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Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de Ciências Biológicas Programa de Pós-gradução ECMVS Dieta, disponibilidade alimentar e padrão de movimentação de lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Mayra Pereira de Melo Amboni Orientador Flávio Henrique G. Rodrigues Dissertação apresentada ao Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais para obtenção do grau de mestre em Ecologia, Manejo e Conservação da Vida Silvestre. Belo Horizonte, MG, 2007

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Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de Ciências Biológicas Programa de Pós-gradução ECMVS

Dieta, disponibilidade alimentar e padrão de

movimentação de lobo-guará, Chrysocyon

brachyurus, no Parque Nacional da Serra da

Canastra, MG.

Mayra Pereira de Melo Amboni

Orientador Flávio Henrique G. Rodrigues Dissertação apresentada ao Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais para obtenção do grau de mestre em Ecologia, Manejo e Conservação da Vida Silvestre.

Belo Horizonte, MG, 2007

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AMBONI, M. P. M. Dieta, disponibilidade alimentar e padrão de movimentação do lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Orientador: Flávio Henrique G. Rodrigues Dissertação (mestrado) – Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. Palavras-chave: dieta; disponibilidade alimentar; área de vida e área central de atividade; padrão de movimentação; Chrysocyon brachyurus; Serra da Canastra; Cerrado.

BANCA EXAMINADORA

Flávio Henrique G. Rodrigues (orientador)____________________________________

Jader Soares Marinho Filho________________________________________________

Kátia Gomes Facure______________________________________________________

Marcos Rodrigues (suplente)_______________________________________________

3

Sumário Índice de Figuras........................................................................................................... 4

Índice de Tabelas.......................................................................................................... 6

Agradecimentos............................................................................................................ 8

Resumo.......................................................................................................................... 10

Abstract......................................................................................................................... 12

Introdução Geral.......................................................................................................... 14

Referências bibliográficas................................................................................... 18

Capítulo I - Variação temporal da dieta do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) no

Parque Nacional da Serra da Canastra, MG................................................................... 22

Introdução........................................................................................................... 22

Metodologia........................................................................................................ 24

Resultados........................................................................................................... 30

Discussão............................................................................................................ 38

Referências Bibliográficas.................................................................................. 44

Capítulo II - Disponibilidade alimentar e dieta do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus)

no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG: oportunismo vs seleção de presas....... 50

Introdução........................................................................................................... 50

Metodologia........................................................................................................ 51

Resultados........................................................................................................... 56

Discussão............................................................................................................ 66

Referências Bibliográficas.................................................................................. 72

Capítulo III - Disponibilidade alimentar e padrão de movimentação do lobo-guará

(Chrysocyon brachyurus) no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.................... 77 Introdução........................................................................................................... 77

Metodologia........................................................................................................ 79

Resultados........................................................................................................... 86

Discussão............................................................................................................ 91

Referências Bibliográficas.................................................................................. 96

Considerações Finais.................................................................................................. 101

Referências Bibliográficas................................................................................ 103

Anexo 1........................................................................................................................ 104

Anexo 2........................................................................................................................ 107

4

Índice de Figuras

Figura 1. Distribuição atual do Lobo-Guará (Chrysocyon brachyurus). Fonte: Rodden et al. 2004.................................................................................................................... 15

Figura 1.1. Localização do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG e sua delimitação original de 200.000 ha, em cinza escuro, e a zona de amortecimento, em cinza claro......................................................................................................................... 25

Figura 1.2. Temperatura média (barra) e precipitação (linha) no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, nos anos de 2005 e 2006. No mês de dezembro não houve coleta suficiente de dados de precipitação. Dados coletados pelo Ibama e fornecidos pelo Laboratório de Climatologia e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Uberlândia, UFU..................................................................................................... 26

Figura 1.3. Curva acumulativa de itens alimentares expressa em porcentagem, em relação ao número de fezes de lobo-guará analisadas (n = 307), coletadas entre os meses de setembro de 2005 e outubro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG........................................................................................................... 31

Figura 1.4. Distribuição do número de itens encontrados por amostra fecal de lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG....................................................... 32

Figura 1.5. Porcentagem de biomassa consumida por mês para cada um dos três principais frutos consumidos por lobo-guará entre os meses de agosto de 2005 e setembro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG......................... 35

Figura 2.1. Produtividade dos frutos consumidos pelo lobo-guará, Chrysocyon

brachyurus, durante meses de 2005 e 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. A lobeira, Solanum lycocarpum, está representada em termos de biomassa disponível por planta e os demais em gramas por ha.............................. 57

Figura 2.2. Consumo de itens alimentares (�) por lobo-guará tendo em vista a proporção destes no ambiente (□), de: a) outros frutos; e b) lobeira (Solanum lycocarpum), em meses de 2005 e 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG........................................................................................................................... 60

Figura 2.3. Consumo de lobeira (○) e de outros frutos (●) pelo lobo-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Fezes coletadas entre agosto de 2005 e setembro de 2006..................................................................................................... 61

Figura 2.4. Biomassa disponível de frutos potenciais para consumo por lobo-guará, por mês, em cada um dos ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG........................................................................................................................... 62

Figura 2.5. Consumo de pequenos mamíferos (�) por lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) tendo em vista a proporção destes no ambiente (□), em relação: a) número de indivíduos; e b) biomassa, entre os meses de setembro de 2005 a setembro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG......................... 63

Figura 2.6. Biomassa estimada de pequenos mamíferos ao longo dos meses, por ambiente, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG...................................... 65

Figura 3.1. Tipos vegetacionais e uso do solo no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Fonte: modificado de MMA & Ibama (2005)................................................. 81

5

Figura 3.2. Freqüência de localizações de 25 lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, em cada ambiente do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. A barra sólida representa a estação chuvosa (n = 359) e a vazada a estação seca (n = 412). Dados coletados entre fevereiro de 2004 a fevereiro de 2007............................................ 90

6

Índice de Tabelas

Tabela 1.1. Freqüência de ocorrência e biomassa consumida estimada, expressas em porcentagem, das categorias alimentares encontradas nas fezes dos lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, coletadas em três anos diferentes no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG............................................................................................ 33

Tabela 1.2. Porcentagem de fezes de lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, (n = 191 para estação seca e n = 116 para estação chuvosa) com determinada categoria alimentar nas estações seca e chuvosa, bem como os valores de G; e proporção de biomassa bruta consumida para cada categoria nas estações seca e chuvosa, e seus valores de U. Fezes coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG............................................................................................ 35

Tabela 1.3. Freqüências de ocorrência, expressas em porcentagem das categorias alimentares encontradas nas fezes do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) nas estações chuvosa e seca no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, em três diferentes anos......................................................................................................... 37

Tabela 2.1. Coeficiente de similaridade das espécies de frutos disponíveis para o consumo do lobo-guará entre os pontos amostrais de cada ambiente do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG........................................................................ 58

Tabela 2.2. Biomassa disponível dos principais frutos para consumo pelo lobo-guará em quatro ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Amostragem realizada entre setembro de 2005 e setembro de 2006............................................ 61

Tabela 2.3. Número de indivíduos disponíveis de pequenos mamíferos (contabilizando a primeira captura de cada indivíduo em cada mês) para consumo pelo lobo-guará em quatro ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG: campo úmido (CU), cerrado (CE), campo limpo (CL) e campo rupestre (CR). Amostragem realizada entre setembro de 2005 e setembro de 2006............................................ 64

Tabela 2.4. Freqüência de presas de lobo-guará na dieta (observado) e no campo (esperado). Dados coletados entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG........................................................................ 66

Tabela 3.1. Biomassa de pequenos mamíferos e frutos disponíveis (gramas por ha) para o lobo-guará em cada um dos ambientes amostrados do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, para as épocas seca e chuvosa, bem como para o ano inteiro....................................................................................................................... 86

Tabela 3.2. Número de localizações e área de vida de lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, capturados no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, entre fevereiro de 2004 e fevereiro de 2007..................................................................... 88

Tabela 3.3. Área central de atividade de lobos-guará e proporções (%) de ambientes dentro de cada área core.......................................................................................... 89

Tabela 3.4. Correlações de Spearman entre tamanho de área de vida (MPC 95%) e área central de atividade (MPC 50%) de lobos-guará (n = 10) e porcentagens de vegetação dentro de cada área, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Em nenhuma das áreas centrais houve cerrado incluído................................................ 89

7

Tabela 3.5. Freqüência de utilização de cada ambiente (% localizações, n = 771) por lobos-guará (n = 25), disponibilidade de cada um dos ambientes no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG (% habitat) e índice de seletividade (IS). Dados coletados entre fevereiro de 2004 e fevereiro de 2007............................................ 90

8

Agradecimentos

À minha mãe, pela paciência, carinho, por ter suportado meus maus momentos e

por tolerar fezes de lobo-guará na pia da churrasqueira. Ao meu pai, pelo amor e por

estar sempre disposto a me ajudar. À toda minha família que de alguma forma estiveram

presente neste momento, me apoiando sempre.

Ao Felipe, pelo amor, companheirismo, pelas orientações, dúvidas e sugestões, e

por ter tornado mais fáceis os momentos difíceis. Obrigada também por ter me apoiado

na decisão de fazer o mestrado em Minas, mesmo que isso implicasse em menos tempo

juntos, e em idas e vindas cansativas.

À todos meus amigos, em especial àqueles que fiz na Canastra: Fernanda, Lísia,

Alessandra, Joares, Jean, Renata, Flávia, Carla, Lucas, que sempre tornaram mais

divertida minha estada na Serra. Agradecimento especial à Lucía, que além de dividir a

casa, dividimos problemas e trabalho, e foi minha grande amiga e companheira durante

todas as etapas do mestrado. À todos os estagiários que passaram pelo projeto do lobo,

em especial ao Thiago, que esteve presente em quase todas as amostragens e no qual a

ajuda foi essencial. Ao amigo Adriano Gambarini pelas fotos concedidas. À Toninha e

seu Amadeo, que sempre foram super atenciosos e carinhosos. Ao Kato e a Misha, os

gatinhos queridos no qual a companhia foi de suma importância.

Agradecimento especial ao Flávio, por ter me dado a oportunidade de trabalhar

com o lobo-guará na Canastra, pelos ensinamentos e amizade. Ao Rogério, por ter

concordado em me aceitar no projeto, pelos conselhos essenciais e pela amizade.

Novamente aos amigos Fernanda, Joares e Jean, que estiveram no campo coletando os

dados de monitoramento dos lobos-guará, e que sem eles, a realização do Capítulo III

não seria possível.

9

Ao curador do Herbário da UFMG (BHCB) Alexandre Salino, aos pesquisadores

Marcos Eduardo Guerra Sobral, João Renato Stehmann e Maria Cândida Mamede pela

identificação das plantas. À professora Carolyn Proença, do Herbário da UnB, pela

identificação das sementes. Ao curador da coleção de mamíferos da UFMG, Heitor

Cunha, pela identificação dos pequenos. À professora Kátia Gomes Facure, da UFU, pelo

auxílio na identificação dos fragmentos animais. Ao professor Jader Marinho Filho, da

coleção de mamíferos da UnB, por me permitir ter acesso à coleção e por disponibilizar

a lupa de seu laboratório para identificação dos fragmentos dos pequenos mamíferos. Ao

professor Paulo César Motta, do laboratório de Aracnídeos da UnB, e ao professor

Fernando Amaral da Silveira, do Laboratório de Sistemática e Ecologia de abelhas da

UFMG, por disponibilizarem seus laboratórios e um microscópio para identificação das

presas através dos pêlos. Ao professor Miguel Ângelo Marini, da coleção de aves da

UnB, por auxiliar na identificação das aves e por me permitir o acesso à coleção. Ao

professor Guarino Rinaldi Colli, do laboratório de Ecologia de répteis da UnB, pela

identificação dos répteis.

Ao programa de pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida

Silvestre da UFMG, pelo apoio técnico e estrutural. Ao diretor do Parque Joaquim Maia

Neto e a todos funcionários do Ibama. Ao Laboratório de Climatologia e Recursos

Hídricos da UFU por disponibilizar os dados de temperatura e precipitação. À Zootech

pelo apoio técnico. Agradecimento especial a Instituição Pró-Carnívoros, que forneceu

condições para realização deste trabalho, e no qual sem o apoio financeiro este não

poderia ser realizado. À CAPES, pela bolsa concedida.

E não poderia deixar de agradecer ao canídeo mais simpático do Cerrado, lobo-

guará, que com seu jeito desengonçado me conquistou. Ele é a razão deste trabalho!

Mais uma vez, o meu muito obrigada a todos!

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Resumo

O lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, é um canídeo generalista e onívoro que se

alimenta de itens animais e vegetais. Apesar de haver vários trabalhos que relatam a dieta

desta espécie, poucos analisaram a disponibilidade alimentar e apenas um testou se o

padrão de movimentação da espécie é influenciado pela quantidade de alimento

disponível. Neste sentido, os objetivos dessa dissertação foram: (1) verificar a atual dieta

do lobo-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, bem como realizar uma análise

temporal levando em consideração os outros trabalhos já realizados no Parque; (2)

verificar se os lobos-guará se alimentam conforme a disponibilidade de alimentos no

ambiente; e (3) verificar se a disponibilidade alimentar é um agente influenciador no

padrão de movimentação da espécie. A análise de amostras fecais mostrou que o lobo-

guará se alimenta de frutos e pequenos animais, tendo como principal item a lobeira,

Solanum lycocarpum. Quando feita a análise temporal de sua dieta, observou-se clara

mudança nos itens ingeridos ao longo dos anos, principalmente de frutos, como reflexo

das alterações no ambiente após implementação do Parque. Análises de marcação e

recaptura de pequenos mamíferos, quantificação da produção de frutos nos diferentes

ambientes do Parque, juntamente com a análise das amostras fecais, mostraram que, no

geral, o lobo-guará consumiu os itens alimentares conforme a disponibilidade no

ambiente, consumindo maiores quantidades de frutos na época chuvosa e de itens

animais na época seca. Contudo a lobeira foi consumida em maior proporção quando

presente em menores quantidades no ambiente, sugerindo que o lobo-guará procura este

frutos em época de escassez de outros itens vegetais. Algumas espécies de pequenos

mamíferos foram também consumidas em proporções maiores das encontradas no

ambiente, porém isto pode ser explicado por alguns efeitos secundários. Ainda,

observou-se que a movimentação dessa espécie é influenciada pela disponibilidade

11

alimentar, concentrando suas atividades em áreas mais ricas em alimento. No entanto, os

resultados indicam que há outros fatores desconhecidos que também influenciam na

movimentação da espécie.

12

Abstract

The maned wolf, Chrysocyon brachyurus, is a generalist omnivorous canid that feeds on

small animals and fruits. In spite of the fact that many studies examined the maned

wolf’s diet, few of them analyzed the availability of food on the environment, and just

one tested if the availability of food had any influence on the maned wolf’s moving

pattern. Therefore, the objectives of this dissertation were to: (1) verify the current diet of

the maned wolf in the Serra da Canastra National Park (Brazil) and compare with

previous studies performed in the Park; (2) verify if the maned wolf feeds according to

the availability of food; and (3) verify if the availability of food is an agent that influence

on the maned wolf’s moving patterns. Analysis of fecal samples showed that the maned

wolf feeds on fruits and animals, and the main item of its diet is lobeira, Solanum

lycocarpum. The comparison with previous studies demonstrated that there was a clear

change in the items ingested by the maned wolf during the years, especially fruits, which

was probably caused by a change on the type of vegetation, that occurred after the Park

implementation. Mark and recapture analysis, quantification of fruit production in

differents types of vegetation in the Park together with the fecal analysis showed that, in

general, the maned wolf consumed the food according to its availability, consuming more

fruits in the raining season and small animals in the dry season. However, lobeira was

consumed in a higher proportion when its productivity was lower, suggesting that maned

wolf look for this fruit in times of low availability of others fruits. In addition, some

small mammals species were consumed in a higher proportion than expected, which

could be explained by some secondary effects. Moreover, it was also observed that the

availability of food has an influence on the moving pattern of the maned wolf, since the

individuals were more frequently located in the habitats with more food. However, the

13

results also indicate that there are other non-identified factors that influence in the maned

wolf moving pattern.

14

Introdução Geral

O lobo-guará (Chrysocyon brachyurus Illiger 1815) é o maior canídeo Sul-

Americano. Quando adulto pesa em média 25 kg e tem o comprimento total médio de

aproximadamente 150,4 cm, no qual 44,6 cm correspondem a sua cauda (Rodden et al.

2004). Suas pernas são longas e as orelhas compridas, facilitando a movimentação e o

forrageamento nas gramíneas altas do Cerrado, ambiente no qual está amplamente

distribuído (Rodden et al. 2004). Sua pelagem é de cor avermelhada, com o focinho e

parte inferior das patas negras. Os pêlos da garganta, de dentro das orelhas e da ponta da

cauda são brancos. Possuem uma crina escura que vai da nuca até os ombros. Os padrões

de coloração do pêlo sofrem pouca variação entre os indivíduos.

Ocorre no Brasil desde a desembocadura do Rio Parnaíba no Nordeste até o Rio

Grande do Sul. Distribui-se ainda no Chaco Paraguaio, Bolívia, Argentina, Uruguai e no

oeste dos Pampas Del Health no Peru (Rodden et al. 2004) (Figura 1). Apesar de sua

ampla distribuição está inserido na categoria vulnerável pela lista brasileira de espécies

ameaçadas (MMA 2003) e perto de estar ameaçada pela lista da IUCN (2006).

Uma das características da ecologia do lobo-guará que o coloca em risco é a

necessidade de grandes áreas para exercer suas atividades rotineiras. A média das áreas

de vida dos lobos-guará, entre os locais já estudados, pode variar de 25,2 a 57,0 km2

(Dietz 1984; Silveira 1999; Rodrigues 2002; Melo et al. 2007). Há uma grande variação

intra-específica local e regional dos tamanhos das áreas de vida nos trabalhos publicados,

que poderiam ser atribuídas a fatores como variação nos tamanhos de áreas de vida entre

machos e fêmeas, devido a necessidades distintas entre os sexos (Mizutani & Jewell

1998; Biró et al. 2004), ou ainda a diferentes quantidades ou qualidade de alimento nas

áreas ocupadas por indivíduo (Mizutani & Jewell 1998). Porém nenhum trabalho

realizado com área de vida do lobo-guará testou qual fator pode determinar esta grande

15

variação intra-específica (Dietz 1984; Carvalho & Vasconcellos 1995; Silveira 1999;

Juarez & Marinho-Filho 2002; Rodrigues 2002; Melo et al. 2007).

Figura 1. Distribuição atual do Lobo-Guará (Chrysocyon brachyurus). Fonte: Rodden et al 2004.

Por precisar de grandes áreas, a fragmentação e perda do hábitat é a maior ameaça

à conservação do lobo-guará (Fonseca et al. 1994). Grande parte do Cerrado, Bioma no

qual o lobo-guará está amplamente distribuído, foi destruída e as partes remanescentes

encontram-se fragmentadas, o que, em conjunto com o alto grau de endemismo, coloca

este Bioma entre os mais ameaçados do mundo (Myers et al. 2000). Até a década de

1950 os Cerrados permaneceram quase que inalterados, mas a partir de 1960, com a

interiorização da capital e a construção de estradas rodoviárias, os impactos das ações

antrópicas aumentaram significativamente (Cavalcanti & Joly 2002). No início da década

de 90, ao menos 67% da região do Cerrado já havia sido convertida em uso intensivo

humano, e algumas estimativas recentes indicam 80% de degradação (Myers et al. 2000;

Cavalcanti & Joly 2002). Até o ano de 2002 já haviam sido desmatadas 54,9% da área

16

original (Machado et al. 2004), e atualmente apenas cerca de 2% da área total do Cerrado

encontra-se protegida (Ratter et al. 1997).

A fragmentação pode causar a perda de variabilidade genética (por isolamento de

sub-populações), aumento de espécies invasoras, aumento no número de atropelamentos

e aumento da caça. Todos estes fatores combinados podem agravar o status de

conservação do lobo-guará, tendo em vista que é uma espécie aparentemente suscetível a

todos estes fatores. Com a fragmentação de hábitats, os lobos-guará podem interagir mais

facilmente com cães domésticos (Canis familiaris), podendo haver competição por

recursos ou ainda introdução de doenças, causando sérios riscos à população silvestre

(Rodden et al. 2004). Além disso, a maioria das Unidades de Conservação são cercadas

por rodovias, onde os carros trafegam em alta velocidade, tornando-se fator de risco para

diversas espécies, inclusive o lobo-guará (Rodrigues 2002). A caça sobre o lobo-guará

pode aumentar também, uma vez que próximo as Unidades de Conservação normalmente

há fazendas com criações de galinhas e outras aves, que com freqüência são atacadas por

carnívoros de modo geral. No entanto, muitas vezes o principal acusado pelas predações

de galinhas são os lobos-guará (Corral 2007), sendo alvo de caça e perseguição. Além

disso, algumas crenças de que o lobo-guará traria sorte ou curaria certas doenças ainda é

motivo para caça.

Ainda, por ser um animal considerado oportunista, alimentando-se conforme a

disponibilidade de alimentos no ambiente (Motta-Junior et al. 1996; Motta-Junior 2000;

Bueno et al. 2002) e pelo fato da lobeira, fruto geralmente considerado o mais importante

da sua dieta (Dietz 1984; Motta-Junior et al. 1996; Motta-Junior 1997, 2000; Juarez &

Marinho-Filho 2002; Jácomo et al. 2004; Rodrigues et al. 2007), ser favorecida em

ambientes alterados (Oliveira-Filho & Oliveira 1988), o lobo-guará, com o crescente

processo de fragmentação, pode passar a usar mais freqüentemente áreas antropizadas,

podendo ocorrer aumento no consumo de frutos cultivados (Santos et al. 2003; Jácomo et

17

al. 2004; Rodrigues et al. 2007) ou criações domésticas, diminuindo ainda mais a

aceitação dos humanos pelo lobo-guará, e aumentando, conseqüentemente, a caça sobre a

espécie.

Apesar de haver vários trabalhos que tratam da dieta do lobo-guará, poucos

quantificaram a disponibilidade alimentar (Dietz 1984; Motta-Junior 2000; Queirolo

2001; Motta-Junior & Martins 2002; Bueno & Motta-Junior 2006; Rodrigues et al.

2007), e apenas um testou se a disponibilidade alimentar é um fator influente no padrão

de movimentação da espécie (Silva & Talamoni 2004). No sentido de colher mais

informações acerca da ecologia alimentar e do comportamento de forrageamento do

lobo-guará, e tendo em vista a importância dessas informações para a tomada de medidas

de conservação, os objetivos gerais deste trabalho foram: (1) verificar a atual dieta do

lobo-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, bem como realizar uma

análise temporal levando em consideração os outros trabalhos já realizados no Parque;

(2) verificar se os lobos-guará se alimentam conforme a disponibilidade de alimentos no

ambiente; e (3) verificar se a disponibilidade alimentar influencia no padrão de

movimentação da espécie.

A dissertação esta subdivida em três capítulos. O primeiro capítulo trata da dieta

do lobo-guará no PNSC. Neste, foram feitas análises através de amostras fecais onde foi

avaliada a composição de sua dieta e a importância de cada item, além de verificar a

existência de sazonalidade no consumo de presas animais e itens vegetais. Foi feita

também uma comparação da dieta do lobo-guará encontrada atualmente com dados

publicados desde a década de 80 (Dietz 1984; Queirolo 2001), para verificar se houve

mudanças nos itens alimentares ingeridos pela espécie.

O segundo capítulo trata da disponibilidade alimentar e da dieta, com objetivo de

verificar se o lobo-guará se enquadra no hábito alimentar oportunista ou se seleciona

algumas presas em detrimento de outras. Foram estimadas as quantidades de pequenos

18

mamíferos e de frutos nos principais ambientes do PNSC, e estes correlacionados com os

dados de dieta.

O terceiro e último capítulo trata da disponibilidade alimentar e do padrão de

movimentação da espécie. Neste, procura-se uma relação entre as áreas de vida ou áreas

centrais de atividade dos lobos-guará com a disponibilidade alimentar encontrada nos

diferentes ambientes amostrados do Parque. Para isso foram interseccionadas essas áreas

com um mapa de classificação da vegetação. Espera-se que o tamanho da área varie

conforme a quantidade de cada tipo de ambiente.

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22

Capítulo I

Variação temporal da dieta do lobo-guará

(Chrysocyon brachyurus) no Parque Nacional da

Serra da Canastra, MG.

INTRODUÇÃO

A dieta do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) vêm sendo estudada desde a

década de 70 (Langguth 1975; Carvalho 1976), porém foi na década de 80 que a primeira

pesquisa envolvendo uma abordagem mais completa da importância de cada item

alimentar foi realizada (Dietz 1984). A partir daí, vários estudos enfocando a dieta do

lobo-guará foram publicados (Motta-Junior et al. 1996; Azevedo & Gastal 1997; Motta-

Junior 1997, 2000; Aragona & Setz 2001; Queirolo 2001; Bueno et al. 2002; Motta-

Junior & Martins 2002; Santos et al. 2003; Silva & Talamoni 2003; Bueno & Motta-

Junior 2004; Jácomo et al. 2004; Cheida 2005; Rodrigues et al. 2007).

Os diversos trabalhos mostram uma dieta onívora e generalista, constituída

principalmente de frutos e de pequenos vertebrados. Entre as presas animais, os trabalhos

apontam pequenos mamíferos ou tatus como principais fontes de proteína animal. Aves,

répteis e vertebrados de médio e grande porte também são encontrados na alimentação do

lobo-guará. Alguns trabalhos relatam peixes e anfíbios na sua dieta, mas sempre em

proporções muito baixas (Dietz 1984; Bueno et al. 2002).

Entre os frutos, o principal geralmente é a lobeira (Solanum lycocarpum), que

frutifica o ano inteiro (Oliveira-Filho & Oliveira 1988; Rodrigues 2002), mas alguns

trabalhos já registraram outras espécies de frutos, que não a lobeira, como sendo os

principais (Queirolo & Motta-Junior 2000; Queirolo 2001).

23

Itens de origem animal e vegetal aparecem nas fezes em proporções semelhantes

ao longo de todo ano (Rodrigues et al. 2007), no entanto o lobo-guará apresenta variação

sazonal da dieta, ingerindo maior quantidade de pequenos vertebrados na época seca, e

de frutos na época chuvosa (Motta-Junior et al. 1996; Motta-Junior 2000; Bueno et al.

2002), épocas nas quais estes itens estão disponíveis em maiores quantidades no

ambiente. Alguns autores sugerem que o lobo-guará pode ser seletivo para alguns itens

alimentares, como a lobeira (Motta-Junior 2000; Rodrigues et al. 2007) ou algumas

espécies de pequenos mamíferos (Bueno & Motta-Junior 2006).

Todos os estudos realizados com hábitos alimentares do lobo-guará analisam a

dieta através das fezes. A importância de cada item alimentar é analisada em termos de

freqüência de ocorrência (Dietz 1984), volume (Dietz 1984), peso seco (Azevedo &

Gastal 1997) ou biomassa ingerida (Motta-Junior et al. 1996). Apesar da freqüência de

ocorrência ser um método que superestima pequenos itens alimentares (Corbett 1989), é

ainda o método mais utilizado por pesquisadores que investigam a dieta do lobo-guará.

A análise da dieta ao longo de vários anos pode auxiliar no planejamento de

estratégias de manejo e conservação da espécie. No entanto, às vezes a informação está

apresentada em estudos esparsos, e é interessante unir essas informações para verificar se

há variações significativas no comportamento alimentar da espécie. Contudo, deve-se

também levar em consideração que os diferentes resultados podem ser apenas variações

anuais ou cíclicas da disponibilidade de alimentos no ambiente e conseqüentemente, do

consumo destes itens.

No Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC), MG, dois trabalhos foram

realizados com dieta do lobo-guará e estes mostram dados contrastantes. Dietz (1984)

aponta a lobeira, Solanum lycocarpum, como principal item alimentar, enquanto Queirolo

(2001) conclui que outra espécie de fruto, Parinari obtusifolia, tem maior importância na

dieta. Ainda, Queirolo & Motta-Junior (2000) acreditam que o lobo-guará estaria

24

substituindo a lobeira por outros frutos, alegando que as condições existentes até o final

da década de 70, com grande quantidade de gado consumindo e disseminando o fruto da

lobeira, agiam como fator facilitador no estabelecimento desta planta. Sugerem ainda

que, com a posterior retirada dos fazendeiros e construção de cercas delimitando o

Parque no início da década de 80, as condições de sobrevivência da lobeira diminuíram e

aumentaram as de outros frutos, que antes eram inibidas pelas queimadas constantes e

pelo forrageio do gado. Os autores sugerem que essas alterações no ambiente poderiam

estar causando mudanças na dieta do lobo-guará dentro do Parque.

Neste sentido, os objetivos deste trabalho foram: (1) verificar a importância atual

dos itens alimentares na dieta do lobo-guará através da análise de fezes, no Parque

Nacional da Serra da Canastra, MG; (2) avaliar o efeito da sazonalidade na ingestão de

itens alimentares durante as épocas seca e chuvosa; (3) analisar temporalmente a dieta do

lobo-guará levando em conta outros trabalhos realizados no PNSC.

METODOLOGIA

Área de estudo

O Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC) foi criado em 1972 pelo Decreto

nº 70.355. O projeto possuía inicialmente área de 200.000 ha, porém, em 1977, foi

realizado o levantamento e a demarcação em apenas 71.525 ha. Para este mesmo ano há

relatos de que havia ainda aproximadamente 20.000 cabeças de gado dentro do Parque e

que o sistema tradicional de queima e pastagem ainda era mantido. Foi apenas em 1980

que houve a saída, forçada pela Polícia Federal, de todos aqueles que ainda estavam

presentes dentro do Parque. Hoje o PNSC abrange cerca de 71.525 ha e sua sede está

situada no município de São Roque de Minas, sudoeste de Minas Gerais, a 360 km de

Belo Horizonte (Figura 1.1) (MMA & IBAMA 2005).

25

Figura 1.1. Localização do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG e sua delimitação original de 200.000 ha, em cinza escuro, e a zona de amortecimento, em cinza claro.

O Parque está inserido no domínio fitogeográfico do Cerrado, sendo a maior parte

coberta por formações campestres, como campo limpo, campo sujo e campo rupestre. O

clima predominante é tropical sazonal, de inverno seco. A temperatura média mensal não

varia muito ao longo do ano, ao contrário da precipitação (Figura 1.2), que possui picos

elevados na primavera e verão (outubro a março), caracterizando a estação chuvosa.

Entre os meses de abril e setembro há uma redução na incidência de chuvas onde os

índices pluviométricos podem chegar a zero, resultando numa estação seca que pode

durar de três a cinco meses (MMA & IBAMA 2005).

Fonte: modificado de Ibama-MMA 2005. Plano de Manejo PNSC.

26

0

5

10

15

20

25

A S O N D J F M A M J J A S

Temperatura m

édia (Celsius)

0

50

100

150

200

250

300

350

Precipita

ção (mm)

Figura 1.2. Temperatura média (barra) e precipitação (linha) no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, nos anos de 2005 e 2006. No mês de dezembro não houve coleta suficiente de dados de precipitação. Dados coletados pelo IBAMA e fornecidos pelo Laboratório de Climatologia e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Uberlândia, UFU.

Dieta do lobo-guará

Para análise de dieta do lobo-guará, as fezes encontradas entre agosto de 2005 e

outubro de 2006, dentro e fora do PNSC, foram coletadas em sacos plásticos onde foram

anotadas a data e a localização. As fezes de lobo-guará eram reconhecidas pelo odor

característico, diâmetro ou rastros e pegadas próximas, ou ainda pela presença de pêlos

do predador. Aquelas fezes cuja origem não pode ser confirmada como sendo do lobo-

guará não foram analisadas.

Dentre todas as fezes coletadas foram apanhadas aleatoriamente 30 fezes por mês.

Nos meses com baixa coleta (menos de 30) foram triadas todas as fezes de lobo-guará

encontradas. Para verificar a suficiência do tamanho amostral foi traçada a curva do

coletor.

chuvosa seca

27

As fezes foram triadas em água corrente, com o auxílio de peneiras de malhas de

2 mm. Todas as sementes e fragmentos animais (pêlos, ossos, dentes, bicos, penas, casca

de ovo, escamas) encontrados foram separados para posterior quantificação e

identificação.

As sementes encontradas nas fezes foram identificadas comparando-as com

sementes coletadas na área de estudo ou com a ajuda de botânicos.

A identificação dos pequenos mamíferos foi feita através da comparação dos

dentes e mandíbulas encontradas nas fezes com as de espécimes da coleção de mamíferos

da Universidade de Brasília (UnB) e com os padrões molares descritos na literatura

(Carleton & Musser 1989; Hershkovitz 1990a, 1990b, 1993; Musser et al. 1998;

Eisenberg & Redford 1999). Quando não encontrados dentes ou mandíbulas nas fezes, a

identificação foi feita através da estrutura medular dos pêlos, uma vez que o processo da

digestão não afeta sua estrutura (Quadros & Monteiro-Filho 1998). Foram utilizados uma

chave de identificação (Quadros 2002), literatura correlata (Chehébar & Martín 1989) e

pêlos coletados de espécimes da Coleção de Mamíferos da UnB para reconhecer os

padrões das medulas. A coleta e preparação dos pêlos para visualização em microscopia

óptica, utilizando aumentos de 100X e 400X, foi feita de acordo com metodologia

proposta por Quadros & Monteiro-Filho (2006). A identificação dos pequenos mamíferos

através dos pêlos só foi possível para grandes categorias (Muridae, Caviidae,

Didelphidae). Para identificação de mamíferos de médio porte, além dos padrões

medulares, foram levados em consideração características macroscópicas, como padrão

de cor, comprimento e espessura dos pêlos.

As escamas dos répteis encontradas nas amostras foram identificadas com ajuda

de um especialista. As aves foram identificadas através da análise das bárbulas das penas,

com auxílio de microscopia óptica, utilizando como referência penas retiradas de

espécimes da coleção de aves da UnB e a chave de identificação de Day (1966).

28

Os itens alimentares encontrados foram agrupados em 10 categorias: Solanum

lycocarpum, Parinari obtusifolia, Allagoptera campestris, Miscelânea de Frutos,

Artrópodes, Répteis, Aves, Tatus, Pequenos Mamíferos e Outros Vertebrados. As três

primeiras categorias representam as principais espécies de frutos consumidos pelo lobo-

guará (aquelas encontradas em mais de 100 fezes). A miscelânea de frutos representa as

outras espécies de frutos. O capim não foi considerado na análise uma vez que não traz

valor nutricional para a espécie, servindo mais como facilitador do processo digestivo ou

para eliminar marcações de território feitas por outros indivíduos (Dietz 1984).

A importância de cada item alimentar foi determinada a partir do cálculo da

freqüência de ocorrência e da biomassa ingerida. A freqüência de ocorrência é calculada

a partir do número de fezes em que um determinado item foi encontrado em relação ao

número total de ocorrências (Dietz 1984). Porém, como a freqüência tende a

superestimar a importância de itens pequenos (e.g. artrópodes), foi também estimada a

biomassa ingerida (Corbett 1989). Para calcular a biomassa das diferentes espécies de

pequenos mamíferos foi utilizado o peso médio dos animais capturados durante este

estudo (metodologia descrita no capítulo II) e multiplicados pelo número de indivíduos

encontrados nas fezes. A biomassa média das espécies de pequenos mamíferos que não

foram capturadas ao longo do estudo, bem como a de outros vertebrados, foram

compiladas da literatura (Motta-Junior et al. 1996; Eisenberg & Redford 1999; Rodrigues

et al. 2007). Para os animais não identificados foi feita uma média ponderada da

biomassa dos indivíduos identificados. A biomassa dos artrópodes foi estimada com base

no comprimento médio dos indivíduos encontrados (Sage 1982). A biomassa dos frutos

consumidos foi estimada multiplicando-se o número de sementes encontradas nas fezes

pelo peso médio dos frutos e este valor dividido pelo número médio de sementes por

fruto. O número de sementes e os pesos médios foram obtidos através da literatura

29

(Motta-Junior et al. 1996; Silva Junior 2005; Rodrigues et al. 2007) e consulta a

botânicos.

A amplitude do nicho foi calculada utilizando o Índice de Levins padronizado.

Este índice mede a amplitude do nicho analisando a uniformidade da distribuição de

indivíduos entre as categorias alimentares e é dado pela seguinte fórmula: BA = [(1/∑pi2)

– 1] /n-1. Onde BA é o índice de Levins padronizado, pi é a freqüência de cada categoria

utilizada e n o número de categorias (Krebs 1999). Este índice é expresso numa escala de

0 a 1, quanto menor o valor, mais especializada é a dieta.

Sazonalidade alimentar

Para verificar se há sazonalidade no consumo de itens alimentares pelo lobo-

guará as fezes foram separadas entre estação seca (de abril a setembro) e estação chuvosa

(outubro a março). Foi feito um gráfico representando a distribuição do número de itens

alimentares por fezes ao longo de todo ano e para verificar se o número de itens por fezes

variou entre as duas estações foi feito o teste não-paramétrico Mann-Whitney U, uma vez

que os números de tipo de item por fezes não apresentaram distribuição normal

(Kolmogorov-Smirnov: Z = 3035; N = 307; P < 0,001).

Os itens foram agrupados nas 10 categorias já descritas e foi calculada a

porcentagem de fezes com determinada categoria alimentar para cada uma das estações

(número de fezes contendo certo item alimentar em relação ao número total de fezes para

cada época). Foi realizado teste G para verificar se a porcentagem variou entre as duas

estações.

Ainda, foi analisada a sazonalidade alimentar levando em consideração a

biomassa ingerida. O teste Kolmogorov-Smirnov mostrou que nenhuma das categorias

apresentou distribuição normal, desta forma, o teste não paramétrico Mann-Whitney U

30

foi utilizado para constatar se houve diferença na proporção de biomassa consumida para

cada categoria por fezes durante as épocas seca e chuvosa.

Análise temporal da dieta do lobo-guará

Com o intuito de analisar a variação temporal da dieta do lobo-guará, os

resultados deste estudo foram comparados com os estudos de Dietz (1984) e Queirolo

(2001). Para facilitar a comparação entre estudos foi feita uma padronização das

categorias adotadas. Duas categorias alimentares apresentadas no estudo de Queirolo

(2001) foram unidas. O autor separou as categorias de aves em duas, Tinamiformes e

outras aves, estas foram somadas e então formada a categoria aves. Os dados de Dietz

(1984) também foram organizados dentro das categorias adotadas neste trabalho.

A amplitude de nicho trófico foi calculada para os trabalhos de Dietz (1984) e

Queirolo (2001) a partir das categorias padronizadas e seguindo fórmula descrita

anteriormente. Não foi possível calcular as amplitudes de nicho para as estações seca e

chuvosa separadamente, pois os autores não apresentaram os dados de todas categorias

adotadas aqui. Dietz (1984) analisou fezes coletadas entre julho de 1978 e maio de 1980.

Queirolo (2001) entre fevereiro de 1998 e março de 2000.

Todos os testes foram bicaudais, com nível de significância de 0,05 e realizados

no programa estatístico SPSS 13.0 para Windows.

RESULTADOS

Dieta do lobo-guará

Foram analisadas 307 fezes coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006. A

média de fezes analisadas por mês foi de 20,5 ± 11,6 (Média ± DP), sendo que para o

31

mês de outubro de 2006, apenas uma amostra foi analisada. Esta foi descartada quando

considerados os meses separados.

Foram identificados 77 itens alimentares, 40 de origem animal e 37 de origem

vegetal, num total de 1064 ocorrências, 516 de origem animal e 548 de origem vegetal. O

tamanho amostral foi suficiente para descrever a dieta do lobo-guará uma vez que 95%

dos itens alimentares já haviam ocorrido pelo menos uma vez quando a 230a fezes foi

triada, o que corresponde a 75% do total de fezes analisadas (Figura 1.3).

0

20

40

60

80

100

1 51 101 151 201 251 301

Número de fezes

Porcentagem acu

mulativ

a de itens

Figura 1.3. Curva acumulativa de itens alimentares expressa em porcentagem, em relação ao número de fezes de lobo-guará analisadas (n = 307), coletadas entre os meses de setembro de 2005 e outubro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.

A maior parte (23,20%) das amostras fecais teve dois tipos de itens alimentares,

18,30% teve três itens por amostra, 17,00% teve um item e 41,50% das amostras tiveram

entre 4 a 10 tipos de itens (Figura 1.4). As distribuições dos números de itens nas fezes

correspondentes às estações seca e chuvosa não apresentaram diferença significativa

(Mann-Whitney: Z = - 1,082; Nchuvosa = 116; Nseca = 191; P = 0,279).

32

0

5

10

15

20

25

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Número de item / amostra fecal

Porcentagem de fe

zes

Figura 1.4. Distribuição do número de itens encontrados por amostra fecal de lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.

O lobo-guará consumiu uma grande variedade de itens animais e vegetais. Dentre

todas as categorias alimentares, a mais freqüente foi a dos pequenos mamíferos, seguidos

pela miscelânea de frutos e pela lobeira. Porém, quando analisado em termos de

biomassa, o item mais importante foi a lobeira, seguido pelos pequenos mamíferos e tatus

(Tabela 1.1).

Os frutos mais consumidos em termos de biomassa, em ordem decrescente, foram

Solanum lycocarpum, Parinari obtusifolia, Allagoptera campestris, Cordiera cf.

concolor, frutos da família Myrtaceae e Bromelia sp. (Anexo 1). Observou-se que a

lobeira teve alta representatividade quando levado em consideração tanto a biomassa

consumida, quanto o número de ocorrências (Tabela 1.1). Mais de metade dos frutos

(59,46%) apresentaram baixa freqüência de ocorrência nas fezes (número de ocorrências

menores ou iguais a quatro) (Anexo 1).

As categorias de presas animais mais representativas em termos de biomassa

foram, em ordem decrescente, pequenos mamíferos, tatus, aves e outros vertebrados.

Répteis e artrópodes tiveram pouca representatividade. Porém, quando considerada a

33

freqüência de ocorrência, os répteis e artrópodes ganham considerável importância na

dieta do lobo-guará (Tabela 1.1). Dentre os pequenos mamíferos, foram encontrados 549

indivíduos. Entre os roedores, as espécies mais importantes, em termos de biomassa,

foram: Necromys lasiurus, seguido de Cavia aperea e Oxymycterus roberti. Em relação

aos marsupiais, Gracilinanus sp. foi o que teve maior representatividade, seguido de

Monodelphis sp. e Lutreolina crassicaudata (Anexo 1).

Tabela 1.1. Freqüência de ocorrência e biomassa consumida estimada, expressas em porcentagem, das categorias alimentares encontradas nas fezes dos lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, coletadas em três anos diferentes no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Ocorrência Biomassa Ano 1980 (1) 2000 (2) 2006 (3) 2000 (2) 2006 (3) Solanum lycocarpum 36,65 11,97 13,30 10,55 22,54 Parinari obtusifolia 0,00 12,88 10,30 17,10 13,43 Allagoptera campestris 0,00 3,09 9,50 0,43 5,07 Miscelânea de frutos 9,08 17,02 18,40 13,39 7,70 Subtotal vegetal 45,73 43,96 51,50 41,47 48,74 Artópodes 6,40 4,80 4,00 0,08 0,22 Répteis 0,33 10,18 3,30 2,83 0,42 Aves 13,51 13,99 9,30 15,05 8,60 Pequenos mamíferos 28,67 25,82 31,10 16,78 18,09 Tatus 3,45 0,99 0,60 11,52 17,88 Outros vertebrados 1,91 0,26 0,20 12,26 6,05 Subtotal animal 54,27 56,04 48,50 58,53 51,26 Amplitude do nicho 0,336 0,594 0,508 Número absoluto 1828 1522 1064 173699,10 g 140588,40 g Número de amostras 740 399 307 399 307 (1) Dietz 1984; (2) Queirolo 2001; (3) este estudo.

Sazonalidade alimentar

Do total de 307 fezes, 191 correspondem à época seca e 116 à época chuvosa.

Em ambas estações, os itens vegetais foram encontrados em um número maior de fezes

do que os itens animais, sendo que na estação chuvosa, todas as fezes apresentaram pelo

menos um tipo de fruto. No entanto, quando analisadas em termos de biomassa

34

consumida, houve maior consumo de itens animais na estação seca e de itens vegetais

na estação chuvosa (Tabela 1.2).

O consumo de Solanum lycocarpum pelo lobo-guará apresentou sazonalidade,

sendo maior na época seca, enquanto Parinari obtusifolia foi mais consumida na estação

chuvosa. Não houve diferença significativa entre as duas estações para a miscelânea de

frutos, tanto em porcentagem de fezes contendo esta categoria, quanto para proporção de

biomassa consumida (Tabela 1.2).

Apesar de A. campestris ter estado presente em proporção maior nas fezes da

época chuvosa, teve maior quantidade de biomassa consumida na época seca (Tabela 1.2),

sugerindo que o lobo-guará consumiu maior quantidade de A. campestris por evento na

época seca do que na chuvosa. Este item alimentar teve seu pico de consumo em abril, fim

da época chuvosa e início da época seca (Figura 1.5).

Quando comparada a porcentagem de biomassa em cada mês para os três

principais frutos consumidos pelo lobo-guará, observa-se que a medida que o consumo de

lobeira cai, aumenta o de P. obtusifolia, e, quando este começa a cair, o de A. campestris

aumenta (Figura 1.5). Ou seja, o lobo-guará consome frutos o ano inteiro, tendo lobeira e

A. campestris maior representatividade, em termos de biomassa, nos meses

correspondentes à época seca e P. obtusifolia na época chuvosa (Tabela 1.2).

Os itens animais, de forma geral, foram mais consumidos na época seca. Porém

apenas os pequenos mamíferos apresentaram sazonalidade significativa no seu consumo

pelo lobo-guará, os demais não tiveram diferença marcante na quantidade ingerida entre

as duas épocas (Tabela 1.2).

35

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

A S O N D J F M A M J J A S

Porce

ntag

em de biom

assa

Solanum lycocarpum

Parinari obtusifolia

Allagoptera campestris

Tabela 1.2. Porcentagem de fezes de lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, (n = 191 para estação seca e n = 116 para estação chuvosa) com determinada categoria alimentar nas duas estações, bem como os valores de G; e proporção de biomassa bruta consumida para cada categoria nas estações seca e chuvosa, e seus valores de U. Fezes coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Fezes com item (%) Biomassa consumida (%)

seca chuva G P seca chuva U P Solanum lycocarpum 60,21 22,41 43,346 ≤ 0,001 32,57 8,28 6654,5 ≤ 0,001 Parinari obtusifolia 14,4 71,55 106,424 ≤ 0,001 2,50 28,96 4060,0 ≤ 0,001 Allagoptera campestris 26,70 43,10 8,687 0,003 5,35 4,68 9595,0 0,019 Miscelânia de frutos 38,74 45,69 1,431 0,231 5,23 11,20 9795,5 0,057 Subtotal vegetal 91,10 100,00 17,760 ≤ 0,001 45,65 53,12 7378,5 ≤ 0,001 Arthropoda 12,04 12,93 0,052 0,819 0,24 0,19 10998,0 0,853 Reptilia 12,57 8,62 1,176 0,278 0,56 0,22 10602,0 0,247 Aves 34,03 28,45 1,044 0,307 8,86 8,23 10525,0 0,375 Pequenos mamíferos 72,25 45,69 21,541 ≤ 0,001 24,20 9,41 7005,5 ≤ 0,001 Tatus 1,57 2,59 0,377 0,539 13,45 24,17 10966,0 0,536

Outros vertebrados 0,52 0,86 0,124 0,725 7,03 4,65 11041,0 0,725 Subtotal animal 81,15 62,93 12,274 ≤ 0,001 54,35 46,88 7473,0 ≤ 0,001

Figura 1.5. Porcentagem de biomassa consumida por mês para cada um dos três principais frutos consumidos por lobo-guará entre os meses de agosto de 2005 e setembro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.

chuva seca

36

A amplitude do nicho trófico foi calculada a partir das freqüências de ocorrência

de cada uma das categorias e obteve-se um valor de 0,508 (Tabela 1.1). O índice de

Levins padronizado foi calculado também para época seca (BA = 0,417) e para época

chuvosa (BA = 0,549), levando em consideração a freqüência de ocorrência para cada

uma das categorias em cada uma das estações (Tabela 1.3), mostrando uma dieta mais

especializada na época seca.

Análise temporal da dieta do lobo-guará

Em termos de freqüência de ocorrência, em 1980 o principal item alimentar na

dieta do lobo-guará foi a lobeira, seguido de pequenos mamíferos. Ainda, houve uma

freqüência baixa de consumo de outros frutos, sendo que Parinari obtusifolia e

Allagoptera campestris não foram encontrados nas fezes do lobo-guará naquele ano. Os

outros vertebrados ocorreram em baixas freqüências, mas quando comparado com os

outros anos de estudo, a ingestão desta categoria foi mais alta na década de 80 (Tabela

1.1). Dietz (1984) encontrou espécies que não foram encontradas nas fezes deste estudo

nem no de Queirolo (2001), como tamanduá-bandeira, Myrmecophaga tridactyla (n = 6),

e tamanduá-mirim, Tamandua tetradactyla (n = 2), além de peixes e anfíbios.

Em 2000 os pequenos mamíferos foi a categoria mais freqüente nas fezes, e o

principal fruto consumido pelo lobo-guará foi Parinari obtusifolia. No entanto, quando

analisado em termos de biomassa ingerida, P. obtusifolia passa ter maior representação

do que todos os outros itens alimentares (Tabela 1.1).

Quanto à sazonalidade, em 2000 e 2006 houve maior consumo de presas animais

na época seca e itens vegetais na época chuvosa. Em relação aos frutos, a lobeira foi

consumida em proporções semelhantes nas duas épocas do ano de 1980, porém nos

outros anos houve variação sazonal no consumo deste fruto, sendo mais consumido na

época seca. Ainda, nos anos em que foram encontrados Parinari obtusifolia e

37

Allagoptera campestris na dieta, estes foram mais consumidas na época chuvosa. Apesar

de Queriolo não ter separado Allagoptera campestris em uma categoria, esta teve

representatividade alta, sendo o quarto fruto de maior consumo, perdendo apenas para P.

obtusifolia, lobeira e Melancium campestris. Em relação aos itens animais, os três

trabalhos mostram maior consumo de pequenos mamíferos na época seca (Tabela 1.3).

A amplitude de nicho foi diferente para os três anos. Com os dados de 1980 foi

obtido o índice mais baixo. Os de 2006 e 2000 foram mais altos e não diferiram muito,

ou seja, o lobo-guará apresentou uma dieta mais especializada na década de 80 do que

nos outros anos (Tabela 1.1).

Tabela 1.3. Freqüências de ocorrência, expressas em porcentagem das categorias alimentares encontradas nas fezes do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) nas estações chuvosa e seca no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, em três diferentes anos.

Estação Chuvosa Estação Seca 1980 (1) 2000 (2) 2006 (3) 1980 (1) 2000 (2) 2006 (3)

Solanum lycocarpum 37,81 7,02 6,75 40,63 16,04 16,94 Parinari obtusifolia 0,00 14,97 21,56 0,00 10,19 3,98 Allagoptera campestris 0,00 ** 12,59 0,00 ** 7,51 Miscelânea de frutos 9,45 25,15 21,04 5,42 13,64 16,94 Subtotal Vegetais 47,26 47,13 62,34 46,05 39,88 45,37 Artópodes 7,59 5,73 3,90 4,66 3,60 4,12 Répteis * 8,54 2,60 * 12,29 3,68 Aves 15,42 14,27 8,57 13,00 13,64 9,72 Mamíferos pequenos 25,37 22,57 21,56 33,15 29,99 36,52 Tatu 4,35 1,29 0,78 3,14 0,60 0,44 Outros vertebrados * 0,47 0,26 * 0,00 0,15 Subtotal Animais 52,74 52,87 37,66 53,95 60,12 54,63 Totais de ocorrências 804 855 393 923 667 689 Número de amostras *** 218 116 *** 181 191 (1) Dietz 1984; (2) Queirolo 2001; (3) este estudo. * O autor não separou entre estações seca e chuvosa devido à baixa freqüência de ocorrência destas categorias, portanto as porcentagens foram feitas sem estes dados. ** O autor não apresentou os dados de freqüência para A. campestris em separado, portanto este fruto encontra-se dentro da categoria Miscelânea de frutos. *** O autor não apresentou o número de fezes por estação. As freqüências sublinhadas significam que os autores encontraram sazonalidade significativa para estas categorias.

38

DISCUSSÃO

O lobo-guará no PNSC apresentou uma dieta generalista e onívora, concordando

com os outros estudos sobre sua dieta (Dietz 1984; Motta-Junior et al. 1996; Azevedo &

Gastal 1997; Motta-Junior 1997; Aragona & Setz 2001; Queirolo 2001; Bueno et al.

2002; Bueno & Motta-Junior 2004; Cheida 2005; Rodrigues et al. 2007). Quanto à

freqüência de ocorrência, os pequenos mamíferos foram os mais comuns, seguidos pela

miscelânea de frutos e pela lobeira. Embora a maioria dos trabalhos indique que a lobeira

é o item mais freqüente na dieta do lobo-guará (Dietz 1984; Motta-Junior et al. 1996;

Juarez & Marinho-Filho 2002; Rodrigues et al. 2007), outros autores encontraram

resultados semelhantes a este estudo, onde os pequenos mamíferos representaram a

categoria alimentar mais freqüente (Queirolo 2001; Bueno et al. 2002).

No entanto, a freqüência de ocorrência tende a superestimar itens pequenos

(Corbett 1989), que não representam muito em termos de biomassa ingerida, como

miscelânea de frutos, répteis e artrópodes. Como um dos objetivos deste trabalho foi

avaliar a importância de cada categoria alimentar e não apenas descrever a composição

da dieta, é mais interessante dar um enfoque maior na biomassa ingerida do que na

freqüência de ocorrência. Neste sentido, os itens com maior representatividade foram, em

ordem decrescente, a lobeira, pequenos mamíferos e tatus. Em termos de biomassa, a

lobeira passa a ser o item mais importante da dieta do lobo-guará no PNSC, concordando

com Dietz (1984), que apesar de não ter analisado em termos de biomassa, analisou em

termos de volume relativo e freqüência de ocorrência, e em ambas análises a lobeira foi

tida como principal item alimentar do lobo-guará. Os tatus, que tinham freqüência de

ocorrência muito baixa, passam a ser o terceiro principal item alimentar. Outros trabalhos

que analisam a importância dos itens alimentares a partir da biomassa ingerida, também

verificaram que os tatus e outros vertebrados maiores, ganham relativa importância

39

(Juarez & Marinho-Filho 2002), podendo chegar a ser a categoria mais representativa da

dieta (Motta-Junior 2000; Bueno et al. 2002; Rodrigues et al. 2007).

Dentre os itens de origem vegetal, observou-se que mais da metade das espécies

de frutos foram encontrados em baixas freqüências nas fezes, com baixa representação

em termos de biomassa, e poucos tiveram presença marcante, como S. lycocarpum, P.

obtusifolia e A. campestris. O alto consumo de lobeira pelo lobo-guará pode ser

explicado pela sua disponibilidade ao longo de todo o ano (Rodrigues et al. 2007;

Capítulo II).

As aves, apesar de terem sido a terceira categoria alimentar de origem animal

mais importante em termos de biomassa, podem ter sido subestimadas. As penas parecem

sofrer bastante com o processo digestivo, restando apenas fragmentos microscópicos

(Reynolds & Aebischer 1991). Nenhum trabalho sobre dieta do lobo-guará analisa estes

fragmentos (Dietz 1984; Motta-Junior et al. 1996; Motta-Junior 2000; Aragona & Setz

2001; Queirolo 2001; Bueno et al. 2002; Silva & Talamoni 2003; Jácomo et al. 2004;

Rodrigues et al. 2007), tornando-se interessante realizar um estudo que verifique a real

importância das aves na dieta do lobo-guará.

Os répteis apresentam pouca importância na dieta do lobo-guará no PNSC, tanto

neste estudo quanto em outros realizados também no Parque em anos diferentes (Dietz

1984; Queirolo 2001). Os artrópodes também não foram muito freqüentes. Ao contrário,

esta categoria alimentar tem altas freqüências na dieta da raposa-do-campo Lycalopex

vetulus, em particular de cupins do gênero Syntermes (Dalponte 1997; Juarez & Marinho-

Filho 2002).

Outros vertebrados de maior porte não foram representativos na dieta do lobo-

guará neste estudo. O consumo de presas grandes pelo lobo-guará não é comum, porém

já foi encontrado consumo relativamente alto de veado campeiro, Ozotoceros

bezoarticus, no Parque Nacional das Emas (Jácomo et al. 2004). Como o lobo-guará é

40

um animal oportunista, é esperado que estas presas grandes sejam obtidas como carcaças,

ou por predação de animais doentes. No entanto, Bestelmeyer & Westbrook (1998)

registraram ataques, com sucesso de captura, de lobo-guará a veado campeiro. Deve-se

tomar cuidado especial quando analisadas fezes onde a freqüência de presas grandes é

alta, isso porque os restos de um mesmo indivíduo podem ser eliminados em mais de

uma amostra fecal, superestimando a biomassa ingerida relativa a este tipo de presa

(Weaver & Hoffman 1979).

Houve maior consumo de itens vegetais na época chuvosa e de itens animais na

época seca. Observou-se sazonalidade marcante para os principais frutos consumidos

pelo lobo-guará no PNSC, bem como para os pequenos mamíferos, confirmando a

sazonalidade já descrita na dieta do lobo-guará (Dietz 1984; Motta-Junior et al. 1996;

Motta-Junior 2000; Queirolo 2001; Bueno et al. 2002).

A amplitude do nicho alimentar para o lobo-guará no PNSC (0,508) está entre os

valores encontrados para a espécie em outros trabalhos realizados no Cerrado, onde a

média e o desvio padrão é de 0,493 ± 0,073 (Rodrigues 2002). Na época seca este valor

foi um pouco mais baixo do que o encontrado para época chuvosa, sugerindo uma dieta

mais especializada. Isso porque o índice leva em consideração as freqüências de

ocorrência de cada categoria alimentar. Como a categoria com maior freqüência foi a de

pequenos mamíferos, e o consumo desta foi maior na época seca, é certo que a alta

freqüência de pequenos mamíferos levou a amplitude do nicho referente à época seca a

uma dieta mais especializada. Embora este índice sugira uma dieta mais especializada na

época seca, devido ao alto consumo de pequenos mamíferos nesta época, este período é

também o de maior disponibilidade desta categoria alimentar no ambiente (Capítulo II),

caracterizando o hábito oportunista do lobo-guará.

A grande maioria das fazendas no entorno do Parque cria galinhas soltas, para

consumo próprio, e houve, concomitante com o período do estudo, grandes quantidades

41

de ocorrência de ataques às criações domésticas (Corral 2007). O lobo-guará é visto

pelos fazendeiros como o principal responsável pelos ataques, no entanto, foram

registrados na dieta apenas 4 Galliformes entre todas as aves encontradas (Anexo 1).

Apesar da maioria das fezes terem sido coletadas dentro do Parque, a maioria dos lobos-

guará que utilizam as áreas de dentro do Parque utilizam também as áreas do entorno

(capítulo III) e os lobos-guará podem percorrer grandes distâncias em apenas um dia

(Melo et al. 2007), sendo possível predar uma galinha nas fazendas do entorno e defecar

dentro dos limites do Parque. Para analisar melhor a questão seria interessante aumentar

o número de coletas de fezes no entorno do Parque. No entanto, este não foi o único

estudo a apresentar baixa freqüência de consumo de Galiformes no PNSC (Dietz 1984;

Queirolo 2001) e em outras localidades (Motta-Junior et al. 1996; Rodrigues et al. 2007),

reforçando a idéia de que o lobo-guará parece não ser o principal responsável pela

predação das galinhas.

Mesmo com altas freqüências de ataque, a predação de galinhas parece ter pouca

importância para os fazendeiros e parece não resultar em grandes prejuízos, e, mesmo

sendo considerado o principal culpado, o lobo-guará tem uma imagem positiva para com

os fazendeiros da região do entorno do PNSC (Corral 2007). Porém, apesar de sua

imagem positiva, ainda é interessante mostrar para a comunidade local, através de

educação ambiental, que o lobo-guará parece não ser o principal responsável pela

predação das criações domésticas.

Quando comparamos os três trabalhos realizados no Parque Nacional da Serra da

Canastra verificamos modificações na dieta do lobo-guará. Nos anos 80 a espécie

apresentou altas proporções de lobeira e baixas proporções de outros frutos em sua dieta.

Isso levou a uma dieta menos variada, como pode ser observada pela baixa amplitude de

nicho calculada, em relação aos estudos posteriores. Em 2000, houve uma inversão no

consumo de frutos, onde a espécie com maior importância foi Parinari obtusifolia. Neste

42

estudo foi encontrado que atualmente a lobeira é o principal fruto consumido pelo lobo-

guará, mas, diferente do encontrado por Dietz (1984) há proporções altas de algumas

outras espécies, como Parinari obtusifolia e Allagoptera campestris. Nenhuma destas

duas espécies de frutos foi identificada por Dietz (1984) na dieta do lobo-guará e outras

espécies também foram pouco consumidas, ao passo que em 2000, A. campestris foi

relativamente bem representada na dieta do lobo-guará (Queirolo 2001). Assim, parece

haver uma alternância na importância das espécies de frutos na dieta, que pode ser

creditada a uma mudança nos hábitos alimentares do lobo-guará ao longo destes anos ou,

mais provavelmente, a uma alteração na disponibilidade destes alimentos. Ainda, a

amplitude de nicho foi maior no estudo de Queirolo (2001), porém não muito distinta da

encontrada neste estudo (respectivamente 0,594 e 0,508), provavelmente refletindo

variações anuais na disponibilidade de alimento, principalmente de frutos. Esta mudança

na disponibilidade de frutos de cerrado pode ser resultado da recuperação dos ambientes,

após a implementação do Parque em 1972, porém efetivamente apenas em 1980 (MMA

& IBAMA 2005), tornando possível a germinação de frutos que antes não eram

abundantes, como Parinari obtusifolia e Allagoptera campestris. Porém é improvável

que o lobo-guará, como acreditam Queirolo & Motta-Junior (2000), esteja substituindo a

lobeira por outras espécies de frutos. Os dados aqui apresentados mostram que a lobeira

segue sendo o principal item alimentar.

Todos os três trabalhos foram realizados no terço mais a leste do Parque, ou seja,

é pouco provável que as diferenças encontradas no consumo dos itens alimentares seja

devido a diferenças nos locais de amostragem. Ainda, Dietz (1984), ao analisar a

freqüência de cada categoria alimentar nas três áreas de amostragem de seu estudo,

verificou que não houve diferença, reforçando a idéia de que as alterações encontradas na

dieta não foram decorrentes de diferentes locais de amostragem.

43

Em relação às presas animais, Dietz (1984) foi o único que encontrou tamanduá

bandeira, Myrmecophaga tridactyla, e tamanduá mirim, Tamandua tetradactyla, porém

em baixas freqüências e com pouca representatividade. A ingestão de tamanduá por lobo-

guará no PNSC parece ser eventual, ocorrendo apenas quando encontra carcaças destes

animais, pois o que se observa, quando avistadas as duas espécies próximas, é que ambas

parecem não prestar atenção uma na outra (Dietz 1984). Desta maneira, é provável que

os lobos-guará ainda estejam se alimentando de carcaças de tamanduás, porém são

eventos esparsos, que, com análise de um número maior de amostras fecais, estas presas

poderiam ser encontradas.

Quanto à variação sazonal no consumo de presas e itens vegetais, houve, nos três

trabalhos, maior consumo de pequenos mamíferos na época seca. Quanto a lobeira, Dietz

(1984) foi o único que não encontrou variação sazonal no consumo. Isso reforça a idéia

de que naquela época havia menores quantidades de outros frutos, fazendo com que o

lobo-guará consumisse maiores quantidades de lobeira, e que atualmente, com a

incorporação do Parque e a possível recuperação de sua vegetação natural, há maior

consumo de outras espécies vegetais, que apresentaram maior consumo na época

chuvosa.

Alguns ambientes do PNSC que não sofreram alterações antrópicas demasiadas,

antes de sua delimitação, apresentam alto potencial regenerativo. Algumas áreas que

antes funcionavam como retiro e desde a implementação do Parque não sofrem qualquer

tipo de pressão, a não ser queimadas eventuais, apresentam-se bem preservadas, com

grande número de espécies representativas (Romero 2002). Este potencial de recuperação

dos ambientes relatado por Romero (2002) sustenta a hipótese de que a implementação

do Parque trouxe como conseqüência o aumento na abundância de outros frutos e,

conseqüentemente, a um maior consumo de outros frutos por parte do lobo-guará em

detrimento da lobeira, já que esta é favorecida por ambientes alterados (Oliveira-Filho &

44

Oliveira 1988). Outro fator que ampara esta hipótese é que nos três momentos (1980,

2000 e 2006) foi feita avaliação da disponibilidade alimentar e todos os trabalhos relatam

que o lobo-guará se alimenta conforme a disponibilidade no ambiente (Dietz 1984;

Queirolo 2001; Capítulo II).

Tendo em vista a atual situação do Cerrado essa informação tem grande

relevância para conservação do Bioma e também do lobo-guará. A implementação de

reservas, cuja vegetação tenha alto potencial regenerativo, tem como conseqüência óbvia

o aumento de áreas naturais, podendo levar a um aumento na abundância de tipos de

itens vegetais para o lobo-guará e outras espécies frugívoras, que por sua vez podem

ajudar na dispersão de algumas sementes, levando a uma recuperação mais rápida da

vegetação. Áreas utilizadas como pastagens naturais para gado, ainda que

fisionomicamente não destoam tanto de áreas sem pastoreio, podem conter uma menor

representatividade de espécies vegetais e conseqüentemente, menor disponibilidade de

alimento para os animais.

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50

Capítulo II

Disponibilidade alimentar e Dieta do Lobo-Guará

(Chrysocyon brachyurus) no Parque Nacional da

Serra da Canastra, MG: oportunismo vs seleção de

presas.

INTRODUÇÃO

Estudos enfocando dieta de carnívoros são importantes para esclarecer o papel

destes animais como predadores no ecossistema. A quantidade de presas disponíveis

pode alterar o comportamento de forrageamento de um predador ou influenciar na

abundância de predadores em uma área (Jaksic et al. 1992). Estes fenômenos são

denominados, respectivamente, resposta funcional e resposta numérica. A resposta

funcional se dá através da mudança dos hábitos alimentares e do comportamento de

forrageamento do predador, quando a abundância de determinada presa cai,

conseqüentemente a quantidade ingerida dessa presa também cai, podendo ocorrer

alternância de alimento (Pyke et al. 1977), passando a se alimentar de outras presas com

maior abundância. A resposta numérica tem a ver com a abundância de predadores na

área. Se a abundância das presas cai, os predadores podem emigrar ou aumentar a

mortalidade. Ao contrário, quando a abundância de presas aumenta, novos indivíduos

podem ocupar a área ou o número da prole pode aumentar, porém sem diminuir a

quantidade de presas ingeridas por indivíduo.

Ainda, dentre os comportamentos dos predadores, existem aqueles que consomem

suas presas conforme sua disponibilidade no ambiente (oportunistas) e outros que dentre

uma gama de presas em potencial, escolhem aquela no qual terá maior aproveitamento de

energia (Griffiths 1975). O lobo-guará é tido como oportunista, alimentando-se de presas

51

animais e itens vegetais conforme sua disponibilidade no ambiente (Dietz 1984). Apesar

de vários trabalhos sobre lobo-guará enfocarem na sua dieta, poucos verificam se há uma

seletividade de presas e itens vegetais (Queirolo 2001; Bueno & Motta-Junior 2006).

Outros trabalhos verificaram que o lobo-guará seleciona o fruto da lobeira em época de

escassez de outros frutos (Motta-Junior 2000; Motta-Junior & Martins 2002; Rodrigues

et al. 2007).

A dieta do lobo-guará apresenta sazonalidade, com maiores quantidades de itens

vegetais na época chuvosa e de itens animais na época seca (Motta-Junior et al. 1996;

Motta-Junior 2000; Bueno et al. 2002; Rodrigues et al. 2007). Entre as presas animais, os

pequenos mamíferos são os mais representativos na dieta do lobo-guará (Dietz 1984;

Bueno & Motta-Junior 2004) e sua abundância no cerrado parece ser maior também na

época seca (Alho et al. 1986). O fruto da lobeira (Solanum lycocarpum), relatado pela

maioria dos autores como sendo o principal item alimentar, também é consumido na

época seca, quando a disponibilidade de outros frutos é baixa, indicando seletividade do

lobo-guará por este item (Motta-Junior & Martins 2002; Rodrigues et al. 2007).

Neste sentido, os objetivos deste trabalho foram: (1) quantificar a disponibilidade

de alimento para lobo-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG; (2) analisar o

consumo de itens alimentares frente a sua disponibilidade no ambiente; e (3) verificar se

o lobo-guará seleciona algumas presas animais em detrimento de outras.

METODOLOGIA

Área de estudo

O Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC) está inserido no domínio

fitogeográfico do Cerrado e está localizado a 360 km da cidade de Belo Horizonte, MG.

Foi criado em 1972 pelo Decreto nº 70.355 e possui uma área de 71.525 ha. Sua

vegetação consiste, em grande parte, em formações campestres, que englobam o campo

52

limpo, campo sujo e campo rupestre. Em menores proporções há também formações

savânicas (cerrado sensu strictu) e formações florestais (mata ciliar, mata de galeria,

mata de encosta, mata seca e cerradão). O clima é tropical sazonal, apresentando inverno

seco e verão chuvoso. As temperaturas médias mensais não variam muito ao longo do

ano, ao contrário da pluviosidade, que entre os meses de abril e setembro apresentam

índices próximos a zero, e entre os meses de outubro a março ocorre aumento na

freqüência das chuvas, caracterizando a época chuvosa (MMA & IBAMA 2005).

Dieta do lobo-guará

Todas as fezes de lobo-guará encontradas entre agosto de 2005 e outubro de 2006

foram coletadas e armazenadas em sacos plásticos. Posteriormente, em laboratório, foram

triadas com peneira (malhas de 2 mm) em água corrente. Todas as sementes e fragmentos

animais foram separados para posterior identificação e quantificação.

Para analisar a distribuição das fezes coletadas e analisadas ao longo do mês, foi

calculada a proporção de fezes coletadas no início (do dia 1 ao 10), no meio (11 a 20) e

no final do mês (21 a 30/31) para todos os meses ao longo do período de amostragem.

Foi feito o teste não-paramétrico Kruskal-Wallis H para verificar se há diferença

significativa na média das freqüências encontradas para cada período do mês.

As sementes foram identificadas comparando com amostras colhidas em campo

ou com ajuda de especialistas. Os fragmentos de répteis também foram identificados com

ajuda de especialista. As aves foram identificadas através das bárbulas das penas (Day

1966) e por comparação com espécimes da coleção de aves da UnB. Os pequenos

mamíferos foram identificados através do padrão molar dos dentes (Carleton & Musser

1989; Hershkovitz 1990a, 1990b, 1993; Musser et al. 1998; Eisenberg & Redford 1999)

e através do padrão medular dos pêlos (Chehébar & Martín 1989; Quadros 2002). Os

mamíferos de médio porte foram identificados, além dos padrões medulares, também por

53

características macroscópicas dos pêlos, como textura, coloração, diâmetro e

comprimento.

As biomassas dos frutos e dos pequenos mamíferos foram estimadas a partir dos

pesos obtidos nas amostragens ou na literatura correlata (Motta-Junior et al. 1996;

Eisenberg & Redford 1999; Rodrigues et al. 2007). Para maiores detalhes da

metodologia utilizada para analisar a dieta do lobo-guará ver capítulo I.

Disponibilidade alimentar

Para estimar a quantidade de alimento disponível para o lobo-guará foram

realizadas amostragens mensais de pequenos mamíferos (roedores e marsupiais) e de

frutos. As amostragens foram realizadas em quatro fitofisionomias diferentes: campo

limpo, campo úmido, campo rupestre e cerrado/campo sujo. Para cada ambiente diferente

foram selecionados três locais, totalizando 12 áreas de amostragem. As áreas foram

escolhidas por questões logísticas, de forma a minimizar o tempo gasto do pesquisador

na movimentação entre uma área e outra e desta forma facilitar a amostragem. Exceto

uma área de cerrado, todas as outras se encontravam dentro do limite do Parque. Esta

área fora do Parque foi escolhida devido à escassez desta fitofisionomia dentro do PNSC.

Para quantificar a disponibilidade de roedores e marsupiais foram realizadas

amostragens mensais, entre setembro de 2005 e setembro de 2006. Seis áreas eram

amostradas nos primeiros cinco dias de campanha e outras seis nos outros cinco dias

subseqüentes. Em cada área eram colocadas 30 armadilhas do tipo Shermann dispostas

em três transectos distanciados por 20m. Cada transecto possuía dez armadilhas distantes

10m entre si, provendo uma área de amostragem de 100 x 50 m (incluindo 5 metros de

margem), ou 0,5 ha. As armadilhas eram deixadas por cinco noites consecutivas em cada

área, totalizando em 1800 armadilhas * noite por mês em um total de 6 ha. Nas

armadilhas eram colocadas iscas feitas a base de creme de amendoim, banana, sardinha e

54

fubá. Todos os dias entre 0630 e 0930h as armadilhas eram verificadas e os animais

capturados eram pesados, identificados, marcados, sexados e soltos. A marcação foi feita

utilizando brincos de metal numerados. Para cada espécie pelo menos um indivíduo foi

coletado com intuito de confirmar a identificação e todos estão depositados na coleção de

mamíferos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A amostragem dos frutos foi feita entre novembro de 2005 e setembro de 2006.

Foram marcadas 15 parcelas para cada ambiente, 5 em cada área de amostragem,

próximas aos transectos de captura de pequenos mamíferos, totalizando 60 parcelas.

Cada parcela media 20 por 20m, e distanciavam uma da outra por pelo menos 10m. A

área total amostrada para frutos foi de 2,4ha. Mensalmente, concomitante com a

amostragem de pequenos mamíferos, todas as parcelas eram percorridas e todos os frutos

de potencial consumo pelo logo-guará eram contados ou estimados. Foram considerados

frutos potenciais todos aqueles carnosos e com aparente síndrome de dispersão

zoocórica, bem como aqueles que já estavam relatados na literatura como fruto

consumido pelo lobo-guará, levando-se em consideração principalmente estudos

realizados no PNSC (Dietz 1984; Queirolo 2001). Para aquelas espécies com grande

quantidade de frutos pequenos ou com a copa muito alta ou densa, não permitindo a

contagem de todos os frutos, foi feita uma estimativa onde foi dividida a copa em partes

iguais e contadas apenas uma ou mais partes. O número então foi extrapolado para o

restante da planta. Segundo Chapman et al. (1992), quando a amostragem é feita por

apenas um pesquisador e para estudos onde se analisa a variação na quantidade de frutos

ao longo de um tempo ou compara-se a produtividade entre árvores de mesmo porte em

diferentes áreas, o método de contagem visual para estimar o número de frutos em uma

árvore é apropriado. Todas as plantas foram coletadas e prensadas, a identificação foi

feita com ajuda de um botânico da UFMG. Parte da coleção está depositada no Herbário

da UFMG (BHCB) e parte no Laboratório de Ecologia de Mamíferos da UFMG.

55

Para verificar similaridade para as espécies de frutos entre os pontos amostrais de

cada ambiente amostrado foi calculado o coeficiente de Jaccard (Krebs 1999) utilizando

a fórmula Sj = a / a + b + c. Onde Sj é o coeficiente de Jaccard, “a” é o número de

espécies que ocorrem nos pontos amostrais 1 e 2, “b” é o número de espécies que

ocorrem apenas em 2 e “c” é o número de espécies que ocorrem apenas em 1.

A amostragem de frutos de lobeira (Solanum lycocarpum) foi feita à parte. Foram

marcados trinta indivíduos no início do estudo, porém ao longo dos 13 meses (setembro

de 2005 a setembro de 2006), alguns foram destruídos ou queimados. Dezessete

indivíduos se encontravam dentro dos limites do Parque e os outros treze nas fazendas do

entorno. Mensalmente os indivíduos eram visitados e o número de frutos registrados. O

cálculo médio de frutos por planta levou em consideração apenas indivíduos

sobreviventes naquele mês.

Para verificar se houve diferença na produtividade de frutos e de pequenos

mamíferos entre as épocas seca e chuvosa, foram feitos testes não-paramétricos Mann-

Whitney U.

A dieta do lobo-guará foi ainda analisada em relação à disponibilidade alimentar

durante os meses de amostragem, utilizando correlação de Spearman para verificar se o

consumo de itens alimentares seguiu sua disponibilidade no ambiente. Para esta análise

as fezes coletadas em cada mês foram comparadas com o número de indivíduos ou

biomassa encontrada para o mesmo mês no campo.

Seleção de pequenos mamíferos por lobo-guará

Para verificar se o lobo-guará consumiu espécies de pequenos mamíferos de

maneira oportunista, ou seja, de acordo com a disponibilidade destes no ambiente, ou se

houve seleção, foi feito um teste qui-quadrado onde as freqüências observadas

correspondem aos números de indivíduos de cada espécie encontrados nas fezes, e a

56

freqüência esperada é relativa ao número de indivíduos capturados por espécie nas

armadilhas. Para realizar o qui-quadrado algumas espécies foram agrupadas para

satisfazer as premissas do teste, formando seis grupos: Akodon sp., Necromys lasiurus,

Calomys/Oligoryzomys, Oxymycterus roberti, Outros roedores e Marsupiais. Calomys sp.

e Oligoryzomys sp. foram agrupadas devido à dificuldade encontrada em identificar essas

duas espécies a partir dos fragmentos das amostras fecais. Como muitas espécies foram

agrupadas para realizar o teste qui-quadrado, foi calculado também intervalos de

confiança para as freqüências observadas de cada espécie (Neu et al. 1974), sendo

possível, dessa maneira, observar se houve preferência ou não por parte do lobo-guará

para cada espécie de presa.

Para todos os testes, com exceção àqueles referentes à seleção de presas, foi

utilizado o programa estatístico SPSS 13.0 para Windows. O teste qui quadrado foi feito

através do pacote estatístico SigmaStat 3.11 para Windows e os intervalos de confiança

em planilha do Excel 2002 segundo fórmula descrita em Neu et al. (1974). Todos testes

com nível de significância de 0,05 e bicaudais.

RESULTADOS

As fezes analisadas para avaliar a dieta apresentaram distribuição diferencial ao

longo do mês, sendo que, em média, 19% foram coletadas no início, 34% no meio e 47%

no final do mês. A diferença ficou próxima do nível de significância (Kruskal-Wallis: H

= 5,621; N1 = N2 = N3 = 15; P = 0,060).

A amostragem de frutos para avaliar a disponibilidade de alimentos mostrou que

há uma grande variedade de espécies disponíveis para consumo pelo lobo-guará. Os

frutos com maior representação, em termos de biomassa disponível, foram, em ordem

57

decrescente, Allagoptera campestris, Solanum lycocarpum, Parinari obtusifolia, espécies

da família Myrtaceae (em particular Psidium guineense) e Byrsonima spp. (Anexo 2).

Os três principais frutos consumidos pelo lobo-guará tiveram maior abundância

nos meses correspondentes à época chuvosa. Solanum lycocarpum teve seu pico de

disponibilidade no mês de fevereiro, Parinari obtusifolia no mês de novembro,

apresentando uma queda brusca nos meses subseqüentes, e Allagoptera campestris

apresentou disponibilidade semelhante entre os meses de novembro a fevereiro,

ocorrendo uma queda acentuada nos meses seguintes. O restante dos frutos teve maior

disponibilidade em dezembro ocorrendo decréscimo nos meses posteriores (Figura 2.1).

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

S O N D J F M A M J J A S

Biomass

a (gramas

) / h

a

0

100

200

300

400

500

600

700

800

900

1000

Biomass

a (gramas

) / p

lanta

Parinari obtusifoliaAllagoptera campestrisOutros frutosSolanum lycocarpum

Figura 2.1. Produtividade dos frutos consumidos pelo lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, durante meses de 2005 e 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. A lobeira, Solanum

lycocarpum, está representada em termos de biomassa disponível por planta e os demais em gramas por ha.

Houve uma baixa similaridade de espécies de frutos entre os pontos amostrais de

cada ambiente do PNSC. O ambiente que apresentou maior similaridade foi o campo

limpo, e os menores foram o campo úmido e o campo rupestre, sendo que um ponto

amostral do campo úmido (3) parece diferir grandemente dos outros dois (Tabela 2.1).

chuva seca

58

Tabela 2.1. Coeficiente de similaridade das espécies de frutos disponíveis para o consumo do lobo-guará entre os pontos amostrais de cada ambiente do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.

Pontos de amostragem Coeficiente de

Jaccard Campo Limpo 1 e 2 0,33 Campo Limpo 1 e 3 0,44 Campo Limpo 2 e 3 0,38 Campo Úmido 1 e 2 0,50 Campo Úmido 1 e 3 0,10 Campo Úmido 2 e 3 0,06 Cerrado 1 e 2 0,26 Cerrado 1 e 3 0,28 Cerrado 2 e 3 0,31 Campo Rupestre 1 e 2 0,20 Campo Rupestre 1 e 3 0,17 Campo Rupestre 2 e 3 0,13

Na amostragem dos pequenos mamíferos foram capturados 659 indivíduos, num

total de 1114 capturas (contabilizando a primeira captura de cada indivíduo em cada

mês). A espécie de roedor com maior quantidade de biomassa disponível por mês para

consumo pelo lobo-guará foi Necromys lasiurus, seguido de Oxymycterus roberti e

Akodon sp. Os marsupiais mais representativos foram Lutreolina crassicaudata, seguido

por Monodelphis domestica. (Anexo 2).

Algumas espécies de pequenos mamíferos, como Holochilus sp., Nectomys

squamipes, Rhipidomys mastacalis e Thalpomys lasiotis foram registradas nas fezes,

porém não foram capturadas durante o período de amostragem. Isso também aconteceu

para algumas espécies vegetais, como Melancium campestre, Bromelia sp. e ainda outros

frutos de menor representatividade (Anexos 1 e 2).

A disponibilidade de frutos em geral (todos, exceto lobeira) teve uma correlação

positiva muito forte com seu consumo pelo lobo-guará (Sperman: R = 0,955; N = 11; P <

0,01). Houve uma maior produção destes frutos na época chuvosa do que na época seca

59

(Mann-Whitney: U = 26,271; N1 = N2 = 5; P < 0,001), e conseqüentemente maior

biomassa consumida deste item durante os meses correspondentes a época chuvosa

(Figura 2.2a).

A lobeira mostrou um padrão diferente. Quando correlacionados a disponibilidade

de lobeiras ao longo do ano com seu consumo pelo lobo-guará, observou-se uma relação

negativa (Sperman: R = -0,797; N = 13; P < 0,01). A lobeira produziu frutos ao longo do

ano todo, sendo que a produção na época chuvosa (X ± DP = 503,1 ± 328,4 g/planta; N =

6) foi maior do que na época seca (X ± DP = 287,8 ± 176,0 g/planta; N = 7), mas esta

diferença não apresentou valores significativos (Mann-Whitney: U = 11,000; N1 = 6; N2

= 7; P = 0,153). Foi nos meses correspondentes à época de menor disponibilidade que a

lobeira foi mais freqüente nas fezes dos lobos-guará (Figura 2.2b).

Houve uma relação negativa forte entre o consumo de lobeira e o consumo de

outros frutos (Sperman: R = -0,780; N = 14; P < 0,001). Quando o consumo de lobeira foi

alto, na época seca, houve menor consumo de outros frutos. Da mesma forma, na época

chuvosa, o lobo-guará ingeriu maior quantidade de outros frutos, e menor quantidade de

lobeira (Figura 2.3).

A produção dos quatro principais frutos consumidos pelo lobo-guará, exceto a

lobeira, apresentou maior quantidade de biomassa disponível no ambiente cerrado,

seguido pelo campo úmido, campo limpo e por último o campo rupestre (Tabela 2.2).

Levando em consideração todos os potenciais frutos disponíveis para o lobo-guará,

observa-se que há maior produção nos meses correspondentes à época chuvosa. Nota-se

que a disponibilidade no campo rupestre é a mais baixa ao longo de todo o ano (Figura

2.4).

60

a)

0

20000

40000

60000

80000

100000

120000

N D J F M A M J J A S

biomass

a de outros frutos / h

a (gramas)

0

50

100

150

200

250

300

350

biomass

a de outros frutos / feze

s (gramas)

0

100

200

300

400

500

600

700

800

900

1000

S O N D J F M A M J J A S

biomass

a de lo

beiras / p

lanta (gramas)

0

50

100

150

200

250

300

350

biomass

a de lo

beiras / feze

s (gramas)

Figura 2.2. Consumo de itens alimentares (�) por lobo-guará tendo em vista a proporção destes no ambiente (□), de: a) outros frutos; e b) lobeira (Solanum lycocarpum), em meses de 2005 e 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.

b)

chuva seca

chuva seca

a)

61

0

50

100

150

200

250

300

350

A S O N D J F M A M J J A S

Biomas

sa de ou

tros

frutos

(gram

as) / fez

es

0

50

100

150

200

250

300

350

Biomas

sa de lobe

ira (gram

as) / fez

es

Figura 2.3. Consumo de lobeira (○) e de outros frutos (●) pelo lobo-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Fezes coletadas entre agosto de 2005 e setembro de 2006.

Tabela 2.2. Biomassa disponível dos principais frutos para consumo pelo lobo-guará em quatro ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Amostragem realizada entre setembro de 2005 e setembro de 2006.

CU CE CL CR Parinari obtusifolia 5440,0 63060,0 393,3 0,0 Allagoptera campestris 0,0 81480,0 2520,0 0,0 Myrtaceae 878,7 45800,0 921,0 81,0 Cordiera cf. concolor 0,0 2053,3 0,0 0,0 TOTAL 6318,7 192393,3 3834,3 81,0 (CU) Campo Úmido; (CE) Cerrado; (CL) Campo Limpo; (CR) Campo Rupestre.

chuva seca seca

62

0

2

4

6

8

10

12

N D J F M A M J J A

Ln [Biomas

sa de frutos

(gram

as) / h

a]

Campo Limpo Campo RupestreCampo Úmido Cerrado

Figura 2.4. Biomassa disponível de frutos potenciais para consumo por lobo-guará, por mês, em cada um dos ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.

O consumo de pequenos mamíferos por lobo-guará, quando considerado o número

de indivíduos, seguiu sua disponibilidade no ambiente, havendo uma correlação

significativa (Sperman: R = 0,627; N = 13; P = 0,022) (Figura 2.5a). Houve maior

disponibilidade de pequenos mamíferos na época seca (X ± DP = 16,6 ± 2,7 n / ha; N = 7)

do que na chuvosa (X ± DP = 11,2 ± 3,2 n / ha; N = 6), mostrando uma diferença

significativa (Mann-Whitney: U = 4,000; N1 = 6; N2 = 7; P = 0,015) e, portanto, maior

consumo de indivíduos nos meses correspondentes a época seca. No entanto, quando

considerada a biomassa, a disponibilidade na época seca (X ± DP = 711,4 ± 172,3 g / ha;

N = 7) e na época chuvosa (X ± DP = 544,2 ± 88,9 g / ha; N = 6) não foram

significativamente diferentes (Mann-Whitney: U = 9,000; N1 = 6; N2 = 7; P = 0,086) e a

correlação com o consumo também não foi significativa (Sperman: R = 0,396; N = 13; P

= 0,181) (Figura 2.5b).

chuva seca

63

0

5

10

15

20

25

S O N D J F M A M J J A S

Núm

ero de pe

que

nos / h

a

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

Núm

ero de peq

uen

os / feze

s

0

200

400

600

800

1000

1200

S O N D J F M A M J J A S

Biomassa de pequenos (gram

as) / ha

0

20

40

60

80

100

120

140

160

Biomassa de pequenos (gram

as) / fezes

Figura 2.5. Consumo de pequenos mamíferos (�) por lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) tendo em vista a proporção destes no ambiente (□), em relação: a) número de indivíduos; e b) biomassa, entre os meses de setembro de 2005 a setembro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.

Em relação aos pequenos mamíferos, observa-se que o consumo precede a

disponibilidade alimentar, ou seja, no mês de maio de 2006, por exemplo, há um pico no

consumo (em termos de número de indivíduos), e no mês subseqüente, junho, há um pico

na disponibilidade (Figura 2.5a). Este padrão segue assim tanto para número de

indivíduos quanto para a biomassa (Figura 2.5). A correlação entre biomassa de pequenos

mamíferos encontrada em campo e na dieta possui significância quando comparados os

a)

b)

chuva seca

chuva seca

64

valores de campo com os de dieta do mês anterior (Sperman: R = 0,685; N = 12; P =

0,014). E, apesar de já ter dado valores significativos anteriormente para número de

indivíduos, quando correlacionados em meses deslocados, observa-se que há uma

correlação mais forte (Sperman: R = 0,841; N = 12; P = 0,001).

O ambiente que teve maiores quantidades de indivíduos de pequenos mamíferos

disponíveis foi o campo úmido, cerrado, campo limpo e por último campo rupestre.

Monodelphis domestica e Oligoryzomys sp. estiveram mais presentes no campo rupestre.

Akodon sp., Oxymycterus roberti, Cavia aperea, Gracilinanus agilis e Lutreolina

crassicaudata foram mais encontrados no campo úmido. No cerrado, Calomys sp. e

Cerradomys subflavus foram mais abundantes e no campo limpo, Necromys lasiurus

(Tabela 2.3).

Tabela 2.3. Número de indivíduos disponíveis de pequenos mamíferos (contabilizando a primeira captura de cada indivíduo em cada mês) para consumo pelo lobo-guará em quatro ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG: campo úmido (CU), cerrado (CE), campo limpo (CL) e campo rupestre (CR). Amostragem realizada entre setembro de 2005 e setembro de 2006. CU CE CL CR TOTAL MURIDAE Akodon sp. 85 6 42 3 136 Necromys lasiurus 98 160 217 35 510 Calomys sp. 16 86 3 12 117 Oligoryzomys sp. 8 16 12 48 84 Cerradomys subflavus 6 17 0 6 29 Oxymycterus roberti 93 2 6 17 118 ECHYMIIDAE Thrichomys apereoides 0 3 0 3 6 CAVIDAE Cavia aperea 4 0 0 0 4 DIDELPHIDAE Gracilinanus agilis 4 0 0 0 4 Monodelphis domestica 0 14 5 46 65 Monodelphis sp. 2 0 2 0 4 Lutreolina crassicaudata 26 0 5 6 37 TOTAL 342 304 292 176 1114

65

Apesar de não ter sido observada diferença sazonal significativa na disponibilidade

de pequenos mamíferos, observa-se que em todos os ambientes amostrados, exceto campo

rupestre, houve maior disponibilidade de pequenos mamíferos por hectare nos meses

correspondentes à época seca. No campo rupestre a biomassa disponível de pequenos

mamíferos por hectare foi similar ao longo de todo o período amostral (Figura 2.6).

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1800

S O N D J F M A M J J A S

Biomas

sa de pe

queno

s (gramas) / ha

Campo Úmido CerradoCampo Limpo Campo Rupestre

Figura 2.6. Biomassa estimada de pequenos mamíferos ao longo dos meses, por ambiente, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.

Seleção de pequenos mamíferos

As freqüências de ocorrência esperada (disponibilidade) e observada (nas fezes)

para cada espécie foram diferentes (χ2 = 42,371; gl = 5; P < 0,001), mostrando que há

seleção de pequenos mamíferos. Quando analisados espécie por espécie observa-se que

Akodon sp., Cerradomys subflavus, Thrichomys apereoides e o grupo Didelphidae foram

consumidos em menores proporções do encontrado no ambiente. Ao contrário, as

espécies Necromys lasiurus, Holochilus sp., Nectomys squamipes, Rhipidomys

mastacalis, Oxymycterus roberti, Thalpomys lasiotis e Cavia aperea foram consumidos

em maiores proporções do encontrado no ambiente, indicando seleção por estas espécies.

chuva seca

66

Apenas as espécies agrupadas Calomys/Oligoryzomys foram consumidas em proporção

semelhante à encontrada no ambiente (Tabela 2.4).

Tabela 2.4. Freqüência de presas de lobo-guará na dieta (observado) e no campo (esperado). Dados coletados entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.

Observado Esperado N Po N Pe

Intervalo de confiança

Akodon sp. 28 0,057 81 0,123 0,049 ≤ Po ≤ 0,064 - Necromys lasiurus 238 0,482 282 0,428 0,466 ≤ Po ≤ 0,498 + Calomys/Oligoryzomys* 104 0,211 135 0,205 0,198 ≤ Po ≤ 0,223 = Holochilus sp. 3 0,006 0 0,000 0,004 ≤ Po ≤ 0,009 + Nectomys squamipes 1 0,002 0 0,000 0,001 ≤ Po ≤ 0,003 + Rhipidomys mastacalis 1 0,002 0 0,000 0,001 ≤ Po ≤ 0,003 + Cerradomys subflavus 5 0,010 24 0,036 0,007 ≤ Po ≤ 0,013 - Oxymycterus roberti 68 0,138 56 0,085 0,127 ≤ Po ≤ 0,149 + Thalpomys lasiotis 9 0,018 0 0,000 0,014 ≤ Po ≤ 0,022 + Cavia aperea 16 0,032 4 0,006 0,027 ≤ Po ≤ 0,038 + Trichomys apereoides 1 0,002 4 0,006 0,001 ≤ Po ≤ 0,003 - Didelphidae 20 0,040 73 0,111 0,034 ≤ Po ≤ 0,047 - (+) proporção de consumo foi maior do que o esperado pela sua disponibilidade no ambiente; (=) proporção de consumo foi semelhante a proporção no ambiente; (-) proporção de consumo foi menor do que a proporção no ambiente. * Estas espécies foram agrupadas pois houve dificuldade em diferenciá-las nas fezes através do padrão molar dos dentes.

DISCUSSÃO

Os três frutos com maior disponibilidade no ambiente foram também os mais

consumidos pelo lobo-guará. Parinari obtusifolia, apesar de ter sido mais consumido do

que Allagoptera campestris, apresentou menor disponibilidade no ambiente ao longo dos

meses de amostragem, sendo o terceiro fruto com maior representatividade no ambiente.

No entanto, P. obtusifolia teve seu pico de produtividade em novembro de 2005, época

na qual havia pouca quantidade de outros frutos disponíveis, e provavelmente por esse

motivo o lobo-guará consumiu maiores quantidades deste fruto. Queirolo (2001) também

encontrou grandes quantidades de P. obtusifolia nas amostras fecais analisadas no PNSC,

67

levando-nos a crer que este fruto tem papel importante na dieta do lobo-guará no Parque,

uma vez que está presente em grandes quantidades quando a disponibilidade de outros

frutos é mais baixa.

Embora os frutos com maior disponibilidade tenham sido os mais consumidos,

alguns com relativa representatividade na dieta não foram encontrados nas amostragens

em campo, como Melancium campestre e Bromelia sp.. Tendo em vista que a

similaridade entre os pontos amostrais foi baixa, apontando que há variação na

composição de espécies de planta dentro dos ambientes, pode ser que as áreas que não

foram amostradas abriguem estas espécies de plantas que foram consumidas porém não

encontradas em campo. Ainda, alguns tipos de ambiente não foram amostrados, como

mata e todos aqueles encontrados fora do PNSC, por exemplo os de uso agropecuário.

Apesar da área de amostragem ter sido ampla (2,4 ha), não foi o suficiente para ter acesso

a todos os frutos disponíveis para o lobo-guará.

O consumo da lobeira é maior quando esta se encontra em menor disponibilidade

no ambiente, sugerindo que a lobeira é um item selecionado pelo lobo-guará. Ainda, o

período de maior ingestão de lobeira coincidiu com o de menor disponibilidade e

consumo de outros frutos. Resultados semelhantes também foram obtidos em outros

lugares onde a dieta do lobo-guará e disponibilidade alimentar foram analisadas (Motta-

Junior 2000; Motta-Junior & Martins 2002; Rodrigues et al. 2007) levando-nos a crer

que a lobeira tem um importante papel na alimentação do lobo-guará, uma vez que seu

consumo foi maior quando os outros foram menos freqüentes, permitindo o consumo de

alimentos de origem vegetal pelo lobo-guará em altas proporções ao longo de todo o ano.

O lobo-guará apresentou clara resposta funcional quanto aos outros frutos. Quando a

disponibilidade destes foi maior, seu consumo também foi maior, caracterizando o hábito

oportunista da espécie.

68

Em relação aos pequenos mamíferos, quando considerado o número de indivíduos

capturados de cada espécie e o número de indivíduos consumidos, observou-se que há

correlação positiva significativa, ou seja, o lobo-guará se alimenta conforme sua

disponibilidade no ambiente. No entanto, quando considerada a biomassa ingerida,

observa-se que não há correlação significativa entre disponibilidade e consumo. Nota-se,

contudo, que o maior consumo de biomassa de pequenos mamíferos precede o de maior

disponibilidade de biomassa no ambiente, ou seja, há um consumo maior de presas

exatamente antes de ocorrer uma maior disponibilidade alimentar. Quando feita esta

outra correlação observou-se que foi positiva e significativa entre biomassa consumida e

disponível, e, quanto ao número de indivíduos, a correlação foi ainda mais forte. Isso

pode ter ocorrido porque a maioria das fezes foi coletada no final dos meses, enquanto

que a amostragem de disponibilidade alimentar era feita, preferencialmente, no meio dos

meses. Ao contrário do encontrado aqui, outros trabalhos que verificaram se há resposta

funcional para os pequenos mamíferos não encontraram valores significativos, apesar do

lobo-guará consumir maiores quantidades de presas nos meses em que estes estão mais

abundantes no ambiente (Motta-Junior 2000; Queirolo 2001; Bueno & Motta-Junior

2006).

Quando analisados por espécie de presa, o lobo-guará parece selecionar algumas

em detrimento de outras. Entre as espécies mais representativas na dieta no PNSC estão

Necromys lasiurus, Cavia aperea e Oxymycterus roberti. Tanto B. lasiurus quanto O.

roberti foram capturados em grande quantidade no PNSC, porém poucos indivíduos de

C. aperea foram capturados. É provável que a abundância desta espécie tenha sido

subestimada, uma vez que as armadilhas utilizadas eram pequenas para estes animais e

apenas uma pequena parcela da população pôde ser capturada. Além disso, a isca

utilizada não é apropriada para capturar esta espécie, já que possui uma dieta

basicamente folívora (Marinho-Filho et al. 2002). Apesar de Oxymycterus roberti e

69

Necromys lasiurus terem sido capturado em grandes quantidades, houve maior consumo

do que o esperado. A primeira espécie ocorreu em maiores quantidades no campo úmido,

ambiente que teve também maior disponibilidade de pequenos mamíferos. Isso sugere

que o lobo-guará passa mais tempo neste ambiente de maior disponibilidade do que em

outros. Da mesma forma, Cavia aperea, além do problema amostral, pode ter sido

consumida em uma quantidade maior devido ao maior tempo gasto forrageando nestas

áreas, já que foi o campo úmido foi o ambiente com maior disponibilidade desta espécie.

O alto consumo de Necromys lasiurus, espécie mais abundante no ambiente mais comum

do Parque, campo limpo, reforça a teoria de que o lobo-guará é uma espécie adaptada a

forragear nas gramíneas altas do cerrado (Dietz 1987). Ainda, por se tratar de uma

espécie exclusivamente terrestre (Eisenberg & Redford 1999) e por estar presente em

todos os ambientes amostrados do Parque, parece ser uma presa fácil para o lobo-guará.

Outras espécies foram capturadas pelos lobos-guará menos do que o esperado:

Akodon sp., Cerradomys subflavus, Thrichomys apereoides e as espécies da família

Didelphidae. Apesar de Akodon sp. ter apresentado maior abundância no ambiente mais

rico em alimento (campo úmido), foi consumido em menores proporções do que o

esperado. O trabalho de Queirolo (2001) também registrou um menor consumo de

Akodon sp. do que o esperado, e o autor sugere que esta espécie deve possuir algum

mecanismo anti-predação que lhe dá vantagens em relação às outras presas de lobo-

guará. Cerradomys subflavus é a espécie mais comum do cerrado s.s. (Alho et al. 1986) e

apesar de não ter sido a mais capturada nos cerrados amostrados, foi encontrada em

maiores quantidades neste ambiente. Como existem apenas pequenas áreas de cerrado

dentro do Parque, tende a ser menos capturado pelo lobo-guará. Já Thrichomys

apereoides é mais comum em ambientes rochosos (Eisenberg & Redford 1999), como o

campo rupestre. Neste estudo, a abundância dessa espécie foi igual para o ambiente mais

raro do Parque (cerrado) e para o mais pobre em alimento (campo rupestre), sugerindo

70

que esta espécie é consumida em menor quantidade devido aos ambientes em que ela está

disponível. Dentro da família Didelphidae, as espécies mais abundantes foram

Monodelphis domestica e Lutreolina crassicaudata. Monodelphis domestica foi mais

abundante no ambiente com menor disponibilidade de pequenos mamíferos, campo

rupestre, fazendo-nos acreditar que o baixo consumo desta espécie tenha sido em

decorrência de pouco tempo forrageando nesta área. Apesar de Lutreolina crassicaudata

ser mais abundante no ambiente com maior quantidade de alimento, é uma espécie ágil,

ótima nadadora e com tendência a se esconder em buracos e fazer tocas nas gramíneas,

além de ser ótimas arborícolas (Marshall 1978), podendo ser uma presa mais dificilmente

capturada pelo lobo-guará.

Algumas espécies de pequenos mamíferos não foram capturadas durante a

amostragem, mas foram registradas nas fezes do lobo-guará (Holochilus sp., Rhipidomys

mastacalis, Nectomys squamipes e Thalpomys lasiotis). Isso pode ter ocorrido devido ao

tamanho da armadilha, que pode ser limitado para algumas espécies, pela raridade ou

pelo hábito de vida. Holochilus sp. é uma animal grande (144 a 455g), raro e que habita

ambientes florestais (Marinho-Filho et al. 2002). Rhipidomys mastacalis tem hábitos

arborícolas (Eisenberg & Redford 1999), dificultando sua captura, uma vez que as

armadilhas foram postas apenas no chão. Nectomys squamipes é grande (255 g), semi-

aquático, habitando preferencialmente ambientes florestais bastante úmidos (Eisenberg &

Redford 1999). Thalpomys lasiotis é uma espécie rara (Vieira & Baumgarten 1995;

Marinho-Filho et al. 2002), já foi capturada no PSNC, em ambientes de transição entre

cerrado e campo (Dietz 1983), porém não foi capturada neste estudo nem no de Queirolo

(2001). Além disso, todas estas espécies, com exceção de Thalpomys lasiotis, são

preferencialmente florestais. As florestas não foram amostradas neste estudo, porém,

como os resultados indicam, eventualmente (por ter tido um número baixo de indivíduos

dessas espécies nas fezes), o lobo-guará pode forragear em floresta ou borda de floresta.

71

O fato de ter sido encontrado nas fezes espécies não capturadas nas armadilhas

sugere também que a análise de fezes de lobo-guará, ou de carnívoros em geral, pode ser

uma ferramenta útil no levantamento de espécies de uma área, uma vez que os animais

têm acesso a presas que armadilhas podem não ter, ou espécies de plantas com

distribuição restrita. Motta-Junior (1991), por exemplo, relatou predação de uma ave rara,

Micropygia schomburgkii, por lobo-guará em um cerrado do Distrito Federal.

Os resultados das correlações indicam uma clara resposta funcional do lobo-guará

frente a disponibilidade de alimentos no ambiente, caracterizando o hábito oportunista do

lobo-guará. Porém, quando analisados por espécie de presa observa-se que o lobo-guará

parece selecionar algumas em detrimento de outras, contrariando seu hábito oportunista.

É preciso levar em consideração, no entanto, que alguns ambientes não foram

amostrados, como mata e áreas de uso agropecuário, e que essa alta seletividade de

presas pode ser reflexo de problema amostral, ou como já discutido, de outros fatores,

como tempo de forrageamento diferencial em cada ambiente, disponibilidade de habitats,

comportamento e biologia das presas.

Concluindo, o lobo-guará apresentou aparente oportunismo no consumo de

animais e vegetais. Os frutos, em geral, e os pequenos mamíferos, foram mais

consumidos quando presentes em maiores quantidades no ambiente. Contudo, o padrão

de consumo de lobeira frente a sua disponibilidade foi diferente do que o encontrado para

os outros itens, apresentando uma relação negativa, sugerindo que o lobo-guará procura

frutos de lobeira em épocas de escassez de outros itens de origem vegetal (Motta-Junior

2000; Motta-Junior & Martins 2002; Rodrigues et al. 2007).

Uma vez que a lobeira ocorre em ambientes abertos e alterados (Oliveira-Filho &

Oliveira 1988), que o lobo-guará seleciona este fruto, e que possui hábito alimentar

aparentemente oportunista, leva-nos a acreditar que este canídeo é um animal de relativa

fácil adaptação a ambientes fragmentados e antropizados (Courtenay 1994). No entanto,

72

quando habita um ecossistema fragmentado, pode vir a consumir maiores quantidades de

frutos cultivados (Santos et al. 2003; Jácomo et al. 2004; Rodrigues et al. 2007) e

criações domésticas, devido seu hábito alimentar oportunista, tornando-se alvo fácil para

caça e motivo de perseguição. Portanto, apesar do hábito oportunista do lobo-guará num

primeiro momento parecer favorável à sobrevivência da espécie, pode levar a uma menor

aceitação da sua presença pela população, quando este animal passa a se alimentar de

itens disponíveis nas áreas antropizadas.

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77

Capítulo III

Disponibilidade alimentar e padrão de

movimentação do lobo-guará (Chrysocyon

brachyurus) no Parque Nacional da Serra da

Canastra, MG.

INTRODUÇÃO

A área de vida de um indivíduo compreende uma determinada área na qual o

animal utiliza para suas atividades normais como forrageamento, reprodução e cuidado

parental (Burt 1943). No entanto, os animais usam a área de vida de maneira

desproporcional, alguns locais são mais intensamente utilizados, onde os indivíduos

concentram suas atividades. Essas áreas de maiores intensidades de uso são denominadas

áreas centrais de atividade ou áreas core (Hayne 1949). O tamanho dessas áreas e o

padrão de movimentação de uma espécie podem ser determinadas por diversos fatores,

como disponibilidade alimentar (Gehrt & Fritzell 1998; Broomhall et al. 2003),

distribuição de fêmeas (Mizutani & Jewell 1998; Biró et al. 2004), distribuição de tocas e

abrigos (Chamberlain et al. 2003), qualidade do alimento (Mizutani & Jewell 1998),

presença de predadores (List & Macdonald 2003), presença de atividade humana (Adkins

& Stott 1998; Dickson & Beier 2002; Riley et al. 2003), densidade populacional

(Viggers & Hearn 2005; Benson et al. 2006), entre outros.

A relação entre área de vida e disponibilidade alimentar geralmente é negativa

(Herfindal et al. 2005; Benson et al. 2006), ou seja, quanto mais rico um ambiente é em

alimento, menor tende ser a área de vida necessária para as atividades rotineiras do

animal, e menor é seu gasto energético na procura de alimento. Isto influencia a

78

quantidade de tempo e energia disponíveis para outras atividades nas quais também

contribuem para o valor adaptativo do indivíduo.

Os lobos-guará são os únicos canídeos de grande porte que tem como estratégia

de forrageamento a caça solitária (Moehlman 1989). No entanto, por se tratarem de

animais generalistas, que se alimentam principalmente de pequenos animais e frutos

(Dietz 1984; Motta-Junior et al. 1996; Capítulo I), essa parece ser a estratégia

energeticamente mais econômica.

Ainda há poucos trabalhos envolvendo área de vida do lobo-guará (Dietz 1984;

Carvalho & Vasconcellos 1995; Silveira 1999; Juarez & Marinho-Filho 2002; Rodrigues

2002; Melo et al. 2007), e pouco se sabe sobre os fatores que podem influenciar no seu

padrão de movimentação. Alguns autores sugerem que machos e fêmeas possuem áreas

de vida próximas, com grande sobreposição, e que um estaria influenciando o padrão de

movimentação do outro (Dietz 1984; Rodrigues 2002), ou ainda que a disponibilidade de

alimento poderia influenciar (Rodrigues 2002), mas nenhum deles realmente testou essas

hipóteses. Rodrigues (2002) ao explicar a variação entre os tamanhos de áreas de vida de

populações diferentes de lobo-guará, sugere que a disponibilidade alimentar poderia ter

uma relação positiva com o tamanho de áreas de vida. Dentre todos os trabalhos sobre

lobo-guará há apenas um no qual o objetivo é verificar se a disponibilidade alimentar

influencia no padrão de movimentação da espécie e, neste caso, a população de lobos-

guará em estudo não está sob condições naturais, uma vez que recebem suplementação

alimentar (Silva & Talamoni 2004).

Tendo em vista a falta de estudos referentes ao assunto e sabendo da importância

do conhecimento dos fatores que influenciam no padrão de movimentação do lobo-guará

para sua conservação, os objetivos deste trabalho foram testar as hipóteses de que: (1) a

área de vida e a área central de atividade do lobo-guará serão tanto menor quanto maior

as proporções de ambientes ricos em alimento; e (2) que os lobos-guará passam mais

79

tempo nos ambientes mais produtivos. Para isso, foi avaliado se o tamanho das áreas de

vida e das áreas centrais de atividade dos lobos-guará variam conforme a quantidade de

ambientes com alta ou baixa disponibilidade alimentar, se há diferenças nas áreas de vida

dos lobos-guará nas épocas seca e chuvosa, correlacionando com a disponibilidade

alimentar. Ainda, se há seleção de uso de hábitat, tendo em vista a disponibilidade dos

ambientes para os lobos-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.

METODOLOGIA

Área de estudo

Em 1972, pelo Decreto nº 70.355, o Parque Nacional da Serra da Canastra

(PNSC) foi criado. Uma área de aproximadamente 200.000 ha foi proposta inicialmente,

porém, efetivamente apenas 71.525 ha foram desapropriados e cercados. Localizado no

sudoeste de Minas Gerais, está inserido no domínio fitogeográfico do Cerrado, sendo a

maior parte constituída de formações campestres (campo limpo, campo sujo e campo

rupestre), e em menores proporções de áreas de formações savânicas (cerrado sensu

strictu) e formações florestais (mata ciliar, mata de galeria, mata de encosta, mata seca e

cerradão) (Figura 3.1). O entorno do Parque é constituído basicamente por pastagens

naturais, com pouca proporção de agricultura. A temperatura média ao longo do ano não

varia muito, ao contrário da precipitação, apresentando picos elevados entre os meses de

outubro a março (estação chuvosa) e apresentando uma queda do índice, que pode chegar

a zero, entre os meses de abril a setembro (estação seca) (MMA & IBAMA 2005).

O mapa de classificação da vegetação do PNSC foi elaborado pelo Instituto Terra

Brasilis com parceria com o Ibama, a partir de uma imagem ETM – LANDSAT de junho

de 2000 e com os dados adquiridos nas duas fases de campo da Avaliação Ecológica

Rápida para a elaboração do Plano de Manejo do Parque. Foram reconhecidas nas

análises as seguintes classes de vegetação: mata, campo rupestre, cerrado, campo limpo,

80

reflorestamento e também áreas de solo exposto, como aquelas de uso agropecuário e

mineração. Algumas classes não foram claramente diferenciadas (e.g. Campo Limpo de

Campo Sujo). A grande variedade de tipos fitofisionômicos existentes na região dificulta

a elaboração de um mapa de classificação da vegetação. Além disso, algumas

fitofisionomias não são claramente visualizadas no mapa devido sua pequena extensão no

PNSC (Romero 2002). As áreas não definidas no mapa são aquelas que não puderam ser

classificadas. E as áreas de campo englobam os campos limpos, campos sujos e campos

úmidos (Figura 3.1).

Disponibilidade alimentar

Entre setembro de 2005 e setembro de 2006 foram armadas mensalmente 360

armadilhas do tipo Shermann para estimar a quantidade de pequenos mamíferos

disponíveis no ambiente. Nos primeiros cinco dias de campanha eram armadas 180

Shermanns e outras 180 nos outros cinco dias subseqüentes. Doze áreas diferentes foram

amostradas, três para cada um dos ambientes (campo limpo, campo úmido, campo

rupestre e cerrado). Em cada área foram colocadas 30 armadilhas, dispostas em três

transectos. Cada armadilha estava a 10 metros de distância uma da outra, e os transectos

a 20 metros, totalizando uma área de amostragem de 0,5 ha (100 x 50 m, incluindo 5

metros de margem). O esforço amostral foi de 1800 armadilhas * noite por mês numa

área amostrada total de 6 ha. As armadilhas eram iscadas com uma mistura feita de

banana, sardinha, pasta de amendoim e fubá. Todas as manhãs as armadilhas eram

checadas e todos os animais capturados eram sexados, pesados, identificados, marcados e

soltos.

81

296100

296100

329000

329000

361900

361900

394800

394800

7731500 7731500

7764400 7764400

VegetaçãoCampoCampo RupestreCerradoCorpos dágua e sombrasMataMineraçãoNão definidoReflorestamentoUso agrícola e pecuária

Delimitação atual do PNSCDelimitação orignal do PNSC

N

1:500000

Figura 3.1. Tipos vegetacionais e uso do solo no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Fonte: Modificado de MMA & Ibama (2005).

82

Entre novembro de 2005 e setembro de 2006 foram vistoriadas 60 parcelas (20 x

20m) nas quais todos os frutos de potencial consumo pelo lobo-guará foram contados ou

estimados. As áreas de amostragem de frutos foram contíguas às áreas de amostragem de

pequenos mamíferos, de forma que cada ambiente tinha três áreas de amostragem e em

cada foram marcadas cinco parcelas, totalizando 15 parcelas por ambiente. As parcelas

estavam distanciadas a pelo menos 10 m uma da outra. Foram amostrados 0,6 ha por

ambiente ou 2,4 ha no total.

A estimativa da biomassa disponível de pequenos mamíferos e de frutos foi feita

a partir dos pesos obtidos em campo ou por consulta a literatura (para maiores detalhes

sobre a metodologia utilizada para estimar a disponibilidade alimentar ver capítulo II).

Para verificar se houve diferença na disponibilidade de frutos entre as áreas de

cada ambiente e entre os ambientes amostrados durante o ano, foi realizado o teste não-

paramétrico Kruskal-Wallis. Para as épocas seca e chuvosa foi feito o teste pareado não-

paramétrico Wilcoxon.

Captura e Monitoramento dos lobos-guará

Os lobos-guará foram capturados pela equipe do projeto lobo-guará no PNSC,

utilizando 18 armadilhas de desarme automático, iscadas com frango cozido e sardinha, e

vistoriadas diariamente pelas manhãs. As armadilhas foram colocadas dentro e fora do

Parque e armadas entre janeiro de 2004 e janeiro de 2007. Todos os lobos-guará

capturados foram anestesiados utilizando Zoletil e Telazol, marcados com brinco

numerado e colar rádio-transmissor (Telonics e Wildlife Matterials), sexados, pesados,

estimada a idade, retirado dados de biometria e feita a coleta de material biológico

(sangue, fezes, pêlos, tecidos e ectoparasitos).

As localizações dos indivíduos foram feitas através de radiotelemetria, capturas

ou visualizações. A radiotelemetria convencional foi realizada, utilizando sempre a

83

freqüência na faixa VHF (Very High Frequency) de 164 a 166 MHz. As estradas do

Parque, os aceiros e as estradas das fazendas do entorno eram percorridas por um veículo

automotor equipado com uma antena não-direcional. Quando o sinal era captado,

utilizava-se então uma antena direcional onde se tirava o azimute. Todas as localizações

feitas por radiotelemetria foram baseadas em estimadores de máxima verossimilhança

(e.g. três ou mais pontos utilizados para triangulação). Em cada ponto era registrada a

data, hora, coordenada geográfica em UTM (Universal Transfer Mercator), azimute,

condições do tempo e qualidade do sinal. Para aqueles animais equipados com rádio

colar com sensor de movimento também era anotado sua atividade. As localizações

através de telemetria foram feitas através do método de triangulação e com intervalo

mínimo de 12 horas, para garantir a independência das amostras.

O monitoramento dos lobos-guará através de radiotelemetria foi feito em

horários alternados entre manhã, tarde e noite. Procurou-se localizar cada indivíduo pelo

menos uma vez por semana, mas nem sempre isso foi possível.

Tamanho de áreas de vida e das áreas centrais versus vegetação

O método do Mínimo Polígono Convexo (MPC) 95% e 50% são,

respectivamente, estimadores robustos da área de vida e da área central de atividade

(Mizutani & Jewell 1998), além de serem os mais comumente encontrados na literatura

referente ao lobo-guará (Silveira 1999; Juarez & Marinho-Filho 2002; Rodrigues 2002).

Portando, foram obtidos os MPC’s para as áreas de vida e as áreas centrais de atividade,

utilizando, respectivamente, 95% e 50% das localizações mais próximas da média

harmônica. Apesar da literatura apresentar geralmente as áreas de vida dos lobos-guará

como MPC 100% (Juarez & Marinho-Filho 2002; Rodrigues 2002) neste trabalho foram

retirados 5% dos pontos mais externos, porque geralmente essas localizações são

84

excursões ocasionais, de caráter puramente exploratório, não fazendo parte da área de

vida do animal (Burt 1943).

As áreas de vida e as áreas centrais foram então interseccionadas com o mapa de

classificação da vegetação para verificar a porcentagem de cada ambiente. Em seguida

foram feitas correlações de Spearman entre as variáveis: quantidade de tipos

vegetacionais e tamanho da área de vida (MPC 95) ou tamanho da área central (MPC

50).

Como o objetivo principal do trabalho foi relacionar tamanho de área de vida e

tamanho de área central com disponibilidade alimentar, e tendo em vista que apenas

ambientes dentro do PNSC foram amostrados, foram utilizados apenas aqueles lobos-

guará que possuíam todas ou mais de 50% de suas localizações dentro do PNSC e que

possuíam um número mínimo de 30 localizações. Para verificar se houve suficiência

amostral de localizações foi feito, para cada lobo-guará, um gráfico cumulativo entre área

e número de localizações.

Sazonalidade

As localizações dos lobos-guará foram separadas entre estação seca (abril a

setembro) e estação chuvosa (maio a outubro). Uma vez que os tamanhos das áreas de

vida apresentaram distribuição normal para época seca (Kolmogorov-Smirnov: Z =

0,404; N = 6; P = 0,997), para época chuvosa (Kolmogorov-Smirnov: Z = 0,385; N = 6;

P = 0,998) e também para os tamanhos das áreas centrais (seca: Kolmogorov-Smirnov: Z

= 0,549; N = 6; P = 0,924; chuva: Kolmogorov-Smirnov: Z = 0,760; N = 6; P = 0,610),

foram feitos testes-t pareados para verificar se os tamanhos das áreas de vida e das áreas

centrais de atividade diferiram entre as estações. Foram utilizados apenas lobos-guará

que possuíam mais de 50% de suas localizações dentro do PNSC e que tinham no

85

mínimo 25 pontos, após retirada dos 5% mais externos (MCP 95), em cada uma das

estações.

Uso de hábitat

Todas as localizações que estavam dentro dos limites do Parque, de todos os

lobos-guará capturados, foram plotadas no mapa de vegetação. E com estas mesmas

localizações foi feito um MPC 100% para verificar a quantidade de hábitat disponível. O

polígono resultante foi então interseccionado com o mapa de vegetação, para cálculo das

proporções de cada ambiente disponível. Ainda, foi calculado um índice de seletividade

(IS), proveniente da fração entre a proporção de localizações dos lobos-guará em cada

ambiente pela proporção de sua disponibilidade (Medri & Mourão 2005). Quando o

índice foi maior que 1, indica preferência por estes tipos de hábitat, quando menor que 1,

indica que há um sub-uso destas áreas, e quando igual a 1, que os lobos-guará utilizam

estes hábitats na mesma proporção de sua disponibilidade. Foram também separadas as

localizações em estações seca e chuvosa para ver se a escolha do hábitat diferiu entre as

estações. Foi realizado o teste qui-quadrado para verificar diferença entre as épocas.

Todos os testes, exceto o qui-quadrado, foram feitos através do programa

estatístico SPSS 13.0 para Windows, com nível de significância de 0,05 e bicaudais.

Ainda, foram utilizadas as extensões Animal Movement e Spatial Analyst do programa

ArcView GIS 3.2 para calcular os tamanhos das áreas de vida e áreas centrais, retirar os

pontos mais externos através do método da média harmônica, fazer as triangulações,

plotar as localizações no mapa de vegetação e fazer a intersecção dos dados de área de

vida e vegetação. O teste qui-quadrado foi feito utilizando o programa SigmaStat 3.11

para Windows.

86

RESULTADOS

Disponibilidade alimentar

O ambiente que apresentou maior quantidade de biomassa disponível de pequenos

mamíferos para o lobo-guará foi o campo úmido, seguido de cerrado, campo limpo e

campo rupestre. Em todos os ambientes houve maior quantidade de pequenos mamíferos

disponíveis na época seca (Tabela 3.1). No entanto, essa diferença entre estação seca e

chuvosa foi mais visível no cerrado e no campo limpo, uma vez que no cerrado houve

82% a mais de biomassa disponível de pequenos mamíferos na época seca do que na

época chuvosa e, no campo limpo, 62% a mais.

A biomassa disponível de frutos para o lobo-guará durante o ano diferiu entre os

ambientes (Kruskal-Wallis: H = 31,618; gl = 3; P ≤ 0,001). O cerrado apresentou maior

quantidade de biomassa disponível de frutos, seguido pelo campo úmido, campo limpo e

campo rupestre. Entre as estações seca e chuvosa, o cerrado (Wilcoxon: t = -3,408; n =

15; P ≤ 0,001), o campo limpo (Wilcoxon: t = -3,233; n = 15; P = 0,001), o campo

rupestre (Wilcoxon: t = -2,497; n = 15; P = 0,013) e o campo úmido (Wilcoxon: t = -

2,353; n = 15; P = 0,019) mostraram diferença significativa, com maior disponibilidade

na época chuvosa (Tabela 3.1).

Considerando a biomassa disponível de frutos e pequenos mamíferos observa-se

que o ambiente mais rico em alimento para o lobo-guará é o cerrado, seguido pelo campo

úmido, campo limpo e campo rupestre.

Tabela 3.1. Biomassa de pequenos mamíferos e frutos disponíveis (gramas por ha) para o lobo-guará em cada um dos ambientes amostrados do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, para as épocas seca e chuvosa, bem como para o ano inteiro.

PEQUENOS MAMÍFEROS FRUTOS chuva seca total chuva seca total

Cerrado 591,5 1253,8 1845,3 366728,3 22004,3 388732,5 Campo Limpo 629,6 1186,9 1816,5 9706,7 1609,3 11315,9 Campo Rupestre 682,1 806,3 1488,4 631,8 84,8 716,5 Campo Úmido 1331,8 1678,2 3010,0 14610,9 459,8 15070,8

87

Capturas

Ao longo do estudo 28 lobos-guará foram capturados dentro e fora do PNSC,

sendo 16 fêmeas e 12 machos. Destes, 14 lobos-guará possuem mais de 30 localizações,

dos quais 10 possuem todas ou mais de 50% de suas localizações dentro do PNSC

(Tabela 3.2). Estes 10 indivíduos foram utilizados para cálculo das áreas de vida e áreas

centrais de atividade. Apenas um indivíduo (M2) alcançou a assíntota em relação ao

tamanho da área de vida, este indivíduo foi o que obteve maior número de localizações

(Tabela 3.2).

De um total de 1247 localizações, a maioria foi feita através de triangulação

(79,6%), outras por observação direta (10,7%) e outras por capturas (9,7%). Deste total,

118 apresentam sinal de atividade, sendo que 62,7% das vezes o animal encontrava-se

ativo e 37,3% inativo.

Quando plotadas as áreas de vida com o mapa de vegetação do Parque, não houve

correlação entre a porcentagem de cada tipo de vegetação com o tamanho da área de

vida. Porém, quando analisadas as áreas centrais de atividade, houve uma relação

positiva entre o tamanho da área e a porcentagem de campo limpo presente e negativa

entre a área e proporção de campo rupestre, mata e área não definida (Tabelas 3.3 e 3.4).

A porcentagem de área com uso agropecuário e corpos d’água e sombras não mostraram

relação significativa (Tabela 3.4).

88

Tabela 3.2. Número de localizações e área de vida de lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, capturados no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, entre fevereiro de 2004 e fevereiro de 2007.

idade peso Localizações data de última Área (km2) (kg) Total % PNSC captura localização MCP 95 MCP 50

F1 a, b, c ad 24 95 100,0 23/4/2004 10/2/2007 48,36 12,04 F2 a, b, c ad 30 62 77,4 24/7/2004 21/6/2005 34,33 2,89 F3 a, b ad 25 34 100,0 25/8/2004 3/1/2006 70,50 17,98 F4 ad 32 131 0,8 4/9/2004 15/2/2007 18,86 3,36 F5 b, c ad 21 76 100,0 5/5/2005 16/2/2007 95,77 22,73 F6 sub 25 14 0,0 13/5/2005 21/6/2005 - - F7 b sub 20 45 100,0 14/6/2005 12/2/2007 47,86 3,84 F8 ad 26 48 8,3 21/6/2005 3/1/2007 83,90 13,01 F9 ad 31 68 17,6 31/7/2005 17/2/2007 96,27 20,98 F10 b, c ad 26 72 54,2 21/10/2005 15/2/2007 69,66 9,01 F11 sub 15 6 83,3 15/02/2006 1/6/2006 - - F12 sub 25 5 0,0 5/6/2006 30/6/2006 - - F13 sub 17 28 100,0 15/6/2006 16/2/2007 - - F14 ad 25 10 0,0 7/9/2006 14/2/2007 - - F15 ad 26 4 100,0 24/10/2006 24/1/2007 - - F16 a ad 23 8 100,0 5/12/2006 10/2/2007 - - M1 b, c sub 12 80 85,0 27/2/2004 29/8/2004 4,06 0,34 M2 b, c ad 28 162 100,0 2/4/2004 30/1/2007 65,91 16,82 M3 a, b velho 28 39 84,6 19/5/2004 24/12/2005 14,43 1,96 M4 sub 25 4 100,0 5/6/2004 27/7/2004 - - M5 b sub 21 44 100,0 3/7/2004 26/3/2005 25,01 5,64 M6 sub 26 7 100,0 4/5/2005 21/5/2005 - - M7 ad 30 104 1,9 22/6/2005 15/2/2007 18,35 2,41 M8 sub 29 10 80,0 19/10/2005 25/9/2006 - - M9 ad 31 29 34,5 26/3/2006 10/2/2007 - - M10 ad 29 14 100,0 4/7/2006 15/2/2007 - - M11a ad 32 24 79,2 4/7/2006 16/12/2006 - - M12 ad 29 4 25,0 29/11/2006 16/2/2007 - - a Indivíduos que foram encontrados mortos ao longo do estudo; b Indivíduos utilizados para correlacionar tamanhos de área de vida e de área central com porcentagem de ambiente (n=10); c Indivíduos utilizados para verificar sazonalidade nas áreas de vida e áreas centrais de atividade (n=6); Fêmea (F); Macho (M); adulto (ad); subadulto (sub);

89

Tabela 3.3. Área central de atividade de lobos-guará e proporções (%) de ambientes dentro de cada área core. lobo área (km2) CL CR Água Mt NDef Agri F1 12,04 87,47 0,05 1,25 1,22 10,01 0,00 F2 2,89 48,30 20,34 7,02 5,21 19,14 0,00 F3 17,98 84,98 0,00 1,19 1,60 12,22 0,00 F6 22,73 88,18 0,00 1,94 0,44 9,44 0,00 F8 3,84 76,19 0,05 2,74 3,36 17,66 0,00 F11 9,01 33,13 14,98 16,28 14,48 16,34 4,79 M1 0,34 39,53 24,43 19,61 3,61 12,82 0,00 M2 16,82 86,84 0,04 1,69 1,14 10,30 0,00 M3 1,96 62,70 6,08 1,26 5,02 24,94 0,00 M5 5,64 83,77 0,09 2,45 2,12 11,58 0,00 CL, Campo Limpo; CR, Campo Rupestre, Água, corpos d’água e sombras; Mt, Mata; Ndef, área não definida; Agri, Uso agrícola e pecuário.

Tabela 3.4. Correlações de Spearman entre tamanho de área de vida (MPC 95%) e área central de atividade (MPC 50%) de lobos-guará (n = 10) e porcentagens de vegetação dentro de cada área, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Em nenhuma das áreas centrais houve cerrado incluído.

Área de vida Área core R P R P

Campo limpo 0,455 0,187 0,758 0,011 Campo rupestre 0,030 0,934 - 0,851 0,002 Cerrado 0,069 0,849 Corpos d’água e sombras - 0,139 0,701 - 0,552 0,098 Mata - 0,188 0,603 - 0,733 0,016 Não definido - 0,055 0,881 - 0,758 0,011 Uso agrícola e pecuária 0,109 0,764 0,058 0,873

Quanto ao uso de hábitat, os lobos-guará apresentaram maiores proporções de

localizações em áreas de campo rupestre e áreas não definidas do que em relação às suas

disponibilidades, mostrando seleção por estes ambientes. Campo limpo e mata

apresentaram índice de seletividade muito próximos a 1, mostrando ser ambientes não

selecionados pelos lobos-guará.. O cerrado e áreas de uso agrícola apresentaram

pequenas proporções de disponibilidade de habitat, próximas a zero, não sendo possível

calcular o índice de seletividade (Tabela 3.5).

90

Tabela 3.5. Freqüência de utilização de cada ambiente (% localizações, n = 771) por lobos-guará (n = 25), disponibilidade de cada um dos ambientes no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG (% habitat) e índice de seletividade (IS). Dados coletados entre fevereiro de 2004 e fevereiro de 2007.

% loc % habitat IS Campo 74,71 79,93 0,93 Campo rupestre 6,10 1,82 3,35 Cerrado 0,00 0,06 - Corpos d'água e sombras 3,11 5,25 0,59 Mata 2,33 2,05 1,14 Área não definida 13,75 10,86 1,27 Uso agrícola e pecuária 0,00 0,03 - IS > 1 → seleção por algum tipo de ambiente; IS < 1 → sub-uso do ambiente; IS = 1 → uso do ambiente na mesma proporção de sua disponibilidade;

Não houve diferença de uso de habitat entre as estações seca e chuvosa (χ2 =

1,825; gl = 3; P = 0,609). Na estação seca há uma quantidade ligeiramente maior de

localizações no campo limpo. O campo rupestre, ao contrário, apresentou maior

quantidade de localizações na estação chuvosa. O ambiente mata apresentou a mesma

proporção em ambas estações, porém não houve diferença significativa (Figura 3.2).

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Campo Camporupestre

Corposd'água esombras

Mata Não def inido

Porce

ntage

m de loca

lizaç

ões

Figura 3.2. Freqüência de localizações de 25 lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, em cada ambiente do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. A barra sólida representa a estação chuvosa (n = 359) e a vazada a estação seca (n = 412). Dados coletados entre fevereiro de 2004 a fevereiro de 2007.

91

Quanto à sazonalidade, apenas seis lobos-guará possuíam 25 ou mais localizações

em cada estação e tinham mais de 50% de suas localizações dentro do PNSC (Tabela

3.2). Não foi encontrada diferença significativa entre as áreas de vida dos lobos-guará

(teste-t pareado: t = 0,603; gl = 5; P = 0,573), nem para as áreas centrais de atividade

(teste-t pareado: t = 0,612; gl = 5; P = 0,567) entre as épocas seca e chuvosa.

DISCUSSÃO

A hipótese de que áreas de vida menores possuem maior quantidade de ambientes

ricos em alimento foi rejeitada. Não foi encontrada nenhuma relação entre tamanho de

área de vida e proporção dos ambientes. No entanto, a hipótese de que indivíduos com

área central de atividade possuem menor área quando ocupam ambientes mais ricos foi

em parte corroborada, pois foi encontrada relação negativa tanto com ambientes ricos em

alimento, quanto pobres. Já a hipótese que os lobos-guará passam mais tempo nos

ambientes mais produtivos foi rejeitada, uma vez que o maior número de localizações foi

encontrado em campo rupestre, ambiente de menor produtividade amostrado.

Alguns indivíduos possuem área de vida muito reduzida em relação a outros, o

que nos leva a crer que talvez haja algum outro fator, que não disponibilidade alimentar,

que possa moldar os tamanhos da área de vida de cada indivíduo. Podem estar atuando

fatores intrínsecos ao animal, como sexo (Mizutani & Jewell 1998; Biró et al. 2004;

Herfindal et al. 2005), idade ou peso corporal (Kelt & Vuren 1999) ou ainda fatores

extrínsecos, como presença da atividade humana (Adkins & Stott 1998; Dickson & Beier

2002; Riley et al. 2003). Em muitos carnívoros solitários foi encontrado que a área de

vida da fêmea é influenciada pela disponibilidade alimentar enquanto que a do macho é

mais fortemente influenciada pela distribuição de fêmeas no local (Mizutani & Jewell

1998; Herfindal et al. 2005). Isso se deve ao fato de que o sucesso reprodutivo das

fêmeas está vinculado ao cuidado de sua prole e o dos machos, pelo encontro do maior

92

número de fêmeas possível. Os lobos-guará são animais solitários que formam casais na

época reprodutiva (Dietz 1984), onde o macho ajuda no cuidado da prole, como

observado em cativeiro (Dietz 1984; Veado 1997; Bestelmeyer 2000) e como Melo et al.

(2007) sugerem em vida livre. Sendo assim, tanto o macho quanto a fêmea são

responsáveis pelo cuidado parental e, portanto, é improvável que a área de vida do macho

seja determinada pela distribuição de fêmeas num determinado local.

Um outro fator que pode ser levado em consideração, para explicar a grande

variação nos tamanhos das áreas de vida dos lobos-guará é a idade. Filhotes ficam na

área de vida da mãe por aproximadamente um ano, depois começam a dispersar (Rodden

et al. 2004). Neste processo de dispersão a área de vida de um indivíduo não está

estabelecida ainda. Além disso, também pode haver diferentes números de localizações

para cada individuo, resultando em grande variação nos tamanhos de área de vida. Neste

estudo, apesar do esforço amostral ter sido alto, sendo o maior estudo de análise de área

de vida do lobo-guará já realizado, apenas um indivíduo alcançou a assíntota, tendo sua

área estabilizada.

Apesar de não haver correlação entre o tamanho da área de vida e a porcentagem

de cada ambiente, o tamanho da área central de atividade variou conforme a quantidade

de ambientes presentes nele. Os fatores que influenciam na movimentação de uma

espécie podem ser melhores visualizadas, ou mostrar padrões mais claros, quando

analisado a área central de atividade, uma vez que é nestas áreas que o animal passa a

maior parte do seu tempo e, teoricamente, é nela que o animal encontra todos os

elementos críticos para sobrevivência e reprodução, como tocas, abrigos e alimentos.

Houve uma correlação positiva entre tamanho da área central de atividade e porcentagem

de campo limpo, ou seja, quanto maior o tamanho da área central, maior a proporção de

campo limpo encontrada. Ao contrário, os ambientes mata e campo rupestre

apresentaram uma relação negativa com o tamanho da área central, ou seja, quanto

93

maiores as proporções destes ambientes, menor o centro de atividade. Em outras

palavras, o lobo-guará concentra suas atividades nestes dois últimos ambientes.

Era esperado que áreas com maior proporção de ambientes mais ricos em

alimentos representassem uma área central de atividade de menor tamanho. Neste

sentido, era esperada que áreas centrais menores tivessem maiores proporção de campo

úmido e cerrado. Embora no mapa de vegetação utilizado para fazer as análises o

ambiente campo úmido não esteja identificado, sua presença está associada a mata, uma

vez que estas formações florestais, no PNSC, estão associadas com maior disponibilidade

de água (MMA & IBAMA 2005). Sendo assim, parece haver uma relação entre o

tamanho da área central e a disponibilidade alimentar. Desta forma, a seletividade por

mata, encontrada acima, pode ser apenas ruído de amostragem e de fato o campo úmido

pode estar sendo selecionado. Lobos-guará que possuem maior quantidade de matas em

sua área central e, conseqüentemente, de campo úmido, ambiente no qual foi encontrado

maior quantidade de alimento de origem animal, ocupam menor área, otimizando seus

gastos energéticos. Os dados de disponibilidade e dieta apresentados no capítulo II e os

dados aqui relatados reforçam a idéia de que os lobos-guará concentram suas atividades

em áreas de campo úmido, aumentando sua eficiência na captura de alimento, já que se

trata de áreas ricas neste recurso.

Quanto ao cerrado, existem poucas áreas deste ambiente dentro do PNSC, e

mesmo as que estão presentes, parecem não terem sido representadas fielmente no mapa

de vegetação utilizado. Nenhuma das áreas centrais continha locais de cerrado, e não foi

possível calcular preferência por este tipo de ambiente, uma vez que houve baixa

disponibilidade de cerrado e nenhuma localização de lobo-guará foi registrada para este

habitat. Apesar de não termos dados suficientes para tirarmos conclusões a respeito deste

tipo de ambiente, Dietz (1984) relata que o lobo-guará passa cerca de 43% do seu tempo

em áreas de cerrado. Portanto, não se deve descartar a importância que este deve ter em

94

moldar as áreas centrais de atividade, uma vez que é o ambiente mais rico em itens de

origem vegetal.

É importante evidenciar aqui que o mapa de classificação da vegetação utilizado

foi feito para o plano de manejo do Parque e não com este propósito. Neste sentido, as

áreas mais ricas em alimento não estão evidenciadas. O mais interessante seria fazer um

mapa de habitat útil para a espécie no PNSC, classificando as diferentes áreas utilizadas

pelo lobo-guará. Foi elaborado recentemente um mapa para o nordeste do estado de São

Paulo para tais fins (Bertoluzzi & Mantovani 2005), mas os resultados referentes a

utilização de cada ambiente ainda não foram publicados.

O campo limpo não apresentou grandes quantidades de alimento, assim como o

campo rupestre. Porém, para o campo limpo, tendo em vista que é um dos ambientes

mais pobres em alimento, a hipótese inicialmente proposta foi corroborada, uma vez que

quanto maior o tamanho da área central, maior também a proporção deste ambiente, ou

seja, aqueles indivíduos que têm em sua área central de atividade maiores proporções de

campo limpo, têm menores quantidades de alimento, sendo necessário percorrer uma área

maior do que aqueles indivíduos que tem áreas mais ricas em alimento para chegar a

ambientes com maior disponibilidade. Dietz (1984) verificou ainda que o lobo-guará

ocorre em menores proporções em campo do que o esperado por sua disponibilidade, e

do que em qualquer outro tipo de ambiente, a qualquer hora do dia.

Como observado no capítulo II, os ambientes mata e campo rupestre parecem ser

pouco utilizados pelos lobos-guará para forrageamento e, uma vez que houve correlação

negativa entre tamanho de área central e proporção destes ambientes, talvez haja outro

fator atuando. No entanto, como já discutido, a mata pode estar associada a presença de

campos úmidos (ambiente rico em alimento), mas não deve-se descartar a possibilidade

de uso de matas para outras atividades.

95

Os dados referentes a uso de habitat mostraram que o lobo-guará é seletivo

apenas para o campo rupestre, uma vez que houve maior proporção de localizações neste

ambiente do que o esperado pela sua disponibilidade. No entanto, isso provavelmente

não se deve a disponibilidade alimentar, pois o campo rupestre foi o ambiente mais pobre

em alimento. Alternativamente, é possível que o campo rupestre seja um ambiente mais

favorável para o abrigo, garantindo maior quantidade de tocas, e protegendo sua prole de

eventuais predadores. Ainda, mesmo que a maioria das triangulações que apresentavam

sinal atividade mostre que os lobos-guará foram monitorados em período de atividade, há

uma grande proporção de localizações onde o animal encontra-se inativo. E, mesmo que

tenha sido feito um esforço para monitorar os animais em todos os horários do dia, há

uma maior quantidade de triangulações realizadas no período da manhã, quando os

lobos-guará já apresentam menor atividade (Melo et al. 2007). Esse viés na coleta de

dados nos leva a sugerir outra hipótese para a seletividade destes ambientes, como a de

que o lobo-guará procura os campos rupestres e mata para descansar.

No entanto, é importante ressaltar também que as aves não foram amostradas

neste trabalho. E como ainda não se sabe a real importância desses animais na dieta do

lobo-guará, pelo fato das penas sofrerem bastante com o processo digestivo (Reynolds &

Aebischer 1991), pode ser que estas possuam maior representatividade na alimentação do

lobo-guará do que se imagina, e que os ambientes campo rupestre e mata ofereçam

grande quantidade desse tipo de presa, justificando a concentração de atividade nestes

ambientes.

Esperava-se também que houvesse diferença de tamanho entre as áreas de vida

entre as estações seca e chuvosa, uma vez que a dieta e a disponibilidade alimentar

apresentam sazonalidade marcada (capítulos I e II). Porém, não foi observada variação

nos tamanhos das áreas de vida e áreas centrais entre as estações. Este fato pode ter

relação com o gasto de se defender um território. Talvez seja mais vantajoso para o lobo-

96

guará permanecer numa mesma área central de atividade, mesmo que isso signifique

mais tempo forrageando, do que gastar mais energia defendendo diferentes áreas,

conforme a variação na disponibilidade de alimento.

Embora ainda existam outros fatores a serem estudados, os resultados aqui

apresentados mostram que o padrão de movimentação do lobo-guará é influenciado pela

disponibilidade alimentar. Silva & Talamoni (2004) também encontraram dados

semelhantes. Na sede da RPPN Serra do Caraça, onde os lobos-guará recebem

suplementação alimentar, a intensidade de registros é bem mais elevada do que nos

outros locais da Reserva. Há outros fatores que parecem influenciar nas áreas de

atividade dos lobos-guará, porém ainda existem poucas informações sobre a organização

social e comportamento desta espécie em vida livre. Portando, sabendo que a distribuição

dos alimentos é um dos fatores que influenciam o padrão de movimentação do lobo-

guará, é essencial ter em mente os recursos alimentares quando forem propostas medidas

de manejo e conservação do lobo-guará.

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101

Considerações Finais

O trabalho aqui apresentado mostrou, como já esperado, que a dieta do lobo-guará

é onívora e generalista, consumindo maiores quantidades de itens vegetais na época

chuvosa e itens animais na época seca, conforme a disponibilidade destes itens no

ambiente, mostrando um certo oportunismo alimentar da espécie. Porém, quando

analisados os itens separados, observa-se que a espécie seleciona alguns em detrimento

de outros. A lobeira foi o principal item consumido pelo lobo-guará e seu consumo foi

maior quando a produtividade deste foi menor no ambiente, mostrando que, por frutificar

o ano inteiro, o lobo-guará procura pela lobeira em épocas de escassez de outros frutos.

Algumas espécies de pequenos mamíferos foram consumidas em maiores quantidades do

que o esperado pela sua disponibilidade, isso porque os ambientes no Parque Nacional da

Serra da Canastra não estão presentes em proporções similares e algumas espécies são

mais abundantes em alguns ambientes, além de terem vulnerabilidade a predação por

lobo-guará diferente uma das outras.

Quanto à análise temporal da dieta do lobo-guará, comparando os resultados aqui

encontrados com os outros dois realizados no Parque Nacional da Serra da Canastra

(Dietz 1984; Queirolo 2001), foi verificado que desde o final da década de 70 até os dias

de hoje o lobo-guará apresentou mudanças nos itens ingeridos, provavelmente devido a

diferença na disponibilidade alimentar em cada época. A implementação do Parque

parece ter favorecido algumas espécies de plantas, e a partir do ano 2000 alguns frutos

que não eram encontrados antes na dieta do lobo-guará tem atualmente relativa

importância na sua composição.

Constatou-se ainda que o lobo-guará, no PNSC, concentra suas atividades nos

ambientes campo úmido e campo rupestre. Os dados referentes a dieta e a

disponibilidade alimentar demonstram que o campo úmido é um ambiente favorável ao

102

forrageamento. Ao contrário, o campo rupestre parece ter pouca disponibilidade

alimentar. No entanto, é importante ressaltar que as aves não foram amostradas aqui

neste trabalho, e como já discutido, ainda não se sabe a real importância dessa presa na

dieta do lobo guará, uma vez que as penas sofrem bastante com o processo digestivo

(Reynolds & Aebischer 1991). Outra possibilidade é que o campo rupestre pode ser

utilizado para outras atividades que não o forrageamento.

Para elucidar as perguntas aqui propostas seria interessante realizar um estudo no

qual utilizasse um mapa de habitat mais detalhado, unidos com dados de telemetria, dieta

(analisando os fragmentos microscópicos) e comportamento, que poderiam tornar mais

claros os fatores que influenciam o padrão de movimentação da espécie.

Este trabalho aqui apresentado trás implicações fortes para a conservação do

lobo-guará, uma vez que mostra que a disponibilidade alimentar tem influência na

movimentação da espécie e que parece não ser o único agente atuante. Ainda, mostram

como a implementação do Parque Nacional da Canastra foi importante para a

conservação dos lobos-guará. Além de ter uma dieta mais ampla atualmente,

principalmente quando se diz respeito aos itens vegetais, o Parque ainda abriga e protege

dois ambientes que o lobo-guará utiliza com freqüência.

Portanto, mesmo que o lobo guará pareça uma espécie com relativa plasticidade

ambiental, já que se alimenta de acordo com a disponibilidade de alimento, há outros

fatores que podem moldar as atividades dos lobos que ainda são desconhecidas. Este

trabalho abre possibilidades de outras pesquisas para que se possam responder essas

perguntas e que, assim, as medidas de manejo e conservação possam ser mais eficientes.

103

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104

Anexos

Anexo 1. Lista de itens alimentares encontrados nas fezes dos lobos-guará (n = 307), bem como o número de fezes com cada item alimentar (ocorrência) e sua freqüência (%), biomassa estimada para cada item (gramas) e sua porcentagem. Fezes coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Ocorrência Biomassa

Número de indivíduos Número % Gramas %

VEGETAIS Annonaceae Annona cf. crassiflora 3 3 0,28 58,9 0,04 Annonaceae sp. 1 1 0,09 16,7 0,01 Duguetia furfuraceae 5 4 0,38 156,0 0,11 Arecaceae Allagoptera campestris 101 101 9,49 7130,0 5,07 Arecaceae sp. 1 1 0,09 20,0 0,01 Bromeliaceae Bromelia sp. 93 20 1,88 2098,3 1,49 Chrysobalanaceae Parinari obtusifolia 1888 110 10,34 18880,0 13,43 Cucurbitaceae Melancium campestre 25 19 1,79 1274,0 0,91 Ericaceae Gaylussacia brasiliensis 309 9 0,85 152,6 0,11 Erythroxylaceae Erythroxylum sp. 13 4 0,38 2,6 0,00 Fabaceae Fabaceae sp. 30 5 0,47 6,0 0,00 Malpighiaceae Byrsonima spp. 1 1 0,09 0,5 0,00 Melastomataceae Miconia spp. 196 3 0,28 39,2 0,03 Myrtaceae Campamonesia sp. 43 10 0,94 186,7 0,13 Hexachlamys humilis 1 1 0,09 5,0 0,00 Myrcia sp. 1 800 6 0,56 400,0 0,28 Myrcia sp. 2 344 5 0,47 172,0 0,12 Psidium cf. buergerianum 2 2 0,19 18,3 0,01 Psidium sp. 1 36 17 1,60 1080,0 0,77 Psidium sp. 2 36 13 1,22 902,7 0,64 Ochnaceae Ouratea sp. 2 1 0,09 0,4 0,00 Poaceae Zea mays 4 4 0,38 11,3 0,01 Rubiaceae Cordiera cf. concolor 476 15 1,41 3756,0 2,67 Psychotria sp. 32 3 0,28 16,0 0,01

105

Sabicea brasiliensis 1 1 0,09 0,2 0,00 Rutaceae Citrus sp. 1 1 0,09 44,0 0,03 Sapotaceae cf. Pradosia sp. 22 16 1,50 201,0 0,14 Pouteria sp. 2 2 0,19 60,0 0,04 Solanaceae Solanum lycocarpum 151 141 13,25 31686,1 22,54 Espécies não identificadas sp 1 6 2 0,19 1,2 0,00 sp 2 3 3 0,28 8,0 0,01 sp 3 41 3 0,28 20,5 0,01 sp 4 14 1 0,09 2,8 0,00 sp 5 7 1 0,09 1,4 0,00 sp 6 69 12 1,13 13,8 0,01 sp 7 10 4 0,38 82,0 0,06 sp 8 71 3 0,28 14,2 0,01 ARTHROPODA Coleoptera 35 22 2,07 136,5 0,10 Diptera 10 1 0,09 35,0 0,02 Hemiptera 29 1 0,09 87,0 0,06 Isoptera 1 6 0,56 3,9 0,00 Orthoptera 7 6 0,56 27,3 0,02 Não identificado 7 7 0,66 22,4 0,02 REPTILIA Squamata Serpentes Viperidae Bothrops sp. 3 3 0,28 135,0 0,10 Serpente não identificada 1 1 0,09 45,0 0,03 Sáuria Anguidae Ophiodes sp. 1 1 0,09 35,0 0,02 Scincidae Mabuya sp. 19 19 1,79 95,0 0,07 Teiidae não identificado 5 5 0,47 75,0 0,05 Tropiduridae Tropidurus sp. 6 6 0,56 210,0 0,15 AVES Casca de ovo 2 2 0,19 2,0 0,00 Galliformes 4 4 0,38 2800,0 1,99 Passeriformes Troglodytidae sp. 2 2 0,19 40,0 0,03 Passeriforme não identificado 2 2 0,19 40,0 0,03 Psitaciformes 4 4 0,38 460,0 0,33 Tinamiformes 10 10 0,94 5000,0 3,56 Aves não identificadas 75 75 7,05 3750,0 2,67

106

MAMMALIA Rodentia Muridae Akodon sp. 28 23 2,16 543,2 0,39 Necromys lasiurus 238 98 9,21 9329,6 6,64 Calomys sp. 34 20 1,88 513,4 0,37 Holochilus sp. 3 3 0,28 978,0 0,70 Nectomys squamipes 1 1 0,09 255,0 0,18 Rhipidomys mastacalis 1 1 0,09 100,0 0,07 Oligoryzomys sp. 70 37 3,48 1036,0 0,74 Cerradomys subflavus 5 5 0,47 370,5 0,26 Oxymycterus roberti 68 43 4,04 4216,0 3,00 Thalpomys lasiotis 9 9 0,85 315,0 0,22 Muridae não identificado 50 50 4,70 1750,0 1,24 Caviidae Cavia aperea 16 16 1,50 4857,6 3,46 Echimyidae Thrichomys apereoides 1 1 0,09 245,7 0,17 Dasyproctidae Dasyprocta sp. 1 1 0,09 2700,0 1,92 Didelphimorphia Didelphidae Lutreolina crassicaudata 1 1 0,09 202,6 0,14 Gracilinanus sp. 16 15 1,41 345,6 0,25 Monodelphis sp. 3 3 0,28 219,3 0,16 Didelphidae não identificado 5 5 0,47 153,5 0,11 Xenarthra Dasypodidae Dasypus novemcinctus 3 3 0,28 11100,0 7,90 Euphractus sexcinctus 3 3 0,28 14040,0 9,99 Carnivora Canidae Cerdocyon thous 1 1 0,09 5800,0 4,13 TOTAL 5620 1064 100,00 140588,4 100,00

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Anexo 2. Estimativa da disponibilidade de frutos e pequenos mamíferos disponíveis para consumo por lobo-guará, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. A quantidade de frutos foi calculada a partir da soma do número de frutos encontrados nas parcelas em cada mês (nov/05 a set/06). A quantidade de pequenos mamíferos é relativa a soma de primeiras capturas de cada indivíduo, em cada mês (set/05 a set/06).

Quantidade Biomassa Número % Número % VEGETAIS Anacardiaceae Anacardium cf. humile 47 0,01 1880 0,35 Annonaceae Duguetia furfuracea 49 0,01 4410 0,82 Aquifoliaceae Ilex affinis 42 0,01 21 0,00 Arecaceae Allagoptera campestris 1800 0,54 126000 23,48 Arecaceae sp. 5 0,00 100 0,02 Celastraceae Salacia sp. 103 0,03 3090 0,58 Chrysobalanaceae Parinari obtusifolia 10334 3,10 103340 19,26 Ebenaceae Diospyros burchellii 66 0,02 1980 0,37 Ericaceae Gaylussacia brasiliensis 2594 0,78 1297 0,24 Gaylussacia sp. 66 0,02 33 0,01 Erythroxylaceae Erythroxylum cf. campestre 125472 37,63 25094,4 4,68 Lauraceae Cinnamomum cf. haussknechtii 15 0,00 3 0,00 Malpighiaceae Byrsonima cf. variabilis 89320 26,79 44660 8,32 Byrsonima intermedia 265 0,08 132,5 0,02 Byrsonima verbascifolia 1373 0,41 686,5 0,13 Melastomataceae Miconia albicans 6947 2,08 1389,4 0,26 Miconia cf. theaezans 44271 13,28 8854,2 1,65 Miconia sp 1 2793 0,84 558,6 0,10 Miconia sp 2 894 0,27 178,8 0,03 Miconia sp 3 2611 0,78 522,2 0,10 Miconia sp 4 4461 1,34 892,2 0,17 Miconia sp 5 19688 5,90 3937,6 0,73 Myrtaceae Blepharocalyx salicifolia 313 0,09 156,5 0,03 Campomanesia rufa 232 0,07 1160 0,22 Campomanesia adamantium 713 0,21 3565 0,66 Campomanesia pubescens 100 0,03 500 0,09 Eugenia cf. bimarginata 4 0,00 12 0,00 Eugenia punicifolia 42 0,01 126 0,02

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Hexachlamys humilis 1 0,00 5 0,00 Myrcia bella 11004 3,30 5502 1,03 Myrcia depauperata 125 0,04 62,5 0,01 Myrcia guianensis 26 0,01 13 0,00 Myrcia vestita 118 0,04 59 0,01 Psidium cf. firmum 5 0,00 250 0,05 Psidium sp. 224 0,07 8960 1,67 Psiduim guineense 1023 0,31 51150 9,53 Ochnaceae Ouratea spectabilis 4022 1,21 804,4 0,15 Rubiaceae Alibertia vaccinioidis 4 0,00 32 0,01 Cordiera cf. concolor 385 0,12 3080 0,57 Palicourea sp. 5 0,00 50 0,01 Sabicea brasiliensis 180 0,05 36 0,01 Solanaceae Solanum lycocarpum 200 0,06 125000 23,30 Solanum subumbellatum 1392 0,42 6960 1,30 Verbenaceae Lantana camara 91 0,03 9,1 0,00 Total vegetal 333425 100,00 1130553 100,00 MAMMALIA Rodentia Muridae Akodon sp. 132 12,00 2560,8 5,18 Necromys lasiurus 503 45,73 19717,6 39,86 Calomys sp. 118 10,73 1781,8 3,60 Oligoryzomys sp. 82 7,45 1213,6 2,45 Cerradomys subflavus 29 2,64 2148,9 4,34 Oxymycterus roberti 119 10,82 7378 14,91 Echimyidae Thrichomys apereoides 6 0,55 1474,2 2,98 Caviidae Cavia aperea 4 0,36 1214,4 2,45 Didelphimorphia Didelphidae Gracilinanus agilis 4 0,36 86,4 0,17 Lutreolina crassicaudata 35 3,18 7091 14,33 Monodelphis domestica 64 5,82 4678,4 9,46 Monodelphis sp. 4 0,36 122,8 0,25 Total pequenos 1100 100,00 49467,9 100,00