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DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO NO PARFOR/UFPA DE ABAETETUBA/PA: SABERES E FAZERES DA FORMAÇÃO DOCENTE O Painel apresenta o resultado de uma ação desenvolvida pelos sujeitos envolvidos no Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica PARFOR, no Campus Universitário de Abaetetuba/PA. O trabalho comporta discussões sobre elementos políticos e didáticos da formação docente protagonizada pelo PARFOR, constituídos a partir das memórias dos saberes e fazeres docentes expressos nos trabalhos de conclusão de curso memoriais acadêmicos. A construção busca evidenciar a relevância do PARFOR no papel do ressignificar a prática pedagógica dos docentes em formação, tendo como foco a contribuição dos professores formadores nas orientações do Trabalho de Conclusão de Curso por meio do procedimento metodológico de histórias de vida - memorial e de evidenciar a percepção desses sujeitos sobre a política de formação docente pela qual foram formados. A metodologia dos trabalhos que formam o Painel se fundamenta na abordagem qualitativa, com pesquisa bibliográfica a partir do referencial Freire (2011) e Tardif (2002). Integram-se as análises de fragmentos de relatos que formam as evidências sobre formação escolar, amarras da vida, formas de agir e reagir em vista do ressignificar em prol da transformação pessoal, social, e principalmente educacional, bem como da percepção do programa de formação, traduzida por meio da ação/reflexão/ação em comparação com o processo de escolarização e de trajetória docente anterior e posterior a formação acadêmica. O trabalho está estruturado em três artigos, que abarcam elementos da política de formação do PARFOR de Abaetetuba/PA e análises dessa política a partir do ponto de vista da Didática e da prática pedagógica evidenciadas nos memoriais acadêmicos, ressaltando a importância deste valioso instrumento metodológico para a identificação das concepções dos sujeitos protagonistas da formação, assim como para o repensar sobre a prática e a política de formação em perspectiva de ressignificação. Palavras-chave: Memórias. Formação docente. PARFOR. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 6600 ISSN 2177-336X

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DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO NO PARFOR/UFPA DE

ABAETETUBA/PA: SABERES E FAZERES DA FORMAÇÃO DOCENTE

O Painel apresenta o resultado de uma ação desenvolvida pelos sujeitos envolvidos no

Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica –PARFOR, no

Campus Universitário de Abaetetuba/PA. O trabalho comporta discussões sobre

elementos políticos e didáticos da formação docente protagonizada pelo PARFOR,

constituídos a partir das memórias dos saberes e fazeres docentes expressos nos

trabalhos de conclusão de curso – memoriais acadêmicos. A construção busca

evidenciar a relevância do PARFOR no papel do ressignificar a prática pedagógica dos

docentes em formação, tendo como foco a contribuição dos professores formadores nas

orientações do Trabalho de Conclusão de Curso por meio do procedimento

metodológico de histórias de vida - memorial e de evidenciar a percepção desses

sujeitos sobre a política de formação docente pela qual foram formados. A metodologia

dos trabalhos que formam o Painel se fundamenta na abordagem qualitativa, com

pesquisa bibliográfica a partir do referencial Freire (2011) e Tardif (2002). Integram-se

as análises de fragmentos de relatos que formam as evidências sobre formação escolar,

amarras da vida, formas de agir e reagir em vista do ressignificar em prol da

transformação pessoal, social, e principalmente educacional, bem como da percepção do

programa de formação, traduzida por meio da ação/reflexão/ação em comparação com o

processo de escolarização e de trajetória docente anterior e posterior a formação

acadêmica. O trabalho está estruturado em três artigos, que abarcam elementos da

política de formação do PARFOR de Abaetetuba/PA e análises dessa política a partir do

ponto de vista da Didática e da prática pedagógica evidenciadas nos memoriais

acadêmicos, ressaltando a importância deste valioso instrumento metodológico para a

identificação das concepções dos sujeitos protagonistas da formação, assim como para o

repensar sobre a prática e a política de formação em perspectiva de ressignificação.

Palavras-chave: Memórias. Formação docente. PARFOR.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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SABERES E FAZERES DA FORMAÇÃO DE DOCENTES DO PARFOR NO

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO BAIXO TOCANTINS

Afonso Welliton de Sousa Nascimentoi

RESUMO

Este artigo apresenta o resultado de uma ação desenvolvida pelos sujeitos envolvidos no

Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) no

Campus Universitário do Baixo Tocantins. Ação essa que cresceu a partir do ouvir as

necessidades e dificuldades dos docentes ao ingressarem na Universidade pelo processo

seletivo diferenciado. Indagou-se: de que maneira se poderia potencializar as

experiências pedagógicas dos docentes em formação? Portanto o objetivo dessa

produção é evidenciar a relevância do PARFOR no papel de ressignificar a prática

pedagógica dos docentes em formação, tendo como foco a contribuição dos professores

formadores nas orientações do Trabalho de Conclusão de Curso por meio de Histórias

de vida- Memorial. Como metodologia assumimos um trabalho na abordagem

qualitativa, com pesquisa bibliográfica e procedimentos por meio de oficinas de

História de vida- memorial. Dessa forma, abarcamos como referencial Paulo Freire

(2011) e Tardif (2002). Pontuamos o item: O Processo formativo dos professores

formadores e docentes em formação no programa, devido a preocupação de qualificar

melhor os professores formadores que assumiram a orientação do Trabalho de

Conclusão do Curso na metodologia de Memorial. Diante do contexto local amazônico

dos docentes em formação, que em número significativo moram e trabalham no campo,

com seus inúmeros problemas de acesso aos estudos, de material didático e acervos

bibliográficos, de formação pedagógica específica, condições desfavorável de

locomoção do campo para a cidade e dificuldades econômicas, sociais e educacionais,

fez-se necessário que em rede, a formação fosse assumida por todos na obtenção do

resultado exitoso no ressignificar da prática pedagógica dos docentes em formação.

PALAVRAS-CHAVE: PARFOR; formação docente; prática pedagógica

INTRODUÇÃO

Um galo sozinho não tece a manhã: ele precisará sempre de outros galos. De

um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro: de outro galo que apanhe

o grito que um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos

outros galos se cruzam os fios de sol de seus gritos de galo para que a manhã,

desde uma tela tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. E se encorpando

em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, no toldo (a

manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo

que, tecido, se eleva por si: luz balão.

(Do poema Tecendo a Manhã, de João Cabral de Melo Neto).

Apresenta-se neste artigo uma iniciativa de formação inicial, o Plano Nacional

de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR que, na modalidade

presencial, constitui um Programa emergencial instituído para atender o disposto no

artigo 11, inciso III do Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, implantado em

XVIII ENDIPE

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regime de colaboração entre a União por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior - CAPES, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e

Instituições de Educação Superior - IES.

O PARFOR possui como objetivo estruturante de suas ações "induzir e fomentar

a oferta de educação superior, gratuita e de qualidade, para professores em exercício na

rede pública de Educação Básica, para que estes profissionais possam obter a formação

exigida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB e contribuam para

a melhoria da qualidade da educação básica no País". (CAPES, 2010).

O PARFOR, se faz numa proposta de tecedura em rede. Uma grandiosa teia com

inúmeros educadores pelo estado do Pará. Educadores estes que sonham uma nova

forma de educar o educador.

Neste sentido, se faz necessário, intensificar o diálogo com uma rede de

educadores, formadores dos alunos e alunas do programa. Aos poucos, se busca novas

metodologias a serem compartilhadas com eles no exercício da pesquisa e produção

acadêmica no interior do curso de Pedagogia. Mesmo diante das dificuldades de se

coordenar um programa com grandes dimensões geográficas de atendimento e com suas

contradições, principalmente na região amazônica, cria-se possibilidades de realizar os

cursos de forma articulada com a realidade dos educadores e dos educandos.

A partir do ano de 2009 o Campus Universitário do Baixo Tocantins passou a

integrar o PARFOR que hoje conta com aproximadamente 600 alunos, distribuídos nos

cursos de Letras (língua Portuguesa), Matemática e Pedagogia que funcionam nos

Municípios de Barcarena, Abaetetuba, Tomé-Açu, Bujaru, Tailândia, Concórdia do Pará

e Dom Elizeu.

Desse modo, o Campus Universitário do Baixo Tocantins vem atender por meio

do PARFOR, uma demanda de professores da Educação Básica, que necessitam da

primeira e segundas graduação para qualificação da prática docente nas escolas

públicas, principalmente na Educação do Campo. Necessário se faz a formação dos

professores formadores para potencializar o ressignificar da prática docente dos

graduandos do curso de Pedagogia Parfor.

No “cuidar” dessa formação, enquanto docentes do Campus de Abaetetuba,

propôs-se momentos com espaço de reflexão e vivência pedagógica, com o objetivo de

repensar a prática educativa dos educadores em processo de formação contínua,

oportunizando a sistematização de saberes da experiência, bem como a apropriação de

saberes científicos produzidos historicamente no campo educativo.

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Para os professores formadores do PARFOR, emergiu a indagação: de que

maneira se poderia potencializar as experiências pedagógicas dos docentes em

formação? Primeiro, porque já possuíam experiências em sala de aula nas escolas da

rede pública. Segundo, a necessidade de ser uma formação significativa para sua

docência dentro dos saberes e fazeres das educadoras do campo.

Buscou-se então, redirecionar as atividades de formação qualificando os

professores formadores, lhes dando oportunidade de se aproximarem do campo

educacional em que os docentes em formação estão inseridos profissionalmente, não se

distanciando de sua realidade. Neste cenário amazônico os docentes em formação, que

moram e trabalham no campo, com seus inúmeros problemas de acesso aos estudos, de

material didático e acervos bibliográficos, de formação pedagógica específica,

condições desfavoráveis de locomoção do campo para a cidade e dificuldades

econômicas, sociais e educacionais, foi preciso instalar um processo de reflexão sobre

as atividades desenvolvidas de forma ampla e democrática. Segundo Freire é na

formação do professor que devemos exercitar a reflexão crítica sobre a prática. Assim,

“É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima

prática” (FREIRE, 2011, p.43/44).

Apresenta-se, portanto, a relevância do PARFOR no Campus Universitário do

Baixo Tocantins de Abaetetuba, na formação dos professores formadores e dos docentes

da Educação Básica em Formação como se estabelece na concepção de Tardif (2002) do

saber da experiência, saber das disciplinas (científico) e o saber especializado em

educação (pedagógico).

1 Processo formativo dos professores formadores e docentes em formação no

PARFOR

O Campus Universitário de Abaetetuba, também, conhecido como Campus do

Baixo Tocantins, foi implantado em 1987, no município de Abaetetuba. Os primeiros

cursos ofertados foram Matemática, Letras, Pedagogia, História e Geografia, todos em

regime intervalar. As aulas eram ministradas nas escolas publicas da rede municipal de

ensino.

Em 1992, o Campus inicia suas primeiras turmas de cursos de licenciatura em

caráter regular, Letras e Matemática. E, em 2005, são ofertadas de forma flexibilizada

(do Campus do Guamá) turmas dos cursos de Ciências Contábeis e Física; além da

criação de turmas de Letras e Pedagogia - a partir do ano 2000 - que são regidas por

contrato e subsidiadas com recursos do Fundo de Desenvolvimento do Ensino

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Fundamental – FUNDEF, estabelecidas, em parceria com prefeituras para a capacitação

e formação de professores das redes municipais, oferecidas em Tomé-Açu, Concórdia

do Pará, Tailândia e Abaetetuba.

Hoje, o Campus oferece cursos regulares de Licenciatura em Letras/Língua

Portuguesa, Letras/Língua Espanhola, Educação do campo, Matemática e Pedagogia e

Bacharelado em Engenharia Industrial, além dos cursos de Física - Licenciatura.

Os cursos de licenciatura representam o escopo de formação de professores da

Educação Básica para a região paraense, logo podemos afirmar que possuem importante

papel no que se refere à educação regional. Essa formação tem sido marcada

historicamente pela dualidade entre teoria e pratica, porém nos últimos anos os Projetos

pedagógico dos cursos, propõem uma nova configuração para a formação docente no

interior desses cursos, incorpora-se a vivência pedagógica e o diálogo com a escola

pública como formas de construir os saberes necessário para o exercício docente.

Como primeira ação, visando potencializar a formação dos docentes em

formação, a Coordenação do Curso de Pedagogia, viabilizou a formação do Grupo de

Formadores do PARFOR/Pedagogia com objetivo de constituir um grupo

interdisciplinar articulado para orientação, sistematização e acompanhamento das

oficinas pedagógicas na metodologia de memorial/autobiografia a serem realizados com

os alunos do curso de Pedagogia em seus respectivos municípios.

Com atividades voltadas à perspectiva do memorial, no exercício da narrativa de

histórias de vida, o Grupo de Formadores visou oportunizar aos graduandos do curso de

Pedagogia, a vivência necessária à profissionalização docente no encontro de

experiências pedagógicas vivenciadas por professores nos seus diversos contextos, a

partir da articulação das atividades didático-pedagógicas desenvolvidas nas diversas

disciplinas, permeada com a realidade educacional das escolas públicas, nas quais esses

professores em formação atuam.

Neste processo de valorização de saberes e práticas docentes desencadeadas no

programa, considera-se necessário, a realização de formação pedagógica elaboradas no

atendimento dos professores formadores, pois este formador passa a ser catalisador e

promotor dessas experiências, ao mesmo tempo contribui para a formação do

licenciado, articulando teoria e prática em um processo de ação-reflexão-ação que se

corporificara na práxis educativa.

Em formação com docentes da Educação Básica, pode-se afirmar que o saber do

professor está diretamente relacionado com suas práticas desenvolvidas no cotidiano

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escolar. São os seus conhecimentos, adquiridos dentro e fora do espaço escolar

(magistério, experiência de vida, formação docente, universidade e etc) que irão compor

e está presente nas práticas de ensino utilizadas por cada docente. Segundo Tardif:

ensinar é mobilizar uma ampla variedade de saberes, reutilizando-os no

trabalho para adaptá-los pelo e para o trabalho. A experiência de trabalho,

portanto, é apenas um espaço onde o professor aplica saberes, sendo ela

mesma saber do trabalho sobre saberes, em suma: reflexividade, retomada,

reprodução, reiteração daquilo que se sabe naquilo que se sabe fazer, a fim de

produzir sua própria prática profissional. (TARDIF, 2002, p. 21)

Tardif discorre a respeito dos saberes docentes e a sua relação com a formação

profissional dos professores e ainda com o próprio exercício da docência. Aponta como

compreender o que os mesmos pensam sobre os seus saberes, e enfatiza que o saber

docente é um “saber plural, formado de diversos saberes provenientes das instituições

de formação, da formação profissional, dos currículos e da prática cotidiana” (Idem, p.

54).

Na ideia de pluralidade, o autor discute que a possibilidade de uma classificação

coerente dos saberes docentes só existe quando associada à natureza diversa de suas

origens, às diferentes fontes de sua aquisição e as relações que os professores

estabelecem entre os seus saberes e com os seus saberes. Existem três saberes

relacionados aos professores, o autor nos fala que:

o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o

saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua

experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas relações

com aos alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola,

etc. Por isso é necessário estudá-lo relacionando-os com esses elementos

constitutivos do trabalho docente. (Ibdem, 2002, p.11).

Esses saberes, como já foram citados, estão divididos em: saber da experiência,

saber das disciplinas (cientistas) e o saber especializado em educação (pedagógica). O

primeiro corresponde ao conhecimento adquirido pelo professor, durante sua vivência

em sala de aula, suas experiências enquanto educador, o saber das disciplinas esta

relacionado aos conhecimentos adquiridos nas instituições de ensino, universidades, já o

saber especializado em educação ou pedagógico consiste nos conhecimentos adquiridos

por meio da intervenção pedagógica dentro ou fora do espaço escolar, projetos de

formação de professor e etc. Todos esses saberes estão diretamente ligados à formação

do educador, e é por meio deles que o docente, encontrará todo o conhecimento de que

necessita para se instrumentalizar e exercer sua função de modo produtivo reflexivo.

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com efeito, o valor social, cultural e epistemológico dos saberes reside em

sua capacidade de renovação constante, e a formação com base nos sabres

estabelecidos não passa de uma introdução ás tarefas cognitivas consideradas

essenciais e assumidas pela comunidade científica em exercício. (TARDIF,

2002, p. 34).

Compreende-se, todo o conhecimento adquirido pelo professor, seja por meio de

suas experiências, seja por meio de estudo dos saberes científicos e pedagógicos,

influenciam de modo determinante em sua prática docente. Ainda, segundo o mesmo

autor , “o saber dos professores é plural e também temporal, uma vez que, como foi dito

anteriormente, é adquirido no contexto de uma história de vida e de uma carreira

profissional.” (Idem, 2002, p. 19).

Enfatiza o autor, que todo conhecimento adquirido pelo professor, seja por meio

de suas experiências, seja por meio de estudo dos saberes científicos e pedagógicos,

influenciam de modo determinante em sua prática docente, pois “o saber dos

professores é plural e também temporal, uma vez que, como foi dito anteriormente, é

adquirido no contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional.” (Ibdem,

2002, p. 19).

Ao se compreender que a formação docente como um processo emancipatório,

colaborativo e processual, que se constitui a partir dos saberes docentes necessários a

profissionalização do professor, passa-se a assimilar que a prática docente se constitui a

partir de uma aprendizagem compartilhada, assim as formações para os docentes

formadores constituiu-se em um espaço privilegiado para a construção de práticas

docentes interdisciplinares, visando a integração entre alunos e professores da

Graduação/PARFOR e o e professores da rede pública de ensino do Município de

Abaetetuba, Tailândia, Bujaru, Tomé-Açu, Dom Eliseu e Barcarena.

O Projeto de Formação para docentes pretendeu criar um espaço educativo

propício para ressignificação da prática docente. Isso se justifica devido à importância

de oferecer oportunidades aos alunos graduandos do PARFOR de trocarem experiências

formativas com professores em serviço, para esses professores a profissão docente deve

se constituir a partir de uma vivência pedagógica estimulada nos espaços formativos da

própria escola pública.

No processo de realização do Projeto de Formação Docente, os professores em

formação do PARFOR tiveram a oportunidade de produzir suas memórias que resultou

como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Momento impar para fomentação da

ressignificação da prática pedagógica.

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Etapas de desenvolvimentos do Projeto de Formação Docente:

1ª Etapa

a) Formação do Grupo de Formadores do PARFOR/Pedagogia

Objetivo: Constituir um grupo interdisciplinar articulado para orientação, sistematização

e acompanhamento das oficinas de formação de memória docente que serão realizados

pelos professores formadores.

b) Organização do processo de construção das Oficinas de formação de memória

docente

Objetivo: Elaboração da Proposta de Oficinas

2ª Etapa

a) Realização de reuniões com professores, alunos graduandos e coordenação local do

PARFOR por município

Objetivo: Planejamento das oficinas, definição de tema distribuição de tarefas e

definição de grupo de alunos por município e por escola.

3ª Etapa

a) Discussão das propostas das oficinas e produção do memorial.

Objetivo: Produzir história de vida com orientação dos professores formadores

b) Socialização dos resultados.

Objetivo: Oportunizar os graduandos a partilha de saberes a partir de suas histórias de

vida e práticas docentes interdisciplinares e qualifica-los para o efetivo exercício da

docência

A partir das experiências desenvolvidas por meio das formações dos docentes foi

elaborado relatos de vivência apresentando reflexões acerca da carreira docente e suas

perspectivas, a formação profissional e o exercício da docência, reflexões sobre a

realidade da escola e as dificuldades das atividades docentes em sala de aula.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Investir na qualificação de docentes da Educação Básica, tendo como foco o

PARFOR curso de Pedagogia, traduz o esforço da Universidade Federal do Pará –

UFPA, em proporcionar a formação de um profissional capaz de desenvolver práticas

educativas, a partir da problemática contextual na qual a escola, os alunos e professores

se inserem. Esta ação exige que em relação à formação do pedagogo há necessidade de

se planejar, executar e avaliar atividades educativas implicadas com outros

conhecimentos necessários: filosofia, história, antropologia, psicologia, política e

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economia. Presume-se que, assim, o profissional a ser formado não operará sua prática

de forma alienada do contexto social e cultural no qual os processos educativos

ocorrem.

O Curso de Pedagogia voltado para a formação inicial, com vistas

principalmente ao exercício da docência na educação infantil e séries iniciais do ensino

fundamental e da gestão dos espaços educativos, fundamenta-se na concepção de que é

na práxis do professor que se constroem as competências necessárias para a

compreensão do trabalho pedagógico em todas as suas dimensões.

No atendimento a formação docente dos ingressos, principalmente de

professores em formação do campo, no curso de Pedagogia, permeada com suas

histórias de vida de luta, recomeço, desafios e superações, compreendeu-se as

contradições e buscou-se caminhos para superar o cotidiano empobrecido de propostas

formativas tradicionais e se propôs metodologias colaborativas, interativas, inovadoras,

que permitissem aos educandos se sentirem parte do processo de formação e co-

responsáveis por sua formação acadêmica.

Essa tarefa articuladora de produção de saberes tornou-se para os professores

formadores, os docentes da Educação Básica em formação e coordenadores de cursos,

um esforço sobre-humano, mas se fez, pois as perspectivas de resultados a partir dos

memoriais viriam para ressignificar a prática docente.

Foi articulado: pesquisa, ensino e extensão, entrelaçadas as práticas cotidianas

dos alunos e alunas que ingressavam no processo de formação do PARFOR. Se

construiu novas experiências baseadas na vontade de ensinar e aprender. Obviamente,

ainda está se aprendendo a fazer esse novo processo educativo, rompendo com a lógica

positivista de formação da excelência acadêmica que desvaloriza as práticas dos sujeitos

em seus lugares e seus saberes tradicionais.

Além disso, o trabalho de sistematização e estudo das experiências seus desafios,

métodos e resultados, perspectivas de melhoria da escola pública e da educação básica

em especial, apresentam-se aqui como grandes desafios à universidade, com as reais

necessidades desses profissionais já inseridos na realidade escolar.

Assim, o PARFOR se diferencia exatamente por valorizar as práticas e os

saberes das experiências dos professores e professoras que adentram as salas de aula

para estudar em cada etapa letiva. E, como resultado dos momentos de formação para

professores formadores do PARFOR e para os docentes em formação esses são saberes

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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que certamente deixam uma marca indelével de novas possibilidades inovativas nos

processos e práticas escolares.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR.

Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009;

FREIRE, Paulo, Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa /

Paulo Freire, São Paulo, Paz e Terra, 2011;

____ Pedagogia do oprimido. 12 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983;

TARDIF, M. “Os professores face ao saber: Esboço de uma problemática do saber

docente”. Teoria e Educação, nº 4, 1991.

________________________________________

i Professor Doutor da Universidade Federal do Pará, líder do Grupo de Pesquisa e Extensão Sociedade,

Estado e Educação: ênfase nos governos municipais e na educação do campo. Coordenador do Curso de

Licenciatura em Educação do Campo. Professor de estágios e prática pedagógica. Membro da executiva

do Fórum Regional da Educação do Campo – FORECAT. Membro do Fórum Municipal de Educação de

Abaetetuba – FME.

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CACOS DAS MEMÓRIAS DE MULHERES EDUCADORAS DO CAMPO NO

RESSIGNIFICAR DO PROCESSO FORMATIVO

Maria Barbara da Costa Cardosoii

RESUMO

Esta produção visa evidenciar a relevância do memorial de mulheres educadoras do

campo (docentes da Educação Básica), concluintes do Curso de PARFORiii

do Campus

Universitário de Abaetetuba/PA. Justifica-se o destaque ao gênero feminino, devido o

curso de pedagogia do PARFOR do Campus de Abaetetuba ser constituído em média de

98% (noventa e oito por cento) de mulheres. E desse número, identifica-se 80% (oitenta

por cento) de docentes em formação moradoras do campo. No processo do Trabalho de

Conclusão de Curso (TCC) percebeu-se a angustia das alunas em relação à produção

final: De que maneira podem produzir o TCC trazendo ressignificação para vida

docente na Educação Básica? Dessa forma, apresentou-se como uma das alternativas, a

construção do memorial. A metodologia assumida (Memorial), narrada com história de

vida, é aqui apresentada com fragmentos de relatos que contribuem com informações da

escola tradicional, das amarras da vida, e de como podemos agir de forma a ressignificar

essas histórias em prol da transformação pessoal, social, e principalmente educacional.

No trajeto da vida acadêmica as graduandas do curso de Pedagogia PARFOR vão em

busca dos cacos de suas memórias na pretensão de trazer uma releitura de suas vidas,

principalmente, da escolarização. Na maioria dos memoriais as escritoras registram a

sua infância, recordando a educação tradicional que tiveram, assim como, metodologias

de ensino que não cultivavam o diálogo com os educandos, numa prática de mera

deposição de conteúdo, desconectados com a realidade dos mesmos. Diante de tais

lembranças, elas refletem posturas que hoje buscam não reproduzir, procurando no

estudo e na pesquisa novas práticas que possam envolver o aluno, respeitando sua voz,

seus saberes e costumes. Destacou-se relatos das graduandas fazendo-se evidência

desses pequenos cacos de memórias.

PALAVRAS-CHAVE: Memórias- formação docente- mulheres educadoras

INTRODUÇÃO

O Campus Universitário do Baixo Tocantins de Abaetetuba vem firmando-se na

política de formação à docência da Educação Básica, especialmente na Educação do

Campo. Na demanda recebida, constatou-se que no Curso de Pedagogia PARFOR

destaca-se o gênero feminino, constituído em média de 98% (noventa e oito por cento)

de mulheres. E desse número, identifica-se 80% (oitenta por cento) de docentes em

formação moradoras do campo. (Base de Dados Secretaria do PARFOR, 2015).

O curso de Pedagogia PARFOR trouxe de forma significativa para a formação

docente das educadoras, novos conhecimentos, possibilitando ressignificar suas práticas

docentes nas escolas públicas. Mulheres educadoras do campo vivenciam um contexto

específico no cenário educacional amazonense. Tornam-se invisíveis, e oportunidades

XVIII ENDIPE

Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6610ISSN 2177-336X

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de melhores condições de vida e trabalho lhes são negadas. Travessias de território

campo-cidade-cidade-campo lhes são impostas para o enfrentamento a desafios na

busca de conhecimentos e liberdade de vida e trabalho. De que maneira as mulheres

educadoras do campo, agora adentrando no nível superior, podem ressignificar sua

prática docente na Educação Básica? Como reescrever suas histórias? Como trabalho de

Conclusão do Curso de Pedagogia optaram pelo memorial. Este método lhes favoreceu

um encontro de volta para si, com seu passado, e o mais relevante, um ressignificar na

prática docente.

1. Às travessias da rememorização na prática docente.

No processo de caminhar para si, as docentes graduandas do curso de Pedagogia

PARFOR, ao buscar ressiginificar suas memórias se deparam com o entrelace entre o

passado e o presente impregnado de emoção, paixão, bem como outros sentimentos:

É nesse terreno da memória que se sustentam categorias como paixão, prazer,

desejo, esforço, vontade, fé, resistência coragem e muitas outras que se

entrelaçam na complexidade da existência humana. Ao mesmo tempo, a

memória, fruto da subjetividade de cada um, um dos sonhos almejados e

perdidos que se arquivam nos sótãos empoeirados de uma longa existência,

possibilita desvios de interpretações equivocadas dependentes da vida que se

viveu e do êxito ou malogro das experiências (ALMEIDA, 1998, p.53)

Rememorar como sinônimo traz a compreensão de incitar uma lembrança; fazer

lembrar, despertar uma memória, uma ideia, um pensamento, recapitular, transportar,

acordar, comemorar, conservar, revolver, lembrar, renovar, voltar, atinar, memorar,

vislumbrar, reavivar. Enfim, uma excelente forma de se revisitar e exercitar a memória é

arrumar gavetas, rever álbuns, reler cartas há anos guardadas, ouvir histórias de vida da

geração mais velha da família. Rememorar é o momento de considerar a necessidade de

continuar guardando algumas coisas porque realmente têm um significado especial. No

fazer deste momento, aciona- se lembranças agradáveis, tristes, por vezes incômodas.

É certo que constantemente, o ser humano busca selecionar e armazenar fatos

marcados desde simples vivências, em que se arquivam os vestígios da própria

existência. Os rabiscos, rascunhos de experiências, se dão por meio de fragmentos, os

cacos do passado ora conservados, de certa forma, pequenos vestígios que vem nas

lembranças. Nesta busca de arquivo, ocorre o fundamental, que é a seleção dos

momentos marcante neste acervo em constante processo de construção e reconstrução.

Minha experiência de vida é recheada de lembranças, de fatos, o qual escrevo

e reflito trazendo de volta uma nova lição para minha vida. A minha

formação construída em todo o processo de minha vida, foi de extrema

relevância para ser o que sou hoje. Sem dúvidas, sou resultado de tantos

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momentos, ora de dor, ora de alegrias, inesquecíveis, permeados pelos

desafios, tormentos, bullying, preconceitos, enfim, os problemas de

relacionamentos positivos ou frustrantes, fizeram-me crescer como

profissional e como pessoa (SOUSA, 2013).

A relevância do memorial na vida das mulheres educadoras que residem no

campo, e que vem à cidade para estudar na Universidade, no desafio do enfrentamento

de uma nova realidade cultural, torna-se fundamental por quebrar o silêncio que as

aprisionavam. E inspirados em Paulo Freire se apoderam de suas histórias, as

reescrevem, as rememorizam como fonte das realidades essenciais, que inspiraram o

desenvolvimento de suas maneiras de ver, analisar, e interpretar as narrativas escritas e

reescritas por elas, por meio do diálogo, do ouvir, do relembrar das narrativas de

formação de si, ao longo da vida.

Às vezes relembrar o passado pode parecer nostalgia, mas quando essas

lembranças te reportam a coisas boas e coisas que não são tão boas, mas que

te fizeram crescer como pessoa, mulher, mãe e profissional vale apena

lembrar, pois os mesmos existem para te tornarem mais forte para enfrentar a

vida e conquistar alguns sonhos a muitos acalentados, os quais me fizeram

seguir em frente e chegar até onde estou hoje, entre eles estão: O de

conseguir minha casa própria, criar meus filhos dando-lhes boa educação,

moral e ética, conseguir uma carreira profissional e o mais importante de

todos, cursar uma universidade, para ter o tão sonhado diploma de “curso

superior” (ASSUNÇAO, 2013).

O exercício de rememorar fatos ocorridos na trajetória de vida oportuniza a

recordação de vivências responsáveis pela construção do que somos hoje. Nessas

memorias firmam-se o alicerce de histórias de vida, traçada, muitas vezes, por

momentos de sabores e dessabores que, ao longo dos tempos se transformam em

importantes experiências de vida.

O olhar para o ontem também possibilita um encontro com as raízes, encontro

com o seu chão, do lugar de origem. Ao recordar os tropeços, desafios, dificuldades e

aquisições, pode-se vir a desenvolver uma postura mais humana, humilde e

compreensiva em relação ao eu e ao outro. Ao contrário, se deixar cair no vão do

esquecimento um rico campo de informações sobre nós, corre-se o risco de não

reconhecer-se mais nas nossas origens, reforçando, também, o seu esquecimento em

outras esferas sociais.

Nasci em uma localidade ribeirinha no interior do município de Igarapé-Miri,

município que fica na região Tocantina do Estado do Pará. A comunidade era

habitada por poucos moradores, a qual era chamada Rio Anapu. Falar da

minha infância é como se eu estivesse lá naquele momento e no mesmo lugar

pacato do interior onde tudo era bem distante, onde moravam só a minha

família e poucos moradores. Eu não nasci em berço de ouro, nasci no seio de

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uma família humilde, porém muito religiosa, onde na época eram todos

voltados ao catolicismo (SOUSA,2013).

Dessa forma, a memória permite trazer à tona elementos significativos da nossa

formação social, constituindo, além de espaço identitário, uma rica fonte para reflexões

sobre a nossa realidade histórica.

2. Evidência de pequenos cacos de memórias.

Na maioria dos memoriais, as escritoras registram a sua infância, recordando a

educação tradicional que tiveram, assim como, metodologias de ensino que não

cultivavam o diálogo com os educandos, numa prática de mera deposição de conteúdo,

desconectados com a realidade desses sujeitos. Diante de tais lembranças, elas refletem

posturas que hoje buscam não reproduzir, procurando no estudo e na pesquisa novas

práticas que possam envolver os educandos, respeitando sua voz, seus saberes e

costumes.

2. 1- Formação de 1ª a 4ª série- Multissérie – Memorial de BARRETO, Sandra Sueli

Amorim.

Aos oitos anos de idade obtive minha primeira experiência escolar em um

externato. A professora tinha uma metodologia de ensino muito autoritária, não me

recordo do seu nome, mas o trauma que me causou ficou para sempre, marcado por

terrorismo e violência. A partir do momento que chegávamos à sala de aula, não

podíamos nos mexer, sequer abrir a boca. Caso esta regra fosse quebrada por algum

aluno, a penalidade era apanhar de vareta na cabeça ou com a palmatória . A qualquer

movimento que eu fazia fora do meu limite de espaço, que se restringia à cadeira,

levava “varetadas”, isso me deixava revoltada, pois nunca fui maltratada no meu

ambiente familiar e me esforçava muito para agradar a professora.

Como esse contexto era muito distante daquele em que fui criada, com muita

persistência consegui ficar por três semanas na escola, mas depois já com muitos

“galos” (inchaços) na cabeça e na mão por não conseguir ficar feita estátua, me recusei

a entrar na sala de aula e ficava escondida atrás das mangueiras próximas à escola até a

hora da saída. Até que certo dia minha avó, que já havia sido alertada de minha

peripécia, me achou atrás de uma árvore, me levou pra casa e pela primeira vez apanhei

de um familiar.

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6613ISSN 2177-336X

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Os recursos pedagógicos usados eram quadro – negro, giz, livro e caderno, na

sala havia uma mesa grande e dois bancos compridos onde os alunos, desde a 1ª até a 3ª

série, realizavam as atividades. Todos os alunos estudavam no período da manhã.

Naquele ano cursei finalmente a 1ª série, já aos 10 anos de idade. Vale ressaltar,

que eu já havia sido alfabetizada, em casa, na cartilha do ABC, junto com meus primos

e por isso quando ingressei na escola, na 1ª série, já sabia o alfabeto decorado e estava

lendo algumas palavras. Lembro-me desse período em que eu ficava cansada de tanto

copiar as letras do alfabeto, e isso de uma forma isolada, depois de muitas repetições de

som, é que começávamos a escrever palavras, frases e muitas cópias. Não havia

preocupação da professora em criar algo novo, inovador, não havia interação do

conhecimento entre professor e aluno ou alunos e alunos. Enfim, todo conhecimento era

mecânico e o aluno conduzido à memorização dos conteúdos.

A professora tinha que se desdobrar para atender a todos na turma multisseriada,

trabalhando com língua portuguesa, matemática, ciências, história e geografia. Mas o

que realmente me marcou foi o sistema de ensino tradicional, com direito à palmatoria,

o aluno não tinha voz e o aprendizado era marcado por repetição de cópias,

memorização e castigos.

2. 2- Escolarização marcada no entrelace a traumas, assédio, violência sexual –

Memorial de ASSUNÇÃO, Maria da Conceição. M.

Meu primeiro dia de aula foi uma experiência não muita agradável, pois minha

primeira professora, a qual não me recordo o nome, não era muito brava, porém, meus

colegas no inicio não gostavam muito de ficar comigo, até porque eu já tinha medo de

qualquer criança que se aproximasse de mim, pois tinha a impressão de que já iam me

bater, ou me fazer alguma maldade. Então, preferia ficar sozinha em um lugar qualquer

da sala ou do recreio. Eu era, e sempre fui quieta e calada. Nunca falava ou questionava,

até por que não podíamos questionar com os professores da época, pois eram como se

fossem nossos pais. Eram temidos pelos alunos, e não havia quem questionassem com

eles. E, se por um acaso, alguém o fizesse, era colocado de castigo em cima do milho

atrás da porta da sala ou se fosse mais grave a coisa, eles mandavam direto para

secretaria e lá o diretor castigava o aluno com repetições de palavras, ou seu próprio

nome no caderno.

Pior seria se o diretor ou o professor mandassem chamar os pais, porque além de

ser castigados, ainda apanhávamos de nossos pais na frente de qualquer pessoa que

estivesse ali. Os alunos dessa época eram como se fossem seres alienados, os quais

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estavam ali somente pra receber instruções, tinham que ser passivos, pois não podiam se

quer se levantar das carteiras, conversar então, só no recreio, e isso, muito

discretamente, porque sempre havia alguém nos observando.

Foi muito difícil o meu ingresso na escola, pois eu nunca tinha estudado e já

estava com oito anos sem saber ler ou escrever, sem contar que na maioria das vezes eu

ia pra escola com fome, e esse horário era muito ruim, porque entrávamos ás onze horas

e saíamos às três da tarde. A professora da referida escola foi minha primeira

professora, não me recordo muito, apenas lembro que não era tão má e nem tão boa, até

não se importava quando os alunos conversavam em sala, contanto, que tivessem

terminado os trabalhos e que não atrapalhasse os colegas. Seu método de ensino era

tradicional o qual era típico da época, era a base de cópias, pois éramos da 1ª série do

primeiro grau, e a grande maioria não sabia nada.

Por isso, eles utilizavam para alfabetizar seus alunos, as letras do alfabeto que

faziam no caderno em pontinhos, para que os alunos pudessem cobrir, não só o alfabeto,

mas seus nomes, palavras aleatórias e várias outras coisas, pois este era na verdade a

maneira que encontravam para trabalhar a coordenação motora dos seus educandos.

Fazíamos isso a aula toda. Algumas semanas depois, passava para a fase de copiar

repetidamente tracejando uma linha abaixo.

Depois de algum tempo, me acostumei com a escola, e as coisas começaram a

melhorar pra mim. Já não era tão infeliz como antes, pois tinha conseguido o que

sempre quis que foi estudar, e o mais importante vivia com minha mãe, meus irmãos e

tinha agora alguns amiguinhos. Tudo ia muito bem, até alguns meses, pois minha mãe

engravidou do namorado e resolveram viver juntos em nossa casa.

Foi ai que as coisas passaram a mudar. O namorado de minha mãe bebia, e às

vezes brigava com ela. Então passou a manipulá-la, e ele fazia de tudo pra jogá-la

contra nós, principalmente, contra minha irmã mais velha que havia voltado da cidade, e

que estava trabalhando pra ficar conosco por um tempo. Porém, minha irmã não gostava

nem um pouco dele, pelo motivo de estar sempre fazendo intrigas entre nós e nossa

mãe. Muitas brigas se davam entre minha irmã e o namorado de minha mãe, pois minha

irmã tinha um gênio muito forte e não se calava para ele. Na verdade, talvez ela fosse

assim porque minha mãe sempre ficou do lado dele, chegando a espancá-la, fazendo

com que minha irmã fosse embora de casa e ficaram vários anos sem se ver ou se

falarem.

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Eu não entendia o porquê da tal briga que ocasionou tanta discórdia entre mãe e

filha, mas depois de algum tempo dessa discussão, minha mãe ficou muito agressiva

com os filhos. Não podíamos fazer nada que ela logo nos agredia com pancadas, a ponto

de tirar sangue da gente. Manifestava paciência só com o namorado. Então passei a

frequentar a casa de um vizinho da redondeza onde tinha televisão, já que não tínhamos

em casa, mas o meu padrasto começou a convencer minha mãe que não era para irmos à

casa dos vizinhos, principalmente eu e minha irmã mais nova. Eu não entendia o porquê

dessa agressividade.

Foi então, que certo dia, enquanto eu dormia no período da tarde, fui acordada

com ele me tocando. Acordei assustada e ele me disse que estava me acariciando como

pai, e falou que não era para eu contar pra ninguém, pois disse que se falasse ia fazer

minha mãe me bater muito. Como ela acreditava em tudo o que ele falava, eu fiquei

com medo e silenciei meu desespero. Passei a ter medo dele, e quando minha mãe ia

trabalhar, ele me chamava para sala, mas eu não o atendia. Porém, por não atendê-lo,

passou a falar para minha mãe, que eu era malcriada com ele e não o respeitava.

Apanhei várias vezes da minha mãe por me negar a ir com ele, ao contrario, eu saia

correndo para a casa do vizinho e levava minha irmã menor comigo para que também,

não fosse vítima dele.

Certo dia, o namorado de minha mãe chegou do trabalho bêbado, e eu estava

sozinha com minha irmãzinha em casa, brincávamos juntas e não o vimos entrar, pois

entrou sem fazer barulho. Fechou as portas sem que percebêssemos, e depois veio até o

quarto onde brincávamos. Puxou-me pelo braço me tirando do quarto e trancou a porta

para minha irmãzinha não sair. Levou-me para sala e começou a mim molestar

sexualmente por vários minutos. Eu chorava muito, mas como minha casa era próximo

do igarapé e não havia muitos moradores nesse bairro ainda, e as casas eram umas longe

das outras, ninguém conseguia me ouvir.

Depois de sofrer tantas agressões, ele me soltou, mas antes, falou-me que se eu

contasse algo, ele iria fazer minha mãe me espancar. Corri para o quarto e fechei a porta

por dentro. Fiquei chorando até minha mãe chegar. Quando ela entrou e me viu

chorando, perguntou para ele a causa. Logo falou que eu estava chorando porque ele

não havia me deixado assistir televisão na casa do vizinho, e ela acreditou nele.

Então, passei a ir para a escola. E, quando saia de lá, eu ficava na casa do

vizinho assistindo televisão, e não queria mais ir para minha casa. Na verdade, só ia

quando minha mãe chegava do trabalho. Apesar de apanhar todos os dias, porque ela

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não gostava que ficássemos na casa dos vizinhos, eu preferia apanhar, a ficar sendo

molestada por aquele homem.

Certo dia, os vizinhos da casa em que eu assistia televisão, perguntaram-me se

eu queria morar com eles, uma vez que vivia lá. Rapidamente respondi que sim, pois, vi

uma chance de sair daquela casa que sempre quis ficar, mas que naquele momento não

suportava nem entrar lá, apesar de não entender direito que era crime o que ele fazia

comigo. Sabia que era errado, mas não entendia. Então, vi neste convite do meu

vizinho, uma tábua de salvação para aquele inferno que eu vivia. O casal chamou minha

mãe em sua casa para conversarem a meu respeito, e pediram para eu morar com eles.

Ela não se opôs, vendo que eu ficava mais tempo lá do que em casa. Então, resolveu

permitir que eu morasse com eles. Foi um alívio para mim.

Passei a morar com eles, que apesar de terem vários filhos, não serem ricos, e eu

ter de cuidar do bebê que ela tinha, eu preferi ficar com eles.

Minha infância não foi nada fácil nesta casa, pois tinha que cuidar do bebê, lavar

as fraldas sujas, pois nesse tempo não existia ainda fraldas descartáveis. Com nove anos

aprendi a cozinhar, lavar roupas, arrumar a casa. Fui forçada desde cedo a ser uma

criança responsável.

Apesar de muito trabalho, preferi ficar ali, pois pelo menos, meus estudos eu

consegui continuar, porém a escola em que eu estudava era muito longe. Então,

resolveram me mudar de escola para uma mais próxima que acabara de inaugurar no

mesmo bairro em que morávamos, ou seja, o bairro de Santa Rosa de Lima. Como o

senhor José, dono da casa em que passei a morar, era carpinteiro e trabalhava com

várias pessoas influentes da época, conseguiu uma vaga na escola que se chama de

Escola Estadual de 1º Grau Leônidas Montes a qual na época funciona somente de 1ª á

8ª série, onde comecei a estudar.

Assim, já na segunda série do primeiro grau, passei a estudar no turno da tarde,

pois tinha que cuidar do menino no horário da manhã.

No primeiro dia de aula na nova escola foi uma festa para mim, pois eles

compraram um caderno e me deram. Foi o primeiro caderno escolar que tive. Lembro-

me, que ao chegar à referida escola eu fui entregue a inspetora, que me conduziu até a

sala de aula. Ao adentrar, percebi que a sala era diferente das outras: era menor, fechada

e havia poucos alunos na mesma, e a professora nos recebeu com a cara brava, mandou-

nos entrar e conversou em um tom meio que agressivo dizendo que não toleraria

bagunças, malcriações e brincadeiras indevidas. Que estava ali para ensinar quem

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quisesse aprender, e quem tivesse a intenção contraria, iria se dar mal com ela, e

acrescentou, que se estávamos estudando nessa sala, era porque estávamos fora da

idade, muito velhos para a série, porque éramos burros e não podíamos estar juntos com

os outros que sabiam mais , pois iríamos atrapalhá-los.

Foi então, que entendi o porquê da sala ser diferente das outras e estar com

poucos alunos. Eu, que já não era de falar, fiquei quieta em meu lugar muito triste por

saber que era “burra”, como a professora havia dito, até então, pensei realmente que

fosse, pois estava com nove anos na 2ª série do primeiro grau e não sabia nem fazer meu

nome corretamente.

Depois da repreensão, ela levou-nos para o salão da escola, colocou-nos em fila

para cantarmos o Hino Nacional, coisa que se repetia todos os dias na escola. Logo após

o termino, ela retornou conosco para a sala para começarmos a aula, que na época era à

base de muitas cópias no caderno, para quem não sabia tirar do quadro, e para quem

sabia, copiava diretamente do quadro. Repetidas vezes. Só parávamos na hora do

recreio, e quando era para resolver as atividades do caderno.

Na sexta- feira ela fazia após o recreio, a hora da leitura onde todos tinham que

ter a cartilha do ABC, que na época era usada para esse fim. Passávamos o resto do

horário fazendo a leitura. E marcava onde tínhamos que ler. Ensinava uma vez, e

fazíamos repetir a leitura até decorarmos, e só depois de um tempo, voltava às carteiras

ou chamávamos em sua mesa para verificar se tínhamos decorado. Caso ainda não

tivéssemos conseguido, nos mandava voltar paro o lugar e continuar a leitura.

Na segunda-feira, a professora iniciava a aula com cobrança dos deveres de casa.

Eu, em particular ficava apavorada, pois não sabia ler e não conhecia todas as letras, e o

pior, na casa onde eu morava, os patrões também não sabiam muito, pois tinham pouco

estudo.

Então, ficava muitas vezes desesperada por não saber, e não ter quem me

socorresse, pois se chegássemos à escola na segunda-feira, e não soubéssemos a lição,

ela brigava e fazíamos passar vergonha na frente dos outros colegas, pois chamávamos

de burro e ainda nos colocava as orelhas feitas de papelão e nos mandava ficar atrás da

porta da sala. Era um horror: não podíamos conversar em sala, não podíamos ir ao

banheiro, não podíamos se quer, se mexer na carteira Eu a temia muito.

Na segunda semana de aula, esta professora mandou uma leitura para eu fazer.

Porém, não consegui por não ter quem me ajudasse em casa. Foi então que ela brigou

comigo, colocou-me as orelhas de burro e me pôs atrás da porta. Foi um dia terrível pra

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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mim, pois os colegas caçoavam dizendo que eu era preta e burra. Lembro-me que chorei

a aula toda, não quis nem sair na hora do recreio para merendar, de tanta vergonha que

fiquei. Mesmo depois que me tirou do castigo, continuei chorando.

Foi a partir desse dia, que prometi para mim mesma, que nunca mais iria passar

por isso. De inicio, pensei em parar de estudar, mas depois de conversar com uma

vizinha que morava próximo da casa em que eu morava, e que sempre me orientou e me

ensinava os afazeres de casa, me incentivou a não deixar de estudar, ao contrario, que eu

devia continuar e mostrar não só à minha professora, mas também aos meus colegas,

que eu não era burra, e que podia não só aprender a ler e escrever como também passar

de ano.

Tudo ia indo muito bem até quando a irmã da dona da casa na qual eu trabalhava

cuidando do bebê, se casou, e veio passar uns tempos com meus patrões. O que não

sabia, era que seu marido tinha as mesmas características do meu padrasto, uma vez que

me mexia toda vez que tinha chance. Pensei que era porque eu era gordinha e muito

tímida, mas não era bem assim. Comecei a ser assediada pelo marido dela, pois agora eu

já estava com dez anos de idade, pensei que nunca mais fosse passar por isso, mas me

enganei.

Certa noite eu estava deitada em uma cama, junto da filha da dona da casa

dormindo, e todos da casa já haviam se recolhidos quando fui acordada por ele me

molestando. Ele percebendo que eu tinha acordado, tapou minha boca com as mãos para

eu não gritar, e me ameaçou para eu ficar quieta. Chorava em silencio, até que mandado

por Deus, um cunhado dele acordou, e ele me soltou. Mas antes, falou para eu não

contar nada do ocorrido, senão, ele iria fazer coisa pior comigo, Com medo, não falei

nada para as pessoas da casa, mas falei para minha vizinha que agora estava namorando

com o irmão da dona da casa, e ela contou a história pra ele, sabendo do ocorrido.

Ele passou a me vigiar, ou seja, me proteger de seu cunhado, até chegou a

ameaçá-lo. Foi então, que o referido homem que me assediou resolveu ir embora com

sua esposa para Belém, portanto, me deixando em paz. Graças ao cunhado dele, nunca

mais fui molestada por ninguém, pois ele virou meu outro anjo da guarda. Infelizmente

hoje ele não se encontra mais entre nós, mas ele foi como um pai para mim, sempre

estava preocupado comigo me dava às coisas que precisava, enfim, foi uma pessoa

muito especial em minha infância, não só nesta fase, mas em quase toda minha

adolescência, e parte de minha vida adulta.

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Ao buscar meus cacos do passado, pude ver que hoje eu não sou uma pessoa

melhor, porque infelizmente muitas situações de violência, não só sexual, mas de

preconceito, de exploração no trabalho, de família, me tornou uma pessoa com marcas

profundas de desconfiança. Hoje, por meio dos meus estudos, principalmente no

PARFOR, vou buscando compreender como tudo se passou, e procuro superar a cada

dia esses fantasmas que continuam em minha vida.

Atualmente tenho filhos e netos e procuro ser melhor mãe, amiga, companheira.

Tenho um esposo que veio compartilhar comigo os novos momentos de esperança.

Assim, sei que jamais serei ou reproduzirei a situação de opressão e de violência que

sofri.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As marcas deixadas nesse processo formativo vivido, por mulheres educadoras

que se desafiaram a refazer suas histórias por meio da memória, profundas e

inspiradoras, deixaram trilhas que serão seguidas por cada uma que se formou no curso

de Pedagogia PARFOR, as quais poderão ser multiplicadoras, em seus tempos e

espaços particulares, de outras e novas experiências enquanto docentes da Educação

Básica.

Fez-se um esforço coletivo para recriar a esperança nas práticas docentes

pedagógicas no interior da escola pública. Construíram-se muitas reflexões importantes,

que vão desde a retomada do repensar a educação tradicional à elaboração de uma

proposta de educação emancipadora.

Com certeza, a formação acadêmica possibilitada pelo PARFOR contribuiu, de

fato, de forma importante e eficaz, para o crescimento e desenvolvimento intelectual,

profissional e pessoal e de cada aluna que passou pelo processo formativo. Alimentou-

se em cada educanda o desejo de aprender, descobrir, desvendar novos conhecimentos e

adquirir os saberes pedagógicos necessários à prática docente. Se faz cumprida a tarefa

de educadoras, na qual, ao educar o outro, também nos educamos, construindo teias de

conhecimentos e práticas colaborativas.

O ato de rememorar está associado à tarefa de fazer emergir a realidade e

ressignificá-la, para de fato, propiciar mudanças que contribuam para evidenciar a

necessidade de uma ação interventiva vinculada aos princípios da dignidade humana,

dos direitos, da participação, da corresponsabilidade, da solidariedade e da equidade.

Bem como, na garantia de acesso aos direitos básicos à educação, à formação

acadêmica-profissional, principalmente com princípios essenciais à formação humana.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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Constitui-se como fundamental, o diálogo entre os sujeitos envoltos na perspectiva de

interpretar e transformar a realidade.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Jane Soares de. Mulher e Educação: A paixão pelo possível. São Paulo:

Fundação Editora da UNESP, 1998;

ASSUNÇÃO, Maria da Conceição Moraes. Memória: Identidade e Vivência, Campus

Universitário do Baixo Tocantins: UFPA, 2014;

BARRETO, Sandra Sueli Amorim. Memória: História e Sonhos de uma educadora

em formação. Campus Universitário do Baixo Tocantins: UFPA, 2014;

SOUSA, Flor de Maria de Castro. Memórias de flor menina à flor mulher. Campus

Universitário do Baixo Tocantins: UFPA ,2014;

Base de Dados SECRETARIA PEDAGOGIA PARFOR. Campus Universitário do

Baixo Tocantins: UFPA, 2015.

_______________________________________

i -Doutoranda em Educação (PPGED-UFPA-2016); Mestra em Educação (PPGED-UFPA-2012),

Pedagoga (UFPA-2004); Especialista em Educação; Coordenadora do Fórum Municipal de Educação de

Abaetetuba/PA; Membro do Fórum Regional da Educação do Campo do Baixo Tocantins; Coordenadora

de Projetos na área da Educação do Campo de Abaetetuba; Professora colaboradora do PARFOR,

Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas da Educação do Campo na Amazônia-(GEPERUAZ) e

Grupo de Pesquisa e Extensão Sociedade, Estado e Educação: ênfase nos governos municipais e na

educação do campo (GEPESEED).

i -Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica- destinado aos professores da rede

pública da educação básica, em exercício há pelo menos 3 anos, sem formação adequada à Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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POLÍTICA DE FORMAÇÃO DOCENTE DO PARFOR/UFPA DE

ABAETETUBA/PA: UM OLHAR A PARTIR DOS MEMORIAIS

ACADÊMICOS

Maria do Socorro Vasconcelos Pereiraiv

RESUMO

O trabalho se constitui de uma análise teórica sobre a perspectiva de formação docente

descrita nos trabalhos de conclusão de curso de professoras/cursistas do PARFOR de

Abaetetuba/PA com a intenção de identificar e evidenciar a percepção desses sujeitos

sobre a política. Para essa identificação, foram extraídos trechos da produção escrita que

evidenciassem a percepção dessas profissionais no que diz respeito aos elementos dos

processos formativos escolar e acadêmico, assim como da trajetória de descobertas,

constatações, conciliações da experiência profissional traduzida por meio da

ação/reflexão/ação em comparação com o seu processo de escolarização e de trajetória

docente anterior e posterior a formação acadêmica, com prioridade de análise sobre as

concepções das professoras/cursistas sobre a formação docente desencadeada com a

vivência universitária por meio da política de formação que participaram. O texto está

estruturado em três pontos: os fundamentos básicos de formação docente com base na

LDB 9.394/96 em diálogo com concepções teóricas sobre Didática e formação docente;

breve descrição do programa de formação docente – PARFOR enquanto estratégia de

política de formação docente no cenário atual da educação brasileira; e descrições de

alguns fragmentos das produções escritas contidas no trabalho acadêmico sobre seus

percursos formativos, constitutivos de evidências da/s concepção/concepções de

formação, construídos a partir do olhar das professoras/cursistas atuantes na realidade

educacional brasileira. Foi possível identificar que a formação docente concebida, em

unanimidade, tem como fundamento preponderante evidências da exigência da

profissão que exercem em termos de atualização permanente para dar continuidade a

construção do conhecimento no exercício profissional, assim como o desejo pessoal

pela continuação dos estudos. Revelam evidências da necessidade formativa como

subsídio à prática e ao compromisso social de educadoras, porém, não registram

percalços do processo formativo em termos de conteúdo, tampouco da forma como a

política foi desenvolvida.

Palavras-chave: Política pública, PARFOR, Formação docente

Introdução

O trabalho se constitui de uma análise teórica sobre a perspectiva de formação

docente descrita na produção acadêmica dos trabalhos de conclusão de curso –

memoriais acadêmicos de professoras/cursistas da Política Nacional de Formação de

Profissionais do Magistério da Educação Básica – PARFOR, do Curso de Pedagogia da

Universidade Federal do Pará – Campus Abaetetuba/PA.

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Na condição de docente e orientadora de trabalhos de conclusão de curso no

formato de memorial acadêmico de professoras/cursistas, responsável pela condução

didática das Disciplinas de TCC 1 e TCC 2 foi possível dialogar, vivenciar e

compreender a trajetória discente e docente dessas profissionais da educação básica que

iniciaram sua trajetória profissional com o conhecimento formativo do curso técnico em

Magistério e, após vários anos de atuação, ingressaram na vida acadêmica por exigência

de determinação legal.

A partir do processo de formação e orientação tornou-se perceptível que as

histórias de vidas, apresentavam condições muito similares, ou seja, dificuldades para

realização da formação básica, pessoa da família em quem foi depositada a esperança

para ser um diferencial de formação, conciliação conturbada de vida escolar e

profissional, conciliação como docente, mãe, esposa, mulher, condições desafiadoras de

curso da escolaridade básica e de exercício profissional, assim como o tão sonhado

ingresso na vida acadêmica, mas que em decorrência de inúmeros fatores, sempre fora

adiado.

Partilham ainda uma semelhança relevante com relação a formação, a de que o

ingresso para a educação superior ocorre apenas quando, por temor de suspensão da

atividade profissional e comprometimento na vida pessoal e familiar, torna-se o

motivador para recorrer à academia, em busca da formação, se efetivando assim, sem as

condições que consideraram estar distante da realidade vivida.

Diante do conhecimento dessa realidade surgiu a indagação de como a formação

docente era concebida para essas profissionais docentes – professoras/cursistas do

PARFOR: seria um percurso obrigatório por força da exigência legal ou um

investimento por identificação de lacuna formativa na carreira?

Com essa problemática buscou-se identificar e evidenciar, a partir da análise da

produção escrita nos memoriais acadêmicos, a percepção das professoras/cursistas do

PARFOR sobre a formação docente.

Para essa identificação, no decorrer do processo de orientação e no produto final

da atividade acadêmica, foram extraídos trechos da produção escrita presentes nos

trabalhos acadêmicos que evidenciassem a percepção dessas profissionais no que diz

respeito aos elementos de destaque dos processos formativos escolar e acadêmico, assim

como da trajetória de descobertas, constatações, conciliações da experiência profissional

traduzida por meio da ação/reflexão/ação em comparação com o seu processo de

escolarização e de trajetória docente anterior e posterior a formação acadêmica. Mas a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6623ISSN 2177-336X

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prioridade da análise focalizou as concepções das professoras/cursistas sobre a

formação docente desencadeada com a vivência universitária por meio da política de

formação que participaram.

A estruturação desse percurso investigativo está organizada em três pontos de

discussão: o primeiro constitui-se de fundamentos básicos de formação docente com

base na Lei de Diretrizes e Bases LDB – Lei 9.394/96 em diálogo com concepções

teóricas sobre Didática e formação docente evidenciando aspectos característicos dessa

importante dimensão da atividade docente; o segundo comporta uma breve descrição do

programa de formação docente – PARFOR - do qual as professoras/cursistas estiveram

vinculadas, assim como da configuração dessa proposta como estratégia de política de

formação docente no cenário atual da educação brasileira; e o terceiro e último ponto

constitui-se de descrições de alguns fragmentos das produções escritas contidas no

trabalho acadêmico sobre seus percursos formativos, constitutivos de evidências da/s

concepção/concepções de formação, construídos a partir do olhar das

professoras/cursistas atuantes na realidade educacional brasileira, protagonistas de

inúmeros enredos e cenas da educação básica brasileira.

A partir desse olhar sobre prática docente, na condição de condutora da prática

pedagógica e de orientadora das professoras/cursistas, foi possível identificar que a

formação docente concebida em unanimidade pelas produções analisadas, tem como

fundamento preponderante evidências da exigência da profissão que exercem em termos

de atualização permanente para dar continuidade a construção do conhecimento no

exercício profissional, assim como o desejo pessoal pela continuação dos estudos.

Assim sendo, revelam ênfase na necessidade formativa como subsídio à prática e ao

compromisso social de educadoras, porém, não registram percalços do processo

formativo em termos de conteúdo, tampouco da forma como a política foi desenvolvida.

Formação docente: fundamentos básicos

O Título VI da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB – Lei Nº 9.394/96

trata especificamente dos profissionais da educação, em cujo instrumento o inciso I, do

artigo 61 define o profissional docente como integrante do respectivo exercício. No

artigo 62 da mesma lei encontra-se determinado como deve ser realizada a formação

docente, as esferas públicas responsáveis pela oferta dessa formação, as formas que

poderão ser utilizadas para oferta da formação, bem como os recursos pedagógicos,

tecnológicos e as modalidades possíveis para esse ensino, e ainda, os processos de

ingresso, mecanismos facilitadores de acesso, incentivos à formação e órgãos e

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6624ISSN 2177-336X

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instrumentos responsáveis pelo acompanhamento e validação. E no artigo 67 a matéria

legal expressa a responsabilidade dos sistemas de ensino pela promoção da valorização

dos profissionais da educação, em cujo desdobramento do referido artigo a formação

profissional é destacada como um dos itens que caracteriza a referida valorização.

No que tange as inovações do dispositivo em relação a formação docente Demo

(2008) considera que, embora com evidências de tradicionalismos inveterados, foi

contemplado na LDB uma visão alternativa da formação dos profissionais a educação,

com um tratamento ao professor como eixo central da qualidade da educação, que a seu

ver, representa um avanço na legislação, conforme destaca:

Diante desse pano de fundo complexo e desafiador, a LDB lança algumas

alternativas pertinentes, podendo-se destacar:

a) embora a valorização do profissional da educação conste, desde sempre,

das leis e nunca tenha sido cumprida, dessa vez aconteceram alguns

encaminhamentos promissores voltados tanto para a melhoria da formação

como para o “aperfeiçoamento profissional continuado” (Art. 67, II); inclui-

se nisso também o “licenciamento periódico remunerado” (ibid.),

consagrando a idéia essencial de que o aprimoramento profissional faz parte

da profissão;

b) essa perspectiva vem ainda mais reforçada a seguir, quando se estabelece

“período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de

trabalho” (Art. 67, V); faz-se justiça às exigências modernas de

aprendizagem, que consagram o professor como alguém especializado, mais

do que todos, em aprender; somente o professor que aprende bem e

continuadamente pode fazer o aluno aprender;

c) importante iniciativa é também a inclusão da “progressão funcional

baseada na titulação ou na habilitação e na avaliação de desempenho”,

abrindo um horizonte inovador considerável, se realizado adequadamente;

[...]. (DEMO, 2004, p. 47-48).

Em uma análise realizada à luz das condições históricas das modificações

sofridas na LDB em relação a formação docente e dos profissionais da educação, no

período compreendido entre 1997 e 2013 Brzezinski (2014) ao tratar de dilemas,

desafios, contradições, compromissos em relação ao tema da formação salienta a

amplitude de desafios e contradições que necessitam ser superados em termos de

educação na perspectiva da condução do cumprimento do pacto político entre sociedade

civil e sociedade política.

A autora resgata uma análise realizada em 1998 acerca do mesmo tema na LDB

em que focalizava a permanência de leigos nos sistemas de ensino e de ingresso de

profissionais com formação apenas na modalidade normal para atuação docente na

educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental. Nessa análise posiciona-se

avaliando que “Essas são práticas conservadoras do mundo do sistema que impedem

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ultrapassar o caráter emergencial e provisório de certas políticas de formação de

professores que contribuem para a desprofissionalização docente” (p. 120).

Na retomada da análise do período de 1997 a 2013 deixa evidente na atualização

do debate que reconhece muitas mudanças ocorridas no texto original da LDB, que a

seu ver, ressignificaram o papel social dos profissionais da educação e com o

compromisso com a escola pública enquanto instituição emancipadora para o exercício

da cidadania.

Dentre as ressignicações na LDB destaca o dispositivo legal trazido pela Lei

11.274/2006 que ao modificar os artigos 6º, 29, 30, 32 e 87 considera ter provocado

repercussões no campo da educação e interferências na práxis da formação de

professores, assim como o texto da Lei 12.014/2009 que modificou o artigo 61 deixando

claro quem profissional da educação e qual a sua formação, assim como a mudança

prescrita pela Lei 12.056/2009 que redimensiona o artigo 62 ao acrescentar três

parágrafos que, a seu ver, denotam compromissos com a melhoria da qualidade da

formação e valorização de professores. Salienta ainda o acréscimo trazido pela Lei

12.796/2013 que considera ser um indicativo de grande impacto na educação brasileira.

Nas palavras da autora:

[...] Na minha avaliação, esse dispositivo provocou grande impacto na

educação brasileira por prescrever alterações nas políticas educacionais, no

financiamento da educação, na formação e valorização dos profissionais da

educação, na reorganização da dinâmica organizacional da educação básica e

nas diretrizes curriculares nacionais da educação básica e superior. Além

disso, inclui na LDB/1996 o art. 62-A, no qual o legislador dedicou especial

atenção aos funcionários das escolas da educação básica (BRZEZINSKI,

2014, p. 133).

Todavia, salienta, assim como Demo (2008) a existência de uma grande

distância entre os valores proclamados para a formação dos profissionais da educação e

os valores reais da educação brasileira, que necessita conciliar o projeto de formação de

professores com o projeto de sociedade em prol da potencialidade da escola pública de

qualidade social.

Do ponto de vista teórico ancoramo-nos em Libâneo (2013) para evidenciar a

perspectiva de formação docente que subjaz na defesa do autor quando articula o estudo

sistemático da Didática como teoria do processo de ensino unido à preparação teórica e

prática da formação profissional do professor.

Libâneo (2013) defende que a formação do professor deve-se constituir-se de

ações coordenadas e articuladas entre si de maneira a conduzir a confluência para uma

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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unidade teórico-metodológica do curso de formação, voltado a habilitar o profissional a

dirigir competentemente o processo de ensino.

Essa confluência, segundo o autor, envolve duas dimensões formativas: a

formação teórico-científica e a formação técnico-prática, cuja organização de forma

alguma pode considerar as duas dimensões isoladas. Ao contrário, essa formação,

mediada pela Didática, requer uma contínua interpenetração entre as dimensões – um

elo entre “o quê” e “o como” do processo pedagógico escolar. Conforme descreve:

A organização da formação do professor em aspectos teóricos e práticos de

modo algum significa considerá-los isoladamente. São aspectos que devem

ser articulados. As disciplinas teórico-científicas são necessariamente

referidas à prática escolar, de modo que os estudos específicos realizados no

âmbito da formação acadêmica sejam relacionados com os de formação

pedagógica que tratam das finalidades da educação e dos condicionantes

históricos, sociais e políticos da escola. Do mesmo modo os conteúdos das

disciplinas específicas precisam ligar-se às suas exigências metodológicas.

As disciplinas de formação técnico-prática não se reduzem ao mero domínio

de técnicas e regras, mas implicam também os aspectos teóricos, ao mesmo

tempo que fornecem à teoria os problemas e desafios da prática. A formação

profissional do professor implica, pois, uma contínua interpenetração entre

teoria e prática, a teoria vinculada aos problemas reais postos pela

experiência prática e a ação prática orientada teoricamente. (LIBÂNEO,

2013, p. 27).

Complementando Libâneo (2013), Candau (2014) ao tratar das perspectivas

analíticas dos estudos realizados ao longo dos últimos anos para analisar a formação de

educadores, divide esses estudos em quatro grupos: estudos centrados nas normas,

estudos centrados na dimensão técnica do processo de formação, estudos centrados na

dimensão humana e, estudos que articulam com a perspectiva defendida por Libâneo

(2013) – estudos com referência ao contexto socioeconômico e político ao qual se situa

a prática de formação de educadores, trabalhada na interpenetração de teoria e prática,

que devem ser consideradas como uma unidade.

Candau (2014) ao caracterizar essa visão de unidade na formação do educador

apresenta elementos fundamentais para a identificação dessa perspectiva de formação: a

teoria e a prática considerados como o núcleo articulador da formação; a teoria é

revigorada, passando a ser formulada a partir das necessidades concretas da realidade

educacional; a prática educacional é sempre o ponto de partida e o ponto de chegada; a

ação do educador deverá se revelar como resposta às diferentes necessidades colocadas

pela realidade educacional e social.

Desta feita, a síntese dessa tendência para a formação do educador requer:

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6627ISSN 2177-336X

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Para tanto, a sua formação deverá ter como finalidade primeira a consciência

crítica da educação e do papel exercido por ela no seio da sociedade, o que

implica num compromisso radical pela melhoria da qualidade do ensino,

considerando-se, contudo, os limites e possibilidades da ação educativa em

relação aos determinantes socioeconômicos e políticos que configuram uma

determinada formação social.

[...]

Acreditamos que esta alternativa traz em si a possibilidade do educador

desenvolver uma “práxis” criadora na medida em que a vinculação entre o

pensar e o agir pressupõe a unicidade, a inventividade, a irrepetibilidade da

prática pedagógica. (CANDAU, 2014, p. 69).

Verifica-se assim, pela análise sobre a legislação, que apesar das

ressignificações promissoras já pautadas, não tenhamos ainda logrado êxito em uma

consolidação ampla no que diz respeito a valorização profissional tendo nesta como

integrante a formação docente, no aspecto teórico somos possuidores de fundamentos

palpáveis, não definitivos, mas sistematizados sobre a perspectiva da permanente busca

de uma escola básica de qualidade.

PARFOR: estratégia de polícia pública de formação docente

Tendo com horizonte a determinação legal da LDB (artigo 62) que “a formação

de docentes para atuar na educação básica seja realizada em nível superior, de

graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação” e o indicativo

do parágrafo primeiro do mesmo artigo “A União, o Distrito Federal, os Estados e os

Municípios, em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, a

continuada e a capacitação dos profissionais de magistério” verifica-se que a

responsabilidade pela oferta dessa formação alenta o empreendimento pela oferta de

formação inicial e continuada de professores.

Brzezinski (2014), ao apresentar algumas mudanças relevantes ocorridas na

LDB no que tange a formação de profissionais da educação, pontua experiências

coordenadas pelo Ministério da Educação – MEC destinados ao campo educacional,

conjugadas ao Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE e ao Plano de Metas

Todos pela Educação, normatizados por meio do Decreto nº. 6.094/2007.

Dentre as experiências ganha relevo a de formação de professores a distância por

meio da Universidade Aberta do Brasil – UAB que, segundo a autora, teve uma

expansão exponencial com a oferta de cursos para formação de professores após sua

inserção na CAPES por força da Lei 11.502/2007. Todavia, a tentativa desencadeou

oferta desordenada, com desrespeito aos critérios da oferta, configurando o que a autora

considerou como “equívoco do Estado em relação atendimento da população excluída”.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6628ISSN 2177-336X

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Ainda de acordo com Brzezinski (2014), a pauta sobre a formação docente foi

mantida pelo MEC e por representações da sociedade civil, como exemplo a ANFOPE

que integrou junto com entidades parceiras um movimento em prol da organização de

um Subsistema Nacional de Formação e Valorização dos Profissionais da Educação e,

com parlamentares, encamparam a proposta de articulação desse sistema ao Sistema

Nacional de Educação.

Embora a estruturação do sistema não tenha vingado a ideia e alguns princípios,

na compreensão da autora, foram tomados de fundamento para o Decreto 6.755/2009

que instituiu a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da

Educação Básica, que passou a ser conhecida como PARFOR.

A política encontrou amparo favorável para atendimento do dispositivo legal em

relação a formação de professores e ainda se configurou como indicativo prático do

regime de colaboração entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal no que diz

respeito ao movimento de recursos financeiros direcionados a formação de professores.

Registros do MEC do ano de 2013 apontam a política como substantiva em

termos de matrículas de professores na educação superior, porém, Brzezinski (2014)

registra cautela, relatando que pesquisas coordenadas pela Associação Nacional pela

Formação dos Profissionais da Educação - ANFOPE, no ano de 2012, não registraram

resultados alentadores em relação a concretização da política, conforme revela:

[...]. Estados e municípios não honraram o acordo firmado na oportunidade

de sua adesão à política de capacitação de leigos de seus sistemas e redes de

ensino. Esses entes federados romperam com o pacto de financiar a logística,

que engloba apoio para transporte, hospedagem, alimentação ou concessão de

bolsa de estudos. As condições para frequência aos cursos foram ainda mais

precarizadas, porque as Secretarias Municipais de Educação recusavam-se a

providenciar substitutos para suas aulas.

O grande desafio imposto ao professor/cursista foi capacitar-se em serviço, às

suas expensas sofrer a pena de ter de pagar seu substituto e o

constrangimento de ter de receber a menos em razão do desconto dos dias

não trabalhados enquanto marcava presença no curso de formação. Essas

medidas avultam o direito previsto no art. 67, inciso II da LDB/1996, de

aperfeiçoamento profissional contínuo. Essa atitude do poder instituído

demonstra uma imposição autoritária que impede o professor de ter o direito

de ter seu direito respeitado. (BRZEZINSKI, 2014, p. 130).

A implantação dos sistemas públicos de ensino e o seu caráter obrigatório e

universal assegura a regulação estatal sobre a educação e a conjugação desta com outras

políticas públicas dão substrato às estratégias de atuação do Estado na oferta da

educação básica obrigatória, configurando-se como política educacional.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6629ISSN 2177-336X

31

A apreensão sobre os processos que engendram a política educacional no Brasil

remete à necessidade de consideração do contexto socioeconômico, cultural e político

em que estas são formuladas e implementadas e fecundadas nas relações que se

estabelecem entre Estado e sociedade.

Azevedo (2004) considera que a política educacional comporta uma

singularidade específica que a torna herdeira de um grau considerável de desafio à

compreensão. E, porque não dizer à implementação, pois a esta se atrela a ação do

Estado, eivada de concepção abstrata de encaminhamento, com pouco ou ineficiente

auxílio à concretude ou complexidade do fenômeno, resultando em formulações de

processos que pouco levam em conta o quadro mais amplo das determinações sociais e

assim desfiguram a feição do Estado.

Considerando que a política pública se configura como um meio de o Estado

garantir as problematizações da sociedade e de essas problemáticas serem mais ou

menos atingidas de acordo com o teor de relevância que ocupem na agenda

governamental, poder-se-ia pensar que a política de formação de professores encontra-

se na pauta do dia de vários segmentos representativos da sociedade e de que essa pauta

recorrente motivou a tornar-se alvo da ação estatal consolidando a articulação do

referencial normativo setorial com o local dinamizando a perspectiva de atendimento

social global. Ou como define Azevedo:

[...] o processo pelo qual se define e se implementa uma política não se

descura do universo simbólico e cultural próprio da sociedade em que tem

curso, articulando-se, também, às características do seu sistema de

dominação e, portanto, ao modo como se processa a articulação dos

interesses sociais neste contexto. (AZEVEDO, 2004, p. 67).

Tendo-se esse horizonte analítico de que os processos que engedram as políticas

públicas, e, por conseguinte, os processos aos quais estão em curso as políticas

educacionais procurar-se-á evidenciar, no limite deste trabalho, as concepções mais

recorrentes da formação docente para os sujeitos que protagonizam essas cenas no

cotidiano da realidade brasileira.

Formação Docente: cenas da percepção do PARFOR/UFPA de Abaetetuba/PA

Tendo como base alguns elementos da formação acadêmica descritos a partir do

olhar das professoras/cursistas, atuantes na realidade educacional brasileira, pontuamos

algumas evidências da/s concepção/concepções de formação docente para esses sujeitos

sociais e protagonistas de inúmeros enredos e cenas da educação básica brasileira.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6630ISSN 2177-336X

32

Eu sabia que dentro da formação havia uma finalidade formativa para a

minha docência, e esta me afirmava que não havia uma preparação sustentada

por conhecimentos científicos obtidos no curso de magistério, para que eu

pudesse atuar com segurança contribuindo junto aos educandos. Apesar de

todo o meu esforço pra repassar para os alunos os conteúdos, eu sentia que

faltava algo. Hoje percebo que era muito vago e ao mesmo tempo não sabia

por onde começar, como contribuir para a assimilação e produção de saberes;

então compreendi que na nossa sociedade não se tem mais espaço para ensino

centrado em uma pessoa ou uma escola, assim como descobri que não se

aprende apenas na escola. (Marcilene, Bujaru);

Acredito que este trabalho tenha alcançado seu objetivo primordial, que é o

de deixar um testemunho do quanto a figura professor é importante para a

construção de uma sociedade nova, que valoriza e respeita o conhecimento

em toda e qualquer profissão. (Marcilene, Bujaru);

As falas evidenciam o reconhecimento da carência formativa para o

aprimoramento didático do processo de ensino na perspectiva de que salienta Libâneo

(2013), a formação, mediada pela Didática, requer uma contínua interpenetração entre

as dimensões – um elo entre “o quê” e “o como” do processo pedagógico escolar.

Hoje, sem dúvida, tornei-me uma pessoa mais madura e experiente, buscando

por em prática tudo o que aprendi visando a melhoria do meu

desenvolvimento profissional e pessoal. Porém, com a certeza de que a busca

deve continuar, pois entendo que na sociedade que vivemos os nossos alunos

cada vez mais necessitam de educadores com formação, que possam

contribuir com um ensino de qualidade em nossas escolas, satisfazendo

assim, a precariedade da educação em nosso país. (Ieda, Bujaru);

A formação acadêmica me fez olhar com outros olhos a minha atuação no

passado. Hoje percebo o quanto mudou a minha maneira de ver a docência

nos seus mínimos detalhes, fazendo uma articulação dos conhecimentos

adquiridos antes de cursar a universidade e depois, então percebo que são

inúmeras as mudanças que ocorreram na minha profissão, possibilitando-me

enxergar as limitações de outrora e os dilemas que porventura possam surgir.

(Ieda, Bujaru);

Houve uma significativa alteração no meu conhecimento, hoje percebo que a

formação de professores ocupa um lugar fundamental para melhorar a prática

do educador, sendo que os conhecimentos acumulados ao longo da vida,

somados com uma boa graduação, ainda assim, não são suficientes, ou seja, é

necessário atualizar-se sempre, pois a trajetória de vida pessoal e profissional

não se conclui, mas segue um caminho permanente de evoluções contínuas.

(Ieda, Bujaru);

Percebe-se pela constatação da fala a relação entre o compromisso da formação

para melhoria do processo didático, assim como pelo compromisso e contribuição com

a reparação dos percalços da educação pública, ressaltando o desejo pela realização de

um ensino de qualidade.

Embora, não tenha sido identificado na produção um aprofundamento sobre o

debate do que a professora sinalizou como “precariedade da educação”, há o

reconhecimento da existência e, ainda, o de que a formação docente ocupa lugar de

relevo na superação desse quadro.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6631ISSN 2177-336X

33

Pelos depoimentos analisados, pode-se observar que a ideia da formação teórica

como subsídio à pratica, ou como caracteriza Libâneo (2013) com uma perspectiva de

unidade, fundamentada na interpenetração de teoria e prática, é revelada pelas

professoras/cursistas, ao mesmo tempo que explicitam o desejo de buscar a ampliação

dessa articulação com uma perspectiva mais ampla, ou como define Candau (2014)

centrada no contexto, em que a prática educacional é, simultaneamente, uma prática

social em íntima conexão com o sistema político-econômico vigente.

Embora em algumas falas haja a sinalização da precariedade da educação

brasileira não há registros nos trabalhados analisados de elementos dessa natureza da

formação vivenciada, tampouco descrições das fragilidades da política de formação

denunciada por Brzezinski (2014) os quais não podem ser ignorados como aspecto da

formação, uma vez que esta demanda articulação de condições subjetivas e objetivas

para sua realização, em que o comprometimento das condições objetivas interfere nas

condições subjetivas do professor/cursista e altera o princípio da educação enquanto

prática social, uma vez que desencadeará fragilidades na formação e, consequentemente

na atuação desse profissional.

Considerações finais

Reconhecemos que as diretrizes e bases da educação nacional, por si só, não

podem ser vistas como panacéia dos recorrentes problemas da educação brasileira,

tampouco se configuram como mecanismo para alterar a realidade educacional e, em

especial, a formação inicial e continuada de professores, mas podem produzir efeitos, ao

menos de alerta, em relação a essa realidade.

Essa é uma das razões que justifica a importância deste debate para fomentar a

reflexão de questões específicas sobre a formação dos profissionais da educação e, de

modo especial, as estratégias de políticas de formação de docentes viabilizadas pela

União, em regime de colaboração com Estados, Municípios e Distrito Federal.

Promover a valorização dos profissionais da educação é uma responsabilidade

política para a melhoria da qualidade do ensino. Como já evidenciado, é diretriz para a

realização da educação em nível nacional, todavia, ainda padece de entraves que

maculam e distorcem as cenas da educação brasileira.

Concebemos que a percepção das professoras/cursistas, aproxima-se fortemente

do referencial de formação adotado neste estudo, de vinculação da Didática como

mediadora do processo formativo, configurando-se como teoria do ensino. Entretanto,

avaliamos que necessitamos urgentemente avançar consideravelmente em termos de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6632ISSN 2177-336X

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política pública de formação docente, que trate, de maneira ampla, simultânea, de forma

integrada a formação profissional e seus aspectos adjacentes como as condições para

assegurar a presença docente na formação, ou seja, a articulação das condições objetivas

e subjetivas do docente no processo de formação.

Ainda mais, concebemos que é mister a presença da sociedade civil no

acompanhamento da implementação de políticas educacionais . Assim, precisamos estar

atentos para as restrições/adaptações dos preceitos constitucionais e da LDB adequadas

à redução do Estado que não postulam ou não priorizam os interesses dos excluídos.

Destarte, sinalizamos que o profissional docente precisa compreender a

importância da formação para além do atendimento da exigência legal, conforme

defende Candau (2014) a teoria e a prática considerados como o núcleo articulador da

formação; a teoria revigorada, passando a ser formulada a partir das necessidades

concretas da realidade educacional; a prática educacional sempre como ponto de partida

e o ponto de chegada; a ação do educador revelada como resposta às diferentes

necessidades colocadas pela realidade educacional e social.

As políticas públicas para formação docente precisam constituir-se por meio de

programas e projetos que atendam de forma eficiente essa lacuna formativa na realidade

brasileira, negando os simulacros e as falsificações de formação do sujeito, tendo como

horizonte a compreensão do conhecimento das realidades e necessidades das profissões,

em especial a da profissão docente.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Janete Maria Lins de. A educação como política pública. Campinas/SP:

Autores Associados, 2004;

BRZEZINSKI, Iria. Formação de profissionais da Educação e mudanças da LDB/1996:

dilemas e desafios? Contradições e compromissos? In: BRZEZINSKI, Iria (Org.).

LDB/1996 contemporânea: contradições, tensões, compromissos. São Paulo: Cortez,

2014;

CANDAU, Vera Maria. A formação de educadores: uma perspectiva multidimensional.

In: CANDAU, Vera Maria (Org.). Rumo a uma nova didática. Petrópolis/RJ: Vozes,

2014;

DEMO, Pedro. A nova LDB: ranços e avanços. Campinas/SP: Papirus, 1997;

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2013;

PIEDADE, Marcilene do Socorro Campos. Formação e Prática Docente. Campus

Universitário do Baixo Tocantins: UFPA, 2015.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

6633ISSN 2177-336X

35

SOARES, Ieda Nazaré da Luz. Prática Pedagógica e Formação Docente: um diálogo

intermitente. Campus Universitário do Baixo Tocantins: UFPA, 2015;

i Professor Doutor da Universidade Federal do Pará, líder do Grupo de Pesquisa e Extensão Sociedade,

Estado e Educação: ênfase nos governos municipais e na educação do campo. Coordenador do Curso de

Licenciatura em Educação do Campo. Professor de estágios e prática pedagógica. Membro da executiva

do Fórum Regional da Educação do Campo – FORECAT. Membro do Fórum Municipal de Educação de

Abaetetuba – FME.

ii -Doutoranda em Educação (PPGED-UFPA-2016); Mestra em Educação (PPGED-UFPA-2012),

Pedagoga (UFPA-2004); Especialista em Educação; Coordenadora do Fórum Municipal de Educação de

Abaetetuba/PA; Membro do Fórum Regional da Educação do Campo do Baixo Tocantins; Coordenadora

de Projetos na área da Educação do Campo de Abaetetuba; Professora colaboradora do PARFOR,

Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas da Educação do Campo na Amazônia-(GEPERUAZ) e

Grupo de Pesquisa e Extensão Sociedade, Estado e Educação: ênfase nos governos municipais e na

educação do campo (GEPESEED).

iii -Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica- destinado aos professores da rede

pública da educação básica, em exercício há pelo menos 3 anos, sem formação adequada à Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB. iv Doutoranda em Educação do Programa de Pós Graduação em Educação da UFPA. Coordenadora do

Conselho Municipal de Educação de Abaetetuba/PA; Membro do Fórum Municipal de Educação de

Abaetetuba/PA; Professora colaboradora do PARFOR, Membro do Grupo de Pesquisa e Extensão

Sociedade, Estado e Educação: ênfase nos governos municipais e na educação do campo (GEPESEED).

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6634ISSN 2177-336X