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Coleção Antônio de Morais Silva E STUDOS DE L ÍNGUA P ORTUGUESA Academia Brasileira de Letras

Dicionário de Sinônimos Da Língua Portuguesa - Rocha Pombo

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  • Coleo Antnio de Morais S ilvaE S T U D O S D E L N G UA P O R T U G U E S A

    Academia Bras ile irade Letras

  • D i c i o n r i o d e S i n n i m o s da L n g ua Po rt u g u e s a

  • Ac a d e m i a B r a s i l e i r a d e L e t r a s

    R o c h a P o m b o

  • Coleo Antnio de Morais S ilvaE S T U D O S D E L N G UA P O R T U G U E S A

    Dicionrio de Sinnimos da Lngua Portuguesa

    R i o d e J a n e i r o 2 0 1 1

    2.a Edio

  • C O L E O A N T N I O D E M O R A I S S I LVA

    A C A D E M I A B R A S I L E I R A D E L E T R A S

    Diretoria de 2011Presidente: Marcos Vinicios Vilaa

    Secretria-Geral: Ana Maria MachadoPrimeiro-Secretrio: Domcio Proena Filho

    Segundo-Secretrio: Murilo Melo FilhoTesoureiro: Geraldo Holanda Cavalcanti

    C O M I S S O D E L E X I C O G R A F I A D A A B L

    Eduardo PortellaEvanildo Bechara

    Alfredo Bosi

    PreparaoAna Laura Mello Berner

    RevisoVania Maria da Cunha Martins Santos

    Denise Teixeira VianaPaulo Teixeira Pinto FilhoJoo Luiz Lisboa Pacheco

    Sandra Pssaro

    Produo editorialMonique Mendes

    Editorao eletrnicaEstdio Castellani

    Projeto grficoVictor Burton

    Catalogao na fonte:Biblioteca da Academia Brasileira de Letras

    P784 Pombo, Rocha, 1857-1933. Dicionrio de sinnimos da lngua portuguesa / Rocha Pombo ; [apresentao, Evanildo Bechara]. 2. ed. Rio de Janeiro : Academia Brasileira de Letras, 2011. 526 p. ; 23 cm. (Coleo Antnio de Morais Silva ; v. 10)

    ISBN 978-85-7440-184-3

    1. Lngua portuguesa. I. Bechara, Evanildo, 1928-. II. Ttulo. III. Srie. CDD 469

  • Apresentao

    Evanildo Bechara

    A trajetria cultural de Rocha Pombo o fiel espelho de um permanente bravo luta-dor que, vencendo as precariedades do torro natal, galga honroso lugar no quadro dos intelectuais brasileiros. De nome completo Jos Francisco da Rocha Pombo, nasceu o autor deste Dicionrio de Sinnimos em Morretes, na provncia do Paran, em 4 de dezembro de 1857, com evidentes dotes literrios, que cedo se manifestaram; mas foi para a carreira poltica que encaminhou seus primeiros passos, alcanando, aos vintes anos, lugar de des-taque na Assembleia Provincial. Entretanto, se viu impotente para inverter suas posies diante das poderosas tramas parlamentares de uma poltica quase sempre afastada do in-teresse pblico. Salvou-o a alegria de ver publicado nesse mesmo ano seu primeiro estudo sobre instruo pblica, na revista fluminense A escola, com transcrio na Revista del Plata, de Buenos Aires. Encontrara na atividade cultural o campo em que se iria destacar, mas um campo que pouco lhe dava para garantir com dignidade seu sustento e da sua famlia. Os obstculos no o tiraram da trilha iniciada; em Curitiba, viu em 1888 publicado seu romance A honra do baro; em 1882, Dad, a boa filha e, em 1888, Petrucelo. Tambm no lhe faltava o estro para o poemeto Guara, sado em 1886. Desiludido com os parcos recursos que seu torro natal lhe oferecia, deixou Curitiba em 1897, transferindo-se para o Rio de Janeiro, onde poderia ter mais recompensada sua maturidade intelectual. Realmente na Capital, apesar de no diminudas suas horas de trabalho intenso, encontrou ambiente mais propcio s produes que vieram inmeras. Os livros didticos na rea da Histria repre-sentam sua maior atividade, como Nossa Ptria, para crianas, que chegou a alcanar mais de sessenta edies. Sua Histria do Brasil, em dez volumes, acabada em 1917, consumiu-lhe doze anos de trabalho.

    As muitas horas de trabalho no lhe permitiam, para a confeco de seus estudos, a pes-quisa atenta, a consulta aos arquivos para a composio das obras histricas. Mas o zelo e a honestidade profissional o faziam abastecer-se nas fontes mais autorizadas, e delas extrair o material que aproveitava. Um trabalhador operoso na mesma rea de historiografia, Ro-

  • VIII Rocha Pombo

    dolfo Garcia, que, em 1935, sucedeu a Rocha Pombo na Cadeira 39 da ABL, assim a ele se referiu, no discurso de posse: Rocha Pombo fez o que foi possvel fazer (...). Entretanto, no h como desconhecer o extraordinrio mrito da obra de Rocha Pombo, sua utilidade provada, os servios prestados aos estudantes, que o estimam sobre todas as congneres.

    Seus pendores literrios desde cedo aflorados nas tentativas de fico acima lembrados, iriam estimul-lo a compor uma obra sobre lngua portuguesa. Autor de compndios did-ticos, cedo deve ter chegado concluso de que bibliografia escolar, bem como ao escritor novel, faltava um bom, desenvolvido e atualizado dicionrio de sinnimos, uma vez que, poca, o mercado s contava com produes portuguesas mais antigas, todas datadas do sculo XIX. Armou-se dessas fontes, algumas vezes transcrevendo-as literalmente, e das mais importantes francesas e espanholas no assunto, e partiu para elaborao deste seu, preocupando-se com mais extenso dos verbetes, e mostrando, quase sempre com muita propriedade, as diferentes franjas semnticas das palavras que integram a srie sinonmica, evidenciando que no so, por isso, intercambiveis.

    Sado em 1914 pela prestimosa Francisco Alves, vem agora esta 2.a edio editada pela sua Academia, para a qual fora eleito em maro de 1933, embora nela no tivesse tomado posse por motivo de seu repentino falecimento, em junho do mesmo ano.

    Passado quase um sculo do aparecimento deste Dicionrio de Sinnimos, de Rocha Pombo, pode ainda embrear-se com os melhores sados em nossos dias.

  • Dicionrio de Sinnimos da Lngua Portuguesa

  • ADVERTNCIA

    Autorizo os Srs. Francisco Alves & Cia., cedendo condio que me impuseram, a adotar na impresso deste trabalho a grafia que lhes convier.

    Rio, 1914 ROCHA POMBO

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    1A, para (exprimindo relao locativa). Com toda razo diz Aulete que a preposio a de todas a mais vaga; e a tal ponto que, segundo observa Lafaye, est ela hoje, como a prep. de, quase inteiramente despojada do seu valor de origem. So raras as rela-es lgicas que se no possam marcar pela preposio a: andamos a cavalo; fugi-ram a toda pressa; comemos a enjoar; vem a galope; lanou terra; morre mngua; pescamos linha; matamos a tiro; bateram-se espada; etc. Res-tringiremos, portanto, as nossas notas s duas acepes em que parece melhor fixado o valor da preposio a comparativamente com os seus sinnimos. Entende Lacerda que ainda os mais corretos escritores usam indistintamente das preposies a e para quando querem exprimir relao de locati-vo. No nos parece que seja assim, pelo me-nos entre aqueles que se mostram mais fiis ao esprito da lngua. Ningum dir que tm o mesmo valor estas expresses: Vou a Lisboa, e vou para Lisboa; virei ao Rio em junho, e virei para o Rio em ju-nho. As duas preposies empregam-se, pois, com os verbos ir, vir, dirigir-se, encaminhar-se, levar, trazer, e alguns outros que designam movimento. Ir para algures, d a entender inteno de gran-de (ou pelo menos de alguma) demora, ou longa estada, e s vezes para sempre, o que, no entanto, no exclui, como acrescenta Roquete, propriamente a ideia de regresso, nem sempre. Foi para Viena como secret-rio de embaixada. Ir a, ou vir a alguma parte indica a ideia de pouca demora, ou o propsito de ir ou vir e voltar logo. Este exemplo de Roquete expe nitidamente a diferena entre as duas preposies: El-Rei d. Joo VI, quando residia em Queluz, ia muitas vezes a Mafra; vinha com fre-quncia a Lisboa; no vero ia para o Alfeite;

    no tempo das caadas ia para Salvaterra ou Vila Viosa: e quando os franceses vieram a Portugal, foi para o Brazil. E ainda este de Vieira: Porque o pai fez uma viagem para as conquistas, e nunca mais houve novas dele, tomaste por devoo vir os sbados Penha de Frana.

    2A, a fim, para, por. Estas preposies ex-primem relao de fim para que. A e para, alm disso, marcam ainda relao de dativo; e h entre elas uma diferena anloga que se lhes nota nos casos em que marcam rela-o de locativo. Essa diferena fica bem cla-ra nestas frases: dei um livro a meu filho; trouxe uma flor para a menina. Como preposies de fim para que, assinalam: para, ao, imediata, segundo Bruns., ou o objeto imediato da ao, no entender de Roq.; a fim marca intuito menos imediato e mais preciso; por explica mais diretamente a inteno, o fim (ou o desejo) com que se executa a ao, e emprega-se quando se supe somente possibilidade ou probabi-lidade de lograr o que se intenta. Exem-plos: Ele se esfora por instruir-nos, para que sejamos cidados dignos, a fim de que nos tornemos capazes de servir a ptria. Confundem-se muito frequentemente, nesta acepo, as preposies a e para. O prprio Roquete escreve: serve (ou ser-vem) a formar, em vez de para formar. Dizem muitos indiferentemente: apto a dirigir, ou apto para dirigir; pronto a ouvi-lo, ou pronto para ouvi-lo. A dis-tino entre as duas formas revela-se muito clara nestas frases: convidou-me a jantar, e convidou-me para jantar. No primeiro caso, estava eu vista da mesa servida, ou o anfitrio ia para a mesa, e convidou-me a jantar; no segundo caso, encontrou-me ele pela manh, e convidou-me para jantar com ele domingo... H entre convidar para e

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    convidar a a mesma diferena que expli-ca Lafaye entre prier diner e prier de diner. H ainda em portugus outra preposio que deve, em certos casos, ser considerada como sinnimo da preposio para: de, com alguns verbos como servir, valer: no serve de nada; no serve para nada. Esta ltima locuo (que mais ge-ral diz Laf.) exprime que o objeto de que se trata no tem serventia alguma; a primei-ra nega que ele sirva no momento, para um fim que se tinha em vista presentemente. O meu rebenque diz o major no serve para nada; e neste caso, meu amigo, o seu al-vitre de nada me serve, pois que no resolve o embarao em que me vejo.

    3ABA, falda, base, orla, sop; vertente, en-costa, flanco, ilharga, lado, ladeira, declive, aclive, rampa. Todas estas palavras de-signam refegos, lados, parte pendente de alguma coisa, e sugerem ideia de altitude, inclinao, etc. Aba a parte mais baixa e prolongada de um cone, de um monte, de um chapu; falda (ou fralda) tambm (na acepo em que a tomamos aqui) a parte inferior do monte: difere de aba porque acrescenta, ideia de extremidade e incli-nao, o sentido de forma irregular, ou de superfcie dobrada... como as fraldas de uma camisa. Sop e orla designam a parte do monte que assenta no plano horizontal ocupado por ele: sop a poro do dito plano onde a montanha comea; orla mais o recorte da aba, ou da parte onde a mon-tanha comea a destacar-se do plano sobre que assenta. Base toda a poro do plano horizontal que o monte abrange. Encos-ta toda a parte inclinada de um monte; e vertente adita significao de encosta a ideia de origem de rio, de vertidura de guas pluviais. Flanco e ilharga desig-nam tambm os lados do monte, mas suge-

    rindo uma ideia de amplitude; e o primeiro termo ainda se distingue do segundo por ser mais expressivo e mais belo, e por sugerir alguma coisa de fecundidade. Declive (ou declvio) a inclinao da encosta, do alto do monte para baixo; e aclive tambm essa inclinao, mas considerada de baixo para cima. Rampa e ladeira exprimem igual-mente plano inclinado, com esta diferena: a ladeira (lado suave de colina ou monte) menos spera, mais fcil de subir; enquanto que a rampa nem sempre acessvel, pois pode ser to ngreme que se torne de difcil ou mesmo impossvel ascenso. Dizemos: a ladeira da Glria; a rampa do Po de Acar. Lado, ou lados designam apenas as partes opostas da montanha (ou de qual-quer corpo) sem ideia alguma acessria.

    4ABAS, adjacncias, contiguidades, cerca-nias, contornos, circunvizinhanas, ime-diaes, proximidades, confins; bairros, distritos, comarcas, subrbios, arrabaldes, arredores, redondeza. Todas estas pala-vras designam situaes em torno de um ponto, ou de uma povoao; e distinguem--se principalmente pela ideia, que marcam, de maior ou menor afastamento desse pon-to. Bairros so seces de uma cidade, ou de um municpio. Distritos so seces maiores que compreendem vrios bairros; assim como comarcas so divises mais extensas que distritos. Imediaes so partes da cidade, ou de um lugar, que lhe ficam imediatamente em volta; vizinhan-as e circunvizinhanas so os lugares que se seguem s imediaes, diferenando-se a segunda da primeira pela noo acess-ria de contorno (e ambas dando ideia de convivncia); cercanias so as paragens em torno de um lugar, e mais afastadas que as circunvizinhanas; proximidades so pon-tos das cercanias. Arrabaldes designa a

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    poro de uma vila ou cidade que lhe fica fora dos muros, ou para alm do circuito urbano; arredores so arrabaldes mais dis-tantes, e quase sempre no povoados, ou tendo poucas habitaes. Contornos de-signa a totalidade dos arredores (de uma cidade ou de um lugar). Redondeza ou redondezas, tudo que fica dentro dos limi-tes do crculo visual de que se supe centro cidade, ou um ponto dado; e confins so os limites em relao aos de outro. Por subrbios entende-se toda parte habitada que fica sob a jurisdio da cidade. Abas so os pontos extremos de uma povoao, contidos, porm, dentro do seu permetro; contiguidades e adjacncias, as pores habitadas que se seguem s abas, sendo o segundo termo mais vago. Diremos com propriedade: o bairro de Botafogo; morar em Pedrouos morar nas abas de Lisboa (Bruns.); mudou-se mais para as imediaes do centro urbano; tem casa nas vizinhan-as da praa ou do bairro; no gosta de ponto algum das circunvizinhanas do Caste-lo; nas cercanias de Olinda lutou-se toda a tarde; quando anoiteceu estvamos j nas proximidades da fazenda; aqueles jardins e pomares j eram adjacncias e quase contiguida-des de Jerusalm; a Tijuca um dos mais belos arrabaldes do Rio; o Mier, o mais aprazvel dos nossos subrbios; nos arredores de S. Cruz h algumas fazendas; em todo o contorno da vila no se encontrou um mo-rador pobre; a epidemia alastrou-se pela redondeza do nosso acampamento, e chegou at os confins do pas inimigo; nas vastas comarcas daquela provncia h distritos riqussi-mos em minerais.

    5ABAFAR, sufocar, conter, reprimir, sofrear, refrear; vencer, domar, suplantar, superar, submeter, subjugar, jugular, sujeitar, de-belar, dominar, sobrepujar, sobrelevar.

    Abafar impedir que respire, tome foras, que cresa, que vingue; sufocar impedir de viver privando da respirao, matar por asfixia; conter moderar, impedir que se manifeste, que opere, que se mova; repri-mir conter com mais energia e deciso, at com fora e violncia; debelar reprimir custa de guerra, ou vencer em luta; subju-gar submeter a jugo, a imprio; jugular reprimir, vencer com escarmento, como estrangulando (do latim jugulare degolar, cortar a cabea); sofrear conter com prudncia e cuidado, no deixar que apa-rea ou que se desenvolva; refrear conter com esforo e trabalho; dominar subme-ter com imprio, como senhor; vencer sair vitorioso de um combate, de um embarao, de um transe; submeter reduzir depen-dncia, pr sob a autoridade, ou o poder de; suplantar (etimologicamente meter debaixo dos ps) vencer com orgulho, humilhando o vencido; domar submeter, subjugar pela fora bruta, e mesmo tratan-do-se de homens, d ideia da inferioridade moral do que domado; superar vencer e ficar superior a algum ou alguma coisa; so-brepujar superar depois de esforo e luta; sobrelevar pr-se acima de, sem grande esforo, nem luta material; sujeitar redu-zir obedincia. Abafa-se uma conspirao antes que venha para a rua: abafa-se o pranto para que ningum o veja; O homem que v o que eu vi e abafa no peito o grito da indig-nao... (Herc.). Sufoca-se uma rebelio no seu comeo. Contm-se um mpeto de clera; no se pode conter as lgrimas diante de um infortnio; preciso que se contenha o instinto das multides. Reprimem-se movi-mentos subversivos da ordem pblica; acu-diram-lhes alguns dos nossos, que reprimiram os inimigos... (Fil. Elys.); reprime-se a custo uma exploso de raiva ou de furor. Debe-laram afinal as nossas foras aquele que foi o mais grave levante dos ltimos tempos;

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    os Jesutas tiveram aqui a grande misso de andar debelando paixes e barbarias... Subjugamos as tribos menos dispostas ao trato dos estrangeiros. Com aquele golpe certeiro conseguiu jugular a sedio. O homem que no refreia os seus apetites incapaz de refrear os seus dios. Aque-le homem dominou os outros to completa-mente que ningum mais pde protestar; ... com a sua habilidade e energia dominou a revolta... A autoridade venceu naquele conflito desigual; cumpre que cada um de ns vena por sua parte os embaraos que sobrevierem. Em poucos dias o general submeteu toda a provncia. O senhor no conseguir suplantar-nos com todo o seu po-der...; ... nem o gnio capaz de suplantar a altivez de uma conscincia. Domam-se as feras, os brbaros, os sicrios. Ele, que andava a superar as misrias daquele meio, sobrepujou afinal todas as traies, e hoje incontestavelmente a figura que sobreleva to-das as outras ali. O pai sujeita os filhos, o tutor os tutelados.

    6ABAFAR, abrigar, resguardar, agasalhar, co-brir, tapar. Neste grupo, abafar significa tolher a respirao, confinando ambiente respirvel de modo a provocar suor ou calor artificial; ou impedir que pela evaporao esfrie um corpo, ou que se agite, expanda ou desordene alguma coisa. Abrigar quer dizer amparar contra o mau tempo, fugin-do ou fazendo dele fugir para um abrigo. Resguardar tambm amparar contra o tempo ou contra alguma coisa, e no s fu-gindo, mas defendendo-se, com cuidado. Agasalhar ainda defender-se contra o tempo, mas evitando-lhe a ao, por meio de roupas ou cobertas. Cobrir ocultar ou resguardar pondo alguma coisa em cima, diante, ou em redor. Abafa-se o doente para facilitar-lhe a transpirao; abafa-se a

    comida para que no esfrie; abafam-se as cha-mas para que se no propaguem. Abri-garam-se em nossa casa contra a tormenta; vista do vendaval iminente fomos abrigar--nos na enseada dos Reis. Resguarde-se do mal, meu amigo, pois que eu saiba no tem cura quando sobrevm na sua idade; Os farrapos que vestia no o resguardavam do frio (Herc). Agasalhe-se bem, meu fi-lho, para atravessar a praa; Ningum se deve expor s friagens de junho se no bem agasalhado. preciso cobrir bem o me-nino, e evitar que se descubra; Conviria que cobrisse a cabea com a manta. Tapar diz Bruns. um termo genrico, de significao vaga quando se emprega fora do sentido reto de cobrir. Dizemos tapar o menino no bero; tapar o doente; tapar a cara com as mos.

    7ABAFAR, atabafar, encobrir, ocultar, es-conder, receptar, acoitar, sonegar, reter, subtrair, acobertar. Abafar aqui signifi-ca no deixar seguir os trmites usuais; como em: abafou o processo, a formao da culpa; abafemos o triste incidente para que ningum mais o explore. Atabafar, segundo Bruns., abafar com precipitao e energia; como neste exemplo: Chegou a abrir-se a sesso; mas os espertos atabafaram tudo antes que ns chegssemos. En-cobrir evitar que se veja ou se conhea algum intento, ou que se torne pblica a culpa de algum. Como diz Bruns., enco-bre-se a falta alheia tornando-nos at certo ponto cmplice do delinquente. Encobrem algumas mais, por fraqueza que se explica, as culpas dos filhos. Ocultar no dar testemunho do que se viu, ou no fazer co-nhecida uma coisa que nos interessa a ns ou a algum; ou ainda furtar alguma coisa vista de outrem. Oculta-se uma verdade para no comprometer inutilmente a honra

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    de algum; ...mas eu no sou homem que oculte a baixeza da minha esfera (Garrett). Esconder ocultar com mais cuidado e interesse. Diremos: ele se ocultou em casa (deixou de sair, de aparecer, mas em caso algum se esconder para que no suponham que se quer subtrair ao da justia; O desgraado escondeu to mal o furto... que parecia nem ter inteno de ocult-lo. Re-ceptar receber, guardar, esconder o furto ou roubo que outrem fez. Acoitar dar coito, asilo, homizio: , portanto, ocultar contra a lei. S se acoita a um criminoso ou indivduo que tal se julga. Sonegar termo forense e indica propriamente es-conder e negar sob juramento. Sonegam-se bens a inventrio, mercadorias sobre que se tinha de pagar imposto, etc. usado qua-se exclusivamente nesta acepo. Reter conservar indevidamente em seu poder o que lhe no pertence. (Aul.). Subtrair significa tirar com astcia ou fraude, fur-tar alguma coisa ou algum ardilosamente s vistas, ao ou poder de algum. O advogado subtraiu uma folha dos autos; os facnoras subtraram-se s diligncias da pol-cia; aquele moo fugiu para subtrair-se ao servio militar; Para libert-los do infor-tnio e subtra-los vingana... (MontAlv.). Acobertar proteger um culpado, ou a si prprio, disfarando-se para no ser visto ou descoberto. quase encobrir, sendo este verbo apenas de sentido mais vago e geral. Encobre-se, mas no se acoberta um defeito fsi-co: acoberta-se por piedade um foragido, mas sem a inteno de encobrir-lhe o crime. A nu-vem encobre o sol; no acoberta o sol.

    8ABAFEIRA, charco, pntano, lamaal, brejo, atascadeiro, atoleiro, paul, banha-do, tremedal, pantanal, lodaal, lodeiro, enxurdeiro, lagoeiro, lameiro, lameiro, lameiral, lenteiro, chafurda, chafurdei-

    ro. Todos estes vocbulos sugerem ideia de gua suja e estagnada, terreno flcido e lodoso. Abafeira, segundo Bruns., o estado do lugar no arejado, onde a gua se acumula, permanece, e se estagna e abafa... O poro onde mora uma horrvel abafei-ra. Charco terreno alagadio, coberto de vegetao. Pntano lugar coberto de camada de lama pouco profunda. Lamaal pntano mais extenso. Brejo, segundo Bruns., terreno balofo, sem ve-getao espontnea. No Brasil terreno mido, pantanoso, inculto, de chavascal. O caboclo mete a cabea no brejo e desa-parece. Atascadeiro ou (atasqueiro) diz o mesmo que atoleiro, com a diferena de que atascadeiro mais profundo, e quase que s se emprega em sentido figurado. Aquela casa, ou aquela cidade o atascadei-ro dos moos... Paul alagoa formada por enchente, terra encharcada devido a aluvies. Banhado quase charco, dis-tinguindo-se deste em ser terreno baixo que apenas os enxurros banham acidentalmen-te, e que vestido de vegetao rasteira. termo brasileiro. Tremedal lamaal vasto e profundo. Pantanal aumentativo de pntano. Lodaal alagoa de lodo, de vasa, de gua lodacenta. Lodeiro (ou lo-deira) lugar onde h muito lodo, mas no tanto e to extenso como no lodaal. Enxurdeiro (ou enxurdeira) lodaal revol-vido, como os chiqueiros, onde se chafur-dam animais. Lagoeiro termo popular, e designa poro de guas de chuva (ou de despejo) que fica temporariamente de-positada em stios baixos, ou em depresses de terreno. Lameiro (ou lameira) ter-ra baixa e pantanosa, terra onde h lama, embora menos que no lamaal. Lameiro (ou lamaro) palavra de uso vulgar: au-mentativo de lameiro. Lameiral est nas mesmas condies: e indica srie de lamei-ros, lameiro extenso, ou grande lameiro

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    (C. Fig.). Lenteiro (como diz a forma de que se derivou lento, ou lentar) terreno mido, molhado, pegajoso. Chafurda, e chafurdeiro, ou chafurdeira (esta forma extenso daquela) so lamaais onde cha-furdam porcos, e figuradamente casas imundas.

    9ABAIXAR, baixar, abater, arriar, descer. Abaixar e baixar parecem ser a mesma palavra e com perfeita identidade de signi-ficao. Basta, no entanto, que se examinem algumas formas para se ver que no assim. A propsito escreve Bruns.: No se taxe de nimiedade o estabelecer sinonmia entre estes dois vocbulos, que primeira vista s parecem diferir na preposio que prefi-xa o primeiro, preposio que mais parece um a eufnico do que partcula significa-tiva. Raciocinemos (no entanto) um mo-mento. Que diremos a quem, levando um objeto frgil cabea, vai passar por uma porta mais baixa que a parte superior do objeto? Como diremos que, ao encontrar a F. na rua, apenas a saudamos com um ace-no de cabea? No gritaremos, no primeiro caso: Abaixa a cabea!? E no diremos no segundo: Baixei a cabea...? Se no h sinonmia entre os dois verbos, isto , se indiferente empregar um ou outro, por que diremos abaixar, de mais longa enuncia-o que baixar, precisamente quando a ad-vertncia exige brevidade? No : Baixa os olhos! que dizemos a quem queremos humilhar? No : Abaixa a mo! que diz aquele que se v ameaado por algum? E no obstante tambm se diz: Abaixa os olhos, e vers a teus ps o que andas pro-curando. Tratemos de substituir baixar por abaixar e vice-versa, nesses exemplos: no tangvel a impropriedade das frases? Di-zemos ainda: baixou o cmbio; ele baixou at o crime; baixa da prpria dignidade: e

    no abaixou, ou abaixa. Dizemos: abai-xaram comovidos o pavilho sagrado: e no baixaram. Abaixar , portanto, o verda-deiro sinnimo de arriar, descer, abater; e significa, como arriar principalmente, fazer que uma coisa desa do lugar em que est at um certo outro lugar. Arriar que , neste sentido, equivalente quase perfeito de abaixar, com esta diferena: pode exprimir tambm (arriar) a ideia de alvio; e alm disso d mais completa a ideia de abaixar. Abaixa-se a bandeira a meio pau (desce-se do alto para o meio da haste); mas no se arria a bandeira seno quando se a retira da haste. Arria-se a carga se pesada; abaixa-se a corti-na por causa do sol. Descer correlativo de subir. No se desce sem haver subido. tambm baixar: no desce, ou no baixa a dar satisfaes a ningum. Excluindo a ideia acessria de alvio, ainda conexo de arriar. Quem chega desce a carga; s quem cansa a arria. Abater acrescenta ao de abaixar a ideia de fora ou violncia, de hu-milhao. Os inimigos abateram as armas; Ele abateu a espada diante do general.

    10ABAIXAR, abater, rebaixar, aviltar, degradar, humilhar, envergonhar, deprimir, desonrar, depreciar, envilecer, desdoirar, deslustrar, macular, manchar, desacreditar, desabonar, infamar, difamar. Todos estes verbos expri-mem intuito, ou ao dirigida a diminuir os crditos de algum. Abaixar significa des-cer do conceito em que se era tido. Os vcios nos abaixam, a virtude nos levanta (Leito de Andrade). Abater abaixar humilhando. indigno de um homem abater a inocncia. Abate-se o orgulho de algum. Rebaixar abater infamando. Como que ele se re-baixa at aquele papel ignominioso? O chefe o tem rebaixado ao ponto de convert-lo em besta miservel. Aviltar fazer vil, abjeto, desprezvel; rebaixar afrontando. Tenta-

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    ram aviltar-nos perante a nao. Envilecer tambm fazer vil, mas no d ideia de fora, de intuito afrontoso. Diramos: as ms aes envi-lecem (quer dizer: fazem que se perca a estima, o direito de parecer digno); naquele alcouce os mais nobres se aviltam. Degradar fa-zer baixar de grau, descer de posto, de hierar-quia; , pois, no sentido com que entra neste grupo, o sinnimo mais prximo de rebaixar: significa fazer decair do conceito, desmere-cer na estima, tornar abjeto por abaixamen-to. No se compreende como aquele moo chegou a praticar atos que degradam... Hu-milhar oprimir, castigar envergonhando. General, no humilhe os vencidos. Glria alguma do mundo poder induzi-lo a humi-lhar os pequenos. Envergonhar molestar algum confundindo-lhe o pudor. Com aqueles destemperos s envergonham a famlia. Este crime envergonha a toda a gerao. De-primir e depreciar, como diz Laf., marcam uma ao que ataca, enfraquece, ou rebaixa, no a classe ou a dignidade (como acontece com o verbo degradar) mas o valor, o mrito, ou o apreo; e apresentam de comum a ideia de obrigar a descer da posio ou do conceito em que algum estava. Uma pessoa depreciada ou deprimida no est mais na estima em que esteve. Deprimir acrescenta inclui in-teno de destruir no conceito com grande desejo de prejudicar. E cita como exemplo: Este escritor afeta elevar S. Crisstomo para deprimir S. Agostinho. (Boss.). Depreciar significa diminuir o preo, o valor. Estas leves travessuras no depreciam um moo. Desonrar tirar a honra, ofender o pundo-nor; como infamar privar da fama; como desacreditar destruir o crdito, e desabo-nar diminuir o crdito e o bom nome. Exemplos: A conduta daquele homem desonra a toda a famlia; O intento daquele mons-tro ainda infamar a memria do tio; Ele se desacredita pelos prprios atos. preciso dis-tinguir infamar de difamar. Significam ambos

    privar da fama; difamar, no entanto, privar da fama, ou tentar destruir a fama dizendo da vtima e espalhando coisas que podem ser at aleivosas; e infamar ofender a honra, a fama de algum com estigma infamante. Po-de-se definir precisamente: infamar marcar de infmia; difamar tirar a fama. Exemplo: Tentam, no seu dio sacrlego de brutos, difa-mar-nos; e, no entanto, s eles vivem praticando atos que infamam. Entre desabonar e desa-creditar convm, do mesmo modo, assinalar diferena, por mais subtil que esta seja. Basta-nos o que diz Bruns.: Tem muito maior al-cance a ao de desacreditar que a de desabonar: quem desabona diminui o apreo, o crdito de algum, mas no o destri; quem desacredita arruna o crdito, a boa reputao da vtima. Uma fraqueza desabona; mas s as ms aes desacreditam (Bruns.). Deslustrar e desdoi-rar, no sentido figurado, apresentam diferena equivalente que, na acepo natural, marcam os respetivos radicais. Propriamente falando, s se deslustra quem ilustre, quem goza de alta posio; como s se desdoira quem brilha no mundo, ou tem glria. Meu pai no sen-te vergonha de deslustrar seu sangue. (Cast.) Quem aquele pobre-diabo de rodaps para desdoirar Cames? De deslustrar e desdoirar aproxima-se desluzir; mas este significa mais perder ou tirar o brilho, empanar o luzimen-to. Desluzia as geraes dos inimigos com a injustia da sua malquerena. (Camil). Ma-cular e manchar so formas do mesmo termo latino (macular, macula) e significam marear um nome, deslustr-lo infligindo-lhe alguma pecha infamante. Macular talvez mais fino e mais nobre: manchar , no entanto, muito mais expressivo e mais forte. A mnima sus-peita macula aquela inocncia. Esta torpeza mancha toda uma vida.

    11ABALANAR-SE, afoitar-se, atrever-se, atirar-se, arrojar-se, arriscar-se, aventurar-

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    -se, ousar, animar-se. Abalanar-se quer dizer no hesitar, depois de haver medi-tado; afoitar-se no hesitar sem refle-tir muito no perigo, tomar uma resoluo sbita; atrever-se afoitar-se com aud-cia; atirar-se lanar-se sem mpeto, mas decisivamente; arrojar-se precipitar-se, atirar-se com mpeto; arriscar-se ex-por-se a um risco, a um perigo eventual, sujeitar-se a que lhe acontea bem ou mal; aventurar-se expor-se a boa ou m sorte, empreender um lance de re-sultado incerto, s confiando na ventura; ousar , como diz Bruns., o mais genrico de todos estes sinnimos; e tanto pode ter sentido favorvel como desfavorvel: sig-nifica atrever-se confiante e seguro, sem os receios ou escrpulos usuais; animar-se quer dizer ter alma, fora, coragem, para alguma coisa, boa ou m. Apliquemos todos esses verbos. O sr. se abalanou a publicar o artigo? O homem afoitou-se a atravessar o escuro, a ir cidade convulsio-nada; e ainda se arriscou a andar pelos lugares mais pblicos. Como que um solda-do se atreve a chegar to perto da trincheira inimiga? O pescador atirou-se ao mar, e salvou a criana. O bombeiro arrojou-se ao furor do incndio, e trouxe nos braos o menino desfalecido. Ele se aventura a ir a Minas: se for feliz, voltar por S. Paulo. Pois h quem ouse ir a comcios neste pas arriscando a prpria vida?. Ousa o bandido falar em lei, e discutir justia? Afinal animou-se a pobre viva a ir a palcio, mas perdeu o tempo.

    12ABALAR, partir, fugir, azular, esgueirar--se, desaparecer, sumir-se, ausentar-se, retirar-se, sair, seguir. Abalar (sent. fig.) significa sair precipitadamente e s ocultas, embora sem a inteno de esconder-se, e s com o fim de no continuar presente num

    lugar. Abala o garoto quando v o policial. Tambm do grupo abala o estudante assim que ouve falar em bomba. O exrcito abalou dali ao ter certeza de que o inimigo estava a chegar. Partir quer dizer comear marcha ou viagem, pr-se a caminho. sim quase perfeito de sair, diferindo deste porque no d, como sair, mais a ideia de deixar um certo lugar que de ir para ou-tro. Diremos: Ele saiu da cidade h uma hora: e no outro dia partiu para S. Paulo, dali seguindo para ponto ignorado. No poder-amos trocar a nenhum dos verbos. Seguir aproxima-se, portanto, de partir e de sair; mas distingue-se claramente de um e outro porque acrescenta ideia de pr-se em movimento a de continuao de marcha iniciada. Ningum segue seu caminho sem haver comeado a andar. Partimos daqui no dia tal, saindo de casa s 3 da tarde; pernoi-tamos em Campo Grande, e no outro dia seguimos para Mendes. Azular brasilei-rismo bem moderno, e significa abalar, desaparecer... como se se sumisse no espao. F. azulou dali quando nos viu de longe. Esgueirar-se azular com a ideia de es-conder-se, retirar-se sorrateiramente. O gatuno pressentiu-nos e esgueirou-se. Fugir aproxima-se de esgueirar-se com esta diferena: esgueirar-se desaparecer com astcia, de modo a no ser visto; e fugir deixar um ponto s pressas, desviar-se precipitadamente de algum ou de alguma coisa para evitar incmodo, perigo, risco, tentao, etc. O exrcito fugiu perseguido pela cavalaria inimiga (Aul.). Espavorido, o companheiro foge (Garrett). Desapare-cer deixar de ser visto, sem ideia alguma acessria quanto ao intuito de quem desa-parece. F. desapareceu da rua do Ouvidor; Depois da meia-noite desapareceram as crian-as; Por que desapareceu o senhor de nossa casa? Sumir-se mais que desaparecer porque d ideia de deixar de ser visto sem

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    que se saiba o paradeiro ou o destino de quem se sumiu. Diremos que um amigo (que continuamos alis a encontrar na rua) de-sapareceu de nossa casa, isto , deixou de ser visto nela, de frequent-la; e no, que se sumiu de nossa casa. Do mesmo modo no confundiremos os dois termos para empreg-los indistintamente nesta frase: O pobre vivo sumiu-se do mundo (isto , desapareceu para sempre). Em suma: quem de-saparece nem sempre tem teno de sumir-se: agora o que no possvel que algum se suma sem haver desaparecido. Ausentar-se deixar de estar presente em alguma parte; e aproxima-se em certos casos de desapare-cer, de sair, e de retirar-se principalmente. Mas ausentar-se no d (como retirar-se, s vezes) ideia de plano, ou de intento, de fim ou de necessidade com que algum se retira: apenas marca a noo de no estar mais presente onde se estava; assim como retirar-se marca, no propriamente, a ideia de no estar mais presente, mas a de ha-ver deixado um lugar. O juiz ausentou-se durante as frias. O homem retirou-se da festa mais cedo do que se esperava. No meio do tumulto, o presidente suspende a sesso e retira-se. No diramos neste caso ausenta-se pois que o nosso pensamento no aludir ao fato de no ter mais o ho-mem ficado presente, mas ao fato de haver deixado a cadeira.

    13ABALAR, demover, dissuadir. Abalar, aqui, significa mover um pouco, tirar do estado de firmeza, fazer que uma pes-soa fique em dvida a respeito de alguma coisa. Dizemos: O homem, com toda a sua eloquncia, no consegue abalar-me neste modo de ver; Fazem esforos por abalar na alma do povo as crenas de que ele vive. , portanto, este verbo empregado aqui, na acepo figurada, com valor perfeitamen-

    te anlogo ao que tem no sentido fsico. Quem se deixa abalar nas suas convices nem por isso as renuncia, apenas no fica muito firme nelas. Demover diz muito mais, pois enuncia a ideia de mudar do que se era, ou do que se intentava. Dize-mos: Ele me demoveu (e no abalou) do intento de vingana. Dissuadir tirar do esprito, demover operando no espri-to, na conscincia. Demovemos uma criana de ficar no meio do barulho; Tais coisas lhe disse o velho que o dissuadiu de casar (tirou-lhe isto do esprito); As suas pala-vras poderiam abalar-me alguma coisa; mas no creio que cheguem a demover-me do meu propsito, pois jamais me dissuadiro de que a Justia est comigo.

    14ABALIZADO, assinalado, distinto, notvel, ilustre, nobre, digno, famoso, afamado, fa-migerado, clebre, insigne, preclaro, cons-pcuo, eminente, egrgio, exmio, consu-mado, nclito, grande. Abalizado di-zemos de um profissional ou de um artista que se fez completo na sua profisso ou na sua arte. F. um escritor abalizado; F. mestre abalizado no seu ofcio. Assinala-do o que se destacou por alguma prova brilhante no seu ofcio, o que se distinguiu por alguma grande ao. No arrefeceu nunca em Vieira aquele assinalado herosmo da sua imensa f; As armas e os vares assinalados (Cam.). Distinto aquele que, por algum mrito ou aptido, se destaca do comum e se pe em relevo. No se trata de um tipo qualquer, mas de um moo distinto. Notvel diz mais que distinto: designa o que se ps, no apenas em simples destaque, mas em tal evidncia que se fez digno de ser notado, e tido como exemplo. F. era um jornalista distinto; mas que fosse um escritor notvel ningum sabia. Ilustre um des-ses vocbulos que parecem gastos pelo uso.

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    No seu sentido prprio, de assinalado que mais se aproxima: ilustre quer dizer conhecido e brilhante por si mesmo, des-tacado por aes, ou feitos, ou qualidades que do lustre. Entre os polticos ilustres de Itlia, nenhum excede a Cavour pela fun-o histrica... Digno um epteto mais modesto do que todos os precedentes: digno se diz daquele que se porta discretamen-te no seu cargo, ofcio, misso, funo, ou mesmo nas vicissitudes da vida; e que por isso mesmo merecedor de alguma coisa mais que o comum. F. um digno funcio-nrio; Aquela criatura, pela sua grandeza moral, digna de respeito. Nobre, porque conserve uns laivos da antiga acepo, diz menos que ilustre; e hoje termo de que s se usa na oratria parlamentar, ou ento em frases enfticas. O nobre ancio falou sole-ne; Nada tenho a dizer ao nobre senador. Aplicado a qualidades, ou a coisas, significa digno e excelente. Que nobre alma a da-quela dama to obscura e to desventurada. A nobre altivez daquela criana salvou-nos a todos. Famoso e clebre, como nota Lafaye, tocam-se de perto; mas, afastando--nos um pouco do autor, observaremos que: famoso vocbulo menos nobre, e deve aplicar-se a um fato ou a uma vida que fez grande rudo no mundo, podendo at ser a de um bandido; clebre enuncia no fama ruidosa, mas grandeza que tem alguma coisa de solenidade e de esplendor na hist-ria, e no seu lugar, ou na sua condio pr-pria. H capites ao mesmo tempo clebres e famosos como Alexandre; mas a rarssimos grandes poetas ou grandes artistas chamar-amos com propriedade famosos. Afamado diz muito menos que famoso; e segundo observa Bruns., com razo, s se pode apli-car a pessoas vivas, ou a coisas subsistentes. Afamado quem ou o que tem fama, ou est tendo fama no seu tempo, e no meio em que vive, ou onde aparece. ainda preciso

    notar que tanto se aplica a pessoas como a coisas, mas melhor a coisas. F. um m-dico afamado (isto que tem bom nome ou boa fama de profissional na cidade onde clinica); Os afamados charutos da Bahia... As afamadas laranjas da Arglia... No se-ria muito prprio, apesar do que diz Bruns., chamar famoso a um mdico que se fizesse conhecido e ilustre fora do seu meio: dira-mos antes notvel, eminente, ou melhor c-lebre, ou mesmo grande... conforme o caso. Charcot clebre, grande... mas decerto que no diramos dele o famoso Charcot. Fa-migerado quase sempre se toma em sentido pejorativo: designa indivduo cuja fama, boa ou m (em regra m) se espalha num dado crculo e com aparato. Diremos: famigerado bandido; famigerado desordei-ro; famigerado conspirador... de aldeia... (porque, tratando-se de um conspirador de alta raa, j lhe no caberia bem o epte-to). S por menoscabo diramos: famigera-do cultor das musas. Preclaro e insigne aproximam-se de ilustre. Mas preclaro diz mais e mais nobre: exprime excelente, belo, brilhante. Nem todos os ilustres so preclaros; mas os preclaros so ao mesmo tem-po ilustres. Diramos: O preclaro Tcito; O preclaro varo que ilustrou o seu tempo; A preclara majestade de d. Henrique, o grande Infante, mais do que rei no seu imprio do mundo... Mas rarissimamente poderamos dizer sem flagrante absurdo, por exemplo: preclaro representante da nao, ou precla-ro ministro, s porque se trata de homens ilustres. Insigne quem, ou o que se as-sinala por algum grande mrito, ou alguma grande qualidade ou aptido. Difere de as-sinalado em que este chama ateno mais para os feitos do indivduo que se assina-lou; e insigne exprime qualidade inerente pessoa ou coisa insigne. Diramos: Job foi um varo insigne pela virtude da resigna-o (e no um varo assinalado); Este

  • Dicionrio de S innimos da Lngua Portuguesa 13

    homem, sem ser insigne, tornou-se naquele momento figura assinalada pelo herosmo com que fez frente ao inimigo. Um favor, ou um servio assinalado no como enten-dem Bourg. Berg., um favor ou servio que se manifesta, ou de que se tem sinais evi-dentes, mas um favor que no momento as-sumiu propores que no teria em ocasio normal: um favor insigne, sim um favor grande, excepcional, notvel de si mesmo. Eminente e conspcuo diz mais do que ilustre: eminente o que excede estatura moral, ou s propores de grandeza dos seus pares; e, tratando de coisas a que se eleva acima de outra coisa e se pe muito alto; conspcuo o que se faz to ilustre e eminente que d nas vistas de todo mun-do. Qualquer dos dois termos s pode ser, tratando-se de pessoas, aplicado a pessoas ilustres. No poderamos dizer, mesmo referindo-nos aos mais abalizados no seu ofcio: F. um conspcuo marceneiro; ou F. um arteso eminente. Mas diramos: escritor, magistrado, artista eminente; F. figura conspcua da nossa poltica, ou das nossas letras. Exmio exprime a quali-dade de superexcelncia, e se diz daquele que na sua arte, ou na sua profisso (prin-cipalmente na sua arte) excede, sobreleva aos mais hbeis. H exmios poetas, como h jogadores exmios. Consumado aproxi-ma-se de abalizado; e tanto um como outro exprimem mais do que exmio quando se quer marcar precisamente elevao pela ca-pacidade e pelo mrito. Consumado signi-fica subido perfeio, a uma profunda e acabada percia na sua cincia ou na sua arte, e por isso posto no pinculo entre os da mesma classe. Tanto podemos dizer um artista, como um filsofo consu-mado. Egrgio honrado e ilustre, digno de respeito pela compostura e gravidade na sua conduta, ou no desempenho de algum alto cargo. Dizemos: O egrgio tribunal;

    egrgio pastor de almas; F. verdadeira-mente o egrgio e venervel patriarca daquela famlia. nclito, segundo Roq. o que chega ao ltimo grau da glria; o que muito falado, que tem nome ruidoso e bri-lhante. H nclitos generais, como h nclitos poetas. Grande um genrico que se no confunde entre os do grupo. S grande o homem excepcionalmente notvel que foi consagrado pelo culto das geraes; ou o fato, ou acontecimento extraordinrio, ou o feito de propores fora do comum que se incorporaram definitivamente na hist-ria humana. Dizemos: o grande Infante; o grande Vieira. Entre todos os vocbulos deste grupo, muito raros outros caberiam nos dois exemplos.

    15ABALO, tremor de terra, terremoto, tre-pidao, comoo, convulso, estremeci-mento, agitao. Todos estes vocbulos significam fenmenos ssmicos. Abalo movimento amplo, de grande massa, e por isso mesmo pouco intenso e pouco sen-svel. Tremor de terra , como diz Bruns., uma srie de abalos, ou melhor, de estre-mecimentos, pois que estes no so mais que abalos menos amplos conquanto mais intensos e mais sensveis. Trepidao leve abalo, menos extenso e menos sensvel que o tremor de terra. Terremoto for-te tremor de terra tendo consequncias na crosta terrestre. Comoo estrondo ou abalo no interior da terra, apenas sensvel na superfcie. Agitao ser mais uma comoo continuada por algum tempo. Convulso aplicar-se-ia para designar um terremoto violento de grandes propores, e de consequncias gravssimas para a regio convulsionada. Parece que se v melhor nestes exemplos: Temia-se um terremoto; e nem chegou a ser um verdadeiro tremor de terra, mas um simples abalo; no dia seguinte

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    houve algumas trepidaes do solo junto do monte; no outro dia, ligeiros estremecimentos: e depois tudo voltou serenidade normal; O que se deu ali no foi um simples terre-moto, mas uma formidvel convulso que alte-rou toda a topografia da ilha; A primeira vez sentiu-se uma rpida comoo ao sop da montanha; logo noite repetiram-se uns es-tremecimentos; e como nos convencssemos de que semelhante agitao subterrnea pre-nncio de catstrofes... fugimos...

    16ABALROAR, investir, atracar, aferrar, abordar, acometer, agredir, assaltar, arre-meter, atacar. Abalroar. Diz Bruns. que o abalroamento de dois navios devido ao acaso. No h dvida; mas decerto no em tal acepo que abalroamento sin-nimo de investida. Abalroar, neste grupo, como define Aul. atracar com bal-roas, e com intuito hostil. Os inimigos abalroaram uma nau de El-Rei. (Dic. da Acad.) Investir arremeter hostilmente contra algum ou alguma coisa. O inimi-go investe, mas no consegue abalroar a nossa embarcao. Atracar, como aferrar, mais genrico do que abalroar; mas os trs verbos sugerem o mesmo ato, consistindo a diferena apenas nos meios de que se va-lem os tripulantes de um navio para apri-sionar um navio inimigo: abalroar, como se disse, atracar com balroas (instrumen-to prprio para abordagem em combate); aferrar atracar com ferros (quaisquer que sejam); e atracar prender de qualquer modo. Abordar aproximar-se uma de outra embarcao, bordo com bordo, para melhor combater. Com muita gente arma-da a investiram e abordaram (a caravela) por duas partes. (Dic. da Acad.). Acometer quase assaltar: investir subitamente e com deciso. Acometeu-nos o inimigo sem que o esperssemos to cedo. Assaltar

    investir traio, de emboscada, e decisi-vamente. Assaltaram os brutos a fortaleza noite. Tambm se diz: Assaltou-nos em caminho a tormenta. Agredir propria-mente provocar, tomar ofensiva contra algum. Ele no tinha motivos para agre-dir-nos to insolitamente. Arremeter atacar com fria, impetuosamente, com precipitao. A vaca danada arremete con-tra todos. Atacar , de todos os do gru-po, o verbo de significao mais genrica: ir hostilmente contra algum ou alguma coisa. No se ataca impunemente a honra alheia. O inimigo nos atacou de frente. Vamos atacar o forte. O bandido nos ata-car em caminho se facilitarmos.

    17ABANDONAR, desprezar, desproteger, desamparar, desdenhar, dessocorrer, des-valer, desarrimar, desapoiar, desajudar, desfavorecer. Quanto a abandonar, escreve Bruns.: O antigo portugus tinha o ver-bo bandir (banir, desterrar)1 que nos revela a existncia de um substantivo mais antigo bandon de que nos vem bando (prego, decreto). Bandon era ordem de bandir. Abandonar , pois, etimologica-mente, no querer saber da pessoa ou da coisa que se abandona; deix-la entregue aos seus prprios recursos, os quais se repu-tam deficientes ou nulos. Abandonar tem com efeito alguma coisa de exilar, pr de lado e esquecido. Os brbaros abandona-ram os mseros nufragos ali na ilha deser-ta. Diz Roq. que: o desamparo se refere ao bem necessrio de que se priva o desam-parado; o abandono se refere ao mal iminente a que se deixa exposto o abandonado. O rico que no socorre a sua famlia pobre a desam-para; se o faz, porm, quando esta se acha em iminente risco de perecer, ou de sacrificar

    1 O italiano conserva o verbo bandire.

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    sua honra, a abandona. Desdenhar ter em pouca conta; tratar com desdm, acinte ou altivez. Desdenhando o poder dos homens, a santa continuou muda. Aquele ricao desdenha a nossa pobreza porque ns lhe desdenhamos a arrogncia... Quanto aos outros do grupo, a distino ser fcil des-de que se tenha em vista o respetivo radi-cal, pois em todos figura o prefixo negativo ou privativo des. Desprezar no dar a algum ou alguma coisa o apreo ou im-portncia que se lhe dava. Desproteger recusar a proteo que antes se dava a algum, como desamparar negar ampa-ro; como dessocorrer deixar de oferecer o socorro que se nos pede. Como estes, entendemos: desvaler (no acudir); de-sarrimar (privar de arrimo); desapoiar (deixar de apoiar); desajudar (negar ajuda, auxlio, e antes fazer o contrrio); desfavorecer (negar favor). Todos estes sinnimos tm a significao geral de in-diferena, pouco apreo, desprezo ou pouco interesse revelado por algum: diferenada, pelos prprios respetivos radicais, e to dis-tintamente que em muitos casos no seria possvel, sem sacrificar alguma coisa da cla-reza e propriedade da expresso, substituir um pelo outro, ou pelos outros indistinta-mente. simples de ver que eu me no sinto desamparado s porque um sujeito me despro-tege. Aquele homem, mesmo desprezado pelos amigos, no foi dessocorrido de algumas almas piedosas. Os homens o desvaleram sempre naquelas angstias; mas os filhos fizeram mais: desarrimaram-no na velhice dolorosa: e afinal, abandonado de todo o mundo, morreu em amarguras.... Nesta causa pode um parente desapoiar-nos sem que nos prejudique; mas aqueles que estavam conosco e se afas-taram no fazem menos que desajudar-nos. S nos desfavorece aquele de cujos favores dependamos. Nem sempre se despreza, ou se desprotege, se desampara ou se desdenha, etc.,

    aquele a quem se abandona. Pode-se desapoiar sem desproteger; desvaler sem desdenhar. Desarri-mar no propriamente dessocorrer, pois que s se dessocorre aquele que est em perigo ou em situao difcil; e s se desarrima a quem precisa de ns; como s se desampara aquele a quem devamos valer, e s se abandona a quem, na perdio ou na desgraa, tinha di-reito a ser por ns socorrido.

    18ABANDONO, desafetao, naturalidade, negligncia, simpleza, descuido, ingenui-dade, singeleza, lhaneza, desalinho, in-dolncia, desdia, incria, inrcia, inao, desleixo, desmazelo, languidez, desaperce-bimento, abstrao, distrao, acdia, pre-guia, cio, segncia, moleza. Abandono um galicismo (neste grupo) que pode per-feitamente ser incorporado na lngua, ape-sar de certos caprichos fteis de um mal--entendido purismo. estranha a aplicao do termo feita por Bruns. depois de o haver definido como sinnimo de naturalidade. A amizade diz ele exige a naturalidade; mas o amor, a paixo veemente s real quando h abandono. Aqui h seguramente lapso: o abandono dessa frase no o que o autor definiu como sendo o abandon francs. O abandono dessa frase sinnimo de renun-ciamento, abdicao, abnegao, etc. Mas aqui, neste grupo, abandono, conquanto no seja o aplicado, e o definido por Bruns., : negligncia amvel no falar, no trajo, nas maneiras... Aquela candura da jovem prin-cesa ressalta de todo o abandono em que se deixa ver l no parque. Naturalidade maneira de se mostrar, de dizer, de se ves-tir sem artifcios que deem na vista. Fa-lamos rapariga, e ela respondeu com uma graa e naturalidade de criana. Desafeta-o j se no aplicaria com a mesma pro-priedade a uma criana; pois, desafetao j sugere ideia de esforo ou de propsito no

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    sentido de parecer desafetado ou natural. Desafetao pode simular-se; naturalidade, no. Este tipo vem aqui fingir desafetaes de Tartufo... Negligncia2 diz tambm ma-neira descuidosa, postura desafetada, trajo sem capricho, pouca ateno com que al-gum cumpre sua tarefa ou desempenha um dever. Incria igualmente (conforme est indicando a prpria etimologia) descuido, mas descuido culposo de quem deixa de parecer como deve, ou de cumprir um dever do seu ofcio. Negligncia sempre me-nos do que incria, conquanto diga Roq. o contrrio. Por negligncia foi censurada a menina que no deu conta das lies, ou dos temas a tempo: por incria teve casti-go. Pilhou-me a visita, ou surpreendeu--me nesta negligncia em que se est em casa. Ningum h de ter o direito de acusar-me de incria na minha profisso. Desali-nho maneira ainda mais descuidosa que a negligncia: quase incorreo de costu-mes, ou de frase, ou de trajar. Passam a ser censurveis aqueles modos: aquilo j desalinho, e quase inconvenincia que se no perdoa em gente de educao. Singeleza a qualidade do que no tem refolhos e malcias, acidentes de nimo, e antes um humor sempre igual. A singeleza daque-le viver mais edificante do que todas as opulncias dos grandes. Simpleza sugere ideia de inconscincia, de quase ignorncia e parvoce: a singeleza ou a ingenuidade do inculto e rude. Ele ficou em pasmo ante a simpleza daquele brbaro ali impass-vel a tudo que se passa. Ingenuidade a singeleza de quem no oculta o que sen-te, nem disfara o que faz, como as crian-as. Calino o tipo do ingnuo: diz, com toda gravidade, as coisas mais sabidas do mundo. Lhaneza a qualidade do que

    lhano (do latim planus = liso, parelho, sem desigualdades de relevo). Nada alterava ja-mais a lhaneza daquele carter. Descuido (como se v da formao do vocbulo) falta de cuidado no trato, no falar, no ves-tir, ou no desempenho de uma tarefa: mais censurvel sem dvida que desalinho. O descuido de quem se apresenta maltrajado em um salo de cerimnia imperdovel. O descuido na elocuo, no gesto, na postu-ra... muito mais grave que simples desa-linho. Indolncia e preguia. Diz Lafaye que a indolncia um defeito, a preguia um vcio. Neste grupo no bem assim. Se mesmo vcio a preguia, est passando a ser quase um vcio elegante... ela um relaxamento de nimo, uma falta de ao para certas ocupaes. Pode ser oriunda de mal fsico; e ordinariamente revela falha moral. Indolncia diz etimologicamente falta de sensibilidade; apatia, indiferen-a por tudo que a outros merece cuidados ou ateno. A preguia pode no ser um vcio, mas deve tirar a vontade de agir e de viver: a indolncia chega a ser s vezes uma virtude para o ctico, o pessimista ou o mi-santropo. Moleza preguia sensual. Inrcia imobilidade, falta de energia, estado de torpor. Inao um estado de inrcia passageiro, que cessa logo que de-saparece a causa acidental que constrange o inativo. Languidez um quase desfa-lecimento semelhante depresso mrbida, e tendo tambm alguma coisa de moleza. Desdia quase incria, distinguindo-se desta em significar mais uma inrcia moral que afasta do trabalho, ou que torna avesso ao cumprimento do dever; enquanto que incria o prprio fato de no fazer o que devia. Acdia (ou acdia, mais conforme etimologia) uma inrcia mais de esprito ainda do que desdia (talvez originariamen-te uma e outra do mesmo radical grego). Diz Roq. que parece ter sido vulgar outrora,

    2 Usa-se muito hoje do francs neglig em vez de negligncia.

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    e usar-se em vez de preguia, como se v do Leal Conselheiro e do Catecismo, de Fr. Bartolo-meu dos Mrtires, que a define assim: O stimo e ltimo vcio capital se chama acdia, que uma tibieza e fastio espiritual que a alma tem para o exerccio das obras virtu-osas, especialmente para as coisas do culto divino e comunicao com Deus. De-leixo (ou Desleixo) e desmazelo significam relaxamento no cumprir o dever, falta de correo; parecendo que desmazelo mais grave e mais culposo porque exprime, no apenas falta de correo, mas uma desdia quase ostentosa, um defeito mais punvel que desleixo, que mais ausncia de senti-mento muito ntido do dever Desaper-cebimento, abstrao, distrao sugerem ideia de estado bem semelhante a umas apa-rncias de abandono. Desapercebimento um como estado de inconscincia aparen-te, em que algum fica sem dar ateno a nada, ou sem notar em torno de si coisas que lhe no deviam passar despercebidas. Abstrao o desapercebimento de uma pessoa completamente alheada do meio em que se acha, por um motivo interior, uma como tenso mental que a separa dir-se-ia das outras pessoas. Distrao tambm desapercebimento, mas de quem parece no pensar em coisa alguma, e ter os seus sentidos materiais como que suspensos ou apagados, olhando sem ver, tocando sem sentir, tendo ouvidos e no ouvindo, etc. Segncia mais do que indolncia, do que desdia, do que desleixo, do que preguia, porque junta a tudo isso alguma coisa de misria moral mais lastimvel: segncia deve ser o torpor estpido, a averso ao movi-mento, a inrcia e moleza do brbaro. cio antnomo de trabalho, ou porque se descanse dele, ou porque se seja forado a ficar inativo; mais, no entanto, porque se te-nha trabalhado que se fica em cio: este, pois, mais lazer do que inao. Os meus

    instantes de cio so poucos, porque a minha vida muito atribulada de servio.

    19ABARATAR, baratear, embaratecer, mal-baratar, depreciar, menoscabar; menospre-zar, desapreciar, desestimar, desencarecer. Abaratar (ou baratar) significa diminuir o custo, tornar barato, fazer baixar o preo de alguma coisa; e figuradamente , pois, ter em menor conta do que a antiga em que se tinha alguma coisa, ou as qualida-des, a importncia, o valimento de algum. Ele no h de consentir assim que lhe aba-ratem a honra de juiz. Baratear ofe-recer por menor preo, dar por menos do justo valor, no tendo na conta devida. No pensem que ele vai agora baratear as aptides. Tem ainda, como intr., a signifi-cao de baixar de preo. Dizemos, pelo menos no Brasil: O caf j barateou. Usa-mos tambm de embaratecer, que se no sabe por que que falha nos lxicos. Mas este difere de baratear porque significa, no s baixar de preo, mas fazer baixar de preo. A mesma diferena no sentido figu-rado. Os tais conluiaram-se no intento de embaratecer os bons ofcios do competidor. Malbaratar desperdiar coisa estim-vel; vender com prejuzo, abrir mo de uma coisa facilmente, mostrando por ela pouca estima ou nenhum interesse. Mse-ras criaturas o que elas so, a malbaratar na vida os melhores dons que lhes tocaram. Menosprezar, menoscabar, desestimar distinguem-se ligeiramente. Menospre-zar no propriamente desprezar, mas prezar menos do que seria justo, ter em menor apreo do que o devido. Havemos ento de menosprez-lo s porque, naquela causa, no esteve conosco? Menoscabar no somente menosprezar, mas tambm abater o valor, diminuir o crdito, a con-siderao. No por menoscab-lo que

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    dele digo estas coisas. Desestimar no ter em estima, deixar de estimar, no ter por algum ou alguma coisa a mesma estima que se tinha. este verbo um sinnimo quase perfeito de desapreciar, havendo ape-nas entre os dois a mesma diferena que h entre os respetivos radicais estima e apre-o. S desestima o dinheiro quem lhe no sabe o valor. No se desestima a um amigo s porque caiu em pobreza. Em qualquer dos casos desaprecia diria sem dvida al-guma coisa menos, e tanto menos quanto estima um sentimento mais profundo que apreo. Desencarecer deixar de enca-recer, de ser to caro ou encarecido como era, ou de ter na mesma conta exagerada em que se tinha (e tanto no sentido prprio como no figurado). Ningum decerto vai desencarecer-lhe os grandes servios prestados ptria naquele momento.

    20ABANTESMA, fantasma, espetro, larva, viso, duende, trasgo, manes, lmures, avejo, apario, sombra. Abantesma forma popular de fantasma. Este vocbu-lo (fantasma) significa imagem fantstica ou incorprea, que, por alucinao, julga algum ver, tendo figura humana mais ou menos acentuada, e causando terror; e tal-vez porque sugira melhor esta ltima noo que se distingue de todos os do grupo. Encontrou no caminho um fantasma que o obrigou a voltar. Aquela casa... ou aquela conscincia vive atormentada de fantasmas (isto , de coisas falsas ou imaginrias e medonhas). Tambm se aproxima de sm-bolo, representao; personificao; como em: O fantasma da dor, ou do remor-so. Abantesma propriamente fantasma sem forma definida, e que, alm de terror, inspira repugnncia. Imundos abantesmas vagavam naquela regio mais do pecado que da morte. Duende designa alguma coisa

    semelhante ao que se chama vulgarmente alma do outro mundo. Lmures e manes eram, entre os romanos, espritos que an-davam vagando pela Terra, e como em pe-nitncia, ou perseguindo os vivos. Manes designava particularmente as almas dos avs ou dos parentes falecidos; mas todos, manes e lmures, saam do inferno noite para, s vezes, socorrer, mas quase sempre para atormentar os vivos. Trasgo qualquer coisa como figura ostentosa, he-roica dir-se-ia e terrvel do diabo. Es-petro e larva designam tambm fantasmas; e h entre eles uma certa distino anloga que se nota entre fantasma e abantesma. Espetro ser o fantasma, ou melhor a alma de algum conhecido, que se deixa ver sem perfeito relevo, mas ainda conservando alguma coisa da forma humana. Larva ser espetro menos ntido, e de crer que junte ideia de viso a de penitncia, significando assim alma penada, alma dolorosa. Quando encontrou no vestbulo a larva de Aquiles... emudeceu. Avejo (fig.) o que se poderia chamar tambm alma pe-nada mas que toma aspetos estranhos, formas de aves ou de animais fantsticos. Viso, apario, sombra so vocbulos de significao mais genrica e vaga, dando sempre a ideia comum de coisa sobrenatu-ral, ou no corprea, atribuda imaginao dos alucinados, ou falsa viso de certos doentes. O mais vago de todos o primei-ro dos trs: viso toda imagem que se julga ver, quer em viglia, quer durante o sono. Apario distingue-se de viso em acrescentar ideia de imagem sobrenatural a ideia de miraculoso, de inesperado e sbi-to, mesmo instantneo... Sombra pode-se dizer que, com a significao que tem neste grupo, vocbulo de alta nobreza histrica, significando forma vaga subsistente de al-gum que foi vivo; coisa impalpvel, sub-til, imaterial... como a sombra (fenmeno

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    fsico). Entre os antigos, e ainda hoje, mes-mo entre muita gente de cultura, sombra era o mesmo que alma.

    21ABARCAR, aambarcar, monopolizar, atravessar. Todos estes verbos exprimem de comum a ideia de abuso contra a liber-dade de comprar e vender, de modo a fa-zer subir pela carestia o preo das coisas. Abarcar significa apoderar-se da merca-doria como quem a prendesse nos braos, Abarcava todo o peixe que vinha Ribeira. (Aul.) Aambarcar exprime a mesma ao de prender ou arrecadar mercadorias: mas de modo mais amplo, enfeixando-as, ou reunindo-as por meio de sambarca. Mo-nopolizar enuncia a forma legal de exer-cer exclusivamente o comrcio ou qualquer encargo ou funo; o direito exclusivo ou privilgio de vender ou comprar. H o monoplio no fundado em lei; e sem dvida com esta significao que entra aqui o verbo monopolizar: tomar algum, al-guma companhia, ou mesmo alguma nao a propriedade de um certo gnero de neg-cios, ou da explorao de certas indstrias. Atravessar comprar as mercadorias em caminho, antes que cheguem praa ou ao mercado pblico.

    22ABARCAR, abranger, compreender. Abarcar e abranger significam encerrar ou conter em si muitas coisas: em abarcar h ideia de esforo; em abranger, no: Cesar abarcou todas as dignidades da repblica; O poder de Roma abrangia multido de povos (Bruns.). No Brasil muito comum dizer-se indiferentemente: Abarcar ou abran-ger o mundo com as pernas. Compreender sinnimo que se pode ter como quase per-feito de abranger; muito raros ho de ser os casos em que um se no possa substituir

    pelo outro. Deve notar-se, no entanto, que mais talvez o uso comum do que a preciso ou a propriedade fixa em alguns o empre-go de um de preferncia a outro. Teramos de dizer, por exemplo: Nesta relao no se compreendem (e no se abrangem) os casos a que se refere o ministro. Abranger, por sua parte, exprime alguma coisa de alcanar, e mesmo de abarcar. Diremos: O incndio abrangeu todo o quarteiro; e nunca pro-priamente: O incndio compreendeu, etc.

    23ABARROADO, obstinado, opinitico, ca-beudo, teimoso, tenaz, pertinaz, insisten-te, contumaz, caprichoso, encaprichado, afincado, constante, relutante, porfiado, persistente, perseverante, aferrado, fir-me, emperrado, birrento, embirrante. Abarroado quer dizer teimoso, insistente, obstinado com insolncia e por motivos torpes. Sedutor, libertino, devasso abar-roado. Obstinado e opinitico poderiam tomar-se em certos casos como sinnimos perfeitos. H, no entanto, entre os dois bem marcada diferena; tanto assim que em cer-tas formas no poderiam ser trocados; nes-tas por exemplo: O homem est obstinado em no aceitar o cargo; Ele opinitico, e sei que por coisa alguma se dissuadir da-quele intento. Isto quer dizer que com efeito o opinitico e o obstinado, como diz Lafaye, no cedem vontade, aos desejos de outrem, a embaraos, a ataques, etc.; mas distinguindo-se o primeiro do segundo em significar uma tendncia ou qualidade prpria, essencial, fundada em opinio, em modo de ser, em razes em suma, que pare-cem estar na mesma natureza, ou na ndole do opinitico; enquanto que obstinado o que resiste, o que se escusa de agir, ou que no cede, mas por efeito de uma determina-o ativa e refletida. Cabeudo o que se deixa guiar s pela sua cabea, e faz o que

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    entende sem ouvir conselhos, advertncias ou mesmo ordens de ningum. Teimoso o que persiste em pensar ou agir como se o fizesse quase por acinte. Tenaz exprime firme e vigoroso em pensar, em querer, em agir. Pertinaz j inclui alguma coisa de teimosia; mas o pertinaz um teimoso, no por acinte, mas por opinio ou capricho. Aproxima-se deste o vocbulo insistente: o qual, alm de significar pertincia em querer, obrar ou pedir, d ideia de que, se no se teima propriamente, pelo menos se repetem esforos e tentativas. Contumaz quer dizer obstinado, revel; que no aten-de, ou no obedece ordem legtima, ou citao feita por um juiz; e por extenso aquele que segue sua opinio, e reincide no seu modo de ver ou de conduzir-se sem se importar com o que seguido por todos. Diremos, portanto: Contumaz no erro; Testemunha contumaz, etc. Caprichoso aquele que se mostra seguro e inabalvel, mais pelo prazer de contrariar do que por sincera convico; e difere de encapricha-do por isto: porque encaprichado significa que se tomou por acinte ou por vingana uma atitude caprichosa. Dizemos: Ele est encaprichado no propsito de molestar--nos; e no: caprichoso: A caprichosa menina no atende a coisa alguma; e no: A enca-prichada menina, etc.; mesmo porque enca-prichado reclama sempre um completivo; o que nem sempre acontece com caprichoso. Afincado, aferrado, firme significam to-dos fixo no lugar, na atitude, nas ideias, na vontade, etc. Afincado equivale a fixo e seguro como uma haste que se fixasse ao solo; aferrado diz fixo como alguma coisa que se prendesse a ferro a uma outra coisa; firme significa obstinado, resoluto, seguro conscienciosamente; que se no abala, nem cede, nem fraqueja. Constan-te, porfiado, relutante, persistente, perse-verante acrescentam qualidade do que

    firme a ideia de esforo no propsito de conservar-se firme numa resoluo, num intento ou numa tarefa. Constante ser sempre igual ao que se foi ou se prometeu ser, ou ao que de ns se espera. Porfiado ser constante mostrando um certo brio e valor. Relutante mais que porfiado, pois enuncia a ideia de que o porfiado capaz de ir ao extremo, de travar luta na re-sistncia... Persistente o que sabe, quer, ou tem fora para continuar firme no seu posto, seu intento, no seu desejo. Perseve-rante o que se conserva firme e constan-te num sentimento, numa resoluo (Aul.). Este homem extraordinrio constante na virtude; porfiado no trabalho; relutante contra as sedues do vcio; persistente na ideia de vencer; e perseverante como quem sabe o que vale a fortuna. Emperrado, birrento, embirrante, poderiam aproximar-se de ca-prichoso e cabeudo. Emperrado significa o que se firma na sua opinio, ou no seu in-tento, e fica imvel, sem explicar-se... como o animal que empaca (podendo dar-se-lhe empacado como sinnimo quase perfeito). Birrento emperrado ou teimoso por bir-ra, capricho, antipatia ou averso. Embir-rante o que insiste nalguma coisa por birra, com obstinao e enfado.

    24ABASTADO, rico, ricao, opulento, endi-nheirado, apatacado, remediado; argent-rio, banqueiro, capitalista, milionrio. Abastado quem est fartamente provido de bens para viver em abastana. Rico aquele que possui muitas riquezas, ou bens que excedem s prprias necessida-des. Ricao aumentativo de rico, e diz sujeito muito rico e com ares de ufano das suas riquezas. Opulento sujeito muito rico que vive vida brilhante e sump-tuosa, ostentando a sua riqueza. Endi-nheirado, apatacado, remediado marcam

  • Dicionrio de S innimos da Lngua Portuguesa 21

    uma certa mediania, ou uma condio de fortuna que fica entre a do rico e a do po-bre. O endinheirado aquele que ajuntou algum dinheiro e saiu da pobreza. Apataca-do diz menos ainda, pois reduz a simples patacas as posses do sujeito. Remediado o que tem com que viver sem apuros. Argentrio, banqueiro, capitalista, milio-nrio exprimem a ideia de possuidor de grandes riquezas em dinheiro; e acrescen-tam noo geral de rico a ideia de apego ou amor ao dinheiro, ou de mais ou menos paixo com que se cuida do dinheiro, ou ainda uma ideia do valor preciso ou das propores da fortuna possuda. Argent-rio o mais genrico e diz homem dado a grandes negcios, preocupado s de lucros, vivendo s pelo dinheiro. Banqueiro o que faz negcios de banco (Aul.), isto , que vive de negociar, ou especular sobre emprstimos e outras transaes de praa. Capitalista o que vive dos rendimentos de seus capitais. Milionrio o ricao que possui milhes. J se usam tambm como gradaes da ideia expressa por este ltimo vocbulo: bilionrio, arquimilion-rio, miliardrio.

    25ABASTARDAR, degenerar, desfigurar, deformar, desfear, afear, deturpar, des-naturar, corromper, deteriorar, estragar, perverter, viciar, adulterar, desvirtuar, de-pravar. Estes verbos exprimem de comum a ideia de mudar a forma, a natureza, ou o modo de ser de uma coisa ou pessoa. Abastardar significa fazer ilegtimo, impu-ro. Degenerar perder mais ou menos o tipo, as qualidades da sua gerao (Aul.). Desfigurar , segundo a prpria etimo-logia, tirar a figura, alterar a forma pr-pria, o aspeto, as feies de algum ou de alguma coisa (Aul). Deformar mudar a forma primitiva, deixar imperfeito, defei-

    tuoso. Desfear uma dessas anomalias morfolgicas da lngua que o uso impe, e significa alterar alguma coisa fazendo-a feia. sinnimo perfeito, ou melhor, qua-se perfeito de afear, convindo, portanto, que se note: em afear no h to viva a ideia de mudar tornando defeituoso, ideia que se sente em desfear. Desfea-se (ou desfeia--se) isto torna-se feio o que era bonito, correto, prprio, legtimo. Afea-se (ou afeia-se) uma coisa tornando-a menos correta, bonita, etc. Diremos, pois: O an-dar afea-lhe um pouco a elegncia (e no desfea-lhe); A idade a desfeou horrivelmente (e no afeou). No Brasil usa-se tambm o verbo enfear (ou enfeiar) com o sentido de exagerar, fazer feio com o propsito de impressionar, demover, etc.: Ele enfeia o caso para que ns no vamos. Detur-par desfigurar deprimindo, profanando, ofendendo o pudor. Desnaturar alterar a natureza, o modo de ser normal. Cor-romper pr fora do estado de pureza prpria. Deteriorar alterar danifican-do, fazendo pior ou imprestvel. Estra-gar enuncia a ideia geral de destruir, ou de transformar piorando. Perverter mudar para mal (Aul.) transtornando; estragar o que era puro. Viciar , aqui, menos que perverter, se bem que enuncie igualmente a ideia de estragar, ou de fa-zer que uma coisa no seja ou no se faa to bem como devia fazer-se. Adulterar fazer mudar alguma coisa falseando-a, pondo-a fora do seu estado prprio, depri-mindo-a com perfdia. Desvirtuar sig-nifica, em geral, tirar a virtude, o mrito, o brilho, o valor prprio de alguma coisa. Depravar perder as qualidades que ti-nha; estragar desvirtuando, perverter com escndalo. Dizemos: Abastarda-se uma ge-rao; degenera uma famlia, um indivduo ou uma raa; desfigura-se um texto tirando-lhe as belezas prprias da lngua; deforma-se uma fi-

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    gura fazendo-a monstruosa; deturpa-se a me-mria de algum; desnatura-se o homem no vcio ou no crime; corrompe-se o po exposto umidade, ou corrompe-se o menino nas ms companhias; deteriora-se o carter fraco em luta com a misria; o tempo devastador es-traga formosura, e, no entanto, para que se pervertam almas basta s vezes um instante; as melhores ndoles viciam-se fora do lar; adul-teram as nossas palavras quando as transmi-tem infielmente de propsito; desvirtuam as nossas intenes quando as interpretam de m-f; deprava-se um indivduo, uma nao pelos erros, pelos desregramentos, pelos crimes.

    26ABASTAR, abastecer; fornir, fornecer; mu-nir, municiar, municionar; ministrar, sub-ministrar; prover, aprovisionar. Abastar significa propriamente prover do bastante, do indispensvel; e abastecer abastar gradualmente, prover pouco a pouco e com regularidade. O grande comboio abastou ento a praa, e dali em diante foi ela sen-do abastecida pelos lavradores dos arredores. S os colonos vizinhos abastecem (e no abastam) o nosso mercado. As colheitas excepcionais daquele ano abastaram (e no abasteceram) toda a provncia. Entre for-nir e fornecer nota-se a mesma relao que entre abastar e abastecer. Fornir prover do necessrio, e por uma determinao pr-pria, ou em obedincia a uma ordem, ou em cumprimento de um dever ou de um con-trato; e fornecer uma forma extensiva de fornir. A caravana, ao passar, que nos for-niu de po: agora o que preciso ver quem no-lo fornea regularmente. Diremos tam-bm: O menino est bem fornido (e no fornecido) de carnes e com boas cores. Ns sempre nos fornecemos (e no fornimos) de tudo aqui mesmo no bairro. Munir sig-nifica propriamente prover de armas e ou-

    tras coisas que tornem forte, ou que habili-tem a defender-se. Munem-se as praas de guerra esperando o inimigo. Muniram-se de documentos contra a calnia. Munam--se todos de roupas de l para o inverno. E at de pacincia vou munir-me para sofrer aquele biltre. Municiar e municionar so formaes vernculas de municio, o primeiro, e de munio, o segundo. Mu-niciar prover de munies para um certo tempo, para uma diligncia. Municionar abastar de munies de toda ordem, e nem sempre com fim especial e imediato, nem para prazo certo. Vai bem municiada a escolta, ou ficam bem municiadas as duas praas guardando aquele posto. Quan-do chegamos quela zona assolada pela seca foi necessrio municionar muitos dos nossos postos, pois estavam quase todos completa-mente desprovidos de tudo. Ministrar e subministrar so muitas vezes empregados indiferentemente. Ministrar, no entanto, significa fornecer, dar, conferir, oferecer, apresentar, com certa cerimnia, como fun-o prpria ou dever de ofcio. A secre-taria ministrar todas as informaes neces-srias ao juiz. Ele nos ministrou todas as coisas de que precisvamos. Subministrar diz Bruns. fazer com que alguma coi-sa chegue ao poder de algum que necessita dela para se sustentar: Os americanos sub-ministravam armas aos insurretos cubanos. Notemos ainda que subministrar sugere ideia de ao clandestina, ou pelo menos de intuito que se procura dissimular ou enco-brir. Prover o mais compreensivo dos do grupo, e de predicao mais imprecisa e vaga; significa fornecer, munir, como por necessidade de acautelar o futuro ou preve-nir algum mal. Aprovisionar abastar de provises, quaisquer que sejam estas. Aprovisiona-se de gua, de po ou de carne uma praa onde havia necessidade de algum desses artigos. Poder-se-ia ainda dizer sem

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    deslize da pura vernaculidade: Aprovisionar de plvora a praa. No se daria o mesmo, porm, se se dissesse: Municionar de gua ou de po a praa; pois municionar tem predicao mais restrita. Proviso (rad. de aprovisionar) tudo quanto convm, como no exemplo, aos que guarnecem a praa; e mu-nio (rad. de municionar) tudo que se aplica diretamente defesa da praa.

    27ABATER, cair, desmoronar, aluir, desabar, despenhar-se, precipitar-se, ruir, tombar. Abater baixar ou cair a prumo diz Bruns., rpida e inesperadamente: Aba-teu o telhado; Abateu a terra em torno. Cair , dos do grupo, o verbo de sentido mais geral: enuncia a ideia de deixar uma coisa, e mais ou menos rapidamente, o lugar em que estava para vir a lugar mais baixo. Cai a casa; cai o balo que j estava no ar; caiu chuva; caiu um raio sobre a torre; caiu o chapu de cima da mesa. Desmoronar ir desfazendo-se (Bruns.) e caindo pouco a pouco; mas deve aplicar-se s a coisas de grande volume, como grossos muros, vas-tas construes, montanhas, etc. Desmo-ronam-se castelos; e at, no sentido figura-do, desmoronam-se esperanas ou iluses... Aluir abalar-se, desprender-se e sair do lugar em que estava. A parede aluiu com as chuvas. Desabar significa propriamente abater em torno com fracasso, cair a aba ou a beira. Desabou a fachada de um edif-cio; desabou a barranca, etc. Despenhar--se vir abaixo desprendendo-se de gran-de altura (segundo a etimologia cair do alto de rochedo). Despenha-se a avalanche inundando toda a vrzea. Precipitar-se lanar-se com violncia de cima para baixo, cair com mpeto em lugar profundo. Da-quela medonha altura precipitou-se o monstro no abismo e desapareceu. Ruir cair, abater com estrondo. Ruiu todo o edif-

    cio abalando a redondeza. Ouvia-se c de baixo o ruir dos cedros l no Lbano. Tombar cair com fracasso, lanar-se para um lado estendendo-se; e sugere a ideia de que volumosa a coisa que tomba, ou a de que extraordinria e sensacional a queda. No se diria com propriedade: Tombou-lhe dentre os dedos o charuto; ou Deixei tombar o lpis. Mas diremos: Tom-bam rochedos; Tombam rvores; Ouviu--se a descarga e o msero tombou...

    28ABATER, deitar abaixo, derribar, demolir, destruir, arrasar, desfazer, desmanchar, derruir, arruinar, estragar, desmantelar, derrocar, aniquilar. Compara assim, Bruns., o verbo abater e a forma perifrs-tica pr ou deitar abaixo: Diferenam-se em que abate-se uma coisa para que deixe de existir, e deita-se abaixo, tanto para esse fim, como para tornar a levantar, renovando ou transformando: manda-se abater a rvore que intercepta a vista, e deita-se abaixo aque-la que se quer substituir; abate-se a fortaleza que no convm deixar de p; deita-se abaixo a muralha que se quer reconstruir. En-tendemos que derribar, pelo menos tanto como abater, se aproxima de deitar abaixo. Derribar fazer cair, tirar de cima para baixo. Tanto se derriba a rvore, como a mu-ralha, como o castelo. Demolir desfa-zer pouco a pouco uma vasta construo; e aproxima-se de destruir, que tambm signi-fica propriamente desfazer o que foi cons-trudo. Mas esta ideia melhor expressa ainda pelo primeiro, demolir. Podemos dizer sem grave ofensa ndole da lngua: A artilheria inimiga destruiu a colina (isto desarranjou-lhe a estrutura); nem tanto, porm: A artilheria demoliu..., etc.; pois s suscetvel de demolir-se o que foi construdo. Destruir , portanto, como dissemos, fazer que uma coisa deixe de ser

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    o que era desarranjando-lhe a estrutura. Arrasar destruir completamente uma coisa (um edifcio, uma cidade, uma flo-resta, um monte) at que fique rasa com o cho. Tito arrasou Jerusalm. Desfazer , como bem define Aul., mudar o estado de uma coisa de modo que no seja mais o que era. , portanto, verbo de sentido muito geral. Tanto se desfaz um muro, como se desfaz um n, como se desfaz um exrcito, uma fortuna, um enredo, etc. Desman-char tambm desfazer, mas sem ideia necessria de destruir. No h dvida que se desmancha uma intriga, como se desmancha um muro, uma cerca (isto se desfaz, ou mesmo se destri); mas podemos tambm desmanchar um aparelho, e at uma casa, conservando-lhes as peas para arm-las de novo. Derruir (ou deruir) pr abaixo abalando, destruir com fracasso. Derru-ram em poucas horas as muralhas do forte. Arruinar estragar e reduzir a runas. Arruinaram depressa todo um quarteiro da cidade. Estragar desfazer, ou mesmo destruir assolando. O bombardeio estragou enormemente a cidade. Desmantelar , em geral, desguarnecer um objeto daqui-lo que o protege ou que lhe essencial; e em sentido mais restrito estragar, demolir as fortificaes de uma praa, ou os muros ou paredes de um edifcio. Desmantela-se uma fortaleza arruinando-lhe as muralhas; desmantela-se um exrcito desfazendo-lhe a parte mais forte, dividindo-o, privando-o de unidade de comando e de ao; desman-tela-se uma corporao que se desagrega e fica sem ter quem a dirija e represente. Derrocar (ou derocar) derribar com es-trondo, demolir grandes moles (rochedos, montanhas, construes). Derrocam-se mu-ralhas, como figuradamente se derrocam grandezas, instituies, etc. Aniquilar destruir reduzindo a nada. Com tais erros aniquila-se a obra de muitas geraes.

    Carregando impetuosos, aniquilaram num momento o inimigo.

    29ABATER, descontar, minuir, deminuir, deduzir, subtrair. Abater, neste grupo, significa deduzir de uma certa importn-cia uma outra que se combinou no fosse paga: Abateu 20 0/0 nas compras que fiz; preciso abater do ordenado do ms o que corresponde aos dias da licena. Descon-tar propriamente deduzir de uma conta, ou deixar de meter em conta; e por exten-so: abater de uma quantia uma outra que j foi paga ou que no deve ser paga. Que da soma maior do dote se descontaria todo o oiro, prata e joias que a infanta consigo le-vasse (Fr. L. de Souza). Descontam-se letras e outros papis de crdito. Os ttulos, ou as cdulas do tesouro a recolher j sofrem desconto (e no abatimento). Minuir fa-zer menor; e deminuir (ou diminuir) fazer menor uma quantidade tirando dela uma outra quantidade. Minuir , portan-to, quase o mesmo que minguar ou fazer minguar. Vai o tempo inexorvel minuindo aquela robustez. Do total a que chegou suponho que preciso deminuir alguma coi-sa. Deduzir d ideia genrica de abater, de tirar uma coisa da outra, quer se trate de quantias, quer de quantidades em geral. Deduzam da nossa dvida a importncia dos servios que temos prestado. J deduziu da nota as parcelas que estavam marcadas? Subtrair , aqui, o mesmo que deminuir, consistindo apenas a diferena entre os dois em poder subtrair aplicar-se somente a nmeros.

    30ABATIMENTO, depresso, languidez, desfalecimento, desmaio, esmorecimento, esvaecimento, esvaimento, acabrunha-mento, acobardamento, definhamento,

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    debilitao, enfraquecimento, prostrao, desalento, alquebramento, desnimo, de-sesperao (desesperana e desespero), de-lquio. Segundo Bruns. Abatimento e prostrao dizem-se do corpo e do esp-rito; desalento, desnimo e desesperao dizem-se s do esprito. Abatimento o estado em que fica uma pessoa por efeito de grande dor ou choque (se moral) ou de doena grave ou prolongado sofrimento fsico. Depresso o abaixamento de foras produzindo abatimento do corpo e do esprito. Languidez o estado de fraqueza, tdio e abandono em que fica um doente. Desfalecimento a perda de foras e de coragem. Desmaio ser um desfalecimento sbito, perda de lucidez em consequncia de desfalecimento. Esmorecimento quase desmaio; mas mais lento e extenso. Pode-se esmorecer su-bitamente; mas decerto que se no dir: desmaiou subitamente, pois a ideia de subitaneidade j est contida em desmaiar. Esvaecimento ser um desmaio muito subtil, um quase esmorecimento muito r-pido, instantneo. No foi propriamente desmaio o que ela teve, mas um simples es-vaecimento. Esvaimento (do mesmo rad. vanescere) o desfalecimento produzido por exausto (e tanto no sentido moral como no fsico). Daqueles sessenta anos de es-vaimento, levanta-se Portugal como por um prodgio... Acabrunhamento o esta-do de fadiga, opresso, tristeza, desnimo, produzido por dores fsicas ou morais, por trabalhos, doenas ou misria. S a mor-te por termo a todo aquele acabrunhamento. Acobardamento a depresso de nimo, produzida por medo, por falta de coragem para arrostar um embarao, ou vencer um mal ou um sofrimento. Definhamen-to, debilitao e enfraquecimento expri-mem tambm diminuio de foras (tanto tratando-se do corpo como do esprito).

    O organismo que se extenua por trabalho, ou por doena ou desgosto, definha; o que se imobiliza ou no tem regra na vida, debilita--se; o que no se nutre convenientemente enfraquece. Anlogas aplicaes no sentido moral: a saudade, o amor, o remorso, etc., podem produzir definhamento em almas extre-mamente sensveis; no h esperana, co-ragem, fortaleza moral, que no esteja sujei-ta a profundas debilitaes em certas crises...; uma consequncia necessria da crpula o enfraquecimento do esprito. Prostrao diz mais que os trs precedentes: o ex-tremo abatimento, em que se fica sem ao, entregue inteiramente dor, ao cansao ou fraqueza. Desalento a falta de foras (fsicas ou morais, principalmente morais) produzida por trabalhos, desiluses, etc. Alquebramento diminuio, quebra de foras ou de nimo: Os meus alquebra-mentos no vo at o extremo de desalentar-me para a vida; A doena alquebrou-a; mas no chegou a feri-la de desalento para as coisas de arte. Desnimo e desesperao, sim s se dizem (como no entender de Bruns.) do esprito: desanimar e desesperar mar-cam fenmenos da vida subjetiva. Desanima aquele que deixa de sentir a indispensvel coragem para vencer um embarao, superar algum contratempo, ou sofrer alguma coi-sa. Quanto a desnimo e desalento diz Bruns. que podem confundir-se: ambos significam falta de nimo, de coragem, de energia; o desalento, porm, refere-se me-lhor perda da esperana, e o desnimo perda da coragem. O desnimo pode ser originado pela pusilanimidade: o desalento funda-se na experincia. o desnimo que nos arreda de encetarmos a empresa: o de-salento que nos induz a no continuar o que no nos deu os resultados que espervamos obter. Desesperao o auge do desalen-to diz ainda Bruns. Desespera aquele que perde de todo a coragem e a esperana.

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    preciso distinguir as trs formas deses-perao, desesperana e desespero. Deses-perana apenas a falta, a privao de toda esperana. Desespero significa mais a raiva, o desvario de quem se desengana de alguma coisa. Desesperao a aflio, a angstia em que fica quem perdeu a esperana. A desesperana de quem viveu sem pensar no destino pode chegar desesperao de morte horrvel, atormentada de todos os desespe-ros do precito. Delquio aproxima-se de desmaio e de esvaimento: o estado em que fica uma pessoa que desfalece como se se dissolvesse. No h fortes que no tenham seus delquios na vida.

    31ABDICAR, renunciar, demitir-se, exone-rar-se, desobrigar-se, rejeitar, recusar, re-signar, desistir, largar, abandonar, ceder. Abdicar renunciar, em favor ou pro-veito de algum, alguma dignidade ou alto cargo, tirar de si por vontade ou a contra-gosto, despojar-se de alguma honra ou al-gum proveito antes de tempo. Abdica o rei o seu trono em favor de outrem. Renun-ciar depor voluntariamente, ou no querer coisa a que se tem direito, ou em cuja posse se estava legitimamente. Renunciam--se (e no abdicam-se) riquezas. Renunciai instintos ignbeis (MontAlverne). De-mitir-se deixar de permanecer no car-go, no posto. Como no lhe atenderam aos reclamos, demitiu-se ele prprio daquelas funes. Exonerar-se tambm demi-tir-se, mas sugere a ideia de que se alivia de peso, ou encargo ou tarefa pesada, o que se exonera. Quem se demite pe-se fora do lugar em que estava: quem se exonera liberta--se de um trabalho, ou de um cargo que no mais lhe convinha ocupar. Desobrigar-se isentar-se da responsabilidade, desistir da obrigao que se tomara, livrar-se ou exonerar-se de um dever. Vou desobrigar-

    -me contigo da promessa que fiz. Ele se desobrigaria do pacto se ns o maltratsse-mos. O pobre est desobrigado de dar es-molas. Desobrigou-se facilmente da grande misso. Rejeitar propriamente lanar de si com veemncia ou mpeto. Rejeita-se uma proposta desonesta, uma ignomnia; como se rejeita uma coroa... mesmo de loi-ros. Quem rejeita no est de posse ainda da coisa rejeitada. O mesmo deve acontecer a quem recusa. Recusar diz menos que re-jeitar: deixar de receber, de permitir, de aceitar. Como que se recusa entrada a um moo daquela ordem? Ele recusou to bom emprego. Resignar ntimo convi-zinho de renunciar e de abdicar; devendo notar-se que sempre voluntariamente que se resigna; que aquele que renuncia pode ser a isso forado, igualmente como aquele que abdica; mas quem resigna entende-se que mais propriamente renuncia do que abdica, pois quem abdica ainda usa do seu direito de passar a outrem a dignidade abdicada, e, no entanto, quem renuncia (como quem resigna) despoja-se do cargo ou da coisa renunciada, esquecendo-a, ou sem nada mais ter que ver com a sorte dela. Desistir de... abrir mo de..., deixar o que se tinha comeado, ou a funo em que se estava. Desiste-se de um emprego; desiste-se de um pleito, ou de um intento. Largar e aban-donar significam deixar, pr de lado alguma coisa, ou algum cargo. Mas, quem larga como que deixa fugir ou escapar a coisa largada; quem abandona como que foge ou se afasta da coisa abandonada. Pode-se largar e abandonar; mas certamente no se pode abandonar e largar; ou no se pode dizer que se larga depois de haver abandonado. F. largou o ofcio de rfs (deixou-o livre, ou vago). O prncipe aban-donou a sua causa. Ceder (como diz Aul.) desistir de alguma coisa em favor, ou em proveito de algum; abdicar em senti-do amplo e geral. Esa cedeu a Jacob o seu direito de primogenitura.

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