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CENTRO UNIVERSITÁRIO “BARÃO DE MAUÁ” DIALOGUS revista das graduações em licenciatura em História, Geografia e Pedagogia ISSN 1808-4656 Ribeirão Preto v.7 n.2 2011 p.1-133

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CENTRO UNIVERSITÁRIO “BARÃO DE MAUÁ”

DIALOGUSrevista das graduações em licenciatura em

História, Geografia e Pedagogia

ISSN 1808-4656Ribeirão Preto v.7 n.2 2011 p.1-133

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FICHA CATALOGRÁFICADIALOGUS (Graduações em Geografia, em História e em Pedagogia – Centro Universitário “Barão de Mauá”)

Ribeirão Preto, SP – Brasil, v.7, n.2, ago/dez 2011. Semestral

14,7 X 20,7. 133p.

2011, 7-2ISSN 1808-46561. Educação. 2. História. 3. GeografiaI. Centro Universitário Barão de Mauá.II. Cursos de Graduação em Licenciatura em História, em Geografia e em Pedagogia.CAPA: “Evolução da Educação”, autoria: Sandra Araújo

DIALOGUS é uma publicação semestral dos cursos deHistória e Pedagogia mantidos pelo Centro UniversitárioBarão de Mauá, Ribeirão Preto, SP. Solicita-se permuta. Asopiniões emitidas são de responsabilidade dos autores. Épermitida a reprodução total ou parcial dos artigos desdeque citada a fonte.

EXPEDIENTEReitoraProfª. Me. Maria Célia PressinattoPró-Reitoras de EnsinoProfª. Drª. Dulce Maria Pamplona Guimarães eProfª. Drª. Joyce Maria Worschech GabrielliDiretoresSr. José Favaro JúniorSr. Guilherme Pincerno FavaroSra. Neusa Pincerno TeixeiraSrª. Elizabeth M. Cristina Pincerno Favaro e SilvaSr. Carlos César Palma SpinelliSr. Marco Aurélio Palma SpinelliDepartamento Didático PedagógicoProfa. Esp. Dulce Aparecida Trindade do ValProf. Ms. Geraldo Alencar RibeiroCoordenadora da Graduação em HistóriaProfa. Ms. Lilian Rodrigues de Oliveira RosaCoordenador da Graduação em PedagogiaProf. Ms. Cicero Barbosa do Nascimento

Comissão Editorial

Prof. Ms. Cícero Barbosa do NascimentoProfa. Esp. Cláudia Helena de Araújo BaldoProfa. Dra. Lilian Rodrigues de Oliveira RosaProf. Ms. Rafael Cardoso de Mello

Conselho Editorial

Andréa Coelho Lastória, profª DrªAntônio Aparecido de Souza, prof. Ms.Antônio Carlos Lopes Petean, prof. Ms.Beatriz Ribeiro Soares, profª DrªCharlei Aparecido da Silva, prof. Dr.Dulce Maria Pamplona Guimarães, profª. Drª.Edvaldo Cesar Moretti, prof. Dr.Fábio Augusto Pacano, prof. Ms.Fábio Fernandes Villela, prof. Dr.Francisco Sergio Bernardes Ladeira, prof. Dr.Ivan Aparecido Manoel, prof. Dr.José William Vesentini, prof. Dr.Aparecida Turolo Garcia, profª DrªJosé Luís Vieira de Almeida, prof. Dr.Lélio Luiz de Oliveira, prof. Dr.Marcos Antonio Gomes Silvestre, prof. Ms.Marilia Curado Valsechi, profª DrªMaria Lúcia Lamounier, profª DrªNainora Maria Barbosa de Freitas, profª DrªPedro Paulo Funari, prof. Dr.Renato Leite Marcondes, prof. Dr.Robson Mendonça Pereira, prof. Dr.Ronildo Alves dos Santos, prof. Dr.Sedeval Nardoque, prof. Dr.Silvio Reinod Costa, prof. Dr.Solange Vera Nunes Lima D’Água, profa.Dra.Taciana Mirna Sambrano, profª Drª

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PREFÁCIO

Prefaciar a Dialogus é sempre extremamente prazeroso pois é o momentoem que temos em mãos, concretamente, os desdobramentos e os resultados danossa produção acadêmica e a sua divulgação, objetivos fundamentais da institui-ção universitária.

Abre este número uma entrevista concedida pela profª. drª. Maria de Fáti-ma C. G. de Matos sobre a história das artes visuais em nossa cidade. Logo emseguida é apresentado um dossiê sobre a educação brasileira no século passado.O primeiro artigo de autoria de Ramires S. T. Carvalho, centra-se na formação do-cente destacando a importância da construção de sua identidade profissional. Osegundo da professora Daniele M. Carvalho e profª. drª. Filomena E. P. Assolinevolta-se também à formação docente priorizando as suas memórias de leitura.Compondo ainda este dossiê, contamos com o artigo de Luís Fernando de Oliveiraque traça uma correlação entre a crise dos valores básicos no chamado mundopós-moderno e a educação brasileira à luz do pensamento de Nietzsche.

Outros dois artigos discorrem sobre aspectos da história da religião cató-lica em nosso país. O do esp. Rafael J. Silveira que se debruça sobre a resistênciacatólica diante das propostas da concepção liberal de educação no período que vaide 1930 até o início da década de 1960 e o da profª. drª. Lilian R. de Oliveira Rosaque se propõe compreender as estratégias de negociação entre a Igreja católicabrasileira, a Santa Sé e o Estado nos primeiros anos da República.

O prof. esp. Moreno, em seu artigo Descartes e sua descoberta da subs-tância espiritual, discute alguns aspectos, como o racionalismo, a dúvida radical, oespírito e a matéria, na filosofia cartesiana. A nova lei do aviso prévio, em umaperspectiva histórica, é abordada pelo Bel. Marco Antônio Batista.

Mais uma vez, portanto a Dialogus aprimora-se com trabalhos de qualida-de que nos trazem informações, provocam crítica, reflexão e, o mais importante,impulsionam novas pesquisas.

Reitoria do Centro Universitário Barão de Mauá

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Apresentação do segundo número do sétimo volume

A cada vez que vemos materializados artigos, entrevistas e demais textosem nossa revista, mais temos a certeza de que nosso caminho foi bem trilhado,bem conduzido.

A entrega deste volume cristaliza a importância que a Revista Dialogusadquiriu ao longo destes sete anos no Centro Universitário Barão de Mauá, paranão citar a região de Ribeirão Preto e o Brasil.

Assumimos estas esferas de importância na medida em que nossos cola-boradores advém das mais variadas Instituições de Ensino Superior do país. Sãoprofessores e pesquisadores provenientes de universidades e faculdades públicas(estaduais e federais) e privadas, participando efetivamente destes diálogosinterdisciplinares – marca de nosso periódico – das áreas de Educação,Epistemologia e História.

Destacamos neste segundo número de 2011 a entrevista de Adriana Silvacom Maria de Fátima Costa Garcia de Matos. Uma lição sobre arte e sobre asrelações da entrevistada com o universo artístico.

O nosso dossiê, desta vez, focou nas questões educacionais. “A educa-ção brasileira no século XX”, foi o tema que movimentou nossos colaboradores.Iniciamos com Ramires Santos Teodoro Carvalho e a sua produção sobre a trajetó-ria da profissão professor, ao longo do último século. Já Daniele Machado Carvalhoe Filomena Elaine de Paiva Assoline nos emprestaram suas ideias quanto as me-mórias de leituras e a formação dos professores em sua fase inicial. Fechando onosso dossiê, Luis Fernando de Oliveira escreve sobre educação e ética no Brasil,a partir dos preceitos da filosofia de Nietzsche.

Os demais artigos são igualmente ricos, cada qual com sua temática, ob-jeto e problematizações.

Rafael José da Silveira produz um interessante artigo sobre a resistênciacatólica frente ao discurso neoliberal. Outro texto que se fez presente nesta ediçãose faz no campo da epistemologia – “Descartes e a descoberta da substância espi-ritual”, do autor Luis Carlos Moreno. Marco Antonio Batista analisa a urgente ques-tão sobre o aviso prévio e a história do Direito do Trabalho, e, finalizando estesegundo número do ano de 2011, Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa avalia a com-plexa relação entre o Estado brasileiro, a Santa Sé e a Igreja Católica durante osidos de 1889 a 1991.

Comissão Editorial

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SUMÁRIO/SUMMARY

ENTREVISTA/INTERVIEW

9 Um pouco da história das artes visuais de Ribeirão Preto: entre-vista com Maria de Fátima da Silva Costa Garcia de Mattos.A little bit of history of the visual arts of Ribeirão Preto: interview wirhMaria de Fátima da Silva Costa Garcia de Mattos.

Adriana SILVA

DOSSIÊ/SPECIAL“A educação brasileira no século XX”

19 Trajetória da profissão docente durante o século XX.The trajectory of teaching profession during the twentieth century.

Ramires Santos Teodoro CARVALHO

31 Memórias de leituras e formação inicial de professores.Memories of reading and initial teacher formation.

Daniele Machado CARVALHOFilomena Elaine Paiva ASSOLINI

53 A educação para a ética no Brasil fundamentada na filosofia

nietzschiana.Education for ethics in Brazil from nietzschean philosophy.

Luis Fernando de OLIVEIRA

ARTIGOS/ARTICLES

67 A resistência católica ao avanço da concepção liberal da educa-ção no Brasil (1930-1961).The Catholic resistance and advancement of the liberal conception ofeducation in Brazil.

Rafael José da SILVEIRA

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79 Descartes e sua descoberta da substância espiritual.Descartes and his discovery of spiritual substance.

Luís Carlos MORENO

95 A história do Direito do trabalho e a nova lei do aviso prévio.The history of the Labour Law and the new Law of prior notice.

Marco Antonio BATISTA

111 Estratégias de negociação entre a Santa Sé, o Estado brasileiro ea Igreja Católica local entre 1889 e 1991.Strategies and negotiations between the Holy See, the Brazilian state andthe local Catholic church between 1889 and 1991.

Lilian Rodrigues de Oliveira ROSA

127 Índice de autores/Authors index.

128 Índice de Assuntos.

129 Subject Index.

130 Normas para publicação na revista DIALOGUS.

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ENTREVISTA/INTERVIEW

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UM POUCO DA HISTÓRIA DAS ARTES VISUAIS DERIBEIRÃO PRETO: ENTREVISTA COM MARIA DEFÁTIMA DA SILVA COSTA GARCIA DE MATTOS *

Adriana SILVA**

Inicialmente a entrevista objetivava buscar informações sobre os imigran-tes italianos Bassano Vaccarini, Leonello Berti e Pedro Caminada Manuel-Gismondi- os três artistas plásticos. Ao final, mostrou-se um material interessante para oentendimento sobre a história das artes em Ribeirão Preto. A professora Dra. Mariade Fátima, ao revelar sua trajetória acadêmica, contribui com informações parauma maior compreensão sobre o universo educacional.

Adriana Silva – Defina arte.Maria de Fátima – É uma pergunta difícil para a gente que trabalha com arte, masvou te devolver com uma colocação. Quando eu comecei com meus 17 anos, quandoeu entrei na Faculdade, logo na primeira semana de aula, eu perguntei ao entãoprofessor Pedro Caminada Manuel-Gismondi, como ele gostava que a gente selembrasse sempre, o nome completo dele. E eu sempre muito atrevida, muito fa-lante, perguntando muito, e ele falando sobre a contemplação sobre a fruição esté-tica e eu perguntei a ele: em resumo, o que é arte professor? E ele me respondeu:que a arte era a expressão do sentimento contemplado,

1) E o que era uma definição dele, se tornou uma definição sua?Maria de Fátima – Pra mim se tornou. Eu fiquei com isso, e você bem pode obser-var, que hoje, 35, quase 40 anos depois, eu tenho isso vivo, mas aprendi com issorealmente que a expressão da arte vem exatamente dessa contemplação que nóstemos, que nós fazemos, uma contemplação do objeto, a contemplação da ideia, acontemplação que na verdade vai nutri o meu fazer artístico. Porque o fazer nãonasce pelo próprio impulso, pela própria criatividade, eu antes disso tenho aqueleprocesso platônico da ideação no momento em que eu vou colocando, isso tam-bém vai me permitindo sentir fazer uma outra espécie de trabalho interior comigomesma. Eu acho que é nessa relação, talvez um pouco catártica, que eu de repen-te me auto realizo, eu contemplo. E quando eu contemplo o objeto, que é esta ideia* Entrevista feita com a Professora, Pedagoga e Doutra em Artes pela ECA-USP, Maria de Fátima daSilva Costa Garcia de Mattos.** Jornalista, escritora e Doutora em Educação pela UFSCar. Email para contato: [email protected]

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formada, eu acredito que aí também eu me contemplo como pessoa, como ser e,nesse sentido eu entendo, aquilo é arte. Porque arte acima de tudo eu acho que elanão faz esse caminho se ela não fosse exatamente no sentido literal dela. Arte ésensibilidade. Eu acho que arte sem sensibilidade nós não temos diálogo, nós nãoformamos dialogo sem sensibilidade. Então é por isso que eu acredito que é umcaminho realmente. Eu contemplo um objeto, uma ideia, aquilo que eu venho for-mando para que ao contemplar eu possa ter nessa fruição estética, eu consigacaptar dela, via sensibilidade, via criação, via outros elementos, que aí sim, eu medou conta: isso é arte.

2) A arte precisa ser entendida?Maria de Fátima – Não. Eu acho que talvez como a gente costuma ensinar, arte éuma linguagem universal. Ela está presente em tudo, em todos e acho que emqualquer lugar do mundo. Independe da nação, da língua falada, ou da maneiramais inteligível possível de se adequar e conviver com o social. A arte está presen-te em tudo. Então eu acredito que a arte é muito a sua maneira de olhar, a suamaneira de ver e, principalmente hoje, depois de tantos anos trabalhando com arte,eu muitas vezes me questiono se muitas vezes não é somente o olhar da gente queé muito mais artístico que o próprio fazer. Eu acredito que o olhar é mais artístico.Você vê, você olha determinado local, com um olhar mais sensível àquilo que olocal lhe oferece e você obviamente ao vê-lo você o interpreta artisticamente. Evocê é capaz de ver como se fosse uma paisagem, uma coisa que modifica, vocêolha e você vê aquilo e ninguém mais enxerga. Esse olha eu acho que faz partedesse sensível que todos nós internalizamos, temos conosco e que eu acho que éisso que a gente vê quando abre os olhos. A gente abre essa câmara do sensívelque nós temos. Por isso que eu não vejo a arte, eu aprendo a ler a arte. Eu aprendoa ler artisticamente um produto, uma figura, uma ideia. Aquilo que eu na verdadetenho na minha frente. Eu acho que a arte faz parte de uma leitura.

3) É Possível haver arte naquilo que não é belo, logo naquilo que é feio?Maria de Fátima – Talvez a gente devesse fazer uma regressão exatamente aoconceito de gosto, ao conceito do que é belo e do que é feio. Na verdade o belopara mim é o belo platônico, é o ideal de beleza. O belo para mim se concentra naperfeição., que era aquele belo platônico. Ele é a perfeição em si, mas ele é aperfeição alcançada pelo trabalho. Ele é a perfeição alcançada pela visão do artistana obra. Ele é essa perfeição que me leva a um trilhar de uma maneira mais ade-quada naquela concepção. Na concepção artística. Na concepção daquilo que está

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sendo realizado. Se é feio, eu volto na resposta anterior, ele é um critério do olharde quem vê. Para quem vê muitas vezes o feio é de uma beleza incomensurável.E o gosto, eu acho que na verdade se eu gosto mais porque acho isso belo ou segosto menos porque acho isso feio, ao mesmo tempo eu penso um pouco emBourdieu quando ele fala da distinção, quando ele fala sobre o gosto. E na verdadeele vai buscar um parâmetro. Muitas vezes eu não tenho como desenvolver o gostose eu não consegui trilhar o meu lado do olhar sobre o social. E dependendo deonde eu venho, de como eu me porto e onde eu me insiro. O meu gosto, eu possomoldá-lo. Eu posso vir a conquistá-lo porque eu tenho que ter essa definição, essediscernimento. Na verdade eu acho que não existe o belo e o feio. Entre a doçurada bela e a fera eu acho que é só a beleza que se aprimora não a máscara da fera.

4) Fale sobre o Bassano Vaccarini como professor.Maria de Fátima – Como professor o Vaccarini era um encanto. Eu me lembro delejá nos anos 1970, eu fui aluna dele entre 1973, 1980. Sempre muito perfeccionista,exigente. A quantidade de telas, de exercícios, que propostas que ele nos pedia erauma coisa quase que feita de maneira industrial. Eram dez para a próxima aula,eram quinze para a próxima aula, e ele não tinha medida, mas eu acho que isso eramuito do espírito artístico dele. Ele era um artista que a ente percebia que no con-tato com o fazer artístico não tinha medida. Ele se dedicava como um todo. A gentepercebia a força com que ele colocava aquela bisnaga na tela, e a gente percebiaque ele também não tinha medida. Como ele também não tinha medida na escultu-ra. Eu digo isso porque ele não tinha horário. Ele não era aquela pessoa disciplina-da que dependia de determinados momentos para poder fazer. Ele se imbuia des-se fazer, que na verdade esteticamente é o grande prazer. Era onde ele ia fazendocada vez mais e eu acho que isso ele tinha em relação aos seus alunos. Elecobrava na mesma violência de solicitação. Mas como professor ele era perfeito. Alembrança que me traz uma paixão muito gostosa foram as duas especializaçõesque eu fiz com ele: do Laboratório Vivencial do Artista no Teatro e a sobre Cenogra-fia e Indumentária. Nunca pensei em viver o aprendizado de alguma coisa quefosse cênica e composição cênica ao mesmo tempo e chegávamos ao ponto comode fato chegamos, eu encenei naquela época Damas das Camélias, eu fazia opapel da Margarida e ele uma vez brincando comigo falou: eu só lhe dou dez sevocê chorar. Eu tinha uma terrível ansiedade e preocupação com aquilo. Eu ensai-ava com meu pai e com minha mãe todas as noites, televisão era pouca naquelaépoca, eu ensaiava o texto de maneira que meu pai e minha mãe pudessem sermeu crivo principal. E um belo dia, falando naquela empolgação eu esbocei uma

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emoção e eu vi que nos olhos do meu pai ele ficou muito vaidoso vendo sua filhaencenar alguma coisa. E eu levei tudo aquilo para a peça. A minha mãe ajudou,naquela época tinha um cristal japonês que a gente usava para tratar a enxaquecae, naquela época eu usava e me ajudou muito eu poder chorar. Mas eu livrementeconseguia a emoção. E ele me deu dez. Só que na verdade o que foi muito legal,que eu acho que o curso trouxe muita contribuição para nós, eu fui a terceira turmado Curso de Educação Artística, é que nós montávamos as pranchas, desenháva-mos os cenários, desenhávamos os personagens em aquarela, na verdade naque-la época, na Língua Portuguesa a “ecoline” a tinta francesa que a gente compravanaquela época, nós pintávamos de uma forma liquida, transparente, que ele diziaque era essa a sutileza que ele queria de nós, essa sensibilidade, essa leveza queele queria de nós no palco. Então as tintas com que eu fazia as pranchas no dese-nho tinham que ficar bem liquida. Eu guardei isso dele. Era uma forma muito ele-gante que ele tinha de passar para nós esse fundamento das Artes Cênicas. Utilizeibastante enquanto professora do Ensino Fundamental.

5) Apesar de morar em Ribeirão Preto, Vaccarini sempre se manteve italiano?Maria de Fátima – Italianíssimo. Poucas palavras ele falava em português. Era umItaliano aportuguesado, e sempre falante, estabanado, da mesma forma que o Pedro,e da mesma forma que o Berti, ainda que esse mais contido. Eram professores quea gente percebia que tinha um espírito tão grande que eu acho que o fato de seraquela grandeza italiana, aquela grandeza romana como a gente vê na arte italianade uma maneira geral. Eles eram uma presença contínua no prédio onde a gentetinha aula. O que eu quero dizer com isso? Que o espírito deles era tão grande, quepreenchia o local. Quando acabava a aula e o professor saia, parecia que ficavatudo vazio e a minha turma tinha cento e vinte alunos.

6) Fale um pouco sobre sua experiência artística e de convivência com o PedroManuelMaria de Fátima - Eu tinha uma admiração muito grande, em primeiro lugar, pelaaula que ele dava. Eu acho que é onde o professor normalmente vai, era uma umespelho. A gente vai se afeiçoando a algumas coisas e depois um dia, a gente vaibuscando naquela imagem e naquela pessoa, alguma coisa que você fala: um diaeu quero ser como ele. Eu tinha dele uma imagem docente muito bonita, muitoboa. Ele tinha uma aula extremamente difícil, era uma aula difícil de conteúdo, defala, porque você imagina uma sala de 120 alunos, uma italiano falando poucoportuguês, e na medida em que a gente perguntasse, nem sempre ele gostava.

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Uma vez ele pediu o projetor de slides e o rapaz demorou para trazer e quando ofuncionário trouxe, a lâmpada estava falhando. Eu sentava na primeira fileira, claro,e eu sentada ao lado do tripé de madeira usado para projetar lá na lousa. Quandoo projeto foi ligado, a lâmpada estava com meia vida, e a lâmpada falhou uma vez,falhou a segunda, o Professor Pedro muito intempestivo, até o chamar o rapas denovo ele ficou irritado e chutou com o pé aquele tripé e eu senti o peso da lâmpadado projetor de slides no meu dedão. E aquilo me deixou, que eu não sabia comofazer, eu tinha de chorar, doeu muito. Era a intempestividade dele. Isso era muitopróprio dele. Ele ficou bravo com uma aluna, uma amiga inclusive, ele ficou bravocom ele e tirou os óculos e arremessou porque ela tinha feito uma pergunta que erameio fora de hora para ele. E ele então arremessou e a perna do óculos quebrou. Eele passou até o final do ano com a perna do óculos embrulhadinha num espara-drapo branco que quando ela caia ele colocava em cima da mesa e quando preci-sava do óculos, ele o colocava sem a alça e segurava com a mão e continuavadando aula para nós gesticulando somente com a outra mão. Eu acho que essecritério todo, na verdade, essa intempestividade toda dele, eu acho que era o seulado artista. Esse não era o lado docente. O lado docente era aquele que queriaque a gente aprendesse. Era aquele que eu tenho certeza que eu herdei. Era aque-le lado que a gente fica possessa, porque a gente ensina com prazer, a gente sedoa, a gente mostra obra, volta na obra, lê a obra como todo, explica, disseca aobra toda em planos, em linhas, em cores, em volume, e você está passando aque-le conteúdo com a alma e você percebe que a recíproca não é verdadeira.Hoje, tantos anos passados, eu entendo os acessos que ele tinha. Ele era umaartista. Num pais recém chegado, principalmente que nos anos 70, nós não tínha-mos essa herança, principalmente no interior. Que herança nós tínhamos de cultu-ra artística? Então se deparar com um grupo de italianos, educados na própriaItália, educados em uma escola italiana, numa escola italiana, veja bem, eu te digo,aquele menino escolar cuja a história corre na veia, que sabe contar pedra porpedra da rua, do paralelepípedo porque Le tem a história no sangue, diferentemen-te de nós brasileiros. Então eles trazendo isso, nós tínhamos assim, uma venera-ção em poder vê-los trabalhar. Eu pensava sempre, como ele consegue dar aula eele não lê nada. Isso eu incorporei.

7) E a arte do Pedro?Maria de Fátima – Eu acho que a arte do Pedro não era meiga, não era doce. Euacho que ele tinha a singeleza artística no próprio temperamento dele, nos doislados que todos nós temos, mas era muito mais expressiva, mais expressionista,

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era mais pastosa, talvez a maneira de ver dele fosse mais atenta, mais agressiva,naquilo que ele fazia. Uma coisa que me chama a atenção, quando o Pedro teveum derrame e eu fui visitá-lo, é a quantidade de obra que ele tinha do ateliê dele.Efoi uma pessoa que dentro de Ribeirão Preto ficou muito lembrada como o profes-sor de todos, mas a sua obra especificamente eu acho que foi pouco comentada.Talvez porque ele também fosse uma pessoa nesse sentido mais introspectiva.

8) Além do universo acadêmico, como foi sua relação com o professor Gismondi?Maria de Fátima – Ele tinha uma monitora fixa, que era uma monitora de aula, queera a professora Maria Elizia Borges e posteriormente se tornou uma docente nocurso. Eu monitorava as provas que nós chamávamos do corredor da morte, por-que ficávamos todos enfileirados e era prova oral. Nós entrávamos nas saletas decada um dos docentes e aí então ele passava aqueles famigerados dez slides, oque eu também fiz durante muito anos na minha depois como professora. Elepassava e nós tínhamos que saber e era zero ou dez. Ou eu sabia ou eu não sabia.E tinha uma lista extensa das coisas que nós tínhamos que saber que tinha naque-les slides; século, data, quem era o pintor, nome de obra, que técnica era... Entãoera um aprendizado mais consistente. Eu era então aquele que monitorava todosos carretéis dele e montava, a cada aluno que entrava, dez diferentes. Ele nãoadmitia sequer que a gente dissesse: dá licença, eu queria usar o sanitário. Elerespondia. Não, você não pode, você fica. Primeiro nós temos que cumprir a prova,depois você vai. Pra surpresa minha, eu comecei a lecionar no ensino superior em77 em outra cidade e em Ribeirão Preto em 81, quando foi criada a Faculdade deArquitetura de Ribeirão Preto. Foi convidado um corpo docente de elite, professo-ras Daici, Maria Elizia, Prof. Pedro, Francisco Amêndola, como professor de foto-grafia e outros excelentes professores que a memória falha. E o professor Pedroteria que ter alguém para revezar, porque ele estava em uma fase que ele nãoqueria mais assumir aulas todas as semanas num curso, era uma cara horáriamuito extensa. E ele então disse que tinha uma pessoa que trabalhava ali quepoderia dividir com ele a disciplina ele disse: a Maria de Fátima pode ser uma boacompanheira. Isso me enobreceu demais. Isso foi em 81. Nós chegamos a prepa-rar algumas aulas juntos. Eu tinha muita vergonha, muito respeito, muito medomesmo de falar algum impropério, que tivesse alguma coisa que não estava damaneira correta e que ele me repreendesse, porque ele faria isso com a maiorfacilidade, duramente, na frente de qualquer pessoa. Tenho ainda alguns slidescom a letrinha dele que eu guardei, porque eram slides que ele mesmo catalogou eele revezava comigo uma semana cada um, só que na aula dele eu sempre ia para

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assistir. Para mim era um prazer poder ouvir a aula dele. Apos dois anos ele viajoupara a Itália. Ele tinha um compromisso, ele tinha uma exposição. Ele ficou mais deseis meses lá e quando ele retornou ele trouxe um mimo para mim com um cartãoescrito que eu já ensinei o que eu tinha para te ensinar e agora você já pode ficarsozinha. E realmente com bastante medo eu continuei com os meus carretéis de180 slides como era o sistema dele e fiz isso por mais de 20 anos até que a tecnologiame ensinou a passar para as transparência e hoje para o sistema de multimídia.Por uns 15 anos eu fiz o mesmo sistema, inclusive com o corredor da morte. Hojeeu tenho um prazer que esse eu agradeço ao Pedro Gismondi, que é quando umaluno meu viaja, assim como uma aluna esses dias me postou no facebook; profes-sora, muito obrigada por ter me educado em História da Arte. Isso eu acho que nãotem preço. Isso é a escola do Pedro Gismondi.

9) Fale sobre o Leonello Berti.Maria de Fátima – O Berti era de todos acho que o mais tímido conosco na sala deaula. Falava pouco, trabalhava muito bem, mas era muito rápido, muito lépido parapoder fazer as coisas conosco, principalmente as tintas, o manuseio. Ele era umapessoa muito querida. Ele foi o paraninfo da minha turma, que infelizmente no 14de fevereiro daquele ano não colou grau porque ele faleceu. Suspendemos a nos-sa festa de formatura, voltamos posteriormente e colocamos grau na sala do doutorEletro e não tivemos festa. Ele era o nosso paraninfo. Era um querido, era umapessoa especialíssima, tinha uma delicadeza e uma coisa que a gente semprememorava, a delicadeza com que ele lidava com a cor, ele não tinha delicadezapara lidar com o pincel , era a técnica . Ele tinha uma delicadeza para lidar com acor. Parece que ele escolhia aquilo que de mais elegante, cativo, aquilo que maisadoçasse aquele trabalho que a gente estava fazendo. A gente tinha um afeto mui-to grande por ele.

10) As cores fortes que ele usava em seus quadros tinha explicação?Maria de Fátima – Talvez esse lado totalmente expressivo da Escola Italiana. Agente percebe que o próprio temperamento deles muitas vezes contracenava naobra ao mesmo tempo que eu tinha uma sutileza de cor , mais clara, mais fria, eutinha aquele violência da cor mais forte, mais sobrecarregada. Eu tinha nisso, umímpeto, um espírito criativo, artístico dele. Nós víamos muito disso na obra dele.Obra que ele puxava a cor no centro do quadro e você não distinguia a figura vocêsó via como se fossem lambidas de pincel. E ali estava o que ele queria dizer e nãona figura que ele compunha. Poucas vezes ele ensinava para nós a compor atra-

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vés da forma. Nós não tínhamos a forma rosto para que eu pudesse compor , masatravés das cores, o contorno que me era dado pela cor eu definia o rosto de quemeu estava fazendo e a maneira como eu estava vendo.

11) Qual a importância desses três professores de artes italianos?Maria de Fátima – Eu acho que eles são os personagens importantes dessa histó-ria de formação artística para a cidade de Ribeirão Preto. Acho que todos quevêem desse ensino de artes de Ribeirão Preto, desde as primeiras turmas, sãoainda devedores desse conceito, desse ensinamento, que de maneira ou outra nóspudemos absorver de cada um deles. Eles foram para nós uma escola artística eeu não tenho medo de dizer, principalmente por mim, eles foram uma escola devida. Nós aprendemos com eles a matéria, a lição. Não passávamos realmentesem mérito. Eles tinham um crivo impressionante que hoje seria improvável de seutilizar na sistemática que nós temos hoje nas escolas. Mesmo no ensino superior,na formação dos professores de arte, seria hoje improvável de podermos utilizar,mas eles nos educaram artisticamente e nos educaram, acho, que principalmentenaquilo que posteriormente, dez anos depois, nós viemos a conhecer como o mo-vimento da escolhinhas de artes. Eu aprendi a olhar a obra de arte. Eu aprendi afazer a leitura da obra de arte. Eu aprendi a doutrinar o olhar. Eu aprendi a filtrar oolhar e hoje quando eu busco em um aluno, ensinar exatamente que quando eleolhe um ornamento da arquitetura, que ele olhe em especial um trecho somente deuma escultura, ou a cabeça ou a análise daquele braço ou quando eu olho em umatela eu espero que ele lembre filtre o olhar. A minha maior paixão hoje é quando noensino superior eu dou um exercício depois de um ano e meio de curso, e euconsigo que o aluno olhe duas linguagens diferentes, artes visuais e arquitetura,por exemplo, e que ele consiga ver, aquela casa, uma obra de arte de uma mesmaépoca e que estejam extremamente dialógicas. Que ele consiga ver através doponto, da linha, da luz e da cor. Que ele consiga fazer esse exercício. E aí normal-mente ele vira para mim e diz: mas era tão óbvio e porque eu não enxerguei antes?E naquele dia para mim eu ganhei o ano. Porque? Por que é quando o olhar delecasou, é quando ele não percebeu, mas ele aprendeu. Então eu acho que nessesentido a nossa escola foi muito boa. Eles foram realmente de uma escolarizaçãoacho que do futuro na cidade de Ribeirão Preto.

SILVA, Adriana. A little bit of history of the visual arts of Ribeirão Preto: interviewwirh Maria de Fátima da Silva Costa Garcia de Mattos. DIALOGUS. RibeirãoPreto, v.7, n.2, 2011, p.11-21.

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DOSSIÊ/SPECIAL

“A Educação brasileira no século XX”

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TRAJETÓRIA DA PROFISSÃO DOCENTE DURANTEO SÉCULO XX

Ramires Santos Teodoro Carvalho*

RESUMO: O texto apresenta saberes necessários para os profissionais da educa-ção, a formação da identidade do professor (reflexivo e pesquisador), apreender asconcepções acerca do ensino e a importância em desenvolver competências paraensinar. Analisar as práticas docentes como caminho para repensar a formaçãoinicial e contínua de professores e sua identidade profissional, tendo como baseteórico-metodológico a questão dos saberes que constituem a docência e o desen-volvimento dos processos de reflexão docente sobre a prática.

PALAVRAS-CHAVE: Formação Inicial e Contínua; Professor Reflexivo; Identida-de; Saberes da Docência.

INTRODUÇÃOO presente trabalho tem como objetivo a contextualização do problema,

dificuldades, erros, acertos durante o século XX e no terceiro milênio queadentramos, cujo cenário encontra-se marcado pela progressividade da revoluçãocientífica, pela agilidade das transformações socioculturais, faz-se necessário umensino científico objetivo para todos. Nesse caso, torna-se obrigatório uma visãopara aquele que ensina: o professor, para suas compreensões acerca do ensino edo ser professor de profissão, isto é, aproximar-se dos mecanismos que lhe permi-tam abordar o ensino e todo o seu contexto circunstancial.

Portanto, em face ao que foi exposto, justifica-se direcionar o nosso olhara esta problemática, visando atentar a ruptura e visão externa, do conjunto de re-produções criadas em sua pluralidade a partir de ideias estereotipadas, rebaixandoa atuação do professor como um mero técnico reprodutor de conteúdos e esque-mas de aprendizado.

1 CONCEITO DE PROFESSOR REFLEXIVOA definição de ‘Professor reflexivo’ vem sendo extensamente discutido

nos meios educacionais de diversos países, inclusive no Brasil, a partir dos* Graduação em Pedagogia, Especialização em Metodologia de História e Geografia pelo CentroUniversitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail do [email protected]. Orientador: Cleide Augusto.

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anos 90, do século XX.O professor norte-americano John Dewey (1859-1952), caracteriza o pen-

samento reflexivo como elemento impulsionador da melhoria de práticas profissio-nais docentes.

O pensar reflexivo compreende uma condição de dúvida, hesitação,ambiguidade, ato de pesquisa e requer indagação, buscando constatar a resoluçãoda dúvida. Para Dewey (1979, p. 24) “a necessidade da solução de uma dúvida é ofator básico e orientador em todo o mecanismo da reflexão”.

Segundo Holec (1979, p.26), o conceito de aprendizagem autônoma é acompetência para administrar a própria aprendizagem o que implica em: “Ser ca-paz de definir objetivos pessoais, organizar e gerir tempos e espaços auto-avaliar eavaliar processos, controlar ritmos, conteúdos e tarefas na sua relação com osobjetivos a seguir, procurar meios e estratégias relevantes”.

Podemos observar que a partir da discussão e reflexão anexa começam aemergir novas propostas para a reconstrução da prática pedagógica. Segundo Freire(1996), a formação permanente dos professores é fundamental para a reflexãocrítica sobre a prática. “É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem quese pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 1996, p. 44).

Importante salientar que para a melhoria do ensino e suas bases estãoassentadas na formação dos professores. São eles os responsáveis pela açãoeducativa e pelo desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.

A formação do professor por meio da prática reflexiva tem como objetivocrucial trazer a consolidação da autonomia profissional.

Alarcão (1996) mostra-nos que os pensamentos do professor Donald Schönajudaram para que a efígie do professor fosse mais ativo, autônomo e crítico epudesse fazer suas escolhas questionando aquela do profissional cumpridor deordens que procedem da sociedade.

Neste sentido, o professor reflexivo se caracteriza como um ser humanocriativo, capaz de refletir, analisar, questionar sobre sua prática para agir, e agindo,não seja mero reprodutor de ideias e práticas que lhe são exteriores.Consequentemente, espera-se que o professor reflexivo seja capaz de forma autô-noma agir com inteligência e flexibilidade, buscando construir e reconstruir conhe-cimentos.

As estratégias de formação reflexiva fazem referências com princípios deformação que Vieira e Moreira (1993) definem como enfoque no sujeito, enfoquenos processos de formação, problematização do saber e da experiência, integraçãoteoria e prática e introspecção metacognitiva.

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Professor Schön (1995), considera a prática profissional como oportuni-dade para construção do conhecimento que se realiza por meio da reflexão, análi-se e problematização. Para o pesquisador, a atuação do educador envolve conhe-cimento prático (conhecimento na ação, saber-fazer); a reflexão-na-ação(metamorfosear o conhecimento prático em ação); e reflexão-sobre-ação e refle-xão-na-ação (que é o nível reflexivo).

Zeichner (1993) diz que a reflexão otimizada por Schön emprega-se aprofissionais individuais, cujas metamorfoses que conseguem operar são emer-gentes: os professores não conseguem modificar as situações além das salas deaula. Para alguns autores Schön tinha consciência das limitações dos profissionaisreflexivos, por não especificar os pensamentos sobre a linguagem, sistemas devalores, método de compreensão e a forma de definição do conhecimento. Os prin-cípios fundamentais para que os professores consigam mudar a produção do ensi-no, segundo ideais de igualdade e de justiça. Portanto, não basta apenas à refle-xão, é necessário ao professor, competência para intervir nas situações concretase reduzir tais problemas. Os professores não refletem sobre a metamorfose, pois,são condicionados ao contexto em que atuam. Nesse sentido, considera-se que aóptica de Schön é reducionista e limitante por evitar contextos institucionais econjecturar a prática reflexiva de modo individual.

Os professores exercem um papel eminente na estruturação e produçãodo conhecimento pedagógico e estas ações refletem na instituição, na escola, noaluno e na sociedade em geral. Desta maneira, o professor tem papel ativo naeducação e não um papel simplesmente técnico que se limita à execução de nor-mas e receitas ou à aplicação de teorias exteriores à sua própria identidade profis-sional. Isso nos mostra que a profissão docente é uma tarefa exímia para intelectu-ais e implicam num saber fazer (Santos, 1998).

2. REFLETIR NA AÇÃO, SOBRE A AÇÃO E SOBRE A REFLEXÃO NA AÇÃOAs ações para formação continuada de professores no Brasil intensifica-

ram-se na década de 1980 (BRASIL, 1999). A partir da década de 1990 a formaçãocontinuada passou a ser analisada como uma das estratégias indispensáveis parao processo de construção de um novo perfil profissional do professor (NÓVOA,1991; GARCIA, 1994, PIMENTA, 1994, ESTRELA, 1997; GATTI, 1997; VEIGA, 1998).

Baseado nos estudos desenvolvidos por Schön (1995), Alarcão (2003)Perez-Gómez (1992), foi possível organizar as operações que envolvem o modeloreflexivo a partir de quatro conceitos e/ou movimentos básicos: o conhecimento naação; a reflexão na ação; a reflexão sobre a ação; e a reflexão para a ação.

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Por isso, a postura reflexiva do professor não só requer o saber fazer,como também saber educar de forma consciente, para que suas práticas e deci-sões sejam tomadas para o favorecimento da aprendizagem do aluno. SegundoPerrenoud (2002), ensinar é, antes de tudo, agir na urgência, decidir na incerteza.

Para o educador Paulo Freire (2001) a reflexão nada mais é que: fazer e opensar, entre o pensar e o fazer, ou seja, no “pensar para o fazer” e no “pensarsobre o fazer”.

Segundo Pimenta (1996) diretrizes e decisões político-curriculares,direcionam para a magnitude do triplo movimento sugerido por Schön, da reflexãona ação, da reflexão sobre a ação e da reflexão sobre a reflexão na ação, à medidaque o professor compreende-se como profissional autônomo.

Refletindo sobre o tema, Pimenta (2000) nos mostra que o saber docentenão é constituído apenas da prática, mas também pelas teorias da educação. Ateoria tem magnitude crucial na formação dos docentes, pois concede aos indivídu-os diferentes pontos de vista para uma ação contextualizada, propiciando perspec-tivas de análise para que os professores conheçam os contextos históricos, soci-ais, culturais organizacionais e de si próprios como profissionais.

O professor encontra-se em processo contínuo de formação, refletir suaformação significa pensá-la como um continuum de formação inicial e contínua.“Entende, também, que a formação é, na verdade, autoformação, uma vez que osprofessores reelaboram os saberes iniciais em confronto com suas experiênciaspráticas, cotidianamente vivenciadas nos contextos escolares”. (PIMENTA, 1997,p. 11).

É nessa contenda de trocas de experiências e práticas que docentes vãoconstituindo seus saberes como praticum, isto é, aquele que imutavelmente refletesobre a prática

Para Freire (2001, p. 53) a crítica é a curiosidade epistemológica, resul-tante da transformação da curiosidade ingênua, que criticizar-se. Corroborando comessa ideia Freire afirma:

A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento dealgo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, comosinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Não have-ria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impa-cientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fizemos.

Segundo Lastória, (2004 apud MIZUKAMI et al. 2002), a premissa básicado ensino reflexivo, é a questão de analisar as crenças, valores e as hipóteses que

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os professores manifestam sobre seu ensino, matéria, conteúdo do currículo quetrabalham, sobre seus alunos e sobre a própria aprendizagem que se pauta naprática docente.

A concepção de professor reflexivo não se exaure no contíguo da suaação docente. De acordo com Alarcão (1992, p. 24-35)

Ser professor implica saber quem sou, as razões pelas quais faço o que faço econciencializar-me do lugar que ocupo na sociedade. Numa perspectiva de pro-moção do estatuto da profissão docente, os professores têm de ser agentes ativosdo seu próprio desenvolvimento e do funcionamento das escolas como organiza-ção ao serviço do grande projeto social que é a formação dos educandos.

Pérez-Gómez (1992), referindo-se a Habermas, pontua que a transforma-ção da prática dos professores deve dar-se, numa perspectiva crítica. Assim, deveser adotada uma postura cautelosa na abordagem da prática reflexiva, evitandoque a ênfase do professor não venha operar, estranhamente a separação da suaprática do contexto organizacional no qual ocorre. Fica, portanto, evidenciado anecessidade da realização de uma articulação, no âmbito das investigações sobrea prática docente reflexiva, entre práticas cotidianas e contextos mais amplos, con-siderando o ensino como prática social concreta.

No começo do século XXI, a escola é acareada com a necessidade deresponder à democratização do sistema de ensino. Esse aspecto amplia a concep-ção de saber escolar e coloca-o em diálogo com o saber dos alunos e com a pró-pria realidade nas quais as práticas sociais se desenvolvem.

Quando refletimos sobre a formação da identidade do professor nos re-portamos a Pimenta (1999). A formação continuada, deve fomentar a apropriaçãodos saberes pelos docentes, no sentido à autonomia, para conduzir a prática críti-co-reflexiva, contemplando o cotidiano escolar e seus saberes oriundo da experi-ência docente. Contudo, o conceito de formação continuada deve contemplar deforma coesa:

(1) a socialização do conhecimento produzido pela humanidade; (2) as diferentesáreas de atuação; (3) a relação ação-reflexão-ação; (4) o envolvimento do profes-sor em planos sistemáticos de estudo individual ou coletivo; (5) as necessidadesconcretas da escola e dos seus profissionais; (6) a valorização da experiência doprofissional. Mas, também: (7) a continuidade e a amplitude das ações empreen-didas; (8) a explicitação das diferentes políticas para a educação pública; (9) ocompromisso com a mudança; (10) o trabalho coletivo; (11) a associação com a

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pesquisa científica desenvolvida em diferentes campos do saber (ALVES, 1995apud CARVALHO; SIMÕES, 1999, p.4).

Desta forma, a escola será o ambiente de formação do professor e a prá-tica educativa o conteúdo dessa formação. A reflexão do professor pautará um “uminvestigador da sala de aula, que formula suas estratégias e reconstrói a sua açãopedagógica” (ALMEIDA, 2002 p.28), assim como afirma Silva (2005 p.28), “a práti-ca transforma-se em fonte de investigação, de experimentação e de indicação deconteúdo para a formação”.

A formação contínua de professores é afrontada como um continuumLastória apud Mizukami et al. (2002). Dessa forma, a formação continuada colocano cerne das atenções, o desenvolvimento pessoal e social dos formandos, desen-volvendo sua identidade profissional conforme suas experiências de formação so-cial.

Os fatores que interferem sobre a educação e a profissão docente, apon-tam os principais desafios que o professor precisa vencer para conquistar a auto-nomia profissional.

Conceitos de ciência interdisciplinar apontam os benefícios, caso haja umdialogo entre as ciências, observando como as representações sociais estão pre-sentes e interferem significativamente na prática educativa e na formação docente.

O principal objetivo do professor é buscar a consolidação da autonomiaprofissional mais ativa, crítica e reflexiva, capaz de avaliar e questionar a práticadocente a fim de agir sobre ela e não como um mero reprodutor de ideias e práticasque lhes são impostas, capaz de ser livre para fazer escolhas e tomar decisões,contestando aquela do profissional cumpridor de ordens que emanam de fora dassalas de aula.

O professor de hoje não tem tempo para refletir suas ações na sociedade,em contrapartida, a sociedade também não tem tempo para o papel da profissãodocente e a importância da mesma e, sobretudo, porque a sociedade, pós-industri-al, nem sequer reconhece a nobreza e a complexidade do seu trabalho.

3. GÊNESE E CRITICA DE UM CONCEITOSegundo Kemmis (1985) a sala de aula é o lugar de experimentação e

investigação, onde o professor é aquele que se dedica a refletir a melhoria dosproblemas numa compreensão limitada, pois há influência da sociedade sobre suaspráticas e ações, por conseguinte, o conhecimento o torna produto de contextossociais e históricos. Nessa diretriz, Giroux (1997), afirma que a simples reflexão no

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labor docente em sala de aula é escasso para poder compreender os elementosque são regularizadores da prática profissional.

Uma identidade profissional se constrói a partir da significação social, darevisão permanente dos significados sociais e das tradições da profissão; assimcomo, da reafirmação de práticas ratificadas culturalmente e que permanecem sig-nificativas.

Segundo Garrido (2006), as práticas que resistem às inovações, estãorepletas de saberes válidos da realidade; do confronto entre as teorias e práticas,da análise sistêmica das práticas à luz das teorias existentes. Portanto, a novaconstrução de teorias, significa que cada professor, na qualidade de ator e autor,confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores, o modo asituar-se no mundo, de sua história de vida, suas representações, de saberes, suasangústias e anseios, do sentido que tem em sua vida: o ser professor.

O desafio, posto aos cursos de formação inicial é de contribuir para oprocesso de “passagem dos alunos de seu ver o professor como aluno ao seu ver-se como professor, isto é, construir a sua identidade de professor”. (PIMENTA,1996, p.19).

A influência da apropriação e produção das teorias para a melhoria daspráticas de ensino e dos resultados vem analisar a prática dos professores, consi-derando não somente a pluralidade social, heterogeneidade de saberes, como tam-bém a desigualdade nos sentidos sociais, econômicos, culturais e políticos. Assim,Carr (1995) direciona a transformação das características efêmeras das práticasdos professores para uma perspectiva crítica.

Giroux (1997, p.37) desenvolve a partir das limitações de Schön uma con-cepção de professor como intelectual-crítico, ou seja, a reflexão é uma interaçãocoletiva para incorporar a análise dos contextos escolares no sentido da reflexão:“um compromisso emancipatório de transformação das desigualdades sociais”.

A escola e professores deixam de ser homogêneos e passivos e tornam-se agentes transformadores, assim, ao analisamos como estes podem desempe-nhar processos de interação nas quais a escola represente o lugar de reflexãocrítica. As propostas educativas apresentam um discurso para preparar para a vidaadulta com a capacidade crítica em uma sociedade pluralista. Em contrapartida, olabor do professor e a contextualidade da escola se estruturam para negar estasfinalidades. Nesse paradoxo, os professores suportam as pressões que o contextosocial e institucional exercem sobre eles, com isso suas preocupações e perspec-tivas se reduzem a análise da sala de aula.

A centralidade do professor passou a ser a valorização do seu pensar, do

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seu sentir, de suas crenças e valores como perspectivas importantes para compre-ender o seu fazer. Os professores não se reduziram às salas de aula, nem limita-ram-se a executar currículos, ao contrário, elaboram, definem e reinterpretam-nos.Assim, a priori de elaborar pesquisas para a compreensão da atividade docentenos processos de construção da identidade, personalidade e desenvolvimento daprofissionalização, para o desenvolvimento do status e liderança.

Partindo da ótica conceitual levantada em torno do professor reflexivo,empregamos a valorização e o desenvolvimento dos saberes, quão a valorizaçãocomo sujeitos intelectuais capazes de produzir conhecimentos, colaborar nas deci-sões da gestão escolar, mediando à compreensão para a reinvenção da escolademocrática.

Ser professor exige a valorização de formação no trabalho crítico-reflexi-vo, na práxis que realiza e nas experiências compartilhadas. Nesse sentido, enten-de que a teoria proporciona pistas e chaves de leitura, mas isto não expressa ficarao nível dos saberes individuais. Pimenta (1996) nos mostra que a primazia daformação inicial passa por três tipos saberes: saberes de prática reflexiva, teoriaespecializada e saberes de militância pedagógica.

O que coloca os elementos para produzir a profissão docente, dotando-ade saberes específicos que não são únicos, no sentido de que não compõem umcorpo acabado de conhecimentos, pois os problemas da prática profissional do-cente não são meramente instrumentais, mas comportam situações problemáticasque requerem decisões num terreno de grande complexidade, incerteza, singulari-dade e de conflito de valores.

A análise realizada no texto nos mostra quão grande contribuição à refle-xão valoriza o exercício da docência, os saberes do professor, o trabalho coletivo edas instituições escolares enquanto espaço de formação contínua. Isso evidenciaque o professor produz conhecimento a partir da prática, desde que a sua investi-gação reflita intencionalmente sobre a prática, sistematizando os resultados obti-dos com o suporte da teoria. Portanto, como pesquisador de sua própria prática.

Os seguintes problemas apresentados criticam uma perspectiva individu-alista da reflexão, ausência de criticidade potenciadores de uma reflexão crítica, ademasiada ênfase nas práticas, a impossibilidade da investigação nos espaçosescolares e a limitação dessa, nesse contexto. Essas críticas emergem das anali-ses teóricas dos diferentes autores, a partir delas é possível propor possibilidadesde superação desses limites sintetizados.

Fica evidente que estamos falando de uma política de formação e exercí-cio docente que engrandece os professores e as escolas como capazes de pensar,

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que articulam os saberes científicos, pedagógicos e do conhecimento na constru-ção e na proposição das transformações necessárias para as práticas escolares eàs formas de organizar o espaço de ensinar e aprender, responsabilidade comensino de resultados e qualidade social. Os professores não são meros executorese cumpridores de deliberações técnicas e burocráticas gestadas de fora. Dessaforma, investimento na formação inicial, no desenvolvimento profissional e investi-mentos nas escolas, a fim de que formem ambientes capazes de ensinar com qua-lidade. Segundo Garrido (2006), é necessário à instituição escolar, ser local reflexi-vo-pesquisador e espaço de análise crítica de suas práticas. A sólida formação, sópoderá ser desenvolvida pelas universidades compromissadas com a formaçãoinicial e o desenvolvimento de professores, capazes de aliar a pesquisa nos pro-cessos formativos. Dessa maneira, exprimimos um projeto emancipatório, compro-metido com a responsabilidade de tornar a escola companheira na democratizaçãosocial, econômica, política, tecnológica e cultural, para que seja mais justa e igua-litária.

CONSIDERAÇÕES FINAISO conceito de professor reflexivo delineada no texto, permite uma análise

crítica contextualizada de superar as limitações, afirmando como um conceito querequer o acompanhamento de políticas públicas coerentes para sua efetivação.

Neste sentido, a intervenção no processo de formação dos professoresem que as escolas, como instituição principal, desenvolvam ambientes democráti-cos e crítico, busquem a reflexão e a prática com a missão de educar os alunospara que sejam cidadãos reflexivos e ativos.

Corroborando com essa ideia, Freire (2002, p.68) afirma: “Ninguém educaninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizadospelo mundo”.

Finalizamos destacando a formação dos professores apenas para poder-mos ter uma premissa sobre a necessidade de investir cada vez mais em situaçõesque promovam a qualidade na Educação, abrangida aqui como a melhoria da for-mação dos professores Enfim, outro mundo é apetecível e possível para a Educa-ção brasileira.

CARVALHO, Ramires Santos Teodoro. The trajectory of teaching profession duringthe twentieth centur. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7., n.2., 2011, pp. 25-39.

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ABSTRACT: The text presents the necessary knowledge for professionals ineducation, the formation of the identity of the teacher (reflective and researcher),seize the conceptions on the teaching and the importance in developing skills toteach. Analyze the teaching practices as a way to rethink the initial and in-servicetraining of teachers and their professional identity, based on methodological questionsof knowledge that constitute the teaching and the development of the processes ofreflection on teaching practice.

KEYWORDS: Initial and continuing training; Reflective Teacher; Identity; Knowledgeof Teaching.

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MEMÓRIAS DE LEITURA E FORMAÇÃO INICIAL DEPROFESSORES

Daniele Machado CARVALHO*

Filomena Elaine Paiva ASSOLINI**

Resumo: Essa pesquisa visa investigar a relação que os estudantes de Licenciatu-ra em Pedagogia estabeleceram com a leitura, durante o seu percurso deescolarização, nos níveis fundamental e médio, com a finalidade de compreender-mos se e como tal relação ecoa e repercute em seu processo de formação inicial,em particular no que diz respeito à aprendizagem e à aquisição de conhecimentoscientíficos. As investigações realizadas mostram a importância da memóriadiscursiva, no que diz respeito à compreensão dos ecos e repercussões no proces-so de aprendizagem dos estudantes universitários, decorrentes de sua relação coma leitura na Educação Básica. Cumpre mencionar, assim, que a formação do do-cente não começa quando ele se matricula em um curso de Ensino Superior ou emformação continuada, mas sim a partir de momento em que se insere no processoformal de escolarização.

Palavras chave: Leitura. Formação Inicial. Memória Discursiva. Aprendizagem.

IntroduçãoA preocupação com a questão da leitura, particularmente no curso de gra-

duação em Pedagogia, despertou nosso interesse por essa investigação. Nossasinquietações nasceram a partir de observações feitas em nossa própria sala deaula. Sentimo-nos incomodados pelo fato de ouvirmos alguns estudantes, nossoscolegas de curso, afirmarem ora que não gostam de ler, ora que não têm tempopara ler o que de fato gostariam, ora que gostariam de mudar as metodologias epráticas pedagógicas desenvolvidas por alguns professores do Ensino Fundamen-tal, em escolas nas quais realizaram seus estágios.

Nossas análises partem das relações que estudantes do curso de Licenci-atura em Pedagogia estabeleceram com a leitura, durante todo o seu período deescolarização formal, Ensino Fundamental e Médio. Questionamos se e como tais* Graduada em Pedagogia pela FFCLRP-USP, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail da autora:[email protected].**Docente do Departamento de Educação, Informação e Comunicação, FFCLRP-USP, Ribeirão Preto,São Paulo, Brasil. E-mail da autora: [email protected].

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relações reverberam, hoje, quando ocupam a posição de sujeitos-universitários,além de investigarmos a influência dessas relações para a apropriação de conheci-mentos científico-acadêmicos.

Para alcançar nossos objetivos, fundamentamo-nos nos aparatosteóricometodológicos da Análise de Discurso de matriz francesa, nos postuladosdo referencial Histórico-Cultural, proposto por Chartier e colaboradores e nos estu-dos e pesquisas sobre a formação inicial de professores.

Queremos destacar que para o desenvolvimento desta pesquisa, conta-mos com o apoio da Pró-Reitoria de Graduação da Universidade de São Paulo, apartir de nossa inserção no Programa Ensinar com Pesquisa / 2010.

Fundamentação teórica: conceitos definiçõesPara iniciarmos apresentaremos uma breve exposição dos conceitos da

Análise de Discurso de matriz francesa – teoria à qual nos filiamos e que embasanossos estudos e investigações.

Fundamentada na teoria semiótica, a Análise de Discurso estuda não afrase ou a palavra isoladamente, mas o funcionamento dos textos e dos sentidosconsiderando as condições sócio-histórico-culturais, sendo assim, “no discurso te-mos o social e o histórico indissociados” (ORLANDI, 2006, p. 14).

Destacamos, aqui, que quando estamos falando de discurso, referimo-nosao “efeito de sentidos entre locutores” (PÊCHEUX, 1969), ou seja, é um instrumen-to de comunicação que tem seu funcionamento através da relação entre os locuto-res e, essa relação, é afetada pela formação discursiva, pelo contexto histórico,pela posição que os locutores ocupam. Portanto, a Análise de Discurso (A.D.) tra-balha e estuda essa relação entre o discurso e a exterioridade, entre o discurso esuas condições de produção.

Contra as práticas conteudistas, a A.D. não questiona o seu objeto de aná-lise com questões como: “o que o autor quis dizer?”, “qual a mensagem central dotexto?”. Para o analista de discurso, indagações como estas não procuram com-preender os sentidos que estão circulando nos textos, “o discurso é assim palavraem movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o ho-mem falando” (ORLANDI, 2007, p. 15). Além disso, a A.D. atenta-se à opacidadebuscando perscrutar o que o incompleto e o disperso querem dizer, ou seja, ques-tiona o funcionamento da linguagem, “[...] para a Análise do Discurso, a questãoque se coloca não é descobrir o que o texto quer dizer, mas trabalhar o texto paradescobrir como ele significa” (ORLANDI, 1987, p. 66).

Cumpre lembrar que, para a A.D., a linguagem não é neutra, nem transpa-

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rente, ou seja, é marcada e influenciada pela ideologia dominante. A linguagemaqui referida não deve ser considerada como algo exato, completo e que não estásuscetível a falhas, mas como um instrumento utilizado pelos sujeitos para se tor-narem atuantes na sociedade. Uma vez aceita essa característica, não podemosmais deixar de estudar a linguagem fora do contexto social em que ela está inserida.

Dando prosseguimento, trazemos o conceito de interdiscurso que, segun-do Orlandi (2007), se trata de todas as formulações já ditas ou vistas que foramesquecidas, mas que determinam e influenciam em nosso discurso; irrepresentável,ele é constituído de todos os dizeres “já ditos”. É ele que preside todo o dizer,fornecendo a cada sujeito sua realidade enquanto sistema de evidências e de sig-nificações percebidas, experimentadas (ORLANDI, 1987, 2001, 2006).

Ao pensarmos no papel do interdiscurso na formulação de um novo discur-so, podemos nos aprofundar e pensarmos que não existem sentidos que não possu-am relações com outros, uma vez que, ao falarmos estamos sendo influenciados,inconscientemente, por vozes já ditas antes em outro contexto e, possivelmente emoutra formação discursiva: “[...] um sujeito não é homogêneo, e sim heterogêneo,constituído por um conjunto de diferentes vozes” (FERNANDES, 2005, p. 13).

É válido salientar que o discurso do sujeito – o intradiscurso –, aquele queo sujeito acredita ter originado em si, constitui-se pelo interdiscurso, o que contrariae desmonta a crença do sujeito como fonte e origem do sentido. Paula (2008) lem-bra que a relação que o sujeito do discurso mantém com o interdiscurso nos remeteao processo de constituição do sujeito (do inconsciente), da forma como nos ensi-na a psicanálise lacaniana (LACAN, 1957, 1998).

Um outro conceito que permeia essa pesquisa é o que se refere à memó-ria discursiva, que segundo Pêcheux (1997, 1999), é a memória dos sentidos cons-tituídos pela relação dialética que se estabelece entra e Língua e a História. É umtipo de memória que se busca a partir de indícios deixados pelos acontecimentoshistórico-linguísticos, nas superfícies dos arquivos a serem lidos.

Com relação ao referencial Histórico-Cultural nos embasamos nos postu-lados de Chartier (1999) e colaboradores no que se refere às práticas de leitura nodecorrer da história da humanidade, as concepções de leitura, a sua significânciasócio-cultural e as diversas maneiras para sua prática.

Em suas pesquisas, Chartier procura compreender como se deram as prá-ticas de leitura, sem deixar de levar em consideração especificidades e condiçõesque levaram o homem a realizá-las. Para o autor, não podemos estudar essa práti-ca sem nos atentarmos, também, às condições históricosociais que a influencia-ram. Segundo Chartier (1990),

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a história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objecto identificar omodo como em diferentes lugares e movimentos uma determinada realidadesocial é construída, pensada, dada a ler (p. 16- 17).

É fundamental lembrar que, no enfoque discursivo, os sentidos e os sujei-tos não são entendidos como estáticos, mas como movimento e historicidade.Historicidade, em nova perspectiva teórica,

[...] não se define pela cronologia, nem por seus acidentes, nem é tampouco evo-lução, mas produção de sentidos [...] não há história sem discurso. É aliás, pelodiscurso que a história não é só evolução, mas sentido, ou melhor, é pelo discursoque não se está só na evolução, mas na História (ORLANDI, 1990, p. 14).

De um ponto de vista discursivo, portanto, história é entendida como tramade sentidos, que não se confunde com a cronologia de fatos, mas que se definecomo produção de sentidos sobre o real, que determina essa cronologia, intervindona constituição dos sujeitos e no funcionamento da linguagem. Concordando que ahistoricidade é que constitui o funcionamento das práticas de leitura, não podemosdeixar de citar a influencia da ideologia numa dada sociedade.

O filósofo Foucault (1979), ao problematizar a noção de ideologia, instiga-nos a pensar como são produzidos, historicamente, efeitos de verdade no interiorde discursos. Tais efeitos não são, em si, nem verdadeiros, nem falsos. Eles permi-tem considerar a ideologia em seu funcionamento, no jogo discursivo em que setravam pequenas e cotidianas batalhas pelos jogos de verdade.

Com base nos estudos nietzschianos, Foucault (1979 e 1988) afirma quea verdade não pode ser entendida como única, fixa, estável, mas como verdadesque são constantemente construídas e postuladas para certos momentos, em da-dos lugares; se existem escolhas, a verdade já não pode ser uma. Foucaut (1979 e1988) explica que a verdade está circularmente ligada a sistemas de poder, que aproduzem e a apoiam e também, está relacionada a efeitos de poder que ela induze produz.

Com relação à questão da interpretação, que na perspectiva discursiva, éuma injunção, o que significa que, face a um objeto simbólico, o sujeito se encontrana necessidade de dar sentido, é relevante explicarmos que o Discurso Pedagógi-co Escolar – D.P.E. – pode silenciar os sentidos através da paráfrase ou incentivarque os educandos exponham seus pontos de vistas e interpretações possíveisatravés da polissemia.

Isso nos faz entender que a leitura de um texto permite que os sentidos

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ecoem e sejam estabelecidos conforme a historicidade do sujeito-leitor e as múlti-plas posições que pode estar inserido. Cumpre lembrar que os sentidos caminhamde maneira tortuosa e que quem estabelece esse caminho percorrido são as condi-ções de produção as quais o indivíduo se encontra.

Para encerramos esse momento trabalharemos agora com a questão daFormação Inicial de professores, o que queremos destacar é que durante o períodode graduação as vivências e experiências escolares que fizeram parte da históriade vida do futuro professor não podem e não devem ser desconsideradas, uma vezque, mesmo que ele não se dê conta disso, as marcas e os ecos dessas vivências,que constituem a sua memória discursiva, irá reverberar em sua futura atuaçãoprofissional.

Concordamos com Coracini (2000), quando afirma que a formação do do-cente não começa quando ele se matricula em um curso de ensino superior ou emformação continuada, mas sim a partir do momento em que o futuro professor pas-sa a ter contato com o ambiente escolar, ou seja, quando ingressa na educaçãoinfantil ou nas séries iniciais do ensino fundamental. São essas primeiras relaçõesentre professor-aluno e aluno-escola que influenciarão, inconscientemente, na for-ma como o docente em formação irá ministrar e formular suas aulas.

Tendo em vista, portanto, que a leitura constitui-se em ferramenta basilarpara a formação docente e, considerando que as histórias de leituras dos estudan-tes não devem ser desconsideradas, assinalamos que: “ler é fazer-se ler e dar-se aler” (GOULEMOT, 1996, p. 116). Em outros termos, ler é produzir sentidos a partirde diferentes posições que podemos ocupar ao longo de nossa história de vida.Essa produção de sentidos sustenta-se e alimenta-se de nossas leituras anterioresou, como diz Goulemot (1996), na nossa “biblioteca vivida” (p. 116). Portanto, quantomais rico o arquivo do futuro professor, quanto mais bem nutrida sua memóriadiscursiva, quanto mais bem constituída sua biblioteca, maiores condições e recur-sos ele terá para exercer sua profissão. Ou, como diz Assolini (2009, 2010), permi-tir a emergência da subjetividade do sujeito. De acordo com a autora, a valorizaçãoda subjetividade do educando e do próprio educador poderia contribuir positiva-mente, no sentido de que o imaginário acerca do educador (docente) pudesse serdeslocado, possibilitando aos educandos (estudantes universitários) compreendermelhor o docente, enquanto sujeito que ocupa, em determinadas condições deprodução, a posição de um sujeito a quem cabe não a simples transmissão deconhecimento, a de um sujeito que detém o saber, mas sim um docente-pesquisa-dor, mediador, entre a cultura e os conhecimentos científicos disponibilizados e osestudantes.

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Com relação a isso entendemos que a Universidade deve abrir espaçospara que os estudantes possam realizar leituras e interpretações que não se res-trinjam à paráfrase, ou seja, à reprodução de sentidos estabilizados, cristalizados.Consideramos que, ao ampliar as condições de produção, para que os estudantespossam realizar leituras que não as acadêmicas, propriamente ditas, a Universida-de e, especialmente os cursos de licenciatura, podem contribuir para ampliar eaprimorar a criatividade do estudante.

Entendemos que o curso de licenciatura em Pedagogia poderia, desde ossemestres iniciais do curso, oferecer aos estudantes oportunidades para se inscre-verem em formações discursivas que admitissem a diversidade de sujeitos-leito-res, bem como para realizarem leituras intertextuais. A noção de intertextualidadeimplica a relação que um texto tem com outros textos. Indurky (2001, p. 29-30)tratando dessa questão, define a intertextualidade como a retomada, releitura queum texto produz sobre outro texto, aproximando-se para transformá-lo ou assimilá-lo. Assim, o processo de intertextualidade lança o texto a uma origem possível.

Nessa perspectiva, Assolini (1999, 2003, 2006, 2008, 2009, 2010) vemdesenvolvendo estudos que mostram que, quando o estudante não pode ocupar aposição-sujeito de intérprete-historicizado, dificilmente ele poderá ou conseguiráocupar a posição-autor. Assim, quando a instituição escolar silencia a produção deoutros sentidos, de outras leituras, de outras interpretações, ela impede a criaçãode reais espaços interpretativos que poderiam possibilitar aos alunos se inscreve-rem no interdiscurso, criarem sítios de significância e historicizarem os sentidos.

Aspectos metodológicosO processo metodológico da presente pesquisa envolveu, inicialmente, a

realização de dez entrevistas semiestruturadas com graduandos, de períodos di-versos, do curso de Pedagogia de uma universidade pública do Estado de SãoPaulo. Essas entrevistas resultaram em recortes que serão analisados e discutidos– as sequências discursivas de referência, S.D.R. (Courtine, 1981).

Cumpre enfatizar que procuramos entender, através das entrevistas, asrelações que os graduandos de Pedagogia tiveram com a leitura em toda formaçãoescolar e como essas marcas históricas interferem na maneira como eles lidamcom a leitura hoje.

Utilizamos de entrevistas semiestruturadas a fim de que pudéssemos rea-lizar outras perguntas pertinentes ao tema. Além disso, entendemos que, em con-cordância com Authier-Revuz (1998), através do discurso oral os indivíduos nãopossuem pleno controle da dispersão dos sentidos, da falha e do equívoco, o que

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nos permite compreender e interpretar a discursividade, os traços deixados em suaprodução, o dito e o não dito, traços que se manifestam pelo equívoco, pelas fa-lhas, pelas rupturas da língua em relação ao sujeito, possíveis de serem captura-dos, na relação intradiscurso e interdiscurso. Nessa relação recai a ênfasemetodológica de nosso trabalho.

Como diz Authier-Revuz (1998): “[...] o texto oral, em que não se podemsuprimir as reformulações, deixa mecanicamente, no fio do discurso, os traços doprocesso de produção (p. 97); portanto, todas as entrevistas foram gravadas etranscritas literalmente pela própria estudante bolsista e, a partir delas, buscamoscompreender as histórias de leitura que os estudantes tiveram em sua formaçãobásica e o que isso trouxe como consequência para a forma como lidam com aleitura. Além disso, através da utilização de entrevistas semiestruturadas, os estu-dantes narram e descrevem sobre suas vidas, de forma que sua subjetividade en-tão emerja.

Segundo Guedes-Pinto, Gomes e Silva (2008), ao falar de si, de suas ex-periências passadas, os indivíduos resgatam de seus arquivos de memória não sóaquilo que realmente aconteceu, mas também o que poderia ter acontecido e aqui-lo que eles gostariam que acontecesse. Nosso trabalho, então, foi verificar essasnuances presentes no discurso, referentes ao que o sujeito pensa sobre a leitura eo que realmente se passou em sua história de vida, pois

assumir que a memória também pode ser uma possibilidade de mudança, umaalternativa para as situações já vividas ou em curso significa assumir tambémque, ao construirmos um trabalho de pesquisa pautado nos pressupostos teóri-cos da História Oral, estamos diante de um grande mosaico (GUEDES-PINTO,GOMES e SILVA, 2008, p. 22).47

Ou seja, tanto a memória discursiva do sujeito quanto as diversas interpre-tações que podemos fazer delas vão se interligando e formando nosso objeto deestudo. A realização das entrevistas e a sua transcrição literal consiste no primeiropasso, rumo ao tratamento dos fatos linguísticos. Trata-se de um primeiro momen-to, no qual o analista decide o que fará parte do corpus.

Para a constituição do nosso corpus, delimitamos alguns recortesdiscursivos baseados em nosso objeto de estudo. Segundo Fernandes (2008), “trata-se da seleção de fragmentos do corpus para análise, ou seja, ele precisa aindaselecionar pequenas partes, escolhidas por relações semânticas, tendo em vistaos objetivos do estudo” (p. 65), o que quer dizer que no caso dessa pesquisa, estecorpus está relacionado com a questão da leitura e a formação de docentes.

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Iremos, então, partir para as análises discursivas lembrando que, devidoàs limitações para o presente artigo, optamos por cinco recortes para o embasamentode nossas considerações finais.

Análises discursivasPara analisarmos e discutirmos os recortes – as sequências discursivas

de referência, S.D.R., (Courtine, 1981) – obtidos através de entrevistas realizadascom estudantes de Pedagogia devemos lembrar que os consideramos como histo-ricamente constituídos e, portanto, permeados e influenciados pela ideologia emque estão inseridos, uma vez que um está em constante processo de formaçãocom o outro. Cabe dizer que os gestos de interpretação que procedemos não esca-pam da posição de sujeito-estudanteuniversitário(a) inserido em um lugar, em umtempo, em um espaço em que a subjetividade da sua história de vida entra inevita-velmente na interpretação.

O primeiro recorte se refere à questão: As leituras que você realizou, ounão, na infância e na adolescência, contribuíram para se aprendizado acadêmico?Como foram essas leituras? Como elas aconteceram? Onde? Com que pessoas?

(1) Na infância? Não. Não contribuíram. Eu não li muito na infância e também, é... as pessoas não leram para mim. Também ... então, não! Na infância mesmo eunão tive, não que eu me lembre acho que se eu tivesse tido alguma experiênciamarcante eu me lembraria mas acho que não teve nada marcante. Aí um poucoforam os professores, mas eu também não considero que eles tenham sido signi-ficativos. Acho que foi uma outra situação. Na verdade a situação foi assim, é ...posso ir falando assim? É ... depois que eu saí do colegial, do colegial né? Antesera colegial. Eu ... eu comecei a ler outras coisas, li gibi, aí eu me senti livre, eunão tinha que ler aquelas coisas que eram obrigatórias que os professores exigi-am, então eu senti uma certa liberdade, agora eu vou ler tudo o que eu quiser.Comecei a ler gibi, na verdade o gibi do Batman e aí eu comecei a gostar muitomais de leitura do que eu gostava quando tava na escola né. Aí do Batman passoupara outras coisas como o ... acho que uma das coisas que marcantes foram oSidney Shaldon (aí eu li vários livros do Sidney Shaldon), achava muito legal. Aíeu cansei e fui pra outra coisa como Agatha Christie, então assim, mais na litera-tura internacional e daí ... aí que eu comecei a gostar muito mais de outras coisasassim, inclusive coisas brasileiras é Machado de Assis, então só depois que eu saído colegial que eu comecei a gostar, por exemplo, de literatura brasileira, e lá eraobrigado. (Posição de sujeito estudante universitário “A”)

Podemos notar que, a partir das sequências discursivas de referência –

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S.D.R. – destacadas, que o sujeito “A” não considera que as leituras realizadas nainfância tenham tido significativa importância em sua vida. Percebemos que não éatribuída às instituições de ensino a responsabilidade pelo gosto, hoje, com a leitu-ra: “aí um pouco foram os professores, mas eu também não considero que elestenham sido significativos” (Sujeito A).

Podemos observar que o sujeito “A”, em seu processo de escolarização,realizou diversas leituras, concebidas por ele como “obrigatórias”, que ocasiona-ram o não estímulo e não gosto por tal prática, sendo elas vistas por ele como uma“prisão”. Nesse contexto, trazemos o conceito da leitura parafrástica tal como épostulado por Assolini (1999) em que, o professor, através do Discurso PedagógicoAutoritário, D.P.A., estabelece as leituras e a interpretação, única, do texto traba-lhado, desestimulando a atuação do educando,

sendo assim, a ‘verdade’ é imposta pela voz do saber que fala no professor, auto-ridade convenientemente titulada, aceita e reconhecida como legítima, no espaçoescolar. Lembremo-nos de que a imagem social do aluno é a de um sujeito quenão possui conhecimento algum, cabendo-lhe, assim, submeter-se ao discurso eàs imposições da posição-professor, que, supostamente, exerce o domínio exclu-sivo do conhecimento e, na maior parte das vezes, não admite discordâncias oucontribuições diferentes e até mesmo imprevisíveis (ASSOLINI, 1999, p. 105).

É pertinente assinalar, também, que as leituras realizadas pelo sujeito “A”,quando afirma “eu senti uma certa liberdade”, permitem-nos pensar que, naquelemomento de sua história de vida, ele consegue estabelecer com a leitura umarelação prazerosa, posto que está inserido em formações discursivas que lhe dãooportunidade de experimentar “uma certa liberdade”. Segundo nosso gestointerpretativo, trata-se de uma liberdade que lhe permitiria selecionar e escolherlivros e textos, neste caso gibis, que fazem vivenciar situações agradáveis com asquais se identifica: “Comecei a ler gibi, na verdade o gibi do Batman e aí eu come-cei a gostar muito mais de leitura do que eu gostava quando tava na escola né”.

No que diz respeito à questão da obrigatoriedade da leitura, no contextoescolar, quereríamos destacar que, em toda formação social, se fazem presentesdiferentes formas de controle da interpretação. Esse controle advém, segundoPêcheux (1995), de um lado da necessidade que tem todo sujeito de dominar suarelação com o não sentido, ou como diz o próprio filósofo, de ter um mundo “se-manticamente normal” e, de outro, da necessidade de toda sociedade de adminis-trar a relação do sujeito com os sentidos.

Lembramos aqui a imprevisibilidade decorrente da relação do sujeito com

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os sentidos ou, como salienta Orlandi (2001),

[...] não é porque o processo de significação é aberto que não seria regido,administrado. Ao contrário, é justamente pela abertura que há determinação: láonde, a língua, passível de jogo (ou afetada pelo equívoco) se inscreve na histó-ria para que haja sentido (p. 20).

A instituição escolar enquanto aparelho ideológico, no dizer de Althusser(1974), gerencia os sentidos que podem circular, ou seja, circulam os sentidos queela, a instituição escolar, julga adequados para atingir os seus fins que, na maioriados casos, não correspondem, na prática, ao que consta nos projetos político-pe-dagógicos.

Ainda em relação ao recorte número 1, gostaríamos de nos deter na se-guinte sequência discursiva: “Aí um pouco foram os professores, mas eu tambémnão considero que eles tenham sido significativos”. Como pode ser constatado, osujeito “A”, nega a influência de seus professores, em sua infância, negando ascontribuições para a sua formação como sujeito-leitor.

Ocupando-nos da marca linguístico-discursiva da negação, trazemos Castro(1992, p. 5), que a entende como “[...] um momento privilegiado no qual toda amultivocidade da linguagem se evidencia”.

É interessante salientar que Freud, já no início do século XX, ensina-nosque, ao negar, o sujeito está afirmando. De acordo com o pai da Psicanálise, “[...] anegação constitui um modo de tomar conhecimento do que está reprimido; comefeito, já é uma suspensão da repressão, embora não, naturalmente, uma aceita-ção do que está reprimido” (FREUD, 1925, p. 296).

Em diálogo com o autor acima citado, trazemos Indursky (1997) que nosesclarece que “a negação revela, embora tente camuflar, o que é e não é dito aomesmo tempo” (p. 68). Assim, embora o sujeito “A” não se dê conta, ao negar, trazà tona uma verdade como bem coloca Castro, com quem compartilhamos: “[...] anegação é um modo de a verdade, vale dizer, a verdade do inconsciente, se revelare se ocultar ao mesmo tempo” (CASTRO, 1992, p. 5).

Com relação às experiências com a leitura durante o ensino fundamentale médio, destacamos os seguintes recortes:

(2) Bom no fundamental ... é o que eu falei: os livros eu achava mais interessan-tes, porque os professores se preocupavam com livros que se adequavam à faixaetária que eu estava. Quando foi pro Ensino Médio, no sistema de só pensando novestibular, então, tinha professor que nem dava o livro completo; já dava o resumo

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pronto porque você tinha que saber o que tava no livro só pra fazer prova. (Posi-ção de Sujeito estudante universitário “B”)

(3) No Ensino Fundamental não tinha tanto aquela obrigação de ler, né?Era uma coisa mais livre. Eu pegava livro porque eu gostava mesmo de ler e nãoera aqueles livros difíceis igual no Ensino Médio e na graduação, mas eu lia. Eraassim com menos frequência do que no Ensino Médio. Agora no Ensino Médiotinha que ler mais aquelas leituras obrigatórias, principalmente de português, re-dação, literatura e história. Tinha muitos textos – aí já era mais obrigatório ler.(Posição de Sujeito estudante universitário “C”)

Nos recortes escolhidos, notamos que durante todo o processo deescolarização os estudantes não tiveram outra relação com a leitura que não fosseatravés da imposição, da obrigatoriedade. Observa-se que essa característica seagrava durante o Ensino Médio devido às exigências dos vestibulares.

É importante destacar que o sujeito-professor, para que seus educandosobtenham bons resultados nessas avaliações, acaba procurando alternativas comoos “resumos”, para que eles possam compreender rapidamente a mensagem cen-tral da obra. Atitude essa que inibe as diversas interpretações que podem ser for-muladas através de uma leitura atenta da obra, pois “a interpretação é sempreregida por condições de produção específicas que, no entanto, aparecem comouniversais e eternas. Disso resulta a impressão do sentido único e verdadeiro”(ORLANDI, 2006, p. 25).

Além disso, esse apagamento da interpretação própria do leitor não per-mite que o estudante ocupe e exercite seu gesto de autoria.

O fato de o ensino da leitura estar sustentado pela ilusão de sentido literalou do efeito referencial traz como conseqüência o entendimento de que compre-ender o texto significa simplesmente ir ao código lingüístico e buscar ‘o’ sentidoque estaria colado à palavra. Sendo assim, a atividade de compreensão textual,isto é, saber como um objeto simbólico produz sentidos, saber como as interpreta-ções funcionam, reduz-se à transcrição de respostas dadas pelo próprio professor(que as copiou do manual didático), antes mesmo de o aluno refletir sobre o texto(ASSOLINI, 1999, p. 222).

Em relação a isso e levando em consideração a contribuição da HistóriaCultural através dos postulados de Chartier (1999), destacamos que a leitura éuma prática histórica, que se deve levar em conta a historicidade tanto de locutorquanto do interlocutor para que se produzam gestos de interpretação. As práticas

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de leitura não são algo estático, mas relacionam-se ao momento histórico e àscondições de produção. Quanto ao caráter histórico da leitura, concordamos que“[...] na história da leitura, se pensarmos na leitura como uma prática, há a cada diamilhões de indivíduos que realizam milhões de atos de leitura” (CHARTIER, 2001,p. 101).

Acreditando na importância da historicidade do sujeito para a aquisiçãopositiva da prática de leitura, analisaremos, agora, a influência do professor, vistocomo um modelo no que se refere a essa questão, na vida desses estudantes.

O recorte número quatro é referente à questão: Você lembra de algum (a)professor (a) que tenha sido um modelo, uma referência, no que se refere a leiturade maneira ampla? Teve algum professor que te marcou?

(4) Então, modelo de leitura assim, não! Eu lembro que tinha um profes-sor de biologia. As aulas dele eram muito boas e por causa da forma com eleministrava a matéria, eu comecei a ler por conta livros e revistas sobre paleontologia,sobre fitologia; ele não indicava, a matéria dele que era muito boa! Eu gostei,despertei o interesse por causa do jeito que ele dava a aula, como ele trabalhavacom a matéria e eu, por conta, comecei a ir atrás, mas da escola mesmo não tinhamuita, muita coisa não. (Posição de Sujeito estudante universitário “D”)

O que nos chama a atenção é que, quando se pensa em incentivo à leitu-ra, logo se estabelece que essa tarefa é, somente, do professor de literatura elíngua portuguesa. Como podemos notar, esse incentivo é responsabilidade detoda escola e, consequentemente, de todo corpo docente.

Decorre daí a importância da formação profissional docente, pois, mais doque nunca, o estudante da sociedade atual – quer seja da Educação Básica, querseja do Ensino Superior – tem a expectativa por situações de ensino não maisfundamentadas na simples e inócua “transmissão de conhecimentos”, mas sim apartir de situações que lhe assegurem possibilidades de investigação e pesquisa;associação e relação entre teoria e prática e, sobretudo, elaboração de um conhe-cimento em que se coloque como autor de seu próprio dizer.

Iremos nos dedicar, agora, à análise de recortes referentes à relação queos estudantes universitários do curso de Pedagogia estabelecem com a leituradurante a graduação. A questão formulada foi: Como você pretende trabalhar coma leitura, quando ocupar a posição professor(a)?

(5) Eu pretendo incentivar a leitura, e eu pretendo assim, é... mostrar para

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os alunos como é gostoso ler e apresentar pra eles vários tipos de literatura. Por-que, muitas vezes, a criança pode não se interessar pela leitura porque é impostoa ela algo (de) que ela não gosta, mas de repente você mostra, dá opções pra ela:“olha você pode ler isso, não só o livro você pode ler história em quadrinhos, vocêpode ler poesia”, eu acho que o interessante, a chave (a partir de) que você podeatrair o leitor, é dar as opções pra ele ler. (Posição de Sujeito estudante univer-sitário “E”)

Para a análise dessa última questão, deter-nos-emos primeiramente, nasequência discursiva “Eu pretendo incentivar a leitura, eu pretendo assim, é... mos-trar para os alunos como é gostoso ler e apresentar pra eles vários tipos de litera-tura” relacionada à formação imaginária, por parte do estudante “E”, de que, nofuturo, quando ocupar a posição professor, trabalharia a leitura considerando diver-sos gêneros textuais.

É válido lembrar que as formações imaginárias são constitutivas do discurso,uma vez que todo discurso é direcionado (inconscientemente) em função da ima-gem que o sujeito faz de si, do outro e do objeto do qual fala.

No que concerne às sequências discursivas, “porque muitas vezes a criançapode não se interessar pela leitura porque é imposto a ela algo (de) que ela nãogosta, mas de repente você mostra, dá opções para ela” e “eu acho que o interessan-te, a chave (a partir de) que você pode atrair o leitor, é dar as opções para ele ler”,nossos gestos de interpretação levam-nos a compreender que o sujeito “E” está fa-lando de si, de suas próprias experiências – logicamente que de maneira indireta,camuflada, oblíqua. Ao dizer “porque é imposto a ela algo (de) que ela não gosta”, osujeito-estudante-universitário “E” está falando que lhe foram impostas situações pe-dagógicas com a leitura das quais não gostou ou com as quais não concordou.

Compreendemos “história de vida”, tal como propõe Coracini (2003a) em seutexto “A subjetividade na escrita do professor”, não como um monumento capaz deser construído – história verídica, capaz de ser rememorada, mas sim como “frag-mentos de discursos que carregam consigo fragmentos de uma realidade sócio-histórica” (p. 03) .

Como já observado em outros capítulos, temos como base teórica a noção deum sujeito cindido, atravessado pelo inconsciente, cujo discurso, no vão desejo decontrolar os sentidos exibe falhas, furos, desejos, ficando a linguagem entendidacomo o lugar do equívoco ou, como explica Orlandi (1999, 2001, 2006), para alíngua fazer sentido é preciso a história intervir e com ela o equívoco, a ambiguidade,a espessura material do significante.

O sujeito não tem acesso ao modo como os sentidos se constituem nele, uma

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vez que é afetado pela memória discursiva, pelas suas filiações, que vãohistoricizando a trajetória de cada um.

No caso acima, parece-nos que o sujeito “E” é impingido a entrar em forma-ções discursivas nas quais predominam alguns traços de autoritarismo no proces-so de ensino-aprendizagem. Ele parece não concordar nem se identificar com es-sas formações discursivas. Lembremos que a identidade do sujeito é afetada en-quanto sujeito do discurso, pois de acordo com Pêcheux (1995), a identidade resul-ta de processos de identificação, segundo os quais o sujeito deve inscrever-se emuma (e não em outra) formação discursiva para que suas palavras tenham sentido.

Sendo assim, o significante “opções”, que aparece duas vezes no recorte aci-ma, nos permite perscrutar o desejo do sujeito de levar para a sala de aulametodologias de ensino diferentes das quais vivenciou em sua historia.

Em suas formações imaginárias, ele projeta sua futura atuação com base noentendimento de que o trabalho pedagógico com diferentes gêneros textuais cons-titui-se em alternativa vigorosa para o desenvolvimento de uma prática pedagógicaescolar diferenciada com a leitura.

Nesse trabalho, gênero está sendo tomado na perspectiva de Bakhtin, quenos ensina que a linguagem deve ser pensada na relação com as diferentes esfe-ras de atividades humanas. Ao fazer uso da linguagem nas diversas atividadessociais, o homem se insere em um gênero; dessa relação entre a vida e a lingua-gem originam-se as coerções genéricas sobre as práticas discursivas (Cf. BAKHTIN,1992, 1997).

Avançando com as nossas interpretações, concordamos com os estudosde Eckert-Hoff (2008) ao observar que:

[...] está instituído, no imaginário – construído pelos cursos de formação –que o sujeito professor deve inovar, o que o leva a enfatizar, no seu dizer, a ques-tão do novo, [...] o que denuncia a constante busca pela completude (p. 82).

Como vimos procurando mostrar, o sujeito, tal como concebido na pers-pectiva da A.D., é historicamente determinado pelo interdiscurso, pela memória dodizer e também marcado por determinações inconscientes. As marcas dessa me-mória irão influenciar sua atuação, quando no exercício do magistério. Sendo as-sim, é importante que, de fato, os estudantes possam apropriar-se dos conheci-mentos que lhes são apresentados, saboreá-los, ocupando o lugar de intérpretes-historicizados, desde o início do curso. Para nós, ocupar tal posição é condiçãoimprescindível para que possam proporcionar aos alunos, que estarão sob sua

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responsabilidade, situações de ensino-aprendizagem que os coloquem como su-jeitos históricos capazes de questionar e estranhar sentidos que a instituição esco-lar insiste em apresentar como óbvios e evidentes, como bem mostra Assolini (1999,2003, 2008), em seus estudos e pesquisas sobre o discurso pedagógico escolar.

A partir de todas essas análises e conceitos apresentados nos capítulosanteriores, iremos agora, na próxima sessão apresentar as conclusões obtidas atra-vés desse estudo. Vale destacar que para a A.D. as interpretações nunca estãosedimentadas. Há sempre um vir a ser, fazendo com que os sentidos estejam atodo momento disponíveis para outras análises.

Considerações finaisTendo em vista que o objetivo geral do curso de Pedagogia é

Formar profissionais críticos que poderão atuar como professores na educaçãoinfantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, como gestores nas funções degestão e de suporte pedagógico nos sistemas educacionais e em processoseducativos escolares, na produção e difusão do conhecimento científico-tecnológicodo campo educacional e, em contextos educativos nos quais sejam previstos co-nhecimentos pedagógicos [...] (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE GRA-DUAÇÃO EM PEDAGOGIA – LICENCIATURA – FFCLRP – CURRÍCULO 59051 –Vigente até 2013),

Consideramos que o processo de formação de futuros professores, devecompreender situações de ensino-aprendizagem às quais a memória discursivados sujeitos estudantes universitários possa ser acionada, pois todo sujeito possuium corpo social discursivo, que lhe forma uma memória de leitura.

No caso do presente estudo, mostramos que os ecos da relaçãoestabelecida com a leitura pelos estudantes universitários, durante a EducaçãoBásica repercutem na formulação e apropriação de seus conhecimentos acadêmi-co-científicos. Como bem esclarece Orlandi (1999): “[...] as palavras falam comoutras palavras, toda palavra é sempre parte de um discurso. E todo discurso sedelineia na relação com outros: dizeres presentes e dizeres que se alojam na me-mória” (p. 43).

É pertinente esclarecer que, ao afirmarmos que vestígios de memóriadiscursiva reverberam em nosso dizer atual (na formulação), não estamos afirman-do que o trabalho da memória é previsível, que nada muda, nada se modifica. Épreciso notar que:

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[...] embora exista uma certa previsibilidade do ‘pensável’, esta é abalada frequen-temente, seja pelo surgimento de acontecimentos que vão deslocando os senti-dos já produzidos, seja pela ressignificação de acontecimentos já fixados pelamemória histórica (GRANTHAM, 2009, p. 55).

Pêcheux (1999) traz a ideia de memória como “[...] um espaço móvel dedivisões, de disjunções, de deslocamentos, de conflitos, de regularização” (p. 10).Sendo assim, aquele leitor que lê e apenas repete, que tão somente reproduz sen-tidos cristalizados, movimentando-se somente em espaços de interpretação restri-tos parece permanecer sobre aquela “esfera plana e homogênea” da qual nos falaPêcheux (1999, p. 56). Ou seja, ele não se inscreve em formações discursivasonde deslocamentos e contradições podem instaurar-se. Alguns sujeitos de nossapesquisa ainda permanecem na condição de enunciador de sentidos prefixados.

Nessa perspectiva, entendemos ser relevante que os cursos de formaçãode professores de maneira ampla e o de Pedagogia, em particular, cuidem paraque os estudantes não permaneçam na condição de sujeitos que apenas reprodu-zem sentidos cristalizados.

Como futuros professores, os estudantes que hoje ocupam as salas deaula da universidade terão a responsabilidade de ensinar, enfrentando toda a sortede desafios que a sociedade contemporânea lhes apresenta, ou em outras pala-vras:

[...] os problemas da prática profissional docente não são meramente instrumen-tais, mas comportam situações problemáticas que requerem decisões num terre-no de grande complexidade, incerteza, singularidade e de conflito de valores (PI-MENTA e LIMA, 2000, p. 68).

A leitura, na formação inicial de professores, não é apenas mediadora doacesso aos conhecimentos relativos ao ensino, à organização da escola e às práti-cas profissionais, mas uma prática constitutiva de uma identidade como sujeitoleitor e como sujeito professor, que é mediada pelos gestos de leitura dos docen-tes, educadores, dentre outros profissionais, como elucida Assolini (2010).

Dando prosseguimento, gostaríamos de assinalar que os sujeitos mencio-nam a falta de tempo para se dedicarem a leituras de outra natureza, que não asacadêmicas, propriamente ditas. Estes sujeitos tiveram experiências agradáveis,produtivas e prazerosas com a leitura literária, antes de inserirem-se no curso degraduação. Reconhecem que a leitura literária contribuiu para ampliar o seu arqui-vo, o que traz implicações favoráveis para o seu aprendizado na atual vida univer-

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sitária.Nessa perspectiva, salientamos a importância de o curso de Licenciatura

em Pedagogia proporcionar, nas diferentes disciplinas, condições favoráveis deprodução para que os estudantes possam realizar, também, leituras literárias. Comobem esclarece Assolini (2008): “[...] a literatura é veículo de libertação, pois, aoinvés de nos impor lições de certezas-estáticas, obtusas, intransitivas e unilaterais,a arte das palavras, a literatura, gera inquietações, desconforto, subversão,questionamentos” (p. 22).

Ressaltamos, mais uma vez, que as experiências e vivências que os estu-dantes têm com a leitura, durante sua formação inicial constituem seus saberesdiscursivos (sua memória) e, por isso mesmo, os docentes por eles responsáveis,não podem deixar de reconhecer quão influentes e constitutivos são para a cons-trução da identidade desse sujeito-leitor-universitário.

Outro ponto a ser considerado, nessa última etapa desse trabalho de inves-tigação, concerne às possibilidades que ofereceu para os estudantes “falarem de si”,o que é considerado por pesquisadores como Tfouni (1995), Coracini (2003b, 1999),Eckert-Hoff (2008), Assolini (2009) uma singular oportunidade para que suas vozessejam ouvidas. Em concordância com Eckert-Hoff (2008) e Coracini (2003), assinala-mos: “não é apenas a voz do professor que se faz ouvir, mas seus mais profundosdesejos, recalques e divagações que encontram espaços para aflorarem” (ECKERT-HOFF, 2008, p. 137), assim como “[...] encontram lugar os sonhos, devaneios,recalques, frustrações daquele que lê e aí se identifica” (CORACINI, 2003b, p. 4).

Esperamos que esse estudo, que tanto nos tocou possibilitando-nos quenos inscrevêssemos em novas formações discursivas, possa incitar algumas refle-xões sobre a prática da leitura nos cursos de formação inicial. Nossa expectativa éa de que os sujeitos-estudantes-universitários de hoje possam, de fato, tornar-seprofessores, mestres, educadores, capazes de provocar rompimentos comnormatizações e certezas, características próprias do “paradigma regulatório” (LEI-TE, 2001, apud BROILO et alii). Sujeitos capazes de desconfiar de um “mundosemanticamente normal” (PÊCHEUX, 1990); educadores com condições de(trans)formar e (res)significar a si mesmos, bem como seus saberes e fazeres,intencionando uma educação de qualidade que possa, de fato, proporcionar aosestudantes que estiverem sob sua responsabilidade condições de emancipação,autonomia e senso crítico.

Através do caminho da pesquisa acadêmica que nos propiciou compreen-der alguns dos importantes conceitos do aparato teórico-metodológico ao qual nosfiliamos e responder a algumas de nossas perguntas, acreditamos que nos movimen-

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tamos, no sentido de discutir e analisar a leitura e a formação inicial de professores.Para “fechar” essas considerações finais, gostaríamos de lembrar que a

incompletude é uma propriedade do sujeito e do sentido. Sendo assim, não seencerram aqui nossas interpretações, pois, certamente, haverá outros indícios, pis-tas, vestígios que poderão ser reconhecidos na materialidade discursiva dos recor-tes selecionados. Portanto, outras análises poderão ser realizadas, por nossos lei-tores e avaliadores.

De nossa parte, empreendemos escutas que nos possibilitaram ouvir paralá das evidências, compreendendo e acolhendo a opacidade da linguagem, colo-cando o dito em relação ao não dito, pensando a constituição do sujeito pela ideo-logia e pelo inconsciente.

CARVALHO, Daniele. Machado; ASSOLINI, Filomena Elaine Paiva. Memories ofreading and initial teacher formation. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7., n.2., 2011,pp. 41-67.

Abstract: This research aims to investigate the relationship that the students ofPedagogy established with reading during the course of his schooling in primaryand secondary levels, in order to understand whether and how this relationshipechoes and reverberates in their initial training In particular with regard to learningand acquiring scientific knowledge. The investigations show the importance ofdiscourse memory in relation to the understanding of the echoes and reverberationsin the learning process for students, due to its relationship with reading in BasicEducation. It should be mentioned, so that the professor does not begin when heenrolls in a course of higher education or in continuing education, but from the momentthey enter the formal schooling.

Keywords: Reading. Initial training. Discourse memory. Learning.

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A EDUCAÇÃO PARA A ÉTICA NO BRASIL FUNDAMENTADANA FILOSOFIA NIETZSCHEANA

Luis Fernando de Oliveira*

RESUMO: No mundo Pós-Moderno, vários paradigmas se desfizeram, com issotemos a crise, uma dessas crises é a da ética. Valores básicos estão se perdendo,o que causa grande mal estar social. Com base no pensamento do filósofo quemais lutou para que a humanidade não perdesse e sim evoluísse, tentamos proporalgumas ideias para nos fazer pensar sobre a atual realidade vivida na educaçãobrasileira de uma forma geral, passando por um breve histórico da Pedagogia noBrasil, as discussões que se deram em torno dessas ideias pedagógicas e algu-mas decisões tomadas a partir disso até chegarmos ao problema ético propostopor anos de más administrações das políticas educacionais.

PALAVRAS CHAVE: Educação; Nietzsche; História da Pedagogia; Ética; Pós-Modernidade.

A educação é um dos principais pilares para o desenvolvimento de umanação e o crescimento de seu povo, mas não qualquer educação ou de qualquerjeito, ela necessita ter qualidade, empatia, envolvimento com a realidade que acircunda e estar diretamente ligada à cultura nativa, desse modo, nos dias pós-modernos, nunca se falou tanto de uma educação para ética; ética esta que envol-ve todos os campos relacionados acima e em contrapartida, nunca testemunha-mos tanto a sua falta em nosso meio.

Ética são aqueles valores fundamentais para que o ser humano tenha umavida digna e feliz, que é um dos pilares da filosofia da educação em Nietzsche, eessa vida feliz é alcançada pela preservação da cultura pela educação.

Não é de hoje que ocorre um descaso para com a educação, fala-se dedesenvolvimento, de progresso, de humanismo, mas espera-se que algo caia ma-gicamente do céu e promova tudo isso dentro da sociedade.

A EDUCAÇÃO NO BRASIL NO SÉCULO XX: BREVE HISTÓRICONo Brasil, a efervescência da discussão sobre os rumos da educação es-

* Graduado em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto (CEARP), licenci-atura plena em Pedagogia pelo Centro Universitário Barão de Mauá e Pós-graduando em Docênciano Ensino Superior também pelo Centro Universitário Barão de Mauá.

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tão a todo vapor, principalmente no período da Segunda República, quando háuma consolidação do país no mundo capitalista o que ocasiona grande incentivo àindustrialização e isso trazia a necessidade de mão de obra especializada e, comonão podia deixar de ser, a escola tem a função de preparar essa mão de obra, paratal, é preciso investir na educação.

Sendo assim, em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e, em1931, o governo provisório sanciona decretos organizando o ensino secundário eas universidades brasileiras ainda inexistentes. Estes Decretos ficaram conheci-dos como “Reforma Francisco Campos”.Em 1932 um grupo de educadores lança à nação o Manifesto dos Pioneiros daEducação Nova, redigido por Fernando de Azevedo e assinado por outros concei-tuados educadores da época.Em 1934 a nova Constituição (a segunda da República) dispõe, pela primeira vez,que a educação é direito de todos, devendo ser ministrada pela família e pelosPoderes Públicos.Ainda em 1934, por iniciativa do governador Armando Salles Oliveira, foi criada aUniversidade de São Paulo. A primeira a ser criada e organizada segundo as nor-mas do Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931. (BELLO, 2001).

Percebemos que desde os primórdios da educação formal no Brasil a pre-ocupação fundamental sempre foi com o ensinar a fazer, o importante é ensinaruma profissão para que a demanda do mercado seja suprida e o ritmodesenvolvimentista seja mantido, vemos claramente uma educação elitista, os res-ponsáveis por pensar a sociedade e os caminhos tomados pela nação e pela pró-pria educação tem sua formação galgada no exterior, nas grandes escolas e uni-versidades da Europa.

Dentro dessa filosofia educacional, no Estado Novo, as leis orgânicas pro-mulgadas dividem o ensino secundário em clássico e científico e também cria osistema de ensino em que as indústrias e as empresas o ministra, ou seja, o Servi-ço Nacional da Indústria (SENAI) e o Serviço Nacional do Comércio (SENAC). Comessas mudanças o colegial deixa de ser propedêutico para o ensino superior e sepreocupa com a formação geral e dos dois modos predominantes a grande maioriados estudantes preferem o científico.

Foi feito um Manifesto dos Educadores no ano de 1959, assinado por 185educadores e em 1960 as primeiras iniciativas de educação popular surgem comatenção especial também aos adultos analfabetos tendo como grande expoentePaulo Freire, isso foi chamado de Movimento de Educação Popular, uma iniciativada Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

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De certa maneira há avanços na educação brasileira, mas todo esse pro-cesso é freado com o Golpe Militar de 1964. De uma discussão horizontal queestava sendo feita delineando os rumos da educação no país, com a Ditadura Mili-tar, o discurso passa a ser vertical. “Reformas foram efetuadas em todos os níveisde ensino, impostas de cima para baixo, sem a participação dos maiores interessa-dos – alunos, professores e outros setores da sociedade”. (PILETTI, 1995, p. 200).Esse período dura 21 anos no Brasil, de 1964 a 1985.

Durante de período ditatorial, as questões educacionais deixaram de serpedagógicas e passaram a ser políticas, com isso, vários pensadores de váriasáreas do conhecimento passam a pensar a escola e sua função. A educação passaser novamente pensada, mas com imensas defasagens, pois esses 21 anos deatraso não se recuperam da noite para o dia. Esforços estão sendo feitos como aLDB 9394/96, os PCNs e outras políticas educacionais desenvolvidas pelos gover-nos pós-ditadura, que em sua maioria sempre patinam e nada acrescentam a dis-cussão, apenas maquiando os problemas e com isso a educação vai sendo deixa-da de lado cada vez mais

Concluindo podemos dizer que a História da Educação Brasileira tem um princí-pio, meio e fim bem demarcado e facilmente observável. Ela é feita em rupturasmarcantes, onde em cada período determinado teve características próprias. [...]

Embora os Parâmetros Curriculares Nacionais estejam sendo usados como nor-ma de ação, nossa educação só teve caráter nacional no período da Educaçãojesuítica. Após isso o que se presenciou foi o caos e muitas propostasdesencontradas que pouco contribuíram para o desenvolvimento da qualidade daeducação oferecida. (BELLO, 2001).

O nome pode até ser de “Nova República”, as políticas educacionais, po-rém, continuam antigas, a Constituição coloca a educação como direito de todos edever da família e do estado, princípios como igualdade, liberdade, gratuidade,valorização do profissional, qualidade e gestão democrática devem ser defendidospelo Estado, que deve ser o grande mantenedor da educação, bem como umaquantidade mínima de verba a ser destinado às escolas. No papel é muito bonito,mas na prática a situação é completamente diferente.

PEDAGOGIA DA ESSÊNCIA E PEDAGOGIA DA EXISTÊNCIADentro de sua obra, Saviani (2009), coloca esses dois termos para desig-

nar o antagonismo existente entre a pedagogia tradicional e a pedagogia nova,

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tendo como pano de fundo a filosofia essencialista e a existencialista; para o autoressa é uma tese filosófico-histórica, que pode ser entendida como “o caráter revo-lucionário da pedagogia da essência e do caráter reacionário da pedagogia daexistência”. (SAVIANI, 2009, p. 34).

[...] o que eu quero dizer com isso é, basicamente, o seguinte: nós estamos hoje,no âmbito da política educacional e no âmbito do interior da escola, na verdadenos digladiando com duas posições antitéticas que, geralmente são traduzidasem termos do novo e do velho, da pedagogia nova e da pedagogia tradicional.Essa pedagogia tradicional é uma pedagogia que se funda numa concepção filo-sófica essencialista, ao passo que a pedagogia nova se funda numa concepçãofilosófica que privilegia a existência sobra a essência. (SAVIANI, 2009, p. 35).

Como tudo na história, o pensamento educacional também sofre modifica-ções ao longo do tempo, em certos momentos algumas mudanças vêm para me-lhorar a situação vigente, em outros apenas se trocam nomenclaturas, mas a estru-tura e os sistemas continuam os mesmos e outras vezes, ainda, a mudança vempara pior. No Brasil, como já discutido no subtítulo anterior, várias mudanças ocor-reram ao longo dos anos, nem sempre boas para a educação e esse antagonismoentre o tradicional e o novo é uma discussão que não leva a nenhum fim, poisambas falam que a outra está errada, ao passo que, em ambas, existem pontospositivos e negativos e devem ser respeitados e trabalhados.

A pedagogia tradicional vem ao longo do tempo perdendo espaço, pois elanão respondia mais aos anseios do país e ao seu crescimento econômico, comisso, o ensino técnico ganha espaço e passa a ter prioridade, isso se evidenciaclaramente na divisão do colegial em técnico e científico.

De acordo com o pensamento nietzscheano, não é que não seja importanteo aprendizado da técnica, mas esta não pode ser sobreposta à própria cultura, seisso ocorre é decretada a morte cultural e torna mais fácil a manutenção do poderde uma forma mentirosa por quem finge servir à verdade.

Para Nietzsche a situação desanimadora da educação de seu tempo poderia serpercebida pela leitura dos pedagogos, da pobreza de sua produção que maispareceria uma brincadeira de crianças. Exatamente na formação básica do giná-sio, essencial, era onde reinavam maus profissionais que não tinham a menordelicadeza para o trabalho pedagógico, para a “mais delicada das técnicas quepoderia existir numa arte, a técnica da formação cultural” (NIETZSCHE, 2004.p.67)

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Não vemos esse abandono do ensino lamentado por Nietzsche apenas naAlemanha do século XIX, mas igualmente no Brasil do século XX, que em vista damanutenção de poder nas mãos de poucos não engrena mudanças estruturaisfortes para que o avanço na educação seja sentido, pelo contrário, apenas formu-lam-se projetos, leis e planos que maquiam a realidade e, no fundo, tudo continuacomo está.

Traça-se um caminho a ser percorrido e este é abandonado em poucotempo como e a evolução da educação ou do sistema educacional fosse algo quemagicamente possa ser feito de um dia para o outro. Brinca-se da fazer políticaseducacionais.

A educação é um fenômeno cultural. Não somente os conhecimentos, experiênci-as, usos, crenças, valores, etc. a transmitir ao indivíduo, mas também os métodosutilizados pela totalidade social para exercer sua função educativa, são parte dofundo cultural da comunidade e dependem do grau de seu desenvolvimento. Emoutras palavras, a educação é a transmissão integrada da cultura em todos osseus aspectos, segundo os moldes e pelos meios que a própria cultura existentepossibilita. O método pedagógico é função da cultura existente. O saber é o con-junto dos dados da cultura que se têm tornado socialmente conscientes e que asociedade é capaz de expressar pela linguagem. Nas sociedades iletradas nãoexiste saber graficamente conservado pela escrita e contudo, há transmissão dosaber pela prática social, pela via oral e, portanto, há educação. (PINTO, 1982. INGADOTTI, 1997, p. 251).

Várias teorias surgem mas poucas levam em conta a pluralidade de situa-ções e vidas existentes e que devem fazer parte do processo educativo. A apostilanão dá conta de resolver todas as questões muito menos abrange situações adver-sas enfrentadas por vidas que se encontram no meio educacional. Não pode existiruma pedagogia massificada.

Nietzsche já mostra isso quando fala do conhecimento enciclopédico, eru-dito, que está totalmente desconexo da vida prática, sendo assim, melhor seria nãotê-lo, pois, ele de nada serve ou serve apenas como enfeite para o ser, como aque-le livro que nunca sai da estante. O sistema que é posto e que é conduzido peloEstado, está aí justamente para isso mesmo, não é interessante um conhecimentopara a vida prática, apenas para a vida técnica, este, vem pronto, sob um ótimoaspecto e com sabor agradável, porém, sem nenhuma criticidade e sem nenhumapretensão de ser maior, nada de ser para os outros.

Nessa lógica, a manutenção do poder fica mais fácil e a exploração e aalienação constantes, assim, nada muda. Nietzsche nos fala que a educação prá-

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tica não é para todos, com isso a técnica se faz necessária, mas não é função dauniversidade e si perpetuar esse conhecimento e muito menos essa educação deveservir de fonte de exclusão e diminuição do ser humano, o que ocorria na Alema-nha de Nietzsche e como ocorre na sociedade de hoje.

Portanto, o papel da universidade é proporcionar o conhecimento que nãovai de encontro direto com os interesses do mercado e consequentemente do esta-do, longe de ser artificial e superficial, vazio de sentido e antinatural, o conhecimen-to deve ser humano, deve levar o ser ao conhecimento de si e fazer com que eleveja a vida com olhos de artista, tomar consciência que nada é estanque e isolado,sendo assim, a proposta de educação que nos é imposta é uma aberração pois nãorespeita a natureza de cada pessoa humana.

UM POUCO MAIS DOS PROBLEMAS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA NACONTEMPORANEIDADE

Segundo Plank (2001), podemos considerar dois problemas educacionaisbrasileiros, o primeiro é a discrepância que há entre as metas e os objetivos encar-regados pelo sistema e o segundo problema é a desproporção na ênfase colocadasobre a administração e o controle às custas do ensino aprendizagem.

A disjunção entre valores reais e valores formais tem tido várias consequências. Apolítica educacional brasileira caracteriza-se por um constante formalismo. Issosignifica, por um lado, que a expressão de boas intenções e a passagem de leisincorporando-as passam a conseguir fins em si mesmas, eximindo os encarrega-dos do sistema de quaisquer obrigações futuras para com aqueles que frequen-tam ou trabalham nas escolas sob seu controle. Consequentemente, o ceticismoquanto à eficácia das leis é bastante difundido, tanto entre aqueles que as fazem,quanto entre os que são obrigados a segui-las. (PLANK, 2001, p. 92).

O sistema político está estruturado para elevar ao máximo as decisõesadministrativas e tornar mínimas responsabilidades políticas, com isso o públicoserá tomado para benefício do privado e isso somado a falta de capacidade políticapara implementar as reformas desejadas faz com que avanços sempre patinem, ouseja, nunca saiam para não comprometer os interesses de uma elite dominante,assim, interesses privados são mais fortes que os interesses públicos e estes aca-bam desarticulados das relações de poder.

Percebemos claramente a critica nietzscheana ao Estado, este, não vêproblema algum em matar a cultura e a educação que constitui a vida do povo paranão ver seus interesses comprometidos, assim fica bem mais fácil a manutenção

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do poder, exploração e troca de favores uma vez que não crítica sobre a real situa-ção em que se encontra a escola, faz-se filantropia educacional e nada mais.

A educação que deveria ser transformadora da sociedade e salvaguardaro que de bom tem sido conquistado com o tempo está sendo usada para usufrutode poucos, vivemos um feudalismo com nova roupagem e isso já apontava Nietzscheno século XIX, pois ele “remava contra a maré inevitável da industrialização e de-mocratização da sua sociedade” (AMARAL, 2008, p. 380), pois via em todo essecontexto a morte cultural, nada de muito diferente do que acontece no mundohodierno, todo esse contexto e essa estrutura só nos pode levar a apenas um lugar,ao caos social.

A educação oferecida pelo estado é uma educação vendida, convenientea apenas pequena parcela dos seres humanos, não faz o homem transcender comtoda sua potencialidade àquilo para o qual ele está destinado, apenas domestica aponto do lobo ser tomado como um cachorrinho de estimação inofensivo.

[..] foi o estado que se encarou como a fonte, o defensor e a única garantia da vidaordeira: a ordem que protege o dique do caos. [...] Foi a visão de ordem que osestranhos modernos não se ajustaram. [...] Os estranhos exalavam incerteza ondea certeza e a clareza deviam ter imperado. [...] Constituir a ordem foi uma guerrade atrito empreendida contra os estranhos e o diferente.Nessa guerra (para tomar emprestados os conceitos de Lévi-Strauss), duas estra-tégias alternativas, mas também complementares, foram intermitentemente de-senvolvidas. Uma era antropofágica: aniquilar os estranhos devorando-os e de-pois, metabolicamente, transformando num tecido indistinguível do que já havia.Era esta a estratégia da assimilação: tornar a diferença semelhante; abafar asdistinções culturais ou lingüísticas; proibir todas as tradições e lealdade [...] A ou-tra estratégia era antropoêmica : vomitar os estranhos, bani-los do limite do mun-do ordeiro e impedi-los de toda comunicação com os do lado de dentro. Essa é aestratégia da exclusão [...] (BAUMAN, 2010, pp. 28-29)

Dentro de todo esse pensamento, o ser humano tem uma pseudo felicida-de, sua vida está envolta em falsidade e assim, ele não enxerga o que realmente seencontra por trás de toda essa filantropia educacional, há a falsa impressão de serdono de si mesmo, mas uma vez que educação não é libertadora este papel deautonomia não existe, pois, o necessário para essa autonomia não se tem ou nãose valoriza, que nada mais é do que o que Nietzsche falou, a filosofia e a arte.

Nesta lógica da educação voltada para a técnica e esquecendo-se da vida,Nietzsche faz a crítica à multiplicação dos sistemas de ensino que prometem uma“educação” breve e competente, hoje, principalmente instituições de ensino priva-

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das vivem em função do mercado e se aperfeiçoam apenas em função disso, o quenão deveria acontecer, uma vez que o neoliberalismo não quer uma educação parao bem e desenvolvimento do ser humano e sim visa apenas o lucro e o crescimentode pequenos grupos exploradores que abafam a vontade de potencia do homemem benefício próprio.

Com isso, os donos dos estabelecimentos de ensino, tanto o Estado quandoinstituições privadas exploram cada vez mais esse artifício para seu lucro. As empre-sas e a tecnologia exige profissionais capazes para desenvolver tal serviço, entãoeles vão ter, em um prazo curto, não se preocupando com o desenvolvimento huma-no, sendo assim, valores e ideias que norteiam o comportamento humano para umasociedade harmoniosa são deixados de lado para o serviço cada vez mais aprimora-do de um profissional que é humano mas age e é tratado como máquina.

O sancta simplicitas! Em que mundo mais estranhamente simplificado e falsifica-do vive a humanidade! É infinito o espanto diante de tal prodígio. Quão claro, livre,fácil e simples conseguimos tornar tudo o que nos rodeia! Quão brilhantementesoubemos deixar que nossos sentidos caminhassem pela superfície e inspirar anosso pensamento um desejo de piruetas caprichosas e de falsos raciocínios! Oquanto nos esmeramos para conservar intacta nossa ignorância, para lançar-nosaos braços de uma despreocupação, de uma imprudência, de um entusiasmo ede uma alegria de viver quase inconcebíveis, para gozar a vida!E sobre essa ignorância edificaram-se as ciências, baseando a vontade de saberem outra ainda mais poderosa, a vontade de permanecer na incógnita acontraverdade, não sendo esta vontade o contrário da primeira, mas sua formamais refinada. (NIETZSCHE, 2001, pp. 47-48).

O trabalho e, podemos dizer que também a escola, na sociedade pós-moderna, estão desumanizados e a busca da felicidade, que Nietzsche tanto insis-te, que uma vida feliz só vem, principalmente, pela arte e pela filosofia, é buscadano dinheiro, este se transformou no grande deus da sociedade, onde se é alguémpelo que a pessoa tem e não pelo o que ela é.

A EDUCAÇÃO PARA A ÉTICASem dúvida que vivenciamos uma crise de valores na sociedade presen-

te, mas a culpa por esses desvios, na verdade é de quem? Destruíram antigosvalores que norteavam a vida do homem e nada foi colocado no lugar, então, háapenas o vazio, mas, esse vazio tem que ser preenchido por algo, dessa forma, épapel conjunto da escola e família orientar as novas gerações para essas ações depreenchimento e da construção do ser humano e são justamente estas duas insti-

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tuições que, no mundo pós-moderno, vivem uma desvalorização sem tamanho.A crise manifestada na sociedade vem do vazio criado pelo desmorona-

mento de valores clássicos e ao mesmo tempo pelo desejo quase que incontrolávelde autorrealização, que se sobrepõe às necessidades comuns ou sociais. Vive-seem um pseudo niilismo, onde, à medida que algo convém para o momento é assu-mido pelo homem, ao passo que, se aquela ideia não cabe mais aos seus anseios,é descartada e o vazio continua.

“Nietzsche pretendia usar o niilismo para superar o niilismo, ou seja, per-der os valores da humanidade, para se adquirir os valores da super-humanidade,promovendo uma revolução através da cultura”. (OLIVEIRA, 2005, p. 59). Destruiré sempre mais fácil que construir, ainda mais no campo da moral onde existemregras que limitam a ação do homem no âmbito social, assim, podemos nos reme-ter ao movimento contra cultural ocorrido, principalmente na década de 1960 e quevemos suas consequências até a atualidade, manifestada pela ideia central emque “é proibido proibir”. Existem valores necessários para a vida feliz e outros, quepor sua vez, aprisionam o ser humano, assim a superação do niilismo pelo próprioniilismo proposto por Nietzsche para a construção do além-do-homem,

Devia se voltar não àqueles valores que aprisionavam, mas sim àqueles valoresbásicos que levavam em conta a dignidade do ser humano, onde ele não fosseuma coisa a ser explorada, mas um ser que realmente tivesse vontade e soubes-se o que era melhor para si, não sendo dominado nem explorado por outros seres,iguais a eles, mas que se achavam superiores. (OLIVEIRA, 2005, p. 59).

Nesse prisma, dá-se a entender que tudo está permitido, com alguns pila-res morais destruídos é que aparece a crise de sentido da vida e alguns valoresimportantes que defendiam a dignidade da vida humana, a noção do outro comoser igual caem por terra também, assim aparece a banalização do corpo e da sexu-alidade e tudo fica sendo coisificado.

Vemos hoje as consequências dessas mudanças que feriram a dignidadeda pessoa humana e tudo isso se reflete na educação e na escola. Percebemosvárias transferências para a escola que não são de sua competência, como regrasbásicas de convivência, noções de comportamentos, noções de higiene e outrospontos que lhes são terceirizados, tudo isso deturpa profundamente a função soci-al da escola, que em vista desses desvios, não é cumprida.

A família não dá conta de desenvolver seu papel na educação dos filhosporque aquele esquema tradicional – pai, mãe e filhos – em sua maioria, não existemais, qualquer um dos elementos desse esquema pode ser substituído facilmente

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por outro membro, pois na lógica vigente, o importante é a autorrealização e não aqualidade de relações, sendo o outro uma coisa, “a solidariedade é algo difícil deviver. [...] Por essa razão, proliferam todos os movimentos de desagregação dasociedade, inclusive narcotráfico, pederastia, criminalidade e desconfiança socialem relação ao outro”. (MARTINS, 2000, p. 199).

A sociedade pós-moderna revelou-se uma máquina quase perfeita de tradução –uma máquina que interpreta qualquer questão social existente ou provável comoquestão privada [...]. Não foi a “propriedade dos meios de produção” que seprivatizou (seu caráter “privado” é certamente colocado em dúvida na era dasfusões e das multinacionais). A mais seminal das privatizações foi a dos proble-mas humanos e a da responsabilidade por sua solução. A política que reduziu asresponsabilidades assumidas em relação à segurança pública, retirando-se dastarefas da administração social, efetivamente dessocializou os males da socieda-de e traduziu a injustiça social como inépcia ou negligencia individual. Essa políti-ca não exerce atração suficiente para despertar no consumidor o cidadão; suasapostas não são impressionantes bastante para torná-la objetivo da ira que pode-ria conduzir à coletivização. Na sociedade pós-moderna de consumo, o fracassoredunda em culpa e vergonha, não em protesto político. A frustração alimenta oembaraço, não a dissensão. Talvez desencadeie todos os conhecidos sintomascomportamentais do ressentimento de Nietzsche e Scheler, mas politicamentedesarma e gera apatia.A conseqüência sistêmica da privatização da ambivalência é uma dependên-cia que não precisa nem de uma ditadura baseada na coerção nem de doutri-nação ideológica; uma dependência que é sustentada, reproduzida e reforça-da essencialmente por métodos de mercado, e que é abraçada de boa vonta-de e não se sente absolutamente como dependência – pode-se mesmo dizer:que se sente como liberdade e um triunfo da autonomia individual. (BAUMAN,1999, pp. 276-277).

O mundo e a cultura se transformaram, mas infelizmente não pela educa-ção, mas sim pelo processo inverso, temos cada vez mais a morte da cultura, adesumanização, a maior parte de tudo está sem sentido e descartável, vivemos umantagonismo, tudo muda mas nada muda, e a educação que deveria ser força motrizpara toda transformação está cativa nos interesses econômicos de pequenos grupose muitas vezes também pelo próprio estado, pois a consciência critica trazida pelaescola, vai de encontro a seus interesses de dominação, dessa forma se oferece omínimo, a educação encontrada na prateleira da farmácia, para satisfazer necessida-des imediatas e manter a mesma ordem de exploração e alienação.

Todo esse mal estar social e a entrega dos seus problemas para uma

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busca de soluções pela escola faz a situação se tornar bem mais complicada, pois,os serviços prestados pela instituição escolar são multiplicados sem se ter a devidaestrutura para isso, fazendo-a assumir problemas e soluções que nem são de suacompetência, “ela é interpelada para dar solução a emergentes problemas sociais- rotulados, genericamente, como de ‘exclusão social’ - que estão intimamente liga-dos à crise da sua própria universalização!” (BARROSO, 2008, p. 49).

Em suma, Nietzsche propõe um aprendizado voltado para a vida, paraisso é necessário ver a vida com outros olhos, com olhos de artistas e filósofos, queamam verdadeiramente essa vida e demonstrem esse amor em suas palavras eatos para que outros se enamorem igualmente, para isso, é preciso aprender a ver.“Aprender a ver – habituar o olho a calma, a paciência, a deixar que as coisasaproximem-se de nós: aprender a aplacar o juízo, a rodear e abarcar o caso parti-cular a partir de todos os lados”. (LARROSA, 2005, p.32).

OLIVEIRA, Luis Fernando. Education for ethics in Brazil from Nietzschean philosophy.DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.2, 2011, pp.69-84.

ABSTRACT: In the Post-Modern World, several paradigms fell apart, so we have acrisis of these crises is that of ethics. Basic values are being lost, causing greatsocial unrest. Based on the thought of the philosopher who fought for humanity toevolve but not lost, we try to propose some ideas to make us think about the currentreality experienced in Brazilian education in general, through a brief history ofpedagogy in Brazil, discussions that occurred around these pedagogical ideas andsome decisions from there until we reach ethical problem proposed by years of badadministration of educational policies.

KEYWORDS: Education, Nietzsche, History of Pedagogy, Ethics, Post-Modernity.

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A RESISTÊNCIA CATÓLICA AO AVANÇO DA CONCEPÇÃOLIBERAL DA EDUCAÇÃO NO BRASIL (1930-1961)

Rafael José da SILVEIRA*

RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar o confronto entre as principais con-cepções de ensino e educação que nortearam políticas públicas no Brasil da déca-da de 1930 até o início da década de 1960. O debate aparece como herdeiro deduas concepções ideológicas distintas da sociedade: católicas e liberais.

PALAVRAS-CHAVE: Brasil; História da Educação; Pensamento Católico; Pensa-mento Liberal; Instrução Pública.

Para compreendermos os processos educacionais no Brasil, que refleti-ram os papéis sociais da Igreja e do Estado, devemos entender qual foi o contextohistórico que se preocupou com a extensão de uma instrução para boa parte dapopulação, ou seja, o surgimento do que entendemos hoje por escola pública. Paratal intento, nos remontamos à França do século XVIII, período de divulgação dosideais iluministas e da Revolução que dividiu os poderes do Estado, separando-oda Igreja.

De uma forma geral, os séculos XVIII e XIX marcam um avanço do pensa-mento liberal na Europa, e as formas de instrução não deixaram de receber suaparcela de influência dos novos pensadores que abalariam as estruturas do AntigoRegime. Divulgadores de métodos científicos, “experimentais”, os iluministas pro-punham uma nova abordagem para a educação.

Na grandiosidade do empenho cultural, o que talvez seja mais característico é aadmissão das artes junto às ciências e à cultura intelectual; não se trata mais dasartes liberais, desde à gramática até a filosofia, mas propriamente das artes eofícios que vimos [...] reivindicar seu lugar e sua dignidade na formação e naatividade do homem (MANACORDA, 1999, p.240) .

Dessa forma, o resquício de um antigo modelo de instrução, que separavaa formação intelectual, tutelada pela Igreja, da educação experimental transmitidanas corporações de ofício, foi questionado pelo pensamento liberal. O filósofo* Especialista em “História, cultura e sociedade” do Centro Universitário Barão de Mauá, RibeirãoPreto. Sob orientação da Profª Drª Nainora Freitas.

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Rousseau foi além desses questionamentos de seu tempo e

Revolucionou a abordagem pedagógica, para um cunho mais antropológico, poisfocalizou o sujeito, a criança ou o homem, dando um golpe feroz na abordagemepistemológica, centrada na reclassificação do saber e na sua transmissão à cri-ança como um todo já pronto. Pela primeira vez, ele enfrenta com clareza o pro-blema, focalizando-o do lado da criança, considerada não somente como homem“in fieri”, mas propriamente como criança, ser perfeito em si (MANACORDA, 1999,p.243, grifos do autor).

Essas grandes inovações de abordagem pedagógica acabaram por trazerem seu bojo elementos que negavam a educação tradicional no ensino às crian-ças, tais como a rejeição do método catequético, a exclusão dos estudosespeculativos e a evocação da natureza como mestra (MANACORDA, 1999, p.243).

Essa mudança de concepção pedagógica, reflexo de uma sociedade emrápida transformação, não representou somente mudanças políticas, mas tambémfoi fruto de um processo econômico que nortearia as relações de produção e detrabalho no Velho Mundo: a Revolução Industrial

Mudou não somente os modos de produção, mas também os modos de vida doshomens, deslocando-os dos antigos para os novos assentamentos e transforman-do, junto com os processos de trabalho, também suas idéia e sua moral e, comelas, as formas de instrução [...]. Na segunda metade do setecentos assiste-se aodesenvolvimento da fábrica e, contextualmente, à supressão de fato e de direito,das corporações de artes e de ofícios, e também da aprendizagem artesanal comoúnica forma popular de instrução. Este duplo processo, de morte da antiga produ-ção artesanal e de renascimento da nova produção de fábrica, gera o espaço parao surgimento da moderna instituição escolar pública. Fábricas e escolas nascemjuntas: as leis que criam a escola de Estado vêm juntas com as leis que suprimema aprendizagem corporativa (e também a ordem dos jesuítas) (MANACORDA,1999, p.249).

A expressão “fábricas e escolas nascem juntas”, resume muito bem umperíodo de transformações sociais que demandava novos rumos no campo do en-sino. O moderno desafio sócio-educacional, gerado pelo pensamento liberal e pe-las transformações econômicas, passou a ter maior relevância pública e começoua fazer parte ainda mais de debates políticos e ações estatais. A laicização dainstrução tem origem em contextos que refletiam processos de politização e demo-cratização social, tais como as revoluções americana (1776) e francesa (1789). Na

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França revolucionária foram apresentadas reivindicações a favor da instrução po-pular nas Assembléias Legislativas. Condorcet, cientista famoso e político, “sus-tentava a necessidade de uma instrução para todo o povo, aos cuidados do Estadoe inspirada num laicismo absoluto: uma instrução, enfim, única, gratuita e neutra”(MANACORDA, 1999, p.250).

Uma educação única, gratuita e neutra, representava, na teoria, uma ex-tensão da cidadania sob os princípios de igualdade e liberdade. A pretensa neutra-lidade educacional era consequência do credo iluminista de que a moderna ciênciaera isenta de questões passionais. Em linhas gerais,

O período revolucionário [...] serviu para afirmar o direito de todos à instrução epara renovar seus conteúdos no sentido da proeminência das coisas (ciência)sobre as palavras (as letras) e da sua estreita relação com a vida social e produ-tiva (MANACORDA, 1999, p.253).

As ideias liberais solaparam o poder da Igreja e sua influência social. Noséculo XIX, não só o pensamento iluminista concorria com a pedagogia cristã, mastambém outras vertentes tais como o positivismo e, as mais refutadas pela institui-ção eclesiástica: as ideias socialistas. Assim, “Com o avanço de ideias liberais e aperda do poder político, o Estado Pontifício defende seus domínios no campo dainstrução [...] em querelas relacionadas à dois temas : o da escola e o da imprensa”(MANACORDA, 1999, p.292).

Na primeira metade do século XIX, Gregório XVI (1831-1846) critica associedades bíblicas inglesas que distribuem vários exemplares bíblicos em línguasvulgares “atraindo qualquer tipo de pessoa a lê-la sem nenhum guia”. O PróximoPapa, Pio IX (1846-1878), endossa as ideias de Gregório XVI contra as sociedadesbíblicas com sua “desenfreada liberdade de pensar, de falar, de escrever...” e com-bate o comunismo, “aquela doutrina funesta”. Sob Pio IX, o clero é “convidado” avigiar todas as escolas para “garantir um ensinamento católico” (MANACORDA,1999, pp.292-293).

A Igreja realmente começou a dedicar sua atenção ao ramo do ensino apartir do pontificado do Papa Leão XIII (1878-1903). Por um lado, havia uma simpa-tia quanto à renovação da cultura teológica e, também, uma “sensibilização” para aquestão social. Por outro lado, a Igreja reconfirmava com vigor uma doutrina tradi-cional em matéria educativa, “sublinhando o papel primário da família e o princípioda liberdade de educação para a própria Igreja” (CAMBI, 1999, p.565). Em termospolíticos, essas mudanças propostas por Leão XIII abriram caminho para a “recon-ciliação entre o Estado burguês e a Igreja Católica sem, contudo, abandonar a

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linguagem de seus antecessores” (MANACORDA, 1999, p.295).As encíclicas, cartas que contêm recomendações emitidas pelo magisté-

rio da Igreja, são alguns dos principais documentos para se analisar as diretrizesdoutrinárias propostas pela Santa Sé. A partir destes documentos pode-se, porexemplo, estudar a perspectiva ideológica de todo um pontificado. A encíclica quodapostolici muneris (1878) de Leão XIII, defende a propriedade privada como “leinatural” e condena a agitação da plebe, que causa desordem social. Ataca os soci-alistas que tentam “subverter o edifício da ordem social”. A carta libertas (1888)“exige que a liberdade de palavra e de imprensa seja legalmente reprimida, comotambém seja proibida a liberdade de ensino...”. Contudo, Leão XIII é lembrado pelahistória, principalmente, pela elaboração da encíclica rerum novarum (1893), o do-cumento que inaugurou, de fato, a reconciliação do Estado burguês e a Igreja Ca-tólica, pois começou “a assumir concretamente alguns princípios do mundo moder-no, objetivando uma aproximação com as correntes liberais, mas certamente paraevitar um avanço mais temível do socialismo” (MAANCORDA, 1999, p.295).

O papado de Pio XI (1922-1939) herda a preocupação dos seusantecessores, a temível Revolução Comunista, e estabelece o relacionamento daSanta Sé com outros Estados. Na análise de Franco Cambi, sobre a encíclica diviniillius magistri (1929), texto que permaneceu na base de toda experiência pedagógi-ca cristã até o Concilio Vaticano II (1962), o vigário de Cristo reafirmava que

‘Não se pode dar adequada e perfeita educação que não seja a educação cristã eque esta tem importância suprema para as famílias e para toda a humana convi-vência. Só ela, de fato, garante uma formação integral do homem em relação aofim sublime para o qual foi criado, isto é, a salvação através da fé e a adequaçãoaos mandamentos da Igreja’. Justamente à Igreja é reconhecido um papel proe-minente na educação dos jovens, enquanto depositária da verdadeira via paraoperar a salvação do homem, ao lado da família que tem diretamente do criador amissão e, portanto o direito de educar a prole, tanto no campo moral e religiosocomo no físico e civil. Ao Estado, por conseguinte, cabe uma função subordinada,ou seja, a de proteger e promover, e não absorver, a família e o indivíduo, e nãomais monopolizar a educação, portanto, mas respeitar os direitos natos da Igrejae da família. O texto pontifício auspicia, em suma, um pluralismo de escolas, decuja liberdade o Estado deve fazer-se fiador, e defende uma concepção da educa-ção pública como operante em função de uma delegação recebida das famílias.Além disso, o texto condena muitos aspectos da educação moderna, tal como aco-educação dos sexos ou educação sexual, inspirada por um ‘naturalismo peda-gógico, falso e pernicioso, que remete a uma pretensa autonomia e liberdadeilimitada da criança contra toda forma de autoridade’ (CAMBI, 1999, pp. 565-566).

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De uma forma geral, Pio XI ainda minimiza o poder do Estado sobre aeducação, argumentando que a Igreja e a família têm, por vontade divina, o direitode educar. Este Papa inova em relação aos seus antecessores quando não proíbea liberdade de ensino, todavia, defende “uma concepção da educação pública comooperante em função de uma delegação recebida das famílias”. Na prática, essediscurso será utilizado, pelo corpo eclesiástico, em defesa de uma cultura educaci-onal cristã em países de maioria católica.

O papado de Pio XII (1939-1958) não nos legou muitos documentos ofici-ais sobre as diretrizes cristãs acerca do ensino, contudo, encontramos uma carta,em que o herdeiro do trono de São Pedro enviou para clérigos suíços acerca dareabertura de uma Escola Normal Católica em 1958, nela percebe-se a concepçãode ensino idealizada por ele. O Pontífice Romano reconhece o direito de atuaçãodo Estado na educação, mas é contrário a toda ideologia fora do catolicismo, poisa fé deveria irradiar-se por todo o ensino. Ao mesmo tempo, defende uma maioraproximação entre Igreja e Estado quando evoca um ensino compromissado com oamor à pátria, tornando a formação cristã um instrumento de educação cívica. ParaPio XII

[...] A Igreja também reconhece, em principio e na prática, o direito do Estadosobre a escola, direito derivado da tarefa que lhe foi confiada por Deus, de sepreocupar com o bem comum. A Escola deve dar toda instrução e formação cívicaque o Estado está no direito de esperar dos seus cidadãos conforme ascircunstancias [...] A educação patriótica, no sentido verdadeiro e permanente dapalavra, aquela que desperta nos adolescentes o amor da sua pátria e lhes faztomar consciência dos valores e dos altos feitos do seu país, certamente é tãobem assegurada na escola católica como nas demais. [...] Ela está na primeiralinha desses educadores que dão ao amor da pátria um embasamento religioso emoral. Não obstante, ela previne contra todo nacionalismo malsão e exagerado,pois um aspecto essencial do pensamento católico é que a dignidade de todohomem deve ser respeitada, e que a justiça, a benevolência, o reconhecimentodos bens que lhe são próprios, são devidos não somente ao seu próprio povo,mas também a todos os outros. (PIO XII, 1958)

Esses modelos educacionais idealizados pela Santa Sé, sobretudo as di-retrizes propostas por Pio XI e complementadas por Pio XII, irão dar suporte aopensamento pedagógico católico no Brasil já em meados da década de 1920, esta-belecendo as vias possíveis para o relacionamento entre Igreja e Estado.

No esteio deste contexto, nos preocuparemos, principalmente, com ques-tões que se referem ao ensino e a educação cristã e, sobretudo, ao embate entre

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“católicos e liberais”. Entre outros católicos, Alceu Amoroso Lima foi um dos intelec-tuais que mais tiveram contato com os representantes do poder, todavia, ao passoque a Igreja se aproximava do Estado, suas ideologias pedagógicas sofriam maisconcorrência de atores que defendiam outras vias para o nosso desenvolvimento.Entre eles, destacamos o professor Anísio Teixeira, ilustre representante de umacorrente educacional chamada de “Escola Nova”.

O movimento escolanovista tem origem nos Estados Unidos no final dosoitocentos, mas foi bastante difundido, sobretudo, a partir da primeira metade doséculo XX. Baseado nos métodos científicos de sua época, sobretudo em conheci-mentos provenientes da psicologia, ele possui dois aspectos importantes:

O primeiro é a presença do trabalho no processo da instrução técnico-profissio-nal, que agora tende para todos a realizar-se no lugar separado “escola”, em vezdo aprendizado no trabalho, realizado junto aos adultos, o segundo é a descober-ta da psicologia infantil com suas exigências “ativas” (MANACORDA, 1999, p.305).

Esta nova abordagem pedagógica, idealizada pelo educador John Dewey,e defendida por Anísio Teixeira como política pública no Brasil, gerou atritos com orígido modelo de ensino tradicional católico, pautado na autoridade, inspirado nosmoldes da Santa Sé e, portanto, atrelado á fé (CURY, 1978). Essa concepçãomoderna de escola, não negava os fatores morais na formação da criança, erapretensamente cientifica, por conseqüência, não comprometida com aspectos dou-trinários. Para Manacorda,

Nas escolas novas, a espontaneidade, o jogo e o trabalho são importantes ele-mentos educativos. A evolução psicológica da criança se apresenta de forma es-sencial em sua pedagogia. O próprio trabalho, nessas escolas, não se relacionatanto ao desenvolvimento industrial, mas ao desenvolvimento da criança: não épreparação profissional, mas elemento de moralidade e, junto, de modalidadedidática [...]. Os representantes destas tendências são os críticos mais radicais daescola e da educação tradicionais (MANACORDA, 1999, p.305).

Em posição defensiva, os intelectuais católicos e membros do corpo ecle-siástico, reagiram à introdução dessas novas tendências liberais para o ensino noBrasil. Na década de 1920, alguns escolanovistas já influenciavam as políticas edu-cacionais em seus estados. A partir da Era Vargas, com a implantação de um Esta-do mais centralizador, as principais disputas se deram no âmbito federal.

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Os pensadores católicos criticavam a tendência laica instalada pela República.Preconizavam a reintrodução do ensino religioso nas escolas por considerar quea verdadeira educação devia estar vinculada à orientação moral cristã. Para eles,as escolas leigas “só instruem, não educam” [...]. Outra característica que marca-va a atuação dos pensadores católicos era um ferrenho anticomunismo (ARA-NHA, 2008, p.304).

O Estado brasileiro na presidência de Vargas se propunha como agentetransformador e modernizador da sociedade. Não obstante, a Igreja, arauto da tra-dição, que comovia e influenciava multidões de fiéis era importante aliada política.Assim, os pedagogos liberais, representantes de um projeto modernizador, nãoconseguiram grandes avanços até o fim do período ditatorial de Vargas (1937-1945). As reformas do ministro da educação de Vargas no Estado Novo, GustavoCapanema, retratam bem as mudanças que ocorreram em bases conservadoras.

Nos termos da lei, a influência do movimento renovador se fez presente, estipu-lando o planejamento escolar, além de propor a previsão de recursos para implan-tar a reforma. Também foi dada atenção à estruturação da carreira docente, bemcomo à condigna remuneração do professor [...] A partir de então a lei propunha acentralização nacional das diretrizes. Persistia, no entanto, a predominância dematérias de cultura geral em detrimento das de formação profissional, bem comoo rígido critério de avaliação (ARANHA, 2008, P.307).

No esteio destas permanências, o ensino secundário - preocupado emproporcionar cultura geral e humanística; alimentar uma ideologia de caráter fas-cista; proporcionar condições para o ingresso no curso superior e possibilitar aformação de lideranças – “nada mais fazia do que acentuar a velha tradição doensino secundário acadêmico, propedêutico e aristocrático” (ROMANELLI apudARANHA, 2008, p.308). Assim, o desprezo pelos cursos profissionalizantes anda-va em descompasso com nossa realidade social, fruto do avanço econômico,tecnológico e industrial. Um dos principais fatores, que contrariava os ideaisescolanovistas de coeducação, era de orientação conservadora e tradicionalmenteligado à prática pedagógica dos católicos: a “recomendação explícita na lei de en-caminhar as mulheres para estabelecimentos de ensino de exclusiva freqüênciafeminina”. O governo ditatorial de Vargas atenuou o impacto de algumas conquis-tas liberais, se ausentando enquanto Estado educador e favorecendo grupos dainiciativa privada, notadamente as ordens católicas (ARANHA, 2008, p.308-309).

Essa situação se perdurou até 1945, quando o país retornou ao estado dedireito, com governos eleitos pelo povo. Sob o espírito da redemocratização em

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1946, o Brasil elaborou uma nova carta constitucional e, em oposição à Constitui-ção imposta pelo Estado Novo em 1937, os escolanovistas retomaram a luta porseus ideais na elaboração de leis para a educação. A formulação da Lei de Diretri-zes e Bases (LDB) para a educação percorreu um longo caminho, desde seu pri-meiro anteprojeto (1948) até sua promulgação (1961). Além dos escolanovistas eseus aliados1, participaram católicos tradicionalistas como o padre Leonel Franca eAlceu Amoroso Lima (ARANHA, 2008, p.310).

As disputas entre estes grupos se acirraram quando o deputado CarlosLacerda, político conservador da UDN, propôs uma discussão acerca da “liberdadede ensino”. Ele defendia a iniciativa privada e incumbia o Estado de oferecer osrecursos necessários para os colégios particulares. Sabendo que a maioria dasescolas particulares de ensino secundário pertencia tradicionalmente às congrega-ções religiosas, os religiosos católicos retomaram os antigos debates. Eles critica-ram, novamente, a laicidade do ensino e, amparados pela doutrina da Igreja, de-fendiam a liberdade de ensino como “liberdade das famílias de escolher a melhoreducação para seus filhos”. Por outro lado, os defensores da escola pública, aocontrário do período da Era Vargas, “admitiam a existência das duas redes de ensi-no – a particular e a oficial -, mas, para eles, as verbas públicas deveriam serexclusivas da educação popular” (ARANHA, 2008, p.310-311, grifo nosso).

Devido a estes desencontros e descaminhos observados na formulaçãode nossas leis para o ensino, encontramos autores (AZZI, 2008; ROMANELLI, 2007;SAVIANI, 2005; ARANHA, 2008) que se preocuparam em observar e explicar ascausas de nossos problemas educacionais no período.

Para Saviani, uma das possíveis hipóteses para analisarmos a falta de umplanejamento para o ensino e, a ausência de um coerente e consolidado sistemaeducacional no Brasil, diz respeito às posições dos grupos em conflito na formula-ção das leis. Do lado da escola pública estavam os chamados “liberais” e aquelesde tendências socialistas;

1 Aqui, existe uma heterogeneidade ideológica que se uniu em torno da defesa da escola públicacontra os interesses particulares, como veremos, nos debates educacionais. Na obra de Maria Lúciade Arruda Aranha, História da Educação e da Pedagogia (2008) podemos encontrar, por curiosidade,na página 310 em nota de rodapé, o nome dos políticos e intelectuais que fizeram parte da campanhaem defesa da escola pública: Florestan Fernandes, Fernando de Azevedo, Almeida Júnior, CarlosMascaro, João Villa Lobos, Fernando Henrique Cardoso, Laerte Ramos de Carvalho, Roque SpencerMaciel de Barros, Wilson Cantoni, Moisés Brejon, Maria José Garcia Werebe, Luiz Carranca, AnísioTeixeira, Jayme Abreu, Lourenço Filho, Raul Bittencourt, Carneiro Leão, Abgar Renault e outros.

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Do lado da escola particular estavam a Igreja Católica e os donos de escola parti-cular que, sem doutrina, apoiavam-se na doutrina da Igreja para defender seusinteresses. Ora, essas diferentes posições teriam dificultado a definição de objeti-vos comuns e, daí, a ausência de sistema (SAVIANI, 2005, p.114).

Em suas conclusões acerca do assunto, Saviani discorda da vigência deum “sistema educacional” no Brasil e denuncia que a nossa educação é inadequa-da à realidade, pois cheia de elementos anacrônicos devido aos interesses conser-vadores, e fruto de imitação social, sem autonomia nem autenticidade. Para ele,um emaranhado de instituições escolares e a falta de planejamento para umaorganicidade que trouxesse uma lógica de funcionamento que ligasse todos osníveis de ensino, não pode ser considerado um sistema (SAVIANI, 2005, p.111).

A pesquisadora Otaiza Romanelli reconhece que a partir de 1930, o ensi-no expandiu-se fortemente, mas detectou que nesse

“Período de transição da sociedade oligárquico-tradicional para a urbano-indus-trial, em que se redefinem as estruturas de poder e se orienta o modelo econômi-co, no sentido da industrialização, ainda encontramos um sistema educacionalque privilegia uma elite, havendo um certo dualismo no sistema educacional (sis-tema oficial em oposição a treinamento profissional, como forma de discriminarsocialmente as populações escolares) [...]. Em linhas gerais, pode-se afirmar queo poder político, até o início dos anos 60, mostrou-se incapaz de absorver a crisee a Lei de Diretrizes e Bases atendeu mais a interesses de ordem política do quea interesses sociais emergentes e, até mesmo, a interesses econômicos(ROMANELLI, 2007, p.255-256).

Para Aranha, a Lei nº4.024 (LDB), publicada em 1961, apresentou algu-mas mudanças em relação à reforma Capanema, mas não houve alteração naestrutura do ensino. Um avanço estava

No ensino secundário menos enciclopédico, com significativa redução do númerode disciplinas. Também a padronização foi atenuada, permitindo a pluralidade decurrículos em termos federais [...]. Todavia, inúmeras desvantagens decorriam danova lei. Apesar de pressões para que o Estado destinasse recursos apenas paraa escola pública, a lei atendia também as escolas privadas [...], através do finan-ciamento a estabelecimentos mantidos pelos estados, municípios e particularespara compra, construção ou reforma de prédios escolares e respectivas instala-ções e equipamentos, de acordo com as leis especiais em vigor” (ARANHA, 2008,p.311, grifo nosso).

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Complementando as críticas feitas por Aranha acerca da publicação danossa LDB de 1961, o professor Demerval Saviani aponta muitas incoerências no“projeto conciliador”, proposto por Almeida Júnior, que reconhecia o subsídio públi-co para as escolas particulares. Para Saviani,

Vale a pena pôr em relevo estas incoerências do projeto na linha mais caracterís-tica de sua fisionomia: a) a escola particular é, ao cabo de contas, mantida pelopoder público; b) a escola mantida pelo Estado não é fiscalizada pelo Estado; [...].Por outras palavras: o mais importante, por sua extensão, dos processos capazesde propiciar e preservar a unidade espiritual da nação, poderá escapar completa-mente ao exame dos poderes públicos. Que significam essas incoerências? Quea lei não tem unidade nem sistema (SAVIANI, 2005, p.19-20).

Aqui, a bandeira conciliadora de preservação da “unidade espiritual danação”, que na prática reconhecia o direito de subsídio estatal para colégios parti-culares, muitos deles confessionais, acabou por significar a injeção de recursos eminstituições que não aceitaram a supervisão do Estado, escapando completamenteao exame dos poderes públicos.

Em linhas gerais, os subsídios públicos aos colégios particulares significa-ram a manifestação de interesses conservadores e, também, um empecilho à de-mocratização do acesso ao ensino, que se daria pela escola pública, gratuita elaica. Contudo, os debates entre católicos e liberais e a abertura democrática, arre-feceram os ânimos dos líderes católicos na condução de um projeto sacralizadorpara a sociedade através da educação, tendo por conseqüência, uma maior apro-ximação com seus antagonistas, principalmente Anísio Teixeira e Lourenço Filho.O pensador católico Alceu Amoroso Lima, a respeito de todas essas questões,reconhecia cada vez mais a contribuição dos escolanovistas e sua metodologiapedagógica baseada na liberdade e autonomia do aluno. E conclui: “Acabei grandeamigo de ambos, reconhecendo a importância da função democrática da educa-ção, que ambos sempre haviam promovido” (apud AZZI, 2008, p.318).

SILVEIRA, Rafael José da. The Catholic resistance and advancement of the liberalconception of education in Brazil. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.2, 2011, pp.87-101.

ABSTRACT: This article aims to analyze the confrontation between the mainconceptions of teaching and education that guided public policy in Brazil from the

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1930s until the early 1960s. The debate arises from two distinct ideologicalconceptions of society: Catholic and liberal.

KEYWORDS: Brazil, History of Education; Catholic Thought; Liberal Thought; PublicInstruction.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Artigos

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Livros

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação e da pedagogia: Geral eBrasil. São Paulo: Moderna, 2006.

AZZI, Riolando. História da Igreja no Brasil: Terceira época (1930-1964). Petrópolis:Vozes, 2008.

CAMBI, Franco. História da pedagogia. São Paulo: Editora da Unesp, 1999.

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MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: da antiguidade aos nossosdias. São Paulo: Cortez, 1999.

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SAVIANI, Dermeval. Educação brasileira: estrutura e sistema. Campinas: AutoresAssociados, 2005.

SERBIN, Kenneth P. Padres, celibato e conflito social: uma história da Igreja cató-lica no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

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DESCARTES E SUA DESCOBERTA DA SUBSTÂNCIAESPIRITUAL

Luís Carlos MORENO*

RESUMO: Este artigo tem como objetivo geral pesquisar em Descartes como se dáa descoberta do espírito. Vive-se num momento histórico e numa sociedade emque não se pode acreditar em todas as informações que chegam, mas pode-seconfiar na razão para se tomar a decisão sobre o que é verdadeiro ou falso. Des-cartes propicia oportunidade de refletir sobre espírito e matéria. Com a dúvida radi-cal, Descartes inaugura, ou inventa, o espírito crítico, a liberdade de pensamento e,com isso, se torna um dos fundadores da filosofia moderna.

PALAVRAS-CHAVE: Descartes, Substância Espiritual Absoluta, imortalidade daalma.

A doutrina cartesiana do cogito (abreviação de cogito, ergo sum, “penso,logo existo”) indica a evidência pela qual cada indivíduo reconhece a própria exis-tência enquanto sujeito pensante. A conclusão do raciocínio leva à fundação deduas verdades que resistem à dúvida metódica, utilizáveis como postulados dareflexão metafísica: 1) o pensamento é uma realidade em si mesmo - uma substân-cia - distinta e diferente da matéria; 2) o indivíduo humano é tanto res cogitans (umsujeito pensante) quanto res extensa, enquanto corpo. De que maneira o ser hu-mano (o espírito, a alma, a inteligência) pode conhecer a si mesmo? A SubstânciaEspiritual é a resposta às questões existenciais dos seres humanos?

As teorias espiritualistas da mente ensinam que, seja qual for o seu nome,a mente e neste trabalho será denominada ‘espírito’ possui um grau de indepen-dência ou realidade não explicado por outras teorias da mente (espírito). Defen-dem que o ser humano tem um eu espiritual, e que a realidade inclui o espiritual.Conforme Lalande (1999) pode-se chamar, de maneira geral, espiritualismo a todadoutrina que reconhece a independência e a primazia do espírito, isto é, do pensa-mento consciente. Entre os espiritualistas, podemos citar: Sócrates, Platão, Bérgson,Durkheim, Berkeley, Hume, Espinosa, Malebranche.

Pode-se argumentar que: I) a racionalidade é importante, indispensávelmesmo, mas não é tudo; há muitos aspectos da vida a que ela não tem acesso, por

* Licenciado em Pedagogia. Especialista em Filosofia e Ensino da Filosofia. Atualmente é professordo Centro Universitário Barão de Mauá.

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mais intensa e acurada que seja a busca filosófica; II) que a plenitude da existênciapassa pela compreensão da substância espiritual, sendo função da razão testarcriticamente nossas conjecturas, nossa interpretação dos fatos e nosso método dechegar a esse entendimento; III) a razão não é um fim, mas um instrumento.

Neste artigo, procura-se esclarecer o quanto o espírito é a forma ou estru-tura da atividade humana corpórea, e se faz ou não faz sentido o seu entendimentocomo uma alma ou substância separada.

O dualismo cartesiano separou a realidade entre o espiritual e o material,mas cumpre indagar: se a realidade é espiritual ou material; uma exclui a outra ouambas se complementam?

Vivemos num momento histórico e numa sociedade em que não se podeacreditar em todas as informações que chegam e nem nos próprios sentidos, maspode-se confiar na razão para decidir o que é verdadeiro e válido ou o que é falso.Aparentemente a humanidade revive o problema contemporâneo de Descartes de‘não se saber em que acreditar’. O interesse em Descartes e sua descoberta dasubstância espiritual se justifica e fundamenta no deslocamento do interesse dasociedade consumista atual, que colocou o ter (dinheiro / bens materiais) acima doser (espírito), oportunizando a reflexão sobre espírito e matéria. Como seres físi-cos, há a necessidade de recursos materiais para a preservação da vida, mas, amaterialização da existência e condição de ser humano plenamente consciente erealizado se alcança através da compreensão e evolução do espírito também.

Os seres humanos precisam, urgentemente, compreender que a plenitudeda vida não será alcançada com a posse da máxima quantidade possível de bensmateriais, coisas extensas de vez que estas são finitas, que a plenitude da vida seráalcançada com o entendimento e desenvolvimento do ser pensante, do espírito.

O que somos, carrega as singularidades da nossa constituição material eespiritual, com reflexos e conseqüências na vida em sociedade. Refletir sobre aspossibilidades dos seres pensantes pode nos proporcionar a oportunidade de inter-vir na nossa história de vida, amparados no conhecimento – para a construção deum mundo mais justo e verdadeiramente humano.

Para o eventual questionamento, porque mais uma vez, ou ainda Descartes,para a atualidade, a importância e a pertinência do seu pensamento como tema podeser justificada, resumidamente, entendendo que a filosofia moderna é uma filosofiado sujeito humano, individual por excelência, um humanismo que recoloca o homemno centro e com ele a emergência de uma espiritualidade moderna.

A metodologia utilizada para este artigo foi a pesquisa bibliográfica, cominterpretações das obras do autor.

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A história do problema do espírito é, em verdade, a história da filosofiainteira, porque esta começa quando o ser humano se questiona sobre si mesmo; odesconforto e a inquietação permanente provocada pela sua condição o motiva aindagar: o que sou? De que sou feito? Quais as minhas substâncias?

Estas questões contêm em latência três inquietações: 1) os seres huma-nos atribuem a si mesmos um valor; uma dignidade e uma liberdade que nuncaforam reconhecidos nos demais entes do mundo; 2) resistem a desaparecer com odesaparecimento da sua estrutura física (e essa aspiração à sobrevivência é uni-versal e extrapola a filosofia); 3) reconhecem-se dotados de uma criatividade raci-onal (ciência, técnica, linguagem), estética ( arte) e ética (religião e moral).

A busca por uma explicação para essas três constantes da experiênciaque o ser humano faz de si mesmo é a origem da filosofia; nelas está contido oenigma humano, com sua determinação em se acreditar distinto das coisas, dosvegetais e dos irracionais.

O surgimento do conceito de espírito foi para explicar de forma abrangentee satisfatória essa situação da condição humana. A asserção do espírito funcionoucomo garantia da singularidade que o ser humano representa em seu ambiente. Oconceito foi popularizado no pensamento ocidental pelo cristianismo, através doPneuma, com ampla polivalência semântica, como uma realidade inquestionável.

É de se ressaltar que no pensamento grego, o conceito equivalente depsyqué como entidade ou dimensão espiritual do homem foi mais trabalhado pelasdoutrinas ético-religiosas do que pelo pensamento filosófico. Enfim, os gregos che-garam ao espírito por motivos mais éticos do que metafísicos.

Descartes (2005) prova a realidade da mente primeiro ao afirmar que algodeve colocar tudo em dúvida, como sua mais conhecida máxima propõe: “Penso,logo existo”. Ele também institui que “Sou uma coisa pensante”. Pensar é a essên-cia dos seres humanos e, dessa forma, a mente (espírito) é distinta do corpo (ma-téria). Essa concepção ficou conhecida como Dualismo Cartesiano.

O dualismo cartesiano é a doutrina metafísica que considera o mundo nasua totalidade composto por duas substâncias: matéria e o pensamento. Para Des-cartes, entre esses dois modos de ser da realidade existe absoluta diferença eoposição: o pensamento é inextenso (ou seja, não tem uma dimensão espacial), éconsciente de si mesmo e livre; a matéria, ao contrário, é sempre extensa e dispos-ta no espaço, não tem consciência de si mesma e é mecanicamente determinada,não livre.

A doutrina cartesiana do ‘cogito’ indica a evidência pela qual cada ser hu-mano reconhece a própria existência enquanto sujeito pensante. A conclusão do

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raciocínio leva à fundação de duas verdades que resistem à dúvida metódica, utili-záveis como postulados da reflexão metafísica: 1) o pensamento é uma realidadeem si mesmo (uma substância), distinto e diferente da matéria; 2) o ser humano étanto um sujeito pensante quanto corpo (matéria).

René Descartes tem sido mencionado, desde o século XVIII, como o “OPai da Filosofia Moderna”, mas como as concepções da filosofia se alteraram des-de então o mesmo ocorreu com o significado desse título. No século XIX e na maiorparte do século XX, os filósofos de língua inglesa classificaram Descartes como umepistemólogo.

Desde Descartes, a epistemologia, tem sido a disciplina filosófica central.Ela formula questões sobre o alcance e os limites do conhecimento, com suasfontes e sua justificação e lida com argumentos céticos concernentes a nossaspretensões de conhecimento e crença justificada.

A obra de Descartes estabeleceu a pauta para tarefa filosófica fundamen-tal de mostrar por que estamos justificados por crer no que cremos. São dele aspalavras, no Discurso do Método (2005, p.70): “[...] per-cebi que, ao mesmo tempoem que eu queria pensar que tudo era falso, fazia-se necessário que eu, que pen-sava, fosse alguma coisa. E, ao notar que esta verdade: eu penso, logo existo, eratão sólida e tão correta que as mais extravagantes suposições dos céticos nãoseriam capazes de lhe causar abalo, julguei que podia consi-derá-la, sem escrúpu-lo algum, o primeiro princípio da filosofia que eu procurava”.

A concentração de Descartes no “eu pensante” individual, sua visão filosó-fica do mundo estabeleceram a possibilidade de uma alternativa viável à explica-ção tradicional e na legitimação da crença dela.

É necessário ressaltar três aspectos do empreendimento intelectual des-se pensador: 1) ele teve de descrever em termos bem gerais a natureza do mundosegundo sua visão moderna; 2) mostrar como esse mundo se relacionava com umDeus cristão e, 3) como se relacionava com a humanidade.

De acordo com o dualismo, a mente é uma substância distinta do corpo.Entre os defensores do dualismo encontramos o filósofo René Descartes. Substân-cia é um termo filosófico para aquilo que existe. Alguns filósofos o utilizam parareferir-se à matéria; outros para referir-se ao que é material e espiritual.

No dualismo, o conceito de mente pode ser aproximado ao conceito deintelecto, de pensamento, de entendimento, de espírito e de alma do ser humano.

René Descartes propos o dualismo das substâncias (que seriam uma en-tre duas coisas: res cogitans ou res extensa). Para ele o espírito e o corpo seriamnitidamente distintos. Espírito e matéria constituiriam dois mundos irredutíveis, as-

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sim não seriam nunca uma substância só, mas sempre duas substâncias distintas.Espírito seria do mundo do pensamento, da liberdade e da atividade; e matériaseria do mundo da extensão, do determinismo e da passividade.

O dualismo metafísico cartesiano deixou como herança à posteridade umasérie de problemas graves. Por exemplo, como explicar inter-relações entre as subs-tâncias tão heterogêneas entre si. Para ele, somente em Deus elas poderiam serreunidas e formar uma só substância. Corpo e alma seriam substâncias finitas quede Deus proviriam, isso é, seriam fruto de um ser de substância infinita. Como umasubstância finita poderia derivar de uma substância infinita ? E ainda por analogia,somente no ser humano se encontrariam, com se almagamadas, a alma e o corpo,que ao sentido parecem quase indistintas e não separadas. Mas Descartes nãoconsidera verossímel algo apreendido dos sentidos.

“Por meio do espírito, cada ser pode intuir que existe, que pensa, que otriângulo é delimitado somente por três linhas, a esfera por uma única superfície, esemelhante coisas que são em número muito maior de quanto perceba a maioria,posto que desdenha atribuir à mente coisas tão fáceis”. (Regras para a direção doespírito, Descartes).

“De modo que, depois de muito pensar a respeito, e de ter cuidadosamen-te tudo examinado, é preciso afinal concluir, e confirmar, que a proposição Eu sou,eu existo é necessariamente verdadeira todas as vezes que eu a pronuncio ou aconcebo em meu espírito”. (Meditações Metafísicas, Descartes, 2005a).

No resumo, por ele mesmo, das Meditações (2005a), encontramos: “Nasegunda, o espírito, que, usando de sua própria liberdade, supõe que não existemtodas as coisas, da existência das quais tem ele a menor dúvida, reconhece que éabsolutamente impossível que, entretanto, ele mesmo não exista. O que é tam-bém de uma muito grande utili-dade, visto que por tal meio ele comodamente fazdistin-ção das coisas que lhe pertencem, isto é, à natureza intelectual, e das quepertencem ao corpo. Mas, já que pode ocorrer que alguns esperem de mimnesse lugar razões para provar a imortalidade da alma, estimo dever agora ad-verti-los de que, tendo cuidado de não escrever nada neste tratado de que nãotivesse demonstrações muito exatas, me vi obrigado a seguir uma ordem seme-lhante àquela de que se servem os geômetras, a saber, adiantar todas as coisasdas quais dependem a proposição que se busca antes de concluir algo dela”.

A posição de Descartes, assegura que as idéias dotadas de evidência nãosão aprendidas pela experiência, mas parte constitutiva da mente humana, assim ateoria postula a presença no homem de determinadas idéias, aptidões, habilidades,atitudes e comportamentos desde o seu nascimento.

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O exercício da dúvida demonstra a existência de um sujeito espiritual, ca-paz de produzir pensamento. Dado que a dúvida é um pensamento, não se podeduvidar de sermos espíritos pensantes. Somente o pensamento não pode deixar deexistir, porque não se pode duvidar sem pensar.

“Passemos, pois, aos atributos da alma e vejamos se alguns deles residemem mim. Os primeiros são nutrir-me e andar; mas se é verdade que eu não tenhocorpo, também é verdade que não posso andar nem me alimentar”. Nesta passa-gem das Meditações Metafísicas (2005ª, p.45), a existência do corpo foi colocadaem dúvida.

“Um outro atributo é sentir; mas igualmente, não se pode sentir sem o cor-po; sem contar que acreditei ter sentido muitas coisas durante o sono e ao despertardei-me conta de não tê-las sentido realmente”. Igualmente, neste trecho das Medita-ções Metafísicas (2005a, p.45-46), a percepção é colocada em dúvida.

E finalmente, para provar que somente o pensameno não pode deixar deexistir, porque não se pode duvidar sem pensar: “Um outro é pensar; e aqui constatoque o pensamento é um atributo que me pertence, sendo o único que não podeseparar-se de mim. Eu sou, eu existo: isto é certo; mas por quanto tempo? Na verda-de, por todo o tempo em que eu estiver pensando; posto que talvez ocorresse, separasse de pensar, que eu parasse ao mesmo tempo de ser e de existir” (DESCAR-TES, 2005a, p.46). .

“Sou, então, uma coisa verdadeira, e verdadeiramente existente; mas quacoisa é esta? Eu já disse: uma coisa que pensa” (DESCARTES, 2005a, p.46). Acerteza de existir como ser pensante tem um caráter fundamental para nossa con-cepção do eu enquanto ser espiritual.

Com Descartes, não é mais a confiança ou a fé que permite alcançar averdade última ou a plenitude da vida, mas a consciência de si.

Descartes (2005) tinha plena consciência, particularmente após a conde-nação de Galileu em 1633, de que seus pensamentos físicos e metafísicos seriamconsiderados heréticos. Entretanto, era seu entendimento e consideração pessoalque havia compatibilidade com sua visão do cristianismo. Ao conhecer o mundo talcomo realmente é, pela via da razão, estamos libertando nosso verdadeiro, ativoeu pensante imaterial de sua sujeição aos enganos proporcionados pelos sentidosfísicos e permitindo que a alma imaterial divina e pura tenha precedência sobre ocorrupto corpo físico e alcance uma visão do mundo mais próxima de Deus.

Para provar a existência de Deus, usou o seguinte argumento:“Penso, logo existo”, prova que eu existo, mas sou um homem mortal im-

perfeito e falho. Se eu fosse meu próprio criador, naturalmente teria me criado como

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um ser perfeito, e se eu não criei, então quem foi? Deus”.“Pelo nome Deus entendo uma substância infinita, eterna, imutável, inde-

pendente, onisciente, onipotente, pela qual eu mesmo, e todas as outras coisasque existem (se é verdade que há coisas que existem) foram criadas e produzidas.”Na nota 25, das Meditações Metafísicas (2005a, p.72) encontramos que: “Enfim,surge uma idéia de que a coisa pensante não pode ser causa. Como ela, Deustambém é substância, porém, é de notar que não se fala em sustância univocamente;sou substância finita e por isso posso ser causa da idéia de substância extensa,também finita; Deus, contudo, é substância infinita, e não posso eu, finito, ser cau-sa da idéia de um ser infinito”. E conclui mais adiante: “E, por conseguinte, é preci-so necessariamente concluir de tudo o que disse anteriormente que Deus existe;pois ainda que a idéia da substância esteja em mim, pelo próprio fato de eu seruma substância, eu não teria, contudo, a idéia de uma substância infinita, eu quesou um ser finito, se ela não tivesse sido posta em mim por alguma substância quefosse verdadeiramente infinita”. Na nota 26, da mesma edição (p.72), esclareceque: “Eis a primeira prova da existência de Deus, por meio da aplicação do princí-pio de causalidade: se está em mim uma ideia de que não posso ser causa, deveexistir algo que seja causa dessa ideia, no caso, Deus”.

“Eu tenho uma concepção do que é a perfeição, embora eu não seja per-feito. Então, de onde vem essa ideia de perfeição? Não vem de mim, obviamente.Afinal, eu sou imperfeito e a perfeição não pode vir de algo tão imperfeito quantoeu. Então, deve haver um ser perfeito e ele é Deus”.

Tendo provado que ele existe e tendo “provado” a existência de Deus,voltou sua reflexão para a natureza e a realidade. De acordo com ele, dois elemen-tos compunham a realidade como a percebemos e conhecemos. Denominou-as desubstâncias. As substâncias do pensamento são nossas mentes e as substânciasextensas são nossos corpos físicos.

Ao separar o espiritual do material, Descartes permitiu que a nova ciênciaempreendesse a sua investigação no mecanismo de um mundo material ordeirodesvinculada da intervenção arbitrária de um Deus providencial ou das irregulari-dades imprevisíveis da natureza. Deus se tornou o relojoeiro cósmico que criou ummundo ordeiro e mentes para aprender sobre o mesmo. Além disso, ao livrar amente do conhecimento incerto, Descartes cria que se poderia prosseguir peladedução desde os primeiros princípios para tudo o que se poderia conhecer acercado mundo.

Do próprio Descartes (2005a), encontramos no resumo da terceira medita-ção: “...antes de conhecer a imortalidade da alma, é formar uma concep-ção clara e

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nítida e inteiramente distinta de todas as con-cepções que se possam ter do corpo:quefoi feito nesse lugar. Requer-se, além disso, saber que todas as coisas que concebe-mos clara e distintamente são verdadeiras, con-forme nós as concebemos: oque não pôde ser provado antes da quarta Meditação. Ademais, é preciso teruma concepção distinta da natureza corporal, a qual se forma, parte nesta segunda,e parte na quinta e sexta Meditação. E, enfim, deve-se concluir de tudo isso que ascoisas que se concebem clara e distintamente serem substâncias dife-rentes,como se concebem o espírito e o corpo, são, de fato, substâncias diversas erealmente distintas umas das outras; e é o que se conclui na sexta Meditação. E, names-ma, isso também se confirma pelo fato de não conceber-mos nenhum corposenão como divisível, ao passo que o espírito, ou a alma do homem, não sepode conceber senão como indivisível, pois, de fato, não podemos con-ceber ametade de alma alguma, como podemos fazer com o menor de todos os corpos;de forma que suas naturezas não são somente reconhecidas como diversas, masmesmo, em alguma medida, contrárias.

Ora, é preciso que saibam que não me empenhei em dizer nada maissobre isso neste tratado, tanto porque isso é suficiente para mostrar com bastan-te clareza que da corrupção do corpo a morte da alma não se segue, e assim paradar aos ho-mens a esperança de uma segunda vida após a morte, como tam-bém porque as premissas das quais se pode concluir a imortalidade da almadependem da explicação de toda a física; primeiramente, a fim de saber que emgeral todas as substâncias, isto é, as coisas que não podem existir sem serem cria-das por Deus, são por sua natureza incorruptíveis, e não podem jamais cessar deser, se não reduzidas ao nada por esse mesmo Deus, que lhes queira negar seuconcurso ordinário. E, em seguida, a fim de que se observe que o corpo, tomadoem geral, é uma substância, eis por que também ele não perece; mas que o corpohumano, enquanto difere dos outros corpos, é formado e composto apenas deuma certa configuração de membros e outros acidentes semelhantes; e a almahumana, pelo contrário, não é assim composta de quais-quer acidentes, mas éuma pura substância.

Pois, ainda que todos seus acidentes mudem-se, por exemplo, que elaconceba certas coisas, que ela queira outras, que ela sinta outras, etc., é contudosempre a mesma alma; ao passo que o corpo humano não é mais o mesmo sópelo fato de que a figura de algumas de suas partes encontre-se mudada. Daí sesegue que o corpo humano pode facilmente perecer, mas que o espírito, ou aalma do homem (o que não distingo) é imortal por sua natureza”.

Na terceira Meditação (2005a), foi longamente explicado principal argu-

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mento de que se serve para provar a existência de Deus. Descartes se refere àdificuldade de entender como a idéia de um ser soberanamente perfeito, idéiaque se encontra em nós, “contém tanto de realidade objetiva, isto é, participa porrepresentação em tantos graus de ser e de perfeição, que ela deve necessaria-mente vir de uma causa sobera-namente perfeita”. Mas esclarece por comparaçãocom uma máquina cuja idéia en-contra-se no espírito de algum operário; pois, “comoo ar-tifício objetivo dessa idéia deve ter alguma causa, a saber, a ciência do operárioou de qualquer outro de quem ele a tenha aprendido, da mesma forma é impossívelque a idéia de Deus, que está em nós, não tenha Deus mesmo como sua causa”.

A existência de Deus pode ser provada, além do processo indutivo, tambémpelo dedutivo, mediante um raciocínio ontológico. Basta examinar a idéia de perfeito,que está presente em nossa mente pelo próprio fato de nos reconhecermos imperfei-tos. “Voltando a examinar a idéia que eu tinha de um ser perfeito, via que a existênciaestava compreendida nele do mesmo modo, e até com maior evidência, de que naidéia de triângulo está compreendido que os seus três ângulos são iguais a dois retosou, na esfera, que todas as suas partes são equidistantes do centro, e que, por conse-guinte, é igualmente certo, o quanto pode sê-lo qualquer demonstração da geometria,que Deus, que é este ser perfeito, é ou existe”. Existe, pois, o ser divino e é perfeitíssimo.

Nos Princípios da Filosofia, Descartes (2002) traz uma prova ontológica daexistência de Deus baseada não na idéia de infinito. Resumidamente, seu argumen-to: a idéia que nós temos de uma substância infinita não pode ser produzida por nós,que somos substâncias finitas; deve por isso, ser produzida pela própria substânciainfinita.

Em síntese, Decartes (2002, p.37) forneceu as provas não apenas de suaexistência como uma “coisa pensante”, mas também para a existência de Deus e domundo. De importância considerável é a sua prova da existência de Deus. Uma provapara essa existência de Deus é que como “coisa pensante” ele tem idéias.Uma des-sas idéias é de um Deus perfeitamente bom e absolutamte poderoso. Descartesafirma que nada, exceto Deus, poderia lhe dar essa idéia.

“Penso, logo existo”. Deus existe e ele é bom. O mundo é apenas matériaem movimento.

O mundo de Descartes é um mero lugar mecânico operando segundo leisatemporais de movimento e, em si, destituído da maior parte das propriedades quepoderiam nos fazer sentir à vontade nele. Entretanto, esse mundo cartesiano écaracterizado pela sua inteligibilidade. Assim, caracterizava uma concepção pluralistada pessoa humana comum como formada por um número indefinido de objetosfísicos separáveis. Esses objetos físicos separados são na realidade, afirmava ele,

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de natureza apenas adjetiva. Assim, como quaisquer outros objetos físicos existen-tes, não são na realidade coisas ou substâncias separadas, mas apenas modos daúnica substância extensa.

Segundo Descartes, a essência do ser humano é o espírito, mas qual arelação dele com o corpo? Ele considerava o corpo uma substância completa, exis-tente por si, diversa do espírito e oposta a ele: o corpo constituído pela matériaextensa e o espírito constituído pelo eu pensante. No ser humano essas duas subs-tâncias, embora diferentes encontram-se unidas. Para Descartes (2002), o espíritoe o corpo estão unidos, mas apenas num ponto: na glândula pineal, que ele enten-deu posicionada no centro do cérebro. Quanto ao corpo, afirmou que não há ne-nhuma diferença entre o homem e os animais: uns e outros não passam de autô-matos ou máquinas semoventes. O que distingue o homem dos animais é o espíri-to. Os animais não têm espírito, nenhum espírito; o ser humano tem um espíritocriado por Deus.

Pensadores espiritualistas não conseguiram ignorar a realidade do corpo,assim o problema do espírito e insere na relação espírito / matéria.

Atualmente o problema ganhou interesse e relevância, sob a denomina-ção ‘mente / cérebro’. Mais concretamente, a discussão atual gira em torno dequestões tais como: 1) existe a mente (espírito)? 2) caso exista, será algo distintodo cérebro?

As respostas fundamentadas no materialismo classificam-se em: 1) A mente(espírito) é o cérebro; o cérebro é uma realidade puramente física, ou neural oubiológica; 2) A mente (o espírito) é o cérebro; mas o cérebro humano ostenta umapropriedade emergente, graças à qual o ser humano é distinguido qualitativamentede qualquer outra entidade física, química ou biológica.

As relações entre espírito e corpo foram explicadas por Descartes atravésde um sistema proposto em que os fluídos hidráulicos que operam os músculos docorpo são direcionados pela glândula pineal no centro do cérebro, de modo que,por meio de pequenos ajustes na posição dessa glândula, a alma é capaz de con-trolar o fluxo desses fluidos e dessa forma redirecionar as ações do corpo de acor-do com suas decisões.

O espírito, por ser imaterial, não está sujeito aos efeitos da decadênciafísica, e é assim imortal. É semelhante a Deus em sua imaterialidade e não fazparte do mundo material básico, embora esteja ligada a ele por sua encarnação.

As ações do espírito são versões humanas das atividades divinas da com-preensão e da vontade, a primeira uma cópia perfeita, mas finita da inteligênciadivina, a última inclinada ao abuso e corrompida pelo pecado original. Ao efetuar

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juízos, a compreensão apresenta uma idéia ao espírito, a qual é, então, afirmadaou negada pelo espírito.

Descartes é bem conhecido por sua concepção dualista: a mente existeindependente do corpo, da matéria. Ele acreditava nessa divisão. Embora pudesseduvidar que tinha um corpo, havia uma coisa de que era impossível duvidar – o fatode que ele estava duvidando. Isso o levou à conclusão famosa: “Penso, logo existo” eà certeza de que a mente (o espírito) pode existir independentemente da matéria.

Um aspecto importante do problema espírito/corpo a questão da sobrevi-vência após a morte, a imortalidade. Se nosso eu é de fato dividido, corpo/ espíritovinculados, mas distintos, podemos ver de que maneira é possível a vida depois damorte. O espírito poderia existir por si próprio e ter uma vida sem ajuda do corpo.Poderia simplesmente deixar o corpo depois da morte em vez de ser destruída comele, continuar a existir sozinha, vincular-se a outro corpo ou interagir com outrosespíritos.

Se o dualismo não é verdadeiro e os processos mentais (espirituais) ocor-rem no cérebro e dependem de seu funcionamento biológico, não é possível havervida após a morte do corpo.

A versão cartesiana do problema espírito/corpo tem sido um dos mais co-mentados problemas filosóficos dos últimos três séculos.

São de Descartes, no Tratado das Paixões da Alma (2005b), as palavras:“Nunca seremos filósofos se tivermos lido todos os argumentos de Platão eAristóteles mas não pudermos formar um juízo sólido sobre os problemas que te-mos à nossa frente. E também, dele, nas Meditações Sobre a Filosofia Primeira(2005a): “Minha alma não está no meu corpo como o piloto no navio; estou vincula-do a ela de maneira bem mais íntima...”

Em síntese, nas Meditações (2005a) é afirmada explicitamente a imortali-dade do espírito. “Não temos nenhum argumento e nenhum exemplo que nos per-suada de que a morte ou o aniquilamento de uma substância como o espírito devaseguir de uma causa tão superficial como a mudança de figura, que é um modo docorpo, não do espírito (...). Não temos mesmo argumentos ou exemplos que pos-sam sequer convencer-nos de que existam substâncias espirituais sujeitas a seraniquiladas”.

A consideração da união entre o espírito (substância pensante) e o corpo(substância material) não foi resolvida em Descartes, de vez que ele permaneceufiel ao ensinamento escolástico.

O dualismo é a tese de que a alma existe de maneira independente docorpo material, sobrevivendo à morte deste. Em Descartes, ficará conhecido como

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“dualismo de substância” – Tese de Descartes que afirma a existência de duassubstâncias separadas, a alma, pensamento ativo e sem extensão, e o corpo, ex-tensão não-pensante e passiva. O problema que surge é porque essas substânci-as parecem interagir causalmente. As respostas dadas na época foram:

I) o interacionalismo, (estados da mente e estados do corpo interagiriamcausalmente. Para Descartes, isso se daria na glândula pineal);

II) o ocasionalismo (doutrina segundo a qual nenhuma entidade materialtem eficácia causal, mas apenas Deus é o único e verdadeiro agente causal. Quan-do uma agulha espeta a pele, o evento físico é uma “ocasião” para Deus causar oestado mental de dor. Mente e corpo não interagem, mas a ação de Deus faz comque tenhamos a impressão desta interação) e

III) a harmonia pré-estabelecida (segundo a qual alma e corpo nãointeragem contra a tese do interacionalismo). Deus teria resolvido criar um mundopossível no qual alma e corpo transcorrem de maneira coordenada, em harmonia,de maneira pré-estabelecida no início da criação.

Essa questão continuou sendo uma das principais dificuldades docartesianismo: como conciliar a união substancial e a distinção real das duas es-sências, a espiritual e a corporal?

Esse tema continuará a ser discutido por seguidores e detratores de seupensamento, e ainda engendrará grandes sistemas filosóficos posteriores a ele.

Vimos que, em Descartes, o espírito (substância) se constitui num princí-pio racional. Senso comum, parece fácil entender as distinções dualistas entre oespiritual e o material, lembrando que a concepção espiritualista da vida, tendo namais alta conta a capacidade da mente humana no sentido de descobrir a verdadeabsoluta, remonta a Platão. É a origem antiga do dualismo.

E quase que consenso que a revolução cartesiana iniciou o espírito domundo moderno. Assim quando o dualismo não tem um caráter religioso, provavel-mente é cartesiano. É a filosofia que separa o mental ou espiritual do material oucientífico. Ele se recomenda pela facilidade com que as questões científicas e reli-giosas podem ser mantidas separadas.

Ao separar o espiritual do material, Descartes permitiu que a nova ciênciaempreendesse a sua investigação do mecanismo de um mundo material ordeiro,desvinculada da intervenção arbitrária de um Deus providencial ou das irregulari-dades imprevisíveis da natureza. Deus se tornou o relojoeiro cósmico que criou ummundo ordenado e mentes para aprender sobre o mesmo. Além disso, ao livrar amente do conhecimento incerto, Descartes cria que se poderia prosseguir peladedução desde os primeiros princípios para tudo o que se poderia conhecer acerca

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do mundo. A realidade é espírito e matéria.Ao lado da substância espiritual, existe também uma realidade material,

que se caracteriza por ser extensa no espaço. Res cogitans e res extensa, espíritoe matéria, mente e corpo, são as duas substâncias metafísicas do real

Algumas observações à título de conclusão:É preciso submeter à crítica os preconceitos adquiridos com a educação.A percepção não oferece garantias de certeza.Mesmo a sensação de si mesmo como corpo não é segura.De fato, certas patologias psíquicas perturbam a personalidade, levando

um indivíduo a sentir-se outro.Mesmo a condição da consciência pode ser colocada em dúvida: como ter

certeza de não estar sonhando?A busca da verdade consiste em um esforço crítico realizado pela mente

sobre si mesma.A dúvida é uma forma de conhecimento imediato, não discursivo.O exercício da dúvida, deve-se duvidar até dos métodos científicos.É possível duvidar de estar sonhando.Mas posto que a dúvida é um pensamento, não se pode duvidar que so-

mos seres pensantes.Cogito, ergo sum; penso, logo existo: esta afirmação é absolutamente cer-

ta.O fato de pensar permite afirmar-nos somente como seres pensantes, mas

não ainda como indivíduos dotados de corpo.A realidade da dúvida legitima somente a existência de um pensamento,

uma res cogitans (substância pensante), não de um corpo.Antes de iniciar a prática da dúvida, a sensação de existir como corpo

parecia uma certeza.Outras certezas eram os fatos de perceber, de pensar e de possuir uma

alma.Parece evidente a existência dos corpos, da matéria e do espaço em que

se movem, mas todas essas crenças não passaram pela prova da dúvida metódicae hiperbólica. A existência do corpo foi colocada em dúvida, assim como a percep-ção.

Somente o pensamento não pode deixar de existir, porque não se podeduvidar sem pensar. A dúvida demonstra a existência de uma res cogitans, umacoisa pensante. Essa conclusão inaugurou uma forma de dualismo que se transfor-mou num dos mais polêmicos temas de todo o cartesianismo.

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A certeza de existir como ser pensante tem caráter fundamental; pode serassumida como postulado para cadeias dedutivas.

Descartes deixou para o mundo moderno a posição inatista, ou seja, ateoria que postula a presença no homem de determinadas idéias, aptidões, habili-dades ou comportamentos antes de qualquer experiência. Para ele, as ideias dota-das de evidência não são aprendidas pela experiência, mas parte constitutiva doespírito humano. O que dignifica o homem não é o fato de possuir a razão, massaber fazer uso dela, através de fatores indispensáveis: a vontade de conhecer; aunidade do saber; o exercício da crítica atenta e permanente, que ele consolidouna elaboração do método da dúvida.

No início do Discurso do Método, obra em que se apresenta o conheci-mento como meio de adquirir todas as virtudes, há um questionamento seguido deuma resposta: “Se o bom senso (razão) é um dom natural tão bem distribuído entreos homens, por que, então, tantas discórdias e tantas incertezas? A resposta pare-ce obvia: é porque os homens não sabem fazer bom uso dele”.

Finalizando, desejo recordar que Descartes deu uma explicaçãomecanicista para as relações entre corpo e espírito: no corpo do homem, comotambém no dos animais, não há sensações, mas somente ações e reações seme-lhantes às de uma máquina. Os espíritos, que seriam partículas sutis de matéria eveículos dos movimentos dos nervos fazem, através da glândula pineal, a alma seressentir dos movimentos corporais, estimulando nela as sensações correspon-dentes. Também através desta glândula, a alma colocaria em movimento os espíri-tos, produzindo os movimentos do corpo.

Uma solução inaceitável porque não se aplica a duas substâncias infini-tas. Se as duas substâncias são de fato independentes e incomensuráveis, a elasnão se pode aplicar uma fisiologia mecânica.

O homem é um ser no qual as duas substâncias se encontram.

MORENO, Luiz Carlos. Descartes and his discovery of spiritual substance.DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.2, 2011, pp.103-121.

ABSTRACT: This paper has the general objective Find in the works of Descarteshow we find the discovery of the spirit. We live in a historical moment and in asociety where you can not believe all information that comes, but you can rely onreason to make the decision about what is true or false. Descartes provides anopportunity to reflect on the spirit and matter. With radical doubt, Descartesinaugurates, or invents, critical thinking, freedom of thought and, therefore, becomesone of the founders of modern philosophy.

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KEYWORDS: Descartes; spiritual absolute substance; immortality of the soul.

REFERÊNCIAS

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LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. 3ed. São Paulo:Martins Fontes, 1999.

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A HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO E A NOVA LEI DO AVISO PRÉVIO

Marco Antonio BATISTA*

RESUMO: Este artigo procura realizar uma pesquisa bibliográfica sobre o novoaviso prévio. Apresenta e discute as principais mudanças ocorridas neste instituto,analisando aspectos positivos e negativos da Lei nº 12.506/2011.

PALAVRAS-CHAVE: aviso prévio; novas regras; novos prazos.

1. IntroduçãoEste trabalho pretende abordar as mudanças nos prazos do aviso prévio,

que passaram a vigorar a partir de 13 de outubro de 2011, com a edição da Lei nº12.506/2011, que dispõe sobre o aviso prévio e dá outras providências.

Com a nova lei, os prazos de concessão do aviso prévio passaram de 30(trinta) para o máximo de 90 (noventa) dias, dependendo do tempo de serviço queo empregado tiver na empresa. Trata-se de uma lei que afeta todos os trabalhado-res que, a partir da publicação da lei, desfaçam o vínculo trabalhista com seusempregadores. Serão analisadas as mudanças no prazo do aviso prévio, verifican-do vantagens e desvantagens, realizando pesquisa bibliográfica e documental so-bre o tema, através de livros, jornais, revistas, além da própria lei que modificou osprazos do aviso prévio.

O artigo pretende estudar o aviso prévio, situando-o no contexto do direitodo trabalho, analisando os princípios que regem o direito, especialmente o direitotrabalhista, estudando o surgimento das primeiras normas protetivas ao trabalha-dor, dentro da sociedade humana, observando as principais mudanças em relaçãoao homem, à sociedade e ao trabalho, que ocorreram ao longo da história.

2. O trabalho, dos primórdios até a Idade MédiaO trabalho, desde o princípio dos tempos, foi considerado como castigo.

Adão teve de trabalhar para comer, em virtude de ter comido a maçã, o fruto daárvore proibida. Conforme disposto na Bíblia, Antigo Testamento, Gênesis 3:

...17: E ao homem disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comesteda árvore de que te ordenei dizendo: Não comerás dela; maldita é a terra por tua

* Bacharel em Direito pela Universidade Paulista, Especialização em Língua Portuguesa e Especiali-zação em Direito do Trabalho, pelo Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, São Paulo,Brasil. E-mail do autor: [email protected]. Orientador: Prof. Dr. Lucas de Souza Lehfeld.

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causa; em fadiga comerás dela todos os dias da tua vida.18: Ela te produzirá espinhos e abrolhos; e comerás das ervas do campo.19: Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque delafoste tomado; porquanto és pó, e ao pó tornarás...(<www.culturabrasil.pro.br/zip/biblia.pdf>. Acesso em 26/09/2012)

A palavra trabalho vem do latim tripalium, espécie de instrumento de tortu-ra de três paus ou uma canga que pesava sobre os animais.

A escravidão foi a primeira forma de trabalho, e o escravo era consideradoapenas uma coisa e não tinha qualquer direito, nem mesmo trabalhista. Ele não eraconsiderado sujeito de direito, pois era propriedade de seu senhor. O único direitodo escravo era o de trabalhar até à morte.

Conforme dispõe Sérgio Pinto Martins:

Na Grécia, Platão e Aristóteles entendiam que o trabalho tinha sentido pejorativo.Envolvia apenas a força física. A dignidade do homem consistia em participar dosnegócios da cidade por meio da palavra. Os escravos faziam o trabalho duro,enquanto os outros poderiam ser livres. O trabalho não tinha o significado derealização pessoal. As necessidades da vida tinham características servis, sendoque os escravos é que deveriam desempenhá-las, ficando as atividades mais no-bres destinadas às outras pessoas, como a política. Hesíodo, Protágoras e ossofistas mostram o valor social e religioso do trabalho, que agradaria aos deuses,criando riquezas e tornando os homens independentes. A ideologia do trabalhomanual como atividade indigna do homem livre foi imposta pelos conquistadoresdóricos (que pertenciam à aristocracia guerreira) aos aqueus. Nas classes maispobres, na religião dos mistérios, o trabalho é considerado como atividadedignificante.Em Roma, o trabalho era feito pelos escravos, que eram considerados coisas. Eravisto o trabalho como desonroso. A locatio conductio tinha por objetivo regular aatividade de quem se comprometia a locar suas energias ou resultado de trabalhoem troca de pagamento. Estabelecia, portanto, a organização do trabalho do ho-mem livre. Era dividida de três formas: a) locatio conductio rei, que era o arrenda-mento de uma coisa; b) locatio conductio operarum, em que eram locados servi-ços mediante pagamento; c) locatio conductio operis, que era a entrega de umaobra ou resultado mediante pagamento (empreitada) (MARTINS, 2004, p. 38).

Posteriormente, surge a servidão. Era a época do feudalismo. A sociedadefeudal consistia em três classes: sacerdotes, guerreiros e trabalhadores, sendoque esta produzia para as outras duas. Enquanto os cavaleiros lutavam e os cléri-gos e padres pregavam, alguém tinha que produzir as armaduras dos guerreiros,

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os seus vestuários, bem como as vestes da classe sacerdotal. Além disso, alguémtinha que produzir o alimento que seria consumido pelas três classes então exis-tentes.

Todo o trabalho era desenvolvido na terra, na lavoura e pecuária, atravésdo cultivo de grãos e de animais, para alimentação, e da criação de ovelhas, cuja lãseria utilizada na confecção de vestimentas.

O trabalho era essencialmente agrícola, mas bem diferente do que hojeconhecemos, devido à precariedade do seu desenvolvimento.

A maioria das terras agrícolas estava dividida em áreas conhecidas como“feudos”. Cada feudo consistia apenas de uma aldeia e de várias centenas de acresde terra arável que a circundavam, nas quais o povo da aldeia – a classe trabalha-dora – desenvolvia o trabalho, para sustentar as duas classes dominantes.

Cada propriedade feudal tinha o seu senhor. Conforme era dito na época:“não havia senhor sem terra, nem terra sem um senhor”.

A casa do senhor feudal era sempre fortificada, fosse um castelo ou umacasa-grande de fazenda. Lá o senhor vivia, ou apenas esporadicamente, já quemuitos senhores possuíam vários feudos, chegando alguns a possuírem centenas.

Marcavam o sistema feudal três características importantes: 1) a terra ará-vel era dividida em duas partes, sendo uma pertencente ao senhor e cultivadaapenas para ele, enquanto a outra era dividida entre diversos arrendatários; 2) aterra era cultivada pelo sistema de faixas espalhadas e não em campos contínuos,como hoje; 3) os trabalhadores (arrendatários) cultivavam, além das terras quearrendavam, a propriedade do senhor feudal.

Vivendo numa pobre choupana, trabalhando arduamente em suas faixasde terra espalhadas, o camponês colhia apenas o suficiente para uma vida miserá-vel. Tinha que trabalhar a terra do senhor, dois ou três dias por semana, sem paga-mento.

Em época de colheita, quando havia pressa, tinha primeiro que segar ogrão nas terras do senhor. Nunca houve dúvida quanto à terra mais importante. Aterra do senhor feudal tinha que ser arada, semeada e ceifada antes da sua. Seuma tempestade ameaçasse a colheita, a plantação do senhor tinha que ser salvaprimeiro. Havendo qualquer produto a ser vendido no mercado local, deveria serprimeiramente vendido o produto do senhor feudal. Para moer o seu próprio trigoou produzir o seu vinho, o camponês tinha que pagar para utilizar o moinho ou aprensa do senhor.

Apesar de não ser propriamente um escravo como o foi o escravo negro, ocamponês, conhecido como servo, era quase reduzido à escravidão e, consideran-

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do a origem latina da palavra, servus significa escravo.Havia vários graus de servidão, sendo que alguns servos, conhecidos como

aldeães, não possuíam nem mesmo um pequeno arrendamento, mas apenas umacabana e trabalhavam para o senhor em troca de comida.

A riqueza, na época, media-se pela quantidade de terras que se possuía,e nesse aspecto a Igreja foi a maior proprietária de terras, detendo imenso poder eprestígio. O clero e a nobreza, como já foi dito, constituíam as classes governantes,pois controlavam as terras e o poder que delas provinha. Enquanto a Igreja presta-va ajuda espiritual, a nobreza prestava proteção militar, exigindo em troca paga-mento da classe trabalhadora, consistente no cultivo das terras (HUBERMAN, 1986).

3. O surgimento do comércio e das corporações de OfícioO comércio na Idade Média era realizado em pequena escala, mais à base

de troca. Muitos obstáculos retardavam o crescimento do comércio. O dinheiro eraescasso e diferente em cada lugar. Pesos e medidas também variavam em cadaregião. Devido a todos esses fatores, o transporte de mercadorias para grandes dis-tâncias era penoso, perigoso, devido aos salteadores, além de ser difícil e muito caro.

Mas o comércio não permaneceu pequeno para sempre. Gradativamente,o comércio começou a crescer, transformando a vida da Idade Média.

Um dos motivos que levaram ao crescimento do comércio, na visão deHuberman foi:

As cruzadas levaram novo ímpeto ao comércio. Dezenas de milhares de europeusatravessaram o continente por terra e mar para arrebatar a Terra Prometida aosmuçulmanos. Necessitavam de provisões durante todo o caminho e os mercadoresos acompanhavam a fim de fornecer-lhes o que precisassem. Os cruzados queregressavam de suas jornadas ao Ocidente traziam com eles o gosto pelas comidase roupas requintadas que tinham visto e experimentado. Sua procura criou um mer-cado para esses produtos. Além disso, registrou-se um acentuado aumento na po-pulação, depois do século X, e esses novos habitantes necessitavam de mercadori-as. Parte dessa população não tinha terras e viu nas Cruzadas uma oportunidade demelhorar sua posição na vida (HUBERMAN, 1986, p. 18).

Com o crescimento do comércio, surgiram as grandes feiras, onde eramcomercializados produtos de todas as partes do mundo. Com isso, logicamente, ascidades também foram crescendo (HUBERMAN, 1986).

As cidades cresciam e também sua população. Muitos homens deixam asservidões e o trabalho na terra, aventurando-se em busca de outro tipo de trabalho,nas cidades.

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Surge nova forma de organização do trabalho: as corporações de ofício,organizando os trabalhadores a partir da atividade que exercem, com o que con-corda Segadas Vianna et al. (1993, p.31, apud DANTAS JR., A. R. et al, 2009): “[...]a identidade de profissão, como forma de aproximação entre homens, obrigava-os,para assegurar direitos e prerrogativas, a se unir, e começaram a repontar, aqui eali, as corporações de ofício ou ‘Associações de Artes e Misteres’” (DANTAS JR. A.R., 2009, p. 20).

O trabalho, então, não era propriamente livre, pois somente era permitidoo exercício da profissão aos que fizessem parte da corporação.

A regulamentação de aprendizagem de qualquer ofício submetia-se a umaorganização hierárquica em três níveis, a saber: aprendiz, companheiro e mestre.

Proprietários das oficinas, os mestres já tinham passado pela prova da obra-mestra. Os companheiros recebiam salários dos mestres pelo trabalho. Já os apren-dizes eram os menores que recebiam dos mestres o ensino do ofício ou profissão.

Os aprendizes tinham a perspectiva de, aos poucos, aprimorarem seu tra-balho, galgando o grau de companheiros e posteriormente o de mestres, após te-rem aprovada uma obra-prima ou obra-mestra.

Embora houvesse um pouco mais de liberdade aos trabalhadores, nessaépoca, os reais objetivos eram os interesses das corporações, em detrimento deconferir proteção aos trabalhadores.

Os aprendizes trabalhavam a partir dos doze anos, sendo que em algunspaíses começavam a prestar serviços com idade inferior, e sua jornada diária che-gava até a dezoito horas no verão (MARTINS, 2004).

Objetivando preservar o mercado contra uma proliferação de corporaçõese consequente queda de preços dos produtos, ocorreu um aburguesamento dascorporações, que passaram a aumentar os encargos e dificuldades para a elabora-ção da obra-prima, criando nas corporações uma verdadeira estrutura de castas(DANTAS JR. et al, 2004).

As corporações de ofício, consideradas incompatíveis com o ideal de li-berdade do homem, foram suprimidas a partir da Revolução Francesa de 1789.Logo depois, instalou-se a primeira Revolução Industrial.

4. A Revolução IndustrialVários fatores contribuíram para a eclosão da Revolução Industrial, entre

os quais, pode-se assinalar: o acúmulo de capitais oriundos do comércio; a exis-tência de farta mão de obra nas cidades e as inovações tecnológicas como a má-quina a vapor, a máquina de fiar e o tear mecânico.

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Conforme dispõe Aldemiro Rezende Dantas Jr., tratando da matéria:

A primeira Revolução Industrial e os efeitos sociais por ela gerados, associadosaos valores vigentes naquele período histórico, serão decisivos para o surgimentodo Direito do Trabalho, pois serão a fonte material de toda uma construção jurídi-ca engendrada para muitos, com uma finalidade específica: proteger o proletaria-do de então da situação abjeta e desumana vivenciada pelos trabalhadores(DANTAS JR. et al, 2009, p. 22).

Embora um dos fatores da eclosão da Revolução Industrial tenha sido ogrande contingente de mão de obra, a máquina, enquanto impulsionava a produ-ção, gerava desemprego, pois uma única máquina podia substituir a força de traba-lho de milhares de trabalhadores e não precisava de repouso.

Conforme aumentava a procura por trabalho e diminuía sua oferta, o salá-rio diminuía. Além disso, passou-se a utilizar mais do trabalho do menor e da mu-lher, por terem remuneração inferior à do homem, o que provocou maior aviltamen-to das condições de trabalho.

As jornadas de trabalho eram de sol a sol, com pequenos intervalos, asfábricas quase não tinham ventilação, os acidentes de trabalho eram freqüentes einexistia qualquer proteção aos acidentados. Os salários caíam vertiginosamente ea sociedade dividia-se em duas classes antagônicas: burguesia e proletariado.

Surgem as primeiras revoltas dos trabalhadores contra as máquinas, vi-sando sua destruição, pois elas, indiretamente, haviam causado sua miséria.

Ocorrem as primeiras greves, que são violentamente reprimidas pela polícia.Associações de qualquer gênero são proibidas, especialmente a de traba-

lhadores. O sindicalismo é considerado movimento criminoso, sendo penalmentetipificado.

Conforme dispõe Aldemiro Rezende Dantas Jr. (et al):

[...] Mas as primeiras normas do Direito do Trabalho surgiriam mesmo de formaautônoma, por concessão dos empregadores, que, desejosos de restaurar a pazno ambiente de produção, por vezes concederam algumas das reivindicações dostrabalhadores. Apenas em momento posterior o Estado se vê guindado a regula-mentar as relações de trabalho [...] (DANTAS JR., A. R. et al, p. 25).

Prosseguindo, logo após:

[...] A doutrina social da Igreja exerceu papel determinante no surgimento do Direi-to do Trabalho. A visão de solidariedade e sentimento cristão para com os traba-lhadores, justiça social, todas reveladas nas Encíclicas Papais desde a Rerum

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Novarum, serão determinantes para justificar uma nova postura por parte do Esta-do [...] (DANTAS JR., A. R. et al, p. 25).

O Estado começa a reconhecer a desigualdade econômica das partesenvolvidas na relação de trabalho: a hipossuficiência do empregado contra a opu-lência do empregador. Para compensar essa inferioridade econômica, procura-seconceder superioridade jurídica ao empregado. Surge então o princípio da prote-ção e com ele o próprio Direito do Trabalho, passando o Estado a intervir ativamen-te nas relações de trabalho, através da edição de normas sobre: salário mínimo,jornada de trabalho, higiene e segurança no trabalho etc.

As constituições passam a incluir preceitos relativos à defesa social dapessoa, normas de interesse social e garantia de certos direitos fundamentais, in-cluindo o Direito do trabalho.

A Constituição do México, de 1917, foi a primeira que tratou do tema, esta-belecendo, no art. 123, jornada de oito horas, proibição de trabalho de menores de12 anos, limitação da jornada dos menores de 16 anos a seis horas, jornada máxi-ma noturna de sete horas, descanso semanal, proteção à maternidade, saláriomínimo, direito de sindicalização e de greve, indenização de dispensa, seguro so-cial e proteção contra acidentes do trabalho.

Depois da mexicana, a Constituição de Weimar, de 1919, versou sobre otema, disciplinando a participação dos trabalhadores nas empresas, autorizando aliberdade de coalizão dos trabalhadores, tratando também da representação dostrabalhadores na empresa. Criou, ainda, um sistema de seguros sociais e tambéma possibilidade de os trabalhadores colaborarem com os empregadores na fixaçãode salários e demais condições de trabalho.

A partir de então, as constituições dos países passaram a tratar do Direitodo Trabalho.

Surge o Tratado de Versalhes, de 1919, que prevê a criação da Organiza-ção Internacional do Trabalho (OIT), para proteger as relações entre empregados eempregadores no âmbito internacional, expedindo convenções e recomendaçõesnesse sentido.

Adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezem-bro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem prevê alguns direitosaos trabalhadores, como limitação razoável do trabalho, férias remuneradas perió-dicas, repouso e lazer etc.

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5. O Direito do Trabalho no BrasilEnquanto a industrialização alcançava grande desenvolvimento no mun-

do, o Brasil vivia ainda o período de colônia portuguesa, através do mercantilismobaseado na agricultura de monocultura utilizando mão de obra escrava. Essa pri-meira fase de nosso direito laboral findou apenas em 1888, com a Abolição daEscravatura. Em seguida, cai o regime monárquico, que se sustentava com a es-cravidão.

A segunda fase do direito trabalhista no Brasil estendeu-se até 1930, inici-ando a regulamentação de normas favoráveis ao trabalho livre. Precursora da Jus-tiça do Trabalho no país foi a Lei n. 1869/22, que criou os Tribunais Rurais. A Cons-tituição de 1891 reconheceu a liberdade de associação. Em 1923, a Lei Elói Cha-ves tratou de caixas de pensões e aposentadorias dos ferroviários; em 1925 foipromulgada a Lei de Férias, concedendo quinze dias de férias anuais aos trabalha-dores, o que foi inserido na Constituição de 1934, sendo que esta foi a primeiraconstituição brasileira a tratar especificamente do Direito do Trabalho.

O Direito do Trabalho no Brasil inicia sua terceira fase em 1930, com aRevolução e a Era Vargas. A produção legislativa desse período é farta e procede-se à reunião e sistematização das normas laborais e sedimentam-se os princípiosque as norteiam.

Embora como órgão do Poder Executivo, a Constituição de 1934 cria aJustiça do Trabalho.

Nesse período surge a primeira Lei de Indenização por Despedida Injusta(1935). Em 1939 ocorre a Organização da Justiça do Trabalho e surge a Consolida-ção das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, que teve como objetivo reunir as leisesparsas existentes na época.

Ocorre o reconhecimento do direito de greve, em 1946, e do repouso se-manal remunerado, no ano de 1949. A gratificação natalina é de 1962, e de 1966 aLei do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (DANTAS JR. et al, 2009).

Promulgada em 1988, a atual Constituição Federal (CF) trata dos direitostrabalhistas nos artigos 7º a 11, tendo sido inseridos no Capítulo II, “Dos DireitosSociais”, do Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, enquanto nas cons-tituições anteriores os direitos trabalhistas sempre foram inseridos no âmbito daordem econômica e social.

Tantos são os direitos trabalhistas consagrados no art. 7º da CF, que al-guns autores o veem como verdadeira CLT. (MARTINS, 2004).

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6. Princípios que regem o Direito do Trabalho Princípio é onde começa algo. É o início, a causa, a origem, o começo. Os

princípios são o fundamento, a base, os alicerces de uma ciência. Para o Direito,são os princípios que informam e inspiram as normas jurídicas.

Alguns princípios são comuns ao Direito em geral, dentre os quais pode-mos destacar o princípio da boa-fé. Esse princípio prescreve que sempre deveexistir lealdade recíproca em todos os contratos.

Especificamente no que tange ao Direito do trabalho, podemos citar comoprincipais os seguintes princípios, com suas principais características:

PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO, que visa proporcionar uma compensação àinferioridade econômica do empregado, concedendo-lhe superioridade jurídica emrelação ao empregador. Esse princípio desdobra-se em outros três subprincípios, asaber: Princípio do in dúbio pro operário, o qual estabelece que, havendo dúvidasobre duas ou mais interpretações possíveis, deve-se optar pela interpretação maisfavorável ao empregado. Princípio da aplicação da norma mais favorável, que pre-vê a aplicação da norma mais favorável ao obreiro, havendo duas ou mais normaspassíveis de serem aplicadas, independente de sua hierarquia. Princípio da condi-ção mais benéfica, o qual prescreve que as condições mais benéficas ao trabalha-dor, previstas no contrato de trabalho ou constantes no regulamento da empresadevem prevalecer, apesar da edição de norma posterior dispondo sobre a mesmamatéria, menos benéfica ao empregado. A nova regra jurídica somente produziráefeitos para os novos contratos de trabalho (SARAIVA, 2007).

PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE DE DIREITOS, o qual dispõe queos direitos trabalhistas são, em regra, irrenunciáveis. Assim, por exemplo, mesmoque um empregado declare expressamente que não quer receber décimo terceirosalário, este não poderá deixar de ser-lhe pago.

PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE TRABALHO, que esta-belece que os contratos de trabalho presumem-se, como regra, estabelecidos porprazo indeterminado, sendo considerados exceções os contratos por prazo deter-minado.

PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE, bastante utilizado na práticatrabalhista, prescreve que os fatos, ou seja, os acontecimentos reais são bem maisimportantes do que os documentos (ALMEIDA, A. L. P. de, 2007?).

Divergem alguns autores quanto a todos os princípios que regem o direitodo trabalho. Entretanto, pode-se considerar como os mais importantes esses aci-ma citados.

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7. Origens do instituto do aviso prévioInteressante observar que o aviso prévio não surgiu com o direito do traba-

lho, mas como forma de uma parte avisar a outra que quer romper determinado con-trato.

Já nas corporações de ofício, o companheiro tinha que conceder aviso pré-vio ao mestre, mas não havia reciprocidade do mestre em relação ao companheiro.

O Código Comercial de 1850 previa em seu art. 81 que, se o prazo doajuste celebrado entre o preponente e os seus prepostos não estivesse estipulado,qualquer dos contraentes poderia extingui-lo, desde que avisasse o outro do seutérmino, com um mês de antecipação.

O Código Civil de 1916 também dispunha sobre o aviso prévio nos contra-tos por prazo indeterminado, estabelecendo prazos diferentes, dependendo do tempode fixação do salário, ou seja: antecedência de oito dias de aviso, para salário pagopor mês, ou mais; quatro dias, para pagamento semanal ou quinzenal; de véspera,quando o salário fosse ajustado por menos de sete dias.

No âmbito do Direito do Trabalho, a Lei nº 62/35 tratou do aviso prévioexigido apenas do empregado em favor do empregador (MARTINS, 2004).

A CLT cuidou do aviso prévio nos arts. 487 a 491, estipulando a exigênciamínima de oito dias, para pagamento efetuado por semana ou tempo inferior e detrinta dias para os que recebem por quinzena ou mês, ou que trabalhem há mais dedoze meses na empresa.

A falta de aviso prévio por parte do empregador dá direito ao empregadoaos salários referentes ao prazo do aviso. Além disso, garante sempre a integraçãodesse período no seu tempo de serviço.

Se a falta de aviso é por parte do empregado, o empregador pode descon-tar os salários correspondentes ao respectivo prazo.

No caso de rescisão por parte do empregador, este deve conceder reduçãode duas horas da jornada diária, durante o prazo do aviso prévio, ou: redução de umdia de serviço no caso de ajuste para pagamento semanal ou inferior e redução desete dias corridos no ajuste para os que recebem quinzenal ou mensalmente.

Em relação ao trabalhador rural, conforme a Lei nº 5889/73, a redução noprazo do aviso prévio é de um dia por semana.

Dentro do prazo do aviso, cabe pedido de reconsideração por parte donotificante, dependendo do aceite da parte contrária.

Trata o aviso prévio de um direito irrenunciável do empregado. O pedidode dispensa do cumprimento do aviso não dispensa o patrão de pagar o respectivovalor, salvo se o trabalhador comprovadamente obteve novo emprego.

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Durante o prazo do aviso, se o empregador der motivo à rescisão imediatado contrato, deverá pagar a remuneração correspondente ao referido prazo, alémda indenização que for devida. Se o empregado der motivo a justa causa, no mes-mo prazo, perde o direito ao restante do respectivo prazo. No caso de culpa recí-proca, não há que se falar em aviso prévio, pois o contrato de trabalho termina deimediato, e o empregado faz jus a 50% (cinqüenta por cento) do valor do avisoprévio (CARRION, 2008).

A Constituição Federal (CF) de 1988 estipulou aviso prévio proporcionalao tempo de serviço, no mínimo de trinta dias, nos termos da lei, o que derrogoudisposições da CLT sobre a matéria, dentre as acima citadas. Entretanto, a CFsomente editou a lei, a que se referiu, no ano de 2011, cerca de vinte e três anosapós a sua promulgação.

8. O novo aviso prévioA partir de 13 de outubro de 2011, passam a valer as novas regras do

aviso prévio, conforme abaixo dispostas.

LEI Nº 12.506, DE 11 DE OUTUBRO DE 2011.

Dispõe sobre o aviso prévio e dáoutras providências.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eusanciono a seguinte Lei:

Art. 1o O aviso prévio, de que trata o Capítulo VI do Título IV da Consolidação dasLeis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943,será concedido na proporção de 30 (trinta) dias aos empregados que contem até 1(um) ano de serviço na mesma empresa.

Parágrafo único. Ao aviso prévio previsto neste artigo serão acrescidos 3 (três) diaspor ano de serviço prestado na mesma empresa, até o máximo de 60 (sessenta)dias, perfazendo um total de até 90 (noventa) dias.

Presidência da RepúblicaCasa Civil

Subchefia para AssuntosJurídicos

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Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 11 de outubro de 2011; 190o da Independência e 123o da República.

DILMA ROUSSEFF

José Eduardo Cardozo

Guido Mantega

Carlos Lupi

Fernando Damata Pimentel

Miriam Belchior

Garibaldi Alves Filho

Luis Inácio Lucena Adams

Este texto não substitui o publicado no DOU de 13.10.2011

(WWW.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/lei/l12506.htm)

Verificando a lei acima, percebe-se que a mudança em relação ao avisoprévio foi que, a partir da vigência da lei (publicação), aos pedidos de aviso prévioserão acrescidos 3 (três) dias por ano de serviço prestado na mesma empresa, atéo máximo de 60 (sessenta) dias, perfazendo um total de até 90 (noventa) dias.

Devido à simplicidade da lei, algumas dúvidas precisam ser sanadas. Aprimeira delas diz respeito à contagem do prazo para o aviso prévio, no caso de oempregado contar com um ano e onze meses de empresa, por exemplo, serãoacrescidos mais 3 (três) dias, ou somente após mais 12 (doze) meses?

Na vigência da lei anterior, o mínimo de 30 (trinta) dias de aviso préviovalia tanto para o empregado quanto para o empregador, ou seja, para a parte quenotificasse a outra sobre a decisão de rescindir o contrato de trabalho. E no caso danova lei, o que exceder o prazo de 30 (trinta) dias, até o limite máximo de 90 (no-venta) dias de aviso deverá ser concedido ou pago, também pelo empregado?Como ocorria com a lei anterior, o novo aviso prévio continua sendo regido pelabilateralidade?

No caso de pedido de demissão do empregado com vários anos na mes-ma empresa, que solicitar a dispensa do aviso prévio, em virtude de havercomprovadamente arranjado outro emprego, em atendendo o pedido, o emprega-

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dor ficará dispensado do pagamento do prazo do aviso, como na lei anterior?A nova lei vale somente para notificações de aviso ocorridas após 13 de

outubro de 2011, ou também é eficaz para os que se encontrarem na contagem doprazo do aviso prévio anterior? (PRETTI, 2012).

Divergem os autores quanto à interpretação da Lei nº 12506/2011, no to-cante às indagações anteriores.

Analisando a finalidade do aviso prévio, assim se expressa João Augustoda Palma:

[...] Aí, vamos encontrar o direito se vinculando à realidade. Surge o aviso-préviocomo um direito trabalhista que foi gerado inspirado no Princípio da Boa-Fé. Aspartes não podem romper o contrato sem que haja uma prévia comunicação anun-ciando o fim do contrato. Este dever de comunicar é das duas partes: ao empre-gado (grifo do autor) que ficará desempregado carecendo de recursos para o seusustento e da sua família e ao empregador (grifo do autor) que precisará buscarum substituto para continuar suas atividades (econômicas ou não).Desemprego e decréscimo da produção são questões de ordem social e econômi-ca e até mobilizam o governo.Portanto, o aviso-prévio é uma obrigação recíproca entre empregado e emprega-dor e que antecipa a realidade, fazendo-se necessária uma relação de extremaboa-fé, respeito, que deve haver entre os parceiros contratuais, haja vista que asrelações jurídicas precisam caracterizar-se por absoluta lealdade, do contráriohaverá prática frandulenta (sic), abusiva, desonesta, ilícita e imoral. [...] (PALMA,2011, p. 10).

Considerando que a lei nova cuida apenas da obrigação patronal, assimprossegue o autor:

[...] Ao disciplinar o direito ao aviso-prévio proporcional, o legislador de 2011 nãoexcluiu por inteiro a aplicação do velho regramento, como é facilmente constata-do.Isto porque a proporcionalidade foi fixada para a hipótese do aviso-prévio que“será concedido” ao empregado (art. 1º, da Lei nova) e para este caso é o que foidisposto nesta ocasião.Tanto é que no parágrafo único do art. 1º desta nova lei o legislador consigna,expressamente, que a proporcionalidade é alusiva “ao aviso-prévio previsto nesteartigo”; isto é, aquele dado ao empregado, constituindo a ampliação do aviso-prévio uma regra protetiva do empregado e não do empregador.O texto do art. 487, caput da CLT, trata (e sempre tratou) com igualdade (grifo doautor) empregado e empregador, referindo-se “...a parte que,..., quiser rescindir o

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contrato...”; não é mais desta forma, porque aplica-se ao aviso-prévio dado peloempregador o texto desta nova Lei, que lhe define regras específicas, próprias,quanto à duração (maior, proporcional).Portanto, a obrigação em si de conceder o aviso-prévio continua recíproca (deambos) entre empregado e empregador, por força do caput do art. 487, mas aduração do aviso-prévio (e tão somente quanto à duração) agora não é a mesma.[...] (PALMA, 2011, p. 33).

No que tange à indagação sobre o fato de a lei nova atingir ou não oscontratos em curso de aviso prévio, na opinião de João Augusto da Palma: “Oaviso-prévio é apenas uma comunicação do final do contrato, mas não cessa ocontrato”.

Destarte, entende o autor que nesse caso seja cabível a extensão do avi-so-prévio; caso isso não seja possível, o mesmo deverá ser indenizado (PALMA,2011, p. 38/39).

Diverge, em parte, dessa doutrina, Paulo Sérgio João, respondendo à per-gunta sobre o prazo do aviso prévio trabalhado:

O prazo de aviso prévio trabalhado é de 30 (trinta) dias. O acréscimo de 03 (três)dias por tempo de serviço não deve ser interpretado como acréscimo do períodotrabalhado, mas apenas como aumento do valor da remuneração do período de30 (trinta) dias (JOÃO, 2011, p. 21).

Assim se posiciona esse mesmo autor, respondendo à indagação sobre apartir de quando o período de aviso prévio deve ser acrescido de 03 (três dias):

O período de aviso prévio passou a ser acrescido de 03 (três) dias por ano deserviço ao mesmo empregador pela lei 12.506/11. Atingindo todos os contratos detrabalho vigentes, isto é, retroagindo para beneficiar todos os contratos de traba-lho em andamento. O acréscimo da remuneração em 03 (três) dias por ano deserviço é considerado a partir do segundo ano de trabalho, até o limite de 60 dias.Estes dias de acréscimo referem-se apenas à remuneração do aviso e não aocumprimento além de 30 (trinta) dias (JOÃO, 2011, p. 31).

Mais adiante, assim se manifesta esse autor, comentando sobre o acrésci-mo de 03 (três) dias:

O acréscimo de 03 (três) dias na remuneração do período de aviso prévio, por anode serviço para o mesmo empregador, beneficia apenas o empregado com con-

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trato rescindido sem justa causa. Quando se trata de pedido de demissão, o avisoprévio sempre estará limitado a 30 (trinta) dias de aviso prévio, não aplicando oacréscimo de tempo de serviço (JOÃO, 2011, p. 32).

De forma diametralmente oposta se manifesta Gleibe Pretti, conforme senota:

[...] Embora o texto legal não discipline expressamente a bilateralidade da aplicaçãodo aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, a interpretação jurídica que deveprevalecer certamente será neste sentido, já que os 30 dias atuais de duração valemtanto para o empregado dispensado pela empresa quanto para aquele trabalhadorque pede demissão do emprego; diante disso o empregado que pedir demissãodeverá pagar 90 dias de aviso prévio (3 salários). [...] (PRETTI, 2012, p. 9/10).

Pode-se constatar, pelo já exposto, que as opiniões dos doutrinadores di-vergem muito na interpretação da nova lei do aviso prévio.

9. ConclusãoEste trabalho intentou estudar as mudanças provocadas pela lei nº 12506/

2011, que dispõe sobre o aviso prévio e dá outras providências, bem como analisaraspectos positivos e negativos provocados pela nova lei.

O que se observou com o desenvolvimento do artigo foi que será necessá-rio o Poder Executivo regulamentar a nova lei, explicitando como irá funcionar naprática. Embora a norma contenha pouquíssimos artigos e seja uma pequena lei,em dimensão, as dúvidas que provocou aos operadores do direito, bem como àsempresas e aos trabalhadores são muitas e imensas. Os doutrinadores pesquisadosdivergem bastante quanto à correta aplicação dessa nova legislação. Além disso,os seus reflexos são muito abrangentes, pois afetam milhares senão milhões detrabalhadores e de empresários.

Tendo em vista que mudanças desse tipo provocam sempre muita insegu-rança no meio jurídico, espera-se que as dúvidas sejam sanadas o mais brevepossível, por intermédio de decreto, que regulamente a lei, serenando o ordenamentojurídico.

BATISTA, Marco Antonio. The history of the Labour Law and the new Law of priornotice. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.2, 2011, pp. 123-143.

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ABSTRACT: This article conducts a literature search on the new law of prior notice.Presents and discusses the main changes in this institute, analyzing positive andnegative aspects of Law n º 12.506/2011.

KEYWORDS: prior notice, new rules, new deadlines.

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ESTRATÉGIAS DE NEGOCIAÇÃO ENTRE A SANTA SÉ, OESTADO BRASILEIRO E A IGREJA CATÓLICA LOCAL

ENTRE 1889 E 1991*

Lilian Rodrigues de Oliveira ROSA**

RESUMO: Este artigo analisa as relações internacionais entre a Santa Sé e o Bra-sil, em particular durante o governo provisório instalado com a Proclamação daRepública, em 1889. O que se propõe é a compreensão das estratégias de negoci-ação entre Igreja Católica local, Santa Sé e o Estado nos primeiros anos da Repú-blica.

Palavras-chave: Santa Sé; Estado Brasileiro; História; Relações Internacionais.

Durante a fase do governo provisório republicano, entre 1889 e 1891, aSanta Sé empreendeu uma negociação com a Igreja Católica local e o Estado noBrasil. As estratégias envolvidas nesse processo são foco de análise neste artigo,enfatizando-se o papel de Leão XIII e da liderança eclesiástica brasileira na defesados interesses católicos imediatamente após a separação entre o Estado e a Igreja.

A correspondência do Internúncio Francesco Spolverini informando a que-da do Império e a Proclamação da República no Brasil, em 1889, à Secretaria deEstado da Santa Sé, sob a responsabilidade do Cardeal Mariano Rampolla delTindaro, não causou imediata movimentação. A cúpula do Vaticano parecia nãoestar preocupada com a troca da forma de governo. Seu principal interesse era emconhecer os homens que ocupariam o poder a partir daquele momento. Por isso,solicitou aos seus representantes no Brasil informações sobre os membros do go-verno provisório. A Santa Sé pretendia mapear qual seria a direção que o novoregime daria à organização política do Brasil, no que se tratava da religião católica(RAPPORTTI, 1889, f. 24-26).

Essa precaução era justificada. Afinal, a inspiração do novo regime acena-va para um afastamento cada vez maior entre o Estado e a Igreja Católica, conside-

* Trabalho originalmente apresentado no XIII SOLAR, em Cartagena das Índias, em setembro de2012, com financiamento CAPES, viabilizado pelo Programa de Apoio à Participação em EventosCientíficos no Exterior – PAEX.** Doutora em História e Cultura Social, pela Unesp de Franca. Coordenadora do curso de História doCentro Universitário Barão de Mauá e Vice-presidente do IPCCIC – Instituto Paulista de CidadesCriativas e Identidades Culturais.

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rada pelos grupos mais radicais dentro do governo, como um elemento de obscu-rantismo e de retrocesso. Nesse contexto, a liderança da Igreja Católica no Brasilprocurava difundir a ideia que, estruturalmente, ela era dissociada do Império, mos-trando que não havia simbiose entre os dois, mas sim uma relação de dependência“danosa” dessa em relação aquele. Essa estratégia buscava evitar a proliferaçãoda ideia que, com a queda do trono, cairia também a Igreja.

Com a Proclamação da República as regras do jogo mudaram. Era preci-so planejar formas de atuação dentro do Estado Republicano, que abrigava em seucorpo tendências liberais e positivistas, além dos interesses dos cafeicultorespaulistas, que faziam frente à política econômica de D. Pedro II, último imperadordo Brasil.

Para o Vaticano, havia a percepção que o novo governo assumia posturaspúblicas que evidenciavam a crença na capacidade de gerar os instrumentos le-gais capazes de encaminhar o Brasil ao progresso, tendo como base a ciência e oracionalismo. Na voz dos liberais mais radicais, difundia-se que era possível abrirmão da religião como legitimadora do seu poder temporal. Não mais o obscurantis-mo católico, não mais a monarquia atrofiada. Com o fim das relações oficiais entrea Igreja Católica e o Estado e a derrubada da monarquia, pareciam ter sido removi-dos os dois últimos obstáculos que impediam o progresso nacional (MANOEL, 1997,p. 67-81).

Tanto liberais quanto positivistas propagavam a laicização completa doEstado, com um projeto político que previa, após 1889, não só separar a Igreja doEstado e extinguir o Padroado Régio, mas desapropriar os bens eclesiásticos, es-pecialmente os baseados no direito de aquisição de bens pelas corporações demão morta 2. Essas ideias geravam um clima de insegurança para as liderançascatólicas que não tinham como prever o rumo exato que novo governo daria àpolítica nacional.

A hierarquia eclesiástica era levada a se reorganizar a partir de formas deconduta mais adaptadas ao cenário político que se engendrava. Era necessáriopreparar-se para uma possível guinada em direção ao liberalismo mais radical. Osentido que a política nacional parecia tomar preocupava a Igreja Católica, que seconsiderava como a única força ideológica capaz, naquele momento, de fazer fren-te às essas mudanças.

Do ponto de vista das suas relações internacionais a posição da Santa Séfoi de cautela. Afinal, a sua representação diplomática da Santa Sé no Brasil nãotinha status de embaixada e os internúncios que por aqui passaram não consegui-

2 Bens das Associações religiosas considerados inalienáveis, de caráter perpétuo.

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ram estabelecer uma sólida influência sobre a hierarquia católica, nem junto aogoverno brasileiro. A estratégia escolhida diante do quadro de indefinição quantoao futuro político do país foi garantir relações amigáveis, que pudessem evitar aradicalização do governo em relação à Igreja. Essa postura condizia com a orienta-ção de Leão XIII e do seu Secretário de Estado, o Cardeal Rampolla, que tinhamuma política de abertura ao diálogo no que tange às questões internacionais. Oembate com o liberalismo era travado no campo doutrinário, por meio das encíclicaspapais. No campo da prática, esse embate vertia-se numa política de negociaçãocom os Estados laicos.

No caso brasileiro, para as primeiras tratativas com o governo republicanoo Papa contou com a ação de D. Antônio Macedo Costa, Arcebispo do Pará, quetinha um histórico que o favorecia como negociador da Igreja junto ao Estado Re-publicano: ele era um defensor da autonomia da Instituição Católica local e daautoridade do Papa. Essa postura ficou evidenciada durante a prisão dele e de D.Vital, em 1874, pelo Imperador, em decorrência de divergências com a maçonaria.D. Macedo representava uma parcela da Igreja que havia sido punida pelo Impériopor resistir em parte as suas ordens e por optar seguir as determinações papais.Essa era uma importante carta de negociação no novo jogo político que seestruturava.

No final do ano de 1889, o Arcebispo do Pará escreveu para Rui Barbosa,Ministro da Fazenda do governo provisório. De acordo com Ivan Manoel (1997), odocumento deixou entrever indícios de que as negociações pela defesa dos inte-resses da Igreja Católica vinham ocorrendo em várias frentes, com homens comoQuintino Bocaiúva e com o próprio Marechal Deodoro da Fonseca.

Seguindo as orientações da Santa Sé, D. Macedo enfatizou na carta a suaposição contrária à separação entre a Igreja e o Estado. Contudo, mostrou suaresignação diante do “desejo irreversível” do governo provisório em promover acisão. Defendeu no documento que pelo menos os bens da Igreja fossem preser-vados, lembrando que não era uma questão de privilégios, mas de garantia dosdireitos justificados pela ligação da Igreja com a própria formação do povo brasilei-ro (MANOEL, 1997). As primeiras negociações surtiram efeito. O Decreto n. 119-A,de sete de janeiro de 1890, extinguiu o Padroado Régio e separou a Igreja doEstado, como antecipou D. Macedo Costa. Mas garantiu, por meio do artigo 5º, aspropriedades da Igreja. Por força e peso da tradição católica e pela influência deLeão XIII e do seu negociador, a Igreja Católica conseguiu flexibilizar o projetoliberal-positivista e garantiu parcialmente os seus interesses no Brasil (MANOEL,1997, p. 75).

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Nesse momento de instabilidade a Igreja buscava atualizar as formas deinserção política no Estado Republicano, adequando suas estratégias. O refina-mento da articulação entre a Igreja local e a Santa Sé, no que tange ao seu discur-so político foi a primeira estratégia adotada. Para isso, a Santa Sé precisou fortale-cer os seus principais representantes no Brasil: o Internúncio Apostólico, FrancescoSpolverini e D. Macedo Costa, Arcebispo do Pará.

Como parte dessa estratégia a Santa Sé transferiu D. Macedo para oArcebispado da Bahia, em 26 de junho de 1890. Como Primaz do Brasil e mais próxi-mo dos centros do poder republicano, caberia ao Arcebispo e ao Internúncio reuniremo episcopado, com o intuito de ampliar a força da Igreja como agente político.

Os prelados foram orientados a estabelecerem contato com políticos quefizessem parte dos seus círculos de relacionamento. Deveriam pedir apoio à “cau-sa católica” aos homens influentes, membros das oligarquias regionais e lideran-ças nacionais. A finalidade era conseguir o máximo de apoio na defesa dos interes-ses católicos. Mesmo com a flexibilização do projeto liberal-positivista, que resul-tou na preservação das propriedades da Igreja, a Santa Sé ainda não confiava queexistissem motivos para crer na estabilidade da situação da Igreja no Brasil. Toda anegociação até aquele momento não havia evitado que a Igreja perdesse o seulugar privilegiado de religião oficial do Estado. Havia um caminho longo a ser per-corrido para estabilizar a situação da Igreja. Em particular no que concernia a dis-cussão em torno do projeto da nova Constituição Brasileira.

Pouco mais de dois meses depois da publicação do Decreto n. 119-A, oepiscopado brasileiro lançou uma Carta Pastoral coletiva, em 19 de março de 1890,escrita sob os auspícios de D. Macedo Costa. Mesmo com o relativo sucesso dasnegociações orientadas pelo Arcebispo do Pará até aquele momento, havia no do-cumento um tom de insegurança com a nova situação imposta pelo Decreto. Osprelados estavam particularmente apreensivos com o caminho que o tão proclama-do progresso econômico e social poderia tomar (IGREJA CATÓLICA, Pastoral Co-letiva, 19/03/1890, p. 5).

A realidade político-religiosa indicava que as relações entre a Igreja Cató-lica local e o Estado poderiam caminhar tanto para uma aproximação, quanto paraa progressiva morte do projeto de civilização cristã no Brasil. Na Carta Pastoralforam exteriorizadas as preocupações dos prelados com a nova situação impostapela queda do Império e pela oficialização do caráter laico da República. Implícitano texto estava a insegurança de que, junto com a Coroa, a religião católica fosseextirpada da vida pública. Estabelecia-se o temor de uma sociedade sem Deus.Essa foi a primeira reação coletiva do episcopado brasileiro à nova situação políti-

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co-religiosa do Brasil. Entendia-se que era preciso agir rápido para reorganizar aestrutura eclesiástica e coordenar a articulação político-religiosa necessária à so-brevivência do catolicismo, que havia perdido a subvenção do Estado. Uma dasações necessárias era a difusão entre o clero e os fiéis da certeza que a IgrejaCatólica não havia sucumbido junto com o Império. Mas, que estava ameaçadapelo avanço de ideias estranhas à tradição católica brasileira: o liberalismo, opositivismo e o materialismo.

Com base nas orientações da Santa Sé, D. Macedo Costa deveria usarsua influência para convencer o episcopado que era o momento certo de transfor-mar a crise em oportunidade. Principalmente, no sentido reorganizar as estruturaseclesiásticas e uniformizar a conduta do clero, reelaborando suas práticas sociais eestabelecendo novos parâmetros de atuação.

Para a hierarquia eclesiástica local, a Igreja Católica e o Estado deveriammanter a autonomia entre as estruturas em decorrência de um objetivo convergen-te: o bem comum da sociedade brasileira. Este só seria possível por meio doordenamento cristão da sociedade e pelo exercício de uma vida integralmente cris-tã. O documento coletivo de 1890 defendia a ligação entre o Estado e a Igreja, masnão admitia a mínima subordinação da Igreja Católica local ao poder civil, cabendounicamente ao Papa reunir o poder de legislar, o poder judiciário e o poder penal,nas questões que concerniam à Confissão Católica.

A forma como o episcopado se relacionaria com Estado nas próximas duasdécadas estava posta no texto da Carta Pastoral de 1890 que, embora fosse áspe-ro com a transição política que se efetivava, endossava o novo regime e deixava ocaminho aberto para a negociação entre as duas instituições, como havia orienta-do a Santa Sé ao Arcebispo D. Macedo Costa.

No documento de 1890 prevalecia a certeza que a Igreja “[...] formou emseu seio fecundo a nossa nacionalidade, e a criou e avigorou ao leite forte de suadoutrina” (IGREJA CATÓLICA, Pastoral Coletiva, 19/03/1890, p. 22). Para a IgrejaCatólica local, concebida como o elemento essencial na constituição da próprianacionalidade brasileira, o Decreto n. 119-A colocou-a no mesmo patamar que to-das as outras religiões, sem levar em consideração o peso da sua tradição e o seupapel na formação cultural do Brasil.

Embora a Santa Sé também concordasse com essa visão, a sua percep-ção era mais ampla, envolvendo a situação da Igreja Católica como um todo. Paraa cúpula do Vaticano, o Decreto n. 119-A era visto sob outra ótica: como o resultadode uma negociação relativamente bem sucedida, que evitou restrições à liberdadede atuação da instituição.

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Para o episcopado brasileiro a questão era mais próxima, de natureza prá-tica. Toda a transformação política que se processava era vista como a progressivaexclusão da Igreja do edifício político brasileiro, resultante da influência das revolu-ções europeias, que já teriam inserido no país, muito antes de 1890, o “espíritohostil” à Igreja Católica (IGREJA CATÓLICA, Pastoral Coletiva, 19/03/1890, p. 40).

Com a perda do apoio (inclusive o financeiro) do Estado, restava ao epis-copado a alternativa de aproximar-se de Roma. Era o momento de seguir as orien-tações da Santa Sé na reestruturação política que ocorria: usar a liberdade conferidapelo governo atual e ter paciência para trabalhar pela reconquista de espaços noedifício político e social do Estado brasileiro.

Muito mais que uma resposta ao Decreto n. 119-A, a Carta Pastoral signi-ficou uma tomada de posição diante da nova situação. Sob a liderança de D. Anto-nio Macedo Costa, o episcopado brasileiro despertava para a nova situação políti-ca e se posicionava para reposicionar a Igreja dentro do sistema político republica-no (MANOEL, 1997). Nesse movimento a Carta Pastoral definiu a execução, porparte dos prelados, de três ações imediatas: 1) apreciar a liberdade que a Igrejadesfrutava no novo regime, garantida pelo Decreto n.119-A; 2) trabalhar para con-solidar esse direito de maneira efetiva; 3) cumprir dedicadamente os deveres cris-tãos no novo período que se inaugurava no Brasil.

Na primeira ação proposta, os prelados que assinaram a Carta Pastoralentenderam a liberdade no Decreto n. 119-A como a não escravidão da Igreja. Otexto aprovava a liberação dos “laços” em torno da Instituição Católica. Em outraspalavras, nessa visão o fim do Padroado Régio possibilitaria a libertação da opres-são disfarçada em proteção, na qual muitas vezes os “[...] favores dos Reis temdegenerado em escravidão” para a Igreja (IGREJA CATÓLICA, Pastoral Coletiva,19/03/1890, p. 42-45).

A aparente contradição presente na Carta Pastoral, representada na defe-sa da permanência da ligação entre Estado e Igreja e, ao mesmo tempo, na cele-bração da liberdade conquistada com o fim do Padroado Régio, é um indicativo dasincertezas vividas naquele momento pela Igreja local. Não há contradição. Haviasim o desejo de manter-se como religião oficial, com todos os benefícios advindosdisso. Contudo, essa ligação não era deseja de maneira que a estrutura eclesiásti-ca tivesse que se submeter ao poder civil. Ligados ao Estado como orientaçãoespiritual do ordenamento político, mas subordinados à estrutura hierárquica deRoma. Essa era a proposta contida na Carta Pastoral de 1890.

No que se refere à segunda ação recomendada pela Carta Pastoral, aconsolidação da liberdade da Igreja era considerada uma necessidade, já que aquele

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momento político era visto como uma oportunidade para ampliar a atuação da Igre-ja, como por exemplo, por meio da implantação de escolas particulares confessionais.A Santa Sé considerou o contexto de liberdade religiosa gerado pela publicação doDecreto n. 119-A como propício para a restauração da religião católica no Brasil.Essa se daria com intensificação do projeto romanizador, que previa a união doutri-nária e institucional da hierarquia eclesiástica local com o Papa e a Cúria Romana.

Em carta ao arcebispo da Bahia, o Papa escreveria que “D’ora em diante,[...] poderemos entrar francamente na prática de nossa sancta Religião, regendo-nos segundo a nossa fé e a nossa disciplina, sem recear a mínima intervenção dopoder publico” (LEÃO XIII, 9/06/1890, ff. 23-26).

Agradando ou não aos membros do episcopado local, o Decreto n. 119-Amodificou as relações entre o Estado e a Igreja. Por isso, o tom doravante deveriaser de conciliação e de cautela. Aos grupos que acusavam a Igreja Católica derepresentar uma ameaça ao governo republicano, em decorrência da sua antigaligação com o Império, o episcopado deveria responder que a Igreja Católica eraindiferente a todas as formas de governo, não pretendendo e não podendo opor-seao bem do Estado.

A Carta Pastoral de 1890 foi um documento de posicionamento público doepiscopado diante da situação política do país. Caracterizou-se quase como umdesabafo que, mesmo orientado por D. Antônio Macedo Costa que estava alinhadoàs orientações de Roma, não tinha o tom tão conciliador como desejava a SantaSé. Esse fato pode ser explicado pela ligação ainda muito frouxa entre a hierarquiaeclesiástica local e o Vaticano, também, pela própria condição incerta que vivia oepiscopado, do qual muitos membros ainda eram monarquistas.

Visando contornar essa situação, marcada por posicionamentos muitasvezes incompatíveis com a sua orientação, a Santa Sé tornaria duas providênciasimediatas. A primeira foi no sentido de tornar a sua comunicação com a Igreja Ca-tólica local mais intensa e mais rápida, buscando aliar a conduta do clero aodirecionamento de Roma. O Vaticano buscava aproveitar o momento político damelhor maneira possível para restaurar os seus interesses, e para estreitar as liga-ções institucionais católicas, por meio de uma comunicação mais eficaz.

A segunda providência foi mais incisiva e direta. Leão XIII escreveu paraD. Antônio Macedo Costa, em nove de junho de 1890. O Papa, já de conhecimentoque o episcopado pretendia realizar uma conferência 3, explicitou o seu desejo ao

3 Nesse período, as conferências episcopais não tinham o caráter permanente que possuem hoje; secaracterizavam como encontros não periódicos com o objetivo de promover a união pastoral einstitucional entre os bispos e arcebispo.

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Arcebispo da Bahia: unidade de atuação do clero e da hierarquia contra os inimigoscomuns e em relação ao momento político nacional (LEÃO XIII, 9/06/1890, ff. 23-26).

O Sumo Pontífice preocupava-se com a “frouxidão da disciplina” eclesiás-tica no Brasil. Colocava em dúvida a força da ligação hierárquica entre o clero e opróprio episcopado, num momento em que a coesão era essencial para resguardara instituição religiosa de um futuro incerto. A mensagem da Santa Sé à Igreja locale ao Estado Brasileiro: a Igreja nada impetraria contra o Estado e esperava que elenada tentasse contra a religião (LEÃO XIII, 9/06/1890, ff. 23-26).

Orientado pelo Papa, D. Macedo Costa, deveria se esforçar durante a Con-ferência de Bispos, que se realizaria em 1890, para que o episcopado discutissemeios para atender aos interesses comuns das dioceses. Também deveriam serdebatidas formas de manifestar publicamente a força da disciplina eclesiástica epara restaurar os costumes do clero, a partir da observância dos Sagrados Cânones.

Com o fim dos limites impostos pelo Império Brasileiro à comunicação coma hierarquia eclesiástica local, a Santa Sé colocaria em prática o projeto de implan-tação da disciplina nos moldes do Concílio de Trento, que previa a uniformizaçãode conduta, tanto do clero, quanto dos arcebispos e bispos e o estreitamento delaços destes com o Papa e a Cúria Romana.

Em 14 de junho de 1890, portanto, cinco dias depois do envio da Carta doSumo Pontífice para D. Macedo Costa, a Secretaria de Estado mandou instruçõespara a realização da Conferência de Bispos brasileiros ao Internúncio Apostólico. Nodocumento o Cardeal Rampolla demonstrou ter consciência das possibilidades quese abriam com o fim do Padroado Régio. Para ele era “[...] o princípio d’uma benéficarestauração dos interesses do catholicismo n’essa Republica”. De maneira estratégi-ca o Secretário de Estado orientou ao episcopado e ao Internúncio como deveriamagir: “[...] aproveitando-se com prudência e sabedoria das actuaes condições políti-cas do Paiz [...]” (RAMPOLLA, 14/06/1890, f. 3-8). Em outras palavras, o momentoera de ação, mas não uma ação descoordenada e sim organizada a partir das orien-tações da Secretaria de Estado, envolvendo um planejamento coletivo.

Longe da cena pública, a alta cúpula do Vaticano entendia não seremsuficientes a publicação de uma Carta Pastoral Coletiva de 1890 e a organiza-ção de uma conferência do episcopado, para mostrar ao governo brasileiro aforça de articulação da Igreja. As garantias para a defesa dos interesses cató-licos no Brasil teriam que ser conquistadas, também, por meio da ação diplo-mática. Extrapolando os limites da cidade do Vaticano e atuando coerentemen-te com a sua postura de não fugir ao debate com a modernidade, Leão XIIIescreveu diretamente para o chefe do governo provisório brasileiro, Marechal

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Deodoro da Fonseca, em 28 de outubro de 1890.Um dos fatos mais significativos do documento, como negociação no cam-

po das relações internacionais, foi o reconhecimento oficial do governo provisóriodo Marechal Deodoro da Fonseca pelo Papa e a indicação do desejo de estabele-cer relações diplomáticas oficiais entre a Santa Sé e o Brasil (LEÃO XIII, 28/10/1890, f. 74-77).

Leão XIII, com este ato político, visou obter garantias para a liberdade deatuação da Igreja Católica local. A preocupação do Papa era colocar os termospara as negociações em torno do projeto da nova Constituição Republicana. Paraisso, Leão XIII invocou os “sentimentos religiosos” do Marechal, associando a fécatólica a um “precioso” bem. Afirmou ser a religião católica um verdadeiro legadodos “seus ancestrais”, o elemento que definia o povo brasileiro por suas raízescomuns. Na carta a religião católica foi descrita como parte de um passado quetodos os brasileiros compartilhavam e que, portanto, os unia.

Com esse prólogo Leão XIII preparou o espírito do velho militar para o teorde gravidade do que escrevia nas próximas linhas: trataria de “um assunto degravíssima importância, com os quais nos unem vários interesses vitais da IgrejaCatólica, não menos que para esta Nação” (LEÃO XIII, 28/10/1890, f. 74-77). OPapar manifestava a sua apreensão com o momento de instabilidade vivido pelaIgreja e as incertezas que pairavam sobre como o governo brasileiro conduziria asrelações entre os dois poderes: o religioso e o civil.

O texto não era nada subjetivo e não pretendia apenas apelar aos senti-mentos ancestrais do militar. A missiva tinha endereço certo e um objetivo claro:lembrar ao Marechal que a Santa Sé havia reconhecido o novo governo republica-no e que, portanto, nada tinha contra ele.

Os termos na negociação estavam postos. Leão XIII acenava com a suaproposta para as bases das relações diplomáticas entre a Santa Sé e o governo doBrasil nos próximos anos: os interesses da Igreja Católica no Brasil não seriamdefendidos apenas pelo episcopado local, mas também pela Santa Sé, no campoda política externa. O povo brasileiro era católico. Como cidadão, devia obediênciaao Estado, como católico, devia obediência ao Papa, o representante de Deus naterra. Na carta, mais uma vez a religião católica era associada à tradição do brasi-leiro, compreendida como um elemento inseparável da formação sócio-cultural danação.

O Pontífice enfatizava o interesse em garantir direta ou indiretamente quea nova Constituição respeitasse os direitos da Igreja. Por isso, pediu ao Marechalque intercedesse no processo político em andamento no sentido de evitar o pior. As

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inquietações do Papa residiam não somente nas possíveis consequências do De-creto n. 119-A, mas fundamentalmente na possibilidade real de prevalecer tendên-cias positivistas e liberais radicais no projeto constitucional, que estava em fase deelaboração, inicialmente por uma comissão de juristas, sob a presidência deSaldanha Marinho e, posteriormente, por Rui Barbosa e os ministros da República.

O Sumo Pontífice definiria uma postura nas suas relações internacionaisque influenciaria a política externa da Santa Sé ao longo do século XX: em nome dadefesa da sua missão evangelizadora e dos seus interesses institucionais, eramadotadas posturas realistas e pragmáticas em sua política externa. Firmar o cará-ter transnacional da Igreja Católica, abrir novas áreas para a ação evangelizadora,recuperar ou consolidar os espaços tomados à Igreja pelo liberalismo e pelo laicismo,eram os principais propósitos dessa posição.

De acordo com o autor Azevedo (2003) esse realismo político se caracteri-zou pela participação dos Pontífices e dos seus representantes no jogo de xadrezestratégico, buscando firmar a Santa Sé como mediadora e negociadora nas ques-tões políticas mais complexas. No caso brasileiro foi essa a postura assumida peloPapa diante da nova composição política republicana. O tom da carta de Leão XIIIera de negociação, com vistas a deixar as portas abertas para um acordo bilateral,mesmo que não oficial, no qual ambos fizessem concessões e se beneficiassemmutuamente.

A Santa Sé oferecia o reconhecimento oficial ao novo governo, a manuten-ção das relações oficiais e a aceitação pacífica da separação oficial. Mesmo dei-xando claro que doutrinariamente era contra a separação entre o Estado e a Igreja,o Papa compreendia que era uma situação irreversível naquele momento.

Tendo esclarecido o que o Marechal poderia esperar de um possível acor-do bilateral com a Santa Sé, era o momento de Leão XIII indicar quem seria o seumediador. Aquele que deveria levar ao Marechal as disposições contidas no projetoconstitucional que estavam em desacordo com os interesses da Igreja. A missãolevar a cabo as tratativas com o Chefe do Governo Provisório, em nome do Papanão coube ao Internúncio, mas a D. Macedo Costa. O Arcebispo deveria convencero Marechal quão lesivo aos direitos da Igreja seria o novo dispositivo legal emelaboração, caso este mantivesse as disposições radicais contra a Igreja Católica.

Temendo pela integridade da instituição católica, o Papa pretendia evitar oaprofundamento da crise, que poderia resultar em um conflito entre a Igreja e oEstado, caso a Constituição da República fosse publicada nos termos do projetoem elaboração. O Pontífice esclareceu suas expectativas para um possível acordo:o Marechal Deodoro, com o seu prestígio, garantiria a liberdade da Igreja, a exem-

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plo da Constituição dos Estados Unidos da América, eliminando do projeto consti-tucional as disposições contrárias à Igreja, em troca, além do já sinalizado pelaSanta Sé, indicado acima, a Igreja continuaria com a sua missão “de paz, de con-servação e de ordem em meio a sociedade” (LEÃO XIII, 28/10/1890, f. 74-77).

A oferta incluía a legitimação do novo regime no púlpito e a colaboraçãodireta na reconstrução política do país. Concebendo a religião católica como a baseda relação harmônica entre os homens e destes com o poder estabelecido, o Papaevidenciava ao presidente que poderia, caso fossem atendidos os seus pedidos,reunir o apoio do episcopado, do clero e da população católica em torno do projetode “união e paz” no novo modelo de Estado.

A Secretaria de Estado da Santa Sé, a partir das experiências vividas emoutros países, temiam a radicalização do movimento depois da publicação da Car-ta Constitucional Republicana. Sua ação, naquele momento, buscava garantir aintegridade da Igreja, em curto prazo, médio e longo prazo, de maneira que semantivessem as condições necessárias para a realização da sua missãoevangelizadora.

No mesmo dia, em 28 de outubro de 1890, Leão XIII escreveu a D. AntônioMacedo Costa com os termos da negociação explicitados em carta ao Marechal, ouseja, com as disposições contrárias à Igreja, que o Papa pleiteava que fossem retira-das do projeto constitucional. Os itens do acordo que afetavam diretamente a Igrejadeveriam ser levados pessoalmente pelo Bispo ao Marechal Deodoro da Fonseca: aproibição de fundar novos institutos religiosos e de reformar os antigos segundo asnormas da Igreja; o golpe de ostracismo à Companhia de Jesus; a exceção feita aoClero pelos corpos deliberantes do Estado; a ameaça de confisco às propriedades daIgreja com a evocação das leis de mão morta; o ensino laico; o matrimônio civil prece-dente ao matrimônio religioso (LEÃO XIII, 09/06/1890, f. 23-26).

Nas duas cartas de Leão XIII, ao Marechal e a D. Macedo Costa, aparece-ram dois princípios básicos que conduziriam a política de Estado da Santa Sé: apostura de neutralidade política e uma clara opção pelos pactos ou acordos inter-nacionais.

A primeira postura se firmaria com um posicionamento da Igreja como umente acima de questões políticas partidárias e de eventuais conflitos internos nopaís. Esse posicionamento, replicado como política externa por outros pontíficesao longo do século XX, garantiria um espaço importante e de peso para a Santa Sénas relações internacionais: o de mediadora e pacificadora. Já a opção pelos acor-dos estruturou-se como uma estratégia de defesa dos interesses da Igreja Católicae como forma de colocar freios ao avanço das pretensões cada vez maiores dos

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Estados laicos em restringir a religião ao espaço privado.Em nome da ordem social cristã e da defesa da própria Confissão Católica

o Papa cedia espaço ao liberalismo e ao laicismo, orientando a hierarquia eclesiás-tica local a fazer o mesmo. Aproveitava o momento político para garantir autonomiae recursos suficientes para a execução de um projeto de influência política de lon-ga duração.

Parece haver quase um consenso na historiografia da Igreja no Brasil(BRUNEAU, 1974) de que os acontecimentos em torno da Proclamação da Repú-blica iniciaram uma fase na qual a Igreja se lançou ao combate pelo seu retorno aogoverno brasileiro. A análise da documentação que serviu de base para esta pes-quisa encaminha outra interpretação: a Santa Sé não se movimentou estrategica-mente para efetivar a volta da Igreja Católica à estrutura do Estado brasileiro. Oseu objetivo era ordenar e implementar a cristianização das instituições públicas.Isso não significava fazer parte do governo como instituição, mas influenciá-lo demaneira que esse fosse inspirado pela doutrina católica, adotando os mesmos prin-cípios e, portanto, que este tivesse os mesmos objetivos da Igreja.

Quanto à parte do acordo que caberia ao Marechal: a restrição às disposi-ções constitucionais que eram contrárias aos interesses da Igreja Católica, os re-sultados foram considerados muito satisfatórios diante daquele contexto. A Consti-tuição Brasileira de 1891 não foi declarada em nome de Deus e a separação e aretirada das subvenções à Igreja foram mantidas. Contudo, estes não estavamentre os pleitos do Papa. Dentre os itens que Leão XIII havia solicitadoreconsideração, acabaram sendo mantidos: o matrimônio civil, o ensino laico e aexceção feita ao Clero quanto ao direito de voto.

Entretanto, isso não se caracterizou como uma derrota política. Ao contrá-rio, além de garantir a não perseguição e a não expulsão dos Jesuítas, o acordoentre os chefes de Estado, Leão XIII e Marechal Deodoro, garantiu a defesa dosbens materiais e da liberdade de atuação da Igreja, dois itens fundamentais dopleito do Romano Pontífice.

Passado esse momento de crise e de intensas negociações, iniciava-se afase de reorganização institucional da Igreja Católica local. Com base na análisedo conjunto documental produzido pela Secretaria de Estado do Vaticano duranteas primeiras décadas da República brasileira, é possível afirmar a Santa Sé esta-beleceu alguns pontos essenciais de atuação. Em particular no que concernia anova realidade política do Brasil e a condição institucional da Igreja, agravada pelapelo número reduzido de padres, pelas grandes distâncias e pelas dificuldades delocomoção.

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A Santa Sé incentivou que congregações estrangeiras viessem atuar noBrasil; remanejou prelados, ação que ficou sob a coordenação do Internúncio; so-licitou a realização de um diagnóstico sobre as dioceses, com a finalidade de le-vantar dados para a reorganização institucional; empreendeu ações de fortaleci-mento do Internúncio como representante da autoridade do Papa; investiu na am-pliação dos quadros do clero. De todas essas iniciativas ressalta-se a atuação sis-temática da Secretaria de Estado para minimizar ao máximo a participação do epis-copado na política partidária, de maneira a evitar que posturas políticas radicaiscindissem definitivamente e irremediavelmente as relações entre o Estado e a Igre-ja, inviabilizando futuras negociações no campo da política interna e externa.

Ao longo da Primeira República brasileira a Santa Sé cumpriria a sua parteno acordo oficioso com o governo republicano, estabelecido nas negociações em1890: reconheceu o novo governo e manteve com ele relações diplomáticas, nãose movimentando em prol da união oficial entre o Estado e a Igreja nas próximasdécadas. Quanto à parte do acordo que caberia a hierarquia local: a manutenção econservação da ordem social e a pacificação das consciências, definido pelo res-peito ao governo republicano, ficou por conta do bem sucedido projeto deromanização, responsável por garantir que a maioria dos prelados reproduzisse demaneira eficiente o desejo da Santa Sé de atuação da Igreja como pacificadora daRepública.

ROSA, Lilian Rodrigues de Oliveira. Strategies and negotiations between the HolySee, the Brazilian state and the local Catholic church between 1889 and 1991.DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.2, 2011, pp.145-163.

ABSTRACT: This text aims to present the results of analysis on international relationsbetween the “Santa Sé” and the Brazilian State, between 1889 and 1991. We payattention on understanding the negotiations to defend the interests of Catholics afterthe publication of Decree 119-A, which extinguished the Royal Patronage anddetermined religious freedom in Brazil, leaving Catholicism to be the official state religion.

Keywords: Holy See; Brazilian State, History, International Relations.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SILVA, A. M.; ISAIA, A. C. (coords.). Progresso e Religião. A República no Brasil eem Portugal. 1889-1910. Coimbra: EDUFU/ Imprensa da Universidade de Coimbra,2007. p. 195 – 208.

DOCUMENTOS DO ASV - ARQUIVO SECRETO VATICANO

COSTA, D. Antonio Macedo. Alguns pontos de reforma na Egreja do Brasil.. In:Documenti circa Le Conferenze dei Vescovi Brasiliani . 2 ago. 1890. A.S.V., A.E.S.,Brasile, pos. 308-311, (II), fasc. 29, ff. 11 – 34.

IGREJA CATÓLICA. Pastoral Coletiva de 19 de março de 1890. 4 ed. São Paulo:Typ. Salesiana; Lyceu do Sagrado Coração, 1890, p. 5.

LEÃO XIII. 9 jun. 1890. A.S.V. A.E.S. Brasile, pos. 306, 308, 311, (II), fasc. 27-29, ff.23-26.

LEÃO XIII. Al Sgr. Maresciallo Deodoro da Fonseca Capo Del Governo provisóriodel Brasile, 28 de outubro de 1890. Tradução de Lilian R. O. Rosa e Antonio Alfieri.A.S.V., A.E.S., Brasile, pos. 308-311, (II), fasc. 29, ff. 74-77.

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RAMPOLLA, M. T. Instruções da Santa Sé ao Internúncio Apostólico para a Confe-rência dos Bispos brasileiros. 14 jun. 1890. In: Documenti circa Le Conferenze deiVescovi Brasiliani, agosto 1890. A.S.V., A.E.S., Brasile, pos. 308-311 (II), fasc. 29,ff. 3-8.

Rapportti sull República, 1889. Tradução de Lilian R. O. Rosa e Antonio Alfieri.A.S.V., A.E.S., Brasile, pos. 298-300 (II), fasc. 24 – 26

SPOLVERINI, Francisco. Carta do Internúncio Apostolico. 1º. Ago. 1890, parte dodossiê Documenti circa Le Conferenze dei Vescovi Brasiliani, agosto 1890. A.S.V.,A.E.S., Brasile, pos. 308-311, (II), fasc. 29, f. 9.

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ÍNDICE DE AUTORES/AUTHORS INDEX

ASSOLINI; Filomena Elaine Paiva; p.41

BATISTA, Marco Antonio; p.123

CARVALHO, Daniele Machado; p.41

CARVALHO, Ramires Santos Teodoro; p.25

MORENO, Luís Carlos; p.103

OLIVEIRA, Luis Fernando de; p.69

ROSA, Lilian Rodrigues de Oliveira; p.145

SILVA, Adriana; p.11

SILVEIRA, Rafael José da; p.87

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ÍNDICE DE ASSUNTOS

Aprendizagem; p.41Aviso prévio; p.123Brasil; p.87Descartes, p.103Educação; p.69Estado Brasileiro; p.145Ética; p.69Formação Inicial e Contínua; p.25Formação Inicial; p.41História; p.145História da Educação; p.87História da Pedagogia; p.69Identidade; p.25Imortalidade da alma; p.103Instrução Pública; p.87Leitura; p.41Memória Discursiva; p.41Novas regras; p.123Novos prazos; p.123Nietzsche; p.69Pensamento Católico; p.87Pensamento Liberal; p.87Pós-Modernidade; p.69Professor Reflexivo; p.25Relações Internacionais; p.145Saberes da Docência; p.25Santa Sé; p.145Substância Espiritual Absoluta; p.103

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SUBJECT ÍNDEX

Absolut spiritual substance; p.103Brazil; p.87Brazilian State; p.145Catholic Thought; p.87Descartes; p.103Discourse memory; p.41Education; p.69Ethics; p.69History; p.145History of Education; p.87History of Pedagogy; p.69Holy See; p.145Identity; p.25Immortality of the soul; p.103Initial and continuing training; p.25Initial training; p.41International Relations; p.145Knowledge of Teaching; p.25Learning; p.41Liberal Thought; p.87New deadlines; p.123New rules; p.123Nietzsche; p.69Post-Modernity; p.69Prior notice; p.123Public Instruction; p.87Reading; p.41Reflective Teacher; p.25

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Normas para publicação na revista DIALOGUS

Normas para apresentação de originalApresentação: Os trabalhos devem ser redigidos em português e encaminhados via e-mail, em dois arquivos separados:- um completo (Conforme estrutura do trabalho, abaixo proposta);- outro sem qualquer identificação do autor e com indicação da área e da sub-área dotrabalho, segundo tabela Capes.Os textos devem ser digitados em Word (versão 6.0 ou superior), fonte 11, tipo Arial Narrown,tendo, no máximo, vinte e cinco páginas (salvo exceção). A configuração da página deve sera seguinte: tamanho do papel: A4 (21,0 x 29,7 cm); margens: superior e inferior: 7,3 cm;direita e esquerda, 5,3 cm. Espaçamento: espaço simples entre linhas e parágrafos; espaçoduplo en-tre partes do texto e entre texto e exemplos, citações, tabelas, ilustrações etc.Adentramento: parágrafos, exemplos, citações: tabulação 1,27 cm.No que tange ao conteúdo dos artigos, os dados e conceitos emitidos nos trabalhos, bemcomo a exatidão das referências bibliográficas, são de inteira responsabilidade dos autores.Não serão aceitos trabalhos fora das normas aqui estabelecidas.

Estrutura do trabalhoOs trabalhos devem obedecer à seguinte seqüência: Título; Autor(es - por extenso e ape-nas o sobrenome em maiúsculo); Filiação científica do(s) autor(es) - indicar em nota derodapé: Uni-versidade, Instituto ou Faculdade, Departamento, Cidade, Estado, País, orien-tação, agência fi-nanciadora (bolsa e/ou auxílio à pesquisa); Resumo (com máximo de setelinhas); PALAVRAS-CHAVE (até cinco); Texto (subtítulos, notas de rodapé e outras quebrasdevem ser evitadas); Abstract e Keywords (versão para o inglês do resumo e dos PALA-VRAS-CHAVE precedida pela referência bibliográfica do próprio artigo); Referências Biblio-gráficas (trabalhos citados no texto), com indicação de tradução (no caso de obras estran-geiras) e número da edição.• Título: centralizado, letras em maiúsculo, negrito e fonte 12.• Subtítulos: sem adentramento, apenas a primeira letras do subtítulo deve ser maiúscula efonte 12.• Nome(s) do(s) autor(es): nome completo na ordem direta, na segunda linha abaixo dotítulo, alinhado à direita. Letras maiúsculas apenas para as iniciais e para o sobrenomeprincipal. Fonte 12.• Resumo: a palavra RESUMO em maiúsculas, em negrito, seguida de dois pontos, naterceira linha abaixo do nome do autor, sem adentramento. Na mesma linha iniciar o textode resumo.• PALAVRAS-CHAVE: a expressão PALAVRAS-CHAVE em maiúsculas, em negrito, segui-da de dois pontos, na segunda linha abaixo do resumo e uma linha cima do início do texto.Sepa-rar os PALAVRAS-CHAVE por ponto e vírgula.-Referência bibliográfica completa do próprio trabalho em inglês, conforme o exemplo:

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PÁDUA, Adriana Suzart de. Change and continuity. Comparative notes about Venezuela´sBo-livarian Constitution. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.X, n.X, 200X, p. X.• Abstract: a palavra ABSTRACT em maiúsculas, em negrito, seguida de dois pontos, nase-gunda linha abaixo da referência bibliográfica completa do próprio trabalho em inglês,sem adentramento. Na mesma linha, iniciar o texto do abstract.• Keywords: a palavra KEYWORDS em maiúsculas, em negrito, seguida de dois pontos, nasegunda linha abaixo do abstract. Utilizar no máximo cinco keywords separados por ponto evírgula.- Referências Bibliográficas: a palavra REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS em maiúsculas,em negrito, seguida de dois pontos, na segunda linha abaixo do keywords. Devem serdispostas em ordem alfabética pelo sobrenome do primeiro autor e seguir a NBR 6023 daABNT.Abreviaturas - os títulos de periódicos devem ser abreviados conforme o Current Contents.Exemplos:Livros e outras monografiasLAKATOS, E. M., MARCONI, M. A. Metodologia do trabalho científico. 2. Ed. São Paulo:Atlas, 1986. 198p.Capítulos de livrosJOHNSON, W. Palavras e não palavras. In: STEINBERG, C. S. Meios de comunicação demassa. São Paulo: Cultrix, 1972, p.47 - 66.

Dissertações e tesesBITENCOURT, C. M. F. Pátria, Civilização e Trabalho. O ensino nas escolas paulista (1917-1939). São Paulo, 1988. Dissertação (mestrado em História) - FFLCH, USP.Artigos e periódicosARAUJO, V.G. de. A crítica musical paulista no século XIX: Ulrico Zwingli. ARTEunesp (SãoPaulo), v.7, p.59-63, 1991.Trabalho de congresso ou similar (publicado)MARIN, A. J. Educação continuada: sair do informalismo? In: CONGRESSO ESTADUALPAU-LISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES, 1, 1990. Anais... São Paulo: UNESP,1990, p.114-118.Citação no texto: O autor deve ser citado entre parênteses pelo sobrenome, separado porvír-gula da data de publicação: (BECHARA, 2001), por exemplo. Se o nome do autor estivercitado no texto, indica-se apenas a data entre parênteses: “Bechara (2001) assinala ...”.Quando for necessário especificar página(s), esta(s) deve(m) seguir a data, separada(s)por vírgula e precedida(s) de p. (MUNFORD, 1949, p.513). As citações de diversas obras deum mesmo autor, publicadas no mesmo ano, devem ser discriminadas por letras minúscu-las após a data, sem espacejamento (PESIDE, 1927a) (PESIDE, 1927b). Quando a obrativer dois autores, ambos são indicados, ligados por & (OLIVEIRA & LEONARDO, 1943) equando tiver três ou mais, indica-se o primeiro seguido de et. al. (GILLE et. al., 1960).

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Notas - Devem ser reduzidas ao mínimo e colocadas no pé da página. As remissões para orodapé devem ser feitas por números, na entrelinha superior.Anexos e/ou Apêndices - Serão incluídos somente quando imprescindíveis à compreen-são do texto.Tabelas - Devem ser numeradas consecutivamente com algarismos arábicos e encabeçadaspelo título.Figuras - Desenhos, gráficos, mapas, esquemas, fórmulas, modelos (em papel vegetal etinta nanquim, ou computador); fotografias (em papel brilhante); radiografias e cromos (emforma de fotografia). As figuras e suas legendas devem ser claramente legíveis após suaredução no texto impresso de 10,4 x 15,1 cm. Devem-se indicar, a lápis, no verso: autor,título abreviado e sentido da figura. Legenda das ilustrações nos locais em que aparecerãoas figuras, numera-das consecutivamente em algarismos arábicos e iniciadas pelo termoFIGURA.Anexo(s): introduzir com a palavra ANEXO(S), na segunda linha abaixo da Referenciabibli-ográficas, sem adentramento. Continuar em nova linha, sem espaço.

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