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DIDÁTICA E EPISTEMOLOGIA: PARA ALÉM DO EMBATE ENTRE A DIDÁTICA E AS DIDÁTICAS ESPECÍFICAS * José Carlos Libâneo Universidade Católica de Goiás A busca de integração entre a didática e as didáticas específicas tem sido uma preocupação constante na investigação didática. Profissionais de um e outro campo raramente estão em sintonia em relação à interdependência dos conteúdos dessas disciplinas. Este texto argumenta que as duas disciplinas têm em comum o processo de ensino como objeto de estudo e, portanto, não podem estar separadas. A principal assertiva para demonstrar essa inseparabilidade é a de que, além das duas variáveis inerentes ao ensino, os motivos do aluno e os contextos da aprendizagem, toda abordagem pedagógico-didática de um conteúdo pressupõe a abordagem epistemológica desse conteúdo, Pelo suporte teórico da teoria histórico-cultural e, mais especificamente, da teoria do ensino desenvolvimental de V. Davydov, é possível formular uma visão integradora dos dois campos. Palavras-Chave: Didática e epistemologia; Didática; Didáticas específicas; Metodologia de ensino; teoria histórico-cultural; teoria do ensino desenvolvimental. Introdução A atividade de ensino requer um conjunto de saberes e práticas tais como os conteúdos das diversas áreas de conhecimento, os métodos investigativos da ciência ensinada e os saberes pedagógicos próprios da profissão, os quais constituem o domínio teórico e prático da didática. Esses conhecimentos ocupam um lugar central no percurso de profissionalização de todo professor. Na investigação mais recente, tem se fortalecido o entendimento de que a didática não pode formular seu objeto de estudo sem a consideração dos conteúdos e métodos das ciências (como, também das artes) a serem ensinadas, assim como as didáticas específicas não podem cumprir sua tarefa na * ( * ) Texto publicado como capítulo do livro: VEIGA, Ilma P.A. e D´Ávila , Cristina (Orgs.). Profissão docente: novos sentidos, novas perspectivas. Campias (SP): Papirus Editora, 2008. 1

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DIDÁTICA E EPISTEMOLOGIA: PARA ALÉM DO EMBATE ENTRE A DIDÁTICA E AS DIDÁTICAS ESPECÍFICAS *

José Carlos Libâneo Universidade Católica de Goiás

A busca de integração entre a didática e as didáticas específicas tem sido uma preocupação constante na investigação didática. Profissionais de um e outro campo raramente estão em sintonia em relação à interdependência dos conteúdos dessas disciplinas. Este texto argumenta que as duas disciplinas têm em comum o processo de ensino como objeto de estudo e, portanto, não podem estar separadas. A principal assertiva para demonstrar essa inseparabilidade é a de que, além das duas variáveis inerentes ao ensino, os motivos do aluno e os contextos da aprendizagem, toda abordagem pedagógico-didática de um conteúdo pressupõe a abordagem epistemológica desse conteúdo, Pelo suporte teórico da teoria histórico-cultural e, mais especificamente, da teoria do ensino desenvolvimental de V. Davydov, é possível formular uma visão integradora dos dois campos.

Palavras-Chave: Didática e epistemologia; Didática; Didáticas específicas; Metodologia de ensino; teoria histórico-cultural; teoria do ensino desenvolvimental.

Introdução

A atividade de ensino requer um conjunto de saberes e práticas tais como os conteúdos das diversas áreas de conhecimento, os métodos investigativos da ciência ensinada e os saberes pedagógicos próprios da profissão, os quais constituem o domínio teórico e prático da didática. Esses conhecimentos ocupam um lugar central no percurso de profissionalização de todo professor. Na investigação mais recente, tem se fortalecido o entendimento de que a didática não pode formular seu objeto de estudo sem a consideração dos conteúdos e métodos das ciências (como, também das artes) a serem ensinadas, assim como as didáticas específicas não podem cumprir sua tarefa na formação de professores sem os princípios de aprendizagem e ensino comuns a todas as disciplinas presentes na didática.

Há anos as pesquisas têm destacado como elementos principais da didática as relações entre o ensino prestado, a interiorização de conteúdos e modos de agir e as aprendizagens efetivadas. Frequentemente, esses elementos são analisados isoladamente e, por isso mesmo, não é de se estranhar que, equivocadamente, muitos professores acabem por associar a didática apenas a dispositivos e procedimentos de ensino, ficando a análise de conteúdo, os métodos investigativos das ciências e os processos do aprender para outras disciplinas. É certo que os saberes pedagógico-didáticos implicam o saber-fazer mas se considerarmos que o nuclear do problema didático é o conhecimento e os modos de conhecer referidos a sujeitos e situações concretas, então eles não podem ser reduzidos a dispositivos e procedimentos. Em razão disso, a didática assume-se como disciplina que estuda as relações entre ensino e aprendizagem, integrando necessariamente outros campos científicos, especialmente a teoria do conhecimento (que investiga métodos gerais do processo do conhecimento), a psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem (que investiga os processos internos da cognição), os conteúdos e métodos particulares das ciências e artes ensinadas, os conhecimentos específicos que permitem compreender os contextos socioculturais e institucionais da aprendizagem e do ensino. A didática ocupa-se, portanto, dos saberes referentes à *(*) Texto publicado como capítulo do livro: VEIGA, Ilma P.A. e D´Ávila , Cristina (Orgs.). Profissão docente: novos sentidos, novas perspectivas. Campias (SP): Papirus Editora, 2008.

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aprendizagem e ensino em conexão direta com as peculiaridades da aprendizagem e ensino das disciplinas escolares.

A investigação pedagógica voltada aos problemas didáticos precisa dedicar-se com mais afinco ao estudo das possibilidades teóricas e práticas de integração entre a didática e as didáticas dos saberes específicos, privilegiando modalidades de pesquisa que envolvam o aprendizado na sala de aula. Na perspectiva em que o conteúdo da didática está sendo apresentado neste texto, não faz muito sentido falar em formação de professores sem considerar que o ensino depende de mediações que favorecem a apropriação do saber por parte do aluno em relação a diferentes áreas de aprendizado e que o domínio de dispositivos e instrumentos dessa mediação somente pode ser obtido mediante experimentações no contexto da escola e da sala de aula. É com base nesse entendimento que ganha importância a compreensão das relações entre didática e epistemologia das disciplinas escolares.

A teoria histórico-cultural, na tradição de Vigotsky, mostra que educar é intervir na capacidade de ser e de agir das pessoas, pelas mediações culturais, isto é, pelos instrumentos simbólicos e materiais, num contexto de relações comunicativas. A formação de professores é uma prática educativa visando mudanças qualitativas no desenvolvimento e na aprendizagem de sujeitos que desejam preparar-se profissionalmente para ensinar. Isso implica analisar os instrumentos mediacionais já constituídos na prática e na teoria e que fazem parte da atividade sócio-histórica anterior de muitos professores e, ao mesmo tempo, formular meios pelos quais os professores em formação se apropriam desses instrumentos. Ou seja, as instrumentalidades, os instrumentos mediacionais, participam na formação e, com isso, propiciam as bases para o desenvolvimento e aprendizagem dos professores, aqueles em formação e os que já se encontram em ação. Os instrumentos mediacionais aos quais os professores precisam recorrer para desempenhar bem sua profissão são as bases teórico-conceituais e metodológicas da ciência ensinada, as teorias pedagógicas, e as decorrentes metodologias, procedimentos e técnicas de ensino, a serviço da aprendizagem dos alunos na sala de aula.

A discussão das relações entre a didática e a epistemologia dos saberes específicos vem sendo enriquecida com a contribuição da teoria do ensino desenvolvimental1 de Vasili Davídov, dentro da teoria histórico-cultural. Para esse autor, a atividade de aprendizagem na escola está ligada à formação do pensamento teórico do aluno desenvolvido com base nos conceitos teóricos2 das disciplinas escolares e mediante o domínio de capacidades e habilidades de aprendizagem independente (aprender a aprender teoricamente). Para tanto, as situações de aprendizagem devem ser organizadas a partir da análise do conteúdo da ciência a ser ensinada, da metodologia própria de investigação dessa ciência e dos motivos dos alunos ligados à atividade de aprendizagem.

1 Ensino desenvolvimental é a tradução de “developmental teaching”, tal como aparece livro Problems of developmental teaching de Davydov (1998), tradução inglesa do original russo. Alguns pesquisadores brasileiros traduzem o termo como “ensino desenvolvente”. No pensamento vigotskiano, ensino desenvolvimental é aquele que promove e amplia o desenvolvimento mental e atua na formação da personalidade dos alunos.2 “Conceito teórico” na teoria histórico-cultural não se refere apenas às características e propriedades dos fenômenos em estudo, mas a uma ação mental peculiar pela qual se efetua uma reflexão sobre um objeto que, ao mesmo tempo, é um meio de reconstrução mental desse objeto pelo pensamento. Nesse sentido, pensar teoricamente é desenvolver processos mentais pelos quais chegamos aos conceitos e os transformamos em ferramentas para fazer generalizações conceituais e aplicá-las a problemas específicos. Ou, como escreve Chaiklin (1999, p. 191), “conceito aqui significa um conjunto de procedimentos para deduzir relações particulares de uma relação abstrata”.

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O presente texto visa trazer à discussão as relações nem sempre harmoniosas entre a didática e as didáticas especificas, argumentando em favor da integração entre ambas, por onde se faz a articulação entre a didática e a epistemologia. O desencontro entre os professores de didática provenientes da pedagogia e os professores das didáticas específicas, especializados num determinado campo cientifico é um fato conhecido na área da educação. Há anos professores formadores dos cursos de licenciatura afirmam que para ensinar química, história, matemática, basta saber o conteúdo dessas disciplinas, o resto é invenção dos pedagogos. Outros dizem que para aprender uma disciplina é suficiente pôr o aluno numa pesquisa ou colocá-lo num laboratório, supondo uma relação de identidade entre o processo de ensino e o processo de investigação. Do outro lado, há os professores de didática que reduzem as práticas de ensino ao planejamento, ao domínio de métodos e técnicas, às prescrições sobre a conduta do professor na classe, ou seja, para eles, a didática seria uma disciplina meramente normativa e prescritiva.

Esses desencontros entre docentes formadores que atuam na formação de professores resultam na situação já bastante conhecida nas instituições formadoras: a autonomização e a separação entre o conteúdo da didática e o das didáticas específicas. Enquanto os professores das didáticas específicas tendem a considerar dispensável uma didática denominada “geral”, os pertencentes à pedagogia fazem reparos ao pouco interesse de seus colegas pelos saberes pedagógicos como as teorias da educação, a psicologia da aprendizagem, as teorias do ensino, e a própria didática. Os professores das didáticas específicas dizem: os pedagogos não têm nada a fazer, pois sem conhecer os conteúdos específicos das matérias nada podem dizer sobre o ensino dessa matéria. Já os professores de didática dirão: não é possível alguém ensinar uma matéria desconhecendo as características individuais e sociais do aluno, o contexto social e cultural em que vive, os critérios de seleção e organização dos conteúdos, o papel do ensino na formação da personalidade, as condições mais adequadas de aprendizagem, etc.

Há razões históricas, epistemológicas e técnicas que explicam esses desencontros. Durante muito tempo permaneceu a concepção de uma didática válida igualmente para todas as disciplinas, expressada na teoria dos passos formais do ensino de Herbart. Em seguida, em oposição à orientação anterior, há a tendência de consolidação das metodologias específicas, com a recusa da didática geral, resultando na desatenção ao fundamento pedagógico-didático dos problemas do ensino. A terceira fase consiste na busca da unidade entre uma teoria geral do ensino e as metodologias específicas, que estaria caracterizando o momento atual.

A partir dos argumentos mais usuais a favor da necessária integração entre os dois campos, este texto visa ir mais além, ao defender sua unidade e interdependência com base na relação indissociável entre as questões pedagógico-didáticas e a questão epistemológica. Sendo a atividade de ensino um processo de transmissão, interiorização e produção do conhecimento, implicando especialmente as formas de ajudar os alunos a interiorizarem conhecimentos e modos de agir, ela não pode desconhecer os processos de investigação e de constituição dos objetos de conhecimento ao longo da história. Ou seja, o pedagógico está sempre associado ao epistemológico.

1. Argumentos mais comuns a favor da integração entre a didática e as didáticas específicas.

A literatura especializada em didática aponta ao menos quatro argumentos: a) a didática e as didáticas específicas têm em comum o ensino como objeto de estudo e de

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pesquisa; b) em ambas, as formas de ensinar dependem das formas de aprender, as matérias escolares devem ser ensinadas visando a aprendizagem dos alunos; c) aprender é desenvolver capacidades cognitivas, adquirir competências para buscar autonomamente o conhecimento. d) as duas disciplinas, enquanto vinculados à pedagogia, se reportam ao caráter pedagógico do ensino, ou seja, atribuem uma intencionalidade formativa ao ato de ensinar. Consideremos sucintamente cada um desses argumentos.

O processo de ensino como objeto de estudo dos dois campos

A atividade de ensino é uma atividade humana, inseparável do processo educativo, cujo desenvolvimento está ligado à transmissão e interiorização da experiência humana generalizada que se manifesta em saberes, teorias científicas, valores, atitudes, técnicas, práticas. O ensino está historicamente ligado a ações de inclusão das crianças nas atividades dos adultos e, em seguida, à adequação da instrução às capacidades de aprender dos alunos. Constitui-se, assim, como um fenômeno histórico-social, um aspecto da realidade a ser investigado, objeto de pesquisa da didática.

A instrução e a aprendizagem, como manifestações sociais universais, se convertem em ensino, uma atividade a partir da qual, em um conjunto de condições especificamente didáticas (por exemplo, um sistema de graus) e com uma instrumentação especificamente didática, se produzem e são dirigidos de forma planificada e sistemática, processos instrutivos e educativos. (Klingberg, 1978, p.48)

O didático, portanto, compreende o conteúdo (a matéria), a aprendizagem e o ensino, dependentes de objetivos, já que se trata da formação humana. Essas relações didáticas básicas expressam, historicamente, o duplo caráter da didática: um conteúdo que se ensina e um aluno que aprende com suas condições individuais e sociais de desenvolvimento e aprendizagem, ou seja, um aspecto lógico e outro psicológico e ético. Entretanto, o centro do didático é o conhecimento, pois o ensino tem por função ajudar o aluno a desenvolver seu próprio processo de conhecimento. O ensino, portanto, diz respeito ao aspecto docente do processo de conhecimento. Segundo Klingberg, “o caráter científico do ensino está em que o processo de ensino se dá sobre a base das leis do processo do conhecimento” (Ib. p. 142). A didática e as didáticas específicas têm, assim, a mesma tarefa: explicitar o processo docente do conhecimento por meio da investigação das leis e regularidades desse processo, da determinação de conteúdos da cultura a serem ensinados, dos métodos de sua transmissão e assimilação, das formas de desenvolvimento da personalidade do aluno.

As formas de ensinar dependem das formas de aprender

O elemento nuclear da prática docente é a aprendizagem, que resulta da atividade intelectual e prática de quem aprende em relação ao conteúdo ou objeto de estudo, realizada junto com os professores e colegas. Portanto, a referência para as atividades de ensino é a aprendizagem do aluno, o como se ensina depende de saber como os indivíduos aprendem. A característica básica das disciplinas escolares é que devem ser organizadas e trabalhadas para serem aprendidas pelos alunos, o que significa que há momentos do ensino que são comuns a todas as disciplinas, já que se ensina a alunos concretos, numa fase de desenvolvimento, com determinadas características de personalidade, sob determinadas condições de ensino e aprendizagem. Vista a aprendizagem como a relação cognitiva do aluno com a matéria de estudo, o ensino não será outra coisa senão a mediação dessa relação em que o aluno avança não apenas do

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desconhecido para o conhecido, do conhecimento incompleto e impreciso para conhecimentos mais amplos, mas, também, na interiorização de novas qualidades de relações cognitivas com o objeto que está sendo aprendido.

Aprender é desenvolver capacidades cognitivas

A investigação pedagógica recente é unânime em admitir o papel ativo do sujeito na sua aprendizagem e, portanto, a importância do desenvolvimento das competências do pensar. O ensino supõe ajudar os alunos a desenvolverem capacidades e habilidades cognitivas de modo que dominem conceitos, formem esquemas mentais de interpretação da realidade, aprendam a organizar ou reestruturar o pensamento, a raciocinar logicamente, a argumentar, a solucionar problemas.

O caráter de intencionalidade do ensino

A pedagogia diz respeito a formas de educação intencional, orientando a formação do ser humano para a vida em sociedade. A atuação pedagógica envolve uma relação com e entre sujeitos, lida com seres humanos em processo de desenvolvimento, implica valores, escolhas, compromissos éticos. Por isso, ensinar não é apenas transmitir a matéria, é um assunto pedagógico e, também, psicológico e ético, voltado para a formação da personalidade.

Ao investigar questões atinentes à formação humana e às práticas educativas, a pedagogia começa perguntando que interesses estão por detrás das propostas educacionais. Precisamente por isso, a ação pedagógica dá um uma direção, um rumo às práticas educativas, conforme esses interesses. O processo educativo se viabiliza, portanto, como pratica social precisamente por ser dirigido pedagogicamente. (Libâneo, 2005, p.34)

Na prática, o caráter intencional do ensino significa que o professor trabalha em função de objetivos sociais e políticos, mas também que atinge a subjetividade dos alunos, de modo que ele precisa mobilizá-los para aprender, cuidar das formas de relacionamento que estabelece com eles, conhecer seu comportamento e suas práticas de vida fora da escola, saber como funciona sua mente, seus desejos3. Mais uma vez a didática e as didáticas específicas situam-se no mesmo plano: ambas têm uma dimensão obrigatoriamente formativa, ética, envolvendo as condições subjetivas dos alunos, seu desenvolvimento e seus modos de aprendizagem.

Com base nesses argumentos, pode-se extrair a conclusão provisória: sendo o ensino o objeto de estudo da didática e das didáticas específicas; a partir da especificidade de cada uma, há uma integração e uma interdependência entre as duas disciplinas, uma complementando a outra, no sentido em que escreve Klingberg:

Trata-se de uma unidade teórico-científica em que cada metodologia desenvolve seu próprio perfil mas, em virtude de muitas questões comuns, conhecimentos gerais, tarefas, etc., está muito mais relacionada com as demais metodologias e com a didática geral. (...) Cada vez mais se impõe a necessidade de colocar em cada matéria o que é comum, elementar, fundamental para educação. (...) As tarefas gerais, elementares e específicas do ensino de todas as matérias são cada vez mais importantes, aumentando a importância de uma teoria geral do ensino que não seja tomada unicamente como base das metodologias, mas se converta numa verdadeira disciplina de integração, em que se põem com clareza os problemas específicos das distintas metodologias sobre suas características especiais, sobre o combinável e o obrigatório para todas. (1978, p.33)

3 Mais adiante se esclarecerá melhor que o caráter de intencionalidade do ensino se refere não apenas ao fato de que ele está voltado para objetivos, para a formação do ser humano, do cidadão, do profissional, mas, também, à formação da personalidade dos alunos, à promoção do desenvolvimento mental, afetivo, ético, estético.

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Sendo assim, a didática não se sustenta teoricamente se não tiver como referência de sua investigação os conteúdos, a metodologia investigativa e as formas de aprendizagem das disciplinas específicas. Do mesmo modo, não há como ensinar disciplinas específicas sem o aporte da didática, que traz para o ensino as contribuições da teoria da educação, da teoria do conhecimento, da psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, dos métodos e procedimentos de ensino, além de outros campos como a antropologia, a filosofia, etc. A didática generaliza as leis da aprendizagem transformando-as em princípios didáticos comuns para o ensino das disciplinas específicas.

A didática tem nas metodologias específicas uma de suas fontes mais importantes de pesquisa, ao lado da teoria da educação, da teoria do conhecimento, da psicologia, da sociologia e outras ciências auxiliares da educação. Juntando esses elementos, ela generaliza as manifestações e leis de aprendizagem para o ensino das diferentes disciplinas. Ao efetuar essa tarefa de generalização, a didática se converte em uma das bases essenciais das didáticas específicas. Então, sendo assim, não podemos a rigor falar de uma didática “geral”, nem de métodos gerais de ensino aplicáveis a todas as disciplinas. A didática somente faz sentido se estiver conectada à lógica científica da disciplina que é ensinada. Ela oferece às disciplinas específicas o que é comum e essencial ao ensino, mas respeitando suas peculiaridades epistemológicas e metodológicas.

Em síntese, a didática estuda o processo de ensino que consiste nos modos e condições de assegurar aos alunos a interiorização, pelo processo de comunicação, dos conhecimentos sistematizados e o desenvolvimento de suas capacidades mentais. Estes modos e condições são os planos e programas das matérias, os métodos e meios de ensino, as formas organizativas do ensino, o papel educativo do processo docente, assim como as condições que propiciam o trabalho ativo e criador dos alunos, e seu desenvolvimento intelectual. Além disso, há que se considerar a íntima relação entre o processo de ensino e o processo de investigação contido nas ciências ensinadas. Quando estão aprendendo, as crianças executam ações mentais semelhantes aquelas implicadas no processo de pesquisa.

2. A contribuição da teoria histórico-cultural para uma teoria do ensino

As considerações feitas até aqui correspondem, de modo geral, aos princípios didáticos postos em prática por formadores de professores. A investigação no campo da didática tem oferecido vários aportes teóricos para atender necessidades formativas atuais, especialmente na formação de professores (por ex., Pimenta e Ghedin, 2002). A teoria histórico-cultural da aprendizagem desenvolvida por Vigotsky e Leontiev e seus seguidores, em especial os recentes estudos sobre o ensino desenvolvimental de Davydov, constitui-se em uma referência básica para a renovação dos conteúdos da didática e, em conseqüência, para orientar propostas de formação inicial e continuada de professores.

As posições teóricas dessa abordagem, na tradição da filosofia marxista, centram-se na afirmação do condicionamento histórico-social do desenvolvimento do psiquismo humano, pelo processo de apropriação da cultura mediante a comunicação com outras pessoas. Tais processos de comunicação e as funções psíquicas superiores envolvidas nesses processos se efetivam primeiramente na atividade externa (interpessoal) que, em seguida, é internalizada pela atividade individual, regulada pela consciência. A educação e o ensino se constituem, assim, formas universais e necessárias do desenvolvimento mental.

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Vigotsky, entre 1924 e 1934, prestou uma contribuição inestimável à teoria educacional ao esclarecer o papel da atividade sócio-histórica e coletiva dos indivíduos na formação das funções mentais superiores, extraindo daí o caráter de mediação cultural do conhecimento e, ao mesmo tempo, o papel da atividade individual pela qual o indivíduo se apropria da experiência sócio-cultural como ser ativo. Dessa tese, decorreu a concepção segundo a qual o ensino consiste no processo de apropriação das capacidades humanas formadas historicamente e objetivadas na cultura material e espiritual, sendo este processo condição do desenvolvimento mental. Entre as contribuições mais diretamente pedagógicas de Vigotsky destacam-se o conceito de zona de desenvolvimento proximal, a relação entre conceitos espontâneos e conceitos científicos, a importância das relações intersubjetivas nas atividades de ensino e aprendizagem. (Vygotsky, 1984)

No período de 1930-40, Leontiev dedicou-se a pesquisar os vínculos entre os processos internos da mente e a atividade humana concreta, desenvolvendo mais o conceito de internalização, investigando o papel da cultura no desenvolvimento das capacidades humanas e formulando a teoria psicológica da atividade. (Leontiev, 1983, 1992). Na seqüência desses estudos, outros pesquisadores dedicaram-se à aplicação pedagógica da teoria histórico-cultural e da teoria da atividade aos problemas do ensino. Entre eles, Galperin estudou a Psicologia Infantil e formulou a teoria da formação das ações mentais; Bozhovich, a Psicologia da Personalidade; Elkonin destacou-se pelas suas pesquisas sobre a periodização do desenvolvimento humano e a aprendizagem escolar. Para esse autor, a aprendizagem é uma forma essencial de desenvolvimento psíquico e o caminho lógico para analisar capacidades humanas. A aprendizagem conduz ao desenvolvimento através da atividade, tendo-se em conta o papel dos fatores externos do desenvolvimento, com destaque especial à incorporação da cultura vista em sua formação histórica, não como cultura dada, tema que reaparecerá na obra de Davídov.

Davídov, apropriando-se das contribuições de seus antecessores, introduziu a teoria do ensino desenvolvimental. Tal como Vigotsky, defendeu a tese de que a educação e o ensino são formas universais e necessárias do desenvolvimento mental, em cujo processo estão interligados os fatores socioculturais e a atividade interna dos indivíduos. Tendo como referência os estudos de Leontiev e seguidores sobre a atividade psicológica, desenvolveu estudos sobre a atividade de aprendizagem, dando mais concretude ao ensino desenvolvimental, isto é, o ensino que promove o desenvolvimento mental por meio de uma relação entre a aprendizagem escolar e o desenvolvimento da personalidade. A questão de Davídov foi sempre a de como ensinar um assunto que, ao mesmo tempo, seja desenvolvimental, ou seja, que contribua para o desenvolvimento da personalidade4.

3. O ensino desenvolvimental e a didática

A tese mais geral de Davídov é de que a educação e o ensino propiciam a apropriação da atividade humana anterior e, dessa forma, determinam os processos do desenvolvimento mental dos alunos, ou seja, a formação de capacidades ou qualidades mentais. A atividade humana anterior não é outra senão a cultura, que permite ao ser humano a interiorização dos modos historicamente determinados e culturalmente

4 As idéias de Davídov se difundiram em anos recentes a Europa, especialmente a Alemanha (Lompscher, J., 1999), Finlândia (Engestrom, Y., 2002), e Dinamarca (Hedegaard, M., 2002, Chaiklin, S., 2001). No Brasil, Moura, M. O., 2002; Sforni, M., 2004; Saviani, N., 1994.

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organizados de operar com informações e saberes. Esta afirmação é reiterada em toda a sua obra, como mostram as citações a seguir.

O saber contemporâneo pressupõe que o homem domine o processo de origem e desenvolvimento das coisas mediante o pensamento teórico. (ib. p.7).A apropriação das formas da cultura pelo indivíduo é, a nosso juízo, o caminho já elaborado de desenvolvimento de sua consciência. Aceita esta proposição, a tarefa fundamental da ciência será a de determinar como o conteúdo do desenvolvimento espiritual da humanidade se transforma em suas formas de desenvolvimento espiritual e como a apropriação dessas formas pelo indivíduo se transforma no conteúdo do desenvolvimento de sua consciência. (apud Libâneo, 2004, p. 8).O sujeito individual, por meio da apropriação, reproduz em si mesmo as formas histórico-sociais da atividade. (...) Apropriar-se dos conteúdos culturais é apropriar-se das formas de desenvolvimento do pensamento. (ib. p.12)O ensino de todas as matérias na escola deve ser estruturado de modo que seja reproduzido, de forma condensada e abreviada, o processo histórico real da gênese e desenvolvimento do conhecimento. (ib. p.15)

Em continuidade às pesquisas de seus predecessores, afirma que a assimilação das formas de consciência social mais desenvolvidas – a ciência, a arte, a moralidade, a lei – é propiciada pela aprendizagem, que é a atividade principal das crianças em idade escolar. Tais formas de consciência social ou cultura constituem o conteúdo do ensino desenvolvimental, ou seja, o conteúdo da aprendizagem é o conhecimento teórico-científico. Sobre isso escreve Davídov5:

‘Para nós, escreveu Elkonin, tem importância fundamental a idéia de Vygotskii de que o ensino realiza seu papel principal no desenvolvimento mental, antes de tudo, por meio do conteúdo do conhecimento a ser assimilado’. Concretizando esta proposição, deve-se observar que a natureza desenvolvimental da atividade de aprendizagem no período escolar está vinculada ao fato de que o conteúdo da atividade acadêmica é o conhecimento teórico. (Davídov, 1988b, p.19)

Vygotsky mostrou a relevância da escolarização para apropriação dos conceitos científicos e para o desenvolvimento das capacidades de pensamento, a partir da assimilação da produção cultural da humanidade, já que “as funções mentais específicas não são inatas, mas postas como modelos sociais” (Davídov, 1988c, p. 52). Davídov, por sua vez, destaca a peculiaridade da atividade da aprendizagem, entre outros tipos de atividade, cujo objetivo é o domínio do conhecimento teórico, ou seja, o domínio de símbolos e instrumentos culturais disponíveis na sociedade, obtido pela aprendizagem de conhecimentos das diversas áreas do conhecimento. Ressalte-se que “conhecimento teórico” não se refere a meras noções gerais ou a conhecimentos formais, mas ao conjunto de procedimentos lógicos e investigativos correspondentes ao conteúdo de uma ciência. Escreve Davídov:

O saber contemporâneo pressupõe que o homem domine o processo de origem e desenvolvimento das coisas mediante o pensamento teórico, que estuda e descreve a lógica dialética. O pensamento teórico tem seus tipos específicos de generalização e abstração, seus procedimentos de formação dos conceitos e operações com eles. Justamente, a formação de tais conceitos abre aos escolares o caminho para dominar os fundamentos da cultura teórica atual. (...)

5 As duas principais obras de referência de Davídov foram: Tipos de generalización en la enseñanza, publicada em Cuba, e Problems of Developmental Teaching, publicada em três números da Revista Soviet Education (Davydov, 1988 a, 1988b, 1988c). As citações inseridas neste texto foram traduzidas do inglês e cotejadas com a versão em espanhol, também publicada em Cuba, cujo título é La ensenãnza escolar y el desarollo psiquico (1988).

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A escola, a nosso juízo, deve ensinar às crianças a pensar teoricamente. (Davídov, in Golder, 2002, p. 49)

A elaboração de Davídov sobre as características do pensamento teórico teve origem em suas pesquisas sobre a organização do ensino assentada na concepção tradicional de aprendizagem que, segundo ele, somente possibilita chegar ao pensamento empírico, descritivo e classificatório. Esse tipo de conhecimento adquirido por métodos transmissivos e de memorização não se converte em ferramenta cognitiva para lidar com a diversidade de fenômenos e situações que ocorrem na vida prática. Em oposição a esse tipo de ensino e visando um ensino mais vivo e eficaz para a formação na personalidade, propõe sua teoria sobre o desenvolvimento do pensamento teórico.

É a atividade de aprendizagem que possibilita aos alunos aprender a pensar teoricamente um objeto de estudo, de modo a formar um conceito teórico apropriado desse objeto para utilizá-lo em situações concretas. O pensamento teórico se forma pelo domínio dos procedimentos lógicos do pensamento que, pelo seu caráter generalizador, permite sua aplicação em vários âmbitos da aprendizagem6. O ensino mais compatível com esse tipo de aprendizagem é aquele que articula dois processos numa mesma ação: a apropriação dos conteúdos e o domínio de capacidades intelectuais. Ou seja, no processo de apropriação do conteúdo desenvolve capacidades intelectuais (ações mentais) inerentes a esse conteúdo; o domínio de capacidades intelectuais favorece a apropriação do conteúdo. É o que escreve Davídov:

Os conhecimentos de um indivíduo e suas ações mentais (abstração, generalização e etc.) formam uma unidade. Segundo Rubinstein, ‘os conhecimentos (...) não surgem dissociados da atividade cognitiva do sujeito e não existem sem referência a ele’. Portanto, é legítimo considerar o conhecimento, de um lado, como o resultado das ações mentais que implicitamente abrangem o conhecimento e, de outro, como um processo pelo qual podemos obter esse resultado no qual se expressa o funcionamento das ações mentais. Conseqüentemente, é totalmente aceitável usar o termo “conhecimento” para designar tanto o resultado do pensamento (o reflexo da realidade), quanto o processo pelo qual se obtém esse resultado (ou seja, as ações mentais). ‘Todo conceito científico é, simultaneamente, uma construção do pensamento e um reflexo do ser’. Deste ponto de vista, um conceito é, ao mesmo tempo, um reflexo do ser e um procedimento da operação mental. (1988b, p.21)

Esta afirmação destaca uma proposição diferenciada em torno do processo de ensino que leva a superar a dicotomização entre o ensino dos conteúdos e o desenvolvimento dos processos mentais tão presente na didática tradicional. Aqui se delineia a lógica segundo a qual a formação de conceitos supõe processos mentais associados a esses conceitos, ao mesmo tempo em que os processos mentais são ferramentas para a formação de conceitos.

Para Davídov, a formação do pensamento teórico se realiza pelo método da ascensão do pensamento abstrato para o concreto. Nesse método, não se trata de pensar apenas abstratamente com um conjunto de proposições fixas, mas de

6 Segundo Davídov, “um critério de um conceito autenticamente científico ou teórico é aquele cujo conteúdo, mediante certas ações intelectivas, particularmente a reflexão, fixa certas relações genéticas de pertencimento, ou a ‘célula’ de um determinado sistema de objetos em desenvolvimento. Sob a base dessa célula, pode-se deduzir mentalmente para este conceito, o total processo do desenvolvimento do sistema dado. Em outras palavras, o pensamento e os conceitos empíricos consideram os objetos como constantes e acabados, enquanto que o pensamento e os conceitos teóricos analisam os processos de seu desenvolvimento”. (Davydov, 1995, p. 37)

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procedimento lógico do pensamento pelo qual se buscam as relações básicas, essenciais, que caracterizam o objeto de estudo (o conceito nuclear) e se descobre como essas relações gerais aparecem em muitos problemas específicos, ou seja, em relações particulares. Ele escreve:

Ao iniciar o domínio de qualquer matéria curricular os alunos, com a ajuda dos professores, analisam o conteúdo do material curricular e identificam nele a relação geral principal e, ao mesmo tempo, descobrem que esta relação se manifesta em muitas outras relações particulares encontradas nesse determinado material. Ao registrar, por meio de alguma forma referencial, a relação geral principal identificada, os alunos constroem, com isso, uma abstração substantiva do assunto estudado. Continuando a análise do material curricular, eles detectam a vinculação regular dessa relação principal com suas diversas manifestações obtendo, assim, uma generalização substantiva do assunto estudado.Dessa forma, as crianças utilizam consistentemente a abstração e a generalização substantivas para deduzir (uma vez mais com o auxílio do professor) outras abstrações mais particulares e para uni-las no objeto integral (concreto) estudado. Quando começam a fazer uso da abstração e da generalização iniciais como meio para deduzir e unir outras abstrações, elas convertem a formação mental inicial num conceito que registra o “núcleo” do assunto estudado. Este “núcleo” serve, posteriormente, às crianças, como um princípio geral pelo qual elas podem orientar-se em toda a diversidade de material curricular factual que têm que assimilar, em uma forma conceitual, por meio da ascensão do abstrato ao concreto. (Ib., p. 22)

O que se verifica nesse processo de formação do pensamento teórico é uma clara alusão ao movimento que vai do geral para o particular, encetado pelo pensamento, conforme a lógica dialética, e uma similaridade com o método genético. Com efeito, para Davídov (1988b, p.24), os componentes de uma tarefa de aprendizagem apresentada pelo professor são: a) a análise do material factual para descobrir nele alguma relação geral que tenha uma conexão regular com as diversas manifestações desse material; b) a dedução, em que as crianças deduzem determinadas relações no conteúdo estudado, formando um sistema unificado dessas relações, isto é, o “núcleo” conceitual; c) o domínio do modo geral pelo qual o objeto de estudo é construído, mediante o processo de análise e síntese. Junto com isso, o método genético refere-se às condições de origem dos conceitos científicos, isto é, aos modos de atividade anteriores aplicados à investigação dos conceitos a serem adquiridos. Para isso, segundo Davídov, é necessário que “os alunos reproduzam o processo atual pelo qual as pessoas criaram conceitos, imagens, valores, normas”. (Ib. p.21-22)

É clara a vinculação desta idéia – apropriação dos modos de pensar a que as disciplinas científicas recorrem – com duas tendências fortes na pedagogia contemporânea: o método de resolução de problemas e o método do ensino com pesquisa. As ações mentais, segundo Davídov, implicam a resolução de tarefas cognitivas, “que devem ser baseadas em problemas”. Eis como Davídov se posiciona quanto a isso:

(...) podemos entender que a implicação geral e o papel geral da tarefa de aprendizagem no processo de assimilação serão os mesmos (a princípio) que os da educação baseada em problemas. (...) Observamos que, assim como a aprendizagem, a educação baseada na resolução de problemas está internamente associada ao nível teórico da assimilação do conhecimento e pensamento teórico. (Ib., 29)

A idéia do ensino com pesquisa é a de que o professor faça pesquisa enquanto ensina, presente na noção de ensino como “experimentação formativa”, em que o

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professor intervém ativamente por meio de tarefas nos processos mentais das crianças e produz novas formações por meio dessa intervenção.

Em resumo, o ensino mais compatível com o mundo da ciência, da tecnologia, dos meios de comunicação, e ao mesmo tempo comprometido com as mediações culturais, é aquele que promove o desenvolvimento mental, por meio dos conteúdos e do desenvolvimento das capacidades e habilidades do pensar com autonomia, que ajuda o aluno a desenvolver suas capacidades próprias de raciocínio. A escola está compromissada com o conhecimento teórico ou científico. A melhor metodologia de ensino, em qualquer disciplina, é a que ajuda os estudantes, todos os dias e em todas as aulas, a pensar teoricamente, ou seja, cientificamente, com os conteúdos e métodos da ciência ensinada.

4. A concepção dialética do ensino e decorrências para a didática e as didáticas específicas

Expusemos até aqui a visão de ensino da teoria histórico-cultural e da teoria do ensino desenvolvimental. A seguir, serão apresentadas as implicações para a didática e didáticas específicas.

O essencial da didática, cinco dimensões do didático.

A rigor, a razão de ser do ensino é assegurar os meios e as condições para que ocorra o encontro formativo - afetivo, cognitivo, ético, estético, político, científico - entre o aluno e o objeto de conhecimento, ou seja, a confrontação ativa do aluno com a matéria. Este é o significado de mediação no ensino, em que o trabalho do professor consiste em fazer a mediação entre os aspectos externos e os aspectos internos da educação cuja essência, na expressão de Danílov, consiste em que “a experiência social em toda sua multilateralidade e complexidade se transforma em conhecimentos, habilidades e hábitos do educando em idéias e qualidades do homem em formação, em seu desenvolvimento intelectual, ideológico e cultura geral” (Danílov, 1984, p.26). Nisto consiste o trabalho teórico e prático da didática.

A mediação envolve cinco elementos: o conhecimento, já que o ensino trabalha com o conhecimento; o desenvolvimento e a aprendizagem do aluno; os conhecimentos específicos das disciplinas; o ensino, propriamente dito; as condições de ensino e aprendizagem.

É desnecessário, para os objetivos deste texto, explicitar cada um desses elementos, o importante é compreendê-los como inter-relacionados, tendo como referência o entendimento de que a mediação consiste em assegurar o encontro formativo do aluno com o objeto de estudo. Essa idéia de que o ensino é, em sua essência, o processo de conhecimento pelo aluno, põe em evidência a relação entre o conhecimento cientifico e a didática.

Com efeito, o modo de pensar e atuar didáticos depende de quatro tipos de métodos. Se o ensino tem um vínculo direto com os conteúdos e com as formas do aprender, então, ensinar uma matéria depende não apenas de métodos didáticos, mas de outros tipos de métodos, como o método científico, os métodos da cognição e os métodos particulares das ciências. A apreensão científica de um objeto de conhecimento implica um método científico, isto é, um método geral do processo de conhecimento (positivista, fenomenológico, dialético, estruturalista...). Implica, também, métodos da cognição que correspondem aos processos internos da aprendizagem e às formas de aprendizagem do aluno, tais como a observação, a análise, a síntese, a abstração e,

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ainda, os métodos particulares das ciências que servem de base à investigação e constituição do campo científico. Somente a partir da consideração destes três tipos de métodos se pode falar em métodos de ensino.

No entanto, os métodos de ensino, ao incorporarem outros métodos, não se confundem com eles. Os métodos de ensino como que sintetizam, nas situações didáticas concretas, os outros métodos, isto é, os métodos do processo de investigação científica, os métodos da cognição os métodos particulares das ciências. Ao fazer isso, adquirem especificidade própria. Com efeito, a função dos métodos de ensino é a de ser um caminho utilizado pelo professor e pelos alunos para atingir objetivos de ensino, para transmissão e interiorização de conteúdos referentes a esses objetivos.

Estes quatro tipos de métodos indicam o modo de pensar e atuar didaticamente com o objetivo de coordenar a atividade de aprendizagem, visando formar no aluno o pensamento teórico-científico.

A formação do pensamento teórico-científico e o modo de pensar e agir didáticos

Os modos de pensar e agir didaticamente dependem, como vimos, de uma concepção de conhecimento, de uma teoria da aprendizagem e do desenvolvimento humano e dos métodos particulares da ciência ensinada.

Conforme a proposição de Davídov, a atividade de aprendizagem está assentada no conhecimento teórico-científico, ou seja, no desenvolvimento do pensamento teórico e nas ações mentais que lhe correspondem. Aprender é, ao mesmo tempo, assimilar o conhecimento teórico e as capacidades e habilidades relacionadas com esse conhecimento. Trata-se de um mesmo movimento no qual se juntam o conteúdo e as ações mentais (as capacidades do pensar).

Sendo assim, o papel da escola é ajudar os alunos a desenvolver suas capacidades mentais, ao mesmo tempo em que se apropriam dos conteúdos. Nesse sentido, a metodologia de ensino, mais do que o conjunto dos procedimentos e técnicas de ensino, consiste em instrumentos de mediação para ajudar o aluno a pensar com os instrumentos conceituais e os processos de investigação da ciência que se ensina. Por exemplo, a boa pedagogia da física é aquela que consegue traduzir didaticamente o modo próprio de pensar e investigar da física.

Trata-se, assim, de fazer a junção entre o conteúdo e o desenvolvimento das capacidades de pensar. A idéia central contida nessa teoria é simples: ensinar é colocar o aluno numa atividade de aprendizagem. A atividade de aprendizagem é a própria aprendizagem, ou seja, com base nos conteúdos, aprender habilidades, desenvolver capacidades e competências para que os alunos aprendam por si mesmos. É essa idéia que Davídov defende: a atividade de aprender consiste em encontrar soluções gerais para problemas específicos, é apreender os conceitos mais gerais que dão suporte a um conteúdo, para aplicá-los a situações concretas. Esse modo de ver o ensino significa dizer que o ensino mais compatível com o mundo da ciência, da tecnologia, dos meios de comunicação, é aquele que contribui para que o aluno aprenda a lidar com seu próprio raciocínio, que forme conceitos e categorias de pensamento decorrentes da ciência que está aprendendo, para lidar praticamente com a realidade. Os conceitos, nessa maneira de ver, seriam ferramentas mentais para lidar praticamente com problemas, dilemas e situações reais de vida que envolvem as diversas ordens de conhecimentos, etc.

Explicitando essa idéia numa formulação mais completa, podemos dizer: o modo de lidar pedagogicamente com algo, depende do modo de lidar epistemologicamente

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com algo, considerando as condições do aluno e o contexto sociocultural em que ele vive (vale dizer, as condições da realidade econômica, social, etc.). Trata-se, portanto, de unir no ensino a lógica do processo de investigação com os produtos da investigação. Ou seja, o acesso aos conteúdos, a aquisição de conceitos científicos, precisa percorrer o processo de investigação, os modos de pensar e investigar da ciência ensinada. Não basta aprender o que aconteceu na história, é preciso pensar historicamente. Pensar matematicamente sobre matemática, biologicamente sobre biologia, lingüisticamente sobre português, e assim por diante.

Essa forma de entender a atividade de ensino das disciplinas específicas requer do professor não apenas o domínio do conteúdo mas, também, dos procedimentos investigativos da matéria que está ensinando e das formas de pensamento, habilidades de pensamento que propiciem uma reflexão sobre a metodologia investigativa do conteúdo que está sendo aprendido. Ensinar, portanto, é adquirir meios do pensar, através dos conteúdos. Em outras palavras, é desenvolver nos alunos o pensamento teórico, que é o processo através do qual se revela a essência e o desenvolvimento dos objetos de conhecimento e com isso a aquisição de métodos e estratégias cognoscitivas gerais de cada ciência, em função de analisar e intervir nas situações concretas da vida prática.

Nesses termos, o papel da didática é: a) ajudar os alunos a pensar teoricamente (a partir da formação de conceitos); b) ajudar o aluno a dominar o modo de pensar, atuar e investigar a ciência ensinada; c) levar em conta a atividade psicológica do aluno (motivos); d) considerar o contexto histórico-cultural da aprendizagem.

Mais especificamente, a didática consiste de:

a) Análise do conteúdo7 da matéria (estrutura conceitual básica) para identificar a relação geral que se aplica a manifestações particulares desse conteúdo.

b) Dedução de determinadas relações que se manifestam em outras relações particulares, formando um sistema unificado dessas relações, ou seja, o núcleo conceitual. Ou seja, parte-se do conceito “nuclear” do assunto estudado (isto é, do princípio geral) para aplicação a problemas particulares, que é o que se diz de “operar praticamente com os conceitos”.

c) Domínio do modo geral pelo qual o objeto é construído, implicando os modos de atividade anteriores aplicados à investigação dos conceitos a serem interiorizados. Significa o domínio dos procedimentos lógicos do pensamento que têm caráter generalizante, ou seja, adquirir os métodos e estratégias cognitivas dos modos de atividades anteriores (o percurso investigativo de apreensão teórica do objeto).

d) Análise da atividade psicológica (motivos e objetivos do aluno).

e) Análise do contexto histórico-cultural.7 A expressão “análise do conteúdo” deve ser entendida no contexto do pensamento de Davídov, ou seja, a busca no assunto estudado de uma relação inicial geral que caracteriza uma área de problema e descobrir como esta relação aparece em muitos problemas específicos. A análise do conteúdo aproxima-se da idéia de buscar, no estudo de um tema, o núcleo conceitual básico, a estrutura de conceitos daquele tema. O termo em inglês, usado às vezes por Davídov e depois firmado por Chaiklin (1999), é “subject matter analysis” que, em português pode ser traduzido por “análise do assunto” ou “análise da matéria em questão”. Preferimos aqui utilizar a tradução “análise de conteúdo”, devido à compreensão mais corrente, entre professores, do termo “conteúdo” para designar o assunto tratado em aula, uma matéria específica que é objeto da aula.

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Assim, aprender teoricamente consiste em captar o princípio geral, as relações internas de um conteúdo, o desenvolvimento do conteúdo. É aprender a fazer abstrações para formar uma célula dos conceitos-chave, para fazer generalizações conceituais e aplicá-las a problemas específicos. Para isso: captar o caminho já percorrido pelo pensamento científico como forma de interiorização de conceitos e aquisição de métodos e estratégias cognitivas. O papel do professor será o de ajudar o aluno a interiorizar os modos de pensar, de raciocinar, de investigar e de atuar da ciência ensinada. Em outras palavras, ajudar o aluno a utilizar os conceitos como ferramentas para atuar na realidade, com os outros, consigo mesmo.

Consideremos um exemplo concreto. Aprender Educação Física consiste em pensar e atuar com o movimento corporal, ou seja, interiorizar o modo de pensar e agir motrizmente, corporalmente.

Por sua vez, ensinar Educação Física consiste em ajudar o aluno a captar o percurso da investigação sobre o movimento corporal e descobrir o caminho metodológico pelo qual os alunos interiorizam esse percurso, para que aprendam a raciocinar e a agir autonomamente em relação às suas práticas corporais.

No entanto, como sabemos, a atividade de aprendizagem supõe a atividade do sujeito, pois a educação formal está dirigida para o desenvolvimento da personalidade dos alunos. A análise e organização do conteúdo precisam adequar-se à atividade de aprendizagem dos alunos, ou seja, aos seus motivos. Ensinar algo supõe conhecer a estrutura da atividade psicológica do sujeito. Com efeito, falamos de um ensino que promove o desenvolvimento mental e, sendo assim, não se pode levar à frente um conteúdo sem considerar os motivos do aluno, as características do seu processo de desenvolvimento.

O ensino e a aprendizagem do conhecimento teórico supõem, também, o contexto sociocultural em que ocorrem as aprendizagens. As práticas socioculturais e institucionais atuam poderosamente na motivação e na aprendizagem dos alunos. Com efeito, as pessoas que atuam (os alunos) e o mundo social da atividade de aprendizagem (o contexto) não se separam.

Implicações do ensino desenvolvimento nos procedimentos didáticos

A aplicação da teoria do ensino desenvolvimental à didática pode ser sintetizada em duas orientações procedimentais: a análise da matéria e análise dos motivos dos alunos. Como vimos, a análise da matéria está relacionada com a busca das bases conceituais da matéria ensinada, e estas bases conceituais, por sua vez, estão relacionadas com a gênese social do desenvolvimento dessa matéria, isto é, com a atividade científica anterior nessa matéria. A análise dos motivos corresponde à necessidade de considerar os motivos que impulsionam a atividade dos alunos para os objetivos, uma vez que o ensino que promove o desenvolvimento (desenvolvimental) visa, em última instância, a formação da personalidade. Escreve Chaiklin, interpretando Davídov, escreve:

Para compreender o ensino como desenvolvimental, a chave é ter uma análise suficientemente boa do conteúdo, de modo a se criar uma estrutura de tarefas de aprendizagem em cujas variações possam encontrar expressão os motivos e a motivação do aluno. O compromisso simultâneo do conteúdo com os motivos do aluno é uma hipótese que pode ser considerada como o coração do ensino desenvolvimental. (1999, p. 188)

Temos, então, que o aluno precisa dominar o núcleo conceitual da matéria, captar as relações envolvidas na aprendizagem de um conteúdo e, ao mesmo, tempo,

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captando sua história, seu desenvolvimento histórico, no sentido de internalizar mentalmente o percurso investigativo de constituição da matéria de ensino.

Aprender o conteúdo é, então, interiorizar os modos de pensar, de raciocinar e de investigar próprios da ciência ensinada. Ensinar o conteúdo é ajudar o aluno, fornecer-lhe as mediações necessárias para que ele faça essa interiorização. Trata-se de instrumentalizá-lo para que se transforme num sujeito pensante por meios cognitivos de formação de conceitos, habilidades do pensar, raciocínio, etc. Chaiklin põe com clareza esta exigência didática:

O propósito da atividade de aprendizagem é ajudar os alunos a dominar as relações, abstrações e generalizações, e sínteses que caracterizam um aspecto do conteúdo. Este domínio é refletido na sua habilidade para fazer reflexão substantiva, análise e planejamento. A estratégia educacional básica para dar aos alunos a possibilidade para reproduzir pensamento teórico é criar tarefas instrucionais cujas soluções requeiram a formação de abstrações substantivas e generalizações sobre as idéias centrais do conteúdo. Esta aproximação é fundamentada na idéia de Vygotsky de internalização, ou seja, aprende-se o conteúdo do conteúdo aprendendo os procedimentos pelos quais se trabalha na matéria de estudo. (Ib. p. 191)

Em outras palavras, ensinar é ajudar o aluno a captar o caminho do pensamento científico e dos processos de investigação da ciência ensinada. Quando estão aprendendo, os alunos percorrem o mesmo caminho do cientista. O aluno aprende os conteúdos aprendendo os procedimentos com os quais se trabalha na matéria.

A organização das atividades de ensino deve estar em conformidade com os componentes de uma tarefa de aprendizagem, conforme vimos anteriormente, ou seja, a análise do material factual, a dedução do geral ao particular, o domínio dos procedimentos lógicos do pensamento que têm caráter generalizante. Esses componentes associam-se ao outro lado da atividade de ensino, que são os motivos do estudante e o contexto sociocultural e institucional em que se dá a aprendizagem.

Tentando sistematizar as atividades de ensino num procedimento metodológico, temos três momentos não-lineares, o da reflexão, o da análise, e o do plano interior das ações.

a) Reflexão – Consiste em orientar os alunos no objetivo da atividade de modo que tomem consciência das razões da atividade de aprender, lançando alguns pontos de referência do estudo a ser feito, compreendendo e reconhecendo as condições necessárias para estudar esse conteúdo. Essa ação inicial consiste em tentar ligar os conteúdos com os motivos do aluno, o que precisa ser feito e as condições de fazê-lo.

b) Análise da matéria – Refere-se à organização dos conceitos centrais a partir de um princípio interno explicativo do objeto, de uma relação geral encontrada no assunto. Resulta numa estrutura conceitual básica que possibilita ao aluno desenvolver a capacidade de fazer generalizações conceituais e aplicá-las a casos particulares.

A formação dos conceitos implica, com base na solução de problemas, a aquisição dos métodos investigativos e estratégias cognitivas relacionadas com os modos de pensar, investigar e atuar da ciência ensinada.

c) Interiorização dos conceitos – O resultado desse processo é o desenvolvimento da capacidade de operar mentalmente com os conceitos, em que os conceitos se transformam em conteúdos e instrumentos do pensamento, ferramentas mentais, para enfrentamento prático com o objeto de estudo.

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Em todos esses momentos importa considerar a atividade psicológica (motivos e objetivos) do aluno e o contexto sociocultural e institucional. Por exemplo, na análise da matéria, é preciso situar o conteúdo na história da atividade científica brasileira.

Este modo de ver a atividade didática no ensino de uma disciplina impõe alguns requisitos ao trabalho do professor tais como:

a) Conhecer profundamente os conceitos centrais e leis gerais da disciplina, as relações entre esses conceitos, bem como dos seus procedimentos investigativos (e como estes foram surgindo historicamente na atividade científica).

b) Proceder a uma análise do conteúdo a ser ensinado começando por identificar as relações básicas que organizam determinado conteúdo, de modo a captar os conceitos centrais que tenham força generalizante.

c) Avançar das leis gerais para a realidade circundante em toda a sua complexidade.

d) Saber escolher exemplos concretos e atividades práticas que demonstrem os conceitos e leis gerais de modo mais transparente.

e) Iniciar o estudo do assunto pela investigação concreta (objetos, fenômenos, visitas, filmes), em que os alunos vão formulando relações entre conceitos, manifestações particulares das leis gerais, para chegar aos conceitos científicos.

f) Criação de novos problemas (situações de aprendizagem mais complexas, com maior grau de incerteza que propiciam em maior medida a iniciativa e a criatividade do estudante).

Conclusão

As discussões trazidas neste texto permitem concluir que, consideradas as relações necessárias entre pedagogia e epistemologia, não há separação possível entre os campos da didática e das didáticas específicas. Não se está dizendo que sejam a mesma coisa, uma subsumida na outra, pois ambas têm conteúdos próprios. No entanto, elas são interdependentes, pelas razões aqui apontadas: o objeto de estudo de ambas é o ensino, visam a prover boas condições de aprendizagem para os alunos, dirigem-se para o aprender a pensar, buscam objetivos de formação da personalidade.

A organização pedagógico-didática dos conteúdos pressupõe a análise epistemológica, tanto no que se refere aos métodos do conhecimento quanto à análise do objeto da ciência ensinada e dos seus procedimentos investigativos. Isso nos leva a afirmar que não faz sentido uma didática separada da teoria do conhecimento, da psicologia do desenvolvimento e aprendizagem e, especialmente, das peculiaridades epistemológicas das disciplinas e dos seus métodos de investigação. Portanto, os professores formadores do campo da didática, provenientes da pedagogia, pouco ajudarão seus alunos se continuarem reduzindo a didática a uma coleção de normas, prescrições, técnicas.

Por sua vez, os professores das didáticas específicas precisam compreender que ensinar não é meramente transmitir a matéria. Há requerimentos imprescindíveis para conduzir eficazmente o ensino, tais como conhecer as implicações filosóficas e epistemológicas do processo geral do conhecimento, saber sobre os processos internos da aprendizagem e do desenvolvimento humano, dominar os processos investigativos da

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ciência ensinada, além dos saberes pedagógico-didáticos específicos relacionados com o planejamento do ensino, com os critérios de seleção e organização de conteúdos e métodos, com a dimensão ética do ensino, etc. O ensino de qualquer disciplina é um assunto pedagógico-didático, quer dizer, professores das didáticas específicas necessitam da teoria da educação, da teoria do conhecimento, da psicologia, da sociologia, etc., campos esses que não podem faltar num bom programa de didática já que, a rigor, ela é uma disciplina que reúne todos esses campos em função de dar suporte à atividade de ensino.

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