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CENTRO UNIVERSITÁRIO “BARÃO DE MAUÁ” DIALOGUS revista das graduações em licenciatura em História, Geografia e Pedagogia ISSN 1808-4656 Ribeirão Preto v.7 n.1 2011 p.1-192

Dialogus 2011 v7 n1

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CENTRO UNIVERSITÁRIO “BARÃO DE MAUÁ”

DIALOGUS revista das graduações em licenciatura em

História, Geografia e Pedagogia

ISSN 1808-4656 Ribeirão Preto v.7 n.1 2011 p.1-192

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DIALOGUS é uma publicação semestral dos cursos de História e Pedagogia mantidos pelo Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, SP. Solicita-se permuta. As opiniões emitidas são de responsabilidade dos autores. É permitida a reprodução total ou parcial dos

artigos desde que citada a fonte.

EXPEDIENTE Reitora Profª. Me. Maria Célia Pressinatto Pró-Reitoras de Ensino Profª. Drª. Dulce Maria Pamplona Guimarães e Profª. Drª. Joyce Maria Worschech Gabrielli Diretores Sr. José Favaro Júnior Sr. Guilherme Pincerno Favaro Sra. Neusa Pincerno Teixeira Srª. Elizabeth M. Cristina Pincerno Favaro e Silva Sr. Carlos César Palma Spinelli Sr. Marco Aurélio Palma Spinelli Diretoria Executiva Sr. José Antonio P.Capito Departamento Didático Pedagógico Profa. Esp. Dulce Aparecida Trindade do Val Prof. Ms. Geraldo Alencar Ribeiro Profa. Esp. Sara Maria Campos Soriani (EXCLUIR) Coordenadora das Graduações em Geografia e História Profa. Ms. Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa Coordenador da Graduação em Pedagogia

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Comissão Editorial

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Prof. Dr. Humberto Perinelli Neto

Profa. Ms. Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa

Conselho Editorial

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Silvio Reinod Costa, prof. Dr.

Solange Vera Nunes Lima D‘Água, profa. Dra.

Taciana Mirna Sambrano, profª Drª

Vera Lúcia Salazar Pessoa, profª Drª

FICHA CATALOGRÁFICA DIALOGUS (Graduações em Geografia, em História e em Pedagogia – Centro Universitário “Barão de Mauá”) Ribeirão Preto, SP – Brasil, v.7, n.1, jan/jun 2011. Semestral

16,0 X 21,0. 192p. 2011, 7-1 ISSN 1808-4656

1. Educação. 2. História. 3. Geografia I. Centro Universitário Barão de Mauá. II. Cursos de Graduação em Licenciatura em História, em Geografia e em Pedagogia.

CAPA: ― , autoria: Sandra Araújo

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PREFÁCIO

O presente volume reafirma os motivos pelos quais a Dialogus consolidou-se: o interesse e diversidade dos temas apresentados, além do trabalho extremamente cuidadoso da Comissão Editorial.

A entrevista de abertura com a docente pesquisadora Michele Sato proporciona uma reflexão crítica bastante atual sobre a educação ambiental e desenvolvimento sustentável.

A história local e regional, recorte temático recorrente de grande parte das monografias, dissertações e teses de nossos docentes e discentes, faz-se presente na conferência do Prof. Dr. Lélio L. de Oliveira; o trabalho do docente da UNESP – Franca elabora uma análise histórica dos percursos da história regional bem como de seus aspectos temporais, espaciais, temas, formas de produção e divulgação. A temática ainda perpassa o artigo a respeito do empreendedorismo de Flávio Uchoa e sua contribuição para economia ribeirão-pretana, de autoria de Paziani e Cardoso de Mello; o artigo sobre os jornais e o bairro de Santa Cruz (Ribeirão Preto) de Gomes Jardim e Fernandes Aguiar e ainda o texto de Tavares e Perinelli que analisa as concepções políticas dos estudantes universitários do Centro Universitário Barão de Mauá.

O dossiê deste volume refere-se a linguagens e discursos com o artigo e é composto inicialmente pelo artigo ―A figura do palhaço no ambiente hospitalar na perspectiva do estudante de medicina‖, dedicado a ―descrever e analisar o impacto da figura e da linguagem do palhaço em intervenções no ambiente hospitalar, partindo do encontro do estudante de medicina com a realidade hospitalar para promoção da humanização‖.

Ainda fazendo parte do dossiê, o texto do professor Igor Savenhago que, tendo como referência M. Bakhtin, debruça-se sobre os sentidos de resistência nas cartas de detentas e ex-detentas da Penitenciárias de Ribeirão Preto e de tentos atendidos pela Pastoral Carcerária, também de Ribeirão Preto.

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Finalmente, temos ainda no dossiê o texto de Juliana Mello e Souza, que volta-se para o discurso da mídia a respeito da crise financeira portuguesa. Foram analisados artigos e crônicas dos jornais Público e Correio do Manhã, nos segundos semestres de 2007 e 2008.

A alfabetização, o letramento e a prática docente são os assuntos discutidos no artigo da professora Tânia Squilaci.

Fecha o volume a resenha da professora doutora Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa Diploma Pontifícia de Lorenzo Baldisseri.

Mais uma vez a Reitoria sente-se orgulhosa em apresentar mais este volume e parabeniza a Comissão Editorial.

Reitoria do Centro Universitário Barão de Mauá

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Apresentação do primeiro número do sétimo volume

O primeiro número da revista DIALOGUS foi lançado em outubro de 2005, como resultado do esforço coletivo envolvendo docentes e discentes dos cursos de História e de Geografia, como também o apoio da diretoria do Centro Universitário Barão de Mauá. Desde então, o periódico passou por transformações positivas, entre as quais é possível citar a semestralização e a inclusão do curso de Pedagogia como co-realizador desse projeto editorial. Todas essas mudanças consolidaram o perfil interdisciplinar da revista, que vem difundindo o conhecimento gerado por pesquisadores de várias instituições de ensino superior do país, nos campos da História, da Geografia, da Educação e de outras áreas afins.

Constantes diálogos são mantidos por intermédio da recepção de artigos, conferências, resenhas e ensaios produzidos a partir de diversas formações, mas que têm em comum o fato representarem importantes contribuições para o avanço do conhecimento científico.

Comissão Editorial

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SUMÁRIO/SUMMARY

ENTREVISTA/INTERVIEW

13 A propósito da Educação Ambiental e do

Desenvolvimento Sustentável: entrevista com Michele Sato The purpose of the environmental education and sustainable development: interview with Michele Sato

Taciana Mirna SAMBRANO Paulo Eduardo Vasconcelos de Paula LOPES

CONFERÊNCIA/CONFERENCE

21 História regional: ensino e pesquisa Regional history: teaching and research

Lélio Luiz de OLIVEIRA

DOSSIÊ/SPECIAL “Linguagens e Discursos”

33 A figura do palhaço no ambiente hospitalar na

perspectiva do estudante de medicina The figure of the clown in the hospital environment from the

perspective of medical student

Bruno Severo GOMES Lenice Campos MAIA Maria de Fátima Gaspar PINHEIRO

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57 Discurso midiático e metáfora da crise no mercado

financeiro: o que sabemos sobre a crise econômica na imprensa portuguesa Media discourse and metaphor of the financial market crisis: what

we know about the economic crisis in the Portuguese press

Juliana Mello SOUZA

71 Produção de sentidos de resistência em cartas advindas da prisão: um estudo sobre o papel do interlocutor Production of resistance senses in letters from prison: A study on the role of the interlocutor

Igor José Siquieri SAVENHAGO

ARTIGOS/ARTICLES

93 De pioneiro a empreendedor: um estudo da trajetória de

Flávio de Mendonça Uchôa em Ribeirão Preto (1898-1930) Of pioneer to entrepriser: a study of the trajectory of Flávio de Mendonça Uchôa in Ribeirão Preto (1898-1930)

Rodrigo Ribeiro PAZIANI Rafael Cardoso de MELLO

123 Desejos e limites da modernidade ribeirão-pretana: a

propósito dos jornais e do bairro Santa Cruz Wishes and ribeirãopretana limits of modernity: the way of newspapers and the Santa Cruz district

Danilo Gomes JARDIM Leonardo Marques Fernandes AGUIAR

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137 Alfabetização, Letramento e Prática Docente Literacy e teaching practice

Tânia Cristina Pedreschi Rodrigues SQUILACI

157 Política também se ensina? a propósito dos jovens e do

espaço universitário Policy also teaches? concerning Young people and the university area

Tatiane TAVARES Humberto PERINELLI NETO

RESENHAS/REVIEW

181 BALDISSERI, Lorenzo. Diplomacia Pontifícia: Acordo Brasil

- Santa Sé. Intervenções. São Paulo: LTr, 2011. Lilian Rodrigues de Oliveira ROSA

185 Índice de autores/Authors index

186 Índice de Assuntos

187 Subject Index

188 Normas para publicação na revista DIALOGUS

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ENTREVISTA/INTERVIEW

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: DIÁLOGOS COM MICHELLE SATO

Taciana Mirna SAMBRANO*

Paulo Eduardo Vasconcelos de Paula LOPES** Michelle Sato é pesquisadora dedicada à investigação da área de Educação Ambiental, abordando temas como fenomenologia, sustentabilidade, ecologismo, arte e mitologia. Trata-se de profissional com formação multidisciplinar, uma vez que é licenciada em Biologia, mestre em Filosofia, doutora em Ciências, bem como cumpriu estágio de pós-doutorado em Educação. É docente associada no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal de Mato Grosso [UFMT], sendo colaboradora nas universidades federais de São Carlos [UFSCar, SP] e Rio Grande [FURG, RS], além da Universidade de Santiago de Compostela [Espanha]. Colabora nas comissões editoriais de diversos periódicos e é articuladora de diversas redes potencialmente ambientais.

1) Diante as diversas concepções de desenvolvimento sustentável e a importância da educação na implementação deste conceito, podemos afirmar que a atual sociedade pondera o equilíbrio entre homem-natureza quando se busca o desenvolvimento econômico? Como a EA se insere neste contexto?

* Doutora em Educação Escolar (UNESP/Araraquara). É professora da Universidade Federal de Mato Grosso, campus de Cuiabá, Coordenadora do Programa Proinfantil (Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil - MEC) no Estado do Mato Grosso e membro do Conselho Editorial da Editora da Universidade Federal de Mato Grosso (EDUFMT). ** Doutor em educação (UNESP/Araraquara). É também professor adjunto do Centro Universitário Barão de Mauá. Além disso, atua como coordenador do curso de Geografia do Centro Universitário Claretiano.

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Michelle Sato - Concordando com você sobre as diversas concepções sobre o desenvolvimento sustentável, quero lembrar que há pessoas e autores que discordam desta orientação. Assim, sinceramente, poderia afirmar de que o desenvolvimento é insustentável e que o equilíbrio ―humano-natureza‖, é uma dinâmica de ordem na desordem. A educação ambiental é uma mediadora entre natureza e cultura, na mediação entre desenvolvimento e ambiente. Para alguns, o desenvolvimento é o fim, representando a qualidade de vida humana. Para outros, o ambiente é o fim, representando a qualidade de vida planetária. Dependendo da verdade de cada qual, a educação ambiental irá se adequar na luta política. 2) É comum encontrarmos a EA atrelada ao ecoturismo e associada a ações e campanhas de grandes empresas. Considera essas articulações positivas/ benéficas à sociedade e ao meio ambiente? Quais os princípios pedagógicos mais adequados para essas situações? Michelle Sato - Acredito que não exista um certo ou errado quando tratamos sobre a educação ambiental. Posso não gostar de turismo, mas não posso negar que há bons projetos na área. Por trabalhar com comunidades, sempre vejo o turismo como alguma coisa exploradora e maléfica ao ambiente. Mas obviamente há vários tipos de turismo, e necessitamos de políticas mais responsáveis. Os princípios pedagógicos, assim, estão na dependência do sujeito atuante no espaço. Se ele for tradicional, um programa de ―lixo no lixo‖ ou placas informativas serão suficientes. Se o sujeito for progressista, obviamente uma visão política mais direta dará o tom de um projeto com postura crítica e responsabilidade socioambiental. 3) Como você analisa a afinidade entre EA e agroecologia? Michelle Sato - vejo com muito bons olhos e sou testemunha de vários programas e projetos entre agroecologia e educação ambiental – e também entre economia solidária e educação ambiental. São dimensões que se dialogam, conseguem ir além da abordagem de alimento

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orgânico, mas também incide em modelos de desenvolvimento, mercado alternativo e meios de vida. Creio que há vários aspectos destas dimensões que demarcam propostas de emancipação comunitária, visibilidade social e proteção ambiental. 4) O conceito de EA é bastante impreciso e generalizado devido a diferentes metodologias pedagógicas, intencionalidades educacionais e políticas, ou seja, diversas maneiras de praticar a ação educativa envolvendo questões ambientais. Existiria na EA, assim como no ensino escolar, linhas pedagógicas ―conservadoras‖ e outras ―progressistas‖? Quais seriam as principais diferenças? Michelle Sato - Complexa questão que poderia resultar num livro. Pessoalmente gosto da possibilidade de termos diversas definições, percepções ou olhares sobre a educação ambiental. O mais tradicional opera SOBRE o ambiente, dando ênfase nos conceitos sobre o ambiente. Um intermediário propõe uma pedagogia NO ambiente, considerando as relações cotidianas, uma pedagogia do chão e da construção de aprendizagens significativas. Um mais progressista poderá propor uma pedagogia PARA o ambiente, conjugando dimensões que se aliam à luta política. Mas talvez possamos fazer uma orquestra sinfônica e sair destes enclausuramento positivistas de categorizações e segregações. 5) A maioria dos projetos de EA prioriza as crianças como público alvo por representarem as gerações futuras em formação, supondo estarem na fase de desenvolvimento cognitivo e sócio-cultural. Você julga esta prioridade como positiva? Por quê? Michelle Sato - julgo positiva toda forma de educação ambiental, em todos os níveis, setores e idades. É necessário educação ambiental pra todo mundo, sem priorizar um ou outro, mas ampliando os horizontes para que a educação consiga exercer seu papel transformador e sonhador de ―um outro mundo possível‖. Para todos!

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6) É possível a incorporação da EA no sistema de ensino brasileiro? Existem entraves para que isso ocorra e, em caso positivo, quais são eles? Michelle Sato - a educação ambiental já está em forma de lei [9795/99] e faz parte das orientações dos parâmetros curriculares nacionais [PCN], proposição do MEC para os ensinos fundamental e médio. Os entraves que existem possuem causas de várias naturezas, mas é importante considerar que a educação ambiental não é nenhuma ilha isolada de um continente em crise. Se a educação vai mal, de forma genérica, não será possível que a educação ambiental sozinha vença as mazelas educativas e seja vitoriosa para proteção socioambiental. Há um elo indissociável entre as coisas, fenômenos e contextos e a educação ambiental está na dependência e, essencialmente, interdependência das coisas. 7) Qual a concepção de EA para o MEC? Existem políticas públicas de apoio e incentivo à EA? Michelle Sato - parte desta pergunta foi respondida no item 6, e sobre o incentivo à educação ambiental, existem sim, vários projetos, inclusive com financiamento para que as escolas consigam planejar uma gestão escolar mais sustentável. O projeto ―Escolas Sustentáveis‖, por exemplo, busca reunir uma proposição de um CURRÍCULO mais ambientalmente proposto, fomentando projetos para que o ESPAÇO da escola seja percebido como uma grande possiblidade de aprendizagem, e finalmente para que diversos projetos de GESTÃO socioambiental cuidem da escola e da comunidade do entorno. Hortas, bioarquitetura, projetos de intervenção comunitária e tantas outras propostas são orientadas pelo MEC, universidades, secretarias de educação e profissionais da educação ambiental. 8) O que foi o projeto ―Coletivos Educadores‖ e quais os resultados mais significativos? Como se encontram os Coletivos Educadores atualmente?

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Michelle Sato - o coletivo educador foi concebido pelo departamento de educação ambiental [DEA] do ministério do meio ambiente [MMA] que basicamente estimulou a formação de grupos organizados que pudessem promover a formação de vários educadores ambientais. Por meio destas formações, a meta era organizar diversas intervenções e projetos em educação ambiental que pudessem consolidar o grupo, saindo da temporalidade pontual e operando em uma dinâmica mais duradoura. Visava uma atuação participativa, desde técnicos e profissionais mais experientes, até as donas de casa, e pessoas comuns da sociedade. Há vários casos de coletivos educadores, inclusive ai em Ribeirão Preto, com um excelente pessoal mobilizado para diversas questões e ainda atuante conjuntamente nas questões socioambientais. 9) Quais as perspectivas para implementação de políticas públicas voltadas à EA com o novo governo? Michelle Sato - recentemente foi nomeado o Nilo Diniz para diretor do DEA-MMA e a Rachel Trajber ainda continua no MEC. Com isso, creio que o órgão gestor da educação ambiental possa ser reativado, no diálogo necessário entre MEC & MMA, tanto na sustentabilidade de diversas ações e propostas já iniciadas, como nas novas propostas que alicercem um conjunto maior de educadores ambientais de todo Brasil. É necessário que o governo consiga dar uma boa atenção às redes de educação ambiental e tantos coletivos educadores espalhados em todo Brasil, que necessitam de orçamento para continuar a existência. Os desafios são múltiplos, e o universo traz desde mudanças climáticas à atitude cotidiana das pessoas. Não é possível aguardar que só governo atue, mas essencialmente que a sociedade civil seja parceira e bastante atuante. 10) A EA também se insere em comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, movimentos sociais, dentre outros. Tendo em vista a pluralidade cultural em nosso país, como a EA pode ser realizada?

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Michelle Sato - de diversas maneiras e com várias propostas. Pessoalmente, sou líder do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte [GPEA] da Universidade Federal de Mato Grosso [UFMT] e nossa grande fortaleza está na educação popular. A educação ambiental é tecida na construção de identidades em seus diversos territórios, no âmago das lutas diárias e na esperança da guinada política que possa incluir mais pessoas nesta grande ciranda de proteção ecológica. Essencialmente, a meta é dar visibilidade aos grupos sociais, promovendo mais inclusão e justiça para que o planeta seja de todos. Por fim, gostaria de dizer que cada pergunta aqui feita consegue ter dimensões para além daqui escrito. E exatamente por exigir extensões mais críticas, espero que esta entrevista seja considerada apenas como um início de um longo papo, onde acenam dimensões que necessitam ser estudadas, revistas e compreendidas. Em outras palavras, são dimensões que não possuem respostas simples e que necessitam ser mais estudadas. Agradeço a oportunidade de dar apenas meros palpites que incentivem às novas leituras!

Taciana Mirna SAMBRANO, T. M; LOPES, Paulo Eduardo Vasconcelos de Paula. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.1, 2011, p.13-18.

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CONFERÊNCIA/CONFERENCE

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HISTÓRIA REGIONAL: ENSINO E PESQUISA*

Lélio Luiz de OLIVEIRA**

RESUMO: O artigo apresenta uma análise histórica dos caminhos percorridos pela História Regional, a influência das questões temporal e espacial nesta perspectiva história, bem como as possibilidades temáticas e as formas de produção e divulgação do conhecimento. PALAVRAS-CHAVE: história regional, análise historiográfica, metodologia, ensino e pesquisa. Quando entramos na Universidade os nossos mestres adoram nos apresentar as grandes histórias. Insinuam que eles mesmos são de certa forma discípulos dos grandes senhores da História. E mais, que se estudarmos com afinco, quem sabe poderemos ser bons historiadores, desde que tenhamos a humildade de começarmos como meros membros da base da pirâmide hierárquica (membros do baixo clero). Ora, creio que aqueles que se aventuram a ensinar história na academia, se agem assim, não estão errados (apesar de acreditar que não há um único caminho para o ensino da História). O que seria do nosso ofício se não tivéssemos no nosso patrimônio, apenas para exemplificar, a vasta obra de Fernand Braudel O Mediterrâneo e o mundo Mediterrâneo na época de Filipe II (1994), que com habilidade procurou demonstrar interações humanas em ambientes tão diversos, ou, o trabalho de Pierre Chaunu Sevilha e o Atlântico (1960), ―talvez a

* Texto baseado na conferência ―História Regional: ensino e pesquisa‖, proferida na XV Semana de História ―História Regional como recorte de ensino e pesquisa‖, realizada no Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto (SP), entre 10 A 13 de agosto de 2011. ** É Doutor em História (USP). É docente da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP/Franca, atuando na graduação em História, bem como no Programa de Pós Graduação em História (Mestrado e Doutorado).

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mais longa tese já escrita. [Possivelmente] tentou imitar, se não mesmo superar Braudel, tomando como sua região o oceano Atlântico.‖ (BURKE, 1997, p.69). Estes exemplos não são aleatórios, na verdade são passagens anotadas por Peter Burke no livro A Escola dos Annales (1929-1989) (1997), quando insinuou que o Mediterrâneo e depois o Atlântico seriam as regiões delimitadas pelos historiadores citados. Já voltaremos à questão da região. Quando especificamos aquela história que chamamos de História do Brasil, englobando equivocadamente o tempo que este território, ou esta região do mundo, era parte do império português, também nos são apresentadas ―grandes histórias‖. Temos que conhecer a História econômica do Brasil de Caio Prado Júnior (1994), a Formação econômica do Brasil de Celso Furtado (1985), a Formação histórica do Brasil de Nelson Werneck Sodré (1982), Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda (1971), entre outros. E mesmo quando, em determinando momento, houve a proposta de fazer uma coletânea ou síntese da História do Brasil, com temas um pouco mais específicos, deram o título de História Geral da Civilização Brasileira (HOLANDA & FAUSTO, 1985), sendo os períodos colonial e imperial sob direção de Sérgio Buarque de Holanda e o período republicano dirigido por Boris Fausto. Sorte a nossa de termos trabalhos dessa relevância. Contudo, a ―boa‖ história parecia ser a história nacional. Mas, diante de tudo isso nós, ―meros mortais‖, somos de uma geração que não nos contentamos em ser expectadores de umas poucas e renomadas ―escolas de História‖. Passamos a ser atrevidos, queremos estudar história e produzir história. Queremos colocar em prática o discurso de que somos sujeitos da história e ao mesmo tempo construtores da nossa historiografia. Com isso os cursos de graduação passaram a exigir dos alunos uma monografia no final do curso. Proliferaram-se os programas de pós-graduação lato sensu e strictu sensu. O historiador atual não é mais aquele que se intitulava um erudito por ter conhecimento de várias obras sobre o passado. Agora ele precisa conhecer e produzir o conhecimento.

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Concomitantemente, vivemos a fase da chamada Terceira Geração dos Annales que promove um diálogo muito mais estreito entre a História e as Ciências Sociais. Sabendo-se que os conceitos das Ciências Sociais nos ajudam muito, quando bem historicizados (se não for assim o nosso trabalho pode deixar de ser história, ou passar a ser uma Ciência Social retrospectiva). A Nova História – terceira geração dos Annales – teve como principal contribuição ―a descoberta de novos objetos. [...] A Nova História caracteriza-se, portanto, pela ampla abertura temática, e esta é a sua grandeza.‖ (NOVAIS & SILVA, 2011, p.33).

Isto nos remete tanto às características do ‗métier‘ (à formação do historiador) quanto à peculiaridade da história entre as ciências sociais; o seu objeto é indelimitável, e seu método consiste na utilização dos conceitos das outras ciências humanas, repito historicizando-os, isto é, contextualizando-os no seu tempo (NOVAIS & SILVA, 2011, p.34).

Quando parte da terceira geração dos Annales transferiram-se ―da base econômica para a superestrutura cultural - do porão ao sótão‖ (BURKE, 1997, p.81), contribuiu para a fragmentação dos estudos, conforme os questionamentos de François Dosse no livro A História em migalhas (1992) (título muito apropriado). Contudo, este movimento historiográfico quando aplicado nas escolas brasileiras coincide com a abertura de uma pequena fresta que iluminou os estudos de cunho regional. A demanda reprimida dos estudos regionalizados foi, portanto, influenciada indiretamente. Percebeu-se, de forma tardia, na academia brasileira que trabalhar em uma dimensão menor não restringe necessariamente o campo de indagação da história e do historiador, porque como afirma Fernando Novais ―o objeto da história envolve todas as esferas da existência [...]‖ (2011, p.22). Contudo, creio que um ponto de partida é importante quando nossa proposta é cunho regional. Devemos levar em conta o legado historiográfico com a chamada história geral e nacional. Continuar o diálogo com as grandes sínteses, contextualizar. O estudo particularizado deve trazer algo de novo, mas as novas análises não

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precisam ser desconexas ou necessariamente polêmicas (AZANCOT, 1983, p.131). A história regional não vem, a meu ver, suprir um suposto esgotamento das macroabordagens (RECKZIEGEL, 1999). Mesmo porque a preocupação continua a ser a mesma: fazer a boa história. No nosso meio surgem propostas no sentido de nortear ou mesmo legitimar a história regional como uma disciplina. Uma bem sugestiva é aquela proposta por Agnaldo Barbosa que propõe ao historiador a reflexão entre a relação tempo-história:

A história ―generalizante‖ trabalha com a noção de um tempo uniforme, comum a todos os espaços, o chamado ―tempo do mundo‖, na definição de Fernand Braudel; uma espécie de ―superestrutura da história global‖, que o grande mestre francês apressou-se em dizer que ―não é, não deve ser, a totalidade da história dos homens‖. À História Local e Regional importa a apreensão do ―tempo dos lugares‖, o tempo realmente vivido por cada localidade, composto por um amálgama de experiências distintas [ou não] dos pólos hegemônicos num mesmo momento histórico.

Por esse viés é possível confrontar as transformações e as permanências em locais e espaços diferentes. Por exemplo, se pensarmos em temas mais próximos de nós, no espaço e no tempo: 1) no século XIX, áreas de produção destinadas à exportação e áreas onde predominava a pecuária, bem como a acumulação dos níveis de riqueza; 2) as preocupações com a vida após a morte e a influência da religião no dia-a-dia em áreas urbanas e rurais; 3) nas primeiras décadas século XX, dos movimentos operários e ações de partidos políticos de centros hegemônicos como a capital São Paulo e algumas cidades do interior paulista, e assim por diante. As dinâmicas temporais e as experiências humanas são notadamente descompassadas (BARBOSA). Então, o historiador de regiões mais específicas ou de locais deve sempre questionar a relação ―tempo-história‖ (BENTIVOLGIO, 1998, p.8-18). Conforme Antoni Torrentes: ―a nova história local deve procurar o re-tratamento da noção de tempo. Descartar a idéia de um tempo único, homogêneo e linear. Na história sempre há muitos tempos

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sociais.‖ (Apud BARBOSA). Dentro desta perspectiva, pode-se afirmar também que ―muitas vezes o que ocorre não é uma interpenetração de tempos – atraso/moderno, novo/antigo -, mas a sobreposição de um sobre o outro (BARBOSA). Conjugando nossas preocupações com a questão do ―tempo histórico‖, somamos uma anotação de Peter Burke sobre ―a importância da história regional e serial”, lembrando os velhos mestres sintetiza:

[...] a tese de Pierre Goubert sobre Beauvais (hoje capital de um Departamento no norte da Franca). [Goubert à moda de Chaunu], dividiu seu trabalho em duas partes, intituladas ‗Estrutura e Conjuntura‘. [...] trata das flutuações, na curta e longa duração, dos preços, produção e população, na perspectiva de um ‗longo‘ século XVII, que vai de 1600 a 1730. [...] A justaposição feita por Goubert entre movimento de preços e população mostra as conseqüências humanas de uma modificação econômica. A importância [...] está em que integra a demografia histórica à história social de uma região. Goubert procede a um minucioso estudo das tendências populacionais num certo número de vilas de região de Beauvais [...]. Chega a resultados [...] sobre a persistência de um velho regime demográfico, caracterizado por crises de subsistência a cada trinta anos, mais ou menos, [...] e observa como seus habitantes se adaptavam aos tempos duros, casando tarde, de maneira a diminuir o número de anos dedicados pelas esposas à

criação dos filhos.‖ (1997, p.71)

Este trabalho de Goubert, aplicado a uma região corrobora, ou encontra resultados bem semelhantes, com outra tese a de Jean Meuvret – Lês crises de subsistance e la démographie de França d‟ancien regime (1971), ou seja, comparado a um estudo sobre toda a nação francesa.

A tese de Goubert foi dedicada a Labrousse, cujo papel nos bastidores é revelado pelos agradecimentos feitos em alguns dos mais significativos estudos regionais da segunda e terceira geração dos ―Annales, do Catalunha de Pierre Vilar ao Languedoc de Emmanuel Lê Roy Ladurie e o Provence de Michel Vovelle.‖ (BURKE, 1997, p.72).

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Ora, ―em síntese, os estudos regionais franceses [aqui citados] combinam as ‗estruturas‘ braudelianas, a ‗conjuntura‘ de Labrousse e a nova demografia histórica [que se vincula diretamente à história social].‖ Mas, é certamente, outra forma de fazer história não evocando as grandes sínteses, como fez Eric Hobsbawn no trabalho A crise geral da economia européia no século XVII (2003). Outros exemplos podem ser citados (ver MATTOSO, 1997, p.169-178; MATOS, 1994), mesmo porque são vários os objetivos que agora são imputados a este ramo da história chamado História Regional. O caso da historiografia latino-americana que é ilustrativo, nos dizeres de Arturo Arriola (2008, p.181-204), ainda impregnado das preocupações sobre as formações dos estados nacionais, vejamos:

Sem dúvida, o debate sobre a história regional não se esgota, mas obriga-nos a contribuições mais elevadas. Sua definição teórica e metodológica é essencial não apenas para continuar a entender a construção de Estados latino-americanos, mas também escapar da armadilha de ver a região como uma parte um pouco maior que o estado país. As regiões são uma categoria de análise em si e, portanto, deve haver o diálogo com o local e a micro-história. [...] Na América Latina, as regiões históricas [também] são usadas para compreender a extensão das rupturas e transformações do processo de transição do período colonial para o Estado-Nação.

Bem, esses exemplos que mencionei nos esclarece sobre a relevância da História Regional. Então o que fiz até agora não foi justificar a aplicação da História Regional e sua relevância, pois, ela é por demais relevante, desde que seja elaborada com a seriedade necessária de historiador de ofício (repito, de ofício e não alguns que fazem a história da poeira por aí e se dizem historiadores). Quero dizer que seja uma história crítica, uma história problema; bem embasada na documentação e na bibliografia (produção bibliográfica, literatura) vinculada ao tema. E mais, onde não haja ―‘confusão‘ entre ‗esferas da existência‘ (econômica, social, política, cultural, etc.) e ‗níveis da realidade‘ (estrutura, conjuntura, acontecimento; ou, na linguagem do

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historiador, longa, média e curta duração).‖ (NOVAIS & SILVA, p.30). Daí, adiante, não tenho preconceitos. E mais, sabemos que todos os nossos trabalhos têm que ser bem justificados, mas quanto a relevância do tema, assim afirmo que não é necessário justificar porque fazemos História Regional, talvez justificar como fazemos. Uma questão imensamente importante para o historiador da região é a do diálogo necessário com a Geografia (BLOCH, 1934). Nunca será fácil definir ou delimitar o espaço. Aqui cito novamente Agnaldo Barbosa:

Algumas críticas já foram tecidas valendo-se do argumento que o historiador que se ocupa do local e do regional trabalha com uma definição a priori do espaço que investiga, aceitando a sua configuração oficial, na maioria das vezes pauta na geografia política – cidade, município, região administrativa, estado, etc. -, como um dado aceito e acabado. A crítica é justificada e aqueles que assim desenvolvem suas pesquisas fazem por merecê-la. Propomos que a delimitação dos recortes espaciais seja feita levando-se em conta a historicidade dos espaços (grifo nosso).

Ora, tudo é histórico, inclusive o espaço. Ou, nos dizeres de Vera Alice Cardoso Silva (1990, p.43-5) (ver também: BARROS, 2005):

A região só se entende como parte de um sistema de relação que ela integra. Deve, ser definida por referência ao sistema que fornece seu princípio de identidade. [...]. A região deve ser concebida como um território contínuo. Dentro desde, ocorrem os processos de produção e reprodução de um modelo de convivência social.

Assim sendo, muitos trabalhos tem contribuído para o conhecimento histórico a partir de diversos temas como: povoamento, imigração, escravidão, política, riqueza/pobreza, questões religiosas, questões de gênero, construção dos espaços urbanos, educação – entre muitos outros. Embasados em bibliografia pertinente e uma vasta documentação: registros de nascimentos, casados e óbitos; escrituras de compra e venda; inventários post-mortem, testamentos; contratos de

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trabalho; atas das câmaras; mapas e plantas de construção; livro tombo das paróquias; listas eleitorais; processos criminais, cíveis e trabalhistas. Então, porque não trabalhar na esfera regional? Porque é ou foi o campo dos cronistas ou memorialistas? Porque estes priorizaram a história factual e a memória da elite política, em detrimento dos outros grupos sociais, e não queremos seguir os mesmos caminhos? (JANOTTI, 2003, p.91-101). Será que temos tanto rancor assim da velha História política? Se for por isso, hoje temos uma nova história política crítica e vigorosa, como nos ensina René Remond (2007) (Ver também: ROSANVALLON, 2010). E mais, não precisamos nos restringir à política, podemos embrenhar pelo econômico, pelo social, pelas mentalidades, e assim por diante. Se for por receio de escorregarmos no factual, porque não mudar o viés de análise para o conjuntural e/ou estrutural, e mais, porque não dialogar com as ciências sociais? Será que é preciso dizer que os memorialistas realizaram vastos levantamentos de dados e guardaram por vezes ampla documentação que agora é tão útil para novas análises? Tudo isso nos indica que devemos levar constantemente em consideração, inclusive e especialmente no ensino, que é possível fazer e difundir a história regional e local, contudo, deve ser produzida e ensinada com a consciência de que os trabalhos devem ser temáticos. Não existe a história da região, existem histórias de temas tratados em âmbito regional, devidamente contextualizadas. Enfim, desta forma, o historiador regional, no mínimo, contribui com a confirmação de teses da história nacional (por exemplo) e/ou traz à tona especificidades e comparações possíveis de questionar as velhas teses e abrir caminho para novos paradigmas.

OLIVEIRA, Lélio Luiz de. Regional history: teaching and research. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.1, 2011, p.21-30.

ABSTRACT: The article presents a historical analysis of the paths of Regional History, the influence of temporal and spatial issues in

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thishistorical perspective as well as the thematic possibilities and forms of production and dissemination of knowledge.

KEYWORDS: regional history, historical analysis, methodology, teaching and research.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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DOSSIÊ/SPECIAL “Linguagens e Discursos”

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A FIGURA DO PALHAÇO NO AMBIENTE HOSPITALAR NA PERSPECTIVA DO ESTUDANTE DE

MEDICINA

Bruno Severo GOMES* Lenice Campos MAIA**

Maria de Fátima Gaspar PINHEIRO***

RESUMO: A abertura à participação multidisciplinar de profissionais de outras áreas, no interior do Hospital surge como tentativa de melhorar a qualidade de vida dos pacientes internados. Nesse âmbito, os projetos de humanização hospitalar, além de provocar mudanças no ambiente hospitalar. O presente artigo tem como objetivo descrever e analisar o impacto da figura e da linguagem do palhaço em intervenções no ambiente hospitalar, partindo do encontro do estudante de medicina com a realidade hospitalar para promoção da humanização.

PALAVRAS-CHAVES: linguagens; hospital; estudantes; palhaços; humanização.

INTRODUÇÃO

No ensino médico, uma discussão progressivamente crescente no século passado, ampliou mais ainda nas três últimas décadas e tanto no Brasil quanto em todo o mundo constitui, hoje, tema de debate em diferentes campos, suscitando as mais diversas abordagens e

* Docente do Departamento de Micologia. Micoteca URM. Universidade Federal de Pernambuco. Coordenação da Palhaçoterapia do Hospital das Clínicas da UFPE. ** Docente do Departamento de Patologia. Universidade Federal de Pernambuco. Coordenação do Programa MAIS- Manifestações de arte integradas à saúde- UFPE. *** Médica do Hospital das Clínicas. Universidade Federal de Pernambuco. Vice-Coordenação do Programa MAIS- Manifestações de arte integradas à saúde- UFPE.

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avaliações, da doutrina e da prática da formação profissional, conectada à contemporaneidade de um mundo globalizado (SIMOVSKA, 2004; HOWE et al., 2004).

Mesmo em países mais tradicionais são intensos os processos de mudança. No Japão, desde o pós-segunda Guerra Mundial, não tinha havido uma mudança tão drástica no sistema de educação médica, como nos últimos anos (TEO, 2007).

Na China, que desde 1949, o sistema de educação médica tem sido desenvolvido de acordo com as suas próprias necessidades; o atual sistema de formação dos estudantes de medicina é complexo e está em curso uma reforma da educação médica, sendo que novos métodos de ensino estão sendo introduzidos em algumas Escolas (LAM et al., 2006).

O evento hospitalização traz consigo a percepção da fragilidade, o desconforto da dor e a insegurança da possível finitude. É um processo de desestruturação do ser humano que se vê em estado de permanente ameaça (ORTIZ; FREITAS, 2005).

A abertura à participação multidisciplinar de profissionais de outras áreas, no interior do Hospital surge como tentativa de melhorar a qualidade de vida dos pacientes internados. Assim, além dos médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e terapeutas ocupacionais, são encontrados, por exemplo, administradores e, com menor frequência, já é possível encontrar pedagogos (CECCIM, FONSECA, 1999).

Mesmo doentes as pessoas continuam aprendendo, ―O trabalho do educador no hospital é importante a fim de evitar prejuízos maiores, possibilitando a inclusão educativa e social‖. Prejuízos que, uma vez hospitalizados desestimula o aluno e faz com que o mesmo perca o interesse pelos estudos, outro fator é a desatualização em relação a conteúdos escolares (CECCIM; CARVALHO, 1997).

O prejuízo social refere-se ao fato da pessoa estar desintegrada do grupo social como os colegas e professores de sua sala de aula, amigos e familiares. Nesse sentido, o trabalho pedagógico hospitalar resgata este afastamento criando uma situação de continuidade ao trabalho escolar. A presença do professor, dos objetos de ensino e

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outros profissionais envolvidos fazem com que o paciente se sociabilize e encontre a oportunidade nestes momentos de ensino, de resgatar a linguagem escolar, ampliar a socialização com outros profissionais e família a fim de favorecer a continuidade da vida e o sentir-se humanamente vivo (LOPES, 2010).

O trabalho pedagógico engloba diversas atividades que vão desde a Classe Hospitalar passando pela brinquedoteca e a utilização de artes e literaturas a serem trabalhadas fora ou dentro destes ambientes, mesmo que seja no leito do aluno-paciente (LOPES, 2010).

A prática pedagógica ao atender uma criança ou adolescente hospitalizado difere do cotidiano escolar sendo assim, necessita de uma visão mais ampla do profissional. ―A construção de prática pedagógica, para atuação em ambiente hospitalar, não pode esbarrar nas fronteiras, tradicionais‖ (MATOS; MUGIATTI, 2009).

A instituição hospitalar desperta a força de provocação do palhaço devolvendo-lhe o papel de verdadeira encarnação do festivo, que nos possibilita, a todos, inclusive a ele, o exercício de existência libertadora, que tanto nos falta na vida cotidiana. O palhaço de hospital foge à empregabilidade superficial e desenfreada da comicidade publicitária, e é aproveitado na promoção de uma idéia de saúde e de bem-estar geral, que está relacionada com a valorização da humanidade nos indivíduos (BESTETTI, 2005; BOLOGNESI, 2006).

A humanização trabalhada nos hospitais deve começar pela entrada e se estende a todos os ambientes hospitalares, destaca-se ainda que a ética é o principal componente para se estabelecer a humanização (PORTO, 2008).

A hospitalização é uma experiência estressante que envolve profunda adaptação da criança às várias mudanças que acontecem no seu dia-dia. Contudo, pode ser amenizada pelo fornecimento de certas condições como: presença dos familiares, disponibilidade afetiva dos trabalhadores de saúde, informação, atividades recreacionais, entre outras (FURTADO, 1999).

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Esta dualidade entre o real e o imaginário possibilita às crianças converterem experiências que deveriam suportar passivamente em desempenho ativo, com isso ela pode controlar imaginariamente o novo ambiente. Embora aparentemente insignificante esta atividade de brincar é um momento privilegiado para a elaboração de ansiedades decorrentes do desconforto e estranheza frente à hospitalização (FURTADO, 1999).

As implicações da hospitalização são compartilhadas por outros autores, que relatam os prejuízos trazidos por uma hospitalização prolongada e a necessidade e possibilidade de se desenvolverem trabalhos que promovam a humanização da instituição hospitalar, como Chiattone (1984); Guimarães (1988); Barbosa, Fernandes; Serafim (1991); Zannon (1991); Saggese ; Maciel (1996); Mello, et al., (1999) e Ceccim; Fonseca (1999), em nível nacional, e Siegel (1983) e Méndez, et al., (1996) no exterior.

A pesquisa sobre a sua capacitação acabou por certificar o palhaço de hospital como uma modalidade de cômico, emparelhada com a dos palhaços de circo, de feiras, de teatro, bufões, bobos, tolos, os arlequins da commedia dell‟arte. No caso do hospital, o palhaço porta o branco, embora as cores estejam presentes, estrategicamente escondidas e ao mesmo tempo aparentes, no arranjo que ele faz no sue figurino e seus objetos estranhos e diferentes estão misturados a instrumentos médicos ou sátiras de objetos hospitalares. Não se trata apenas de um ajuste formal (BESTETTI, 2005; BOLOGNESI, 2006).

Entre as possíveis estratégias utilizadas por crianças para enfrentar condições estressantes encontra-se o brincar, recurso utilizado tanto pela criança como pelos profissionais do hospital para lidarem com as adversidades da hospitalização (MOTTA; ENUMO 2004).

A importância do brincar na situação hospitalar ganhou relevância social principalmente a partir do trabalho do médico Patch Adams (1999), nos Estados Unidos da América, cuja história pessoal foi popularizada através de filme.

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O palhaço nasce do engano, da deflagração das fraquezas e limitações humanas. Esse processo de formação se torna um duro e ao mesmo tempo belo exercício de se conhecer, de perceber o outro, de descobrir e explorar o espaço como se fosse a primeira vez. O palhaço traz um mundo novo para dentro daquele já conhecido, recria lugares, desestabiliza relações estruturadas de poder e estimula a comunicação. O fato de aceitar seu próprio ridículo o libera para transformar o erro em recurso, em possibilidades de mudança. Assim ao conjugar-se o exercício de improvisação, à figura do palhaço e ao universo hospitalar, descobre-se rara contribuição na difusão e na comunicação de um sentido para as relações entre os indivíduos, qualquer que seja a natureza da sua condição, e abre-se caminho para associações complementares além daquela entre o palhaço e a criança, como o riso e a transgressão, o humor e a saúde, a arte e a transformação (BESTETTI, 2005; BOLOGNESI, 2006).

Em geral as atividades dos palhaços de hospitais pesquisados se dirigem a crianças e adolescentes (22,5%) internados ou de passagem por hospitais; e a seus parentes e acompanhantes e profissionais dos hospitais, de um modo geral. Na realidade, todas as figuras que se cruzam nos hospitais e cruzam o espaço do palhaço, são envolvidas na interação que esse cruzamento exige e expõe (MASETTI, 2005).

O palhaço precisa se formar, se preparar e escolher, sobretudo escolher, como uma forma de atuação profissional, o trabalho com crianças no hospital. O ator que escolhe o palhaço para atuar num hospital, está definindo uma linguagem artística como instrumento para se relacionar com o outro. O palhaço se dirige ao que é saudável numa criança que está doente, no intuito de manter vivas as suas possibilidades de criar, de sonhar, de rir. De fato, o mundo do palhaço é bem diferente daquele do hospital, mas seu universo está muito próximo ao da criança. Essa proximidade cria rapidamente uma grande cumplicidade entre eles. A aproximação, num segundo plano, com os médicos e enfermeiros e mesmo os acompanhantes, se dá através da

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própria criança. A estrutura hospitalar, desde a sua organização espacial setorizada, com suas áreas ambulatoriais, de internação e de tratamento intensivo, até a hierarquização da equipe de Saúde, passando pelo acesso seletivo ao medicamento, está associada à descoberta do corpo humano como objeto de investigação científica (BESTETTI, 2005; BOLOGNESI, 2006).

Embora grande parte das organizações trabalhe com profissionais especializados, 93,8% ainda treinam os palhaços para adequar a linguagem da máscara às necessidades do trabalho em hospital. Em geral, os hospitais, fornecem orientações (93,8%) especiais sobre o trabalho, os pacientes e o modo de se atuar naquele espaço (MASETTI, 2005).

É verdade que ao longo do processo de construção do procedimento de capacitação do palhaço de hospital, surgiram dúvidas e dilemas, reforçadas pela dicotomia que opõe a preponderância do cômico na expressão do corpo à insistência de significação do sublime através da palavra. A postura desobediente da figura cômica se atrita com certa domesticação de sua expressão e presença em ambiente hospitalar. Assim, na tentativa de responder às exigências da atuação no hospital e às escolhas metodológicas que é preciso fazer em sala de aula, deparei-me com uma intensa necessidade de reflexão ética acerca do trabalho. A coerência na adoção de princípios do jogo cômico, a transparência na avaliação do aproveitamento do estudante, a responsabilidade na liberdade de ação do artista, chamaram a minha atenção para a construção de um código normativo e prescritivo dos valores e deveres do palhaço de hospital (SIMONDS, 2001).

Enfim, o trabalho do palhaço no hospital mostra ser possível e desejável a aproximação de dois domínios: o da arte e o da saúde. O palhaço improvisa no hospital. Ele cria e recria o jogo o tempo todo, com seu parceiro, com a criança, com os dois. A improvisação é um exercício que reúne elementos constituintes da arte de atuar, recuperando para o ator a relação entre o risco de se expor e o equilíbrio de encontrar uma forma apropriada de expressão (BESTETTI, 2005; BOLOGNESI, 2006).

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Uma questão importante levantada durante a investigação deste método formativo para o palhaço atuar em hospitais foi justamente como manter, nesse ambiente, a essência da figura milenar e transgressora que o palhaço veicula através da experiência do humor: a liberdade de ser e de criar (BESTETTI, 2005; BOLOGNESI, 2006).

Como escapar de produzir uma terminologia taxativa na tentativa de explicar a sua atuação? Palhaço cuidador, palhaço terapeuta, palhaço de hospital. A adequação do palhaço ao ambiente não será uma forma de aderência, de absorção do riso como elemento controlador da realidade? Suavizando a força do palhaço, tornando-o uma figura habitual no hospital, não o tornamos também uma presença dispensável? De fato, a atuação no hospital parece creditar à função do palhaço uma imprescindibilidade que anda na contramão da comercialização do riso e da consequente banalização da sua figura, hoje (BESTETTI, 2005; BOLOGNESI, 2006).

Quando instrumentalizados, os profissionais de saúde adquirem habilidades que facilitarão a assistência, ajudando no processo saúde-doença, por reconhecerem que o ato de brincar no hospital é um fator que motiva uma maior interação na relação profissional de saúde-paciente, subsidiando uma assistência requalificada, de natureza global e integral. Quando brincar faz parte da assistência à criança hospitalizada, o hospital também se beneficia pois a visão corrente de que nele só existe dor, solidão, medo e choro, ou seja, apenas aspectos negativos, é relativizada. A busca pela "humanização" do espaço hospitalar prevê o respeito, o estímulo e o resgate da dimensão saudável da criança, que muitas vezes pode ser traduzida pelo brincar (FURTADO, 1999).

Já o ambiente hospitalar é o centro de referência e tratamento de saúde, e isso, na maioria das vezes, irrompe um espaço de dor, sofrimento e morte, causando uma ruptura nas crianças e nos adolescentes com os laços que mantêm com seu cotidiano e com a construção de sua própria aprendizagem. A hospitalização não impede que a pessoa continue desenvolvendo suas dimensões afetiva, social,

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psíquica e cognitiva. Assim como as outras pessoas, o hospitalizado tem necessidade de aprendizagem. Privá-lo desse direito seria uma atitude preconceituosa, pois o estar internado não significa que a pessoa seja ou esteja desprovida de inteligência e muito menos que ela não precise ser educada sistematicamente (BATISTA, 2009).

O próprio ambiente hospitalar retira das pessoas internadas o espaço de convivência familiar e escolar. A mudança brusca afeta a subjetividade da pessoa em questões de segundo e esta precisa de um tempo para se recompor, ou mesmo aceitar e assumir as condições impostas por essa nova realidade. O atendimento pedagógico, além de possibilitar uma aprendizagem, também contribui para a construção da autoestima, da afetividade e da segurança do hospitalizado (BATISTA, 2009).

O trabalho do professor no hospital é muito importante, pois atende às necessidades psicológicas, sociais e pedagógicas de crianças e jovens em processo de internação. Este profissional precisa ter sensi-bilidade, compreensão, força de vontade, persistência e muita paciência para lidar, muitas vezes, com uma situação de dor e de lentidão na aprendizagem (BATISTA, 2009). 1.1 Mudanças no ambiente hospitalar e aspectos da psicopedagogia hospitalar

As mudanças em torno da função social da instituição Hospital estão voltadas, hoje, para a humanização da saúde. Esta tendência surge pela necessidade de garantir o desenvolvimento futuro da medicina e da saúde, já que são vislumbradas alterações nesta dinâmica hospitalar, com as quais o atendimento da doença está se deslocando para o atendimento aos cidadãos, ou seja, o foco desloca-se da ênfase na intervenção tecnológica para ações sustentadas, nas relações humanas.

Mediante a percepção de que o trabalho pedagógico no ambiente hospitalar vem sendo desenvolvido por diversos profissionais,

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que não o pedagogo, o que motivou o objeto de estudo. Além disto, percebe-se que a atuação do pedagogo não se restringe apenas ao ambiente escolar e, portanto, faz-se necessário que este profissional atue em outros ambientes e conquiste novos espaços. Neste sentido, Libâneo (2002) contribui de forma significativa, pois acredita que o pedagogo pode atuar em campos diferenciados, não diretamente docentes, já que este possui uma formação ampla que abrange toda a diversidade de práticas educativas presentes na sociedade.O trabalho pedagógico no ambiente hospitalar proporciona a garantia da continuidade do processo de aprendizagem, fazendo com que as crianças ao retornarem à escola não venham a se sentir em defasagem em relação aos seus colegas e que não percam o vinculo com a escola e seu cotidiano.

No que se refere à ansiedade, vários autores, entre eles Loreto, (1972), Dickstein (1990) e Fernandez; Rodrigues (1993) vêm apontando a presença de valores significativos de ―desordens de ansiedade‖ entre estudantes de Medicina. No entanto, esses dados devem ser interpretados, no contexto da educação médica, com especial atenção para os aspectos ansiogênicos da formação médica e ao ambiente de relativa insalubridade psicológica, no qual o estudante de Medicina se encontra exposto durante sua formação.

Nesse sentido, é importante ressaltar a necessidade de se analisarem os aspectos ansiogênicos e as fontes de tensão do curso médico e em que medidas estes estão contribuindo para a criação de situações pouco favorecedoras da aprendizagem, não apenas para os estudantes mais predispostos ou vulneráveis, mas para o grupo como um todo.

Ainda considerando as fontes de tensão e ansiedade do curso médico e suas relações com o aprendizado, é possível inferir que esses elementos estejam contribuindo como fatores inibidores de motivação e aprendizagem, na medida em que afetam a auto-estima do estudante e consequentemente sua motivação e empenho na realização de tarefas.

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Corroborando com essa interpretação, Bramness19 afirma que, em seu estudo, os estudantes de Medicina apresentaram um nível mais baixo de auto-estima do que a população geral (BRAMNESS; VAGLUN, 1991).

Nessa perspectiva, é importante destacar que, no campo da educação médica, gradualmente vem sendo reconhecida a relevância das características pessoais nas diferentes etapas do curso médico.

Segundo McGaghie (1990) em muitas escolas médicas inovadoras do Hemisfério Norte, a avaliação das características individuais não-cognitivas já está definitivamente incorporada aos procedimentos de admissão ao curso de Medicina. Analisando a literatura mais recente sobre educação médica, é possível notar uma crescente valorização da investigação sobre os múltiplos determinantes do processo de aprendizagem e formação do médico.

Troncon (1995), esse fato reflete uma tendência geral da área de Educação em valorizar e investigar os múltiplos determinantes do processo de aprendizagem e da formação e desenvolvimento do ser humano. No que diz respeito ao processo de formação profissional, essa tendência vem sendo expressa por meio de estudos de fatores cada vez menos centrados em modelos de ensino e na atividade didática do professor, e cada vez mais, nas características do estudante, enquanto sujeito que aprende.

Diante do exposto, podemos introduzir o questionamento, qual o impacto e relevância da participação e contato do estudante de medicina com a linguagem do palhaço e a contribuição desta vivencia dentro do ambiente hospitalar na sua formação na área médica?

1.2 O lúdico e o ambiente hospitalar

Além da contribuição na aprendizagem, o acompanhamento pedagógico educacional dentro do ambiente hospitalar poderá resgatar vários sentimentos nos pacientes/alunos, como aceitação, autoestima,

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segurança, uma melhor qualidade de vida e a continuidade do desenvolvimento das potencialidades que eles apresentam.

A justificativa do estudo baseia-se no fato de que os profissionais em geral são capacitados para lidar com padrões considerados de normalidade e anormalidade, mas tem dificuldades em promover a saúde das pessoas. Muitas vezes, não há estímulo para a busca do que há de mais saudável nos pacientes, na sua essência, naturalmente lúdica.

A atividade lúdica está relacionada à motivação, que é intrínseca ao sujeito. Prado (1991) destaca que, Lúdico é uma categoria adjetivadora da atividade (que qualifica ludicamente), construída socialmente e de forma diferenciada em cada cultura. É um conjunto complexo de elementos especificamente humanos que cria espaços de jogo entre o ―real‖ e o imaginário.

A doença impede principalmente a criança de desenvolver as atividades regulares de seu dia-a-dia e provoca, muitas vezes, sensações de dor, desconforto e mal-estar. A hospitalização leva a criança à necessidade de afastar-se do seu lar, sua escola, seus amigos, enfim, sua vida cotidiana, para ingressar em um ambiente completamente novo, com pessoas estranhas, imersas em uma rotina alheia ao seu modo de vida e um aparato terapêutico cuja finalidade é desconhecida para ela (CIBREIROS; OLIVEIRA, 2000).

Assim, o palhaço quando traz no seu corpo, e na sua ação, o indício de uma temporalidade e de um lugar diferentes daqueles nos quais ele se encontra, abre um mundo novo no ambiente hospitalar: propõe outra lógica, redimensiona lugares, desestabiliza relações estruturadas de poder, estimula a comunicação e chama a atenção para a ligação entre corpo e indivíduo, entre forma e conteúdo, entre exterior e interior, porque movimenta imaginação e crença numa perspectiva física, Concreta (BESTETTI, 2005; BOLOGNESI, 2006).

Indubitavelmente as relações que ocorrem dentro do ambiente hospitalar irão influenciar diretamente o tratamento. Durante o período de hospitalização, os membros da equipe de saúde são os indivíduos que

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estarão mais próximos dos pacientes, com o objetivo de prestar os cuidados da melhor forma possível.

Desta forma, os profissionais deverão possuir uma boa compreensão do ser humano (paciente), das suas necessidades, das suas capacidades e de seus desejos, tornando-se evidente o fato de que, quando a relação do profissional – cliente ocorre de maneira eficiente, a assistência prestada será a mais benéfica possível. Nesse âmbito, os projetos de humanização hospitalar, além de provocar mudanças no ambiente hospitalar ligados aos pacientes, também podem promover relevantes contribuições na formação do futuro médico, atuam e tangenciando a assistência proporcionada pela equipe, uma vez que, se a essência saudável do paciente está sendo estimulada, consequentemente estarão mais aptos e dispostos aos tratamentos propostos, o que também irá agir na melhora da sua condição de saúde, mesmo que esta não esteja especificamente centrada na cura de sua doença.

Nesse contexto, a investigação das possibilidades de intervenção educativa, diante da realidade principalmente da criança hospitalizada é muito importante, visto que a situação da hospitalização, em função da descoberta da doença, pode trazer inúmeros prejuízos ao desenvolvimento global, bem como aos processos de aprendizagem em geral (NASCIMENTO, 2004).

Assim, cabe ao psicopedagogo, conforme nos aponta Matos; Mugiatti (2006), o auxílio no desenvolvimento de atitudes favoráveis ao tratamento e às atividades educativas, mantendo a convalescença de modo adequado, alcançando a ―auto-acomodação‖. Por isso, apesar de considerarem importante o trabalho aos problemas de aprendizagem, colocam também a importância do trabalho psicopedagógico a nível psicossocial, desenvolvido através de atividades que auxiliem na adaptação ao hospital, bem como no minimizar de problemas psicossociais.

Existe ainda outra situação: tanto o profissional como o estudante, ao entrarem em contato com seu paciente, ficam diante de

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sua própria vida, seus conflitos e frustrações. Essa situação pode favorecer o surgimento de mecanismos rígidos de defesa, com consequências tanto na sua profissão como na sua vida pessoal (MARTINS, 2001).

Devido ao alto grau de conflitos presentes no curso em função do convívio constante com a morte, a dor e o sofrimento, a educação médica produz estresse em níveis que podem ser prejudicais ao bem-estar físico e psicológico do estudante (LEE et al., 2001).

Tais conflitos estão vinculados, também, às expectativas que os alunos têm ao ingressarem no curso. Eles esperam, por meio de sua formação, conseguir ajudar aqueles que solicitem sua intervenção. Contudo, a prática num hospital de ensino logo os remete a uma realidade que frustra essas expectativas, pois, em muitos casos, não existem mais possibilidades de reverter o quadro clínico em função do estágio avançado da patologia. Em outros casos, por sua vez, os problemas apresentados pelos pacientes extrapolam a esfera da medicina, estando diretamente vinculados a problemáticas sociais. Desse modo, o aluno se vê colocado diante de uma realidade que estilhaça suas ilusões onipotentes (GONÇALVES, 1998).

O aspecto emocional, muitas vezes, é negligenciado na formação do estudante de Medicina por se acreditar que, caso se manifestasse, seria prejudicial ao desempenho acadêmico. Essa perspectiva leva a uma tentativa de eliminar as emoções, com o objetivo de que elas não interfiram no futuro trabalho profissional (QUINTANA; ARPINI, 2002; QUINTANA; RODRIGUES, 2004). Porém, a necessidade do aluno de lidar sozinho com a angústia gerada na sua formação causa um prejuízo em sua aprendizagem (GONÇALVES, 1998).

O presente artigo tem como objetivo descrever e analisar o impacto da figura e da linguagem do palhaço em intervenções no ambiente hospitalar, partindo do encontro do estudante de medicina com a realidade hospitalar para promoção da humanização.

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3. METODOLOGIA 3.1 Campo de Investigação

O trabalho foi realizado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, situado na cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco.

O Hospital das Clínicas (HC) é uma unidade de saúde vinculada à Universidade Federal de Pernambuco que tem como objetivo oferecer atendimento médico e hospitalar à população nas mais diversas áreas. Considerado um hospital modelo entre as unidades universitárias de saúde, ele reúne profissionais renomados e serve de campo de atuação para centenas de estudantes de Medicina, Enfermagem, Terapia Ocupacional, Fisioterapia, Psicologia, Odontologia e Serviço Social.

Como órgão suplementar, o HC é ligado diretamente ao Reitor, para efeito de supervisão e controle administrativo, e tem como função básica apoiar o ensino de graduação e pós-graduação do Centro de Ciências da Saúde (CCS). O HC reúne mais de 200 docentes, dois mil estudantes de graduação, 510 estudantes de mestrado e doutorado, 240 residentes, 938 estagiários curriculares e 199 voluntários.

A instituição ocupa uma área física construída de 62 mil m². Os números ainda envolvem 175 consultórios de atendimento ambulatorial, 11 leitos na Unidade de Tratamento Intensivo (adulto), dez leitos na Unidade de Tratamento Intensivo (neonatal), dez salas de centro cirúrgico, sete salas no centro cirúrgico ambulatorial e três salas no centro obstétrico.

3.2 Participantes

Participaram do estudo 21 alunos do curso de graduação em medicina da Universidade Federal de Pernambuco, vinculados ao projeto de extensão ―Palhaçoterapia do Hospital das Clínicas da UFPE‖, vinculado ao Programa ―MAIS‖ (Manifestações de Arte Integradas a Saúde) que realizam intervenções nos setores e enfermarias do hospital.

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Também foi verificada a aceitação e relevância das intervenções pelos profissionais de saúde dos setores, pacientes e familiares.

3.3 Coleta de Dados

A observação foi centrada nos estudantes (unidade de observação) e nas pessoas (pacientes, familiares e profissionais de saúde) que com eles se relacionavam. As intervenções foram realizadas de segunda a sábado, em duplas, com duração de duas horas em cada setor do hospital, previamente estabelecidos por meio de escalas semanais.

Antes do inicio de cada observação, a proposta do projeto foi apresentada a Coordenação Geral do Programa ―MAIS‖ e Direção do Hospital e Pro-Reitoria de Extensão da UFPE, onde foram explicitados os propósitos de pesquisa e solicitação do consentimento para a realização da investigação; todas concordaram. Os dados foram registrados em ―diário de bordo‖.

Para coleta de dados dos estudantes, participantes do projeto, os questionários foram aplicados ao final do projeto.

Foram analisados dados de aceitação dos pacientes com entrada nos setores do hospital das Clínicas no período de fevereiro de 2011 a dezembro de 2011.

O estudo é de natureza qualitativa. Este tipo de pesquisa preocupa-se com o universo de significados, motivos, aspirações, atitudes, entre outros, estabelecendo as ações e relações entre as pessoas (CHIZZOTTI, 1991).

Os sujeitos do estudo foram 21 (vinte e um) estudantes de medicina integrantes do projeto de Palhaçoterapia do Hospital das Clínicas UFPE, que atuam em diferentes unidades do hospital escola da universidade. Para identificar os membros, serão utilizados nomes fictícios.

Para proceder à coleta de dados, foi utilizada a técnica de entrevista não diretiva em grupo, que possibilita a obtenção de informações a partir do discurso livre dos entrevistados. Chizzotti (1991)

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ressalta que, o informante é competente para exprimir-se com clareza sobre questões da sua experiência e comunicar representações e análises... revelando tanto a singularidade quanto a historicidade dos atos, concepções e idéias...

Os temas que subsidiaram a entrevista não diretiva em grupo foram: conhecimento sobre atuação dos estudantes e experiência como participantes do projeto no hospital.

A coleta de dados foi realizada após a aprovação e liberação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, cenário do estudo. Para a obtenção dos dados foi utilizado como recurso questionário impresso em papel. Mediante a aceitação dos membros da equipe, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido conforme a Resolução nº 196/96.

Após a aplicação dos questionários, iniciou-se a análise temática. Inicialmente procedeu a leitura flutuante dos relatos, destacando os temas relevantes ao foco do estudo. Em seguida, os temas foram agrupados visando à estruturação dos tópicos do capítulo da análise.

4. Resultados

Entre os estudantes de medicina participantes da pesquisa, 76% eram do sexo feminino e 24% do sexo masculino. Em relação a periodicidade do curso, 17% estavam no segundo período do curso, 25% no terceiro, 13% no quarto período e 25% e 21% sexto e sétimo períodos respectivamente.

Dos participantes 60% já estavam no projeto há pelo menos 16 meses e 40% há seis meses. A faixa etária vai de 18 a 24 anos, com prevalência de 19 a 20 anos (54%). Entre eles 32% participaram de pelo menos uma oficina de vivência relacionada à linguagem do palhaço. Para 94% a participação na oficina é como muito importante e 6% como importante.

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Em relação à motivação inicial para participação do projeto, 27% relataram que decidiram participar para ―aprender mais sobre humanização‖, 27% pela ―busca de uma relação mais humanizada da relação médico-paciente‖, 20% para ―ver o paciente sobre um novo olhar‖, 13% foram influenciados por ―filmes e livros sobre humanização‖, 7% ―busca de uma melhor percepção e relação com paciente‖ e 7% ―levar mais alegria ao hospital‖.

Durante o período de fevereiro a dezembro de 2011 foram atendidos pelo projeto 6.855 pacientes da pediatria (956 pacientes), nefrologia (251), maternidade (1.744),Centro obstétrico (2.218), sétimo andar ―clínica geral‖ (920), décimo andar ―clínica geral‖ (123), décimo primeiro andar ―clínica médica‖ (643). Os dados gerais se encontram na tabela 1.

O setor que os estudantes se sentiam mais a vontade para realização das intervenções foi à pediatria (47%), seguido da nefrologia (20%), maternidade (13%), décimo primeiro andar (13%) e sétimo andar (7%). Entre os sentimentos apresentados antes de cada intervenção, 52% dos estudantes relataram que estavam ansiosos, 19% ―cansaço e preocupação com as coisas da faculdade‖, 14% ―estressados com o dia-a-dia‖,10% ―empolgados e confiantes‖ e 5% ―tensos‖. Depois das intervenções os sentimentos apresentados foram bem diferentes, 38% dos estudantes ficaram ―mais felizes‖, 31% ―dever cumprido e de vontade de participar mais‖, 25% ―realizados e em paz‖, 6% achavam que a atuação ―poderia ter sido melhor‖.

Para 82% dos estudantes as atividades e participação no projeto ajudaram a melhorar as relações com a família. Depois da participação no projeto os alunos relatam que começaram a entender melhor atenção as pessoas (29%), aprenderam a controlar as emoções (24%), se tornaram mais paciente e entendem melhor as diferenças (19%), melhoraram o autoconhecimento e relacionamento com as pessoas (14%), a família notou que melhoraram o humor (10%), ampliou a visão sobre o entendimento de conflitos e comportamentos (5%).

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Para 100% dos estudantes, a participação no projeto melhorou e contribuiu na sua formação como estudante de medicina. Para 26%, reforçou a importância do tratamento humanizado, 22% o contato com a arte proporciona um momento de alivio em meio às tensões da vida acadêmica, 17% relatam ter aprendido uma nova forma de interação com o paciente, 13% melhoria das relações interpessoais com colegas, professores e pacientes, 9% melhorou a convivência com colegas do curso, 4% passou a ter uma visão mais critica e expressar as opiniões sobre atitudes errôneas, 4% aprendeu a dividir melhor o tempo, tempo para ajudar o paciente, 4% aprendeu a ser mais paciente, dar um passo de cada vez.

Quando arguidos, sobre em quê a participação no projeto contribuiu na formação como futuros médicos, para 32% a participação colaborou para uma pratica médica mais humanizada, 23% consideram muito mais os sentimentos do paciente, 18% acham que devem tratar das pessoas e depois das doenças, 14% facilitou a relação médico-paciente, 9% ser palhaço nos ensina a agir diferente com as pessoas, e para 5% relatam que terão muito mais amor a profissão que irão exercer.

O ponto negativo relatado pelos estudantes com relação ao ensino médico, 22 % relata a fragmentação do conhecimento do ser humano, 19% a supervalorização de disciplinas técnicas em relação a disciplinas humanísticas, 15% ensino baseada apenas na cognição e memorização, 15% ensino baseado em muita preocupação com o conteúdo, esquecendo o lado emocional do estudante, 11% sistematização exagerada, esquecendo o lado humano, 7% desumanização do tratamento, 4% distanciamento da realidade do conteúdo teórico com a prática, 4% professores sem conhecimento de humanização e 4% falta de tempo para valorizar as coisas simples.

Em relação a relação médico-paciente depois do contato e o conhecimento com a linguagem do palhaço, os estudantes participantes do projeto relatam que: aumentou o respeito e confiança com o paciente (31%), aumento da confiança e respeito, não apenas adesão ao tratamento, mas confortar o paciente (25%), mudança do olhar

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verdadeiro na relação com paciente (19%), relação mais próxima com o paciente, além da doença (13%), não ver o paciente apenas como mais um caso (6%) e aprendizagem de se ver e envolver-se com a história do paciente de forma humanizada, mas sabendo os limites da emoção (6%).

Para 20% dos estudantes não existia valorização do ato de brincar antes da participação no projeto. A relação do ―brincar‖ antes da participação no projeto mostra que os estudantes viam o ato de brincar como uma atitude infantil (33%), a relação foi instigada em (27%), era uma atitude programada (7%), achava complicado e difícil (7%) e para 7% o ato de brincar era uma forma de contagiar o mundo das outras pessoas.Depois da participação no projeto, o ato de brincar, ajuda na compreensão do paciente (23%), o mais importante na brincadeira não é a competição e o ganhador, mas sim o processo de como se brinca (19%), voltou a brincar (15%), brinca sem vergonha do que as pessoas vão pensar (12%), ser verdadeiro nas ações (12%), faz bem pra saúde (8%), doação e interação com o próximo (4%), o perder passa ser o lado divertido da brincadeira (4%) e se tornaram mais soltos nas atividades (4%).

A maior dificuldade relatada pelos estudantes em relação a linguagem do palhaço são: conseguir respeito dos profissionais do setor (26%), pacientes com dor (22%), a linguagem utilizada, momento de calar, momento do jogo (17%), preconceito de outros estudantes (9%), saber lidar com a não disponibilidade do outro (4%), confusão de muitos pacientes e profissionais com palhaço de festa (4%), insegurança (4%), pacientes anestesiados (4%), mulheres em trabalho de parto (4%), e desvincular do dia-a-dia e preocupações diárias (4%).

Em relação à aceitação dos pacientes, os estudantes participantes do projeto, relatam que 905 dos pacientes aceitam as atividades realizadas nas intervenções. Com relação aos acompanhantes a aceitação é de 92% e com os profissionais dos setores e equipe de saúde a aceitação é de 75%.

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Tabela 01: Distribuição do atendimento do projeto “Palhaçoterapia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco” em 2011.

Meses PED NEF MAT COB 7º 10º 11º TOTAL

Fevereiro 97 16 162 183 99 0 62 619

Março 110 21 191 213 106 0 54 695

Abril 101 27 197 230 98 0 61 714

Maio 120 26 212 253 92 0 66 769

Junho 74 19 147 184 97 0 66 587

Agosto 109 24 189 228 101 0 88 739

Setembro 94 27 188 194 94 0 71 668

Outubro 107 31 224 226 88 0 63 739

Novembro 78 24 224 224 86 19 49 480

Dezembro 66 30 234 283 59 104 63 839

TOTAL 956 251 1.744 2.218 920 123 643 6.855 PED = Pediatria, NEF= Nefrologia, COB=Centro Obstétrico, 7º= Sétimo andar (Clínica geral), 10º= Décimo andar (Clínica geral), 11º = Décimo primeiro andar (Clínica Médica).

7. Conclusões

Com os resultados obtidos, podemos concluir que: a linguagem do palhaço no ambiente hospitalar apresenta-se do ponto de vista psicopedagógico favorável ao aumento do rendimento cognitivo, afetivo e social do estudante de medicina. Em relação aos pacientes, foi demonstrado pelos estudantes através de suas observações, a diminuição dos índices de estresse e aceitação ao tratamento em pacientes internados nas enfermarias gerais; Diminuição da ansiedade nas salas de espera; Diminuição dos índices de estresse em profissionais da área de saúde e outro resultado observado é que, através de atitudes humanizadoras, profissionais e alunos da área de saúde, promovem o estabelecimento de vínculos solidários e participação coletiva no ambiente hospitalar.

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GOMES, Bruno Severo; MAIA, Lenice Campos; PINHEIRO, Maria

Fátima Gaspar. The figure of the clown in the hospital environment from

the perspective of medical student. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.1,

2011, p.36-56.

SUMMARY: The opening to the participation of multidisciplinary

professionals from other areas within the Hospital emerges as an attempt

to improve the quality of life of hospitalized patients. In this context, the

projects of hospital humanization, as well as causing changes in the

hospital. This article aims to describe and analyze the impact of the

figure of the clown and language interventions in the hospital

environment, starting from the date of the medical student with the reality

of the hospital to promote humanization.

KEYWORDS: languagens; hospital; students; clowns; humanization.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DISCURSO MIDIÁTICO E METÁFORA DA CRISE NO MERCADO FINANCEIRO: O QUE SABEMOS SOBRE A CRISE

ECONÔMICA PELA IMPRENSA PORTUGUESA

Juliana Mello SOUZA*

RESUMO: Este estudo buscou identificar de que forma a crise do sistema hipotecário dos Estados Unidos, que culminou no atual processo de recessão econômica mundial, constituiu tema de visibilidade no discurso midiático. Foram analisadas reportagens, artigos e crônicas dos jornais portugueses Público e Correio da Manhã (veículos de linhas editoriais diferentes) presentes nas edições dos segundos semestres de 2007 e 2008, período em que o tema eclodiu e ganhou notoriedade junto à opinião pública.

PALAVRAS-CHAVE: discurso midiático; linguagem; conceptualização metafórica; crise econômica.

O Discurso Midiático: a atuação no cenário jornalístico

Numa tentativa de conexão constante de seu discurso com os receptores da informação, a mídia atual busca otimizar a comunicação e a interatividade entre seus usuários, numa multiplicidade de formatos. Na práxis jornalística, a interatividade ancora-se num processo de construção e seleção da linguagem, ora para atender aos requisitos editoriais, ora para se adaptar à natureza do veículo, ou simplesmente para gerar elevados índices de audiência. Diante desta realidade, para

* Jornalista e Assessora de Comunicação. Licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade Estadual de Londrina/PR. Pós-Graduada em "História, Cultura e Sociedade" pela Universidade Barão de Mauá - 2005/2007. Mestre em Estudos de Mídia e Jornalismo pela Universidade Nova de Lisboa. Doutoranda em "Linguagens e Heterodoxias", pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

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estabelecer uma relação de identidade do conteúdo produzido com seus receptores, a mídia explora um conjunto de fenómenos, comum para todos, que age sobre cada um de nós; tão importante quanto, trabalha cognitivamente conceitos abstratos a fim de aproximá-los da realidade de seus intérpretes, como, no caso deste estudo, através da conceptualização por figuras de linguagem. No propósito de informar, na tentativa de fazer com que o intérprete se identifique com o assunto veiculado, há toda uma produção de efeitos de discurso, de sistemas de significação, a fim de despertar a atenção e ―seduzir‖ o público, num ―universo de conveniência ou de agressão‖ (CHARAUDEAU, 1983, p.95).

Neste âmbito, os dispositivos midiáticos, como defendido por Rodrigues (2005), buscam uma aproximação com a realidade de seus receptores para gerar e fortalecer a relação de identidade com o discurso. Diante deste processo ininterrupto de interferência no processo comunicacional, temos a possibilidade de compreender de que forma o discurso midiático, obedecendo a um conjunto de normas, produz uma linguagem própria e, neste contexto, constrói informações e suscita o questionamento ou se entrega à tarefa de captar audiências pelo exercício das técnicas de ―sedução‖ de seu auditório.

A forma como o discurso é selecionado, construído e configurado, bem como compreendido por seus intérpretes, é decisiva. A escolha e a construção dos títulos (GENETTE, 1987), o desenvolvimento de uma narrativa clara e objetiva (CHARAUDEAU, 1983), apelos visuais (a partir do enquadramento, do valor da informação ou do framing, in GARRET & BELL, 1998), entre outros factores, contribuem para ―seduzir‖ o receptor. Mas gerar uma boa retórica na narrativa jornalística torna-se condição sine qua non para que determinada pauta se torne atrativa e rentável aos meios de comunicação que a divulgam.

Para Fairclough (1995), a linguagem, representação semiótica da realidade - seja através de recursos visuais, seja através da comunicação não-verbal – configura-se como a ferramenta principal de articulação dos mais diversos domínios e esferas, mas, sobretudo, o elo com o público receptor. Representa, ainda, um conjunto de identidade e

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de relações sociais, de conhecimentos e crenças. E o autor ainda nos complementa: ―[...] Qualquer texto traz sua contribuição para dar forma a tais aspectos da sociedade e cultura […] Nos ajuda a reproduzir e manter existentes identidades sociais, relações e sistemas de conhecimento e crença. Nos ajuda a transformar‖ (1995, p.54).

Numa realidade de transformação e reafirmação de valores e identidades sociais desenhadas pela produção midiática, tal como é caracterizada por Fairclough (1995), um texto midiático pode evidenciar (e fortalecer) elementos na ordem do discurso de várias instituições. Segundo o autor, num processo de fluxo contínuo da informação (Fluid Relationships Between Institutions), a mídia fabrica um discurso planejado, de modo a atender as expectativas de instituições e domínios públicos reguladores, criando, por sua vez, a representação de uma realidade fabricada em seu favor.

Neste quadro de reflexões sobre a relação entre a mídia e a sociedade, Fairclough (1995) aponta o modus operandi e a regulação como referências principais para o estabelecimento de critérios de seleção, elaboração e difusão dos textos - no caso do setor econômico, jornalistas especializados neste segmento apontam a "limitação de informação" e o "escasso número de fontes oficiais" (uma vez que parcela significativa das fontes está vinculada ou às esferas governamentais ou a grandes bancos - muitos dos quais subsidiam a esfera supramencionada e cria uma forte cadeia de interesses pessoais) como alguns dos principais entraves na produção fiel da notícia. O discurso produzido pelo jornalista acaba por representar um termômetro das mudanças sociais e culturais que manifestam, por sua vez, a heterogeneidade e as contradições humanas. A produção jornalística, por seu turno, é a materialização desta sociedade que tanto muda. E, de algum modo, como defende Fairclough (1995), analisar o discurso midiático é analisar a essência da natureza de nosso tempo, uma vez que a mídia desempenha o papel de criar e, ao mesmo tempo, refletir e estimular os processos de mudança.

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Neste contexto, convergimos para a idéia de que a realidade que reflete, no cotidiano de sua praxis, ajude a legitimar os domínios e instituições reguladoras e, neste âmbito, a escrever história, fomentar decisões. O jornalismo acaba por representar uma forma de comunicação que busca a integração e adaptação do homem ao seu mundo, ao seu cotidiano, assumindo então o papel de um agente social transformador. ―Toda a mídia e todas as mensagens têm algo a ver com o saber‖ (MEUNIER, 1995, p.223). A partir desta máxima, Jean-Pierre Meunier evidencia a mídia como uma fonte inesgotável de conhecimento e informação, bem como de inserção social.

Partindo deste ponto de vista de Meunier (1995), de que maneira a mídia actua num processo de edificação de sentidos e solidificação do conhecimento? Cada tipo de manifestação midiática detém dispositivos e instrumentos semióticos e narrativos que trabalham com operações cognitivas específicas em seus receptores, configurando, por sua vez, um sistema de significação que determina a relevância da notícia.

Cada medium, à sua maneira, com seu próprio auditório e conteúdo, é capaz de trabalhar a linguagem para se encaixar ao framing, vender a notícia e cumprir a ―função mercantil e ideológica‖ defendida por Ayala (1984). Tudo depende da maneira como o texto é desenvolvido para seu público e como o convence, persuade. E é justamente no cerne desta produção que evidenciamos a linha editorial, os objetivos e a representatividade que o veículo de comunicação possui na sociedade em que actua, bem como a configuração e o tratamento estético que a notícia adquire no layout. Entram em cena os dispositivos de ―enunciação do conteúdo‖, bem como a ―eficácia performativa‖ do discurso de que nos fala John Austin e que tem na ―Racionalidade Argumentativa‖ (PERELMAN & TYTECA, 1988) um instrumento de eleição, na medida em que agindo sobre a razão, no ato de convencer, ou sobre a emoção, no ato de persuadir, transforma o auditório em termos de compreensão do mundo e de disposição para a ação.

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Quando um bom texto midiático se ancora numa linguagem que altere o ―estado de espírito‖ e a disposição (diathesis) de quem o interpreta e estabelece um confronto entre a informação recém-adquirida e o conhecimento já assimilado ao longo da construção de sua experiência tradicional, acaba por colocar em prática uma das mais ricas funções do jornalismo: ―aumentar a capacidade dos indivíduos para adquirir o domínio e traçar uma via no seu meio natural, social e político‖ (MEUNIER, 1995, p.226). A metáfora como coadjuvante na produção do discurso

Se a linguagem utilizada para construir determinado discurso acaba por ser desenvolvida especificamente para um determinado tipo de interlocutor, de acordo com os interesses das instituições, a retórica não foge a esta regra.

Configuração da língua por natureza, as figuras retóricas, designadamente as metáforas e metonímias, também são construídas para cada tipo de auditório, adaptadas de acordo com o objectivo do enunciador. Como argumenta Eire (2009): ―mediante meras metáforas, que nascem de meras observações da realidade, fabricamos idéias verdadeiras da essência das coisas‖ (2009, p.31).

Figura importante da retórica, a metáfora desempenha um relevante papel na dimensão cognitiva, sobretudo na interpretação de um texto jornalístico, uma vez que, como defende Meunier (1995), os processos de raciocínio humano são em grande parte metafóricos. Na produção midiática acerca da crise, damo-nos conta de que os textos produzidos utilizam amplamente o recurso à metáfora conceptual (LAKOFF & JOHNSON, 1980). A razão não poderia ser muito diferente desta: complexos e abstratos como são, tais temas exigem do receptor da informação um esforço cognitivo ainda maior para assimilar e compreender a notícia e, desta forma, garantir a compreensão.

No contexto da metáfora, para uma estruturação eficaz e compreensível do discurso midiático, os profissionais normalmente

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escoram-se em alguns referenciais ou experiências básicas do ser humano. Ou seja, correspondências ontolológicas e analogias que facilitam o mapeamento conceptual do domínio abstrato da crise a partir de vários modelos cognitivos.

Todo este trabalho se dá a partir do processo de similaridade com questões que fazem parte de nossas experiências no cotidiano, tais como o modelo cognitivo bélico (MEUNIER, 1995), da patologia, dos fenómenos naturais. Do ponto de vista de Silva (2009), os modelos cognitivos para compreender a crise confirmam um processo amplamente trabalhado pela linguística cognitiva: a ―corporização‖ dos acontecimentos ou ―no sentido de que estes fenômenos se fundamentam no corpo, na experiência sensório-motora [...] dos nossos movimentos no espaço, das nossas interações perceptivas e dos modelos de manipulação dos objetos‖ (SILVA, 2009, p.13-14). A linguística convencionou chamar a esta categoria metafórica de ―esquemas imagéticos‖, padrões corporizados que dão-nos a idéia, por exemplo, de movimento, percurso, etc.

Cientes da força das metáforas e da capacidade de ―suscitar a reflexão‖ (MEUNIER, 1995) nos seus intérpretes, os comunicadores fazem uso de estilos próprios para promover a identificação do leitor com o texto. Para cada framing, para cada enfoque dado à narrativa jornalística, há um discurso próprio, há uma abordagem especialmente direcionada. Este contínuo processo de adaptação do conteúdo é que acaba por dar dinâmica aos textos publicados pelos mass media. No âmbito da midiatização das relações econômicas, a metáfora está consolidada. E se a representação da realidade é feita por meio de recursos semiolinguísticos, se esta prática já está inscrita nos textos midiáticos, cabe ao jornalista o cuidado de não limitar a ―função social de conhecimento‖ (MEDISTSCH, 1992) a uma simples reprodução do real, voltando à cena um jornalismo que, munido deste recurso, valoriza o conteúdo noticiado, sobrestima o poder de interpretação dos seus receptores e, especialmente, ―desencadeia a reflexão sobre os aspectos ignorados das coisas‖ (MEUNIER, 1995, p.235).

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Os significados que a informação adquire: a conceptualização metafórica como instrumento de análise

Se o discurso jornalístico se apresenta fracionado em objectivos antinômicos de ―informar‖ e ―capturar audiências‖ (CHARAUDEAU, 1983), diariamente ―costurado‖ por figuras e atos de linguagem ou por sistemas de significação que interferem na sua produção e força persuasiva, a retórica, enquanto ―instrumento logotécnico disponível para a sua construção e desconstrução‖ (BORGES, 2009), nos auxilia no processo de análise de um discurso que, velado ou standartizado, realiza um transfert de juízo de valor e que, ao convencer, motiva para a acção (MAGALHÃES, 2000). E quais seriam as ferramentas cognitivas que nos auxiliariam numa melhor assimilação da informação? Uma forma simples de se ―democratizar‖ o conteúdo é através das metáforas.

O uso contínuo de figuras de linguagem para trabalhar o fator identitário da crise muito nos chama atenção, por exemplo, para o discurso sobre o título: “EUA corrigem excessos e economia mundial treme” (Público, Agosto/ 2007). A reportagem que se acolhe sobre este título fará os seus desdobramentos explicativos sobre a crise glosando a metáfora contida no título; em sentido literal seria claramente impossível que uma economia tremesse, se movimentasse. Aos olhos do grande público, de que modo o orador poderia apresentar o assunto e estabelecer uma adesão, uma vez que o sucesso da ―comunhão com o auditório‖ também depende da maneira como este mesmo auditório concebe e interpreta o facto? A metáfora seria um relevante instrumento. No propósito de explicar a recessão económica de forma mais didática, a narrativa apresenta então o conteúdo o mais próximo possível da realidade de seu leitor.

A mesma conceptualização metafórica da crise pode ser vista também em inúmeras outras reportagens tanto do jornal Público como do jornal Correio da Manhã. É neste aspecto que identificamos as metáforas conceptuais (ou ―esquemas imagéticos‖) que fazem referência à

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―corporização‖ dos acontecimentos, no sentido em que tais ―fenômenos se fundamentam no corpo, na experiência sensório-motora‖ (SILVA, 2009, p.13) dos agentes envolvidos na enunciação. A partir desta categoria metafórica, de padrões corporizados, podemos dar-nos conta de como a temática da crise ganha a idéia de movimento, de mobilidade.

São questões que podem ser vistas, por exemplo, nas reportagens do Público que trazem os seguintes verbos de ação: "fugir", "andar" e "afundarse". "Poupanças fogem dos depósitos" (Novembro/2008), "Mil milhões fogem dos fundos" (Outubro/2007) e "Por onde anda a crise" (Setembro/2008). A presença da metáfora para fornecer outro sentido a estes verbos, um sentido metafórico que explique uma realidade abstrata como a do campo econômico, bem como a natureza figurativa das palavras, fornece um sentido próximo ao que utilizamos no discurso comum, do dia-a-dia. Converge para este sentido o que Austin (1970) aborda em Quand dire c‟est faire, ao elucidar que a melhor forma de abordar os fatos, a realidade, é lançar mão de uma linguagem comum. É justamente na tentativa de interiorizar novos conceitos a partir de expressões e palavras que usamos frequentemente em nosso quotidiano que reside a atuação da retórica. Ao falarmos em acalmar, reduzir, acelerar e fugir damos a idéia de movimento, mobilidade, sair de um ponto para outro. Mas, ao transportarmos tais itens lexicais para a narrativa jornalística, transporta-se também a natureza figurativa destas palavras e os verbos supramencionados acabam por fundamentar-se no corpo, na experiência sensório-motora, sobretudo em situações cotidianas, para esclarecer aspectos da vida social - este transfert de valor foi atribuído a inúmeros outros verbos e expressões que presenciamos na recolha de material para a pesquisa em questão.

Outro aspecto a ser levantado: a metáfora do perigo iminente. ―Metaforizar‖ tais palavras significa atribuir uma dimensão valorativa aos termos e, diante da perspectiva negativa que as palavras carregam, estabelecer a conexão da realidade com a essência da palavra ―crise‖, gerando a força persuasiva no discurso; e sua difusão recorrente acaba

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por legitimar, em muitos casos, outra metáfora conceptual amplamente utilizada pelos jornalistas, sobretudo os que primam pela psicagogia e demagogia, pelo uso constante de metáforas e pela ―contiguidade das formas de ficção e não-ficção‖ (MESQUITA, p.113). Nos referimos aqui a modelos cognitivos que se aproximam dos aspectos de nossa vida social, como o modelo cognitivo da guerra, da doença e dos fenômenos naturais, como defendem Meunier (2005) e Silva (2009). Embora o corpus examinado não permita nenhuma conclusão generalizante, é possível identificar alguma regularidade nas diferentes ocorrências de itens lexicais, como, por exemplo, ―vítimas‖, ―planos de salvação‖, "estancar a hemorragia", "contra a depressão", "sobrevivência", sempre articulados com outros artifícios retóricos que, em sua força persuasiva, criam a mise-en-scène propícia à captação de audiência e ao condicionamento da opinião pública sobre o tema. Tal discurso permeia as páginas dos nossos dois objectos de análise. Vejamos nos exemplos seguintes: ―A crise do crédito hipotecário volta a fazer vítimas‖ (Público, Outubro/2007); ―[…] Não se sabe se esta intervenção será suficiente para estancar a hemorragia da crise de crédito‖ (CM, Setembro/2008); ―Contra a depressão‖ (CM, Novembro/2008).

Numa função performativa de ―associar ideias ou efetuar comparações‖, o uso da metáfora no fazer discursivo do jornalismo estabelece um sentido particular à natureza figurativa das palavras. Associar a crise à ideia de ―plano de salvação‖ ou a alguma grave patologia cria uma dimensão conflitual, um sentimento de constante estado de guerra, a combater um inimigo. Ou ainda de uma pandemia instaurada, em que os planos emergenciais de auxílio econômico surgem como ―planos de salvação‖ a ―estancar uma hemorragia‖ que não dá sinais de cessar. Logo, a narrativa apresenta-se subordinada à uma dimensão valorativa atribuída a expressões triviais de nosso cotidiano, tão ―pesadas‖ em sua essência como a da própria palavra crise.

As palavras ―vítimas‖, "socorro", ―planos de salvação‖ ou "hemorragia" isoladamente, mantêm, por si só, um sentido denso. Mas basta que sejam empregadas com um sentido metafórico para ir além da

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função de atribuir novos significados. Nesta rica operação cognitiva, como sublinha Perelman, acaba por colocar em prática ―a capacidade de fundir domínios [...] que transcendem as classificações tradicionais‖ (1998). Das páginas dos jornais para o nosso dia-a-dia, as metáforas atuam como um agente facilitador, a fim de "democratizar" o conteúdo veiculado, convidando o leitor para conceptualizar a temática da crise. Num processo de análise de conteúdo, inúmeras são as possibilidades de se compreender como as figuras de linguagem, sobretudo as metáforas, desempenham as importantes funções de argumentação e comunicação. Pela nossa parte parece-nos claro que, na narrativa jornalística, ela contribui para uma compreensão da realidade cujas raízes não podem ser encontradas exclusivamente em explicações racionais. Considerações Finais

Fundamentamos a discussão de como os mass media se constituem numa indústria que produz e veicula símbolos e significados que têm implícito um conjunto de elementos que interfere na estruturação e (re)organização da realidade em que o receptor está inserido, uma vez que o discurso midiático influencia na produção da informação e/ou o conhecimento que se tem a respeito de um fato, bem como nos padrões de linguística, nas ações sociais, nas atitudes e nas emoções. A discussão da crise financeira mundial mediante este processo de mediatização, seus significados e símbolos, a função comunicativa/cognitiva/sócio-cultural da metáfora como instrumento de compreensão da informação foram nosso objecto de estudo.

De fato, no contexto da persuasão e manipulação retóricas do discurso econômico da mídia sobre a atual crise, o uso de metáforas assume uma importante função ideológica, ao mesmo tempo que conjuga efeitos de uma dimensão ilocutória de explicação simples dos fenômenos, com os efeitos de manipulação emocional e cognitiva, bem

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mais próxima de exprimir a dimensão persuasiva do discurso (AUSTIN, 1970).

A análise dos dados aponta uma regularidade no uso das mais diferentes metáforas para exprimir a crise, que assumem nuances de significado e representações quando se considera a relação sintagmática e a natureza da entidade que desempenha o papel temático de domínio-alvo na expressão metafórica. Tais significados e representações permeiam o imaginário social e dão-nos conta de que, advindo do cenário econômico, o discurso metaforizado contribui para a mensagem ganhar forma no tempo e no modo como é contada, contribui para a criação do contexto situacional, indispensável no fazer jornalístico, mas, acima de tudo, simboliza, (re)produz e legitima um discurso, bem como um modelo de comportamento, que, por vezes, condiciona o seu auditório a ações transformadoras. Num processo de mapeamento cognitivo deste fenómeno, que se exprime cabalmente pela sua força persuasiva, as metáforas buscavam atrair a atenção do intérprete e fortalecer relações sintagmáticas com o conteúdo através de um vínculo com situações da vida cotidiana, seja através da metáfora da guerra ou da doença.

Se a interpretação, além de se buscar em elementos extra-linguísticos, se baseia também no contexto em que a informação decorre, podemos partir do pressuposto de que a manifestação metafórica resulta e desenha o contexto que a envolve. No contexto de uma economia globalizada, com severas políticas de controle monetário, de gestões fraudulentas no mercado acionário, de lideranças que fomentam conflitos bélicos, de uma sociedade de incertezas, de desigualdades sociais, de pandemias e de desastres ambientais, não seria ilógico levantar a hipótese de que a metáfora torna esta realidade que conhecemos como ponto de referência, como modelos para compreendermos fenômenos complexos. Por esta razão, a conceptualização metafórica da crise é cognitivamente tão bem sucedida. Nesta sobreposição de um cotidiano recortado por estas questões, a identificação de um domínio-alvo por parte de seu intérprete

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é certeira. Para cada emprego de uma expressão metafórica e seu respectivo contexto há uma interpretação. E, para cada leitor, há sua interpretação particular.

Portanto, podemos partir da hipótese de que o discurso midiático e a metáfora atuam indissociavelmente ligados. A narrativa jornalística escora-se no sentido metafórico para explicar a sua realidade e a natureza figurativa das palavras; pelo seu lado, as metáforas cumprem cabalmente as funções de persuadir, convencer e alterar a diathesis quando aliadas ao jornalismo. Indo além, podemos convergir para a idéia de que um auxilia o outro, na tarefa de legitimar os domínios e instituições reguladoras.

Não nos compete aqui traçar um panorama mais aprofundado acerca do discurso midiático sobre a crise financeira mundial. Em função do espaço delimitado deste corpus empírico, bem como da amplitude que o tema carrega, limitamo-nos a tentar desvendar as nuances, particularidades e desdobramentos da narrativa jornalística sobre um tema tão contemporâneo como a recessão econômica globalizada. Como nos provou Eire (2009), com base em observações da realidade que nos circunda, a mídia fabrica, a partir de metáforas e metonímias, ―ideias verdadeiras da essência das coisas‖ (2009, p.11) e cumpre com uma força indiscutível os seus dois objectivos antinômicos postulados por Charaudeau (1983): o de informar e capturar audiências, situando-os no interior dos seus quadros sociais. Por esta razão, a meu ver, o jornalismo representa uma fonte inesgotável de pesquisa, conhecimento e evolução intelectual. SOUZA, Juliana Mello. Media discourse and metaphor of the financial

market crisis: what we know about the economic crisis in the Portuguese

press. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v. 1, n. 7, 2011, p. 57-69.

ABSTRACT: This study sought to identify how the crisis in U.S.

mortgage system, which culminated in the current process of global

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economic recession, was the subject of visibility in the media discourse.

We analyzed reports, articles and chronicles of the Portuguese

newspapers Público and Morning Post (vehicles of different editorial

lines) present in the editions of the 2nd half of 2007 and 2008, during

which the subject broke out and gained notoriety with the public

KEYWORDS: media discourse; language; metaphor conceptualization;

economic crisis.

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PRODUÇÃO DE SENTIDOS DE RESISTÊNCIA EM CARTAS ADVINDAS DA PRISÃO: UM ESTUDO SOBRE O PAPEL DO

INTERLOCUTOR

Igor José Siquieri SAVENHAGO*

RESUMO: Este artigo, que é parte de um estudo em desenvolvimento,

propõe uma análise discursiva de cartas advindas do sistema prisional, escritas por detentas e ex-detentas que participaram de um programa de reintegração na Penitenciária Feminina de Ribeirão Preto e por detentos atendidos pela Pastoral Carcerária, também em Ribeirão Preto. O amparo teórico será sustentado pelo filósofo russo Mikhail Bakhtin. PALAVRAS-CHAVE: cartas; prisão; detentos; detentas; análise discursiva.

Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro [grifos do autor]. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor [grifo nosso]. (BAKHTIN, 1997b, p.113)

Para o teórico russo Mikhail Bakhtin (1997b), a palavra é o meio mais rápido de se estabelecer contatos entre uma pessoa que fala e outra pessoa que fala, entre alguém que escreve e outro que lê. E quando se enuncia, por meio da fala ou da escrita, é preciso considerar um aspecto fundamental: o interlocutor [grifo nosso]. Para Bakhtin, é

* Jornalista. Mestre em CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), com bolsa CAPES. Professor do Curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo do Centro Universitário Barão de Mauá. E-mail: [email protected]

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imprescindível saber quem está do outro lado, quem receberá o enunciado. Como o interlocutor se comporta? O que ele pensa? Qual deverá ser sua postura diante de tal fala ou escrita? De que forma irá responder? Só assim se poderá atender ou romper com as expectativas desse interlocutor, de forma que os sentidos não escapem completamente do controle de quem enuncia.

Bakhtin (1997b) afirma que a palavra sempre se dirige a um interlocutor. Sendo assim,

[...] a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. [...] ela [a palavra] é função da pessoa desse interlocutor: variará [grifo nosso] se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc). Não pode haver interlocutor abstrato, não teríamos linguagem comum com tal interlocutor, nem no sentido próprio nem no figurado. (BAKHTIN, 1997b, p.112)

A enunciação, a partir da teoria de Bakhtin, representa, portanto, sempre uma resposta, já que é dialógica, direcionada a um interlocutor. A interação verbal é vista, então, como um jogo, em que o outro é peça tão fundamental quanto o eu. Por isso, o sentido não depende apenas de quem fala, mas, também, do repertório, do conhecimento de mundo de quem recebe. Assim, os sentidos se multiplicam, tornando a língua viva, fazendo com que tudo esteja em relação com tudo. Quanto mais gente ouve ou lê um enunciado, mais interpretações serão feitas e mais outros novos enunciados serão postos no jogo das relações eu-outro. A palavra, para Bakhtin (1997b), carrega uma carga ideológica, característica que a transforma em signo. Ela é uma espécie de depósito de valores que atribuímos a ela. Quando uma palavra é dita, não é igual a si mesma. Pelo contrário. Leva junto todos os significados a ela atribuídos na sociedade em enunciações anteriores, todas as maneiras

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pelas quais já foi empregada, redefinida, reutilizada no curso da história. A palavra é dinâmica. Adquire diferentes sentidos que dependem do contexto em que é dita, escrita, falada. Sentidos que dependem do locutor e do interlocutor, não escapando, ainda, do meio social em que é posta em jogo.

Bakhtin (1997b) refere-se à palavra como portadora de duas faces. ―Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte‖. (BAKHTIN, 1997b, p.113). Em Estética da Criação Verbal (1997a), o mesmo autor reforça a importância do interlocutor no processo de interação verbal. Ele escreve que

[...] a visão do mundo, a tendência, o ponto de vista, a opinião têm sempre sua expressão verbal. É isso que constitui o discurso do outro (de uma forma pessoal ou impessoal), e esse discurso não pode deixar de repercutir no enunciado. O enunciado está voltado não só para o seu objeto, mas também para o discurso do outro acerca desse objeto‖. (BAKHTIN, 1997a, p. 320).

A enunciação está longe, portanto, de ser um ato individual. A todo momento, o eu constitui o outro e o outro constitui o eu. Diante disso, a enunciação é produto de uma teia de relações permeadas pela ideologia. ―A situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação‖. (BAKHTIN, 1997b, p.113).

Esta afirmação é complementada por Miotello (2005, p.175), que afirma:

O meio social envolve, então, por completo o indivíduo. O sujeito é uma função das forças sociais. O eu individualizado e biográfico é quebrado pela função do outro social [grifo do autor]. Os índices de valor adequados a cada nova situação social, negociados nas relações interpessoais, preenchem por completo as relações Homem x Mundo e as relações Eu x Outro.

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Se os enunciados são resultado das interações sociais, a

consciência, que formula os enunciados a partir da alteridade, também é uma construção social. O dialogismo não está presente apenas externamente. Também internamente. O ser humano dialoga com si próprio, por meio da consciência. No processo de elaboração de um enunciado, põe em confronto, no pensamento, signos divergentes, diferentes conteúdos ideológicos, acessa lembranças, retoma sentidos conhecidos, ressignifica situações, tentando entender quais serão as consequências, reações, respostas do outro para seu dizer. Enfim, promove um diálogo interno antes de entrar no jogo do diálogo externo, com o mundo. Já quando se projeta para o diálogo externo, o homem materializa seus pensamentos em gêneros discursivos, que seriam os meios pelos quais se enuncia (cartas, livros, histórias em quadrinhos, programas de televisão, etc). Segundo Bakhtin (1997a), a cada atividade humana corresponde um gênero discursivo relativamente estável. E como as atividades são diversas, múltiplas, também são múltiplos os tipos de gêneros discursivos. Para Machado (2005, p.158), ―quanto maior o conhecimento dessas formas discursivas, maior a liberdade de uso dos gêneros: isso também é manifestação de uma postura ativa do usuário da língua para efeitos comunicativos expressivos‖. Sendo assim, quanto mais amplo o repertório, o conhecimento de mundo dos falantes envolvidos numa enunciação, maior a liberdade de escolha do gênero discursivo que será utilizado. E vice-versa. Quanto mais gêneros discursivos se puder utilizar, maior será a chance de que os enunciados entrem na rede da memória discursiva.

No caso específico da proposta deste artigo, que é parte de um estudo em desenvolvimento, um dos poucos gêneros a que os sujeitos têm acesso para materializar seus enunciados – se não o único – são as cartas. Pretende-se analisar as principais diferenças entre os enunciados elaborados por detentas e ex-detentas que participaram de um programa

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de reabilitação social na Penitenciária Feminina de Ribeirão Preto, a 310 quilômetros da capital paulista, e os escritos por presos atendidos pela Pastoral Carcerária, também de Ribeirão Preto, buscando uma compreensão do papel do interlocutor mais próximo, representado por membros do Estado, nas cartas advindas da Penitenciária Feminina, e da Igreja Católica, nos relatos fornecidos pela Pastoral Carcerária. A análise será feita por meio da teoria bakhtiniana, tendo em vista que ela aborda amplamente o papel do outro (interlocutor) no processo de interação verbal e de construção dos sentidos. Cartas são caracterizadas por Bakhtin (1997a) como gêneros primários (simples). Já os gêneros secundários possuem, de acordo com o autor, as circunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa, mais elaborada e mais evoluída que os gêneros primários. Os estudos científicos, uma obra literária, uma peça de teatro são considerados gêneros secundários, que absorvem e transmutam os primários. Olhar os gêneros primários pelas lentes dos secundários contribuiu para que os primários não sejam trivializados. Pelo contrário. Segundo Bakhtin, ―a inter-relação entre gêneros primários e secundários de um lado, o processo histórico de formação dos gêneros secundários de outro, eis o que esclarece a natureza dos enunciados (e, acima de tudo, o difícil problema da correlação entre língua, ideologias e visões de mundo)‖. (BAKHTIN, 1997a, p. 282). Bakhtin afirma, ainda, que, ao estudar os gêneros primários e tentar compreender os seus enunciados, o pesquisador passa a ser, também, um participante do diálogo. ―O observador não se situa em parte alguma fora [grifo do autor] do mundo observado, e sua observação é parte integrante do objeto observado‖. (BAKHTIN, 1997a, p.355). Desta forma, a análise feita pelo pesquisador torna-se constitutiva do seu objeto de estudo. E, como as relações por meio da linguagem são ideológicas, a imparcialidade na ciência configura-se como mito. Ela também é produzida com um fundo ideológico. Para Bakhtin, portanto, compreender é, necessariamente, tornar-se um terceiro no diálogo. O autor explica que o autor do

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enunciado se dirige, sempre, a um destinatário imediato, ao interlocutor mais próximo – no caso do nosso objeto de estudo, como já foi mencionado, coordenadores do Programa Liberdade Consciente (Estado) e padres da Pastoral Carcerária (Igreja Católica). No entanto, além deste destinatário próximo, quem enuncia, de forma ―mais ou menos consciente‖ (1997a, p.355), imagina, projeta, pressupõe, segundo Bakhtin, um superdestinatário [grifo do autor] superior, ou seja, um interlocutor que adotará uma atitude responsiva ao enunciado num espaço ou num tempo mais afastado. Este superdestinatário (o terceiro participante do diálogo) pode ser, por exemplo, Deus, a verdade absoluta, o julgamento da história ou a ciência [grifo nosso].

O terceiro em questão não tem nada de místico ou de metafísico (ainda que possa assumir tal expressão em certas percepções do mundo). Ele é momento constitutivo do todo do enunciado e, numa análise mais profunda, pode ser descoberto. O fato decorre da natureza da palavra que sempre quer ser ouvida, busca compreensão responsiva, não se detém numa compreensão que se efetua no imediato [grifo do autor] e impele sempre mais adiante (de um modo ilimitado). Para a palavra (e, por conseguinte, para o homem), nada é mais terrível do que a irresponsividade [grifo do autor] (falta de resposta). Mesmo a palavra que sabemos, de antemão, ser falsa, não é falsa de um modo absoluto e sempre pressupõe uma instância que a compreenderá e a justificará, ainda que seja da seguinte forma: ―qualquer um, no meu lugar, teria mentido‖. (BAKHTIN, 1997a, p.356-357).

Partindo desses pressupostos, de que, aos presidiários, um dos poucos gêneros discursivos que se permite utilizar são as cartas; de que seus enunciados, para que entrem na rede da memória, precisam ser absorvidos por gêneros secundários e transmutados; e de que o autor do enunciado pressupõe um terceiro participante do diálogo, que pode ser a ciência, o estudo com as cartas advindas da prisão, a partir dos conceitos bakhtinianos, se justifica, o que ajudará no processo de

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consolidação do estudo das vozes dos excluídos sociais, como é o caso de detentos, detentas e ex-detentas, no campo científico.

Esta proposta de estudo de cartas advindas da prisão nasce em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Entre março de 2004 e o início de 2007, na Penitenciária Feminina daquele município, funcionou o Programa Liberdade Consciente, que consistia na realização de dinâmicas de grupo, reuniões, diálogos, para que as presas, tão logo fossem libertadas, conseguissem se readaptar à vida fora da prisão. As detentas que participavam do programa eram as que estavam com pedidos de liberdade condicional ou de inserção no regime semiaberto protocolados, aguardando apenas uma decisão do juiz.

Durante os encontros do Programa Liberdade Consciente, profissionais como psicólogos e assistentes sociais buscavam abordar problemas com as quais as presas teriam contato assim que saíssem do presídio, como dificuldade financeira e para arranjar trabalho, restabelecimento de laços familiares, discriminação, proximidade com as drogas e a possibilidade de reincidir na criminalidade. Uma das propostas era convencer as presas de que a inserção do crime não compensa, independente das condições sócio-econômicas enfrentadas por elas.

Como aquelas mulheres privadas da liberdade esperavam que a vida fosse recomeçar fora do presídio? Quais eram seus sonhos? Estas eram algumas das perguntas que os profissionais que coordenavam o programa faziam. E as presas respondiam, na maioria das vezes, escrevendo. Confeccionavam cartas, que eram entregues à diretoria da Penitenciária Feminina, em que constavam resumos das histórias pessoais de cada uma e relatos sobre a entrada para o tráfico de drogas ou outros delitos e sobre como desejavam levar a vida após o juiz lhes conceder a liberdade. Quando livres, as ex-detentas escreviam novas cartas, para informar aos coordenadores do Liberdade Consciente as facilidades e dificuldades encontradas no processo de readaptação social.

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O programa foi extinto no início de 2007, em função de mudanças promovidas nos presídios pela Secretaria Estadual de Administração Penitenciária. Algumas das cartas produzidas durante a vigência do programa chegaram até mim em março de 2006. Sou formado em jornalismo e, na ocasião, fazia uma reportagem para o jornal impresso Gazeta de Ribeirão, que circula diariamente em Ribeirão Preto. A funcionária que ocupava o cargo de diretora de reabilitação da penitenciária na época da reportagem me apresentou um pacote de cartas que continham escritos das presas. Pedi permissão para digitar e arquivar uma parte delas, para que pudessem amparar a elaboração de novas reportagens ou uma pesquisa futura sobre o assunto. Nas cartas, as presas se referiam, entre outras coisas, ao arrependimento e o desejo de abandonar o crime, à vontade de voltar a morar com a família, ao objetivo de arrumar um emprego depois de saírem da prisão e às suas pretensões em voltar para a escola.

No final de 2009, defendi a dissertação de Mestrado no Programa de Pós- Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), na linha de pesquisa em Linguagens, Comunicação e Ciência, em que analisei 18 dessas cartas escritas por detentas e ex-detentas da Penitenciária Feminina de Ribeirão Preto.

Acontece que, durante o primeiro ano do Mestrado, em 2008, tive a oportunidade de ter contato, também, com outras cartas da prisão, desta vez de homens, fornecidas a mim por padres da Pastoral Carcerária em Ribeirão Preto.

A Pastoral Carcerária é um braço da Igreja Católica que trabalha em contato com os presos. Segundo a página da entidade na internet, os padres membros têm como atividades visitas a todas as dependências prisionais – celas em geral, de inclusão, de castigo, seguro, enfermaria –, além do intuito de ―dialogar com a sociedade a fim de promover uma consciência coletiva comprometida com a vida e a dignidade da pessoa humana‖. Outras atividades relacionadas à Pastoral Carcerária são a participação em debates e matérias da imprensa, apoio

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jurídico e social às famílias de presos e presas e acompanhamento de violação de direitos humanos. Aliás, uma das principais missões da Pastoral, também de acordo com sua página na internet, é a denúncia, tanto da difícil situação por que passa o sistema prisional quanto de possíveis maus tratos sofridos pelos detentos.

Como eu já me interessava por este assunto desde o período em que trabalhei na Gazeta de Ribeirão, o que resultou na proposição de um projeto de Mestrado com cartas de mulheres, procurei, já em 2008, logo que soube da existência das cartas de homens em posse da Pastoral Carcerária, estabelecer contato com os padres João Rípoli e Marcelo Duarte de Oliveira (mais conhecido como ―Dom Agostinho‖, nome que adotou após entrar para a vida religiosa), coordenadores da Pastoral Carcerária em Ribeirão Preto. Eles me confirmaram que arquivavam cartas. Contei a eles, então, sobre a pesquisa desenvolvida durante o Mestrado e pedi permissão para que tivesse acesso a alguns dos relatos, com o intuito de ampliar a pesquisa sobre cartas advindas da prisão.

Juntos, os dois padres me forneceram mais de 80 cartas, das quais selecionei 25. Elas foram escritas por presos espalhados por várias penitenciárias do Estado de São Paulo e recolhidas por membros da Pastoral Carcerária durante seus encontros com os detentos e de forma ―clandestina‖, sem o consentimento da Secretaria de Administração Penitenciária ou qualquer outro representante do sistema prisional. Posteriormente, as cartas que mencionam a região de Ribeirão Preto foram encaminhadas aos padres João Rípoli e Dom Agostinho, que fazem questão que seus nomes sejam citados.

Neste artigo, serão analisadas duas cartas: uma escrita durante a vigência do Programa Liberdade Consciente, na Penitenciária Feminina de Ribeirão Preto, e outra recolhida pela Pastoral Carcerária. Serão observados, em ambos os casos, com base nos escritos de Mikhail Bakhtin, a relação do sujeito com o interlocutor mais próximo e como esse interlocutor influencia na produção de sentidos de resistência.

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Comparando-se as cartas escritas pelas detentas com as dos presos homens, é possível verificar alterações significativas na forma de enunciar quando o interlocutor mais próximo, ao invés de ser representado pelo Estado, estimula a denúncia? Como os sujeitos das cartas formulam seus dizeres antecipando, imaginando a maneira com que esses interlocutores receberão, compreenderão e interpretarão seus enunciados? CARTA 1

Esta carta foi escrita durante a vigência do Programa Liberdade Consciente, da Penitenciária Feminina de Ribeirão Preto.

06 de janeiro de 2005 Para mim a cadeia esta sendo meia pesada, não por que eu estou presa. Eu acho que quando nós devemos temos que pagar, graças a Deus nunca fumei droga e nunca fui desse tal do “crime”. Eu nunca fiz nada de errado, e também não tenho maldade com ninguém. Eu acho que esse foi o meu erro. As unicas pessoas que me fazem falta são minhas filhas e o A.. O A. me escreve sempre + elas, nunca + eu vi. Aqui a gente vale quanto pesa, eu não tenho nada e também não estou pesando nada. Aqui na cadeia a gente tem que aprender muitas coisas boas e ruins também. Mas fazer mal para os outros não faz parte do meu vocabulario. Eu ja sofri muito aqui e também ja fui muito humilhada, mas nunca perdi a minha fé em Deus. Sabe eu estou levando a cadeia, como se fosse o orfanato que eu fui criada. Lá era mais de 400 crianças e tinha criança de todo jeito, revoltada, chata, briguenta, boa, metidas, etc.

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Lá eu vivia presa o dia inteiro no tal do cercado, que é igual ao patio daqui, só sai de la pra ir pra escola. Aqui ja vi muitas coisas erradas, principalmente aqueles que dizem correr pelo certo, certo para eles né. Se você for de boa não arruma quiaca com ninguém, mesmo quando te jogam dentro de algum rolo. Eu sou muito medrosa, tenho medo de briga, de confusão então evito pra caramba esses negocios. Graças a Deus estou indo embora, sabe que eu não estou nem podendo ouvir essas palavras, que me da um nervoso. Eu peguei 3 anos de cadeia estou tirando quase 2 anos e 10 mesês, desde quando eu estava com 1 ano e 8 mesês, que eu ouço “Você está indo embora”. Só por Deus viu. Mas é assim isso tudo que eu passei foi como uma lição de vida. Por “que as vezes temos a bussola para saber aonde ir, mas isso não nos dispensa de remar”. No relato, o sujeito enuncia pela negação. Utiliza, por várias

vezes, no início do relato, os teremos ―não” e “nunca‖. A enunciação é semelhante a uma sentença de defesa. A todo tempo, o dizer é no avesso da afirmativa. Ao ler a carta, principalmente a primeira parte, não se consegue chegar a um motivo que justifique a prisão desse sujeito. Não se consegue entender por que este sujeito está preso, pois não há a mínima referência a um eventual crime cometido.

A negação que aparece no começo do texto promove uma impressão no interlocutor de total inocência, de que a condenação foi totalmente injusta. São sentidos ligados à ausência de culpa que o sujeito busca incessantemente produzir no interlocutor, de forma que haja um convencimento de que a libertação do sujeito não irá produzir risco algum para a sociedade. É possível perceber este jogo quando o

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sujeito menciona no texto que está distante do crime e que tem aversão a brigas e confusões. Durante todo o relato, o sujeito se esforça para consolidar essa imagem de alguém que está preso por acaso, por uma ironia do destino, e que sempre esteve pronto, preparado para viver em comunidade. O uso de negativas para enunciar também é uma forma não apenas de se isentar de um delito, mas de anular qualquer mau comportamento na prisão, além de demonstrar a maneira como pretende convencer de que sua condenação não foi justa: por meio de Deus. Assim, a Justiça dos homens será desmascarada, desmontada por um ente superior, como pode ser observado em “nunca perdi a minha fé em Deus”. A sequência de ―nãos‖ e ―nuncas‖ que o inocentam culminam na relação com Deus. Portanto, se a Justiça dos homens não é capaz de perceber que o sujeito não cometeu crime algum e não ostenta nenhuma maldade, a de Deus o fará. Se existe alguma Justiça que pode tardar, mas não falha, esta é a divina. Ao marcar este movimento no discurso, o sujeito se vê amparado. Em seguida, o sujeito, para justificar o bom comportamento na prisão, promove a volta de sentidos relacionados à infância. É dentro do presídio que parece reordenar o passado, a época em que era criança. Ele procura demonstrar isso quando escreve que está encarando a vida de presidiária da mesma forma que se comportava no orfanato em que foi criado. “Lá era mais de 400 crianças e tinha criança de todo jeito, revoltada, chata, briguenta, boas, metidas, etc. Lá eu vivia presa o dia inteiro no tal do cercado, que é igual ao pátio daqui, so sai de la ara ir pra escola”. Para o sujeito, a vida na prisão se configura da mesma forma que a do orfanato, com pessoas de tipos parecidos e estrutura de aprisionamento semelhante. O cárcere, para este sujeito, é algo, portanto, já conhecido. O diálogo com sentidos vivenciados ao longo de sua história de vida contribui para que assuma uma postura de resignação frente aos fatos do presente, ou seja, o sujeito traz para o texto sentidos já conhecidos do orfanato para compreender o que está enfrentando no presídio. Pode-se notar, inclusive, uma equivalência discursiva entre os termos “cercado” e “pátio”, já que o sujeito compara

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os dois – um da época do orfanato e outro do agora, da prisão -, afirmando que os encara da mesmo jeito, que são iguais. Esta menção a uma rede de sentidos do passado traz à tona sentimentos como medo (de briga, de confusão) e ansiedade (não ver a hora de ir embora), provavelmente já experimentados no orfanato.

Nesse momento, aparece, de novo, o apego a Deus. “Graças a Deus estou indo embora” e “Só por Deus viu” são exemplos, o que passa a impressão de que a recorrência do divino também tenha sido decisivo num momento anterior, algo já vivido. Se Deus o tirou do orfanato, pode, da mesma maneira, salvá-lo da prisão. O cárcere também é visto como um mecanismo de isolamento, de separação deste sujeito em relação à família. A ausência de notícias sobre o filho denuncia que, provavelmente, como no orfanato, em que se sentia abandonado pelos parentes, na prisão o abandono também prevaleceu. Talvez seja por isso que o recorte “estou indo embora” esteja grifado, o que faz emergir um desejo total de libertar-se dos medos e do abandono.

Interessante observar que este sujeito classifica como erro justamente o fato de não ter feito nada de errado, de não ter feito maldade a ninguém. Ao que parece, é uma demonstração de revolta por não ter reagido às injustiças que diz ter sofrido. Este dizer da injustiça predomina, sobressai, portanto, numa tentativa do sujeito de sensibilizar, convencer o interlocutor de que não voltará para a prisão, a não ser que sofra uma nova injustiça.

Partindo do princípio de que o interlocutor representa o Estado, o sistema prisional, e de que o sujeito antecipa, imagina como este interlocutor irá receber o seu dizer, é preciso assumir, no texto, uma condição de resignação, de alinhamento com o discurso de que o presídio promove a recuperação do detento, de que é um lugar onde o aprendizado é possível (“...isso tudo o que eu passei foi como uma lição de vida”) e que, nesse lugar, se o detento tiver boa índole, consegue, facilmente, fugir de novos problemas, mesmo que seja induzido a participar de alguma confusão (nomeada por este sujeito como “quiaca”).

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Dizendo dessa forma, o sujeito acredita que pode, fortemente, convencer o interlocutor a aceitar e, até mesmo, exigir a sua libertação. CARTA 2

Esta carta foi recolhida por padres da Pastoral Carcerária de Ribeirão Preto.

Aos cuidados da “Pastoral carcerária” Eu D., Raio 4 cela 5, venho por meio desta expor a minha situação, me encontro preso na penitenciaria de Balbinos a um bom tempo, pois eu me encontrava na penitenciaria de Ribeirão preto, no dia das mães ouve uma Rebelião, Data 05-2006, eu e varios funcionarios foi pego de Refem pela facção PCC, sendo que a penitenciaria foi posta no chão. Neste entervalo os PCC pegou eu e os funcionarios e amararão todos juntos, sofremos varios tipos de tortura pela facção PCC. Tinha um funcionario que trazia droga e até mesmo arma de fogo para realizar uma fuga em massa, eu tinha pedido um atendimento com o Diretor da unidade sr silva falando sobre o funcionario corupto e sobre a fuga que etava sendo planejada pelo PCC. Eu estava jurado de morte, pedia para o Diretor o meu bonde, ele falou que estava sendo providenciado, só que não deu tempo e teve a rebelião. Fomos torturados, fiquei 30 dias de coma, pois meus pés estava só na carne e bolha de sangue, eles cortaram os meus pulsos, levei varias facadas no corpo e até mesmo no olho, estou perdendo a vista. Eu estava com os benefícios montado no fórum, só esperando o boletin informativo para eu apanhar a minha liberdade para eu

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poder ajudar minha família que esta precisando muito da minha ajuda. Pois eles estão passando por Dificuldade finaceira e eu não posso pagar pelos erros dos outros, pois cada um tem que arcar com o que faz. E eu estou pagando por uma coisa que eu não fiz, agora me encontro na penitenciaria da oposição e não posso sair para outra penitênciaria. Pois estou correndo risco de vida pelos PCC comandam os presídios, até minha esposa e filhos estão proibidos de vim me visitar, por causa do PCC. Eu até pensei em tirar a minha vida, e acabar com este sofrimento, eu pedi um atendimento e quando estava indo ser atendido eu escutei um funcionário falar sobre eu, fiquei muito triste em saber que eles me pois na sindicância sem fazer nada, eu fiquei sabendo que eles queriam me por uma morte de um funcionário sendo que eu não participei de nada; Quando a tropa de choque entrou no presídio eu vi quando um funcionário entregou uma faca de cabo branco para matar os presos, sendo que um preso foi morto na minha frente pelo choque. Eles perguntou se alguém tinha soro positivo para passar o virus para os presos que estava deitado no chão pelado, e todos machucado pelos funcionários e a tropa de choque. Não tenho advogado, a minha situação não tem como por um advogado, eu já mandei varios ofícios e até agora não tive resposta dos ofícios que mandei; Será que meus ofícios nao foi entregue para vocêis falando da minha situação, eu não sei mais o que fazer da minha vida, eu já pensei varias vezes em tirar a minha vida, mas Deus é maior e sei que ele vai me ajudar nesta situação, é por isso que estou pedindo para vocês venha me ajudar e venha aqui para me ouvir, pois sou vitima e nao sei mas o que fazer, pois estou

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condenado a 10 anos e 4 mêses, e estou tirando 3 e 7, e já passei do direito de ir embora. Sem mais, espero poder contar com vossa atenção colaboração e compreenção, desde já deixo nestas linhas meus votos de agradecimentos. Espero ser ouvido pela ouvidoria; Muito obrigado! Aguardo anciosamente vosso parecer. Diferentemente do sujeito que enuncia na carta 1, este assume

uma postura totalmente distinta, a de revolta. Em nenhum momento, mostra-se resignado, em concordância com o discurso do Estado. A preocupação não é esta, mas a de denunciar as mazelas do sistema prisional, de expor os problemas, de criticar as péssimas condições do presídio, as atitudes das autoridades, o descaso para com os direitos dos detentos. Apesar da oposição que marca os dizeres deste sujeito em relação ao anterior, percebe-se que a enunciação é mais uma vez mediada de maneira contundente pelo interlocutor. Porém, não é mais o olhar do sistema que paira sobre a carta, mas o de um interlocutor que enxerga de um outro lugar, de um outro ângulo, que estimula a denúncia por parte dos presos e cujo discurso se move, à exceção da propagação de sentidos ligados à religião, contrariamente ao Estado. Enquanto programas de reabilitação, como o Liberdade Consciente, da Penitenciária Feminina de Ribeirão Preto, buscam promover a prisão como uma instituição que recupera e que educa, a Pastoral Carcerária encara as condições dos presídios como um atentado à dignidade humana. Postos nos jogos de linguagem, dizeres de insatisfação nem sempre são possíveis de virem á tona quando quem está do outro lado é alguém que representa o sistema e exerce, nos detentos, um poder de coerção, de difusão de saberes hegemônicos, que circulam mais rapidamente na sociedade do que a voz dos presos, como o de que a prisão representa, para o sujeito, uma marca de delinquência para o

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resto da vida, caso ele não mude radicalmente sua forma de ver o mundo, antes atrelada ao crime. Arrepender-se, converter-se, adotar uma postura de resignação e de aceitação do pagamento da pena por meio da privação da liberdade e recriminar a ligação com a criminalidade são orientações constantemente transmitidas aos presos, fixando o discurso do Estado e mantendo seu poder como hegemônico.

A denúncia, então, só é possível, neste contexto, quando feita a alguém que não integra o poder do sistema, mas que está em outra região de poder, que goza de credibilidade junto à população carcerária fazendo circular um outro tipo de saber, o religioso, e, consequentemente, exercendo um poder ainda maior que o dos homens da lei: o que encontra respaldo nas figuras divinas. Estabelecer relações, diálogos com os padres seria, neste caso, uma forma de ter contato, também, com a onipotência e onipresença de Deus, o único capaz de interceder quando não resta outra esperança de salvação. Neste aspecto religioso, os discursos do Estado e da Igreja até que se aproximam em alguns pontos, já que, nos dois, Deus é apresentado como um exterminador de sofrimentos. A diferença é que, no discurso do Estado, a eliminação do sofrimento se dará se o sujeito se resignar. Já, no discurso da Igreja, se o sujeito promover um levante, porque Deus não tolera injustiças.

Este sujeito, portanto, também se apega a Deus, que aparece fazendo circular sentidos de revolta. Isso pode ser percebido no seguinte recorte: ―...eu não sei mais o que fazer da minha vida, eu já pensei varias vezes em tirar a minha vida, mas Deus é maior e sei que ele vai me ajudar nesta situação, é por isso que estou pedindo para vocês [membros da Pastoral] venha me ajudar e venha aqui para me ouvi...”. O sujeito deixa a impressão de que, como não consegue mais gerir a sua própria vida, tamanho o desespero com sua condição de abandono na prisão – sentido recorrente também na carta 1 –, tem, como única saída, apelar para um ente superior. A humanidade já não daria mais conta de prover as condições básicas para a sobrevivência do sujeito. Tanto que o sujeito já teve vontade de tirar sua própria vida, antes mesmo que Deus

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fizesse isso. Se existe alguém que o mantém vivo, este é Deus. Nenhum mortal conseguiria essa proeza, nem o próprio sujeito. Outro dizer que parece recorrente e que também aparece na carta 1 é a negação do envolvimento com o crime. Nesta carta, isso aparece, pela primeira vez, no final do sétimo parágrafo (“...e eu não posso pagar pelos erros dos outros...”), no início do oitavo parágrafo (―E eu estou pagando por uma coisa que eu não fiz...”) e, depois, quase no final da carta (“...pois sou vitima e nao sei mas o que fazer...”). Diferente do sujeito da carta 1, que diz não ter envolvimento com o crime, mas demonstra resignação, o sujeito, neste caso, não aceita o pagamento, revoltando-se contra a situação a que está submisso.

É possível perceber, ainda, que existe um grande esforço do sujeito em convencer o interlocutor de que seu dizer pode ser tomado como verdade, a exemplo da carta anterior, mas, neste segundo caso, a tentativa de convencimento, apesar de se configurar uma busca por apoio, por socorro, para que o interlocutor volte seus olhos à causa de quem escreve, é caracterizada por elementos distintos: tanto na carta 1 como na 2 há uma negação do crime e um apelo a Deus, usados como estratégia para transmitir credibilidade e, dessa forma, aproximar-se do interlocutor. Mas, na carta 1, o desejo é de que o interlocutor acredite que o sujeito assumiu uma postura em concordância com o sistema e com a sociedade. E que, por isso, merece a liberdade. Já na carta 2, o esforço é para que o interlocutor acolha a denúncia de que o sistema é mais criminoso que os detentos – um dizer para o qual não haveria consentimento se o interlocutor fosse um representante do Estado. Para isso, o sujeito cita fatos para sustentar sua teoria, como uma suposta armadilha que teria sido tramada para incriminá-lo, e cujo responsável seria um funcionário, bem como o desleixo com a saúde dos presos e a falta de atenção jurídica. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar cartas é fazer movimentos interpretativos. E constituir pontos de vista. Existirão outros movimentos interpretativos e pontos de

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vista a respeito do mesmo objeto de pesquisa, já que o estudo das linguagens abre um leque para a produção de sentidos diversos e, com isso, compreensões distintas. Olhamos para as cartas com as lentes de apenas uma vertente. É nas concordâncias e discordâncias para com o nosso trabalho que se produzirão mais e mais trabalhos, em que alguns sentidos serão retomados, outros desconstruídos, no fantástico jogo de movimento dos discursos.

Com as análises apresentadas aqui, acreditamos ter sido possível extrair um pouco da influência do interlocutor na produção de enunciados e na circulação de determinados sentidos e não de outros. Sujeitos que habitam lugares parecidos, em momentos históricos concomitantes, podem enunciar de maneiras diferentes se variar o interlocutor envolvido no processo de interação verbal. Os enunciados dos sujeitos analisados neste trabalho se aproximam em alguns pontos, como o apego a Deus e a negação dos crimes, mas, quando se propõem a dizer sobre o sistema prisional, o primeiro demonstra resignação quando escreve aos representantes do próprio sistema. Já o segundo denuncia e se revolta, estratégia facilitada por um interlocutor que vê o sistema de uma outra posição e alimenta um discurso divergente.

Por isso, estar atento a quem está do outro lado da construção de um enunciado constitui uma tentativa de entender os mecanismos de poder que permeiam os jogos de linguagem. É incluir-se como terceiro participante de um diálogo, como nos afirma Bakhtin, divulgando, a outros interlocutores do meio social, participantes ou não do campo científico, como certos dizeres emergem e circulam mais facilmente que outros. Tenhamos a ousadia de lançar cada vez mais pontes para que os discursos considerados marginais possam atravessar as fronteiras do silêncio. SAVENHAGO, Igor José Siquieri. Production of resistance senses in letters from prison: A study on the role of the interlocutor. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v. 1, n. 7, 2011, p. 71-90.

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ABSTRACT: This article, which is part of an ongoing study, proposes a discursive analysis of letters from the prison system, written by female prisoners and ex-female prisoners who participated in a reintegration program in a Female Penitentiary in Ribeirão Preto and by prisoners who attend Pastoral Prison, also in Ribeirão Preto. The theoretical support will be sustained by the Russian philosopher Mikhail Bakhtin.

KEYWORDS: letters; prison; prisoners; female prisoners; discursive analysis.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo, Martins Fontes, 1997a. ___. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo, Hucitec, 1997b. ___. Questões de Literatura e Estética. São Paulo: Hucitec, 1998. ___. Problemas da Poética de Dostoieviski. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1981. CARVALHO FILHO, L. F. A Prisão. Coleção Folha Explica. São Paulo: PubliFolha, 2002. MACHADO, I. Gêneros discursivos. In BRAIT, B. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005, p.151 – 166. MIOTELLO, V. Ideologia. In BRAIT, B. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005, p. 167 – 176. PASTORAL CARCERÁRIA. Quem somos: Pastoral Carcerária Nacional. Disponível em www.carceraria.org.br. Último acesso em 23/06/2010.

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DE PIONEIRO A EMPREENDEDOR: UM ESTUDO DA TRAJETÓRIA DE FLÁVIO DE MENDONÇA UCHÔA EM RIBEIRÃO PRETO (1898-1930)

Rodrigo Ribeiro PAZIANI

Rafael Cardoso de MELLO

RESUMO: Desejamos compreender, por um viés da micro-história, uma parte

importante da história cultural e urbana de Ribeirão Preto durante a Primeira República através da trajetória de Flávio de Mendonça Uchôa, pioneiro e empreendedor no processo de modernização urbana e na implantação da indústria de transformação no país.

PALAVRAS-CHAVE: biografia; cultura; urbanização; indústria; Ribeirão

Preto.

O paradigma biográfico ou uma “outra” maneira de ler o mundo

Nas últimas décadas, é notório o lugar que a biografia vem ocupando na escrita histórica. Sabe-se que a emergência dos estudos biográficos constituem um elo sensível das mudanças paradigmáticas sofridas por Clio entre as décadas de 1970 e 1980, especialmente a crítica ao método quantitativo, às mentalidades e à voga estruturalista que dominou os círculos historiográficos franceses (DOSSE, 1994). Ao lado de temas como o cotidiano, ela representa ainda uma guinada metodológica nos estudos de ―história

Doutor em História pela UNESP/Campus de Franca. Docente dos cursos de história, geografia e pedagogia da Fundação Educacional de Fernandópolis. Membro dos grupos de pesquisa CIER (IBILCE-UNESP) e História Cultural (UFRGS/UFU). Membro da Diretoria do IHGG (Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de São José do Rio Preto). Mestre em História pela UNESP/Campus de Franca. Docente dos cursos de história e pedagogia da Fundação Educacional de Fernandópolis. Coordenador de Publicações do CDEPE (Centro de Documentação, Ensino, Pesquisa e Extensão). Membro dos grupos de pesquisa CIER (IBILCE/UNESP) e ELO (USP/Ribeirão Preto).

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cultural‖, destacando-se o intenso diálogo com a antropologia social e a teoria literária (LEVALLOIS, 2002, p. 82). 1

Graças à crise epistemológica que se abateu sobre as ciências humanas e, em especial, sobre a escrita da história, o gênero biográfico ganhou novo fôlego no interior do saber historiográfico, impulsionado, em grande parte, pela ―micro-história‖. Existem algumas razões para se crer que tal perspectiva abra novas possibilidades de análise, mas também encete novos desafios.

Pierre Bourdieu (1986 in AMADO & FERREIRA, 1996, p.183-191) formulou uma crítica epistemológica àquilo que denominou de ―ilusão‖ biográfica, ou seja, o liame das análises sociológicas (e quiçá históricas) aos parâmetros lineares, estáveis e reducionistas da ―história de vidas‖:

[...] Produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como o relato coerente de uma seqüência de acontecimentos com significado e direção, talvez seja conformar-se com uma ilusão retórica, uma representação comum da existência que toda uma tradição literária não deixou e não deixa de reforçar [...] (BOURDIEU, 1986/1996, p.185).

Em 1995, o historiador Bernard Lepetit saiu em defesa de um novo

paradigma temporal das subjetividades e da ação individual na história, ao publicar um polêmico artigo na revista francesa ―Espaces Temps‖ denominado ―A história leva os atores a sério?‖ (LEPETIT, 2001).

Partindo do pressuposto teórico-metodológico de que a historiografia francesa – tanto na ―era Braudel‖, quanto no auge das ―mentalidades‖ – dedicou à esfera da ação uma atenção deveras limitada (por associá-la ao tempo curto e a uma suposta ―cortina de fumaça‖ da política), Lepetit reconhece que “O desaparecimento do ator e a desqualificação de fato dos modelos de auto-instituição do social caminham juntos” (IDEM, p.235) e aponta para as contribuições do modelo interpretativo, hermenêutico, que introduz um princípio pragmático fundamental. Nele:

1 Em contraposição ao estruturalismo dominante ainda nos anos de 1970, especialmente na França, tanto em sua vertente antropológica (Lèvi-Strauss), quanto psicanalítica (Freud/Lacan), que privilegiava a análise da estrutura inconsciente sobre a qual se fundava a existência do indivíduo, restando-lhe quase nenhum espaço de ação e racionalidade.

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[...] Os atores sociais inscrevem-se num sistema de posições e de relações estabelecidas e definidas na situação, na interação que os une por um momento. Também as identidades sociais (o tecelão, o manufaturador) ou os elos sociais (instituídos, por exemplo, pela organização técnica da produção ou por uma disciplina de ateliê) não têm mais natureza, apenas usos. Isso significa que, dentro dos limites impostos pela situação, eles efetivamente ocorrem de maneira não monótona. Definida desse modo, a sociedade encontra-se privada de princípios de coerência a priori. Nenhuma determinação exógena, nenhuma estrutura macroscópica essencial (o Estado, a empresa ou a família; a nobreza ou a burguesia) assegura sua estabilidade, já que, a cada momento, elas se tornam aquilo que, provisoriamente, os homens e as mulheres engajados na ação fazem que elas sejam [...] (IBIDEM, p.239-240)

Mais recentemente, Jacques Le Goff (1999, p.23-24) procurou escapar

à ―ilusão‖ denunciada por Pierre Bourdieu, logo na Introdução de sua obra ―São Luís‖, atentando para a dificuldade do empreendimento biográfico e para a necessidade de articular a personagem ao contexto de seu tempo, aceitando tantos os acasos, quanto as escolhas e hesitações individuais, sem abandonar, contudo, um projeto de (re)construção de uma ―história global‖ através da modalidade biográfica:

Habituado por minha formação de historiador a tentar uma história global, fui rapidamente tocado, pela exigência da biografia, a fazer da personagem em questão o que consideramos, Pierre Toubert e eu, um sujeito ―globalizante‖ em torno do qual se organiza todo o campo da pesquisa [...] São Luís participa simultaneamente do econômico, do social, do político, do religioso, do cultural; age em todos esses domínios, pensando-os de uma maneira que o historiador deve analisar e explicar – mesmo quando a busca do conhecimento integral do individuo em questão se torna uma ―procura utópica‖ [...] (IDEM, p.21)

Apoiados nestas perspectivas, nosso artigo pretende iniciar uma discussão em torno da valorização do eixo biográfico pelo viés da micro-história italiana. A guinada epistemológica presente no conceito de ―microanalise‖ (ou

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as mudanças de escala de observação) conduziu a um esforço teórico-metodológico em destacar não apenas o valor heurístico das escalas e dos indícios aos historiadores, mas, em virtude mesmo destes aspectos, destacar também a ―ressignificação‖ das singularidades na história (GINZBURG, 1999; LIMA, 2006).

Segundo Roger Chartier, com a reorientação metodológica do uso de noções como regularidade e normatização, bem como as críticas contundentes à ―microfísica‖ de controle ou de poder (caras a Michel Foucault), a micro-história apostou nas representações e práticas dos sujeitos na história, com o objetivo de apreender “[...] as racionalidades e as estratégias acionadas pelas comunidades, as parentelas, as famílias, os indivíduos” (1994, p. 98 e seguintes; 1991, p.173-174).

Por este mote, torna-se possível articular os fios e as tramas complexas que ligam o individual ao coletivo e vice-versa (ESPIG, 2006) ao “[...] apresentar de modo menos esquemático os mecanismos pelos quais se constituem redes de relações, estratos e grupos sociais” (LEVI, p. 173 in AMADO & FERREIRA, 1996), e enfatizar a consciência e a ação (ainda que limitada) dos indivíduos dentro do contexto histórico e do cotidiano de sua época (GINZBURG, 1991, p.74-75; LEVI, 1992).

Semelhante ao binômio indivíduo/coletivo, torna-se possível com a proposta de redução da escala de análise operar uma ―leitura‖ das mudanças e impasses ―globais‖ a partir de um estudo ―do‖ e ―no‖ local. Nosso personagem, Flávio de Mendonça Uchôa, fora engenheiro, diretor de companhia de serviços públicos urbanos e acionista de uma pioneira indústria eletro-metalúrgica em Ribeirão Preto: todos esses papéis sociais incorporam representações simbólicas e experiências locais que o ligam, em contextos e situações distintas, ao ―mundo‖. Global, local, pessoal: o mundo de Flávio de Mendonça Uchôa

As transformações mundiais entre os séculos XIX e XX propiciaram uma nova ―geografia‖ dos investimentos por parte de autoridades políticas e das burguesias européias – ancorada na expansão e voracidade de capitais industriais e financeiros (HOBSBAWN, 1977, p.24) oriundos do processo

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histórico de acumulação sistêmica pela ―economia-mundo‖ britânica (ARRIGHI, 1996, p.50-51) – que ansiavam pela diversificação e ampliação dos empreendimentos urbanos e também o açambarcamento de novos territórios e mercados.

Na onda turbilhonar que tão velozmente subvertia as concepções de espaço e tempo, signo da venturosa modernidade (BERMAN, 1997), as cidades tornavam-se os cenários da mundanidade e da difusão da cultura burguesa (BRESCIANI, 1985). Testemunhas dessas mudanças, as grandes exposições universais ocorridas em cidades como Paris, Londres e Chicago (PESAVENTO, 1997), entre as décadas de 1850 e 1900, materializavam sonhos através das invenções científico-tecnológicas como o trem, o telégrafo, o automóvel e o próprio cenário artificialmente criado para abrigar os eventos que, ao fim e ao cabo, atraíam uma gama de atores sociais ávidos por novos gostos, gestos e comportamentos numa época de consumo industrial e sociabilidade intensamente urbana.

Sobre a apropriação cultural destas transformações no Brasil, a historiografia nacional analisou os ideais e os impasses sociais, políticos e econômicos trazidos pela modernização em vários centros urbanos entre o final do Império e a Primeira República. Intelectuais de diversos matizes (SEVCENKO, 1992/1995; SALGUEIRO, 1995; LANNA, 1996; CHALHOUB, 1996; PESAVENTO, 1999) debruçaram-se, sob diferentes prismas teóricos e específicos objetos de análise, a respeito das contradições e ambigüidades das experiências urbanas no país. A ―bela época‖, porém, não foi privilégio das cidades-capitais e/ou portuárias: o imaginário urbano se alastrou rapidamente em direção das modorrentas, mas promissoras aglomerações do interior do Estado de São Paulo na senda de uma febre que coincidia com a expansão de terras e de negócios ligados, direta ou indiretamente, a economia cafeeira (DOIN, 2001).

Nascido de um intenso processo de doações de terras, entre 1845 e 1860, por entrantes mineiros – caso das famílias Junqueira, Alves Pereira e Reis Araújo (LAGES, 1996), Ribeirão Preto adquire fórum de localidade ao tornar-se comarca de São Simão em 1856, freguesia no ano de 1870 e, um ano depois, na vila de São Sebastião do Ribeirão Preto. Entre 1878 e 1879, a

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Câmara de Vereadores (fundada em 1874) chegou a nomeá-la de ―Entre-Rios‖ (os rios Pardo e Mogi-Guaçú ou os dois córregos que cruzam a atual zona central da cidade: Ribeirão Preto e Retiro - CIONE, 1987, p.103-104), mas dois anos depois reassumiu sua antiga denominação: Ribeirão Preto (já sem o nome do padroeiro). A cidade só foi reconhecida por lei provincial em abril de 1889.

A senda de transformações urbanas de Ribeirão Preto, bem como o prestígio político e a riqueza econômica de um município que conquistaria a posição de epicentro da produção cafeeira somente podem ser compreendidas à luz das transigências e transgressões, no regime republicano, da elite cafeeira paulista (LOVE, 1982; CASALECCHI, 1987) nos interstícios dos governos estaduais e da União, devido à experiência capitalista brasileira – que desafia o postulado weberiano da racionalidade econômica do capitalismo (WEBER,

2001, p.23-31) calcada no moralismo econômico, no gosto pelo cálculo, na

impessoalidade das relações, na honradez e no compromisso no trato dos negócios – denominada de ―capitalismo bucaneiro‖ (DOIN, 2001, p.40, 73 e segs.; CARVALHO, 1990, p.30).

A elite cafeeira paulista promovia não apenas a produção, exportação e defesa da rubiácea no mercado internacional, mas impulsionava também uma série de investimentos que incluía a construção e expansão das linhas ferroviárias (MATOS, 1974, p.167) e a modernização da infra-estrutura urbana e portuária, no sentido de atender as crescentes demandas do capital cafeeiro (MELLO, 1986, p. 80-81; HONORATO, 1996).

A partir da marcha batida para o ―Oeste‖ paulista e da inauguração do tronco ferroviário pela ―Companhia Mogiana de Estradas de Ferro‖ em 1883 (ZAMBONI, 1993), o que se viu foi um ―processo civilizatório‖ (ELIAS, 1994) movido pelo acicate do lucro por uma horda de aventureiros, provenientes das mais diversas regiões do país e do exterior (entrantes mineiros, migrantes nordestinos, decadentes famílias paulistas e fluminenses, além dos imigrantes de toda cepa), disposta a destruir tribos, matas e florestas, pilhar e apossar-se de léguas e léguas de terras em nome das riquezas geradas pelo café (DOIN, 2001).

Neste cenário, originou-se no município uma elite coronelista e plutocrática (IDEM, p.169; VIANNA, 1999), pioneira e empreendedora

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(MARCOVITCH, 2003), ligada umbilicalmente às relações de sociabilidade, às tramas do Partido Republicano Paulista e aos interesses e privilégios do Estado de São Paulo, além de bastante influente no país durante o auge da economia cafeeira.

Pioneiros como os membros da família Prado (LEVI, 1977; MARCOVITCH, 2003), Iria Alves Ferreira, a ―Rainha do Café‖, o ―Rei do Café‖, Francisco Schmidt (ALMANACH ILLUSTRADO DE RIBEIRÃO PRETO, 1913) – um dos principais agentes na construção do Teatro Carlos Gomes (VALADÃO, 1997, p.90-91) – e o ―Chefão‖ do Partido Republicano no município, o Cel. Joaquim da Cunha Diniz Junqueira JARDIM, 1946; CASALECCHI, 1987; PAZIANI, 2004), formavam, em maior ou menor grau, o rol de empreendedores que gestaram a saga de desenvolvimento econômico e de modernização urbana de Ribeirão Preto.

Descendente de fidalgos portugueses radicados na Capitania de Pernambuco no decorrer do século XVII, Flávio Uchôa nasceu no município de Estância, Sergipe, em 1870, justamente no início de uma década marcada por transformações históricas no sistema-mundo capitalista. Era o tempo da ―Belle Époque‖: de um lado, difundia os ideais e as experiências burguesas de modernidade e urbanização – calcados na confiança (e na angústia) do progresso material e técnico-científico – e, de outro, que exacerbava os mitos, sentimentos e regimes políticos nacionalistas e intensificava a construção de impérios nos territórios da Ásia e África (HOBSBAWN, 1987, p.56; SEVCENKO, 1998, p.07-48).

Considerado um desbravador, elemento vivaz da senda de empreendedorismo que se abria em Ribeirão Preto no apogeu da economia cafeeira, Flávio de Mendonça Uchôa teve a sua trajetória estreitamente identificada às aventuras e desventuras da modernização urbana e do pioneirismo industrial no município durante a Primeira República. Como afirma Matilde Leoni:

O que diferenciava Flávio Uchôa de outros empreendedores de sua época era a capacidade de gerir o presente como uma perspectiva maior no futuro. Ele acreditava que Ribeirão Preto tinha potencial para se transformar numa grande metrópole, num pólo industrial, ingressar num nível de

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desenvolvimento no qual só os países mais ricos começavam a dar os primeiros passos [...] [...] Situar Flávio de Mendonça Uchôa na sua época não pode ser feito separadamente de seu trabalho. Este está intimamente ligado à base da infra-estrutura de Ribeirão Preto. O empreendedor é lembrado nos registros da história de Ribeirão Preto como um homem sempre ligado aos projetos de melhoramento urbano [...] (LEONI, p.80-81 In: AMORIM, 2002).

Muito pouco, por enquanto, se sabe da atividade profissional do engenheiro antes de instalar-se naquele município paulista. Segundo nos informa Matilde Leoni, embora não forneça datas precisas, ele teria atuado entre 1892 e 1895 em algumas obras de engenharia no ramo dos serviços públicos, com destaque para a construção da estrada de ferro ligando Porto Alegre a Uruguaiana e a direção de obras públicas e a chefia da ―Segunda Divisão de Águas e Esgotos‖ na cidade de São Paulo (LEONI, p.80 In: AMORIM, 2002).

Filho dileto da ―Belle Époque‖ nas terras do café, ―persona‖ cuja saga empreendedora é inseparável das tramas entre as esferas pública e privada, Flávio Uchôa aportou ao município de Ribeirão Preto em meados da década de 1890 para exercer o cargo de diretor da conhecida Fazenda ―Guatapará‖, propriedade de um dos mais importantes desbravadores da região: Martinho da Silva Prado Júnior (Martinico Prado), grande fazendeiro de café, deputado provincial, fundador da ―Sociedade Promotora da Imigração‖ e acionista de empresas do setor de transporte ferroviário (PRADO JÚNIOR, 1943, p.315-333).

Anos depois, o próprio Uchôa tornar-se-ia fazendeiro de café em Guatapará (GUIÃO, 1923, p.38). Logo, se aproximou do Conselheiro Antônio Prado, outro grande nome da família Prado, ministro no Império, acionista da Companhia Paulista, fundador, em 1890, do ―Banco de Comércio e Indústria‖, entre outros ―negócios‖ (LEVI, 1977, p.248-249; MARCOVITCH, 2003). A integração definitiva de Flávio Uchôa no seio daquela ―família ampliada‖ foi o casamento (não há data precisa) com Maria Evangelina da Silva Prado, filha de

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Martinico, com quem viveu até 1915, ano de sua morte (CIONE, 1992, p.360; LEONI, p.84 In: AMORIM, 2002). 2

Por sua vez, ao lado destas articulações pessoais e matrimoniais, a formação de Uchôa em engenharia e a escassez de homens munidos de títulos acadêmicos nos municípios paulistas nos anos iniciais do regime republicano – numa cidade cujos edis ensaiavam suas primeiras intervenções urbanas (CAMARGO, 1974, p.68-69) – despertaram o interesse de Martinico e Antônio de reinvestir capitais num novo empreendimento (DEAN, 1971, p.45-56), voltado à exploração dos serviços públicos urbanos em Ribeirão Preto e em outros municípios da Mogiana, isto porque “Os primeiros anos da década de 1890 nos mostram o capital cafeeiro a reafirmar sua „vocação‟ para alastrar-se a outros setores. Constituído no âmbito da lavoura cafeeira [...] esse capital avança, primeiro, rumo às ferrovias e ainda a alguns serviços urbanos” (SAES, 1986, p. 103).

Sobre as marcas indeléveis do pioneirismo e do empreendedorismo da família Prado, Jacques Marcovitch elaborou o seguinte retrato:

[...] Foram pioneiros na abertura das fronteiras agrícolas de São Paulo e empreendedores de vanguarda no comércio, nas estradas de ferro e na indústria, mostrando em todas essas atividades a marca de seu espírito inovador. Formaram uma espécie de dinastia, capaz de traçar estratégias vitoriosas de negócios em tempos de turbulência política e econômica. Implantaram estilos de gestão adequados à época em que viveram e exerceram uma liderança não apenas na comunidade dos homens de negócios, mas em toda a sociedade (MARCOVITCH, 2003, p. 17; Ver também: LEVI, 1977, p. 101-130).

2 No site http://www.jbcultura.com.br/gde_fam/pafg260.htm existe uma genealogia da família de Flávio Uchôa que parece revelar um erro histórico de Matilde Leoni que, interpretando equivocadamente o memorialista da cidade, Rubem Cione, afirmou categoricamente que Maria Evangelina era filha de Antônio Prado: suas filhas, na verdade, se chamavam Maria Nazaré da Silva Prado, Marina da Silva Prado, Antonieta da Silva Prado e Hermínia da Silva Prado. Cione, por sua vez, faz uso correto da genealogia ao caracterizar Uchôa como cunhado de Antônio Prado Júnior, filho do Conselheiro.

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O íntimo entrelaçamento dos interesses de elementos do capital privado nacional – Martinho da Silva Prado Júnior, Antônio Prado, Antônio Carlos de Arruda Botelho, Francisco Schmidt etc. – com as instituições políticas republicanas e os laços de afinidade pessoal e de negócios junto a importantes nomes do capital financeiro internacional – casos de Nathan Rothschild e Theodor Wille (SAES, 1986, p. 139-154) – ditavam as práticas tentaculares da elite cafeeira paulista de estender os domínios territoriais e atrair ou mesmo constituir empresas de serviços públicos. Foi após a ―política dos governadores‖, com suas ações políticas privatistas e seus arranjos institucionais de governabilidade entre as três esferas do poder (FARIA, 1996, p. 53), que o Estado consolidou o atendimento (e proteção) das demandas modernizadoras dessa elite, através do seu papel dinâmico de mobilizar grandes volumes de capitais no exterior (PRADO JUNIOR, 1967, p. 223).

Para atuar decisivamente no ramo dos serviços públicos em Ribeirão Preto, a família Prado contou com a participação direta do engenheiro Flávio Uchôa, homem dotado da competência bacharelesca, de tino modernizador e visionário e agente das concessões dos serviços urbanos na cidade. Apesar de não ter ocupado qualquer cargo público municipal, o alinhamento político de Uchôa junto ao chamado ―estado maior‖, grupo majoritário do Partido Republicano Paulista ribeirãopretano liderado pelo Cel. Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, garantiu-lhe o desfrute de favores e privilégios no interior da Câmara Municipal:

[...] As autoridades locais, juiz de direito, promotor público, delegado de polícia, delegado de higiene, juizes de paz, vereadores, acatavam todos, a figura do chefe político, do qual eram amigos. Do seu ―estado maior‖, destacavam-se o já mencionado D. V. de S. (Durval Vieira de Souza), o dr. M. B. (Macedo Bittencourt), o dr. J. P. da V. M. (João Pedro da Veiga Miranda), os U. (Flávio e seu irmão Theodomiro Uchôa), etc. A recente dissidência, então em quietude, representava-se pelo coronel F. S. (Francisco Schmidt), os irmãos drs. F. L. e E. L. (Floriano e Eduardo Leite), o dr. F. B. (Fábio Barreto), o dr. F. C. (Francisco Climaco) e alguns mais. O jornal do situacionismo era ―A Cidade‖, então dirigido pelo dr. E. F. (Enéas Ferreira). Era pleno o domínio político do coronel J. da C. (Quinzinho Junqueira), incontestado chefe na localidade, com carinho amparado pela

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―Comissão Diretora‖, a força viva e poderosa do ―P.R.P‖ [...] (JARDIM, 1943, p. 209; PAZIANI, 2004, p.154). 3

Assim, transformou-se num importante empreendedor na cidade: responsável pelo controle e acionista de duas grandes empresas de serviços urbanos, além de ser pioneiro no ramo industrial, ao implantar a primeira usina eletro-metalúrgica no Estado, no início da década de 1920 (CIONE, 1992, p.365). Flávio Uchôa, o empresário dos serviços urbanos

Fruto da ―Revolução Científico-Tecnológica‖ (SEVCENKO, 1998), as experiências urbanas e industriais seduziram a imaginação dos homens de elite das capitais e cidades portuárias brasileiras entre o Império e a Primeira República: o imediatismo com que essa elite desejava transformar em ―cartão-postal‖, eliminando as marcas de ―atraso‖ e ―barbárie‖ (ARAÚJO, 1993) – epidemias, problemas de higiene, pobreza – encontraram na figura dos engenheiros, esses ―funcionários da razão‖ cujo habitat era a cidade (CARVALHO, 1994, p.87-88) os elementos catalisadores da ―civilização‖ e do ―progresso‖ (SALGUEIRO, 1996, p.06).

Formado em Engenharia pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro em 1892 – uma das principais instituições educacionais de elite no Brasil (NEEDELL, 1993, p.74) –, Flávio Uchôa construiu uma trajetória na cidade e no município de Ribeirão Preto que pode ser dividida em duas grandes fases, antes complementares que concorrentes: a primeira, identificada ao período de constituição de sociedades por ações – preponderantemente oriunda de capitais nacionais – fundadoras de grandes empresas de serviços públicos pelo interior de São Paulo (SAES, 1986, p.140-146), e a segunda, na década de

3 Os nomes entre parênteses foram escritos pelos autores deste artigo, já que Renato Jardim, que fora prefeito e vereador municipal, decidiu ocultá-los por motivos bastante pessoais, entre eles, o fato de ter sido ele próprio aliado do Cel. Schmidt e um opositor de destaque do ―estado maior‖ na Câmara, liderado pelo médico Joaquim Macedo Bittencourt (prefeito de 1911 a 1920) e do advogado João Alves de Meira Júnior (Presidente da Câmara).

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1920, pela inversão de parte das lucratividades e espólios do capital cafeeiro no desenvolvimento de atividades industriais, em especial, a de transformação do aço e do ferro-gusa (SUZIGAN, 1986, p.256-278; LEONI, p.82 In: AMORIM, 2002).

As reformas urbanas no país coincidiram não somente com um projeto de ―higienizar‖, ―sanear‖ e ―embelezar‖ as urbes, mas também estão associadas às relações cada vez mais acintosas e conflituosas entre os governos estaduais e os setores econômicos privados na remodelação e especulação imobiliária dos novos espaços urbanizáveis, com destaque para as grandes empresas estrangeiras atuantes na modernização de portos e nos serviços públicos urbanos (LAMARÃO, 2002, p.15-16; HONORATO, 1996): foi o caso, em São Paulo, da canadense ―The São Paulo Tramway, Light and Power Co.‖, a conhecida ―Light‖.

Os planos de tais empresas como a ―Light‖, cujas intervenções eram predominantes nas capitais (SAES, 1986, p.145-185), envolviam uma trama de negócios público-privados junto aos estados em torno da modernização dos espaços urbanos e dos monopólios de contratos de serviços, o que quase sempre gerava uma série de tensões políticas entre o poder público e o capital privado, por exemplo, na Assembléia Legislativa de São Paulo (CAMPOS, 2002, p.90-91; PEREIRA, 2005, p.194).

Entre 1892 e 1896, a Câmara Municipal intensificou a prática dos melhoramentos urbanos, solicitando junto ao Governo do Estado a concessão de empréstimos no sentido de implantar um sistema de abastecimento de água e realizar o saneamento da cidade (CAMARA MUNICIPAL, 1892-1896). Na torrente destas operações de crédito e cientes das crises epidêmicas e do estado sanitário (desde os tempos imperiais), alguns empreendedores procuravam realizar os anseios da elite ribeirãopretana sem, contudo, deixar de vislumbrar uma possível participação na modernização urbana como um grande negócio (ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO. Uso e ocupação de solo e obras públicas, 1890-1902). Em 1892, por exemplo, o presidente da Câmara, o Tenente-Coronel Artur Diederichsen, recebia a visita de Arthur Deschamps Montmorency, engenheiro civil de São Paulo, que deseja fazer serviços de melhoramento nesta cidade, tais como abastecimento d'água e esgotos (IDEM).

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No mesmo ano de 1892 era construído o Matadouro Municipal e a primeira rede telegráfica. Entretanto, foi somente em 1895, atingindo o cume a partir dos anos de 1898-99 que a entrada de novos capitais e atores realimentaram o mercado financeiro, criando condições para investimentos em reformas e serviços urbanos. Apesar de concluídos os serviços de canalização das águas em 1898, faltava à cidade a construção das redes de esgotos e iluminação elétrica, bem como a distribuição regular destes serviços, principalmente na área central.

Para a execução das obras, que já eram urgentes, a Câmara Municipal – por meio de seus representantes magnos, o Tenente-Coronel Artur Diederichsen e o Coronel Francisco Schmidt – obteve em 1898 do Governo do Estado, através de operações realizadas pelo ―Banco da República‖, a concessão de dois empréstimos – respectivamente no valor de 120:000$000 e R$ 263:971$980 contos de réis – para a construção das redes de águas e esgotos (CAMARA MUNICIPAL, 1896-1900 - Empréstimos confirmados pelas atas de 28.09 e 31.10.1898), o que demonstrava a influência desses chefes políticos.

Por meio de concorrência ―pública‖, os vereadores lavravam contratos ―pessoalmente‖ com pequenas firmas ou empresários particulares (grande parte vindos de São Paulo): no caso da canalização das águas, a concessão dos serviços foi entregue, também em 1898, à firma de Rufino de Almeida; quanto à rede de esgotos, o contrato aprovado foi o do Dr. Manuel Tapajós, em 1899 (IDEM). Por mais que se tenha criado um aparato jurídico estadual e federal destinado à legislar sobre as concessões de serviços públicos no país, um outro nível de articulação – cuja moeda de troca não era apenas o lucro, mas a ―sociabilidade cordial‖ (HOLANDA, 1995, p.146-148; ROCHA, 1998, p.124; DOIN, 2001, p.162) – revestia a modernização da cidade.

Foi numa conjuntura de reorientação político-financeira nacional, da representatividade da elite cafeeira de Ribeirão Preto nos negócios do país e dos investimentos em projetos de reforma e modernização urbana que Flávio Uchôa aventurou-se pelo interior paulista por volta de 1894 como tantos outros pioneiros no afã imediatista de tudo empreender, visto que a extensão das linhas ferroviárias não estava apenas à serviço das estradas ―cata-café‖, mas

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também ao desenvolvimento e mesmo ―semeadura‖ de urbes (MATOS, 1974, p.152). Em 22 de março de 1899, um mês depois de iniciada a construção da rede de esgotos, Manuel Tapajós enviou requerimento à Câmara no qual transferia o contrato para as mãos de Uchôa, que terminara as obras dentro do prazo por 525 contos de réis:

O sr. Presidente (da Câmara) declarou que tinha convocado a reunião extraordinária para hoje, em virtude do requerimento do sr. dr. Manuel P. M. Tapajós, que pedia autorisação a Câmara para fazer transferência do seu contrato assinado em 17 do corrente, para o esgoto da cidade do Ribeirão Preto, ao engenheiro civil Dr. Flavio de Mendonça Uchoa, e que punha em discussão o requerimento do Dr. Tapajós. O Dr. Gusmão pedindo a palavra declarou que não achava inconveniente algum que a Câmara aceitasse a transferência para o Dr. Flavio Uchoa do contrato feito pelo mesmo com o Dr. Tapajós; porque sendo as condições as mesmas existentes mereciam da Câmara todos os conceitos o Dr. Flavio Uchoa, como tinha merecido o Dr. Tapajós. (CAMARA MUNICIPAL, 1896-1900).

Inaugurada a 24.02.1900, a obra pública anunciava um marco

simbólico daquela certeza quase inabalável na ―Belle Époque‖, porém inseparável das articulações e compromissos entre a elite cafeeira paulista e o governo do Estado. Nesta inauguração, temos a primeira grande notícia sobre a atuação do engenheiro na cidade:

[...] o presidente declarou aberta a presente sessão e expôs qual o fim dela, convidando o Dr. Intendente para expor as condições da inauguração do serviço de exgottos desta cidade, o qual depois de pedir a palavra lêo uma mensagem, relativa a este acto e concluindo, pedio que fosse concedida permissão ao empresario Dr. Flavio de Mendonça Uchoa para fazer uma exposição constante dos serviços que ia-se inaugurar neste dia; sendo-lhe concedida a palavra, começou ele em linguagem clara e persuasiva detalhadamente medindo, contando as metragens feitas em toda a rêde de exgotos nos ramais dos prédios; depois de abundar em varias considerações, e quanto lucraria esta cidade com o serviço de exgottos, finalmente brindando a Câmara Municipal [...] (CAMARA MUNICIPAL, 1900-1903)

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Enredado nos negócios da família Prado, deixaria então de ser

somente o engenheiro que participou, em São Paulo, das obras de retificação do canal do rio Tietê (LEONI, p.80 In: AMORIM, 2002), para tornar-se um explorador dos serviços públicos: sua primeira tentativa (logo frustrada), surgiu entre 1902 e 1903, quando foi noticiado pelos jornais da capital que Uchôa seria contratado pelo governo do Estado, por empreitada e sem qualquer concorrência pública, a fim de realizar as obras de saneamento de Santos pela quantia de seis mil contos (COSTA, 2001, p.318-319), e que envolveu interesses e disputas políticas entre a Repartição de Águas e Esgotos do Estado, a Câmara Municipal de Santos e as firmas concessionárias (LANNA, 1996, p. 95-97; HONORATO, 1996, p.174-186).

Após a transferência do contrato e a inauguração da rede, Flávio Uchôa decidiu concretizar um projeto mais ambicioso: o de encampar os serviços de esgotos, mas também os de abastecimento e distribuição regular de água. Jogando a seu ―favor‖, um surto epidêmico de febre amarela que se alastrou em vários municípios do Estado, atingira Ribeirão Preto por volta de 1902 (e se estendera até 1906), deixando alarmadas as autoridades públicas.

Em dezembro de 1903, a Câmara Municipal aprovava por unanimidade a encampação dos serviços de águas e esgotos por Uchôa e, em outubro de 1904, informava aos edis sobre a constituição em São Paulo de uma Sociedade Anônima, a ―Empresa de Águas e Esgotos de Ribeirão Preto‖ (CAMARA MUNICIPAL, 1903-1907 - Oficio do Dr. Flávio de Mendonça Uchoa, em ata de 22.10.1904), da qual ele foi o primeiro presidente: entre os acionistas majoritários e proprietários de capitais apareciam membros da família Silva Prado, como o seu sogro Martinico e os filhos Caio e Plínio da Silva Prado, Antônio Prado e seu filho Antônio Prado Júnior (SAES, 1986, p.143; LEVY, 1989, p.32). Para a gerência da empresa, encarregou nos primeiros anos o seu próprio irmão, o cafeicultor Theodomiro Uchôa que, por volta de 1908, fora substituído pelo engenheiro de origem espanhola, João Quevedo.

Por falar na família Uchôa, Theodomiro enveredou-se pelos empreendimentos industriais: com uma fortuna considerável, no final da década de 1910, Theodomiro se associou a Francisco de Paula Vicente de Azevedo

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(importante cafeicultor em Campinas), proprietário de uma usina hidrelétrica em Cubatão, para fundar, em 1919 (o ano em que Flávio decide implantar uma indústria metalúrgica em Ribeirão Preto), a ―Companhia Fabril de Tecidos‖, sociedade anônima com capital no valor de 2.400:000$000 (dois mil e quatrocentos contos de reis), responsável pela produção de papel, papelão, papel higiênico, papéis para embrulho, impressão e papel para jornal (COUTO, 2003).

Flávio Uchôa consolidaria seu papel de empreendedor-empresário. Mediador dos diversificados interesses e investimentos da família Prado no município e ciente de uma crise contratual entre a Câmara e a ―Empresa Força e Luz de Ribeirão Preto‖ – empresa criada por Rufino de Almeida e Cia. em 1898, responsável no ano seguinte pela implantação da iluminação a eletricidade e pela prestação desse serviço à cidade –, enfim, em meio à crise, Uchôa endereçou ao poder público uma proposta de fornecimento de energia (e dois meses depois, de calçamento a paralelepípedo e arborização das ruas do Centro, aprovada em 1905).

Segundo Saes, os chamados serviços urbanos acompanhavam o ritmo de crescimento das cidades de São Paulo. Se até 1890 há indícios de empresas de serviços urbanos atuando em algumas localidades, entre a década de 1890 e os primeiros anos do século XX ocorreu uma rápida expansão destes serviços no Estado, com destaque para o domínio de três ou quatro grupos de empresários sobre várias empresas no interior, caso explícito da família Prado (SAES, 1986, p.144; LEVI, 1977).

Assim, por volta de 1908, contando mais uma vez com o ―balcão de negócios‖ dos Prado e os ricos mananciais que ―cortavam‖ o município, adquire junto com Plínio da Silva Prado (filho de Martinico) uma usina hidrelétrica, responsável pelo aumento da rede e intensificação dos serviços de iluminação elétrica pública e particular à cidade e em municípios vizinhos. Rufino de Almeida vende finalmente as ações da empresa e ambos assumem o controle acionário da ―Empresa Força e Luz‖. O serviço de energia elétrica chegou a estender-se até municípios como Cravinhos, Sertãozinho, Nuporanga (Orlândia), Brodósqui, Jardinópolis, Ituverava, Igarapava e Franca (até 1912).

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Dois anos depois, em 1910, em assembléia realizada em 23 de abril na cidade de São Paulo, um conhecido grupo de capitalistas – encabeçado, entre outros, por Flávio Uchôa e Plínio da Silva Prado – transformou a ―Empresa Força e Luz de Ribeirão Preto‖ em uma sociedade anônima. A primeira diretoria da empresa era composta por Flávio de Mendonça Uchôa, Plínio da Silva Prado, Martinho da Silva Prado, Caio da Silva Prado (filhos de Martinico Prado), Antonio Prado Jr., José Thomaz de Mendonça, Francisco Rodrigues Lavras, Pedro Luiz Pereira de Souza e Ernesto Rudge da Silva Ramos (ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO. ―Empresa Força e Luz de Ribeirão Preto‖, 1921, p.93).

No interior paulista, aliás, as empresas privadas de grupos nacionais continuariam a ter participação crescente nos setores de serviços públicos: em 1920, além de Ribeirão Preto, o grupo liderado pela família Prado controlava as empresas de Jaú e a Companhia Força e Luz de Avanhandava (SAES, 1986, p.242). A partir de 1912, a intensa participação da ―Companhia Paulista de Força e Luz‖, na capital, como acionista e subsidiária da ―Empresa Força e Luz de Ribeirão Preto‖ fortaleceu o patrimônio e o poder econômico daquela empresa.

Contudo, após o término da Primeira Guerra Mundial, o jogo público-privado da nova política fiscal, de ―proteção‖ aos estados mais prósperos e a ―velha‖ manobra do câmbio pelo governo federal possibilitaram aos membros da ―elite de plutocratas‖ (FAUSTO, 1985, p.412; DOIN, 2001) apostar em novos empreendimentos urbanos, através da transferência de capitais do coffee business (que não se reduzia à atividade cafeeira) para a indústria, ou melhor, em alguns de seus setores específicos (e lucrativos) como a metalurgia e a siderurgia (DEAN, 1971; SUZIGAN, 1986; MELLO, 1986; SILVA, 1995).

De acordo com Carone (1972, p.76), um fator importante para o desenvolvimento e predomínio da indústria na zona Centro-Sul do país foi “a expansão e a modernização do sistema de energia elétrica”. No caso do interior paulista, era comum ―[...] a própria indústria ter sua usina particular, a óleo ou a energia hidráulica, e ainda servir a cidade [...]‖, como foi o caso em Ribeirão Preto com os empreendimentos liderados por Flávio Uchôa e membros da família Prado.

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Essa subordinação, deveras paradoxal, impulsionou a saga empreendedora de Flávio Uchôa em Ribeirão Preto para além das fronteiras da exploração dos serviços urbanos. Seduzido pelo cenário de mudanças e impasses na década de 1920, e por que não pelo similar gosto do risco, da aventura e da estirpe bucaneira que caracterizou a rede de negócios da família Prado, Uchôa decidiu explorar uma vereda mais ousada, um projeto que singularizaria a sua trajetória empreendedora, a mesma que levaria ele e toda uma elite à bancarrota.

Pioneirismo e empreendimento: a Companhia Eletro-Metalúrgica Brasileira

No contexto internacional, a década de 1920 foi marcada pelos resultados trágicos perpetrados pela Primeira Guerra Mundial, e seus efeitos no campo geopolítico e econômico do sistema-mundo capitalista, cujas maiores conseqüências foram a recessão mundial em 1921 e o declínio da hegemonia britânica em função da ascensão de uma nova potência econômica, os Estados Unidos da América. No cenário nacional, esta década caracterizou-se por um período transitório e turbulento, no qual os fatores internos ajudariam a formar um grande ―caldeirão‖ de movimentos, crises e rupturas que mudariam a paisagem da sociedade brasileira, anunciando, assim, o “esboroamento dos alicerces que sustentavam a velha república oligárquica” (DOIN, 2001, p. 347).

Quanto ao movimento da nossa economia, porém, a historiografia não é tão consensual. Flávio Saes aponta para as ―divergências interpretativas‖ em torno da industrialização, cujo pomo de discórdia recai sobre a presença fundamental da indústria antes ou depois da Primeira Guerra Mundial (SAES, 1986, p.235). Independentemente das linhas assumidas, trata-se de destacar que o acentuado crescimento e expansão das atividades industriais no Estado de São Paulo, por exemplo, decorreu em grande parte de transformações no interior dos setores produtivos da economia, no caso em questão, o das grandes empresas de serviços públicos.

Entretanto, ao que parece, a experiência capitalista brasileira, que, pelo menos até 1930, derivava dos ciclos de expansão e crise de uma economia sustentada fundamentalmente pela ossatura institucional do Estado –

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sua capacidade indutora de financiamento e endividamento externo, os escorchantes planos de valorização cafeeira, as contínuas manobras cambiais, o ―espírito flibusteiro‖ das autoridades governamentais, a indiferença entre interesses públicos e privados (DOIN, 2001) –, bem, essa ossatura permitiu à parte da elite cafeeira paulista não apenas ―salvar‖ a lavoura, mas, financiar novos empreendimentos, transformando os capitais acumulados nas fases de auge do setor exportador (e nas políticas de valorização) em capitais voltados à industrialização (SUZIGAN, 1986, p.246-247; MELLO, 1986, p.100-101; SAES, 1986, p.246; SILVA, 1995, p.85-92).

Foi durante os anos 1920 – década de diversificação tanto dos investimentos industriais e do mercado interno, quanto de transição do sistema econômico (SUZIGAN, 1986, p.246-247) – que Flávio Uchôa aventurou-se novamente ao idealizar e tornar-se fundador, ao lado de Antônio Prado Júnior e do advogado João Alves de Meira Júnior, da primeira metalúrgica movida à energia elétrica no Estado: a ―Usina Epitácio Pessoa‖, construída em 1921. Deve-se anotar, entretanto, que ela não representou a primeira grande indústria na cidade: em 1911, estabelecia-se na Avenida Jerônimo Gonçalves (região limítrofe do centro) a Cervejaria Antártica, e, em 1914, a Cervejaria Paulista (comprada, anos depois, pela ―Antártica‖, transformando-se então na ―Companhia Antártica Paulista‖) que muito contribuíram para o dinamismo da economia ribeirãopretana e a internacionalização da cerveja e do ―chopp‖ como elementos constituintes da cultura da cidade (CIONE, 1992; PAZIANI, 2004; VEIGA, 2005).

Em 1919, Flávio Uchôa retorna a Ribeirão Preto para construir uma Usina Hidrelétrica, após uma mudança brusca para o Rio de Janeiro, por volta de 1916, aparentemente motivada pela morte de sua esposa, Evangelina, um ano antes, mas é Suzigan quem nos mostra uma ―outra‖ realidade, porque em 1917:

[...] o Congresso autorizou o governo a conceder empréstimos a empresas nacionais já em funcionamento para a fundição do ferro em fornos a carvão vegetal, ou a empresas que se organizassem dentro de três anos com o propósito de fabricar ferro e aço a carvão vegetal ou coque, fornos elétricos ou processo similares [...] (SUZIGAN, 1986, p.264-265)

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A nova empreitada, operada no imbróglio ambíguo do público e do privado, contou com a participação dos negócios da família Mendonça Uchôa e Prado, assim como capitais mobilizados por grandes cafeicultores na constituição de uma indústria metalúrgica no município de Ribeirão Preto (LARA, 2004, p.36).

Conforme as escrituras de organização da empresa, de abril de 1920, a Cia. Electro-Metalúrgica Brasileira Sociedade Anônima foi constituída por 90 acionistas tendo por fim a exploração da indústria de ferro em todas as suas modalidades: fabricar ferro-gusa do minério das jazidas situadas no município de Jacuí (MG) pelo processo de altos fornos elétricos e transformar essa gusa em aço; instalar serviço de laminação para transformar o aço fabricado em bitolas comerciais; instalar fornos para transformação da madeira em carvão; montar e explorar fábrica de cimento para aproveitamento das escórias dos altos fornos; adquirir ou construir estrada de ferro para transporte de matéria prima; adquirir terras marginais da estrada de ferro para plantação de eucaliptos, etc. (ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO. ―Empresa de Força e Luz de Ribeirão Preto‖, 1921, p.93-127). Corroborando com tais informações, afirma Wilson Suzigan:

[...] A firma ganhou isenção de direitos aduaneiros sobre máquinas, matéria-prima, equipamentos, etc., para a construção e operação de aciaria e exploração das suas minas, como também isenção de tributos federais sobre a construção e operação da fábrica e minas. Além disso, pelo Decreto nº. 15.106, de 09 de novembro de 1921, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, ficava autorizado a emprestar 5.000 contos à empresa [...] (SUZIGAN, 1986, p.266)

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QUADRO 1 – Lista de ações e acionistas da Cia. Eletro-Metalúrgica Brasileira S/A.

Nomes

Número de ações divididas em 200$000 Réis

cada

Total de Capital Total de

acionistas

Empresa Força e Luz de Ribeirão

Preto 12 mil

Cia. Intermediária Paulista

12 mil e 500

Flávio de Mendonça Uchoa

1 mil

Osório da Cunha Junqueira

950

Sylvio Álvares Penteado

750

Caio da Silva Prado 500

Martinho da Silva Prado

500

Manoel Maximiano Junqueira

500

Joaquim da Cunha Diniz Junqueira

500

Theodomiro de Mendonça Uchoa

500

Francisca Silveira do Val

500

Restante 300 ou menos

6 mil contos de Réis 90 FONTE: Escrituras da organização da Empresa Força e Luz de Ribeirão Preto, vol. II São Paulo: casa graphica, 1921, p.93. In: LARA, Paulo Henrique Vaz. Café e Indústria em Ribeirão Preto: o caso da Cia. Eletro-Metalúrgica Brasileira S.A. (1921). Monografia de Conclusão de Curso em História. Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto/SP, 2004, p. 36. (Grifo nosso no nome do engenheiro).

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A sociedade foi formada com um capital de seis mil contos de réis (6.000:000$000), dividido em ações de duzentos mil réis (200$000), para a duração de 50 anos (GUIÃO, 1923, p.40). Para a formação do capital da empresa os maiores acionistas (ver tabela 1) eram: Empresa Força e Luz de Ribeirão Preto; a Cia. Intermediária Paulista; Flávio de Mendonça Uchoa; Osório da Cunha Junqueira; Sylvio Alvares Penteado; Caio da Silva Prado, Martinho da Silva Prado, Manuel Maximiano Junqueira, Theodomiro de Mendonça Uchoa, Francisca Silveira do Val, entre outros. O restante dos acionistas possuíam cotas de 300 ou menos que 300 ações (ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO. ―Empresa de Força e Luz de Ribeirão Preto‖, 1921, p.93-95).

Detalhe: um dos principais acionistas da companhia era o Cel. Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, líder inconteste do PRP, e o Presidente da República, à época, era Washington Luís, aliado dos Junqueira desde os tempos de intendência em Batatais, cuja candidatura e eleição à Presidência do Estado de São Paulo deveram-se também a algumas articulações políticas do citado coronel.

Coincidências a parte, em abril de 1920 era fundada a ―Companhia Eletro-Metalúrgica Brasileira‖, sendo Uchôa o seu primeiro presidente. Em março do ano seguinte, a empresa assinava um contrato com o governo federal no qual seria responsável pela construção de uma usina em Ribeirão Preto (SUZIGAN, 1986, p.265): iniciava-se o sonho de fazer do município – naqueles tempos de expansão dos cafeeiros para outras bandas do interior paulista – não mais a ―Capital do Café‖, mas a ―Capital do Aço‖. Para fazê-la funcionar a todo vapor, Uchôa agiu rapidamente: em primeiro lugar, contou com a produção de energia da própria ―Empresa Força e Luz‖. Depois, com a participação de Meira Júnior (então Presidente da Câmara Municipal), obteve uma área de 600.000 metros quadrados no bairro do Tanquinho, zona suburbana da cidade.

Na montagem da usina, vieram materiais e engenheiros da Suécia que, ao lado de jovens engenheiros brasileiros – entre estes, seu filho Martinho Prado Uchôa – e os da ―Empresa Força e Luz‖ (Azevedo Queriga e J.L. Hodge), deram início ao projeto, sendo as obras de edificação realizadas pela

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companhia norte-americana ―The Corning and Incorporated Company Limited New York‖. E, como a matéria-prima originar-se-ia do ―Morro do Ferro‖, em São Sebastião do Paraíso (MG), numa manobra arrojada e de elevado investimento, Uchôa adquiriu parte da ―Estrada de Ferro São Paulo e Minas‖ – a que percorria o trecho Bento Quirino a São Sebastião do Paraíso – e construiu um novo ramal, Ribeirão Preto a Serrinha, visando encurtar as distâncias que separavam a indústria da fonte de extração de minério de ferro (GUIÃO, 1923, p. 35-37; LARA, 2004, p.39-40).

A inauguração, em agosto de 1921, além de contar com as presenças de Flávio Uchôa, Plínio da Silva Prado e Meira Júnior, foi assistida por Washington Luís, Presidente do Estado, Epitácio Pessoa, Presidente da República, o prefeito à época, o Dr. João Rodrigues Guião, e demais figuras do poder público municipal. Para se ter a idéia de sua grandeza, toda a ferragem utilizada para a construção do famoso Edifício Martinelli em 1924 (à época, o maior edifício da América do Sul) saiu da ―Usina Epitácio Pessoa‖ (CIONE, 1992, p.362; LARA, 2004, p.41). O jornalista Assis Chateaubriand, também presente ao evento, anunciava Ribeirão Preto como a ―Manchester Brasileira‖, não deixando de render homenagens a Flávio Uchôa:

[...] ‗Eu creio no êxito de qualquer commetimento deste homem de energia, porque elle não realisa nada do que tenta como uma profissão, mas como um ideal. Este é ainda o magnetismo da última creação desse sertanejo admirável, que, em Ribeirão Preto sente quaes as soluções em concreto do problema econômico do Brasil, como um economista puro-sangue. A Metallurgica é um prodígio de audácia e tenacidade realisado em poucos anos. Dos seus altos-fornos hão de irradiar-se, por um largo âmbito, a luz e a força que hão de impellir para um brilhante futuro de riquesas e de glorias esta cidade, fadada para grandes destinos‘ (GUIÃO, 1923, p.41).

Não obstante a produção acelerada de aço e ferro-gusa e sua

competitividade com empresas internacionais entre 1922 e 1924, os investimentos de capitais na Metalúrgica eram muito onerosos. Diante destas dificuldades econômicas, Flávio Uchôa decidiu vender a ―Empresa Força e Luz de Ribeirão Preto‖ em 1926 à poderosa empresa canadense-americana ―Eletric

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Bond & Share‖ – que dominava, ao lado da ―Light‖, o setor de energia elétrica em São Paulo nos anos de 1920 (SAES, 1986) – pelo valor de nove milhões de dólares, na sanha de injetar um volume maciço de capitais no seu maior empreendimento (CIONE, 1992, p.363-364). Mas, segundo Wilson Suzigan, havia ainda outros problemas a serem enfrentados pela companhia:

[...] houve uma grande seca no Estado de São Paulo, que causou uma escassez de energia elétrica em 1925, fazendo a companhia interromper seu funcionamento. As dificuldades da empresa foram acrescidas, além disso, pelos problemas de transporte do minério de ferro das suas minas em Minas Gerais para a usina, pela valorização na taxa de câmbio em 1924-1926 e pela falta de proteção alfandegária [...] (SUZIGAN, 1986, p.266-267)

Como se vê, uma tentativa de ―salvar‖ a empresa, a qual seus prejuízos já eram latentes, reencenava pela última vez a interface de interesses públicos e privados nos interstícios do Estado durante a Primeira República, parecendo antever a crise fatal que abalaria os pilares da economia cafeeira: em 1927 e 1928, a Eletro-Metalúrgica recebeu, sem ônus qualquer, do governo federal alguns subsídios adicionais para reestruturar as finanças da empresa (IDEM).

Sua derrocada, porém, foi rápida: as crises sociais, políticas e institucionais no país e o crack internacional de 1929 assolaram juntas o sonho de Flávio Uchôa em transformar Ribeirão Preto na ―Manchester Brasileira‖. Na sua esteira vieram, de um lado, as mudanças provocadas pelos ―revolucionários‖ de 1930 liderados por Vargas e, de outro, a falência da ―Companhia Eletro-Metalúrgica Brasileira‖ em 1931, num contexto histórico curioso, em que a cidade deixava os tempos ―bellepoquianos‖ com a inauguração do Teatro Pedro II, em 1930.

Para além de sua atuação como engenheiro, Uchôa foi um dos representantes natos da saga empreendedora que seduziu as mentes e os bolsos de homens das mais variadas estirpes e calões durante a Primeira República, mas cuja derrocada foi tão voluptuosa quanto à sanha bucaneira da elite a qual ele e outros integravam.

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PAZIANI, Rodrigo Ribeiro; MELLO, Rafael Cardoso. Of pioneer to entrepriser: a study of the trajectory of Flávio de Mendonça Uchôa in Ribeirão Preto (1898-1930). DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.1, 2011, p.91-123.

ABSTRACT: We desire to understand an important part of the urban and

cultural history of Ribeirão Preto during the First Republic through the trajectory of Flávio de Mendonça Uchôa, pioneer and entrepreneur in the process of urban modernization and the implantation of the industry of transformation in the country.

KEYWORDS: biography; culture; urbanization; industry; Ribeirão Preto.

FONTES DOCUMENTAIS

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DESEJOS E LIMITES DA MODERNIDADE RIBEIRÃO-PRETANA: A PROPÓSITO DOS JORNAIS E DO BAIRRO SANTA CRUZ

Leonardo Marques Fernandes AGUIAR*

Danilo Gomes JARDIM**

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo compreender a chegada da modernidade na cidade de Ribeirão Preto. Esta implicaria nas mudanças dos hábitos e costumes dos cidadãos, analisados a partir das propagandas veiculadas por alguns jornais da época (1905 e 1926). Porém tal modernidade também é caracterizada pela ambiguidade entre o moderno e o arcaico e enquanto a cidade passava por um processo de modernização os atrasos ainda se faziam presentes em sua urbanização, como é o caso do bairro Santa Cruz do José Jacques.

PALAVRAS-CHAVE: modernidade; propagandas de jornais; urbanização; Santa Cruz do José Jacques; Ribeirão Preto.

A modernidade entra em cena

As transformações ocorridas no cenário brasileiro no final do século XIX e início do XX fazem parte do período conhecido como modernidade. Esta prometendo a vinda do ―progresso‖ e da ―civilização‖ faz com que as cidades busquem modernizar-se, a fim de apagar seus antigos traços arcaicos e ingressarem de vez no mundo ―moderno‖.

Mas o que é essa modernidade? O que é ser moderno? Quais as mudanças causadas por essa chamada ―modernidade‖. Buscando responder essas perguntas é que analisaremos as transformações

* Pós-Graduando em História, Cultura e Sociedade e Graduado em História pelo CEUBM. Professor da UNIESP-Ribeirão Preto e membro do CIER. ** Pós-Graduando em História, Cultura e Sociedade e Graduado em História pelo CEUBM.

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urbanas na cidade de Ribeirão Preto no processo conhecido como ―urbanização‖.

Primeiramente é necessário entender o que é a modernidade, o que é ser moderno. Sendo assim, vejamos como Marshall Berman define o ―ser moderno‖:

Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor — mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia (BERMAN, 1986, p.15).

De acordo com Berman ser moderno é estar em um ambiente conflituoso, onde o novo e o velho convivem simultaneamente. Ao mesmo tempo em que a modernidade vem para alterar antigos hábitos e costumes, ela se apropria dos mesmos para se fazer presente. É esse ―turbilhão‖ de mudanças que causa os conflitos sentidos por aqueles que vivem a modernidade.

Estes conflitos afetam a mentalidade dos habitantes das chamadas ―cidades modernas‖. Essas contradições da modernidade já eram apontadas por Karl Marx em ―O Manifesto do Partido Comunista‖:

Todas as relações fixas, enrijecidas, com seu travo de antigüidade e veneráveis preconceitos e opiniões, foram banidas; todas as novas relações se tornam antiquadas antes que cheguem a se ossificar. Tudo o que é sólido desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens finalmente são levados a enfrentar [...] as verdadeiras condições de suas vidas e suas relações com seus

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companheiros humanos (MARX; ENGELS apud BERMAN, 1986, p.20).

Para se socializar neste mundo moderno, é necessário

incorporar os novos hábitos, ao mesmo tempo em que estes também não apresentam nenhuma segurança já que estão sujeitos a alterações conforme a modernidade avança.

Mas esta modernidade não é para todos, sendo assim ela acaba por ser excludente àqueles que a ela não se adaptam (muitas vezes por razões das classes dominadoras).

Assim a modernidade não alcança todas as camadas sociais, apenas uma pequena elite, que molda a cidade conforme seus interesses pessoais. Com isso, no processo de urbanização as camadas mais pobres ficariam a margem da modernidade e eram obrigadas a migrarem do centro para as periferias da cidade.

Neste trabalho procuraremos perceber como a modernidade se fez presente no município de Ribeirão Preto, bem como os limites por ela enfrentados.

Quem fala de modernidade em Ribeirão Preto fala de café. Assim como o historiador inglês Eric Hobsbawm associa a importância do algodão no advento da Revolução Industrial Inglesa, podemos associar o café na chegada da modernidade em Ribeirão Preto.

O café foi a primeira atividade agrícola intensiva de Ribeirão Preto, tendo início ainda no Brasil Império e continuando durante a República, e contribuiu para a implementação do processo urbano, da modernidade e para o início de outras atividades, como o comércio de importação, atacadista e varejista, indústrias e as fábricas.

Juntamente com o novo panorama econômico surgiria uma elite, agora esta voltada à economia cafeeira. Os cafeicultores trouxeram transformações, influenciados pelos costumes da Belle Époque francesa e pelas reformas urbanísticas no Rio de Janeiro (PAZIANI, 2004).

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A partir de 1890, essas inovações foram implementadas, primeiramente, em suas fazendas, conseguindo atravessar os limites entre o rural e o urbano, na chamada gênese do capital industrial.

Os moradores de Ribeirão Preto só iriam ver as primeiras lâmpadas elétricas acesas nas vias públicas por volta de 1899, pois a modernidade chegou primeiro às grandes fazendas cafeeiras (CIONE, 1992).

Havia grandes problemas que estavam ocorrendo pela falta de infraestrutura urbana em decorrência da falta de verbas e pelo crescimento populacional urbano. Seguindo os padrões de higienização havia um plano vigente no final do século XIX, chamado de ―urbanismo sanitarista‖ visando o saneamento e embelezamento da cidade, na tentativa de acabar com as doenças e epidemias existentes (CAPRETZ, 2004, p.4).

O município passava por uma verdadeira remodelação arquitetônica, onde vão surgir grandes construções como, o Teatro Carlos Gomes, a Catedral Metropolitana num ponto mais alto, após a demolição da Igreja Matriz, o Fórum e a Cadeia juntamente com o Palácio Episcopal. Posteriormente foram surgindo os cassinos, cinemas, confeitarias e cafés que se tornaram os hábitos culturais da elite local (IDEM).

Um estilo de vida moderno

As transformações proporcionadas pela modernidade alteraria o modo de vida dos cidadãos ribeirão-pretanos, promovendo a expansão do comércio, indústrias, costumes e política. Entre essas mudanças temos o jornal.

Os produtos que aqui chegavam, os novos hábitos e costumes seriam agora retratos das páginas jornalísticas, a fim de promover o ―estilo de vida moderno‖ à população.

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Buscando compreender esse novo modo de ser é que analisamos as edições de 1905 e 1926 do jornal ―A Cidade‖, mais precisamente as propagandas veiculadas aos jornais.

Tais anúncios nos permitem perceber quais padrões a sociedade deveria seguir, consumindo este ou aquele produto. É preciso lembrar que esses padrões eram estabelecidos por uma minoria que controlava o poder e que mantinham suas antigas relações arcaicas, voltadas aos seus interesses pessoais, características da ambiguidade moderna.

É preciso lembrar que os status era o que diferenciava a elite das classes menos favorecidas, e este status era adquirido – entre outros fatores – pela aquisição de certos produtos. As propagandas serviriam justamente para indicar quais destes produtos deveriam ser consumidos.

Obviamente que nem todos poderiam consumir tais produtos o que excluiria aqueles que não o fizessem, deixando-os a margem da sociedade. Assim, utilizando-se dos anúncios comerciais a elite ribeirão-pretana iria moldando a cidade à sua maneira.

Porém, assim como a modernidade não apaga todos os antigos traços da sociedade, tais jornais também apresentariam seus aspectos arcaicos, seja no seu formato físico, nas notícias divulgadas e até mesmo nas propagandas, sendo muito comum encontrar aspectos arcaicos e modernos em um mesmo anúncio.

Claro que analisando os dois jornais perceberemos algumas diferenças existentes entre eles, como seu formato, designer, intensidade de notícias e propagandas, quantidade de produtos.

A respeito das diferenças entre os jornais e os produtos a serem consumidos notemos as tabelas abaixo:

QUADRO 1 – Propagandas em “A Cidade”, p.03, 1905

Anúncios Freqüência (%)

Convites 8,33%

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Remédios 8,33%

Máquinas 8,33%

Representantes de Café 8,33%

Calçados 8,33%

Sortimentos 16,66%

Livrarias 8,33%

Joalheiros 8,33%

Alfaiataria 16,66%

Comissários do Café 8,33%

QUADRO 2 – Propagandas em “A Cidade”, p.04, 1905

Anúncios Freqüência (%)

Sortimentos 20%

Casas Bancárias 10%

Dentistas 10%

Relojoarias 10%

Serrarias 10%

Farmácias 10%

Secos e Molhados 10%

Charutarias 10%

Comissários do Café 10%

QUADRO 3 – Propagandas em “A Cidade”, p.01, 1926

Anúncios Freqüência (%)

Móveis 33,33 % Médicos 16,66%

Fábricas de Jóias 16,66%

Oficinas 16,66%

Escolas 16,66%

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QUADRO 4 – Propagandas em “A Cidade”, p.02, 1926

Anúncios Freqüência (%)

Escolas 33,33%

Carimbos 16,66%

Remédios 16,66%

Advogados 16,66%

Bebidas 16,66%

QUADRO 5 – Propagandas em “A Cidade”, p.03, 1926

QUADRO 6 – Propagandas em “A Cidade”, p.04, 1926

Anúncios Freqüência (%)

Clinica Médica 21,05%

Oficinas 5,26%

Escritórios Comerciais 5,26%

Bebidas 5,26%

Hotéis 5,26%

Oficinas de costura 5,26%

Anúncios Freqüência (%)

Alfaiataria 7,14%

Bebidas 7,14%

Oficinas de Costura 7,14%

Vendas pessoais 7,14%

Produtos variados 14,28%

Dentistas 7,14%

Remédios 14,28%

Máquinas 7,14%

Chapelarias 7,14%

Advogados 7,14%

Empréstimos 7,14%

Manicures 7,14%

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Empréstimos 5,26%

Confeitarias 5,26%

Dentistas 5,26%

Escolas 5,26%

Marcenarias 5,26%

Lotes 10,52%

Remédios 5,26%

Professores de música 5,26%

Ateliês de costura 5,26%

Analisando as tabelas podemos perceber as diferenças entre os jornais no que diz respeitos as suas características físicas, como por exemplo, a quantidade de produtos oferecidos: nota-se que o exemplar de 1926 apresenta mais propagandas que o de 1905. Isso se deve, também, pelos avanços tecnológicos, as empresas jornalísticas acompanhariam esse processo de modernização e passariam a produzir jornais utilizando-se desses novos meios, o que aceleraria a produção dos exemplares, bem como alteraria suas estruturas.

Além disso, podemos perceber quais os produtos com maior destaque nos jornais, estes, certamente, eram aqueles que deveriam ser mais consumidos. Sendo possível concluir quais eram as intenções daqueles que os anunciaram.

Porém, além das diferenças entre os jornais, também percebemos suas semelhanças, e estas estão mais voltadas ao campo social da sociedade: apresentam qual o público pretender atingir e apresentam o ―estilo de vida moderno‖ imposto pela elite. Assim sendo as propagandas são utilizadas para impor os valores a serem seguidos e admirados, ou seja, tais anúncios servem como manutenção do poder político.

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Uma urbanização arcaica: o Santa Cruz do José Jacques Enquanto ocorriam essas reformas urbanísticas, trazidas pela

idéia de ―progresso‖ vinda da modernidade, algumas regiões da cidade mantinham-se com uma estrutura arcaica uma vez que o desenvolvimento urbanístico se concentrou nos limites do quadrilátero central, deixando de fora dois bairros. O primeiro foi o bairro da República que se localizava próximo ao córrego Ribeirão Preto e por isso sofria constantes inundações. Já o segundo bairro, Santa Cruz do José Jacques, se encontrava muito distante do núcleo urbano principal a cerca de 6 km (IDEM).

É ser generalista atribuir o desenvolvimento dos bairros de Ribeirão Preto as suas paisagens culturais, como por exemplo, o café e a cana-de-açúcar. O bairro Santa Cruz do José Jacque é um exemplo devido a sua urbanização tardia, onde os reflexos da modernidade passaram longe até a metade do século XX.

A origem do bairro foi descoberta pela historiografia local, o que de certa forma acabou gerando alguns equívocos. Sua povoação ocorreu nas margens do córrego do Retiro onde já existiam algumas casas em 1866 (CIONE, 1992), podendo ser considerado um dos primeiros bairros da cidade.

A formação de chácaras que, no caso da Santa Cruz que ocorreu em grande número, foi um dos principais fatores do atraso urbano, além da ausência de um comércio eficiente, a falta de interesse nas zonas rurais pelo poder público e pelas famílias antigas que não permitiam mudanças. Outro fator que explica a característica rural do bairro é a origem de sua população advinda das Fazendas Aliança, e Retiro Saudoso, em conseqüência do êxodo rural, devido ao loteamento dessas várias Fazendas (IDEM).

A urbanização do bairro Santa Cruz do José Jacques não aconteceu como nos demais bairros de Ribeirão Preto. A sua população,

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havia saído do meio rural e visava apenas a manutenção de um comércio local que a suprisse.

Entre 1890 e 1935, pode-se se notar que os moradores mantinham hábitos, ainda, predominantemente rurais. A agricultura ainda era de excedentes , incluindo o café, porém usado para o mercado interno, mantendo-se assim um comércio local, inicialmente da própria venda de José Jacques (doador das terras para a Igreja para formação do bairro) e também dos próprios produtos cultivados pelos moradores. A religiosidade era bastante forte, sendo comum a realização de terços na capelinha construída pelo próprio doador.

Após a doação das terras de José Jacques para São João e Santa Cruz, a região permaneceu estagnada, sem registros de compra e venda de imóveis no local até 1935.

Entre 1910 e 1930 se estabelecia em Ribeirão Preto indústrias de grande porte, acelerando a urbanização, mas o Bairro Santa Cruz não foi escolhido para abrigar nenhuma das indústrias que chegavam a cidade na época. Tendo apenas um engenho de cachaça da família Canesin que foi construído no bairro por volta de 1930.

Os bairros que surgiam no sentido sul da cidade, levam a urbanização para mais perto do bairro que até então era conhecido como ―caminho do Jacques,‖ quando ocorre a expansão territorial sentido sul é que começa a ocorrer o processo de urbanização e futuramente o de verticalização do bairro Santa Cruz.

Mesmo com o significativo atraso urbano, o bairro Santa Cruz, fez parte das zonas suburbanas que as elites procuravam quando se distanciaram do centro nas décadas de 1980 e 1990, seguindo a nova onda de especulação imobiliária com a formação dos bairros luxuosos, juntamente com o processo de verticalização das moradias, tornando-se de antigo caminho do Jacques, à área de interesse imobiliário, o que gerou uma urbanização acelerada, tendo total independência das economias cafeeira e canavieira.

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Conclusão

Como podemos perceber a modernidade traria mudanças para Ribeirão Preto. Na estrutura física temos o processo de urbanização e modernização da cidade. Na esfera social o novo estilo de vida criado.

Ambos, porém, apresentam uma das características típicas da modernidade: a ambiguidade. O arcaico e o moderno podem ser notados nas duas análises.

A primeira deixa claro que a urbanização da cidade não se fez em todos os bairros, somente no centro e aos seus arredores. Aqueles mais afastados tiveram sua modernização tardia, como é o caso do Santa Cruz do José Jacques, onde até meados do século XX ainda preservava seus aspectos rurais.

No campo social a modernidade viria para moldar a cidade conforme os interesses de uma pequena elite que mantinham o poder. Esta pretendia criar um ―estilo de vida moderno‖, e este seria exposto através dos jornais locais.

Da mesma forma que a urbanização não atingiu toda a cidade, este novo modelo social também não alcançaria todas as camadas sociais, ficando recluso somente aqueles que conseguissem consumir os produtos anunciados nas propagandas jornalísticas.

Sendo assim, a modernidade não é para todos e sim para aqueles que mantêm o poder conforme seus interesses, e o processo de modernização fica a eles limitado.

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ABSTRACT: This work aims to understand the arrival of modernity in the city of Ribeirão Preto. This would imply changes in the habits and customs of the citizens, analyzed from the commercials aired by some newspapers of the time (1905 and 1926). But that modernity is also characterized by ambiguity between modern and archaic, while the city was undergoing a modernization process delays were still present in its urbanization, such as the Santa Cruz do José Jacques.

KEYWORDS: modernity; advertisements in newspapers; urbanization; Santa Cruz do José Jacques; Ribeirão Preto. . FONTES:

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ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E PRÁTICA DOCENTE

Tânia Cristina Pedreschi Rodrigues SQUILACI*

RESUMO: Este trabalho apresenta e discute os conceitos de alfabetização e letramento, bem como a importância de uma prática docente que contemple ambos os processos, sintetizando orientações metodológicas que preconizam um trabalho pedagógico baseado nesta perspectiva. A pesquisa foi realizada por meio de revisão bibliográfica.

PALAVRAS-CHAVE: alfabetização; letramento; prática docente.

Introdução

Desde o nascimento, a criança está inserida numa cultura que utiliza a escrita e a leitura como mecanismos de comunicação, promotores de interações sociais. A participação da criança em eventos de uso da leitura e/ou da escrita dependerá de diversos fatores, dentre os quais podemos destacar a condições que a própria família dispõe para a utilização destas formas de comunicação. De qualquer forma, mesmo quando inserida em famílias cujos pais ou cuidadores não dominam e/ou não utilizam a linguagem escrita, a criança terá contato com tal linguagem devido à sua inserção em uma sociedade da cultura escrita e precisará dominar tal sistema de representação para que usufrua de suas possibilidades.

Ao ingressar e permanecer na escola, a criança deveria ter condições de se apropriar da linguagem escrita, independentemente de suas condições sociais, culturais ou econômicas. Observa-se, no entanto, que muitos indivíduos passam pela escola, mas continuam sem conseguir utilizar as habilidades de leitura e escrita em atividades relacionadas à produção e interpretação de gêneros textuais que

* Centro Universitário ―Barão de Mauá‖, Especialização em Alfabetização, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. Orientador: Prof. Dr. Silvio Reinod Costa.

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circulam socialmente. Como exemplo de mensuração dos níveis de alfabetização e

letramento da população, podemos citar os dados do INAF – Indicador de Alfabetismo Funcional no Brasil, apresentados em relatórios de autoria do Instituto Paulo Montenegro e da ONG Ação Educativa. Trata-se de um relatório elaborado a partir de entrevistas e testes cognitivos aplicados a uma amostra de 2000 pessoas residentes nas zonas rurais e urbanas de todas as regiões do país e que possuíam entre 15 e 64 anos de idade.

Os dados coletados no segundo semestre de 2009 indicam que 54% dos brasileiros que estudaram até a 4ª série atingem o grau rudimentar de alfabetismo, ou seja, conseguem somente localizar informações explícitas em textos curtos, mas não conseguem localizar informações que exijam fazer inferências e não compreendem textos mais longos. Além disto, e ainda mais grave, é o dado de que 10% dos indivíduos foram considerados analfabetos absolutos, ou seja, não conseguem decodificar palavras e frases mesmo em textos curtos.

Os dados referentes ao Ensino Médio indicam que somente 38% dos que cursaram alguma série ou concluíram tal nível de escolaridade atingem o chamado nível pleno de alfabetismo, entendido como a capacidade de leitura e interpretação de textos mais longos, com realização de inferências, análises e sínteses. Ressalta-se que tal capacidade deveria ser atingida por todos os alunos no Ensino Médio.

Diante da constatação de que muitos indivíduos, mesmo após algum tempo de escolarização, não conseguem utilizar da língua escrita como instrumento de participação social e/ou para atender às suas demandas cotidianas, a escola e as práticas docentes passam a ser questionadas. Novos termos, tais como ―Alfabetização funcional‖ e ―Letramento‖ procuram ampliar a discussão sobre o que é necessário para que uma pessoa de fato se aproprie da língua escrita.

Mortatti (2004) refere que a palavra ―Letramento‖ é recente no Brasil e que muitas vezes os significados a ela atribuídos e os objetivos

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para os quais é utilizada apresentam diferenças que devem ser apontadas.

A autora indica que geralmente o termo ―Letramento‖ é associado ao termo ―Alfabetização‖, mas que ambos se referem a fenômenos complexos e que mantém entre si relações que não devem se reduzidas por conclusões precipitadas.

O objetivo deste trabalho é apresentar e discutir os conceitos de alfabetização e letramento, bem como as implicações de tais conceitos para a prática docente. Por meio de revisão bibliográfica, apresentaremos o percurso histórico e a compreensão atual dos termos acima citados e sua relação com indicações para o trabalho do professor que se propõe a alfabetizar letrando.

Consideramos que tal trabalho é relevante ao contribuir para a discussão sobre conceitos que podem gerar modificações na prática docente. Esperamos que as considerações aqui efetuadas propiciem espaço para a reflexão sobre as práticas desenvolvidas em sala de aula, destacando a atenção para um trabalho que contemple tanto a alfabetização como o letramento, entendidos como processos distintos, porém interdependentes. Alfabetização, letramento e termos correlatos

Mortatti (2004) realizou uma análise de como as palavras relacionadas à alfabetização encontram-se explicadas em dicionários de Língua Portuguesa. Verificou que o termo analfabeto é usado desde o século XVIII e que ―seu significado se mantém relativamente estável até os dias atuais: o ignorante das letras do alfabeto, que não sabe ler e escrever e, também, que não tem instrução primária‖ (p. 38). A palavra analfabetismo,por sua vez, começou a ser utilizada a partir do século XIX referindo-se ao ―problema que envolvia o estado ou condição de analfabeto‖ (p.38). De acordo com a autora, ao pensarmos nos significados dos termos analfabeto e analfabetismo, observamos que ambos se referem a

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uma condição que acontece antes, do ponto de vista cronológico, do aprendizado das primeiras letras e da instrução primária. Isto tornou necessária a existência de palavras para designar o que acontece quando se atinge a condição de saber ler e escrever, Surgiram, então, termos como alfabetizar e alfabetismo, que são derivados de alfabeto e alfabetização e alfabetizado, que são derivados de alfabetizar. Todas as palavras guardam relação direta ou indireta com a educação escolar. Segundo Mortatti (2004), existe uma tendência nacional e internacional de se associar a alfabetização à educação escolar, bem como de se relacionar alfabetização e educação ao desenvolvimento, em todas as suas vertentes: social, econômica, cultural e política. A autora refere que o problema do analfabetismo perdura no Brasil desde os tempos do Império, continuando a existir após a instalação do modelo republicano de escola pública, que deveria garantir a disseminação da instrução elementar. No entanto, dados oficiais indicam que o problema do analfabetismo ainda persiste, indicando a dificuldade do Estado em garantir que a educação escolar realmente consiga intervir nesta questão. Ao falarmos em ―dados oficiais‖, cabe apresentar a reflexão que Soares (2004) faz a respeito das alterações no conceito de alfabetização, ocorridas nos censos demográficos ao longo de seu período de realização. A autora refere que até o Censo de 1940, ―alfabetizado‖ era o indivíduo que declarasse saber ler e escrever, mas isto era associado à capacidade de escrever o próprio nome. A partir do Censo de 1950, ―alfabetizado‖ era aquele capaz de ler e escrever um bilhete simples. Atualmente os dados do Censo têm sido coletados em função dos anos de escolarização, sendo considerado alfabetizado funcionalmente o indivíduo que possui, no mínimo, quatro anos de escolaridade. Surge, assim, o termo alfabetização funcional, que traz implícita a ideia de que após alguns anos de escolarização o indivíduo seria capaz de fazer uso da leitura e da escrita. Mortatti (2004) também faz esta análise das mudanças ocorridas nos censos, referindo que estas ocorreram devido a mudanças

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nas condições culturais sociais e políticas do país. Refere que alguns autores defendem a utilização do conceito de ―analfabeto funcional‖ para todas as pessoas com menos de quatro anos de escolaridade e que o Censo de 2000 considerou alfabetizada uma pessoa capaz de ler e escrever um bilhete simples. Para Soares (2004), a mudança nos critérios dos censos demográficos indica uma ―progressiva, embora cautelosa, extensão do conceito de alfabetização em direção ao conceito de letramento: de saber ler e escrever em direção ao ser capaz de fazer uso da leitura e da escrita (p. 7)‖. A autora refere que também na produção acadêmica é possível observar uma associação entre os termos alfabetização e letramento, o que pode levar a uma compreensão inadequada de que seriam sinônimos ou que representariam fenômenos possíveis de se fundirem. Defende, no entanto que, apesar de interdependentes, são processos que possuem especificidades a serem consideradas. A diferença entre os processo de alfabetização e letramento é apresentada em materiais oficiais, elaborados pelo Ministério da Educação. Como exemplo, podemos citar o material intitulado ―Pró-letramento: programa de formação continuada de professores dos anos/séries iniciais do Ensino Fundamental: alfabetização e linguagem‖. Tal documento refere: ―entende-se alfabetização como o processo específico e indispensável de apropriação do sistema de escrita, a conquista dos princípios alfabético e ortográfico que possibilita ao aluno ler e escrever com autonomia. Entende-se letramento como o processo de inserção e participação na cultura escrita‖ (Batista et al, p.12, grifo dos autores). Em outro documento, intitulado ―Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade‖ (MEC/SEB, 2007), encontramos texto escrito por Leal, Albuquerque e Morais, no qual também aparece a distinção entre os dois processos. Os autores citam Soares (1998) que diferencia alfabetização e letramento, assumindo a mesma perspectiva teórica. Desta forma, alfabetização é entendida como um processo por meio do qual se adquire uma

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tecnologia, ou seja, adquire-se a escrita alfabética e habilidades de utilizá-la para ler e escrever. Para isto, é necessário ―compreender o funcionamento do alfabeto, memorizar as convenções letra-som e dominar seu traçado, usando instrumentos como lápis, papel ou outros que o substituam‖ (p.70). O termo letramento, por sua vez está relacionado ao ―exercício efetivo e competente daquela tecnologia de escrita, nas situações em que precisamos ler e produzir textos reais‖ (Leal, Albuquerque e Morais, p.70). Os autores defendem a mesma ideia de Soares de que é necessário alfabetizar letrando, o que é entendido como o ensino da leitura e da escrita por meio de práticas sociais que as utilizem. Após a distinção entre a alfabetização e o letramento, cabe considerarmos o que refere Mortatti (2004) a respeito da existência de dois modelos de entendimento sobre o letramento. O primeiro, denominado ―modelo autônomo‖ considera que as atividades de leitura e de escrita são neutras e universais, não submetidas a determinantes culturais ou a estruturas de poder. Nesta perspectiva, enfoca-se a dimensão técnica e individual do letramento e a responsabilidade pelo fracasso neste processo é atribuída ao indivíduo. O segundo modelo, denominado ―modelo ideológico‖ considera o letramento em sua dimensão social, também atribuindo às atividades de leitura e escrita um caráter social, pois as percebe como dependentes do tipo de sociedade, variando no tempo e no espaço. Tal perspectiva enfatiza que letramento é um conjunto de práticas sociais e, por isto, não é possível falar de um único tipo de letramento, pois os indivíduos participam, de formas diversas, destas diferentes práticas de uso da língua escrita. Assim os chamados ―eventos de letramento‖ são variados e integram as experiências vivenciadas pelas pessoas e pelos grupos sociais que vivem em sociedades que fazem uso da língua escrita. Mortatti (2004) argumenta que é necessário considerar que existem diferentes níveis de letramento, o que torna ainda mais penoso o trabalho de definir as habilidades e conhecimentos que tornariam uma pessoa letrada. Além disto, como os indivíduos convivem em uma

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sociedade letrada não se pode falar em nível zero de letramento, embora este fato (conviver em sociedade letrada), não garanta a todas as pessoas as mesmas condições de uso da leitura e da escrita. A autora alerta que se a alfabetização não garante, por si só, um maior nível de letramento, é grave a constatação de que sequer a aquisição inicial da língua escrita tem sido garantida a todos os brasileiros, o que leva ao questionamento sobre o papel da escola nesta questão. Ao tratar do contexto escolar, Mortatti (2004) adverte que não cabe aos professores simplesmente trocarem práticas pedagógicas de alfabetização por outras de letramento ou considerarem que a alfabetização é um pré-requisito para o letramento.

Outro problema levantado refere-se ao fato de que estudos indicam a prevalência do modelo autônomo de letramento nas práticas escolares, que consideram a aquisição da leitura e a escrita como processo neutro e colocam como objetivo final do trabalho docente a capacidade de interpretar e escrever textos abstratos e descontextualizados das práticas sociais. Ao assumir tal posição a escola acaba por criar eventos e práticas de letramento com objetivos e concepções específicos e ausentes da vida cotidiana, o que leva a um processo de ―pedagogização do letramento‖ (p.114). Tal processo de pedagogização é entendido como a realização de uma sequência estabelecida pelo professor e que visa ensinar determinadas práticas por ele selecionadas ou trazidas por manuais escolares, o que acaba tornando-as artificiais e padronizadas. Cria-se, então, um modelo escolar de letramento, tal como ocorreu com a alfabetização. Mortatti (2004) refere que não se pode reduzir letramento a um conceito escolarizado, mas que, apesar disto, não é possível separá-lo totalmente do letramento social, pois as experiências escolares podem contribuir para habilitar a participação em experiências extraescolares de letramento. Soares (2004) apresenta importantes reflexões a respeito do que tem ocorrido com o uso do conceito de letramento nas práticas escolares. Além de destacar a confusão a respeito dos conceitos

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alfabetização e letramento, com sua inadequada fusão, destaca que tem ocorrido, na prática pedagógica, a substituição do processo de alfabetização pelo processo de letramento. Em uma análise a respeito do fracasso escolar atual, a autora refere que crianças, apesar de anos de escolaridade, continuam apresentando índices sofríveis de capacidade de leitura, o que denuncia um grande contingente de alunos não alfabetizados ou semialfabetizados.

Apesar de considerar que o fracasso escolar possui múltiplas causas, destaca que uma delas está associada ao que considera a ―desinvenção da alfabetização‖ (p.8). Explica que tal processo ocorreu a partir do questionamento de práticas de alfabetização que privilegiavam apenas as relações entre o sistema fonológico e o sistema de escrita e que possuíam caráter mecanicista. Tal questionamento, ocorrido após as pesquisas de Emilia Ferreiro sobre a psicogênese da língua escrita, levaram à disseminação de um ideário denominado construtivista e que se propunha a considerar a criança como um sujeito ativo no seu processo de aprendizagem. A língua escrita passou a ser considerada um sistema de representação com o qual a criança deveria interagir em situações de práticas sociais de leitura e escrita, a fim de reconstruí-lo e superar erros, que passaram e ser denominados de ―erros construtivos‖.

Apesar de reconhecer as contribuições trazidas por tal perspectiva teórica, Soares (2004) alerta que interpretações e inferências erradas ocorreram e levaram à perda da especificidade do processo de alfabetização, percebida nos seguintes aspectos: - A ênfase no processo de construção da escrita pela criança ocasionou um afastamento do trabalho necessário com o caráter fonológico da língua escrita, ou seja, deixou-se de lado o trabalho com as relações entre grafemas e fonemas, fundamental para que o indivíduo se aproprie da natureza alfabética e ortográfica da língua. - A ideia equivocada de que um método de alfabetização necessariamente seria pautado nas chamadas práticas tradicionais, identificando-o com os métodos já anteriormente praticados, sejam eles

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de caráter analítico ou sintético. Isto levou a um entendimento, equivocado, de que a alfabetização não poderia ter novas propostas metodológicas, que viabilizassem a teoria existente. - O pressuposto de que a simples convivência com o material escrito que circula socialmente garantiria a alfabetização. Temos, então, o processo de letramento ocupando o espaço que também deveria ser ocupado pelo processo de alfabetização que, neste caso, perde a sua especificidade, ao deixar de ser considerada um processo por meio do qual se adquire um sistema convencional de escrita alfabética e ortográfica. Soares (2004) defende o que denomina ―reinvenção da alfabetização‖ (p.12). Opõe-se a uma discussão atual de que a solução seria retornar a antigas práticas, prioritariamente mecanicistas, que enfatizam somente as relações entre o sistema fonológico e o alfabético, dissociando a alfabetização do letramento por não considerarem a necessidade de práticas sociais de leitura e de escrita. Ressalta, porém, a pertinência de considerarmos a necessidade do ensino sistemático e intencional de tais relações, o que muitas vezes não ocorre em práticas denominadas construtivistas. A autora sugere que o ensino da alfabetização, em sua especificidade, deve ocorrer associado ao processo de letramento:

[...] a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por meio destes dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização- e pelo desenvolvimento das habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita – o letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações grafema-fonema, isto é, em dependência da alfabetização.(SOARES, 2003, p.14)

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Soares (2004) defende que é a natureza de cada aspecto do letramento (por exemplo: a inserção da criança na cultura escrita, sua participação em diversas experiências e com diferentes gêneros textuais) e de cada aspecto da alfabetização, (relacionados à consciência fonológica, codificação e decodificação, por exemplo) que irão determinar a escolha por determinado procedimento metodológico. Não seria possível, desta forma, eleger um único método para o aprendizado inicial da língua escrita, pois caberia ao professor balizar suas práticas de acordo com cada um dos objetivos que pretende atingir. A autora afirma que tentativas já vem sendo testadas em outros países e cabe investir na formação dos professores, de forma a capacitá-los para lidar com competência com as questões levantadas. Cagliari (1998) também faz sérias críticas ao panorama atual da alfabetização no Brasil, defendendo, dentre outros pontos, a necessária competência técnica do professor. Refere que nenhum método de alfabetização resolve todos os problemas, cabendo ao docente questionar a avaliar propostas metodológicas que lhe são propostas ou impostas. Competência técnica é entendida como conhecimento não só de Pedagogia, Psicologia e Metodologia, mas também como conhecimentos de lingüística e dos sistemas de escrita. Assim, para o autor, é baseado em sua experiência e em sólidos conhecimentos do que pretende ensinar que o professor saberá como manejar diferentes situações. Ressalta que a ausência de um método específico não deve ser confundida com falta de planejamento ou de escolhas metodológicas. Ressalta, no entanto, que cada professor deve ser respeitado em sua individualidade e forma de ensinar, desde que seja capaz de fazê-lo com qualidade.

A partir das considerações a respeito da necessidade de adequada formação do docente, passaremos a apresentar algumas orientações metodológicas que pretendem instrumentalizar o professor no seu trabalho com a alfabetização e o letramento. Considerando o alcance de materiais oficiais que além de instrumentalizar formação de docentes da rede pública, estão disponíveis por meio de sites, facilitando

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o acesso a qualquer professor, basearemos nossa exposição no volume dois dos ―Parâmetros Curriculares Nacionais‖, que trata da Língua Portuguesa e no Programa intitulado ―Pró-letramento‖, ambos de responsabilidade do Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Básica.

Orientações para o trabalho docente com a alfabetização e o letramento

Os ―Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa‖ trazem, em sua apresentação, que têm por objetivo servir tanto como fonte de consulta e referência, quanto como objeto de reflexão e debate. Apresentam objetivos, conteúdos, tratamento didático e critérios de avaliação para a área e são divididos em dois ciclos: 1ª e 2ª séries compõem o primeiro e 3ª e 4ª séries integram o segundo. Cabe ressaltar que a divisão foi efetuada antes da alteração do Ensino Fundamental que passou a ser composto por nove anos de escolaridade, com a criança cursando o 1º ano com seis anos de idade.

Os conteúdos de Língua Portuguesa são divididos em dois eixos básicos: análise e reflexão sobre a língua e uso da língua oral e escrita, este último subdividido em prática de leitura e prática de produção de texto. Defende-se que a organização dos conteúdos deve considerar os conhecimentos anteriores, o nível de complexidade do que se pretende ensinar e o nível de aprofundamento possível em cada conteúdo, em função das possibilidades de compreensão dos alunos.

Os ―Parâmetros Curriculares Nacionais‖ enfatizam o texto como elemento fundamental para todo o trabalho em Língua Portuguesa, enfatizando a necessidade de práticas que abordem os diferentes gêneros textuais, mesmo quando os alunos ainda não sabem ler e escrever convencionalmente.

O professor é considerado no seu papel de alguém que intervém ativamente, avalia a adequação das situações propostas, fazendo ajustes necessários e no papel de modelo de uso da língua escrita nas suas diferentes funções.

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Muitas das ideias defendidas nos ―Parâmetros Curriculares Nacionais‖ são contempladas no material ―Pró-letramento: programa de formação continuada de professores dos anos/séries iniciais do Ensino Fundamental: alfabetização e linguagem‖ (MEC/SEB, 2008). Trata-se de um conjunto de fascículos, de autores diversos, que abordam temáticas tais como análise das capacidades lingüísticas necessárias à alfabetização, avaliação, planejamento de ensino, o uso do lúdico e do livro didático em sala de aula.

Dados os limites deste artigo, nossa exposição ficará restrita aos eixos que devem nortear o trabalho do docente nos anos iniciais, apresentados no primeiro fascículo, escrito por Batista, et al (2008). Os autores descrevem que as seguintes capacidades linguísticas devem ser trabalhadas ao longo dos três anos iniciais do Ensino Fundamental: compreensão e valorização da cultura escrita, apropriação do sistema de escrita, leitura, produção de textos escritos e desenvolvimento da oralidade. A compreensão e valorização da cultura escrita são relacionadas ao trabalho com o processo de letramento e envolvem:

- conhecer, usar e valorizar os modos de produção e de circulação de escrita na sociedade: cabe ao professor trabalhar com diferentes gêneros e suportes de textos escritos, a fim de que seus alunos possam compreender onde tais gêneros são encontrados e de que forma as pessoas os acessam e utilizam. Tal trabalho também é importante porque ocasiona necessidades de leitura e escrita que atribuem sentido às práticas escolares e ao trabalho específico de alfabetização; - conhecer os usos e funções sociais da escrita: capacidade relacionada à anterior, descrita como a possibilidade de entender que nossa vida cotidiana é organizada em torno da escrita e que esta possui diferentes funções; - conhecer e valorizar os usos da escrita na cultura escolar: compreender para que servem e como são utilizados os diferentes materiais, suportes e textos que circulam na escola,

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tais como o livro didático, cadernos, blocos de anotação, lápis, borracha e computador; - desenvolver capacidades necessárias ao uso da escrita no contexto escolar: os alunos devem desenvolver habilidades e conhecimentos que lhes permitam manusear e utilizar livros didáticos, cadernos escolares, materiais de escrita e computadores. Devem, ainda, desenvolver capacidades específicas de escrever, relacionadas à destreza motora e à adequada forma de segurar o lápis. Ressalta-se que tais habilidades podem ser objeto de treino específico, mas que este não deve ser entendido como período preparatório à alfabetização.

O segundo eixo do trabalho envolve a apropriação do sistema de escrita, relacionado à compreensão das regras do sistema alfabético e à ortografia. Tal trabalho envolve:

- compreender diferenças entre escrita e outras formas gráficas: saber diferenciar letras de desenhos, rabiscos, números e símbolos gráficos como sinais de pontuação e matemáticos; - dominar as convenções gráficas: compreender que nossa escrita ocorre de cima para baixo e da esquerda para a direita e que existem convenções para separar as palavras e frases em um texto, o que ocorre por meio do uso da pontuação e de espaços em branco; - reconhecer unidades fonológicas: o professor deve criar situações específicas para que os alunos entendam e apreendam as relações entre fonemas e grafemas. Para isto, os alunos precisam trabalhar com segmentos sonoros, tais como sílabas, sons iniciais e finais das palavras, o que pode ser feito por meio de jogos, trava-línguas e rimas; - conhecer o alfabeto: identificar e nomear cada letra do alfabeto, além de compreender que representa ao menos um fonema da língua. As letras do alfabeto, em sequência, devem permanecer expostas em sala de aula e o professor deve criar

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situações para que os alunos compreendam que este é formado por um conjunto estável de símbolos, cujo nome foi criado para representar pelo menos um dos sons para os quais é utilizado na escrita; - compreender a categorização gráfica e funcional das letras: entender que as letras podem variar em sua grafia (letras de imprensa e cursiva, maiúsculas e minúsculas, por exemplo) mas que permanecem estáveis quanto ao seu valor funcional, ou seja, quanto ao que representam; - compreender a natureza alfabética do sistema de escrita: entender que nosso sistema de escrita possui uma relação entre a pauta sonora e sua representação que é alfabética, ou seja, baseada na correspondência entre fonemas e grafemas e não, por exemplo, entre uma sílaba e uma letra; - dominar as relações entre fonemas e grafemas: compreender que tais relações são complexas e variadas, pois existem algumas relações biunívocas (os fonemas /b/, /p/, /v/ e /f/, são representados exclusiva e correspondentemente pelos grafemas B, P, V e F) e a maioria das relações depende do contexto (o L e o R, por exemplo, representam fonemas diferentes, quando estão no início ou no final da sílaba). Inclui-se, neste trabalho, o progressivo domínio das regularidades e irregularidades ortográficas.

O terceiro eixo do trabalho docente refere-se à leitura, entendida como ―uma atividade que depende de processamento individual, mas se insere num contexto social e envolve disposições atitudinais, capacidades relativas á compreensão, à produção de sentido‖ (Batista et al, 2008, p.39). As práticas pedagógicas devem incluir, portanto, situações nas quais o aluno possa desenvolver: atitudes e disposições favoráveis à leitura (gostar de ler e se interessar por diferentes gêneros textuais); capacidade de decifração (conseguir decodificar e ler reconhecendo globalmente as palavras); fluência na leitura; compreensão de textos (fazendo antecipações e inferências, levantando

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e comprovando ou descartando hipóteses, compreendendo globalmente o que foi lido, fazendo relações e extrapolações. O quarto eixo do trabalho é a produção de textos escritos. De acordo com Batista et al, (2008, p. 46): ―[...] produção escrita é concebida aqui como ação deliberada da criança com vistas a realizar determinado objetivo, num determinado contexto‖. O trabalho docente compreende o desenvolvimento de duas capacidades centrais:

- compreender e valorizar o uso da escrita com diferentes funções e diferentes gêneros: a criança precisa entender com quais finalidades as pessoas escrevem (auxiliar a memória, prestar informações, divulgar conhecimentos, expressar sentimentos, documentar compromissos, dentre outras) e que, de acordo com a finalidade, organizamos a escrita em determinado gênero que é veiculado em suporte específico (exemplo: informações sobre eventos podem ser organizadas em notícias, veiculadas em jornais escritos); - produzir textos escritos de gêneros diversos, adequados aos objetivos, ao destinatário e ao contexto de circulação. Esta capacidade envolve outras: planejamento do que se quer escrever, uso do princípio alfabético e das convenções ortográficas e da variedade lingüística adequadas (exemplo: a escrita de uma piada ―autoriza‖ e solicita o uso de expressões coloquiais e até gírias, mas um texto científico pressupõe o uso da língua padrão), organização do gênero de acordo com os padrões usados pela sociedade, disposição no papel de acordo com convenções estabelecidas, uso de recursos expressivos (exemplo: argumentos persuasivos em anúncios) e revisão do texto (avaliar se cumpre os objetivos propostos e se exige correções).

O último eixo apresentado refere-se ao desenvolvimento da oralidade, com a ressalva de que a língua falada passou recentemente a ser objeto de atenção do trabalho escolar. Considera-se que os alunos ingressam na escola usando variedade línguísticas daquela que é

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chamada de língua padrão e que, ao mesmo tempo em que tem o direito de dominá-la, precisam ser respeitados no seu modo de falar. O trabalho com tal capacidade envolve: participar das interações cotidianas em sala de aula, sabendo ouvir, responder ás questões propostas e expor opiniões; respeitar a diversidade das formas de expressão oral de colegas, funcionários e pessoas da comunidade, planejar e usar a língua falada de acordo com a situação, procurando empregar a variedade lingüística padrão quando em contextos formais. Conhecidos os eixos que norteiam a prática pedagógica, cabe apresentarmos as modalidades que, de acordo com Nery (2007), organizam o trabalho docente no cotidiano. São elas: atividade permanente, sequência didática, projeto e atividade de sistematização. A atividade permanente tem por objetivo possibilitar aos alunos conhecer as diversas formas de ler e produzir textos, fazer arte ou outras atividades, bem como de compartilhar o que foi vivenciado ou lido. Constitui-se de um trabalho regular, que pode ser diário, semanal ou quinzenal com um gênero textual ou com área do currículo que se pretende explorar. Podem ser indicados como exemplos de atividades permanentes: momentos de leitura diária feita pelo professor, de roda semanal de leitura, na qual os alunos selecionam livros para ler e depois contar sobre o leram. Nery (2007) indica, também como atividade permanente, a escolha de um gênero textual para o trabalho semanal, que poderá ser feita por meio da leitura do professor ou da criança, seja de forma individual ou em duplas. Ressalta que esta modalidade de organização didática tem como objetivo central formar leitores, ampliando o repertório dos alunos, e não deve ser utilizada para outras finalidades, tais como: resumir, fazer desenhos ou dramatizações. A sequência didática não possui a exigência de que exista um produto final, como nos projetos, mas organiza o trabalho pedagógico em uma determinada sequência e por um determinado período, previamente estabelecido. Constituem-se exemplos desta modalidade: leitura de textos relacionados a um determinado tema ou gênero textual e estudo

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interdisciplinar de determinados conteúdos. Pode-se, por exemplo, eleger o gênero ―fábulas‖ e propiciar sua leitura de forma a desenvolver estratégias de um leitor eficiente, que compreende o que lê, inclusive fazendo inferências e tirando conclusões. Conforme dito acima, o projeto pressupõe um produto final e um planejamento com objetivos, dimensionamento do tempo, divisão de tarefas e avaliação final. Cada um dos alunos possui responsabilidades individuais e coletivas para a consecução dos objetivos estabelecidos. Nesta modalidade as crianças possuem a oportunidade de falar, ouvir, ler e escrever a partir de diversos gêneros textuais e de forma significativa. Uma sugestão de projeto citado por Nery (2007) é intitulado ―Nossa cidade, nossa casa‖, visa propiciar condições para que os alunos conheçam melhor o lugar onde vivem e tem por objetivo final uma mostra que expresse a cultura e a produção artística do bairro ou da cidade onde residem os alunos. Por fim, as atividades de sistematização são aquelas, como o próprio nome diz, que tem por objetivo sistematizar conhecimentos e fixar determinados conteúdos trabalhados com os alunos. No caso da alfabetização e do letramento os conteúdos trabalhados referem-se à aquisição da base alfabética da língua, ao domínio das convenções de escrita ou aos conhecimentos textuais. Tais atividades podem ter caráter lúdico, como os jogos, ou podem ser organizadas como atividades com palavras significativas, oficinas de produção de determinado gênero textual, brincadeiras com a língua, que envolvem o uso de cantigas, parlendas e trava-línguas. Após a apresentação de algumas orientações metodológicas, cabe ressaltar o que referem Klein e Cavazotti (2009) a respeito da necessidade de articulação entre teoria e prática no trabalho docente. Este trabalho deve procurar atingir o objetivo do ensino da língua, que seria propiciar ao aluno o domínio da linguagem verbal de maneira ampla e como recurso essencial na interação humana. È por meio dos textos que se pode atingir tal objetivo, pois são eles que organizam os

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discursos e permitem apresentar os recursos da língua em situações reais de uso. As autoras propõem um trabalho articulado com quatro práticas do início da aquisição da escrita até os anos finais do Ensino Fundamental. São elas: leitura e interpretação de textos (orais e escritos), produção de textos (orais e escritos), análise lingüística de textos e, finalmente, atividades específicas de sistematização de conteúdos específicos (Klein e Cavazotti, 2009, p.15). A análise das práticas recomendadas pelas autoras indica que se constituem em orientações metodológicas semelhantes às anteriormente citadas. Finalizamos nossas considerações destacando que as orientações teóricas e metodológicas aqui discutidas apontam para a necessidade de uma prática docente que articule a alfabetização e o letramento, garantindo que suas especificidades sejam objeto sistemático de ensino e de aprendizagem.

SQUILACI, Tânia Cristina Pedreschi R. Literacy e teaching practice. DIALOGUS. Ribeirão Preto, vol. 7, n.1, 2011, p.137-155.

ABSTRACT: This paper presents and discusses the concepts of literacy and literacy, as well as the importance of teaching practice involving both processes, methodological guidelines recommending a synthesizing pedagogical work based on this perspective. The survey was conducted by means of literature review.

KEYWORDS: Literacy; Teaching Practice.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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CAGLIARI, L. C. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998. INSTITUTO PAULO MONTENEGRO e ONG AÇÃO EDUCATIVA. INAF Brasil 2009. Disponível em http://www.ibope.com.br/ipm/relatorios/relatorio_inaf_2009.pdf. Acesso em 21/02/2012. KLEIN, L. R; CAVAZOTTI, M. A. Prática educativa da Língua Portuguesa. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2009. LEAL, T. F; ALBUQUERQUE, E. B. C; MORAIS, A. G. Letramento e alfabetização: pensando a prática pedagógica. In: BEACUCHAMP, J; PAGEL, S. D; NASCIMENTO, A. R. (orgs.) Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria da Educação Básica, 2007, p.69 - 83. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/ SECRETARIA DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. Brasília: A Secretaria, 2001. MORTATTI, M. R. L. Educação e Letramento. São Paulo: UNESP, 2004. NERY, A. Modalidades organizativas do trabalho pedagógico: uma possibilidade. In: BEACUCHAMP, J; PAGEL, S. D; NASCIMENTO, A. R. (orgs.) Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria da Educação Básica, 2007, p.109 - 135 SOARES, M. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 25, abr. 2004. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S1413- 24782004000100002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 21 fevereiro de 2012. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782004000100002.

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POLÍTICA TAMBÉM SE ENSINA? A PROPÓSITO DOS JOVENS E DO ESPAÇO UNIVERSITÁRIO*

Tatiane TAVARES** Humberto PERINELLI NETO***

RESUMO: Neste trabalho apresentamos a proposta de levantar as concepções de um grupo de jovens universitários dos cursos de graduação, do período noturno. Pretendeu-se com esses dados coletados em entrevistas refletir sobre questões como: interesse político, consciência política e participação política entre os jovens.

PALAVRAS-CHAVE: participação política; juventude; educação.

O século XX foi palco de grandes conquistas políticas e muitas delas tiveram a importante participação dos estudantis. Tal grupo se organizava e se articulava para as lutas, daí tantas manifestações em que este grupo social saia às ruas para reivindicar e protestar por suas ideologias.

Vários são os exemplos. Citam-se como movimentos sociais da juventude a participação na campanha ―O Petróleo é nosso‖ em 1932, assim como a luta contra a ditadura militar (já em 1962, antes do Golpe, ele foi responsável por mobilizar pessoas para a passeata dos ―Cem Mil‖). Fazem parte ainda dos movimentos estudantis a campanha para as ―Diretas Já‖ em 1983 e relacionada ao impeachment do presidente

* Texto que tem como base a pesquisa ―Consciência Política Jovem: reflexões sobre as concepções de um grupo de universitários‖, realizada com apoio do Programa de Iniciação Científica (PIC), mantido pelo Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto-SP. ** Graduanda em Serviço Social do Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto-SP. E-mail: *** Professor Assistente Doutor junto ao Departamento de Educação do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE/UNESP) de São José do Rio Preto-SP e professor titular do Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto-SP. Atua como membro pesquisador dos grupos de pesquisa CNPq: ―Centro Interdisciplinar de Estudos Regionais‖ (IBILCE/UNESP/São José do Rio Preto); ―História do cerrado brasileiro‖ (UEG) e ―As tecnologias de informação e comunicação, práticas pedagógicas e a formação docente‖ (IBILCE/UNESP/São José do Rio Preto). E-mail: [email protected]

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Fernando Collor em 1989, promovido com o auxílio dos ―Caras Pintadas‖.

No entanto, para muitos observadores (BARBOZA, 2002) esses movimentos foram se enfraquecendo e, a partir dos anos 1990, desarticulados e praticamente anulados. Nossos jovens se interessam cada vez menos pelas lutas sociais e, ao contrário do século passado, o século XXI parece ser caracterizado por um cenário de raras manifestações estudantis.

Há registros de alguns movimentos isolados pelo país. Um dos casos registrados ocorreu em 2003, quando estudantes organizados invadiram o consulado americano no Rio de Janeiro para protestarem contra a posição do Presidente Bush em relação ao Iraque ou quando em 2008 alunos universitários reivindicaram o afastamento do Reitor da Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP), Ulisses Fagundes Neto, por usar indevidamente as verbas universitárias.

O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (ABRAMO, 2000), IBASE, realizou algumas pesquisas e constatou que entre as principais preocupações dos jovens atuais estão a violência e o desemprego. Nesta mesma pesquisa, a política e a corrupção estão em sétimo lugar, numa lista de nove itens.

Essa e outras pesquisas demonstram que as prioridades do mundo contemporâneo mudaram e que a atual preocupação da população jovem é o mercado de trabalho, apesar de sabermos que esta é uma preocupação da população em geral.

Segundo pesquisadores, um dos motivos do desinteresse pela política e pelos movimentos sociais é o individualismo, presente no dia a dia dos jovens, que passam a encarar seus colegas de classe como seus concorrentes.

O capitalismo incentiva o individualismo e acirra a competição entre os jovens no mercado de trabalho. Viver em uma sociedade onde o sucesso profissional é cultuado a qualquer preço acarretou uma mudança de valores e, por esse motivo, ficou tão difícil a inclusão do discurso político entre os jovens.

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Jovem e participação política

Segundo Marcos Lara (2008), quando o assunto diz respeito à juventude e política, alguns aspectos devem ser analisados, antes de qualquer conclusão precipitada. O primeiro deles, diz respeito às imagens e as concepções que temos dos jovens: período de transitoriedade, de rebeldia, de crise e de desinteresse.

Segundo o citado autor, a representação do modelo de ―jovem ideal‖ que temos nos remete aos jovens dos anos 1960 e 1970, que participavam dos movimentos estudantis e que lutavam contra a ditadura militar. Mas isto não significa que todos os jovens viventes neste momento da História do Brasil participaram ativamente dos movimentos políticos e sociais.

Em cada momento, a juventude aparece caracterizada de uma forma. Por exemplo, na década de 1950 — chamada de ―anos dourados‖ — a juventude ficou conhecida como ―rebeldes sem causa‖ ou ―juventude transviada‖; na década de 1960 — ―os anos rebeldes‖ — é tida como revolucionária; na década de 1990, fala-se de uma ―geração shopping Center‖.

Será que estas representações, imagens e símbolos atribuídas à juventude são realmente legítimas?

Parece que não, tendo em vista que não existe um padrão de ―jovem ideal‖ ou de ―juventude ideal‖.

Para compreendermos a juventude contemporânea do século XXI e seu envolvimento com a política é necessário desvincular-nos dessas imagens e símbolos e contextualizarmos o momento histórico-social vivenciado pela juventude.

Se nos livrarmos desses pré-conceitos sobre a juventude haverá maior possibilidade de apreendermos sobre este momento histórico na vida dos seres ontológicos sociais, que constituem este grupo.

O segundo aspecto a ser analisado é que não existe uma única juventude e sim uma diversidade de juventudes a serem estudadas e

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compreendidas. A juventude, ao mesmo tempo em que é uma representação, também é uma condição social. Por fazer parte de um contexto histórico e singular é muito variada a forma como cada sociedade ou grupo irá lidar com este período, por isso a pluralidade da condição de juventude.

Compreender essa pluralidade e diversidade significa não estar preso a um padrão de critérios rígidos, de modelos ideais e, ao invés disso, direcionar nossos estudos para uma visão que pretende a totalidade, respeitando as diferenças econômicas, sociais e culturais de cada grupo, inclusive os jovens. Se agir assim, entenderemos que a juventude é formada por sujeitos inseridos em determinada realidade social e histórica.

Enfim, a argumentação exposta por Marcos Lara (2008) nos leva a refletir no equívoco existente na comparação feita entre a juventude contemporânea e a juventude vivente nos anos 1960 e 1970.

Insistir nesta comparação é ignorar que existem novas formas de expressões públicas jovens, diferentes das expressões tradicionais conhecidas. Significa deixar de reconhecer que algumas dessas expressões podem ser vistas em ações coletivas, como atividades voluntárias, comunitárias e solidárias.

É fato que houve uma descrença por parte da juventude em relação aos partidos políticos e sindicatos. É reveladora a falta de motivação para se filiarem a um partido, já que muitos consideram a militância partidária distante do fazer política, de uma luta que transforme a realidade. No entanto, isto não significa que os jovens ignorem a política ou não participem dela de alguma forma.

Há épocas na história em que as mudanças parecem ocorrer com maior velocidade. A segunda metade do século XX foi uma dessas épocas. Alguns autores, como Eric Hobsbawm (1995), indicam que durante este período notou-se uma quebra de elos entre as gerações do passado e do presente, destaca que houve uma ―desintegração de velhos padrões de relacionamento social humano‖.

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É difícil para qualquer ciência definir o momento certo que começa e termina a juventude. Tempo, espaço e cultura são essenciais para a compreensão do sentido de juventude nas sociedades, pois este período da vida não pode ser definido segundo critérios exclusivamente biológicos ou jurídicos, porque em qualquer sociedade a juventude é revestida de valores diferentes.

É importante ainda destacar outros aspectos, como a questão da transitoriedade: não se é jovem, se está jovem, pois ―pertencer à determinada faixa etária — e à juventude de modo particular — representa para cada indivíduo uma condição provisória. Mais apropriadamente, os indivíduos não pertencem a grupos etários, eles os atravessam‖ (LARA, 2008).

É necessário repensarmos os rótulos, conceitos, categorias e até mesmo os métodos de investigação até hoje utilizados e uma alternativa para esta reavaliação sobre o sentido de juventude envolveria empregar a arte, a música, o cinema e o esporte como fontes valiosas para se estabelecer um conhecimento mais profundo do sentido de juventude.

Nesse sentido, é preciso que haja pesquisas que procurem ver a juventude brasileira além desses rótulos, da aparência óbvia, para que não sejam encobertos outros aspectos. E mais importante que os estudos direcionados, é que seja dada voz aos sujeitos que constituem essas juventudes, para que eles se expressem e participem deste processo.

Escutando os jovens

Esta pesquisa teve como objetivo o levantamento de dados entre jovens que freqüentam os cursos noturnos do Centro Universitário Barão de Mauá. Pretendeu-se com esses dados coletados em entrevistas refletir sobre questões como: interesse político entre os jovens, consciência política e participação política.

Para delimitarmos a faixa etária e o perfil dos entrevistados, buscamos base teórica no autor Macos Lara (2008). Tal autor afirma

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que, cada vez mais, as pessoas de 20, 30 e 40 anos são parecidas, como se houvesse uma crise de identidades nestas idades, isto em decorrência de vários fatores. É como se a infância tivesse se ―encurtado‖ e a adolescência se ―esticado‖.

Apoiado nesta hipótese, outro autor, Loriza Almeida (2004), destaca como possíveis causas desta crise de identidade o desemprego, a falência de valores, a imaturidade decorrente da ausência de processos educativos mais consistentes.

São várias as instituições e órgãos que classificam a idade de início e termino de juventude, como, por exemplo, a ONU de 15-24 anos, o ECA de 12–18 anos, CNPD (Comissão Nacional de População e Desenvolvimento) dos 15-24 anos.

Mas, assim como o autor Marcos Lara (2008), adotamos a referência da Lei 11.129 de 2005 do Governo Federal, que determina como sendo jovem o brasileiro entre 15 e 29 anos.

Ao tratarmos da visão que o jovem possui da política, não dedicamos atenção particular à questão de gênero. Agimos no sentido de providenciar entrevistas com um número equilibrado de homens e mulheres.

Contudo, é preciso recordar que antes do século XX, as mulheres não tinham direitos civis nem políticos e que sua inserção no mercado de trabalho. Mesmo com estes avanços, as diferenças entre os gêneros masculino e feminino ainda são muito gritantes em nosso país.

Podemos notar claramente essas diferenças quando levantamos alguns dados. As mulheres são mais de 50% da população brasileira votante do século XXI, conforme pesquisa realizada pelo autor Jose Eustáquio Alves (2007). Porém, ao mesmo tempo, registra-se que o Brasil possui a menor representação feminina no Congresso Nacional e nos Parlamentos, segundo ranking mundial.

Selecionamos um aluno de cada um dos cursos de Graduação instalados no Campus Central do Centro Universitário Barão de Mauá do período noturno, para colaborar com a pesquisa qualitativa de campo através de entrevistas.

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Segue a relação dos cursos, dos alunos, locais e datas das entrevistas realizadas, conforme tabela abaixo: TABELA 1 – Alunos entrevistados

Entrevistado Alunos Local/ Entrevista Data Cursos

01 MZ Unidade Central 28/8/2010 Biomedicina

02 FC Biblioteca Unidade Central 30/8/2010 Geografia

03 RL Biblioteca Unidade Central 11/9/2010 Letras

04 SV Local/Trabalho da entrevistada 14/9/2010 Enfermagem

05 KW Biblioteca Unidade Central 21/9/2010 Farmácia

06 LS Biblioteca Unidade Central 23/9/2010 História

07 LO Unidade Central 27/9/2010 Pedagogia

08 NB Unidade Central 24/9/2010 Serviço Social

09 TH Biblioteca Unidade Central 20/10/2010 Fisioterapia

10 AHPN Biblioteca Unidade Central 27/10/2010 Biologia

11 JP Unidade Central 27/10/2010 Ciência da

Computação

No total, 13 cursos de Graduação estavam abrigados no Campus Central do Centro Universitário Barão de Mauá no ano de 2010: Biomedicina, Ciências da Computação, Ciências Biológicas (Licenciatura/Bacharelado), Enfermagem, Engenharia Ambiental, Farmácia, Fisioterapia, Geografia, História, Letras, Pedagogia, Psicologia e Serviço Social.

Conforme consta na TABELA 1, alunos de 11 cursos foram entrevistados. Infelizmente, 2 alunos não puderam ser ouvidos (cursos

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de Engenharia Ambiental e Psicologia), pois houve dificuldades para conciliar o horário e data para realização das entrevistas, após várias tentativas.

Para as entrevistas, previamente agendadas, utilizamos a técnica de entrevista semi-estruturada, com o auxilio de um gravador, se autorizado pelo entrevistado.

Podemos entender por entrevista semi-estruturada, em geral, aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que em seguida oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal, colocado pelo investigador, começa a participar da elaboração do conteúdo da pesquisa (TRIVINOS,1987, p.146).

Na pesquisa qualitativa, respeitamos a singularidade dos sujeitos entrevistados, bem como sua cultura, comportamentos, o conhecimento de sua vivência social (MARTINELLI, 1994).

Partimos da realidade dos sujeitos, procurando retornar a eles de forma crítica e criativa, numa dimensão política como construção coletiva não excludente, mas complementarmente.

Foi ainda empregada nesta pesquisa a metodologia quantitativa descritiva, tendo em vista que descrevemos as respostas dos alunos em questão, por meio do uso de técnicas padronizadas de coleta de dados, que, posteriormente, foram apresentados sob a forma de porcentagens em tabelas, gráficos e/ou quadros, a partir dos quais foram organizadas análise orientadas por conceitos e conteúdos apreendidos na leitura bibliográfica.

Da conciliação entre as duas metodologias, formulou-se um trabalho de pesquisa cuja metodologia é a quali/quanti (MARTINELLI, 1994, p.22-23).

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Na seqüência, discutimos os dados obtidos nas entrevistas e empregados na elaboração de gráficos, por meio da promoção de um diálogo entre estes dados e os conceitos pertencentes ao campo da política e publicados na obra organizada por Norberto Bobbio et (2002).

A respeito do que pensam

Iniciamos a entrevista com a seguinte pergunta ―(1) O que você entende por política?‖

Dos onze entrevistados, dois (18,18%) associaram a política à democracia e, por extensão, ao ato de votar. Tais respostas denotam uma visão institucionalizada da política, responsável por distanciar a política de atos cotidianos e, por extensão, das ações daquilo que poderíamos chamar de sociedade civil. De acordo com Bobbio, Matteuci e Pasquino:

Verifica-se que Política é derivada do adjetivo originado ―Polis‖, significa tudo o que se refere à cidade, conseqüentemente, tudo o que é urbano, civil, público e até mesmo sociável e social. O conceito de política, entendida como a forma de atividade ou práxis humana, está estreitamente ligado ao de poder (2002, p.954).

Sendo assim, política envolve uma gama de ações realizadas, não apenas pelos representantes do Estado, mas também pela sociedade civil, num sentido mais amplo.

Outros dois (18,18%) entrevistados entendem que política está relacionada às leis criadas para os setores econômico e social, sinalizando o aspecto normativo e jurídico da política.

Esta visão sobre política expressa certo conservadorismo dos jovens, tendo em vista que a opinião parece associar política à ordem pública:

Ordem pública constitui objeto de regulamentação pública para fins de tutela preventiva, contextual, repressiva ou sucessiva. Com um fim de

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ordenamento político e estatal, na legislação administrativa, policial e penal como sinônimo de convivência ordenada, segura, pacifica e equilibrada, isto é, normal e conveniente aos princípios gerais de ordem desejados pelas opções de base que disciplinam a dinâmica de um ordenamento (BOBBIO; MATTEUCI; PASQUINO, 2002, p.851).

Outros sete (63,64%) depoentes também acabaram por expressar este tipo de concepção, porém não mencionaram a palavra ―democracia‖, mas se referiram ao voto como expressão última da política, bem como associaram a política às ações dos representantes políticos formais (governantes). Tal visão parece restringir o sentido de democracia e reforçar a ingerência dos representantes políticos sobre a sociedade civil, uma vez que por democracia deveria ser considerado:

[...] um conjunto de regras e procedimentos para constituição de um governo e para a formação das decisões políticas, ou seja, das decisões que abrange a toda comunidade, mais do que determinada ideologia. Pode ser considerado governo do povo como um poder supremo que deriva do povo e se torna representativo, para usufruto de direitos para todos os cidadãos de maneira igualitária (BOBBIO; MATTEUCI; PASQUINO, 2002, p.).

Em ambos os casos nota-se a restrição da política as eleições e a ausência de ações por parte da sociedade civil. Tendo em vista o sentido associado às eleições, mais uma vez é necessário afirmar que as opiniões expressam uma visão institucionalizada da política, tendo em vista a relação direta promovida pelos entrevistados entre política e sistemas eleitorais, o que é problemático, visto que:

[...] Sistemas eleitorais são procedimentos institucionalizados para atribuição de encargos por parte dos membros de uma organização, através do voto, com a finalidade, pelo menos no sistema ocidental liberal-democrático, à expressão do consenso e do dissenso, à representação dos interesses, ao controle das atividades do governo e a mobilização das massas. Porém, os sistemas eleitorais só adquirem

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importância crescente a partir da época em que o Estado perde suas características personalistas e patrimoniais para assumir as de um Estado democrático ou pelo menos burguês (BOBBIO; MATTEUCI; PASQUINO, 2002, p.1174).

A pergunta seguinte foi: ―Qual a importância da política para a vida das pessoas? (2).

As respostas referentes à questão (2) coadunam com as respostas da questão (1), à medida que, a seu modo, todos os entrevistados afirmaram que a política é importante para garantir melhorias na vida da população, garantir direitos, resolver as necessidades, etc.

Tal concepção remete a idéia de que a responsabilidade do agir político cabe especialmente as autoridades políticas.

Nas respostas a tal questão, aparentemente é possível perceber uma concepção mais ampla do que é política, pois ela passa a ser tratada como interferindo em várias instâncias da vida social, mas tais instâncias remetem aos desígnios das autoridades, portanto, revelam mais uma vez uma visão institucionalizada da política.

Mais questionável, neste caso, é notar ainda que esta visão institucionalizada da política não parece vir acompanhada do estabelecimento de relação entre autoridades políticas e a base de eleitores que os elegeram, fato que não transforma estas autoridades em representantes políticos de fato:

Representação política é um fenômeno complexo cujo núcleo consiste num processo de escolha de governantes e de controle sobre sua ação através de eleições competitivas. Tem a finalidade de ser um mecanismo político particular para a realização de controle (poder) entre governados e governantes (BOBBIO; MATTEUCI; PASQUINO, 2002, p.1101).

Em relação à questão ―Você participa da política?‖ (3), temos o seguinte conjunto de respostas: a maioria dos entrevistados respondeu não (seis de um total de onze - 54,55%).

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Os cinco (45,45%) entrevistados que responderam sim, por sua vez, associaram a participação política ao voto, mas reconheceram os limites deste tipo de participação, daí o emprego de termos e expressões como ―Muito pouco‖, ―Participo de 04 em 04 anos‖ e ―Só na hora de votar‖. O reconhecimento destes limites pode indicar um conhecimento mais amplo do que seja política, como podemos notar, por exemplo, na responda de 3.8, em que o entrevistado assinala a relação entre política e ―propaganda eleitoral‖.

Chama atenção também a necessidade expressa por alguns dos entrevistados de falar sobre a qualidade do voto. Em três casos diferentes, registram-se comentários dos depoentes sobre a necessidade de se fazer uma boa escolha eleitoral, de votar com informação e coisas do tipo. Destes 3, 2 haviam associado à participação política ao ato de votar e um havia dito que não participava da política.

Nota-se neste caso certo paradoxo. Como será possível falar de qualidade das eleições, se para votar com mais propriedade é fundamental aos membros da sociedade entenderem política como sendo uma prática social múltipla, recorrente e cotidiana, portanto, distante da visão institucionalizada e baseada nas possibilidades surgidas com a valorização da opinião pública?

Por fim, outro dado relevante é o fato de cinco (45.45%) dos onze entrevistados se circunscreverem a negar sua participação política, daí respostas como simplesmente ―não‖ (em três ocasiões) e ―Nenhum pouco! Não!‖, denotando certo distanciamento desta prática social.

Fica a dúvida: o que traduz a negativa firme? Estariam os entrevistados se referindo ao fato de nunca terem exercido cargos políticos e/ou pleiteado algum? Se a resposta se aproximar de consideração desta ordem, mais episódica será a visão sobre política expressa pelos jovens universitários.

Quando perguntados sobre se ―A política é voltada para os jovens?‖ (4), registra-se o seguinte: cinco (45.45%) entrevistados que disseram não, outros quatro (36.37%) que afirmaram sim, um (9.09%)

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que preferiu não opinar e um (9,09%) outro que expressou um duvidoso ―em partes‖.

Um dado importante a ser captado nas respostas vinculadas à pergunta ―A política é voltada para os jovens?‖ envolve a relação mais uma vez traçada pelos depoentes entre política e eleições, mais especificamente, entre política e campanha eleitoral.

Entende-se assim, a presença de referências como ―direito de votar‖, ―discursos dos políticos‖, ―linguagem mais acessível‖, ―discursos direcionados‖, ―discursos políticos‖ nas respostas dos universitários em questão, tanto no conjunto dos que disseram que a política não é voltada para os jovens, quanto naqueles que responderam que ela é voltada para os jovens.

A constância do emprego do termo ―discurso‖ parece significativa. Podemos deduzir que a maioria dos universitários entrevistados associa a política aos discursos persuasivos, portanto, ao que fazem os candidatos e representantes em relação aos eleitores e não o contrário (algo possível, se de fato existisse uma sociedade civil).

Tais discursivos persuasivos estariam muito vinculados a propagandas, entendidas neste caso como sendo:

[...] um esforço consciente e sistemático destinado a influenciar as opiniões e ações de certo público ou de sociedade total, no sentido de difusão de idéias. Difusão deliberada e sistemática de mensagens, visando criar imagens positivas ou negativas de determinados fenômenos, estimulando determinados comportamentos (BOBBIO; MATTEUCI; PASQUINO, 2002, p.1018).

No que se refere à questão ―Você participa de alguma atividade

solidária, comunitária ou voluntária? (5)‖ Nota-se que oito (72,73%) dos onze alunos entrevistados

afirmaram não participar de nenhuma atividade solidária, voluntária ou comunitária, enquanto outros três (27,27%) responderam positivamente a tal pergunta.

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A ausência de porcentagem dos entrevistados em atividade solidária, voluntária ou comunitária pode indicar entre outras coisas, certo desapego a vínculos sociais não familiares, como aqueles relacionados à escola, ao bairro, comunidade religiosa, municipalidade, entre outros. Pode-se inferir disto, certo distanciamento da vivência da esfera pública e, mais uma vez, a ausência de uma visão da política como sendo uma prática social múltipla e recorrente.

Analisamos as respostas dos três jovens (27,27%) que afirmaram participar de atividade solidária, voluntária ou comunitária. Um deles não especificou de que maneira participava. Outro vinculou tal participação às atividades desenvolvidas junto ao grupo religioso do qual faz parte. Apenas um dos jovens vinculou sua participação a algo que envolve diretamente a esfera pública, como é possível apreender em sua resposta:

[...] eu tenho costume de limpar o canteiro, cortar a grama de fazer esse trabalho, que pra mim que eu to morando numa coisa limpa, se as pessoas querem ficar na sujeira [...] Eu acho que o meu exemplo já ajudou muita gente a mudar essa questão. Eu moro de esquina, pega dois canteiros Né, ai eu pinto [...] Agora não, com essa seca eu não tava jogando água, plantava flor era bem bonito na porta, eu recebia muitos elogios assim [...] E tem um também que eu gosto [...] De deixar minha cidade mais iluminada, (risos) eu tenho um trabalho com a CPFL assim, eles não me conhecem, só que onde eu vejo poste queimado, eu anoto o numero da casa e mando pra eles, entro no site, é uma forma de deixar a cidade mais bonita, que quase não tem lâmpada queimada em Orlândia, principalmente no centro, porque eu faço esse trabalho (Entrevistado nº6).

Analisamos as respostas à questão ―O que deveria ser diferente na política? (6)‖

Seis entrevistados (54,55%) fizeram menção à necessidade dos candidatos políticos serem mais honestos. Dois (18,18%) frisaram a necessidade de novos requisitos para se tornar candidato político

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(exigência de melhor qualificação, por exemplo). Um (9,09%) depoente mencionou a necessidade de a propaganda eleitoral ser promovida de modo mais sério e outro (9,09%) lembrou que ―deveríamos votar mais conscientes‖. Consta ainda outro (9,09%) que expressou ceticismo: ―Política não salva ninguém‖.

Apesar das diferentes respostas, mais uma vez nos deparamos com o entendimento institucionalizado da política. Política ainda é vinculada às eleições eleitorais e nas ações das autoridades políticas.

Pesa-se ainda nas respostas em tela o fato de que elas traduzem o desejo de os candidatos políticos sejam diferentes e não apontam a necessidade de atitudes diferentes por parte dos eleitores, com exceção do universitário que lembrou: ―deveríamos votar mais conscientes‖. Segue-se, portanto, a lógica ―a culpa é deles e não nossa‖, expressão sintomática da ausência de sentimento de pertencimento a uma sociedade civil.

A corrupção é o principal problema associado às ações das autoridades políticas. Alternativas a este problema parecem presentes em outras respostas: voto mais consciente, critérios de elegibilidade mais rigorosos e propaganda eleitoral diferente. Mais uma vez estamos diante da desresponsabilização política por parte dos eleitores: não são os jovens que buscam qualificar melhor seu voto, por meio de um entendimento mais profundo da política, mas sim as regras eleitorais que são frouxas, a idoneidade dos candidatos que é questionável, etc.

Também foi feita a pergunta: ―Você obteve o título eleitoral com quantos anos?‖ (7).

De acordo com as respostas registradas, a diferença entre os que obtiveram o titulo eleitoral aos 16 anos, seis (54,55%), e aqueles que aos 18 anos passaram a contar com este documento, cinco (45,45%), é mínima. Ganha destaque também o fato dos entrevistados não se deterem em pormenores quando perguntados sobre com quantos anos passaram a serem eleitores, tendo em vista que apenas mencionaram a idade.

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Podemos inferir que a resposta protocolar (esta ou aquela idade) revela uma postura igualmente protocolar em relação à participação política?

Aos entrevistados também foi feita a pergunta: ―Vota sempre? Justifica (se a resposta for sim, quantas vezes fez isso?)‖ (8)

Dos onze alunos entrevistados, dez (90,91%) sempre votaram e nunca justificaram seu voto. O único (9,09%) que afirmou não votar e nunca ter justificado seu voto, na verdade teria a oportunidade de votar pela primeira vez nas eleições de 2010.

Além da obrigatoriedade do voto, a participação unânime nas eleições guarda relação com a idéia manifestada por boa parte dos entrevistados de que participação política pode ser entendida como escolha de candidatos em pleitos políticos, conforme assinalado nas respostas da questão 06.

Registra-se também a questão ―Você acredita que o voto é a expressão máxima da democracia?‖ (9).

A opinião dos universitários em relação ao assunto em tela é bem dividida. Do total de onze entrevistados, seis (54,55%) afirmaram que ―o voto é a expressão máxima da democracia‖, sendo cinco (45,45%) as opiniões contrárias. Causa certa preocupação estes números, uma vez que cinco (45,45%) desconfiam da vontade popular nas eleições.

Tal desconfiança é ainda maior, se levarmos em conta que, mesmo entre aqueles que concordaram com a idéia de que ―o voto é a expressão máxima da democracia‖, verificam-se comentários como: ―eu não acho que um simples voto pode mudar alguma coisa‖, ―é ilusória [a votação], porque somos obrigados a votar em candidatos sem muita opção de escolha‖ ou, então, ―é o inicio‖.

Atentar para os comentários realizados pelas cinco pessoas que discordaram da idéia de que ―o voto é a expressão máxima da democracia‖ permite entender pontos interessantes. Deste conjunto, destacam-se aqueles (três entrevistados, portanto, 27,27%) que mencionaram a compra de votos. Houve um que ressaltou a relação

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entre candidatos eleitos e os ―interesses econômicos de grandes corporações‖, o que anularia a associação entre o eleitor e o candidato. Consta também outro que não explicitou o motivo de sua descrença.

Verificamos também junto aos universitários entrevistados o seguinte: ―Discute sobre política? Em que ocasiões?‖ (10).

Seis (54,55%) entrevistados responderam que ―às vezes‖ discutem sobre política, enquanto quatro (36,36%) confirmaram discutir tal assunto e apenas um (9,09%) disse que o discute ―pouco‖.

Entre os que responderam ―às vezes‖, ressalta-se que metade indicou que tais discussões envolvem o ambiente familiar e quatro se lembraram do ambiente universitário.

Número expressivo dos que afirmaram discutir sobre política (três) também disse que o fazem no ambiente familiar e na faculdade.

Diante deste quadro, pode-se argumentar que a faculdade é um espaço fundamental para inclusão do jovem no debate público sobre política.

Tal importância é ainda maior se observarmos que é na família onde também ocorrem discussões políticas, uma vez que o ambiente familiar parece denotar a fragilidade da existência de uma esfera pública destinada a este tipo de debate e, por extensão, traduz a força da esfera privada na maneira de tratar as coisas públicas.

Aliás, alguns termos e expressões revelam certo privatismo no debate da política: ―sim, mas quando os direitos ou interesse de pessoas próximas são prejudicados‖, ―sou funcionária pública, dependendo de como você se expressa, você pode ser prejudicado‖ e ―porque política é difícil, cada um tem sua opinião formada e não adianta muito‖ (grifos nossos). Este utilitarismo no trato do voto coaduna com certa visão utilitarista da política:

Utilitarismo não é um termo de significado unívoco e preciso, usado inicialmente para denotar o próprio sistema de ética normativa e adotado para toda concepção ético política. Atualmente é usado para designar uma série de doutrinas ou teorias, seja de natureza factual, seja de caráter normativo. Em linhas gerais, para o Utilitarismo, a

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criação e a manutenção de uma determinada instituição são moralmente justificada se e somente a existência dessas maximizar a sua utilidade (BOBBIO; MATTEUCI; PASQUINO, 2002, p.1274).

Na questão (11) foi perguntado: ―Que tipo de candidato lhe chama positivamente a atenção?‖

As respostas mais recorrentes envolveram a preocupação com a educação (três - 27,28%) e a necessidade de ser realista (dois - 18,18%). Constaram ainda os que disseram observar se o candidato revela preocupação com as questões ambientais, (um - 9,09%), possuir ficha limpa (um - 9,09%), empregar linguagem acessível (um - 9,09%), outro (9,09%) que disse prestar atenção a trajetória política e dois (18.18%) afirmaram que nenhum candidato chama atenção positivamente.

Caminhando para o término da entrevista, foi ainda perguntado aos jovens universitários: ―Faltando dois meses para eleições presidenciais, você já tem definido seu candidato à presidência da república? (12)”

Dos onze entrevistados, seis (54,55%) afirmam que sim e cinco (45,45%) afirmaram não possuir candidato meses antes da eleição. Atentando para aqueles que teceram comentários em suas respostas, nota-se que é recorrente a idéia de que escolheriam ―o menos pior‖, expressão que pode sugerir o descontentamento com os candidatos e/ou a falta de informação sobre os mesmos.

Prosseguindo, foi perguntado aos entrevistados: ―O que lhe motivou a optar por este candidato (a)? (13)‖

Esta resposta foi a que mais motivou opiniões diversas entre os entrevistados. Dois alunos (18,19%): não responderam. Um (9,09%): mencionou que era por falta de opção. Um (9,09%) disse que votaria por oposição ao outro candidato. Um (9,09%) disse que sua escolha beneficiaria a economia da região em que morava. Um (9,09%) afirmou que o candidato escolhido manifestava preocupação com a saúde. Um (9,09%) disse que o candidato de sua predileção sinalizava preocupação com a educação. Um (9,09%) asseverou que seu candidato traduzia

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desvinculação com a corrupção. Um (9,09%) voltaria segundo a oposição a certo partido político. Um (9,09%) defendeu que o candidato ―é estudado‖. Por fim, um (9,09%) outro pontuou que a linguagem acessível e trajetória eram qualidades que o candidato possuía e que motivavam escolhê-lo.

No que se refere à pergunta ―Qual sua opinião sobre passeatas, greves ou outros eventos de protesto e/ou de reivindicação?‖ (14), teve-se o seguinte:

Todos (100%) os entrevistados concordam com a realização de passeatas, greves ou outros eventos de protesto e/ou de reivindicação.

A concordância segue acompanhada de termos como ―essenciais‖, ―bom‖, ―bacana‖, ―importantes‖, ―necessário‖, ―outro modo de expressão‖, ―mais expressivo que o voto‖, ―legal‖ e ―acho que deveria acontecer mais‖.

No entanto, é possível notar também algumas ressalvas em relação à organização destas manifestações, daí o uso de assertivas como: ―Tem que ser uma coisa muito responsável‖ e ―quando bem feitas‖.

O diferencial no caso destas respostas reside na maneira como os entrevistados acreditam que devam ser promovidos estes eventos. Nota-se que boa parte das respostas envolve preocupação com a ordem pública, o que pode espelhar certo conservadorismo no entendimento da política:

Ordem pública constitui objeto de regulamentação pública para fins de tutela preventiva, contextual, repressiva ou sucessiva. Às vezes limita o exercício de direitos, de liberdade de expressão assegurados pela Constituição Federal (1988)

Dos onze entrevistados, seis (54,55%) enfatizaram que tais manifestações não devem estar associadas à violência.

Outros dois (18,18%) entrevistados afirmaram que tais manifestações não devem atrapalhar serviços básicos, como atendimentos na área da saúde.

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Registra-se ainda que dois (18,18%) entrevistados frisaram a ausência deste tipo de manifestações nos dias atuais.

E um (9,09%) afirmou a importância de se ter uma liderança séria no comando de qualquer movimento social, levantando a questão ética dessas manifestações.

E para finalizarmos, analisamos a respostas da questão ―Considera que algo poderia ser feito no ambiente universitário para favorecer a participação política‖? (15)

Dos 11 alunos entrevistados, oito (72,73%) consideram que algo poderia ser feito no ambiente universitário para favorecer a participação política do jovem.

Algumas sugestões foram feitas, a respeitos de alternativas tais como: o incentivo a leituras mais críticas; o acesso a informações sobre política e candidatos (no intuito de conscientizar e incentivar o interesse dos jovens pela política). Constam também aqueles que mencionaram a importância da escolha do curso, ―porque alguns cursos são menos favorecidos em relação às discussões políticas‖.

Dos três (27,27%) alunos que não acreditam que algo possa ser feito no ambiente universitário, as ressalvas feitas envolvem a falta de tempo, tendo em vista que iniciativas desta natureza não podem tomar o tempo do horário destinado as aulas. Houve ainda a alegação de que não há espaço em certos cursos para discussão política (Ciência da Computação, por exemplo), bem como a indicação de que a Instituição (Centro Universitário Barão de Mauá) é muito neutra quando o assunto e o debate político.

Considerações

Nota-se durante as entrevistas que, apesar das limitações existentes, todos os jovens de alguma maneira são capazes de emitirem suas opiniões sobre o assunto. De maneira geral, a visão sobre política está sempre ligada ao ato de votar, aos deveres dos governantes eleitos,

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as leis criadas para sociedade civil, à garantia de direitos, a melhorias sociais para qualidade de vida da população.

Não se trata de uma visão totalmente equivocada, porém são concepções que revelam uma visão institucionalizada sobre o tema, que traduzem a ausência de uma visão mais ampla sobre política, associando-a, por exemplo, aos envolvimentos comunitários e solidários.

A questão da corrupção está muito enraizada nos discursos, com certo tipo de ―mal estar‖ gerado.

É intrigante como essa questão tem relação com a visão que os jovens possuem sobre democracia, tendo em vista que deixam claro em suas falas se tratar de uma ―democracia ilusória‖. Esse tipo de reflexão parece justificar, em boa medida, a falta de interesse geral pela política.

Outro aspecto relevante a ser discutido é sobre a importância de se dar voz e ouvir o ―Outro‖. Isso pode ser aplicada a todas as pessoas, mas em especial o jovem quer ser ouvido, quer expor suas opiniões e através desta pesquisa verificamos que não há espaços sociais fortemente constituídos para discussões políticas.

Em raros momentos acontecem esses debates, com destaque para o espaço acadêmico (universidade/faculdade) e doméstico (família).

Por isto é que cabe também perguntar: qual o papel das instituições e o que elas realmente representam nesta problemática?

Com relação especificamente ao espaço universitário, questiona-se se não seria válido erigir oportunidades destinadas à formação política dos jovens, sejam disciplinas, seminários, encontros, projetos/cursos de extensão que possam tornar mais comum, menos estigmatizado e natural o debate envolvendo política, por meio da valorização de discussões como cidadania, ética, entre outros.

TAVARES, Tatiane; PERINELLI NETO, Humberto. Policy also teaches? concerning Young people and the university area. DIALOGUS. Ribeirão Preto, vol. 7, n.1, 2011, p.157-179.

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ABSTRACT: In this paper we present the proposal to raise the ideas of a group of Young university underground courses, nigth-time, the University Center Barão de Mauá, about politics. It was intended with that data collected in interviews reflect on issues such as political interest among young people, political consciousness and political participation.

KEYWORDS: political participation; youth; education.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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(Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre identidade). São Paulo: PUC , n.1, 1994. ___. (org.). Pesquisa Qualitativa: um instigante desafio. São Paulo,Veras Editora, 1999. MINAYO, M. C. S. (org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução a pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo. Editora Atlas, 1987.

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BALDISSERI, Lorenzo. Diplomacia Pontifícia: Acordo Brasil - Santa Sé. Intervenções. São Paulo: LTr, 2011.

Lilian Rodrigues de Oliveira ROSA*4

O livro ―Diplomacia Pontifícia: Acordo Brasil – Santa Sé.

Intervenções‖ foi publicado pela editora LTr, em 2011. A obra foi escrita quando o autor, Dom Lorenzo Baldisseri, ainda era o Núncio Apostólico da Santa Sé no Brasil, cargo que exerceu entre 2002 e 2011. Seu lançamento disponibilizou uma análise do Acordo Internacional, tornou pública a posição da Santa Sé no que tange às relações internacionais com o Brasil e marcou a despedida do Núncio que, naquele mesmo ano, foi nomeado Secretário da Congregação para os Bispos. O atual representante diplomático do Papa Bento XVI no Brasil é o antigo Núncio da Tailândia e Camboja, Dom Giovanni D‘Aniello.

Em 2012, Dom Baldisseri, com 72 anos, tornou-se o Secretário do Colégio Cardinalício, órgão da instituição católica de onde são nomeados os cardeais que elegerão o novo Papa.

Original da cidade toscada de Barga, Itália, o sacerdote dedica-se ao serviço diplomático pontifício desde 1973, acreditado como Núncio no Haiti, Paraguai, Índia e Nepal, entre outros países 5. Dentre as suas publicações está o livro ―A coragem de anunciar Cristo – Caminho, Verdade e vida‖, que reflete sobre o Documento de Aparecida, de 2007, e artigos científicos que tratam sobre as negociações diplomáticas entre Brasil e Santa Sé nos últimos anos.

O livro é dividido em três partes e contém 248 páginas. A primeira trata brevemente sobre a Santa Sé como sujeito do direito internacional e da sua estrutura diplomática. Aponta que a Igreja Católica Apostólica Romana, quanto as suas instituições e dinâmica operacional,

* Doutoranda em História pela UNESP – Franca; graduada em História e Geografia pelo Centro Universitário Barão de Mauá, onde é docente e coordenadora. 1 CNBB. 07 mar. 2012. Disponível em: <http://www.cnbb.org.br/site/imprensa/internacional/8812-dom-lorenzo-baldisseri-e-nomeado-secretario-do-colegio-cardinalicio>. Acesso em: 28 mai. 2012.

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possuí três entidades distintas: a Santa Sé, o Estado da Cidade do Vaticano e a própria Igreja Católica. O autor esboça as características de cada uma, de acordo com o Direito Canônico, mas preocupa-se em afirmar que elas não se separam ou são autônomas umas das outras. As três têm como amálgama fundamental a missão salvífica da Confissão Católica.

Visando introduzir elementos para a compreensão do Acordo Brasil – Santa Sé, o autor descreve a estrutura institucional na qual se baseia a diplomacia pontifícia. Enfatiza as funções dos representantes diplomáticos, em particular os núncios, e a participação da Santa Sé com o observadora permanente da ONU – Organização das Nações Unidas.

Dom Baldisseri informa sobre a atuação da representação pontifícia em organizações internacionais e as relações com outros Estados soberanos. Dessa forma, ele delineia as relações bilaterais e multilaterais da Santa Sé, com destaque para o papel que busca consolidar na sua política externa: o Papa como mediador neutro de questões internacionais.

Na segunda parte, o Núncio dedica-se às tratativas que levaram ao Acordo Brasil – Santa Sé assinado no dia 13 de novembro de 2008, pelo presidente Lula e pelo Secretário de Estado do Vaticano, Tarcísio Bertone. Além disso, transcreve as versões em português e em italiano, em seguida comenta os vinte artigos do documento.

Ao abordar as relações entre o Brasil e a Santa Sé, o Núncio enfatiza a Proclamação da República, em 1889, e a publicação do Decreto n. 119-A, como responsáveis pelas transformações das relações entre o governo brasileiro e a Igreja Católica.

Ainda nessa parte da obra, Dom Baldisseri publica entrevistas concedidas por ele à Rádio Vaticano e à revista 30 Giorni. Ambas tratam do novo estatuto jurídico e esclarecem os motivos pelos quais foi adotado o termo Acordo e não Concordata para o referido documento.

Na última parte ele transcreve 14 documentos que trazem homilias, discursos e participações em seminários de sua autoria. Os temas abordados nas ―Intervenções‖ envolvem questões polêmicas para

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a Igreja Católica como: ordem, justiça, ciência, racionalismo, desigualdade social e aborto.

Lorenzo Baldisseri enfatiza durante o livro o fato de a Igreja Católica ser uma entidade única, em decorrência de constituir-se, por meio da Santa Sé, como um ente internacional reconhecido pela ONU. Foi essa condição que garantiu a ela firmar um Acordo Internacional com o Brasil, promulgado em 11 de fevereiro de 2010.

O conteúdo do documento tem sido objeto de debates desde então. A discussão envolve particularmente o possível comprometimento da laicidade do Estado Brasileiro ao celebrar um tratado com uma confissão religiosa, teoricamente em detrimento de outras.

Ao ser questionado sobre esta questão por Stefania Falasca, da Revista 30 Giorni, o Núncio Apostólico respondeu:

No que diz respeito à questão da laicidade, digo que uma laicidade não seria autêntica e madura se pretendesse eliminar a importância das raízes da história e da cultura cristãs, e sobretudo do papel das religiões na formação integral da pessoa. Seria laicismo, algo já superado pela história (BALDISSERE, 2011, p.164).

Para o representante diplomático o Acordo, em particular o artigo 11 sobre o ensino religioso, é vantajoso não somente à Igreja Católica, mas também para outras confissões religiosas. Não ferindo desta forma ―laicidade do Estado‖ que ―tem que ser neutro, não ideológico‖ (BALDISSERI, 2011, p.171).

O Núncio reconhece que o Decreto n. 119-A publicado em sete de janeiro de 1890, que separou o Estado e a Igreja Católica, já havia definido a personalidade jurídica da Mitra Diocesana. Contudo, ao longo do século XX teriam se consolidado ―práticas consuetudinárias‖ que exigiam ―uma adequada regulamentação, que se protelou até os dias de hoje‖ (BALDISSERI, 2011, p.56-57).

No que tange ao Acordo não há dúvidas que ele visa garantir os interesses da Igreja Católica junto ao Estado. Foi assinado um documento de natureza internacional que regulamenta e reúne questões

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fundamentais para a manutenção e expansão institucional da Igreja no Brasil. Quanto à publicação do livro é indiscutível que se trata de uma estratégia de divulgação do próprio Acordo. Como membro do corpo diplomático pontifício e, portanto, falando em nome da Santa Sé, Dom Baldisseri sai à frente ao publicar a interpretação oficial da Igreja sobre o documento.

Nesse sentido, deve-se levar em conta que esta é uma obra escrita ―de dentro‖ da Igreja. Sem dúvida concebida como um documento de inserção política. Em outras palavras, uma vez promulgado o Acordo Brasil – Santa Sé é hora de buscar meios de implantá-lo, uma das formas de fazê-lo é difundindo o seu conteúdo.

É uma obra útil em vários sentidos e para vários públicos. Serve aos estudos sobre educação religiosa nas escolas, à historiografia das religiões. Interessa particularmente àqueles que se dedicam ao tema das relações internacionais e à compreensão da atuação da Igreja Católica no Brasil, especialmente das suas relações com o Estado.

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ÍNDICE DE AUTORES/AUTHORS INDEX

AGUIAR, Leonardo Marques Fernandes; 123.

GOMES, Bruno Severo; 33.

JARDIM, Danilo Gomes; 123.

MAIA, Lenice Campos; 33.

PINHEIRO, Maria de Fátima Gaspar; 33.

MELLO, Rafael Cardoso de; 93.

OLIVEIRA, Lélio Luiz de; 21.

PAZIANI, Rodrigo Ribeiro; 93.

PERINELLI NETO, Humberto; 157.

ROSA, Lilian Rodrigues de Oliveira; 181.

SAMBRANO, Taciana Mirna; 13.

SAVENHAGO, Igor José Siquieri; 71.

SOUZA, Juliana Mello; 57.

SQUILACI, Tânia Cristina Pedreschi Rodrigues; 137.

TAVARES, Tatiane; 157.

VASCONCELOS, Paulo Eduardo de Paula Lopes; 13.

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ÍNDICE DE ASSUNTOS

alfabetização; 137. análise discursiva; 71.

análise historiográfica, 21. biografia; 93. cartas; 71.

conceptualização metafórica; 57. crise econômica; 71. cultura; 93. desenvolvimento sustentável; 13. detentas; 71.

detentos; 71.

discurso midiático; 57. diplomacia pontifícia; 181. educação; 157. educação ambiental; 13. ensino e pesquisa; 21. Estudantes; 13. história regional; 21. hospital; 33; humanização; 33. indústria; 93.

juventude; 157. letramento; 137. linguagem; 33, 57, 71. metodologia, 21. Michelle Sato; 13. modernidade; 123. palhaços; 33. participação política; 157. prática docente; 137. prisão; 71. propagandas de jornais; 123. Ribeirão Preto; 93, 123 Santa Cruz do José Jacques; 123.

urbanização; 93, 123.

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SUBJECT ÍNDEX

advertisements in newspapers; 123. biography; 93.

clowns; 33.

culture; 93. discursive analysis; 71.

economic crisis; 71.

education; 157. environmental education; 13. female prisoners; 71. historical analysis; 21.

hospital; 33.

humanization; 33.

industry; 93.

language; 33, 57, 71.

letters; 71. literacy; 137.

media discourse; 57.

metaphor conceptualization; 57.

methodology; 21. Michele Sato; 13. modernity; 123.

papal diplomacy; 181. political participation; 157. prison; 71. prisoners; 71. regional history; 21. Ribeirão Preto; 93, 123. Santa Cruz do José Jacques; 123. sustainable development; 13.

students; 33.

teaching and research; 21. teaching practice; 137. urbanization; 93, 123. youth; 157.

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Normas para publicação na revista DIALOGUS

Normas para apresentação de original

Apresentação: Os trabalhos devem ser redigidos em português e

encaminhados via e-mail, em dois arquivos separados:

- um completo (Conforme estrutura do trabalho, abaixo proposta);

- outro sem qualquer identificação do autor e com indicação da área e da sub-

área do trabalho, segundo tabela Capes.

Os textos devem ser digitados em Word (versão 6.0 ou superior), fonte 11, tipo

Arial Narrown, tendo, no máximo, vinte e cinco páginas (salvo exceção). A

configuração da página deve ser a seguinte: tamanho do papel: A4 (21,0 x 29,7

cm); margens: superior e inferior: 7,3 cm; direita e esquerda, 5,3 cm.

Espaçamento: espaço simples entre linhas e parágrafos; espaço duplo entre

partes do texto e entre texto e exemplos, citações, tabelas, ilustrações etc.

Adentramento: parágrafos, exemplos, citações: tabulação 1,27 cm.

No que tange ao conteúdo dos artigos, os dados e conceitos emitidos nos

trabalhos, bem como a exatidão das referências bibliográficas, são de inteira

responsabilidade dos autores.

Não serão aceitos trabalhos fora das normas aqui estabelecidas.

Estrutura do trabalho

Os trabalhos devem obedecer à seguinte seqüência: Título; Autor(es - por

extenso e apenas o sobrenome em maiúsculo); Filiação científica do(s) autor(es)

- indicar em nota de rodapé: Universidade, Instituto ou Faculdade,

Departamento, Cidade, Estado, País, orientação, agência financiadora (bolsa

e/ou auxílio à pesquisa); Resumo (com máximo de sete linhas); PALAVRAS-

CHAVE (até cinco); Texto (subtítulos, notas de rodapé e outras quebras devem

ser evitadas); Abstract e Keywords (versão para o inglês do resumo e dos

PALAVRAS-CHAVE precedida pela referência bibliográfica do próprio artigo);

Referências Bibliográficas (trabalhos citados no texto), com indicação de

tradução (no caso de obras estrangeiras) e número da edição.

• Título: centralizado, letras em maiúsculo, negrito e fonte 12.

• Subtítulos: sem adentramento, apenas a primeira letras do subtítulo deve ser

maiúscula e fonte 12.

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• Nome(s) do(s) autor(es): nome completo na ordem direta, na segunda linha

abaixo do título, alinhado à direita. Letras maiúsculas apenas para as iniciais e

para o sobrenome principal. Fonte 12.

• Resumo: a palavra RESUMO em maiúsculas, em negrito, seguida de dois

pontos, na terceira linha abaixo do nome do autor, sem adentramento. Na

mesma linha iniciar o texto de resumo.

• PALAVRAS-CHAVE: a expressão PALAVRAS-CHAVE em maiúsculas, em

negrito, seguida de dois pontos, na segunda linha abaixo do resumo e uma linha

cima do início do texto. Separar os PALAVRAS-CHAVE por ponto e vírgula.

-Referência bibliográfica completa do próprio trabalho em inglês, conforme o

exemplo:

PÁDUA, Adriana Suzart de. Change and continuity. Comparative notes about

Venezuela´s Bolivarian Constitution. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.X, n.X, 200X,

p. X.

• Abstract: a palavra ABSTRACT em maiúsculas, em negrito, seguida de dois

pontos, na segunda linha abaixo da referência bibliográfica completa do próprio

trabalho em inglês, sem adentramento. Na mesma linha, iniciar o texto do

abstract.

• Keywords: a palavra KEYWORDS em maiúsculas, em negrito, seguida de dois

pontos, na segunda linha abaixo do abstract. Utilizar no máximo cinco keywords

separados por ponto e vírgula.

- Referências Bibliográficas: a palavra REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS em

maiúsculas, em negrito, seguida de dois pontos, na segunda linha abaixo do

keywords. Devem ser dispostas em ordem alfabética pelo sobrenome do

primeiro autor e seguir a NBR 6023 da ABNT.

Abreviaturas - os títulos de periódicos devem ser abreviados conforme o

Current Contents. Exemplos:

Livros e outras monografias

LAKATOS, E. M., MARCONI, M. A. Metodologia do trabalho científico. 2. Ed.

São Paulo: Atlas, 1986. 198p.

Capítulos de livros

JOHNSON, W. Palavras e não palavras. In: STEINBERG, C. S. Meios de

comunicação de massa. São Paulo: Cultrix, 1972, p.47 - 66.

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190

Dissertações e teses

BITENCOURT, C. M. F. Pátria, Civilização e Trabalho. O ensino nas escolas

paulista (1917-1939). São Paulo, 1988. Dissertação (mestrado em História) -

FFLCH, USP.

Artigos e periódicos

ARAUJO, V.G. de. A crítica musical paulista no século XIX: Ulrico Zwingli.

ARTEunesp (São Paulo), v.7, p.59-63, 1991.

Trabalho de congresso ou similar (publicado)

MARIN, A. J. Educação continuada: sair do informalismo? In: CONGRESSO

ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES, 1, 1990.

Anais... São Paulo: UNESP, 1990, p.114-118.

Citação no texto: O autor deve ser citado entre parênteses pelo sobrenome,

separado por vírgula da data de publicação: (BECHARA, 2001), por exemplo. Se

o nome do autor estiver citado no texto, indica-se apenas a data entre

parênteses: ―Bechara (2001) assinala ...‖. Quando for necessário especificar

página(s), esta(s) deve(m) seguir a data, separada(s) por vírgula e precedida(s)

de p. (MUNFORD, 1949, p.513). As citações de diversas obras de um mesmo

autor, publicadas no mesmo ano, devem ser discriminadas por letras minúsculas

após a data, sem espacejamento (PESIDE, 1927a) (PESIDE, 1927b). Quando a

obra tiver dois autores, ambos são indicados, ligados por & (OLIVEIRA &

LEONARDO, 1943) e quando tiver três ou mais, indica-se o primeiro seguido de

et. al. (GILLE et. al., 1960).

Notas - Devem ser reduzidas ao mínimo e colocadas no pé da página. As

remissões para o rodapé devem ser feitas por números, na entrelinha superior.

Anexos e/ou Apêndices - Serão incluídos somente quando imprescindíveis à

compreensão do texto.

Tabelas - Devem ser numeradas consecutivamente com algarismos arábicos e

encabeçadas pelo título.

Figuras - Desenhos, gráficos, mapas, esquemas, fórmulas, modelos (em papel

vegetal e tinta nanquim, ou computador); fotografias (em papel brilhante);

radiografias e cromos (em forma de fotografia). As figuras e suas legendas

devem ser claramente legíveis após sua redução no texto impresso de 10,4 x

15,1 cm. Devem-se indicar, a lápis, no verso: autor, título abreviado e sentido da

figura. Legenda das ilustrações nos locais em que aparecerão as figuras,

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191

numeradas consecutivamente em algarismos arábicos e iniciadas pelo termo

FIGURA.

Anexo(s): introduzir com a palavra ANEXO(S), na segunda linha abaixo da

Referencia bibliográficas, sem adentramento. Continuar em nova linha, sem

espaço.

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EQUIPE DE REALIZAÇÃO

Coordenação Profª Esp. Cláudia Helena Araújo Baldo

Prof. Ms. Cícero Barbosa do Nascimento Prof. Dr. Humberto Perinelli Neto

Profª Ms. Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa

Diagramação

Revisão Técnica (Normas) Profª Esp. Cláudia Helena Araújo Baldo

Prof. Ms. Cícero Barbosa do Nascimento Prof. Dr. Humberto Perinelli Neto

Profª Ms. Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa

Revisão Técnica (Língua Estrangeira)

Assessoria Discente

SOBRE O VOLUME

Mancha: 9,6 X 17,7 Tipologia: Arial Narrown

Papel: Sulfite 75g Matriz:

Tiragem: 450 exemplares

Produção Gráfica Editora e Gráfica Padre Feijó Ltda.

Rua Carlos Chagas, 306 - Jardim Paulista CEP 14090-190

Fone: (16) 3632-2131 - Ribeirão Preto – SP

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