa Arte/Educação, Materiais lúdicos, Historiografia da Arte e Arte&mídia.

Bruna Rafaella [email protected] É Artista plástica, licenciada em Educação Artística/Artes Plásticas pela UFPE. Foi mediadora cultural no Instituto Cultural Bandepe, no Museu do estado de Pernambuco e no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães. Trabalhou com restauração e conservação de objetos de arte no LABORAR-

TE, Fundação Joaquim Nabuco. Atualmente faz parte de três coletivos de arte, BRANCO DO OLHO, A FIRMA DA IRMÃ DE IRMA e HD128, com os quais desenvolve projetos de exposições e ensino de artes, como o atual projeto “Quero ser desenho animado”, oficina multimídia que acontece no CFAV. Possui como ênfase de pesquisa plástica, livro de artista, desenho, gravura e performance. Parte de seu trabalho pode ser visto nos ateliês Branco do Olho e HD128 e no acervo da galeria comercial Dumaresq.

Cayo Honorato [email protected]É artista e educador; doutorando em Educação pela USP, com pesquisa financiada pela Fapesp sobre a formação do artista. Mestre em Educação pela FE/UFG, especialista em Arte Contemporânea e bacharel em Artes Visuais pela FAV/UFG. Foi consultor para elaboração do projeto Pedagó-gico do curso de Artes Visuais do Centro Universitário Senac/SP.

Carolina Ruoso É uma profissional que atua no campo da interdisciplinaridade. Técnica em Turismo pela Escola Técnica Federal do Ceará, graduada em História pela Universidade Federal do Ceará atua com o mundo das artes, dos eventos e das histórias. Atualmente está trabalhando como professora de artes e coordenadora de eventos dos Colégios Canarinho e Sapiens (ensino fundamental I e II). Também está desenvolvendo sua pesquisa sobre O Museu Histórico e Antropológico do Ceará (1971 a 1990) no Programa de Pós Graduação em História da UFPE – Mestrado.

Cristiane Soares [email protected] É Pedagoga e Mestra em Educação pela UFPE. Atua como Gerente do 1º e 2º Ciclos de Aprendizagem da Diretoria Geral de Ensino e Formação Do-cente da Secretaria de Educação Esporte e Lazer da Prefeitura do Recife.

Eduardo Duarte Gomes da Silva É doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Per-nambuco e possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente é professor adjunto da Universida-de Federal de Pernambuco. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Epistemologia, atuando principalmente nos seguintes temas: cinema, comunicação, imaginário e fotografia.

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Emília Patrícia [email protected]É especialista em História do Ensino das Artes e Religiões pela Univer-sidade Federal Rural de Pernambuco (2003) e formada em Licenciatura em Educação Artística/ Habilitação em Artes Plásticas pela Universidade Federal de Pernambuco (2001). É professora da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental pelo município de Jaboatão dos Guararapes desde 1995. Realiza formação e presta assessorias no Ensino de Arte em Instituições privadas e públicas da Educação formal e não-formal. Atua em ações educativas e sociais em Organizações não-governamentais desde 1986. Atualmente, responsável pelas Oficinas de Arte desenvolvidas na Casa da Criatividade/ NEIMFA.

Fernando Antônio Gonçalves de Azevedo É arte/educador da Secretaria de Educação de Pernambuco e da Univer-sidade Federal de Pernambuco – UFPE.

Gilberto Trindade [email protected] É sociólogo, Pós-graduando em História da Arte, um dos criadores do Circo da Trindade e Pesquisador.

Gisélia Sátiro [email protected] É Arte/Educadora, graduada em Educação Artística/Artes Cênicas pela UFPE. Atua como professora de Teatro nas redes pública e privada de ensino na Educação Infantil e Ensino Fundamental e é membro do Nú-cleo de Arte da Gerência de 1º e 2º Ciclos de Aprendizagem da Diretoria de Ensino e Formação Docente da Secretaria de Educação Esporte e Lazer da Prefeitura do Recife.

Heloísa Maibrada [email protected] É professora do Departamento de Música da UFPE. É doutora em Artes Musicais (DMA – Piano) pela University of Maryland, nos Estados Uni-dos, tendo também feito estudos de pós-graduação no Royal Northern College of Music, na Inglaterra, e de formação em Psicologia na Uni-versidade Católica de Pernambuco. Além das atividades de ensino e de performance, coordena o projeto de pesquisa-ação MUSISER, iniciado em fevereiro deste ano.

Jaísa Farias [email protected] É Arte/Educadora, graduada em Educação Artística/Artes Cênicas pela UFPE. Atua como professora de Arte nas redes pública e privada de ensino no Ensino Fundamental, Médio e Técnico e é membro do Núcleo de Arte da Gerência de 1º e 2º Ciclos de Aprendizagem da Diretoria de Ensino e Formação Docente da Secretaria de Educação Esporte e Lazer da Prefeitura do Recife.

Lívia Marques Carvalho [email protected] Possui graduação em Educação Artistica pela Universidade Federal da Paraíba, especialização em Cultura Afro Brasileira pela Universidade Federal da Paraíba, mestrado em Ciência da Informação pela Univer-sidade Federal da Paraíba e doutorado em Artes pela Universidade de São Paulo. Atualmente é Professora Adjunto I da Universidade Federal da Paraíba, Coordenadora da Pinacoteca da UFPB. Foi Coordenadora do Núcleo de Arte Contemporânea da UFPB de 1999 a 2001. Assessora das Oficinas de Artes da Organização Não-Governamental Casa Pequeno Davi, atividade de extensão universitária, desde 1989.. Atuando prin-cipalmente nos seguintes temas: arte-educação, Praticas Educativas, Projetos Sócio Educativos.

Lucia Gouvêa Pimentel [email protected] É arte/educadora e artista visual. Licenciada e Bacharel em Belas Artes pela EBA/UFMG, Mestre em Educação pela FAE/UFMG e doutora em Artes/Arte-Educação pela ECA/USP. Sua atuação inclui atividades nas áreas de ensino de arte e tecnologias contemporâneas, gravura, ensino de arte nos níveis básico e superior, formação de professores de arte, currículo de arte, metodologias de avaliação em arte e projetos cultu-rais. É Secretária Geral do Conselho Latinoamericano de Educação pela Arte, representante da América do Sul no Conselho Mundial da InSEA e membro do Comitê de Especialistas do Programa Arte/Educação, Cultura e Cidadania da Organização dos Estados Iberoamericanos (OEI). É pro-fessora dos cursos de Graduação (Bacharelado e Licenciatura) de Artes Visuais e de Pós-Graduação (Especialização, Mestrado e Doutorado) de Artes da EBA/UFMG. É membro do Comitê de Internacionalização da UFMG, coordenadora do Grupo de Pesquisa Ensino de Arte e Tecnologias Contemporâneas – CNPq e da Coleção Arte&Ensino da Editora C/ARTE.

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Maria Auxiliadora Almeida É Arte/Educadora, especialista em Novos Enfoques do Desenho da Pré-escola ao 3º Grau pela UFPE e graduada em Licenciatura em Desenho e Artes Plásticas pela UFPE. Atua como professora de Arte na Rede Muni-cipal de Ensino do Recife no Ensino Fundamental, é membro do Núcleo de Arte da Gerência de 1º e 2º Ciclos de Aprendizagem da Diretoria Geral de Ensino e Formação Docente da Secretaria de Educação Esporte e La-zer da Prefeitura do Recife e membro da Equipe de Ensino da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco.

Maria das Vitórias Negreiros do Amaral [email protected] É professora Adjunta da UFRPE/UAG. Doutora em Arte/Educação pela USP. Mestra em Antropologia pela UFPE. Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Arte/Educação, Cultura e Imaginário (CNPq). Integrante da Comissão do Núcleo de Pesquisa sobre o Imaginário e do Ciclo de Estudos sobre o Imaginário. Associada da FAEB (Federação de Arte/Educadores do Brasil). Associada do NAEA (National Art Education Association). Membro do Conselho Editoral da Revista da UFG. Possui como ênfase de pesquisa: arte/educação, cultura, educação, arte e an-tropologia do imaginário.

Maria Helena Wagner Rossi [email protected] Cursou Licenciatura em Educação Artística, mestrado e doutorado em Educação na UFRGS. É membro do GEARTE (Grupo de Pesquisa em Educação em Arte), ligado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS. Durante vinte anos foi professora de Educação Artística da rede estadual de ensino do RS. Desde o início da década de oitenta é professora e pesquisadora na Universidade de Caxias do Sul (UCS), onde leciona nos cursos de Artes e de Pedagogia. Tem publicado artigos em revistas e capítulos de livros sobre “leitura de imagens” e “compreensão estética visual”. É autora do livro Imagens que falam: leitura da arte na escola, publicado pela Editora Mediação (3ª edição: 2006).

Maria Regina Batista e Silva [email protected] É Museóloga, Graduada pela UFRJ, com Pós-Graduação em Administra-ção Cultural pela Universidade Nacional de Brasília UNB/OEA e Mestre em Antropologia pela UFPE. Dirigiu o Museu Museu do Homem do Nordeste

(1982/86) da Fundação Joaquim Nabuco, Recife-PE, ocupou a Vice-Pre-sidência do Conselho Federal de Museologia-RJ (1996/98) e Diretora de Museus da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - FUNDARPE da Secretaria de Cultura do Governo de PE (1999/2001. É diretora presidente da Consultoria Especial em Projetos Museológicos Ltda, onde desenvolve projetos de coordenação e implantação do museus como o do Instituto Ricardo Brennand, Recife-PE (2001/03, o Inventario e Catalo-gação Museológica do acervo do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães da Prefeitura da Cidade do Recife, Fundação VITAE (2002/03), do Memo-rial Frei Damião para a Prefeitura de Guarabira, Paraíba (2003-2004). Em (2005-2006), prestou serviços de consultoria à Fundação Joaquim Nabuco, no Projeto de Revitalização da Exposição de longa duração do Museu do Homem do Nordeste. É do Conselho Consultivo do Fórum dos Museu de Pernambuco e membro do Conselho Internacional de Museus (ICOM – Co-mitê Brasil). É diretora Administrativa da Associação dos Amigos da Arte Cerâmica do pintor Francisco Brennand.

Neila Pontes [email protected] É licenciada em Educação Artística/Habilitação em Artes Plásticas (UFPE – 2006), desde 2000 atua como mediadora em instituições culturais como Salão Pernambucano de Artes Plásticas (46ª.Edição), Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ (2003-2004) e Museu de Arte Moderna Aluísio Maga-lhães - MAMAM (2005-2006), realizando mediações com o público em exposições diversas, pesquisas sobre o acervo e exposições temporárias, pa-lestras e formações de formadores. Em 2006 atuou como coordenadora do Projeto Primeiro Olhar – Ação Educativa em Arte Contemporânea da FUN-DAJ e como coordenadora do setor educativo do Museu Murillo La Grecca da Prefeitura da Cidade de Recife. Atualmente é aluna da Pós-graduação/Especialização em Arte-Educação na Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP.

Nicole Cosh [email protected] Licenciada em Desenho e Plástica (UFPE – 2006), desde 2000 atua como mediadora em instituições culturais como Salão Pernambucano de Artes Plásticas (44ª., 45ª. e 46ª. Edições), Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ (2004-2005) e Instituto Ricardo Brennand – IRB (2002-2008), realizando mediações com públicos e exposições diversos, pesquisas sobre o acervo, palestras e formações com professores e oficinas. Também produz eventos

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e exposições, como Estética da Periferia – Diálogos Urgentes (2007 – onde também atuou como pesquisadora do núcleo de artes visuais); atualmente é produtora da Livrinho de Papel Finíssimo Editora. Em 2006 atuou como coordenadora do Projeto Primeiro Olhar – Ação Educativa em Arte Con-temporânea da FUNDAJ. Em 2007 ingressou na Especialização em Arte-Educação da UNICAP. Em 2008, foi selecionada para o Programa de Pós-Graduação em Antropologia – PPGA da UFPE , onde desenvolve pesquisa acerca da antropologia do objeto museal, como bolsista da CAPES.

Nina Velasco e Cruz É doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro com a tese Arte, comunicação e tecnologia: as obras de Christa Sommerer & Laurent Mignonneau e Eduardo Kac, mestre em Comunicação pela Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro com a dissertação O dentro é o fora: a participação do espectador na obra de arte de Lygia Clark e Hélio Oiticica e graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro com a monografia Hélio Oiticica: por uma felicidade marginal. Atu-almente é professora adjunta da Universidade Federal de Pernambuco e no curso de pós-graduação em Comunicações na linha de pesquisa: Estética e Cultura Midiática. Tem experiência na área de Comunicação. Atuando prin-cipalmente nos seguintes temas: Arte e Tecnologia, Arte e Comunicação, Arte e Ciência.

Olga Lucia Olaya Parra [email protected] É directora de Ambar Corporación Cultural para la investigación y el desar-rollo del arte, la cultura y la educación artística.Consejera Munidal INSEA 2006-2008. Secretaria General del Consejo Latinoamericano de Educación por el Arte CLEA 2001-2007. Fue directora de la Academia Superior de Artes de Bogotá 2004-2006. Candidata a doctor en Ciencias sobre arte, Magister en educacion, Especialista en critica e historia del arte, licenciada en Bellas Artes. Vive en Bogotá, Colômbia.

Rejane Galvão Coutinho [email protected] É professora do Instituto de Artes da UNESP, doutora e mestre em Artes pela USP e graduada em Educação Artística pela UFPE. Sua experiência na área de Artes tem ênfase em Arte/Educação, atuando nos campos de formação de arte/educadores, projetos de mediação cultural e ação edu-cativa, além de ser integrante da equipe do Arteducação Produções.

Rosa Vasconcellos [email protected] É graduada em pedagogia com ênfase em supervisão e adminis-tração escolar e especialista em ensino de Arte pela UFPE. Foi responsável pelo projeto ‘Meninos no Campus’. É professora apo-sentada do curso de Licenciatura em Educação Artística/ Habili-tação em Artes Plásticas da UFPE nas disciplinas de práticas de ensino 1 e 2, expressão plástica infantil e metodologia do ensino da arte. É umas das coordenadoras do núcleo do Pólo UFPE do Arte na Escola.

Sebastião Pedrosa [email protected] É Arte educador e artista plástico, com doutorado obtido em 1993 pela University of Central England in Birmingham, na Inglater-ra. Tem se dedicado à produção de arte e à pesquisa na área de arte-educação e processos criativos em arte. É membro sócio da ANPAP. Tem produzido arte e exposto regularmente no Brasil e no exterior.

Simone Ferreira Luizines [email protected] É Arte/educadora, especializanda em Arte/educação pela UNICAP/PE e graduada em Turismo pela também pela UNICAP/PE. Foi mediadora cultural no Instituto Ricardo Brennand, no Museu do Estado de Pernambuco, no 46o. Salão Pernambucano de Artes Plásticas e na Galeria do SESC - Casa Amarela. Atualmente é as-sistente de galerista da Amparo 60 Galeria de Arte e responsável pelos projetos de educação desenvolvidos na Galeria. Possui como ênfase de pesquisa a formação do mediador e a leitura da imagem na Arte/educação contemporânea.

Taciana Durão Leite [email protected]É arte/educadora formada em Licenciatura em Desenho e Plástica – UFPE. Especialista em Administração Escolar e Planejamento Edu-cacional – UFP, e Ensino de Arte-Educação – UFPE- Atualmente pro-fessora dos Ensinos Médio e Fundamental II, das Escolas Madre de Deus, Atual e Maria Sampaio de Lucena, ministrando disciplinas nas áreas de Arte- Educação, História da Arte e Expressão Gráfica.

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Viviane da Fonte [email protected]É pedagoga pela UFPE. e especialização em Historia das Artes e Religi-ões / UFRPE Já fez cursos diversos sobre História da Arte e Arte/educa-ção. Já coordenou o projeto Faço Arte de 1999 até 2007. Atualmente coordena o Projeto “Som do Barro” com apoio do Funcultura e é arte/educadora do Movimento Pró-Criança..

Williams Sant’[email protected]Éé Arte-educador, artista de teatro (ator e diretor teatral, e dramaturgo), historiador - pesquisador da cultura popular, e atual Gerente de Serviço de Teatro da Fundação de Cultura Cidade do Recife.

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