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ALEXANDER LEONARD MARTINS KELLNER DIALOGOS INSTITUCIONAIS E PERSPECTIVA DEMOCRÁTICA Rio de Janeiro 2014

DIALOGOS INSTITUCIONAIS E PERSPECTIVA DEMOCRÁTICA · 2020-01-27 · ALEXANDER LEONARD MARTINS KELLNER DIALOGOS INSTITUCIONAIS E PERSPECTIVA DEMOCRÁTICA Monografia apresentada como

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ALEXANDER LEONARD MARTINS KELLNER

DIALOGOS INSTITUCIONAIS E PERSPECTIVA DEMOCRÁTICA

Rio de Janeiro

2014

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ALEXANDER LEONARD MARTINS KELLNER

DIALOGOS INSTITUCIONAIS E PERSPECTIVA DEMOCRÁTICA

Monografia apresentada como exigência de conclusão de Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Professor Orientador: Guilherme Peña de Moraes Professora Co-orientadora: Néli L.C. Fetzner

Rio de Janeiro

2014

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ALEXANDER LEONARD MARTINS KELLNER

DIALOGOS INSTITUCIONAIS E PERSPECTIVA DEMOCRÁTICA

Monografia apresentada como exigência de conclusão de Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.

Aprovada em _____ de _______________ de 201__

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________ Prof. Dr. Des. Poul Erik Dyrlund

Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ

_______________________________ Prof. Guilherme Peña de Moraes

Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ

_______________________________ Prof. Dr. Des. Cláudio Brandão de Oliveira

Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ

Rio de Janeiro 2014

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À minha família,

Ao meu grande amigo Pedro Henrique Saldanha.

À Bruna Lima de Mendonça que faz qualquer esforço valer à pena.

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RESUMO

Trata-se de monografia de conclusão de curso de pós-graduação lato sensu da Escola da

Magistratura do Rio de Janeiro, em que se analisa a relevante questão sobre a legitimidade

para se resolver questões ligadas aos direitos fundamentais, representada pelo clássico embate

entre cortes e parlamentos e o traço argumentativo que envolve a legitimidade em matérias de

“última palavra”. A primeira parte do trabalho versa sobre a caracterização descritiva do

conflito entre cortes e parlamentos e seus ferrenhos representantes Ronald Dworkin e Jeremy

Waldron, respectivamente. Na segunda parte, estudam-se o suposto isolamento político da

corte constitucional e a visão amplificativa de intérpretes de Peter Häberle. A última parte

visa estudar os pressupostos das teorias dialógicas institucionais e por fim, apresentar de

forma prescritiva o intercâmbio aludido por Antoine Garapon, Sabino Cassese, e as

experiências internacionais a respeito.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................08

1. APRESENTAÇÃO DA PROBLEMÁTICA E RONALD DWORKIN .......................................13

1.1.A problemática institucional e os arranjos decorrentes....................................................................13

1.2. A problemática da postura ativista impulsionada pelo “Judicial Review”......................................16

1.3. Ronald Dworkin e a cadeia argumentativa em favor do judiciário.................................................22

2. JEREMY WALDRON E A ARGUMENTAÇÃO EM FAVOR DO PARL AMENTO ..............28

2.1. Jeremy Waldron e a cadeia argumentativa em favor do parlamento...............................................28

3. PETER HÄBERLE COMO UMA ALTERNATIVA AO SUPOSTO IS OLAMENTO

POLÍTICO DA CORTE ......................................................................................................................33

3.1. Suposto isolamento político da corte...............................................................................................33

3.2. Peter Häberle e “A sociedade aberta dos intérpretes da constituição”............................................35

4. AS REDES TRANSVERSAIS E HORIZONTAIS DA CONSTRUÇÃO DE UM

PENSAMENTO: TEORIAS DIALÓGICAS .....................................................................................40

4.1. Diálogos através de uma postura passiva........................................................................................40

4.2 Diálogos através da postura ativa.....................................................................................................46

4.2.1 Experiência norte-americana.........................................................................................................48

4.2.2 Larry Kramer e a revisão judicial sem supremacia do Poder Judiciário.......................................53

4.2.3 Mark Tushnet e a ausência do judiciário.......................................................................................54

4.3 Experiência Canadense.....................................................................................................................57

4.4 A Fusão Dialógica de Christine Bateup............................................................................................59

4.5 A teorização brasileira: Conrado Hübner Mendes............................................................................64

5. ANTOINE GARAPON E O “COMÉRCIO ENTRE JUÍZES” OU “ FÓRUM MUNDIAL DOS

JUÍZES” ................................................................................................................................................72

5.1 O “Comércio entre juízes”................................................................................................................72

5.2 Aproximação com Sabino Cassese...................................................................................................75

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5.3 Aproximação com Katyal.................................................................................................................80

5.4 Relação dialógica internacional........................................................................................................84

6. TEORIAS DIALÓGICAS E EXEMPLOS DE CONSTRUÇÃO EMPÍ RICA

CONJUNTA ..........................................................................................................................................89

6.1 A experiência Alemã........................................................................................................................89

6.2 A experiência Norte-Americana.......................................................................................................90

6.3 A experiência Canadense..................................................................................................................92

CONCLUSÃO.......................................................................................................................................98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................................101

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INTRODUÇÃO

O Brasil vive um momento intenso de debates acalorados e discussões a respeito da

judicialização da política, onde se percebe com facilidade que a concepção originária de

separação dos poderes encabeçada por Madison e Montesquieu se tornou insuficiente. A

separação dos poderes pode ser considerada uma boa idéia, mas ao contrário do que imaginam

os teóricos mais saudosistas, não há nenhuma razão para se considerar que os escritores

clássicos esgotaram o a abrangência e essência do conceito, com seus mais amplos

desdobramentos.

O objetivo inicial do trabalho ora proposto era analisar a atual tendência do Supremo

Tribunal Federal de promover a hibridação dos sistemas de controle de constitucionalidade

através do instituto conhecido como a abstrativização do controle de constitucionalidade

difuso. Nesse enfoque, o ponto de partida seria o livro da professora brasileira, radicada na

Alemanha, Renata Camilo de Oliveira sob o título, “Die Verfassungsgerichtbarkeit in

Deutschland um Brasilien”, no qual a mesma promove uma comparação entre o sistema

brasileiro e alemão de controle de normas, através de uma ênfase na proteção de direitos

fundamentais. No entanto, restou evidenciado, que a proposta de se eivar de eficácia erga

omnes, o controle incidental de constitucionalidade, encabeçada pelo ministro Gilmar Ferreira

Mendes, e assim promover a mitigação da participação do Poder Legislativo, de acordo com o

disposto no art. 52, inciso X da constituição era apenas a “ponta do iceberg”. 1

A mais forte constatação que se obtêm, através da análise do atual quadro

constitucional brasileiro, evidencia o papel de protagonista que o Supremo Tribunal Federal

tem desempenhado perante o meio institucional brasileiro. Numa verdadeira analogia ao

“ judicial review” norte americano, e fundamentando-se na defesa do texto fundamental, os

1 BRASIL. Constituição Federal da República. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1998. Art. 52, inciso X, da Constituição Federal do Brasil. “x – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.”

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ministros assumem para si a função de determinar a chamada “ultima palavra” no que se

refere a decisões envolvendo questões de largo alcance político, direitos fundamentais

protegidos pela magna carta, políticas públicas e escolhas morais. A abstrativização do

controle de constitucionalidade difuso seria apenas mais uma forma de exteriorização dessa

postura.

A partir daí, se vislumbra o tão conhecido binômio, embate resultante da soberania

parlamentar decorrente de sua legitimidade democrática, versus a supremacia do judiciário e

da corte constitucional em prol da proteção de interesses contra majoritários. No caso do

Poder legislativo, acima descrito, apresenta-se uma instituição política que enfrenta uma

notável crise de representatividade democrática agravada pela fragmentação da sociedade e

seus interesses; e no segundo extremo, uma corte que busca ampliar sua legitimação

democrática e conseqüentemente seu raio de atuação através de um diálogo com a população.

Nesse sentido, um segundo enfoque, perpassaria então em se elaborar um estudo de

casos concretos, o que passou inicialmente a levar em conta a exteriorização da tendência

ativista do Supremo Tribunal Federal.

De plano, porém, restou comprovado que o tema exigiria o enfrentamento de uma

perspectiva mais teórica, o que resultou no abraçamento teórico da presente pesquisa, em se

analisar de forma descritiva as vertentes doutrinárias que conduziram a percepção de uma

tendência dialógica. Cabe antes, um breve recuo para ilustrar o quadro brasileiro que

fomentou a postura ativista e posteriormente a absorção de críticas estrangeiras e a

germinação da discussão dialógica em terra “verde e amarela”.

Assim sendo, outro ponto introdutório é entender que o ativismo embasado na

supremacia judicial, de cunho supostamente indispensável a uma ordem constitucional

comprometida com a jusfundamentalidade de direitos inerentes à dignidade da pessoa

humana, é resultado de um processo de judicialização de questões de larga repercussão

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política ou social que passaram a ser decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas

instituições políticas a exemplo do Congresso Nacional e do Poder Executivo. Desse modo, o

raio de atuação do Poder Judiciário prosperou. A promulgação da Constituição de 1988, fruto

do processo de redemocratização e a superação da era ditatorial, recuperou as garantias

inerentes ao exercício da atividade jurisdicional viabilizando a autonomia do Poder Judiciário.

A própria composição da corte constitucional havia se renovado. Dessa forma, o Ministério

Público e a Defensoria Pública também se desenvolveram de forma a viabilizar a tutela dos

direitos inerentes á cidadania o que acarretou no aumento da demanda e exposição de

questões ao Poder Judiciário. O próprio fato da Constituição de 1988 ser classificada como

uma constituição analítica, contribui para o fenômeno da judicialização visto que as matérias

tuteladas expressamente na magna carta podem ser levadas ao judiciário por se tratarem de

uma pretensão jurídica, podendo inclusive ser objeto do controle de constitucionalidade de

normas. Ainda sob esse escopo, pode ser destacada, a ampla legitimação presente no art. 103

da Constituição Federal em relação à propositura da ação direta de inconstitucionalidade e a

ação declaratória de constitucionalidade. Assim sendo, quanto maior o número de

legitimados, maior o número de questões submetidas ao crivo da corte constitucional.

A monografia apresenta o seguinte desenvolvimento: O primeiro capítulo destinado

enquadramento da problemática e aos argumentos de Ronald Dworkin, sintetizando os

principais aspectos. Um segundo capítulo, destinando às constatações de Jeremy Waldron e a

defesa do parlamento.

O terceiro capítulo trata do suposto isolamento político da corte constitucional, e

apresenta as proposições do trabalho pioneiro de Peter Häberle que vislumbra uma espécie de

diálogo com a sociedade, através da chamada “Sociedade aberta dos intérpretes da

constituição”. O referido autor apresenta grande relevância em termos do direito

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constitucional brasileiro por representar uma grande influência à doutrina cognitiva de Gilmar

Ferreira Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal.

Neste cenário, encontram-se inúmeras dúvidas, e surgem, por conseguinte, diversas

teorias constitucionais dialógicas cujas peculiaridades serão abordadas na parte final da

presente monografia em seu penúltimo capítulo. Por se tratar de uma forma descritiva e

comparativa, desde já se justifica a opção por não desmembrar o capítulo destinado às teorias

dialógicas que assumiu um tamanho desproporcionalmente maior em relação aos outros. Essa

escolha se fundamenta devido à verdadeira teia teórica que caracteriza o campo dialógico e

que se influencia mutuamente, cujo desmembramento obstaria o caráter descritivo. No quarto

capítulo, destinado à rede transversal e horizontal das teorias dialógicas, verifica-se especial

atenção às constatações de Christine Bateup e sua divisão binária das teorias dialógicas, no

que obsta à ponderação de que o produto de uma fusão entre as teorias do equilíbrio entre os

poderes e as teorias de parceria poderia vir a ser o melhor conceito de diálogo. Ainda no

mesmo capítulo, enfatiza-se a contribuição brasileira na construção de um esquema dialógico,

em que se demonstra a idéia de “última palavra provisória” e “rodada procedimental” de

Conrado Hübner Mendes. O quinto capítulo dedica-se a um momento prescritivo, em que se

objetiva fundir as idéias de Antoine Garapon, Sabino Cassese e Neal Kumar Katyal e

viabilizar o chamado “diálogo internacional”. Desta maneira, o presente trabalhou focalizou a

metodologia descritiva e demonstrou um comportamento inclusivo, no que obsta a escolha

dos autores, tentando abranger a maior diversidade teórica possível, acreditando, dessa forma,

estimular o caráter reflexivo inerente ao tema. Por fim, um sexto capítulo dedicado à

exemplificação de algumas respostas legislativas a decisões judiciais, propiciando a

construção empírica de diálogos institucionais na definição de direitos fundamentais.

A monografia mesclou o âmbito interno a uma perspectiva comparada que se justifica

na medida em que se aproximou do debate anglo-saxônico e pontualmente do debate europeu

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através de Peter Häberle e Antonie Garapon. Vale frisar que através dessa abordagem a

presente pesquisa constatou contribuições brasileiras, a teoria constitucional brasileira já está

se submergindo no debate dialógico. Conrado Hübner Mendes foi o autor brasileiro que maior

profundidade analítica recebeu no presente trabalho, destacando-se a idéia de “última palavra

provisória”. Apesar desse caráter teórico descritivo comparado a monografia vislumbra para

trabalhos futuros, certa aproximação prescritiva, que restou evidenciada com a contribuição

de Cassese, Katyal e Garapon.

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1. APRESENTAÇÃO DA PROBLEMÁTICA EM DIFERENTES VETOR ES E

RONALD DWORKIN

1.1 A problemática institucional e os arranjos decorrentes.

Ao se apresentar a problemática institucional que se manifestou mundialmente com

diferentes características, porém incrivelmente com vetores que apontam em uma mesma

direção, cabe se apontar trecho extremamente interessante do professor Carlos Ary Sundfeld,

em sua obra “Direito Administrativo para Céticos”:

Em alguns temas juízes têm adotado postura bastante ativista. Vale por todos o exemplo das ações, ajuizadas em nome do “direito à saúde”, exigindo do Estado medicamentos não previstos nas listas oficias. Há nesses casos uma questão jurídica prévia: juízes têm competência para ampliar a lista oficial de medicamentos? Para discuti-la é essencial que também reflitam sobre os potenciais efeitos negativos de sua intervenção na matéria. Não são aceitáveis visões românticas sobre o valor da atuação isolada dos juízes se o que está em causa é um conflito de natureza claramente distributiva. A pergunta dos juízes é: vocês são capazes de proteger também os ausentes, aqueles que, não estando na ação podem ter seus interesses e direitos difusos afetados negativamente pela decisão desta ação? 2

O mencionado trecho evidencia uma postura ativista do poder judiciário que assola

ordenamento jurídico brasileiro, e germina ao menos do ponto de vista teórico, do famoso

embate entre cortes e parlamentos e a questão da legitimidade democrática. Neste ponto,

cumpre destacar a influência do judicial review e dos seus principais expoentes de debate.

Num sentido contrário, como nota Jeremy Waldron:

2SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para Céticos. São Paulo: Malheiros. 2012. p. 76. Confira-se também: ibid, p. 77. O STF, invocando princípios, decidiu pela ilicitude do uso de algemas quando, entre outros importantes requisitos, não estiver “justificada a excepcionalidade por escrito”. Para assegurar a eficácia das limitações substanciais que impôs, o Tribunal legislou, inventando exigência formal que não estava em lei: a justificação por escrito. Ele interferiu no assunto por entender muito perigoso para o País o costume policial de constranger com algemas e por suspeitar que o Legislativo, por conta do “clamor popular” contra os “bandidos”, jamais iria coibi-lo por lei. Entendo elogiável, nesta hipótese, a atitude do Tribunal de criar normas claramente legislativas a respeito, sem se aferrar a uma visão restritiva da função jurisdicional. A meu ver, a justificativa da intervenção era o fato de caber ao Judiciário a responsabilidade última pelas prisões efetuadas pela Polícia – fazendo sentido, em função disso, que produzisse alguma normativa geral a respeito, suprindo defeitos institucionais do Executivo (falha em corrigir abusos policiais sistemáticos) e do Legislativo (falha em editar norma indispensável à eficácia de direito fundamental). Mas minha observação é que, em situações do gênero, a Corte precisa assumir o ônus da legitimação de sua competência, explicando seu fundamento específico e, assim, delimitando com clareza seu âmbito de competência normativa. Se não fizer isso, não teremos como saber qual será sua visão nos próximos casos, não teremos como criticar os seus critérios, não teremos como controlá-los.”

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Sempre há uma perda para a democracia quando ponto de vista a respeito das condições democráticas é imposto por uma instituição não democrática, mesmo que este ponto de vista esteja correto e apresente melhorias à democracia.3

Por outro lado, de maneira favorável, elucida Ronald Dworkin:

A concepção constitucional requer esses procedimentos majoritários em virtude de uma preocupação com a igualdade dos cidadãos, e não por causa de um compromisso com a meta da soberania da maioria. Por isso, não opõe objeção alguma ao emprego deste ou daquele procedimento não majoritário em ocasiões especiais nas quais tal procedimento poderia proteger ou promover a igualdade que, segundo essa concepção, é a própria essência da democracia.4

Nesse sentido, antes de se adentrar expressamente ao tema do presente trabalho, cabe

citar trecho até certo ponto antagônico à visão do autor do presente documento, porém

catalisador de uma série de reflexões que serão necessárias e salutares aos pensamentos e

idéias abaixo esposados:

E qual deve ser o papel do Judiciário na ordem jurídica contemporânea? Quais os termos e limites de suas competências? É fascinante: a Constituição e as leis o dizem com regras, mas sobretudo princípios! É pertubador: cabe ao próprio Judiciário, interpretando esses textos, a autodefinição e a autolimitação! A maior ou menor disposição dos juízes para usar princípios como base de decisão tem a ver com o papel político que, em cada hipótese, escolherem para si, não somente com questões de racionalidade. Os profissionais do Direito sabem disso. Para discutir com os juízes se um texto indeterminado tem, ou não, valor normativo, e qual deve ser sua aplicação, vale pouco argumentar com teorias. Juízes são mais práticos: medem as dificuldades de decidir e de justificar e vislumbram as conseqüências do que vão fazer. 5

O trecho acima apresenta a grande problemática do cenário brasileiro atual. Uma

constituição prolixa e principiológica, uma atuação expansiva do judiciário, um legislativo e

3 WALDRON, Jeremy. A dignidade da Legislação. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 243. 4 DWORKIN, Ronald. O Direito da Liberdade. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 203. 5SUNDFELD, op cit., p. 72. Confira-se ainda: Há muitas regras constitucionais (sobre ações constitucionais, sobre competências de cada Justiça ou Tribunal etc.) e legais (exemplo: as normas processuais civis) a considerar. Entre os princípios, os da separação dos Poderes (CF, art. 2º) e da universalidade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), sendo este último um daqueles cuja aplicação sofre dos males que, neste artigo, busco combater: o da superficialidade, que leva à suposição de que universalidade seria sinônimo de onipresença, onisciência e onipotência. Cabe ainda citar: A jurisprudência vem elaborando, ao longo do tempo, parâmetros gerais para definir a extensão da competência do judiciário. Vários deles traduzem uma concepção restritiva da intervenção judicial. São exemplos: a competência anulatória dos juízes é excepcional; os juízes não podem aumentar vencimentos de servidores públicos a título de garantir a isonomia; os juízes não podem criar normas gerais novas para suprir omissões do legislador; os juízes não podem administrar; e os juízes não podem impor prestações positivas ao Estado com base em normas programáticas. Há por outro lado, outros tantos critérios de caráter afirmativo, como: o juiz deve controlar a arbitrariedade do legislador e do administrador e o juiz pode adotar qualquer medida para garantir a eficácia dos direitos fundamentais.

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um executivo com baixíssimo nível credibilidade perante qualquer setor da sociedade, salvo,

naturalmente o setor político.

Assim, a fim de se exemplificar umas das inúmeras problemáticas que surgem do

quadro institucional acima descrito, deve-se tecer rápidas considerações referentes ao

desenvolvimento de um modelo atitudinal por parte de alguns magistrados brasileiros que

comprovam empiricamente a relevância do objeto do presente estudo.

O modelo Atitudinal preconiza a idéia de que o principal fator de influência na hora de

decidir seria a própria ideologia do magistrado. Apesar de ser rechaçado, tal posicionamento é

perfeitamente vislumbrado em diversos casos concretos. É um extremo que deve ser

combatido, e que pode relevar até certo ponto uma tirania dos juízes. Esses, por diversas

vezes, desconsideram textos normativos, precedentes ou doutrina na hora de tomar suas

decisões. Apesar de existente, tal modelo não é facilmente perceptível. Nesse sentido, confira-

se a opinião do professor Rodrigo Brandão, em relação à aplicação do modelo Atitudinal ao

STF:

A pequena aderência ao texto e aos seus precedentes parece vincular o STF ao modelo atitudinal; por outro, a circunstância de o STF ter assistido a transições de coalizações partidárias no controle do governo federal sem alterar, significativamente, a forma da sua atuação (agindo de forma mais ou menos ativista), depõe a favor de uma postura de independência e de vinculação ao Direito (e não a preferências político-ideológicas do partido dominante. 6

Agora, ao destrinchar o presente assunto, o professor Rodrigo Brandão identifica uma

falha existente, por exemplo, no caso das teorias legalistas, em que o ato falho seria a

desconsideração da influência de ideologia e de outros fatores extrajudiciais, nas decisões.

Nesse sentido, ressalta-se parte elucidativa de sua obra:

Na verdade, os modelos enfocam aspectos distintos da atividade judicial: enquanto o modelo atitudinal enfatiza uma análise da jurisprudência das Supremas Cortes como ela é, e revela o ceticismo dos cientistas políticos em relação à neutralidade política do judiciário; o modelo legalista se guia por uma análise de como a jurisprudência constitucional deve ser, além de revelar uma visão ingênua dos juristas sobre a

6 BRANDÃO, RODRIGO. Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais de. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 226. Ainda nesse sentido, cabe se conferir: SUNDFELD, op cit., p. 79: O que importa é defender a necessidade de o juiz cumprir os deveres que lhe são impostos pelo ônus de legitimar analiticamente sua competência.

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efetiva dinâmica decisória de uma Suprema Corte. Acredita-se, contudo, que a segregação entre os exames descritivo e prescritivo da jurisprudência constitucional infecunda, pois, se um exame exclusivamente normativo peca por seu deslocamento com a realidade, um exame puramente descritivo desconsidera a necessidade da construção de um modelo que equilibre as exigências igualmente importantes de independência e de responsividade judicial, fundamental para que uma Suprema Corte desempenhe satisfatoriamente a sua função no âmbito de um Estado Democrático de Direito. 7

Ainda nesse sentido, deve-se ressaltar a presença de uma abordagem que foi

desenvolvida a partir da década de 1980 e se faz inteiramente relevante ao objeto do presente

trabalho, que nada mais é do que a própria limitação “interna corporis” . Assim, cabe a

citação de trecho instigante do professor da UERJ:

A partir da década de 1980, foi construída uma nova proposta que tem o potencial de superar a referida dicotomia. Refere-se ao neoinstitucionalismo, que busca examinar como fatores institucionais delimitam a atuação de agentes públicos, de maneira a identificar a vontade de determinada instituição como a combinação da perspectiva coletiva dos indivíduos que a compõem com a sua cultura institucional. Tal concepção tem a vantagem de analisar não apenas o comportamento individual de juízes e legisladores (como os modelos atitudinal e o legalista), mas, ao contrário, dá especial atenção às interações travadas entre os “poderes”. 8

Diante do acima exposto, verifica-se a necessidade de superação das dificuldades

institucionais apontadas, e dentro dos limites dessa pesquisa, especificamente do trato da

matéria pelo Poder Judiciário e pelo Poder Legislativo.

1.2 A problemática da postura ativista impulsionada pelo “Judicial Review”

Apresenta-se veemente, como aspecto primordial, tecer algumas considerações em

relação ao princípio da separação dos poderes, visto que a postura ativista ensejada pelo

“Judicial Review” enfrenta uma verdadeira crise no quadro constitucional contemporâneo.

A experiência obtida através das revoluções liberais do século XVIII, principalmente a

partir da obra de Montesquieu, O espírito das leis, deu luz a uma proposta de

institucionalização do poder, que passa a ser previsto na Constituição através da atribuição de

diferentes competências a serem exercidas pelos respectivos órgãos. Tal institucionalização 7 BRANDÃO, op.cit., p. 226-227. 8 ibid., p. 227.

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retrata o movimento jurídico-político conhecido como constitucionalismo. Em defesa à

prerrogativa institucional de cada órgão, desenvolveu-se o também conhecido sistema de

freios e contrapesos, inibidor de qualquer interferência que acarretasse no desrespeito à

soberania de cada Poder. O modelo ensejado por Montesquieu não pode ter sua cientificidade

contraditada, partindo-se da análise de um Estado democrático de direito que através de uma

constituição analítica, volta-se para o “welfare state” americano, como é o caso brasileiro. O

princípio da separação dos poderes clama por instituições orgânicas independentes entre si,

dotadas de prerrogativas e garantias que concretizam a aludida distinção. Na visão de

Canotilho, o princípio da separação dos poderes seria “organicamente referenciado e

funcionalmente orientado”. 9 A primeira expressão do ilustre autor remeteria a um critério

funcional para efetivar a separação dos poderes. A segunda expressão apresenta uma análise

sob os aspectos formais e matérias dos atos volitivos do estado. O formalismo se reveste na

forma ou na distribuição de competência, ou seja, qual órgão seria competente para praticar o

ato. O materialismo se remonta, no conteúdo do ato. O objetivo a partir dessas constatações

seria identificar o momento de nascimento da postura ativista, de forma que o referido

comportamento institucional se viabiliza, pois, a maior parte das constituições não apresenta

de maneira clara e concisa, as funções incumbidas a cada órgão, principalmente sob o aspecto

material acima indicado. O vácuo, acima referido, é ocupado pela doutrina e jurisprudência,

partindo-se do rol de competências expresso na constituição.

No que concerne ao ativismo judicial, esse resulta da prática de atividades que não

possuem as características internas do poder que os emana, ou seja, o núcleo essencial da

função de determinado poder é invadido pela atuação de outro poder. Nesse sentido, digna de

nota, a conceituação do professor Elival da Silva Ramos:

Ao se fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é à ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da

9 GOMES, Canotilho. e VITAL, Moreira. Constituição da República Portuguesa Anotada. 3. ed. Coimbra: Coimbra., p. 397.

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função legislativa, mas, também, da função administrativa e, até mesmo, da função de governo. Não se trata do exercício desabrido da legiferação (ou de outra função não jurisdicional), que, aliás, em circunstâncias bem delimitadas, pode vir a ser deferido pela própria Constituição aos órgãos superiores do aparelho judiciário, e sim da descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes 10.

Dessa forma, para se identificar uma postura ativista, é necessário delimitar a função

do Poder Judiciário e os seus limites de atuação. Nesse sentido, convém, pontuar

minimamente o conceito de jurisdição: “Jurisdictio generaliter accipitur pro omni actione

quae magistratui jure competit vel congnitionis pronuntiatione, decreto in quacumque causa,

sive sit civilis sive criminalis (loc. lat.) – Toma-se geralmente a jurisdição por todo

conhecimento que compete ao magistrado pela declaração desse conhecimento, por sentença,

em qualquer causa, quer seja civil ou criminal”.11 O brocardo latino acima expresso, foi

retirado da obra de Iêdo Batista Neves, e evidencia o caráter objetivo atribuído à função

jurisdicional de forma a conduzir o direito substancial presente nas normas à efetivação

prática de um resultado. O mesmo sentido objetivo de jurisdição é encontrado nas obras de

Teoria Geral do Processo, à qual deve ser acrescentada a função social de pacificação de

conflitos, seja entre partes determinadas ou num plano abstrato cuja persistência acarretaria

em grave instabilidade jurídica.

Cabe ressaltar, nesse sentido trecho da obra denominada “A nova separação dos

poderes” de Bruce Ackerman, que evidencia a transformação que acarretou na preponderância

do judiciário:

Resultou essa transformação do Legislativo em “apêndice” da democracia em uma engenharia constitucional segundo a qual a representação do poder é deslocada do parlamento para outras instâncias: I) a executiva, exercida sob a alegação de sua intervenção ser precisa, eficiente e II) a judiciária, pois caberia às cúpulas dos tribunais garantir a efetividade, da Constituição, por um lado, e por outro, em substituição ao dito “apêndice, atribuir sentido às normas, pois mediante a mutação constitucional fecha-se o círculo de judicialização da vida. Este círculo submete a

10 DA SILVA RAMOS, Elival. Ativismo Judicial. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 116. 11 NEVES, Iêdo Batista. Vocabulário Prático de Técnologia Jurídica e de Brocardos Latinos. 5. ed. Rio de Janeiro: Fase, 1992, p. 155

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democracia deliberativa ao processo judicial por meio de uma complementaridade entre o controle de constitucionalidade e a mutação constitucional. 12

E ainda, essencialmente, em democracias de países verdadeiramente

subdesenvolvidos, como os países que compõem a America Latina, a grande questão

impulsionadora de uma postura proativa do Poder Judiciário, pode assim ser definida:

Acossado por um sistema jurídico que entende o Parlamento como maculador da pureza herdada da assembléia constituinte, a sociedade vê-se alijada das formas de expressão de vontade e de representação, operada por um ativismo judicial que passa a ser o titular da formulação, da interpretação e da efetividade das normas, reunindo, sob seu arbítrio as prerrogativas legislativas, judicativas e executivas.13

Nesse sentido, atinge-se a idéia de que as decisões judiciais seriam meros veículos

aplicadores das normas, ou seja, o caráter criativo e inovador, inerente à função legislativa

seria excluído da atuação judiciária. Em contra ponto cabe destacar, o grande mestre Hans

Kelsen:

Uma norma que regula a produção de outra norma é aplicada na produção, que ela regula, dessa outra norma. A aplicação do Direito é simultaneamente produção do Direito. Estes dois conceitos não representam como pensa a teoria tradicional, uma oposição absoluta. É errado distinguir entre atos de criação e atos de aplicação do Direito. Com efeito, se deixarmos de lado os casos-limite – a pressuposição da norma fundamental e a execução do ato coercitivo – entre os quais se desenvolve o processo jurídico, todo ato jurídico é simultaneamente aplicação de uma norma superior e produção, regulada por esta norma, de uma norma inferior 14.

Dessa forma, por mais que se reconheça após a concepção de Kelsen, que as decisões

jurisdicionais possuem um condão de criação, as mesmas, não possuem o alcance legislativo,

sob pena do esvaziamento deste poder. A liberdade dos operadores do direito, membros do

Poder Judiciário, é mínima quando o texto normativo se apresentar de modo preciso e

objetivo. Porém, quando presente o aludido vácuo normativo que permite certa

discricionariedade no sentido de complementação da norma, emerge a atuação ativista. A

12 ACKERMAN, Bruce. A Nova Separação dos Poderes. 2.Tiragem. ANPR. Tradução. Isabelle Maria Campos Vasconcelos e Eliana Valadares Santos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. xii. 13 ibid., pág. xii. Este Estado de Exceção é efetivado mediante uma complementaridade institucional entre Estado Executivo e Estado Judicial e justificado pela complementaridade ideológica entre as teorias de Carl Shmitt (todo ao poder executivo) e de Hans Kelsen (todo ao poder judiciário). 14 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2.ed. Tradução. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 54

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discricionariedade judicial está correlacionada com a interpretação dos atos normativos.

Justamente essa é a problemática no quadro constitucional brasileiro. Os atos judiciais devem

apenas, por estarem em um patamar normativo inferior hierarquicamente, contribuir de forma

limitada à concretização e modelagem dos atos normativos. Porém, a distorção

jurisprudencial, extravasando os limites constitucionalmente impostos à sua atividade

cognitiva, com a mitigação de seu caráter meramente executório, acaba por invadir o circulo

de atuação legiferante através de duas formas primordiais: A invalidação de normas e atos

legislativos por meio de uma decisão proveniente do controle de constitucionalidade de

normas ou ter o espaço de conformação normativa adulterado.

Diante do exposto, cabe a título informativo, traçar um rápido esboço, no tocante às

diferentes vertentes de escolas interpretativas ligadas ao “judicial review”, de forma a chegar

na visão de Ronald Dworkin, um dos maiores expoentes e defensores da legitimidade do

“ judicial review”.

O positivismo, ao pregar a observância inflexível do texto constitucional, deu ensejo

ao chamado passivismo, mais conhecido, em sua manifestação norte-americana, através de

suas duas vertentes, o textualismo e o originalismo. No primeiro caso, a interpretação do texto

constitucional deveria se delimitar exclusivamente a literalidade da constituição, devendo o

intérprete verificar a admissibilidade do texto normativo que afrontaria algum artigo da

constituição. No segundo caso, apesar de também se encontrar vinculado ao texto expresso, o

intérprete deveria também buscar o verdadeiro significado semântico pretendido pelo

constituinte. A limitação do passivismo e suas vertentes naturalmente apresentam diversas

dificuldades no sentido de sua aplicabilidade prática.

Por outro lado, o não interpretativismo se apresentou também em duas vertentes, as

quais seriam o conceitualismo e o simbolismo. A primeira escola defende que a interpretação

constitucional deve acompanhar a evolução histórico-cultural do significado da constituição, e

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das enunciações do tribunal constitucional. Já a segunda escola preconiza aspectos

tradicionais, no que tange à qualificação constitucional ou inconstitucional de políticas de

governo. O conceitualismo, apesar de vinculado ao não interpretativismo, poderia ser

alinhado ao perfil positivista, de forma que a atuação criativa da interpretação constitucional

estaria limitada, ao vácuo normativo presente na constituição, de forma que através da

discricionariedade judicial, acabaria por se atualizar a constituição. O simbolismo busca a

concretização de ideais não necessariamente presentes no texto constitucional, dessa forma se

afasta do mesmo, em busca de uma aproximação com os valores éticos e morais da sociedade.

Naturalmente, a fim de se manter fiel a esse julgamento de valores, o magistrado deverá se

valer das normas genéricas, imprecisas que dão margem a uma discricionariedade judicial e

através principalmente do “judicial review”, buscar a concretização dessa valoração moral-

social. Resta evidente concluir que o respeito à literalidade constitucional acaba por se

mitigado, e o traço delineador normativo acaba por ser desrespeitado.

Nesse caminho axiológico, cabe destacar uma atenuação no sentido de que, surge a

corrente dos procedimentalistas, cujas características podem ser extraídas do trabalho do

professor Conrado Hübner Mendes:

A corte, nessa corrente, não pode imiscuir-se nas escolhas democráticas, nas grandes decisões do povo. Precisa somente garantir que o jogo de interesses seja disputado sob bases igualitárias. Extrapolar essa função e adentrar no domínio dos juízos morais substantivos da democracia equivaleria a um “regime de guardiões”, por meio do qual o povo é privado de governar a si mesmo e se infantiliza ao ter que se subordinar a uma elite que, supostamente, tem mais capacidade para fazer escolhas por ele. 15

Cabe, no entanto, se voltar inicialmente à argumentação que se pretende desconstruir,

a qual seria a argumentação em favor da inflamação do poder judiciário.

15 HÜBNER MENDES, Conrado. Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação. 2008. 224 f. Tese de Doutorado (Doutor em Ciência Política) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

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1.3 Ronald Dworkin e a cadeia argumentativa em favor do judiciário

Diante do exposto, procurar-se-á, adentrar no principal expoente da visão axiológico-

moralista encabeçada pelo chamado juiz “Hércules” e o “fórum do princípio”. Ronald

Dworkin parte de uma reconstrução da democracia de forma que essa não poderia se vincular

aos procedimentos igualitários. Dworkin possui uma concepção do direito como uma

integridade, porém ele não seria ativista evitando assim a chamada “fuga da substância”,

expressão utilizada pelo autor em sua obra intitulada “A matter of principle” . Nesse sentido,

segue passagem da visão do autor:

O ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurídico. Um juiz ativista ignoraria o texto da Constituição, a história de sua promulgação, as decisões anteriores da Suprema Corte que buscaram interpretá-la e as duradoras tradições de nossa cultura política. O ativista ignoraria tudo isso para impor a outros poderes do Estado o seu próprio ponto de vista sobre o que a justiça exige. O direito como integridade condena o ativismo e qualquer prática de jurisdição constitucional que lhe seja próxima. Insiste em que os juízes apliquem a constituição por meio da interpretação, e não por flat, querendo com isso dizer que suas decisões devem ajustar-se à prática constitucional, e não ignorá-la. Um julgamento interpretativo envolve a moral política, e o faz da maneira complexa que estudamos em vários capítulos. Mas põe em prática não apenas a justiça, mas uma variedade de virtudes políticas que às vezes entram em conflito e questionam umas às outras. Uma delas é a equidade: o direito como integridade é sensível às tradições e à cultura política de uma nação, e, portanto, também a uma concepção de equidade que convém a uma Constituição. A alternativa ao passivismo não é um ativismo tosco, atrelado apenas ao senso de justiça de um juiz, mas um julgamento muito mais apurado e discriminatório, caso por caso, que dá lugar a muitas virtudes políticas, mas, ao contrário tanto do ativismo quanto do passivismo, não cede espaço algum à tirania. 16

O direito como integridade prevê um juiz vinculado à prática constitucional de um

país, um concepção objetiva de valores morais desenvolvidos historicamente, levando-se em

consideração os aspectos constitucionais normativos e os precedentes, mas não de forma

vinculada à luz do positivismo e sim como parte integrante de uma tradição jurídica

americana. Nesse sentido, cabe consignar que Dworkin, como crítica a corrente das idéias do

pragmatismo jurídico, o respeito às normas e precedentes para o mencionado professor,

16DWORKIN, Ronald. O império do direito. Pág. 451-2. apud DA SILVA RAMOS, Elival. Ativismo Judicial. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 135-136.

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decorreria de um dever judicial para com a integridade do direito e não, como na visão do

pragmatismo, como um mero cálculo de utilidade social.

Ainda, ocorre da integridade uma ampliação nas fontes interpretativas de forma que

fontes não tradicionalmente reconhecidas possam ser consideradas em pé de igualdade.

Acarreta-se na transposição das barreiras normativas previstas na Constituição, englobando-se

a equidade na ordem jurisprudencial por ser oportuno à Constituição. A democracia apresenta

como fundamentação a busca pelo ideal equitativo. Dessa forma, o ativismo moderado que se

extrai das proposições de Dworkin seria instrumento para complementar o sistema

procedimental democrático.

A justificativa em se manter uma corte responsável pelo “judicial review” é dada não

pela dispensabilidade, porém pelo caráter insuficiente do órgão legiferante. O objetivo dos

principais defensores da “última palavra judicial”, não se resume em suprimir, e sim, apenas

em mitigar a participação parlamentar. Nesse sentido, o principal embate, como anteriormente

afirmado no presente trabalho, se perpassa em torno da legitimidade representativa. A não

eleição direta dos membros do Supremo Tribunal Federal é justificada pela eleição desses por

autoridades eleitas. A estabilidade dos ministros justificaria um isolamento em relação à

política eleitoral, o que viabilizaria um comportamento não tangível aos interesses políticos.

O presente sub-item objetivará de forma sucinta proceder à análise dos principais argumentos

em prol de uma revisão judicial.

Vale ressaltar que, para alguns autores, a atuação da corte constitucional concretizaria

as chamadas pré-condições da democracia, de maneira que de um lado, a atuação do Poder

Judiciário preservaria o procedimento, a forma de exteriorização da democracia, e no segundo

caso, ocorreria uma valoração principiológica, de forma a efetivar o controle substancial. A

famosa dicotomia entre a forma e a substância democráticas. Assim, a corte estaria

possibilitada a intervir quando se tornasse claro o bloqueio da manifestação democrática de

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minorias, ou grupos excluídos, ou discriminados, tendência que de alguma forma

inviabilizaria as possibilidades de participação e mudança. O combate aos monopólios. Nesse

sentido, segue passagem de Hübner Mendes:

A corte, nessa corrente, não pode imiscuir-se nas escolhas democráticas, nas grandes decisões do “povo”. Precisa somente garantir que o jogo de interesses seja disputado sob bases igualitárias. Extrapolar essa função e adentrar no domínio dos juízos morais substantivos da democracia equivaleria a um “regime de guardiões”, por meio do qual “o povo” é privado de governar a si mesmo e se infantiliza ao ter que se subordinar a uma elite que, supostamente, tem mais capacidade para fazer escolhas por ele. 17

É cediço que o após o ocorrido na Alemanha nazista, percebeu-se que a legitimidade

democrática operada somente na vontade da maioria é insustentável. Entra em cena, a

dificuldade contra-majoritária, no sentido de que a revisão judicial defenderia os interesses, de

uma minoria contra a chamada “tirania da maioria”. 18 O parlamento, por representar os

eleitos pela população, estaria inapto a tutelar, interesses, de um eleitorado que não sejam

convergentes aos de quem os elegeram.

Vale ressaltar, as correntes argumentativas que se baseiam na visão de poder

constituinte originário, e poder constituinte derivado e o poder constituinte reformador,

somando-se a esse o legislador ordinário. Primeiramente, relembrando o dualismo

constitucional de Bruce Ackerman. Na concepção do autor, o poder constituinte se

manifestaria de duas formas. Em um primeiro momento, o povo desenvolveria civicamente

decisões inspiradas no bem comum; e num segundo momento, a legislação reformadora, e

infraconstitucional estaria sujeita a interesses privados, guerra de influência política e

barganha. Dessa forma a revisão judicial seria uma forma de garantia e prestação de contas ao

povo e sua idéia cívica manifestada originariamente.19 A segunda forma, seria representada

por uma espécie de autocontrole, que a partir de experiências históricas anteriores, levaram a

reflexão popular, de que em momentos de agitação pública, conturbações políticas, direitos

17 MENDES, op. cit. p. 58. 18 “tirania da maioria”, expressão que remonta a Aléxis de Tocqueville e John Stuart Mill. 19 ACKERMAN, op cit. p. xii

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minoritários poderiam ser suprimidos, buscando se um instrumento de tutela, nesses casos,

através da corte constitucional.

Ademais, é importante lembrar a idéia conhecida como “pré-comprometimento”, no

sentido de que, se a Constituição é fruto do próprio povo que exerce o poder constituinte

originário, e se está expressa a revisão constitucional, tem-se por lógico afirmar que a corte

constitucional possui legitimidade democrática. Sendo assim, caso haja insatisfação com o

conteúdo constitucional, o povo, que detém o poder, pode se mobilizar para criar uma nova

constituição ou emendá-la. Se não há uma revolta em relação às posturas adotadas pelos

ministros, não há necessidade de se falar sobre falta de legitimação. Nesse âmbito, por estar

totalmente investida democraticamente, percebe-se que a Constituição é norma com status

diferenciado, superior hierarquicamente às outras normas, e inclusive a política, de forma a

representar o ideal do estado de direito. Dessa forma, a supremacia constitucional dependeria

instrumentalmente da supremacia judicial, para submeter a seus princípios e normas o poder

político. O princípio a ser adotado, nesse caso, seria o da “Nemo iudex in sua causa”, visto

que a corte seria um fundamental agente externo que julgaria com imparcialidade, pois, um

poder não poderia julgar seus próprios atos de forma imparcial, de modo que fugiria a lógica

qualquer debate nesse âmbito. Sendo assim, o princípio da separação dos poderes seria

inerente a uma idéia de revisão judicial, no sentido de que não simplesmente pela decisão em

si, mas pelo fato de uma suposta revisão poderia diminuir a velocidade e dificultar a tomada

de decisões de forma a evitar abusos, uma idéia extraída do próprio sistema de freios e

contrapesos acima referenciado.

Outro ponto bastante interessante de ser abordado giraria em torno do grau de

especificidade que a decisão judicial alcança em contraponto, com o caráter metodológico

amplificado que marca a atuação do Poder Legislativo parlamentar. Nesse sentido, segue

passagem elucidativa de Hübner Mendes:

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Este (legislador) é obrigado a produzir normas prospectivas, gerais e abstratas, que regula situações no atacado. Nem sempre terá facilidade para perceber as implicações de direitos fundamentais. Quando muito, é capaz apenas de especular sobre quais serão seus efeitos reais na sociedade. A corte, ao contrário, analisa a lei após essa ter sido processada por episódios reais. Mais do que isso, a corte é treinada numa metodologia decisória mais pertinente para lidar com as mínimas nuances morais de um caso de direitos fundamentais: decide caso a caso, de modo incremental, construindo uma jurisprudência rica em detalhes que a regra geral jamais poderá. Diferentemente do legislador, que olha somente para o futuro, a corte tem uma abordagem tanto retrospectiva quanto prospectiva (e modula os efeitos que a decisão presente terá em casos futuros). É uma metodologia que opera de baixo para cima (bottom up), dos casos concretos para generalizações modestas. 20

Dessa forma percebe-se que o juiz não poderia ser considerado infalível, porém estaria

mais apto a decidir corretamente. Ronald Dworkin, ainda defende que, a corte constitucional,

concentraria seu impulso cognitivo nos princípios, em contraponto aos fatores que levam os

membros do Poder Legislativo votar em uma lei. Além do mais, através de debates, e da

consideração argumentativa de todos, poderia a sociedade participar de forma mais relevante

apresentando fundamentos às decisões, que promoveriam uma legitimidade democrática mais

direta, do que através do voto para a eleição de representantes do povo, que supostamente

tomariam suas decisões motivadas pela vontade comum. 21 Ainda nesse sentido, segue trecho

do autor acima referido, livremente traduzido por José Ribas Vieira:

Cidadãos numa democracia têm de estar aptos a participar não só espasmodicamente, em eleições realizadas de tempos em tempos, mas constantemente através de um debate informado e livre. Esses requisitos óbvios sugerem o que outras nações a muito já perceberam: que o Parlamento precisa ser limitado de forma que haja democracia genuína e não um embuste. 22

20 MENDES, op. cit., p. 65. 21 DWORKIN, Ronald. Democracy and Constitutionalism. p.11 Adding to a political system a process that is institutionally structured as a debate over principle rather than a contest over power is nevertheless desirable, and that counts as a strong reason for allowing judicial interpretation of a fundamental constitution”. Nesse mesmo sentido, “The public participates in the discussion (…) but it does so not in the ordinary way, by pressuring officials who need their votes or their campaign contributions, but by expressing convictions about matters of principle. 22 RIBAS VIEIRA, José e outros. Diálogos institucionais e ativismo. Curitiba: Juruá, 2010, p.34. Tradução livre de “[...] Citizens of a democracy must be able to participate in government not just spasmodically, in elections from time to time, but constantly through informed and free debate about their government´s performance between elections. Those evident requirements suggest what other nations have long ago realized: that Parliament must be constrained in certain ways in order that democracy be genuine rather than sham”.

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Tal trecho de Ronald Dworkin acaba por ser uma própria armadilha aos defensores de

uma corte detentora da prerrogativa da “última palavra”. Esse debate informado e livre ao

qual alude o autor em epígrafe, em muito se assemelha, inclusive, ao próprio trecho em

destaque, às proposições de Peter Häberle, autor que será objeto de estudo adiante. Dessa

forma, ao se constatar a necessidade de participação popular, passa-se ao questionamento da

verdadeira capacidade das cortes de proferirem uma decisão definitiva. Em tese, a

participação popular seria representada pelo legislativo, ainda que indiretamente. Não haveria

então sustentabilidade em se mitigar a participação da instituição eivada de legitimidade

democrática, em favorecimento de uma corte constitucional. A defesa parlamentar será

analisada no capítulo a seguir e seus argumentos, naturalmente também podem ser

contestados, o que revelaria a interminável discussão, representada pelo embate entre cortes e

parlamentos, o que, no entanto não pode ser uma idéia engessada e totalmente estática.

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2. JEREMY WALDRON E A ARGUMENTAÇÃO EM FAVOR DO PARL AMENTO

2.1 Jeremy Waldron e a cadeia argumentativa em favor do parlamento

Com base no que foi brevemente exposto, é possível observar que existem importantes

questões relativas ao tema que admitem uma posição contrária, nesse sentido figura como

principal expoente, Jeremy Waldron. No presente capítulo, almeja-se apresentar os principais

argumentos que ensejaram a crise do “judicial review” e da preferência pela corte

constitucional como detentora da “última palavra” em matéria de direitos fundamentais.

Uma das questões mais relevantes será, indubitavelmente, ponderar a dicotomia

justificadora da preferência em favor do Poder Legislativo, que se resume, na legitimidade

decorrente da representatividade eleitoral, e na regra da maioria que enseja a promoção da

igualdade, visto que no procedimento majoritário o voto de cada um é valorado de forma

igualitária.

Um dos pilares prescritivos de Waldron, se resume na importância da presença do

desacordo ou não unanimidade na interpretação de direitos fundamentais e princípios

constitucionais. Assim nos termos do professor Rodrigo Brandão:

Waldron se celebrizou por formular objeção à concepção liberal de que as questões de direito (principles) deveriam ser colocadas à margem do poder de deliberação das maiorias, a qual, por sua vez, se restringiria a questões de política (policies). A seu ver, tal perspectiva relega a incidência do desacordo apenas à definição de objetivos e metas sociais (políticas públicas), pressupondo, por outro lado, a existência de uma resposta certa a respeito dos direitos individuais. Esta assertiva seria infactível em virtude das profundas divergências que distinguem as concepções libertárias, liberais, e social-democratas – as quais enfatizam, respectivamente, as liberdades econômicas, as liberdades civis e a justiça social – se reproduzirem não só no âmbito da sociedade, mas também na Suprema Corte. 23

Nesse sentido, a primeira constatação relevante às ponderações de Jeremy Waldron

revela que o autor não repugna a existência de um “judicial review”, porém o mesmo só

23 BRANDÃO, op.cit., p. 187.

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poderia ocorrer de forma moderada, ou seja, não haveria a possibilidade de a corte

constitucional revogar uma norma incidentalmente através controle de constitucionalidade da

mesma. Waldron sistematiza o seu estudo, baseando-se em dois pólos, os quais seriam de

acordo com a tradução livre do professor Hübner Mendes, a “situação típica” e a “situação

atípica”. 24 Dessa forma, a definição da “situação típica” resultaria da soma de quatro

pressupostos; instituições democráticas em bom funcionamento, instituições judiciais não

representativas em bom funcionamento, um compromisso genuíno da maioria da sociedade

com a idéia de direitos, e um persistente desacordo de boa-fé sobre direitos. 25 Nesse caso, a

“ judicial review” não seria legítima. Em caso de uma conjuntura em que os pilares,

mencionados acima, se encontrassem esvaziados, restaria por caracterizada à chamada

“situação atípica” cuja revisão judicial poderia até ser aceitável desde que se restasse

comprovada a ineficácia da possibilidade parlamentar, ou a maior eficácia daquela. Ou seja,

num quadro visivelmente prejudicial à democracia, visto um parlamento dominado pela

corrupção ou por ideologias como o racismo, exemplificam um quadro patológico que

ensejaria a revisão judicial de forma a prevenir e combater tal situação.

Na concepção de Waldron, os principais argumentos, que penderiam a favor da

revisão parlamentar, girariam em torno, do direito à participação democrática e do princípio

da equidade proporcionado pelas decisões majoritárias, ou seja, a chamada “regra da

maioria.” Essa participação democrática se efetivaria através de eleições equitativas, cujos

eleitos, nas mesmas, receberiam o encargo de representar, ou seja, o parlamento se incumbiria

no papel de representante. A representação se justifica visto a impossibilidade de serem

realizadas grandes assembléias onde todos os cidadãos tivessem direito de voz, nesse sentido,

visto essa limitação, a cada um é atribuído um voto com exata e igual valoração, de modo

através de representantes, a exercer indiretamente o governo. O Poder Judiciário, partindo-se

24 MENDES, op. cit., p. 79. 25 ibid., p. 80.

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dessa premissa, possuiria um caráter não representativo. A composição parlamentar seria

responsável por estimular a formação de bases ideológicas, que competiriam entre si,

permitindo a diversidade inerente à competição política, ou seja, o parlamento coletaria

pontos de vista, informações, sobre todos os ângulos, levando se em consideração os diversos

interesses em jogo e convergências dos mesmos. Assim sendo, o Poder Legislativo não estaria

preso na lógica adversarial presente em uma relação processual, de forma a ser indicado em

caso de conflitos com multiplicidade de partes e interesses, que fugiriam a lógica da oposição

processual.

Outro aspecto, digno de ser mencionado, diz respeito, à chamada “física do

consentimento”, que, nas abordagens de Waldron, seria responsável pela viabilidade do

convívio em sociedade. A decisão pautada na maioria, em razão de sua moralidade,

viabilizaria a integração popular, pois seria moralmente compreendida por um maior número

de pessoas. Ou seja, não haveria muito sentido em se defender a predominância de uma

posição minoritária, visto que, agindo-se de tal forma, se restariam por caracterizadas

distorções em relação à equidade.

Nesta linha de raciocínio, não se deve afirmar que, pelo simples fato de ser uma

decisão baseada no voto de uma maioria, existem direitos minoritários suprimidos. Jeremy

Waldron admite a existência em determinados casos, de uma “tirania da maioria”, que

ocorreria quando houvesse a confusão entre as chamadas “maiorias tópicas” e “maioria

decisórias” o que caracterizaria a sua conhecida “situação atípica”. Nesse sentido, cabe citar a

elucidação de Hübner Mendes:

Essa é uma distinção importante de Waldron. Maioria ou minoria “tópica” corresponde ao grupo de pessoas que é atingido pela decisão (não ao que votou nela), seja por acréscimo ou decréscimo de direitos. A maioria ou minoria “decisória” se refere aos que votam para um ou para outro lado. Pessoas que levam direitos a sério tomam posição independemente de se beneficiarem ou de se prejudicarem pessoalmente com a decisão. Somente quando uma minoria decisória coincide sistematicamente com a minoria tópica, para Waldron, há um sinal da real

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existência de uma minoria “insular e separada”, que pode estar sofrendo a tirania da maioria. 26

O problema não reside no fato da decisão ser tomada pela maioria e sim quando ocorre

um erro. Dessa forma, uma decisão errada, pode ser tomada tanto pelo parlamento quanto pela

corte constitucional, visto que, o equivoco está ligado ao aspecto intrínseco material e não

com o aspecto extrínseco procedimental.

Ademais, um valor sustentado por uma maioria, não demora a se concretizar.

Apresenta-se elucidativo a visão de Robert Bork, onde a tirania da maioria só ocorre se a

legislação invadir as áreas privativas da liberdade individual. E a tirania da minoria ocorreria

quando a maioria fosse impedida de se impor, apesar de possuir legitimidade para tal. 27

Por conseguinte, muitos doutrinadores combatem a argumentação em favor da

“ judicial review”, que ressalta um suposto pré-comprometimento tácito, que ocorre no

momento de promulgação da constituição vigente. Sob o aspecto abstrato, uma constituição

pode ser aceita e funcionar, porém seus efeitos concretos não podem ser mensurados senão

com sua implementação prática, e por essa razão, não haveria como provir uma espécie de

vinculação anterior à experiência proporcionada pelo caso concreto. A constituição não pode

“engessar” gerações que não se manifestaram quando de sua elaboração e promulgação.

Ponto importante a ser ressaltado é que, para Waldron28, o controle de

constitucionalidade é eivado de ilegitimidade democrática, tendo em vista que:

A positivação de direitos em Constituições rígidas implica a exigência de obtenção de supermaiorias para a alteração do seu conteúdo, do que decorre certa imunidade contra mudanças da cláusula entrincheirada na Constituição, inabilitando o legislador a exercer a sua natural função de rever o direito positivo, o que, ademais, permitiria o entrincheiramento constitucional de privilégios. 29

26 ibid., p. 87 27 BORK Robert. Neutral Principles and Some First Amendments Problems p. 8. Majority tyranny occurs if legislation invades the areas properly left to individual freedom. Minority tyranny occurs if the majority is prevented from ruling where its power is legitimate. 28 BRANDÃO, op.cit., p. 188. 29 ibid, p. 188.

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Assim sendo, Waldron30 não reconhece uma ligação direta e determinante entre a

proteção de direitos fundamentais e o controle de constitucionalidade. A interpretação

decorrente do Poder Judiciário estaria sujeita a um desacordo muito maior do que uma

interpretação decorrente de um Poder diretamente eleito, eivado de legitimidade democrática,

o que contribuiria por sua vez para o badalado conceito de autodeterminação dos povos. O

aludido jurista considera o fato de que a legitimidade do parlamento não pode ser considerada

perfeita. Ainda assim, em face da impossibilidade de se estabelecer uma conjectura de

democracia direta, em razão do alto índice demográfico o Poder Legislativo representaria o

melhor candidato à determinação da última palavra. Waldron31 ressalta a responsabilidade

eleitoral e a pluralidade da composição parlamentar que seria responsável por refletir às

diferenças e desacordos sociais.

30 ibid., p. 188. 31 ibid., p. 188.

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3. PETER HÄBERLE COMO UMA ALTERNATIVA AO SUPOSTO IS OLAMENTO

POLÍTICO DA CORTE

3.1 Suposto isolamento político da corte

Inicialmente, como de certa forma uma parte introdutória ao presente capítulo,

cumpre-se promover a desmistificação do suposto isolamento político da Corte

Constitucional, defendida por autores como o próprio Dworkin. Nesse sentido, perfeita a

constatação de Hübner Mendes:

Não se deve obscurecer a lógica elementar da autoridade e confundir situações em que o juiz age como um terceiro não interessado (como em conflitos entre dois indivíduos, por exemplo), com o cenário muito mais conflituoso e impactante do controle de constitucionalidade. Nesse terreno, não há uma autoridade que esteja na condição de terceiro não interessado, que não possa julgar em causa própria. Os efeitos de suas decisões atingem a todos e o desacordo continuará a ser reinante. Portanto, melhor que tal autoridade seja o parlamento, tanto pelo valor moral que o alimenta, quanto por sua melhor capacidade de alcançar soluções mais balanceadas em face de temas irremediavelmente controversos. 32

Como já mencionado, no caso brasileiro, o Supremo Tribunal Federal não pode ser

considerado uma corte isolada de influências políticas. Exemplo crasso de tal interferência

pode ser evidenciado na mudança de posição que ensejou indignação em parte da doutrina,

pelo então ministro Eros Grau, em seu voto favorável à constitucionalidade da contribuição

dos servidores inativos na ADI 3105-8. O ministro votou a favor da constitucionalidade,

mesmo tendo elaborado um trabalho acadêmico, fundamentando minuciosamente a

inconstitucionalidade de tal desconto sobre a receita de servidores inativos. Poderia ser

considerado incompreensível o referido comportamento contraditório, caso fosse

desconhecido que a indicação do jurista em comento, ao quadro do Supremo, foi efetivada

32 MENDES, op.cit. p. 90

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pelo então presidente, Luis Inácio Lula da Silva, e que tal tributação, caso não efetivada, não

se coadunaria com os interesses do governo.33

Ademais, é notório que a tecnicidade e o suposto isolamento não representativo do

Poder Judiciário não o tornam inatingível às influencias e constrições no processo cognitivo

de suas decisões. O próprio relacionamento entre ministros, a relação com os demais poderes,

a crítica popular e ainda a análise da viabilidade prática da decisão a ser adotada, são pilares

de influência que diminuem a distância do aludido isolamento. Cabe ressaltar que, a

nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal é realizada pelo próprio Presidente da

República após a aprovação do Senado Federal de acordo com o disposto no artigo nº 84,

inciso XIV da constituição federal. Por outro lado, apesar de supostamente majoritário, o

procedimento do Poder Legislativo também enfrenta sérios bloqueios que acabam a acarretar

numa atuação mínima ou inércia do mesmo. Neste âmbito, imperiosa a constatação de

Rosalind Dixon:

Blind Spots – pontos cegos de compreensão da existência de um dever de agir de parte do Legislativo na proteção e garantia a direitos; e escolhas políticas (censuráveis) desse mesmo parlamento, quando convencido do que, do ponto de vista eleitoral, seja-lhe menos custoso manter-se inerte – burden of inertia – do que adotar uma decisão impopular”.34

O Supremo Tribunal Federal também possui momentos em que podem ser percebidos

os chamados “Blind Spots” quando deixa de se pronunciar por entender ser uma questão

políticamente desfavorável. Assim, não se enfocará neste momento, o mérito das opiniões

existentes acerca desse conflito, mas a hipótese principal do presente estudo, em linhas gerais,

é averiguar a viabilidade de se contornar toda a argumentação acima esposada, em prol de

ambos os Poderes de forma dialógica, ou seja, através de uma contribuição mútua para fins de

aperfeiçoamento decisório em questões que envolvem direitos fundamentais. Nesse sentido, a

visão ampliativa de intérpretes de Peter Häberle apresenta importante contribuição. 33 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Adin 3105-8. Relator: Ministro Eros Grau. Disponível em: < HTTP://www.stf.jus.br/portal/jurisprudência >. Acesso em: 17 out. 2013. 34DIXON. Rosalind. Creating dialogue about socioeconomic rights. International Journal of Constitutional Law, p. 391-418. apud. RIBAS VIEIRA, José. Diálogos institucionais e ativismo. Curitiba: Juruá, 2010, p. 54.

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3.2 Peter Häberle e “A sociedade aberta dos intérpretes da constituição”.

Em relação há um suposto “engessamento” de gerações, cabe se ressaltar o trabalho de

Peter Häberle intitulado “A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição”, no qual o

autor defende o acesso popular à interpretação constitucional. Imperioso destacar a seguinte

passagem de sua obra:

Não se conferiu até aqui maior significado à questão relativa ao contexto sistemático em que se coloca um terceiro (novo) problema relativo aos participantes da interpretação, questão que, cumpre ressaltar, provoca a práxis em geral. Uma análise genérica demonstra que existe um círculo muito amplo de participantes do processo de interpretação pluralista, processo este que se mostra muitas vezes difuso. Isto já seria razão suficiente para a doutrina tratar de maneira destacada esse tema, tendo em vista, especialmente, uma concepção teórica, científica e democrática. A teoria da interpretação constitucional esteve muito vinculada a um modelo de interpretação de uma ‘sociedade fechada’. Ela reduz, ainda, seu âmbito de investigação, na medida em que se concentra, primariamente, na interpretação constitucional dos juízes e nos procedimentos formalizados. Se se considera que uma teoria da interpretação constitucional deve encarar seriamente o tema ‘Constituição e realidade constitucional’ – aqui se pensa na exigência de incorporação das ciências sociais e também nas teorias jurídico-funcionais, bem como nos métodos de interpretação voltados para atendimento do interesse público e do bem-estar geral –, então há de se perguntar, de forma mais decidida, sobre os agentes conformadores da ‘realidade constitucional. 35

Ainda nesse sentido, cabe elucidar trecho do Livro do professor Claudio Pereira de

Souza Neto e Daniel Sarmento:

Como afirmou Häberle, a Constituição expressa uma “situação cultural dinâmica”: funciona, para o povo, não só como “espelho de seu legado cultural”, mas também como “fundamento de suas esperanças”. É por isso que, para estabelecer a “identidade constitucional”, é necessário reconstruir o “entrelaçamento do passado dos constituintes com o próprio presente e ainda com o futuro das gerações vindouras. 36

A aludida “sociedade fechada” dos intérpretes da constituição se resumiria na

limitação interpretativa aos exeqüentes naturais, como os operadores de direito, magistrados

35HÄBERLE, Peter, Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a Interpretação Pluralista e “Procedimental da Constituição, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: 1997, p. 10-11. apud. MENDES FERREIRA, Gilmar. Direitos fundamentais e Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2009. Pág. 463-464. 36HÄBERLE, Peter, Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a Interpretação Pluralista e “Procedimental da Constituição, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: 1997, p. 10-11. apud. SOUZA NETO, Claudio Pereira de. Direito Constitucional – Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Forum, 2013. p. 251.

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entre outros, porém Peter Häberle defende a ampliação para a participação em uma

“sociedade aberta” de atores sociais e a própria sociedade. O ministro Gilmar Ferreira Mendes

é profundo conhecedor das explanações do jurista alemão, sendo inclusive tradutor de sua

obra. Segue outra passagem que evidencia a ampliação do campo interpretativo:

A estrita correspondência entre a vinculação (à Constituição) e legitimação para a interpretação perde, todavia, o seu poder de expressão quando se consideram os novos conhecimentos da teoria da interpretação: interpretação é um processo aberto. Não é pois, um processo de passiva submissão, nem se confunde com a recepção de uma ordem. A interpretação conhece possibilidades e alternativas diversas. A vinculação se converte em liberdade na medida em que se reconhece que a nova orientação hermenêutica consegue contrariar a ideologia da subsunção. A ampliação do círculo de intérpretes aqui sustentada é apenas a conseqüência da necessidade, por todos defendida, de integração da realidade no processo de interpretação. É que os intérpretes em sentido amplo compõem essa realidade pluralista. Se se reconhece que a norma não é uma decisão prévia, simples e acabada, há de se indagar sobre os participantes no seu desenvolvimento funcional, sobre as forças ativas da law in public action (personalização, pluralização da interpretação constitucional!) 37.

Ainda nesse âmbito, defensores do parlamento inferem que a corte não seria eficiente

em promover o debate público visto utilizar em suas decisões o vocabulário jurídico, ou seja,

expressões unicamente compreensíveis pelos operadores do direito a exemplo de brocardos

latinos, o que naturalmente dificultam a comunicação com o cidadão médio. O presente

argumento é facilmente rechaçado nas ponderações do autor em evidência.

Peter Häberle combate a idéia de isolamento da corte, visto que a interpretação

constitucional não seria exclusivamente um evento exercido pelo estado, desse modo, o

acesso potencial da comunidade política, a formulação de um recurso por uma parte em um

processo, ou os próprios partidos políticos. Não existiria apenas atos políticos através da

interpretação e aplicabilidade das normas, também existiria interpretação constitucional por

meio da política. Nesse âmbito, cabe mencionar nova passagem da obra:

O muitas vezes referido processo político, que, quase sempre, é apresentado como uma sub-espécie de processo livre em face da interpretação constitucional, representa, constitucione lata e de fato, um elemento importante – mais importante do que se supõe geralmente – da interpretação constitucional, (política como interpretação constitucional). Esse processo político não é eliminado da Constituição, configurando antes um elemento vital ou central no mais puro sentido da palavra: ele deve ser comparado a um motor que impulsiona esse processo. Aqui, verificam-se o movimento, a inovação, a mudança, que também contribuem para o

37 HÄBERLE, op.cit., p. 464.

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fortalecimento e para a formação do material da interpretação constitucional a ser desenvolvida posteriormente. Esses impulsos são, portanto, parte da interpretação constitucional, porque no seu quadro, são criadas realidades públicas e, muitas vezes, essa própria realidade é alterada sem que a mudança seja perceptível. O poder de conformação de que dispõe o legislador enquanto intérprete da constituição diferencia-se, qualitativamente, do espaço que se assegura ao juiz constitucional na interpretação, porque este espaço é limitado de maneira diversa, com base em argumentos de índole técnica. Isso não significa, porém, que de uma perspectiva quantitativa, exista diferença fundamental entre as duas situações. 38

O juiz constitucional, ao considerar um ato legislativo, leva em consideração o

processo político, visto que, o esse, desenvolve pontos de vista a serem adotados na

implementação de políticas públicas por exemplo. O legislador, assim, atua como estimulo da

interpretação e mutação do sentido constitucional. Nesse sentido ainda:

Fator essencial e muito ativo é a própria Ciência do Direito Constitucional. A jurisdição constitucional é um catalisador essencial, ainda que não o único, da Ciência do Direito Constitucional como interpretação constitucional. A sua efetiva influência suscita indagação sobre a sua legitimação, questão que também se aplica para as outras forças participantes do processo de interpretação e que reclama uma análise dos pontos até aqui desenvolvidos. 39

Presente em grande parte desta pesquisa é a discussão em torno da legitimidade

parlamentar, caracterizada por seu pedigree democrático e a legitimidade da corte

constitucional. Desse modo, cabe ressaltar qual seria a legitimidade de se permitir a extensão

para intérpretes não previstos como a sociedade. As forças sociais e privadas seriam

elementos integrantes da Constituição e não meros fatores externos, elementos integrantes da

realidade constitucional e da publicidade e dessa forma restaria justificada a legitimidade para

atuar como sujeitos da interpretação constitucional. Sendo assim, segue passagem elucidativa.

Do ponto de vista teorético-constitucional, a legitimação fundamental das forças pluralistas da sociedade para participar da interpretação constitucional reside no fato de que essas forças representam um pedaço da publicidade e da realidade da Constituição (ein Stück Öffentlichkeit und Wirklichkeit der Verfassung), não podendo ser tomadas como fatos brutos, mas como elementos que se colocam dentro do quadro da Constituição: a integração, pelo menos indireta, da “res publica” na interpretação constitucional em geral é expressão e conseqüência da orientação constitucional aberta no campo de tensão do possível, do real e do necessário (“in das Spannungsfeld des Möglichen, Wirklichen und Notwendigen gestellten Verfassungsverständisses”). Uma Constituição que estrutura não apenas o Estado em sentido estrito, mas também a própria esfera pública (Öffentlichkeit), dispondo sobre a organização da própria sociedade e, diretamente, sobre setores da vida

38 HÄBERLE, op cit., p. 26 39 ibid., p. 28.

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privada, não pode tratar as forças sociais e privadas como meros objetos. Ela deve integrá-las ativamente enquanto sujeitos. 40

E ainda sob o aspecto da teoria da democracia como legitimação:

Povo não é apenas referencial quantitativo que se manifesta no dia da eleição e que, enquanto tal confere legitimidade democrática ao processo de decisão. Povo é também um elemento pluralista para a interpretação que se faz presente de forma legitimadora no processo constitucional: como partido político, como opinião científica, como grupo de interesse, como cidadão. A sua competência objetiva para a interpretação constitucional é um direito da cidadania no sentido do art. 33 da Lei Fundamental. Dessa forma, os Direitos Fundamentais são parte da base de legitimação democrática para a interpretação aberta tanto no que se refere ao resultado, quanto no que diz respeito ao círculo de participantes (Beteiligtenkreis). Na democracia liberal o cidadão é intérprete da Constituição! Por essa razão, tornam-se mais relevantes as cautelas adotadas com o objetivo de garantir a liberdade: a política de garantia dos direitos fundamentais de caráter positivo, a liberdade de opinião, a constitucionalização da sociedade, v.g, na estruturação do setor econômico público. 41

Diante de todo acima exposto, vislumbrou se que o diálogo poderia se manifestar

através da inércia minimalista de uma das instituições, ou através de uma postura

interdependente entre a corte e a sociedade. No desenvolvimento dos capítulos acima, restou

evidente o impasse do debate que se encontra nas proposições de Dworkin e Waldron. Uma

deferência da corte em relação ao parlamento ou em vice-versa. Ainda nesse sentido, ressalte

se ainda que tênue a linha de semelhança entre o debate proposto por Dworkin e o debate

proposto por Häberle, ambos ressaltando a importância da participação popular direta. Sendo

examinado, conclui se que dificilmente se caracteriza o isolamento político da corte

constitucional e o mesmo ainda recebeu o enfrentamento no trabalho pioneiro de Peter

Häberle. Assim sendo, o que se pretende a partir do presente momento é explanar que há

alternativas para a questão e que elas se encontram sobre o abrigo das teorias dialógicas, num

sentido em que acarretará ou não na mitigação da idéia de última palavra, ou de

preponderância exclusiva de um intérprete final.

40 ibid., p. 33. 41 ibid. p. 38

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4. AS REDES TRANSVERSAIS E HORIZONTAIS DA CONSTRUÇÃO DE UM

PENSAMENTO: TEORIAS DIALÓGICAS

4.1 Diálogos através de uma postura passiva

Diante do exposto, a monografia que aqui se propõe visa a fomentar a atual discussão

existente em relação às teorias dialógicas, pontuando inicialmente, e de forma bastante

genérica, noções embrionárias, plantadas pelos grandes nomes da doutrina mundial, a fim de

esboçar de forma genérica um ponto de partida.

Demonstra-se veemente, em qualquer início de digressão histórico-dialógica lembrar

os ensinamentos de Alexander Bickel. O autor foi responsável por inúmeras indagações de

grande relevância, porém não conseguiu apresentar as melhores soluções. É o autor da

expressão “dificuldade contra majoritária” que aparece em sua obra intitulada “The Last

Dangerous Branch”. 42 Bickel defendia, de forma normativa, uma corte constitucional imbuída

de virtudes políticas, o que pode ser explicado, visto que o autor em evidência tentava

classificar o ativismo judicial exercido pela corte, em tempos de Martin Luther King43 e a luta

pela igualdade de direitos à comunidade de afro-descendentes nos Estados Unidos em 1960.

Apesar de influenciada por fatores externos ao direito, a corte permaneceria imune a

posicionamentos ideológicos, visto seu natural distanciamento e imparcialidade. Surge então a

expressão de que a corte seria um “animal político”.

42 BICKEL, Alexander. The root difficulty is that judicial review is a counter-majoritarian force in our system”. “ The Least Dangerous Branch. p. 16. 43 Martin Luther King, Jr. (January 15, 1929 – April 4, 1968) was an American clergyman, activist, and prominent leader in the African American civil rights movement. He is best known for being an iconic figure in the advancement of civil rights in the United States and around the world, using nonviolent methods following the teachings of Mahatma Gandhi. King is often presented as a heroic leader in the history of modern American liberalism. Disponível em <http:// www.wikipedia.com, > acessado em 21.07.2014.

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Importante contribuição de Alexander Bickel pode ser percebida no tocante as

chamadas “virtudes passivas” onde a corte constitucional por não poder ser obrigada a

legitimar tudo que não considere constitucional simplesmente se quedaria inerte. Ou seja, a

questão de princípio, por não possuir resolução imposta pelo Poder Judiciário, passa a estar

sujeito ao amadurecimento temporal, através do debate popular, experiência concreta entre

outras formas. Naturalmente a Suprema Corte Americana possuiria formas de exteriorizar sua

passividade através de instrumentos como o “certiorari”, “standing”, a “political question

doctrine” entre outros. O momento de decidir seria mensurado através “expendecy” uma

espécie de conveniência e oportunidade em paralelo a dimensão principiológica, porém

caracterizado, o ônus decisório por uma atuação conjunta.44 Essa aparente inatividade

judiciária, produz o espaço necessário para o desenvolvimento de um diálogo institucional,

visto que o Poder legislativo é compelido a se pronunciar e a sociedade também, nesse sentido

desenvolve-se, nas palavras de Bickel, um colóquio, “colloquy”. 45 Os princípios nesse

sentido, se desenvolveriam de forma dialógica e não através de uma imposição da corte, no

sentido em que compreendesse o correto ou lhe conviesse.46 Por fim, cabe ressaltar que Bickel

atribui um prazo determinado de vida útil aos princípios o que infere diretamente na

temporalidade das decisões da corte, o que apresenta um dos fundamentos para a “última

palavra provisória” conceito desenvolvido por Conrado Hübner Mendes que será analisado

mais adiante. 47

44BICKEL, Alexander. op. cit. p. 63 No good society can be unprincipled; and no viable society can be principle-ridden. But it is not true in our society that we are generally governed wholly by principle in some matters and indulge a rule of expendiency exclusively in others. 45ibid. p. 70. …engage the Court in a Socratic colloquy with other institutions of government and with society as a whole. 46ibid. p. 244. Principle may be an universal guide, not an universal constraint, that leeway is provided to expediency along the path to, and alongside the path of, principle, and, finally, that principle is evolved conversationally nor perfected unilaterally. 47 ibid. p. 244. And so what one means by ultimate, final judgment of the Court is quite frequently a judgment ultimate and final for a generation or two.

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4.1.1 Exteriorização de uma postura passiva através do Minimalismo de Cass Sunstein

Seguindo, nesse breve prefácio histórico, passa-se a análise de Cass Sunstein que

desenvolveu o chamado “minimalismo”. O minimalismo surge a partir de duas situações

básicas que cabem ser elucidadas no presente trabalho.

Em primeiro plano, devem ser destacadas as próprias limitações logísticas, como a

falta de tempo e escassez de conhecimento técnico inerente a qualquer instituição, e ainda o

fato de haver uma predisposição, ou pós-disposição política e ideológica no âmbito interno de

cada uma das aludidas corporações. Nos termos do próprio Cass Sunstein, em seu trabalho

conjunto com Adrian Vermeule, “limitações importantes” 48. Com fins exemplificativos da

problemática brasileira, pode ser adotado o próprio Poder judiciário, onde tais limitações são

visíveis seja pela absurda morosidade provocada por uma demanda crescente de processos e

um ritmo lento de investimentos na área da infra-estrutura do aparato judicial. Fugindo-se do

lugar comum, podemos citar como exemplo de limitações, os posicionamentos clássicos

adotados por órgãos colegiados de 2ª Instância, ou pela Defensoria Pública ou pelo Ministério

Público. Ainda nesse sentido, a lógica do prazo para que o concursado adquira a estabilidade,

ou a própria sistemática de promoção por antiguidade e merecimento enjaula em alguns casos,

sem desconsiderar belíssimas exceções, qualquer sopro de inovação interpretativa em termos

de normas infraconstitucionais, e de forma direta ou indireta o próprio texto da magna carta.

Em segundo plano, o minimalismo surge através de sua antítese, a qual seria

representada pelas decisões maximalistas. No caso esse “segundo aspecto se refere aos efeitos

sistêmicos de determinada linha interpretativa, ou seja, as conseqüências para atores públicos

e privados variados.” 49 Decisões maximalistas possuem um escopo de alcance extremamente

amplo, principalmente nos casos onde imbuídas de eficácia erga omnes. Assim infere-se que

48SARMENTO, Daniel. Vinte anos da Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 317. 49SUNSTEIN Cass e Vermeule, Adrian.. Interpretation and institutions., Pág. 886. apud BRANDÃO, RODRIGO. Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais de. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 184.

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qualquer erro, ou desvio interpretativo tem como resultado negativo um escopo muito mais

amplo de atingidos. “Com efeito, situações podem ser inadvertidamente atingidas pela decisão

maximalista (casos de sobreinclusão), contrariando a sua própria teleologia.” 50

Diante do acima exposto, surgem os defensores das decisões minimalistas. Essa

corrente teórica consistiria em atribuir a corte a função de decidir o caso concreto,

fundamentando apenas o necessário para justificar o resultado, sendo totalmente passiva no

tocante a acepções genéricas que pudessem influenciar em outros casos. Desse modo, estaria

minimizado o dano de eventual erro decisório, limitando-se o mesmo apenas ao caso em que

foi cometido. Assim sendo a atividade cognitiva do juiz estaria impedida de desenvolver

teorias com o objetivo de aplicação genérica e sim limitada a solucionar o caso concreto em

seus aspectos singulares. Dessa forma, a decisão minimalista não encerra um debate,

possibilitando novas argumentações posteriores, relacionadas ao mesmo tópico. Ou seja, os

minimalistas se quedam inerte frente a questões envolvendo princípios fundamentais. Essa

concretude depende do nível de abstração que deve ser mínimo. Minimalismo seria uma

corrente minimamente abstrata o que caracterizaria nas palavras do autor Cass Sunstein o

chamado “acordo teórico incompleto” (Incompletely Theorized Agreements). 51 Nesse sentido,

juízes por não inovarem teoricamente contribuiriam para a estabilidade do ordenamento.

Assim, um ordenamento jurídico estável, porém injusto, naturalmente seria levado à

instabilidade, o que ocorre visto que a corte não consegue se sustentar se for diametralmente

de encontro à opinião pública. Nesse caso, ocorreria o chamado desacordo. Uma técnica para

reduzir desacordos entre juízes, mitigando o embate teórico, promoveria o desacordo entre o

Poder judiciário e a população, levando ao debate e apresentando a acepção criativa de

tempos de divergência ideológica. Nesse mesmo sentido o próprio autor destaca o caráter

50BRANDÃO, op.cit. p. 184. 51SUNSTEIN, op cit. p. 887. Incompletely theorized agreements have many; but their virtues are partial. Stability, for example, is brought about by such agreements, and stability is usually desirable; but a constitutional system that is stable and unjust should probably be made less stable. Constitutional Agreements Without Constitutional Theories.

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inovador do desacordo.52 O “acordo teórico incompleto” contribuiria para manter uma

sociedade pluralista, ou seja, para a convergência de interesses majoritários e minoritários. 53

Em uma primeira abordagem, pode ser considerado interessante localizar O “acordo

teórico incompleto” de Sunstein como antítese ao conceito de “compromissos dilatórios” de

Carl Schmitt, nos exatos termos do professor Rodrigo Brandão:

Duas técnicas principais são usadas para compatibilizar o reconhecimento de cosmovisões diferentes com a estabilidade social (e a conseqüente necessidade de obter-se um consenso moral mínimo): os compromissos dilatórios e os acordos incompletamente teorizados. Os primeiros, tipicamente adotados nas Constituições nacionais, consistem em acordos quanto a princípios, diante da persistência do desacordo em relação a normas especificas (i.e., acordo quanto à liberdade de expressão, ainda que haja desacordos profundos quanto à regulação da mídia). Já os segundos consistem no oposto: acordos quanto a decisões sobre casos concretos, mantendo-se o desacordo quanto aos seus fundamentos mais gerais (i.e., acordo quanto à segregação da mulher no mercado de trabalho violar a igualdade, embora não se partilhe da mesma concepção de igualdade).54

Nesse sentido, o que você possui nada mais é do que uma corrente ciente de questões,

que foram debatidas na seara moderna, a exemplo da dificuldade contra majoritária, a falta de

identidade de minorias ou até em alguns casos maiorias, na chamada tirania da minoria. O

minimalismo de Cass Sunstein pode ser considerado também um embate frontal à concepção

de “Juiz Hércules” de Ronald Dworkin. Nesse sentido, destaca-se o fato de a formação do

magistrado, em termos do judiciário brasileiro, é basicamente jurídica. Como decidir questões

de alta complexidade em matérias as quais não fazem parte do currículo do juiz em questão, a

exemplo de temas relacionados à medicina, bioética ou a própria evolução tecnológica

perfeitamente representada, com as relações virtuais, entre outros temas. A teorização

genérica não se apresentaria como solução aplicável a todos os casos para essa corrente.

A defesa de Sunstein em relação à postura minimalista não é absoluta, visto que o

autor seleciona temas como o conjunto de direitos básicos dos americanos, previstos

52SUNSTEIN, op cit. p.888. In law, as in politics, disagreement can be a productive and creative force, revealing error, showing gaps, moving discussion and results in good directions. 53SUNSTEIN, op cit. p.888. A key task for a legal system is to enable people who disagree on first principles to converge on outcomes in particular cases. Incompletely theorized agreements help to produce judgments on relative particulars amidst conflict on relative abstractions. 54BRANDÃO, op.cit. p. 184.

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constitucionalmente, que requerem uma decisão profunda, ou seja, com um nível de abstração

e profundidade maior.55 Mesmo assim, para o autor em evidência, a postura minimalista

também é fundamental para a democracia, e sua principal benesse seria a possibilidade de

redução de erros e de conseqüências antecipadas, afastando se a “postura pavão”, do poder

judiciário, em face de existir, em alguns casos, uma visão distorcida que envolve o status de

ser magistrado.

Os autores supracitados, a exemplo de Bickel e Sunstein são representantes de uma

vertente doutrinária que contempla uma postura omissiva, ou seja, o minimalismo. Cabe agora

pontuar os principais expoentes defensores de uma postura comissiva.

Diante do acima exposto, conclui-se que a contextualização de Sunstein possui grande

semelhança com o que ocorre atualmente no Brasil. O quadro institucional brasileiro sofre de

um descrédito crescente em face de diversos escândalos de corrupção e desvio de verbas

públicas. Assim, o que se nota é uma omissão extremada do Poder Legislativo e do Poder

Executivo, o que leva o Poder Judiciário a um papel de protagonista. Nesse sentido:

A freqüente desconsideração da capacidade institucional e dos efeitos sistêmicos faz com que as tradicionais teorias de interpretação do Direito pressuponham uma visão idealizada e romântica das capacidades judiciais, segundo a qual o juiz teria todo o conhecimento e tempo necessários para obter resultados ótimos, ou em outras palavras, para construir a “correta interpretação” (first-best theories) mesmo em face de questões muito complexas. Se, entretanto, o jurista estiver consciente das suas limitações de tempo e de conhecimento, e da conseqüente elevação dos custos de erro e de decisão quando se deparar com questão complexa, tomará uma decisão de segunda ordem de decidir casos (decisão sobre como decidir), via de regra, segundo razões rasas e estreitas. Rasas, pois os juízes minimalistas preferirão entendimentos mais modestos e largamente compartilhados a controvertidas questões de princípio. Estreitas, pois os juízes minimalistas preferirão decidir o caso a construir teorias que abranjam uma grande variedade de casos. 56

Por fim, cabe a menção de que o próprio Sunstein, não assume postura maximalista

em relação a sua teorização minimalista. Em caso de haver evidente presença de

circunstâncias favoráveis, pode-se considerar justificável uma decisão mais abstrata com um

55 SUNSTEIN, op.cit., p. 888. If a court has reason for confidence about theoretical foundations of some area of law, it has earned the right to depth. 56 BRANDÃO, op.cit., p. 186.

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intuito maior de normatização, no sentido de abranger um maior número de casos, ou seja,

uma decisão típica da postura maximalista.

4.2 Diálogos através da postura ativa

A partir do descrito, o presente trabalho inverte o foco e ambiciona analisar as

características de um diálogo a ser promovido por uma corte atuante. Nesse sentido, cabe

mencionar Neal Kumar Katyal.

Para o autor, em uma posição intermediária a se manter inerte e a impor uma decisão,

a corte pode simplesmente aconselhar, levando em consideração regras principiológicas. Os

chamados “Advicegivers”, ou seja, os aconselhadores.57 O aconselhamento serviria para

impedir uma postura muito amplificada e ativista da corte que poderia ser facilmente

considerada ilegítima. Nesses casos, a melhor solução não seria impor, e sim sugerir uma

medida ou um caminho propiciando o debate. Nesse sentido cabe citar a seguinte passagem

elucidativa de Conrado Hübner Mendes ao analisar o autor em relevo:

Para evitar a interferência, portanto, juízes tomam decisões estreitas, mas adicionam a elas, por meio de obter dicta, conselhos de maior amplitude. Como o conselho é veiculado pelos obter dicta da decisão, e não pela sua ratio, tem maior flexibilidade e não é vinculante. Não deixa de propiciar, porém, alguma previsibilidade e direção, pois é dada ex ante. Essa seria sua principal vantagem em relação ao minimalismo. 58

Ainda, cabe se ressaltar a análise de Neal Kumar Katyal da sabatina realizada pelo

Senado dos Estados Unidos em relação aos candidatos indicados pelo presidente a um cargo

na Suprema Corte. Como é bem sabido, após a indicação realizada pelo presidente norte

americano, há um processo deliberativo no Senado que possui o intuito de analisar a posição

57KATYAL, Neal Kumar. Advicegiving occurs when judges recommend, but do not mandate, a particular course of action based on a rule or principle in a judicial case or controversy”. Justices as Advicegivers. p. 1710. apud. HÜBNER MENDES, Conrado. Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação. 2008. 224 f. Tese de Doutorado (Doutor em Ciência Política) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. p. 118. 58 ibid. p. 119. The combination of ‘narrow-holding + advicegiving dicta’ enjoys a natural advantage over broad holdings in terms of democratic self-rule, flexibility, popular accountability, and adaptability”.

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do eventual candidato em relação às questões políticas e constitucionais controvertidas. O

quadro geral que se tem é que a escolha do presidente de um candidato é motivada

politicamente. Assim, podemos citar como exemplo que “a ênfase data por Richard Nixon às

preferências políticas dos candidatos, ao invés das suas credenciais jurídicas, já tornara

evidente o alto grau de politização das nomeações para a Suprema Corte”59 nos Estados

Unidos. No Brasil, a indicação é extremamente politizada.

Neal Kumar Katyal extrai um significado positivo e normativo da dinâmica do

processo de sabatina realizado pelo senado americano. Cita-se a análise realizada por Rodrigo

Brandão em relação às proposições de Katyal:

À luz dessas características, reputa que o processo de confirmação de candidatos a Suprema Corte no Senado contribui bastante para a construção de um modelo dialógico entre o Judiciário e Legislativo na interpretação constitucional, apresentando vantagens em relação a instrumentos alternativos. A visão de Katyal deve servir de estímulo para que o processo de confirmação no Senado seja desenhado de forma a estimular o seu potencial deliberativo. Não há duvidas de que um amplo e transparente debate no Senado a respeito das visões do candidato a Suprema Corte sobre questões controvertidas, com a participação da sociedade civil e de diversos grupos de interesse, contribuiria para que visões populares sobre a interpretação da Constituição fossem veiculadas e influenciassem o atual candidato, os demais membros da Suprema Corte e futuros candidatos. 60

Em relação aos aludidos modelos alternativos, Neal Kumar Katyal se refere à

comparação entre a sabatina realizada pelo senado norte americano e a própria superação

legislativa de decisões judiciais. Assim, para o aludido autor, o procedimento de aprovação do

candidato no senado possuiria as seguintes vantagens:

(i) o maior intervalo de tempo entre a decisão da Suprema Corte e o processo de confirmação no Senado permite deliberação constitucional mais sóbria e tendente ao consenso; (ii) abordagem de um espectro mais amplo de questões constitucionais controvertidas; (iii) maior saliência política e abertura a grupos de interesse. 61

59KATYAL, NEAL. Legislative Constitutional interpretation. Apud BRANDÃO, RODRIGO. Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais de. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 236. 60KATYAL,. op.cit., p. 1711. 61MENDES, op.cit., p. 119, The combination of ‘narrow-holding + advicegiving dicta’ enjoys a natural advantage over broad holdings in terms of democratic self-rule, flexibility, popular accountability, and adaptability.

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Na mesma linha, cabe lembrar que em território americano, os candidatos a Suprema

Corte são homens públicos que já tiveram exaustivas oportunidades, seja através de trabalhos

científicos, ou entrevistas jornalísticas e desempenho profissional, de mostrar suas opiniões a

respeito de questões políticas e públicas que podem vir a ser decididas em âmbito de

interpretação constitucional. Em termos de Brasil, não podemos falar em explicitação de

opinião pública por parte dos candidatos da suprema corte. Em alguns casos, não há sequer

qualquer comprovação de capacitação jurídica magna que justifique uma indicação para

ocupar um das escassas cadeiras do Supremo Tribunal Federal.

Assim, voltando à opinião do professor Katyal, em termos de uma decisão com caráter

de aconselhamento, a corte, legitimada e politizada democraticamente após a sabatina

realizada pelo senado, estimularia o debate, possibilitando a participação de outras instituições

na valoração cognitiva.

O aconselhamento evita a imposição e a deferência. Para o autor a corte trabalharia em

conjunto com os outros Poderes e inclusive com outros governos. 62 Discute-se muito na

doutrina, uma das vertentes ativas da corte em se resguardar de argumentos do direito

alienígena para a justificação de suas decisões.

4.2.1 Experiência norte-americana

A experiência norte-americana apresenta uma gama diversa de autores e se divide em

dois segmentos essenciais, um representado pela escola da chamada “Construção

Coordenada” e o outro representado pelo autor Barry Friedman.

O segmento da “Construção Coordenada” prevê a legitimidade da interpretação

extrajudicial da constituição. Entre os autores presentes, Louis Fischer, da universidade de

62KATYAL, op cit., p.1824. Instead of alternating between hostility and deference, courts should self-consciously set out to work in partnership with other branches and other governments.

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Princeton, demonstra que geralmente quando a corte constitucional derruba um ato

presidencial ou do congresso, é apenas uma questão de tempo, para que o assunto seja revisto

e o debate reinicie. Ou seja, a estabilidade da decisão constitucional depende de um acordo

institucional e por mais que o consiga, o tópico tem um prazo determinado para voltar a ser

rediscutido, sob pena de tornar a constituição um documento obsoleto e alienígena. As

decisões precisam gozar de um mínimo de deliberação. 63

Outro autor de extrema relevância é Keith Whittington. O autor, por estar inserido no

contexto norte-americano, reconhece a importância do “judicial review”, porém reconhece a

existência de uma interpretação dos valores constitucionais a ser realizada extrajudicialmente.

Em suas proposições, a suposta superioridade hierárquica da corte constitucional é combatida,

dando asno à ampliação de intérpretes constitucionais de igual valor. A grande questão para o

autor em evidência, não é sobre a existência da revisão judicial e sim como seria a forma de

realizar sua valorização, e a influência dos múltiplos intérpretes e o relacionamento entre

eles.64 O autor conclui pela positividade presente em se reconhecer a importância dos debates

63 FISCHER, Louis. Statement Congressional Research Service. 29/01/1998. There is no reason for congress to defer automatically to the judiciary because of its supposed technical skills and political independence. Much of constitutional law depends on factfinding and the balancing of competing values, areas which Congress justifiably can claim substantial expertise. Each decision by a court is subject to scrutiny by private citizens and public officials. What is ‘final’ at one stage of our political development, may be reopened at some later date, leading to revisions, fresh interpretations, and reversals of Supreme Court doctrines. Members of Congress have both the authority and capability to participate constructively in constitutional interpretation. Through this never-ending dialogue, all three branches are able to expose weakness, hold excess in check, and gradually forge a consensus on constitutional values. Also through this process, the public has an opportunity to add a legitimacy and a meaning to what might otherwise be an alien and short-lived document. 64 Whittington, Keith. Extrajudicial Constitutional Interpretation: Three Objections and Responses. North Carolina Law Review, Vol 80. p. 848. “The courts are not the exclusive interpreters of the Constitution, and often are not its ultimate or most authoritative interpreters either. Even so, a reconsideration of the normative case for and against extrajudicial constitutional interpretation is theoretically useful and has implications for political practice. This is most especially the case because judicial supremacy is better conceptualized as existing on a continuum of interpretative authority. The authority to interpret the Constitution is shared by multiple institutions and actors within our political system, and tends to flow among them over time rather than remain fixed in a stable hierarchical or segmented distribution. The question is less whether we should have extrajudicial constitutional interpretation, than how we should evaluate it and how various constitutional interpreters should relate to one another as they engage their common task.

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constitucionais extrajudiciais.65 O significado da Constituição não está pré-estabelecido e sim

deverá ser conquistado, aos poucos em caminho convergente com a política.66

Por último, cabe citar J. Mitchell Pickerill, que analisa o impacto das decisões

proferidas pela suprema corte americana envolvendo aspectos constitucionais, sobre o debate

dos congressistas e a linguagem deliberativa. Suas ponderações se baseiam numa análise

empírica de como o congresso reage a regramentos e imposições judiciais, e se antecipa a fim

de evitar a repressão judicial. O referido autor argumenta que a revisão judicial, ou pelo

menos a possibilidade de sua efetivação, estimula a atenção parlamentar a aspectos

constitucionais. Através de exemplificações em relação à como são elaboradas as leis, como

se procede para fins de sua revisão e como são refinadas em meio ao sistema de governo

americano, ele estimula o debate constitucional extrajudicial. A tática do congresso seria

acomodar-se aos interesses da opinião pública, e observar os limites traçados pela corte. Não

haveria então o suposto choque em que necessariamente ou a corte ou o parlamento deveriam

se impor, de modo que, a relação seria de convergência de interesses políticos. 67 A

peculiaridade de Pickerill seria reconhecer ao judiciário a primazia de resolver questões

envolvendo princípios pelo fato da corte analisar a função primária do princípio. O legislador

estaria preocupado com as questões de conveniência e oportunidade inerentes a política. 68

65ibid. p. 780. This Article concludes by noting the positive democratic virtues of recognizing authoritative constitutional debates outside de courts. Judicial interpretation of the Constitution clearly has its place, but the critique of judicial “activism” should better incorporate an appreciation of extrajudicial constitutional interpretation. 66Whittington, Keith. Constitutional Constraints in Politics. p. 18. The meaning of a constitution cannot be taken for granted. It must be won, and it must be won within politics. 67PICKERILL, J. Mitchell. Constitutional Deliberation in Congress. p. 37. It is difficult to explain congressional responses to judicial review solely as a battle over a priori and unidimensional policy preferences where either judicial supremacy reigns and the Court wins, or Congress overrides or challenges Court decisions in an exercise of coordinate construction and Congress wins. 68 ibid. p. 152. Judicial primacy means that the Court has the primary institutional responsibility for interpreting the Constitution, and that Congress´s motivations and its likelihood of engaging in constitutional construction are limited by the majoritarian and representative nature of the institution. It also recognizes, however, that the Court is not ‘supreme’ in the sense that it always have the final say and is unaccountable to Congress, or that every constitutional issue is a legal, or justiciable, issue. A theory of judicial primacy appreciates representative policymaking and statute making to be the primary (as opposed to the only) responsibilities of Congress, and independent constitutional evaluation to be the primary (as opposed to the only) responsibility of the Court.

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Desse modo, não se estipularia o mesmo peso a todos os atores envolvidos na interpretação

constitucional como acima referido, nas constatações de Whittington.

Ainda nas ponderações de Pickerill, através da deliberação coletiva entre as

instituições, as leis e a política seriam demasiadamente justificáveis e legitimáveis, em contra

ponto ao resultado de uma batalha que envolvesse vencedores e perdedores e focasse numa

visão unilateral e imposta. 69 Conclui-se então, que o papel da revisão judicial preconizado

pelo autor, seria o de injetar o debate e a deliberação constitucional no processo legislativo, e

assim sendo, delineando o escopo e definindo o vocabulário a ser utilizado pelo legislador. 70

A outra vertente, que representa um movimento em prol da comunicação dialógica, em

território norte-americano, é encabeçada por Barry Friedman. O autor em epigrafe

desenvolveu o conceito de “Constitucionalismo popular mediado”. Nesse trabalho, Friedman

defende que a revisão judicial e a opinião pública estão interligadas, porém de forma mediada,

o que reflete o grau de informação da sociedade. Porém existe um distanciamento, e em

alguns pontos, uma imprecisão o que seria positivo, pois a função da revisão judicial não é

atender diretamente as demandas das políticas públicas.71 Ainda nessa linha, o autor não

credita a um Poder o fato de ser absolutamente majoritário. De um lado, a deferência do Poder

judiciário à vontade popular em alguns casos pode ser aceitável, e em outros não. Assim como

a revisão judicial. Em alguns casos ela pode se fizer necessária e em outros não. O controle de

constitucionalidade, seria um facilitador, um verdadeiro mediador entre a decisão dos juízes e

69ibid. p.24 In my view, we now have more carefully and thoughtfully drafted legislation that reflects an interinstitutionally collective justification for the legislation, as opposed to having institutional winners and losers in a battle over a priori and unidimensional policy preferences. 70ibid. p.24 The Court´s constitutional decisions may not be the last word in the judicial supremacy sense, but they have an important and significant role in infusing constitutional debate into the lawmaking process and in shaping the language and scope of legislation. 71FRIEDMAN, Barry. Mediated Popular Constitutionalism. Michigan Law Review. Vol. 101. p. 2632. Public opinion and judicial review are connected. From a normative position they probably should be. But that connection is at a distance, it is mediated. There is a certain amount of slack between public support for the Supreme Court, and its views about what the Court does. That is probably a good and important thing. Even popular constitutionalism is, and must be, something other than the satisfaction of immediate political desires. But the slack is not endless, nor is it fixed. It is a function of how informed the public is, and how it is informed. This ensures — for better or for worse — that diffuse support is not static.

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a sociedade.72 Por meio desse entendimento, o autor busca exemplificar, que os juízes estão

submetidos à deliberação política que os circunda. Sejam essas influências provenientes do

seu próprio colegiado, ou das instâncias inferiores, outros poderes e por fim a sociedade como

um todo.73 Desse modo, chega-se a conclusão que as teorias positivas deixam indefinida a

força de influências externas sobre as decisões dos magistrados. As teorias positivas

apresentariam outro tipo de proposta, ao se ter como objeto as teorias normativas, porém

ainda estão longe de analisar a dinâmica das influências dentro de um contexto específico. 74

Os teóricos normativos possuem o hábito de não aceitar a influência política na corte o que

dificulta o diálogo e a colaboração.

Por último, vale mencionar, a constatação de John Ferejohn e William N. Eskridge, na

qual mencionam a atitude positiva da corte norte-americana envolvendo a deferência judicial

às agências do órgão executivo. Os magistrados deferem suas atribuições, visto que as

agências estão desenvolvendo um processo de interpretação transparente e deliberativo com a

própria sociedade. Por outro lado, possui o judiciário, a prerrogativa de punir agências que

agem de forma inescrupulosa, impondo ideologias cerceadas unilateralmente através de

processos deliberativos secretos. Lembrando, que a deferência judiciária não pode ser

72ibid. p. 2596. Obviously, scholars on both sides of this divide usually are not, and need not be, absolutists. One may applaud the judiciary’s role in limiting majority will in some instances, while believing it inappropriate in others. Similarly, one might think the judiciary often should defer to popular preferences, but not always. The divergent approaches express a mood, a sentiment about how judicial review ought to operate in the main. And as might be expected, one’s mood about judicial review often reflects what the judiciary presently is doing. 73FRIEDMAN, Barry The Politics of Judicial Review. New York: 2006. University Public Law and Legal Theory Working Papers. Paper 16. Pág.263. Disponível em http://lsr.nellco.org/nyu_plltwp/16. Acessado em 14.06.14. The balance of Part III examines in detail the concentric circles of influence and constraint with which a constitutional judge must contend: strategic interaction with other judges on a collegial court, the pressures imposed by judges on the judicial hierarchy’s lower rungs who have their own views of how things should be, interbranch struggles over legal outcomes with significant policy implications, and popular opinion regarding judicial outcomes and the practice of judicial review. At each step of the way, the discussion confronts normative aspiration with positive reality. 74 ibid. p. 331. Finally, and in part a function of the early state of the work, positive theory leaves unspecified the relative strength of the various influences on judges. Positive scholarship suggests that judges are not constrained in some ways normative theory believes essential and that judges are constrained in ways normative theory suggests they should not be. But positive theory is a long way from defining with precision the spheres of autonomy and constraint, particularly given how contextual—by case, by court, by judge—these are likely to be.

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realizada devido a pressões políticas ou vontade de transmitir a responsabilidade, visto que se

legitima pelo processo deliberativo exemplar exercido pela agência.75

4.2.2 Larry Kramer e a revisão judicial sem supremacia do Poder Judiciário

No presente ponto, cabe ressaltar o interessante posicionamento de Larry Kramer, em

seu trabalho intitulado Judicial Review Without Judicial Supremacy. No presente livro, o

autor, que pode ser considerado em um dos representantes do chamado “Constitucionalismo

Popular”, movimento que já foi acima abordado, defende a possibilidade de respostas

políticas às decisões judiciais. Assim, a exemplo de alguns países localizados na Europa, o

autor elucida conceitos como a possibilidade jurídica de impeachtment de magistrados, as

propostas legislativas ou aprovações respectivas com previsão de enxugamentos no

orçamento do Poder judiciário. Por fim, de modo ainda mais extremado, o descumprimento de

decisões proferidas pelo Poder judiciário, bem como a restrição legislativa de suas

competências.

Nesse sentido, cabe citar parágrafo em que a idéia do professor Kramer é traduzida

com exemplo europeu, em obra do professor Rodrigo Brandão:

Boa parte dos países europeus, ao desenhar os seus sistemas de controle de constitucionalidade, conseguiu equilibrar independência com judicial accountability, através da exigência de supermaiorias para a nomeação/aprovação de membros das Cortes Constitucionais – fator que conduz à escolha de juízes mais moderados –,

75FEREJOHN, John and ESKRIDGE JR. William. Constitutional Horticulture: Deliberation-Respecting Judicial Review. Texas Law Review. Vol. 87. p. 1301. Our greatest enthusiasm, however, is reserved for a positive judicial role, where the Court announces (or, as it does now, episodically applies) deliberation-rewarding canons of statutory construction. The Court has repeatedly held that federal judges must defer to agency interpretations of statutes that they are charged with enforcing. Deliberation-respecting theory suggests that deference should not be meted out uncritically; for example, judges should not defer to agency decisions reflecting political pressure to abandon or sacrifice their statutory missions. Judicial deference is most appropriate when the agency has engaged in a deliberative process where the public has participated and the agency has responded with an explanation of its rule or interpretation and why it is a good effort to carry out the statutory purpose. The Supreme Court has sometimes explicitly followed such an approach, rewarding agencies for resolving difficult legal questions through an open and deliberative process, and punishing agencies for pursuing narrower ideological agendas reached after a secret, nonpublic process. Just as we endorse deliberation-respecting judicial review, we also endorse deliberationrewarding statutory interpretation, where the Court’s role can be both modest and potentially productive.

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mandados fixos – que permitem encontros mais freqüentes entre a Corte e a opinião pública – e processo não tão rigoroso de reforma constitucional – o que torna mais fácil a reprogramação da jurisprudência constitucional da Corte pelo Parlamento. 76

Assim, conclui-se que o professor Kramer defende a existência de uma resposta

política, muitas vezes exercidas pelo Poder Legislativo, às decisões judiciais proferidas pela

suprema corte americana. Segundo o autor, a existência dos mecanismos reacionários

viabilizaria que o Poder judiciário se tornasse mais sensível a reações políticas e às opiniões

do povo e seus representantes. Em outras palavras a possibilidade de resposta legislativa ou

executiva a decisões judiciais estimularia de forma coercitiva uma responsabilidade maior à

própria autopercepção da suprema corte o que influenciaria diretamente em suas decisões.

Nesse caso, para melhor, nos termos do autor, ou nos termos do presente trabalho, uma

decisão que por sua coerência com os anseios da opinião pública gozaria de maior

legitimidade democrática. Nesse sentido, expressivo trecho de seu livro, citado pelo professor

Rodrigo Brandão:

Na verdade a Suprema Corte se perceberia em relação ao povo da mesma forma como os tribunais inferiores se vêem em relação à Suprema Corte: responsáveis por interpretar a Constituição de acordo com o seu juízo, porém atentos à circunstância de existir uma autoridade superior que pode reverter as suas decisões – uma autoridade verdadeira, não um “povo abstrato” que se manifestou há 200 anos e depois sumiu. A probabilidade de a sua decisão ser revertida por esta autoridade pode ser pequena, mas o senso de responsabilidade que ela engendra, associado ao desejo natural de evitar controvérsias e de preservar a Corte enquanto instituição, mudaria inevitavelmente a dinâmica do seu processo decisório. É isso que explica como a Suprema Corte exerceu a sua autoridade sem supremacia judicial, assim como crises apenas ocorreram quando uma corte superconfiante, que reivindicava um poder supremo de interpretação da Constituição, prestou pouca atenção para a opinião pública. 77

4.2.3 Mark Tushnet e a ausência do judiciário

A argumentação do professor Mark Tushnet, que merece ser ressaltada a luz dos

objetivos do presente trabalho, se refere a uma analise empírica da realização de boa

interpretação constitucional por instituições não judiciais. Assim concluiu o autor a presença,

76 BRANDÃO, op.cit., p. 193. 77BRANDÃO, op.cit. p. 194.

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em democracias estáveis a possibilidade de produção harmônica de interpretação

constitucional, mesmo sem a presença ou interferência do Poder judiciário. O autor considera

que o fato de o legislador possuir, uma boa vontade para realizar o seu trabalho, e ainda, um

eventual não interesse em um eleitorado, que poderia sofrer as conseqüências de uma

interpretação constitucional, seriam determinantes para a qualidade do trabalho de

interpretação.

Sendo assim, o autor aponta para uma problemática que consistiria no

descumprimento antecipado da constituição. Nesse sentido:

Todavia, há uma dificuldade na aferição da capacidade de o legislador participar efetivamente da interpretação constitucional em sistemas de supremacia judicial. Cuida-se do “problema do descumprimento antecipado da Constituição”: como os legisladores sabem que as suas leis estarão sujeitas à revisão judicial, tal circunstância os desonera de um julgamento consistente a respeito da fidelidade à Constituição, antes estimulando uma irresponsável postura de tomada de posição, na qual o legislador opta pela alternativa mais popular – embora sabidamente inconstitucional -, deixando o ônus de aferir a sua constitucionalidade ao Judiciário.

78

O aludido professor se refere ao sistema americano, agora tal fato pode ser

perfeitamente verificado no Brasil. Ainda nesse sentido, ressalta-se que o Poder Judiciário

deve ser provocado para realizar tal análise, mesmo se considerando os legitimados para

propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que pode estimular o legislador a

manter seu foco em popularidade e não se preocupar com o respeito à magna carta. Ainda, o

legislador sabe que mesmo que sua proposta venha a eventualmente padecer do vício de

inconstitucionalidade, a aludida irregularidade será constatada e declarada em momento

posterior.

Nesse sentido ainda, o professor possui uma distinção que separaria os princípios

localizados no Preâmbulo da constituição americana e aqueles localizados na Declaração de

Independência do conjunto de normas que disciplinam a organização do estado e a

jurisprudência da suprema corte. Assim, no caso dos princípios o referente seria uma

78ibid. op.cit. p. 194.

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“Constituição Fina” e no caso da jurisprudência e as normas que a mesma aplica a

nomenclatura remeteria a uma “Constituição Grossa”. Nesse sentido, diante do pacto firmado

entre o povo americano e os princípios presentes na “Constituição Fina”, o autor não tem

como essencial, e considera de uma forma um pouco mais radical, desnecessária a existência

de um sistema de judicial review. A posição mencionada foi reavaliada pelo autor, após a

publicação do Taking the Constitution away from the Courts. O autor evoluiu seu raciocínio,

moderando sua idéia inicial de supressão do judicial review. Atualmente defende a

possibilidade de reação do legislativo à declaração de inconstitucionalidade declarada por

juízes, no sentido de se viabilizar através de maiorias legislativas ordinárias a supressão de

decisões consideradas inoportunas pelo congresso.

Conclui-se que nos moldes da proposta acadêmica apresentada pelo autor, que o

dialogo institucional seria viabilizado, quando não se considerasse mais uma lei

inconstitucional como um erro perante o Poder Judiciário, e sim um simples desacordo sobre

constitucionalidade entre o Legislativo e o Judiciário. Segue análise do professor Rodrigo

Brandão:

Do exposto, pode-se concluir que Tushnet, em seu mais recente trabalho, alterou sua proposta mais radical de abolir a revisão judicial pela sua admissão desde que o Judiciário seja extremamente deferente ao Legislativo, e desde que o Parlamento possa reverter, de forma célere e fácil (i.e, por maioria simples), as decisões judiciais indesejadas. O foco da sua crítica se desloca da judicial review para a supremacia judicial, aproximando-se, portanto, de Larry Kramer. 79

Outrossim, deve-se apontar uma breve reflexão sobre os trabalhos mais recentes do

autor, nesse sentido, segue abaixo trecho da obra dos professores Cláudio Pereira de Souza

Neto e Daniel Sarmento:

Em obra mais recente, Tushnet abranda suas posições iniciais. Ao invés de defender a abolição do controle de constitucionalidade, passa a sustentar a superioridade de mecanismos “fracos” de controle, em que o judiciário não dê a última palavra sobre o sentido da Constituição, mas seja um partícipe de diálogo com outros poderes sobre a questão. Advoga, ademais, a adoção de postura de grande deferência jurisdicional diante das deliberações majoritárias. 80

79 ibid. p. 197. 80 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Forum, 2013. p. 228.

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De forma exemplificativa, antes de adotar tal posição moderada, o autor chegou a

rejeitar algumas facetas da própria jurisdição constitucional. Confira-se:

A crítica de Tushnet ao controle de constitucionalidade não se restringe à versão substancialista, proposta, por exemplo, por liberais como Dworkin. Ele rejeita uma jurisdição constitucional mesmo restrita à garantia das precondições da democracia. Segundo Tushnet, quando este poder de garantir as precondições da política democrática é atribuído ao Judiciário, esse tende a fazer muito mais do que isso, expandindo as suas competências. Tushnet rejeita mesmo uma jurisdição constitucional adstrita ao objetivo de solucionar crises políticas graves, pois, para ele, o Judiciário seria incapaz de superá-las. Não seria plausível esperar, por exemplo, que o judiciário alemão fosse capaz de evitar o Holocausto. Um mundo sem a judicial review, para Tushnet, não seria necessariamente caracterizado pelo desrespeito a direitos fundamentais, como exemplificam a Inglaterra ou com a Holanda, em que a ausência de controle de constitucionalidade convive com governos limitados e razoável respeito aos direitos humanos.” 81

4.3 Experiência Canadense

Desse modo, diante do acima exposto, passa-se a analisar as questões dialógicas a luz

da experiência canadense. O centro de destaque da vertente canadense se fundamenta nas

seções nº 1 e 33 da Carta de Direitos e Liberdades (Charter of Rights and Freedoms) de 1982.

No caso da sessão nº 1, a inovação consiste em submeter o parlamento, quando na elaboração

de constrições legislativas referentes ao conteúdo dos direitos fundamentais, a uma

justificativa razoável.82 Ou seja, o Poder Legislativo, não poderia simplesmente atuar ao seu

próprio alvedrio, devendo ser límpido e transparente quanto às suas justificações e se

submetendo ao controle de constitucionalidade em relação diretamente proporcional ao que

seria justificável.

81TUSHNET, Mark V. Taking the Constitution away from Courts, p. 158, 162-163, apud SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 228. 82CANADA. The Canadian Charter of Rights. Disponível em <http://laws.justice.gc.ca/en/charter/>. Acessado em 14.06.14. Art. 1. The Canadian Charter of Rights and Freedoms guarantees the rights and freedoms set out in it subject only to such reasonable limits prescribed by law as can be demonstrably justified in a free democratic society.

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Por outro lado, a seção nº 33 apresenta-se como um instrumento expresso de repressão

ao controle judicial. Ela permite que o poder legislativo possa reeditar um texto considerado

inconstitucional pela corte, que regule direito presente nas seções nº 2 e nº 7 ao nº 15. Esse

mecanismo é conhecido como “overriding” ou “notwithstanding clause” e consiste na

viabilidade do parlamento de rechaçar uma censura proveniente de decisão judicial, à

elaboração de normas, por um prazo de 5 anos, quando para manter a vigência, o parlamento

deve promover a renovação do texto legal em evidência.83

Em 1997, surgiu o trabalho de Peter Hogg e Allison Bushell que criaram a expressão

diálogo institucionais, que passou a configurar a própria linguagem da corte canadense. O

trabalho que produziram, é de caráter descritivo e analisa um conjunto de 65 casos de

produção canadense. Nesse sentido, “a metáfora do diálogo seria aplicável não só pela

existência em si de resposta legislativa, mas porque essa ocorre normalmente em curto espaço

de tempo. Afinal, a decisão judicial catalisa um debate público conduzido a partir da

centralidade da carta de direitos, sendo de se reconhecer ao Legislativo, todavia, a

possibilidade de – a partir dos valores constitucionais identificados na decisão judicial –

cunhar a reação que lhe pareça mais adequada a, observados os valores constitucionais

destacados pela corte, alcançar os objetivos sociais ou econômicos comprometidos pela

pronúncia jurisdicional já havida.” 84 Observaram, que a intensificação de uma comunicação

dialógica deliberativa foi a regra. Citam, que a corte canadense, formada por advogados de

meia idade, não eleitos, de vez em quando, derruba proposições elaboradas por organismos

representativos, porém quase sempre deixam espaço para uma resposta legislativa, que

geralmente é efetivada. A vontade democrática, então, pode ser concretizada, porém deverá

respeitar alguns quesitos observados pela corte em sua decisão que protegem direitos

83 “CANADA. The Canadian Charter of Rights. Disponível em <http://laws.justice.gc.ca/en/charter/>. Acessado em 14.06.14. (1). Parliament or the legislature of a province may expressly declare in an Act of Parliament or of the legislature, as the case may be, that the Act or a provision thereof shall operate notwithstanding a provision included in section 2 or sections 7 to 15 of this Charter. 84 VIEIRA, op.cit., p. 65.

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individuais e liberdade. Assim sendo, a revisão judicial não é um veto às deliberações

políticas de uma nação e sim o começo de um diálogo que concilia da melhor maneira,

direitos individuais e política pública.85 O fato da decisão deixar em aberto a possibilidade de

atuação legislativa, não significa uma passividade ou deferência judicial, e sim o estimulo

pela corte de um debate que passaria por despercebido aos olhos dos parlamentares. A visão

elaborada pelos autores acima mencionados sofreu diversas críticas, porém para os fins

propostos no presente trabalho, não a razão para maiores aprofundamentos.

4.4 A Fusão Dialógica de Christine Bateup

O tema, aceita às falhas inerentes aos Poderes estatais, o que implica na idéia de

mitigação da chamada “ultima palavra” e acarreta diretamente na cominação dos elementos

positivos de cada uma das instituições. O objetivo é descartar, às formas impositivas e

unilaterais de tomadas de decisões, em prol de uma decisão mais eficiente e democrática

institucionalmente. A relação passa a ser horizontal, visto que não há hierarquia presente

nessa ótica constitucional. Vale a lembrança, de que, o foco do presente trabalho, gira entorno

da relação entre o Poder judiciário e o legislativo, visto que em termos de controle

constitucional de direitos fundamentais a participação do executivo ocorre de forma

pormenorizada. Naturalmente, por representar uma visão não polarizada em meio a

85 HOGG, Peter W. and BUSHELL, Allison A. The charter dialogue between Courts and legislatures (Or Perhaps The Charter Of Rights Isn’t Such A Bad Thing After All), Osgoode Hall law journal vol. 35 no. 1. p.105. “To be sure, the Supreme Court of Canada is a non-elected, unaccountable body of middle-aged lawyers. To be sure, it does from time to time strike down statutes enacted by the elected, accountable, representative legislative bodies. But, the decisions of the Court almost always leave room for a legislative response, and they usually get a legislative response. In the end, if the democratic will is there, the legislative objective will still be able to be accomplished, albeit with some new safeguards to protect individual rights and liberty. Judicial review is not “a veto over the politics of the nation,” but rather the beginning of a dialogue as to how best to reconcile the individualistic values of the Charter with the accomplishment of social and economic policies for the benefit of the community as a whole.

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defensores veementes e céticos da supremacia de ambas as instituições em foco, as teorias

dialógicas acabam por serem criticadas por ambos os lados, como bem constata Kent Roach.86

A partir do exposto, o presente trabalho visa fomentar a atual discussão existente em

relação às teorias dialógicas, pontuando inicialmente, à classificação de Christine Bateup, a

fim de exemplificar de forma genérica uma das principais vertentes da teoria dialógica

mundial.

Nesse sentido, vale ressaltar, a visão de Christine Bateup em seu trabalho intitulado

“The Dialogic Promise”, onde duas incógnitas devem ser analisadas, ou seja, indaga se as

teorias dialógicas respondem a questão da legitimidade democrática debatida em sede de

“ judicial review” e a segunda, deixando a legitimidade de lado, se preocupa com o

fornecimento pelas teorias dialógicas de uma visão atraente do papel da “judicial review” no

constitucionalismo democrático. 87

A aludida autora propõe uma classificação. Em um extremo, encontraríamos as teorias

prescritivas, que limitam a possibilidade de independência em decisões políticas, por

enaltecerem o papel dos juízes sem justificação adequada, o que acarreta diretamente na

ausência de uma boa resposta para a questão de legitimidade. Isso ocorre, pois elas

reconhecem no Poder judiciário uma especial capacidade para lidar com temas relativos aos

direitos fundamentais. Por outro lado, essas teorias, evidenciam que os argumentos em relação

à dificuldade contra majoritária são exagerados, o que revela seu ponto teórico mais positivo.

Apesar disso, as teorias referenciadas, não oferecem uma visão normativa atraente para a

sociedade moderna, em sede de revisão judicial. 88

86 ROACH, Kent. Sharpening the Dialogue Debate. p. 177. Dialogue theory is criticized both for defending judicial review and for allowing legislature to override rights. There is often much wisdom in middle-ground or half-way positions. Alas, however, you can end up being shot at by both sides! 87 BATEUP, Christine. The Dialogical Promise. p. 04. The first is whether theories of constitutional dialogue are able to accomplish their goal of resolving the democratic objection to judicial review. The second is whether, legitimacy aside, the different theories provide an attractive normative vision of the role of judicial review in democratic constitutionalism. 88 ibid., p. 06. As a general matter, the more prescriptive the theory, the less likely it is to address legitimacy concerns adequately. Because prescriptive theories tend to privilege the role of judges in constitutional decision-

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Em outro extremo, se encontram as teorias referentes ao “equilíbrio” e a “parceria”,

aquelas se baseiam num diálogo constitucional com participação social, enquanto estas focam

na distinção entre as funções judiciais e legislativas. Ambas possuem um considerável

potencial normativo, já que proporcionam argumentos atraentes no tocante ao papel do

judiciário no diálogo institucional, e não superestimam a participação do magistrado. A autora

em evidência, afirma que para se conseguir uma definição normativa ideal do papel da revisão

judicial no constitucionalismo moderno, ambos os ramos teóricos, “equilíbrio” e a “parceria”

deveriam se fundir, o que facilitaria o contorno dos diferentes âmbitos de atuação de cada

participante do processo determinador do significado constitucional, como possibilitaria uma

maior compreensão dos aspectos sociais e institucionais do diálogo constitucional. 89

O valor de se remeter às teorias que fazem alusão ao equilíbrio decorre de sua

concepção do papel do Poder judiciário como facilitador do debate constitucional com a

sociedade. As respostas provenientes desses debates naturalmente hão de ser mais bem

aceitas. A sociedade passa a participar de forma concreta na construção do significado

constitucional. 90

making, without sufficient reason, and leave limited space for independent political judgments, they fail to provide a satisfactory answer to legitimacy concerns. Positive accounts, on the other hand, often provide more persuasive evidence that concern about the counter majoritarian difficulty is overstated. However, these accounts themselves are subject to difficulty, as they frequently fail to offer an attractive normative vision of what judicial review should accomplish in modern society. 89 ibid., p. 06. This Article claims that the most promising positive theories are “equilibrium” and “partnership” theories of constitutional dialogue. Equilibrium theories focus on the judiciary’s capacity to facilitate society-wide constitutional debate, while partnership theories draw attention to more distinct “judicial” and “legislative” functions that the different branches of government respectively perform. These theories have considerable normative potential as they provide attractive explanations of the judicial role in dialogue that do not privilege the contributions of judges. In order to provide the most satisfying normative account of the role of judicial review in modern constitutionalism, this Article concludes that these two accounts of constitutional dialogue should be synthesized. This will not only produce a vision of dialogue that effectively accounts for the different roles that the various participants can play in the elaboration of constitutional meaning, but it will also enable a more comprehensive understanding of the different institutional and social aspects of constitutional dialogue. 90 ibid. op.cit. p. 76. The value of incorporating the equilibrium account into a comprehensive understanding of constitutional dialogue results from its conception of the judicial role as one of facilitating and fostering society-wide constitutional discussion and debate. As we have seen, this account has normative promise as it enables us to understand how more enduring and widely accepted answers can emerge through the process of society-wide constitutional discussion.

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Ademais, pode ser constatado um problema, visto que com a diversidade e quantidade

de temas, nem todos, estão suscetíveis ao debate social visto a escassez de interesse. Em

outras palavras, nem todos os assuntos são atraentes o suficiente, para justificarem a discussão

popular. De outro lado, as teorias baseadas na chamada “parceria”, os juízes e legisladores

disponibilizariam perspectivas constitucionais únicas, visto que dividem a responsabilidade

pelo processo de significação constitucional e o analisam sob diferentes perspectivas,

atribuições separadas, porém interconectadas. Nesse mesmo sentido, percebe-se que os

magistrados podem facilitar o debate social, e contribuir de forma única em casos concretos,

no tocante aos valores constitucionais, ou seja, naqueles casos concretos individuais que não

sejam atraentes ao debate público, o juiz alinharia a solução ao significado constitucional

elaborado cognitivamente em conjunto por ambos os Poderes de forma dialógica. Em outras

palavras, uma vez alcançado um sentido constitucional referente a determinado valor mais

amplo, a revisão judicial seria responsável por alinhar os interesses no caso concreto e

individual às diretrizes consagradas dialogicamente pelos diferentes participantes no conflito

constitucional. Assim, estaria resolvida a problemática relacionada aos casos individuais.

Diante do acima exposto, a autora destaca dois aspectos do papel da revisão judicial na

sociedade moderna, os quais seriam a elaboração de decisões amplamente mais aceitas visto

que o debate dialógico foi engajado pela sociedade numa alusão a Barry Friedman que

destaca o papel da sociedade no debate e a opinião pública. Nesse sentido também vale

destacar, Peter Häberle o qual foi acima genericamente analisado. O segundo aspecto seria

que a revisão judicial também é responsável por desenvolver o modelo dialógico em sede de

casos individuais e concretos. O objetivo é delimitar de forma efetiva o sentido constitucional

de acordo com a demanda de questões e não submetê-los ao julgamento e a exclusão por uma

determinada elite. 91

91 BATEUP, op.cit. p. 78. The dynamic fusion of these two understandings enables us to see that judges can both facilitate constitutional discussion at a society-wide level and make unique institutional contributions to the

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Christine Bateup chega à conclusão de que as teorias positivas resolvem a

problemática da legitimidade democrática, pois enfatizam a habilidade de discordância e

reação de setores do governo e atores sociais em face de uma decisão judicial em sede de

conflito constitucional. Diante do acima exposto, constata-se o ponto de falha das teorias

prescritivas que focam no papel judicial sem a adequada justificação é a mitigação de um

julgamento político independente e reside na distância entre a própria prescrição de como

deve ser a ação do judiciário e a concretização da mesma. Ou seja, o dilema existente entre a

idealização abstrata e a implementação prática de uma postura. Já as teorias positivas não

possuem desempenho satisfatório em justificar o papel da corte constitucional na revisão

dialógica.

Nas palavras de Hübner Mendes:

Ela (Christine Bateup) apresenta tais teorias numa seqüência linear das piores para as melhores, defendendo que a melhor teoria do diálogo deve surgir da combinação das perspectivas de Janet Hiebert (que ilumina a interação horizontal entre as instituições) e de Barry Friedman (que destaca o diálogo mais amplo com a sociedade e o papel da opinião pública). 92

Diante do acima explanado, o presente trabalho preconizará a partir desse momento a

experiência dialógica brasileira através da análise das proposições de Conrado Hübner

Mendes.

consideration of constitutional values in the context of individual cases. In turn, judges can also respond dialogically at the level of individual cases to the distinctive contributions of the legislature in relation to constitutional meaning, and to the developing views of broader constitutional culture. On this “dual track” understanding of constitutional dialogue, there are two distinct aspects to the role of judicial review in modern society. First, judicial review assists in the production of more durable and widely accepted answers in relation to constitutional issues which engage dialogue with society as a whole. Second, judicial review also aids the improved institutional resolution of constitutional questions at the level of individual cases, due to the unique perspectives provided by the institutional participants in dialogue. 92 MENDES, op.cit. p. 99.

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4.5 A teorização brasileira: Conrado Hübner Mendes e a idéia de “última palavra

provisória”

Diante do acima explanado, enfatizando na metodologia descritiva, contatando um

panorama dos impasses que decorreram não só do judicial review nos Estados Unidos, mas na

jurisdição constitucional mundial, incluindo o Canadá consta-se a necessidade de se adensar

mais a questão das teorias dialógicas, através das proposições nacionais de Hübner Mendes.

Assim sendo, deve-se adentrar aos estudos de Conrado Hübner Mendes, que enxerga

uma tensão entre o empírico e o normativo, nas escolas americanas e canadenses. Para o

autor, se evidencia que a intercomunicação dialógica, é um fato inerente do próprio princípio

da separação dos poderes, e que por mais que seja concretizada de forma silente, inconsciente

ela se fará presente. A corte constitucional estaria imersa no mar da política, fato diretamente

impeditivo de uma livre leitura da constituição. Para o autor:

Uma teoria do diálogo precisa combinar a abordagem da separação dos poderes com alguma teoria sobre a decisão, tanto para cortes quanto para parlamentos. Diálogo nasce da conjugação de um desenho institucional e de uma cultura política. O desenho institucional cria incentivos para tipos diferentes de interação. Tais incentivos não determinam, contudo, o comportamento institucional isoladamente. 93

O objetivo do autor é elucidar com profundidade a viabilidade epistêmica de uma

teoria normativa dialógica, e a capacidade amplificada sobre a deliberação política.

Hübner Mendes combate a idéia do paternalismo político de modo que a autonomia de

autogoverno seria por ela suprimida, partindo-se do pressuposto que há indivíduos

incompetentes, ou menos competentes para participarem das decisões coletivas, e por isso

deveria ser reservada a corte a prerrogativa para a tomada de tais decisões. A idéia de “regime

de guardiões” atribuída à corte é rechaçada pelo autor. A idéia de autogoverno seria poder ter

a prerrogativa de errar e corrigir seu próprio erro. Por outro lado, a idéia de autogoverno não

pode ser a única a orientar a elaboração de decisões:

93 ibid., p.159.

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O desenho de instituições precisa carregar alguma pretensão epistêmica, ou seja, a aposta de que um modo de decidir (input) gerará, ou pelo menos terá maior probabilidade de gerar, os melhores resultados (output). Dito de outro modo, o procedimento não pode se limitar a promover o auto-governo, mas deve também gerar boas decisões. Dworkin e Waldron também se utilizaram, entre outros argumentos, de alguns dessa natureza (a resposta certa judicial, para o primeiro, e a sabedoria da multidão, para o segundo).94

Nesse sentido não existiria vantagem em se presumir a chamada “justiça

procedimental imperfeita”, ou seja, a igual falibilidade de ambas as instituições, por haver em

alguns casos um caminho a ser considerado menos falível e não apenas o embate bipolar da

presença ou não da falibilidade. A democracia há de conjugar, as idéias de autogoverno e

resposta certa. 95 A corte e o parlamento devem ser enxergados num viés de atuação conjunta

e não excludente.

Não se propõe uma receita pronta e abstrata sobre o modo correto de interação das instituições, pois ela não tem como existir. É um esforço teórico infrutífero. Mais importante é encontrar critérios que permitam avaliar a legitimidade de cada instituição, caso a caso. O desafio é demonstrar que, apesar de a expertise ser variável importante no desenho institucional, no que diz respeito a direitos, o argumento epistêmico pela supremacia de qualquer instituição é indesejável. A minimização do erro não decorre tanto de uma instituição ou de outra, mas de sua interação deliberativa e da busca pelas melhores razões públicas, tanto por parlamentos quanto por cortes. Assim pode-se potencializar a capacidade epistêmica da democracia sem negar a falibilidade das instituições. 96

Sendo assim, passa-se a análise da idéia central de Hübner Mendes:

Para que se possam conjugar as matrizes da última palavra e do diálogo, introduzo as noções de “rodada procedimental” e de “última palavra provisória”. Seu significado é simples e auto-explicativo: toda constituição prevê os caminhos para vocalização institucional de projetos coletivos e para a solução de conflitos. Esses caminhos têm um ponto de partida e, após estágios intermediários, alcançam um ponto final. Esse ponto será final, no entanto, somente dentro de uma rodada, que pode ser recomeçada, indefinidamente. 97

Nota-se que por mais que possa ser recomeçado, o detentor da “última palavra

provisória exerce grande influência nas futuras deliberações, o que na concepção do autor,

não permite o desaparecimento da problemática de legitimidade. Nesse sentido, cabe-se

94 MENDES, op.cit., p.162. 95 ibid., p. 164. Nesses casos, é mais evidente a necessidade de que a democracia cônjuge os objetivos de auto-governo e da resposta certa, de input e output, do procedimento legítimo e da maior probabilidade de que ele produza decisões boas. 96 ibid., p.165. 97 ibid., p.166.

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indagar, quem seria o detentor dessa última palavra, ainda que investida de caráter provisório

e revela-se o custo ao aparelho estatal em efetivar novas rodadas procedimentais.

O autor ainda trabalha com duas vertentes, a primeira com a visão de Waldron, que

afirma que suas críticas e constatações se aplicam em países cujo arranjo institucional ainda

estivesse em aberto, e não aos Estados Unidos visto que a “judicial review” já estaria

enraizada e a idéia de uma mudança abrupta trazida por Zurn, que não se intimida com

desenhos institucionais já consolidados. Para Hübner, diante da improbabilidade de uma

mudança próxima o mais aceitável seria se trabalhar com o que já se encontra presente, a fim

de promover o seu desenvolvimento. Seria mais fácil legitimar a atuação da corte do que

pressupor o seu desaparecimento dado o seu caráter histórico. O autor não defende um

modelo abstrato de desenhos institucionais. Ele pretende demonstrar que “(i) a interação no

tempo (em variados intervalos, de acordo com o modelo) é incontornável, o que não é

irrelevante para entender o problema da legitimidade; e (ii) as concepções variadas de

legitimidade que informam a respectiva cultura política e interferem na qualidade dessa

interação.” 98

Assim sendo, a revisão judicial seria apenas um estágio decisório a mais, em meio ao

diálogo permanente entre as instituições. Novas “rodadas procedimentais” poderão a qualquer

momento ser reiniciadas. Nesse sentido, utiliza-se de uma comparação entre Fuller e Hart,

para fins de compreensão entre a complementaridade de “diálogo permanente” e “últimas

palavras provisórias” no tocante à dobradinha conceitual do direito tido por “fato social” e

“empreendimento teleológico”. Na concepção de Hart, o direito seria um fenômeno social, e o

traço distintivo seria as chamadas regras secundárias que definem autoridades, regras que

conferem deveres e faculdades.99 Já para Fuller, o estado de direito representa um produto do

98 ibid., p.173. 99 HART,H.L.A. The concept of Law. Clarendon Law Series, Oxford University Press. p 79. First, it became clear that though of all the varieties of law, a criminal statute, forbidding or enjoining certain actions under penalty, most resembles orders backed by threats given by one person to others, such a statute none the less

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ser humano com o propósito de submeter o comportamento do mesmo a regras. Mesmo que o

ordenamento seja falível, sua existência seria uma questão de grau. 100

Diante do embate, segue a consideração de Hübner:

Suspeito que, por baixo do desacordo que eles mesmos insistem em verbalizar, tais autores estejam falando de coisas diferentes, orientados por objetivos teóricos diversos. Hart não necessariamente nega que o conjunto de técnicas para manter o fenômeno jurídico em funcionamento precisa de empenho contínuo daqueles que fabricam tais regras. Ele simplesmente aponta que o direito não pode existir, antes de tudo, sem referência precisa a quais são as fontes de autoridade e a uma prática social de obediência a elas. Fuller, de outro lado, alerta para o perigo de ver isso como um dado pronto e acabado, e lembra-se da importância de perceber o engenho humano subjacente a esse fenômeno (a “conquista” por trás do “fato”) 101

E continua,

Ver o direito como um fato presente ou como um empreendimento contínuo, como mera localização de autoridade ou como um projeto que precisa ser administrado, destaca, ao meu ver, os dois componentes da relação que estamos estudando aqui. Chama a atenção, em especial, para duas perspectivas temporais por meio das quais podemos observar a política e o direito: a sincrônica e a diacrônica. Na primeira, importa saber quem decide uma demanda, aqui e agora; na segunda, qual o norte que propicia a continuidade, a manutenção e o auto-aperfeiçoamento daquela autoridade que decide quando é chamada. 102

A última palavra importa para situar uma decisão com maior durabilidade dentro de

uma “rodada procedimental”, ou seja, definir um impasse coletivo, com eficácia erga omnes,

através de uma decisão por uma instituição que detenha a confiança da comunidade, e que

differs from such orders in the important respect that it commonly applies to those who enact it and not merely to others. Secondly, there are other varieties of law, notably those conferring legal powers to adjudicate or legislate (public powers) or to crea.te or vary legal relations (private powers) which cannot, without absurdity, be construed as orders backed by threats. Confira-se também: SOUZA NETO. op cit., p. 396. O jusfilósofo ingles Herbert Hart, tal como Kelsen, também formulou teoria da interpretação baseada no reconhecimento do caráter simultaneamente cognitivo e volitivo da aplicação do Direito. Segundo Hart, as normas jurídicas possuem “textura aberta”, que decorre da própria natureza da linguagem humana. Em algumas normas, essa abertura é bastante acentuada, e em outras ela é mais reduzida, mas sempre está presente. Diante da textura aberta, existem para Hart, situações em que uma norma jurídica claramente se aplica, e outras em que indiscutivelmente ela não se aplica. Mas existe também uma “zona de penumbra”, em que a incidência da norma é discutível. As hipóteses concretas que se inserem nessa “zona de penumbra” são os “casos difíceis” da interpretação. Nesses casos, há discricionaridade judicial, pois o Direito não fornece uma resposta ao problema, cabendo ao juiz fazer uma verdadeira escolha. Hart afirmou que a idéia de que os juízes não estão vinculados ao Direito preexistente, sustentada pelos realistas, seria um “pesadelo”; enquanto a visão de que os magistrados apenas descobrem soluções já contidas no ordenamento seria um “nobre sonho”. Para ele, a verdade estaria no meio entre o sonho e o pesadelo: “A exemplo de qualquer pesadelo e qualquer outro sonho, esses dois são, em minha opinião, ilusões (...) A verdade, talvez não muito empolgante, é que ora os juízes fazem uma coisa, ora fazem outra. 100 FÜLLER, Lon. Positivsm and Fidelity to Law. Yale University Press. p. 649. To threat law as a datum projecting itself into human experience and not as an object of human striving. 101 MENDES, op.cit., p.179. 102 ibid., p.180.

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caso não seja a mais democrática, contata-se que a mais democrática pode responder, ainda no

sentido de que contra a vontade da opinião pública não se resiste por muito tempo.

Nesse sentido, o autor em evidência, ressalta, em sede de viés político, o fato de a

corte planejar seu escopo de influência e atuação dentro da sistemática da separação dos

poderes, a partir da expectativa de recepção de suas decisões, indica que a separação dos

poderes é dinâmica, e por isso não há como se delimitar esse fenômeno em uma norma

abstrata e por fim, a oscilação dos níveis de legitimidade de cada participante institucional no

jogo democrático, remetendo à idéia de “animal político” de Bickel. Os magistrados, assim

estariam sujeitos, a influências difusas e específicas e estipulam constantemente o grau de

aceitabilidade de suas decisões, ação proveniente da idéia do sistema de freios e contrapesos.

As funções em sede da separação dos poderes, no obstante a direitos fundamentais seriam

variáveis. A opinião pública é diretamente responsável pelas variações no campo da

legitimidade. Para Hübner Mendes, o desafio de uma teoria normativa não seria engessar as

instituições em esquemas rígidos teóricos e sim fazer com que o princípio regulador das

oscilações acima mencionadas se submeta a “bons argumentos”.

Evidencia-se que na visão do autor, a interação dialógica entre as instituições tem um

potencial epistêmico, no sentido de alcançar boas respostas aos embates constitucionais, de

forma a justificar a revisão judicial e sua legitimidade. Na medida em que participem do

diálogo, cada instituição pode assumir uma feição ativista ou concretizar a deferência,

inclusive assumindo posições intermediárias como de inércia ou provocação. Em relação ao

conflito entre forma e substância, o autor desenvolve a idéia de que seria possível

justificarem-se as flutuações em relação à legitimidade institucional, visto a aceitabilidade de

o procedimento se subordinar a substância acarretando na prerrogativa de ser, a instituição

que tenha alcançado a decisão mais convergente com a legitimidade, à detentora da última

palavra provisória independente do seu pedigree. A solução não seria negar o dever de

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obediência a uma decisão por acreditar que elas violam algum aspecto referente à moralidade,

o autor apenas sustenta que a democracia sai vencedora se um elemento como a razão pública

estimular o debate entre as instituições. Nesse sentido, levanta-se o conceito de razão pública

definido por Rawls, que estabelece através do princípio da reciprocidade, que a coerção de

uma decisão só seria válida, quando seus fundamentos podem ser razoavelmente aceitos por

semelhantes, independente de suas convicções. A razão pública de Rawls não pode depender

de uma doutrina abrangente. Assim concretiza-se o princípio democrático e a lei não é

excluída do ordenamento.103 O conceito de razão pública então seria adequado para embasar

as oscilações presentes na separação dos poderes. Por uma questão de probabilidade em se

atingir a melhor resposta Hübner Mendes adere à visão de Rawls, no sentido de que uma corte

pode concretizar o ideal de razão pública, através de uma argumentação moral benéfica a

democracia.

Nesse sentido:

quando planejamos instituições, entretanto, estamos no terreno das probabilidades, de exercícios de tentativa e erro. Não parece insensata a adoção de uma corte que recebe como principal missão a proteção de direitos, e está autorizada a ser, predominantemente, monoglota: será ignorada se não fundamentar suas decisões com base na linguagem dos princípios. 104

A inexistência da revisão judicial, para o autor, revelaria a soberania do parlamento o

que não ocorre se mantida, visto que através dela pode se iniciar um rico debate dialógico.

Porém para o autor, em eventual situação limite, onde imbuídas da razão pública houvesse um

conflito entre instituições, a abdicação judicial seria uma defesa normativa plausível, apesar

de na prática, considerar um quadro de conflito institucional improvável. Os poderes

possuem a tendência de reduzir o desacordo na prática. A sugestão de Hübner é que a corte

module virtudes ativas e passivas através de prudência, através de uma modulação casuística.

103 MENDES, op cit., p.197. By applying public reason the court is to prevent that law from being eroded by the legislation of transient majorities. 104 RAWLS. “By applying public reason the court is to prevent that law from being eroded by the legislation of transient majorities.” apud. HÜBNER MENDES, Conrado. Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação. 2008. 224 f. Tese de Doutorado (Doutor em Ciência Política) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. p. 202.

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Justifica-se, pois a corte não tem como impor uma decisão a não ser pela aceitação do

parlamento, além do mais, a intervenção da revisão judicial pode estimular o legislador a

enfrentar um tipo especial de fundamentação que nem sempre é observado pelos órgãos

representativos. Não se fala em obrigatoriedade de resultado, mas sim em respeito a um ônus

argumentativo de um processo deliberativo. Do ponto de vista inter-institucional, destaca-se o

potencial epistêmico da atividade deliberativa em contra ponto com a atitude adversarial.

Nota-se que não é através da imposição, e sim da sobrevivência às críticas que se conquista

uma verdade, renovando-se sempre as argumentações através das chamadas rodadas

deliberativas permanentes. Não apenas através da certificação procedimental, segundo Hübner

Mendes:

Se parlamentos e cortes adotam uma atitude deliberativa e levam em conta os argumentos expostos por cada um, desafiando-se reciprocamente quando consideram que têm uma melhor alternativa, é provável que produzam respostas mais criativas do que num modelo conflitivo e adversarial. 105

Sendo assim, com o emblema de evitar um sistema conflitivo e adversarial, amplia-se

o campo dialógico de comunicação para romper as barreiras de instituições nacionais e

constatar uma atual tendência que acomete as decisões judiciais atuais, qual seja, a influência

de decisões alienígenas, jurisprudência estrangeira e institutos não necessariamente rotulados

com o desenvolvimento doutrinário nacional, ao processo cognitivo dos juízes. Desse modo, o

presente trabalho, aborda no próximo capítulo de maneira descritiva as constatações e

ponderações de Antoine Garapon, em relação ao intercambio denominado pelo próprio autor

francês de “o comércio entre juízes”. Nesse ponto, o presente estudo aventura-se ainda que de

forma tímida no campo da prescrição, invocando uma aproximação das idéias de Garapon e

Neal Kumar Katyal, mencionado anteriormente, em alusão à eficácia da sentença dos

“Advicegivers”, de forma a tentar minimizar a problemática em relação à soberania, quando a

105 MENDES, op.cit. p. 212.

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mesma supostamente é ofendida, quando um juiz nacional se utiliza de argumentos

estrangeiros para fundamentar sua decisão.

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5. ANTOINE GARAPON E O “COMÉRCIO ENTRE JUÍZES” OU “ FÓRUM

MUNDIAL DOS JUÍZES”

5.1 O “Comércio entre juízes”

Diante do acima exposto, enfatizando na metodologia descritiva, constatando um

panorama de impasses que decorreram não só do judicial review nos Estados Unidos, mas na

jurisdição constitucional mundial, incluindo o Canadá e a contribuição brasileira, resta

constada a necessidade de se adensar mais a questão das teorias dialógicas, e pontuar o debate

em mais uma vertente européia, a ser apresentada pelo autor e magistrado francês Antoine

Garapon.

Assim nas palavras de Antoine Garapon:

A questão é saber se neste contexto de intenso debate, é ainda sustentável a idéia-força de que deferir ao Judiciário a “última palavra” se constitui atributo indispensável de uma ordem constitucional comprometida com a jusfundamentalidade de direitos inerentes à dignidade da pessoa; ou se existem arranjos institucionais alternativos, onde esse mesmo desiderato se possa alcançar sem os riscos atinentes ao gouvernment des juges.106

O autor em evidência constatou uma atual tendência jurídica mundial, que pode para

muitos ter germinado com a consolidação da união européia e a evolução dos meios

comunicativos através do já exaurido processo conhecido como globalização.

Antes de expor os institutos primordiais referentes a presente discussão, cabe

apresentar conceitos básicos inerentes ao presente tópico. O direito é uma ciência humana. A

partir daí, se partimos da premissa de que o recente conhecimento jurídico é um produto do

homem atual, há de se concluir que aquele está sujeito às tendências e ao cenário

contemporâneo, no qual, este se encontra submergido. Muito bem assevera o magistrado,

francês, Antoine Garapon, ao constatar que “o direito tornou-se num bem intercambiável”.107

106 VIEIRA, op cit., p. 22. 107 GARAPON, op cit. p. 7.

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Outro pilar é entender que em meio ao desenvolvimento tecnológico e industrial, de

cunho estritamente patrimonial, infiltram-se cada vez mais no plano transnacional, anseios da

opinião pública em relação à defesa dos direitos fundamentais. Neste ponto, é a escala de

intervenção, da ciência jurídica magnânima. O estiramento do acesso informacional, através

dos atuais meios comunicativos, permite um verdadeiro intercâmbio ideológico entre as

sociedades e instituições. Acompanhando naturalmente o seu criador, o direito passa a beber

na fonte da alteridade. Este fenômeno é conhecido como a “mundialização do direito”. Neste

ponto, como bem nota Antoine Garapon, “O nosso bem comum nacional a priori mais

específico – o modo como decidimos coletivamente regular as relações entre os homens e

delimitar o que é permitido e o que é proibido – tornou-se permeável às influências

estrangeiras.” 108

Deste modo, para compreender esta verdadeira revolução no direito mundial o foco

analítico deve ser mantido particularmente nos próprios magistrados, detentores, por suas

referências a julgamentos internacionais em decisões pátrias, de um papel crucial na

conjectura acima apresentada. Neste âmbito é imperioso destacar que vasta polêmica reside

em torno das formalidades e normas processuais a serem observadas, afim de que haja a

efetivação desta miscigenação doutrinária e jurisprudencial. E nesse sentido, encontra

aplicabilidade às proposições de Neal Kumar Katyal, como se restará evidenciado a seguir.

Com o passar dos anos, o direito, através do desenvolvimento de ramos próprios como

o Direito Comparado e o Direito Internacional Privado, passou a circular internacionalmente,

através principalmente da comunicação entre juízes. O autor em evidencia, conclui que o

fenômeno acima descrito originou um fórum mundial de juízes. Através dessa comunicação, o

direito desenvolvido, não possui um caráter vinculante, pois seu campo de eficácia e

legitimidade estão ligados em parte à dispositivos institucionais, a exemplo do que ocorre na

108 ibid. p.8.

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Europa, e nos tribunais internacionais, e por vezes na necessidade de regulação normativa e

referencias para embasamento da argumentação, em parte assentes pelo órgão responsável por

fundamentar. Esses intercâmbios, a circulação internacional do direito se encontra, antes de

qualquer coisa, nas próprias sentenças, acórdãos e decisões judiciais. Em seu livro, o

magistrado francês, cita o memorável caso, Lawrence v. Texas, onde os juízes do Supremo

Tribunal americano se basearam como fonte de pesquisa e fundamentação na jurisprudência

do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de Estrasburgo (TEDH). Naturalmente, no caso

em questão, o desvio em direção a jurisprudência européia não foi visto com o melhor dos

olhares pela unanimidade dos juízes do Supremo Tribunal americano. A influencia de

jurisprudência alienígena pode ser considerada como responsável por vasta discórdia entre

juízes modernistas e juízes tradicionalistas ao redor do globo.

Nesse sentido, cabe mencionar passagem referente à obra de Antoine Garapon

denominada “O comércio entre juízes”:

As ocasiões de contacto entre ordens jurídicas não são seguramente novas nem para is professores, que consagraram a esta área uma disciplina específica – o direito comparado – nem para os que exercem neste campo, que elaboraram, ao longo dos anos, um ramo inteiro do direito – o direito internacional privado – que tem precisamente como objectivo arbitrar os possíveis conflitos de competências. No entanto, assistimos, nos últimos anos, ao aparecimento de práticas que não se enquadram em nenhum dos dois: situações em que os juízes tomam a iniciativa de consultar decisões judiciais estrangeiras, quando não há nada que os obrigue a isso, ou elaboram uma espécie de costume judicial para colmatar os silêncios do direito positivo. 109

Esta nova zona de contato entre ordens jurídicas pode ser evidenciada a título

exemplificativo, no Tribunal de Justiça (TJCE) com sede no Luxemburgo, o qual concentra os

seus esforços na proteção do Tratado de Roma, e no Tribunal de Estrasburgo (TEDH) que

interpreta a Convenção Européia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

Ambos os tribunais se citam, e utilizam decisões e jurisprudência de forma recíproca, apesar

de não existir qualquer relação orgânica entre os mesmos. Segue-se a constatação do jurista

francês que novamente exemplifica:

109 ibid., p. 7.

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É igualmente cada vez mais comum o facto de juízes nacionais nomeados para determinado processo consultarem, por sua livre iniciativa, decisões tomadas pelos seus homólogos estrangeiros a fim de encontrarem a melhor solução possível para o problema em causa. Esta atitude pode ser nomeadamente encontrada em processos considerados muito difíceis, que os teóricos americanos denominam de hard cases.

110

O objetivo dos operadores de direito, incluídos em primeiro plano os membros da

magistratura, ao procurarem argumentos em decisões alienígenas, é justamente efetivar uma

prestação jurisdicional mais eficaz, a exemplo dos casos de difícil solução, a jurisprudência

estrangeira serviria como um manancial de idéias. Em determinados casos, jamais vistos, ou

de pouca confrontação doutrinária pátria, os magistrados buscam um embasamento, uma

garantia jurídica. Cada vez mais, com o progresso científico e a evolução dos valores da

sociedade, surgem novos litígios, novos debates, onde como em qualquer outra ciência, a

pesquisa e o desenvolvimento dependem da informação interna e externa. Nesse sentido,

evidencia-se o esvaziamento da idéia de “última palavra”. Como sustentar a existência de um

órgão capaz de ser imbuído da capacidade de proferir derradeiramente uma decisão se os

próprios tribunais como constado por Garapon admitem tacitamente não possuírem sempre a

fundamentação necessária através no embasamento na jurisprudência estrangeira. Os

magistrados, como cientistas jurídicos imbuídos no objetivo de uma sentença de fato, ou seja,

uma sentença verdadeiramente eficaz, visam na consulta do direito estrangeiro, encontrar um

argumento de bom senso baseado na eficácia. Naturalmente, a legitimidade deve ser

encontrada de modo a sustentar essa fertilização recíproca de jurisprudência.

5.2 Aproximação com Sabino Cassese

Um segundo autor que aproxima as concepções abordadas pelo magistrado francês

Antoine Garapon, porém sob a ótica de uma crise do Estado, sob o ponto de vista de sua

soberania e sua legitimidade democrática, fatos inexoravelmente associados ao próprio 110 ibid., p. 23.

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sistema jurídico do mesmo, se trata do professor italiano Sabino Cassese. Nesse sentido, cabe

se utilizar de trecho síntese elaborado pela Professora Odete Medauar, ao prefaciar o livro,

intitulado “A Crise do Estado”.

No início do primeiro artigo, Cassese menciona que a crise do Estado é discutida desde o início do século XX e dá a sequência dos significados da expressão desde aí: primeiro, quando surgiram organismos poderosos, como sindicatos e grupos industriais, que suscitaram dúvidas quanto à soberania interna do Estado; segundo, a crise do Estado serviu para indicar o crescimento dos poderes públicos internacionais; depois, a locução passou a indicar a inadequação dos serviços estatais às expectativas dos indivíduos e da sociedade; em seguida, foi usada para significar a crise da própria palavra Estado. Para Cassese, hoje (2002), a crise do Estado envolve a perda da sua unidade, seja no âmbito interno seja no externo, continuando a primeira e a segunda crise, nos significados supra citados. Nos artigos subseqüentes, Cassese vai centrar suas considerações sobre a fragmentação dos ordenamentos estatais, sobre a redução ou fim da soberania econômica do estado, sobre o Estado na rede dos poderes públicos internacionais e supranacionais. 111

Verifica-se que assim como Antoine Garapon, porém sob uma ótica mais ampla, e

talvez mais específica se restar considerado que Cassese analisa a crise do estado sob a ótica

do direito público, enquanto Garapon se refere ao direito de forma um pouco mais abrangente,

que o autor italiano também identifica interfaces, zonas de cruzamento, de influência e

descaracterização do estado em sua concepção tradicional.

Nesse sentido, como foi dito acima, a expressão “Crise do Estado”, pode ser observada

através de diferentes pontos de perspectiva, os quais seriam: De uma forma interna, com a

criação de sindicatos e grupos indústrias potentes o suficiente para abalar o funcionamento do

Estado, e nesse sentido, nas exatas palavras do professor Sabino Cassese, “como sindicatos e

grupos industriais, que questionaram a soberania interna do Estado.”112 Ainda, “Crise do

Estado” também foi utilizada quando da criação dos poderes públicos internacionais,

instituídos pelo Estado, porém com o fim de manter o mesmo sob controle. Um significado

mais recente para a locução a “Crise do Estado” de Sabino Cassese, refletiria a inadequação

dos serviços estatais em relação aos interesses, direitos, e, sobretudo, a legítima expectativa

do homem médio e da sociedade em geral.

111 CASSESE, Sabino. A Crise do Estado. São Paulo: Saberes 2010. Prefácio. p. 1 112 ibid p. 13.

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No entanto, para o autor italiano a “Crise do Estado” se apresentaria de forma mais

relevante nos dias atuais como “a perda de unidade do maior poder público no contexto

interno e perda da soberania em relação ao exterior. 113

O autor em questão apresenta em seu livro, três casos concretos que exemplificam e

fundamentam as proposições levantadas por Antoine Garapon, no sentido de que “o direito

tornou-se num bem intercambiável”.114 Tendo em vista o escopo do presente trabalho, vamos

se concentrar em apenas um dos casos, especificamente o caso General Electric – Honeywell.

115

Ambas as empresas acima citadas, possuem a nacionalidade Norte-americana e atuam

no setor aeronáutico, sendo que em 22 de outubro de 2000 a General Eletric anunciou a

aquisição do capital integral da Honeywell, o que poderia ser caracterizado como o instituto

societário da incorporação.

Levando-se em consideração a atuação massiva de ambas as empresas no mercado

europeu, apesar de possuírem a nacionalidade norte-americana e conseqüentemente estarem

sob o escopo da competência direta da autoridade antitruste americana, a aprovação da

mencionada incorporação também dependia diretamente do parecer da Comissão das

Comunidades Européias, que atua como autoridade antitruste no espaço econômico europeu.

Confira-se nesse sentido, a narrativa do caso e a conclusão a que o jurista italiano fundamenta,

após a análise do referido caso:

113 ibid., p. 14. Se essa expressão tem diferentes significados, qual deles adotamos e estudamos aqui? Ou ainda a utilizamos em um sentido diferente? Atualmente, “crise do estado” significa perda de unidade do maior poder público no contexto interno e perda da soberania em relação ao exterior. Nesse sentido, a expressão representa a continuação da primeira e da segunda crise. 114 GARAPON, op cit., p. 7. 115 CASSESE, op cit., p. 14. Para entender como a “Crise do Estado” se apresenta hoje, é preciso partir de três casos recentes, que ilustram diferentes modalidades de construção de poderes públicos não estatais. O primeiro diz respeito à colaboração entre autoridades antitruste de diferentes Estados; o segundo, aos efeitos extraterritoriais das decisões de autoridades antitruste nacionais; o terceiro refere-se à origem de formas de governo mundial setorial. Nos três casos estabelecem-se ordenamentos supraestatais que se impõem aos Estados, embora estes tenham contribuído para a sua constituição.

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Em 2 de maio de 2001, a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça aprovou condicionalmente a concentração, considerada lícita desde que as companhias envolvidas vendessem alguns de seus ramos, entre os quais, e principalmente, o da produção de motores para helicópteros. Por outro lado, a Comissão das Comunidades Européias por duas vezes julgou insuficientes os “remédios” ou compromissos oferecidos pelas duas empresas, mesmo sendo maiores do que os exigidos pela autoridade antitruste americana e, em 3 de julho de 2001, julgou a concentração incompatível com o mercado comum europeu, porque instauraria ou reforçaria posições dominantes em vários mercados. Os “remédios” propostos não foram considerados suficientes para ser aprovados no teste da dominância de mercado – que serve para verificar se o mercado permanece suficientemente competitivo, de modo que os consumidores continuem a dispor de produtos para escolher a preços competitivos. O caso sucintamente apresentado elucida melhor do que qualquer outro o fenômeno da crise da nacionalidade da economia e do direito. Por um lado, não importa onde a empresa esteja domiciliada, e sim onde ela atua – ou seja, tanto a autoridade européia como a norte-americana podem intervir, porque os efeitos da aquisição são sentidos tanto por consumidores europeus como por americanos. Por outro, o mercado global está em correlação com um direito que se amplia até se tornar global – a atividade de empresas sediadas em território norte-americano é impedida pela autoridade de outro lugar. Mas, uma vez que essa autoridade não é estatal, pode-se dizer que o direito de um Estado – os Estados Unidos – sofre os efeitos de uma decisão tomada não por outro Estado, mas por uma autoridade supranacional. Por isso, o direito estatal e sua força territorial são duplamente recessivos. 116

Conclusão extremamente interessante pode ser inferida, tendo em vista que as

empresas que eram opositoras a mencionada incorporação, e portanto exerceram força

política, jurídica e acompanharam de perto todo o procedimento antitruste, eram empresas

essencialmente norte-americanas. Ou seja, estaríamos falando praticamente apenas em

empresas norte-americanas, tanto as que estavam a favor da mencionada incorporação, quanto

as que eram contra a aludida concentração, que seriam reguladas pela comissão antitruste

européia e não a de seu país sede.

Nas palavras do professor Sabino Cassese, “se o caso for examinado pelo viés

empresarial, pode-se dizer que as companhias americanas usaram o direito europeu contra outras

empresas americanas.” 117

116 CASSESE, op cit., p. 18. O segundo aspecto que chama atenção é o papel desempenhado pela Comissão das Comunidades Europeias em relação às empresas em conflito, as duas norte-americanas interessadas na concentração e as outras, contrárias, também em grande parte norte-americanas. É a autoridade supranacional européia que julga um conflito em grande parte interno aos Estados Unidos. Se o caso for examinado pelo viés empresarial, pode-se dizer que as companhias americanas usaram o direito europeu contra outras empresas americanas. 117 ibid. p., 18. Ficaram contra a transação não apenas os concorrentes – a inglesa Rolls-Royce e a americana United Technologies, que controla a Pratt & Whitney, e os produtores de aviônica, como a americana Rockwell Collins, a francesa Thales e a Hamilton Sunstrand, essa última também controlada pela United Technologies -, mas também quinze das maiores companhias de transporte aéreo americanas e europeias, como consumidoras dos produtos. ”

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Através da análise do caso acima citado, verifica-se que nos dias atuais, após o

fenômeno da globalização, e o solavanco do acesso à informação proporcionado pela internet,

um “quadro de superposição e entrelaçamento entre os ordenamentos nacioais e o

comunitário, o discurso da supremacia constitucional vem cedendo espaço a concepções mais

pluralistas da ordem jurídica.” 118

Uma outra vertente de argumentos, analisados pelo jurista italiano, é extremamente

bem apresentada pela já mencionada obra dos professores Cláudio Pereira de Souza Neto e

Daniel Sarmento, quando da análise do poder constituinte originário. Confira-se o referido

trecho:

Hoje, contudo, mesmo na dimensão normativa, a ilimitação do poder constituinte vem sendo posta em questão. Há quem sustente que o poder constituinte se encontra juridicamente limitado pelos direitos humanos reconhecidos internacionalmente. Há também quem defenda que ele se limita por princípios suprapositivos de justiça. Versão especialmente conhecida da tese da limitação do poder constituinte foi proposta por Otto Bachoff, para quem há “normas constitucionais inconstitucionais”, ou seja, normas que formalmente com compõem o texto constitucional originário, mas que não são válidas por violarem o direito supraconstitucional. O autor faz referência à decisão proferida, em 1950, pelo Tribunal Constitucional da Baviera, que assentou: A nulidade inclusive de uma disposição constitucional não está a priori e por definição excluída pelo fato de tal disposição, ela própria, ser parte integrante da Constituição. Há princípios constitucionais tão elementares, e expressão tão evidente de um direito anterior mesmo à Constituição, que obrigam o próprio legislador constitucional e que, por infração deles, outras disposições da Constituição sem a mesma dignidade podem ser nulas. 119

Ainda nesse sentido, cabe ser ressaltado que a decisão acima destaca o

reconhecimento pelo Tribunal Constitucional Alemão da possibilidade teórica do controle de

decisões do poder constituinte originário, em casos extremamente excepcionais, de

gravíssimas violações aos pilares fundamentais da justiça.

Ou seja, deve-se adentrar novamente às proposições de Antoine Garapon e Sabino

Cassese e a discussão central do presente capítulo, que poderia ser considerada a possibilidade

de utilização de direito alienígena para fundamentação de decisões nacionais. Ressalta-se,

porém, a extrema dificuldade de implementação de teorias novas, no que tange a abrangência

118 SOUZA NETO, op cit., p. 259. 119 ibid., p. 254.

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do tradicionalismo jurídico, e das preocupações com o princípio da segurança jurídica, que

serve para impedir o avanço de teorias irresponsáveis, como também para obstar o

prosseguimento de algumas modificações coerentes.

Nesse sentido, utiliza-se, como exemplo, a rejeição pelo Supremo Tribunal Federal da

tese de normas constitucionais inconstitucionais, deixando, conseqüentemente, de proceder

com o conhecimento das ações que digam respeito a mencionada assertiva. A já mencionada

obra dos professores Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento, utiliza, como

exemplo principal, a ADI-AgR nº 4.097/DF, de relatoria do ministro Cezar Peluso, onde

restou afirmado que “não se admite controle concentrado ou difuso de constitucionalidade de

normas produzidas pelo poder constituinte originário”. 120

Ainda nesse sentido, tendo em vista não se tratar do objetivo do presente trabalho,

porém com o fim de estimular um pouco de reflexão, cabe citar a abordagem acerca da

suposta indivisibilidade do poder constituinte, nos dizeres dos professores da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro:

É certo que decisões fundamentais precisam ser adotadas pelo poder constituinte, e as suas escolhas, de caráter vinculante, sempre importam na rejeição de outras alternativas porventura existentes. Contudo, a idéia de indivisibilidade do poder constituinte não pode ser aceita, se importar na adoção de uma compreensão fechada sobre a identidade constitucional, que não seria compatível com o pluralismo presente nas sociedades contemporâneas, nem com o ideário do constitucionalismo democrático, que se assenta no respeito às diferenças. O poder constituinte, no Estado Democrático de Direito, não poder ser compreendido como uma força homogeneizadora, que suprima a diversidade em nome da unidade, ou bloqueie a discussão sobre as decisões políticas fundamentais do Estado e da Sociedade. 121

5.3 Aproximação com Katyal

O costume acima mencionado para Garapon acarreta na visão de uma decisão que

separa o imperium da jurisdictio, o que acarreta numa decisão privada de força vinculativa, ou

120 ibid. p. 254 121 ibid. p. 259

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seja, a idéia de imposição se mitiga o que revela a aproximação, ainda que em termos

brandos, com Katyal, o que se tentará explicar na passagem seguinte:

Se uma ordem jurídica se define pelo imperium que confere aos juízes, isto é, a força executória que atribui às suas decisões, a função da justiça consiste igualmente em interpretar o direito à luz de casos particulares, em aplicá-lo de forma convincente e racional. É a outra vertente da sua missão: a jurisdictio. Tradicionalmente, estes dois aspectos do trabalho judicial são indissociáveis: formam o poder e a autoridade da sentença. Mas o que acontece a estas funções no contexto do novo fórum judicial transnacional? Uma vez que, por vezes, se desenrola à margem dos mecanismos institucionais, este fórum convida a pensar na jurisdictio separadamente do imperium e a conceber o valor de uma norma jurídica privada de força vinculativa.122

Em termos gerais a maior parte dos juízes com uma formação de cunho tradicionalista,

compartilha a visão de que a noção de segurança jurídica está intrinsecamente ligada ao

direito nacional. Em outras palavras, o juiz devido a um patriotismo espontâneo confia

somente nas instituições e nos métodos cognitivos com os quais está familiarizado. A

intensificação dos intercâmbios entre os juízes, que em alguns casos ocorre pelas costas dos

governos, é considerada um novo atentado contra a soberania dos estados. Sob outro aspecto,

um novo horizonte é aberto, convidando os Estados soberanos a ponderarem um lugar no

plano “Geojurídico Mundial”, não apenas em termos de independência, mas também em

termos de influência.

Ainda sob esse enfoque, segue passagem de Garapon, onde o mesmo apresenta à

problemática, em face da conceituação de soberania o que, apesar de soar pretensioso, seria

mais bem resolvida através da combinação de seus argumentos com a posição intermediária

da corte, ou seja, a ação de aconselhamento defendida por Katyal:

Apesar de tudo isso, o principio da soberania não é abolido, uma vez que são os juízes que, parcialmente, a detêm. Esta transferência de poder para os juízes não significa a inexistência de qualquer controlo ou a implementação de um automatismo tão elevado como em direito interno. Na verdade, o sucesso do mecanismo depende do grau de confiança estabelecido entre os vários sistemas de justiça. Daí a necessidade não só de um conhecimento mas também de um reconhecimento mútuos, os quais constituem, de alguma forma, a condição prévia de qualquer intercâmbio. Os sistemas não entram em concorrência mas sim numa situação de avaliação recíproca permanente. Torna-se, portanto, difícil a cada um deles reivindicar o isolamento supremo que a soberania nacional outrora procurava alcançar. E esta avaliação afecta todos os níveis: não só as decisões mais graves,

122 ibid. p. 71.

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mas também a eficácia das decisões ordinárias, não só os tribunais supremos, as instâncias superiores, mas também os juízes de base. 123

Em face do acima exposto, não haveria que se falar na problemática da soberania, ou

na confiabilidade do ordenamento jurídico alienígena, se o magistrado de Garapon, ao

utilizar-se de fundamentos peculiares do direito supranacional adota-se a postura defendida

por Katyal. A ausência do caráter vinculante da decisão em questão anularia as críticas em

relação à sua legitimidade e como resultado fantástico, o debate institucional seria

magnanimamente enriquecido com proposições nacionais e internacionais. Apresenta-se aqui

uma postura intermediária que intelectualizaria o debate dialógico e afastaria as críticas em

relação à legitimidade da decisão, tanto sob a ótica democrática, quanto sob o aspecto

envolvendo a soberania.

Ainda sob esse aspecto, conforme mencionado anteriormente no presente trabalho, as

decisões dos juízes seriam estreitas, com um nível de abstração menor, porém por meio de

obter dicta seriam inseridos proposições de maior amplitude, no sentido aqui defendido, tais

proposições poderiam se valer de argumentos e jurisprudência estrangeira, assim sendo, como

o direito alienígena estará presente na obter dicta da decisão e não em sua ratio, tem a mesma

caráter flexível e não vinculante, e ainda previsível pois mostra a direção, pois é dada ex

ante.124

A combinação de decisões estreitas com a idéia de aconselhamento pela via obter

dicta é flexível as atuais tendências, conta com crença popular devido a sua transparência e é

perfeitamente adaptável.125

A citação da jurisprudência estrangeira, sua análise, não possui caráter vinculativo,

através de um suposto argumento de autoridade, e sim uma concepção crítica de

desenvolvimento. No já anteriormente abordado, caso Lawrence, o professor Denis W. 123 GARAPON, op cit., p. 71. 124 MENDES, op cit., p. 119. 125 KATYAL, op cit., p. 1710. The combination of ‘narrow-holding + advicegiving dicta’ enjoys a natural advantage over broad holdings in terms of democratic self-rule, flexibility, popular accountability, and adaptability”. “Justices as Advicegivers”.

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Archer, membro da American Bar Association, transmite o seguinte pensamento: “É razoável

concluirmos que o acórdão Lawrence utilizou o direito estrangeiro não como um precedente,

mas sim como um instrumento para analisar a nossa própria jurisprudência e conferir-lhe

contraste.” 126

Ademais, a jurisprudência estrangeira é tida como exemplo da aplicação do direito em

outros sistemas jurídicos, considerados, porém suficientemente próximos por razões

históricas, tradições ou costumes jurídicos ou políticos. Dessa forma, resta evidenciado o

caráter dialógico da questão.

Ainda, ocorre um enfoque conseqüêncialista da decisão, de forma que a qualidade de

uma decisão é analisada não somente em relação aos princípios que põe em prática, mas

também em relação aos efeitos, ou seja, conseqüências que acarreta. Em termos práticos, o

“comércio entre juízes” não assume a forma de um debate eminentemente teórico visto que

através de uma luz empírica o juiz busca se responsabilizar pelos problemas e soluções e não

simplesmente enunciar as normas, conceitos e doutrinas evidenciando o seu afastamento da

análise concreta. Essa ponderação em relação às conseqüências das decisões evidencia uma

virtude política dos magistrados. A compartimentação legal se substitui gradativamente por

uma verdadeira equação que coloca em confronto os princípios e realidades, ou seja, ocorre

uma nova relação entre o direito e o fato. Relação essa semelhante ao proposto em sentido

dialógico, no sentido de comunicação institucional entre cortes e parlamentos, ou ainda entre

a interpretação constitucional e a sociedade.

126 GARAPON, op cit., p. 75.

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5.4 Relação dialógica internacional

O “comércio entre juízes”, movido por um sentimento de ou consciência crescente de

um patrimônio democrático e civilizacional comum, a exemplo dos tribunais internacionais e

por necessidades decorrentes do silencio do direito positivo, formam uma espécie de

sociedade dos tribunais. Assim sendo, como corolário da mundialização da justiça, nenhum

tribunal poderá permanecer indiferente aos seus homólogos. Não há qualquer necessidade, em

transformar o fenômeno num sistema, visto que o mesmo perderia sua flexibilidade e força.

Os juízes e tribunais não devem se submeter a regras genéricas nesse aspecto, visto que serão

agentes ativos, verdadeiros engenheiros do intercâmbio jurídico, e visto também a

especificidade do caso concreto em contra posição a passividade a que uma ordem jurídica

transnacional submeteria os seus agentes. Antoine Garapon torna explicita de forma singular a

idéia acima mencionada, através do seguinte trecho de sua obra:

A mundialização da justiça vai-se tornando, cada vez mais, numa dimensão do próprio direito interno, mais sensível que outras a influencias extraterritoriais, como a que é exercida pela Europa ou pelo direito internacional humanitário. Por outras palavras, a mundialização da justiça confere poder aos próprios sistemas, que não desaparecem em nome de uma ordem mundial superior. Pensemos, por exemplo, nos princípios contidos na Convenção Européia dos Direitos do Homem e de Salvaguarda das Liberdades Fundamentais que, por força do Human Rights Act de 1998, se tornam directamente aplicáveis ao Reino Unido. A common law inglesa vê assim todos os seus precedentes tornarem-se reinterpretáveis a luz dos princípios do direito europeu e da jurisprudência de Estrasburgo.

Dessa forma, percebe-se o que inicialmente foi percebido ao tentar se elaborar o

presente trabalho. Como acima descrito, ao inicialmente buscar-se a elaboração desse estudo

de acordo com as proposições de Renata Camilo de Oliveira, em vistas, da mesma realizar

uma comparação entre os sistemas de controle de constitucionalidade de normas brasileiro e

alemão, restou comprovado que a questão da abstrativização do controle de

constitucionalidade difuso e a decorrência da mitigação da participação do senado de acordo

com o art. 52, inciso X da constituição brasileira, remeteria à uma questão ainda maior. Ou

seja, uma “ponta do iceberg” visto que a verdadeira problemática giraria em torno da postura

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ativista do Supremo Tribunal Federal, nesse caso exteriorizada com a mitigação da

participação do senado.

Nesse sentido, restou comprovado com a propositura de se inserir a discussão

pertinente a Antoine Garapon na parte final do presente trabalho, é que o ativismo judicial e a

comunicação institucional, representada pelas teorias dialógicas, representam, antes de

qualquer coisa, uma das vertentes da própria comunicabilidade do homem. O direito é um

produto desenvolvido pelos seres humanos, nesse sentido como acompanha o seu criador, a

comunicação interinstitucional, a ser realizada através de uma postura dialógica, com o passar

dos anos deverá ser desenvolvida de forma ampliativa, no sentido de que não mais estaremos

tratando de comunicação no âmbito parlamentar e judiciário interno a um determinado país e

sim internacionalmente o que restou comprovado com a ótica do “comércio entre juízes” e do

“Fórum mundial entre juízes”. O que resta evidenciado assim, o impacto em termos de

“última palavra” no que tange as decisões constitucionais e que envolvem direitos

fundamentais.

Diversos argumentos acima destacados são utilizados repetidamente em prol do Poder

Judiciário, porém, deve ser ressaltado que apesar de extremamente bem estruturada, a

argumentação defensora da legitimidade judiciária não é absoluta. Nesse sentido, o próprio

princípio de inafastabilidade da tutela jurisdicional, presente no artigo 5º, inciso XXXV da

Constituição de 1988 não é absoluto. Nesse sentido, destaca-se o seguinte trecho do professor

alemão radicado no Brasil, Andreas Krell:

Vale ressaltar, nesse ponto, que a ideia de um controle funcionalmente limitado do Judiciário também não colide com a garantia constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional do art. 5º, inciso XXXV, da Carta brasileira de 1988.127 Aqui, o objetivo almejado não é o controle judicial máximo dos atos do Executivo, mas o melhor controle possível (“otimizado”), o que exige uma maior cooperação (e não competição) entre os poderes estatais. 128

127 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em < www.planalto.gov> Acessado em 06.08.14. Art. 5º, XXXV: A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. 128 KRELL, Andreas J. Discricionariedade administrativa e conceitos legais indeterminados. Limites do controle judicial no âmbito dos interesses difusos. 2ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 57.

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O mencionado professor explora a discussão de limitação do poder judiciário, através

da teoria alemã do “enfoque jurídico-funcional” (funktionell-rechtlichebetrachtungsweise).

Naturalmente o professor mencionado aborda um embate entre as atribuições do poder judiciário e do

poder executivo, através dos chamados, conceitos jurídicos indeterminados e a chamada

discricionariedade administrativa. Ocorre que a mencionada teoria, perfeitamente embase não só a

legitimidade funcional do poder executivo, como também a idéia de respostas legislativas, que

permeia os escritos do presente capítulo. Confira-se a posição do mencionado professor:

Na discussão doutrinária sobre os limites do controle judicial dos atos administrativos discricionários, está ganhando espaço o “enfoque jurídico-funcional” (funktionell-rechtlichebetrachtungsweise). Ele parte da premissa de que o clássico princípio da separação dos poderes, hoje, deve ser entendido mais como princípio de divisão de funções, o que enfatiza a necessidade de controle, fiscalização e coordenação recíprocos entre os diferentes órgãos do Estado Democrático de Direito. Visto por essa perspectiva, as figuras do conceito jurídico indeterminado, da margem de (livre) apreciação e da discricionariedade são nada mais do que os códigos dogmáticos para uma delimitação jurídico-funcional dos âmbitos próprios da Administração e dos tribunais.129 130

Nesse sentido, confira-se novo trecho onde resta configurada a idéia de limitação judicial,

numa perspectiva qualitativa:

Nessa senda, exige-se uma distribuição de tarefas e responsabilidades “funcionalmente adequada” entre o Executivo e o Judiciário, que deve levar em conta a específica idoneidade em virtude da sua estrutura orgânica, legitimação democrática, meios e procedimentos de atuação, preparação técnica etc., para decidir sobre a propriedade e a intensidade da revisão jurisdicional de decisões administrativas, sobretudo das mais complexas e técnicas. O controle da Administração pelos tribunais somente deve ir até aonde se possa esperar da decisão judicial uma “qualidade material pelo menos igual” à da decisão administrativa que se pretende corrigir.131 132

Ainda, a questão remanesce em saber qual o órgão, poder ou instituição pode ser

considerado correto para tomar qualquer decisão, independente de qualquer análise mais

129 BACIGALUPO, Mariano. La discrecionalidad administrativa. Freiburg: 1997, p. 62, 142s. 130KRELL, op cit., p. 64-65. 131 HERZOG, Roman. Verfassungs- und Verwaltungsgerichte. NeueJuristischeWochenschrift – NJW, 1992, p. 2.603; o autor já exerceu os cargos de ministro da Corte Constitucional e de Presidente da República Federal da Alemanha. 132KRELL, op cit., p. 64-65.

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aprimorada a respeito do processo decisório, e nesse sentido, naturalmente devem ser

considerados aspectos intrínsecos ao próprio órgão. Confira-se a conclusão da mencionada

perspectiva, pela análise do professor Andreas Krell:

A vantagem da visão jurídico-funcional do controle da discricionariedade (lato sensu), é o que ela não tenta dissecar o processo de decisão em suas partes, analisa-los e, depois, fixar um determinado ponto a partir do qual termina a cognição e começa a vontade; em vez disso, ela indaga se o órgão é o adequado para tomar a decisão em questão, considerando-se a sua composição, sua legitimação, o procedimento decisório e a sua capacidade de trabalhar certos problemas.133

E nesse sentido, apesar de inicialmente lidar com o aspecto administrativo, o

mencionado jurista aborda a questão da reedição do ato administrativo, que perfeitamente

reflete a questão abordada abaixo, de reedição de atos normativos, leis, decretos entre outros.

Confira-se:

Como consequência do principio da separação dos poderes, o juiz poderia apenas anular um ato administrativo, isto é, exercer um controle negativo. Caso as condições fáticas exijam a reedição do ato, o respectivo órgão deve levar em consideração a orientação jurídico-material formulada na respectiva sentença. Entretanto, na base de um entendimento mais abrangente da divisão entre as funções estatais e de uma tutela judicial efetiva, os tribunais administrativos alemães não estão limitados a anular as decisões do Executivo, mas também podem lhe endereçar ordens, como, por exemplo, nas hipóteses da “redução da discricionariedade a zero” em virtude de perigos para a saúde humana.134Nesses caso, o pronunciamento condenatório é fruto de uma sindicância positiva que possui uma intensidade maior.135

Apesar de inicialmente tratar dos órgãos pertencentes ao Poder Executivo, a lógica

adotada pelo Professor Andreas Krell, reflete inteiramente a idéia comunicação entre poderes

perpetrada pelas teorias dialógicas. E nesse sentido, cabe se ressaltar que já se nota,

mundialmente uma tendência de respostas legislativas a decisões judiciais. Assim, passa-se a

análise de alguns casos ocorridos no globo que traduzem a experiência empírica do que se

defende no presente trabalho.

133 OSSENBÜHL, Fritz. Rechtsquellen und Rechtsbindungen der Verwaltung. In: ERICHSEN; EHLERS. AllgemeinesVerwaltungsrecht. 2002, p. 206s., 219 apud KRELL, Andreas J. Discricionariedade administrativa e conceitos legais indeterminados. Limites do controle judicial no âmbito dos interesses difusos. 2ª Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 71. 134 REHBINDER, Eckard. Germany (Chapter 3). In: KOTZÉ; PATERSON. The role of judiciary in environmental governance.2009, p. 144. 135 BACIGALUPO, op cit., p. 95.

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Diante do acima exposto, cabe se analisar alguns exemplos de diálogos institucionais

aplicados empiricamente em experiências ao redor do globo. Nesse sentido, o capítulo abaixo

será dedicado a descrição de alguns exemplos práticos de respostas legislativas a decisões

judiciais que comprovam exemplos de diálogos institucionais entre cortes e parlamentos.

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6. TEORIAS DIALÓGICAS E EXEMPLOS DE CONSTRUÇÃO EMPÍ RICA

CONJUNTA – RESPOSTAS LEGISLATIVAS À “JUDICIAL REVIE W”

6.1 A experiência Alemã

O primeiro exemplo de resposta legislativa a decisão judicial, a ser analisado no

presente trabalho, traduz-se, pelo exemplo ocorrido na Alemanha, ocasião em que o direito

fundamental de liberdade religiosa restou colocado sob enfoque. Confira-se, novo trecho

retirado do livro do professor Rodrigo Brandão:

Cite-se, por exemplo, o caso do uso de crucifixos em escolas públicas na Bavária. Após a Corte Constitucional alemã considerar contrária à liberdade de religião a fixação de crucifixos nas salas de aula em escolas públicas, irrompeu-se séria crise constitucional na Bavária sob a forma de protestos de líderes religiosos e de políticos no sentido de que a decisão judicial menoscabara a herança cristã alemã, levando Helmut Kohl, chanceler à época, a afirmar que a decisão lhe parecia incompreensível. A intensa mobilização de grupos religiosos obteve 700 mil assinaturas contra a decisão judicial, pressionando o Parlamento a aprovar lei que afirmava que o uso de crucifixos inserir-se-ia nas tradições culturais e históricas da Bavaria, e que tal ato simboliza o desejo de realizar os mais elevados objetivos educacionais. Além disso, a norma previu que se os pais questionassem a colocação do crucifixo por razões razoáveis de fé ou seculares, o diretor da escola deveria buscar uma solução de compromisso. Entretanto, conforme reconhecido por um juiz da Corte Constitucional, fato é que hoje há mais crucifixos em escolas na Bavária do que havia antes da decisão. 136

Nesse sentido, poderia se considerar o exemplo acima, como caso de preponderância

de uma decisão legislativa, porém eivada de legitimidade democrática, não sob a concepção

clássica de representação direta do povo, porém, se considerarmos que o Poder Legislativo

entrou em cena, com o fito de atender um pleito popular, provocado por uma decisão judicial

que não agradou, estaríamos considerando a presença de um dialogo institucional de

sobreposição, onde após uma decisão judicial empiricamente equivocada, o Poder Legislativo

observando a realidade concreta editou uma norma, que afirmava que o uso de crucifixos

136 BRANDÃO, op.cit., p. 237.

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inserir-se-ia nas tradições culturais e históricas do povo alemão da mencionada região da

Bavaria.

6.2 A experiência Norte-Americana

Ao se analisar a questão das respostas legislativas no caso americano, deve ser levado

em consideração alguns aspectos fáticos, que diferenciam a lógica norte-americana de

respostas legislativas, tendo em vista, essencialmente, que não existem instrumentos legais ou

normativos, aptos especificamente, a direcionar uma postura proativa de respostas legislativas

à preceitos judiciais. Confira-se nesse sentido:

Já nos Estados Unidos a dinâmica das respostas legislativas a decisões da Suprema Corte é significativamente diferente, não apenas pela inexistência de instrumentos positivados especificamente para tal fim (como a override clause), mas, sobretudo, pela enorme dificuldade do processo de reforma e pelo sistema político norte-americano se caracterizar pelo profundo fracionamento do poder político (p.ex., presidencialismo, federalismo, legislativo bicameral, controle difuso de constitucionalidade etc.) 137

Assim, ao se comparar a questão de emendas constitucionais brasileiras, com as

alterações na constituição norte-americana, verifica-se uma absurda discrepância de reforma

de preceitos, ainda mais quando se leva em consideração a idade da Constituição Brasileira,

que foi promulgada em 1988, porém, em pouco mais de 20 anos, já sofreu inúmeras

intervenções. Cabe citar, o professor Rodrigo Brandão:

Não é de causar espécie, portanto, que as respostas legislativas veiculadas por emendas constitucionais sejam extremamente raras. Com efeito, somente em quatro oportunidades o Congresso norte-americano alterou formalmente a Constituição com vistas a superar decisão constitucional da Suprema Corte. A décima primeira emenda superou o precedente Chisholm v. Georgia (1793) para afirmar a competência dos tribunais federais para julgar demandas contra os Estados-membros, o que havia sido negado pela Suprema Corte. A décima terceira emenda superou o infeliz entendimento fixado no caso Dred Scott v. Sandford, no qual a Suprema Corte negou cidadania norte-americana, e, conseqüentemente, as garantias constitucionais, aos negros, para extinguir textualmente a escravidão após a vitória dos Estados do Norte na Guerra Civil. 138

137 ibid. p. 245. 138 ibid., p. 245.

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Outro caso de superação legislativa de decisões judiciais pode ser evidenciado pela

décima sexta emenda, que foi aprovada com o objetivo de superar uma declaração de

inconstitucionalidade proferida pela Suprema Corte. Confira-se:

A décima sexta emenda foi aprovada para superar o precedente fixado em Pollock v. Farmers Loan & Trust Co. (1985), no qual a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade de lei que tributava uniformemente o imposto de renda, sob o argumento de que se tratava de imposto indireto, que deveria seguir a regra da proporcionalidade. 139

E nesse sentido, se infere que os interesses em se superar uma decisão judicial, em

alguns casos podem ser considerados essencialmente políticos. No caso da vigésima sexta

emenda constitucional norte-americana, o objetivo primordial era aumentar o número de

eleitorado, tendo em vista a possibilidade de se angariar mais votos de uma camada

populacional até então inesperada, no caso, uma lei federal que obrigada os Estados a reduzir

a idade dos eleitores:

Por fim, a vigésima sexta emenda superou a decisão da Suprema Corte no caso Oregon v. Mitchell, no qual a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade de lei federal que obrigava os Estados a reduzir a idade mínima para o voto para dezoito anos, por considerá-la aplicável apenas às eleições federais. 140

Outro caso norte americano a ser trazido ao presente trabalho possui, de certa forma, o

mesmo incidente catalizador do caso alemão acima mencionado. Trata-se também de uma

decisão judicial que foi superada por uma decisão legislativa, porém com algumas

peculiaridades significativas que reverberam uma mudança de comportamento do Poder

Legislativo. Confira-se novo trecho do livro do professor Rodrigo Brandão:

Outro caso importante de negativa de implementação da decisão judicial se deu nos Estados Unidos. No caso INS v. Chada a Suprema Corte declarou inconstitucional a prática do veto legislativo, na qual o Congresso delegava poderes normativos às agências reguladoras, cujos atos tinham a sua eficácia suspensa por um lapso de tempo determinado, dentro do qual o Parlamento poderia rejeitá-los sem a intervenção do Presidente da República através da sanção ou do veto. Considerou a Corte que qualquer norma que implicasse criação de direitos e obrigações deveria

139 ibid., p. 245-246. 140 ibid., p. 246.

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observar integralmente o processo legislativo, com a deliberação das duas Casas Legislativas e com a participação necessária do Chefe do Poder Executivo. 141

A peculiaridade do presente caso resta evidenciada, pois nota-se uma diferente postura

do legislativo. Não se pode falar em simples diálogo institucional de sobreposição como

mencionado acima, tendo em vista que não se trata simplesmente de se afirmar ou não um

direito, tendo em vista que a forma de exercício do mesmo também é trabalhada. Tal fato se

evidencia com a leitura do trecho abaixo assinalado:

Entretanto, a dificuldade na implementação da decisão decorria do fato de o “veto legislativo” ser conveniente tanto às agências reguladoras quanto ao Parlamento: às agências garantia razoável espectro para a sua atuação discricionária em matérias cuja regulação exigia expertise e celeridade; ao Legislativo preservava o controle sobre os respectivos atos administrativos. Diante deste cenário, foram concebidos métodos inventivos para manter uma sistemática de controle parlamentar dos atos da agência que não se submetesse aos rigores do processo legislativo ordinário, mantendo-se a dinâmica institucional que pareceu à Suprema Corte inconstitucional. 142

Verifica-se que os mencionados métodos inventivos foram criados a partir dos

argumentos de uma decisão judicial, com o intuito de manter uma sistemática de controle

parlamentar dos atos das agências, porém se mantém a dinâmica institucional anterior, com

uma nova roupagem, com o objetivo de não desconsiderar totalmente os argumentos que

levaram a Suprema Corte a declarar a inconstitucionalidade em primeiro lugar.

6.3 A experiência Canadense

A experiência canadense possui extremo impacto histórico e empírico, quando se

analisa as teorias dialógicas, e ainda mais, a resposta parlamentar as decisões judiciais. Desse

modo, cabe ressaltar a análise realizada pelo professor Rodrigo Brandão:

Um instrumento de superação de decisão constitucional pelo Parlamento que sempre vem à baila quando se discute os diálogos constitucionais é a override clause (também chamada de notwithstanding clause). Tal dispositivo, previsto na Seção 33 da Canadian charter of rights and freedoms de 1982, permite que as legislaturas nacional e provincianas do Canadá deliberem, por maioria ordinária e pelo prazo

141 ibid., p. 238. 142 ibid., p. 238.

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renovável de cinco anos, pela prevalência das suas leis sobre os direitos da liberdade e da igualdade arrolados nas seções 2, 7 e 15 do Charter. 143

Inclusive, deve-se traçar um paralelo ao caso canadense, e se evidenciar que em alguns

casos, o Poder Judiciário poderia ser visualizado através de uma perspectiva fragilizada, tendo

em vista que diversas decisões dependem, para serem efetivamente implementadas, de atos

externos ao Poder Judiciário como, por exemplo, a edição de normas legislativas. Na visão de

alguns autores, apesar de supostamente, a aludida dependência ser interessante em termos de

fomento de diálogos institucionais, as teorias empíricas defensoras dessa tese, desconsideram

os verdadeiros malefícios da não implementação de uma decisão judicial ao Estado de

Direito.

No caso canadense, após certo tempo, passou a perceber os mencionados malefícios, e

a override clause, passou a ter uma importância muito mais histórica do que prática. Confira-

se a mencionada constatação:

Todavia, a má redação da override clause e o seu péssimo uso tornam-na uma piscina suja, ou seja, um dispositivo constitucional que caiu em desuso, diante do altíssimo custo político do seu emprego. 144

Ainda nesse sentido, a cultura de interação entre o Parlamento Canadense e a Suprema

Corte é mantido através da conhecida Seção nº 01. Assim:

Atualmente, a efetiva interação entre a Suprema Corte e o Parlamento canadenses sobre a melhor forma de proteger os direitos previstos na Carta de 1982 se dá através da sua seção n. 1, que autoriza o legislador a impor-lhes apenas limites que sejam “razoáveis”, prescritos em lei, e justificáveis em uma sociedade livre e democrática.145

Um exemplo bastante interessante de resposta legislativa posterior à decisão judicial

ocorreu no próprio Canadá. Assim, se evidenciou que após uma ponderação de visões

institucionais, o resultado final do exemplo abaixo transcrito revelou uma posição

143 ibid., p. 242. 144 TUSHNET, Mark. Weak courts, strong rights – judicial review and social welfare rights in comparative constitutional law. New Jersey: Princeton University Press, 2008, p.57. apud BRANDÃO, RODRIGO. Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais de. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 242. 145 BRANDÃO, op.cit., p. 243.

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intermediária e não a supressão da visão do Parlamento ou do Judiciário, se fugindo, portanto

da lógica adversarial. Nesse sentido:

Bons exemplos de ambas as hipóteses ocorreram na seara dos crimes sexuais. Em 1990 a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade de lei que previa até prisões perpétuas para homens que tivessem praticado conjunções carnais consensuais com meninas menores de 14 anos, ainda que eles acreditassem que elas fossem mais velhas. A maioria da Corte considerou que a lei poderia punir acusados que fossem “mentalmente inocentes”, não se justificando como um limite razoável aos direitos do acusado que se legitimaria como instrumento apto a combater a pedofilia. O Parlamento, porém, editou norma que protegia mais intensamente as crianças, além de ser mais atenta aos direitos do acusado. O novo tipo criminal protegia tanto meninos quanto meninas menores de 14 anos de qualquer forma de abuso sexual (e não apenas as meninas de conjunções carnais). Além disso, a lei permitiu depoimentos gravados para facilitar a colheita de prova junto à vítima, e, apesar de não perfilhar o elemento subjetivo exigido pela Corte (consciência do acusado da idade da vítima), admitiu que o fato de o acusado ter tomado todas as precauções razoáveis para saber a idade real da vítima excluiria a ilicitude da sua conduta. 146

No exemplo acima, o Poder Judiciário se revelou mais apto a concretizar o ideal de

vontade contra-majoritária e proteger o interesse de uma minoria censurável, a exemplo dos

pedófilos e o Parlamento, cumpriu seu papel de proteção à segurança sexual da criança e se

adequando, portanto a visão majoritária da população. Agora, o que se infere é que

independentemente de qual Poder funcionou melhor no caso acima descrito, interessante é de

fato, a estrutura da construção dialógica da referida decisão. Não se verifica no citado caso,

como ocorre em muitos casos no Brasil, uma regulação originária perpetrada pelo crivo

jurídico, tendo em vista que se parte de uma postura ativa do Parlamento, para enfim uma

postura de contenção do Poder judiciário. A corte canadense apesar de, por um lado, restringir

o entendimento do parlamento, de certa forma produz um conteúdo derivado e não originário,

ou seja, um conteúdo que revela tendências de ambos os poderes. Podemos considerar a

ocorrência, no aludido caso, de um ponto intermediário, como muito bem ressaltado pelo

professor Rodrigo Brandão.

Lógica conflituosa, que não pode ser considerada uma conversa legislativa e sim a

imposição de uma lei pela garganta do judiciário para reverter sua jurisprudência. Por outro

146 ibid. p. 243.

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lado, cabe analisar um caso canadense, no que tange a crimes sexuais, trazido a discussão, no

livro do Professor Rodrigo Brandão:

Cite-se, por exemplo, os casos O´Connor e Mills. No primeiro, o Bispo Hubert O´Connor era acusado de estuprar quatro estudantes aborígenes em uma escola dirigida por ele. Em sua defesa, O´Connor solicitou o acesso a registros dos tratamentos médico e psicológico das vítimas. A Suprema Corte atribuiu aos juízes competentes o dever de sopesar os direitos à ampla defesa do acusado e à privacidade da vítima, para definir se tais informações deveriam, ou não, ser disponibilizadas aos acusados. 147

Percebe-se com facilidade, que o caso concreto mencionado acima, trata da

ponderação de direitos fundamentais, o que se percebe com a fundamentação dos magistrados

envolvidos no julgamento:

Todavia, exígua maioria (cinco juízes) afirmou que não se poderia exigir do acusado a comprovação da relevância dos dados antes de ele tomar conhecimento do seu teor, de maneira que a sua não disponibilização à defesa poderia causar a condenação de inocentes. Desta forma, todas as informações disponíveis para a acusação deveriam ser repassadas à defesa, e os dados sob a guarda de terceiros (médicos, psicólogos etc.) também deveriam lhe ser repassados desde que o juiz do caso considerasse que eles poderiam ter alguma utilidade para a defesa. Já a minoria (quatro juízes) se mostrou cética quanto à utilidade dessas informações para a defesa, e, por outro lado, revelou preocupação quanto à abertura do seu sigilo desestimular denúncias de crimes sexuais e perpetuar a vulnerabilidade das mulheres a violências sexuais. Portanto, enquanto a maioria priorizou o direito do acusado à ampla defesa, a minoria deu preeminência ao direito da vítima à privacidade e ao interesse social em punir eficazmente os crimes sexuais. 148

O caso analisado representa um verdadeiro exemplo de diálogo institucional, talvez

não teorizado acima, porém de extrema atratividade empírica, tendo em vista que não há

como se falar em preponderância de da visão de um dos Poderes envolvidos, como se verá

através da citação abaixo:

Dois anos após a decisão, o Parlamento reagiu mediante a aprovação de lei destinada a fazer prevalecer a solução acolhida pela minoria da Suprema Corte, precisamente para tornar mais difícil a utilização em juízo das informações em apreço, e, assim, estimular comunicações de crimes sexuais pelas vítimas. Mais do que isso, a lei usava as mesmas palavras do voto minoritário da juíza L’Hereau Dubeau, superando, ponto a ponto, a solução acolhida pela maioria da Corte. Portanto, o Parlamento não buscou uma solução intermediária que incorporasse a visão da Corte, antes reputou inaceitável e simplesmente a reverteu. 149

147 ibid. p. 244. 148 ibid. p. 244. 149 ibid. p. 244 - 245.

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Apesar de ser possível se considerar, como afirma o professor Rodrigo Brandão no

trecho acima, que o Parlamento não buscou uma solução intermediária que incorporasse a

visão da corte, mas ao invés, simplesmente reverteu a mencionada decisão, ouso discordar,

tendo em vista que o Parlamento nada mais vez, do que se alinhar a visão minoritária da

Corte, porém de forma legítima e direta, como posicionamento da Corte. Nesse sentido,

verifica-se que o parlamento, se apropriou de um posicionamento que lhe pareceu mais

legítimo democraticamente, com o objetivo de atender de forma imediata os interesses da

população, porém não o fez sem fundamentação, sem tecnicidade. Percebe-se com clareza,

que o Parlamento no presente caso, simplesmente s utilizou de pareceres jurídicos de quatro

dos maiores juristas de seu país, no caso a parcela minoritária da Suprema Corte. Ao ver do

presente trabalho, uma política e técnica ao mesmo tempo, fundamental para se garantir a

legitimidade democrática e a eficácia dos Direitos Fundamentais. Tal entendimento foi

esposado em decisão posterior que considerou que a lei que superara frontalmente o

precedente da Suprema Corte, deveria ser considerada Constitucional. Assim:

A lei que superara frontalmente o seu precedente foi julgada constitucional pela Suprema Corte em Mills, que baseou a sua decisão na doutrina dos diálogos constitucionais. Com efeito, a Corte afirmou que a interpretação obtida em O’Connor representava judicially created common law, de forma que não consistia na única interpretação possível, antes o Parlamento poderia propor, como de fato propôs, solução distinta. Neste sentido, a Suprema Corte afirmou que não tem um monopólio na proteção e promoção de direitos e liberdades; o Parlamento também desempenha um papel importante nesse particular e freqüentemente é um aliado importante de grupos vulneráveis. 150 151

Conclui-se que o caso acima, exemplifica, na visão do presente trabalho um passeio

empírico da idéia de “última palavra provisória” e “rodada procedimental” de Conrado

Hübner Mendes. O caso canadense, representa nada mais do que uma solução extremamente

interessante, que poderia ser instrumentalizada e utilizada em terras brasileiras, através de

150 ROACH, op. cit., p. 280. 151 BRANDÃO, op.cit. p. 245.

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criação de comitês de juristas renomados, a serem consultores de processos legislativos por

exemplo.

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CONCLUSÃO

Por todo o exposto, é notória, nos dias atuais, a evolução das proposições teóricas

dialógicas, e, assim, a concepção mais mitigada da idéia de “ultima palavra” no que tange aos

direitos fundamentais. Assim sendo, resta evidenciada a pluralidade que acomete todos os

ramos científicos, inclusive o jurídico restando comprovada uma cadeia interdependente.

Analogicamente, poderíamos remeter as teorias dialógicas a uma espécie de “árvore

genealógica” onde uma vertente pode se ramificar em outras, dando origem a novos ramos,

porém todos se encontram atrelados uma mesma base em comum, não necessariamente a

mesma em todos os casos.

Este postulado guia o intérprete que concentra esforços na defesa de direitos

fundamentais materializados através da constituição de cada país. Desta maneira, o presente

trabalhou focalizou na metodologia descritiva e para isso tentou incluir o maior número de

autores, buscando, desse modo, abranger a maior diversidade teórica possível, acreditando,

dessa forma, estimular o caráter reflexivo inerente ao tema.

Nota-se, assim, apesar de inicialmente se basear em uma proposição concreta, a qual

seria a abstrativização do controle de constitucionalidade difuso em termos do nacional

Supremo Tribunal Federal, o presente trabalhou trilhou um campo de aprofundamento teórico,

de nacionalidades múltiplas, no intuito de encontrar respostas para uma problemática interna,

a qual seria exemplificada pelo ativismo da suprema corte acarretando na mitigação da função

do parlamento. E assim procedendo, verificou-se a diversidade argumentativa do embate

entre cortes e parlamentos em busca de legitimação para ser detentor da prerrogativa de

pronunciar a chamada “última palavra”, que não necessariamente existe conforme se verificou

através da análise da teorização brasileira, representada por Hübner Mendes.

A partir deste prisma, é nítido que não há como se ultra-extremar a idéia de “última

palavra” no que obsta a direitos fundamentais, apesar de ser necessária uma espécie de

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decisão final provisória inclusive em nome da segurança do ordenamento jurídico como um

todo e da manutenção de sua credibilidade. Assim sendo, prova-se a necessidade de uma

decisão com maior durabilidade e definir um impasse por mais momentâneo que o mesmo

seja.

Deve restar ressaltado ainda, a influência das escolas canadense e americana, na

teorização acima exposta e ainda a participação na discussão dialógica de vertentes não

abordadas no presente trabalho. Devido à limitação inerente à própria natureza do trabalho

monográfico, não foram tecidas ponderações acerca do caso israelense e neozelandês.

É inegável, também, que o presente trabalhou focalizou na metodologia descritiva e

demonstrou um comportamento inclusivo, no que obsta a escolha dos autores tentando

abranger a maior diversidade teórica possível, acreditando, dessa forma, estimular o caráter

reflexivo inerente ao tema. Neste ponto, analisando pontualmente o debate europeu, Peter

Häberle apresenta importante contribuição na chamada democratização da interpretação

constitucional. E ainda nesse sentido, Antoine Garapon evidência uma amplificação no traço

pluralista interpretativo, visto que envolve fundamentos alienígenas, de forma que o

magistrado, nesse caso específico, pudesse se valer de decisões, jurisprudência, e institutos

estrangeiros para fundamentar sua decisão, o que revelaria seu comprometimento em decidir

de forma mais justa, comprometida com a concretização protética dos direitos fundamentais

presentes no ordenamento do qual faça parte.

Por fim, e como ponto de mais difícil análise casuística, seria a verificação Dan

atratividade de uma postura passiva ou ativa e quais as consequências de sua implementação

em ordenamentos jurídicos como no caso brasileiro. Nesse caso, resta evidenciada o fato de já

existir um modelo, o qual foi constatado pelas prospecções de Hübner Mendes.

À luz de tais premissas e por todo o analisado no presente estudo, é inegável que o teor

do presente trabalho se concentrou, não em apresentar alguma resposta ou conclusão final,

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mas apenas dar publicidade a diversidade teórica que envolve o assunto, nesse sentido,

novamente, se faz referência ao caráter descritivo e comparado do presente estudo. O

aprofundamento teórico foi realizado dentro das limitações do esperado, por se tratar de um

trabalho de conclusão ao curso de pós-graduação, e a monografia apesar de soar pretensiosa,

por se eivar apenas na explanação teórica, na verdade apresenta uma curiosidade saudável em

qualquer ramo científico, benéfica a qualquer estudante que queira se afastar do ordinário,

tentando superar barreiras e limitações, a fim de encontrar uma verdade científica maior do

que a já esperada. O resultado, a verdade encontrada ou não, não é o primordial. Nesse

aspecto, a validade do presente estudo se fundamenta no caminho trilhado. O meio no

presente trabalho monográfico se sobrepujou ao fim.

E mais uma vez, constatou-se que a amplitude do tema ora abordado, deverá em breve

ser parte de algo ainda maior o qual seria uma comunicação institucional internacional,

devido às constatações referentes ao estudo de Antoine Garapon e Sabino Cassese. Ainda

nesse sentido, restar evidenciar, em trabalhos futuros, até que ponto, sob a visão prática,

exercem influência as proposições internacionais em termos de direito brasileiro. A

“abstrativização” do controle de constitucionalidade difuso, proposta pelo ministro Gilmar

Ferreira Mendes, reflete uma das formas de exteriorização do “comércio entre juízes”

preconizado por Antoine Garapon, e as proposições de Sabino Cassese, o que combate a idéia

de que os magistrados brasileiros não fazem parte da nova tendência.

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