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Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001) 8-1 8. Morfologia do Fundo Estuarino 1 8.1. Prospecção Geofísica 8.1.1. Introdução A geologia e estrutura da parte superficial do estuário do rio Guadiana foi estudada através da realização de perfis sísmicos de muito alta resolução (3,5 kHz) e registos de sonar de pesquisa lateral. Estes registos foram obtidos durante a prospecção geofísica efectuada no interior do estuário do Guadiana, durante a campanha WADI ANA. Os principais objectivos deste estudo foram a caracterização morfológica dos fundos do estuário (tentando-se determinar quais as zonas dominadas por sedimentos e quais as que possuem afloramentos rochosos), definir os padrões de transporte sedimentar junto ao fundo e obter informação sobre as direcções das correntes no estuário. 8.1.2. Métodos A prospecção geofísica no interior do estuário, efectuada durante a campanha WADI ANA, realizou-se entre os dias 19 e 21 de Novembro, a bordo da embarcação Esmeralda Azul. Foi utilizado o seguinte equipamento: 1) Sistema sísmico de muito alta resolução (3,5 kHz ou “mud penetrator”); 2) Sistema sísmico de alta resolução (Uniboom, Geopulse™). 3) Sonar de pesquisa lateral (SSS). Os perfis sísmicos foram obtidos quer paralelamente quer perpendicularmente ao principal canal do estuário, enquanto que os registos de sonar foram obtidos de forma paralela ao canal principal, cobrindo quase por completo o fundo do estuário. Durante a campanha, obtiveram-se cerca de 250 quilómetros de registos geofísicos . A distribuição geral dos perfis de sonar de pesquisa lateral e de reflexão sísmica de muito alta resolução (3,5 kHz) está representada na Figura 8.1. Para a caracterização sub-superficial do estuário, utilizaram-se principalmente os perfis sísmicos de 3,5 kHz, que proporcionam uma elevada resolução nas camadas superficiais, e os registos de sonar de pesquisa lateral, que dão informação sobre as principais características morfológicas. Apresenta-se, em seguida, uma descrição muito simples de cada um destes equipamentos: a) 3,5 kHz (Mud Penetrator). Trata-se de um sistema de reflexão sísmica que permite elevada resolução (10-30 cm) e uma reduzida penetração (30-60 m), dado que opera em frequências muito elevadas, utilizando um transmissor- receptor multi-frequência variável de forma continua entre 3-11 kHz. Na referida campanha, a escala vertical escolhida foi de 100 ms. Este equipamento é utilizado para obter perfis sísmicos das camadas superficiais de sedimento não consolidado. Com este sistema, obteve-se informação dos processos sedimentares mais recentes e/ou actuais. O sistema pode ser subdividido em vários subsistemas: - Transmissor/Receptor, que é o módulo de controlo e modificação do sinal - Transceptor ORE “Mud penetrator” (3.5 kHz), mod. 140 (Figura 8.2). É uma eco-sonda de grande precisão, cujo funcionamento está baseado na transformação da energia eléctrica em energia acústica - Registador gráfico, onde as imagens são representadas - Módulo de controlo. b) Sonar de pesquisa lateral . É um sistema acústico que opera com frequências tão elevadas (100-500 kHz) que não permite a penetração das ondas no fundo marinho. O sistema emite feixes laterais em bandas estreitas e na perpendicular à direcção do perfil. Como resultado, obtêm-se perfis sonográficos que podem atingir larguras de até 500 m. Na campanha WADI ANA, a largura do perfil foi de 75 m. Estes registos permitem obter informações sobre a morfologia e a topografia do fundo e, também, das características físicas dos materiais. O sistema geral consta de vários sub-sistemas (Figura 8.3): - “Peixe” do sonar de pesquisa lateral, de dupla frequência, KLEIN, mod. 422S-101HF, que apresenta lateralmente dois transdutores cerâmicos que transformam o sinal eléctrico num impulso de pressão que se transmite por toda a coluna de água - Registador digital de 4 Canais com “mapping”, KLEIN, mod. 595. 1 por J. Alveirinho Dias, Francisco Lobo, Óscar Ferreira e Ramon Gonzalez por Francisco Lobo, J. Alveirinho Dias e Óscar Ferreira

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8. Morfologia do Fundo Estuarino 1

8.1. Prospecção Geofísica ∗

8.1.1. Introdução

A geologia e estrutura da parte superficial do estuário do rio Guadiana foi estudada através da realização de perfis sísmicos de muito alta resolução (3,5 kHz) e registos de sonar de pesquisa lateral. Estes registos foram obtidos durante a prospecção geofísica efectuada no interior do estuário do Guadiana, durante a campanha WADI ANA. Os principais objectivos deste estudo foram a caracterização morfológica dos fundos do estuário (tentando-se determinar quais as zonas dominadas por sedimentos e quais as que possuem afloramentos rochosos), definir os padrões de transporte sedimentar junto ao fundo e obter informação sobre as direcções das correntes no estuário.

8.1.2. Métodos

A prospecção geofísica no interior do estuário, efectuada durante a campanha WADI ANA, realizou-se entre os dias 19 e 21 de Novembro, a bordo da embarcação Esmeralda Azul. Foi utilizado o seguinte equipamento: 1) Sistema sísmico de muito alta resolução (3,5 kHz ou “mud penetrator”); 2) Sistema sísmico de alta resolução (Uniboom, Geopulse™). 3) Sonar de pesquisa lateral (SSS). Os perfis sísmicos foram obtidos quer paralelamente quer perpendicularmente ao principal canal do estuário, enquanto que os registos de sonar foram obtidos de forma paralela ao canal principal, cobrindo quase por completo o fundo do estuário. Durante a campanha, obtiveram-se cerca de 250 quilómetros de registos geofísicos . A distribuição geral dos perfis de sonar de pesquisa lateral e de reflexão sísmica de muito alta resolução (3,5 kHz) está representada na Figura 8.1.

Para a caracterização sub-superficial do estuário, utilizaram-se principalmente os perfis sísmicos de 3,5 kHz, que proporcionam uma elevada resolução nas camadas superficiais, e os registos de sonar de pesquisa lateral, que dão informação sobre as principais características morfológicas. Apresenta-se, em seguida, uma descrição muito simples de cada um destes equipamentos:

a) 3,5 kHz (Mud Penetrator). Trata-se de um sistema de reflexão sísmica que permite elevada resolução (10-30 cm) e uma reduzida penetração (30-60 m), dado que opera em frequências muito elevadas, utilizando um transmissor-receptor multi-frequência variável de forma continua entre 3-11 kHz. Na referida campanha, a escala vertical escolhida foi de 100 ms. Este equipamento é utilizado para obter perfis sísmicos das camadas superficiais de sedimento não consolidado. Com este sistema, obteve-se informação dos processos sedimentares mais recentes e/ou actuais. O sistema pode ser subdividido em vários subsistemas:

- Transmissor/Receptor, que é o módulo de controlo e modificação do sinal

- Transceptor ORE “Mud penetrator” (3.5 kHz), mod. 140 (Figura 8.2). É uma eco-sonda de grande precisão, cujo funcionamento está baseado na transformação da energia eléctrica em energia acústica

- Registador gráfico, onde as imagens são representadas

- Módulo de controlo.

b) Sonar de pesquisa lateral. É um sistema acústico que opera com frequências tão elevadas (100-500 kHz) que não permite a penetração das ondas no fundo marinho. O sistema emite feixes laterais em bandas estreitas e na perpendicular à direcção do perfil. Como resultado, obtêm-se perfis sonográficos que podem atingir larguras de até 500 m. Na campanha WADI ANA, a largura do perfil foi de 75 m. Estes registos permitem obter informações sobre a morfologia e a topografia do fundo e, também, das características físicas dos materiais. O sistema geral consta de vários sub-sistemas (Figura 8.3):

- “Peixe” do sonar de pesquisa lateral, de dupla frequência, KLEIN, mod. 422S-101HF, que apresenta lateralmente dois transdutores cerâmicos que transformam o sinal eléctrico num impulso de pressão que se transmite por toda a coluna de água

- Registador digital de 4 Canais com “mapping”, KLEIN, mod. 595.

1 por J. Alveirinho Dias, Francisco Lobo, Óscar Ferreira e Ramon Gonzalez ∗ por Francisco Lobo, J. Alveirinho Dias e Óscar Ferreira

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Figura 8.1: Localização dos registros de sónar de barrido lateral e perfis de 3,5 kHz no estuário do rio Guadiana.

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Figura 8.2 - Sistema 3,5 kHz: A) Cerâmicas do transceptor ORE “Mud Penetrator” B) Localização do 3,5 kHz no

exterior da embarcação.

A metodologia utilizada foi a tradicionalmente utilizada em estudos da morfologia dos fundos marinhos. Consiste na discriminação das zonas de afloramentos rochosos e das zonas com cobertura sedimentar. Posteriormente, caracterizam-se as morfologias sedimentares, de natureza deposicional ou erosiva. Entre as lineações mais características encontram-se as formas de fundo, cujo estudo proporciona informação sobre as direcções predominantes das correntes e do transporte sedimentar. Neste estudo, para caracterizar as formas de fundo, adoptou--se a nomenclatura de Ashley (1990), que utiliza o nome genérico de dunas submarinas para designar as formas com uma morfologia característica. Os termos dunas de areia e “megaripples” podem considerar-se sinónimos.

A descrição das formas de fundo baseia-se na análise morfológica das mesmas. A elevada resolução dos perfis sísmicos de 3,5 kHz e dos registos de sonar de pesquisa lateral permite a definição das características externas das dunas submarinas (caracterização das formas de fundo). Após a definição das formas de fundo nos perfis sísmicos e nos registos de sonar, determinaram-se as propriedades geométricas das maiores dunas. A determinação da altura das dunas é um dos parâmetros necessários à caracterização detalhada das mesmas (Harris, 1989). Para o cálculo das alturas considerou-se uma velocidade média de propagação de 1500 m/s. A orientação e a extensão lateral foram determinadas a partir dos registos de sonar, sempre que possível. A forma, das cristas, em planta, varia em função da velocidade efectiva da corrente, podendo-se distinguir dois tipos fundamentais de dunas em função da forma das cristas: 1) Dunas 2D (caracterizadas por cristas rectilíneas e alturas uniformes ao longo da crista. 2) Dunas 3D (caracterizadas por cristas com formas onduladas) (Dalrymple and Rhodes, 1995).

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Figura 8.3 - Sistema de sonar de pesquisa lateral: A) “Peixe” de dupla frequência KLEIN; B) Registador digital de

4 Canais com “mapping” KLEIN.

8.1.2. Resultados

No estuário do rio Guadiana, o estudo dos processos sedimentares recentes tem sido dirigido para a evolução das margens (Morales, 1997) ou, mais recentemente, para a evolução do domínio estuarino mais influenciado pelas condições marinhas (González et al., 2000). No entanto, os processos sedimentares recentes no canal do Guadiana não tinham sido abordados, até ao momento.

Neste relatório descrevem-se as principais características morfológicas que caracterizam o troço superior da parte terminal do estuário do Guadiana (figura 8.1). A restante informação encontra-se em fase avançada de processamento.

Neste troço identificou-se uma série de campos de dunas submarinas, em função da sua relação com a batimetria. A simetria das dunas é indicada nas figuras respeitantes aos registos. Quando as dunas apresentam assimetria, as flechas indicam o sentido da vergência (sentido para onde aponta a face mais declivosa). Quando as dunas são simétricas , existem flechas nos dois sentidos, perpendiculares à crista das dunas.

A descrição destes campos de formas de fundo é apresentada em seguida, de Norte para Sul (ou seja, de montante para jusante):

a) Campo 1: localiza-se a uma profundidade média de 7,5 m, e encontra-se limitado a sul por uma elevação batimétrica, onde se atinge uma profundidade mínima de 3,5 m. Neste campo, a maior parte das formas de fundo são assimétricas com vergência dirigida para NW e para N. As dimensões das dunas são reduzidas (<1 m de altura), excepto nas proximidades da elevação batimétrica, onde existem algumas formas com alturas compreendidas entre 1,5 e 2 m.

Na parte mais setentrional deste campo (Figura 8.4), a direcção das cristas varia entre N 30° E e N 50° E, excepto localmente, identificando-se algumas cristas com direcção N 75° E. A existência de uma zona caracterizada por uma resposta acústica reflectiva, indicativa de uma cobertura sedimentar reduzida, estabelece o limite com as dunas mais meridionais neste campo, cujas cristas estão caracterizadas por orientações N 105° E. Neste campo setentrional as

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dunas apresentam uma geometria dominante de 2D. Na parte mais próxima da elevação batimétrica, as maiores formas de fundo caracterizam-se por possuírem cristas com direcção N 55° E e um perfil simétrico.

Figura 8.4: Imagem de sonar de pesquisa lateral obtida no campo 1, onde se vêm as dunas submarinas.

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b) Campo 2: é constituído pelas formas de fundo que se localizam sobre a elevação batimétrica. A elevação vai-se tornando menor para sul, aumentando a profundidade de 3,5-4 m até 7,5 m. Na parte menos profundas as morfologia são caracterizadas por relevos muito suaves, com alturas moderadas (<1 m), possuindo no entanto extensão lateral considerável. A maior parte das dunas apresenta assimetria com vergência para WNW. Na parte mais profunda da elevação, as dunas apresentam dimensões mais reduzidas, indicando diminuição da velocidade da corrente. As dunas mais setentrionais possuem vergência para SE e ESE, enquanto que as mais meridionais se encontram direccionadas para NW e WNW. Na zona de transição, as dunas são simétricas. A direcção principal das cristas das dunas é N 20° E, e a maior parte delas são do tipo 2D (Figura 8.5). No entanto, na parte meridional deste campo, próximo a um canal submarino, as dunas são do tipo 3D; Estas são caracterizadas por uma direcção dominante N 55° E na parte direita, mudando lateralmente para N 80° E.

Figura 8.5: Imagem de sonar de pesquisa lateral representativa do campo 2.

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c) Campo 3: é constituído por formas de fundo que se identificam nas paredes e no fundo do canal. As dunas do fundo do canal distribuem-se a duas profundidades: a parte mais profunda localiza-se a uma profundidade máxima de 20 m, enquanto que lateralmente se identifica um terraço a uma profundidade média de 15m ∗ (Figura 8.6). Na parte mais profunda, as dunas possuem perfis assimétricos, de tal forma que as mais setentrionais têm vergência para S e as meridionais para N. A altura média destas dunas é inferior a 1,5 m. Sobre o terraço lateral também se identificam dunas, mas de menores dimensões (alturas < 1m). Estas dunas apresentam formas mais arredondadas, sendo geralmente simétricas ou com pequena assimetria para a parte mais profunda do canal (para N).

Também foram detectadas algumas dunas que cobrem as paredes do canal submarino, sobretudo na parede setentrional. São dunas de pequenas dimensões (0,5 m de altura) que mostram uma assimetria irregularmente orientada. Na parede meridional diferenciam-se pequenas ondulações no fundo, mas com uma altura muito reduzida (< 0,5m de altura).

As formas de fundo que se localizam no canal submarino não parecem ter uma elevada continuidade lateral (70-80 m), já que estão limitadas lateralmente por canais erosivos, caracterizados por uma resposta acústica muito reflectiva. As cristas das dunas apresentam direcções muito variáveis, devido às formas predominantemente curvadas (geometria 2D a 3D) e à existência de ramificações. No entanto, as direcções predominantes das cristas estão compreendidas entre N 80° E e N 95° E.

Figura 8.6: Registo de 3,5 kHz, onde se observam as dunas submarinas no canal do campo 3.

∗ profundidades não corrigidas

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d) Campo 4: localiza-se sobre uma zona relativamente plana, a uma profundidade média de 5 m, que se encontra limitada a S por outro canal submarino. A parte mais setentrional caracteriza-se pela ausência de formas de fundo significativas, e apresenta nos registos de sonar contrastes de tonalidades bastante fortes, associados à existência de um sedimento arenoso sobre o substrato rochoso sub-aflorante. Lateralmente, identifica-se a continuação do canal que estabelece o limite N deste campo. As dunas são frequentes na parte mais meridional, onde possuem vergência preferencialmente direccionada para WSW. No entanto as formas que se encontram na zona mais perto do canal apresentam uma vergência direccionada para ENE. De forma geral, estas dunas tem alturas reduzidas (< 1,5 m). Apenas as formas que estão orientadas para ENE apresentam dimensões algo maiores (H>1 m). As dunas submarinas maiores mostram cristas com continuidade relativamente elevada (formas 2D). A direcção geral das cristas é N 150° E, evoluindo para uma disposição geral N 120° E a sul (Figura 8.7).

Figura 8.7: Imagem de sonar de pesquisa lateral obtida no campo 4.

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e) Campo 5: as dunas que formam este campo localizam-se sobre o vale situado a sul do campo 4 (Figuras 8.8 e 8.9). Lateralmente ao vale existe um afloramento rochoso que apresenta uma reflectividade muito elevada. Este vale atinge localmente uma profundidade máxima de 16 m∗ e, lateralmente, na parte meridional, apresenta um terraço onde se identificam algumas dunas submarinas com alturas de 2-3 m (Figuras 22 e 23). A parede meridional do vale tem um pendor reduzido, e é caracterizada pela presença de varias formas de fundo de pequenas dimensões (H < 1m), com vergência dirigida para a parte S do canal.

As cristas das dunas têm direcções que variam entre N 70° E e N 110° E, e apresentam geometrias 2D a 3D. As formas maiores têm perfis simétricos ou têm vergência para direcções opostas, dirigidas para a parte central do canal.

Figura 8.8: Registo de 3,5 kHz, onde se observam as formas de fundo no canal do campo 5.

∗ profundidades não corrigidas

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Figura 8.9: Imagem de sonar de pesquisa lateral do fundo do canal no campo 5.

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f) Campo 6: é o campo mais meridional dos descritos. As dunas têm altura reduzida (H < 1m), e localizam-se sobre uma zona sub-horizontal, situada a uma profundidade média de 8 m. O carácter assimétrico das dunas é bastante variável, mas na parte mais perto do canal predominam as formas simétricas, e na parte mais meridional apresentam uma assimetria com vergência para N dominante.

A direcção dominante das cristas submarinas neste campo é N 105 E, e a maior parte delas podem ser consideradas como 2D.

8.1.3. Discussão Preliminar da Análise Morfológica

A primeira consideração resultante da análise morfológica é de carácter geral e implica que a maior parte das formas de fundo identificadas foram provavelmente geradas por processos com uma magnitude não demasiadamente elevada, já que as dimensões das dunas são genericamente reduzidas. Consequentemente, a génese destas dunas estará relacionada com processos e frequência relativamente elevada. A disposição assimétrica de muitas dunas sugere que as correntes de maré, tanto de enchente como de vazante, possuem um papel muito importante no transporte sedimentar no interior do estuário.

As dunas submarinas maiores localizam-se geralmente nos campos localizados em áreas de canal pronunciado, o que é indicativo das correntes no estuário serem preferencialmente canalizadas por estas depressões, tal como o transporte sedimentar. A identificação de afloramentos rochosos nestes canais também evidencia o reforço da velocidade das correntes quando estas se encontram canalizadas.

Outras características morfológicas significativas neste troço do estuário do rio Guadiana são: a) Domínio de geometrias 2D (rectilíneo) relativamente às 3D (onduladas), o que sugere que os fluxos de correntes dominantes neste troço são lateralmente homogéneos, existindo variações laterais das orientações das cristas, localmente; b) Presença de ramificações das cristas das dunas, atribuível à existência de fluxos mais complexos; c) Existência, em vários locais de dunas com orientações contrapostas, indicativo de zonas de transição dominadas alternativamente por fluxos para montante e para jusante.

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8.2. Evolução da desembocadura e do delta do Rio Guadiana nos últimos 50 anos∗

8.2.1.Introdução

Efectuou-se no âmbito do projecto uma análise do desenvolvimento da linha de costa na área adjacente a desembocadura do Rio Guadiana. Foram considerados os troços influenciáveis pelo rio em ambos os lados da desembocadura, nomeadamente a linha de costa a oeste do molhe poente (lado português), e a costa do delta do Rio Guadiana a leste do canal principal (lado espanhol) (Figura 8.10).

Figura 8.10 - Mapa do estuário e delta do Rio Guadiana

8.4.2. Material e Métodos

O estudo foi efectuado através da interpretação de fotografias aéreas do período entre os anos quarenta e o presente (Tabela 8.I). A análise da desembocadura tem também em consideração a linha de costa e os elementos gerais geomorfológicos, tal como aparecem em mapas publicados desde o século XIX (extraídos de uma publicação de Weinholtz , 1978).

As fotografias e os mapas foram digitalizados a 300 dpi. Os níveis de cores (respectivamente do espectro preto/branco) foram corrigidos, quando necessário, com o programa Photoshop 4.0, para maximizar o contraste e a definição das estruturas morfossedimentares.

As imagens corrigidas foram importadas para o programa ERMapper 6.0 e rectificadas, usando o datum de Lisboa (Castelo de S. Jorge), numa projecção Universal Transversal Mercator (quadrângulo NUTM 29). Para a rectificação foram usados pelo menos 10 pontos de referência por imagem e 5 por mapa. A fotografia aérea de 1986 foi rectificada de acordo com o mapa de 1977/86, tendo o resto das fotografias sido rectificadas relativamente a esta primeira imagem (podendo assim ser usados vários tipos de pontos de referência, tais como árvores, casas, cruzamentos de estradas, etc.).

As imagens rectificadas foram importadas para o programa MAPInfo 5.5, onde se efectuou a análise detalhada da cobertura morfossedimentar. Esta análise foi efectuada através da comparação visual das áreas, tendo por base 1) a cor, ou a tonalidade de cinzento; 2) o padrão da cobertura; 3) a forma; e 4) o contexto de cada área na imagem. O limite superior da zona entre-marés foi definido como correspondente ao limite entre a areia molhada (mais escura) e a areia seca, linha esta que é geralmente bem visível nas fotografias aéreas obtidas em maré baixa e a meia maré.

∗ por Ramon Gonzalez, J.A. Dias e Óscar Ferreira

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Tabela 8.I. Fotografias utilizadas na análise da linha de costa do delta e da desembocadura do Rio Guadiana (só as do 1999 e 2000 em cor).

Ano Área coberta na fotografia Escala aproximada

1945? Margem oeste da desembocadura do Guadiana 1:20 000

1956 Delta do Guadiana 1:33 000

1958 Margem oeste da desembocadura do Guadiana 1:10 000

1969 Margem oeste da desembocadura do Guadiana 1:25 000

1972 Margem oeste da desembocadura do Guadiana 1:7 000

1976 Margem oeste da desembocadura do Guadiana 1:30 000

1977 Delta do Guadiana 1:18 000

1980 Delta do Guadiana 1:25 000

1985 Delta do Guadiana 1:30 000

1986 Margem oeste da desembocadura do Guadiana ?

1991 Delta do Guadiana 1:20 000

1994 Delta do Guadiana 1:20 000

1999 Parte sudoeste do Delta (com parte da desembocadura) 1:8 000

2000 Parte sudoeste do Delta (com parte da desembocadura) 1:8 000

Foram determinadas as seguintes áreas de cobertura: zona entre-marés, areias sem vegetação com pouco relevo (incluindo praias), dunas com pouca vegetação, dunas com vegetação densa, dunas com vegetação de alto porte, sapais, sapais arenosos, canais, áreas relacionadas com canais, áreas com construções fixas (incluindo os molhes), estradas pavimentadas e caminhos. A zona entre-marés não foi incluída na determinação da área total da margem oeste, uma vez que não foi possível determinar a altura da maré em que as fotografias foram efectuadas.

Para a análise de linha de costa de uma região a partir de fotografias aéreas existem vários métodos válidos, sendo importante possuir visibilidade na fotografia do elemento a comparar. No caso de estudo esses elementos foram: 1) a evolução do limite do cordão dunar com a alta praia (normalmente nitidamente visível pela distinção de áreas vegetadas e não vegetadas) e 2) o limite da praia molhada na maré alta (visível pela distinção de areia molhada e areia seca). Em geral, pode dizer-se que o primeiro método é mais consistente para análises temporais de médio e longo prazo, já que o limite do cordão dunar só é afectado por períodos de erosão consistentes, e por tempestades de maior importância. Em contraste, o limite da praia pode variar rapidamente a curto prazo, podendo ser alterado por qualquer tempestade, variações de maré, e em função do ‘run-up’ e do pendor da praia. Porém, embora este segundo método tenha as suas desvantagens em comparação ao segundo, foi necessário utiliza-lo no contexto da margem do Guadiana porque 1) no espaço de tempo considerado a margem oeste se encontrava em rápida progradação, o que se reflecte melhor na variação do limite da areia molhada que do campo dunar, já que este reage mais lentamente a uma rápida progradação da linha de costa e 2) o campo dunar propriamente dito só se desenvolveu a partir dos anos setenta, em grande parte da margem leste vizinha ao Guadiana.

Em termos práticos, a variação da linha de costa foi medida com uma linha partindo em ângulo recto da linha de costa mais antiga para a mais jovem. Estas medições foram efectuadas ao longo da costa a cada 50 m na vizinhança da desembocadura e a cada 150 m para a zona do delta.

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8.2.3. Resultados: Evolução das áreas junto à desembocadura

1) O Banco do O’Bril.

O Banco do O’Bril, uma acumulação arenosa intertidal, tem existido desde pelo menos 1648 como pode ser visto no mapa do Algarve daquela época. Weinholtz (1978) e Morales (1997) verificam o seguinte ciclo de vida do banco:

O banco cresce durante várias décadas na margem poente do Estuário do Guadiana. Este crescimento é acompanhado por uma rotação para leste da parte distal do banco, começando assim por bloquear a desembocadura do rio. A seguir forma-se um novo canal, geralmente perto da margem poente, próximo do enraizamento do banco na margem poente, assim segmentando o banco em dois ou mais troços. Este novo canal cresce em extensão com o tempo sob a influência combinada da agitação marinha e das correntes de maré. Parte da areia removida da parte oeste do banco é redepositada na parte leste. Como consequência o antigo canal principal do estuário é assoreado e diminui em tamanho e importância. Parte do banco acaba por se transferir para o lado espanhol, ficando uma fonte depositada junto à ribeira da Ponta da Espada. A restante areia é transportada para leste, pela deriva litoral. Este ciclo de crescimento, rotação, separação e migração tem acontecido várias vezes nas últimas centenas de anos.

Em 1876 o banco de O´Bril encontrava-se provavelmente na fase final de um destes ciclos. Existia uma restinga de pequena largura se encontrava na margem poente, estando vários bancos intertidais posicionados próximo da linha de costa espanhola (Figura 8.2). O banco tinha, nesta altura uma área de 0.8 km2 no lado português e um total de 2.7 km2 incluindo os bancos do lado espanhol. De acordo com Weinholtz (1978) a maior cheia do Guadiana em tempos históricos ocorreu naquele ano, destruindo grande parte do Banco de O’Bril.

Em 1915, o banco encontrava-se reconstituído, com uma área de 3.7 km2 no lado português e 5.9 km2 de área total (Figura 8.11). Nos anos seguintes o banco entrou numa fase de redução de área, perdendo aproximadamente 48 m2 por ano. Esta fase foi acompanhada por uma rotação para nordeste (Figura 8.11). Este processo foi ligeiramente acelerado após a construção dos molhes. No mapa de 1978 o Banco do O’Bril é menor que depois da grande cheia de 1876, com 0.6 km2 no lado Português e 3 km2 incluindo o lado espanhol (Figura 8.11).

A velocidade de rotação para nordeste da extremidade distal do banco, influenciada pela agitação marinha, as marés e o número de cheias, tem sido irregular. Foi mais rápida entre 1915 e 1938, com 65 m/ano, mais lenta entre 1938 e 1964, com 19 m/ano, e acelerou ligeiramente entre 1964 e 1978, com 22 m/ano.

2) Margem oeste da desembocadura

A evolução da margem oeste do estuário tem sido caracterizada por uma forte progradação durante os últimos 140 anos. O mapa de 1876 mostra a linha de costa seguindo ainda os limites de um velho cordão dunar que, de acordo com Morales (1997), tem uma idade de pelo menos 3000 anos. Os mapas de 1915 e 1938 mostram que, já nesta época, a linha de costa tinha começado a progradar em direcção a sul. Uma análise de elementos morfológicos mostra que a península cresceu de oeste para leste, com progradação de corpos arenosos, sob influência da agitação e das marés (Figura 8.12).

Entre 1938 e 1945 verifica-se o crescimento de uma restinga arenosa para leste. Uma análise das áreas da península mostra um crescimento de aproximadamente 170’000 m2, correspondendo a 24’000 m2/ano (Figura 8.13).

Até 1958, esta restinga cresceu para sul, e em seguida para norte, fechando assim uma pequena área de baixa energia, na qual começou a formar-se um sapal e uma primitiva rede de drenagem. Esta tendência continuou, com consolidação da península até final dos anos sessenta (Figuras 8.12 e 8.13).

Com a construção dos molhes entre 1972 e 1974 iniciou-se uma fase de rápido assoreamento da área. Estima-se que entre 1974 e 1980 uma área de 125’000 m2 tenha sido coberta por areia, ou seja, passando de zona entre-marés para praia e, mais tarde, numa segunda fase de acumulação sedimentar, para dunas. As areias depositadas neste período correspondem à quase totalidade da resultante da deriva litoral, que se encontra estimada em cerca de 180’000 m3/ano(Figura 8.13).

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Figura 8.11 - Evolução da desembocadura do Guadiana e do Banco do O’Bril baseada em mapas históricos

utilizando os níveis do zero hidrográfico e +1m acima do Z.H.

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Figura 8.12 - Evolução geomorfológica da margem oeste da desembocadura do Guadiana

Figura 8.13 - Evolução das áreas de cobertura na margem oeste da desembocadura baseada em mapas históricos e

fotografias aéreas

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Uma análise das áreas de cobertura sedimentar mostra que a área coberta por areias não vegetadas teve o seu máximo nos períodos de rápida progradação da península (1938-45, 1977-86). As áreas dunares com pouca vegetação são relativamente constantes durante o período de analise e podem ser consideradas como um tipo de cobertura de transição. O mais rápido crescimento efectuou-se nas dunas com densa vegetação, que cresceram aproximadamente 7’000 m2/ano, entre 1945 e 1999 (Figura 8.16.4). Este tipo de áreas de cobertura domina a península actualmente. Um crescimento significativo foi também observado nas áreas de sapais e de canais que ocorrem entre os cordões dunares e que cresceram aproximadamente 4’500 m2/ano (Figura 8.13).

3) Margem leste da desembocadura

Pode dizer-se que até aos anos 1920-1930 a margem leste era sobretudo constituída por sapais, protegidos da erosão do mar pelas areias do Banco do O’Bril (Figura 8.11). Um sistema dendrítico de canais de maré drenava os sapais, tendo direcção dominante norte-sul. Uma comparação dos mapas de 1915 e 1938 mostra um forte crescimento da Punta de la Espada, para oeste (Figura 8.11).

Uma análise da fotografia aérea de 1956 mostra o estado embriónico em que se encontra esta ilha barreira ainda nesta época. Grande parte da restinga arenosa mostra pouca ou nenhuma vegetação. Nesta altura o sistema de drenagem já tinha alterado a sua direcção de norte-sul para leste-oeste (Figura 8.14).

Figura 8.14 - Evolução dos principais elementos geomorfológicos da margem leste da desembocadura do Guadiana

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Em 1969 a Punta de la Espada tinha efectuado uma rotação para norte e crescido em direcção ao canal principal do Guadiana (Figura 8.14). Grande parte da restinga mostra uma estabilização, com grande aumento da cobertura de vegetação. Entre os dois braços da Punta de la Espada formou-se, entre 1958 e 1969, um sapal. O sistema de canais de maré tinha progradado em direcção ao canal principal do Rio Guadiana, formando um pequeno delta de maré.

A fotografia aérea de 1977 é a primeira após a construção dos molhes. O efeito do molhe submerso do lado espanhol, não é tão drástico como aquele do lado português. A partir desta época verificam-se as seguintes tendências (Figura 8.14):

- A extremidade da Punta de la Espada continua a crescer em direcção ao canal principal do estuário, com uma velocidade de aproximadamente 10 m/ano.

- Este crescimento da ilha barreira é acompanhado por um crescimento do delta de maré associado, levando a um crescimento da área de sapais em cerca de 3’500 m2/ano entre 1977 e 1994;

- A área do delta de maré dos terraços associados cresce em direcção ao canal principal do Rio Guadiana entre 1977 e 1985 (Figura 8.15).

- A área coberta por canais e sapais arenosos decresce em favor da área de sapais, à medida que os canais são assoreados e o sistema atinge uma mais elevada maturidade.

Em termos globais, a margem leste da desembocadura mostra um ligeiro crescimento em área entre 1977 e 1994, causado principalmente pelo crescimento da extremidade das ilhas barreira do delta em direcção do canal principal do Guadiana (Figura 8.14).

8.2.4. Análise do desenvolvimento da linha de costa

1) Evolução entre 1870 e 1938

Os dados discutidos nesta parte são predominantemente qualitativos, visto que se baseiam em mapas de uma qualidade que não pode ser comparada à dos mapas modernos, devido a incertezas nos dados gerais de referência (por exemplo o datum, o nível do mar utilizado ou a precisão do levantamento).

Na região da desembocadura podem ser observadas as seguintes tendências (Figura 8.11):

- A progradação da margem oeste a partir do cordão antigo de dunas delimitando esta margem da desembocadura. Esta progradação iniciou-se e efectuou-se em paralelo com o crescimento da parte oeste do Banco do O’Bril entre 1876 e 1915, que, nesta época, se recompunha da grande cheia de 1876.

- O crescimento de leste para oeste da ‘Punta de la Espada’, formando um novo troço de costa (Figura 8.16.2). Como consequência deste crescimento, a área a norte da nova restinga começou uma rápida colmatação. Este processo afastou o povoado espanhol de Ayamonte do mar.

- A redução dos bancos arenosos entre-marés, nomeadamente, associados ao Banco de O’Bril.

2) Evolução a partir dos anos quarenta

A linha de costa da desembocadura do Rio Guadiana e do delta pode ser dividida nos seguintes segmentos (de oeste a leste): 1) Margem oeste da desembocadura do Guadiana, 2) margem leste da desembocadura do Guadiana (Ponta da Espada), 3) praia de Isla Canela, 4) margem oeste da barra da Higuerita (ou Barra de Carreras), 5) e margem leste da barra da Higuerita (praia de Isla Cristina).

a) Margem oeste da desembocadura do Guadiana (Figura 8.16.7): Entre 1940 e 1969 verificou-se uma progradação continua da praia nesta parte da costa em cerca de 10-20 m/ano. Esta progradação deveu-se principalmente à acumulação de areia transportada por deriva litoral, a oeste da desembocadura do Guadiana. O sistema foi bruscamente alterado pela construção do molhe oeste do Guadiana entre 1972 e 1974. A evolução da linha de costa mostra uma rápida acumulação de areia nesta área, até 1980, correspondendo a uma progradação de 50 m/ano nas proximidades do molhe e até uns 500 m de distância, acumulação que corresponde à quase totalidade da resultante da deriva litoral deste período. A maior distância de molhe as taxas de acreção descem rapidamente, até atingirem valores em torno dos 0 m/ano a mais de 750 m de distância do molhe. Depois de um crescimento mais lento, até o 1986, verificou-se uma estabilização da linha de costa até 2000. Neste período a linha de costa não variou de mais que 5 m/ano, sendo parte desta tendência erosiva. Estes valores provavelmente estão dentro da margem de erro do método, tendo em conta que são variações medidas a partir da linha de água molhada/água seca, referente ao limite da maré.

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Figura 8.15 - Evolução da extremidade da Punta da Espada e do delta de maré associado. Todas as imagens

mostram a mesma área.

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b) Margem leste da desembocadura do Guadiana (Ponta da Espada) (Figura 8.16): O conjunto de fotografias de 1958 mostra a Ponta da Espada em fase de crescimento. Nesta época, estava uma restinga em desenvolvimento, formando uma extensão ocidental do ramo principal da Ponta da Espada (Figura 8.11). Em 1969 a ponta desta restinga tinha efectuado uma rotação para NW, movendo a linha de costa mais de 200 m para norte. Ao mesmo tempo, esta restinga já atingia a margem da desembocadura do Guadiana. Entre 1969 e 2000 pode verificar-se uma relativa estabilização da costa deste lado da desembocadura, embora a parte mais próxima do Guadiana mostre um lento recuo em volta dos 5 a 10 m/ano a partir de 1976, ou seja, após a construção dos molhes do Guadiana. Tal como no lado oeste da desembocadura, a linha de costa deste lado estabiliza-se após o início dos anos 80, estando as variações medidas dentro da margem de erro de método a curto prazo.

c) Praia da Ilha Canela (Figura 8.16): A praia da Ilha Canela representa o local mais exposto de todo o delta do Guadiana. No centro desta área encontra-se desde meados dos anos setenta a aldeia turística de Ilha Canela. Esta parte da linha de costa sofreu variações de 10 a 20 m/ano, entre 1958 até 1976, tanto de erosão quanto de acreção. Estas variações devem-se, provavelmente, a uma reacção da linha de costa à considerável progradação da margem oeste que ocorreu nesta época. Após a construção dos molhes verificam-se dois tipos de tendências contrárias. Enquanto que o troço de costa frente à aldeia de Isla Canela é estável, progradando até à praia da ilha barreira a leste e oeste regista lento recuo, verificando-se também a existência de vários locais com galgamentos, e um notável estreitamento do cordão dunar. Embora estas alterações sejam em magnitude inferiores às mudanças observadas antes da construção dos molhes, são também mais consistentes. O troço frente à Isla Canela encontra-se neste período em estabilidade devido a repetidas alimentações desta praia.

d) Margem oeste da barra da Higuerita (Figura 8.16): A margem oeste da Barra de Higuerita (ou Barra de Carreras) foi fortemente influenciada pela construção de dois molhes em 1974 estabilizando a localização da barra (que dá acesso ao pequeno porto de Isla Cristina). Esta parte da costa, situada a leste do ponto mais proeminente do delta, e sendo assim menos exposta à agitação marinha, encontrou-se em progradação pelo menos desde o fim dos anos 50. Outro factor influenciando a evolução desta linha de costa é o facto de que existia nesta área uma barra adicional, que se abriu provavelmente no começo dos anos sessenta, e que se manteve aberta até ao final dos anos setenta. A barra fechou-se provavelmente devido a acumulação de areia contra o molhe construído na barra da Higuerita, em 1974.

e) Margem leste da barra da Higuerita (praia de Isla Cristina) (Figura 8.16): Até a mais recente série de fotografias aéreas era pouca a variação da linha de costa a leste da Barra da Higuerita, com excepção do troço situado imediatamente a leste do molhe construído em 1974. Este mostrou um forte assoreamento e uma progradação de uma restinga arenosa contra o molhe, levando ao avanço a linha de costa por várias centenas de metros. Actualmente, a área entre a velha e a nova costa está a ser rapidamente assoreada.

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Figura 8.16 - Taxas de acreção/erosão da linha de costa na desembocadura do Guadiana, entre 1876 e 1999.

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Figura 8.16 - Variação da linha de costa no delta do Guadiana entre 1956 e 1994

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3) Variações temporais da linha de costa na área da desembocadura

Além das variações para troços da linha de costa foram analisadas as variações globais por períodos de observação, ou seja, as variações globais da linha de costa numa mesma área (Figura 8.17).

Verificam-se dois períodos de grandes alterações, desde o começo do século. Um deles é referente aos anos quarenta e o outro a partir dos anos setenta. O período de forte crescimento nos anos quarenta deve-se, provavelmente, à existência de um incremento na erosão no interior da bacia hidrográfica do Guadiana devido à ‘campanha de trigo’, efectuada nos anos trinta e quarenta no país para aumentar a produção agrícola. A partir dos anos setenta as fortes alterações da linha de costa da desembocadura explicam-se com a construção dos molhes do Guadiana. A linha de costa a leste passa de uma fase de elevada erosão (devida à rotação para noroeste da restinga da Ponta da Espada) para um período de estabilidade, sem grandes alterações globais.

A análise do desvio padrão das alterações da linha de costa (valores sempre positivos) indica a dinâmica do sistema (Figura 8.17). Verifica-se que o período de elevada acumulação nos anos quarenta era de dinâmica relativamente baixa se comparado com o dos anos setenta, isto é, as variações ocorreram com maior regularidade do que após a construção dos molhes, que alteram completamente a dinâmica sedimentar da área.

Figura 8.17 - Variações temporais da linha de costa na área da desembocadura.