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DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO NO PARFOR/UFPA DE
ABAETETUBA/PA: SABERES E FAZERES DA FORMAÇÃO DOCENTE
O Painel apresenta o resultado de uma ação desenvolvida pelos sujeitos envolvidos no
Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica –PARFOR, no
Campus Universitário de Abaetetuba/PA. O trabalho comporta discussões sobre
elementos políticos e didáticos da formação docente protagonizada pelo PARFOR,
constituídos a partir das memórias dos saberes e fazeres docentes expressos nos
trabalhos de conclusão de curso – memoriais acadêmicos. A construção busca
evidenciar a relevância do PARFOR no papel do ressignificar a prática pedagógica dos
docentes em formação, tendo como foco a contribuição dos professores formadores nas
orientações do Trabalho de Conclusão de Curso por meio do procedimento
metodológico de histórias de vida - memorial e de evidenciar a percepção desses
sujeitos sobre a política de formação docente pela qual foram formados. A metodologia
dos trabalhos que formam o Painel se fundamenta na abordagem qualitativa, com
pesquisa bibliográfica a partir do referencial Freire (2011) e Tardif (2002). Integram-se
as análises de fragmentos de relatos que formam as evidências sobre formação escolar,
amarras da vida, formas de agir e reagir em vista do ressignificar em prol da
transformação pessoal, social, e principalmente educacional, bem como da percepção do
programa de formação, traduzida por meio da ação/reflexão/ação em comparação com o
processo de escolarização e de trajetória docente anterior e posterior a formação
acadêmica. O trabalho está estruturado em três artigos, que abarcam elementos da
política de formação do PARFOR de Abaetetuba/PA e análises dessa política a partir do
ponto de vista da Didática e da prática pedagógica evidenciadas nos memoriais
acadêmicos, ressaltando a importância deste valioso instrumento metodológico para a
identificação das concepções dos sujeitos protagonistas da formação, assim como para o
repensar sobre a prática e a política de formação em perspectiva de ressignificação.
Palavras-chave: Memórias. Formação docente. PARFOR.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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SABERES E FAZERES DA FORMAÇÃO DE DOCENTES DO PARFOR NO
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO BAIXO TOCANTINS
Afonso Welliton de Sousa Nascimentoi
RESUMO
Este artigo apresenta o resultado de uma ação desenvolvida pelos sujeitos envolvidos no
Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) no
Campus Universitário do Baixo Tocantins. Ação essa que cresceu a partir do ouvir as
necessidades e dificuldades dos docentes ao ingressarem na Universidade pelo processo
seletivo diferenciado. Indagou-se: de que maneira se poderia potencializar as
experiências pedagógicas dos docentes em formação? Portanto o objetivo dessa
produção é evidenciar a relevância do PARFOR no papel de ressignificar a prática
pedagógica dos docentes em formação, tendo como foco a contribuição dos professores
formadores nas orientações do Trabalho de Conclusão de Curso por meio de Histórias
de vida- Memorial. Como metodologia assumimos um trabalho na abordagem
qualitativa, com pesquisa bibliográfica e procedimentos por meio de oficinas de
História de vida- memorial. Dessa forma, abarcamos como referencial Paulo Freire
(2011) e Tardif (2002). Pontuamos o item: O Processo formativo dos professores
formadores e docentes em formação no programa, devido a preocupação de qualificar
melhor os professores formadores que assumiram a orientação do Trabalho de
Conclusão do Curso na metodologia de Memorial. Diante do contexto local amazônico
dos docentes em formação, que em número significativo moram e trabalham no campo,
com seus inúmeros problemas de acesso aos estudos, de material didático e acervos
bibliográficos, de formação pedagógica específica, condições desfavorável de
locomoção do campo para a cidade e dificuldades econômicas, sociais e educacionais,
fez-se necessário que em rede, a formação fosse assumida por todos na obtenção do
resultado exitoso no ressignificar da prática pedagógica dos docentes em formação.
PALAVRAS-CHAVE: PARFOR; formação docente; prática pedagógica
INTRODUÇÃO
Um galo sozinho não tece a manhã: ele precisará sempre de outros galos. De
um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro: de outro galo que apanhe
o grito que um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos
outros galos se cruzam os fios de sol de seus gritos de galo para que a manhã,
desde uma tela tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. E se encorpando
em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, no toldo (a
manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
(Do poema Tecendo a Manhã, de João Cabral de Melo Neto).
Apresenta-se neste artigo uma iniciativa de formação inicial, o Plano Nacional
de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR que, na modalidade
presencial, constitui um Programa emergencial instituído para atender o disposto no
artigo 11, inciso III do Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, implantado em
XVIII ENDIPE
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regime de colaboração entre a União por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - CAPES, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e
Instituições de Educação Superior - IES.
O PARFOR possui como objetivo estruturante de suas ações "induzir e fomentar
a oferta de educação superior, gratuita e de qualidade, para professores em exercício na
rede pública de Educação Básica, para que estes profissionais possam obter a formação
exigida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB e contribuam para
a melhoria da qualidade da educação básica no País". (CAPES, 2010).
O PARFOR, se faz numa proposta de tecedura em rede. Uma grandiosa teia com
inúmeros educadores pelo estado do Pará. Educadores estes que sonham uma nova
forma de educar o educador.
Neste sentido, se faz necessário, intensificar o diálogo com uma rede de
educadores, formadores dos alunos e alunas do programa. Aos poucos, se busca novas
metodologias a serem compartilhadas com eles no exercício da pesquisa e produção
acadêmica no interior do curso de Pedagogia. Mesmo diante das dificuldades de se
coordenar um programa com grandes dimensões geográficas de atendimento e com suas
contradições, principalmente na região amazônica, cria-se possibilidades de realizar os
cursos de forma articulada com a realidade dos educadores e dos educandos.
A partir do ano de 2009 o Campus Universitário do Baixo Tocantins passou a
integrar o PARFOR que hoje conta com aproximadamente 600 alunos, distribuídos nos
cursos de Letras (língua Portuguesa), Matemática e Pedagogia que funcionam nos
Municípios de Barcarena, Abaetetuba, Tomé-Açu, Bujaru, Tailândia, Concórdia do Pará
e Dom Elizeu.
Desse modo, o Campus Universitário do Baixo Tocantins vem atender por meio
do PARFOR, uma demanda de professores da Educação Básica, que necessitam da
primeira e segundas graduação para qualificação da prática docente nas escolas
públicas, principalmente na Educação do Campo. Necessário se faz a formação dos
professores formadores para potencializar o ressignificar da prática docente dos
graduandos do curso de Pedagogia Parfor.
No “cuidar” dessa formação, enquanto docentes do Campus de Abaetetuba,
propôs-se momentos com espaço de reflexão e vivência pedagógica, com o objetivo de
repensar a prática educativa dos educadores em processo de formação contínua,
oportunizando a sistematização de saberes da experiência, bem como a apropriação de
saberes científicos produzidos historicamente no campo educativo.
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Para os professores formadores do PARFOR, emergiu a indagação: de que
maneira se poderia potencializar as experiências pedagógicas dos docentes em
formação? Primeiro, porque já possuíam experiências em sala de aula nas escolas da
rede pública. Segundo, a necessidade de ser uma formação significativa para sua
docência dentro dos saberes e fazeres das educadoras do campo.
Buscou-se então, redirecionar as atividades de formação qualificando os
professores formadores, lhes dando oportunidade de se aproximarem do campo
educacional em que os docentes em formação estão inseridos profissionalmente, não se
distanciando de sua realidade. Neste cenário amazônico os docentes em formação, que
moram e trabalham no campo, com seus inúmeros problemas de acesso aos estudos, de
material didático e acervos bibliográficos, de formação pedagógica específica,
condições desfavoráveis de locomoção do campo para a cidade e dificuldades
econômicas, sociais e educacionais, foi preciso instalar um processo de reflexão sobre
as atividades desenvolvidas de forma ampla e democrática. Segundo Freire é na
formação do professor que devemos exercitar a reflexão crítica sobre a prática. Assim,
“É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima
prática” (FREIRE, 2011, p.43/44).
Apresenta-se, portanto, a relevância do PARFOR no Campus Universitário do
Baixo Tocantins de Abaetetuba, na formação dos professores formadores e dos docentes
da Educação Básica em Formação como se estabelece na concepção de Tardif (2002) do
saber da experiência, saber das disciplinas (científico) e o saber especializado em
educação (pedagógico).
1 Processo formativo dos professores formadores e docentes em formação no
PARFOR
O Campus Universitário de Abaetetuba, também, conhecido como Campus do
Baixo Tocantins, foi implantado em 1987, no município de Abaetetuba. Os primeiros
cursos ofertados foram Matemática, Letras, Pedagogia, História e Geografia, todos em
regime intervalar. As aulas eram ministradas nas escolas publicas da rede municipal de
ensino.
Em 1992, o Campus inicia suas primeiras turmas de cursos de licenciatura em
caráter regular, Letras e Matemática. E, em 2005, são ofertadas de forma flexibilizada
(do Campus do Guamá) turmas dos cursos de Ciências Contábeis e Física; além da
criação de turmas de Letras e Pedagogia - a partir do ano 2000 - que são regidas por
contrato e subsidiadas com recursos do Fundo de Desenvolvimento do Ensino
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Fundamental – FUNDEF, estabelecidas, em parceria com prefeituras para a capacitação
e formação de professores das redes municipais, oferecidas em Tomé-Açu, Concórdia
do Pará, Tailândia e Abaetetuba.
Hoje, o Campus oferece cursos regulares de Licenciatura em Letras/Língua
Portuguesa, Letras/Língua Espanhola, Educação do campo, Matemática e Pedagogia e
Bacharelado em Engenharia Industrial, além dos cursos de Física - Licenciatura.
Os cursos de licenciatura representam o escopo de formação de professores da
Educação Básica para a região paraense, logo podemos afirmar que possuem importante
papel no que se refere à educação regional. Essa formação tem sido marcada
historicamente pela dualidade entre teoria e pratica, porém nos últimos anos os Projetos
pedagógico dos cursos, propõem uma nova configuração para a formação docente no
interior desses cursos, incorpora-se a vivência pedagógica e o diálogo com a escola
pública como formas de construir os saberes necessário para o exercício docente.
Como primeira ação, visando potencializar a formação dos docentes em
formação, a Coordenação do Curso de Pedagogia, viabilizou a formação do Grupo de
Formadores do PARFOR/Pedagogia com objetivo de constituir um grupo
interdisciplinar articulado para orientação, sistematização e acompanhamento das
oficinas pedagógicas na metodologia de memorial/autobiografia a serem realizados com
os alunos do curso de Pedagogia em seus respectivos municípios.
Com atividades voltadas à perspectiva do memorial, no exercício da narrativa de
histórias de vida, o Grupo de Formadores visou oportunizar aos graduandos do curso de
Pedagogia, a vivência necessária à profissionalização docente no encontro de
experiências pedagógicas vivenciadas por professores nos seus diversos contextos, a
partir da articulação das atividades didático-pedagógicas desenvolvidas nas diversas
disciplinas, permeada com a realidade educacional das escolas públicas, nas quais esses
professores em formação atuam.
Neste processo de valorização de saberes e práticas docentes desencadeadas no
programa, considera-se necessário, a realização de formação pedagógica elaboradas no
atendimento dos professores formadores, pois este formador passa a ser catalisador e
promotor dessas experiências, ao mesmo tempo contribui para a formação do
licenciado, articulando teoria e prática em um processo de ação-reflexão-ação que se
corporificara na práxis educativa.
Em formação com docentes da Educação Básica, pode-se afirmar que o saber do
professor está diretamente relacionado com suas práticas desenvolvidas no cotidiano
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escolar. São os seus conhecimentos, adquiridos dentro e fora do espaço escolar
(magistério, experiência de vida, formação docente, universidade e etc) que irão compor
e está presente nas práticas de ensino utilizadas por cada docente. Segundo Tardif:
ensinar é mobilizar uma ampla variedade de saberes, reutilizando-os no
trabalho para adaptá-los pelo e para o trabalho. A experiência de trabalho,
portanto, é apenas um espaço onde o professor aplica saberes, sendo ela
mesma saber do trabalho sobre saberes, em suma: reflexividade, retomada,
reprodução, reiteração daquilo que se sabe naquilo que se sabe fazer, a fim de
produzir sua própria prática profissional. (TARDIF, 2002, p. 21)
Tardif discorre a respeito dos saberes docentes e a sua relação com a formação
profissional dos professores e ainda com o próprio exercício da docência. Aponta como
compreender o que os mesmos pensam sobre os seus saberes, e enfatiza que o saber
docente é um “saber plural, formado de diversos saberes provenientes das instituições
de formação, da formação profissional, dos currículos e da prática cotidiana” (Idem, p.
54).
Na ideia de pluralidade, o autor discute que a possibilidade de uma classificação
coerente dos saberes docentes só existe quando associada à natureza diversa de suas
origens, às diferentes fontes de sua aquisição e as relações que os professores
estabelecem entre os seus saberes e com os seus saberes. Existem três saberes
relacionados aos professores, o autor nos fala que:
o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o
saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua
experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas relações
com aos alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola,
etc. Por isso é necessário estudá-lo relacionando-os com esses elementos
constitutivos do trabalho docente. (Ibdem, 2002, p.11).
Esses saberes, como já foram citados, estão divididos em: saber da experiência,
saber das disciplinas (cientistas) e o saber especializado em educação (pedagógica). O
primeiro corresponde ao conhecimento adquirido pelo professor, durante sua vivência
em sala de aula, suas experiências enquanto educador, o saber das disciplinas esta
relacionado aos conhecimentos adquiridos nas instituições de ensino, universidades, já o
saber especializado em educação ou pedagógico consiste nos conhecimentos adquiridos
por meio da intervenção pedagógica dentro ou fora do espaço escolar, projetos de
formação de professor e etc. Todos esses saberes estão diretamente ligados à formação
do educador, e é por meio deles que o docente, encontrará todo o conhecimento de que
necessita para se instrumentalizar e exercer sua função de modo produtivo reflexivo.
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com efeito, o valor social, cultural e epistemológico dos saberes reside em
sua capacidade de renovação constante, e a formação com base nos sabres
estabelecidos não passa de uma introdução ás tarefas cognitivas consideradas
essenciais e assumidas pela comunidade científica em exercício. (TARDIF,
2002, p. 34).
Compreende-se, todo o conhecimento adquirido pelo professor, seja por meio de
suas experiências, seja por meio de estudo dos saberes científicos e pedagógicos,
influenciam de modo determinante em sua prática docente. Ainda, segundo o mesmo
autor , “o saber dos professores é plural e também temporal, uma vez que, como foi dito
anteriormente, é adquirido no contexto de uma história de vida e de uma carreira
profissional.” (Idem, 2002, p. 19).
Enfatiza o autor, que todo conhecimento adquirido pelo professor, seja por meio
de suas experiências, seja por meio de estudo dos saberes científicos e pedagógicos,
influenciam de modo determinante em sua prática docente, pois “o saber dos
professores é plural e também temporal, uma vez que, como foi dito anteriormente, é
adquirido no contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional.” (Ibdem,
2002, p. 19).
Ao se compreender que a formação docente como um processo emancipatório,
colaborativo e processual, que se constitui a partir dos saberes docentes necessários a
profissionalização do professor, passa-se a assimilar que a prática docente se constitui a
partir de uma aprendizagem compartilhada, assim as formações para os docentes
formadores constituiu-se em um espaço privilegiado para a construção de práticas
docentes interdisciplinares, visando a integração entre alunos e professores da
Graduação/PARFOR e o e professores da rede pública de ensino do Município de
Abaetetuba, Tailândia, Bujaru, Tomé-Açu, Dom Eliseu e Barcarena.
O Projeto de Formação para docentes pretendeu criar um espaço educativo
propício para ressignificação da prática docente. Isso se justifica devido à importância
de oferecer oportunidades aos alunos graduandos do PARFOR de trocarem experiências
formativas com professores em serviço, para esses professores a profissão docente deve
se constituir a partir de uma vivência pedagógica estimulada nos espaços formativos da
própria escola pública.
No processo de realização do Projeto de Formação Docente, os professores em
formação do PARFOR tiveram a oportunidade de produzir suas memórias que resultou
como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Momento impar para fomentação da
ressignificação da prática pedagógica.
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Etapas de desenvolvimentos do Projeto de Formação Docente:
1ª Etapa
a) Formação do Grupo de Formadores do PARFOR/Pedagogia
Objetivo: Constituir um grupo interdisciplinar articulado para orientação, sistematização
e acompanhamento das oficinas de formação de memória docente que serão realizados
pelos professores formadores.
b) Organização do processo de construção das Oficinas de formação de memória
docente
Objetivo: Elaboração da Proposta de Oficinas
2ª Etapa
a) Realização de reuniões com professores, alunos graduandos e coordenação local do
PARFOR por município
Objetivo: Planejamento das oficinas, definição de tema distribuição de tarefas e
definição de grupo de alunos por município e por escola.
3ª Etapa
a) Discussão das propostas das oficinas e produção do memorial.
Objetivo: Produzir história de vida com orientação dos professores formadores
b) Socialização dos resultados.
Objetivo: Oportunizar os graduandos a partilha de saberes a partir de suas histórias de
vida e práticas docentes interdisciplinares e qualifica-los para o efetivo exercício da
docência
A partir das experiências desenvolvidas por meio das formações dos docentes foi
elaborado relatos de vivência apresentando reflexões acerca da carreira docente e suas
perspectivas, a formação profissional e o exercício da docência, reflexões sobre a
realidade da escola e as dificuldades das atividades docentes em sala de aula.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Investir na qualificação de docentes da Educação Básica, tendo como foco o
PARFOR curso de Pedagogia, traduz o esforço da Universidade Federal do Pará –
UFPA, em proporcionar a formação de um profissional capaz de desenvolver práticas
educativas, a partir da problemática contextual na qual a escola, os alunos e professores
se inserem. Esta ação exige que em relação à formação do pedagogo há necessidade de
se planejar, executar e avaliar atividades educativas implicadas com outros
conhecimentos necessários: filosofia, história, antropologia, psicologia, política e
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economia. Presume-se que, assim, o profissional a ser formado não operará sua prática
de forma alienada do contexto social e cultural no qual os processos educativos
ocorrem.
O Curso de Pedagogia voltado para a formação inicial, com vistas
principalmente ao exercício da docência na educação infantil e séries iniciais do ensino
fundamental e da gestão dos espaços educativos, fundamenta-se na concepção de que é
na práxis do professor que se constroem as competências necessárias para a
compreensão do trabalho pedagógico em todas as suas dimensões.
No atendimento a formação docente dos ingressos, principalmente de
professores em formação do campo, no curso de Pedagogia, permeada com suas
histórias de vida de luta, recomeço, desafios e superações, compreendeu-se as
contradições e buscou-se caminhos para superar o cotidiano empobrecido de propostas
formativas tradicionais e se propôs metodologias colaborativas, interativas, inovadoras,
que permitissem aos educandos se sentirem parte do processo de formação e co-
responsáveis por sua formação acadêmica.
Essa tarefa articuladora de produção de saberes tornou-se para os professores
formadores, os docentes da Educação Básica em formação e coordenadores de cursos,
um esforço sobre-humano, mas se fez, pois as perspectivas de resultados a partir dos
memoriais viriam para ressignificar a prática docente.
Foi articulado: pesquisa, ensino e extensão, entrelaçadas as práticas cotidianas
dos alunos e alunas que ingressavam no processo de formação do PARFOR. Se
construiu novas experiências baseadas na vontade de ensinar e aprender. Obviamente,
ainda está se aprendendo a fazer esse novo processo educativo, rompendo com a lógica
positivista de formação da excelência acadêmica que desvaloriza as práticas dos sujeitos
em seus lugares e seus saberes tradicionais.
Além disso, o trabalho de sistematização e estudo das experiências seus desafios,
métodos e resultados, perspectivas de melhoria da escola pública e da educação básica
em especial, apresentam-se aqui como grandes desafios à universidade, com as reais
necessidades desses profissionais já inseridos na realidade escolar.
Assim, o PARFOR se diferencia exatamente por valorizar as práticas e os
saberes das experiências dos professores e professoras que adentram as salas de aula
para estudar em cada etapa letiva. E, como resultado dos momentos de formação para
professores formadores do PARFOR e para os docentes em formação esses são saberes
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que certamente deixam uma marca indelével de novas possibilidades inovativas nos
processos e práticas escolares.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR.
Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009;
FREIRE, Paulo, Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa /
Paulo Freire, São Paulo, Paz e Terra, 2011;
____ Pedagogia do oprimido. 12 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983;
TARDIF, M. “Os professores face ao saber: Esboço de uma problemática do saber
docente”. Teoria e Educação, nº 4, 1991.
________________________________________
i Professor Doutor da Universidade Federal do Pará, líder do Grupo de Pesquisa e Extensão Sociedade,
Estado e Educação: ênfase nos governos municipais e na educação do campo. Coordenador do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo. Professor de estágios e prática pedagógica. Membro da executiva
do Fórum Regional da Educação do Campo – FORECAT. Membro do Fórum Municipal de Educação de
Abaetetuba – FME.
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CACOS DAS MEMÓRIAS DE MULHERES EDUCADORAS DO CAMPO NO
RESSIGNIFICAR DO PROCESSO FORMATIVO
Maria Barbara da Costa Cardosoii
RESUMO
Esta produção visa evidenciar a relevância do memorial de mulheres educadoras do
campo (docentes da Educação Básica), concluintes do Curso de PARFORiii
do Campus
Universitário de Abaetetuba/PA. Justifica-se o destaque ao gênero feminino, devido o
curso de pedagogia do PARFOR do Campus de Abaetetuba ser constituído em média de
98% (noventa e oito por cento) de mulheres. E desse número, identifica-se 80% (oitenta
por cento) de docentes em formação moradoras do campo. No processo do Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC) percebeu-se a angustia das alunas em relação à produção
final: De que maneira podem produzir o TCC trazendo ressignificação para vida
docente na Educação Básica? Dessa forma, apresentou-se como uma das alternativas, a
construção do memorial. A metodologia assumida (Memorial), narrada com história de
vida, é aqui apresentada com fragmentos de relatos que contribuem com informações da
escola tradicional, das amarras da vida, e de como podemos agir de forma a ressignificar
essas histórias em prol da transformação pessoal, social, e principalmente educacional.
No trajeto da vida acadêmica as graduandas do curso de Pedagogia PARFOR vão em
busca dos cacos de suas memórias na pretensão de trazer uma releitura de suas vidas,
principalmente, da escolarização. Na maioria dos memoriais as escritoras registram a
sua infância, recordando a educação tradicional que tiveram, assim como, metodologias
de ensino que não cultivavam o diálogo com os educandos, numa prática de mera
deposição de conteúdo, desconectados com a realidade dos mesmos. Diante de tais
lembranças, elas refletem posturas que hoje buscam não reproduzir, procurando no
estudo e na pesquisa novas práticas que possam envolver o aluno, respeitando sua voz,
seus saberes e costumes. Destacou-se relatos das graduandas fazendo-se evidência
desses pequenos cacos de memórias.
PALAVRAS-CHAVE: Memórias- formação docente- mulheres educadoras
INTRODUÇÃO
O Campus Universitário do Baixo Tocantins de Abaetetuba vem firmando-se na
política de formação à docência da Educação Básica, especialmente na Educação do
Campo. Na demanda recebida, constatou-se que no Curso de Pedagogia PARFOR
destaca-se o gênero feminino, constituído em média de 98% (noventa e oito por cento)
de mulheres. E desse número, identifica-se 80% (oitenta por cento) de docentes em
formação moradoras do campo. (Base de Dados Secretaria do PARFOR, 2015).
O curso de Pedagogia PARFOR trouxe de forma significativa para a formação
docente das educadoras, novos conhecimentos, possibilitando ressignificar suas práticas
docentes nas escolas públicas. Mulheres educadoras do campo vivenciam um contexto
específico no cenário educacional amazonense. Tornam-se invisíveis, e oportunidades
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de melhores condições de vida e trabalho lhes são negadas. Travessias de território
campo-cidade-cidade-campo lhes são impostas para o enfrentamento a desafios na
busca de conhecimentos e liberdade de vida e trabalho. De que maneira as mulheres
educadoras do campo, agora adentrando no nível superior, podem ressignificar sua
prática docente na Educação Básica? Como reescrever suas histórias? Como trabalho de
Conclusão do Curso de Pedagogia optaram pelo memorial. Este método lhes favoreceu
um encontro de volta para si, com seu passado, e o mais relevante, um ressignificar na
prática docente.
1. Às travessias da rememorização na prática docente.
No processo de caminhar para si, as docentes graduandas do curso de Pedagogia
PARFOR, ao buscar ressiginificar suas memórias se deparam com o entrelace entre o
passado e o presente impregnado de emoção, paixão, bem como outros sentimentos:
É nesse terreno da memória que se sustentam categorias como paixão, prazer,
desejo, esforço, vontade, fé, resistência coragem e muitas outras que se
entrelaçam na complexidade da existência humana. Ao mesmo tempo, a
memória, fruto da subjetividade de cada um, um dos sonhos almejados e
perdidos que se arquivam nos sótãos empoeirados de uma longa existência,
possibilita desvios de interpretações equivocadas dependentes da vida que se
viveu e do êxito ou malogro das experiências (ALMEIDA, 1998, p.53)
Rememorar como sinônimo traz a compreensão de incitar uma lembrança; fazer
lembrar, despertar uma memória, uma ideia, um pensamento, recapitular, transportar,
acordar, comemorar, conservar, revolver, lembrar, renovar, voltar, atinar, memorar,
vislumbrar, reavivar. Enfim, uma excelente forma de se revisitar e exercitar a memória é
arrumar gavetas, rever álbuns, reler cartas há anos guardadas, ouvir histórias de vida da
geração mais velha da família. Rememorar é o momento de considerar a necessidade de
continuar guardando algumas coisas porque realmente têm um significado especial. No
fazer deste momento, aciona- se lembranças agradáveis, tristes, por vezes incômodas.
É certo que constantemente, o ser humano busca selecionar e armazenar fatos
marcados desde simples vivências, em que se arquivam os vestígios da própria
existência. Os rabiscos, rascunhos de experiências, se dão por meio de fragmentos, os
cacos do passado ora conservados, de certa forma, pequenos vestígios que vem nas
lembranças. Nesta busca de arquivo, ocorre o fundamental, que é a seleção dos
momentos marcante neste acervo em constante processo de construção e reconstrução.
Minha experiência de vida é recheada de lembranças, de fatos, o qual escrevo
e reflito trazendo de volta uma nova lição para minha vida. A minha
formação construída em todo o processo de minha vida, foi de extrema
relevância para ser o que sou hoje. Sem dúvidas, sou resultado de tantos
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momentos, ora de dor, ora de alegrias, inesquecíveis, permeados pelos
desafios, tormentos, bullying, preconceitos, enfim, os problemas de
relacionamentos positivos ou frustrantes, fizeram-me crescer como
profissional e como pessoa (SOUSA, 2013).
A relevância do memorial na vida das mulheres educadoras que residem no
campo, e que vem à cidade para estudar na Universidade, no desafio do enfrentamento
de uma nova realidade cultural, torna-se fundamental por quebrar o silêncio que as
aprisionavam. E inspirados em Paulo Freire se apoderam de suas histórias, as
reescrevem, as rememorizam como fonte das realidades essenciais, que inspiraram o
desenvolvimento de suas maneiras de ver, analisar, e interpretar as narrativas escritas e
reescritas por elas, por meio do diálogo, do ouvir, do relembrar das narrativas de
formação de si, ao longo da vida.
Às vezes relembrar o passado pode parecer nostalgia, mas quando essas
lembranças te reportam a coisas boas e coisas que não são tão boas, mas que
te fizeram crescer como pessoa, mulher, mãe e profissional vale apena
lembrar, pois os mesmos existem para te tornarem mais forte para enfrentar a
vida e conquistar alguns sonhos a muitos acalentados, os quais me fizeram
seguir em frente e chegar até onde estou hoje, entre eles estão: O de
conseguir minha casa própria, criar meus filhos dando-lhes boa educação,
moral e ética, conseguir uma carreira profissional e o mais importante de
todos, cursar uma universidade, para ter o tão sonhado diploma de “curso
superior” (ASSUNÇAO, 2013).
O exercício de rememorar fatos ocorridos na trajetória de vida oportuniza a
recordação de vivências responsáveis pela construção do que somos hoje. Nessas
memorias firmam-se o alicerce de histórias de vida, traçada, muitas vezes, por
momentos de sabores e dessabores que, ao longo dos tempos se transformam em
importantes experiências de vida.
O olhar para o ontem também possibilita um encontro com as raízes, encontro
com o seu chão, do lugar de origem. Ao recordar os tropeços, desafios, dificuldades e
aquisições, pode-se vir a desenvolver uma postura mais humana, humilde e
compreensiva em relação ao eu e ao outro. Ao contrário, se deixar cair no vão do
esquecimento um rico campo de informações sobre nós, corre-se o risco de não
reconhecer-se mais nas nossas origens, reforçando, também, o seu esquecimento em
outras esferas sociais.
Nasci em uma localidade ribeirinha no interior do município de Igarapé-Miri,
município que fica na região Tocantina do Estado do Pará. A comunidade era
habitada por poucos moradores, a qual era chamada Rio Anapu. Falar da
minha infância é como se eu estivesse lá naquele momento e no mesmo lugar
pacato do interior onde tudo era bem distante, onde moravam só a minha
família e poucos moradores. Eu não nasci em berço de ouro, nasci no seio de
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uma família humilde, porém muito religiosa, onde na época eram todos
voltados ao catolicismo (SOUSA,2013).
Dessa forma, a memória permite trazer à tona elementos significativos da nossa
formação social, constituindo, além de espaço identitário, uma rica fonte para reflexões
sobre a nossa realidade histórica.
2. Evidência de pequenos cacos de memórias.
Na maioria dos memoriais, as escritoras registram a sua infância, recordando a
educação tradicional que tiveram, assim como, metodologias de ensino que não
cultivavam o diálogo com os educandos, numa prática de mera deposição de conteúdo,
desconectados com a realidade desses sujeitos. Diante de tais lembranças, elas refletem
posturas que hoje buscam não reproduzir, procurando no estudo e na pesquisa novas
práticas que possam envolver os educandos, respeitando sua voz, seus saberes e
costumes.
2. 1- Formação de 1ª a 4ª série- Multissérie – Memorial de BARRETO, Sandra Sueli
Amorim.
Aos oitos anos de idade obtive minha primeira experiência escolar em um
externato. A professora tinha uma metodologia de ensino muito autoritária, não me
recordo do seu nome, mas o trauma que me causou ficou para sempre, marcado por
terrorismo e violência. A partir do momento que chegávamos à sala de aula, não
podíamos nos mexer, sequer abrir a boca. Caso esta regra fosse quebrada por algum
aluno, a penalidade era apanhar de vareta na cabeça ou com a palmatória . A qualquer
movimento que eu fazia fora do meu limite de espaço, que se restringia à cadeira,
levava “varetadas”, isso me deixava revoltada, pois nunca fui maltratada no meu
ambiente familiar e me esforçava muito para agradar a professora.
Como esse contexto era muito distante daquele em que fui criada, com muita
persistência consegui ficar por três semanas na escola, mas depois já com muitos
“galos” (inchaços) na cabeça e na mão por não conseguir ficar feita estátua, me recusei
a entrar na sala de aula e ficava escondida atrás das mangueiras próximas à escola até a
hora da saída. Até que certo dia minha avó, que já havia sido alertada de minha
peripécia, me achou atrás de uma árvore, me levou pra casa e pela primeira vez apanhei
de um familiar.
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Os recursos pedagógicos usados eram quadro – negro, giz, livro e caderno, na
sala havia uma mesa grande e dois bancos compridos onde os alunos, desde a 1ª até a 3ª
série, realizavam as atividades. Todos os alunos estudavam no período da manhã.
Naquele ano cursei finalmente a 1ª série, já aos 10 anos de idade. Vale ressaltar,
que eu já havia sido alfabetizada, em casa, na cartilha do ABC, junto com meus primos
e por isso quando ingressei na escola, na 1ª série, já sabia o alfabeto decorado e estava
lendo algumas palavras. Lembro-me desse período em que eu ficava cansada de tanto
copiar as letras do alfabeto, e isso de uma forma isolada, depois de muitas repetições de
som, é que começávamos a escrever palavras, frases e muitas cópias. Não havia
preocupação da professora em criar algo novo, inovador, não havia interação do
conhecimento entre professor e aluno ou alunos e alunos. Enfim, todo conhecimento era
mecânico e o aluno conduzido à memorização dos conteúdos.
A professora tinha que se desdobrar para atender a todos na turma multisseriada,
trabalhando com língua portuguesa, matemática, ciências, história e geografia. Mas o
que realmente me marcou foi o sistema de ensino tradicional, com direito à palmatoria,
o aluno não tinha voz e o aprendizado era marcado por repetição de cópias,
memorização e castigos.
2. 2- Escolarização marcada no entrelace a traumas, assédio, violência sexual –
Memorial de ASSUNÇÃO, Maria da Conceição. M.
Meu primeiro dia de aula foi uma experiência não muita agradável, pois minha
primeira professora, a qual não me recordo o nome, não era muito brava, porém, meus
colegas no inicio não gostavam muito de ficar comigo, até porque eu já tinha medo de
qualquer criança que se aproximasse de mim, pois tinha a impressão de que já iam me
bater, ou me fazer alguma maldade. Então, preferia ficar sozinha em um lugar qualquer
da sala ou do recreio. Eu era, e sempre fui quieta e calada. Nunca falava ou questionava,
até por que não podíamos questionar com os professores da época, pois eram como se
fossem nossos pais. Eram temidos pelos alunos, e não havia quem questionassem com
eles. E, se por um acaso, alguém o fizesse, era colocado de castigo em cima do milho
atrás da porta da sala ou se fosse mais grave a coisa, eles mandavam direto para
secretaria e lá o diretor castigava o aluno com repetições de palavras, ou seu próprio
nome no caderno.
Pior seria se o diretor ou o professor mandassem chamar os pais, porque além de
ser castigados, ainda apanhávamos de nossos pais na frente de qualquer pessoa que
estivesse ali. Os alunos dessa época eram como se fossem seres alienados, os quais
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estavam ali somente pra receber instruções, tinham que ser passivos, pois não podiam se
quer se levantar das carteiras, conversar então, só no recreio, e isso, muito
discretamente, porque sempre havia alguém nos observando.
Foi muito difícil o meu ingresso na escola, pois eu nunca tinha estudado e já
estava com oito anos sem saber ler ou escrever, sem contar que na maioria das vezes eu
ia pra escola com fome, e esse horário era muito ruim, porque entrávamos ás onze horas
e saíamos às três da tarde. A professora da referida escola foi minha primeira
professora, não me recordo muito, apenas lembro que não era tão má e nem tão boa, até
não se importava quando os alunos conversavam em sala, contanto, que tivessem
terminado os trabalhos e que não atrapalhasse os colegas. Seu método de ensino era
tradicional o qual era típico da época, era a base de cópias, pois éramos da 1ª série do
primeiro grau, e a grande maioria não sabia nada.
Por isso, eles utilizavam para alfabetizar seus alunos, as letras do alfabeto que
faziam no caderno em pontinhos, para que os alunos pudessem cobrir, não só o alfabeto,
mas seus nomes, palavras aleatórias e várias outras coisas, pois este era na verdade a
maneira que encontravam para trabalhar a coordenação motora dos seus educandos.
Fazíamos isso a aula toda. Algumas semanas depois, passava para a fase de copiar
repetidamente tracejando uma linha abaixo.
Depois de algum tempo, me acostumei com a escola, e as coisas começaram a
melhorar pra mim. Já não era tão infeliz como antes, pois tinha conseguido o que
sempre quis que foi estudar, e o mais importante vivia com minha mãe, meus irmãos e
tinha agora alguns amiguinhos. Tudo ia muito bem, até alguns meses, pois minha mãe
engravidou do namorado e resolveram viver juntos em nossa casa.
Foi ai que as coisas passaram a mudar. O namorado de minha mãe bebia, e às
vezes brigava com ela. Então passou a manipulá-la, e ele fazia de tudo pra jogá-la
contra nós, principalmente, contra minha irmã mais velha que havia voltado da cidade, e
que estava trabalhando pra ficar conosco por um tempo. Porém, minha irmã não gostava
nem um pouco dele, pelo motivo de estar sempre fazendo intrigas entre nós e nossa
mãe. Muitas brigas se davam entre minha irmã e o namorado de minha mãe, pois minha
irmã tinha um gênio muito forte e não se calava para ele. Na verdade, talvez ela fosse
assim porque minha mãe sempre ficou do lado dele, chegando a espancá-la, fazendo
com que minha irmã fosse embora de casa e ficaram vários anos sem se ver ou se
falarem.
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Eu não entendia o porquê da tal briga que ocasionou tanta discórdia entre mãe e
filha, mas depois de algum tempo dessa discussão, minha mãe ficou muito agressiva
com os filhos. Não podíamos fazer nada que ela logo nos agredia com pancadas, a ponto
de tirar sangue da gente. Manifestava paciência só com o namorado. Então passei a
frequentar a casa de um vizinho da redondeza onde tinha televisão, já que não tínhamos
em casa, mas o meu padrasto começou a convencer minha mãe que não era para irmos à
casa dos vizinhos, principalmente eu e minha irmã mais nova. Eu não entendia o porquê
dessa agressividade.
Foi então, que certo dia, enquanto eu dormia no período da tarde, fui acordada
com ele me tocando. Acordei assustada e ele me disse que estava me acariciando como
pai, e falou que não era para eu contar pra ninguém, pois disse que se falasse ia fazer
minha mãe me bater muito. Como ela acreditava em tudo o que ele falava, eu fiquei
com medo e silenciei meu desespero. Passei a ter medo dele, e quando minha mãe ia
trabalhar, ele me chamava para sala, mas eu não o atendia. Porém, por não atendê-lo,
passou a falar para minha mãe, que eu era malcriada com ele e não o respeitava.
Apanhei várias vezes da minha mãe por me negar a ir com ele, ao contrario, eu saia
correndo para a casa do vizinho e levava minha irmã menor comigo para que também,
não fosse vítima dele.
Certo dia, o namorado de minha mãe chegou do trabalho bêbado, e eu estava
sozinha com minha irmãzinha em casa, brincávamos juntas e não o vimos entrar, pois
entrou sem fazer barulho. Fechou as portas sem que percebêssemos, e depois veio até o
quarto onde brincávamos. Puxou-me pelo braço me tirando do quarto e trancou a porta
para minha irmãzinha não sair. Levou-me para sala e começou a mim molestar
sexualmente por vários minutos. Eu chorava muito, mas como minha casa era próximo
do igarapé e não havia muitos moradores nesse bairro ainda, e as casas eram umas longe
das outras, ninguém conseguia me ouvir.
Depois de sofrer tantas agressões, ele me soltou, mas antes, falou-me que se eu
contasse algo, ele iria fazer minha mãe me espancar. Corri para o quarto e fechei a porta
por dentro. Fiquei chorando até minha mãe chegar. Quando ela entrou e me viu
chorando, perguntou para ele a causa. Logo falou que eu estava chorando porque ele
não havia me deixado assistir televisão na casa do vizinho, e ela acreditou nele.
Então, passei a ir para a escola. E, quando saia de lá, eu ficava na casa do
vizinho assistindo televisão, e não queria mais ir para minha casa. Na verdade, só ia
quando minha mãe chegava do trabalho. Apesar de apanhar todos os dias, porque ela
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não gostava que ficássemos na casa dos vizinhos, eu preferia apanhar, a ficar sendo
molestada por aquele homem.
Certo dia, os vizinhos da casa em que eu assistia televisão, perguntaram-me se
eu queria morar com eles, uma vez que vivia lá. Rapidamente respondi que sim, pois, vi
uma chance de sair daquela casa que sempre quis ficar, mas que naquele momento não
suportava nem entrar lá, apesar de não entender direito que era crime o que ele fazia
comigo. Sabia que era errado, mas não entendia. Então, vi neste convite do meu
vizinho, uma tábua de salvação para aquele inferno que eu vivia. O casal chamou minha
mãe em sua casa para conversarem a meu respeito, e pediram para eu morar com eles.
Ela não se opôs, vendo que eu ficava mais tempo lá do que em casa. Então, resolveu
permitir que eu morasse com eles. Foi um alívio para mim.
Passei a morar com eles, que apesar de terem vários filhos, não serem ricos, e eu
ter de cuidar do bebê que ela tinha, eu preferi ficar com eles.
Minha infância não foi nada fácil nesta casa, pois tinha que cuidar do bebê, lavar
as fraldas sujas, pois nesse tempo não existia ainda fraldas descartáveis. Com nove anos
aprendi a cozinhar, lavar roupas, arrumar a casa. Fui forçada desde cedo a ser uma
criança responsável.
Apesar de muito trabalho, preferi ficar ali, pois pelo menos, meus estudos eu
consegui continuar, porém a escola em que eu estudava era muito longe. Então,
resolveram me mudar de escola para uma mais próxima que acabara de inaugurar no
mesmo bairro em que morávamos, ou seja, o bairro de Santa Rosa de Lima. Como o
senhor José, dono da casa em que passei a morar, era carpinteiro e trabalhava com
várias pessoas influentes da época, conseguiu uma vaga na escola que se chama de
Escola Estadual de 1º Grau Leônidas Montes a qual na época funciona somente de 1ª á
8ª série, onde comecei a estudar.
Assim, já na segunda série do primeiro grau, passei a estudar no turno da tarde,
pois tinha que cuidar do menino no horário da manhã.
No primeiro dia de aula na nova escola foi uma festa para mim, pois eles
compraram um caderno e me deram. Foi o primeiro caderno escolar que tive. Lembro-
me, que ao chegar à referida escola eu fui entregue a inspetora, que me conduziu até a
sala de aula. Ao adentrar, percebi que a sala era diferente das outras: era menor, fechada
e havia poucos alunos na mesma, e a professora nos recebeu com a cara brava, mandou-
nos entrar e conversou em um tom meio que agressivo dizendo que não toleraria
bagunças, malcriações e brincadeiras indevidas. Que estava ali para ensinar quem
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quisesse aprender, e quem tivesse a intenção contraria, iria se dar mal com ela, e
acrescentou, que se estávamos estudando nessa sala, era porque estávamos fora da
idade, muito velhos para a série, porque éramos burros e não podíamos estar juntos com
os outros que sabiam mais , pois iríamos atrapalhá-los.
Foi então, que entendi o porquê da sala ser diferente das outras e estar com
poucos alunos. Eu, que já não era de falar, fiquei quieta em meu lugar muito triste por
saber que era “burra”, como a professora havia dito, até então, pensei realmente que
fosse, pois estava com nove anos na 2ª série do primeiro grau e não sabia nem fazer meu
nome corretamente.
Depois da repreensão, ela levou-nos para o salão da escola, colocou-nos em fila
para cantarmos o Hino Nacional, coisa que se repetia todos os dias na escola. Logo após
o termino, ela retornou conosco para a sala para começarmos a aula, que na época era à
base de muitas cópias no caderno, para quem não sabia tirar do quadro, e para quem
sabia, copiava diretamente do quadro. Repetidas vezes. Só parávamos na hora do
recreio, e quando era para resolver as atividades do caderno.
Na sexta- feira ela fazia após o recreio, a hora da leitura onde todos tinham que
ter a cartilha do ABC, que na época era usada para esse fim. Passávamos o resto do
horário fazendo a leitura. E marcava onde tínhamos que ler. Ensinava uma vez, e
fazíamos repetir a leitura até decorarmos, e só depois de um tempo, voltava às carteiras
ou chamávamos em sua mesa para verificar se tínhamos decorado. Caso ainda não
tivéssemos conseguido, nos mandava voltar paro o lugar e continuar a leitura.
Na segunda-feira, a professora iniciava a aula com cobrança dos deveres de casa.
Eu, em particular ficava apavorada, pois não sabia ler e não conhecia todas as letras, e o
pior, na casa onde eu morava, os patrões também não sabiam muito, pois tinham pouco
estudo.
Então, ficava muitas vezes desesperada por não saber, e não ter quem me
socorresse, pois se chegássemos à escola na segunda-feira, e não soubéssemos a lição,
ela brigava e fazíamos passar vergonha na frente dos outros colegas, pois chamávamos
de burro e ainda nos colocava as orelhas feitas de papelão e nos mandava ficar atrás da
porta da sala. Era um horror: não podíamos conversar em sala, não podíamos ir ao
banheiro, não podíamos se quer, se mexer na carteira Eu a temia muito.
Na segunda semana de aula, esta professora mandou uma leitura para eu fazer.
Porém, não consegui por não ter quem me ajudasse em casa. Foi então que ela brigou
comigo, colocou-me as orelhas de burro e me pôs atrás da porta. Foi um dia terrível pra
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mim, pois os colegas caçoavam dizendo que eu era preta e burra. Lembro-me que chorei
a aula toda, não quis nem sair na hora do recreio para merendar, de tanta vergonha que
fiquei. Mesmo depois que me tirou do castigo, continuei chorando.
Foi a partir desse dia, que prometi para mim mesma, que nunca mais iria passar
por isso. De inicio, pensei em parar de estudar, mas depois de conversar com uma
vizinha que morava próximo da casa em que eu morava, e que sempre me orientou e me
ensinava os afazeres de casa, me incentivou a não deixar de estudar, ao contrario, que eu
devia continuar e mostrar não só à minha professora, mas também aos meus colegas,
que eu não era burra, e que podia não só aprender a ler e escrever como também passar
de ano.
Tudo ia indo muito bem até quando a irmã da dona da casa na qual eu trabalhava
cuidando do bebê, se casou, e veio passar uns tempos com meus patrões. O que não
sabia, era que seu marido tinha as mesmas características do meu padrasto, uma vez que
me mexia toda vez que tinha chance. Pensei que era porque eu era gordinha e muito
tímida, mas não era bem assim. Comecei a ser assediada pelo marido dela, pois agora eu
já estava com dez anos de idade, pensei que nunca mais fosse passar por isso, mas me
enganei.
Certa noite eu estava deitada em uma cama, junto da filha da dona da casa
dormindo, e todos da casa já haviam se recolhidos quando fui acordada por ele me
molestando. Ele percebendo que eu tinha acordado, tapou minha boca com as mãos para
eu não gritar, e me ameaçou para eu ficar quieta. Chorava em silencio, até que mandado
por Deus, um cunhado dele acordou, e ele me soltou. Mas antes, falou para eu não
contar nada do ocorrido, senão, ele iria fazer coisa pior comigo, Com medo, não falei
nada para as pessoas da casa, mas falei para minha vizinha que agora estava namorando
com o irmão da dona da casa, e ela contou a história pra ele, sabendo do ocorrido.
Ele passou a me vigiar, ou seja, me proteger de seu cunhado, até chegou a
ameaçá-lo. Foi então, que o referido homem que me assediou resolveu ir embora com
sua esposa para Belém, portanto, me deixando em paz. Graças ao cunhado dele, nunca
mais fui molestada por ninguém, pois ele virou meu outro anjo da guarda. Infelizmente
hoje ele não se encontra mais entre nós, mas ele foi como um pai para mim, sempre
estava preocupado comigo me dava às coisas que precisava, enfim, foi uma pessoa
muito especial em minha infância, não só nesta fase, mas em quase toda minha
adolescência, e parte de minha vida adulta.
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Ao buscar meus cacos do passado, pude ver que hoje eu não sou uma pessoa
melhor, porque infelizmente muitas situações de violência, não só sexual, mas de
preconceito, de exploração no trabalho, de família, me tornou uma pessoa com marcas
profundas de desconfiança. Hoje, por meio dos meus estudos, principalmente no
PARFOR, vou buscando compreender como tudo se passou, e procuro superar a cada
dia esses fantasmas que continuam em minha vida.
Atualmente tenho filhos e netos e procuro ser melhor mãe, amiga, companheira.
Tenho um esposo que veio compartilhar comigo os novos momentos de esperança.
Assim, sei que jamais serei ou reproduzirei a situação de opressão e de violência que
sofri.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As marcas deixadas nesse processo formativo vivido, por mulheres educadoras
que se desafiaram a refazer suas histórias por meio da memória, profundas e
inspiradoras, deixaram trilhas que serão seguidas por cada uma que se formou no curso
de Pedagogia PARFOR, as quais poderão ser multiplicadoras, em seus tempos e
espaços particulares, de outras e novas experiências enquanto docentes da Educação
Básica.
Fez-se um esforço coletivo para recriar a esperança nas práticas docentes
pedagógicas no interior da escola pública. Construíram-se muitas reflexões importantes,
que vão desde a retomada do repensar a educação tradicional à elaboração de uma
proposta de educação emancipadora.
Com certeza, a formação acadêmica possibilitada pelo PARFOR contribuiu, de
fato, de forma importante e eficaz, para o crescimento e desenvolvimento intelectual,
profissional e pessoal e de cada aluna que passou pelo processo formativo. Alimentou-
se em cada educanda o desejo de aprender, descobrir, desvendar novos conhecimentos e
adquirir os saberes pedagógicos necessários à prática docente. Se faz cumprida a tarefa
de educadoras, na qual, ao educar o outro, também nos educamos, construindo teias de
conhecimentos e práticas colaborativas.
O ato de rememorar está associado à tarefa de fazer emergir a realidade e
ressignificá-la, para de fato, propiciar mudanças que contribuam para evidenciar a
necessidade de uma ação interventiva vinculada aos princípios da dignidade humana,
dos direitos, da participação, da corresponsabilidade, da solidariedade e da equidade.
Bem como, na garantia de acesso aos direitos básicos à educação, à formação
acadêmica-profissional, principalmente com princípios essenciais à formação humana.
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Constitui-se como fundamental, o diálogo entre os sujeitos envoltos na perspectiva de
interpretar e transformar a realidade.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Jane Soares de. Mulher e Educação: A paixão pelo possível. São Paulo:
Fundação Editora da UNESP, 1998;
ASSUNÇÃO, Maria da Conceição Moraes. Memória: Identidade e Vivência, Campus
Universitário do Baixo Tocantins: UFPA, 2014;
BARRETO, Sandra Sueli Amorim. Memória: História e Sonhos de uma educadora
em formação. Campus Universitário do Baixo Tocantins: UFPA, 2014;
SOUSA, Flor de Maria de Castro. Memórias de flor menina à flor mulher. Campus
Universitário do Baixo Tocantins: UFPA ,2014;
Base de Dados SECRETARIA PEDAGOGIA PARFOR. Campus Universitário do
Baixo Tocantins: UFPA, 2015.
_______________________________________
i -Doutoranda em Educação (PPGED-UFPA-2016); Mestra em Educação (PPGED-UFPA-2012),
Pedagoga (UFPA-2004); Especialista em Educação; Coordenadora do Fórum Municipal de Educação de
Abaetetuba/PA; Membro do Fórum Regional da Educação do Campo do Baixo Tocantins; Coordenadora
de Projetos na área da Educação do Campo de Abaetetuba; Professora colaboradora do PARFOR,
Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas da Educação do Campo na Amazônia-(GEPERUAZ) e
Grupo de Pesquisa e Extensão Sociedade, Estado e Educação: ênfase nos governos municipais e na
educação do campo (GEPESEED).
i -Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica- destinado aos professores da rede
pública da educação básica, em exercício há pelo menos 3 anos, sem formação adequada à Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB.
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POLÍTICA DE FORMAÇÃO DOCENTE DO PARFOR/UFPA DE
ABAETETUBA/PA: UM OLHAR A PARTIR DOS MEMORIAIS
ACADÊMICOS
Maria do Socorro Vasconcelos Pereiraiv
RESUMO
O trabalho se constitui de uma análise teórica sobre a perspectiva de formação docente
descrita nos trabalhos de conclusão de curso de professoras/cursistas do PARFOR de
Abaetetuba/PA com a intenção de identificar e evidenciar a percepção desses sujeitos
sobre a política. Para essa identificação, foram extraídos trechos da produção escrita que
evidenciassem a percepção dessas profissionais no que diz respeito aos elementos dos
processos formativos escolar e acadêmico, assim como da trajetória de descobertas,
constatações, conciliações da experiência profissional traduzida por meio da
ação/reflexão/ação em comparação com o seu processo de escolarização e de trajetória
docente anterior e posterior a formação acadêmica, com prioridade de análise sobre as
concepções das professoras/cursistas sobre a formação docente desencadeada com a
vivência universitária por meio da política de formação que participaram. O texto está
estruturado em três pontos: os fundamentos básicos de formação docente com base na
LDB 9.394/96 em diálogo com concepções teóricas sobre Didática e formação docente;
breve descrição do programa de formação docente – PARFOR enquanto estratégia de
política de formação docente no cenário atual da educação brasileira; e descrições de
alguns fragmentos das produções escritas contidas no trabalho acadêmico sobre seus
percursos formativos, constitutivos de evidências da/s concepção/concepções de
formação, construídos a partir do olhar das professoras/cursistas atuantes na realidade
educacional brasileira. Foi possível identificar que a formação docente concebida, em
unanimidade, tem como fundamento preponderante evidências da exigência da
profissão que exercem em termos de atualização permanente para dar continuidade a
construção do conhecimento no exercício profissional, assim como o desejo pessoal
pela continuação dos estudos. Revelam evidências da necessidade formativa como
subsídio à prática e ao compromisso social de educadoras, porém, não registram
percalços do processo formativo em termos de conteúdo, tampouco da forma como a
política foi desenvolvida.
Palavras-chave: Política pública, PARFOR, Formação docente
Introdução
O trabalho se constitui de uma análise teórica sobre a perspectiva de formação
docente descrita na produção acadêmica dos trabalhos de conclusão de curso –
memoriais acadêmicos de professoras/cursistas da Política Nacional de Formação de
Profissionais do Magistério da Educação Básica – PARFOR, do Curso de Pedagogia da
Universidade Federal do Pará – Campus Abaetetuba/PA.
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Na condição de docente e orientadora de trabalhos de conclusão de curso no
formato de memorial acadêmico de professoras/cursistas, responsável pela condução
didática das Disciplinas de TCC 1 e TCC 2 foi possível dialogar, vivenciar e
compreender a trajetória discente e docente dessas profissionais da educação básica que
iniciaram sua trajetória profissional com o conhecimento formativo do curso técnico em
Magistério e, após vários anos de atuação, ingressaram na vida acadêmica por exigência
de determinação legal.
A partir do processo de formação e orientação tornou-se perceptível que as
histórias de vidas, apresentavam condições muito similares, ou seja, dificuldades para
realização da formação básica, pessoa da família em quem foi depositada a esperança
para ser um diferencial de formação, conciliação conturbada de vida escolar e
profissional, conciliação como docente, mãe, esposa, mulher, condições desafiadoras de
curso da escolaridade básica e de exercício profissional, assim como o tão sonhado
ingresso na vida acadêmica, mas que em decorrência de inúmeros fatores, sempre fora
adiado.
Partilham ainda uma semelhança relevante com relação a formação, a de que o
ingresso para a educação superior ocorre apenas quando, por temor de suspensão da
atividade profissional e comprometimento na vida pessoal e familiar, torna-se o
motivador para recorrer à academia, em busca da formação, se efetivando assim, sem as
condições que consideraram estar distante da realidade vivida.
Diante do conhecimento dessa realidade surgiu a indagação de como a formação
docente era concebida para essas profissionais docentes – professoras/cursistas do
PARFOR: seria um percurso obrigatório por força da exigência legal ou um
investimento por identificação de lacuna formativa na carreira?
Com essa problemática buscou-se identificar e evidenciar, a partir da análise da
produção escrita nos memoriais acadêmicos, a percepção das professoras/cursistas do
PARFOR sobre a formação docente.
Para essa identificação, no decorrer do processo de orientação e no produto final
da atividade acadêmica, foram extraídos trechos da produção escrita presentes nos
trabalhos acadêmicos que evidenciassem a percepção dessas profissionais no que diz
respeito aos elementos de destaque dos processos formativos escolar e acadêmico, assim
como da trajetória de descobertas, constatações, conciliações da experiência profissional
traduzida por meio da ação/reflexão/ação em comparação com o seu processo de
escolarização e de trajetória docente anterior e posterior a formação acadêmica. Mas a
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prioridade da análise focalizou as concepções das professoras/cursistas sobre a
formação docente desencadeada com a vivência universitária por meio da política de
formação que participaram.
A estruturação desse percurso investigativo está organizada em três pontos de
discussão: o primeiro constitui-se de fundamentos básicos de formação docente com
base na Lei de Diretrizes e Bases LDB – Lei 9.394/96 em diálogo com concepções
teóricas sobre Didática e formação docente evidenciando aspectos característicos dessa
importante dimensão da atividade docente; o segundo comporta uma breve descrição do
programa de formação docente – PARFOR - do qual as professoras/cursistas estiveram
vinculadas, assim como da configuração dessa proposta como estratégia de política de
formação docente no cenário atual da educação brasileira; e o terceiro e último ponto
constitui-se de descrições de alguns fragmentos das produções escritas contidas no
trabalho acadêmico sobre seus percursos formativos, constitutivos de evidências da/s
concepção/concepções de formação, construídos a partir do olhar das
professoras/cursistas atuantes na realidade educacional brasileira, protagonistas de
inúmeros enredos e cenas da educação básica brasileira.
A partir desse olhar sobre prática docente, na condição de condutora da prática
pedagógica e de orientadora das professoras/cursistas, foi possível identificar que a
formação docente concebida em unanimidade pelas produções analisadas, tem como
fundamento preponderante evidências da exigência da profissão que exercem em termos
de atualização permanente para dar continuidade a construção do conhecimento no
exercício profissional, assim como o desejo pessoal pela continuação dos estudos.
Assim sendo, revelam ênfase na necessidade formativa como subsídio à prática e ao
compromisso social de educadoras, porém, não registram percalços do processo
formativo em termos de conteúdo, tampouco da forma como a política foi desenvolvida.
Formação docente: fundamentos básicos
O Título VI da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB – Lei Nº 9.394/96
trata especificamente dos profissionais da educação, em cujo instrumento o inciso I, do
artigo 61 define o profissional docente como integrante do respectivo exercício. No
artigo 62 da mesma lei encontra-se determinado como deve ser realizada a formação
docente, as esferas públicas responsáveis pela oferta dessa formação, as formas que
poderão ser utilizadas para oferta da formação, bem como os recursos pedagógicos,
tecnológicos e as modalidades possíveis para esse ensino, e ainda, os processos de
ingresso, mecanismos facilitadores de acesso, incentivos à formação e órgãos e
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instrumentos responsáveis pelo acompanhamento e validação. E no artigo 67 a matéria
legal expressa a responsabilidade dos sistemas de ensino pela promoção da valorização
dos profissionais da educação, em cujo desdobramento do referido artigo a formação
profissional é destacada como um dos itens que caracteriza a referida valorização.
No que tange as inovações do dispositivo em relação a formação docente Demo
(2008) considera que, embora com evidências de tradicionalismos inveterados, foi
contemplado na LDB uma visão alternativa da formação dos profissionais a educação,
com um tratamento ao professor como eixo central da qualidade da educação, que a seu
ver, representa um avanço na legislação, conforme destaca:
Diante desse pano de fundo complexo e desafiador, a LDB lança algumas
alternativas pertinentes, podendo-se destacar:
a) embora a valorização do profissional da educação conste, desde sempre,
das leis e nunca tenha sido cumprida, dessa vez aconteceram alguns
encaminhamentos promissores voltados tanto para a melhoria da formação
como para o “aperfeiçoamento profissional continuado” (Art. 67, II); inclui-
se nisso também o “licenciamento periódico remunerado” (ibid.),
consagrando a idéia essencial de que o aprimoramento profissional faz parte
da profissão;
b) essa perspectiva vem ainda mais reforçada a seguir, quando se estabelece
“período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de
trabalho” (Art. 67, V); faz-se justiça às exigências modernas de
aprendizagem, que consagram o professor como alguém especializado, mais
do que todos, em aprender; somente o professor que aprende bem e
continuadamente pode fazer o aluno aprender;
c) importante iniciativa é também a inclusão da “progressão funcional
baseada na titulação ou na habilitação e na avaliação de desempenho”,
abrindo um horizonte inovador considerável, se realizado adequadamente;
[...]. (DEMO, 2004, p. 47-48).
Em uma análise realizada à luz das condições históricas das modificações
sofridas na LDB em relação a formação docente e dos profissionais da educação, no
período compreendido entre 1997 e 2013 Brzezinski (2014) ao tratar de dilemas,
desafios, contradições, compromissos em relação ao tema da formação salienta a
amplitude de desafios e contradições que necessitam ser superados em termos de
educação na perspectiva da condução do cumprimento do pacto político entre sociedade
civil e sociedade política.
A autora resgata uma análise realizada em 1998 acerca do mesmo tema na LDB
em que focalizava a permanência de leigos nos sistemas de ensino e de ingresso de
profissionais com formação apenas na modalidade normal para atuação docente na
educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental. Nessa análise posiciona-se
avaliando que “Essas são práticas conservadoras do mundo do sistema que impedem
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ultrapassar o caráter emergencial e provisório de certas políticas de formação de
professores que contribuem para a desprofissionalização docente” (p. 120).
Na retomada da análise do período de 1997 a 2013 deixa evidente na atualização
do debate que reconhece muitas mudanças ocorridas no texto original da LDB, que a
seu ver, ressignificaram o papel social dos profissionais da educação e com o
compromisso com a escola pública enquanto instituição emancipadora para o exercício
da cidadania.
Dentre as ressignicações na LDB destaca o dispositivo legal trazido pela Lei
11.274/2006 que ao modificar os artigos 6º, 29, 30, 32 e 87 considera ter provocado
repercussões no campo da educação e interferências na práxis da formação de
professores, assim como o texto da Lei 12.014/2009 que modificou o artigo 61 deixando
claro quem profissional da educação e qual a sua formação, assim como a mudança
prescrita pela Lei 12.056/2009 que redimensiona o artigo 62 ao acrescentar três
parágrafos que, a seu ver, denotam compromissos com a melhoria da qualidade da
formação e valorização de professores. Salienta ainda o acréscimo trazido pela Lei
12.796/2013 que considera ser um indicativo de grande impacto na educação brasileira.
Nas palavras da autora:
[...] Na minha avaliação, esse dispositivo provocou grande impacto na
educação brasileira por prescrever alterações nas políticas educacionais, no
financiamento da educação, na formação e valorização dos profissionais da
educação, na reorganização da dinâmica organizacional da educação básica e
nas diretrizes curriculares nacionais da educação básica e superior. Além
disso, inclui na LDB/1996 o art. 62-A, no qual o legislador dedicou especial
atenção aos funcionários das escolas da educação básica (BRZEZINSKI,
2014, p. 133).
Todavia, salienta, assim como Demo (2008) a existência de uma grande
distância entre os valores proclamados para a formação dos profissionais da educação e
os valores reais da educação brasileira, que necessita conciliar o projeto de formação de
professores com o projeto de sociedade em prol da potencialidade da escola pública de
qualidade social.
Do ponto de vista teórico ancoramo-nos em Libâneo (2013) para evidenciar a
perspectiva de formação docente que subjaz na defesa do autor quando articula o estudo
sistemático da Didática como teoria do processo de ensino unido à preparação teórica e
prática da formação profissional do professor.
Libâneo (2013) defende que a formação do professor deve-se constituir-se de
ações coordenadas e articuladas entre si de maneira a conduzir a confluência para uma
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unidade teórico-metodológica do curso de formação, voltado a habilitar o profissional a
dirigir competentemente o processo de ensino.
Essa confluência, segundo o autor, envolve duas dimensões formativas: a
formação teórico-científica e a formação técnico-prática, cuja organização de forma
alguma pode considerar as duas dimensões isoladas. Ao contrário, essa formação,
mediada pela Didática, requer uma contínua interpenetração entre as dimensões – um
elo entre “o quê” e “o como” do processo pedagógico escolar. Conforme descreve:
A organização da formação do professor em aspectos teóricos e práticos de
modo algum significa considerá-los isoladamente. São aspectos que devem
ser articulados. As disciplinas teórico-científicas são necessariamente
referidas à prática escolar, de modo que os estudos específicos realizados no
âmbito da formação acadêmica sejam relacionados com os de formação
pedagógica que tratam das finalidades da educação e dos condicionantes
históricos, sociais e políticos da escola. Do mesmo modo os conteúdos das
disciplinas específicas precisam ligar-se às suas exigências metodológicas.
As disciplinas de formação técnico-prática não se reduzem ao mero domínio
de técnicas e regras, mas implicam também os aspectos teóricos, ao mesmo
tempo que fornecem à teoria os problemas e desafios da prática. A formação
profissional do professor implica, pois, uma contínua interpenetração entre
teoria e prática, a teoria vinculada aos problemas reais postos pela
experiência prática e a ação prática orientada teoricamente. (LIBÂNEO,
2013, p. 27).
Complementando Libâneo (2013), Candau (2014) ao tratar das perspectivas
analíticas dos estudos realizados ao longo dos últimos anos para analisar a formação de
educadores, divide esses estudos em quatro grupos: estudos centrados nas normas,
estudos centrados na dimensão técnica do processo de formação, estudos centrados na
dimensão humana e, estudos que articulam com a perspectiva defendida por Libâneo
(2013) – estudos com referência ao contexto socioeconômico e político ao qual se situa
a prática de formação de educadores, trabalhada na interpenetração de teoria e prática,
que devem ser consideradas como uma unidade.
Candau (2014) ao caracterizar essa visão de unidade na formação do educador
apresenta elementos fundamentais para a identificação dessa perspectiva de formação: a
teoria e a prática considerados como o núcleo articulador da formação; a teoria é
revigorada, passando a ser formulada a partir das necessidades concretas da realidade
educacional; a prática educacional é sempre o ponto de partida e o ponto de chegada; a
ação do educador deverá se revelar como resposta às diferentes necessidades colocadas
pela realidade educacional e social.
Desta feita, a síntese dessa tendência para a formação do educador requer:
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Para tanto, a sua formação deverá ter como finalidade primeira a consciência
crítica da educação e do papel exercido por ela no seio da sociedade, o que
implica num compromisso radical pela melhoria da qualidade do ensino,
considerando-se, contudo, os limites e possibilidades da ação educativa em
relação aos determinantes socioeconômicos e políticos que configuram uma
determinada formação social.
[...]
Acreditamos que esta alternativa traz em si a possibilidade do educador
desenvolver uma “práxis” criadora na medida em que a vinculação entre o
pensar e o agir pressupõe a unicidade, a inventividade, a irrepetibilidade da
prática pedagógica. (CANDAU, 2014, p. 69).
Verifica-se assim, pela análise sobre a legislação, que apesar das
ressignificações promissoras já pautadas, não tenhamos ainda logrado êxito em uma
consolidação ampla no que diz respeito a valorização profissional tendo nesta como
integrante a formação docente, no aspecto teórico somos possuidores de fundamentos
palpáveis, não definitivos, mas sistematizados sobre a perspectiva da permanente busca
de uma escola básica de qualidade.
PARFOR: estratégia de polícia pública de formação docente
Tendo com horizonte a determinação legal da LDB (artigo 62) que “a formação
de docentes para atuar na educação básica seja realizada em nível superior, de
graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação” e o indicativo
do parágrafo primeiro do mesmo artigo “A União, o Distrito Federal, os Estados e os
Municípios, em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, a
continuada e a capacitação dos profissionais de magistério” verifica-se que a
responsabilidade pela oferta dessa formação alenta o empreendimento pela oferta de
formação inicial e continuada de professores.
Brzezinski (2014), ao apresentar algumas mudanças relevantes ocorridas na
LDB no que tange a formação de profissionais da educação, pontua experiências
coordenadas pelo Ministério da Educação – MEC destinados ao campo educacional,
conjugadas ao Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE e ao Plano de Metas
Todos pela Educação, normatizados por meio do Decreto nº. 6.094/2007.
Dentre as experiências ganha relevo a de formação de professores a distância por
meio da Universidade Aberta do Brasil – UAB que, segundo a autora, teve uma
expansão exponencial com a oferta de cursos para formação de professores após sua
inserção na CAPES por força da Lei 11.502/2007. Todavia, a tentativa desencadeou
oferta desordenada, com desrespeito aos critérios da oferta, configurando o que a autora
considerou como “equívoco do Estado em relação atendimento da população excluída”.
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Ainda de acordo com Brzezinski (2014), a pauta sobre a formação docente foi
mantida pelo MEC e por representações da sociedade civil, como exemplo a ANFOPE
que integrou junto com entidades parceiras um movimento em prol da organização de
um Subsistema Nacional de Formação e Valorização dos Profissionais da Educação e,
com parlamentares, encamparam a proposta de articulação desse sistema ao Sistema
Nacional de Educação.
Embora a estruturação do sistema não tenha vingado a ideia e alguns princípios,
na compreensão da autora, foram tomados de fundamento para o Decreto 6.755/2009
que instituiu a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da
Educação Básica, que passou a ser conhecida como PARFOR.
A política encontrou amparo favorável para atendimento do dispositivo legal em
relação a formação de professores e ainda se configurou como indicativo prático do
regime de colaboração entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal no que diz
respeito ao movimento de recursos financeiros direcionados a formação de professores.
Registros do MEC do ano de 2013 apontam a política como substantiva em
termos de matrículas de professores na educação superior, porém, Brzezinski (2014)
registra cautela, relatando que pesquisas coordenadas pela Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação - ANFOPE, no ano de 2012, não registraram
resultados alentadores em relação a concretização da política, conforme revela:
[...]. Estados e municípios não honraram o acordo firmado na oportunidade
de sua adesão à política de capacitação de leigos de seus sistemas e redes de
ensino. Esses entes federados romperam com o pacto de financiar a logística,
que engloba apoio para transporte, hospedagem, alimentação ou concessão de
bolsa de estudos. As condições para frequência aos cursos foram ainda mais
precarizadas, porque as Secretarias Municipais de Educação recusavam-se a
providenciar substitutos para suas aulas.
O grande desafio imposto ao professor/cursista foi capacitar-se em serviço, às
suas expensas sofrer a pena de ter de pagar seu substituto e o
constrangimento de ter de receber a menos em razão do desconto dos dias
não trabalhados enquanto marcava presença no curso de formação. Essas
medidas avultam o direito previsto no art. 67, inciso II da LDB/1996, de
aperfeiçoamento profissional contínuo. Essa atitude do poder instituído
demonstra uma imposição autoritária que impede o professor de ter o direito
de ter seu direito respeitado. (BRZEZINSKI, 2014, p. 130).
A implantação dos sistemas públicos de ensino e o seu caráter obrigatório e
universal assegura a regulação estatal sobre a educação e a conjugação desta com outras
políticas públicas dão substrato às estratégias de atuação do Estado na oferta da
educação básica obrigatória, configurando-se como política educacional.
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A apreensão sobre os processos que engendram a política educacional no Brasil
remete à necessidade de consideração do contexto socioeconômico, cultural e político
em que estas são formuladas e implementadas e fecundadas nas relações que se
estabelecem entre Estado e sociedade.
Azevedo (2004) considera que a política educacional comporta uma
singularidade específica que a torna herdeira de um grau considerável de desafio à
compreensão. E, porque não dizer à implementação, pois a esta se atrela a ação do
Estado, eivada de concepção abstrata de encaminhamento, com pouco ou ineficiente
auxílio à concretude ou complexidade do fenômeno, resultando em formulações de
processos que pouco levam em conta o quadro mais amplo das determinações sociais e
assim desfiguram a feição do Estado.
Considerando que a política pública se configura como um meio de o Estado
garantir as problematizações da sociedade e de essas problemáticas serem mais ou
menos atingidas de acordo com o teor de relevância que ocupem na agenda
governamental, poder-se-ia pensar que a política de formação de professores encontra-
se na pauta do dia de vários segmentos representativos da sociedade e de que essa pauta
recorrente motivou a tornar-se alvo da ação estatal consolidando a articulação do
referencial normativo setorial com o local dinamizando a perspectiva de atendimento
social global. Ou como define Azevedo:
[...] o processo pelo qual se define e se implementa uma política não se
descura do universo simbólico e cultural próprio da sociedade em que tem
curso, articulando-se, também, às características do seu sistema de
dominação e, portanto, ao modo como se processa a articulação dos
interesses sociais neste contexto. (AZEVEDO, 2004, p. 67).
Tendo-se esse horizonte analítico de que os processos que engedram as políticas
públicas, e, por conseguinte, os processos aos quais estão em curso as políticas
educacionais procurar-se-á evidenciar, no limite deste trabalho, as concepções mais
recorrentes da formação docente para os sujeitos que protagonizam essas cenas no
cotidiano da realidade brasileira.
Formação Docente: cenas da percepção do PARFOR/UFPA de Abaetetuba/PA
Tendo como base alguns elementos da formação acadêmica descritos a partir do
olhar das professoras/cursistas, atuantes na realidade educacional brasileira, pontuamos
algumas evidências da/s concepção/concepções de formação docente para esses sujeitos
sociais e protagonistas de inúmeros enredos e cenas da educação básica brasileira.
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Eu sabia que dentro da formação havia uma finalidade formativa para a
minha docência, e esta me afirmava que não havia uma preparação sustentada
por conhecimentos científicos obtidos no curso de magistério, para que eu
pudesse atuar com segurança contribuindo junto aos educandos. Apesar de
todo o meu esforço pra repassar para os alunos os conteúdos, eu sentia que
faltava algo. Hoje percebo que era muito vago e ao mesmo tempo não sabia
por onde começar, como contribuir para a assimilação e produção de saberes;
então compreendi que na nossa sociedade não se tem mais espaço para ensino
centrado em uma pessoa ou uma escola, assim como descobri que não se
aprende apenas na escola. (Marcilene, Bujaru);
Acredito que este trabalho tenha alcançado seu objetivo primordial, que é o
de deixar um testemunho do quanto a figura professor é importante para a
construção de uma sociedade nova, que valoriza e respeita o conhecimento
em toda e qualquer profissão. (Marcilene, Bujaru);
As falas evidenciam o reconhecimento da carência formativa para o
aprimoramento didático do processo de ensino na perspectiva de que salienta Libâneo
(2013), a formação, mediada pela Didática, requer uma contínua interpenetração entre
as dimensões – um elo entre “o quê” e “o como” do processo pedagógico escolar.
Hoje, sem dúvida, tornei-me uma pessoa mais madura e experiente, buscando
por em prática tudo o que aprendi visando a melhoria do meu
desenvolvimento profissional e pessoal. Porém, com a certeza de que a busca
deve continuar, pois entendo que na sociedade que vivemos os nossos alunos
cada vez mais necessitam de educadores com formação, que possam
contribuir com um ensino de qualidade em nossas escolas, satisfazendo
assim, a precariedade da educação em nosso país. (Ieda, Bujaru);
A formação acadêmica me fez olhar com outros olhos a minha atuação no
passado. Hoje percebo o quanto mudou a minha maneira de ver a docência
nos seus mínimos detalhes, fazendo uma articulação dos conhecimentos
adquiridos antes de cursar a universidade e depois, então percebo que são
inúmeras as mudanças que ocorreram na minha profissão, possibilitando-me
enxergar as limitações de outrora e os dilemas que porventura possam surgir.
(Ieda, Bujaru);
Houve uma significativa alteração no meu conhecimento, hoje percebo que a
formação de professores ocupa um lugar fundamental para melhorar a prática
do educador, sendo que os conhecimentos acumulados ao longo da vida,
somados com uma boa graduação, ainda assim, não são suficientes, ou seja, é
necessário atualizar-se sempre, pois a trajetória de vida pessoal e profissional
não se conclui, mas segue um caminho permanente de evoluções contínuas.
(Ieda, Bujaru);
Percebe-se pela constatação da fala a relação entre o compromisso da formação
para melhoria do processo didático, assim como pelo compromisso e contribuição com
a reparação dos percalços da educação pública, ressaltando o desejo pela realização de
um ensino de qualidade.
Embora, não tenha sido identificado na produção um aprofundamento sobre o
debate do que a professora sinalizou como “precariedade da educação”, há o
reconhecimento da existência e, ainda, o de que a formação docente ocupa lugar de
relevo na superação desse quadro.
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Pelos depoimentos analisados, pode-se observar que a ideia da formação teórica
como subsídio à pratica, ou como caracteriza Libâneo (2013) com uma perspectiva de
unidade, fundamentada na interpenetração de teoria e prática, é revelada pelas
professoras/cursistas, ao mesmo tempo que explicitam o desejo de buscar a ampliação
dessa articulação com uma perspectiva mais ampla, ou como define Candau (2014)
centrada no contexto, em que a prática educacional é, simultaneamente, uma prática
social em íntima conexão com o sistema político-econômico vigente.
Embora em algumas falas haja a sinalização da precariedade da educação
brasileira não há registros nos trabalhados analisados de elementos dessa natureza da
formação vivenciada, tampouco descrições das fragilidades da política de formação
denunciada por Brzezinski (2014) os quais não podem ser ignorados como aspecto da
formação, uma vez que esta demanda articulação de condições subjetivas e objetivas
para sua realização, em que o comprometimento das condições objetivas interfere nas
condições subjetivas do professor/cursista e altera o princípio da educação enquanto
prática social, uma vez que desencadeará fragilidades na formação e, consequentemente
na atuação desse profissional.
Considerações finais
Reconhecemos que as diretrizes e bases da educação nacional, por si só, não
podem ser vistas como panacéia dos recorrentes problemas da educação brasileira,
tampouco se configuram como mecanismo para alterar a realidade educacional e, em
especial, a formação inicial e continuada de professores, mas podem produzir efeitos, ao
menos de alerta, em relação a essa realidade.
Essa é uma das razões que justifica a importância deste debate para fomentar a
reflexão de questões específicas sobre a formação dos profissionais da educação e, de
modo especial, as estratégias de políticas de formação de docentes viabilizadas pela
União, em regime de colaboração com Estados, Municípios e Distrito Federal.
Promover a valorização dos profissionais da educação é uma responsabilidade
política para a melhoria da qualidade do ensino. Como já evidenciado, é diretriz para a
realização da educação em nível nacional, todavia, ainda padece de entraves que
maculam e distorcem as cenas da educação brasileira.
Concebemos que a percepção das professoras/cursistas, aproxima-se fortemente
do referencial de formação adotado neste estudo, de vinculação da Didática como
mediadora do processo formativo, configurando-se como teoria do ensino. Entretanto,
avaliamos que necessitamos urgentemente avançar consideravelmente em termos de
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política pública de formação docente, que trate, de maneira ampla, simultânea, de forma
integrada a formação profissional e seus aspectos adjacentes como as condições para
assegurar a presença docente na formação, ou seja, a articulação das condições objetivas
e subjetivas do docente no processo de formação.
Ainda mais, concebemos que é mister a presença da sociedade civil no
acompanhamento da implementação de políticas educacionais . Assim, precisamos estar
atentos para as restrições/adaptações dos preceitos constitucionais e da LDB adequadas
à redução do Estado que não postulam ou não priorizam os interesses dos excluídos.
Destarte, sinalizamos que o profissional docente precisa compreender a
importância da formação para além do atendimento da exigência legal, conforme
defende Candau (2014) a teoria e a prática considerados como o núcleo articulador da
formação; a teoria revigorada, passando a ser formulada a partir das necessidades
concretas da realidade educacional; a prática educacional sempre como ponto de partida
e o ponto de chegada; a ação do educador revelada como resposta às diferentes
necessidades colocadas pela realidade educacional e social.
As políticas públicas para formação docente precisam constituir-se por meio de
programas e projetos que atendam de forma eficiente essa lacuna formativa na realidade
brasileira, negando os simulacros e as falsificações de formação do sujeito, tendo como
horizonte a compreensão do conhecimento das realidades e necessidades das profissões,
em especial a da profissão docente.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Janete Maria Lins de. A educação como política pública. Campinas/SP:
Autores Associados, 2004;
BRZEZINSKI, Iria. Formação de profissionais da Educação e mudanças da LDB/1996:
dilemas e desafios? Contradições e compromissos? In: BRZEZINSKI, Iria (Org.).
LDB/1996 contemporânea: contradições, tensões, compromissos. São Paulo: Cortez,
2014;
CANDAU, Vera Maria. A formação de educadores: uma perspectiva multidimensional.
In: CANDAU, Vera Maria (Org.). Rumo a uma nova didática. Petrópolis/RJ: Vozes,
2014;
DEMO, Pedro. A nova LDB: ranços e avanços. Campinas/SP: Papirus, 1997;
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2013;
PIEDADE, Marcilene do Socorro Campos. Formação e Prática Docente. Campus
Universitário do Baixo Tocantins: UFPA, 2015.
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SOARES, Ieda Nazaré da Luz. Prática Pedagógica e Formação Docente: um diálogo
intermitente. Campus Universitário do Baixo Tocantins: UFPA, 2015;
i Professor Doutor da Universidade Federal do Pará, líder do Grupo de Pesquisa e Extensão Sociedade,
Estado e Educação: ênfase nos governos municipais e na educação do campo. Coordenador do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo. Professor de estágios e prática pedagógica. Membro da executiva
do Fórum Regional da Educação do Campo – FORECAT. Membro do Fórum Municipal de Educação de
Abaetetuba – FME.
ii -Doutoranda em Educação (PPGED-UFPA-2016); Mestra em Educação (PPGED-UFPA-2012),
Pedagoga (UFPA-2004); Especialista em Educação; Coordenadora do Fórum Municipal de Educação de
Abaetetuba/PA; Membro do Fórum Regional da Educação do Campo do Baixo Tocantins; Coordenadora
de Projetos na área da Educação do Campo de Abaetetuba; Professora colaboradora do PARFOR,
Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas da Educação do Campo na Amazônia-(GEPERUAZ) e
Grupo de Pesquisa e Extensão Sociedade, Estado e Educação: ênfase nos governos municipais e na
educação do campo (GEPESEED).
iii -Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica- destinado aos professores da rede
pública da educação básica, em exercício há pelo menos 3 anos, sem formação adequada à Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB. iv Doutoranda em Educação do Programa de Pós Graduação em Educação da UFPA. Coordenadora do
Conselho Municipal de Educação de Abaetetuba/PA; Membro do Fórum Municipal de Educação de
Abaetetuba/PA; Professora colaboradora do PARFOR, Membro do Grupo de Pesquisa e Extensão
Sociedade, Estado e Educação: ênfase nos governos municipais e na educação do campo (GEPESEED).
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