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    Quando situamos o CEBB dentro de um contexto amplo de tradies espirituais,

    vemos como ele trabalha de um modo complementar s tradies. Se fssemos olhar como uma imagem, poderamos ver as tradies como farmcias. Elas guardam os princpios ativos dos ensinamentos os remdios com muita preciso; traduzem, mantm as recitaes de forma perfeita, tentam preservar os hbitos, guardam tudo de maneira exata. Porm, embora surjam aqueles que se conectam com essas abordagens, ela tende a no atrair um nmero grande de pessoas, exceto por aqueles que tm uma boa conexo com os pais e avs, ou quando aquilo est vivo por dentro da cultura e se preserva.

    Naturalmente, necessrio que os princpios ativos sejam preservados, porque eles so o budismo. Por outro lado, crucial gerar meios de utilizar isso tudo na vida. Se olhamos bem o que o Buda fez, ele chegava aos lugares e ajudava as pessoas do jeito que elas estavam, no mundo em que elas estavam. Esse movimento o que sustenta de fato o budismo.

    O que ns temos feito no CEBB especialmente este segundo pedao: utilizar os remdios na vida e encontrar os seres como eles esto. Para ns, o aspecto exato que precisamos preservar o significado, e no a forma propriamente. necessrio que os princpios ativos que vm de dentro de uma tradio sejam traduzidos e decodificados para uma linguagem que a cultura ao redor compreenda, e o olho brilhe. Se isso acontece, as pessoas retornam s prticas e comeam a fazer todos os sons, tudo sem nenhum problema. Mas se elas comearem pelos sons e pelas recitaes e no entenderem aquilo, no final de um tempo a condio de mrito ou de carma para aquela prtica se esgota e a pessoa muda para uma outra coisa.

    importante, assim, que exista todo esse movimento de maneira completa: de um lado os que preservam a forma exata mantendo o contedo disponvel, para a gente poder pegar esse contedo e usar para benefcio dos seres. Todas essas partes so necessrias, e umas ajudam as outras.

    No CEBB, o que ns tentamos trazer benefcio s pessoas no mundo em que elas estiverem, do jeito que elas estiverem. Por isso o CEBB surge de uma forma muito aberta, no tem mensalidade, no tem ficha de inscrio. Isso s vezes at delicado, mas assim, e a gente fica pensando em como manter isso vivo e aberto. Funcionando dessa forma, o que que d unidade? o fato de que enfim as pessoas de algum modo se beneficiam. Se elas no se beneficiassem, elas iriam embora.

    Para vocs verem como essa viso funciona, seria assim: o prdio do templo aqui foi concebido para ser todo em madeira, para poder ser comido pelos cupins, porque se no houver na Sanga a fora para poder fazer o prdio se manter, prefervel que ele

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    afunde. A pior coisa que pode acontecer a um prdio perder o esprito e continuar de p, existindo sem o esprito. Aqui mesmo poderia terminar virando at uma churrascaria, o que seria um problema. Isso o que seria o prdio estar vivo e o corao ter desaparecido. No caso do templo, fomos derrotados por questes tcnicas e precisamos fazer uma construo de concreto. Mas a ideia original seria essa, que se preserva nesse aspecto sutil de perceber que o que sustenta o CEBB o corao. Esse corao, ainda que a gente no saiba bem o que seja, ele no contrato, nem assinatura, nem prdio; ele um brilho que est essencialmente ligado noo de que os seres aspiram felicidade e aspiram se livrar do sofrimento. Se o CEBB se coloca como alguma coisa que ajuda nisso, natural que surjam mritos, e que esse movimento como um todo faa tudo andar.

    Nosso principal interesse encontrar as pessoas onde elas esto, trazendo benefcio de algum modo. A escola um exemplo: a gente conseguiu agora pegar os pequenos onde eles esto. A gente v que quando a gente traz benefcio para os outros, ns nos beneficiamos. Experimentamos esse movimento que j de Terra Pura. De um modo geral, no Samsara, para a gente trazer benefcio para algum, a gente cobra, e o outro tem que pagar. Dentro de Terra Pura, a gente traz o benefcio para o outro e aquilo faz o nosso olho brilhar, melhora a sade, melhora a pele, a nossa vida ganha um eixo, a gente soprado e vai andando esse o mecanismo de Terra Pura. Ns operamos deste modo e tudo vai se arrumando, e vamos conectando as pessoas onde elas estiverem.

    Essa motivao nos faz, por exemplo, entrar em algumas aventuras, como o prprio Instituto Caminho do Meio, que criado para atividades no budistas, a partir da ao da prpria sanga em vrias reas. Atravs dele podemos trazer benefcio aos seres sem precisar falar em budismo propriamente. Mesmo estando motivados por uma viso budista, agimos sem levar junto o aspecto religioso, o que confere ao Instituto Caminho do meio uma abrangncia muito ampla.

    No meio de tudo isso, o CEBB surge como um local onde ns fazemos prticas. Esse processo das prticas uma coisa muito especial, muito particular. Por qu? Porque a imensa maioria das pessoas nunca vai entrar pela porta de um centro budista para estudar. Por isso que o Instituto Caminho do Meio, que pode chegar s pessoas no mundo mesmo, trabalhando a cultura de uma forma ampla, pode beneficiar as pessoas de uma forma muito direta. Ele seria como um guarda-chuva muito amplo, e ali dentro alguns vo se conectar sensao de que gostariam de entender o budismo, gostariam de praticar meditao, por exemplo.

    As pessoas que tm essa aspirao de estudar, praticar, mudar suas vidas, elas so essencialmente a Sanga, e cada um que vai chegando se conecta a essa Sanga. O CEBB na verdade como se fosse um formato para beneficiar a Sanga, mas a Sanga muito mais ampla do que o prprio CEBB. O que nos interessa verdadeiramente a Sanga, e dentro disso o CEBB um instrumento para trabalhar com algumas coisas, o Instituto Caminho do Meio outro instrumento, essa a viso. H no Brasil outros CEBBs, outras instituies como o Ao Darmata em Pernambuco, e vamos seguindo como uma grande Sanga.

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    O CEBB tem inicialmente para quem chega uma aparncia aberta e ampla, que

    acolhe a pessoa do jeito que ela chega. Temos diferentes horrios, diferentes prticas, e temos um fio inicialmente suave que gera a noo de que a pessoa, quando chega, deveria estudar isso e depois aquilo. Geramos essa sequncia de estudos e de prticas atravs da qual a pessoa vai entendendo melhor o funcionamento das coisas e vai aprofundando sua prpria viso ali dentro.

    Enquanto a pessoa chega e vai estudando, meditando, discutindo, transformando suas relaes, sua prpria vida a partir desses estudos e prticas, em certo momento surge uma aspirao na pessoa de andar de forma mais rpida andar melhor, de forma mais estruturada. Por qu? Porque a pessoa v que aquelas coisas funcionaram, e funcionam.

    Naturalmente o contato dela com aquilo, a princpio, meio esvoaante. E a pessoa v que, quando ela esvoaa, ela de repente perde fora. Quando ela reconecta, ela melhora. Depois de ela fazer isso 108 vezes esvoaar e voltar e ganhar fora a pessoa

    mo eu posso ganhar fora de uma forma crescente? Como eu posso entrar nisso e descobrir a mina de ouro,

    aspirao, e gerar a sensao de que ela gostaria de fazer alguma coisa regular, progressiva, que desse um resultado no tempo.

    Nesse momento, quando a pessoa est disposta a mudar alguma coisa na sua prpria vida para poder abrir espao e criar algo regular, a pessoa est no ponto para entrar no programa de treinamento. Ento o programa de treinamento no a primeira face. A primeira face uma face acolhedora: a pessoa entra quando quer, no horrio que quiser, na cidade que quiser, como for, sem ficha de inscrio, sem nada. Quando chega no ponto de entrar no programa de facilitadores, a pessoa ento precisa encontrar um tutor, que uma pessoa que vai ajuda-la a andar, vai conversar com ela e vai manter esse olho de cuidado, ajudando nas dvidas, acompanhando nos estudos, aconselhando contedos de retiro, estimulando, cobrando, ajudando a pessoa a andar. Facilitando tudo. Essa uma grande coisa, muito bom, muito vantajosa essa oportunidade de ter uma algum do teu lado que te ajuda. Isso o programa.

    Nosso programa de treinamento no CEBB anda em blocos. O primeiro deles, necessrio para entrar no programa, a motivao, o brilho no olho. Eu tenho que saber por que estou entrando e gerar motivao. Essencialmente a motivao a motivao bodichita1. Ns no vamos avanar se estivermos trabalhando com outras motivaes.

    Posso trabalhar equivocadamente com motivaes da roda da vida, a surgem

    programa? Ah... eu estou no programa. E j es

    pessoa pode tambm entrar por competio. especial

    1 Aspirao de seguir o caminho para benefcio e liberao de todos os seres.

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    mas naturalmente a pessoa vai ter problemas, porque daqui a pouco aparece algum com um mala abenoado pelo Dalai Lama, a aquilo um arraso! Ento temos essas motivaes equivocadas, voc pode pegar os seis reinos2 da roda da vida e vai ver direitinho. Como complemento a isso, a gente estuda ainda as cinco famlias segundo Gampopa, que detalham essas motivaes tambm. A gente olha isso tudo.

    Esse no um tema simples. At o Milarepa, grande mestre iogue do Tibet, comeou a estudar a compreenso da mente com uma motivao dos infernos, ou seja, para poder matar pessoas. Depois ele precisou procurar um mestre para aprender como ele podia endireitar o que ele tinha feito. O mestre deu ensinamento para ele, mas ele tinha preguia, ele dormia. O mestre ento mandou ele embora, mandou que procurasse o Marpa3, que se tornaria seu mestre principal. Quando ele encontrou pra que? Aquilo foi uma complicao, o Milarepa levou muito tempo para endireitar a motivao dele. Isso para a gente ver como no fcil a pessoa seguir com a motivao correta, mesmo isso sendo ainda a porta de entrada.

    No programa, trabalhamos a motivao do nascimento no Ltus, partindo da imagem de Guru Rinpoche. A gente tem essa abordagem, o que complexo, mas essas partes todas esto bem estudadas e apresentadas com detalhe, bem estruturadas. Temos os textos referentes a isso, est tudo arrumado. No programa, nem todas as partes esto assim, algumas partes esto mais detalhadas, outras menos. Mas esse primeiro item, a motivao, d pra todo mundo entender, a motivao de fazer a coisa andar. Se a gente tiver uma motivao equivocada, dos seis reinos, no vai funcionar.

    Quando a gente est com a motivao correta, isso no quer dizer que a gente tenha uma mente obediente. Esse o ponto seguinte. Para comear a treinar a mente, ns vamos praticar shamata impura e shamata pura. Dentro do programa de 21 itens todo, ns vamos utilizar um texto que o comentrio de Gyatrul Rinpoche ao texto Iluminao da Sabedoria Primordial, que Dudjom Rinpoche deu como ensinamento e o professor Alan Wallace traduziu, e agora deu a explicao e a transmisso oral desse texto aqui pra ns4. Esse texto tambm comea com motivao, esses blocos que estou apresentando aqui so blocos dentro deste ensinamento, mas no que estejam nesse ensinamento apenas, so blocos dos ensinamentos tradicionais do budismo tibetano, Niyngma, da tradio Dzogchen, que vo at o ltimo ponto.

    Ento a gente comea com a motivao, o segundo ponto shamata, porque eu preciso tornar minha mente dcil, ela tem que ser algo que eu possa utilizar. Ento tem todo esse treinamento para a gente tornar a mente utilizvel. Quando temos esta mente mais dcil, se ela for uma mente lcida, completa, eu posso agora com sabedoria simplesmente conduzir a minha ao na direo lcida e correta, e est tudo bem.

    Mas como essa etapa de lucidez da mente complexa, ela est subdividida em muitas etapas. Ento comeamos com shamata, que tem o objetivo limitado, que eu ser capaz de utilizar a mente, colocar um foco, deslocar, colocar outro foco, saber qual foco eu estou utilizando, e ter uma estabilidade que me permite me deslocar desse modo mesmo em meio s circunstncias flutuantes, diversas, como elas forem. Eu preciso dessa capacidade.

    2 Reinos: dos deuses (orgulho), semideuses (inveja e competio), animais (preguia), infernos (raiva e

    medo), fantasmas famintos (carncia), humanos (desejo e apego). 3 Grande mestre tibetano que se tornaria o mestre principal de Milarepa.

    4 Transmisso feita em 25 de janeiro de 2012, ao final do retiro que Alan Wallace ofereceu no CEBB

    Caminho do Meio Viamo.

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    Essa capacidade vem antes de eu gerar uma compreenso da realidade que est diante de mim. Porque, se eu no tenho a capacidade de colocar o olho calmo sobre alguma coisa, eu no consigo aprofundar sobre aquilo. Ento, antes de eu gerar uma compreenso sobre alguma coisa, eu preciso ter um olho calmo que olhe aquela coisa. Se no, eu no tenho como. Por isso preciso praticar shamata.

    Aqui no nosso programa, com uma pequena alterao com relao ao roteiro de Dudjom Rinpoche Dudjom Lingpa5, portanto a gente faz uma repescagem. Depois de fazer shamata, a gente aproveita que a mente est mais calma e direcionada, e a gente trata de melhorar as relaes em geral ao redor. E a gente faz isso utilizando Metabavana.

    Qual a razo disso? O ponto assim: se eu vou fazer uma caminhada longa, eu no consigo andar sozinho, nem andar com peso nas costas. Eu preciso andar com apoio dos outros e sem peso. Metabavana vai nos ajudar a arrumar as relaes que ficaram para trs, que eu carregaria como se fossem um peso, transform-las em relaes positivas, que se transformam em apoio, ou no mnimo em uma relao neutra que no vai nos prejudicar. Ns vamos fazer essa transformao.

    A gente vai olhando para todas as pessoas, aspirando o benefcio delas, aspirando que se livrem do sofrimento, encontrem a felicidade, e isso transforma a nossa mente contando com esse poder de foco que a gente agora j melhorou de tal modo que agora ns j no olhamos para as pessoas como fatores de adoecimento para ns, ns olhamos para elas como fontes de felicidade tambm, porque ns olhamos um olhar de felicidade para elas, e assim tornamos tudo mais leve, e vamos andando. Isso muito til. Avanamos assim com Metabavana e, no ponto seguinte, vamos trabalhar com o Prajnaparamita.

    So blocos. Tenho primeiro a motivao, depois vem a estabilizao da mente, a vem o ponto seguinte que o alivio das regies crmicas e melhoria dos mritos, atravs da melhoria nas relaes, utilizando Metabavana; com isso com shamata para melhorar o foco e Metabavana para essas outras melhorias eu consigo entrar nas vrias coisas e olhar a natureza da realidade.

    Quando formos olhar a natureza da realidade, vamos utilizar o Prajnaparamita. Vamos estudar isso de vrios modos, e depois vamos fazer uma acumulao dessa capacidade de olhar a realidade de certo modo e atravess-la. Vamos aprender a olhar tudo e conseguir atravessar sem perder o olhar. Sem negar aquela realidade, ns atravessamos e vamos descobrir o aspecto mgico dela, cruzar por dentro, o que fazemos na meditao dos 8 pontos de contemplao do Prajnaparamita.

    Depois que fizermos muitas vezes a meditao dos 8 pontos em todas direes, gerando essa compreenso mais profunda da realidade, desenvolvemos condio de reconhecer a noo da presena. Entramos de costas na presena atravs da prtica do Prajnaparamita. Assim nos damos conta disso, entendemos as 4 presenas e praticamos a presena.

    No ponto seguinte, a gente percebe que mesmo tendo reconhecido a vacuidade nossa, a vacuidade das coisas, o carter mgico da realidade, as bolhas, ter reconhecido tudo isso e ter conseguido repousar na presena, ns ainda geramos sem saber as

    5 Grande mestre tibetano do sculo XIX, de quem Dudjom Rinpoche foi uma emanao.

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    estruturas de identidade, estruturas de um movimento de um eu. Isso porque a gente no focou ainda a dissoluo final da identidade, e ela renasce, de uma forma bem parecida com aquelas velas de aniversrio: a gente sopra, apaga, mas aquilo volta. A localizamos isso, aprofundamos esse ponto. Se a gente faz as prticas, contempla, faz acumulao, a gente termina por chegar liberao da identidade, vamos ter uma sensao de liberao

    propriamente, uma sensao de que aquilo acabou. Isso d uma sensao muito interessante, e isso uma coisa completamente necessria. Essa etapa a gente no vai poder deixar de lado, no adianta quanto retiro a gente fizer, se a gente no passar por esse ponto, como se a gente no tivesse feito nada.

    ponto de cessao, conseguimos extinguir esse aspecto do Samsara, a gente j tem compreenso da vacuidade, est olhando tudo isso, mas a gente no tem habilidade de andar no cotidiano com isso. Ento como a gente vai poder gerir esse processo e fazer isso funcionar? Vamos ter que aprender a fazer isso, a construir no s a identidade de forma livre, como os mundos mgicos. O Samsara um software, e uma vez que ele cesse, ns vamos precisar aprender a gerir as mandalas, as terras puras, criar, dar nascimento aos mundos mgicos. A gente vai precisar saber como isso se constri e operar dentro disso.

    Para isso, precisamos conhecer os cinco lungs, dos elementos6, com que a gente produz a sensao de movimento. Depois de ver esses lungs, podemos surgir ali por dentro com a motivao correta, mas ainda vamos precisar saber com qual contedo a mente vai operar. Nesse ponto vem a multiplicidade das deidades, com as mltiplas mentes de sabedoria, e as mandalas correspondentes. Atualmente estamos numa etapa em que estamos focando especialmente os cinco Diani Budas as cinco sabedorias. H ainda outras inteligncias como Chenrezig, Vajrasatva, Guru Rinpoche, Samantabadra, Prajnaparamita. S aqui vemos dez tipos de inteligncia que podemos utilizar em meio ao mundo e que no esto na roda da vida. Ns vamos olhar isso e utilizar essas sabedorias. Isso nos possibilita andar no mundo de uma forma vitoriosa, ltima, e que funciona. Com isso, estamos na parte final do programa.

    Seguindo todos os pontos, quando chegamos parte final, voltamos ao incio. Quando a gente olha a motivao de novo, a gente se espanta e se alegra, e pensa:

    at o fim, a motivao fica mais clara. Quando estivermos fazendo shamata, j entendemos perfeitamente o que

    estamos fazendo. Ao passar para Metabavana, j podemos entend-la tambm como processo de construo de mundos. Quando entramos no Prajnaparamita, j entramos com um sorriso, entendendo que a gente est praticando diretamente a purificao do olhar. Quando chegamos presena, ficamos felizes. Depois entramos nas mandalas, vemos as deidades, e vamos nos movendo circularmente.

    isso que ns estamos fazendo. No programa de facilitadores, temos um sistema distncia com uma plataforma online, que tem a sala dos tutores, biblioteca, e uma poro de recursos que nos ajudam a estabelecer essa ligao das pessoas que esto treinando junto com seus tutores. Dessa forma a gente gera uma linguagem comum. muito

    6 Lung, em tibetano, quer dizer vento. Aqui, a referncia ao lung do elemento ter (aspecto sutil, brilho

    no olho), lung do elemento ar (respirao), lung do elemento fogo (calor interno, vontade), lung do elemento gua (mobilidade), lung do elemento terra (fora).

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    importante, dentro desse mtodo, a gente poder aprofundar e olhar item por item. Podemos ir fazendo retiros dessas partes, vamos fazendo os estudos e vamos avanando.

    Dentro dessa viso mais ampla do que estamos fazendo num contexto abrangente,

    estamos construindo centros de vida, como este aqui no Caminho do Meio h quatro no Brasil7, sendo o Caminho do Meio o mais estruturado e os outros ainda em construo. Isso possibilita um conjunto de atividades adicionais.

    Minha viso que, dentro de um tempo, vamos ter a possibilidade dos vrios centros onde as pessoas esto morando, tudo funcionando de modo integrado, vamos ter eventos variados, nas vrias reas de interesse, e eu espero que a gente gere tambm a estrutura que permita que as pessoas vivam nesses centros, paguem suas contas e tenham suas vidas e tudo funcione. Acredito que os centros de prtica tm que ter centros de vida integrada, e essas vidas tem que ser sustentveis. Se isso estiver arrumado, a tudo anda. Essa uma parte que ainda est em gestao, estamos experimentando isso, j temos algumas indicaes e estamos andando.

    O programa das crianas, a escola, vem dentro disso. Nossa ideia formar as crianas no para entrarem no samsara, mas para poderem entrar dentro dessa outra estrutura, a mandala. Assim, elas vo poder gerar mritos e vo poder andar no mundo de outro jeito. A gente no gostaria de gerar uma escola para poder competir no vestibular, e depois cada um ir viver isolado suas vidas particulares de uma forma estreita. A vida por dentro dessa outra forma muito mais interessante. Por outro lado, se as crianas quiserem fazer vestibular, no tem nenhum problema, porque elas j saberiam como manejar aquilo e fazer as coisas funcionarem melhor.

    Na forma como estamos seguindo, as comunidades no so fechadas, so abertas, como o CEBB. A gente no tem nem o objetivo que na dcada de 60 eu via, esse objetivo de comunidades autossuficientes: gerar toda a comida, tecnologia, toda a roupa, tudo ali dentro, como se o mundo na forma do conjunto das pessoas fosse o problema, ento se eu crio outra coisa aqui, com outras pessoas, espero que aquilo possa se resolver. No vemos assim.

    Ns trabalhamos com a noo de software. Nessa viso, a comunidade no uma coisa que se defina propriamente pelas pessoas como pessoas, mas pelo software que estamos usando. Ento a gente no tem um contorno duro, nem a gente classifica as pessoas como pessoas isso ou aquilo a gente vai unindo softwares que esto operando, vai vendo como todo mundo pode operar de outro jeito, e vai aprendendo. A gente pode sempre aprender juntos.

    7 CEBB Caminho do Meio (RS), CEBB Darmata (PE), CEBB Canelinha (SC) e CEBB Alto Paraso (GO).

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    Abertura

    Boa noite a todos e todas. um prazer e uma honra que possamos compartilhar

    esta experincia que, dentro do projeto Coque Vive, ns denominamos Ciclos

    Formativos. uma experincia que vem se colocando de maneira recorrente e que tem

    como eixo central o processo de formao dos educadores, dos sujeitos que esto direta

    e indiretamente relacionados a esse projeto. No nosso caso, ns somos sempre muito

    afortunados porque temos tido a possibilidade de um intercmbio muito direto com o

    Lama Samten. O Centro de Educao da Universidade Federal de Pernambuco tambm

    felizardo por contar com a presena dele aqui conosco sempre, o que muito bom.

    Ns projetamos, para este projeto Mdias de Sinergia, trs ciclos formativos

    contando diretamente com a interlocuo com o Lama Samten. Fizemos isso porque,

    dentro do projeto, estamos no momento maior de encerramento e sntese de uma

    produo que vem sendo efetivada nos ltimos quatro anos, pra ver, inclusive, as

    perspectivas que o projeto vai tomar daqui pra frente. O projeto Coque Vive tem uma

    dupla dimenso: um projeto de extenso, mas tambm produz conhecimento a partir

    de pesquisas ancoradas na experincia realizada no Coque. Nosso ciclo parte desse

    contexto, e o Lama tem sido interlocutor dessa experincia. Hoje, a ideia seria situar

    como estamos delineando uma espcie de agenda de pesquisa que articula estes dois

    eixos: a educao e a espiritualidade.

    Do mesmo modo como ns fizemos no encontro na Universidade Catlica de

    Pernambuco, que foi o encontro preparatrio para a exposio das Relquias do Buda,

    aqui vou fazer o percurso exatamente na perspectiva do educador, para dizer como

    que a gente percebe esse dilogo ou interface com o que provisoriamente vamos chamar

    de budismo, correndo todos os riscos que essa expresso possa significar para cada um

    de ns.

    Esse seria o meu primeiro movimento e, no segundo, a ideia ouvir o Lama. A

    gente sabe que o Lama tem desenvolvido uma experincia muito significativa l no

    CEBB em Viamo. Recentemente tem a experincia da Escola Caminho do Meio.

    Gostaramos de promover essa sinergia: como a gente pode articular princpios e ideias,

    e aprofundar as prticas que estamos desenvolvendo.

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    Consideraes sobre o dilogo entre Budismo e Educao

    Antes de abordar a agenda de pesquisas dentro deste dilogo entre educao e

    budismo, gostaria de partir de alguns pressupostos que so aquilo que tem movimentado

    o nosso debate. O primeiro pressuposto desse dilogo a partir do educador, ou do campo

    da educao, a constatao de certo desnvel entre esses dois campos de experincia: o

    campo que estamos chamando de educao, e o do budismo. Como educador,

    constatamos uma espcie de desnvel de viso entre esses dois campos de experincia.

    O que esse desnvel quer dizer? Quer dizer basicamente a percepo de que ns,

    educadores, temos obstrudo uma perspectiva do processo do ato educativo como

    formao humana. como se ns educadores pensssemos ser possvel uma prtica

    educativa desvinculada de uma reflexo mais profunda, mais significativa sobre o que

    significa a formao humana. como se ns pudssemos acreditar na possibilidade de

    uma educao que no est voltada para um processo de formao humana. Eu tenho a

    impresso que, do ponto de vista do budismo, essa possibilidade no tem como se

    colocar, mas ela tem se colocado para ns no campo educativo.

    Disso decorre um segundo pressuposto: h uma espcie de preponderncia, na

    atualidade das experincias educativas, de um tipo de estrutura repetitiva, uma estrutura

    circular. Essa estrutura responsvel por certa ordem do mundo, certa maneira de

    compreender e perceber o prprio mundo, uma ordem que no pode ser tocada sem que

    se comprometa a prpria viso que ns temos do que seria uma vida socialmente

    organizada. Esse desnvel da educao, que esse esquecimento da educao como

    formao humana, afeta a maneira como ns percebemos a prpria realidade do mundo.

    Ento esse seria o segundo pressuposto.

    Por fim, isso aponta para a preponderncia, no campo educativo atual, de um

    dficit pedaggico, de um dficit de reflexo sobre a natureza e o sentido mesmo das

    prticas educativas que a gente desenvolve. Esse dficit est associado a uma srie de

    reducionismos oriundos da cultura moderna, do processo de modernizao que se

    acelera, sobretudo, a partir da segunda metade do sculo XIX. Eu no vou me deter

    nesses reducionismos, mas eles centralmente apontam para uma linearidade entre

    educao e escolarizao, e o que alguns autores do campo chamam de cognitivismo:

    uma centralidade dos processos educativos em uma dimenso importante, mas no

    nica, que a dimenso cognitiva do ser humano.

    Esses reducionismos do processo educativo na nossa cultura levam ao fato de

    que a educao assume basicamente duas tarefas na atualidade: a primeira uma

    concepo de educao como correo, como se educar fosse corrigir algo que no est

    ou no estaria funcionando adequadamente nos sujeitos que participam do processo

    educativo. Uma segunda concepo seria a ideia de que educar adaptar o sujeito a uma

    estrutura social, poltica, econmica tal como se apresenta instituda.

    Esses pressupostos, portanto, indicam justamente essa dificuldade que muitas

    vezes encontramos, dentro do campo institudo da educao, para dialogar com

    tradies como o budismo, que articulam uma viso de realidade mais complexa do que

    a forma como ns educadores temos historicamente aprendido a lidar com a dimenso

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    da realidade. Da nasce a nossa ideia do dilogo, de pensar o budismo como prtica

    educacional transformadora.

    A sugesto nossa, mas a tese no minha. Budismo como Prtica Educacional

    Transformadora o ttulo da tese de doutoramento defendida pelo Alexander Castro em

    2005, na Universidade Federal Fluminense. Sua tese bem clara. Ele buscou apreender

    o budismo atravs da transmisso dos ensinamentos. O que ele investigou foi como se

    processa a transmisso dos ensinamentos budistas para os ocidentais. Ele fez uma larga

    pesquisa durante quatro anos, tentando extrair desse processo de transmisso aquilo que

    seria, nas palavras dele, a prtica pedaggica budista. Eu tambm no vou tecer anlise

    a respeito dessa tese, mas eu gosto da hiptese que o Alexander levanta porque ele parte

    do princpio de que o budismo exemplifica uma compreenso singular da educao.

    algo que veio desenhado,

    essa hiptese rompe com certa maneira simplificada de pensar o dilogo entre educao

    e budismo. O que seria essa abordagem simplificada? Uma abordagem que pensa a

    educao simplesmente como um meio para propagar ideias. Nesse caso, ideias

    budistas. Para o Alexander e eu sou muito seduzido pela provocao que ele nos faz,

    analisando a prtica pedaggica do budismo o que ele encontrou uma concepo

    outra, em que a educao no simplesmente um meio para que o budismo possa se

    propagar. A hiptese que ele levanta que o budismo , ele prprio, desde a sua origem,

    algo desenhado para ensinar e aprender, nas suas palavras,

    ensina? Uma compreenso da realidade que permite uma transformao na estrutura

    Conclui assim que

    azo, os ensinamentos dentro da tradio budista so aprendidos como meios

    Outro resultado de seu estudo a percepo de que, no budismo, a prtica o

    que leva compreenso, o que o leva concluso mais forte do seu trabalho: a ideia de

    que os ensinamentos budistas sugerem, eles prprios, uma prtica. Ele traduz isso numa

    importante para ns justamente na medida em que essa leitura permite que a gente

    avance na forma como os educadores apreendem a prpria experincia educativa.

    Agenda de pesquisas em educao e espiritualidade

    Gostaria agora de contar a histria da agenda do dilogo. Essa histria tem

    alguns antecedentes. O primeiro passo foi em 2004, quando foi cadastrado, no diretrio

    de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisas (CNPq), o grupo denominado Educao e

    Espiritualidade, coordenado, desde o mesmo ano, pelos professores Ferdinand Rhr e

    Jos Policarpo Jr. Desde ento, orientandos da graduao, mestrandos e doutorandos

    vem desenvolvendo trabalhos de pesquisa dentro desse ncleo. Entretanto, o ncleo no

    estava ainda institucionalizado dentro do programa de ps-graduao do Centro de

    Educao (CE) da UFPE. Mas o grupo foi crescendo, e em 2008 realizamos um curso

    de extenso universitria intitulado tambm Educao e Espiritualidade, o qual agregou