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Marília, domingo, 7 de outubro de 2018 E-mail: [email protected] Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo. (Eça de Queirós) O Analfabeto Político O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do alu- guel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilan- tra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais. (Bertolt Brecht) “Saqueiam o Erário de forma torpe, solerte e desavergonhada. E nenhuma força do restante da sociedade civil lhes contrapõe qualquer resistência” DICA DE LEITURA “Os donos do poder”, um livro antológico de Raymundo Faoro, para a compreensão da formação social e política brasileira Raymundo Faoro, em seu antológico “Os donos do poder” (Editora: Biblioteca Azul - 944 páginas), faz um diagnóstico certeiro e preciso da origem do patrimonialis- mo brasileiro: a Casa de Aviz portuguesa no Século XIV. Os reis de Portugal se con- sideravam proprietários do país e da nação. Essa cultura atravessou mares e séculos e se enraizou com toda a força no Brasil e na nossa concepção de Estado soberano. Hoje já não há a Casa de Aviz. Outros são os tempos e outros são os donos do poder. A Petrobras que o diga. O Estado brasileiro sempre foi um paquiderme a serviço desses “donos” eventuais do poder. Inicialmente foram os próprios reis portugueses, de- pois os imperadores, depois os militares positivistas da República Velha. Depois o di- tador Vargas em duas etapas, sendo que na última já dividiu parte do poder (inclusive a Pe- trobras) com um peleguismo ainda incipiente e amadorista. Nada parecido com o atual, altamente sofisticado e re- quintado. São pelegos muitas vezes com PhD e que andam acompanhados, em jatinhos executivos, de poderosos em- preiteiros e subempreiteiros de gigantescas obras públicas. Alguns com mandato popular nas câmaras, assembleias le- gislativas e até no Congresso Nacional. Pelegos que tomam vinhos caríssimos de safras de colecionador, mas não arredam pé de um sindica- lismo em decadência porque alinhado a um socialismo que já não existe. Um socialismo que foi atropelado pela revo- lução científico-tecnológica e pela deterioração da vida planetária, de todas as espé- cies viventes a exigir rever as prioridades no campo do social e da própria economia de mercado. Com a ditadura militar que tomou conta do Brasil de 1964 a 1984, esses líde- res sindicais de outrora se organizaram com mestres acadêmicos, também sindica- listas públicos em estado de pureza ideológica, egressos das universidades estatais, na resistência democrática, e fundaram um partido político, com o placet dos militares, especialmente do general Golbery do Couto e Silva, pretenso ideólogo do regime militar. Estratificou-se assim uma tecnoburocracia de oposição à tecnoburocra- cia militar no governo e que passou a dominar o aparelho partidário do Partido dos Trabalhadores, desfraldando a bandeira do vestalismo na política e do igualitarismo no social. Esse partido, aparente- mente ingênuo e idealista, for- jado ainda nos ideais distribu- tivistas da pré-Guerra Fria e do trotskismo revolucionário do princípio do século passado tinha, no entanto, um projeto histórico de poder idêntico ao dos reis de Portugal, dos imperadores, dos militares positivistas, dos ditadores e dos militares golpistas: tomar conta do aparelho do Estado e tornar-se dono da República e de sua economia altamente estatizada e burocratizada. O próprio Faoro já vaticinara: “Sobre as classes sociais que se digladiam, debaixo do jogo político, vela uma camada político-social, o conhecido e tenaz estamento burocrático nas suas expansões e nos seus longos dedos.” Esses longos dedos hoje pertencem a esses novos donos do país. Ascenderam ao poder. Locupletaram-se nas com- panhias e bancos estatais, reinventando o “presidencia- lismo de coalizão” com o pior do fisiologismo herdado da ditadura militar. E aí estão. Em seu livro antológico, ensaio fundamental para a compreensão da formação social e política brasileira, Raymundo Faoro faz um diagnóstico certeiro e preciso da origem do patrimonialismo brasileiro, demonstrando como o Brasil foi governado, desde a colônia, por uma comunidade burocrática que acabou por frustrar o desenvolvimento de uma nação independente Não há força que os remova. Saqueiam o Erário de forma tor- pe, solerte e desavergonhada. E nenhuma força do restante da sociedade civil lhes contra- põe qualquer resistência. Até quando irão corroendo o tecido republicano, ninguém sabe. Seu combustível é a ignorância, a indigência cultural e a miséria humana. As eleições deste domingo serão decisivas para o futuro desses novos “donos do poder” e sua percepção atrasada e ultrapassada de Estado. Mas, seja qual for seu resultado, esta República se esgotou. É ingente um novo pacto que inaugure a próxima, em que o poder seja realmente partilhado com o soberano: o restante do povo brasileiro que a tudo assiste perplexo e desorientado. Uma imensa tarefa de reconstrução do Estado brasileiro é o que se espera, mas ainda não se perce- be no discurso dos candidatos. (Nelson Paes Leme) Fotos: Divulgação Divulgação

DICA DE LEITURA “Os donos do poder”, um livro antológico ...jornaldamanhamarilia.com.br/images/capa_caderno2/... · são os tempos e outros são os donos do poder. A Petrobras

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Page 1: DICA DE LEITURA “Os donos do poder”, um livro antológico ...jornaldamanhamarilia.com.br/images/capa_caderno2/... · são os tempos e outros são os donos do poder. A Petrobras

Marília, domingo, 7 de outubro de 2018 E-mail: [email protected]

Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo. (Eça de Queirós)

O Analfabeto PolíticoO pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não

fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do alu-guel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilan-tra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.

(Bertolt Brecht)

“Saqueiam o Erário de forma torpe, solerte e desavergonhada. E nenhuma força do restante da sociedade civil lhes contrapõe qualquer resistência”

DICA DE LEITURA

“Os donos do poder”, um livro antológico de Raymundo Faoro, para a compreensão

da formação social e política brasileira

Raymundo Faoro, em seu antológico “Os donos do poder” (Editora: Biblioteca Azul - 944 páginas), faz um diagnóstico certeiro e preciso da origem do patrimonialis-mo brasileiro: a Casa de Aviz portuguesa no Século XIV. Os reis de Portugal se con-sideravam proprietários do país e da nação. Essa cultura atravessou mares e séculos e se enraizou com toda a força no Brasil e na nossa concepção de Estado soberano. Hoje já não há a Casa de Aviz. Outros são os tempos e outros são os donos do poder. A Petrobras que o diga.

O Estado brasileiro sempre foi um paquiderme a serviço desses “donos” eventuais do poder. Inicialmente foram os próprios reis portugueses, de-pois os imperadores, depois os militares positivistas da República Velha. Depois o di-tador Vargas em duas etapas, sendo que na última já dividiu parte do poder (inclusive a Pe-trobras) com um peleguismo ainda incipiente e amadorista. Nada parecido com o atual, altamente sofisticado e re-quintado. São pelegos muitas vezes com PhD e que andam acompanhados, em jatinhos executivos, de poderosos em-preiteiros e subempreiteiros de gigantescas obras públicas. Alguns com mandato popular nas câmaras, assembleias le-gislativas e até no Congresso Nacional. Pelegos que tomam vinhos caríssimos de safras de colecionador, mas não arredam pé de um sindica-lismo em decadência porque alinhado a um socialismo que já não existe. Um socialismo que foi atropelado pela revo-lução científico-tecnológica e pela deterioração da vida planetária, de todas as espé-cies viventes a exigir rever as prioridades no campo do social e da própria economia de mercado.

Com a ditadura militar que tomou conta do Brasil de 1964 a 1984, esses líde-res sindicais de outrora se organizaram com mestres acadêmicos, também sindica-listas públicos em estado de pureza ideológica, egressos das universidades estatais, na resistência democrática, e fundaram um partido político, com o placet dos militares, especialmente do general Golbery do Couto e Silva, pretenso ideólogo do regime militar. Estratificou-se assim uma tecnoburocracia de oposição à tecnoburocra-cia militar no governo e que passou a dominar o aparelho partidário do Partido dos Trabalhadores, desfraldando a bandeira do vestalismo na política e do igualitarismo no social.

Esse partido, aparente-mente ingênuo e idealista, for-jado ainda nos ideais distribu-tivistas da pré-Guerra Fria e do trotskismo revolucionário do princípio do século passado tinha, no entanto, um projeto histórico de poder idêntico ao dos reis de Portugal, dos imperadores, dos militares positivistas, dos ditadores e dos militares golpistas: tomar conta do aparelho do Estado e tornar-se dono da República e de sua economia altamente estatizada e burocratizada. O próprio Faoro já vaticinara: “Sobre as classes sociais que se digladiam, debaixo do jogo político, vela uma camada político-social, o conhecido e tenaz estamento burocrático nas suas expansões e nos seus longos dedos.” Esses longos dedos hoje pertencem a esses novos donos do país.

Ascenderam ao poder. Locupletaram-se nas com-panhias e bancos estatais, reinventando o “presidencia-lismo de coalizão” com o pior do fisiologismo herdado da ditadura militar. E aí estão.

Em seu livro antológico, ensaio fundamental para a compreensão da formação social e política brasileira,

Raymundo Faoro faz um diagnóstico certeiro e preciso da origem do patrimonialismo brasileiro, demonstrando

como o Brasil foi governado, desde a colônia, por uma comunidade burocrática que acabou por frustrar o

desenvolvimento de uma nação independente

Não há força que os remova. Saqueiam o Erário de forma tor-pe, solerte e desavergonhada. E nenhuma força do restante da sociedade civil lhes contra-põe qualquer resistência. Até quando irão corroendo o tecido republicano, ninguém sabe. Seu combustível é a ignorância, a indigência cultural e a miséria humana.

As eleições deste domingo serão decisivas para o futuro desses novos “donos do poder” e sua percepção atrasada e ultrapassada de Estado. Mas, seja qual for seu resultado, esta República se esgotou. É ingente um novo pacto que inaugure a próxima, em que o poder seja realmente partilhado com o soberano: o restante do povo brasileiro que a tudo assiste perplexo e desorientado. Uma imensa tarefa de reconstrução do Estado brasileiro é o que se espera, mas ainda não se perce-be no discurso dos candidatos.

(Nelson Paes Leme)

Fotos: Divulgação

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