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14 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 21, MAIO 2005 Recebido em 18/02/04, aceito em 30/03/05 Q uando se fala ou se pensa em produtos que possam ser diet e/ou light, é impor- tante mostrar como os consumidores usualmente compreendem o tema. Investigações sobre o assunto revelam que os produtos diet são entendidos, prioritariamente, como alimentos que não contêm açúcar, de baixa caloria, destinados a quem faz dieta para man- ter o peso. Alimentos com baixo teor de gordura (light) estão associados ao combate ao colesterol e relacionados a questões de saúde. Há restrições aos pro- dutos diet quanto ao sabor “ruim” e, prova- velmente, ligadas ao preconceito de que, se consumidos em excesso, estes po- dem fazer mal à saúde; os light são, ainda, percebidos como produtos que perdem valor nutritivo (Cândido e Cam- pos, 1996). Além disso, a maioria das pessoas, escolarizadas ou não, têm mitos sobre os produtos light e diet, como, por exemplo, consideram que o produto diet não engorda, que todo produto light é igual, que todo light é diet. Aqui, vale lembrar que os produtos Rejane Maria Ghisolfi da Silva e Sandra Terezinha de Farias Furtado É notório o crescente consumo de produtos diet e light pelas pessoas de nossa sociedade. Tal consumo tem sido realizado, na maioria das vezes, sem observação e leitura dos rótulos dos produtos. Os rótulos das embalagens encerram informações relativas à composição química e aos aspectos nutricionais, bem como citam substâncias criadas e recriadas pelos homens que necessitam ser traduzidas, decodificadas para que os consumidores possam fazer uso desses alimentos de forma adequada. diet, light, produtos alimentares diet, mesmo não tendo açúcar, podem ser calóricos, e que os produtos light são mais indicados para quem quer emagrecer. Esses produtos podem ter diferentes ingredientes e formulações e até a redução calórica pode variar; portanto, os produtos light não são iguais entre si e diet não é sinônimo de baixa caloria. Desse modo, um alimen- to sem glúten, considerado diet por ter redução de mais de 99% em um ingre- diente, pode ainda assim ter valor caló- rico elevado. Acres- centa-se, ainda, que diabéticos podem consumir alguns dos produtos light, pois tais produtos podem não conter açúcar. O ideal é que se consul- te a informação nutri- cional no rótulo do produto para verificar as dosagens 1 . Um outro problema está na adoção dos produtos sem uma análise prévia de sua composição química, princi- palmente por pessoas que necessitam ou desejam perder quilos extras ou com necessidades dietoterápicas com exigências físicas, metabólicas, fisioló- gicas e/ou patológicas particulares. Assim, os mesmos alimentos diet ou light são muitas vezes consumidos tanto por pessoas diabéticas, quanto pelas hipertensas, ou com nível de co- lesterol alto ou, ainda, por aquelas que desejam emagrecer. Todos os produtos, tanto diet como light, são importantes aliados das pes- soas obesas, hipertensas e diabéticas. Mas isto não significa que possam ser usados indiscriminadamente, em quaisquer dessas situações, pois, por exemplo, um alimento light não é, ne- cessariamente, indicado para pessoas que apresentam algum tipo de doença (diabetes, colesterol elevado...). Por isso é necessário analisar os compo- nentes existentes e suas proporções, para saber se o alimento é adequado ou não para as necessidades da pes- soa. De acordo com as interpretações acima, podemos depreender quão problemáticas se tornam as idéias usuais dos consumidores, pois os termos light e diet representam contex- tos totalmente diferentes. E, como a grande maioria das pessoas não está suficientemente esclarecida sobre o significado dos termos, elas sentem- se pouco seguras em utilizar tais pro- dutos, ou os utilizam de forma inade- quada devido à falta de compreensão das declarações de rotulagem. O des- conhecimento e o consumo inadequa- Diet ou light: Qual a diferença? Todos os produtos, tanto diet como light, são importantes aliados das pessoas obesas, hipertensas e diabéticas. Mas isto não significa que possam ser usados indiscriminadamente

Diet e Light

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 21, MAIO 2005

Recebido em 18/02/04, aceito em 30/03/05

Quando se fala ou se pensaem produtos que possamser diet e/ou light, é impor-

tante mostrar como os consumidoresusualmente compreendem o tema.Investigações sobre o assunto revelamque os produtos diet são entendidos,prioritariamente, como alimentos quenão contêm açúcar, de baixa caloria,destinados a quem faz dieta para man-ter o peso. Alimentos com baixo teorde gordura (light) estão associados aocombate ao colesterole relacionados aquestões de saúde.Há restrições aos pro-dutos diet quanto aosabor “ruim” e, prova-velmente, ligadas aopreconceito de que,se consumidos emexcesso, estes po-dem fazer mal à saúde; os light são,ainda, percebidos como produtos queperdem valor nutritivo (Cândido e Cam-pos, 1996).

Além disso, a maioria das pessoas,escolarizadas ou não, têm mitos sobreos produtos light e diet, como, porexemplo, consideram que o produtodiet não engorda, que todo produtolight é igual, que todo light é diet.

Aqui, vale lembrar que os produtos

Rejane Maria Ghisolfi da Silva e Sandra Terezinha de Farias Furtado

É notório o crescente consumo de produtos diet e light pelas pessoas de nossa sociedade. Tal consumo tem sidorealizado, na maioria das vezes, sem observação e leitura dos rótulos dos produtos. Os rótulos das embalagens encerraminformações relativas à composição química e aos aspectos nutricionais, bem como citam substâncias criadas e recriadaspelos homens que necessitam ser traduzidas, decodificadas para que os consumidores possam fazer uso desses alimentosde forma adequada.

diet, light, produtos alimentares

diet, mesmo não tendo açúcar, podemser calóricos, e que os produtos lightsão mais indicados para quem queremagrecer. Esses produtos podem terdiferentes ingredientes e formulaçõese até a redução calórica pode variar;portanto, os produtos light não sãoiguais entre si e diet não é sinônimo debaixa caloria. Desse modo, um alimen-to sem glúten, considerado diet por terredução de mais de 99% em um ingre-diente, pode ainda assim ter valor caló-

rico elevado. Acres-centa-se, ainda, quediabéticos podemconsumir alguns dosprodutos light, poistais produtos podemnão conter açúcar. Oideal é que se consul-te a informação nutri-cional no rótulo do

produto para verificar as dosagens1.Um outro problema está na adoção

dos produtos sem uma análise préviade sua composição química, princi-palmente por pessoas que necessitamou desejam perder quilos extras oucom necessidades dietoterápicas comexigências físicas, metabólicas, fisioló-gicas e/ou patológicas particulares.Assim, os mesmos alimentos diet oulight são muitas vezes consumidos

tanto por pessoas diabéticas, quantopelas hipertensas, ou com nível de co-lesterol alto ou, ainda, por aquelas quedesejam emagrecer.

Todos os produtos, tanto diet comolight, são importantes aliados das pes-soas obesas, hipertensas e diabéticas.Mas isto não significa que possam serusados indiscriminadamente, emquaisquer dessas situações, pois, porexemplo, um alimento light não é, ne-cessariamente, indicado para pessoasque apresentam algum tipo de doença(diabetes, colesterol elevado...). Porisso é necessário analisar os compo-nentes existentes e suas proporções,para saber se o alimento é adequadoou não para as necessidades da pes-soa.

De acordo com as interpretaçõesacima, podemos depreender quãoproblemáticas se tornam as idéiasusuais dos consumidores, pois ostermos light e diet representam contex-tos totalmente diferentes. E, como agrande maioria das pessoas não estásuficientemente esclarecida sobre osignificado dos termos, elas sentem-se pouco seguras em utilizar tais pro-dutos, ou os utilizam de forma inade-quada devido à falta de compreensãodas declarações de rotulagem. O des-conhecimento e o consumo inadequa-

Diet ou light: Qual a diferença?

Todos os produtos, tantodiet como light, são

importantes aliados daspessoas obesas,

hipertensas e diabéticas.Mas isto não significa que

possam ser usadosindiscriminadamente

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do dos produtos são decorrentes dosimensos vazios na compreensão dosartefatos tecnológicos, bem como dosfenômenos científicos. Esses vaziossão mantidos nas escolas, quando sãoignoradas abordagens situadas naperspectiva de Ciência, Tecnologia eSociedade e quando há preocupaçãosomente com conceituações nomina-lísticas e modelos abstratos que limi-tam o domínio crítico e a autonomiadas pessoas.

A compreensão dos produtos eprocessos tecnológicos permite àspessoas apreciar, consumir correta-mente e formular juízos de valor sobreargumentos relativos a questõessocialmente controversas. É nessaperspectiva, então, que abordamos otema diet e light.

O que é um alimento diet?Diet é um termo usado na maioria

das vezes como sinônimo de retiradade algum nutriente (açúcares, sódio,gorduras, alguns aminoácidos...), semimplicar, no entanto, na redução dascalorias do alimento. Um alimento dieté aquele de cuja composição originalfoi “retirada” alguma substância e queserve às dietas especiais com restri-ções, por exemplo, de açúcares, degorduras, de sódio, de aminoácidos oude proteínas. Desse modo, osprodutos sem sal são indicados paraos hipertensos; os sem açúcar, paraos diabéticos; os sem gordura, paraos que têm excesso de colesterol; ossem o aminoácido fenilcetonúria, paraos fenilcetonúricosetc. O Ministério daSaúde classifica es-ses alimentos como“alimentos para finsespeciais”. A portarian. 29/98, da Secreta-ria de Vigilância Sani-tária do Ministério daSaúde, definiu como“alimentos para finsespeciais” aquelesespecialmente for-mulados ou processados, nos quaissão introduzidas modificações no con-teúdo de nutrientes, adequados à utili-zação em dietas diferenciadas e ouopcionais, atendendo às necessidadesde pessoas em condições metabólicas

e fisiológicas específicas. São classifi-cados como alimentos para fins espe-ciais: a) alimentos para dietas com res-trição de nutrientes, b) alimentos paraingestão controlada de nutrientes e c)alimentos para grupos populacionaisespecíficos.

Assim, o termo diet pode ser usa-do tanto para alimentos destinados adietas com restriçãode nutrientes (carboi-dratos, gorduras, pro-teínas, sódio), comotambém para dietascom ingestão contro-lada de alimentos (pa-ra controle de peso oude açúcares).

Todavia, o que significam expres-sões tais como “ingestão controlada erestrição de nutrientes”? Alimentosdestinados a dietas controladas sãoaqueles nos quais não é permitida aadição de determinado nutriente. Porexemplo, em alimentos que atendemà ingestão controlada de açúcar, nãopode haver inclusão desse nutriente.Em tais alimentos, permite-se a exis-tência do açúcar natural do alimento,como, por exemplo, a geléia diet, quetem a frutose como açúcar natural. Ali-mentos restritos em gorduras ou res-tritos em carboidratos podem conterno máximo 0,5 grama do nutriente por100 gramas ou 100 mL do produto.Como a quantidade de carboidratos egorduras permitida nos alimentos comrestrição é muito pequena, é comum adefinição de alimento diet como sendo

produto isento de umnutriente específico.

No entanto, é fun-damental explicitarque nem todos osalimentos diet apre-sentam diminuiçãosignificativa na quan-tidade de calorias e,portanto, devem serevitados pelas pesso-as que querem ema-grecer. Um exemplo

clássico é o chocolate diet, que apre-senta teor calórico próximo do choco-late normal. O chocolate diet é indicadopara pessoas diabéticas, pois é isento(restrito) de açúcar (carboidrato). Nes-se caso, o açúcar é substituído pelos

adoçantes. Porém, como essa substi-tuição altera a consistência do ali-mento, acrescenta-se mais gordura nasua composição para manter a texturahabitual, o que faz com que o seu va-lor calórico se aproxime do do choco-late normal, tornando-o não recomen-dável para as pessoas que desejamreduzir peso.

Assim, a retiradade um nutriente po-de reduzir as calo-rias, mas é precisoverificar se a reduçãoé suficiente parajustificar a substitui-ção do alimento con-vencional pelo diet.

Por outro lado, pode haver produ-tos diet que sejam light.

O que é um alimento light?A portaria 27/98, da Secretária de

Vigilância Sanitária do Ministério daSaúde, define que os termos “light”ou “lite” ou “leve” podem ser utiliza-dos quando for cumprido o atributo“baixo”.

Dizemos que um alimento é lightquando apresenta redução mínimade 25% em determinado nutriente oucalorias, comparado com o alimentoconvencional. Para que ocorra a redu-ção de calorias, é necessário que hajaa diminuição no teor de algum nutrien-te energético (carboidrato, gordura eproteína). A redução de um nutrientenão energético, por exemplo, sódio(sal light), não interfere na quantidadede calorias do alimento.

Nos alimentos light, também de-vemos estar atentos à possibilidadede terem sido acrescidas outras subs-tâncias. Isto porque, na redução deum, pode ser necessária a adição deoutro componente calórico (substân-cias tais como: gordura, sódio,açúcar...) para minimizar alteraçõesna consistência, na cor ou outras quepossam ocorrer. Por exemplo, algunsqueijos e requeijões light têm menoscalorias por reduzir gorduras; entre-tanto, para manter a consistência, au-menta-se o sal, e este não é indicadopara hipertensos (outro exemplo é ocaso do chocolate citado anterior-mente). Por isto, é fundamental expli-citar para qual nutriente o atributo é

Diet ou light: Qual a diferença?

Light é qualquer alimentoque apresente redução

mínima de 25% emdeterminado nutriente ou

calorias, comparado com oalimento convencional. Paraque ocorra a redução decalorias, é necessário quehaja a diminuição no teor

de algum nutrienteenergético

Diet é um termo usado namaioria das vezes comosinônimo de retirada de

algum nutriente, semimplicar, no entanto, naredução das calorias do

alimento

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Abstract: Diet or Light: What is the Difference? – The growing consumption of diet or light products by people of our society is notable. Such consumption is being done, in the majority of cases,without observing and reading the labels of the products. Packaging labels contain information related to the chemical composition and to nutritional aspects, as well as cite substances created orrecreated by man, that needs to be translated, decodified so the consumer can make adequate use of these foods.Keywords: diet, light, eating products

aplicável. A utilização do termo light,por si só, não é suficiente para a com-preensão da identidade do produto.

O Quadro 1 e as Figuras 1 e 2apresentam as diferenças entre osprodutos light e diet comparados aosprodutos na sua versão normal. Em-bora o requeijão cremoso light (Qua-dro 1) apresente 188 kcal a menosque o requeijão normal, ele possui5,54 g a mais de carboidratos que orequeijão normal. Ele está na catego-ria light porque apresenta menos gor-dura, mas a quantidade de carboi-dratos é maior.

Já o refrigerante light (Figura 1)não pode ser ingerido de forma nãocontrolada por indivíduos hiperten-sos, uma vez que ele contém 30 mgde sódio e o refrigerante normal éisento de sódio. A gelatina diet (Figura2) não contém açúcar, mas aindacontém 4 g de carboidratos.

Considerações finaisAbordagens sobre produtos light

e diet podem ser realizadas no ensinode Química inseridas numa perspec-tiva de ensino que priorize inter-rela-ções entre conhecimento científico,tecnologia e sociedade. Tais aborda-

Diet ou light: Qual a diferença?

Referência bibliográficaCÂNDIDO, L.M.D. e CAMPOS, A.M.

Alimentos para fins especiais: Dieté-ticos. São Paulo: Livraria Varela, 1996.

Para saber maisMARCHETTI, G. Inulina e fruttani. In-

dustrie Alimentari, v. 32, n. 319, p. 945-949, 1993.

COULTATE, T.P. Manual de Químicay Bioquímica de los alimentos. Zara-goza: Editorial Acribia, 1996.

PORTARIA n. 27, de 13 de janeiro de1998, da Secretaria de Vigilância Sani-tária do Ministério da Saúde.

PORTARIA n. 29, de 13 de janeiro de1998, da Secretaria de Vigilância Sani-tária do Ministério da Saúde.

Figura 1: Informações nutricionais em rótulos de refrigerante light (a) e normal (b).

Figura 2: Informações nutricionais em rótulos de gelatina light (a) e comum (b).

Quadro 1: Comparação entre um produto light e um produto normal.

Produto (100 g) Calorias Carboidratos Proteínas Gorduras

Requeijão cremoso light 161 kcal 8,2 g 11,03 g 12,44 g

Requeijão cremoso normal 349 kcal 2,66 g 7,55 g 34,87 g

gens, realizadas nessa perspectiva,proporcionam atitudes e ferramentasintelectuais necessárias ao aluno parajulgar, avaliar e decidir no campo dodomínio científico e tecnológico, pes-soal e social. Diante do consumismoe da pseudociência, que levam amaioria das pessoas a adquirirem eingerirem produtos sem uma cons-ciência crítica fundamentada, torna-se necessária a abordagem de temá-ticas capazes de promover uma edu-cação para a cidadania, o que implicauma construção pedagógica e cien-tífica de natureza inclusiva, na qual aspessoas possam realmente fazeropções conscientes.

Nota1. Sempre tenha em mente que os

rótulos dos produtos podem apresen-tar erros de informação! Veja o artigoDe olho nos rótulos: Compreendendoa unidade caloria, nesta mesma edi-ção.

Rejane Maria Ghisolfi da Silva ([email protected]),licenciada em Ciências/Química e mestre em Edu-cação nas Ciências (Química) pela Unijuí, doutoraem Educação pela Unimep, é docente no Institutode Química da Universidade Federal de Uberlândia(IQ-UFU). Sandra Terezinha de Farias Furtado([email protected]), licenciada em Química pela USP,mestre em Química Orgânica e doutora em QuímicaInorgânica pela Unicamp, é docente no IQ-UFU.